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Sociologia
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DICIONÁRIO DE SOCIOLOGIA A Absentismo A noção de absentismo é estudada pelos sociólogos no sentido específico de ausência do trabalho O estudo do absentismo põe problemas de definição e de medida Antes de fazer a soma dos tempos de ausência é preciso saber que tipos de ausência serão contabilizados assim as mulheres têm a reputação de se ausentarem mais que os homens mas se se excluírem as licenças de maternidade a diferença apresentarseá bem pequena A medida do absentismo implica que se disponha do meio de controlar as ausências de um assalariado o que nem sempre acontece assim determinada categoria poderá parecer mais absentista que uma outra simplesmente porque as suas ausências são mais perceptíveis Um estudo efectuado pelo INSEE permitiu entretanto estabelecer que o absentismo representava em 1978 cerca de vinte dias úteis por ano ou seja 85 por cento do tempo de trabalho Calculase que esta cifra média baixou sem dúvida a partir de então Pôde verificarse que os assalariados se ausentam com maior frequência quando são pouco qualificados quando estão há pouco tempo ainda no seu posto de trabalho quando são muito jovens ou pelo contrário muito idosos quando trabalham numa grande empresa quando os salários são baixos e as taxas de doença profissional e de acidente de trabalho elevadas Nos estudos económicos a ausência do trabalho é principalmente encarada como uma perda para o aparelho de produção e um comportamento desviante que convém canalizar No quadro da sociologia das organizações o absentismo pode ser compreendido como uma das saídas do 2 sistema de interacção que constitui a organização como uma estratégia racional de compensação Abstencionismo Chamase abstencionista ao cidadão que gozando do direito de voto não participa numa consulta eleitoral O estudo do abstencionismo põe problemas de medida de conteúdo de observação e de interpretação Nos Estados Unidos da América o abstencionismo é medido pela diferença entre o número de cidadãos com idade de votar fornecido pelo recenseamento e o número de votantes Na França só são contabilizados os eleitores inscritos numa lista eleitoral e que não participam no escrutínio ora pôde estabelecerse que cerca de um francês em dez não estava inscrito nas listas eleitorais Sobreavaliado sem dúvida no primeiro caso o abstencionismo é subavaliado no segundo Em alguns países como a Bélgica o voto é obrigatório O abstencionismo encontrase portanto lá limitado aos casos de força maior Por outro lado nos regimes de partido único o abstencionismo não tem evidentemente o mesmo significado que nas democracias pluralistas Os meios de que se dispõe para o estudo do abstencionismo são reduzidos as informações fornecidas pelas listas de votantes efectivos são mais que limitadas e os dados de sondagens só com prudência podem ser utilizados O abstencionismo foi durante muito tempo considerado como um disfuncionamento do sistema democrático Nessa lógica foi interpretado como um indício de despolitização de insuficiente integração política que seria a consequência de uma débil inserção social O estudo 3 sociológico do abstencionismo parece confirmar parcialmente essa tese As categorias sociais mais abstencionistas são os jovens os velhos as mulheres sobretudo quando são não activas idosas divorciadas e os grupos de fraco nível sociocultural Admitese actualmente que a relação verificada entre uma débil inserção social e o abstencionismo não poderá ser tida como uma explicação suficiente do fenómeno Não permite de facto compreender nem as diferenças de abstencionismo verificadas entre os vários escrutínios nem o abstencionismo intermitente que é o mais frequente Longe de ser necessariamente um sinal de despolitização a recusa da opção partidária proposta pode efectivamente assentar numa postura política racional É por isso que nos trabalhos mais recentes o abstencionismo é analisado como um comportamento político autónomo uma opção estratégica do cidadão em face da oferta política que lhe é proposta D D Lancelot 1968 Lancelot Memmi 1985 Subileau Toinet 1985 Ação colectiva Ação comum que visa atingir fins partilhados Segundo A Bentley 1949 grupo e interesse são inseparáveis Os membros do grupo são solidários na acção e para a acção a empreender Nesse caso a mobilização em ordem a uma acção colectiva não levanta nenhum problema A ideia segundo a qual um grupo ou uma classe constitui uma unidade de análise é combatida por algumas teorias utilitaristas M Olson 1966 mostra que a lógica da acção colectiva não pode reduzirse à lógica da acção individual 4 Não basta que um conjunto de indivíduos partilhe um interesse comum para que estes se empenhem numa acção colectiva em ordem a satisfazer esse interesse A entrada na acção colectiva implica para cada um dos membros do grupo latente um certo custo de participação tempo dinheiro etc Ora se se verifica que o bem obtido graças à acção colectiva pode aproveitar a todos não se vê porque é que cada um dos membros do grupo não seria tentado a deixar aos outros o cuidado de suportar o custo da acção colectiva Tornase evidente nestas condições que a pura expectativa generalizada gerará um efeito perverso Boudon 1977 com efeito se todos os membros optarem pela estratégia do bilhete gratuito free rider o bem colectivo deixará de ter qualquer possibilidade de ser obtido A dimensão do grupo deve ser tida em conta nos pequenos grupos cada um terá de facto compreendido que a acção de cada indivíduo conta o que já não acontecerá nos grandes grupos por exemplo os grupos de consumidores em que os indivíduos terão tendência para pensar que a sua participação apenas pode ter uma eficácia despicienda O recurso às medidas coercitivas ou aos incitamentos selectivos permite aos grupos organizados limitar essas estratégias de defecção Um oferecimento paralelo de bens individuais lugar de responsabilidade ou qualquer outra marca de distinção que confere prestígio e respeito será um meio para estimular os recalcitrantes é assim que a esperança de ter acesso a posições electivas poderá levar um indivíduo a aceitar o custo implicado por um militantismo activo dentro de um partido político Um tal oferecimento só é possível se o grupo se dotou de uma estrutura organizacional 5 Minimizados na teoria da escolha racional fundada no paradigma económico os incitamentos morais e solidários desempenham na realidade um papel importante na emergência da acção colectiva Agir colectivamente numa colectividade em que predominam os laços de solidariedade e de amizade pode constituir uma obrigação moral para o indivíduo podendo tornarse igualmente para ele um prazer Sob este aspecto é a não participação que será custosa pois que poderá pôr em questão a imagem e a estima que o indivíduo tem de si próprio A Oberschall 1973 mostra que a ausência de laços e a decomposição das redes de interacção são um obstáculo importante à mobilização A capacidade de conduzir uma acção concertada depende pois estreitamente do grau e do tipo de organização inerentes à colectividade considerada Se a ameaça de uma repressão da parte do poder político constitui um outro obstáculo à mobilização razões de ordem ética ou ideológica são sempre capazes de desviar os actores dos seus interesses pessoais A escala de avaliação custosvantagens é portanto sempre susceptível de ser perturbada por uma ideologia portadora da esperança de um mundo melhor P M Birnbaum 1971 Chazel 1986 Hirschman 1970 Acção sociologia da Praticar uma sociologia da acção equivale a tentar explicar os factos sociológicos enquanto acções produzidas por indivíduos em resposta a uma dada situação por outras palavras a concentrar o interesse da investigação nas decisões individuais dos actores na sequência de autores como M Weber e G Simmel e não na 6 acção hipotética de factores gerais como as leis da história as ideologias etc Uma sociologia da acção deve preencher duas condições 1 não recorrer a uma explicação de tipo historicista muitas vezes tautológica por exemplo as classes oprimidas não se revoltam neste ou naquele estádio histórico porque ainda não tomaram consciência da sua opressão Isso não significa todavia que nos desinteressemos dos dados históricos concretos 2 produzir uma explicação compreensível das decisões individuais que estão na origem dos fenómenos estudados graças a modelos análogos aos da economia nesses modelos o actor escolhe uma solução porque sabe ou julga saber que é esse o seu interesse Infalivelmente aparece aqui a teoria da compreensão weberiana que tem o estatuto de modelo e não o de estudo psicológico de cada um dos autores A sociologia da acção proporá portanto hipóteses que pretendem explicar os fenómenos verificados e não reproduzir exactamente a sua realidade intrínseca A sociologia da acção de T Parsons tende assim a elaborar uma lista de tipos de acção possíveis neste ou naquele meio Esta tomada em consideração das escolhas individuais nem por isso desemboca numa colecção desordenada de fenómenos cujo fio condutor não poderíamos propor Os indivíduos não fazem seja o que for porque agem dentro de um sistema constituído pelo estado da sociedade na qual se encontram sistema que limita o número das possibilidades que lhes são oferecidas Os indivíduos têm pois tendência a escolher de preferência determinada solução que se vê aparecer sob a forma de dados estatísticos ao nível do 7 conjunto do sistema As regularidades verificadas explicam se pelo número limitado de opções concretamente disponíveis Os valores ambientais não podem explicar mecanicamente as escolhas individuais ainda que as orientem A sociologia da acção visa pois determinar como é que uma acumulação de reacções individuais a uma situação geral produz um fenómeno geral Porquê este desvio pelo indivíduo Porque se a relação entre a acção individual e o efeito geral é muitas vezes imediatamente perceptível noutros casos uma explicação que faz a economia da decisão individual falha perante um fenómeno aparentemente inexplicável a soma das decisões individuais ultrapassa ou contradiz as decisões individuais dos actores e conduz ao overshooting ou efeitos perversos Por exemplo o eleitor descontente com a política seguida recentemente pelo seu partido decide absterse a título de aviso mas quando vários dos eleitores do mesmo partido adoptam este mesmo raciocínio este último acaba por ser derrotado A intenção consciente de cada um dos actores é então ultrapassada porque eles não podiam combinar entre si e porque as possibilidades se limitam a três a favor contra abstenção L DG Boudon 1984 Crozier Friedberg 1977 Parsons 1949 Aculturação Segundo o Memorandum de R Redfield R Linton e M J Herskovits publicado no American Anthropologist de 1936 a aculturação é o conjunto das mudanças que se produzem nos modelos culturais patterns of culture originais quando grupos de indivíduos de 8 culturas diferentes entram em contacto directo e contínuo Esta definição implica que cada cultura constitua um sistema cujos vários elementos se reelaboram por ocasião desses contactos Sublinha ainda que sejam quais forem as ocasiões invasão colonização migração há aquisições trocas e reinterpretações entre as duas culturas e que nenhuma cultura se impõe completamente à outra embora com toda a evidência dado que as condições históricas criam sempre uma situação objectiva de desigualdade o contributo de umas e de outras seja desigual Redfield Linton Herskovits 1936 Herskovits 1952 Os processos de aculturação assumem formas variadas Na sequência de R Bastide 1970 falase da aculturação material quando populações adoptam marcas e modelos da cultura dominante na vida pública e nas relações secundárias mantendo no entanto o seu código cultural de origem no domínio do privado e das relações primárias É com muita frequência o que se passa com as populações imigradas Falase de aculturação formal quando as populações em presença modificam as próprias estruturas do seu modo de pensamento e da sua sensibilidade o que traz consigo uma nova cultura síntese das duas culturas de origem É a forma de aculturação dos filhos de imigrados vd migração Noutros casos verificase um processo de sincretismo populações pertencentes a duas culturas diferentes colocadas em contacto prolongado elaboram uma outra diferente das duas culturas de origem Assim por exemplo temos o caso do mundo religioso brasileiro saído ao mesmo tempo do catolicismo e dos mitos e ritos negro africanos Abov 1981 O conceito de aculturação é muitas vezes utilizado de 9 maneira mais ampla para designar todos os processos de aquisições trocas e reinterpretações que conduzem à elaboração cultural ou colectiva o que acaba por fazer dele um quasesinónimo do conceito de cultura Substitui aliás com vantagem o de cultura quando este último designa segundo a tradição da antropologia social o conjunto das maneiras de pensar de agir e de sentir de uma comunidade na sua tripla relação com a natureza com o homem e com o absoluto Por um lado a polissemia do termo cultura torna muitas vezes a sua utilização imprecisa e ambígua por outro lado empregar o termo aculturação lembra que uma cultura não é nunca um dado ou uma coisa adquirida mas um processo em elaboração e reelaboração contínuas D S Acumulação do capital Na terminologia marxista reprodução dos meios de produção e de troca graças ao investimento da parte não consumida do lucro Não deve ser confundida com as diferentes formas de entesourização Para que haja acumulação do capital é preciso que o investimento procure a máxima rendibilidade ou seja desemboque na produção do máximo de mercadorias vendíveis no mercado nas melhores condições possíveis Os múltiplos capitais em presença devem confrontarse na concorrência sobre a melhor maneira de combinar o trabalho morto os meios de produção com o trabalho vivo de maneira a subtrair aos trabalhadores assalariados a maior quantidade possível de trabalho não pago A acumulação do capital deve ser encarada como uma actividade determinada por fortes constrangimentos objectivos Os capitais que não se reproduzem de maneira alargada são chamados a 10 desvalorizarse ou a desaparecer Não pode pois tratarse de atribuir à subjectividade dos capitalistas o papel principal na dinâmica da acumulação Tudo se passa diz Marx como se um imenso autómato imprimisse o seu movimento à economia e à sociedade controlando e refreando as iniciativas humanas A produção dos conhecimentos e a ciência nas suas orientações e aplicações são também elas apanhadas nesta lógica mais forte que as relações sociais JM V Administração A palavra administração designa ao mesmo tempo uma actividade a de administrar ou de gerir e o organismo encarregado de efectuar essa actividade Nesta segunda concepção orgânica esta palavra designa na França o conjunto dos organismos encarregados da gestão dos negócios públicos Em virtude nomeadamente da tradição centralista a administração do Estado desempenha um papel preponderante em França Implantada aos níveis central e local inclui os serviços centrais dos vários ministérios por um lado e os seus serviços externos departamentais e regionais por outro Em 1986 empregava cerca de 22 milhões de agentes perto de metade dos quais na Educação Nacional Criando um quadro único para a gestão dos pessoais públicos o estatuto geral da função pública codifica os direitos e os deveres dos funcionários garantindolhes designadamente a segurança de emprego garantia de continuidade e de um mínimo de independência em relação às flutuações políticas Desde 1945 os domínios prerrogativas e modalidades de intervenção da administração foram consideravelmente aumentados e diversificados Daí 11 resulta uma fragmentação crescente do aparelho administrativo Dupuy Thoenig 1985 e uma interpenetração cada vez mais pronunciada entre as várias administrações sectoriais e os seus meios de intervenção Isso manifestase nomeadamente no facto de um número cada vez maior de postos dirigentes nos sectores industriais e financeiros serem ocupados por antigos altos funcionários membros dos chamados grandes corpos do Estado por exemplo a Inspecção das Finanças o Corpo das Minas o Conselho de Estado entre outros que de elites administrativas se transformaram em elites sociais sem mais De resto a fronteira entre a administração e a política tem se confundido cada vez mais Por um lado os gabinetes ministeriais espécie de charneira entre uma administração e o seu ministro desempenham um papel cada vez mais importante desde a chegada da V República Por outro lado o número dos antigos altos funcionários no Governo e no Parlamento aumentou de maneira paralela a ponto de terse podido falar de uma funcionarização da política que contrabalança uma politização acrescida da administração Baecque Quermonne 1982 Por fim as leis de descentralização votadas em 1982 modificaram a repartição das competências entre os escalões centrais e locais a favor destes últimos e aumentaram a autonomia das colectividades locais e dos seus representantes eleitos face à administração central Rondin 1986 E F Crozier Friedberg Grémion et al 1974 Dreyfus dArcy 1987 12 Adolescência Período que separa a infância da idade adulta Esta caracterização levanta vários problemas No séc XVIII o Émile de Rousseau assimilavase a adolescência à crise da puberdade que era mais tardia que actualmente Só em finais do séc XIX particularmente sob o efeito do prolongamento dos estudos que mantém os alunos numa espécie de infância prolongada é que a adolescência emergiu verdadeiramente como classe etária e como cadinho de uma cultura específica Entre as duas guerras espalhouse a ideia de que a adolescência não era necessariamente uma transição entre duas idades mas que a pessoa podia sentirse bem nela e nela instalarse deliberadamente durante um período relativamente longo Essa dificuldade ou essas reticências em sair da adolescência é hoje ligada ao facto de os acontecimentos que poderiam funcionar como ritos de passagem como ritos de entrada na idade adulta terem sofrido nas nossas sociedades uma dupla alteração Revestem cada vez menos o carácter de provas arriscadas e probatórias a evolução do serviço militar é disso testemunha Por outro lado apagouse mais ou menos o seu carácter de cerimónias públicas o casamento por exemplo é cada vez menos uma cerimónia solene Assim a maioria dos indivíduos passa insensivelmente da adolescência a uma aparente maturidade atravessando uma idade mal definida que alguns denominam pós adolescência e que pode durar até aos 35 anos por vezes mais A B Le Bras Béjin Yonnet 1983 Erikson 1968 13 Agregação A combinação de um conjunto de acções individuais pode enquanto tal produzir efeitos colectivos não procurados pelos próprios actores sociais e que podem a posteriori apresentarse como desejáveis ou indesejáveis A esses efeitos dáse muitas vezes o nome de efeitos de agregação ou de composição Assim quando vários indivíduos escolhem simultaneamente orientarse para tal tipo de carreira contribuem todos sem desejálo para obstruir a carreira em questão para exacerbar a competição pelos lugares disponíveis eventualmente para criar desemprego Estes efeitos de agregação revestem uma grande importância nas ciências sociais e designadamente na análise da mudança social Assim M Weber 1920 vê no desenvolvimento do capitalismo um efeito não desejado dos princípios éticos inspirados pelos puritanos K Marx e H Spencer interpretam ambos o devir histórico como um tecido de efeitos de agregação Assim segundo Marx o progresso técnico é um efeito não desejado da concorrência a que os capitalistas se dedicam entre si A noção de efeito de agregação tem relativamente à de efeito não desejado a vantagem de sublinhar que os efeitos em questão resultam da combinação de uma pluralidade de acções individuais Quando os efeitos de agregação são indesejáveis falase de efeitos perversos R B Boudon 1977 Schelling 1978 Alienação O termo alienação pertence a diversos registos de linguagem jurídico médico teológico etc Em filosofia e em sociologia descobrimolo em JJ Rousseau que o 14 define assim no Contrato Social 1766 cada associado dandose a todos não se dá a ninguém e abandona os seus direitos naturais para fazer nascer o corpo político Mas é na filosofia alemã Fichte Hegel e depois Marx que ele recebe a significação que hoje lhe é atribuída a transformação da actividade própria do homem num poder que lhe seria estranho e que o domina É em Marx que a noção se torna de algum modo numa noção de sociologia Em O Capital 1867 lêse A alienação do operário significa não apenas que o seu trabalho se torna um objecto uma existência exterior mas que o seu trabalho existe fora dele independentemente dele estranho a ele e se torna um poder autónomo em relação a ele que a vida que ele conferiu ao seu objecto se lhe opõe hostil e estranha A partir de então a alienação vai tornarse o sintoma de todos os incómodos do homem moderno e das diferentes variedades do seu sentimento de espoliamento de si próprio A extensão de um conceito fazse sempre à custa do seu rigor Falarseá da alienação colonial da alienação feminina da alienação da sociedade de consumo ou da sociedade do espectáculo Seja como for a noção mantém se inseparável dos pressupostos teológicos ou filosóficos que presidiram ao seu êxito uma concepção do sentido da história e do destino do homem da sua queda na alienação à sua redenção A A Anarquismo O anarquismo é uma doutrina política que repudia toda a ideia de autoridade contrária ao princípio da liberdade individual e em primeiro lugar a autoridade do 15 Estado SaintSimon dá uma imagem dessa sociedade libertária Não há acção útil para além da do homem exercida sobre as coisas A acção do homem sobre o homem é sempre em si mesma prejudicial à espécie Tal sociedade é concebida como um grande conjunto de contratos específicos nem imutáveis nem definitivos saídos de debates livres em que os interessados acabam por pôrse de acordo e que correspondem à heterogeneidade da vida social 16 Profissionais regionais nacionais aparentemente incoerentes esses múltiplos contratos geram o federalismo que se substitui ao Estado tal como o concebe Hobbes no Leviathan O anarquismo vê na política um espaço perverso onde se perde a autonomia da pessoa Por isso privilegia a acção sindical a acção mutualista e todas as formas de solidariedade e de associação que lhe parecem vivas não abstractas e anónimas Daí resulta uma utopia cujos contornos nos são dados por M Bakunine 1873 Quando os Estados tiverem desaparecido a unidade viva fecunda benfazeja tanto das regiões como das nações e da internacionalidade primeiro de todo o mundo civilizado e depois de todos os povos da Terra pela via da livre federação e da organização de baixo para cima desenvolver seá em toda a sua majestade P J Proudhon 1846 M Stirner 1842 Bakunine 1873 etc o teórico anarquista seja ele qual for opõese radicalmente aos teóricos do colectivismo e do comunismo que na sua opinião levam até ao fim o espoliamento do 16 indivíduo pela sociedade A A Sergent Hammel 1949 Anomia Pela sua etimologia a palavra significa ausência de normas de regras ou de leis mas a história singular deste termo conferiulhe significações diversas e mesmo contraditórias JM Guyau 1885 forja a palavra para designar a individualização inevitável e desejável das regras morais e das crenças E Durkheim tomalhe de empréstimo a palavra empregandoa em sentido oposto àquele individualismo anarquizante pois que a seu ver todo o facto moral consiste numa regra de conduta sancionada Na obra de Durkheim De la division du travail social 1893 a anomia é uma das formas patológicas da divisão do trabalho a saber a carência temporária de uma regulamentação social capaz de assegurar a cooperação entre funções especializadas Tem como origem a insuficiência dos contactos entre os papéis sociais Em Le Suicide 1897 a anomia é concebida como um mal do infinito proveniente da ilimitação do desejo humano e da indeterminação dos objectivos a atingir É característica do sistema de valores das instituições e do funcionamento das sociedades industriais modernas Desaparecida da obra de Durkheim a partir de 1902 a palavra anomia é redescoberta nos anos 30 pelos sociólogos de Harvard nomeadamente por T Parsons e R K Merton O texto deste último Structure sociale et anomie contribuiu muito para difundir a noção de anomia alterando o seu conteúdo Sem dar dela uma definição clara tende a identificála a uma situação em que o indivíduo não encontra 17 as possibilidades de atingir um objectivo definido e mesmo prescrito pela cultura Esta contradição entre o objectivo cultural e a ausência de meios lícitos pode gerar comportamentos desviantes pelo recurso a meios ilícitos À noção durkheimiana de ilimitação dos fins substituise a de limitação dos meios A revolução semântica é plenamente levada a cabo com o uso de escalas de atitude que é suposto medirem a contrapartida psíquica da anomia social sendo a mais célebre a escala de anomia elaborada por L Srole Esta escala reflecte uma visão pessimista do mundo o sentimento de que não se pode tomar em mãos a sua sorte e a renúncia 17 a toda a esperança característicos em Durkheim de uma situação fatalista oposta à anomia O sucesso desta palavra da tribo sociológica nos anos 60 particularmente na sociologia americana teve mais a ver com o seu cariz decorativo que com o seu poder cognitivo PH BD Besnard 1987 Merton 1949 Antisemitismo De criação recente foi provavelmente formada por volta de 1870 por um jornalista alemão W Marr a própria palavra antisemitismo é inadequada mas foi imposta pelo uso Designa a atitude hostil para com uma minoria particular a minoria judaica hostilidade que ao longo da história fez apelo aos motivos mais diversos e se traduziu por comportamentos variados indo da rejeição e da marginalização social até à exterminação Alguns como H 18 Arendt 1951 propuseram que se reservasse esta palavra para designar a hostilidade contra os judeus que na época moderna surge no contexto específico da sua emancipação quando aparecem dificuldades económicas políticas ou sociais sendo então denominada de antijudaísmo a hostilidade de base religiosa que prevaleceu na Idade Média Mas pode defenderse a ideia de que há uma continuidade para além das diferenças de que o antijudaísmo da Idade Média e o antisemitismo moderno são uma mesma rejeição do grupo judeu que se exprime ora em categorias de pensamento ainda religiosas ora em categorias já laicizadas Y C Chevalier 1988 Isaac 1940 Poliakov 19561977 Antropologia e sociologia Entendida no sentido restrito de antropologia social e cultural de que a palavra etnologia é sinónimo em França a antropologia constituiuse em relação estreita com a sua irmã a sociologia No séc XIX uma necessidade de reorganização social após as revoluções política e industrial suscita o nascimento da sociologia Pouco depois o interesse romântico pelo exótico converge com o desejo kantiano de criação de uma antropologia e com o projecto colonial na fundação da etnologia Esta tem como padrinhos a história natural e o espírito de antiquário a sociologia por seu turno enraízase no reformismo social e na filosofia O pensamento reflexivo pesquisas classificativas esquemas de evolução valorização dos tipos sociais tais como raças e etnias escora a acção de reforma social e visa civilizar os ditos primitivos Embora as primeiras pesquisas de J J Bachofen E B Tylor L H Morgan nos anos de 18601870 sejam contemporâneas das 19 de F Le Play K Marx H Spencer a etnologia e a sociologia afirmamse diferentes pelo seu campo de investigação Para a primeira as sociedades relativamente homogéneas en de pequena escala sem história conhecida ditas primitivas tradicionais sem escrita para a outra as sociedades complexas heterogéneas ditas civilizadas industrializadas modernas O objecto do sociólogo apresentase mais visível que o do etnólogo e a sociologia escolhe para método preferido a sondagem aferida ao passo que a etnologia pretende operar inventários descritivos completos das culturas de pequena dimensão Mas as duas ciências humanas caminham a par seguindo sucessivamente a via dos grandes frescos históricos e depois a da acumulação de documentos Mantêmse ligadas às teorias e às políticas da sua época encontram perspectivas comuns 18 organização integração adaptação constroemse por trâmites de comparação e de crítica bastante semelhantes O interesse dos sociólogos e dos etnólogos converge doravante para a pesquisa das estruturas e funções sociais e para uma análise da dinâmica das sociedades actuais Ao mesmo tempo no início dos anos 50 os antropólogos começam a dedicarse ao estudo das sociedades complexas redes políticas na Índia parentesco americano economia informal os sociólogos debruçamse sobre os aspectos simbólicos do comportamento sobre as microrelações de ordem ritual jurídica cultural e adaptam os seus métodos para abordar a política o económico o cultural nas 20 sociedades do Terceiro Mundo C R Boudon 1969 Cuisenier Segalen 1986 Grawitz 1986 Mead 1964 Apolitismo Atitude de neutralidade ou mesmo de recuo em relação à política Um fraco grau de empenhamento e uma escassa competência cognitiva constituem as suas duas principais dimensões Na incapacidade de posicionarse num eixo esquerdadireita porque privado dos conhecimentos indispensáveis à expressão de preferências partidárias o indivíduo apolítico seria tentado pela abstenção eleitoral Alguns autores sublinham no entanto que se se ligar demasiado estreitamente participação política e competência cognitiva em última análise já não poderá explicarse o empenhamento de certos operários comunistas A razão deste malentendido tem a ver em parte com a extensão variável que pode ser conferida à noção de campo político Encarada unicamente no espaço estreito da política política em si a competência política é muitas vezes concebida como o domínio de uma sábia utensilagem política e a participação vêse reduzida unicamente ao comportamento eleitoral Sob este aspecto o apolitismo doutrinal do anarquista pode levantar alguns problemas de interpretação ao recusar situarse no espaço político instituído o anarquista toma posição em relação ao político P M Lancelot Memmi 1985 Gaxie 1978 Lipset 1960 Michelat Simon 1977 ARON Raymond sociólogo francês Paris 1905 id 21 1983 Rompendo com os herdeiros de A Comte É Durkheim F Simiand Aron introduz na França a sociologia alemã dominada pela figura de M Weber La Sociologie allemande contemporaine 1935 Sobre a interrogação saída de W Dilthey sobre a objectividade das ciências históricas ele articula uma reflexão sobre a acção humana na história e as condições da opção política Introduction à la philosophie de lhistoire 1938a La Philosophie critique de lhistoire 1938b Depois da guerra Aron ajuda a descobrir através do seu ensino as obras de Tocqueville ou de V Pareto Les Étapes de la pensée sociologique 1967 As suas pesquisas orientamse para o estudo das sociedades industriais das relações que nelas se instauram entre a estrutura social e o regime político DixHuit Leçons sur la société industrielle 1962 Confrontando a experiência dos regimes constitucionaispluralistas com os processos habituais dos totalitarismos Démocratie et totalitarisme 1965 as suas análises comparativas fazem ressaltar a fragilidade e as hipóteses das sociedades democráticas a igual distância de um sistema negador das liberdades e de um Estado 19 que não se encarregasse de atenuar os rigores do acaso social a realidade das sociedades ocidentais esboça uma síntese cuja fórmula as utopias políticas falharam demasiadas vezes S M Artesão e artesanato Mais que para outras categorias 22 sociais as definições mantêmse tributárias de considerações jurídicas e administrativas contingentes O artesanato coincide praticamente com o sector das profissões e supõe uma inscrição no Registo do mesmo nome Daí resulta que o artesão é em primeiro lugar um trabalhador manual formado no trabalho por aprendizagem directa é um independente exercendo por sua conta sozinho ou com a ajuda de membros da sua família e de alguns companheiros O artesanato assim designado é uma denominação recente que remonta ao período entre as duas guerras Até à Revolução Industrial o termo artesão aplicavase ao operário sem referência a uma profissão No séc XIX assinalava um estatuto o de patrão que o distinguia da massa dos assalariados e o aproximava do lojista uma confusão motivada pelo facto de os actos de produção e de venda se recobrirem largamente donde também um problema difícil de delimitação que ainda hoje não está totalmente resolvido A dar crédito aos recenseamentos o número dos artesãos regrediu bastante depressa de 1954 a 1975 O seu efectivo estabilizouse em seguida Uma certa retoma é mesmo sensível desde 1982 beneficiando dela sobretudo os chefes de empresas artesanais de mais de cinco assalariados No total a população activa compreende 760 mil artesãos autênticos uma vez descontadas as ajudas familiares que são cerca de 150 mil A parte dos jovens de menos de 35 anos é de 26 por cento Em relação às outras categorias patronais esta proporção não é fraca mas mantémse inferior à revelada na maior parte das categorias de assalariados A falta de jovens explicase pelo facto de a instalação por sua conta exigir um capital económico que se adquire por herança ou por acumulação Tratase de factores 23 que jogam nitidamente em desfavor das mulheres estas não representam mais de 10 por cento dos artesãos instalados e encontramolas reunidas nas actividades de serviço o têxtil e o vestuário Quanto ao resto a construção civil acolhe os efectivos mais numerosos 312 mil ao passo que os artesãos de fabrico não ultrapassam os 100 mil se se excluírem os ofícios de arte Dirseá pois que o artesão resiste muito melhor onde não entra em concorrência directa com a indústria e onde pode evidenciar uma grande competência individual A sociologia não se interessou verdadeiramente por uma actividade e por um grupo que a história parecia condenar As raras análises propostas divergem tanto pela sua orientação teórica como pelo seu ponto de vista metodológico B Zarca 1983 insiste na necessidade de tomar em consideração a identidade do grupo que ele julga encontrar no espírito de profissão visto como instrumento de legitimidade e também como elemento de distinção e de reconhecimento mútuo Para C Jaeger 1982 em contrapartida a especificidade do artesanato consiste no facto de ele não permitir acumulação do capital e menos ainda a reprodução alargada da empresa A referência aos valores de profissão permanece secundária relativamente às condições reais que permitem à pequena produção mercantil 20 viver nos interstícios do capitalismo moderno Mas pode igualmente procurarse fora da situação de trabalho e da empresa os elementos necessários à compreensão do artesanato Gresle 1981 O grupo assinalase por uma 24 morfologia e uma condição sociais próprias A função de produção tal como a prática do ofício perdem então a sua função distintiva em benefício de determinantes familiares e patrimoniais que esclarecem o seu verdadeiro alcance F G Arte sociologia da A sociologia da arte realizou grandes progressos ao longo dos últimos vinte anos desde que abandonou a reflexão sobre a relação entre a arte e a sociedade para interessarse com meios especificamente sociológicos pelos contextos sociais do nascimento e da recepção das obras Foi assim que no decurso dos anos 60 a sociologia da arte se afastou das grandes sínteses de inspiração marxista que vêem na arte o reflexo da sociedade ou que de maneira menos simplificadora avançam a hipótese de uma relação de homologia entre as estruturas formais das obras e as estruturas sociais Desenvolveu pesquisas empíricas pondo em acção os conceitos e os métodos experimentados em outros domínios da sociologia Num primeiro tempo a sociologia da arte foi fortemente solicitada pela exigência institucional à procura de uma avaliação das políticas de democratização cultural As análises sociológicas dos públicos tiveram um lugar importante na investigação e originaram a publicação de obras clássicas Bourdieu Darbel 1966 Desde então trabalhos históricos e sociológicos já não se orientam apenas para o estudo do consumo cultural a frequência dos museus ou dos concertos mas também para o da percepção estética A extensão do Estadoprovidência cultural à protecção 25 social dos criadores a intervenção dos poderes públicos particularmente na França e das empresas em particular nos Estados Unidos da América nos mercados do trabalho artístico chamaram mais recentemente investigadores para temas novos morfologia das populações artísticas divisão do trabalho artístico profissões e carreiras de artistas mercados das artes políticas culturais Moulin 1985 O desenvolvimento da disciplina e o aumento do número dos pesquisadores favoreceram a concorrência das interpretações e assistese hoje a uma grande diversidade teórica A teoria do campo artístico e das suas articulações com os outros campos sociais que relaciona a análise das estratégias com um sistema de posições Bourdieu 1979 e importada mais recentemente a do mundo social da arte que se interessa numa rede de interacção entre os actores que cooperam na produção social do valor artístico Becker 1982 fornecem os principais quadros de descrição e de interpretação Dois grandes traços caracterizam a actual sociologia da arte Por um lado está menos afastada hoje que ontem dos outros segmentos da sociologia a institucionalização da arte a racionalização dos mercados a profissionalização ou desprofissionalização dos artistas põem aos sociólogos problemas familiares A sociologia da arte contribui assim para esclarecer os actores dos mundos da arte sobre as situações com as quais estão confrontados Por outro lado a extensão do conceito de arte na sua definição actual alarga o campo das pesquisas sociológicas muito para além da noção 26 21 historicamente constituída de belasartes A análise das práticas não eruditas a literatura popular a música de variedades o jazz o rock a banda desenhada etc caminha a par com a análise socioeconómica das indústrias do livro do disco da fotografia do cinema do audiovisual O regresso da palavra arte para designar aquilo que se chamava durante os anos 6070 sociologia da cultura significa em primeiro lugar que a tónica é colocada no estudo dos mecanismos sociais da etiquetagem artística Temos de felicitarnos pelos esforços levados a cabo para escapar à redução determinista mas não podemos evitar a interrogação sobre aquilo que pelo efeito conjugado do relativismo sociológico que é um postulado de método e o hiperrelativismo estético que caracteriza o séc XX é ladeado na maioria das análises isto é a qualidade da obra R M Aspiração A aspiração é um processo pelo qual um indivíduo ou um grupo social é atraído para um fim e marca a si próprio objectivos Chamase nível de aspiração o grau de êxito que o sujeito ambiciona atingir nos diferentes sectores das suas actividades escolar profissional cultural político etc Objectos de numerosos estudos de psicologia as aspirações nem por isso deixam de fazer parte do domínio da sociologia na medida em que é impossível estudálas sem situar os homens que as exprimem no conjunto das estruturas sociais na sua cultura particular e no movimento histórico em que estão implicados Chombart de Lauwe 1969 A génese das aspirações situase ao nível do 27 comportamento do indivíduo que tendo em conta os constrangimentos estruturais e económicos as representações sociais escolhe os seus fins calculando os seus custos as vantagens e os riscos O grau de autonomia do sujeito nesta escolha depende do grau de generalidade e de maleabilidade das regras e normas das sociedade As aspirações que envolvem quando as estruturas sociais mudam podem ser elas próprias factores de mudança social C PB Associação Em sentido restrito o termo designa um agrupamento de duas ou várias pessoas que põem em comum de maneira permanente os seus conhecimentos e a sua actividade numa finalidade que não seja a de partilhar lucros Juridicamente a associação opõese portanto à sociedade cujo objectivo é o enriquecimento dos associados Em sentido amplo o termo designa todo e qualquer agrupamento sejam quais forem a sua forma jurídica e a sua finalidade O fenómeno associativo que responde à propensão dos homens para se agruparem para a defesa dos seus direitos a propagação das suas ideias e a realização em comum de um objectivo colectivo desempenha um papel importante nas sociedades modernas ao mesmo tempo complexas e fragmentadas Por um lado as associações constituem um escalão intermédio entre o Estado e o indivíduo ou os grupos primários por outro lado facilitam a integração social de cada um e a aprendizagem da vida colectiva É assim que as associações constituem o lugar reconhecido de uma expressão que pode ter uma certa influência sobre as decisões políticas e ser fonte de uma mudança social 28 Y C Atitude Nas ciências sociais o termo designa uma orientação das 22 condutas ou dos juízos quando estes apresentam uma certa coerência e uma certa estabilidade É pois uma variável inobservável suposta subjacente a condutas ou a expressões verbais O termo designa com frequência uma orientação geral por exemplo a atitude antidemocrática Procurouse distinguir a atitude de outras características individuais como os traços de personalidade supostamente mais estáveis ou as opiniões que flutuam segundo as circunstâncias ou os acontecimentos Mas estas noções não têm definição satisfatória Praticamente medese com frequência e portanto definese operacionalmente uma atitude pelo que é comum a um conjunto de opiniões expressas verbalmente ou mais raramente a um conjunto de comportamentos A propósito das atitudes põemse dois problemas principais como é que elas mudam e em que medida é que elas determinam os comportamentos As pesquisas sobre as mudanças de atitude confundemse com as investigações sobre a influência mostrouse a influência de informações novas da credibilidade da fonte o papel do conformismo isto é da tendência a porse de acordo com a maioria ou noutras circunstâncias a possibilidade para uma minoria se se mostrar suficientemente coerente de modificar as atitudes de outrem Mostrouse também uma tendência para pôr as suas atitudes de acordo com a sua 29 conduta portanto para manter uma certa coerência o que constitui um outro mecanismo de modificação das atitudes As relações entre atitudes e comportamentos suscitaram pesquisas muito numerosas cujos resultados se apresentam como contraditórios À primeira vista as primeiras deveriam determinar os segundos Mas uma atitude não é em geral o único determinante de um comportamento constrangimentos interesses outras atitudes podem também intervir assim como as atitudes para com os outros comportamentos possíveis Além disso se a ideia de que as atitudes determinam o comportamento é a mais imediata a relação inversa é também possível B M Montmollin 1985 Autogestão Em sentido restrito a autogestão é a gestão das empresas por aqueles que nelas trabalham em sentido amplo é um modelo que opondose ao modelo leninista de um socialismo estatal burocrático autoritário define uma gestão descentralizada da sociedade e da sua economia socializada A autogestão confundese então com o federalismo de Proudhon que via nela um regime que permite suprimir o entrave constituído pela propriedade sem cair nas contradições da comunidade A A Autoridade O tema da autoridade foi abordado sob ângulos tão variados no quadro da filosofia política e das ciências sociais que deu lugar a uma pluralidade de concepções mas podemos procurar por detrás da diversidade um núcleo comum 30 Conformarse ou submeterse à autoridade equivale a reconhecer na vontade ou no juízo de uma outra pessoa um princípio pertinente de acção ou de apreciações sem que se tenham previamente pesado os prós e os contras a atenção voltase então para a fonte da comunicação muito mais que para o seu conteúdo é de facto a ela que se obtempera ou se aquiesce É essa sem dúvida a característica fundamental da autoridade 23 mas as opiniões divergem quando se trata de responder à questão dos seus fundamentos Um primeiro tipo de concepção consiste em fazer da autoridade um modo de regulação normativa assim T Parsons acaba por definir a autoridade como a institucionalização dos direitos dos dirigentes políticos a controlar as acções dos membros da sociedade em tudo o que se refere à realização dos fins colectivos 1960 nesta perspectiva a autoridade instaura uma responsabilidade diferencial a partir de um acordo prévio sobre os objectivos prioritários Uma segunda concepção muitas vezes qualificada de realista tende a encarar a autoridade sob o ângulo da imposição Se se acompanhar esta corrente de pensamento o fundamento essencial da autoridade deve de facto procurarse do lado do poder de impor fazendo apelo se for caso disso à coerção assim M Weber 1922d distingue ao lado da dominação económica a dominação em virtude da autoridade que se reconhece precisamente no poder de ordenar e no dever de obedecer ela consiste segundo os seus próprios termos num poder de mandar dotado de autoridade autoritärer 31 Befehlsgewalt Não poderá pois estabelecerse dicotomia radical entre autoridade e coerção mas como mostra Weber a insistência no mando não exclui a consideração da legitimidade e das formas mais importantes que ela pode revestir Por fim segundo uma terceira concepção a autoridade seria primeiramente fundada na competência A autoridade profissional médico advogado tem muito a ver com este modelo assentando num saber especializado é sobretudo de tipo fiduciário o cliente confia globalmente na competência superior do especialista sendo ao mesmo tempo incapaz de avaliar a pertinência das suas directivas Mas este modelo de autoridadecompetência não pode ser generalizado à autoridade política nem à autoridade burocrática a despeito de uma tendência recorrente no pensamento social desde SaintSimon F C Bourricaud 1961 Friedrich 1858 Jouvenel 1935 Sennett 1980 Autoritária personalidade A expressão personalidade autoritária foi lançada pelo livro devido a T W Adorno e a uma equipa de psicólogos e psicossociólogos de Berkeley 1950 O objectivo destes autores era referenciar e medir as correntes ideológicas antidemocráticas por meio de escalas de atitude e pôlas em relação com outras atitudes e com as tendências profundas da personalidade A escala de autoritarismo também chamada escala F de fascismo potencial compreende várias componentes tais como a submissão à autoridade a superstição e a adesão a estereótipos a projecção nos outros das suas pulsões inconscientes a agressividade em relação aos desviantes etc 32 Está fortemente relacionada com escalas que medem o anti semitismo e o etnocentrismo preconceitos para com os negros outras minorias e pseudopatriotismo Esta escala F foi sob uma forma condensada a escala de atitude mais utilizada nos inquéritos sociológicos dos anos 50 e 60 Apresentava no entanto sérias dificuldades técnicas escala do tipo Likert em que as propostas eram unilaterais e estereotipadas estava enviesada pela tendência para a aprovação PH BD Alexandre 1971 Lancelot 1962 25 B Bando Grupo de jovens mais ou menos estruturado que a sociologia caracteriza em relação ao meio em que vive Após primeiros estudos sobretudo sensíveis à desorganização social de certas zonas urbanas insistiuse em dois aspectos por um lado a resposta subcultural à frustração proletária ou a reacção a condições de vida que impedem o acesso ao êxito social por outro a manifestação de um conflito entre os jovens e a sociedade adulta A tónica colocada na dramatização hostil por parte da sociedade local ou mesmo dos media e das instituições oficiais sofre seguramente de um certo unilateralismo Uma visão mais equilibrada consiste em analisar o bando através de uma 33 radicalização das atitudes segregativas que actua entre o interior e o exterior do bando Este modelo é susceptível de integrar um ou outro dos elementos libertos ou uma das suas combinações PH R Lagrée Lew Fai 1985 Maugé Fossé 1977 Monod 1968 Robert Lascoumes 1974 Behaviorismo Teoria psicológica segundo a qual todo o comportamento ingl behavior é uma resposta a estímulos exteriores que actuam sobre os órgãos dos sentidos Watson Influenciou uma importante corrente da sociologia americana consagrada ao estudo do condicionamento social das condutas individuais e colectivas Contudo o behaviorismo social toma em conta os factos de consciência na medida em que as situações sociais só influenciam essas condutas em função da significação que lhes atribuem actores socializantes numa cultura e que têm papéis específicos Mead 1934 Psicologia sociologia e antropologia devem pois concorrer neste domínio graças à elaboração de conceitos tais como os de atitude de aprendizagem ou ainda de valor social Mas é no plano epistemológico que o behaviorismo marcou mais essas disciplinas ao insistir na necessidade de testar empiricamente toda a hipótese e de construir apenas conceitos operacionalizáveis é a lição retida pelo behaviorismo em ciência política CH C Biografia A biografia constitui uma das fontes que os etnólogos utilizam de maneira privilegiada mas que pode 34 também contribuir para o conhecimento sociológico e histórico As histórias de vida pertencem à tradição sociológica Por exemplo a obra de W Thomas e F Znaniecki 19181921 sobre Le Paysan polonais en Europe et en Amérique é em grande parte fundada sobre narrativas de vida e documentos pessoais a sociologia e a antropologia social americana utilizaramna muito a partir dos anos de 19251930 Como escreveu C LéviStrauss a autobiografia permite reconstituir uma cultura do interior e analisar a maneira como se articulam e se interiorizam as instituições e os costumes analisados pelo investigador A sua utilização levanta contudo dois problemas um de metodologia e outro epistemológico A utilização das biografias corre o risco de suscitar sempre uma dupla ilusão a de tocar a própria realidade a de atingir a totalidade Ora as narrativas não são o reflexo da própria realidade ou do vivido por definição inacessível Como o tinham já sublinhado no fim do 26 séc XIX G Simmel e W Dilthey estas narrativas propõem uma reconstrução intelectual de um passado inevitavelmente orientada pela presença do investigador quando se trata de uma conversa e em todos os casos pelo trabalho da memória e pelo significado que a evolução do presente dá ao passado A utilização da biografia corre também o risco de dar ao investigador a ilusão de que pode ter acesso à essência do indivíduo do grupo familiar e mesmo do grupo social na sua totalidade e de que pode assim fazer a economia do esforço 35 de análise e de inteligibilidade específica do trabalho científico A biografia não constitui de maneira nenhuma o equivalente do conhecimento é um documento em bruto com frequência evocador ou emocionante literariamente superior à análise rigorosa mas que tem de ser tratado como todos os documentos todas as informações todos os dados em bruto tem de ser criticado avaliado inserido na análise ou na demonstração Não deve fascinar o investigador a ponto de fazêlo renunciar ao trabalho de conhecimento propriamente científico O outro problema incide sobre a significação do caso individual para o conhecimento dos fenómenos colectivos objecto primeiro do conhecimento sociológico que é que se conhece de generalizável a uma sociedade ou a uma cultura dada a partir de um relato feito por um indivíduo sobre si próprio ou de um relato centrado sobre um indivíduo Os métodos das ciências humanas só se justificam pelo objecto da pesquisa As biografias são documentos particularmente ricos para analisar as relações entre o indivíduo e a sua cultura Quando se trata de estudar outros problemas sociológicos os contributos das biografias são mais fracos D S Bruxaria Enquanto poder de causar dano aos outros por meio de uma acção espiritual a bruxaria distinguese do feitiço produzido pelo lançador de maus olhados que utiliza meios materiais Os Azandé estudados por E E Evans Pritchard 1937 crêemna ligada a uma substância que o corpo de certos indivíduos contém e que se herda do progenitor do mesmo sexo Ninguém sabe a não ser por 36 autópsia post mortem se possui tal substância Enquanto inconscientes das suas acções nocivas os bruxos não são objecto de nenhuma reprovação moral mas a bruxaria é uma fonte importante de preocupações Condenada como acto ofensivo maléfica para o grupo social na medida em que se supõe ser responsável pela doença pela morte pela má colheita pelo fracasso nos negócios a agressão pelo bruxedo supõese empreendida por um indivíduo ou um grupo de indivíduos que se suspeita devorarem as almas vampirismo terem o dom da dupla visão circularem de noite poderem desaparecer à sua vontade inversão e acção em duplicado metamorfosearemse As orgias de bruxaria evocamse em fim de festim canibalesco após o assassínio de uma pessoa Entre os critérios de reconhecimento dos bruxos figuram os desvios em relação às normas os excessos de afeição de pobreza ou de riqueza a esterilidade o encarniçamento na luta pelo poder o rancor tenaz contra um membro da família Meio de detectar os bruxos o oráculo indica também os meios rituais para protegerse deles encantamento exorcismo banimento morte A teologia do séc XVI juntava a propósito das bruxas o delírio do espírito a heresia e o frenesim sexual 27 A obsessão do diabo favorecia a caça às bruxas e o sacrifício ritual visava acalmar os medos saídos das perturbações deste período de mutação A bruxaria mantém o temor dos desvios e das tensões nocivas à sociedade e joga assim a favor da manutenção da 37 ordem social Sociologicamente é tranquilizante na medida em que se tem a sensação de ter identificado um mal e poder remediálo Psicologicamente funciona como elemento dissuasor ao nomear os motivos de ansiedade e ao desviar a hostilidade para um factor preciso de nocividade Ideologicamente explica pela acção de espíritos maus a selectividade dos acidentes das desgraças das calamidades que atingem uns e não outros Explicase também pelos infortúnios da libido e pela projecção das paixões C R FavretSaada 1977 Mair 1969 Burguesia Nas sociedades agrárias da Idade Média o termo designa os habitantes de uma cidade que pela sua actividade não agrícola gozam de privilégios particulares De K Marx a W Sombart 1913 ganhouse o hábito de fazer do burguês o portador do espírito capitalista A burguesia é vista como uma força de progresso que leva à liquidação do modo de produção feudal substituindoo por um modo revolucionário porque fundado na grande indústria e no domínio do capital Marx mantémse no entanto sensível à variedade da burguesia da qual isola três fracções de interesses diferentes a imobiliária a financeira e a industrial M Perrot 1961 e J P Chaline 1982 confirmam a hipótese da diversidade da classe no seu pleno florescimento no séc XIX Os seus pilares são então a advocacia a medicina e a empresa O seu domínio não assenta apenas na posse dos meios de produção nem no dinheiro Os costumes a educação o modo de vida distinguem nitidamente os burgueses Goblot 1925 sem falar da consciência de constituírem um escol apto a dirigir as sociedades modernas 38 Estes traços não desapareceram nos nossos dias Mas o sociólogo utiliza pouco um conceito que tem o mérito de lembrar a permanência dos grandes tipos sociais F G Burocracia Na linguagem corrente a palavra burocracia ganhou uma conotação pejorativa E sinónimo de lentidão de processos inutilmente complicados e a burocratização designa então o processo pelo qual uma actividade ou uma organização se tornam rígidas Na visão mais normativa do sociólogo estes fenómenos são considerados como disfunções burocráticas isto é como efeitos negativos não previsíveis produzidos por um modo de organização cada vez mais espalhado nas sociedades modernas Com M Weber 1922a poderseia caracterizála pelos traços seguintes pela continuidade inserese numa ordem legal que o detentor da autoridade hierárquica não faz mais que aplicar pelo predomínio do processo escrito pela existência de um corpo de regras impessoais que delimitam com precisão as esferas de competências e os direitos e deveres de cada um por uma hierarquia das funções que cria laços de subordinação claros pelo facto de o acesso aos vários postos se fazer exclusivamente em função da qualificação publicamente constatada exames ou concursos finalmente pela separação entre as funções de direcção e a posse dos meios de produção Para Weber um tal modo 28 de organização que caracteriza sem dúvida as 39 administrações públicas mas também a maior parte das organizações industriais e comerciais de uma certa dimensão é superior às organizações tradicionais porque graças à formalização e à estandardização das actividades permite um funcionamento regido por regras mais objectivas e portanto mais regular e mais previsível Está destinado a desenvolverse justamente em virtude da sua maior eficácia R Merton 1949 e M Crozier 1964 puseram em evidência que as características organizacionais de formalismo e de impersonalidade traziam consigo consequências disfuncionais sobre os componamentos dos membros da organização que iam não apenas contra a eficácia desta mas que produziam além disso círculos viciosos de burocratização sendo estas consequências não previstas combatidas por uma acentuação dos traços organizativos de partida Em segundo lugar mostraram que estas características preenchiam funções latentes para os membros da organização ou seja que permitiam reduzir as tensões interpessoais inerentes às necessidades da subordinação e do controlo nas actividades organizadas A burocracia longe de ser uma fatalidade em virtude da sua eficácia apresentase nesta perspectiva simplesmente como uma das soluções possíveis para o problema da acção colectiva isto é da organização de uma cooperação entre actores por certo interdependentes mas ao mesmo tempo relativamente autónomos E como tal ela é um fenómeno profundamente cultural no sentido em que o seu desenvolvimento é condicionado pelas capacidades relacionais e organizacionais dos membros de uma sociedade Por isso pôde ligarse o desenvolvimento da burocracia à francesa com os traços culturais profundos da 40 sociedade francesa Crozier 1964 Mas é também nesta perspectiva que se pode procurar compreender o desenvolvimento recente de modos de organização cada vez menos burocráticos num número crescente de empresas industriais e comerciais ou mesmo de serviços administrativos E F 29 C Camponês R Redfield 1956 distingue o camponês do agricultor O primeiro goza de uma relativa autonomia no seio de uma sociedade global não industrial que o domina sem esmagálo A especialização das suas tarefas quando existe fazse no quadro do grupo doméstico que é a unidade de base de uma rede aldeã de interconhecimento Os seus contactos necessários com o exterior são assegurados pelos notáveis que são os seus intermediários reconhecidos Neste modelo todos os membros da comunidade seja qual for a sua relação com a terra são camponeses e a sociedade dita camponesa modela os valores e os costumes dos que são seus membros A hipótese é sedutora Mas se se definirem os camponeses pela sua inclusão numa sociedade mais ampla Mendras 1976 não se vê como é que eles poderiam constituir uma sociedade específica Convém pois considerar para a época actual que subsistem colectividades camponesas compostas principalmente por agricultores isto é por trabalhadores da terra proprietários dos seus meios de 41 produção Em toda a parte o advento das sociedades industriais conduziu à sua derrocada numérica A originalidade da França neste capítulo consiste no facto de este recuo ter sido nela mais sensível que noutros lados Em 1954 a população activa compreendia 4 milhões de agricultores Este efectivo caiu para 3 milhões em 1962 e para 17 milhões em 1975 ou seja verificouse uma diminuição anual média de 44 por cento Apesar de um certo afrouxamento na descida destes últimos anos 23 por cento os agricultores não passavam de 13 milhões em 1985 altura em que representavam menos de 7 por cento da população activa Embora seja difícil medir a participação exacta das mulheres a agricultura continua a ser muito masculina 37 por cento dos exploradores agrícolas declarados são mulheres à qual os estrangeiros não têm praticamente acesso são menos de 1 por cento Este rápido declínio foi acompanhado de um nítido envelhecimento da população envolvida Em 1982 apenas um agricultor em cinco tinha menos de 35 anos e poucos filhos aceitam suceder a seus pais na exploração da terra Mas estes traços duráveis não poderão esconder as transformações em curso Se as entradas na agricultura são agora pouco numerosas elas verificamse numa idade mais tardia e parecem mais firmes Há que ver em tal facto o resultado de uma formação mais adaptada 58 por cento dos menos de 35 anos têm um diploma profissional contra os 14 por cento dos mais velhos e de uma evolução das explorações que são mais modernas e menos exíguas que no passado sobretudo quando pertencem a jovens A imagem do agricultor já de idade chefe de uma família de grande dimensão de fracos rendimentos se bem que mal captados 42 já não é realista E mantêmse fortes disparidades que desmentem a proclamada unidade do mundo camponês Gervais et al 1976 Baseandose nesta verificação os sociólogos divergem nos seus juízos sobre o futuro do campesinato ocidental Para uns ele deixou praticamente de existir Mendras 1967 ainda que a utopia rousseaunista de comunidades autónomas subsista e alimente os projectos fantasmáticos daqueles que procuram abolir as barreiras que separam o rural do urbano Outros mais próximos do marxismo consideram que se produziram 30 mutações decisivas após a última guerra quando os camponeses tornados agricultores foram integrados à força no sistema capitalista Obrigados a abandonar a policultura autárcica foram autoritariamente orientados para a produção de valores de troca regulados pelo mercado Jollivet et al 1974 Mas se a proletarização de uma fracção dos camponeses é inegável ela revelase incapaz de traduzir por si só o abalo que o campesinato conhece actualmente F G Capitalismo O termo aparecido no início do séc XIX acabou por imporse para designar uma certa organização das actividades económicas Paralelamente a noção de capitalismo serviu de ponto de reunião para todos aqueles que rejeitavam este ou aquele aspecto do mundo moderno Recebeu portanto ao longo do mesmo séc XIX uma acepção cada vez mais negativa de que parece difícil e inútil 43 libertála O termo designa de facto quatro realidades ao mesmo tempo económicas políticas e culturais No primeiro sentido o capitalismo é definido pela apropriação privada dos meios de produção Essa apropriação é acompanhada por uma separação entre o ou os detentores do capital e o trabalho indispensável à sua activação O anticapitalismo visa eliminar esta separação quer ao permitir a todos os trabalhadores de uma unidade de produção tornaremse os proprietários colectivos do seu capital quer ao transferir para o Estado a propriedade de todo o capital de um país Num segundo sentido o capitalismo é compreendido como uma economia de mercado em que os produtores e os consumidores se encontram em mercados regulados para trocar e partilhar bens e serviços Estes encontros dão lugar a inúmeras negociações que acabam por concluirse e exprimirse em preços Cada preço é uma informação que traduz raridades relativas que permite aos agentes económicos tomar decisões de compra de venda de investimentos de poupança cuja agregação favorece a eficácia do aparelho económico no seu conjunto O anticapitalismo propõese substituir o mercado por uma planificação gerida pelas autoridades políticas Numa terceira acepção o capitalismo é o regime económico animado pelos capitalistas ou pelos empreendedores ou pelos capitães de indústria Um empreendedor é um actor social que faz a aposta de que ao combinar capital trabalho matériasprimas máquinas patentes etc oferecerá um bem ou um serviço susceptível de encontrar no mercado uma procura solvível O lucro é a recompensa monetária de uma aposta mantida Como uma 44 iniciativa lucrativa suscita de imediato outras iniciativas a concorrência tende constantemente a dissolver o lucro Este só pode renascer a partir de uma nova iniciativa a menos que os proponentes de bens ou de serviços consigam impedir a entrada no mercado de novos concorrentes O anticapitalismo propõese substituir os empreendedores quer por funcionários públicos quer por responsáveis eleitos pelos membros da empresa Estas três primeiras definições do capitalismo não são reservadas ao mundo moderno que emergiu na Europa no fim do séc XVIII e no séc XIX Encontramos exemplos seus um pouco por toda a parte na história dos diferentes povos A última acepção própria do mundo moderno designa uma civilização que parece atribuirse como 31 objectivo prioritário o aumento indefinido da produção e do consumo de bens e de serviços Este crescimento sem fim é tornado possível pelo desenvolvimento científico e técnico que permite aumentar a eficácia do aparelho de produção oferecer preços relativos cada vez mais baixos e alargar o círculo do consumo a candidatos cada vez mais numerosos mais repletos e menos satisfeitos O anticapitalismo considera que uma civilização centrada na economia não dá resposta aos fins autênticos do homem Propõe aos homens que se regresse a valores mais nobres religiosos éticos militares políticos ou estéticos J B Braudel 1979 Mantoux 1906 Marx 1867 Schumpeter 1942 45 Carácter nacional A ideia de carácter nacional ligase a três correntes principais 1 Na corrente germânica da psicologia dos povos desenvolvida à volta de M Lazarus H Steithal nos anos 1860 as noções de espírito de um povo Völksgeist e de alma de um povo Völksseele aparecem como centrais Para elaborar uma psicologia da cultura W Wundt interessase nas criações do espírito colectivo a língua a arte o mito e os costumes A ideia de carácter nacional tornase o objecto a construir por uma Völkercharakterologie Mas seguidamente ao identificar certas nações com raças puras que não existem em lado nenhum e ao ligaremse a mitos a que votavam um culto idolátrico os membros deste grupo desacreditaramse pelo seu racismo pangermânico 2 A antropologia culturalista americana nos anos 40 e entre os seus representantes A Kardiner e R Benedict nomeadamente procura identifcar as estruturas reaccionais comuns provenientes do mundo da educação das crianças que se traduzem por comportamentos adultos do mesmo tipo e que contribuem para a manutenção das estruturas sociais Produto da família dos usos da educação a personalidade de base é especificada num quadro cultural nacional para as sociedades modernas o Japonês o Brasileiro étnica para as sociedades tradicionais tipo apolíneo do Hopi Seriam mais especialmente características suas as técnicas de pensamento ou constelações de ideias a formação do superego as atitudes para com os seres sobrenaturais 3 A escola francesa de etnopsicologia à volta de A Miroglio 1958 procura construir uma ciência das 46 diferenças entre tipos etnopsíquicos O carácter nacional definirseia pelas crenças reacções e condutas distintivas pelas propriedades psicológicas ou somáticas comuns aos membros de um grupo considerado constituindo um conjunto mais ou menos estruturado e relativamente estável através da diversidade das situações Mas como ler o homogéneo no diverso C R Gorer 1949 Riesman 1955 Stoetzel 1954 Carisma O carisma representa uma forma de poder pessoal graças ao qual o guia o herói o chefe de qualidades supostamente extraordinárias e sobrehumanas atrai para ele a multidão dos seus fiéis O líder carismático não pertence apenas às épocas recuadas da história nos nossos dias encontramolo ainda em sociedades em vias de desenvolvimento e nas sociedades consideradas as mais modernas É que mesmo que não se exprima através do direito e da lei o poder do líder 32 carismático é também ele considerado como legítimo nas sociedades mais racionalizadas Só que estando ligado à personalidade do seu detentor permanece muito frágil e provisório Como é quase impossível tornálo permanente institucionalizálo e transmitilo sobrevêm crises na maioria das vezes quando o herói desaparece P B Casamento Nas sociedades simples como nas sociedades 47 camponesas tradicionais o casamento apresentase como um acto de ordem política e económica as decisões neste domínio são tomadas pelas linhagens e pelos grupos familiares que controlam assim directamente o processo da sua reprodução Nas sociedades desenvolvidas como a França escolha do cônjuge e formação do casal tornaramse um assunto de ordem privada o que não os impede de continuarem a ser um elo fundamental da reprodução da sociedade Em França as pessoas casamse menos que no passado E no entanto os casais mantiveramse quase tão numerosos como dantes porque o défice em casais casados foi globalmente compensado pelo aumento dos casais que vivem em simples coabitação O casamento quando se verifica já não é de resto aquele rito imponente que determinava para cada um dos parceiros a entrada numa nova vida Nos anos 80 a maioria dos casamentos fazse na sequência de um período de coabitação juvenil Esta maior flexibilidade da entrada na vida conjugal inscrevese numa recomposição dos modos de passagem à idade adulta Maior precocidade das primeiras relações sexuais e atraso na obtenção do primeiro emprego estável introduzem uma discordância de calendário que o desenvolvimento da união informal permite regular parcialmente A entrada na vida conjugal é um fenómeno mais carregado de consequências para as mulheres que para os homens Quando a situação social das mulheres se modifica as suas práticas matrimoniais transformamse igualmente Ora a relação das mulheres com o trabalho mudou muito a partir dos anos 60 Ao mesmo tempo que a sua proporção se elevava na população activa os empregos mudavam As 48 configurações conjugais outrora dominantes associando um homem e uma mulher numa mesma unidade produtiva familiar ou então um homem trabalhando no exterior enquanto a mulher se consagrava ao seu lar reclamavam uma forma de compromisso bastante estável e bastante rígida entre os cônjuges O casamento preenchia esse papel protegendo a mulher mas consagrando ao mesmo tempo a perda da sua autonomia Actualmente quando ambos os parceiros são assalariados e as mulheres ganharam a sua autonomia financeira estas têm menos necessidade de uma forma conjugal constrangedora e podem contentarse com um casamento sem papéis Decididamente a união sem casamento deve uma boa parte do seu sucesso ao facto de ser uma forma flexível e neutra ideologicamente heterogénea que corresponde segundo os casos a uma primeira tentativa de vida comum ou a um compromisso quase matrimonial O desenvolvimento da união informal e a evolução dos comportamentos sexuais não levaram de modo nenhum a um enfraquecimento da homogamia social cuja força A Girard constatava já num inquérito realizado em 1959 Continuase a escolher parceiros socialmente próximos O que mudou foram os mecanismos que produzem essa homogamia 33 Pode verse isso mesmo examinando os lugares em que se encontra pela primeira vez o seu cônjuge Actualmente os encontros fazemse num amplo leque de lugares Aos lugares de estudo ou de trabalho há que acrescentar a diversidade das actividades de lazer e dos lugares públicos Mas tal diversidade é muito recente Nos anos 20 dois casamentos 49 em três eram concluídos na sequência de um encontro no baile no quadro do trabalho na vizinhança ou por ocasião de uma visita a um particular Cinquenta anos mais tarde estas quatro circunstâncias representam apenas um terço dos encontros O facto marcante é o declínio regular dos encontros de vizinhança Era o mais importante modo de encontro dos anos 20 quase desapareceu nos nossos dias Na longa duração a instituição produtiva por excelência é o baile O seu contributo para a formação dos casais atinge o seu máximo histórico nos anos 60 não menos que um encontro em cinco para depois cair para metade A medida que o baile declina o seu público é cada vez mais rural O êxito matrimonial dos bailes afirmouse nos campos com o aumento do êxodo rural e o declínio do interconhecimento O desenvolvimento considerável dos encontros em lugares públicos rua cidade bairro café centro comercial hospital etc nos anos 60 traz ao declínio dos encontros entre vizinhos uma compensação mais estável que o baile No espaço privado o encontro proporcionado por um membro ou um amigo mais velho da família cede o lugar ao serão dançante autogerido pela jovem geração Do olhar vigilante da família e da vizinhança passouse à intervenção mais maleável dos grupos de pares Não se escolhe um lugar qualquer para encontrar o seu cônjuge As classes populares descobrem o seu cônjuge nos lugares públicos abertos a todos festas públicas feiras bailes rua cafés centros comerciais passeios cinema meios de transporte etc As classes superiores por seu turno travam conhecimento com o seu cônjuge nos lugares reservados onde não entra qualquer um associação lugar de trabalho restaurante boîte concerto etc cujo acesso é regulado por um 50 numerus clausus obtido formalmente por selecção ou cooptação ou de modo igualmente seguro pelo efeito dissuasor que exercem certas regras de comportamento próprias da instituição Por detrás da multiplicidade dos cenários de encontro patenteiase uma lógica social da homogamia A oposição fundamental do fechado e do aberto tende a segmentar o mercado matrimonial sem que seja preciso necessariamente ver nisso o efeito de estratégias específicas uma parte considerável do trabalho de selecção realizase já a montante através de práticas de sociabilidade O mercado matrimonial poderia funcionar se tivesse de contar unicamente com as estratégias dos interessados M B Bozon Hérau 19871988 Roussel 1975 Singly 1987 Casta A palavra designa uma organização social original que se encontra apenas na Índia desde há cerca de dois mil anos A palavra que significa puro em português é infeliz porque mistura duas realidades muito diferentes numa designação única e põe a tónica numa dimensão religiosa real mas secundária O regime das castas é em primeiro lugar um regime de ordens ou de estados em que as pessoas são catalogadas hereditariamente em algumas categorias definidas legalmente 34 sancionadas politicamente e especializadas funcionalmente Na Índia estas ordens ou estados chamamse varna e são em 51 número de quatro Os brâmanes são especialistas do sagrado os kşatriya reservam para si a guerra e a política os vaiśya são os produtores agricultores criadores de gado artífices negociantes os sudra são os servidores dos três primeiros varna Com o tempo os excluídos do sistema os foracastas acabaram por constituir uma quasevarna de intocáveis De facto este regime de varna nunca teve realidade permanente a não ser nos escritos dos brâmanes Praticamente nunca houve desde os últimos séculos que precederam a era cristã senão brâmanes sudra e intocáveis Um regime de ordens é coisa corrente Único na Índia é o regime das jati a que deveria ser reservada a palavra casta A jati é um grupo humano articulado em dois níveis Ao nível da circunscrição englobando uma centena de aldeias ou mais é um grupo estritamente endógamo composto de famílias alargadas exógamas separado dos outros grupos de igual definição por um conjunto complexo e rígido de regras de poluição especializado em certas actividades económicas colocado numa hierarquia no cume da qual figura sempre uma jati de brâmanes tendo uma organização própria capaz de resolver os diferendos internos e de gerir os interesses comuns Ao nível da aldeia cada jati é representada por um segmento Todos os segmentos da aldeia estão ligados uns aos outros por um sistema de prestações e de contraprestações em bens e em serviços Estas trocas são dissimétricas e jogam a favor dos segmentos da jati proprietários da terra O regime das jati é próprio da Índia Tem de notável o facto de permitir a perpetuação de unidades sociais e regionais assegurandolhes uma autarcia económica religiosa demográfica e afectiva quase completa fora de 52 todos os enquadramentos políticos estáveis J B Baechler 1988 Bouglé 1908 Dumont 1966 Senart 1896 Categorias socioprofissionais Elaboradas pelo INSEE têm como objectivo classificar o conjunto da população activa francesa num número restrito de grandes categorias que têm uma certa homogeneidade social As pessoas que pertencem a uma mesma categoria presumese poderem manter relações entre si terem comportamentos e opiniões aproximadas consideraremse como pertencendo a uma mesma categoria e serem consideradas como tais pelos outros Não se trata de uma simples classificação estatística As categorias consideradas reflectem a representação que a sociedade pode ter de si própria num dado momento A nomenclatura corresponde a palavras usuais da língua francesa operários empregados quadros etc de maneira que as pessoas que pertencem a essas categorias terão tendência a utilizar esses mesmos termos para designar a sua situação profissional Este sistema de classificação é o desembocar de uma longa acumulação histórica Integra e sintetiza as diferentes maneiras como as profissões foram sendo registadas à maneira que a sociedade se diversificava Não é pois de espantar que uma tal nomenclatura remeta para múltiplas dimensões é ao mesmo tempo uma divisão em profissões uma grelha de qualificações uma hierarquia de aptidões uma escala de estatutos sociais e um recorte em meios que agrupam pessoas próximas pelos seus comportamentos sociais De um ponto de vista 53 35 teórico este sistema assenta numa lógica da estratificação social diferentemente de uma decomposição em classes sociais é uma classificação total contínua e ordenada De um ponto de vista prático o código corresponde a uma dupla preocupação obter uma classificação que dê correlações fortes com diversas categorias económicas políticas demográficas etc e satisfazer os utilizadores que pedem uma descrição simplificada em alguns grandes grupos com uma cifragem fácil e facilmente interpretável Pensada para satisfazer o máximo de utilizações a classificação socioprofissional é necessariamente imperfeita para cada um desses usos em particular O código das categorias socioprofissionais foi utilizado em todos os campos da sociologia nomeadamente na sociologia da educação na sociologia eleitoral ou para o estudo da mobilidade social Foi a partir dessas categorias que se definiram as percentagens dos modelos de inquérito Esta classificação apresenta além disso a vantagem de facilitar o confronto de inquéritos diversos e de permitir úteis comparações no tempo Para tal tem de conciliar dois imperativos contraditórios a estabilidade das categorias e a adaptação à evolução da estrutura social É por isso que desde a sua criação em 1954 até 1982 o código conheceu apenas ligeiras modificações Em 1982 foi objecto de uma reforma que conduziu a uma nova nomenclatura dita das Profissões e categorias socioprofissionais PCS D D Porte 1961 Desrosières Thévenot 1988 54 Causalidade Dizer que o estatuto socioeconómico da familia dos alunos determina o seu êxito escolar significa pelo menos três coisas Em primeiro lugar a primeira variável dita independente ou explicativa é logicamente eou cronologicamente anterior à segunda variável que se qualifica de dependente ou a explicar Em segundo lugar a correlação entre os dois fenómenos é verdadeira e não falaciosa éo de facto se ao introduzir uma terceira variável de controlo pertinente a correlação não se anula No exemplo seguinte observase uma relação forte entre o sexo e a proporção de acidentes de trânsito proporcionalmente as mulheres têm menos acidentes que os homens Mas quando se toma em conta o número de quilómetros percorridos por ano a relação anteriormente verificada desaparece em igual distância percorrida as mulheres têm tantos acidentes como os homens Em terceiro lugar a relação causal entre duas variáveis não é uma relação de implicação lógica como em certas ciências exactas Nas ciências sociais a relação de implicação é débil e envolve apenas conjuntos e não determinado indivíduo particular Esta causalidade estatística remete para a média calculada a partir de observações relativas a grupos Verificase que a média do grupo de crianças saídas da classe superior é mais elevada que a de alunos da classe média que é ela própria mais elevada que a de alunos das classes populares Não significa pois que um aluno qualquer do primeiro grupo tem maior êxito escolar que não importa que aluno da segunda ou da terceira classe A causa não é nem uma condição necessária podese de facto ter bons resultados escolares independentemente da sua classe de origem nem uma condição suficiente não basta ser rico para ter êxito e ainda menos uma condição 55 necessária e suficiente Com todo o rigor falarseá mais de relação de 36 dependência que de causalidade na medida em que esta supõe uma experimentação que não é praticamente possível nas ciências sociais Ao analisar a variável dependente em função não de uma mas de duas variáveis independentes vêemse aparecer estruturas causais estritamente aditivas a variável dependente é uma função da soma dos pesos respectivos das variáveis independentes ou interactivas a influência da primeira variável independente sobre a variável dependente é ela própria influênciada pela segunda variável independente As técnicas de análise causal mais frequentemente utilizadas são a regressão a análise de dependência e a análise loglinear M C Boudon 1968 1969 Lazarsfeld Rosenberg 1955 Celibatário Segundo as agências matrimoniais a situação celibatária reveste formas particulares segundo as diferenças sociais dos homens e das mulheres Com efeito essas diferenças são muito mais denunciadas entre as mulheres que entre os homens Ao passo que as possibilidades estatísticas de ser celibatário após os trinta e cinco anos são mais fracas para os homens quadros que para os homens operários tais hipóteses são mais fortes para as mulheres muito diplomadas que para as mulheres pouco diplomadas A lógica social das alianças é tal que nenhuma correspondência 56 entre estes dois grupos de celibatários pode ser estabelecida Se o casamento é um bem social a exclusão dos homens mais pobres parece compreensível o seu valor profissional é demasiado fraco para poder ser objecto de troca no mercado matrimonial Para explicar o facto de o acesso à vida conjugal ser menos fácil para as mulheres mais dotadas dois argumentos devem ser avançados remetendo cada um deles directamente para os interesses em presença De Singly 1987 1 masculinos Os homens procuram evitar mulheres demasiado diplomadas intelectuais porque temem perder uma parte do seu poder no seio do casal 2 femininos Quando têm diplomas suficientes as mulheres procuram evitar o casamento que lhes impede o prosseguimento de uma carreira profissional dada a divisão do trabalho entre os cônjuges Um outro elemento intervém na produção social deste celibato é o desfasamento entre o calendário escolar e o calendário matrimonial desfasamento maior para as mulheres que para os homens Os investimentos nos estudos e nos inícios da vida profissional têm tendência para retardar a decisão matrimonial das mulheres Donde um desnível em relação à idade média do casamento mais jovem para o sexo feminino considerado no seu conjunto As representações sociais dão um sentido ao celibato Os anos 80 contribuíram para legitimar o celibato feminino ao encorajar a união em detrimento do casamento Alguns slogans vão nesse sentido O Verão a dois é natural A sua vida profissional correlhe bem mas isolao e já não lhe basta Estas declarações favorecem uma nova gestão da vida privada não excluindo a vida conjugal na condição de 57 ela não impedir nenhum dos parceiros de levar a sua existência como muito bem entender De Singly 1987 Mais ainda que os homens as mulheres celibatárias representam este ideal do individualismo enaltecido sobretudo pelas pessoas mais diplomadas na medida em que elas parecem ter escolhido essa situaçãocontrariamente aos homens 37 No séc XIX os celibatários são marginais que vivem na periferia de uma sociedade cujo centro é a familia Perrot 1987 Em contrapartida na nossa época a relação para com o celibato transformouse Com efeito a familia institucional já não ocupa um lugar central Os celibatários apresentamse como os mensageiros dos novos valores que regem a vida privada independência dos sentimentos e crítica da instituição matrimonial independência dos cônjuges e crítica da divisão sexual do trabalho F S Borie 1976 CentroPeriferia Em todo o sistema político moderno os lugares de exercício do poder estruturamse sempre num centro e numa periferia que são interdependentes e que se condicionam mutuamente A análise da articulação destes dois níveis e dos seus mecanismos de interacção por exemplo P Grémion 1976 para a França fornece um enquadramento conceptual útil e realista para a comparação dos regimes políticos ao permitir nomeadamente ultrapassar a oposição muitas vezes demasiado formal entre regimes centralizados e descentralizados e caracterizar de 58 maneira mais concreta a dinâmica da vida política e institucional E F Grémion 1976 Chicago escola de Nascida no seio do departamento de sociologia da Universidade de Chicago a escola da ecologia urbana conheceu o seu apogeu durante os decénios 1920 1930 Na sequência dos trabalhos empreendidos por W Thomas desde antes da Primeira Guerra Mundial sociólogos R E Park L Wirth e geógrafos E Burgess empenham se em descrever e em compreender as mudanças sociais e culturais consideráveis que acompanham o crescimento das cidades americanas e em primeiríssimo lugar de Chicago Os seus estudos de famílias de imigrantes as suas monografias de bairros as suas análises da delinquência e da marginalidade vão a par com uma reflexão teórica sobre os processos de desorganização e de reorganização que afectam tanto as atitudes individuais e os modos de vida como os espaços urbanos Analisam a cidade ao mesmo tempo como um sistema de indivíduos e de instituições em interdependência e como uma ordem espacial Os citadinos distribuemse no aglomerado em função de processos de filtragem de reagrupamento e de segregação que se fundam na diversidade das origens geográficas sociais ou culturais os reordenam e produzem novas diferenciações Os sociólogos da escola de Chicago inspiramse muito directamente na ecologia para caracterizar as relações entre grupos sociais por um lado e as transformações do espaço urbano invasão sucessão simbiose competição etc por outro Produto das actividades humanas o meio urbano 59 exerce em contraponto múltiplos efeitos sobre os comportamentos e as mentalidades O estudo dos grupos e das situações não exclui portanto uma reflexão de natureza mais antropológica sobre a personalidade citadina A cidade é ao mesmo tempo configuração espacial organização social e estado de espírito Só uma aproximação global permite compreender o seu funcionamento e a sua transformação Para além das fronteiras entre disciplinas o objectivo era portanto constituir uma verdadeira ecologia humana e mais precisamente urbana a fim de captar as relações do homem com o seu meio Os trabalhos da escola de Chicago influenciaram 38 a sociologia urbana principalmente nos Estados Unidos da América Y G Grafmeyer Joseph 1979 Ciclo Um ciclo é a flutuação de um fenómeno que se compõe de fases de expansão seguidas de fases de recessão de contracção e de retomada É em geral gerado por um efeito de retroacção negativa como no mais simples caso de um processo de ajustamento que põe em acção duas variáveis A e B em que A determina B e B por sua vez influencia negativamente A Um exemplo célebre é o modelo de Cobwed pelo qual o preço de um bem se estabelece teoricamente quando há equilíbrio entre a oferta e a procura desse bem De facto existe sempre um 60 desnível ou um atraso da procura em relação à oferta ou inversamente que dá origem a oscilações Noutros casos o ciclo é uma consequência da inversão da tendência que choca com um tecto ou um pavimento É o que se passa com a contracção demográfica que segundo T R Malthus é o resultado de uma pauperização gerada por um muito forte crescimento da população ou com um dos modelos paretianos da circulação das elites O ciclo é o primeiro modelo de evolução das sociedades que mais atraiu a atenção dos pensadores desde Hesíodo com variantes mais ou menos complexas encontramos geralmente descrita uma sucessão de fases de grandeza e de decadência das sociedades dinastias regimes políticos ideologias ou mais prosaicamente das modas tais como o vestuário ou a escolha do nome A regularidade do ciclo é explicada quer por causas exógenas que são elas próprias cíclicas quer por factores endógenos De uma maneira geral uma análise empírica das séries cronológicas faz com que apareçam mudanças que se dividem actualmente em quatro classes sendo cada uma delas a consequência específica de um conjunto de factores que actua independentemente dos outros tratase da tendência que é uma mudança da série para o crescimento a baixa ou a estabilidade cujos determinantes actuam sempre no mesmo sentido do ciclo propriamente dito das flutuações sazonais que se repetem periodicamente em cada mês ou em cada ano finalmente flutuações irregulares que são provocadas por acontecimentos importantes guerra catástrofe natural etc ou por uma infinidade de causas indetermináveis As economias distinguem três grandes categorias de ciclos os ciclos de Kondratieff têm uma 61 duração de 50 anos os de Juglar o mais próximo do ciclo dos negócios uma duração de 10 anos por fim os de Kitchin de 3 a 4 anos Quer sejam monetaristas não monetaristas ou psicológicas as teorias económicas dos ciclos desenvolvem sobretudo explicações por meio de variáveis endógenas M C Besnard Desplanques 1986 Malthus 1798 Pareto 1916 Schumpeter 1939 Sorokin 19371941 Cidade Uma cidade é um ajuntamento durável e relativamente denso de população num espaço circunscrito outrora muralhas separavamna do campo depois da transição dos arrabaldes actualmente os seus limites são muito mais indecisos obrigando o geógrafo e o sociólogo a complicar a sua nomenclatura centro periferia subúrbios zona urbana ao mesmo tempo cidade e campo cidade satélite megalópole bairro de lata etc 39 Bastié Dézert 1980 A cidade na sua forma tradicional já não é mais que uma malha um nó do tecido urbano Densidade de população significa geralmente mas nem sempre acentuação da divisão do trabalho complexidade e complementaridade das funções económicas e das ocupações profissionais diversificação dos estatutos sociais e das relações de classe acompanhadas muitas vezes de fortes clivagens ou até de lutas urbanas entre o povo gordo e o povo magro entre o poder e as minorias activas Predominando a urbanização que quer dizer proliferação do 62 tecido urbano e aumento da sua densidade média especialmente em favor das grandes cidades no séc XX mais ainda que no séc XIX o sociólogo é tentado por um lado a medir o seu impacte sobre as outras dimensões da vida social economia migrações progresso técnico estabilidade política religião etc e por outro lado adoptando a postura inversa a considerála não já como a causa mas como a resultante desses mesmos fenómenos sociais Nasceu dessa dupla preocupação uma literatura considerável M Halbwachs P Geddes W Sombart M Weber G Simmel R Park E Burgess etc Mantémse largamente descritiva com dificuldade em delimitar o seu objecto é de facto o conjunto do funcionamento social que se pode qualificar de urbano nos grandes países industriais onde o rural tende a reduzirse e a encolherse irremediavelmente Por isso parece realista atribuir um campo mais restrito à sociologia urbana limitandoa ao estudo dos actores sociais a sua origem as suas atitudes os seus comportamentos etc que desempenham um papel directo na elaboração funcionamento e crescimento do tecido urbano Nesta óptica a maioria dos trabalhos publicados em França desde os anos 60 inspirouse numa problemática marxista Lefebvre 1968 Apresentandose doravante a especulação predial e os investimentos imobiliários como um dos domínios mais remuneradores para o capitalismo bancário o conjunto dos actores interessados pela explosão urbana sofreriam a influência directa ou indirecta do capitalismo financeiro e das suas exigências a todos os níveis da vida social formação carreira ideologia etc Castells 1972 Esta sociologia atribui um lugar central aos movimentos urbanos nascidos 63 das contradições geradas pela especulação urbana O urbanismo esforço racional para adaptar a cidade aos seus habitantes sofreria igualmente o impacte da ideologia dominante A partir dos anos 80 este tipo de interpretação esbatese A sociologia urbana toma cada vez mais consciência da identidade dos desafios urbanos em todos os países industriais capitalistas ou socialistas Interrogase com uma crescente inquietação sobre as dificuldades enfrentadas pelas cidades do Terceiro Mundo que conhecem uma demografia galopante JR T Ciências sociologia das Constituída apenas por volta de 1940 com os trabalhos de R K Merton 1949 a sociologia das ciências propõese como objectivo estudar as ciências incluindo as ciências sociais e nomeadamente a sociologia enquanto elas constituem realidades sociais Esta proposição simples distinguea nitidamente de especialidades próximas como a história e a filosofia das ciências Mas pode ter sentidos diferentes correspondendo a ambições maiores ou menores Umas vezes é a actividade 40 dos cientistas enquanto actores sociais cooperando ou rivalizando segundo modalidades particulares em instituições específicas que está no centro da análise Outras vezes é a relação entre os cientistas e o conjunto da sociedade Outras vezes por fim são os próprios conhecimentos científicos no seu conteúdo e na sua 64 estrutura que se pretende submeter à análise sociológica Autores como É Durkheim 1911 M Weber M Scheler K Mannheim P A Sorokin reconhecem sem dúvida aos conhecimentos científicos uma qualidade de certeza absoluta e universal Merton 1949 Mas para além disso emitem a ideia de que os outros tipos de conhecimento e os pontos de vista dos actores sociais designadamente em matéria estética ética política ou religiosa são determinados pela sua posição na sociedade Essa interrogação constitui a sociologia do conhecimento É pelas suas relações complexas com ela que a sociologia das ciências pode mais comodamente definirse Lécuyer 1978 1988a De início tratase com Merton de uma ruptura temporária mas deliberada Ele encontra os fundamentos de uma inserção correcta da ciência na sociedade na noção de uma estrutura normativa da ciência A sociologia das ciências incide essencialmente durante este primeiro período sobre as disfunções introduzidas pelos desfasamentos dos comportamentos efectivos dos cientistas para com essas normas ideais Este sistema inicialmente estático tornase dinâmico com o princípio de prioridade só contam para o crédito de um investigador as descobertas ou inovações que ele é o primeiro a dar a conhecer T Kuhn 1962 traz elementos novos à análise de Merton Kuhn opõe as suas análises de historiador às do lógico e filósofo das ciências K R Popper 1934 Para este último o progresso dos conhecimentos científicos não assenta na demonstração do fundamento das proposições ou das teorias avançadas mas na demonstração da sua falsidade falsificação A ciência é para ele uma actividade essencialmente crítica Popper fala de revolução permanente e individual No seu livro 65 consagrado às revoluções científicas Kuhn 1962 interessa se paradoxalmente por aquilo que se passa entre cada uma delas durante os períodos que ele chama de ciência normal Durante esses períodos a ciência transmitese de maneira colectiva e dogmática pela via de paradigmas conjuntos estruturados de teorias e de savoirfaire aceites por uma dada comunidade científica A revolução científica intervém quando o paradigma se revela inadequado para resolver um número corrente de enigmas As duas noções associadas de paradigmas e de comunidade científica enriquecem consideravelmente os trabalhos sociológicos Com efeito os conhecimentos ou paradigmas têm um alcance local concretizado por grupos identificáveis de cientistas Inversamente a cõesão destes grupos assenta nos paradigmas Edge Mulkay 1976 Callon Latour 1982 Lemaine et al 1977 A partir de 1970 desenvolvese uma corrente nova a sociologia dos conhecimentos científicos Esta corrente pretende reatar com as ambições da sociologia do conhecimento ao estender as suas análises ao estudo dos conhecimentos mesmo científicos O núcleo duro do programa construtivista assenta no postulado segundo o qual os factos científicos não são o resultado de uma observação da natureza mas o de uma construção de natureza social 41 é o programa forte enunciado por D Bloor 1978 Nem todos os sociólogos do conhecimento científico adoptam a totalidade do programa de Bloor mas têm em comum 1 a preocupação de estudar a ciência tal qual ela se faz na sua 66 quotidianidade para além das racionalizações dos próprios lógicos e cientistas 2 a vontade de dessacralizar a ciência e de estudála como uma argumentação entre outras 3 a vontade de demonstrar que mesmo os conhecimentos científicos são susceptíveis de uma análise sociológica de natureza causal Estas preocupações renovaram o estudo das controvérsias científicas e o dos processos de interacção social que levam progressivamente os investigadores à elaboração de um facto científico Callon Latour 1982 A sociologia do conhecimento científico completou as outras tendências da sociologia das ciências Contra a influência até então predominante dos filósofos e dos lógicos das ciências ela contribuiu para fazer aparecer as afirmações produzidas pela actividade científica que pretendem ser conhecimentos válidos como menos seguras menos racionalmente fundadas mais dependentes do contexto social do que habitualmente se admite BPL Callon Latour 1985 Lécuyer Latour Callon 1986 Clã O clã designa um conjunto de indivíduos que se consideram saídos unilinearmente em linha paterna patriclã ou materna matriclã de um antepassado comum lendário ou mítico Essa comunidade de sangue exprimese por um nome genérico Vários clãs podem formar uma tribo várias tribos uma etnia Nas sociedades arcaicas o clã totémico é aquele cujos membros pertencem ao mesmo totem e respeitam os mesmos interditos matrimoniais e alimentares Mas a exogamia obrigação de procurar o seu cônjuge fora do seu grupo é sobretudo uma obrigação entre linhagens que constituem 67 elementos do clã de menor profundidade genealógica A pertença ao clã determina a transmissão da herança e de funções diversas rituais económicas políticas guerreiras etc Gera também um espírito de solidariedade activa como na Irlanda ou na Escócia do Norte onde se observam sobrevivências da organização clãnica apesar da sua abolição legal em 1747 Em sociologia a palavra clã designa um subgrupo que não se conforma inteiramente ao meio a que pretence clã político clã literário espírito de clã CR Adler 1982 Frazer 1910 Löwie 1937 Classe média No início do séc XIX designase assim a burguesia por oposição à aristocracia agrária que no plano político vive as suas últimas horas de classe dirigente As primeiras reflexões sobre a classe incidem sobre este grupo cujo conteúdo não cessa de alargarse a ponto de englobar a pequena burguesia independente e os empregados superiores Seguidamente e para numerosos autores como Marx a tomada em conta de uma classe média constitui problema porquanto se integra mal nos esquemas habituais da estratificação que reduzem a divisão da sociedade a duas grandes classes a burguesia que assimilou e depois suplantou a aristocracia e o proletariado que a revolução industrial remodelou completamente No seio do conglomerado constituído pelas classes médias é corrente distinguir dois subconjuntos 42 Lavau et al 1983 a pequena burguesia dita tradicional 68 que reúne os chefes das empresas artesanais ou comerciais aos quais se associa por vezes os camponeses abastados as novas camadas sociais constituídas por intelectuais quadros ou técnicos Durante o século passado mas bastante tardiamente a composição do grupo mudou no sentido esperado Os pequenos patrões perderam nomeadamente desde há quarenta anos mais de 20 por cento do seu efectivo ao passo que as categorias médias assalariadas sobretudo graças ao sector público mais que dobraram em número E se se incluir na estatística a parte mais qualificada dos empregados as camadas médias reúnem actualmente cerca de metade da população activa Será preciso ainda interrogarse sobre a pertinência do reagrupamento proposto Não residirá o seu único e verdadeiro denominador comum paradoxalmente na heterogeneidade dos índices de posição social que caracterizam cada uma delas A esta pergunta vários sociólogos procuraram dar uma resposta Pode avançarse à maneira de F Simiand 1929 que define as outras classes campesinato burguesia operariado antes de considerar que o que resta constitui a classe média Inspirandose neste exemplo mas numa perspectiva marxista C Baudelot et al 1974 caracterizam o grupo que denominam pequena burguesia Só a burguesia e o proletariado devem considerarse como classes propriamente ditas uma reunindo os possidentes a outra agrupando os excluídos da retrocessão da maisvalia Todos os autores partilham no fundo a ilusão de crer que basta conhecer as categorias extremas para que por defeito sejam definidas as camadas intermédias Recentemente Monjardet e Benguigui 1982 quiseram situar as camadas médias na intersecção dos eixos 69 que estruturariam as sociedades contemporâneas o das relações de classe à volta da oposição capitaltrabalho e o da relação entre o Estado e a sociedade civil A zona em que se cruzam os dois eixos seria o lugar de implantação dos aparelhos cujos agentes ocupam os lugares compreendidos entre as funções dirigentes e os empregos de execução A vantagem principal desta análise é fornecer elementos de apreciação positivos das camadas médias pelo menos das que se encontram no aparelho de Estado ou na empresa capitalista Mas ao excluir várias categorias cruciais de facto como os não assalariados os autores limitam demasiado a sua ambição ao mesmo tempo que confirmam a disparidade profunda das classes médias F G Revue Française de Sociologie 1983 1984 Classe social O termo é utilizado num sentido geral para designar todo o conjunto de indivíduos que manifestam características e comportamentos idênticos ou comparáveis Em sentido restrito a classe opõese às castas estados ou ordens marcados pela transmissão hereditária e uma fraca ou nula mobilidade social Designando as grandes linhas das divisões sociais o termo classe levanta questões essenciais concernentes à natureza dos grupos assim designados e das suas relações Por isso as teorias sociológicas não deixaram de trazer definições divergentes que correspondem às suas concepções próprias A obra de Marx é exemplar de uma concepção da classe social que pode qualificarse de realista Aron 1966 Em O Capital faz da relação de 70 43 propriedade a relação social determinante que opõe no modo de produção capitalista os proprietários dos meios de produção e os proletários detentores unicamente da sua força de trabalho Entre estas duas classes essenciais a classe média seria chamada a regredir em número e em importância política à medida do desenvolvimento da indústria e da intensificação da luta de classes A classe é assim de definida como o conjunto dos agentes colocados nas mesmas condições no processo de produção Marx não duvidava de que a luta económica devesse transformarse em luta política e numa revolução social que provoque o afundamento do modo de produção capitalista e o desaparecimento das classes A partir de 1831 Alexis de Tocqueville estudando a evolução da sociedade americana descobria pelo contrário um aumento da mobilidade social a extensão do individualismo a regressão dos fenómenos de classe Tocqueville 1835 M Weber opõe à concepção realista de Marx a crítica que ele próprio formula a respeito de toda a transformação dos colectivos em entidades em sujeitos A classe social não poderá ser confundida com uma realidade subjectiva que prossiga objectivos nem mesmo com uma comunidade efectiva Fiel a este princípio Weber propõe a análise não da classe considerada como uma realidade mas a situação de classe ou seja a probabilidade a possibilidade para indivíduos de manifestar interesses similares de possuir por exemplo um monopólio positivo ou negativo Nesta perspectiva o conceito de classe designa apenas o conjunto 71 das pessoas que se encontram na mesma situação ou em condições comparáveis Outros agrupamentos podem ser também socialmente importantes tais como os conjuntos de estatutos as comunidades ou os agrupamentos profissionais Entre estas duas posições opostas realista e nominalista numerosíssimas pesquisas teóricas propuseram que se definissem as classes segundo critérios opostos de diferenciação a divisão do trabalho social por exemplo o nível dos rendimentos a desigualdade de detenção dos poderes os tipos de vida os comportamentos culturais ou ainda as diferenças na hierarquia dos prestígios Também se propôs a diferenciação segundo os sexos retendo o termo classe sexual Balandier 1974 Estas diferentes concepções das classes sociais distinguemse assim pelo tipo de fenómenos que consideram como o mais importante para diferenciar esses agrupamentos Uma concepção estruturalista do espaço social que estuda os fenómenos de reprodução das posições sociais e das desigualdades propõese analisar os mecanismos e as estratégias de renovação das classes na sua hierarquia e na sua distinção Bourdieu 1979 A este estruturalismo genético atribuirseá também a tarefa de desvendar as estratégias pelas quais os agentes de diferentes classes portadores da sua cultura de classe renovam as diferenças e as distinções que os separam e os hierarquizam Neste sentido as classes sociais são definidas como o lugar das determinações essenciais dos comportamentos dos modelos de percepção e de acção de todos os agentes sociais Uma concepção dinâmica das sociedades globais que considera a sociedade como um sistema de acção Touraine 72 1973 propõe que se oponha a classe dirigente e as classes dirigidas Numa tal concepção a classe social encontrase definida pelas relações de poder pelos meios 44 de gestão dos quais ela será o actor ou o objecto A classe é então definida pelo lugar que ocupa no sistema de acção Uma concepção resolutamente individualista da sociologia Boudon 1979 apela a que se tomem como princípio de explicação as condutas individuais e as próprias razões dos indivíduos Numa tal perspectiva interrogarnosemos sobre os efeitos das posições nas opções individuais mas repudiando toda a concepção realista da classe P A Gurvitch 1966 Halbwachs 1938a Veblen 1899 Clientela Entre indivíduos desiguais do ponto de vista da riqueza do poder do estatuto estabelecemse relações ditas de clientela em virtude das quais o superior concede uma protecção ao inferior em troca de prestações determinadas pelo costume A clientela inscrevese em relações de dependência mútua assimétrica Ordenado à satisfação de necessidades o clientelismo definese como exigência da ajuda de outrem para existir plenamente o cliente mas supõe além disso uma fidelidade relativamente constante a clientela Na Roma antiga o cliente era a pessoa ou a família que se encontrava sob o patrocínio de um patrício de uma personagem altamente colocada ou então no caso de um liberto do seu antigo senhor Sob a monarquia os senhores 73 concedem vantagens aos que lhes estão devotados Nas sociedades industrializadas os clientes de um homem de negócios de um grande cirurgião de um político de uma celebridade do espectáculo esperam do seu patrono diferentes tipos de protecção mediante diferentes géneros de serviços O acordo muitas vezes tácito não é nem formal nem público e não tem consequências jurídicas No Terceiro Mundo as clientelas fundamse com frequência numa relação de parentesco de aliança ou de comum origem tribal C R Maquet 1970 Colectivismo Doutrina que propõe que se ponham em comum os meios de produção a partir da análise seguinte a produção industrial tem um carácter colectivo que choca contra a manutenção da propriedade privada É preciso pois para ultrapassar esta contradição que todos os cidadãos sejam proclamados coproprietários indivisamente Então a liberdade de cada um harmonizarseá com a liberdade de todos Na época de Marx o colectivismo é o caso de Bakunine por exemplo designa uma forma de sociedade fundada na associação e que se situa no oposto do comunismo centralizador dos marxistas Em 1869 no congresso de Bâle chamamse colectivistas aqueles que contra os lassallianos que defendem um socialismo autoritário e estatal enaltecem um socialismo libertário e federador Ora algumas décadas mais tarde a palavra é retomada em França num sentido muito diferente pois que receberá uma conotação marxista e tornarseá sinónimo de comunismo com o seguinte matiz o comunismo remete principalmente para a dimensão económica e o colectivismo 74 para a dimensão social da sociedade sonhada A A Comparativo método Pode ser definido como um processo cognitivo pelo qual nos esforçamos por compreender um fenómeno pela confrontação de situações diferentes em que ele aparece A comparação está no princípio de todo o conhecimento é de facto 45 por comparação que o homem adquire os pontos de referência indispensáveis à compreensão do mundo que o rodeia A comparação é a fortiori a postura universal de todo o conhecimento científico A este respeito a distinção de Durkheim entre a experimentação processo habitual das ciências exactas e a comparação substituto da experimentação nas ciências sociais não é de facto muito pertinente O químico e o físico procedem também eles a comparações entre as várias experiências que efectuaram A única diferença é que o físico pode provocar os fenómenos que compara ao passo que o sociólogo apenas pode comparar fenómenos que se produzem independentemente da sua vontade A sociologia só pode ser comparativa e metódica O método comparativo em sociologia confundese portanto com o método sociológico A abordagem comparativa em sociologia pode tomar formas diferentes A primeira atitude consiste pela comparação de situações concretas em analisar as diferenças em procurar os elementos constantes 75 em estabelecer os tipos Estas comparações podem ser internacionais intranacionais ou históricas Por exemplo procurando analisar o efeito da religião sobre o comportamento eleitoral poderseá comparar o voto em diferentes países católicos poderseá igualmente num mesmo país comparar o nível respectivo de prática religiosa e o comportamento eleitoral dos homens e das mulheres dos operários e dos quadros dos Normandos e dos habitantes de Auvergne poderseá finalmente comparar o estado do fenómeno no início da III República e nos nossos dias Todas estas tentativas que se aparentam à análise causal podem ser qualificadas de experimentações indirectas Este tipo de abordagem choca com duas dificuldades principais Em primeiro lugar o risco de sociocentrismo isto é a projecção pelo comparatista da lógica própria da sua cultura nacional e do sistema de valores do seu grupo social e a utilização de categorias analíticas por exemplo os conceitos de modernização de desenvolvimento ou de instrumentos de medida por exemplo o produto nacional bruto que não são necessariamente pertinentes para avaliar a situação de outras sociedades A segunda dificuldade inerente a toda a análise de tipo causal diz respeito ao alcance da experimentação indirecta como processo de validação Se avançando a hipótese de uma relação entre a urbanização e a criminalidade o investigador observa num certo número de casos concretos a presença simultânea dos dois fenómenos será sem dúvida levado a estabelecer entre eles uma relação de causa e efeito a considerar essa relação como uma explicação da criminalidade e a enunciar a observação dessas semelhanças sob a forma de uma lei No entanto uma tal relação só pode ser tida por verdadeira se 76 várias condições estiverem reunidas A presença de invariantes não pode ser considerada como uma prova suficiente das propostas avançadas O método comparativo não se limita entretanto à experimentação indirecta Para compreender a realidade observada podemos confrontála com um modelo teórico obtido por extensão de alguns traços essenciais o idealtipo weberiano corresponde a este tipo de aproximação Pode igualmente a partir de uma função que representa um sistema dado de relações compararse os estados sucessivos do sistema fazendo variar hipoteticamente o valor das variáveis ou a 46 forma funcional o que permite explorar o comportamento do sistema sob condições diferentes das condições observadas Qualificarseá este modo de proceder como quase experimentação D D Boudon 1973 Dogan Pelassy 1982 Durkheim 1895 Weber 1922a 1922b Comportamento colectivo Termo genérico que designa tipos de comportamento próprios de actores que sob a influência de uma convicção partilhada actuam por vezes de maneira concertada Estes tipos de comportamentos são em número de quatro 1 movimento de pânico 2 arrebatamentos fenómenos de moda e outras formas de entusiasmo colectivo 3 motins e outras formas de expressão de agressividade colectiva linchagens 77 perseguições 4 movimentos sociais O conceito confronta o sociólogo com duas espécies de dificuldades A primeira é de ordem terminológica a partir do momento em que se admite com É Durkheim que as maneiras de agir em sociedade não são de modo nenhum dependentes de cada vontade particular tomada à parte verificase que todo o comportamento social dotado de uma certa generalidade terá necessariamente um carácter colectivo Aspecto particular do comportamento social o comportamento colectivo deve pois ser distinguido do comportamento convencional que faz apelo a modelos sociais organizados de maneira estável A referência a um campo no qual as condutas não estão ou não estão ainda institucionalizadas N Smelser por exemplo pode portanto constituir um primeiro elemento na caracterização do fenómeno Nesta perspectiva a dinâmica do comportamento colectivo remete para as percepções motivações e expectativas dos actores A segunda dificuldade diz respeito à relação existente entre conduta e crença colectivas Porque têm a capacidade de reestruturar cognitivamente as situações incertas é suposto as crenças partilhadas desempenharem um papel decisivo Mas tais crenças não implicam necessariamente da parte dos actores a implementação de uma acção concertada Os movimentos de pânico são a melhor prova disso sem dúvida Inteiramente diferente é o caso dos movimentos sociais para os quais a implementação da uma acção concertada é uma condição imperativa As teorias individualista e utilitarista da acção colectiva lançaram uma dúvida sobre o alcance do paradigma do comportamento colectivo O debate pôs em evidência toda a 78 dificuldade que há em articular interesse e crença Nestas condições M Olson distingue os casos cuja análise depende do paradigma económico por exemplo os grupos de pressão dos casos em que a análise faz pelo contrário apelo a uma interpretação mais psicossocial por exemplo os movimentos colectivos de base irracional Uma tal distinção não se afigura muito pertinente os autores concordam actualmente em reconhecer que há no comportamento colectivo componentes ao mesmo tempo racionais e não racionais P M Smelser 1962 Stoetzel 1978 Thiec Treanton 1983 Turner Killian 1957 Compreensão Compreender é apreender a significação das acções humanas A definição sociológica desta noção 47 foi elaborada no decurso da controvérsia sobre a especificidade das ciências do espírito Geisteswissenschaften relativamente às ciências da natureza Para estas o objectivo é construir relações quantitativas sob a forma de uma lei matemática Para aquelas não basta pôr em evidência regularidades estatísticas nos comportamentos e mesmo prevêlos é ainda necessário interpretálos isto é perguntarse porque é que os homens agiram assim Compreender é reconduzir o fenómeno social às acções individuais e examinar os motivos dos actores colocandose no lugar deles A 79 sociologia compreensiva considera o indivíduo como a unidade de base porque ele é o único portador de um comportamento significativo É por abuso de linguagem que coisificamos as estruturas e os conceitos colectivos como o Estado ou as classes sociais Há três tipos de interpretação a que estabelece por revivescência o motivo a que o actor obedeceu a interpretação axiológica que põe em evidência os valores que guiaram os homens nas suas acções finalmente a interpretação racional ou teleológica que envolve a relação de meios a fim Se a compreensão é imediata ou evidente continua no entanto a ser uma hipótese que requer ser controlada por outros métodos M C Weber 1922a Comunicação de massa Conjunto das técnicas redes de transmissão equipamentos individuais e autónomos que permitem pôr à disposição de um público bastante vasto toda a espécie de mensagens seja qual for a sua forma ou finalidade A esta expressão os sociólogos americanos seguidos na maioria das vezes pelo uso na França preferem a de mass media A comunicação social reveste várias formas A primeira espontânea e não formalizada não parece obedecer a nenhuma outra regra que a do hábito social inscrevese no quadro das relações interpessoais É bastante limitada precária espontânea e prescritiva No outro extremo instituições regulam relações inter e intraorganizacionais entre as nações entre as cidades entre as empresas entre governantes e governados dentro de cada uma das organizações sociais e fora de cada uma delas A 80 comunicação institucionalizada define o regime económico social e político de que uma sociedade é dotada O que nos aproxima da communitas no seu sentido original a comunidade É entre estas duas formas da comunicação social que é preciso situar a comunicação de massa A sua singularidade é a de recorrer ao uso de técnicas mais ou menos sofisticadas e acessíveis para estabelecer a comunicação no seio da organização social ou para estabelecer e ampliar o diálogo entre os indivíduos ou os grupos que a compõem É verdade que a comunicação de massa participa também ela de uma certa cultura Mas praticamente não tem autonomia nem o equivalente a um princípio constituinte ocupa apenas esse espaço deixado vago pela comunicação interpessoal e pela comunicação institucionalizada com o risco de influenciar cada uma delas por sua vez Ela tornase assim aquilo que uma e outra conjuntamente permitem e querem que ela seja A atenção dos sociólogos concentrouse desde o advento dos grandes jornais diários no dealbar do séc XX no estudo da influência dos meios de comunicação de massa influência da imprensa da rádio e da televisão nos comportamentos ou nas atitudes de todos e 48 de cada um Antes de 1920 eles consideram os efeitos felizes da extensão à maioria desse privilégio para cada um de poder comunicar com todos graças à multiplicação dos livros e dos jornais O intervalo entre as duas guerras denuncia o aviltamento crescente da cultura e da sociedade uma e outra submetidas à influência dos novos meios de 81 comunicação de massa nomeadamente do cinema e da rádio T W Adorno um dos representantes da escola de Francoforte evoca essa barbárie estilizada em que desemboca na sua opinião a industrialização progressiva da cultura A sociologia das comunicações utiliza uma via radicalmente diferente com C Hovland e P Lazarsfeld alguns anos antes da Segunda Guerra Mundial Conduzido por ocasião da campanha de F D Roosevelt em 1940 o estudo de Lazarsfeld 1944 opõe um desmentido categórico às ideias sobre o voto dos refugiados Graças ao exame dos resultados de um inquérito por sondagens conduzido junto dos eleitores o estudo mostra que estes últimos acabam sempre por votar como os que os rodeiam aqueles com quem vivem Ao sublinhar a importância dos contactos pessoais sobre os indecisos o estudo identifica os guias de opinião verdadeiros intercessores entre os grandes media e o público O êxito deste estudo abriu o caminho a um florescimento de estudos sociológicos que confirmam as suas conclusões Desde 1960 multiplicamse as advertências contra a pretensão dos investigadores de dirimir a questão da influência dos media à força de inquéritos ou de observações fatalmente limitados Os ensaios de M Mac Luhan e de J Ellul a partir de 19621964 marcam profundamente a reflexão O professor Mac Luhan remete para o exame dos próprios media das suas características técnicas e da maneira como mobilizam os sentidos dos seus utentes a mensagem é o medium Ellul põe em dúvida a pertinência dos estudos americanos na sua opinião demasiado prisioneiros de uma visão mecanicista da acção dos media o propagandeado existe antes do propagandista 82 Remete para o exame da sociedade da sua organização e das várias condições que favorecem a vinda das propagandas Com o advento dos novos media interactivos a sociologia empenhase mais actualmente em considerar simultaneamente os sujeitos da comunicação os emissores e os receptores assim como o seu objecto que é sempre particular Graças a uma abordagem interaccionista ela descobre de novo que o importante é também aquilo que as pessoas esperam dos meios de comunicação de massa aquilo que deles captam e aquilo que pensam deles F B Moles 1967 Silberman 1981 Comunidade Primeiro considerada como uma totalidade uma entidade substancial que F Tönnies 1887 opôs à sociedade a comunidade é hoje encarada como um conjunto de relações sociais complexas cuja natureza e orientações são examinadas em enquadramentos específicos religioso económico científico etc Nos seus inícios o estudo das comunidades não esteve isento de segundas intenções políticas A intenção reformista é evidente na França em F Le Play e nos seus seguidores e de uma maneira geral na Europa Stahl 1939 não está totalmente ausente dos trabalhos efectuados por W L Warner e 49 P S Lunt 19411959 depois por W H Whyte nos Estados Unidos da América onde o desenvolvimento da análise psicossociológica foi também acompanhado da procura de 83 um ideal de integração social Mas quer se trate de unidades rurais ou urbanas de aldeias ou de bairros a sociologia das comunidades viuse confrontada com diferentes problemas primeiro de definição Hillery catalogou perto de uma centena de método também dificuldade de observação participação e ainda de referência teórica nem as comunidades camponesas nem as comunidades familiares oferecem um modelo satisfatório para explicar todos os processos de participação de institucionalização e de organização B V Comunismo No sentido mais geral o comunismo designa uma organização económica e social da sociedade fundada na propriedade colectiva O comunismo tende actualmente a identificarse com o projecto de uma sociedade futura liberta dos conflitos de classes pelo desaparecimento destas graças à abolição da propriedade privada dos meios de produção Mas não poderá esquecerse que o termo designou igualmente uma forma postulada como originária da história dos homens Assim se vê a estranha estrutura das filosofias da História onde o que está no fim estava já no começo e onde a palavra revolução tem a ambiguidade dos seus dois sentidos o sentido que tem em história advento do novo e o sentido que tem em astronomia retorno cíclico do mesmo Fazer uma enumeração das teorias utópicas do comunismo seria fazer a história das ideias desde o Renascimento Longa seria a lista que conduz a 1848 quando é publicado o Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels e que começa uma outra história a dos grandes movimentos 84 sociais e políticos ou das místicas que neles se dissimularão A A Conflito Os conflitos são as manifestações de antagonismos abertos entre dois actores individuais ou colectivos de interesses momentaneamente incompatíveis quanto à posse ou à gestão de bens raros materiais ou simbólicos Podem fazer com que se confrontem Estados guerras ou no seio de uma mesma sociedade grupos religiosos nacionais ou étnicos classes sociais ou quaisquer outras instituições sociais Igrejas partidos empresas organizações e associações diversas No seio de uma mesma colectividade família sindicato podem pôr em confronto categorias de indivíduos de estatutos e funções diferentes Os conflitos sociais quaisquer rivalidades colectivas declaradas por motivos políticos económicos ou sociais de intensidade e violência variáveis do debate científico à revolução política passando pela greve ou pelo lockout pelo motim e pela guerra civil não são no entanto consequências necessárias das condições objectivas que lhes dão origem só aparecem na medida em que um dos parceiros quer impor a sua vontade contra a resistência do outro Para a tradição marxista o conflito está inscrito na própria natureza do social e procede do carácter essencialmente contraditório das relações sociais de produção Os conflitos sociais historicamente importantes são portanto reduzidos todos eles a conflitos de classes definidos pela propriedade ou pela não propriedade dos meios de produção 50 85 e desembocam inexoravelmente nas revoluções que transformam a organização económica política e social Marx 1848 Além de pôr em evidência o aspecto estrutural dos conflitos sociais e o seu papel na mudança social Marx mostra também a necessidade para que contradições objectivas gerem conflitos da tomada de consciência pelos actores dos seus interesses colectivos de classe Contudo podemos facilmente denunciar em Marx à semelhança de R Dahrendorf 1957 a redução dos conflitos sociais aos conflitos de classes e destes últimos aos conflitos de propriedade Em primeiro lugar a evolução do capitalismo mostra que a propriedade e controlo dos meios de produção podem dissociarse e que é este último que constitui a parada dominante dos conflitos de classes em seguida os conflitos sociais não têm como autores unicamente as classes em toda a associação é a distribuição necessariamente desigual da autoridade que cria as suas condições essenciais O conflito de classes não seria portanto mais que a consequência da sobreposição dos diferentes conflitos que opõem os diferentes grupos de interesses por isso a análise deveria partir do fenómeno da repartição dicotómica da autoridade em cada um dos sectores da sociedade e não da sociedade global No pensamento funcionalista clássico os conflitos sociais testemunham antes um disfuncionamento dos sistemas de regulação pelos quais é assegurado o consenso sobre as normas que dirigem a acção e sobre os valores que a orientam É Durkheim 1893 vê neles o efeito patológico de um enfraquecimento da solidariedade social quando a anomia consecutiva às crises da mudança social substitui a cooperação pela concorrência por falta de regras colectivas 86 que se imponham aos actores sociais Este modo geral de análise tem o mérito de mostrar que a ordem social resulta de uma institucionalização das normas e dos valores próprios para prevenir conflitos de interesses sempre latentes e que as divergências ou oposições de interesses só se transformam em conflitos em função da interpretação pelos actores Além disso o funcionalismo moderno sublinha os numerosos contributos positivos do conflito em particular pelo reforço da integração dos grupos sociais envolvidos e pela instigação da mudança social Coser 1956 A aplicação da teoria dos jogos à análise dos conflitos sociais Schelling 1960 mostra que estes são na maioria das vezes jogos de soma não nula ou mistos na medida em que a oposição dos interesses raramente é total A estrutura de interdependência das expectativas impõe aos protagonistas portanto um certo grau de cooperação que leve cada um a elaborar a sua estratégia em função dos objectivos do outro Assim no domínio do trabalho G Adam e J D Reymaud 1978 analisam o conflito como o prosseguimento da negociação por outros meios Estes autores afirmam que o conflito pode constituir um processo perfeitamente racional de mudança social com efeito quer respeite as regras institucionalizadas jogo fixo quer venha a violálas jogo deslizante todo o conflito tem por objecto mudar as relações de força no campo social CH C Conformismo Adesão consciente ou não aos valores normas e comportamentos predominantes no grupo de pertença ou de referência O conformismo opõese ao desvio 87 51 ainda que o hiperconformismo possa ser considerado como uma forma de desvio o recémchegado com excesso de zelo será geralmente objecto de sanções O conformismo é um tema recorrente ou implícito de toda a sociologia A psicossociologia experimental estudou em laboratório de maneira elementar mas precisa a tendência para o conformismo As experiências de S Ach sobre a percepção puseram em evidência a pressão para a uniformidade de juízo que uma maioria unânime exerce sobre um sujeito ingénuo As muito espectaculares experiências de S Milgram 1974 revelaram a importância da submissão a uma maioria sobretudo quando ela parece caucionada por uma autoridade científica Mas pode também haver influência recíproca como mostrou a experiência clássica de M Sherif sobre a formação das normas A normalizaçãom das respostas face a um estímulo ambíguo traduz uma tendência para o ajustamento mútuo na interacção entre os sujeitos que pode compreenderse como uma estratégia de evitamento do conflito PH BD Doise ec al 1978 Leyens 1979 Conhecimento sociologia do Esta subdisciplina pode definirse por um programa explicar certas ideias teorias mais em geral certos produtos mentais a partir de variáveis sociais O programa é definido e assente na herança baptismal por K Mannheim 1929 Neste autor ele apoiase numa distinção entre duas espécies de ideias as ideias que 88 podem ter pretensões à verdade ou a uma validade universal como as proposições matemáticas por exemplo e as que não o podem e que no entanto não têm qualquer razão para serem consideradas como arbitrárias Assim certas normas morais podem ter um sentido num dado contexto mas não num outro É o caso das regras referentes por exemplo ao empréstimo a juros é frequentemente considerado como imoral nos sistemas caracterizados por uma economia de subsistência e como moral nas economias de troca O papel da sociologia do conhecimento é num caso como aquele explicar essa relação Para Mannheim a zona de jurisdição da sociologia do conhecimento coincide com o conjunto das ideias do segundo tipo Exclui portanto em particular do seu domínio o conjunto das ciências Mannheim não faz de resto mais que retomar precisandoas certas ideias de Marx O projecto da sociologia do conhecimento encontrase de facto em estado implícito em Marx que também ele tinha proposto procurar a origem social dessas ideias que ele reagrupava na categoria da ideologia Como mais tarde Mannheim Marx tal como F Engels precisa no entanto várias vezes que a ciência e em larga medida o direito e a arte devem ser concebidos como tendo uma capacidade de desenvolvimento autónoma e liberta dos determinismos sociais Assim nestes autores clássicos sociologia do conhecimento e epistemologia são tratadas como disciplinas complementares A primeira não é considerada como tendo vocação para absorver a segunda É indispensável precisar este ponto porquanto há também uma segunda forma que se pode chamar maximalista da sociologia do conhecimento segundo a qual nenhum produto mental é excluído da jurisdição desta disciplina Este 89 programa maximalista é por vezes proposto por neomarxistas como 52 L Goldmann 1967 mas acompanha com frequência de maneira imediatamente compreensível as epistemologias de tipo relativista Assim a partir do momento em que como os convencionalistas do início do século se analisam as verdades científicas como convenções seguese daí que as ciências caem no seu conjunto sob a jurisdição da sociologia do conhecimento porque à pergunta epistemológica em que é que tal teoria é preferível a tal outra substituise então a pergunta porque é que tal sistema de convenções é preferível a tal outro Esta concepção relativista do saber científico vai reaparecendo regularmente ao passo que a sociologia do conhecimento maximalista regressa por seu turno de maneira periódica como actualmente em B Barnes 1974 ou D Bloor 1980 entre outros Em geral este programa maximalista é considerado excessivo Assim é de facto verdade que os Gregos interpretavam a irracionalidade de 2 de maneira diferente de hoje e que viam nisso a prova de que as grandezas e os números constituem dois universos diferentes o que não podiam deixar de fazer em virtude da sua definição da noção de número Mas para além desta diferença de interpretação a proposição segundo a qual esta quantidade não pode ser a solução de nenhuma equação de tipo pq com p e q inteiros é uma verdade absoluta tanto para eles como para nós Porque se é verdade que todas as ideias são de origem social algumas mantêmse e são aceites porque são verdadeiras É possível como pensa A Koyré 90 que o dogma da encarnação tenha facilitado o aparecimento e a difusão de uma concepção heliocêntrica do mundo Mas não podem menos prezarse as vantagens desta concepção heliocêntrica quanto à crítica racional O programa maximalista que é sociologista mais que sociológico contribuiu em cada um dos seus rodeios para desacreditar a sociologia do conhecimento pelos seus próprios excessos Mais útil é a sociologia do conhecimento quando procura compreender não porque é que a proposição 224 é captada como verdadeira mas porque é que todas as espécies de ideias frágeis duvidosas ou falsas são concebidas como verdadeiras Por outras palavras quando se interroga sobre o ponto de saber porque é que uma teoria uma ideia etc que não se defende por si própria pelo seu carácter verdadeiro válido ou irrecusável pode no entanto ser captada como tal A este respeito podem distinguirse dois tipos de teorias que representam as respostas mais frequentes a esta questão As que fazem dessas divagações o produto da intervenção de causas irracionais como os sentimentos no sentido de V Pareto 1916 os interesses de classe no sentido da tradição marxista a influência da sociedade no sentido de É Durkheim sobre as crenças colectivas ou mais vulgarmente o fanatismo ou a paixão Estas teorias revestem um certo poder explicativo Mas é indispensável ver também a importância das teorias que tentam mostrar que em muitos casos essas crenças explicamse por boas razões mesmo quando elas parecem à primeira vista estranhas ao observador É essa com muita frequência a perspectiva de Marx de M Weber ou de Mannheim Para estes autores a adesão do actor a interpretações ou a crenças que podem parecernos 91 surpreendentes explicase muitas vezes pelo facto de sobre certos assuntos não poder haver verdade objectiva e de sobre outros 53 sob a influência das necessidades da vida o actor ter de concentrarse com verdades aproximativas que ele capta como credíveis com base em critérios razoáveis mas que a lógica desaprova R B Merton 1949 Consciência O termo consciência é pouco utilizado sem qualificativo em sociologia Assim falarseá de consciência colectiva na esteira de É Durkheim para designar o conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade Numa tradição hegelianomarxista utilizarseá o termo falsa consciência a propósito do estatuto ideológico da alienação capitalista e o termo consciência de classe sem dúvida para qualificar o sentimento de pertença de um agente social a um grupo económico determinado mas sobretudo para denominar essa consciência particular que é a consciência de classe do proletariado consciência que é ao mesmo tempo particular e interessada e universal Se todo o sociólogo parte da verificação de que a consciência que os sujeitos sociais têm da sua acção não é ciência não resulta daí um acordo geral sobre o estatuto da consciência Para os principais dentre eles a consciência deve ser compreendida como verdadeira a partir do momento 92 em que ela se liga à maneira como um agente social calcula os seus interesses Para outros há uma dimensão ontológica da consciência falsa e isto a partir de pressupostos tirados da teoria marxista das ideologias A A Consenso Acordo explícito ou tácito dos membros de um grupo ou de uma sociedade sobre certas instituições sociais o consenso representa a dimensão coesiva dos sistemas sociais Pode incidir sobre valores regras ou decisões comuns A Comte 18301842 vê nele a condição essencial da ordem social resultando da assimilação das consciências individuais entre si na que É Durkheim 1893 chamará consciência colectiva estabelece a preeminência do conjunto sobre as partes Todavia nem todo o consenso provém de uma pura e simples adesão a valores interiorizados pelos actores pois que pode também caracterizar sociedades de forte heterogeneidade cultural Procede então mais de um alto grau de aceitação das regras comuns e de vontade de resolver os conflitos Também não é redutível ao fruto unicamente do contrato entre indivíduos Pode com efeito Hirschman 1970 ser afectado pela conduta dos membros protestatários de um grupo ou pelo destino que lhes é dado Estes membros protestatários ao entrarem em dissidência ou ao serem excluídos poderão restabelecer o consenso ou reforçá lo dentro do grupo mas o consenso pode também ser reforçado pela intervenção contestatária voice de certos membros CH C Shils Young 1953 93 Conservadorismo O conservadorismo é uma doutrina política e social que se constitui pela defesa da ordem tradicional das nações europeias é um tradicionalismo tornado consciente K Mannheim por oposição à Revolução Francesa mais em geral ao projecto político moderno Os temas fundamentais da doutrina conservadora foram elaborados e fixados pelos pensadores da Contra Reforma E Burke J de Maistre L de Bonald Por 54 outras palavras o pensamento contrarevolucionário definiu as três críticas fundamentais que o pensamento conservador não deixará de fazer à modernidade 1 Uma crítica epistemológica a razão é exterior ao indivíduo As pretensões da Razão moderna não são mais que a manifestação de um orgulho insensato A sabedoria ensina a modéstia a submissão à experiência acumulada na tradição oue à vontade da Providência 2 Uma crítica política o poder justo é exterior aos indivíduos A democracia sapa a verdadeira autoridade política que deve conter controlar as paixões humanas O poder legítimo é aquele que se liga a uma origem transcendente 3 Uma crítica sociológica a boa sociedade não é um agregado de indivíduos mas uma comunidade viva e ordenada O individualismo moderno é inapto para fundamentar uma sociedade sólida e condena o homem a ser o soberano da sua própria desgraça F Lamennais Na raiz desta oposição fundamental às ideias modernas há a 94 convicção de que o homem é um elemento de alguma coisa que o ultrapassa e que ele deve submeterse à ordem da Criação e à sabedoria da história Pensar a sociedade o mundo a partir do indivíduo é desistir da condição humana PH BN Mannheim 1953 Nisbet 1986 Consumo A alimentação o vestuário o alojamento a saúde os transportes e os tempos livres definem cada um deles um domínio do consumo É claro que nem todos os lares repartem as suas despesas da mesma maneira por cada um destes sectores A alimentação ocupa uma parte do orçamento tanto mais fraca quanto o nível das despesas totais é mais elevado Em 1856 E Engel estabelece essa lei ao examinar o orçamento médio dos lares consoante o seu nível de recursos Berthomieu 1966 Essa formulação estabelecida a partir de dados coligidos por E Ducpétiaux e comprovada seguidamente por numerosos outros inquéritos sobre os gastos encontra de imediato um enorme sucesso entre as administrações encarregadas de informar os poderes públicos sobre a evolução do nível de vida e de prever a evolução do consumo Stigler 1954 O rendimento e o preço relativo dos bens vendíveis são os dois factores principais retidos pelo economista para explicar as disparidades instantâneas entre os diferentes orçamentos e a evolução da sua estrutura no tempo Quanto aos gostos considerase que sejam homogéneos e estáveis O estudo sociológico do consumo chama de preferência a atenção para a heterogeneidade social das preferências e das suas transformações 95 As especificidades do consumo estão em função das normas sociais dos valores do grupo ou da sua cultura M Halbwachs 1913 estabelece que com rendimento igual as famílias operárias gastam sistematicamente menos para o seu alojamento que os empregados Em contrapartida a alimentação ocupa no seu orçamento um lugar desproporcionado Seguramente as famílias numerosas são frequentes no meio operário Mas a dimensão no grupo familiar não basta para explicar a especificidade do orçamento operário A alimentação deve uma parte da sua importância ao facto de por ocasião das refeições o grupo familiar cumprir um acto ritual onde se exprimem valores comuns Os trabalhos ulteriores de sociologia empírica afastamse pouco desta abordagem Chombart de 55 Lauwe 1956 Bourdieu 1979 Entretanto entram no pormenor dos consumos e fazem variar a definição dos meios sociais Os estilos de consumo diversificamse tanto mais quanto os recursos disponíveis são mais elevados Em contrapartida quando os gastos são descritos em cinco ou seis grandes agregados a repartição em partes orçamentais evolui para a uniformidade Esta tendência geral aparece nos estudos longitudinais do consumo L LévyGarboua 1983 estabelecea quando compara a evolução dos orçamentos familiares nos países europeus e nos Estados Unidos da América Uma comparação dentro de um país como a França chega a conclusões similares Herpin et a 1987 o crescimento económico aproximou a estrutura orçamental 96 das várias categorias socioprofissionais Com base em dados de longo prazo a abordagem económica parece portanto levar a melhor sobre a dos sociólogos a hierarquia das necessidades não parece fundamentalmente afectada pelas tradições dos meios sociais O crescimento não torna necessariamente o consumidor mais satisfeito Com efeito as necessidades não serão menos bem e não tão bem satisfeitas quando o constrangimento orçamental se alivia e são acessíveis mais produtos Esta consequência do crescimento constitui um paradoxo para a abordagem neoclássica do consumo O economista T Scitovsky 1976 explica esta observação pelo facto de o consumidor consagrar uma parte cada vez maior dos seus recursos à preservação do seu conforto e cada vez menos a renovar ou a alargar as suas experiências Para A O Hirschman 1982 o cansaço do consumidor é uma consequência do próprio êxito do consumo ele desinteressa se da sua vida privada e voltase para a acção colectiva O movimento pendular deveria ulteriormente levar o militante a cansarse da acção colectiva e fazer redescobrir ao cidadão as delícias do consumo N H Contágio Difusão Conteúdo análise de O significado de um texto seja ele qual for não é dado constróise B Berelson 1952 estabeleceu as regras dessa construção A análise de conteúdo é uma técnica de investigação para a descrição objectiva sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto das comunicações que tem por fim interpretálas O seu 97 objectivo em reacção contra a análise literária de texto é o rigor Dois investigadores que trabalham sobre o mesmo texto deveriam chegar ao mesmo resultado O texto será dividido em unidades de significação palavra frase parágrafo e estas unidades classificadas em categorias lexicais semânticas ou sintácticas estritamente definidas Estas categorias serão exaustivas homogéneas exclusivas uma da outra serão objecto de um tratamento estatístico Foram feitas numerosas críticas a este processo Ele atém se ao conteúdo manifesto isola os elementos do seu contexto e liga o sentido à frequência O desenvolvimento dos vários ramos da linguística permitiu afinar as categorias utilizadas A análise automática do discurso de M Pêcheux 1969 os trabalhos de A J Greimas 1979 inspirados por Myrhologiques de C LéviStrauss a abordagem sintáctica de R Ghiglione R Matalon e N Bacri 1985 são disso testemunho E os progressos da informática tornaram as técnicas de contagem mais sofisticadas como o mostram 56 as análises lexicométricas conduzidas na escola normal superior de SaintCloud tomando em linha de conta tanto como a frequência a ausência ou as coocorrências dos elementos do texto A escolha de uma técnica de análise depende da natureza do texto canções artigos de imprensa e colóquios não directivos não se analisam da mesma maneira Depende também do objectivo do investigador um gramático um psicólogo e um sociólogo analisarão diferentemente um mesmo texto Mas debaterseá sempre com o mesmo 98 dilema A ferramenta logicomatemática é pobre para exprimir a riqueza dos usos da língua e das suas significações Mas sem ela a análise de conteúdo está condenada muitas vezes a não ser mais que uma metalinguagem que parafraseia o texto estudado até ao infinito Bon 1977 sem outro critério de validade para além da sua exaustividade e da sua coerência interna N M Bardin 1977 Ghiglione Beauvais Chabrol Trognon 1980 Henry Moscovici 1968 Contracultura Designamse geralmente por este termo assimilandoos sumariamente os fenómenos de dissidência cultural que ao longo dos anos 60 e 70 se produziram no seio da juventude americana abastada antes de se estenderem à da Europa Ocidental Sem unidade real movimentos de contestação de marginalização de libertação manifestaram então uma oposição mais ou menos radical aos processos de integração sociocultural nomeadamente escolar e universitária Contra as normas instrumentais apelouse à expressão de novos valores da recusa de todas as formas de alienação passouse à ruptura com o sistema cultural que os reproduz a fronteira que separa o privado do público o normal do patológico o permitido do proscrito foi deslocada ou eliminada Se algumas correntes evoluíram em razão da conjuntura internacional Guerra do Vietname para a radicalização política outras foram aspiradas por um hedonismo vago e quiseram promover contra a cultura apanágio de um escol novos modos de pensar e de comunicar A velha exigência de autenticidade e de maior transcendência nas relações 99 interpessoais encontrase neste protesto colectivo A contracultura contemporânea de que H Marcuse foi um dos principais inspiradores apresenta afinidades com dissidências passadas os socialismos utópicos do séc XIX particularmente B V Contrato Forma de relação que estabelece obrigações entre partes contratantes que actuam de sua própria vontade o contrato tem de facto a ver com uma reflexão sociológica preocupada em compreender os elementos constitutivos das relações sociais O contrato é assim uma variedade de permuta cuja génese e evoluções a antropologia contribuiu para reconstituir Mauss 1950 LéviStrauss 1950 interessandose a sociologia em mostrar em que ela era correlativa de certos tipos de solidariedades e de organização sociais Durkheim 1893 Gurvitch 1932 O contrato é revelador dos mecanismos sociais em acção na gestão dos interesses privados da sujeição desta à vida em sociedade da procura permanente da compatibilidade com o interesse geral da sociedade No Século das Luzes as relações sociais podiam ser concebidas com base no modelo do contrato 57 a sociedade liberal como uma sociedade de contrato Mas a este modelo político da ordem social e da autoridade política viria progressivamente a substituirse um outro modelo em que se afirmava de maneira crescente a autoridade do Estado sobre os actos estabelecidos pela vontade dos indivíduos É 100 um renovo da ideia de contrato que parece no entanto dever observarse no período recente Pode assim conceberse uma sociologia das práticas contratuais particularmente nas relações privadas Mas o sentido geral destas práticas só pode ser encontrado na análise das regulações da sociedade global inspirandose sem dúvida naquilo que pode dizer nos uma sociologia das racionalidades políticas em acção Ewald 1986 J CE Convicção ética da Segundo M Weber há uma antinomia entre a ética da convicção Gesinungsethik e a ética da responsabilidade Verant wortungsethik A primeira fundamenta a acção do indivíduo num valor sem tomar em consideração as consequências a segunda encara a acção unicamente segundo a relação entre meios eficazes e fins prosseguidos O pacifista que recusa ir à guerra em conformidade com a sua consciência e com uma representação global do mundo é incontestável enquanto ele acreditar que assim pode mudar o mundo O político que para atingir um objectivo nacional utiliza meios eficazes mesmo reprovados pela moral age segundo a ética da responsabilidade M C Weber 1921b 1922b Cooperativo movimento Nascidas na primeira metade do séc XX no prolongamento das teorias de C Fourier em França e de R Owen na GrãBretanha as cooperativas constituíram um meio de organização e de defesa dos trabalhadores fundado no conceito de autogestão Além dos 101 objectivos propriamente económicos o movimento cooperativo desempenhou muitas vezes o papel de uma mutualidade de um sindicato e de uma universidade popular Actualmente o movimento cooperativo fez questão em conservar uma missão de educação social Dividese em duas grandes categorias as cooperativas que agrupam os produtores para o fabrico eou escoamento da produção cooperativas agrícolas artesanais operárias de produção de serviços comunidades de trabalho e as cooperativas que agrupam os consumidores ou utilizadores cooperativas escolares de consumo de crédito Ainda que o movimento cooperativo não constitua em parte nenhuma um modelo dominante ele representa de facto um modelo original uma espécie de terceira via em que a motivação militante leva a melhor ou seja ao mesmo tempo a convicção e a democracia Agrupado numa Aliança Cooperativa Internacional o movimento cooperativo foi solicitado a dar o seu contributo para participar no esforço de descolagem económica dos países em vias de desenvolvimento Y C Desroche 1976 Lasserre 1978 Coorte Conjunto de indivíduos que viveram no decurso do mesmo período um acontecimento fundamental da sua história como por exemplo o nascimento o casamento o fim dos estudos a entrada no mercado do trabalho etc Por exemplo o grupo das mulheres nascidas no Vaucluse entre 1945 e 58 102 1949 constitui uma coorte A análise por coortes é o estudo quantitativo para um grupo assim definido da ocorrência de cenas características através do tempo A comparação entre coortes permite nomeadamente apreciar os efeitos respectivos do ciclo de vida e de pertença a uma geração D D Corpo A maior parte das práticas sociais põe em acção o corpo gestos de trabalho movimentos cuidados corporais É M Mauss 1936 que apresenta a primeira sistematização dos factos corporais definidos como técnicas do corpo Mais tarde observarseão igualmente as representações ao corpo recalcado do ascetismo tende a substituirse a imagem do corpo liberto e sacralizado promovida pelos media Mantêlo em forma constitui uma aposta social aprender a apresentarse bem modificar a sua configuração dietas cuidar da sua aparência vestuário e cosméticos não têm o mesmo sentido consoante o sexo as classes sociais e as gerações Bourdieu 1979 O corpo é também produtor de informações muitas vezes implícitas confiança defesa prudência necessárias à interacção Goffman 1956 Vêse melhor actualmente a motivação das práticas desportivas a sua extensão ligada à procura de bemestar e das terapêuticas construção não médica dos sintomas medicinas alternativas o que suscita interrogações sobre a nova alienação do corpo contemporâneo Berthelot et al 1985 M D Loux 1979 Corporativismo Princípio de organização do mercado do trabalho que assenta nos agrupamentos profissionais ou de 103 ofício por exemplo os marinheiros os funcionários os médicos Por extensão o termo designa toda a intervenção tendente a promover os interesses de uma profissão ou a reforçar as regras que a regem condições de entrada e de saída desenrolar das carreiras ajustamento da retribuição às tarefas sujeições e responsabilidades A noção vem do Antigo Regime que com a concessão dos privilégios tinha organizado o acesso aos ofícios Por assimilação qualificouse de corporativista o regime de Vichy que pretendia abolir a luta de classes em favor de sistemas de cooperação sectoriais Falase de neocorporativismo a propósito da regulamentação de ordem pública negociada entre o Estado o patronato e os sindicatos A esta luz o corporativismo não é redutível às estratégias dos grupos que defendem situações de monopólio A acção das coligações profissionais é indissociável dos mecanismos e da regulação sociopolítica Ela contribui por outro lado para a produção e para a defesa das identidades colectivas Segrestin 1985 D SN Costumes Que há dissemelhanças na maneira de ser de viver e de sentir assim como nos costumes comportamentos e práticas de todas as espécies dos vários povos e nas diferentes épocas não é uma ideia recente Os costumes observados por Heródoto não são os dos Gregos ou dos Romanos Montesquieu Voltaire Rousseau põem em evidência os factores que exprimem e regem a variedade dos costumes das nações e a diversidade do seu desenvolvimento Enfim a sociologia como ciência entende estabelecer leis gerais da sociedade Avança o princípio de 104 que existe uma natureza social sujeita a leis como a natureza 59 física O seu objecto é reconhecer hábitos colectivos e as transformações pelas quais eles passam Fundada no método histórico comparativo como a linguística ou o estudo das religiões confundese de algum modo com aquilo a que É Durkheim e L LévyBruhl chamaram física dos costumes ou ciência dos costumes Cada indivíduo encontra ao nascer costumes fixados em instituições familiares domésticas económicas religiosas ou políticas que se lhe impõem e lhe apontam regras de conduta modelos a imitar em linguagem actual dos valores normas interiorizadas Transmitidos pela educação sem que tenha necessidade de tomar consciência deles pode transgredilos mas não ignorálos Constituem morais práticas variáveis no tempo e segundo as épocas A sociologia científica investiga a maneira como eles se constituíram ao longo da história e como é que os indivíduos os aplicam O seu conhecimento permite esperar que sejam melhor compreendidos e aplicados igualmente a todas as necessidades da vida social Não congelados mudam porque as etapas dos progressos modificam as suas condições do exercício A ciência dos costumes deve permitir orientar melhor as suas transformações e até edificar uma sociedade menos imperfeita Tratase de um ideal acerca do qual podemos interrogarnos se será de facto plenamente realizável A G Durkheim 1950 Fauconnet Mauss 1901 LévyBruhl 1903 105 Crença Denominarseão crenças as proposições formuladas ou não a que um indivíduo ou um grupo dá um assentimento perfeito e que tem por verdadeiras mesmo quando a prova da sua verdade não tem a ver com uma lógica de tipo científico A partir do momento em que estas crenças emergem da simples convicção vivida os indivíduos tendem a estabelecer a sua autenticidade numa dupla direcção psicológica racionalizandoas social preservandoas por montagens institucionais de ascendente mais ou menos forte que se vêem assim elas próprias fortalecidas Deconchy 1980 Entre os inventários formais de crenças é preciso citar o de M Rokeach 1969 que distingue cinco tipos as crenças primitivas de consenso máximo a felicidade é um estado desejável as crenças primitivas de consenso mínimo a criança mimada que pensa que ninguém gosta dela as crenças que incidem sobre a autoridade e os seus direitos de personagens reais ou míticas as crenças derivadas ou transmitidas que só se aguentam porque dependem de uma tradição as crenças anedóticas aquilo a que poderiam chamarse as matérias de gosto Num determinado local cultural o inventário das crenças pode ser estabelecido por vários métodos Decroly 1987 consoante o grau de assentimento que suscitam a frequência dos adeptos que reúnem e as sistematizações que introduzem Tais métodos vão da recolha etnográfica por observação ou entrevistas não directivas ou semidirectivas a escalas ou questionários estandardizados Estes são elaborados à volta de uma fenomenologia implícita por exemplo em matéria religiosa os de M R James ou R 106 Otto ou a partir de enunciados julgados típicos de um corpus de crenças particular Mais recentemente foram utilizadas técnicas experimentais para pôr em evidência os filtros que intervêm na percepção das interacções e dos acontecimentos sociais de tal maneira 60 que não sejam postas em causa as crenças dominantes Esta técnica permite pôr em evidência os efeitos das crenças A ideia comum pretenderia que as crenças de um indivíduo tivessem sobretudo efeitos subjectivos e que os seus comportamentos seriam reflexo disso De facto os efeitos do crer são de uma grande extensão JP D Crime Acção ou modo de vida que a lei autoriza a sancionar com esta ou aquela pena É Durkheim 1895 adopta este tipo de definição como ponto de partida da concepção sociológica do crime R Gonfarolo por seu turno considera apenas alguns crimes referindose ao sentido moral Durkheim em contrapanida adianta que a análise sociológica deve considerar tudo o que é objecto de uma pena Proclama também contra G de Tarde que o crime deve ser estudado como um fenómeno social ao mesmo título que os outros que nenhuma sociedade pode dispensar e que desempenha uma função positiva reavivar os estados fortes da consciência colectiva e em certos casos preparar a sua evolução Durkheim 1895 define o crime como um acto que ofende certos sentimentos colectivos dotados de uma energia e de uma 107 força particulares defineo portanto pela reacção que suscita Nisso afastase dos primeiros criminólogos que procuravam sobretudo saber se o comportamento do criminoso dependia de causas sociais ou individuais Procurar os determinantes do comportamento criminoso constitui no entanto a preocupação principal das sociologias especializadas Durante muito tempo estas puseram a tónica nas razões culturais aprendizagem negativa do respeito da lei em certos grupos culturais Sutherland Cressey 1924 conflitos de cultura Sellin 1938 Uma outra teoria apresenta o comportamento criminoso como o resultado de uma disjunção anómica entre fins socialmente valorizados e meios de alcançálos Merton 1949 Pode ainda explicarse o crime como o feito de um afrouxamento dos controlos primários família escola etc Hirschi 1969 A maior parte destas teorias considera apenas uma parte dos comportamentos susceptíveis de provocar uma pena roubos violências em geral Mas ao mesmo tempo estas teorias ultrapassam os limites do crime violação da norma jurídica e apresentamse como teorias dos desvios violações das normas sociais Considerase o crime portanto como uma espécie de desvio entre outros e a norma jurídica como análoga às normas sociais em sentido amplo e ao mesmo tempo específico Boudon Bourricaud 1982 contrariamente às normas sociais esta norma jurídica é dotada de uma universalidade que manifesta a diversidade dos grupos sociais heteronomia Uma teoria geral do desvio não é pois provavelmente suficiente para explicar a especificidade do crime enquanto crime A pôr a tónica na reacção discriminatória do meio ambiente e no papel das instituições oficiais na produção do 108 desvio o interaccionismo dos anos 60 Becker 1963 reintroduziu a consideração durkheimiana da reacção social no estudo sociológico do crime É verdade que se tratava ainda de uma teoria indiferenciada do desvio Entretanto levou pouco a pouco a procurar a especificidade do crime como tal no exame dos processos sociais de criação criminalização primária ou 61 abstracta e de aplicação da lei penal criminalização secundária ou concreta ou seja numa sociologia do direito penal na ocorrência Reencontrase assim a intuição de Durkheim que caracteriza o crime pela respectiva pena e que procura a especificidade comum a todos os comportamentos criminosos ao mesmo tempo que afasta a crença numa consciência colectiva cujos elementos mais fortes o legislador traduziria infalivelmente Esta dualidade de concepções do crime ora objecto comportamental ora objecto normativo e jurídico tende a ser ultrapassada por uma sociologia dos actores concretos que participam na criação da lei por um lado e na sua aplicação por outro Estes actores são não apenas os profissionais da lei e da justiça mas também os actores mais ou menos ocasionais vítimas e delinquentes PH R Debuyst 1985 Robert 1984 Crise As crises que afectam os grupos sociais diferem pelas suas causas e pelas suas durações Em contrapartida podem nelas distinguirse geralmente as mesmas fazes de 109 incubação de efervescência e de resolução Está em crise todo o grupo do qual pelo menos os membros dirigentes ou minorias activas têm consciência de que os seus mecanismos de regulação e a identidade estão sujeitos a uma prova geralmente não prevista captada como transitória temível e de resolução incerta Permanecendo o sentido dessa prova escondido da maioria dos seus membros ela exige decisões rápidas envolvendo muitas vezes o recurso à violência uma transformaçào na composição e na estrutura do grupo entre outras coisas uma renovação mais rápida das suas elites assim como uma modificação das relações com o seu meio natural e social ambiente Toda a crise é acompanhada de uma consciência de crise e provoca a surpresa má para muitos mas feliz para outros De facto durante a fase de incubação da crise predominam a dúvida o malestar a desorientação dos espíritos Este período de indecisão é no entanto visto como uma altura em que é necessário tomar decisões curativas medidas de urgência Por isso se recorre com frequência a personalidades carismáticas no sentido de Max Weber cuja legitimidade se apoia acima de tudo não nas tradições ou nas leis em vigor mas na lucidez manifestada são com muita frequência profetas da desgraça que vêem com justeza antecipadamente e na sua presumida aptidão para purificar o grupo do seu malestar detectando os verdadeiros responsáveis da crise bodes expiatórios eventualmente designando os verdadeiros inimigos do grupo e cortando a direito Simultaneamente brotam de todos os lados projectos muitas vezes utópicos de regeneração e de reconstrução da sociedade acompanhados de um retorno às evidências fundamentais e aos valores ditos seguros Este período de indecisão 110 aparecerá retrospectivamente como decisivo porquanto terá permitido uma redistribuição das cartas entre os indivíduos e os grupos envolvidos que resultará dos conflitos eventualmente das revoluções e das guerras que terão contribuído para resolver a crise e para revelar o seu sentido oculto A B Béjin Morin 19761 Dobry 1986 Culto Em sentido amplo um culto é constituído pelo conjunto das marcas de submissão e de deferência 62 em relação a um poder sacralizado que se honra Num sentido mais restrito designa as cerimónias e os ritos destinados a prestar homenagem a seres sagrados Deus santos antepassados heróis ou a objectos ídolos relíquias cujo poder se supõe emanar da sua relação com uma entidade sobrenatural ou com a pessoa à qual se reportam Sob a expressão culto popular classificamse práticas ditas por vezes supersticiosas à margem das religiões instituídas e muitas vezes toleradas por elas como a veneração das imagens piedosas dos animais amigos dos santos dos testemunhos simbólicos de poderes sagrados fogo fonte rochedo sol etc No cristianismo o culto público inclui as orações exortações sacrifícios oferendas procissões sacramentos etc incorporados na liturgia O culto interior exprimese por pensamentos de fé de esperança de caridade o culto exterior pela sua expressão em comportamentos O acto 111 principal do culto no catolicismo é a missa celebrando o mistério da morte de Cristo e da sua ressurreição pela redenção dos homens O protestantismo insiste para além da oração e da pregação no ofício para que a existência quotidiana seja uma obra de piedade para a glória de Deus C R Bastide 1960 Kirghgassner 1962 Rivière 1981 Thomas 1982 Cultura A palavra cultura aparece no fim do séc XI Designa nomeadamente um pedaço de terra trabalhada para produzir vegetais e tornase sinónimo de agricultura cultura alimentar cultura forrageira policultura Em meados do séc XVI o sentido figurado de cultura do espírito começa a ser empregado pelos humanistas do Renascimento É no séc XVIII que a cultura em ciências letras e artes se torna um símbolo da filosofia das Luzes e que Hobbes designa por cultura o trabalho de educação do espírito em particular durante a infância O homem cultivado tem gosto e opinião requinte e boas maneiras No séc XIX a palavra cultura Kultur em alemão tem por sinónimo civilização termo preferido pelos franceses Mas ao passo que E F Tylor 1871 define a cultura através do desenvolvimento mental e organizacional das sociedades como esse todo complexo que inclui os conhecimentos as crenças religiosas a arte a moral os costumes e todas as outras capacidades e hábitos que o homem adquire enquanto membro da sociedade a antropologia cultural americana uns sessenta anos mais tarde insiste no desenvolvimento material e técnico e na transmissão do património social Segundo os culturalistas a cultura enquanto modo de vida de um povo é uma 112 aquisição humana relativamente estável mas sujeita a mudanças contínuas que determina o curso das nossas vidas sem se impor ao nosso pensamento consciente O sentido moderno do termo reporta aos modos de comunicação do saber nas sociedades em rápida transformação e aos objectos simbólicos produzidos por uma sociedade para veicular valores A atenção incide nos mitos noções imagens e modelos espalhados em certos grupos sociais cultura popular cultura de elite e por certos canais de difusão do saber a cultura de massa é simultaneamente a que é transmitida pelos media e a que se dirige a um largo público Ligada à sociedade do conhecimento a sociolo a da cultura considera os criadores 63 das obras simbólicas pelas quais se exprimem representações do mundo a relação das obras e do autor com a sociedade na qual eles operam o sistema de produção das obras do espírito e o campo ideológico onde se situam os emissores e receptores de obras culturais C R Bénéton 1975 Herskovits 1948 Linton 1945 Malinowski 1944 Sapir 1936 Tylor 1871 Culturalismo O culturalismo é uma corrente de pensamento antropológico especificamente americana que tende a explicar a cultura como sistema de comportamentos aprendido e transmitido pela educação pela imitação e pelo condicionamento num dado meio social A modelação da personalidade operase inconsciente ou conscientemente 113 por instituições e pelo jogo das regras ou das práticas habituais Os principais representantes são R Linton 1936 A Kardiner R Benedict 1934 M Mead A originalidade de Linton reside 1 no conteúdo psicológico que dá à cultura pela insistência na transmissão e na estruturação das condutas graças à educação 2 na importância que atribui aos modelos ou patterns culturais maneiras típicas de pensar e de agir próprias de uma cultura e diferentes dos puros ideais de comportamento 3 na distinção que estabelece entre cultura real com os seus modelos interiorizados pelos indivíduos e cultura construída a partir de frequências máximas de aparecimento de certos comportamentos 4 na sua teoria da aculturação mudança cultural por contacto e influência construída com R Redfield e M Herskovits 1948 Devese a Kardiner o ter distinguido na cultura as instituições primárias família educação etc que modelam os indivíduos em primeiro lugar e as instituições secundárias religião ideologias folclore etc efeito das anteriores A sua originalidade situase sobretudo na sua óptica psicanalítica e na sua elaboração do conceito de personalidade de base configuração psicológica particular própria dos membros de uma dada sociedade e que se manifesta por um ceno estilo de vida ao qual os indivíduos acrescentam as suas variantes singulares Benedict propõe a noção de tipo psicológico e procura definir a especificidade de uma cultura a partir de modelos dominantes numa sociedade Conformistas racionalistas reservados os Pueblos podem ser ditos apolinianos ao passo que o tipo dionisíaco aparece entre os Índios das Planícies que valorizam a emoção a violência a agressividade 114 Discípula de F Boas na medida em que presta atenção aos factos materiais e às técnicas Mead é sobretudo discípula de Benedict porquanto estuda a partir de grupos oceânicos as relações de coerência entre patterns culturais e a maneira como a educação desemboca numa estruturação da personalidade adulta reconhecida como normal numa sociedade Os culturalistas simplificaram demasiado o problema da formação da personalidade definiram mal os patterns descuraram o incodificável e presumiram a anterioridade lógica da cultura em relação ao psiquismo C R ClapierValladon 1976 Dufrenne 1953 65 D Darwinismo social As teorias sociais darwinistas constituem aplicações às sociedades humanas e às suas culturas do princípio da selecção natural que o naturalista inglês Charles Darwin enunciou em A Origem das Espécies 1859 Essas teorias são geralmente materialistas reducionistas e deterministas Postulam que os indivíduos são física e mentalmente desiguais na maioria das vezes e que as aptidões são hereditárias Por fim estabelecem que a evolução das espécies e das sociedades procede das selecções selecções pela morte a luta pela existência no 115 sentido estrito e pela fecundidade diferencial aquilo a que G Vacher de Lapouge chama a luta pela descendência e que consiste em ter mais descendentes que os seus rivais Dos anos 1860 a meados dos anos 1880 passouse progressivamente de um primeiro darwinismo social mais liberal para um segundo mais socialista e dirigista Seguidamente e até à Primeira Guerra Mundial dominou este segundo darwinismo social com frequência eugenista racista eou imperialista Têm relação com esta corrente de pensamento que influenciou na constituição das teorias sociológicas do conflito e da circulação das elites nomeadamente alguns escritos de H Spencer e sobretudo de Vacher de Lapouge 1896 AB Hankins 1926 Ory 1987 Sorokin 1928 Spencer 1873 1874 1875 Sutter 1950 Decisão A decisão é um problema que se encontra no cerne das ciências da acção na junção da economia da psicologia e da sociologia A teoria económica contém em pontilhado as premissas muitas vezes implícitas de um modelo do decisor racional que poderia resumir da seguinte maneira A decisão é considerada como o produto num momento t de um actor individual que tem preferências claramente hierarquizadas que opera uma separação entre os fns e os meios à sua disposição que dispõe de uma informação completa e pode portanto proceder a um recenseamento exaustivo e sinóptico de todas as soluções possíveis e das suas prováveis consequências e que após um cálculo custovantagens para cada uma das soluções escolhe a melhor optimiza em 116 função das suas preferências Este modelo que no entanto se encontra na base da teoria clássica da firma assim como de numerosos instrumentos de management e de ajuda à decisão apresentase como exorbitante E de facto desde muito cedo foi sujeito a um grande número de críticas que partiam de considerações psicológicas sociológicas e de estudos empíricos Integrando os contributos dessas diferentes críticas que foram apresentadas de maneira clara por C Grémion 1979 e M Ghertmann 1981 chegase a um modelo mais complexo e sociológico que se poderia resumir do modo seguinte a decisão é um processo social que se desenrola no tempo no qual as soluções alternativas são constituídas e descobertas progressivamente e em que participam actores múltiplos que são relativamente autónomos uns em relação aos outros mas ligados estrategicamente entre si Estes actores prosseguem objectivos diversos ou mesmo conflituais e muitas vezes ambíguos têm apenas um conhecimento e uma informação imperfeitos e só são capazes de uma racionalidade limitada Isso quer dizer que cada um raciocina 66 de maneira apenas sequencial num número limitado de soluções alternativas entre as quais escolhe a primeira que satisfaz os seus critérios mínimos de satisfação Nesta perspectiva não há já solução óptima para um problema não há mais do que soluções satisfatórias isto é boas soluções E imporseá aquela em favor da qual se tiver constituído uma coligação capaz de impor às outras os seus critérios de satisfação que se tornam então os critérios de racionalidade 117 e de escolha do conjunto E F Delinquência vd Crime Desvio Democracia A democracia é um regime político ou seja uma certa maneira de organizar as relações de poder no seio de um grupo social soberano ou política O princípio fundador da democracia é a afirmação de que toda a relação de poder entre societários e entre cidadãos se enraíza naqueles que obedecem e não naqueles que mandam quer o façam em seu nome próprio ou em nome de um princípio transcendente Deus a Nação a História a Classe ou a Raça Como cada um é senhor de obedecer ou de não obedecer cada qual só obedece se julgar vantajoso fazêlo A democracia é por tal facto uma sociedade de responsabilidade limitada em que cada um entra para atingir certos fins Esses fins são de duas ordens Uns são próprios dos indivíduos ou dos grupos intermédios famílias empresas clubes Igrejas outros são comuns a todos Os fins próprios são interesses particulares Estes últimos são divergentes contraditórios A única forma possível de conciliação pacífica desses interesses é fazer com que se encontrem em mercados regulados onde na sequência de inúmeras negociações eles se convertem em interesses médios Os fins comuns são interesses comuns que só podem ser assegurados em comum como a defesa para com o exterior a definição de regras do jogo internas e o castigo dos batoteiros A democracia é assim caracterizada por uma distinção bem marcada entre o privado onde interesses particulares se convertem em interesses médios e o público 118 onde os cidadãos definem e procuram realizar os seus interesses comuns Tanto no privado como no público instauramse relações de poder porque a realização dos interesses particulares e comuns assenta em repartições de tarefas e divisões do trabalho que exigem coordenação Segundo o princípio de base da democracia os coordenadores só podem ser delegados a título temporário circunscrito e reversível que os societários e os cidadãos escolhem pela sua suposta competência A técnica de escolha dos delegados é variável segundo as actividades sociais Na esfera política que tem a seu cargo os interesses comuns a eleição dos delegados pelos cidadãos é a solução mais eficaz No domínio económico o mercado permite aos consumidoressocietários seleccionar pelas suas compras e pelas suas recusas de compra os empreendedores que lhes parecem os mais competentes para lhes oferecer ao melhor custo o maior número de bens e de serviços que sejam da melhor qualidade possível J s Aron 1965 Rousseau 1766 Sartori 1962 Tocqueville 1835 Democratização Pertencente ao pensamento reformista este termo designa em sociologia um processo peculiar de mudança social democratização da escola do desporto do sistema de assistência etc 67 Neste sentido há que ver nela a descoberta dos limites da 119 democracia formal se esta assenta nos princípios de livre acesso e de igualdade de direitos choca no entanto com a verificação das desigualdades reais e dos privilégios de facto Medir as primeiras identificar e reduzir os segundos tornamse os objectivos da democratização A medida fazse na maioria das vezes utilizando o cálculo das probabilidades este revela num campo dado o desnível entre as possibilidades teóricas e as possibilidades reais de acesso a um bem permite além disso captar as determinantes sociais origem social sexo classe etária pertença étnica etc que intervêm nas desigualdades verificadas e orientar a acção de reforma Arma de dois gumes mede igualmente os seus limites fazendo assim da democratização uma tarefa incessantemente recomeçada JM B Demografia e sociologia Uma origem comum aproxima desde a sua origem democracia e sociologia Desde sempre pensadores e políticos reflectiram sobre as condições da vida em sociedade e meditaram sobre os fenómenos de população O número e a multiplicação dos homens apresentaramse sempre como fenómenos primordiais em relação com o poder ou a riqueza dos Estados Mas só no séc XIX são inventados e entram em uso os termos sociologia Comte 18301842 e demografia Guillard 1855 Duas condições eram de facto necessárias para que nascessem e se desenvolvessem como ciências a sociologia e a demografia uma organização administrativa suficientemente implantada para o estabelecimento de estatísticas rigorosas e o trabalho crítico da filosofia das Luzes A vida social e política deixa de ser considerada como 120 resultando de uma ordem natural ou divina mas da vontade humana capaz de agir sobre ela e de a mudar senão mesmo de transformála radicalmente Considerando a espécie humana do nascimento à morte do ponto de vista do número Halbwachs 1936 isto é natalidade reprodução e deslocamentos mortalidade a demografia tem os seus métodos próprios Aplicando a análise matemática ao estudo quantitativo dos homens e dos seus comportamentos implementa instrumentos de medida cuja complexidade cresce com o aumento dos factores tomados em consideração A partir dos anos passados e presentes dentro dos limites de hipóteses nitidamente delineadas estabelece perspectivas sobre o povoamento futuro e sobre as mudanças de estrutura que podem esperar se Investiga dentro do corpo social na sua extensão e nas suas partes na sua morfologia e nas suas transformações Os factos demográficos explicamse primeiro por eles próprios mas não são isolados nem independentes Tal como não há acontecimento puro fora das circunstâncias de tempo e de lugar não há facto demográfico puro Uma taxa de natalidade uma proporção de jovens e de velhos não têm significado como tais Só ganham o seu alcance uma vez coordenadas entre si comparadas e situadas no contexto global em que se produzem Os dados biológicos melhor estabelecidos que pareceriam escapar aos controlos sociais estão na realidade sob a sua estreita dependência Uma guerra ou uma migração um pouco selectiva bastam para modificar a relação dos sexos próxima do equilíbrio As uniões não obedecem apenas a um processo de maturidade sexual dos rapazes e das raparigas mas estão sujeitas nas várias 121 68 culturas e nos diferentes meios sociais a contingências económicas ou a regras impostas que mudam a sua intensidade e baixam ou elevam a sua idade A natalidade e a mortalidade variam de maneira surpreendente ao longo do tempo de país para país e consoante o rendimento a profissão o nível de instrução ou a prática religiosa Interesses representações comuns a obediência inconsciente ou reconhecida a normas admitidas enformam o corpo social por dentro e dãolhe a coesão necessária à sua duração A Saury 1952 quis mostrar que a população só poderia ser estudada da mesma forma que a realidade social viva O movimento natural da população é também um movimento sociocultural Os factos demográficos são factos sociais e aquilo que os determina e os explica é em grande medida de natureza sociológica Inversamente os factores demográficos actuam sobre a evolução social Para É Durkheim desenvolvendo uma observação de Comte o aumento do volume e da densidade da população produz a divisão do trabalho ela própria geradora do avanço da civilização E Dupréel 1928 julgara captar no crescimento demográfico a causa essencial do progresso D Riesman 1955 estabelece uma ligação de causa e efeito entre o carácter social e o regime demográfico das épocas sucessivas Ainda que os fenómenos demográficos intimamente misturados com outros fenómenos não sejam os únicos a intervir é seguro que estreitas relações unem o número e as formas da vida social A demografia fornece à sociologia uma base rigorosa para 122 assentar a sua reflexão a ponto de que todo o sociólogo deveria ser também um demógrafoStoetzel Demografia e sociologia não são nem dependentes nem independentes uma da outra A relação entre elas é de reciprocidade Uma e outra ciências humanas ou ciências sociais distinguemse pelos seus métodos específicos e formam entre elas com todas as outras ciências sociais um conjunto cujo objectivo último é o mesmo e que não poderá ser dissociado das outras ciências sociais AG Densidade No sentido demográfico corrente a densidade é a relação da população total com a extensão do território que ocupa A densidade dinâmica ou moral tal como a define É Durkheim é o grau de concentração da massa ou restringimento material e moral Um indicador deste conceito é a densidade material que é uma combinação da densidade da população da população urbana e do número e da rapidez das comunicações e transmissões Quando a densidade material aumenta o número de interacções entre os indivíduos cresce igualmente A densidade moral caracterizase também pela natureza das relações sociais ou tipo de sociabilidade Estes conceitos estão na base da teoria da morfologia social em Durkheim e seus discípulos M C Durkheim 1893 1897 Durkheim Mauss 1901 Spencer 18741875 Desemprego As discussões à volta do número real dos desempregados não são apenas devidas à vontade dos governos de enaltecer a sua acção e ao esforço dos 123 opositores no sentido de demonstrar a insuficiência da acção governamental mas estão estreitamente ligadas à ambiguidade da realidade social e à dificuldade de elaborar uma definição sociológica do desemprego Schnapper 1982 As definições administrativas 69 do desemprego não são mais que o reflexo da concepção que a sociedade tem do desemprego num dado momento A própria noção de desemprego não existia no séc XIX antes de se constituir um verdadeiro mercado do trabalho definido pela oferta e pela procura de uma mãodeobra cuja qualificação é precisa e a localização estável Ainda em 1932 só eram reconhecidos e contados como desempregados os homens operários ou empregados sem emprego desde há menos de dois anos excluindo mulheres e trabalhadores independentes Salais Baverez Marpsat 1986 Actualmente utilizamse definições administrativas diferentes A do BIT sobre a qual se fundam as comparações internacionais define a população sem emprego à procura de um emprego PSERE segundo esta definição é desempregado aquele que procura um emprego faz tentativas efectivas para conseguilo está disponível para aceitar um emprego e não teve nenhuma actividade profissional no decurso da última semana A administração francesa utiliza outros critérios Mas seja qual for a definição adoptada ela não faz mais que traduzir uma situação administrativa os que são reconhecidos como desempregados pela regulamentação em vigor A realidade social essa é ambígua como qualificar os que procuram um 124 trabalho em condições difíceis ou impossíveis de preencher Terão de qualificarse como desempregadas as mulheres que só aceitariam um emprego se ele fosse próximo do seu domicílio Deverão chamarse desempregados os que procuram um emprego que já não existe no mercado do trabalho Os jovens à procura de um emprego em tempo parcial que lhes permita prosseguir estudos em melhores condições Os economistas esforçamse por definir as origens do desemprego atribuindoo alguns à insuficiência da procura global e vendo outros nele de preferência a incapacidade do mercado do trabalho em adaptarse à evolução da estrutura profissional provocada pelo progresso técnico Os sociólogos que durante muito tempo distinguiram o desemprego de crise do desemprego de subemprego do desemprego estrutural e do desemprego de reserva Ledrut 1966 renunciaram a elaborar teorias gerais e actualmente dedicamse à análise das experiências vividas dos desempregados e às suas possibilidades de mobilização social e política Segundo os resultados de numerosos inquéritos o desemprego traz consigo uma condição anómica que se traduz pela experiência da humilhação do aborrecimento e da dessocialização é pois pouco susceptível de servir de fundamento a uma acção colectiva Lazarsfeld 1933 Schnapper 1981 Nas sociedades modernas que por natureza produtivistas são dominadas pelos valores ligados ao trabalho e ao emprego o desemprego é encarado e vivido negativamente D S Desencantamento A palavra pertence ao vocabulário de M 125 Weber Um mundo encantado é aquele em que a magia penetra todas as coisas em que o homem não é especializado e em que a precisão nem sempre é possível Desencantar é escorraçar a magia racionalizar especializar o homem Sendo deliberadamente hostis à magia impondo uma forma de racionalização da condução da vida explica Weber as grandes profecias racionais judaísmo constituem a primeira grande etapa deste processo Uma outra etapa que estas religiões o protestantismo ascético 70 representam é a unificação das relações entre Deus e o mundo e entre este e a religião Cabe à ciência e à racionalização intelectualista continuar a despojar o mundo dos seus encantos Esse processo não é nem linear nem irreversível pois que uma burocratização excessiva pode conduzir ao retorno dos profetas e dos Césares dotados de carisma M C Weber 1920 1921b 1923 Desenvolvimento A ideia de desenvolvimento saiu em primeiro lugar de uma metáfora que identificava a sociedade com um organismo vivo que portanto se transforma segundo um processo de maturação progressiva para atingir pouco a pouco um estado de modernidade Considerase que tais mutações envolvem todos os sectores da sociedade economia estratificação social ordem política O desenvolvimento económico traduzse no plano qualitativo pelo florescimento de uma economia de 126 mercado pela passagem de uma agricultura de subsistência a uma economia de mercado e pelos progressos da industrialização No plano quantitativo medese pelo recurso a diferentes índices designadamente a elevação do produto nacional bruto PNB Remetendo assim para a construção da sociedade industrial o desenvolvimento económico reveste também consequências sociais enfraquecimento dos laços de dependência tradicional individualização das relações sociais progresso da divisão do trabalho social e portanto especialização das tarefas urbanização aparecimento de um certo nível de mobilidade social O conceito foi retomado em sociologia política para explicar a realização progressiva de uma hipotética modernidade política Tratavase então quer de designar a passagem de um regime autoritário a um regime democrático quer de elaborar indicadores que medissem a capacidade dos sistemas políticos por exemplo nos domínios da extracção da distribuição ou da comunicação quer de descrever as etapas que marcam a construção de um sistema político formação de uma identidade nacional de um poder legítimo de uma burocracia eficiente etc quer finalmente de conceber propriedades mais ou menos abstractas comuns a todos os processos de mutações que devem afectar os sistemas políticos secularização institucionalização etc Elaboradas no fim dos anos 50 com o início da descolonização todas estas concepções são cada vez mais contestadas adaptação um pouco ingénua da ideia ocidental de progresso avatar de um evolucionismo já abandonado elas assentam nos postulados inaceitáveis de uma mudança uniforme programada finalizada têm em pouca conta a 127 diversidade das culturas a extrema complexidade das histórias e a imprevisibilidade das acções sociais A essas concepções demasiado gerais o sociólogo prefere doravante estudos de casos que ponham em evidência a especificidade de cada modo de desenvolvimento B B Guillaumont 1985 Badie1988 Desigualdades sociais É desigual toda a repartição de um recurso que não é uniforme A repartição do rendimento é desigual na medida em que um ou vários indivíduos têm uma parte maior que os outros A desigualdade é uma diferença que os indivíduos e grupos sociais julgam segundo escalas de valor Um Negro e um Branco diferem 71 pela pigmentação da sua pele Esta diferença natural não implica qualquer desigualdade No entanto em numerosas sociedades cada um deles goza de um estatuto diferente ao qual estão ligadas vantagens e desvantagens As desigualdades são pois essencialmente sociais e estão ligadas à existência de estratificações económica política de prestígio etc Para examinar as condições em que a desigualdade por exemplo de rendimento aumenta diminui ou permanece estável é necessário analisar a forma de repartição do recurso em questão Definemse em geral duas medidas de desigualdade A medida absoluta é igual à diferença entre o rendimento do indivíduo A 10 mil F e o do indivíduo B 12 mil F A medida absoluta é a mesma se A tem um 128 rendimento de 1000 F e B um rendimento de 3000 F Ora é claro que esta medida não traduz correctamente a desigualdade entre os dois casos É portanto necessário introduzir o conceito de medida relativa No primeiro caso B tem um salário superior em 20 por cento ao de A no segundo B tem um rendimento superior em 200 por cento Os trabalhos sobre a evolução das desigualdades de certos recursos tais como o rendimento ou o nível de instrução estabeleceram a existência de uma tendência para a redução das desigualdades como o predizia Tocqueville com tempos fortes e fracos no entanto e diferenças consoante o tipo de recurso Mostrouse assim que desde há um meio século a desigualdade das hipóteses escolares baixou muito mais fortemente que a desigualdade dos rendimentos Alguns propuseram explicações dessas reduções na sua mudança respectiva construindo modelos que combinam variáveis ligadas aos projectos individuais aos constrangimentos do mercado e a mecanismos institucionais por exemplo natureza e forma da redistribuição Quanto ao problema da origem das desigualdades recebeu várias respostas contraditórias além do fundamento natural em Aristóteles por exemplo que se relaciona com um discurso pré sociológico JJ Rousseau e Marx viram na propriedade a origem da desigualdade para É Durkheim é a divisão do trabalho para T Parsons a desigualdade é um princípio necessário à manutenção de toda a estrutura social M C Blau 1977 Boudon 1973 Durkheim 1893 Girod 1984 Tocqueville 1856 Desorganização As noções de desorganização social e de 129 desorganização pessoal foram popularizadas pelo célebre estudo de W I Thomas e F W Znaniecki sobre o camponês polaco na Europa e nos Estados Unidos da América 1918 1921 A primeira é nele definida como a perda de influência das regras sociais de conduta existentes sobre os membros do grupo a segunda é a incapacidade para o indivíduo de construir um projecto de vida na ausência de regras estáveis e interiorizadas o indivíduo fica desorientado e desmoralizado A desorganização social é posta em evidência na sociedade camponesa polaca tem a sua origem no desenvolvimento de atitudes individualistas e hedonistas que resultam dos contactos com o exterior nomeadamente pelas migrações sazonais na Alemanha A desorganização pessoal é estudada nos imigrantes polacos nos Estados Unidos Traduzse nos adultos transplantados e privados das suas antigas regras de conduta por comportamentos violentos 72 pela dependência económica pela instabilidade profissional e conjugal nas crianças amorais na ausência de todas as regras sancionadas pela delinquência e pela vagabundagem Na sequência deste estudo a desorganização social tornouse um tema de pesquisa importante na sociologia americana nomeadamente em Chicago ao mesmo tempo que uma noção rubrica que recobre fenómenos tais como a delinquência o suicídio o divórcio a mobilidade residencial PH BD 130 Despotismo oriental A noção de despotismo oriental passou por três etapas Nas narrativas de viagem de JB Tavernier e nos escritos de Montesquieu designa os regimes políticos dos impérios médioorientais e orientais vistos como autocracias arbitrárias cruéis faustosas ruinosas para os seus povos São opostos aos regimes aristocráticos da Europa temperados humanizados e prósperos Na visão evolucionista da história desenvolvida por Marx e seus epígonos a expressão designa todas as experiências imperiais marcadas acima de tudo pelo monopólio público dos meios de produção que não entravam no esquema rígido da sucessão ordenada do comunismo primitivo do escravismo do feudalismo do capitalismo do socialismo do comunismo Porém mais recentemente tentouse reutilizar a noção para aplicála simultaneamente aos impérios tradicionais e aos totalitarismos contemporâneos Estas três acepções devem ser igualmente rejeitadas os totalitarismos não se parecem de todo com os regimes imperiais estes não são despotismos sanguinários e aberrantes os impérios permitiram o desenvolvimento de altas civilizações e de economias que suportam a comparação com as da Europa antes do séc XIX Despotismo oriental é uma expressão infeliz sob todos os aspectos que é melhor abandonar J B Tavernier 1676 Wittfogel 1957 Desvio Transgressão identificada como tal e portanto sancionada das normas em vigor num dado sistema social A palavra é de uso recente Aparece na sociologia americana no fim dos anos 50 substituindose a outras 131 noções rubricas tais como desorganização ou patologia social O seu rápido êxito devese ao facto de a noção que recobre ser muito mais extensiva que as de delinquência ou de criminalidade A sanção social não se limita às sanções penais ou legais pode tratarse de uma simples reprovação A noção de desvio permite também reagrupar todas as espécies de comportamentos grande número dos quais não são tidos comummente como delituosos Vêse isso nas tipologias do desvio propostas por R K Merton 1949 ou T Parson 1951 que prevêem ao lado dos comportamentos inovadores caracterizados pelo uso de meios ilícitos o ritualismo hiperconformismo passivo segundo Parsons o recuo alienação passiva ou a rebelião alienação activa A noção sociológica de desvio não é uma categoria estatística Não se aplica às condutas ou aos indivíduos que se afastam mesmo nitidamente da média Para que haja desvio é preciso que haja uma norma de grupo e não uma simples opinião maioritária As teorias sociológicas do desvio podem ser reagrupadas em três correntes principais as teorias da regulação social as teorias da contradição social e as teorias culturais 73 A primeira perspectiva a mais tradicional fundase na oposição entre os desejos ou as pulsões individuais e os constrangimentos impostos pela pertença a um grupo social O desvio resulta do falhanço da sociedade em conter e regular as paixões humanas Produzse quando os laços do indivíduo com a ordem social são rompidos As teorias da contradição social rejeitam a ideia de que a motivação para o 132 desvio está inscrita na natureza humana e vêem nela pelo contrário um produto da sociedade Os homens seriam conformistas se não fossem empurrados para o desvio pela pressão de desejos legítimos encorajados ou mesmo prescritos pela sociedade mas não satisfeitos em virtude da falta de meios para realizálos Nesta perspectiva ilustrada nomeadamente por Metron o vício é o produto da virtude As teorias culturais por seu turno põem em causa o postulado da uniformidade das normas no seio de uma sociedade A interiorização das normas do seu grupo pode pôr o indivíduo em conflito com as normas dominantes ou legais da sociedade O desvio neste sentido é o fruto de uma aprendizagem cultural tão moral como toda a aprendizagem social Podem ligarse a esta terceira corrente as teorias interaccionistas do desvio ditas teorias da reacção social ou da marcação labeling Sublinham elas que o desvio não é uma propriedade característica do acto de uma pessoa mas antes a consequência das reacções dos outros a esse acto Como escreve H Becker 1963 o desviado é aquele a quem a etiqueta de desviado foi aplicada com sucesso O desvio é uma categoria construída num processo de interacção colectiva que implica aqueles que acabarão por ser etiquetados como desviados os que os rodeiam os que fazem respeitar as normas os que querem impor novas normas Esta perspectiva dominante na sociologia do desvio no fim dos anos 60 contribuiu para uma reorientação da pesquisa sobre a delinquência Verificouse um afastamento da etiologia social da delinquência para estudar os agentes e os mecanismos do controlo social PH BD Besnard 1987 Cohen 1966 133 Diferenciação social A diferenciação é um dos elementos da estratificação social É o processo pelo qual as posições sociais são definidas e distinguidas umas das outras atribuindose a cada uma delas um papel ou um conjunto de papéis específicos Nenhuma vida social é possível sem diferenciação mesmo mínima das funções tais como a reprodução biológica a socialização das crianças A diferenciação supõe que sejam conhecidos o responsável da função ou papel os seus direitos e obrigações Distinguese da hierarquização Esta fundase numa comparação entre os estatutos já diferenciados e procura repartir os indivíduos entre as diferentes posições segundo as suas aptidões qualificações etc Um papel considerado física ou intelectualmente mais difícil que um outro será pelo menos teoricamente atribuído a determinado indivíduo e não a um outro em função desses critérios Mas a comparação não implica juízo de valor dependendo este de facto de critérios próprios de cada sociedade A diferenciação é portanto um conceito mais geral e mais neutro que a divisão do trabalho a hierarquização a estratificação M C Durkheim 1893 Difusão Processo pelo qual uma informação uma opinião um comportamento 74 uma prática uma inovação um novo produto uma moda 134 etc se propagam numa dada população Estes processos fascinaram de longa data os sociólogos sem que estes disponham sempre dos materiais necessários para desvendar os seus mecanismos O que pode dar uma certa ideia é o andamento da curva da difusão mais precisamente a curva da distribuição no tempo das proporções acumuladas de pessoas atingidas pela informação ou pela inovação consideradas Se a via real da influência é a relação directa entre um emissor os media e os indivíduos tomados isoladamente essa curva aparentar seá a um arco sendo num dado momento o aumento das conversões proporcional ao número de pessoas ainda não atingidas a velocidade do processo forte de início tende a diminuir Se pelo contrário o fenómeno se propaga sobretudo por contactos interpessoais teremos uma curva em S típica de um contágio O aumento do número de pessoas atingidas é proporcional ao mesmo tempo à população dos contaminados e à dos não contaminados A difusão lenta no início acelerase até ao momento em que metade da população contaminável é atingida afrouxando depois Um estudo de J Colemann et al 1966 identificou mais ou menos estes dois tipos de curvas a propósito da adopção de um novo medicamento pelos médicos americanos Muitas observações e estudos designadamente sobre inovações agrícolas encontraram curvas de difusão em S ou curvas logísticas características das epidemias Uma curva deste género permite discriminar facilmente diversas categorias de posições em relação à difusão inovadores retardatário etc e fezse um esforço no sentido de captar as características pessoais e sociais dos inovadores Rogers Shoemaker 1971 A curva logística não 135 reveste provavelmente a generalidade que muitas vezes se lhe atribui e pode interpretarse de diversas maneiras Poderia reflectir a importância das relações interpessoais nos processos de comunicação e de influência quer se trate de decisões de compra ou de intenção de voto posta em evidência por P Lazarsfeld e seus colaboradores Katz Lazarsfeld 1955 Esta abordagem põe a tónica no fluxo horizontal na difusão da inovação A novidade é adoptada num mesmo momento por pessoas influentes ou líderes de opinião que pertencem a diversos grupos sociais e que exercem a sua influência no seio do seu grupo Estes agentes influentes podem ser cosmopolitas à espreita das informações ou locais legitimando a inovação Merton 1949 Este modelo de difusão horizontal ou segmentada opõese ou sobrepõese ao modelo mais tradicional da difusão vertical ou hierárquica segundo o qual a inovação se espalha em cascata de cima para baixo da pirâmide social vd moda Verificase muito geralmente que novos produtos colocados no mercado são adoptados primeiro pelas camadas sociais mais favorecidas e difundemse verticalmente O factor rendimento basta para explicar este fenómeno designadamente quando se trata de bens de equipamento Entretanto o estudo de um acto gratuito a escolha de um nome para o seu filho que permite eliminar toda a influência do rendimento mostrou que o modelo hierárquico era grosso modo confirmado pela difusão social dos nomes novos ou que entram na moda Besnard Desplanques 1986 Este estudo sugere também que o grau 136 75 de sociabilidade as ocasiões de contacto com outrem têm um papel motor na difusão da inovação e não é fácil isolar posição na escala social e grau de sociabilidade a fim de apreciar a parte respectiva do fluxo horizontal e do fluxo vertical do contágio e da cascata dos sinais de distinção PH BD Cherkaoui 1982 Mendras 1967 Mendras Forsé 1983 Difusionismo A corrente difusionista estuda a distribuição geográfica dos traços culturais postulando uma sucessão de contributos de um grupo para o outro a partir de alguns raros focos de invenção supostamente originários A atenção é dirigida para a circulação dos traços culturais itinerários velocidade e áreas de difusão modificações sobrevindas obstáculos e condições favoráveis à difusão Esta corrente apareceu no início do séc XX e é representada por três escolas 1 inglesa tendo por chefes de fila W J Perry e G Elliot Smith que afirmam a origem egípcia de toda a civilização e a crença numa ascendência solar do soberano 2 alemã desenvolvida à volta de F Graebner e W Schmidt que se apoiam na linguística na arqueologia e na história para identificar complexos culturais em círculos de difusão de certos traços culturais 3 americana que reagrupa discípulos de F Boas A Kroeber E Sapir os quais admitem a possibilidade de aparecimento das mesmas invenções nas diferentes culturas distinguem círculos de difusão concêntrica e sublinham que um traço só aparece depois de certas aquisições técnicas que 137 o tornam possível seriação cultural de Sapir Estas teorias subestimam as capacidades inventivas do homem esquematizam até ao excesso os mecanismos de difusão menosprezam migrações e desigualdades de ritmos de difusão e têm em pouca conta mecanismos psicológicos da adopção ou da rejeição selectiva de certos traços culturais C R DILTHEY Wilhelm filósofo alemão Biebrich 1833 Seis Tirol 1911 Desde a sua primeira formulação Introdução às Ciências do Espírito 1883 o projecto de Dilthey visa garantir a autonomia daquilo a que ele chama ciências do espírito Por tais disciplinas ele entende aquelas cujo objecto a realidade histórica e social lhe parece excluir que possam desenvolverse com base no modelo das ciências da natureza Contra a ciência positivista de A Comte sublinha que nesses domínios o conhecimento não pode consistir numa reprodução do dado o historiador por exemplo reconstrói o passado organizao por referência às perspectivas que são as suas e em função dos valores a que adere Contudo as ciências humanas não devem renunciar a toda a forma de objectividade élhes necessário elaborar métodos específicos adaptados à originalidade do seu objecto Rejeitando uma simples transposição da postura explicativa praticada pelas ciências da natureza Dilthey considera que os factos de que trata a sociologia têm como característica principal o serem significantes independentemente da procura das suas causas devem dar lugar portanto a uma compreensão que liberta o seu sentido No estádio inicial da sua reflexão Dilthey concebe a compreensão como um 138 esforço para reencontrar por detrás dos fenómenos a estudar a significação que 76 os actores sociais lhes atribuem O historiador ou o sociólogo devem reviver o que outros viveram a compreensão suporia uma participação directa por simpatia na vida psíquica de outrem A sociologia tornase assim directamente dependente da psicologia como ciência descritiva dos processos psíquicos Ideias a Respeito de Uma Psicologia Descritiva e Analítica 1894 Nas suas últimas obras Edificação do Mundo Histórico das Ciências do Espírito 1910 Teoria das Concepções do Mundo 1911 Dilthey tenta estabelecer a sociologia desta submissão à psicologia tornando ao mesmo tempo a compreensão menos subjectiva Tratase não já de coincidir com os actores mas de recolocar os fenómenos considerados em conjuntos mais vastos onde eles encontram a sua significação compreender o espírito de uma reforma jurídica consistirá menos em descobrir os motivos dos seus autores que em construir o contexto histórico social cultural de que se apresenta como inseparável Ao articular à investigação causal uma interrogação sobre o sentido dos factos sociais Dilthey inaugura a tradição alemã da sociologia compreensiva M Weber S M Direito sociologia do A dificuldade de fornecer uma definição única da sociologia do direito remete para as incertezas desta sociologia especializada confrontada com 139 um objecto que pode ser considerado igualmente como ciência do social Estas incertezas estão já presentes na história da disciplina Quando É Durkheim se empenha em relacionar tipos de direito e formas de solidariedade no seio da sociedade global desenvolve uma sociologia que faz do direito um indicador privilegiado do conjunto da realidade social Durkheim 1893 A sua posição de pesquisa assemelhase a este respeito à de M Weber para quem a questão do direito ocupa um lugar estratégico na compreensão das racionalidades políticas das sociedades Weber 1922c G Gurvitch 1940 empenhase ele próprio nesta via quando associa tipos de sociedades globais a sistemas de direito Mas a referência ao pensamento de L Duguit 1889 permite compreender as razões da existência de uma outra concepção da sociologia do direito Este autor sublinha o interesse de uma teoria sociológica do direito que rompendo com a abordagem dogmática deve permitir ajustar a produção do direito à realidade social na medida em que as leis positivas produzidas pelo legislador devem estar conformes com as leis sociológicas e com o estado social para o qual são feitas Tratase da expressão de uma concepção da sociologia do direito ao serviço da produção do direito como disciplina auxiliar do direito E uma tradição cuja marca encontramos em H LévyBruhl 1961 o qual propõe a instituição de uma jurística verdadeira ciência do direito Ao elogiar os méritos de uma sociologia legislativa feita de investigações próprias para informar o legislador J Carbonnier 1972 ao mesmo tempo que favorece um desenvolvimento amplo e pluralista da sociologia do direito francesa contemporânea contribui para inscrever uma parte desta na tradição Temos pois de aceitar 140 várias definições da sociologia do direito Proporemos três que não se excluem propriamente umas às outras mas representam antes maneiras diferentes de encarar um mesmo objecto ao mesmo tempo que estão marcadas por concepções opostas referentes 77 às relações direitosociologia 1 estudo das relações entre os factos sociais e o direito do ponto de vista da sua produção e das suas diferentes formas de implementação 2 estudo das formas jurídicas das suas disposições dos seus usos sociais das instituições e dos profissionais do direito como fenómenos sociais particulares 3 estudo do direito das práticas das instituições jurídicas e dos profissionais como elementos entre outros de gestão da ordem social Estas definições estão subjacentes à produção da investigação actual que poderia ser repartida da seguinte maneira 1 uma sociologia aplicada do direito ligada principalmente à análise das relações entre comportamentos sociais e estado do direito à da influência da mudança socioeconómica ou tecnológica sobre o direito ou sobre as instituições judiciais problemas de eficácia e de efectividade à dos modos de liquidação dos conflitos 2 uma jurissociologia fundada numa atenta tomada em consideração da técnica do direito e dos seus modos de agir processos de transformação do contencioso em jurisprudência modos de tratamentos não jurisdicionais dos conflitos confrontação de sistemas jurídicos com o direito estatal etc Esta jurissociologia concebida assim como 141 ciência de análise do jurídico é reivindicada igualmente como sociologia jurídica Arnaud 1981 3 uma sociologia do campo normativo em que as análises dos processos de criação das normas jurídicas das produções do direito e dos agentes que o põem em acção desembocam ou participam de bom grado numa abordagem de processos sociais mais gerais modos de controlo social ou de regulação social das sociedades globais formas de dominação simbólica como mecanismos de reprodução social etc que essas análises contribuem para esclarecer Nesta última orientação estabelecemse definitivamente distâncias com o dogmático jurídico a aproximação com a sociologia geral acabaria por manifestar os limites de uma demasiado grande especialização da sociologia do direito e uma espécie de justo regresso à tradição dos fundadores da sociologia J CE Arnaud 1988 Droite et société 1985 Discriminação Embora o termo implique apenas por si mesmo a faculdade de fazer distinções ganhou em sociologia um sentido crítico Designa as distinções feitas na vida social em detrimento de certos grupos que são julgadas inaceitáveis pela maioria porque violam as normas sociais e o princípio da igualdade perante a lei ao mesmo tempo que certos subgrupos da população as justificam É o caso dos comportamentos em relação à população negra nos Estados Unidos da América até aos anos 60 assim como das atitudes antisemitas Os critérios de discriminação variam segundo as sociedades e segundo as épocas Na Índia moderna que legalmente suprimiu o sistema das castas os antigos 142 intocáveis são discriminados por causa do passado que continua vivo ao nível dos costumes Nos Estados Unidos a discriminação durante longo tempo exercida contra os negros tinha a sua origem na sua antiga condição de escravos Um numerus clausus é imposto na Rússia à entrada nas universidades de alunos judeus e arménios A discriminação pode fundarse na raça na religião na origem nacional ou na cultura Simpson Yinger 1965 78 O facto de se ter podido definir a discriminação social como a maneira de tratar desigualmente indivíduos iguais mostra até que ponto se trata de um conceito estreitamente ligado à sociedade moderna que põe a igualdade no centro dos seus valores nas sociedades fundadas nas diferenças de estatuto ou de casta a discriminação é um conceito neutro descritivo desprovido da conotação pejorativa que lhe atribuímos nas nossas sociedades D S Disfunção vd Função Dissonância cognitiva Este termo devido ao psicólogo americano L Festinger 1957 designa uma contradição entre dois elementos cognitivos presentes no campo de representação de um indivíduo Por elemento cognitivo Festinger entende tudo aquilo que pode ser objecto de conhecimento comportamento crença opinião sensação etc O postulado da teoria de Festinger é que o indivíduo tende a resolver ou a reduzir a dissonância porque ela é fonte 143 de malestar Em cada situação dissonante o indivíduo dispõe geralmente de vários modos possíveis de redução da dissonância Um fumador que conhece os perigos do tabaco pode deixar de fumar ou procurar elementos consonantes com o facto de fumar Esta teoria muito simples e de alcance muito geral foi objecto de numerosas discussões e provas experimentais Os investigadores interessaramse nomeadamente pelas consequências de uma escolha toda a escolha gera uma dissonância pela exposição selectiva à informação procura de informações consonantes evitando as dissonantes pelos efeitos de obediência forçada finalmente pela procura de um apoio social para reduzir a dissonância Festinger e os seus colaboradores mostraram num estudo sobre uma seita que esperava o fim do mundo que a interacção de grupo e o proselitismo tinham permitido aos adeptos ultrapassar a tremenda dissonância provocada pela não realização da profecia No que se refere à obediência forçada a teoria da dissonância explica fenómenos inexplicáveis por uma abordagem behaviorista fundada na noção de reforço um indivíduo levado a defender em público uma posição que não é a sua sem nenhuma justificação ou remuneração modificará a sua opinião privada no sentido da sua declaração pública Uma forte remuneração basta para reduzir a dissonância se a remuneração é fraca ou nula a mudança de opinião tornase o único modo de redução da dissonância A teoria de Festinger tal como outras teorias análogas designadamente a de F Heider fundase no postulado de uma necessidade de coerência cognitiva que foi posta em causa Poitou 1974 144 PH BD Distância social No seu sentido mais geral e mais imediato a distância social é o intervalo maior ou menor que separa no espaço social as posições de duas ou várias pessoas que pertencem a diferentes classes sociais etnias confissões religiosas ou subculturas Alguns autores falaram de distância social vertical para introduzir a noção de diferenças na hierarquia do estatuto do poder ou dos recursos Entretanto o termo difundiuse sobretudo em sociologia numa acepção mais psicológica em virtude da elaboração por E S Bogardus de uma escala de distância social A distância social é então 79 concebida como o grau de compreensão simpática que existe entre duas pessoas ou uma pessoa e um grupo pertencentes a culturas grupos sociais ou étnicos diferentes Na prática a escala de atitude construída por Bogardus consistia em medir o grau de aceitação como esposo como amigo como vizinho como colega etc ou de exclusão de pessoas pertencentes a duas nacionalidades ou etnias PH BD Alexandre 1971 Park Burgess 1921 Divisão do trabalho Pode fazerse remontar a noção de divisão do trabalho a Platão e a Aristóteles que a consideravam não como meio para aumentar a produção mas com o aumento da eficácia do indivíduo na medida em que este se especializa naquilo que corresponde melhor à sua 145 natureza Mas foi de facto na sequência das análises de A Smith que a divisão do trabalho se popularizou nas ciências sociais 1776 nomeadamente os três primeiros capítulos do livro I consagrados ao estudo das causas e consequências da divisão do trabalho Para Smith ela é um método em que cada indivíduo está especializado numa fase determinada do processo de produção Tem três funções primordiais aumenta a habilidade de cada operário economiza o tempo é a causa fundamental da invenção que máquinas que facilitam e abreviam o trabalho e permitem a um único homem desempenhar a tarefa de vários Todos estes factores concorrem para aumentar a produção de bens e melhorar a qualidade dos produtos pois que ao especializarse numa tarefa simples o operário adquire uma destreza que o não especialista jamais pode atingir mesmo que goze naturalmente de mais talentos É que nota Smith a diferença dos dons naturais entre os indivíduos é mais pequena que a diferença entre indivíduos que exercem ofícios diferentes gerados pela divisão do trabalho A divisão do trabalho é um efeito e não a causa da permuta É portanto o mercado que a determina e a limita A acumulação do capital é uma condição necessária da divisão do trabalho Esta tese foi retomada e reformulada num quadro mais amplo que o da economia por economistas e sociólogos como H Spencer 18741875 G Schmoller e sobretudo É Durkheim 1893 que utiliza certas críticas que a escola histórica alemã dirigiu à teoria económica clássica para iniciar um debate com os utilitaristas em particular Smith e Spencer A divisão do trabalho é analisada por Durkheim quando se interroga sobre a especificidade das sociedades industriais em relação às outras sociedades Ele distingue 146 dois tipos ideais de sociedades a sociedade de solidariedade mecânica e a sociedade de solidariedade orgânica A primeira caracterizase por um volume e uma densidade baixos uma organização social pouco diferenciada um direito repressivo e uma consciência colectiva que integra fortemente o indivíduo A segunda distinguese por um volume e uma densidade elevados funções sociais muito diferenciadas um direito cooperativo e a emancipação do indivíduo A divisão do trabalho envolve todas as esferas social económica política artística científica etc Para Durkheim ela está positivamente correlacionada com o volume e com a densidade Tornandose mais densa e demograficamente mais volumosa a sociedade assiste ao aparecimento de conflitos no seu seio Se para satisfazer uma mesma necessidade 80 um maior número de homens faz o mesmo trabalho eles serão levados a lutar uns contra os outros A divisão do trabalho é precisamente uma solução pacífica para essa luta pois reduz os desequilíbbrios sociais Em Durkheim tal como em Smith ela gera não apenas a especialização mas também a solidariedade isto é uma organização que coordena as funções e liga os indivíduos uns aos outros É o que os teóricos da organização científica do trabalho nomeadamente F W Taylor tinham de facto sublinhado A especialização que fragmenta o trabalho foi objecto de críticas por parte de numerosos sociólogos como sendo uma causa fundamental da alienação do homem moderno Impôs além disso uma separação entre os executantes 147 trabalhadores manuais e as outras categorias técnicos administrativos comerciais acompanhada de uma hierarquização social Durkheim notara que a divisão do trabalho poderia em certos casos gerar três formas anormais a divisão do trabalho anómico que é a desregulação do mercado e das relações sociais crises económicas e sociais a divisão do trabalho constrangimento que é uma repartição injusta e desigual dos homens entre as funções finalmente a divisão do trabalho burocrática que se distingue por uma superabundância de agentes e uma baixa produtividade M C Blau 1977 Divórcio Segundo a tradição católica o casamento é indissolúvel Na França a Revolução laiciza o estado civil e institui em 1792 o divórcio que pode ser pronunciado por consentimento mútuo como todo o contrato entre pessoas Sujeito a restrições em 1803 proibido de novo em 1816 o divórcio volta a tornarse legal em 1884 lei Naquet tendo por motivo a culpa de pelo menos um dos cônjuges divórcio sanção Uma lei de 1975 testemunha a evolução dos costumes ao tornálo mais fácil e ao reintroduzir o consentimento mútuo Verificase uma subida lenta e regular do número de divórcios após 1884 independentemente dos fogachos consecutivos das duas guerras depois uma estabilização em torno de 1 em 10 casamentos nos decénios 1950 e 1960 mas a partir de 1970 dáse um aumento contínuo muito forte sem efeito aparente da lei de 1975 até 3 divórcios por 10 casamentos em 1985 são estes os factos observados Os divorciados tornam actualmente a casarse com menos 148 frequência A coabitação em todas as idades e nomeadamente juvenil Roussel 1978 substituise muitas vezes ao casamento que como instituição parece em crise Fundadas mais no sentimento e nas conveniências individuais as uniões tornamse mais frágeis O aumento do trabalho feminino assalariado fora do lar que dá mais independência às mulheres o prolongamento da esperança de vida que aumenta a duração média de uma união contraída na juventude são factores a relacionar com a subida do número dos divórcios Uma proporção considerável de crianças cresce mais frequentemente na companhia de um só dos seus dois progenitores Mas viuvezes e recasamentos frequentes provocavam outrora situações análogas A um destino aceite correspondem hoje decisões voluntárias de consequências psicológicas e sociais difíceis de apreciar Os divórcios tal como as uniões têm cada vez mais a ver com o domínio privado mas a perpetuação do grupo e a transmissão 81 de um património biológico e cultural estão em causa A sociedade deverá encontrar formas jurídicas em relação com os novos comportamentos A França encontrase numa posição média no conjunto dos países industrializados Com ligeiros desfasamentos no tempo e tendo em conta a situação de partida a alta dos divórcios é geral na Europa Ocidental e os desníveis cada vez menos sensíveis se se exceptuarem os países nórdicos que vão com avanço sob este aspecto Nos Estados Unidos da América os divórcios envolvem um em cada dois casamentos Na URSS as suas oscilações 149 acompanham bastante de perto as modificações legislativas que os tornam ora mais ora menos fáceis A G Commaille 1978 Commaille et al 1983 Dom vd Troca Potlatch Dominação M Weber 1922a define a dominação como a possibilidade de encontrar pessoas determináveis prontas a obedecer a uma ordem Nesta perspectiva o que é constitutivo da dominação é a presença efectiva de um indivíduo que manda em outros com sucesso mas a dominação exercese muitas vezes no quadro de um agrupamento cujos membros pela própria aplicação dos regulamentos estão sujeitos a relações de domínio A dominação não é portanto sempre nem necessariamente política só se torna tal em ligação com um agrupamento territorial cuja direcção administrativa é susceptível de recorrer ao constrangimento físico Weber reconhece em particular a importância da dominação de fundamento económico em virtude de uma constelação de interesses mas tende a privilegiar nos seus escritos a dominação em virtude da autoridade duplamente caracterizada pelo poder de mandar e pelo dever de obedecer A relação do mando e da obediência é para ele o traço fundamental da dominação está em particular na base de toda a dominação política ainda que esta tente geralmente fortalecerse por uma reivindicação específica de legitimidade Pode igualmente à maneira de A Giddens 1979 1984 verse na dominação uma propriedade estrutural dos 150 sistemas sociais deixa então de ser encarada sob o aspecto das relações entre actores para sêlo em termos de recursos e consiste numa distribuição assimétrica de recursos de duas ordens distintas uma das quais implica o controlo dos objectos e dos bens recursos de abono e a outra o domínio sobre as pessoas recursos de autoridade Esta concepção permite pensar a relação entre dominação e poder em termos de complementaridade o poder só opera com base nas assimetrias de recursos inerentes às estruturas de dominação e reciprocamente a dominação depende para a sua própria manutenção do jogo das relações de poder e da implementação dos recursos que elas implicam Convém acrescentar Chazel 1983 no entanto que o poder não contribui apenas para reconstituir ou para reproduzir as estruturas de dominação existentes ele pode participar na constituição e na produção de estruturas de dominação diferentes Com efeito as estruturas de dominação estão destinadas a ser transformadas ou destruídas são ou serão historicamente circunscritas De uma maneira geral o conceito de dominação deve ser manejado com prudência o que está longe de ter acontecido num período recente 82 a dominação é sem dúvida uma dimensão significativa da análise sociológica mas não poderá tornarse no seu princípio central ou mesmo único e se devemos com Weber reconhecer a importância dos processos de reforço simbólico da dominação a expressão dominação simbólica é demasiadas vezes empregada sem precaução sem 151 conhecimento do campo de aplicação pertinente da noção F C Bourdieu 1980 Clegg 1974 1979 DURKHEIM Émile sociólogo francês Épinal 1858 Paris 1917 Se se quiser resumir com uma palavra as múltiplas facetas da teoria do fundador da sociologia francesa escolherseá seguramente o conceito de integração Porquê e como é que os indivíduos são integrados na sociedade Esta interrogação atravessa do princípio ao fim todas as pesquisas conduzidas por Durkheim A partir da sua tese De la division du travail social 1893 onde se interroga sobre a natureza e as causas da evolução das sociedades modernas para uma maior diferenciação das funções sociais Durkheim levanta de novo a questão da origem da ordem social contesta as explicações artificialistas por meio do contrato e propõe uma teoria fundada na norma e na sanção como condições primeiras de toda a vida em sociedade Se vai buscar a H Spencer a tese geral da evolução das sociedades modernas para uma maior divisão do trabalho separase dela na explicação Para Durkheim esta mudança macrossocial advém não porque seja útil e corresponda a uma qualquer finalidade mas porque é gerada por causas mecânicas como o aumento do volume da densidade da população e das relações sociais Estas ideias são retomadas e aprofundadas em Le Suicide 1897 Durkheim vê neste fenómeno e seu crescimento no séc XIX a confirmação da sua tese relativa às consequências do individualismo e da má integração dos indivíduos nas sociedades modernas Esta forma de suicídio que ele qualifica de egoísta distinguese do suicídio altruísta que é a 152 consequência de uma demasiado forte integração estrutural por exemplo o suicídio no exército e nas sociedades arcaicas e do suicídio anómico que decorre de uma ausência de regulação normativa por exemplo anomias económica e sexual A integração está ainda presente em Les Formes élémentaires de la vie religieuse 1912 onde define a essência do religioso pelo sagrado pois que nem o sobrenatural nem o transcendente preenchem as condições de uma definição universal da religião Ao sagrado convém juntar as crenças o ritual e uma Igreja símbolo da comunidade dos fiéis Para Durkheim o sagrado é um elemento colectivo e impessoal é a própria sociedade A integração é por fim um conceitochave da sua sociologia da educação e da família duas instituições que contribuem para a socialização dos indivíduos da qual Durkheim umas vezes descreveu com precisão outras vezes penetrou os mecanismos que as pesquisas contemporâneas redescobrem explicitam e teorizam a um nível de abstracção mais elevado M C Durkheim 1922 1925 1938 83 E Ecologia A ecologia é a ciência que estuda as relações entre os seres vivos e o seu ambiente mostra como é que se estabelecem sistemas de dependência entre os vários elementos de um meio A ecologia designa também um movimento de opinião empenhado em defender os 153 equilíbrios naturais de que os homens fazem parte e que estão ameaçados pelo desenvolvimento económico incontrolado No início dos anos 70 o Clube de Roma lançou um grito de alarme contra as poluições irreversíveis O homem não pode continuar a ser concebido como um conquistador face a uma natureza hostil ou generosa mas como um elemento dos sistemas naturais que asseguram a sua sobrevivência Os movimentos ecológicos podem aparecer como um dos efeitos da crise da cultura industrial voltando ao tema dos equilíbrios imutáveis Mas na maioria dos países industriais foram além dessa reacção de crise opondose à indústria nuclear cujos perigos para hoje e para as gerações futuras sublinharam Puseram também em causa os poderes e os aparelhos que decidiram acerca dos programas nucleares sem controlo político e democrático Multiplicaramse manifestações na França e na Alemanha Federal ao mesmo tempo que os militantes propunham diversas alternativas energéticas e sociais pela adopção de um modelo de vida mais comunitário Entretanto para já a passagem à acção política só se fez significativamente na Alemanha F D Economia e sociologia As relações entre estas duas disciplinas apresentamse como mais ou menos harmoniosas segundo os contextos e as épocas O sociólogo italiano V Pareto é ao mesmo tempo um grande economista Em Marx economia e sociologia combinamse estreitamente Os sociólogos clássicos alemães G Simmel e M Weber interessamse pelos trabalhos dos marginalistas austríacos e sugerem que a psicologia pode tirar deles lições de método 154 Em contrapartida a economia quase não tem lugar em A Comte E É Durkheim considera a teoria económica como uma especulação metafísica destinada a ser ultrapassada pelos progressos da sociologia disciplina à qual como Comte confere um papel imperial Actualmente a sociologia tornouse em geral menos intolerante para com a economia Por um lado porque a importância do paradigma do individualismo metodológico é melhor compreendida pelos sociólogos Ora a teoria económica acompanha muito frequentemente este modo de pensamento que os sociólogos conceberam muitas vezes como contraditório com a essência de uma disciplina votada a interessarse pelos fenómenos colectivos como se os fenómenos económicos não fossem também eles colectivos Por outro lado os sociólogos medem melhor os inconvenientes que há em conceber o actor social o homo sociologicus como um sujeito inteiramente passivo manipulado por forças sociais que escapam ao seu controlo e largamente inconscientes O homo sociologicus tende hoje a ser concebido como capaz de intenções de estratégia de cálculo Assim aproximase do homo oeconomicus tradicional Será isto dizer que as duas disciplinas devem confundir se Não Por um lado porque elas estão interessadas em objectos diferentes 84 Por outro lado e principalmente porque o modelo clássico do homo oeconomicus que supõe o comportamento do actor guiado por uma racionalidade definida de maneira estreita 155 se é útil para analisar não apenas os fenómenos económicos que têm sobretudo a ver com a sociologia é também em muitos outros casos insuficiente Os esforços recentes feitos pelos economistas para aplicar este modelo por exemplo ao divórcio ao casamento ou ao crime deram apenas resultados modestos Porque em muitos casos o actor social é confrontado com situações cuja complexidade é tal que não pode dominálas por processos racionais em sentido estrito Ora uma das contribuições da sociologia para a família das ciências sociais é o ter esboçado uma teoria aberta da racionalidade R B Boudon 1979 Simmel 1900 Weber 1922a Educação sociologia da A educação interessa a duplo título as ciências sociais e mais particularmente a sociologia sejam quais forem os costumes os usos e os modos de pensamento dos povos numa palavra a sua cultura esta é lhes primeiramente transmitida por outro lado esta transmissão fazse pela mediação de instituições algumas das quais desempenham um papel social crescente Este duplo aspecto pode recobrir uma clivagem disciplinar etnólogos e psicossociólogos interessarseão mais pela transmissão e seus efeitos individuais economistas e sociólogos pelo funcionamento das instituições e pelo seu contexto social Mas tratase de pistas que segundo a época e o ponto de vista caminharão em paralelo ou misturarão o seu curso O ponto de vista da sociologia da educação revela uma tal confluência para E Durkheim 1895 a educação é um fenómeno social fundamental o meio social tende a modelar a criança à sua imagem Simultaneamente é obra 156 de instituições históricas que como a escola integram o homem moderno em toda a espessura de uma tradição Durkheim 1922 A aliança da psicanálise da psicologia social e da antropologia vai num primeiro tempo promover a primeira pista A modelação evocada por Durkheim pode encontrar ecos na restrição social das pulsões e contribuir para orientar a investigação para o papel desempenhado pelas diversas culturas na constituição de personalidades específicas Esta direcção foi nomeadamente entre as duas guerras a da antropologia cultural americana A segunda pista era pouco seguida durante o mesmo período Faltavalhe sem dúvida o estímulo de uma pressão social que pouco tempo após a Segunda Guerra Mundial se tornou cada vez mais forte Os anos 50 assistiram à implantação de um fenómeno cuja amplidão não deixará de aumentar a escolarização de massa Caracterizada pelo aumento contínuo dos efectivos escolares e pelo prolongamento crescente da escolaridade está ligada a diversas causas modificação do equilíbrio dos grandes sectores económicos e emergência poderosa do terciário elevação geral do nível de vida nos países indastrializados e crescimento dos investimentos escolares desejo de ruptura das barreiras sociais e promoção de ideais democráticos Mas muito rapidamente este crescimento escolar revela profundas inadaptações os sistemas escolares europeus datam do séc XIX e apresentamse já vetustos repelem ainda milhares de jovens saídos dos meios populares quando faltam de facto técnicos 85 157 engenheiros quadros professores privilegiam uma cultura humanista no exacto momento em que a indústria requer competências técnicas Mas para além de tais verificações transparece a urgência de conhecer melhor a escola e o seu funcionamento a fim de poder agir sobre ela e transformála Em menos de quinze anos sucederamse inquéritos e reformas escolares na maior parte dos países industrializados que fornecem à sociologia da educação um novo impulso e matéria renovada Os inquéritos de demografia escolar INED 1970 revelam a selecção social operada pelos vários sistemas escolares e a confusão de competências que isso representa Democratizar a escola tornase então a palavrachave das reformas Mas uma vez estas implantadas as transformações revelamse lentas e de pouco efeito será de facto a escola um instrumento de democratização A sua função social profunda não será antes reproduzir as desigualdades inerentes a uma sociedade de classes Bourdieu Passeron 1970 Baudelot Establet 1971 Inscrita num sistema em que estratificação social e hierarquia das competências caminham a par poderá a escola ter um outro efeito Boudon 1973 Parada e objecto permanente de estratégias de açambarcamento funcionará como uma armadilha Berthelot 1983 Estas perguntas sugerem não apenas respostas mas abordagens diferentes Algumas reencontram a confluência originária das pistas a escola reproduz as desigualdades sociais difundindo uma cultura de classe que modela os indivíduos no mais profundo e que estabelece como legítimas as desigualdades Bourdieu Passeron 1970 Outras inversamente aplicam a este campo um modelo de análise saído da economia os indivíduos são actores que procuram rendibilizar o melhor possível o seu 158 investimento escolar os factores de conjunto verificados resultam da agregação de múltiplas decisões individuais no seio do espaço social definido pela escola Boudon 1973 Cherkaoui 1982 Entretanto a escolarização impõese em cada situação como objecto privilegiado da sociologia da educação Os anos 80 registam uma nova evolução a escolarização de massa parece ter transformado os sistemas escolares em monstros impossíveis de gerir que segregam o fracasso e a incompetência mas simultaneamente os novos rigores do ambiente socioeconómico tendem a fazer apelo à escola ou às suas variantes para gerir a todos os níveis a formação ou a reciclagem de contingentes cada vez mais numerosos e diversos Gigantismo escolar e multiplicação das funções criam assim uma opacidade e uma complexidade novas Segundo diversos pontos de vista e com base em vários objectos implantase então uma espécie de quadriculado dos sistemas de formação ensino inicial e formação contínua ensino geral e ensino profissional itinerários de formação e processos de orientação os trabalhos multiplicamse tendem muitas vezes ao contrário das grandes construções anteriores a penetrar no mais profundo das situações escolares concretas para aí captar tanto o seu modelo de construção social como a razão dos seus feitos Mollo 1986 JM B IsambertJamati 1970 Plaisance 1986 Tanguy 1986 Egoísmo A palavra egoísmo não teria sentido específico em sociologia se É Durkheim não tivesse feito uso dela na sua obra não sem alguns equívocos Nos seus primeiros textos é 159 caracterizado como 86 egoísta o indivíduo movido pelos seus interesses próprios tal como o concebem os economistas e os utilitaristas Nos seus textos tardios o egoísmo é identificado com as paixões e as tendências que derivam da constituição individual orgânica do homem por oposição à sua constituição social Em ambos os casos o egoísmo aplicase a um indivíduo présocial Mas o egoísmo pode ser também um produto da sociedade O culto da pessoa humana tornase o valor central das sociedades modernas Este individualismo moral não se confunde com o egoísmo mas contribui para o seu desenvolvimento Vêse isso bem em Le Suicide 1987 com o tipo de suicídio que Durkheim chama egoísta É aquele que procede de uma integração insuficiente do grupo social de pertença Essa falta de coesão social gera uma ligação insuficiente do indivíduo ao seu grupo Neste sentido o tema do egoísmo como doença das sociedades modernas é central na sociologia de Durkheim Para lhe dar remédio é preciso fazer com que o indivíduo saia de si próprio levandoo à prossecução de grandes objectivos colectivos PH BD Besnard 1987 Durkheim 1925 Eleitoral sociologia Ramo da sociologia que tem por objecto a explicação do voto Distinguiremos dois tipos de abordagem consoante a natureza dos dados utilizados O primeiro que se inscreve na tradição dos trabalhos de A Siegfried 1913 assenta em 160 dados colectivos e procura estabelecer relações entre a distribuição dos votos e certas características sociais políticas geográficas ou históricas no quadro de unidades territoriais definidas embora recorrendo a técnicas diferentes a geografia eleitoral que se apoia essencialmente na representação geográfica dos fenómenos e a ecologia eleitoral que faz apelo a diversas técnicas estatísticas pertencem a esta mesma categoria A segunda abordagem de inspiração psicossociológica e de tradição anglosaxónica assenta em dados individuais recolhidos por meio de inquérito Estes dois tipos de abordagem apresentamse como complementares Paradoxalmente se a sociologia eleitoral conheceu um desenvolvimento considerável desde o início do século o paradigma sobre o qual ela fundamenta a sua posição não mudou praticamente consiste no essencial em procurar as determinações do voto Esta postura pôde recorrer a vias diferentes Procurarseá na maioria das vezes os determinantes sociais do comportamento eleitoral os numerosos estudos de tipo sociográfico que põem em relação a orientação eleitoral com uma bateria de variáveis explicativas tais como a classe a religião o património o rendimento etc pertencem a esta categoria Por vezes a orientação irá no sentido da análise de determinantes psicossociais o modelo de Michigan Compbell et al 1960 segundo o qual o eleitor americano geralmente pouco interessado pela política e incapaz de ter uma opinião pessoal é guiado pela sua identificação herdada forte e estável com um dos dois partidos é representativo deste tipo de problemática Diferentes nos seus conteúdos ambos os modelos fazem apelo ao mesmo tipo de explicação 161 A acumulação dos trabalhos sobre as determinações do voto não é desprovida de interesse heurístico Ao comprovar algumas proposições tais como o nível de prática religiosa 87 exerce sobre o voto uma influência maior que a pertença a uma classe social ela fixou úteis pontos de referência Mas o principal contributo desta postura é o de ter revelado os seus próprios limites verificouse que tendo em consideração as variáveis explicativas mais consistentes não se podia praticamente explicar mais que um terço da variação do voto tomouse igualmente consciência da fragilidade das relações mais bem asseguradas da dificuldade de interpretálas e do seu limitado alcance explicativo Ao descobrir que não podia haver sobreposição entre a morfologia social e as clivagens eleitorais foise levado a uma relativização progressiva dos esquemas iniciais e a uma visão menos mecanicista dos efeitos de estrutura Ao mesmo tempo de resto a análise das determinações que tinha contribuído para privilegiar as continuidades o aspecto estático das estruturas de distribuição dos votos parecia contrariada pelo desenvolvimento da instabilidade eleitoral da fluidez ou volatilidade Começarseá então a considerar que cada eleição é peculiar a dar mais atenção ao tipo e ao modo de escrutínio à oferta eleitoral e à conjuntura A tomada em consideração da configuração dos mercados políticos do voto de risco issue voting do eleitor avaliador em inglês responsive como princípios explicativos está ainda nos seus inícios Mas ao passar da 162 noção de eleitorados caracterizada por determinações colectivas para a do eleitor autónomo capaz de seguir uma estratégica a sociologia eleitoral parece orientarse para um novo modo de compreensão susceptível de renovar profundamente a disciplina D D Gaxie 1985 Lavau 1986 Elite V Pareto 1916define a elite ou as elites de duas maneiras diferentes mas complementares Segundo a primeira que é estritamente estatística a elite é uma categoria social composta por indivíduos que têm a nota mais elevada no seu ramo de actividade São por exemplo os grandes artistas sábios homens de Estado oficiais superiores do exército jogadores de xadrez ou desportistas os que têm maiores rendimentos seja a origem das suas riquezas honesta ou desonesta Esta definição ampla objectiva e neutra que sublinha a desigualdade entre os indivíduos é rapidamente abandonada por Pareto a favor de uma outra fundada no exercício do poder A elite é constituída nesse caso pelos indivíduos que exercem funções dirigentes Ele divide esta classe em duas a elite governamental que desempenha um papel fundamental na direcção do Estado e a elite não governamental Para Pareto a elite existe e governa em todas as sociedades seja qual for o regime político democracia monarquia república etc ou as instituições económicas capitalismo socialismo etc A distribuição desigual das riquezas do poder e do prestígio é possível porque o pequeno número governa a massa recorrendo à força ou à astúcia Sem dúvida tais elites não são nem eternas nem 163 estáveis Se a história é segundo a sua expressão um cemitério de aristocracias é porque estas desaparecem por razões demográficas e psicológicas Para perdurar a classe governante tem de ser mantida em número e em qualidade por famílias das classes inferiores que se tornaram poderosas Tem também de relegar para a massa aqueles dentre os seus que perderam as qualidades requeridas para fazer parte da elite No 88 caso de um destes movimentos deixar de fazerse ou pior ainda de ambos ficarem bloqueados a classe governante ficará arruinada Se no conjunto G Mosca 1896 chega às mesmas conclusões reconhece no entanto a especificidade do sistema democrático que permite às diferentes forças sociais participar na vida política e portanto equilibrarse e limitar as suas influências respectivas A teoria da elite com as suas variantes propõese como objectivo uma crítica em regra da concepção marxista das sociedades e sobretudo do poder A dominação política para Marx não é mais que uma consequência da dominação económica da classe que detém os meios de produção O poder político não depende de nenhuma esfera autónoma Pareto e Mosca rejeitam esta redução sublinham a especificidade do poder como dimensão essencial da estrutura e do funcionamento das sociedades A bem dizer nem Marx nem os seus sucessores encontraram resposta satisfatória para os problemas das elites quando foram com eles confrontados sob um dos seus aspectos mais importantes o do papel dos intelectuais no partido e na 164 revolução Para Lenine 1902 1918 o proletariado deixado sozinho desenvolve uma consciência tradeunioniste Só um partido revolucionário disciplinado poderia levar os sectores mais avançados do proletariado a conduzir uma luta pela tomada do poder O partido é a vanguarda da classe operária não se confunde com ela O ideal socialista da auto emancipação do proletariado é de facto negado o que fará dizer a R Luxemburgo que a ditadura do proletariado se transforma em ditadura do partido Assim fica ilustrado o sólido fundamento das análises dos teóricos das elites A antinomia fundamental elitemassa não fica resolvida E mesmo os esforços de A Gramsci 1914 1926 que se afastará mais tarde da concepção leninista virão perderse neste impasse cuja saída ilusória ele só vê na liquidação do partido Alguns estudos sobre as elites como os de C W Mills tentam em vão construir uma síntese entre a escola elitista e o marxismo Outros pelo contrário ao afastaremse do ecumenismo forçado contribuem para clarificar o problema das elites nas sociedades contemporâneas analisam a diversidade dos critérios de estratificação das instituições ao interrogaremse sobre a especialização a concorrência a multiposicionalidade ou a coerência das elites que dirigem as diferentes instituições Ora estes problemas estão no cerne do debate sobre a natureza do regime político particularmente a democracia À tese marxizante de certos sociólogos segundo a qual as diferentes elites têm um interesse comum o da sua pertença alguns opuseram a existência de grupos de pressão de interesses muitas vezes contraditórios Esta multiplicidade dos centros de interesse e de decisão mais ou menos autónomos é uma garantia de moderação e de equilíbrio 165 resultante este não de um artifício constitucional mas de realidades socioeconómicas A teoria da poliarquia de R Dahl 1956 que deve ser entendida como idealtipo e não como princípios constitucionais historicamente observáveis encontra aí uma das ideiaschave de Tocqueville 1856 M C Emigração vd Imigração Migração Empatia Compreensão por parte de um indivíduo do comportamento 89 de outrem fundada na sua própria experiência Esta palavra entrou no vocabulário da psicossociologia como uma tradução do termo alemão Einfühlung que designa inicialmente o processo pelo qual um indivíduo que observa os gestos de outrem ligaos a sensações vividas e projecta sobre outrem essas sensações A palavra empatia foi utilizada de facto no sentido mais geral de aptidão para se pôr no lugar de outrem tornandose quase sinónimo de simpatia Os testes sociométricos permitem medir a empatia entendida como a capacidade de prever as escolhas ou rejeições dos outros membros do grupo isto é os seus sentimentos positivos ou negativos em relação a si ou em relação aos outros PH BD Empreendedor Devese a J Schumpeter 1942 a apresentação mais sugestiva daquilo que deve entenderse 166 por empreendedor Numa economia capitalista a função de empresa deve ser distinguida da propriedade ao serviço da qual ela se coloca O empreendedor é um demiurgo que sabe tirar partido das inovações tecnológicas reunir os capitais disponíveis encontrar e organizar a força de trabalho indispensável à implementação de um projecto orientado para a procura constante do lucro Mas se é um criador continua a ser também um fiel servidor do capitalismo que gere em nome e no interesse dos proprietários Esta concepção original para a época anuncia as teses sobre o manageriado das empresas que J Galbraith popularizará nos anos 60 Ao concentrarse no empreendedor põe a tónica na dimensão instrumental quase necessária da função no plano económico independentemente das suas implicações humanas ou políticas Contudo como já o assinalava C Gide no início do século o empreendedor representa mais que isso Pelo facto de utilizar uma força de trabalho assalariada ele não é apenas um dador de ordens é igualmente um patrão obrigado a assumir responsabilidades sociais alargados O interesse de um tal alargamento é evidente Trabalhos recentes mostram que os próprios empreendedores não concebem a sua função sem a propriedade dos meios de produção que consideram como um factor de equilíbrio social quando não lhes parece estar mesmo na base das hierarquias existentes Bunel Saglio 1979 Inscrevem também a sua acção num desígnio mais vasto que o da sua empresa e que só tem sentido sob a óptica do destino das famílias que lhes concedem o seu apoio Integrar a dimensão familiar é pôr a tónica no carácter necessário das alianças e na espessura plurigeneracional de um projecto que não deixa de desenrolarse na duração A 167 elite dos empreendedores enraízase designadamente num meio burguês que a ultrapassa por todos os lados e de que ela pouco se diferencia tanto no ponto de vista dos valores como no dos comportamentos Bourdieu SaintMartin 1978 Até ao presente a quebra tecnocrática que deveria ter acompanhado a passagem a formas não familiares de propriedade não trouxe consigo perturbações visíveis do meio patronal Contentarnosemos pois à semelhança de SaintSimon em considerar os patrõesempreendedores como a fracção industrial da burguesia F G Galbraith 1967 Empregado A observação feita por M Crozier 1965 segundo a 90 qual não há definição satisfatória do empregado mantémse actual É preciso desconfiar nomeadamente das confusões provocados pela sua assimilação aos colarinhos brancos Mills 1951 ou aos terciários Praderie 1968 Durante muito tempo o termo designou o conjunto dos trabalhadores assalariados não manuais do sector privado que se situavam na base da linha hierárquica Mas a fronteira que separa os empregados ou o pessoal de serviço assim designado dos funcionários subalternos civis ou militares apresentase débil sob o aspecto das similaridades das suas condições de emprego e das finalidades do seu trabalho que os distinguem dos operários em particular Por isso habituámonos na esteira do INSEE a englobar por 168 comodidade esses diversos subgrupos para melhor opôlos às categorias profissionais e técnicas por um lado e às categorias manuais por outro A longo prazo é inegável a expansão deste grupo Como o tinha pressentido M Weber no início do século ela acompanhou de início a burocratização da administração pública Estendeuse seguidamente às empresas que muito contribuíram para o aumento dos efectivos para a transformação das tarefas terciárias e para a redução das diferenças de remuneração entre os agentes administrativos na França durante os últimos trinta anos Os empregados que eram perto de 3 milhões em 1968 ascendiam a 55 milhões de pessoas em 1985 ao passo que a população activa total não chegara a aumentar de um milhão entre essas duas datas Actualmente mais de um trabalhador em quatro pode ser catalogado entre os empregados que são mulheres na sua maioria 78 por cento A maior parte ocupa empregos de escritório que parecem em regressão desde 1983 ao passo que os empregos oferecidos pelo comércio continuam a progredir fortemente O que distingue ainda o grupo é a sua relativa juventude que ressalta mais no sector privado 59 por cento têm menos de 35 anos que na função pública 47 por cento Donde a fraqueza dos salários declarados que são muito inferiores aos dos operários qualificados e que se explica em parte pela mediocridade dos seus diplomas Do ponto de vista das condições de trabalho os empregados diferenciam se pouco dos operários grupo donde saíram 81 por cento deles No seu conjunto pela sua idade pela sua mobilidade profissional e geográfica grande número dentre eles são cidadãos de fresca data pelo seu estado de celibatários de locatários eles constituem manifestamente um meio de 169 transição sujeito a uma incessante renovação dos seus efectivos Compreendemse então as dificuldades com que a sociologia se debateu quando se interessou por esse conjunto A partir de 1912 E Lederer 1912 consegue isolar um grupo de empregados do conglomerado das classes médias Pela análise de orçamentos familiares ele mostra a heterogeneidade da categoria que apresenta como que balançando entre a burguesia e o proletariado Para M Halbwachs 1938 a originalidade dos empregados está ligada ao facto de trabalharem não sobre uma matéria inerte como os operários mas sobre as regras sociais as relações humanas suscitadas por toda a actividade moderna Ideia que se encontra de novo em M Crozier para o qual o grupo se distingue menos do mundo operário pelo seu estatuto que pelas suas expectativas e possibilidades objectivas de mudar de condição F G 91 Emprego do tempo As actividades da vida quotidiana ocupam cada uma durações diferentes o emprego do tempo faz a sua medição Vários métodos de observação foram empregados desde os primeiros inquéritos por sondagem nos anos 20 na União Soviética e no início dos anos 50 na França Um inquérito sobre os empregos do tempo foi realizado em 1985 pelo INSEE Cada pessoa interrogado preenche uma grelha do seu emprego do tempo quarto de hora por quarto de hora para a duração de um dia Estes dados permitem calcular 170 tempos médios passados no trabalho nas tarefas domésticas nas necessidades pessoais e nos tempos livres Graças a estes inquéritos o tempo de transporte nomeadamente entre o domicílio e o local de trabalho é melhor conhecido e teve se isso em conta na disposição do território nos anos 60 A acumulação dos inquéritos torna possíveis as comparações longitudinais Os empregos do tempo permitem estabelecer a evolução da repartição entre o trabalho e o não trabalho a partilha das tarefas domésticas entre os membros do lar e a arbitragem entre as várias actividades de tempos livres N H Entrevista A entrevista é utilizada em ciências sociais com o objectivo de recolher informações verbais Põe frente a frente um inquiridor e um inquirido Existem vários tipos de entrevista que podemos classificar consoante o grau de liberdade que deixam aos parceiros O recurso ao questionário fechado é o mais limitativo a formulação o número e a ordem das perguntas o leque das respostas são previamente fixados A entrevista não directiva inspirada numa técnica de terapia apurada por C Rogers 1942 é a mais aberta O inquiridor contentase em propor um tema de exploração ao inquirido intervindo apenas para facilitar a sua expressão e relançála reformulando os seus propósitos A riqueza da informação recolhida o seu nível de profundidade estão em função da liberdade deixada ao inquirido Michelat 1975 Esta é no entanto relativa A iniciativa da entrevista o seu objecto escapamlhe A idade o sexo o meio social o tipo físico do inquiridor e mesmo as suas convicções políticas e religiosas influenciam as suas respostas Hyman 1954 A fortiori o 171 comportamento verbal e não verbal do inquiridor ao longo da entrevista relançamento ou silêncio sorriso etc mostra se determinante A não directividade pura não existe Kandel 1972 Entre estes pólos encontramse formas intermédias como o questionário aberto que dá ao entrevistado liberdade para as suas respostas a entrevista semidirectiva estruturada por um guia de entrevista a entrevistastress em que o inquiridor contradiz deliberadamente o inquirido a entrevista de grupo em que os participantes se relançam entre si Estas técnicas são complementares e a sua escolha depende do tipo de conhecimento visado Para explorar um universo simbólico religioso profissional ou político a entrevista não directiva junto de um pequeno número de casos é o instrumento ideal Para medir a intensidade e a frequência das atitudes manifestadas será o questionário estandardizado junto de uma ampla amostra que permite um tratamento estatístico das respostas E para testar a sua coerência será a entrevistastress N M Bianchet et al 1985 Cannel 1953 Pagès 1970 92 Equilíbrio vd Sistemas teoria dos Tríade Escravatura A escravatura designa uma situação jurídica explícita ou táctica na qual um ser humano é catalogado na categoria dos bens móveis e imóveis de que um proprietário pode usar à sua vontade Historicamente a escravatura 172 nasceu com a guerra quando os vencedores puderam considerar vantajoso poupar a vida dos vencidos e utilizálos em seu proveito Na imensa maioria dos casos os escravos foram destinados primeiro que tudo para usos domésticos Raros são os casos de grupos de escravos adstritos aos trabalhos dos campos Só quase os encontramos na Antiguidade grecoromana na Baixa Mesopotâmia na época abássida nas plantações do Novo Mundo A instituição desempenha um papel económico absolutamente despiciendo nos impérios Esta rareza pode explicarse pelos custos de aquisição de manutenção e de vigilância das equipas numerosas de escravos Uma população de agricultores livres ou semilivres não é muito mais rendível para uma elite dominante A escravatura não pode ser transformada pois na noção de escravismo que designaria um estádio da evolução das sociedades humanas É uma instituição ligada a um cálculo de rendibilidade que assenta na liberdade e na não liberdade do trabalho humano É por isso que os campos de concentração dos totalitarismos contemporâneos devem ser considerados como formas renovadas de escravatura J B Centre de recherche dhistoire ancienne 1972 Meillassoux 1986 Verlinden 1955 Estadoprovidência O termo Estadoprovidência aplica se grosso modo aos Estados que implantaram sistemas alargados de protecção social e aos que praticam políticas de redução das desigualdades económicas e sociais O Estado providência é um Estado social que em nome da segurança ou da igualdade se substitui parcialmente ao mercado eou 173 corrige os seus resultados A expressão Estadoprovidência é relativamente recente nasceu de uma tradução aproximativa do inglês Welfare State Esta noção não está isenta de ambiguidades e evolveu à medida que se foi desenvolvendo o Estado social Esquematicamente podem distinguirse duas principais formas de Estadoprovidência que se sucederam na maioria dos países ocidentais o Estado protector e o Estado redistributivo O Estado protector que se desenvolveu a dos anos 30 visava primeiro que tudo limitar os custos sociais do mercado e garantir uma certa segurança face aos mais importantes riscos económicos desemprego doença velhice etc O Estado redistributivo desenvolvido nos anos 60 e 70 procura estabelecer uma certa igualdade a redução das desigualdades económicas e sociais tornase então uma das missões essenciais da acção pública à qual tendem a ser ligadas ou subordinadas as políticas sociais no seu conjunto Esta evolução foi travada ou estorvada em fins dos anos 70 um pouco mais tarde na França em razão da crise económica e também da tomada de consciência dos efeitos perversos das políticas igualitárias dos anos precedentes PH BN Estado sociologia do Na origem da sociologia política moderna 93 MWeber dedicouse ao estudo dos factos de dominação de autoridade e de poder que o levou a ver no Estado uma das manifestações históricas do político que ele define como um 174 agrupamento de dominação política de carácter institucional na medida em que os seus governantes reivindicam com sucesso o monopólio da violência física legítima Elaborando a sua famosa apologia das formas de legitimidade sublinha as relações de influência entre tipos de crenças formas de organização e sistemas económicos que lhe permitem pensar a articulação entre Estado burocracia e capitalismo Por meio desta sistematização flexível chega à integração da diversidade histórica num quadro conceptual único sem no entanto perder aquilo que faz a singularidade de cada regime O estudo do Estado ordenouse à volta de duas grandes perspectivas a abordagem de tipo social largamente dominante do imediato pósguerra ao fim dos anos 60 parte da sociedade para compreender as funções e os papéis desempenhados pelos Estados modernos a outra mais recente que se desenvolve sobretudo a partir dos anos 70 constitui uma abordagem mais política considerando o Estado não já como uma resultante mas como uma variável a explicar do mesmo modo que é explicativa Encarando o Estado como um actor e uma instituição esta última interrogase mais concretamente sobre a capacidade dos Estados para realizar objectivos que a si próprios fixaram assim como sobre o seu impacte tanto sobre a formação e a estruturação das classes sociais como sobre os modos de protesto social ou sobre a cultura política Os autores marxistas que se interessarão pelo Estado na sequência de uma leitura de A Gramsci e da contribuição do estruturalismo de Althusser partilharão esta mesma tendência para a generalização que os conduziu na maioria das vezes a discussões confusas a propósito das funções que 175 todos os Estados deviam partilhar dentro de um modo de produção numa fase de acumulação capitalista ou em ligação com a sua posição no sistema capitalista mundial Serão levados a afirmar a autonomia relativa do Estado como N Poulantzas farão desta um traço necessário do modo de produção capitalista reconhecendo ao mesmo tempo de maneira pouco convincente que o Estado funciona invariavelmente para estabilizar o sistema político no seu conjunto O desenvolvimento de uma abordagem mais estritamente política está ligado à irrupção do tema da crise do Estado providência No entanto a própria natureza deste último levou por vezes a um deslizar para o tema mais específico mas também mais polémico da governabilidade das democracias Ligado ao sentimento aparentemente paradoxal de um Estado cada vez mais intervencionista e cada vez menos eficaz o pôr em causa do Estado providência é da iniciativa daqueles que na esteira de J Habernas viam na situação presente o indício de uma crise fiscal susceptível de desembocar numa crise de legitimidade apta a revelar as contradições inerentes ao desenvolvimento do capitalismo avançado Este pôr em causa vem também dos que deploravam a sobrecarga dos governos por excesso de democracia ou ainda daqueles que na escola do Public Choice aplicando os raciocínios do individualismo metodológico à exploração das escolhas políticas e institucionais responsabilizavam as burocracias públicas e os mecanismos 94 176 de representação política pelo peso excessivo dos orçamentos públicos Mas a tónica colocada nas especificidades de construção estatal permitiu graças à análise comparativa circunscrever melhor o estilo de intervenção pública policy style próprio de cada país proporcionando ao mesmo tempo um quadro de estudo mais realista do funcionamento do Estado A perspectiva da análise das políticas públicas por uma utilização fecunda da sociologia da decisão e da sociologia das organizações contribuiu certamente para renovar a abordagem de um Estado que se encontra muitas vezes mais bem descrito pelos seus políticos A avaliação comparativa das políticas públicas permite além disso revelar os mecanismos próprios de cada Estado através dos quais são definidos e tratados os problemas públicos e portanto explicar melhor como é que países relativamente próximos do ponto de vista económico e político podem produzir soluções diferentes para problemas idênticos Entretanto considerar o Estado como uma variável levou ao desenvolvimento de uma outra aproximação que consiste em circunscrever melhor as relações de estruturação recíproca entre o Estado e a sociedade O Estado já não se define apenas como um conjunto de organizações através das quais agentes públicos se mostram mais ou menos capazes de pôr em acção políticas mas também pela maneira como ele vai afectar a cultura política encorajar a formação de certos grupos permitir ou não a acção colectiva ao mesmo tempo que torna possível a emergência de certos problemas públicos e não outros A análise do Estado beneficiou particularmente dos progressos inegáveis feitos no domínio da sociologia da acção colectiva 177 P D Estatística moral Expressão que aparece quase simultaneamente em L A Quetelet em 1831 e em A H Guerry em 1833 e que designa durante todo o séc XIX o equivalente da sociologia actual de observação quantitativa Quetelet 1835 1869 dá uma definição explícita da estatística moral que Guerry se contenta em ilustrar pelo exemplo Tratase para Quetelet da estatística dos factos sociais não físicos tais como o nível de instrução o tempo consagrado à leitura o alcoolismo a inclinação para a coragem e mais particularmente a inclinação para o crime as estatísticas judiciárias viriam de facto a conhecer um rápido desenvolvimento na Europa e nos Estados Unidos da América a partir de 1830 Estes factos sociais não físicos são mais exactamente segundo Quetelet as qualidades do homem que não podem ser medidas directamente e por isso só podem ser conhecidas pelos seus efeitos Quetelet 1835 P Lazarsfeld 1970 mostrou o equivalente formal entre as formulações de Quetelet e a formalização moderna das variáveis latentes tais como as disposições as atitudes etc Para Quetelet a taxa de criminalidade registada é um resultado aleatório de uma causa constante que ele denomina a inclinação para o crime hoje dirseia a predisposição para matar e de causas perturbadoras Ao raciocinar assim Quetelet não faz mais que transpor a posição de P S Laplace da mecânica celeste para a física social de que a estatística moral é a subdivisão mais importante Em Guerry tal como em Quetelet a estatística moral mostra a constância em longos períodos de taxas tais como as dos crimes capitais e das condenações à morte Guerry 178 acrescenta o cruzamento de variáveis 95 duas a duas nomeadamente para cada departamento entre o nível de instrução e a taxa de criminalidade Quetelet pretende construir a estatística moral com base no modelo da mecânica celeste Constata que as séries se distribuem nela tal como nas observações astronómicas à volta de um valor médio Desse valor abstracto devido à observação em LaplaceGauss ele faz um tipo real Edifica assim o homem médio à volta do qual se distribuem segundo a curva dita normal os valores reais da estatística moral Na Alemanha a Moralstatistik dos discípulos de Quetelet levantou uma longa polémica sobre o problema do livre arbítrio Em França É Durkheim 1897 e M Halbwachs 1912 criticaram ambos o homem médio de Quetelet invocando a coesão social cuja força explicativa é para eles superior à do homem médio Actualmente as estatísticas sociais publicados pelo INSEE são o prolongamento moderno da estatística moral BP L Lebrun 1974 Lottin 1912 Estatuto O estatuto é a posição que um indivíduo ocupa numa das dimensões do sistema social como a profissão o nível de instrução o sexo ou a idade Define portanto a identidade social o papel explícito os direitos e deveres do indivíduo Tem duas dimensões a primeira é vertical e traduz as relações hierárquicas a segunda é horizontal e exprime as interacções entre iguais O papel é o conceito mais fortemente associado ao estatuto O primeiro é 179 dinâmico o segundo estrutural Constituem duas faces de uma mesma realidade ainda que não exista entre eles correspondência estrita pois que a um estatuto podem corresponder vários papéis Um professor por exemplo está em relação com os seus alunos mas estáo igualmente com os seus colegas e a sua administração O estatuto não é unicamente o conjunto de atributos que permitem ao actor social desempenhar um papel define também processos de atribuição Ser médico é uma posição que determina direitos e obrigações nomeadamente em relação aos pacientes Mas se o médico executa mal o seu papel cometendo faltas profissionais o estatuto pode serlhe retirado Por vezes a atribuição do estatuto é difícil em virtude da sua ambiguidade Podemos na esteira de M Weber examinar o estatuto em relação às duas outras dimensões da estratificação social que são a economia e a política Uma posição sobre a dimensão económica é definida pelos interesses económicos relativos à propriedade de bens e às possibilidades de se criar um lucro Uma posição na ordem estatutária é função do prestígio e da honra que são avaliações comuns num grupo social e supõem um consenso mais ou menos geral relativo às normas e valores Os grupos de estatuto distinguemse pelos seus estilos de vida diferentes nível de instrução prestígio do nascimento da profissão modalidades de consumo etc É evidente que as três dimensões não são independentes umas das outras a posição económica determina muitas vezes o estatuto mas este tal como a posição política pode por vezes ser utilizado para obter vantagens económicas Reconhecer o carácter multidimensional da estratificação é aceitar a possibilidade da existência da não congruência dos 180 estatutos ter um nível de instrução muito elevado não significa necessariamente ter um salário elevado A ausência de 96 congruência pode mesmo ser uma fonte de tensão Metodologicamente a existência da não congruência pode ser posta em evidência graças à análise dos efeitos de interacção no sentido estatístico entre os estatutos e a variável que se procura explicar É graças ao conceito de não congruência que se pode explicar porque é que indivíduos saídos da classe operária mas fazendo a experiência de uma mobilidade social ascendente se comportam politicamente de maneira hiperconservadora M C Lenski 1954 Linton 1936 Lipset 1960 Merton 1949 Weber 1922b Estratificação social A estratificação social é a diferenciação das funções ao mesmo tempo hierarquizada e avaliada segundo critérios específicos de cada sociedade Em toda a sociedade seja ela escravista de castas de Estados de ordens ou de classes verificamse repartições desiguais de recursos Alguns como J J Rousseau e Marx vêem na propriedade privada a origem da desigualdade outros como G von Schomoller K Davis e G E Moore julgam encontrar o seu fundamento na diferenciação das posições de importância desigual pela sociedade que requerem competências diferentes e retribuições desiguais outros ainda como É 181 Durkheim 1893 e R Dahrendorf na necessidade para todo o grupo social de ter normas de comportamento e sanções que dividem os indivíduos em conformistas e desviados e geram assim uma desigualdade O problema da origem é em grande parte abandonado pelos teóricos contemporâneos que orientam as suas pesquisas no sentido da clarificação das dimensões da estratificação e suas consequências Para Marx a estrutura de classes definese pela relação à propriedade dos objectos e meios de trabalho O capitalismo é aquele que os detém o operário por seu lado apenas possui a sua força de trabalho Esta tese falha ao deduzir da dimensão económica as outras relações sociais e políticas Para os teóricos das elites Marx ao encerrarse no económico condenouse a não compreender as relações de força políticas e as condições necessárias à acção que estruturam a sociedade em elites e massas É a M Weber que cabe o mérito de ter posto em evidência o carácter multidimensional da estratificação a autonomia relativa de cada uma das três dimensões económica estatutária e política Se alguns tiveram razão em sublinhar a importância da dimensão económica em contrapartida não a tiveram ao querer fazer dela a fonte de todas as repartições desiguais É verdade que uma posição elevada nesta ordem pode favorecer a detenção de posições do mesmo nível nas ordens política e de prestígio Mas esta relação não é nem necessária nem de sentido único uma posição na ordem política exerce igualmente influência sobre a detenção dos recursos económicos e sobre o prestígio de que goza um indivíduo A relativa autonomia das três ordens pode dar origem a distorções entre as posições detidas por um mesmo indivíduo que apresenta o conceito de não congruência do estatuto o 182 mesmo indivíduo pode ocupar posições de valor diferente nas três dimensões A não congruência está por vezes na origem de comportamentos contestatários um grupo economicamente poderoso que se acha por isso no direito de participar no exercício do poder contestará o modo de recrutamento de 97 um patriarcado que detém as funções políticas Os efeitos da estratificação são tão diversos e importantes que não é viável enumerálos todos pois que eles vão da fecundidade até à morte M C Marx 1867 Pareto 1916 Weber 1922a Lipset Bendix 1959 Dahrendorf 1957 Estruturalismo Como faz notar J Piaget 1968 o estruturalismo é um método não uma doutrina e aqui é preciso entender o termo método no seu sentido de abordagem de aproximação de maneira de apreender os problemas Foi primeiramente em linguística que esta noção foi fecunda os sons não são em si mesmos significantes é a sua combinação o seu arranjo a sua interdependência a estrutura da língua que lhes dá um sentido C LéviStrauss aplicou este processo ao estudo das estruturas do parentesco 1949 e sobretudo à análise dos mitos 1958 19641971 São as regras formais de combinação dos elementos de parentesco de mito que dão sentido ao conjunto assim constituído Em todos os casos foram soluções particulares que tal língua tal sociedade adoptou para resolver um 183 problema de comunicação ou de funcionamento Metodologia da análise o estruturalismo consiste portanto em considerar o objecto como uma totalidade que pode ser descrita formalizada a partir dos elementos que a constituem e das relações de interdependência que esses elementos mantêm entre si Desta totalidade procura pôrse em evidência a coerência interna e a permanência no tempo Por isso privilegiase a dimensão sincrónica do objecto de estudo e a sua descrição num dado momento mas não se toma em linha de conta ou só muito dificilmente a sua evolução no tempo Donde a dificuldade e mesmo o fracasso da extensão de uma tal metodologia a outros domínios como a economia ou a sociologia Assim a interpretação estruturalista de Marx põe em evidência que as formações sociais capitalistas e socialistas podem corresponder a estruturas diferentes mas esconde o processo diacrónico que permite a análise da passagem de uma à outra dessas formações o que para Marx era fundamental Quanto ao desvio filosófico ou metafisico do estruturalismo que pôde observarse em França no decurso dos anos 60 é inaceitável dado que leva a atribuir uma realidade àquilo que não é mais que uma ferramenta de análise Para os defensores desta corrente como M Foucault 1966 as estruturas sem serem directamente observáveis mas tendo um fundamento objectivo aquém da consciência e do pensamento constituem o real tornado inteligível por uma organização lógica que torna manifesto o que está apenas implícito Y C 184 Estrutura social Para A R RadclifeBrown 1940 a estrutura social designa a rede complexa de relações sociais que existe realmente e une seres humanos individuais num certo meio natural Mais geralmente a expressão estrutura social é empregada como sinónimo de organização social conjunto das modalidades de organização de um grupo social e dos tipos de relações que existem no interior e entre diversos domínios de toda a sociedade tanto ao nível do parentesco como da organização económica e política Numa perspectiva 98 analítica o estudo da estrutura social de uma sociedade procura explicar a sua organização e o seu funcionamento a disposição das suas várias partes grupos e instituições a sua coerência interna as suas divisões e contradições o seu movimento e as suas mudanças Numa perspectiva comparativa procura identificar os traços comuns e os diferentes entre várias sociedades concretas com o fim de reagrupálos em algumas grandes classes ou tipos Num sentido mais restrito falarseá de estrutura social para designar os elementos estruturais da organização socioeconómica em particular a estrutura socioprofissional dassociedades por oposição aos elementos culturais valores representações que são comuns a um dado grupo social Y C Ethos Para M Weber 1920 1921b o ethos é uma ordem 185 normativa interiorizada um conjunto de princípios mais ou menos sistematizados que regulam a conduta da vida Weber distinguiu ethos e ética sendo esta última noção tomada no sentido etimológico de máximas morais O ethos é um conceito abstracto a que correspondem indicadores empíricos nas esferas económica religiosa moral etc é o caso do puritanismo no qual indivíduos foram socializados das suas acções em particular das suas atitudes em relação ao trabalho à riqueza ao consumo às relações com outrem Foi esse ethos que faltou às economias das civilizações pré capitalistas Para explicar e compreender a relação macrossociológica entre religião e economia Weber é obrigado a traduzila ao nível individual introduzindo o conceito de ethos Este desempenha o papel de variável independente para o comportamento económico dos actores M C Etnia A etnia definese geralmente como uma população designada por um nome etnónimo que se reclama de uma mesma origem que possui uma tradição cultural comum especificado por uma consciência de pertença ao mesmo grupo cuja unidade se apoia em geral numa língua num território e numa história idênticos Contudo cada um destes critérios deve ser ponderado O etnónimo pode ter sido um reagrupamento operado pelas necessidades da administração colonial O nome pelo qual um grupo se designa valorizandose pode diferir daquele pelo qual os vizinhos o designam Em muitas etnias de dimensão variável nas doze mil que se enumeram em todo o mundo a unidade foi reconstruída miticamente e as tradições locais propagaram 186 mitos errados envolvendo tanto as cisões como os reagrupamentos após conquista migração federação aliança Por vezes os membros de uma etnia dominada adoptaram a língua do seu dominador por exemplo no Futa Djalon guineense O mesmo território pode ser partilhado em várias etnias e a mesma etnia pode encontrarse em espaços afastados Arménios Peules Tendo a história oral sido sujeita a manipulações é a identificação dos membros com uma etnia e o seu sentimento de pertença bilateral que especifica a etnia enquanto tal C R Amselle Bazin 1985 Heuse 1953 Nicolas 1973 Etnometodologia Esta escola da sociologia americana deve muito ao seu fundador H Garfinkel 1967 que foi discípulo de 99 T Parsons e em menor medida a autores como A Cicourel 1973 H Sacks in Turner 1974 Garfinkel inspirouse na obra do fenomenologista A Schütz 1971 mas também na tradição pragmatista e na filosofia analítica L Wittgenstein em particular O termo foi inventado em 1954 por analogia com o de etnobotânica para designar os métodos habituais que servem para gerir os assuntos da vida quotidiana como manter uma conversação ou esclarecer um assunto criminal quando se é jurado num tribunal A etnometodologia não é portanto primeiramente uma metodologia sociológica mas um estudo das modalidades práticas rotinas encenações glosas ou 187 explicações da conduta social Garfinkel está impressionado com o paralelismo que existe entre os métodos da sociologia erudita descrever e interpretar os factos sociais e os da sociologia ordinária como saber reconhecer as situações sociais da maneira a adoptar uma conduta pertinente A etnometodologia substituiu ao funcionalismo de T Parsons a ideia de que a ordem social é uma criação concertada e mantida em permanência pela actividade quotidiana dos membros por exemplo membros de uma comunidade de linguagem Mais do que procurar estabelecer as normas sociais que dirigiriam a conduta dos membros a etnometodologia prefere estudar a maneira como eles próprios constroem essa ordem normativa Experimentando com os seus estudantes rupturas da ordem quotidiana Garfinkel põe em evidência o carácter imperioso mas não determinável das pressuposições da vida quotidiana que são vistas sem serem notadas Num estudo célebre consagrado à história de uma transexual Garfinkel mostra como os papéis normativos que cabem à divisão sexual são o resultado de um trabalho prático quotidiano de constituição Reencontrase aqui a influência da fenomenologia para a qual as realidades objectivas incorporam sempre elementos subjectivos Mas a etnometodologia interessase menos pela subjectividade que pela intersubjectividade e pela linguagem que torna visível o sentido das condutas Garfinkel é um empirista convencido que recomenda que se estudem as propriedades formais da intercompreensão mais que recorrer a interpretações sobre os motivos das condutas Afastase assim da tradição da sociologia compreensiva à qual no entanto deve muito A etnometodologia deu lugar nos Estados Unidos da 188 América a muitos estudos sobre as instituições sociais jurídicas ou sanitárias mas também mais recentemente a novos trabalhos em sociologia das ciências Abriu igualmente sob o impulso de H Sacks um domínio completamente novo de pesquisas a análise de conversação Propagada inicialmente na GrãBretanha e na Alemanha a etnometodologia começa agora a ser conhecida na França CEMS 1984 mas os seus textos principais estão ainda à espera de serem traduzidos em francês P P Evolucionismo Fundada na crença dos sécs XVII e XVIII na universalidade do tipo humano e no progresso das civilizações expresso por Condorcet 1795 a corrente evolucionista apoiase no transformismo de Lamarck e nas pesquisas de C Darwin 1859 a respeito da origem das espécies por via de selecçâo natural Da mesma maneira que se observa no mundo natural uma diversificação das espécies e 100 um aperfeiçoamento constante da adaptação ao meio verificase no meio humano uma passagem do simples ao complexo Spencer 18741875 Durkheim 1893 e uma melhoria dos sistemas sociais nos domínios económicos políticos parentais e religiosos Ao mesmo tempo que F Hegel afirma a sua confiança nos benefícios da civilização e situa os não civilizados fora da história exprimese paradoxalmente sob a influência de JJ Rousseau uma nostalgia de um estado mítico de natureza e 189 do antigo que subsiste noutros sítios donde as teorias do primitivismo e a procura das sobrevivências O evolucionismo encontrase dilacerado entre por um lado uma filosofia teleológica da história marcada por uma crença no destino ascendente da civilização e por outro uma determinação da nistória por algum factor predominante biológico Darwin 1859 técnico Morgan 1877 económico Marx 1867 espiritual Frazer 19111915 Numa linha evolutiva única situamse etapas de desenvolvimento diferentes segundo os autores estádios teológico metafísico positivo Comte 18301842 selvajaria barbárie civilização L Morgan sociedades escravista feudal capitalista socialista Marx etc Para compreender esta evolução são elaboradas a partir do saber documental acumulado na época hipóteses muitas vezes arriscadas tendentes a definir após pesquisa das origens passagens reconhecidas na evolução da humanidade com reconstituição dos elos que faltam J Frazer Na base do parentesco haveria uma fase de promiscuidade sexual primitiva não regulada depois o matriarcado e finalmente a família patriarcal Bachofen 1861 retomado por Morgan 1877 Segundo E B Tylor o animismo com a crença no duplo seria o princípio de toda a religião que teria passado pelas fases do manismo do feiticismo do politeísmo e depois do monoteísmo Para Frazer a ciência corrigiria a religião e esta derivaria de uma magia inicial Dando uma atenção privilegiada às sociedades mais arcaicas designadamente australianas aos sistemas de parentesco e à religião o evolucionismo visa estabelecer um corpus etnográfico da humanidade e uma apologia inteligível das sociedades A sua 190 teoria da civilização dá cobertura à acção colonial C R Êxito social O êxito definido nor critérios objectivos posição hierárquica riqueza poder ou notoriedade estará prometido igualmente a todos em conformidade com o ideal democrático A questão foi posta por numerosas pesquisas sobre os homens ilustres do passado e sobre as personalidades dirigentes nos vários domínios económico político religioso científico artístico Estatístico o método consiste em recolher todos os dados pormenorizados sobre as origens geográficas familiares e profissionais de todas as pessoas que figuram em dicionários biográficos As comparações internacionais e as flutuações no tempo devem ser interpretadas com prudência porquanto as modalidades de recrutamento e os critérios de selecção variam de país para país e com a extensão das amostras Mas juntandose aos dos estudos de mobilidade social os resultados concordam e não deixam lugar a qualquer dúvida Factores por vezes invocados tais como a dimensão da família categoria de nascimento idade dos pais não trazem consigo diferença significativa Nem todas as 101 regiões de um mesmo país estão igualmente representadas mas o meio urbano é propício e tanto mais quanto mais denso for ao aparecimento de personalidades mercantes Em França país centralizado o predomínio de Paris é estrepitoso Em toda a parte um factor social domina sobre todos os outros Cerca de dois terços com fracas flutuações 191 de 60 a 75 por cento dos homens ilustres do passado e dos dirigentes de ontem e de hoje saíram de uma franja muito estreita da população os grupos situados no topo da escala social Perto de um quarto provém dos meios colocados imediatamente abaixo e apenas menos de um décimo das camadas menos desfavorecidas operários e camponeses que representam cerca de dois terços da população O acesso ao êxito não está pois inteiramente fechado particularmente às classes intermédias mas a desigualdade nem por isso é menos flagrante Os êxitos surpreendentes de alguns que partiram do nada continuam a ser excepcionais e não prevalecem contra a regra geral A persistência das desigualdades de facto explicase sem dúvida por aquilo que poderia ser na realidade uma lei da natureza social Uma geração não pode ocupar o espaço social independentemente das gerações precedentes Os filhos recebem dos seus pais no seio da família uma herança cultural que não é a mesma para todos e não oferece portanto a todos as mesmas virtualidades A G Bottomore 1964 Escarpit 1958 Girard 1961 1967 Thélot 1982 Experimentação Intervenção do investigador que suscita as condições necessárias para comprovar as suas hipóteses relativas às propriedades ou às causas de um fenómeno Essencial nas ciências da natureza a experimentação é considerada com frequência impossível em sociologia Contudo durante uma boa parte do séc XIX reformadores sociais na esteira de C Fourier em particular preconizaram e por vezes tentaram a experimentação de novas formas de 192 organização social Esforços de investigação experimental da vida social manifestamse nos nossos dias Administrações ou empresas antes de adoptar uma regulamentação de decidir acerca de uma política ou de lançar um produto experimentamno em escala reduzida A psicologia social por seu turno faz largo uso da experimentação desta vez em laboratório criamse situações com condições mínimas simplificados relativamente às situações reais que permitem mostrar a influência de um pequeno número de factores bem identificados Foi assim que foram estudados os processos de influência ao tentar modificar o juízo sobre a amplitude do movimento de um ponto luminoso na obscuridade Mantém se assim apenas a relação com os juízos de outrem B M Campbell 1969 Cook Campbell 1979 Lemaine G Lemaine J M 1969 Matamon 1988 Explicação A noção de explicação colocase no centro de uma discussão de método importante que agitou os sociólogos alemães da época clássica na viragem do século Tratavase de saber se as ciências do espírito em geral e a sociologia em particular devem ou não ser concebidas como distintas das ciências da natureza Os positivistas franceses como É Durkheim 1895 defendem uma posição monista a sociologia não se distingue das ciências da natureza a não ser pela complexidade do seu objecto Na maioria das vezes 102 os alemães adoptam quer uma posição dualista como W 193 Dilthey quer a recusa de um dilema que consideram simplista como G Simmel 1892 ou M Weber 1922b Para os dualistas o objectivo das ciências da natureza seria explicar o das ciências do homem compreender o físico procura as causas dos fenómenos físicos o sociólogo teria antes por tarefa restabelecer o sentido dos fenómenos sociais Designase por vezes esta concepção da sociologia pela expressão de sociologia compreensiva Com efeito as ciências sociais tal como as ciências da natureza procuram muito frequentemente explicar os fenómenos que estudam ou seja encontrar as suas causas Assim a sociologia interrogouse muito sobre as causas do desenvolvimento do capitalismo da expansão recente da procura escolar das variações no espaço e no tempo da mobilidade social etc O que distingue as ciências do homem das ciências da natureza é que as causas dos fenómenos sociais são representadas por crenças ou acções humanas Assim a explicação no sentido amplo de um fenómeno social consiste em geral na combinação de dois momentos 1 um momento explicativo em sentido estrito em que se reduz o fenómeno às suas causas individuais o que não exclui evidentemente que os indivíduos pertençam a conjuntos ou a grupos 2 um momento compreensivo em que se procura determinar as razões dos comportamentos individuais responsáveis do fenómeno em questão R B Exploração teoria da Explorar um trabalhador consiste em apropriarse de uma parte pelo menos do produto do seu trabalho É dos saintsimonianos por intermédio de P J Proudhon 194 1840 que Marx 1867 retoma a noção de exploração assim concebida Para Marx é inerente a toda a sociedade de classes Numa sociedade escravista ou feudal o dono ou o senhor goza de direitos de propriedade sobre a própria pessoa dos trabalhadores e pode recorrer portanto à coacção directa para extorquirlhes uma parte do que produzem Numa sociedade capitalista pelo contrário os trabalhadores são livres Os capitalistas não têm sobre eles qualquer direito de propriedade e toda a transacção entre capitalistas e trabalhadores deverá pois ser voluntária de parte a parte Como é que uma sociedade de mercado livre pode ser uma sociedade de exploração Por outras palavras como explicar os lucros dos capitalistas É uma das questões centrais de O Capital Para lhe responder Marx faz apelo à sua teoria do valor trabalho O valor de uma mercadoria é nela definido como a quantidade de trabalho que requer em média no actual estado das técnicas a produção dessa mercadoria Sob certas condições afirma a teoria o livre jogo do mercado leva a dar a cada bem um valor de troca ou preço relativo estritamente proporcional ao seu valortrabalho assim definido a troca não forçada tende a ser uma troca de equivalentes O valortrabalho da força de trabalho é no entanto a quantidade de trabalho necessária em média para produzir os bens necessários à sobrevivência dos trabalhadores Ora essa quantidade é muito inferior à quantidade de trabalho fornecido pelos trabalhadores e éo tanto mais quanto a acumulação do capital permite aumentar a produtividade do trabalho Marx chama maisvalia à diferença entre essas duas quantidades 195 103 Ao comprar pelo seu valor a força de trabalho e ao vender pelo seu valor os bens que ela produz o capitalista apropria se dessa maisvalia Longe portanto de excluíla o livre jogo do mercado traz necessariamente consigo a exploração A teoria marxista da exploração foi alvo de críticas virulentas Censuraselhes em particular o facto de assentar numa teoria do valor cuja pertinência já não é praticamente sustentada por ninguém A teoria da exploração constituiu recentemente no entanto objecto de uma reformulação coerente e rigorosa que a liberta da teoria do valortrabalho na obra de J Roemer 1982 PH P Chavance 1985 Reeve 1987 104 105 F Facilitação social Expressão introduzida por F Aliport para designar a superioridade da situação colectiva sobre a situação individual na realização de uma tarefa Com efeito a facilitação social designa um campo de pesquisas o mais antigo da psicologia social experimental aquele que estuda a influência sobre o rendimento de um indivíduo da presença de espectadores passivos efeitos de audiência ou 196 de pessoas que trabalham na mesma tarefa efeitos de coacção Falouse primeiro de facilitação social porque tais efeitos pareciam positivos mas outras pesquisas trouxeram resultados contrários Para R B Zajonc 1966 a audiência e a coacção aumentam a activação fisiológica a motivação do indivíduo e além disso favorecem o aparecimento da resposta dominante Essa resposta dominante pode ser correcta no caso de uma tarefa bem controlada e adquirida e há então de facto facilitação no caso contrário a presença de outrem pode prejudicar a aprendizagem ao provocar uma resposta dominante incorrecta PH BD Leyens 1979 Família sociologia da A definição mais corrente da família grupo caracterizado pela residência comum e pela cooperação de adultos de ambos os sexos e dos filhos que eles geraram ou adoptaram Mundock 1949 explicita pouco a extrema diversidade das suas formas históricas e parece pôr de fora certas variações familiares importantes Do ponto de vista estrutural ou formal distinguimos correntemente os géneros de famílias segundo 1 o seu modo de composição a família nuclear compreende exclusivamente os cônjuges e os seus filhos não casados ao passo que a família alargada inclui integralmente ou em parte duas ou várias dessas unidades elementares 2 o seu modo de constituição o casamento arranjado caracteriza as situações em que a escolha do cônjuge é definida por regras sociais explícitas ou pela vontade dos pais e o casamento de afinidade os casos em que os indivíduos escolhem eles próprios o seu estado e o seu esposo 3 o seu sistema de 197 filiação transmissão do parentesco no sistema unilinear os filhos são incorporados no grupo de parentes definidos pela mãe ou pelo pai ao passo que no sistema indiferenciado participam ao mesmo título nas duas linhagens Lévi Strauss 1949 Do ponto de vista funcional opôsse com frequência a famíliaempresa das sociedades trádicionais vista como um grupo controlado pela comunidade ou pela parentela e cujo objectivo é primeiramente a produção económica e a segurança das pessoas à família conjugal das sociedades contemporâneas caracterizadas pelo salariado cujo papel principal seria assegurar o equilíbrio socioafectivo dos seus membros Esta mudança de prioridade dos objectivos familiares permitiria segundo Wilson Goode 1963 compreender a generalização do casamento de afinidade a nuclearidade do grupo familiar a tónica colocada progressivamente no ideal de democracia nas relações domésticas a mobilidade relacional divórcios e recasamentos e a privatização das mentalidades Numerosos autores censuraram a esta perspectiva no entanto o facto de explicar apenas as famílias das camadas médias das sociedades industriais 106 e de caracterizar inadequadamente a ruptura entre sociedades tradicionais e sociedades modernas Para corrigir tal perspectiva pôsse em evidência nomeadamente que 1 a industrialização e a urbanização não são condições necessárias da família nuclear já majoritária na Europa pré industrial Burguière et al 1986 2 o casamento de 198 afinidade não equivale a uma ausência de impacte das clivagens sociais sobre os cônjuges pelo contrário a homogamia isto é o facto de desposar alguém do mesmo meio social da mesma nacionalidade da mesma idade etc caracteriza uma grande maioria das uniões Girard 1964 Singly 1987 3 o papel directo trabalho doméstico e indirecto produção da força do trabalho reprodução dos valores sociais da família na produção económica continua a ser considerável Michel 1978 Ségalen 1981 4 a nuciearidade das famílias não é sinónimo de ruptura dos laços de parentesco ou de isolamento Roussel Bourguignon 1976 Parece mais adequado portanto sem negar o movimento geral de sentimentalização e de mobilidade das relações familiares falar de rearticulação da relação privado público mais que de privatização Por outro lado fazemse notar sensíveis diferenças de funcionamento das famílias em matéria de coesão de divisão das funções de fronteiras com o meio social e de adaptação em função das clivagens socioeconómicas e limitam o alcance analítico de um modelo funcional único da família Vários inquéritos feitos entre 1960 e 1985 Kellerhals 1987 mostram que as famílias dos meios populares operários qualificados empregados insistem mais no consenso e na similitude dos seus membros que as famílias de quadros mais sensíveis à especificidade e à autonomia de cada um que as primeiras põem a prioridade no nósfamília mais que no nóscasal insistem com frequência na especificidade dos papéis masculinos e femininos e equipamse com regras de funcionamento bastante claras e rígidas ao passo que as segundas valorizam mais a indiferenciação e a flexibilidade que as famílias de 199 meios populares apreciam mais as relações internas na parentela ao passo que as famílias de quadros médios e superiores reivindicam numerosas permutas com o meio social Finalmente uma dificuldade considerável de definição das formas e funções da família provém das mutações recentes dos comportamentos familiares Entre 1965 e 1985 na maior parte dos países industrializados as taxas de casamento recuaram um terço em favor da coabitação temporária ou definitiva a taxa de fecundidade baixou para cerca de 15 por mulher a actividade profissional das mulheres casadas aumentou fortemente as taxas de divórcios triplicaram atingindo com frequência 30 separações por 100 casamentos contraídos Roussel 1987 Esta mutação traduzse por uma grande variedade de grupos familiares famílias monoparentais binucleares constituídas pela circulação de filhos entre diversas famílias originais compostas recasamentos em que os filhos vivem sob o mesmo tecto que pais e sogros etc Isso torna hoje a noção de rede familiar essencial para atenuar as carências analíticas do conceito de família nuclear J K Bertaux 1977 Kellerhals et al 1984 Roussel 1975 Fascismo O fenómeno fascista aparece no séc XX entre as duas 107 guerras Encarna o mais absoluto reinado do terror exercido por organizações que obedecem cegamente ao líder do partido único que monopoliza o poder depois de ter 200 eliminado pela violência toda a forma de pluralismo social associações sindicatos etc ou político partidos grupos de interesses etc De maneira geral o fascismo e mais particularmente o nazismo é portanto a forma mais perfeita do totalitarismo na medida em que como mostra H Arendt 1945 tenta destruir toda a forma de vida social a fim de remodelar toda a sociedade segundo a sua própria visão ideológica do mundo O nazismo combate a sociedade liberal e democrática acaba com as eleições e elimina o sufrágio universal Suscita uma intensa mobilização da população e rejeita o individualismo e o igualitarismo para ele é doravante o partido constituído por homens excepcionais que constitui o novo escol dirigente Para se impor de maneira totalitária o nazismo põe igualmente fim ao Estado às suas instituições à sua ordem jurídica No entanto não chega a pôr verdadeiramente em causa a propriedade privada e a sociedade de mercado Convém distinguir o nazismo de regimes que lhe estão próximos sob muitos aspectos mas que dele se distinguem sob outros Se o nazismo se apresenta como um totalitarismo o fascismo Itália de Mussolini aparece como um regime menos extremista que mantém com frequência as elites tradicionais reforça o Estado sem dar uma preeminência absoluta ao partido mobiliza menos a população e utiliza de maneira menos sistemática a violência Deste ponto de vista basta sublinhar que só o nazismo conduz inelutavelmente à exaltação da raça e ao genocídio Pela sua rejeição deliberada da sociedade liberal e pela sua tendência para o irracionalismo o fascismo na Itália como na França ou em outros países nem por isso deixa de ser a expressão de uma recusa da democracia e da 201 ordem republicana fundada na razão e na ideia de progresso P B Aycoberry 1976 Brozat 1970 Milza 1988 Feminismo O feminismo como movimento social nasce no sécXIX da contradição entre o ideal de igualdade instituído pela Revolução Francesa e a discriminação das mulheres da cidade O movimento feminista vai notabilizarse na defesa dos direitos da mulher Será preciso mais de um século e meio para que sejam levantadas as várias discriminações desde o direito de testemunhar nos documentos de estado civil 1897 até à autoridade parental conjunta 1970 passando pelo direito de voto 1944 Paralelamente foram reivindicados o direito à educação equivalência dos bacharelatos masculino e feminino 1924 o de exercer todas as profissões lei sobre a igualdade profissional 1983 o direito de dispor do seu próprio corpo lei que autoriza a interrupção voluntária da gravidez 1975 o reconhecimento da violação conjugal em certos países e a luta contra a importunação sexual O movimento de Maio de 1968 cujos combates anti hierárquicos pela liberdade sexual têm particulares ressonâncias para as mulheres suscita dois anos depois o Movimento de Libertação das Mulheres Garcia Guadilla 1988 Este vê no patriarcado a própria essência de toda a dominação French 1985 Denuncia o falocratismo e o sexismo palavras 108 202 novas por ele introduzidas e conduz com determinação a batalha pelo direito à contracepção e ao aborto Este novo feminismo tende a revalorizar certas qualidades femininas O reconhecimento de que misoginia e estereótipos sociais têm raízes profundas no psiquismo levao a interessarse de perto pela psicanálise Os movimentos dos anos 70 situamse numa evolução profunda da sociedade contemporânea Ensaiamse novos modos relacionais entre os dois sexos e entre os pais e os filhos O controlo dos nascimentos permite com uma melhor igualização dos sexos a liberalização da sexualidade reconhecida como fonte de desabrochamento pessoal e não apenas instrumento de procriação As mães de família participam cada vez mais no mundo do trabalho salariado e os homens não de tão boa vontade nos trabalhos domésticos A divisão dos papéis sexuais nem por isso fica fundamentalmente afectada CNDIFINSEE 1986 Aquando dos divórcios a regra habitual é confiar os filhos à mãe No plano profissional os postos superiores no que se refere a poder e prestígio mantêmse muito maioritariamente nas mãos dos homens ao passo que as mulheres se encontram nos empregos subalternos eou nas profissões de ajuda de assistência de ensino As condições da existência do feminismo mantêmse portanto Se as acções espectaculares dos anos 70 cessaram acções mais lentas e reflectidas continuam como a discussão ética provocado pela fecundação medicamente assistida e pelas mães portadoras A participação adquirida doravante das mulheres no mundo da cultura mesmo mantendose ainda marginal deve permitir repensar em profundidade a questão da diferença dos sexos 203 J F Festa As festas enquanto conjuntos de manifestações e de folguedos sociais afundamse muitas vezes em acontecimentos históricos ou míticos reinseridos no presente por uma comunidade que reafirma graças a símbolos e a alegorias a sua identidade cultural religiosa ou política A maioria delas repetese com intervalos regulares segundo ciclos sazonais iniciáticos ou litúrgicos Comportam características costumeiras no que se refere ao espaço onde se desenrolam aos trajos ou às máscaras danças músicas de circunstância desfiles e comportamentos ritualizados Se algumas marcam a sobrevivência de tradições outras foram enxertadas num substrato antigo e outras ainda designadamente em meios urbanos foram criadas inteiramente de novo Quer se trate de festa de participação popular carnaval corrobori australiano festa de representação investidura do Presidente da República colocação de flores num monumento aos mortos festa local ou festa revolucionária a festa dá ocasião à colectividade a oportunidade de celebrarse e exaltarse a si própria como observa É Durkheim Como a festa é na maioria das vezes uma mistura de cerimónia e divertimento distinguirseá conforme o pólo dominante por um lado a festacelebração valorizando uma crença religiosa capital nascimento do Messias Ressurreição a protecção de um santo festa do padroeiro comemorando um acontecimento nacional 14 de Julho 11 de Novembro na França ou sublinhando um facto importante para o grupo festa das Mães bolo de aniversário e por outro lado a festatransgressão reduzida à 204 lógica da fruição e do transbordamento paroxístico Se as Saturnais romanas a 109 festa dos Loucos na Idade Média ou fases de interregno na África constituem exemplos de um sagrado de transgressão e de paródia do poder os seus esquemas nada têm de generalizável Por isso censurase a R Caillois 1950 o ter visto tal festa com base no modelo de certos frenesis e orgias primitivas como reactualização do caos primordial ressurgência da idade de ouro e inversão que tende a remediar a usura Nem todas as festas remetem para a origem do mundo Mas G Bataile 1949 teve razão em captar na festa a parte de dom e de economia oblativa cuja lei é permutar desperdícios A destruição sumptuária produz se em fundo de excedente simbólico acrescentado à vida corrente Válvula de segurança a festa serve de mecanismo regulador de uma sociedade C R Duvignaud 1973 UNESCO 1976 Feudal regime O regime feudal é uma organização social própria da Europa do séc X ao séc XIII e do Japão do séc XIII ao séc XVI em dois períodos marcados por um desmoronamento do poder real e uma extrema dispersão do poder político O regime feudal é a combinação original de duas instituições mais correntes A primeira é a vassalagem que consiste no laço pessoal que une dois membros da aristocracia um dos quais superior em poderio riquezas e 205 prestígio recebe a homenagem do outro Estão assim ligados por um contrato em que se trocam por um lado a promessa da ajuda e da dedicação militares e pelo outro a protecção e a manutenção Numa economia agrária essa manutenção traduzse concretamente pela concessão de um feudo de uma terra e de camponeses que a trabalham A segunda instituição é o domínio senhorial um espaço onde se exerce um poder quase real de administração da justiça de cobrança fiscal de defesa As duas instituições combinamse pelo facto de o feudo se identificar com a senhoria Como o feudo é hereditário de facto cada senhoria é ocupada por uma linhagem aristocrática cujo titular está ligado a um superior por um preito de fidelidade Esse superior é um príncipe territorial que controla um espaço político de importância variável O regime permite assegurar o menos mal possível a segurança colectiva comprometida pela debilidade do poder real e pela anarquia que daí resulta J B Bloch 19391940 Boutruche 19681970 Polv Bournazel 1980 Forma Encontramse em G Simmel 1892 e em M Weber 1922b sob o termo de idealtipo análises que dependem da sociologia formal As formas ou modelos são construções que permitem tornar inteligíveis sequências da realidade social A sua generalidade e a sua idealidade não significam que podem explicar todas as situações observadas elas não são universais mas que situações muitos diversas podem tornarse inteligíveis graças a elas se intervierem parâmetros precisos O erro consiste em iludir esses parâmetros confundindo forma e realidade produto 206 ideologia e utopia Simmel sugere que o materialismo histórico é interessante como forma ou esquema de inteligibilidade mas que é falso como teoria É falso porque enuncia em termos de lei aquilo que nos factos escapa a essa sistematicidade Por exemplo a baixa tendencial da taxa de lucro pertinente para explicar certas situações não possui a universalidade 110 de uma lei não se pode tirar dela portanto nenhuma predição nem conclusão empírica Para a sociologia formal as regularidades sociais empíricas que podem por vezes observarse são o produto da acção dos homens sensível às variações do contexto e não a expressão de leis LDG Friedmann Georges Philippe sociólogo francês Paris 1902 id 1977 Filósofo de formação G Friedmann interessase desde 1931 pelos problemas do trabalho e das técnicas Aprende o russo e faz entre 1932 e 1936 várias estadas na URSS a partir das quais escreve dois livros Les Problèmes du machinisme en URSS et dans les pays capitalistes 1934 e De la Sainte Russie à lURSS 1938 Em 1946 a sua tese Problèmes humains du machisme industríel introduz em França a novíssima sociologia do trabalho Friedmann estabelece nela a similitude dos problemas do maquinismo industrial vistos sob o aspecto humano nos regimes capitalistas e socialistas Dá a conhecer em França as grandes experiências psicossociológicas americanas sobre os efeitos do taylorismo a resistência 207 operária as relações humanas Roethlisberger Dickson 1839 Sob o seu impulso numerosos trabalhos e inquéritos empíricos sobre o trabalho artesanal o trabalho em cadeia e o meio técnico em geral são publicados em França As suas próprias publicações neste domínio sucedemse até cerca de 1962 Em 1960 Friedmann ultrapassa os problemas do trabalho para explorar um outro aspecto da cultura técnica as comunicações e a cultura de massa Organiza e coordena de novo as pesquisas Além dos numerosos trabalhos que directa ou indirectamente suscitou o seu contributo mais importante é sem dúvida o livro póstumo Ces merveilleux instruments 1979 Um dos temas centrais que encontramos na obra de Friedmann é a oposição entre meio natural e meio técnico sobre a qual reflecte como filósofo em La Puissance et la sagesse 1970 O seu interesse de longa data pelo meio natural faz dele um precursor do pensamento ecologista BPL Friedmann 1950 1953 1956 1966 Friedmann Naville 19611962 Frustração A frustração é o sentimento experimentado pelo indivíduo que é privado daquilo que lhe é devido daquilo por que espera ou a que aspira É um conceito fundamental das teorias psicossociológicas que tentam explicar a agressão e de uma maneira geral certos comportamentos individuais O conceito de frustração relativa foi por seu turno elaborado pelos autores do American Soldier um estudo psicossociológico do exército americano durante a Segunda Guerra Mundial para resolver uma série de paradoxos S 208 A Stouffer e col 1949 estabeleceram dois resultados aparentemente contraditórios que não podem explicarse simultaneamente pelas teorias existentes Constataram por um lado uma correlação positiva entre níveis de instrução e possibilidades objectivas de promoção e por outro uma correlação negativa entre nível de instrução e opiniões a respeito das possibilidades de promoção Por outras palavras são os mesmos indivíduos que têm um nível de instrução elevado e que beneficiam de mais possibilidades objectivas de avanço que consideram que as suas hipóteses de promoção são 111 fracas Stouffer e os seus colaboradores resolvem o enigma raciocinando do seguinte modo se um indivíduo de um baixo nível de instrução é promovido fica feliz por pertencer ao grupo restrito dos seus colegas também eles promovidos e do mesmo nível de instrução Mas se falhar não sentirá frustração particular pois que partilhará a mesma sorte que a maioria esmagadora dos indivíduos que têm um baixo nível de instrução Ao invés quando um indivíduo dotado de um diploma universitário é objecto de uma promoção considerará o seu êxito como estando na ordem normal das coisas dado que a maioria dos seus colegas fazem a mesma experiência de mobilidade Mas se falhar terá todas as razões do mundo para se sentir pessoalmente frustrado mesmo que partilhe a mesma sorte que uma minoria dos seus colegas Estes raciocínios levam a pôr em evidência portanto o conceito de grupo de referência a que o indivíduo se compara para julgar a sua situação e o seu destino social 209 Encontramos este tipo de paradoxos nos trabalhos de Tocqueville 1856 e de É Durkheim 1893 O primeiro verificara por exemplo que o empenhamento na Revolução Francesa foi mais intenso nas regiões em que as leis do Antigo Regime já quase não existiam que nas províncias em que estas continuavam a vigorar em pleno Por seu turno R Boudon 1977 demonstrou que se pode em certos casos compreender estes paradoxos sem fazer apelo à noção de grupo de referência mas supondo que os actores são confrontados com situações de competição que gerem índices variáveis de frustração M C Runciman 1966 Função Em sociologia esta noção designa a contribuição de uma instituição social para a manutenção do sistema no seio do qual ela está em interacção com outros por exemplo a função dos partidos dentro de um sistema político democrático Uma instituição pode ter várias funções a escola socializa instrui selecciona e uma mesma função pode ser efectuada por instituições diferentes a socialização pela família pela escola pelo grupo de semelhantes além disso uma instituição pode ter uma função num dado sistema e não num outro a família alargada só seria funcional nas sociedades tradicionais Convém distinguir no entanto Durkheim 1895 entre a causa que produziu um fenómeno e a função que apenas concorre para a sua manutenção a fim de evitar as explicações tautológicas ou finalistas a que por vezes leva o funcionalismo De igual modo a distinção entre funções latentes e manifestas Merton 1949 permite evitar o utilitarismo de uma 210 explicação pelos simples objectivos visados pelos actores Por fim a noção permite conceptualizar a interdependência dos fenómenos sociais e explicar efeitos de retroacção dentro de um sistema CHC Boudon 1967 Hempel 1959 Funcionalismo Hipótese inicialmente inspirada no organicismo do séc XIX que postula na sua forma radical que os elementos de uma sociedade constituem um todo indissociável desempenham um papel vital na manutenção do equilíbrio de conjunto e são portanto indispensáveis Malinowski 1944 RadcliffeBrown 1952 Este funcionalismo pressupõe portanto a estabilidade e a integração dos sistemas sociais e tende a reduzir a explicação dos factos sociais ao esclarecimento 112 das suas funções uma vez que eles só existem em função daquilo para que servem A relativização destas concepções por parte de R K Merton 1949 deu à análise funcional um paradigma forma que convida a interpretar em certos casos os factos sociais como consequências objectivas da satisfação de necessidades próprias de certos segmentos previamente definidos da estrutura social O funcionalismo estrutural Parsons 1961 é por seu turno uma teoria geral que mostra como os imperativos funcionais mais importantes de todo o sistema social são satisfeitos pelos elementos estruturais deste último Além disso o funcionalismo comporta uma abordagem original da questão dos conflitos 211 Coser 1956 mas mantémse limitado em T Parsons a uma concepção evolucionista da mudança social CH C Davis 1959 Nagel 1956 113 G Género A palavra género está em vias de entrar no vocabulário da sociologia francófona gender já está em uso desde há mais de dez anos na sociologia anglosaxónica para designar o que tem a ver com a diferenciação social entre os dois sexos Tem a vantagem sobre a palavra sexo de sublinhar a necessidade de separar as diferenças sociais das diferenças biológicas Os papéis sexuais eram tradicionalmente concebidos como o resultado de uma divisão natural do trabalho que atribuía às mulheres as responsabilidades domésticas e a educação dos filhos Para os sociólogos de orientação feminista a divisão sexual das tarefas longe de ser a consequência natural de diferenças biológicas foi construída e mantida pela sociedade A teoria feminista põe no centro das suas preocupações a distribuição do poder e dos recursos entre homens e mulheres e as imagens e símbolos associados aos dois sexos e às suas relações Põe em questão a separação entre família e trabalho ou entre domínio privado e domínio público que fundamentou a abordagem funcionalista estrutural dos papéis sexuais Considera o género como uma dimensão fundamental de toda a organização social ao 212 mesmo título que a classe e como uma categoria construída socialmente tanto no lugar de trabalho na família na escola como nas esferas económica política e cultural B L Geração Geralmente entendese por geração um conjunto de pessoas nascidas num dado período e que têm mais ou menos a mesma idade A extensão desse período confundese com o intervalo médio de tempo que separa o nascimento dos pais e mães do da sua progenitura geração dos pais geração dos filhos separadas tradicionalmente por uma trintena de anos Esta extensão calculase rigorosamente pela idade média das mulheres na maternidade e tende à diminuir um pouco com a baixa da fecundidade porquanto as mulheres dão à luz cada vez menos a partir de uma certa idade O aumento da esperança de vida e as transformações económicas e sociais modificaram as relações entre gerações No sistema antigo uma solidariedade natural aceite de uma maneira mais ou menos consciente estabeleciase entre elas devendo o filho esperar a morte do pai para tomar a direcção da empresa familiar morte essa que geralmente ocorria relativamente cedo Hoje em dia os pais são demasiado jovens para cederem os seus lugares aos seus filhos mais velhos mas fazem tudo o que é necessário para facilitar a sua instalação na vida eventual contribuição financeira serviços de todos os géneros em particular para a guarda de crianças incentivo às relações etc Mas o que continua a ser verdade no seio de cada família já o não é na sociedade global Duas gerações de adultos encontramse em concorrência a dos pais ainda no activo e ocupando os 213 postos de responsabilidade e a dos filhos preocupados em arranjar empregos e travados na sua promoção Mudaram pois as condições da reprodução social Na sociedade de ontem as gerações sucediamse sem choques a seguinte repetindo a anterior de forma mais ou menos idêntica O futuro dos filhos era em tudo semelhante ao presente e ao passado dos seus pais Os valores reconhecidos e os comportamentos estavam 114 marcados com o selo da imobilidade A entrada em cena da mudança e de uma mudança cada vez mais rápida modificou radicalmente esta situação Os adultos sentemse estranhos num mundo novo A sua autoridade sofre porquanto os filhos procuram os seus modelos de conduta junto dos da mesma idade o grupo dos seus pares Riesman 1955 Se sempre se opuseram as gerações entre si um verdadeiro fosso separálasia actualmente Mead 1970 como se elas não falassem a mesma língua Imagem um pouco forçada talvez mas um dos problemas de amanhã é o de estabelecer entre elas uma melhor comunicação A G Greve Cessação concertada do trabalho pelos assalariados de molde a fazer pressão sobre o empregador Pela greve exprimese de maneira radical o fenómeno da coligação no lugar de trabalho O reconhecimento do direito de greve é deste ponto de vista ainda mais importante que o do sindicato Em França o delito de coligação foi abolido em 1864 e o direito de greve reconhecido como direito 214 constitucional em 1946 As formas da greve nem por isso deixam de ser extremamente diversas e o seu exercício estritamente regulamentado A greve levanta questões em que interferem direito e sociologia O direito enuncia que a greve é um direito individual que se exerce colectivamente A sociologia interrogase sobre as condições em que se empenham realmente acções que têm um custo individual além da acção a suspensão do salário ao passo que a satisfação potencial das reivindicações aproveita a todos ou seja tanto aos grevistas como aos não grevistas Olson 1966 Sob o ponto de vista do direito uma greve lícita sem objectivo individual ou político não provoca a ruptura mas a simples suspensão do contrato de trabalho a este título faz parte de um processo contínuo de negociação sobre as condições do trabalho Uma primeira corrente da sociologia acompanha esta representação trata a greve como um momento crítico da regularização social propícia à actualização dos termos do contrato interessase pelas modalidades segundo as quais se verifica a mudança das regras e sublinha que estas estão longe de obedecer a uma racionalidade puramente económica Reynaud 1982 Schelling 1960 Uma outra tendência sublinha de preferência os elementos de ruptura a greve é vista como uma prova geral do falhanço da relação de produção cujos objectivos podem ser relativamente indeterminados e em parte estranhos ao restabelecimento do compromisso A greve tem de facto uma função de expressão de molde a reforçar a identidade e a autonomia da comunidade de trabalho Segrestin 1980 Na França esta última representação é corroborada pelo fraco nível de articulação 215 que se verifica entre negociação e conflito uma greve pode surgir sem objectivo claro sem ordem sindical e durante o período de aplicação de um acordo colectivo Seja qual for a perspectiva considerada a lógica da greve é dominada por um paradoxo ao passo que esta retira a sua legitimidade do facto de conceder poder aos actores a priori mais desarmados os assalariados que dela retiram mais proveito são os que dispõem à partida de mais recursos Uma qualificação elevada uma situação favorável no processo produtivo ou nas redes de solidariedade conferem à greve um melhor rendimento material e simbólico O fenómeno reproduzse no 115 plano macrossocial a greve é um modo de protesto cuja eficácia será tanto mais débil quanto a conjuntura for menos favorável aos assalariados D SN Grupo Não especificado por um adjectivo ou pelo seu contexto de utilização a palavra grupo em sociologia como em outros campos é quase vazia de sentido porquanto pode aplicarse a conjuntos diferentes pela sua dimensão pela sua duração pelo seu grau de interconhecimento e de organização O único ponto comum aos diversos usos do termo é o facto de designar mais que um indivíduo Para explorar o campo semântico da palavra grupo é preciso passar por uma série de oposições Uma delas tradicional distingue os grupos primários dos 216 grupos secundários O grupo primário foi definido por C H Cooley como uma associação relativamente permanente e não especializada de um número restrito de indivíduos unidos por relações directas frente a frente e bastante íntimas A família é o seu protótipo mas podemos também nele incluir o grupo de trabalho de vizinhança ou o grupo de companheiros de escola Cooley não fornecia nenhuma precisão sobre o grupo secundário que se caracteriza geralmente por contraste como um agrupamento mais numeroso relativamente especializado de pessoas que têm relações indirectas entre si Uma outra distinção importante opõe o grupo nominal simples categoria de pessoas que têm uma característica comum determinada idade ou determinado rendimento por exemplo ao grupo real e organizado consciente dos seus interesses comuns sindicato ou grupo de pressão com toda uma gama de grupos virtuais ou semiorganizados entre esses dois extremos Num registo inteiramente diferente o grupo natural formado por pessoas que se conhecem opõese ao grupo artificial constituído para uma experiência de laboratório Alguns autores propuseram que se reservasse o uso científico da palavra a conjuntos de pessoas reunidas Anzieu Martin 1969 Mesmo com esta restrição continua a ser necessário distinguir várias categorias e subcategorias a multidão espontânea ou organizada o bando ou grupo de iguais fundado na semelhança o agrupamento fundado num interesse comum o grupo restrito ou primário a organização ou o grupo secundário PH BD 217 Grupo de pressão Grupo organizado com o fim de defender objectivos colectivos exercendo pressões de maneira directa ou mediata sobre o sistema político Porque mantêm com o Estado relações específicas estes grupos pertencem à vida pública São geralmente considerados três critérios que permitem a sua caracterização 1 A existência de uma estrutura organizacional que representa o grupo latente conjunto de indivíduos caracterizados por um interesse comum e que assegura assim o suporte permanente da reivindicação Compreender o processo pelo qual grupos latentes se transformam em grupos de interesse e se dotam de uma organização para defender esses interesses é uma preocupação que está no centro da teoria da acção colectiva 2 A defesa de fins colectivos não remete unicamente para a exístência de interesses materiais os grupos de pressão podem igualmente atribuirse uma vocação ideológica advogando causas morais 116 A não existência de compartimentos estanques entre estas grandes classes de objectivos torna dificil toda a tentativa de construção tipológica também não facilita a distinção entre grupos de pressão e movimentos sociais 3 As pressões exercidos junto dos poderes públicos seja sob que forma for deverão mostrarse eficazes Está de facto em jogo a sobrevivência desses grupos um fracasso a este nível pode desviar os membros do grupo latente para outras organizações em melhores condições de defenderem os seus 218 interesses graças por exemplo a um melhor acesso aos centros de poder E se não forem canalizadas a tempo tais defecções em massa correrão o risco de privar a organização de dois dos seus principais recursos de acção o número e o dinheiro P M Basso 1983 Dahrendorf 1957 Ehrlich 1971 Olson 1966 Grupo de referência Denominase grupo de referência o grupo cujas atitudes comportamentos crenças ou valores são adaptados como critérios por um indivíduo quando este define uma situação a avalia ou decide agir O grupo de referência pode ser um grupo um indivíduo ou mesmo uma ideia e tem uma dupla função comparativa O grupo de referência comparativo é aquele cujas características são diferentes das do indivíduo como por exemplo o aluno que imita a linguagem do seu professor O grupo de referência normativo é aquele cujos comportamentos normas ou valores são adaptados pelo indivíduo E o caso do aluno que imita os seus companheiros de turma Existem grupos de referência aos quais o indivíduo pertenceu ou pertence como a sua família os seus companheiros de divertimento os seus amigos São grupos de pertença que são ao mesmo tempo grupos de referência O grupo de referência é por vezes diferente do grupo de pertença como o caso do burguês que adopta o estilo de vida da aristocracia O conceito é útil para analisar as contradições vividas nomeadamente pelos indivíduos que fazem a experiência de uma mobilidade social e se vêem assediados entre as expectativas do grupo a que aspiram 219 pertencer e as do grupo que estão em vias de abandonar mas com o qual continuam a ter ligações afectivas e de lealdade MC Merton 1949 Runciman 1966 Stouffer et al 1949 Grupos dinâmica dos A dinâmica dos grupos ou dinâmica de grupo designa uma corrente de pesquisas e de intervenções sobre os pequenos grupos que se inscreve na linha das concepções de K Lewin inventor da expressão Group dynamics Mas esta expressão é muitas vezes aplicada num sentido mais amplo ao conjunto dos trabalhos que se ocupam da psicologia dos pequenos grupos Lewin concebe o grupo como uma totalidade irredutível aos indivíduos que o compõem um sistema de interdependência que constitui com o seu meio circunstante um campo social dinâmico Este campo inclui os membros do grupo os subgrupos os meios de comunicação a repartição dos papéis os objectivos as normas etc Os trabalhos mais conhecidos de Lewin e dos seus colaboradores ou continuadores incidiram nomeadamente sobre a coesão dos grupos e os seus factores os estilos de direcção leadership dos grupos autoritário democrático permissivo 117 e os seus efeitos sobre a moral e o rendimento assim como sobre a mudança Segundo Lewin toda a mudança exige uma modificação do campo de forças que se equilibram num estado quase estacionário de preferência a aumentar as pressões no sentido da mudança desejada melhor será 220 enfraquecer a resistência à mudança Estes trabalhos encontraram um campo de aplicação prática em diversas técnicas de pesquisa activa formação intervenção condução de discussão grupos de diagnóstico etc PH BD Anzieu Martin 1969 Lewin 1959 Maisonneuve 1969 Guerra A guerra é um conflito violento entre polítias Uma polítia é um grupo humano caracterizado pelo facto de para o interior de entre membros do grupo os conflitos serem passíveis de processos que devem em princípio permitir a sua solução pacífica para o exterior esses processos não existem ou as suas sanções não podem ser impostas o que faz com que os conflitos possam degenerar A condição primeira de possibilidade de guerra não é portanto a agressividade humana nem a inimizade mas o simples facto de nem todos os homens estarem reunidos numa polítia única Uma polítia planetária faria desaparecer a guerra não eliminaria os conflitos internos nem a expressão da violência quer privada entre cidadãos quer pública dos governantes contra os governados Do mesmo modo que a guerra poderia desaparecer assim também ela acaba por nascer A arqueologia permite afirmar que a guerra nasceu com a acumulação de reservas ao longo do Neolítico e que ela é endémica desde a Idade do Bronze III milénio A guerra é de facto uma forma de conflito mas um conflito tem sempre um objecto Podemos atribuir à guerra três objectivos O primeiro é a pilhagem das reservas acumuladas pelo vizinho O segundo é a conquista das polítias vizinhas e a sua incorporação na polítia vitoriosa como corolário a 221 guerra é também defensiva para evitar serse conquistado O terceiro é a procura da glória Estes três objectivos podem combinarse entre si A guerra é por natureza uma manifestação de violência física Tem por isso uma dimensão técnica que reveste dois aspectos Por um lado a guerra transforma em armas de destruição todas as ferramentas que o engenho humano inventa para multiplicar a eficácia dos seus empreendimentos Toda a implementação técnica desde o trabalho do sílex até aos mais complexos computadores pode servir indiferentemente as artes da paz ou as da guerra Como a técnica conheceu através dos tempos um progresso constante a guerra tornouse cada vez mais devastadora e conheceu um salto qualitativo com a mutação científica técnica e industrial da modernidade Por outro lado a técnica e os seus progressos incidem sobre a capacidade para mobilizar para manter para formar e para empenhar um número crescente de soldados em campanhas cada vez mais longas Todos estes desenvolvimentos são dispendiosos em meios e em capacidade de organização Todo o progresso económico e organizacional recebe aplicações militares que afastam cada vez mais a guerra do desporto e da proeza individual A guerra é também por natureza um conflito violento entre polítias É portanto um meio das políticas que as polítias conduzem umas em relação às outras Estas políticas têm dois fins a conquista ou a defesa 118 As polítias mais poderosas pelos seus recursos em homens 222 em meios materiais e em técnicas militares tendem a projectar o seu poderio sobre as polítias mais fracas relativamente Quando os poderios desenvolvidos por cada uma são equivalentes o resultado dos conflitos guerreiros é determinado antes de mais pelo número das políticas e pelo sistema de acção que constituem A dois três ou quatro o jogo conduz inevitavelmente ao fim de alguns séculos à emergência de um vencedor último e à unificação imperial A mais de quatro e a menos de vinte acontece que o sistema de acção conheça um equilíbrio durável Cada polítia calcula as suas alianças de maneira a opor a toda a tentativa hegemónica uma coligação suficientemente forte para fazêla fracassar Um sistema assim equilibrado tende a limitar a importância do que está em jogo e dos compromissos Tem também tendência para favorecer a solução diplomática dos conflitos assim como as trocas pacíficas entre polítias Quando os actores são muito numerosos a guerra tornase permanente e conduz mais tarde ou mais cedo a uma ou outra das configurações anteriormente descritas J B Aron 1962b Clausewitz 1832 Gueto vd Segregação 119 H Habitus É Durkheim 1938 tal como M Weber 1922a 223 vão buscar a noção de habitus à tradição aristotélica que seguem mais ou menos textualmente neste ponto Em Aristóteles o conceito de hexis que Tomás de Aquino 1225 1274 traduz por habitus designa as disposições psíquicas que podem ser influenciadas pela educação por exemplo mas que não são nem inconscientes nem subtraídas à acção da vontade nem determinadas de maneira exclusivamente social nem a fortiori determinadas unicamente pela posição no sistema de estratificação social além disso estas disposições não determinam de modo nenhum de maneira mecânica nem as representações nem as acções do sujeito É preciso concebêlas mais como quadros ou guias de que o sujeito pode desligarse com maior ou menor facilidade É por isso que É Durkheim pode ver na educação não um adestramento uma inculcação ou uma programação mas um processo que contribui para aumentar a autonomia do indivíduo R B Aristóteles 1972 Tomás de Aquino 1947 HALBWACHS Maurice sociólogo francês Reims 1877 Buchenwald 1945 Filósofo de formação influenciado por H Bergson Halbwachs entra na equipa de LAnnée sociologique em 1905 A sua tese La Classe ouvrière et les niveaux de vie 1912 impressiona pela originalidade do tema e pela perspicácia das suas observações de método Professor em Estrasburgo entre as duas guerras impõese com Les Causes du suicide 1930 como o verdadeiro continuador de E Durkheim numa altura em que a herança deste começa a ser discutida Centrados primeiramente sobre a sociologia económica e a análise das necessidades os seus 224 trabalhos alargamse rapidamente a outros objectos estratificação e classes epistemologia e metodologia sobretudo quantitativa memória e psicologia colectiva questões urbanas e morfologia social Entre os durkheimianos Halbwachs é talvez aquele cuja obra é mais ampla pelo seu volume e pela diversidade dos seus campos de aplicação Preocupado com a defesa da especificidade da disciplina dialoga com os cultores mais inovadores das outras ciências humanas Nomeado para a Sorbona em 1935 e para o Colégio de França em 1944 influenciou intelectuais como G Friedmann A Sauvy J Stoetzel que rejeitam a ortodoxia durkheimiana e para cujo desabrochamento ele contribui F G Hierarquias sociais A expressão hierarquia social tem um sentido ao mesmo tempo mais preciso e mais global que a de estratificação social Uma estratificação designa a justaposição de grupos sociais segundo critérios neutros a profissão o rendimento indicadores sociais favoráveis e pode ser observada seja a que escala for local regional ou nacional numa empresa numa igreja ou num clube A hierarquia social afecta todos os grupos que compõem uma sociedade classificaos nunca escala orientada a orientação é definida por valores estes valores são reconhecidos pelos interessados em todos os escalões uma hierarquia é explicitada numa ideologia recebida Para classificar os grupos e por implicação os indivíduos que 120 225 os compõem é preciso dispor de critérios que definam acerca dos mais e dos menos unívocos A maneira como estão repartidos o poder o prestígio e a riqueza numa dada sociedade corresponde a esta condição Estes três bens são desejáveis é importante possuílos em maior ou menor grau São bens raros as partilhas são necessariamente desiguais São bens reais a sua definição numa dada sociedade é geralmente aceite Resulta destes três caracteres que os bens raros são inevitavelmente objecto de concorrências entre societários e que essas concorrências levam inevitavelmente por agregação a hierarquias reconhecidas JB Aron 1964a Baechler 1985Boudon 1973 Dahrendorf 1957 História e sociologia As duas disciplinas têm origens diferentes afinidades profundas e estatutos que contrariam a sua convergência A história no sentido de historiografia é feita de relatos verdadeiros que incidem sobre o passado Enquanto relato a história narra acções humanas dos reis dos povos Enquanto verdadeira fundase em factos comprováveis uns vividos ou recolhidos da boca das testemunhas a maioria registados em documentos escritos ou outros Enquanto passada a matéria da historiografia inclui todos os momentos imediatamente anteriores ao instante presente o que inclui todos os acontecimentos em vias de se tornarem passado a guerra do Peloponeso para Tucídides A história assim entendida nasce com a escrita a qual nasce com os primeiros reinos A sociologia nasceu muito recentemente no séc XIX da 226 convergência de mutações e de tradições intelectuais As mutações são a democratização a industrialização a racionalização que dão aos contemporâneos o sentimento justificado de que um mundo novo está em vias de nascer Ora esse mundo na Europa apresenta duas características óbvias a distinção do público e do privado do Estado e da sociedade civil e o dinamismo aparentemente endógeno desta Um objecto novo oferecese à observação e à análise racional a sociedade A convergência da história e da sociologia na sua dimensão de filosofia da história tem causas profundas determinadas ao mesmo tempo pela matériaprima e pelas ferramentas intelectuais requeridos para captála A história na medida em que se apoia sobre factos verdadeiros assenta primeiramente numa actividade de documentalista na recolha e na crítica das fontes Mas só se torna ela própria utilizando essas fontes para explicar porque é que as coisas se tornaram no que são ou no que foram A narrativa histórica não poderá contentarse indefinidamente em relatar acontecimentos em bruto como nos anais tornarseá mais tarde ou mais cedo numa narrativa reflectida que se abre irresistivelmente ao campo total da aventura humana Por seu turno a sociologia histórica sob pena de sucumbir ao arbitrário das suas construções não pode deixar de ocuparse da matéria histórica quer contribuindo para os trabalhos dos historiadores quer utilizando os seus resultados para as suas análises comparativas A convergência deveria ter conduzido logicamente a uma disciplina única Mas a dimensão camaralista da sociologia foi poderosamente encorajada pela expansão das actividades estatais a partir da Primeira Guerra Mundial e pela sua 227 institucionalização universitária após a Segunda 121 Daí resulta uma nova partilha entre por um lado a história sociológica ou a sociologia histórica cujos modelos são talvez M Weber e M Bloch e por outro uma actividade de recolha de dados chamada história quando eles são do passado etnologia quando são exóticos e sociologia quanto têm a indicação de modernos J B Braudel 1969 Bloch 1949 Boudon 1979 Historicismo Palavra popularizada por K Popper 1944 1945 que designa as teorias que como as de A Comte de H Spencer ou de Marx pretendem pôr em evidência leis do desenvolvimento histórico Segundo Popper só pode tratar se de uma ilusão porque as leis estabelecidas pelas ciências nunca são a seu ver de tipo evolutivo A crítica de Popper embora fundada é demasiado radical Se não existem leis da história há tendências Por outro lado alguns sistemas sociais obedecem de facto a leis de desenvolvimento R B Historismo Esta palavra apareceu na Alemanha no fim do séc XIX no contexto das discussões de método que acompanharam o desenvolvimento espectacular das ciências sociais Designa a doutrina segundo a qual os factos sociais e históricos revestem uma significação variável consoante a posição social e histórica do observador Não haveria portanto na história e mais geralmente nas 228 ciências humanas verdade objectiva possível O historismo é uma manifestação particular da epistemologia relativista que aparece com intervalos mais ou menos regulares nas ciências humanas mas que nunca se impôs em virtude do seu carácter excessivo A palavra alemã Historismus é por vezes incorrectamente traduzido por historicismo que tem uma significação inteiramente diferente R B Aron 1938b Holismo vd Individualismo metodológico Homo sociologicus vd Economia e sociologia 122 123 I Idade Idade e sexo são os dois caracteres biológicos que distinguem entre si os seres humanos e accionam a sua reprodução Dizse que uma população é tanto mais jovem ou mais velha quanto a proporção dos jovens ou a dos velhos é nela mais ou menos importante A proporção das várias idades não é a mesma em todas as populações e pode acusar ao longo do tempo desvios muito sensíveis Além dos movimentos migratórios internacionais ou internos selectivos por natureza quanto à idade e quanto 229 ao sexo dos que partem a intensidade variável da mortalidade ou da natalidade modifica a estrutura por idade Assim os países industriais têm sempre uma população envelhecida e os países do Terceiro Mundo uma população muito jovem e portanto um potencial de crescimento muito mais forte Os indivíduos caminham todos para a velhice e para a morte mas uma população pode rejuvenescer por aumento do número dos nascimentos como aconteceu por exemplo na França a seguir à Segunda Guerra Mundial O prolongamento da duração média ou esperança de vida diferente da longevidade humana que tem como tecto cerca de 110 anos resultou no decurso da transição demográfica da baixa da fecundidade tudo se passando como se jovens fossem substituídos por velhos De futuro o envelhecimento pode aumentar no topo pelos progressos na luta contra a senescência Consequência do novo regime demográfico e das novas condições de existência nos países industrializados o envelhecimento da população modificou a imagem social dos momentos sucessivos do ciclo da vida Outrora no caso de ter sobrevivido a criança entrava muito cedo na vida activa Os adultos morriam com menos idade que actualmente Os velhos gozavam do prestígio da raridade e da experiência e a velhice podia apresentarse como um coroamento Hoje a valorização das idades está de algum modo invertida Cada vez mais numerosos e fora do sector produtivo os velhos são como que rejeitados e sobrevindo a idade muito elevada o seu desaparecimento apresentase como um alívio A juventude configurase como o modelo ideal Assim a representação das diferentes idades varia no tempo como a estrutura por idade da população e o estatuto 230 social dos indivíduos depende numa larga medida da sua idade A G Péquignot 1981 Philibert 1968 Sauvy 1961 Idade grupo de Fundada na comunidade espacial e nas formas de parentesco a organização social das sociedades tradicionais era também fundada em categorias classes ou grupos etários Todos os membros da comunidade estavam colocados segundo a sua idade num grupo particular com direitos e obrigações específicos Ritos de passagem Van Gennep 1909 as cerimónias simbólicas e as festas marcavam a transição de um grupo de idade para o seguinte A sobrevivência deste estado de coisas verificouse até à época contemporânea nomeadamente no meio rural Varagnac 1948 e 1954 Nas sociedades industriais actuais a complexidade das engrenagens económicas e o prolongamento da duração média de vida multiplicaram os grupos de idade de maneira extraordinária A divisão 124 em jovens adultos e velhos cede o lugar a distinções muito mais estritas São fixados limiares sancionados pela lei tais como a escolaridade obrigatória serviço militar para os rapazes limites de idade para apresentar concursos ou entrar na função pública etc Sobrevindo a puberdade mais cedo a idade da maioridade civil foi baixada Foi inventada uma nova idade a adolescência Por fim após o tempo de actividade aparecem a idade da reforma a terceira ou 231 mesmo a quarta idade A duração do exercício da profissão diminui nas suas duas extremidades pelo prolongamento dos estudos e pela tendência para o abaixamento da idade da reforma considerado como um progresso social Não sendo já a família o lugar único onde se completa o ciclo da vida instituições específicas dirigemse a cada grupo etário creches escolas casas de jovens clubes da terceira idade residências para aposentados etc Observação corrente sempre confirmada pelas pesquisas empíricas as pessoas de idade diferente não têm as mesmas atitudes perante a vida exprimem opiniões diversas mais conservadoras entre os velhos mais radicais ou avançadas nos jovens Será uma consequência do envelhecimento biológico um efeito de idade ou um efeito de geração já que os vários grupos etários não cresceram no mesmo contexto De todos os factores que actuam sobre os comportamentos e os valores a idade é predominante Stoetzel 1983 Para distinguilo melhor do efeito de geração estudos longitudinais permitem caracterizar melhor as reacções dos vários grupos etários ao longo da vida A G Ariès 1960 Idealtipo vd Tipoideal Identidade colectiva Aptidão de uma colectividade para reconhecerse como grupo qualificação do princípio de coesão assim interiorizado identidade étnica identidade local identidade profissional recurso que daí decorre para a vida em sociedade e a acção colectiva Em relação ao exterior do grupo a construção de uma 232 identidade colectiva implica um movimento de diferenciação a partir do qual se afirma a autonomia colectiva Internamente provoca pelo contrário um efeito de fusão que apaga a multiplicidade das pertenças Passase assim de um grupo complexo e fechado sobre si mesmo para um grupo cujas representações tendem a organizarse à volta de um princípio dominante e inteligível As identidades colectivas assim entendidas não são oponíveis às solidariedades amplas tornamse mesmo vectores de abertura sobre o exterior e de reconhecimento dos grupos entre si O conceito de identidade está na base das teorias da acção A integração é de facto muito mais necessária aos actores sociais que a consciência dos fins prosseguidos A mobilização surge quando se passa de um estado de estratificação a um estado de segmentação do tecido social Oberschall 1973 D SN Ideologia No sentido de Destutt de Tracy seu inventor o termo ideologia é praticamente sinónimo de psicologia no sentido actual Com Marx ganha um sentido negativo e designa as ideias falsas que os homens têm da realidade social Mais precisamente designa as ideias falsas que 1 incidem sobre o político e o social 2 se apoiam ou pretendem apoiarse no raciocínio e na argumentação científicos A noção de derivação em V Pareto 125 tem mais ou menos o mesmo sentido que o de ideologia em Marx Porque é que a palavra ideologia se impõe nesse 233 sentido a partir da segunda metade do séc XIX Provavelmente porque se começa então a perceber melhor a fragilidade de todos os planos de reforma social e política que foram propostos em fins do séc XVIII e princípios do séc XIX e que pretendiam fundarse na autoridade da Razão ou da Ciência Actualmente a palavra ideologia é muitas vezes tomada pelos sociólogos num sentido neutro e designa o conjunto das ideias relativas ao político e ao social sem julgar antecipadamente da sua validade ao passo que em certos teóricos políticos designa de preferência aqueles sistemas de ideias que R Aron denomina religiões seculares e S Lipset ideologias totais por exemplo o comunismo o nazismo A questão principal da teoria sociológica das ideologias é a de saber como é que ideias duvidosas e falsas podem imporse Foram propostos dois tipos de respostas a esta questão a resposta irracional e a resposta racional Segundo a primeira as crenças nas ideias falsas proviriam do facto de os actores sociais se deixarem cegar facilmente pelos seus interesses pelos seus sentimentos ou pelas suas paixões Assim para Marx os membros de uma classe social têm tendência para confundir o seu interesse de classe com o interesse geral Para Pareto os actores sociais são movidos por sentimentos mas sentem a necessidade de legitimar esses sentimentos conferindolhes um verniz lógico A teoria racional das ideologias insiste de preferência no facto de o actor social só poder controlar o ambiente que o rodeia interpretandoo com a ajuda de ideias conjecturas representações teorias cuja validade só pode determinar de modo muito parcial e incerto A sua credulidade é interpretada no quadro desta teoria como uma resposta racional em larga medida à complexidade do mundo 234 R B Boudon 1986 Duprat 1980 1983 Igreja e seita O termo seita designa comummente com um matiz pejorativo grupos religiosos políticos etc dissidentes relativamente a outros ou ainda grupos de discípulos ou de partidários reunidos à volta de um chefe e que o seguem É suposto que os membros das seitas são portadores de sectarismo isto é de muito dogmatismo e de suficiência não tendo é claro o seu monopólio Alguns sociólogos tentaram tirar o termo das suas ambiguidades de linguagem no quadro de apologias dos agrupamentos religiosos M Weber 1920 trabalhando no campo do protestantismo europeu e norteamericano moderno opôs Igreja a seita como uma instituição de salvação e um agrupamento voluntário de convertidos A primeira privilegia a sua própria extensão A segunda põe a tónica na intensidade da vida dos seus membros E Troeltsch 1912 trabalhando na história cristã das origens no séc XVIII desenvolve a tipologia de Weber e juntalhe uma entrada suplementar Para ele a seita opõese à Igreja e à rede mística Mysticismus Spiritualismus Séguy 1980 portadora de religiosidade livre fora da instituição Nesta perspectiva a Igreja é universal e preexiste aos seus membros aos quais se impõe É mais dada à extensão que à intensidade pronta para o compromisso com os Estados e as instituições da vida pública em geral tenta tornarse co extensiva às sociedades 126 235 e às culturas A seita em contrapartida caracterizase pela importância que atribui ao nível local nasce da decisão voluntária de adesão dos seus membros e do contrato que estabelecem entre eles e com Deus Insiste na intensidade do empenhamento e da vida espiritual dos seus membros Retraindose em relação à sociedade global e à sua cultura dá origem a uma subcultura própria A rede mística é fluida efémera o seu interesse vai no sentido da expressão intelectual de uma experiência extra institucional a sua Igreja espiritual ou invisível é a da intensidade máxima longe das formas dos ritos e dos cultos organizados não tendo em conta filiações confessionais Este espiritualismo censura às Igrejas e às seitas a sua intransigência o seu dogmatismo e a sua exterioridade Para Weber e Troeltsch as Igrejas reúnem geralmente pessoas de todas as origens sociais e tendem a favorecer o statu quo social e político As seitas estão ligadas às classes inferiores na maioria das vezes embora existam também seitas de intelectuais ou das classes superiores ou médias mas em número muito menor Algumas são revolucionárias outras pacíficas As redes místicas existiram algumas à margem de todas as Igrejas e seitas nos sécs XVI e XVII interessam principalmente aos intelectuais sejam quais forem as suas origens sociais As Igrejas seitas redes místicas estão mais ou menos próximas dos tiposideais aqui evocados Assim um agrupamento inicialmente muito próximo do tiposeita e que dele conserva um grande número de traços pode não apenas perder alguns deles na sua evolução mas ir buscar um ou outro aos outros dois tipos Eventualmente tenderá a aproximarse cada vez mais do tipo misto da Igrejalivre ou denominação que mistura os traços da Igreja e da seita Na 236 actual sociedade secularizada em que os Estados estão na maioria das vezes separados das Igrejas estas aproximamse igualmente e cada vez mais do tipo Igrejalivre Mas pelo facto de insistirem mais na intensidade do empenhamento dos seus membros nem por isso renunciam a influenciar a cultura global O ecumenismo como esforço oficial de diálogo entre Igrejas cristãs é uma manifestação típica desta evolução para a denominação que comporta pôr entre parênteses as pretensões ao exclusivismo confessional Para os movimentos mais próximos do tiposeita o ecumenismo continua a ser inaceitável Testemunhas de Jeová certos grupos pentecostistas etc A sua eventual aceitação do diálogo e da acção interconfessionais mede o seu grau de aculturação à sociedade global e ao universo do tipoIgreja por outras palavras a sua proximidade do tipo Igrejalivre As redes espiritualistas ou místicas foram sempre difíceis de referenciar No séc XVI observamolas à margem de todas as Igrejas e seitas São redes de permutas de correspondência de informação de livros à volta de uma personalidade No séc XVI e entre muitos outros S Franck ou H Denck foram personalidades dessas Algumas dessas redes de ideologia místicoespiritualista dotaramse por vezes para sobreviver de uma organização de tiposeita schwenckfeldianos no séc XVI quacres no séc XVII swedenborgianos no séc XVIII Presentemente existem redes mais ou menos próximas do tipomístico Mas importa notar sobretudo a penetração das perspectivas místicoespiritualistas em certos 127 237 sectores do pensamento teológico no interior das grandes Igrejas espiritualização da escatologia por exemplo em numerosos autores tónica colocada na presença do Espírito na sociedade global e em todas as religiões etc A apologia saída de Weber e de Troeltsch aqui utilizada foi criada em função do cristianismo ocidental e para facilitar o estudo da sua história vd novos movimentos religiosos J S Wilson 1970 Yinger 1957 Igualdade vd Desigualdades sociais Imigrado Os emigrados e os imigrados são indissociavelmente os mesmos que deixaram os países em que nasceram e em que foram educados para se instalarem num outro quer tenham sido empurrados pela miséria pelas perseguições ou pelo medo das perseguições quer tenham sido atraídos pela riqueza pela liberdade ou pela modernidade do país de instalação Conforme o elemento que os levou à partida push ou que os atraiu pull é dominante assim varia a atitude dos imigrantes em relação à sociedade de instalação Os exilados políticos fazem muitas vezes a experiência de uma partida definitiva São mais susceptíveis de ser impelidos à adaptação ao país que lhes deu um abrigo Em contrapartida os imigrados económicos pelo menos desde a Segunda Guerra Mundial partem com um projecto de acumulação financeiro e o sonho de regressar em seguida para se instalarem de novo no seu país No início da sua estada limitam as relações com a sociedade global ao mínimo indispensável para realizar o seu projecto Apesar desta distinção clássica entre exilados políticos e 238 imigrados económicos a experiência de todos comporta traços comuns obrigação de reelaborar novos papéis e adaptarse às necessidades da vida comum no país de instalação formas de aculturação Eisenstadt 1955 Mesmo os imigrados económicos inflectem o seu projecto inicial o reagrupamento familiar traz consigo atitudes de consumidores e os papéis familiares transformamse forma se uma cultura específica de emigrados onde se misturam elementos tirados dos modelos tradicionais e dos modelos da sociedade de instalação Notase também uma diferença na experiência dos próprios migrantes entre a primeira geração e a seguinte Os primeiros socializados numa cultura foram levados a deixar o seu país e a adaptarse a um outro os segundos os seus filhos nasceram e sobretudo foram escolarizados no país de instalação Para os primeiros a adaptação pode resumirse a uma aculturação formal os imigrados adaptam os seus comportamentos às necessidades do trabalho profissional e à vida comum mas conservam intacto o núcleo da sua cultura de origem papéis familiares relação entre os sexos Schnapper 1986 Em contrapartida aqueles a quem se chama de maneira corrente mas inexacta a segunda geração que não conheceram o país de origem dos seus pais fazem plenamente parte do país de acolhimento Esta pertença não os impede de preservar no entanto características específicas que são resultado da socialização familiar dos laços culturais e sentimentais com a cultura e a nação de que seus pais são originários Quando as suas culturas são muito diferentes em particular no que se refere aos papéis familiares esta evolução pode estar na origem de conflitos por vezes violentos e dolorosos Este 239 128 processo ganha ritmos e formas desiguais consoante a capacidade de integração das diferentes nações nos diferentes períodos e conforme a atitude que os imigrados adoptam em relação à sociedade de acolhimento D S Imitação vd Inovação Difusão Moda Imperialismo A expressão designa em primeiro lugar a política de imperialização a que conduz a implantação de um império Falarseà do imperialismo de Qin que impôs à China a unificação imperial em 221 a C Neste sentido o imperialismo europeu designa a conquista de impérios coloniais no séc XVI e no séc XIX Este segundo impulso de imperialismo deu lugar a uma deformação ideológica da palavra na tradição marxista leninista do séc XX Antes de 1914 e até à Segunda Guerra Mundial a teoria afirmava que a acumulação crescente de capitais e de meios de producão nos países capitalistas e o empobrecimento correlativo dos proletários tinham como consequência crises cada vez mais intensas de sobreprodução que só podiam ser ultrapassadas escoando os bens e os capitais para fora da Europa Cada país capitalista tinha pois de esforçarse por criar noutro lado um mercado reservado Como o planeta é finito daí tinham de resultar inevitáveis conflitos armados entre países capitalistas para o partilharem Tendo esta visão sido desmentida pela experiência acabou por ser substituída por uma outra entre 1945 e os anos 70 A 240 maior parte dos países capitalistas entendese para manter o Terceiro Mundo num estado de sujeição económica que lhes permite enriquecerem à sua custa O imperialismo designa a relação de exploração que une os países capitalistas aos países proletários e que enriquece uns à custa do empobrecimento dos outros Esta visão foi também desautorizada pelas experiências recentes J B Duverger 1980 Lenine 1916 Incesto O incesto é uma relação sexual proibida socialmente em razão de um laço estreito de parentesco entre dois indivíduos de sexo diferente Se as relações sexuais entre pais directos e filhos são proibidas em toda a parte assim como entre irmãos e irmãs com excepções consideradas como derrogações ao estatuto comum em algumas dinastias como por exemplo os Ptolomeus o campo da proibição varia segundo as sociedades cobrindo por vezes parentes por aliança primos em determinado grau ou relações simbólicas entre rapaz e rapariga ligados por um parentesco espiritual Exogamia e proibição do incesto diferem na medida em que envolvem um o casamento o outro a relação sexual eventualmente tolerada antes do casamento A transgressão da regra dá lugar ao castigo e à desonra Segundo L Morgan e S Maine a proibição do incesto protegeria contra os efeitos nefastos da consanguinidade Objecção essa clarividência eugénica data apenas do séc XVI europeu e a reprodução endogâmica também produz sobredotados Segundo E Westermarck a habituação de pessoas que vivem em conjunto provocaria uma falha de atracção e uma repulsão Objecção S Freud 241 raciocina a partir do contrário Édipo e porque é que as sociedades estabeleceriam então um interdito tão rigoroso Segundo 129 CLéviStrauss esta regra universal completa a passagem da natureza caótica à cultura regulada Tem como função alargar o campo das relações sociais C R Heusch 1988 Durkheim 1898 Raglan 1935 Índice Na sua acepção comum um índice é uma medida uma síntese um índice de escuta é calculado a partir de uma simples percentagem um índice de preços é uma soma ponderada de informações Em ambos os casos tratase de caracterizar com um simples número uma situação o que permite comparando no tempo a variação do índice estudar a evolução da situação Em sociologia P Lazarsfeld 1961 1965 1970 propôs que se denominasse índice toda a medida sintética a partir de uma série de indicadores observáveis de uma realidade não directamente mensurável Assim num inquérito sobre os professores universitários americanos 1958 procura estudar o processo da sua titularização em função por um lado da sua idade e por outro da sua eminência Esta última noção que se refere à notoriedade que um professor pode ter junto dos seus pares não é bem entendido directamente mensurável tem de ser apreciada a partir daquilo que ele pode ter feito para se fazer conhecer publicações conferências e das marcas de reconhecimento 242 que pode ter recebido dos seus colegas eleição para um cargo ou de outras pessoas cargo de conselheiro missões extrauniversitárias A dificuldade metodológica está então no facto de cada indicador manter com a noção de eminência apenas uma relação probabilista quando um professor publicou um livro tem mais hipóteses de ser conhecido e reconhecido pelos seus pares mas não estamos perante nenhuma certeza Assim a relação entre a medida sintética o índice que se tirará de um conjunto uma bateria de indicadorès e a noção ou o conceito que se supõe este índice medirá é apenas probabilista O índice será uma melhor ou pior aproximação mas não terá a qualidade de uma medida directa Esta situação torna contestável a utilização da linguagem indicial como processo de classificação cometerseiam numerosos erros ao tentar propor uma classificação de eminência dos professores recorrendo a um único índice em parte porque a eminência não é uma noção unidimensional Mas Lazarsfeld mostrou que se pode muito bem pelo contrário estudar a ligação que o índice mantêm com uma outra variável Seja qual for a amostra de indicadores escolhidos na condição de que tenham uma certa relação com o conceito chegase ao mesmo resultado É aquilo a que se chama a intermutabilidade dos índices Y C Individualismo A noção de individualismo designa em sociologia duas ordens de realidades que não são independentes uma da outra o resultado da mutação teórica que a partir do séc XVII fez do indivíduo o fundamento do 243 político e do Estado de direito o efeito da complexidade crescente das sociedades industriais e da natureza dos laços sociais que daí resultam C B MacPherson 1962 descreve assim a revolução intelectual do individualismo O individualismo do séc XVII é a afirmação de uma propriedade é essencialmente possessivo Designamos assim a tendência para considerar 130 que o indivíduo não é de modo nenhum devedor à sociedade da sua própria pessoa ou das suas capacidades das quais é pelo contrário e por essência o proprietário exclusivo Nesta época o indivíduo não é concebido nem como um todo moral nem como a parte de um todo social que o ultrapassa mas como o seu próprio proprietário Este individualismo possessivo opõese a duas concepções da individualidade a concepção antiga representada designadamente por Aristóteles para quem o indivíduo humano se caracteriza pelo seu lugar no Cosmo enquadrado como está na ordem estrita que a sua essência lhe impõe a concepção cristã tal como ela se exprime em Santo Agostinho para quem o indivíduo é criatura de Deus e tem portanto como tarefa usar da graça que o Senhor lhe dispensa para fazer a sua salvação sendo a Cidade de Deus mais importante que a Cidade dos homens Numa abordagem mais estreitamente sociológica e que deve talvez muito a um distanciamento para com o individualismo político É Durkheim define o individualismo como o resultado das formas que a 244 solidariedade assume na divisão do trabalho Esta constitui os homens em individualidades diferenciadas que desempenham tarefas específicas e realizam uma vocação A coesão social interna que resulta da complementaridade das funções gera um novo tipo de valores à volta da noção de pessoa A patologia deste individualismo é a anomia quando a consciência colectiva se enfraquece e deixa de integrar os indivíduos separados Toda uma tradição sociológica se interrogará assim sobre os efeitos e danos da dissolução da comunidade Numa acepção sem qualquer relação com as duas anteriores designarseá por individualismo metodológico o princípio essencial nas ciências sociais segundo o qual um facto social deve ser compreendido como a consequência do comportamento dos indivíduos que pertencem ao sistema social no qual o facto é observado Este princípio opõese às explicações holísticas que vêem na acção do indivíduo um produto das estruturas sociais e fazem da intenção do agente social um dado descurável A A Individualismo metodológico O princípio do individualismo metodológico define um método importante das ciências sociais Segundo este princípio explicar um fenómeno colectivo é sempre pelo menos no ideal analisar esse fenómeno como a resultante de um conjunto de acções de crenças ou de atitudes individuais Segundo esta perspectiva a explicação nas ciências sociais comporta portanto sempre uma dimensão psicológica Assim explicarseá por exemplo a baixa de uma taxa de natalidade ou de criminalidade mostrando como e porquê 245 condições mutáveis levaram os actores sociais a comportar se diferentemente dos seus predecessores O individualismo metodológico é correntemente acompanhado de uma concepção racional da acção sendo suposto que o actor social tem boas razões para comportarse como o faz A pertinência do individualismo metodológico foi por vezes contestada pelos durkheimianos que herdaram de Augusto Comte a sua hostilidade à psicologia e por aqueles dentre os neomarxistas que tendem a representar o indivíduo como o simples joguete das estruturas sociais O individualismo metodológico opõese ao holismo metodológico R B Birnbaum Leca 1986 131 Influência A influência pode ser entendida num sentido genérico ou num sentido restrito na primeira acepção relativamente usual aplicase a toda a forma de acção eficaz sobre outrem seja qual for a sua modalidade na segunda mais elaborada designa antes um modo de comunicação de que a persuasão constituiria a mola principal senão única Convém lembrar o papel de pioneiro desempenhado neste domínio por G de Tarde mesmo se este último utiliza um outro tipo de vocabulário Por um lado na sua teoria geral Tarde 1890 referese sucessivamente à sugestão ao hipnotismo à magnetização para caracterizar o papel e a eficácia atribuídos à imitação o tema da influência está aqui presente sob uma forma implícita Por outro lado em alguns dos seus ensaios e nomeadamente no seu estudo da 246 conversação Tarde 1901 revelase um observador atento de uma influência essencialmente persuasiva da qual as vicissitudes da opinião são muito largamente tributáriasEste interesse pela análise dos processos anuncia as pesquisas ulteriores de P Lazarsfeld e dos seus colaboradores 1944 1955 As investigações no terreno conduzidas por este último contribuíram em primeiro lugar para abalar o mito de uma propaganda omnipotente que agiria sobre indivíduos isolados na massa fazendo ressaltar o papel decisivo do contexto social A análise das campanhas eleitorais pôs em evidência nomeadamente a existência de guias de opinião que ao mesmo tempo transmitiriam e traduziriam para os membros dos seus grupos primários as mensagens dos meios modernos de informação colectiva A atenção desta equipa de pesquisa cristalizouse assim pouco a pouco nas relações de influência de que foram estabelecidas algumas características principais o influenciador não goza geralmente de um estatuto mais elevado mas pertence na maioria das vezes ao mesmo meio que os influenciados tira partido de um certo grau de competência num domínio bem determinado ao qual se limita normalmente a sua esfera de influência Os estudos de laboratório contribuíram igualmente para uma percepção mais profunda dos processos de influência para além das tarefas indispensáveis à limpeza do terreno firmaram hipóteses fecundas e permitiram assim a S Moscovici 1979 pôr em evidência o papel das minorias activas na génese das inovações Este desenvolvimento das pesquisas empíricas não deixou de ter incidência na clarificação progressiva dos conceitos hoje somos de facto menos tentados a considerar poder e influência como conceitos intercambiáveis à maneira de R 247 Dahl 1961 cujos esforços para construir uma metodologia rigorosa de análise de decisões convém entretanto saudar como o demonstrou T Parsons 1967 a influência deve ser antes compreendida como uma capacidade de persuadir fazendo apelo a razões positivas para conformarse com as sugestões do influenciador F C Chazel 1964 Merton 1949 Montmollin 1977 Infraestruturasuperstrutura Na terminologia marxista a infraestrutura de uma sociedade é constituída pelas relações de produção e pelo conjunto dos meios materiais e técnicos que elas põem em movimento A superstrutura noção complementar designa o conjunto das instituições políticas jurídicas 132 e culturais que se elevam sobre essa infraestrutura e a reflectem ideologicamente Este par de noções procura mostrar que há articulações entre os diferentes níveis da realidade social mas não faz mais que assinalar o problema sem resolvêlo F Engels para o fim da sua vida advertiu contra um determinismo económico demasiado afirmado sublinhando os efeitos de retroacção da superstrutura sobre a infraestrutura Na sua opinião a determinação económica só pode jogar em última instância através de múltiplas mediações Mas esta correcção nem por isso fornece a chave para compreender a cadeia das mediações ou seja as articulações concretas das práticas umas sobre as outras Muitos marxistas admitem 248 agora que a infraestrutura económica não determina propriamente os outros níveis da prática mas fixa limites às suas variações e às suas condições de afirmação Admitem igualmente que em certas conjunturas em que põem de novo em questão equilíbrios antigos os abalos culturais ou ainda políticos podem ter um papel motor nas mudanças sociais JM V Giddens 1984 Iniciação rito de Rito de passagem acompanhado de provas destinado a introduzir certos candidatos num novo estatuto por exemplo o de uma classe etária na idade pubertária de uma confraria para recrutamento selectivo ou de uma sociedade secreta Segundo A van Gennep 1909 estes ritos comportam três etapas 1 separação e ruptura com o mundo profano 2 marginalização num lugar sagrado e formação para um novo modo de ser 3 ressurreição simbólica e agregação na comunidade com um estatuto superior Após uma morte simbólica os noviços a cargo de instrutores são submetidos a uma ascese fazem a aprendizagem de ritos e recebem a revelação de um saber sobre a sociedade que os acolhe A mudança de estatuto manifestase na altura de festas solenes por um novo nome adereços marcas corporais por exemplo circuncisão sacrificação e por vezes uma nova linguagem próprios dos iniciados A iniciação marca uma transformação memorável na vida do indivíduo e requer uma fidelidade às normas da comunidade em que os postulados são introduzidos C R 249 Bettelheim 1971 Cazeneuve 1958 Eliade 1976 Inovação Este termo ganhou um sentido muito amplo na sociedade contemporânea Com efeito é habitualmente definido como uma transformação que resulta da iniciativa de um ou vários indivíduos e que afecta conforme os casos a economia a política a ciência ou ainda a cultura etc Cinco conotações deste termo merecem ser assinaladas 1 há uma desproporção entre a causa por exemplo a iniciativa de um inovador e o efeito transformar o modo de vida de uma população eventualmente importante 2 o impacte da inovação é considerado como globalmente benéfico ou seja considerase que ela contribui para um progresso económico social 3 tal impacte é encarado sob vários aspectos ao mesmo tempo se se considera apenas o aspecto científico e técnico utilizamse de preferência as expressões invenção e descoberta 4 esse impacte não é nem anódino em cujo caso nos contentamos em falar de melhoria nem muito importante falase 133 então mais de revolução ou de mutação 5 a inovação só pode dizerse tal depois de ter começado a ser aceite difundida por outras palavras depois de ter sido objecto de imitações A carreira deste termo apresentase indissociável da história das teorias do progresso e das crises sociais Saint Simon por exemplo utilizaa num sentido que não está muito afastado daquele que prevalece actualmente Mas é sobretudo G de Tarde que lhe confere um estatuto 250 privilegiado pois que vai até ao ponto de explicar a evolução social pela combinação da invenção e da imitação 1890 J Schumpeter elabora 1912 uma concepção análoga na sua análise do desenvolvimento económico Este resultaria quanto ao essencial das novas combinações devidas aos empreendedores isto é da introdução de produtos novos de novos métodos de produção da conquista de novas fontes de matériasprimas da abertura de novos mercados etc Estas combinações permitiam na sua opinião explicar ao mesmo tempo o progresso e as crises periódicas da economia Actualmente a noção de inovação ocupa uma posição importante sobretudo na sociologia das organizações March Simon 1958 e na sociologia das ciências Lécuyer 1978 Há muito interesse nestas disciplinas pelas condições favoráveis à génese e à origem das inovações Ressalta desses trabalhos e em particular dos que T Kuhn 1962 consagrou às revoluções científicas que os verdadeiros inovadores não são tanto os que respondem mais eficazmente às questões que toda a gente se põe como os que sabem pôr questões novas A B Inquérito No sentido mais geral toda a procura de informações para responder a um problema Em sociologia inquirir é interrogar um certo número de indivíduos em ordem a uma generalização O inquérito opõese aqui portanto à observação que utiliza outras técnicas que não a interrogação e à experimentação em que o pesquisador cria e controla a situação que pretende estudar Mas o inquérito sociológico opõese também ao inquérito administrativo ou judicial pelo 251 facto de ter por objectivo não um conhecimento pontual mas um conhecimento generalizável O que interessa ao sociólogo não são os indivíduos no que eles tém de pessoal mas a possibilidade de tirar respostas individuais das conclusões gerais Tecnicamente tratase primeiro de delimitar o domínio sobre o qual procuramos informações quer estas tenham por fim tornar possível a descrição do domínio quer visem comprovar as ideias que se tem sobre esse domínio a saber hipóteses Determinase então por um lado a série de questões factuais eou de opinião que nos propomos submeter aos inquiridos e por outro a amostra à qual contamos dirigirnos Há técnicas muito precisas de escolha e aferição de amostras cujo respeito é uma condição da generalização mas não há método automático de elaboração do questionário donde decorre que todo o inquérito é directamente tributário do instrumento empírico elaborado para a colecta da informação A administração do questionário à amostra retida permite em seguida essa colecta obtêmse então os dados brutos que é preciso depois verificar analisar e interpretar No caso mais corrente dos inquéritos quantitativos por sondagem a verificação visa traduzir as respostas de cada inquirido em informações 134 codificadas que permitem a elaboração de estatísticas de respostas São estas que são analisadas em particular com a ajuda de testes de significação e interpretados Falta apenas redigir o relatório de inquérito onde se procura responder às questões colocadas inicialmente Todo o inquérito seja ele qualitativo ou quantitativo põe 252 por um lado o problema da agregação das respostas individuais e por outro o da sua generalização A utilização correcta de técnicas precisas tende a trazer uma resposta a estes dois problemas Mas as conclusões de um inquérito são sempre uma estimativa do objecto estudado Mantémse no entanto o facto de se tratar de um instrumento de recolha de informação insubstituível que o sociólogo não poderá dispensar Y C Ghiglone Matalon 1978 Instituição No sentido geral uma instituição é uma componente concreta de uma sociedade real em oposição com os elementos analíticos do sistema social concebido como instrumento de análise de toda a sociedade possível Parsons 1951 Mais precisamente uma instituição consiste num conjunto complexo de valores de normas e de usos partilhados por um certo número de indivíduos Como pertence ao mesmo tempo ao vocabulário quotidiano a instituição familiar ao da acção política é preciso preservar as instituições e finalmente ao da ciência política o termo instituição conheceu uma fortuna ao mesmo tempo prolífica e caótica em sociologia Desde cerca de 1960 o uso estabilizouse mais ou menos à volta das concepções propostas pelo sociólogo americano T Parsons 1951 Segundo ele podemos definir como instituição todas as actividades regidas por antecipações estáveis e recíprocas entre os actores que entram em interacção Para tomar um exemplo elementar o espectador que fez fila para o cinema forma primitiva de instituição ficaria evidentemente 253 desconcertado se a empregada da bilheteira lhe desse a sua opinião pessoal sobre a qualidade do filme Ambos sairiam do seu papel Para que estas actividades estáveis e recíprocas se desenvolvam é indispensável que cada um dos actores em presença renuncie a tirar partido no curto prazo das vantagens que o seu papel momentâneo pode proporcionar lhe e que conceda a prioridade a mais longo prazo às exigências da sua tarefa e ao ponto de vista dos seus parceiros Cada um deve porse no lugar de outrem Boudon Bourricaud 1982 A aprendizagem deste comportamento institucional produzse primeiro na família evidentemente Já para Montaigne a instituição dos filhos designa a aprendizagem de valores e de práticas comuns como a língua as maneiras a moralidade Mas estas orientações absolutamente gerais não bastam para garantir por si sós nem a previsibilidade nem a regularidade do conjunto dos comportamentos da criança tornada adulto Boudon Bourricaud 1982 É Durkheim 1895 sublinhou ao mesmo tempo a importância e os limites desta primeira socialização As instituições são sistemas normativos para os quais a primeira aprendizagem não pode iniciar em definitivo É preciso sublinhar portanto a importância das noções de socialização e de interiorização da regra É por isso que é justo referir com R Boudon e F Bourricaud 1982 135 que a teoria da instituição funciona em alternativa com a teoria da luta de classes Não é antagónica com ela 254 simplesmente explica melhor certos fenómenos particularmente processos sociais que assentam na confiança e isso mesmo que o risco de exploração não esteja excluído BP L Ben David 1971 Bourricaud 1977 Eisenstadt 1968 Chazel 1974a Gallino 1978 Gould Kolb 1964 Integração O termo integração não tem sentido bem fixo e definido em sociologia Como na linguagem corrente pode designar um estado de forte interdependência ou coerência entre elementos ou então o processo que conduz a esse estado Além disso é aplicado quer a um sistema social quer à relação indivíduosistema social Este último uso parece demasiado laxista Melhor seria reservar o uso da palavra integração a uma propriedade do sistema social Era de facto o que fazia É Durkheim em Le Suicide 1897 ao enunciar a lei segundo a qual o suicídio varia na razão inversa do grau de integração dos grupos sociais de que o indivíduo faz parte O afastamento do indivíduo da vida social o excesso de individuação por outras palavras o egoísmo não são mais do que uma consequência da falta de integração ou de coesão ou de consistência dos grupos sociais de pertença Um grupo social segundo Durkheim está integrado na medida em que os seus membros 1 possuem uma consciência comum partilhando as mesmas crenças e práticas 2 estão em interacção uns com os outros 3 sentemse votados a fins comuns Estes três elementos são ilustrados sucessivamente de maneira privilegiados pelas três séries de dados em que se apoia Durkheim na sua análise do suicídio egoísta a 255 sociedade religiosa a sociedade doméstica a sociedade política PH BD Besnard 1987 Intelectual A palavra intelectual é recente data do caso Dreyfus mas não faz mais que denominar de outro modo uma categoria social que se designava no séc XVI pela palavra humanista e no séc XVIII pela palavra filósofo Neste sentido os intelectuais são aqueles que mobilizando o seu prestígio ou a sua autoridade de criadores contribuem para exprimir e para popularizar novos valores ou para defender os antigos Erasmo Voltaire É Zola são talvez as ilustrações mais célebres do intelectual neste sentido da palavra O papel do intelectual à Zola põe um problema sociológico Porque é que um criador que adquiriu os seus títulos de nobreza no domínio da arte da literatura ou da ciência pode ocasionalmente tirar partido deles para propor o que é correcto em matéria de valores Na realidade a influência do intelectual é muitas vezes apenas aparente a sua mensagem só é eficaz na medida em que está conforme com as crenças do seu auditório ele é acolhido com reconhecimento sobretudo porque dá uma voz e uma expressão a essas convicções Mas a palavra intelectual empregase também num sentido mais amplo para designar todos os que contribuem para a produção confirmação ou difusão de valores de visões do mundo ou de conhecimentos nomeadamente quando esses conhecimentos comportam consequências axiológicas ou mais geralmente filosóficas As relações 256 complexas que os intelectuais mantêm 136 com os seus públicos ou como poderá ainda dizerse os seus mercados dependem do domínio em que desenvolvem a sua actividade Assim o matemático dirigese normalmente a um público restrito o romancista a um público alargado O caso do filósofo ou do historiador sugere que o intelectual pode por vezes escolher dirigirse ao mercado restrito dos seus pares ou a um público mais alargado Esta liberdade faz com que segundo as épocas as conjunturas intelectuais o estado das instituições universitárias e múltiplos outros factores a produção intelectual tenha tendência a dirigirse de preferência a um tipo de público ou a um outro Assim a nossa época caracterizase por um incontestável ascendente dos media Isso tem como consequência fazer do vedetariado uma dimensão importante do nosso sistema de estratificação social Por isso vemos muitos sábios historiadores filósofos escolherem assuntos e modos de expressão susceptíveis de atrair a atenção do público alargado a que os media se dirigem Quando o mercado dos media é dominante a função cognitiva dam produção intelectual tende a passar para segundo plano R B Aron 1955 Cochin 1921 Tocqueville 1856 Interaccionismo simbólico O interaccionismo simbólico não é uma escola de pensamento bem delimitada A expressão data de 1937 Blumer 1969 mas as origens conceptuais são muito mais antigas Os pragmatistas anglo 257 saxões C S Peirce W James J Dewey introduziram algumas ideias essenciais como as de comunidade de interpretação dos signos de construção do self ou eu individual pelo juízo dos outros de instrumentalidade do pensamento e finalmente de primado da acção no conhecimento Mas foram autores como G Simmel 1917 e G H Mead 1934 que serviram de referência principal à eclosão da corrente A originalidade do interaccionismo simbólico é o facto de considerar a acção recíproca dos seres humanos e os sinais que a tornam visível como o fenómeno social mais importante Nesta óptica entidades como a sociedade as instituições as classes sociais ou a consciência colectiva não têm realidade independente das interacções sociais Para Mead por exemplo uma instituição é a resposta comum trazida sob formas variadas pelos membros de uma comunidade a uma situação particular Longe de serem determinadas por estruturas ou sistemas as condutas sociais encontram o seu princípio no seu próprio desenrolar temporal Para o interaccionismo simbólico o comportamento humano não é uma simples reacção ao meio ambiente mas um processo interactivo de construção desse meio É o que está expresso pela fórmula de W I Thomas Se os homens definem sìtuações como reais elas são reais nas suas consequências Este processo é interactivo porque a actividade individual só é possível pela pertença a uma comunidade de significação Pelo facto de podermos dar a mesma significação aos mesmos signos podemos compreender a actividade de outrem isto é captar o ponto de vista do outro sobre o que se está a passar fazer previsões sobre as suas actividades futuras e modificar o nosso próprio 258 comportamento em função do de outrem A consciência de si próprio e do mundo social está assim estreitamente dependente da participação em actividades comuns e sinais visíveis sob os quais 137 essas actividades se tornam mutuamente compreensíveis O interaccionismo simbólico esteve vigoroso sobretudo nos Estados Unidos da América nomeadamente com os estudos urbanos interaccionistas antes do termo da escola de Chicago E C Hughes R E Park as teorias do labeling etiquetagem H S Becker 1963 as pesquisas de E Goffman sobre as instituições totais 1961 ou os ritos de interacção 1967 e a etnometodologia Garfinkel 1967 Viuse aumentar nestes últimos anos o número das pesquisas sociológicas francesas inspirandose numa ou noutra das versões do interaccionismo simbólico P P Herpin 1973 Interesse vd Utilitarismo Investigaçãoacção Postura das ciências sociais que associa a análise à transformação da realidade estudada O conceito actionresearch vem da psicologia social americana Lewin 1948 A epistemologia clássica da sociologia adverte contra os efeitos de interacção que surgem entre o analista e o meio analisado a posição dos promotores da investigaçãoacção consiste pelo contrário em colocar os efeitos de interacção 259 no centro dos dispositivos de pesquisa Uma primeira acepção próxima do método experimental faz da intervenção do pesquisador uma simples modalidade de investigação destinada a compreender os processos de transformação No limite oposto a acção é de facto a finalidade última e a análise não é mais que o desvio obrigatório da gestão de uma mudança Em França a investigaçãoacção desenvolveuse em campos como a sociologia do sistema educativo ou a das instituições A Touraine 1978 aplicou a intervenção sociológica ao estudo dos movimentos sociais Entretanto numa altura em que as ciências exactas debatem os seus próprios processos de validação a investigaçãoacção e a reflexão epistemológica que a acompanha mantêmse relativamente esquecidas ou consideradas pouco operatórias D SN 138 139 J Judiciárias sociologia das instituições Nas suas análises do processo de racionalização própria das sociedades ocidentais M Weber atribui já uma importância particular ao papel das instituições judiciais e ao das profissões envolvidas Weber 1922a Confrontadas com as aspirações sociais com as evoluções económicas políticas ou éticas as 260 instituições judiciais e os seus agentes têm de facto de tentar constantemente o compromisso a adequação entre a tomada em consideração destes movimentos de sociedade e o respeito da racionalidade jurídica a preservação de uma legalidade É este trabalho que convém a uma sociologia das instituições judiciais empreender evidenciando os factores em jogo Deve admitirse que esses factores não são unicamente os avançados no discurso jurídico por exemplo a tarefa de ajustamento entre o direito e os costumes confiada à jurisprudência mas encontramse sobretudo nas próprias características sociais das instituições Os problemas crescentes de regulação a que estão expostas as sociedades modernas Crozier 1980 manifestamse ao nível dessas instâncias particulares É por isso que a sociologia das organizações e a das profissões foram primeiramente solicitadas para contribuir para a modernização considerada necessária face ao aumento do contencioso ao atravancamento dos aparelhos do Estado Belley 1986 e às transformações das esperanças de justiça Mas o que é considerado como o pôr em causa da divisão e da hierarquização do trabalho jurídico como a importância crescente das regulações de tipo administrativo em relação às regulações de tipo judiciário como o desenvolvimento substitutivo ou complementar de modos informais de sistema de mediação na solução dos conflitos é muitas vezes associado por exemplo àquilo que seria o deslocamento de um poder jurídicodiscursivo para um poder de normalização Foucauld 1976 de um modelo de justiça legalistaliberal para um modelo de justiça normativa tecnocrática Ost 1983 Uma tal associação tenderia a provar que uma sociologia das instituições judiciais e dos 261 seus agentes não poderá excluir a questão no fundamento da sua especificidade a das transformações do estatuto e da função social do direito no seio da sociedade global J CE Justiça distributiva Denominamse princípios de justiça distributiva as regras ou critérios que definem a maneira como os recursos de um grupo devem ser repartidos entre os seus membros Os princípios mais frequentemente distinguidos são o mérito proporcionalidade entre as contribuições e as gratificações dos participantes a necessidade desligamento das contribuições e das gratificações e repartição em função da utilidade esperada e o estatuto repartição na base da identidade social dos membros com a igualdade como caso particular importante No entanto não há consenso sobre a tipologia destes princípios alguns juntamlhes o contrato em que a justiça é definida pelo simples acordo das vontades outros reduzem estes princípios a dois equidade e necessidade Kellerhals CoenenHuther Modak 1988 As investigações mostraram que 1 os juízos de justiçainjustiça exprimem com frequência um compromisso entre 140 várias regras mérito e necessidade nomeadamente mistura ela própria afectada pelo género de recursos em jogo a sua raridade a sua abstracção a sua importância social etc 2 tais compromissos reflectem a presença no actor de dois processos de avaliação da situação por comparação imediata com outrem e por nível de aspiração comparações 262 interiorizadas 3 o juízo de justiça comporta dois aspectos interdependentes e não um só assegurar a cada um a sua justa parte e permitir o bom funcionamento do grupo As pesquisas estabeleceram seguidamente que as normas de justiça variam consoante as relações no grupo e os papéis dos actores Por exemplo o princípio do mérito é tanto mais escolhido como legítimo quanto as relações são abstractas competitivas sectoriais temporárias e os decisores têm por tarefa velar pela produtividade do grupo mais que pela sua coesão Finalmente começou a mostrarse que a avaliação de uma situação como justa ou injusta depende não apenas dos termos da troca mas também da implicação do actor no processo de decisão T K Juventude A juventude é o período da vida que se estende da infância à idade adulta Esta definição corresponde menos a uma etapa do desenvolvimento físico e psicológico que a um estatuto social Com efeito aquilo a que se chama juventude varia consideravelmente de um tipo de sociedade para outro de um grupo para outro e só se tornou um facto social massivo desde há algumas décadas Ariès 1973 Mead 1970 Nas sociedades tradicionais a juventude designa um período breve e preciso da vida marcado por ritos de passagem e cerimónias de iniciação que dão aos que a elas se submetem estatutos claros e reconhecidos As transformações da sociedade mudaram sensivelmente a experiência juvenil O tempo de formação e de escolarização prolongouse e as obrigações adultas são diferidas para lá dos vinte anos e mesmo para depois no caso dos estudantes 263 embora a maioridade penal ocorra aos 16 anos e a civil aos 18 Como experiência longa e massiva a juventude é um produto da modernidade e dos valores de autonomia de desabrochamento de liberdade individual Contudo o tempo da juventude apresentase com frequência como um período ambíguo e anómico durante o qual o actor não é nem uma criança nem um adulto É também um período de provas durante o qual se adquire o estatuto de adulto através dos projectos de futuro das estratégias e por vezes das transgressões mais ou menos toleradas pelos adultos Constituise a partir dos anos 50 uma cultura dos jovens que lhes permite reconheceremse como grupo etário A moda e a música são o suporte dos gostos e dos estilos das sensibilidades próprias e por vezes dos laços de solidariedade Acontece também que esta cultura dos jovens vá para além da simples lógica de consumo e que traga uma crítica e uma reivindicação Na segunda metade dos anos 60 a juventude designadamente os estudantes construíram movimentos contestatários criticando os valores e os modos de vida dos adultos fazendo apelo aos valores contra as normas A juventude das classes populares menos orientada para a crítica cultural manifesta no entanto problemas e dificuldades específicos através da constituição de grupos e de bandos mais ou menos 141 nos delinquentes até que a ordem adulta acaba por integrála Como período de liberdade mas também de fragilidade dos estatutos e das identidades a juventude é sensível às crises e às mutações de uma sociedade aparece sempre associada 264 aos mecanismos da mudança Mas a juventude não é uma categoria social homogénea Há tantas juventudes quantos os grupos sociais F D 142 143 L Laicização vd Secularizaçãolaicização LAZARSFELD Paul Felix sociólogo americano Viena 1901Nova Iorque 1976 Paul Lazarsfeld faz conjuntamente estudos de direito de economia e de matemáticas Conseguiu convencer dois psicólogos Karl e Charlotte Bühler a criarem um centro para aplicar a psicologia a problemas económicos e sociais Publica Jugend und Beruf 1931 sobre as escolhas profissionais dos jovens operários e depois Les Chômeurs de Marienthal 1932 Em 1934 emigra para os Estados Unidos da América e transpõe para lá o seu projecto vienense Obtém em 1940 uma cátedra de Sociologia na Universidade Colúmbia Nova Iorque e a direcção do Bureau of Applied Social Research recentemente criado O modelo deste instituto prolifera nos Estados Unidos e depois na Europa seu lugar de origem A maior parte dos trabalhos de Lazarsfeld trata das opções políticas dos actores sociais The Peoples Choice 1944 265 Voting 1954 The Academic Mind 1958 ou das suas opções económicas Personal Influence 1958 Um dos seus resultados mais importantes foi mostrar que a omnipotência atribuída à propaganda e à publicidade é um mito fundado numa concepção simplista da acção humana Lazarsfeld contribuiu também de maneira decisiva para a crítica codificação e clarificação da linguagem utilizada nas pesquisas sociais Esta actividade parecialhe indispensável para o progresso do conhecimento The Language of Social Research 1955 Le Vocabulaire des sciences sociales 1965 Alargou também essa reflexão à história das ciências sociais Philosophie des sciences sociales 1961 Autor inicialmente marginal que depois se tornou um clássico permaneceu no entanto na sombra no sentido de que muitas das suas inovações são hoje largamente aceites mas a sua paternidade é quase esquecida BP L Merton Coleman Rossi 1979 Kendall 1982 LE BON Gustave médico e sociólogo francês Nogentle Rotrou 1841 Paris 1931 Personalidade do ToutParis intelectual Gustave Le Bon exercitouse não sem resultados nas disciplinas mais diversas arqueologia craniologia história das civilizações fotografia e equitação experimentais física da matéria etc Mas foi La Psychologie des foules 1895 que lhe proporcionou uma notoriedade internacional Inspirandose em G de Tarde e S Sighele põe a tónica nas pulsões inconscientes da multidão na sua espontaneidade imprevisibilidade e emotividade a multidão é mulher com que sabem lidar os condutores que a manipulam Le Bon procede por raciocínios sumários e 266 assimilações rápidas um Parlamento não é mais que uma multidão etc acompanhadas de algumas intuições originais É sem dúvida este esquematismo ao alcance do grande público que explica no limiar da cidade das multidões o êxito de uma obra sem valor científico mas lida e meditada por alguns monstros sagrados do séc XX JRT Moscovici 1981 Rouvier 1986 Legitimidade A legitimidade consiste no reconhecimento de que 144 goza uma ordem política Depende das crenças e das opiniões subjectivas Os princípios de legitimidade são em primeiro lugar justificações do poder isto é do direito de governar Pelo facto de o poder político não poder manterse sem um mínimo de adesão não poderão efectivamente existir ordens políticas legítimas por si mesmas há apenas ordens consideradas como tais Convém distinguir portanto a procura normativa dos princípios de legitimidade e o estudo sistemático do fenómeno social da legitimidade Durante muito tempo identificada com a legalidade a legitimidade teve de distinguirse dela a partir do momento em que a história provou que uma ordem podia ser legal mas injusta A contribuição de M Weber 1922a para a análise dos fundamentos da legalidade manteve todo o seu valor graças 267 ao seu carácter sistemático Parte integrante de uma sociologia da dominação a sua tipologia dos modos e fontes da legitimidade mostra até que ponto poder legitimidade e autoridade estão ligados entre si Weber distingue três fontes de dominação legítima A primeira legitimidade de carácter racionallegal tem como fundamento a crença na legalidade das regras estabelecidas e na legitimidade dos que asseguram essa dominação em conformidade com a lei A segunda legitimidade de carácter tradicional assenta na crença no carácter sagrado dos costumes e na legitimidade dos governos designados por estes últimos A terceira enfim a legitimidade de tipo carismático encontra a sua fonte na crença nas qualidades excepcionais de um indivíduo e na necessidade de submeterse à ordem que ele criou Põe em evidência assim as relações de influêncìa recíproca entre tipos de crenças formas de organização e sistema económico e mostra que a natureza das justificações do poder não pode ser estudada fora de toda a referência às estruturas sociais Se entretanto a legitimidade é uma condição primordial para a estabilidade dos sistemas políticos o seu carácter ao mesmo tempo subjectivo e relativo impõe a compreensão dos processos pelos quais ela se adquire se mantém ou desaparece por outras palavras a tomada em consideração dos problemas de legitimação O estudo da socialização política constituiu uma das vias indirectas de abordagem da legitimação na medida em que permite captar melhor os mecanismos que tornam o poder aceitável Com efeito a legitimação pode ser apreendida mais directamente sob o ângulo inverso da crise de legitimidade tanto é verdade que de um ponto de vista analítico e histórico o conceito de legitimidade aplicase antes de mais a situações em que a 268 legitimidade de uma ordem política pode ser contestada Assim uma parte significativa da obra de J Habermas 1973 é consagrada ao estudo das crises de legitimação em relação com transformações estruturais do Estado do capitalismo avançado a expansão da sua actividade aumenta na mesma proporção as necessidades de legitimação que não podem reduzirse apenas a um acordo sobre as regras referentes à devolução e ao exercício do poder mas se estendem ao conjunto do sistema político administrativo tornandose a própria eficácia critério de legitimidade Ampliado pelas limitações económicas que actualmente conhece o Estadoprovidência o obstáculo mais importante para o desempenho dos governos actuais reside na multiplicidade e no carácter 145 muitas vezes contraditório das exigências específicas que têm de satisfazer para manter a base da sua legitimidade A interrogação de Habermas vai no entanto mais longe na medida em que desagua na questão delicada das pretensões à validade das normas de justificação do poder que o afasta dos caminhos habituais da sociologia P D Berger Luckmann 1966 Easton 1965 LE PLAY Frédéric engenheiro e economista francês La RivièreSaintSauveur Calvados 1806 Paris 1882 É como professor na Escola de Minas que Le Play saído da Politécnica preenche a primeira parte da sua carreira o que lhe permite viajar em toda a Europa e nela observar os vários 269 modos de vida dos trabalhadores A partir daí publicou Les Ouvriers européens 1855 que chamou a atenção de Napoleão III e lhe valeu uma segunda carreira de alto funcionário do império e de conselheiro do príncipe Os seus discípulos reunidos no seio da Sociedade dos Estudos Práticos de Economia Social 1856 aplicaram a seu pedido uma grelha uniforme de análise dos orçamentos e dos modos de vida cujos primeiros resultados lhe forneceram a matéria da segunda edição do livro 6 vols 18771879 Mas Le Play não se limita a simples verificações fundamentadas aos males da era industrial propõe Le Play 1864 remédios inspirados no Decálogo restauração na empresa e no Estado de um princípio de autoridade da qual a família tronco de Béarn oferece o modelo paternalista chamada das elites ao sentido das suas responsabilidades rejeição do individualismo igualitarista saído do Código Civil em resumo uma doutrina tão afastada do socialismo como do liberalismo manchesteriano e em que se inspirou seguidamente o catolicismo social JR T Le Play 1856 1864 LÉVYBRUHL Lucien sociólogo e etnólogo francês Paris 1857 id 1939 Professor de Filosofia na Sorbona autor de La Morale et la science des moeurs 1903 fundador do Instituto de Etnologia LévyBruhl é conhecido sobretudo pelos seus livros de sociologia consagrados à mentalidade primitiva nomeadamente La Mentalité primitive 1922 Designava assim um tipo de pensamento que na sua opinião era radicalmente diferente do das nossas sociedades modernas nomeadamente pela sua indiferença à 270 lógica e que se observa nas sociedades ditas primitivas estudadas pelos etnógrafos Esta mentalidade que ele denominava também prélógica caracterizase principalmente pelo facto de não assentar nos nossos princípios racionais da identidade e da não contradição mas no da participação que leva os primitivos a crer que um ser ou um objecto pode ser ao mesmo tempo ele próprio e outra coisa e que há laços invisíveis entre seres diferentes É assim que na Austrália um homem que pertence ao clã do canguru não hesita em dizer eu sou um canguru O que produz esta mentalidade tão diferente da nossa é o facto de as representações colectivas nesses povos serem místicas porque supõem a crença em forças em influências em acções imperceptíveis aos sentidos e no entanto reais O primitivo não tem uma lógica fora da nossa mas também não se deixa guiar unicamente por ela Nesse sentido tem uma mentalidade prélógica É por isso que esta descura com 146 frequência as verdadeiras causas dos fenómenos para supor outras que são místicas LévyBruhl nas suas últimas obras atribui os caracteres particulares da experiência mística ao facto de entre os primitivos a afectividade os sentimentos levarem a melhor sobre as funções intelectuais J C Cazeneuve 1963 LévyBruhl 1910 1931 Liberalismo Doutrina política e social moderna fundada na ideia dos direitos individuais e em primeiro lugar da igual 271 liberdade de todos os homens O liberalismo ganhou forma nos sécs XVII e XVIII com J Locke Montesquieu A Smith que prosseguiram modificandoo o trabalho dos pioneiros do pensamento moderno Maquiavel e Hobbes em particular As suas principais componentes são as seguintes 1 o liberalismo participa no movimento de secularização da política O pensamento liberal reivindica a independência da política em relação à religião A questão religiosa tornase um assunto privado e consequentemente o espiritual perde o seu primado O político é revalorizado e pensado não já a partir de uma ordem natural criada por Deus mas a partir do próprio homem 2 o liberalismo abaixa os fins da política Esta deixa de ter por objecto a excelência humana para assumir a preservação dos direitos de cada um Para assegurar ao mesmo tempu a paz civil e a liberdade individual é preciso tomar os homens tais como eles são renunciar à ideia clássica e cristã segundo a qual o homem está por natureza ordenado para a virtude e organizar a sociedade a partir da livre prossecução por cada um dos seus interesses Herdeiro do direito natural moderno o liberalismo insiste não já nos deveres do homem mas nos seus direitos pertence a cada um definir o seu interesse 3 estes direitos individuais fixam limites ao poder do Estado O poder político é o inimigo natural dos direitos do homem em particular da liberdade importando por isso limitálo Tal é o objecto da teoria constitucional liberal que defende a separação ou a divisão dos poderes a fim de que pela disposição das coisas o poder trave o poder Montesquieu e a supremacia do direito a fim de eliminar 272 o arbitrário e de substituir a sujeição a senhores pela obediência à lei 4 a limitação do poder supõe igualmente restringir a sua extensão O liberalismo despolitiza áreas inteiras da actividade humana a religião a moral numa medida variável e também a economia A economia de mercado teorizada por Smith permite pondo ao mesmo tempo de lado a virtude e a coacção obter uma cooperação pacífica entre os homens que além do mais assegura a prosperidade Este liberalismo económico é sem dúvida distinto do liberalismo político mas pertence fundamentalmente ao mesmo movimento de pensamento e à mesma visão de conjunto da ordem social PH BN Manent 1986 1987 Manin 1984 Rosanvallon 1979 Luta de classes A luta de classes não se resume à afirmação de que há classes sociais nas sociedades industriais e de que os seus interesses particulares as levam a oporse e a entrar em conflitos umas contra as outras Isso seria uma verificação pouco perturbadora para o pensamento A noção de luta de classe não pode ser compreendida fora do 147 espaço ideológico e político em que se inscreve Ao afirmar que a história de toda a sociedade é a história da luta das classes ao definir a verdade do capitalismo pela guerra que opõe burguesia e proletários ao predizer o fim dessa guerra e ao anunciar a sociedade sem classes Marx não nos coloca 273 no registo da análise sociológica Em tudo isso enlaçamse duas ilusões primeiro a ilusão de que se pode reduzir a divisão que atravessa toda a sociedade numa divisão inscrita na organização económica e social da produção em seguida a ilusão de que essa divisão tornada luta de classes desaparecerá quando nascer a sociedade dos iguais de uma igualdade das condições que nada deixaria da existência de cada um fora da sua jurisdição e o homem estiver reconciliado com o homem Há classes e grupos que o interesse económico faz entrar em oposição há por outro lado uma lógica própria do espaço democrático que politiza a miséria e faz do desnível entre rico e pobre o índice insuportável da injustiça social Do encontro destes dois factos um facto socioeconómico um facto que depende da consciência colectivae da sua teorização nasce a ideologia da luta de classes A A 148 149 M Macrossociologiamicrossociologia P Lazarsfeld 1970 dedicouse a precisar a diferença de níveis de análise de objectos estudados e de métodos empregados pela macrossociologia e pela microssociologia Nestes dois planos pôs em evidência variações históricas A pesquisa 274 pela via de inquéritos foi primeiramente comandada por necessidades sociais efectuouse por meio de instrumentos rudimentares O aperfeiçoamento dos métodos de investigação ocorrido nos Estados Unidos da América entre as duas guerras desembocou numa codificação cuja importância para a sociologia geral Lazarsfeld sublinhou São processos locais problemas específicos unidades sociais de pequena dimensão que são examinados nesses inquéritos Com a ajuda de indicadores correctamente escolhidos propõemse estudar uma questão delimitada Observações repetidas permitem estabelecer variáveis que explicam fenómenos particulares De uma maneira geral censurouse aos inquéritos no entanto o facto de se inscreverem num contexto limitado Lamentouse a ausência de teorias gerais Os problemas colocados a seguir à Segunda Guerra Mundial pelos países subdesenvolvidos levaram entre outros a reflexão a um nível mais alargado Esta nova orientação não significou um retorno às especulações sociológicas do séc XIX Se estas últimas manifestam bem um alargamento da pesquisa e uma mudança de escala contribuições tão diversas como Le Chrysanthème et le Sabre 1946 The Civic Culture 1963 ou DixHuit Leçons sur la société industrielle 1962a mostram também que os seus autores R Benedict G Almond e S Verba R Aron se empenharam em tratar os temas macrossociológicos por meio de dados concretos Resta no entanto como Lazarsfeld observou que a macrossociologia não atingiu o estádio de codificação A este nível a lógica da medida permanece vaga Parece de facto que não há ainda relação bem precisa entre as 275 variáveis individuais e os esquemas explicativos nos quais elas se inscrevem Estes esquemas fazem intervir apenas um pequeno número de variáveis Os que assentam na distinção de estádios sucessivos como as etapas do crescimento económico referemse a conceitos fundamentais cuja aplicação regional se revela falível Enfim a generalização ao plano macrossociológico por exemplo o Estado de resultados obtidos a um nível restrito o grupo põe delicados problemas de agregação B V Magia Operação que visa agir contrariamente às leis da natureza por meios ocultos que supõem a presença de forças extraordinárias e imanentes no mundo Consoante a finalidade da operação pode distinguirse uma magia branca de efeito benéfico como uma cura ou o êxito de uma empresa e uma magia negra que faz intervir espíritos malignos para empresas maléficas A distinção entre poderes externos e internos em relação ao operador controlados e incontrolados simbólicos ou psíquicos permite conceber a magia como o desencadear de poderes externos manipulados através dos símbolos objectos fórmulas gestos em ordem a 150 modificar o curso dos acontecimentos numa finalidade que aproveita ao agente mas eventualmente prejudica outrem ao passo que a bruxaria põe em jogo de maneira muitas vezes incontrolada poderes vampirismo dupla visão mau olhado internos ao psiquismo do agente que pode ignorar a 276 sua actuação M Mauss 1950 confunde magia e bruxaria é verdade que os limites se mantêm imprecisos Força também a oposição entre fenómenos religiosos e fenómenos mágicos Esquematicamente a religião tende para a metafísica ao passo que a magia é essencialmente prática A primeira tem como rito característico o sacrifício a segunda o malefício A primeira supõe o intermediário de poderes sobrenaturais cuja utilização é aceite a segunda aparece como constrangedora e produz efeitos automáticos sendo considerada mais ou menos ilícita A primeira é essencialmente colectiva e social a segunda individual nos seus ritos e eventualmente anti social embora assentando em crenças colectivas A estas oposições tendenciais correspondem na realidade muitas imbricações entre magia e religião Se ciências astronomia dos magos medos e persas e técnicas metalurgia dos alquimistas puderam nascer num contexto de crença na magia não poderá inferirse daí que a ciência deriva da religião ou da magia Esta funciona segundo J Frazer 19111915 a partir das leis de similitude e de contágio Para C LéviStrauss 1958 a magia estruturase à volta de uma tripla crença um suporte ideológico comunitário a fé do paciente na eficácia do rito e a do mágico nas suas técnicas C R Roheim 1955 Malthusianismo O demógrafo britânico T R Malthus 17561834 não se teria sentido nem malthusiano nem neomalthusiano Porquê A sua tese fundamental o seu princípio de população enunciado em 1798 era que a 277 população não sendo travada tende a aumentar mais depressa que os recursos disponíveis Consequentemente para evitar que guerras fomes epidemias venham restabelecer o equilíbrio convém na sua opinião manter se casto antes do casamento e só se casar quando se está em condições de prover às necessidades de uma família Mas Malthus não era a priori hostil ao crescimento demográfico Não era portanto malthusiano no sentido muitas vezes pejorativo que se dá à expressão quando ela é aplicada aos indivíduos que ávidos de ascensão social desejam não se encher de filhos ou mais geralmente a toda a pessoa que aspira a uma existência protegida programada o mais possível desprovida de riscos e de responsabilidades Malthus também não se teria declarado neomalthusiano Este qualificativo forjado em fins dos anos 1870 caracteriza os indivíduos que crêem que a castidade é um meio inumano de limitar a população e que há que preferirlhe a contracepção ou seja o aborto Parece de facto que uma larga proporção dos cidadãos dos países ditos desenvolvidos é malthusiana e neomalthusiana A B Dupâquier 1988 FauveChamoux 1984 Landry 1934 Malthus 1978 MANNHEIM Karl sociólogo de origem húngara Budapeste 1893 Londres 1947 O nome de Mannheim permanece ligado à sociologia 151 do conhecimento isto é ao projecto de estudar o 278 enraizamento social de toda a forma de conhecimento Mannheim na via do historicismo e de M Weber adianta que uma teoria só pode ser compreendida em função da sua época donde um relativismo parcial certamente ligado à teoria hegeliana da história Segundo Mannheim cada época tem uma maneira própria de aceder à verdade Para compreender uma época é preciso portanto interrogála segundo a verdade que lhe é própria Assim acusar Mannheim de relativismo absoluto posição que destrói toda a possibilidade de conhecimento incluindo a sociologia como ciência não teria fundamento Mannheim pretendia manter o meio justo entre a evidência do condicionamento social de toda a teoria nesse aspecto relativa e a ideia da verdade de uma época acessível para uma teoria que lhe é apropriada o marxismo para a nossa Mannheim não é pois nem marxista ortodoxo o marxismo não é científico nem historista a verdade existe toda a teoria fundamentada tem a sua parte de verdade Donde o título da sua obra Idéologie et utopie 1929 o discurso que defende o passado ideologia e o que anuncia o futuro utopia não são nem totalmente falsos nem totalmente verdadeiros L DG Marginalidade vd Retrait MARX Karl filósofo economista e teórico do socialismo alemão Tréveris 1818 Londres 1883 A obra de Karl Marx marcou profundamente a nossa época Ela transcende ao mesmo tempo as diferentes variedade de marxismo e as fronteiras disciplinares dentro das quais se pretendeu encerrála a economia ou a filosofia por exemplo Pôde ver 279 se justamente em Marx um dos precursores da sociologia porque ele se interrogou muito sobre a natureza do laço social nas sociedades contemporâneas assim como sobre as relações entre os indivíduos e as suas relações sociais Certas formulações de Marx podem deixar pensar que ele é tentado a explicar os movimentos da sociedade por determinismos económicos e tecnológicos Mas ele resiste na maioria das vezes a essa tentação e procura explicar a marcha da sociedade pelas configurações particulares que em determinado momento as actividades e as trocas sociais assumem Para ele a sociedade capitalista da era moderna é essencialmente modelada pelas formas assumidas pelo trabalho as actividades dos indivíduos tornamse actividades intercambiáveis enquanto participantes de um trabalho geral abstracto maleável até ao infinito isto é mensurável e divisível sejam quais forem as circunstâncias O próprio capital não é mais que trabalho abstracto cristalizado ou acumulado cuja posse decide acerca do emprego do trabalho e da sua repartição entre os diferentes tipos de actividade No espírito de Marx a sociedade capitalista é por excelência uma sociedade da abstracção onde os indivíduos comunicam e pautam as suas trocas passando por automatismos sociais que escapam ao seu controlo Nos seus escritos de maturidade Marx esforçouse por patentear aquilo a que chama a lei do movimento desta sociedade de abstracção mas sem verdadeiramente conseguilo Devemselhe relances brilhantes sobre os conflitos sociais e os desequilíbrios permanentes da sociedade contemporânea assim como sobre a ubiquidade e a irresponsabilidade da mudança social Ao mesmo tempo verificase que 280 152 muitas das análises e das teorizações são incompletas ou levantam mais problemas que os que resolvem É assim que não há em Marx concepção satisfatória da acção colectiva e mais particularmente da acção política nem tão pouco concepção satisfatória da relação entre os indivíduos e as classes sociais ou ainda da relação entre os indivíduos e as instituições Não devem pois procurarse em Marx soluções para todos os males de que sofrem as sociedades actuais nem a fortiori pedirlhe que resolva o enigma da sociedade e da história Marx escreveu nomeadamente O Manifesto do Partido Comunista 1848 em colaboração com F Engels Fundamentos da Crítica da Economia Política 1857 O Capital livro I 1857 os livros II III e IV foram publicados após a morte de Marx em 1885 1894 e 1905 JM V Rubel 1957 Massa sociedade e cultura de Diferentemente das expressões sociedade industrial e sociedade democrática a de sociedade de massa apresenta um conteúdo relativamente impreciso Esta imprecisão devese ao termo que serve aqui para especificar a sociedade moderna Gerada por um triplo movimento de industrialização de urbanização de assalariamento e promovida politicamente pela instauração do sufrágio universal a massa representa também um conjunto social homogéneo frequentemente tomado de modo pejorativo pelo indivíduo que dele se exclui A massa 281 é sobretudo um referencial fundamental com o qual são actualmente relacionados todos os fenómenos de comunicação e de consumo Os primeiros diagnósticos avançados colocaram a tónica na atomização do corpo social reduzido a não ser mais que um agregado de indivíduos desunidos Todos atribuem a este tipo de sociedade os mesmos traços característicos dissolução dos grupos primários desintegração das comunidades locais dominação de aparelhos burocráticos e uniformização das condições Com o deslocamento das funções de socialização para fora da família a perda das solidariedades colectivas incluindo de classe e o desenvolvimento de relações impessoais constituirseia assim uma vasta sociedade anónima exposta a todas as manipulações e em primeiro lugar como o mostrou H Arendt 1951 às iniciativas de um chefe carismático Levados até aos seus extremos limites pelos regimes totalitários tais processos não são no entanto sofridos passivamente em toda a parte Os inquéritos conduzidos a partir do postulado de uma sociedade inteiramente automatizada Lazarsfeld 1944 fizeram precisamente aparecer a manutenção de grupos primários a persistência de relações pessoais a permanência de sociedades intermédias no seio da sociedade de massa Novas solidariedades nela se desenham e formas originais de integração nela se desenvolvem Esta cultura de massa difundida pelos media imprensa rádio cinema televisão foi objecto de juízos contraditórios Entre as duas guerras denunciouse a sua influência e os seus efeitos em termos de alienação e de desvalorização Também neste caso estudos como os de H Lasswell e de P 282 Lazarsfeld permitiram corrigir os estereótipos referentes à influência exercida por estes vectores culturais Encarados segundo o circuito económico ou segundo o esquema cibernético 153 Moles 1967 a cultura de massa apresentase como radicalmente distinta da cultura académica clássica que é logicamente adquirida e racionalmente ordenada Pelo contrário a cultura de massa é constituída ao acaso de leituras e de emissões justapõe elementos de informação entre os quais predominam os que são de ordem psicoafectiva Estandardizada a meio caminho do demasiado conforme que cansa e da originalidade excessiva que desconcerta dirigese a um público não dividido nem pelas actividades profissionais nem pelas dependências sociais B V MAUSS Marcel sociólogo e antropólogo francês Épinal 1872Paris 1950 Sobrinho de É Durkheim professor no Colégio de França Mauss exerceu uma grande influência pelo seu ensino e por numerosas actividades mas não publicou nenhum livro acabado Tinha o génio de fazer aproximações entre fenómenos colectivos observados em contextos variados e encontrou explicações que abriam por vezes o caminho ao estruturalismo Por exemplo a noção de mana que designa uma força sobrenatural indefinida pareceulhe ser a expressão de uma força de pensamento universal que se encontraria em francês sob os termos de truc machin A sua obra mais importante é Essai sur le don 283 1925 Nela mostrava como a troca não mercantil que se pratica em numerosas tribos arcaicas é um princípio fundamental da vida em sociedade Entre alguns índios da América do Norte a cerìmónia do potlatch põe os chefes de clãs em confronto e em desafio fazendo ofertas que reclamam em contrapartida outras ofertas e que redundam na perda de prestígio para aquele que não está em condições de corresponder a tal investida de prodigalidade Ao mesmo tempo o potlatch serve para estabelecer alianças matrimoniais num ciclo de prestações recíprocas Assim a troca tem um fundamento que ultrapassa o simples estádio do comércio Num outro estudo centrado numa única sociedade a dos esquimós do Grande Norte Mauss analisou as mudanças de ritmo as alternâncias Esta população vive durante o Verão em ordem dispersa ao passo que no Inverno a comunidade reagrupase e leva uma existência colectiva intensa com ritos mágicoreligiosos que são abandonados na estação estival Um outro artigo célebre de Mauss é o que ele consagra às técnicas do corpo mostrando como as maneiras de caminhar de se sentar de nadar variam conforme os tipos de sociedade Mauss apontou assim aos pesquisadores fecundos temas de investigação J C Cazeneuve 1968 Mauss 1950 1969 MAYO Elton sociólogo americano Adelaide 1880 Polesden Lacey by Dorking Surrey 1949 Mayo encontra definitivamente o seu caminho em psiquiatria em fins da Primeira Guerra Mundial nessa altura ele trata soldados em estado de choque Em 1919 é nomeado para a cátedra de Filosofia recentemente criada na Universidade de 284 Queensland Em 1922 fundos americanos permitemlhe vir aos Estados Unidos e financiar a sua primeira investigação sobre as relações humanas na indústria Em 1926 data decisiva da sua carreira juntase em Harvard à equipa da Graduate School of Business Administration então sob a influência de L Henderson especialista de 154 química biológica e adepto de V Pareto Em Abril de 1928 Mayo juntase à equipa da Harvard School que conduz desde Novembro de 1924 as célebres experiências Hawthorne sobre a produtividade das operárias Desempenha um papel importante na reorientação das experiências e na interpretação dos seus resultados Durante este período associa W Lloyd Warner às experiências Hawthorne análise da estrutura dos grupos informais e participa no lançamento por Warner das pesquisas denominadas Yankee City Studies 19411959 Fundador do movimento das relações humanas em psicologia e sociologia industriais Mayo teve de enfrentar os primeiros ataques contra este movimento Censurouse à sua filosofia social o facto de privilegiar a harmonia pela subordinação às elites e de minimizar o papel dos conflitos sociais e o dos sindicatos A sua resposta consiste em lembrar que o carácter destrutivo dos conflitos sociais justifica a procura de melhores caminhos para tratar os problemas humanos Quanto aos sindicatos não se lhes opunha mas eralhes indiferente eles não eram praticamente activos em Hawthorne Pouco dotado para a síntese ou para a sistematização 285 Mayo era acima de tudo um explorador e um divulgador de ideias e de pistas novas Neste sentido a sua carreira terá sido um pleno sucesso BP L Mayo 1933 1945 1947 Roethlisberger Dickson 1939 Urwick1960 MEAD George Herbert filósofo e sociólogo americano Hadley Massachusetts 1863 Chicago 1931 Depois de ter recebido em Harvard o ensino de W James e de ter efectuado viagens à Europa Mead ocupou de 1893 até à sua morte uma cátedra de Filosofia na Universidade de Chicago Aí dispensou um ensino em que se encontravam estreitamente combinadas as orientações conceptuais do evolucionismo do utilitarismo e do behaviorismo com os contributos de W Wundt C Pierce e sobretudo C H Cooley Os seus cursos principais foram publicados após a sua morte sob o título The Philosophy of Present 1932 e os seus artigos reunidos em 1934 em Mind Self and Society As duas últimas publicações póstumas Movements of Thought in the Nineteenth Century 1936 e depois The Philosophy of the Act 1938 não trazem complementos essenciais à análise da comunicação interindividual isto é à psicologia social moderna para cuja fundação este pragmatista intimamente ligado a J Dewey terá contribuído Com Mead é de facto ao processo da comunicação que o comportamento do indivíduo é referido Neste último a consciência de si nasce de trocas entre pessoas de relações de reciprocidade da inacção O domínio que ele possui do processo de interacção depende da sua aptidão para assumir 286 o papel de outrem e de situarse em relação a ele esse domínio supõe a partir da tomada em consideração e através da efectuação de gestos significativos o reconhecimento do símbolo como mediação exprimese no ajustamento simbólico que é adaptação e pautação das atitudes mas em primeiro lugar percepção e representação das unidades sociais em termos de expectativas de antecipações de estratégias Nos conjuntos sociais fortemente estruturados este domínio da comunicação interindividual pode tornarse quase total B V Medicinasociologia da Os trabalhos sociológicos referentes à 155 medicina só tiveram início em França em fins dos anos 60 Na sua origem encontrase sem dúvida a própria evolução médica Por esta altura a importância da aposta que o hospital público constituía a explosão das técnicas médicas a tomada de consciência dos custos crescentes da saúde atraíram a atenção dos investigadores em ciências sociais Mas o desenvolvimento de uma sociologia que tome a medicina e a doença como objectos é igualmente solidária de uma evolução das concepções da doença e da saúde Testemunha a renovação do interesse pelos factores ambientais e pelas condições sociais e exprime o reconhecimento do facto de que a saúde e a doença representam sempre a articulação de realidades físicas com definições e condutas sociais 287 Este campo de pesquisa inclui os estudos da etiologia social das doenças do funcionamento hospitalar da formação dos médicos dos diversos tipos de organização do exercício da medicina do acesso aos cuidados médicos a análise das representações e dos estatutos sociais associados às doenças O estudo das políticas sanitárias também nele se inscreve elas não podem portanto ser encerradas numa problemática unificada Num primeiro tempo o sociólogo aplicou muitas vezes à medicina problemáticas e conceitos sociológicos clássicos Assim a atenção dedicada aos médicos e às diferentes formas do seu exercício nasceu do interesse pela análise das profissões Nesta perspectiva T Parsons 1955 analisou os papéis do médico e do doente na sociedade moderna ocidental De igual modo o hospital atraiu a atenção dos sociólogos porque representava um protótipo de organização complexa em que interagiam grupos e lógicas múltiplas Por fim a noção da classe social foi utilizada com sucesso para a análise das informações e atitudes face à saúde e para a do acesso aos cuidados médicos ou das relações médicosdoentes Em compensação a medicina constitui hoje um caso privilegiado que abre a reflexão sociológica a problemas que ultrapassam o contexto sanitário Permite abordar de frente duas das características essenciais das sociedades modernas em primeiro lugar o papel que nelas desempenham a perícia e a sua autoridade específica inseparável da noção de profissão Freidson 1970 A profissão médica permite pensar a ordem médica mas também a ordem judiciária ou universitária É também no domínio médico que o sociólogo pode estudar melhor as articulações do científico e do social Assim a análise feita por A Chauvenet 1978 da 288 especialização hospitalar mostra como a uma divisão científica e técnica do trabalho médico corresponde uma hierarquia social dos doentes segundo diferentes linhas de cuidados Permite estudar como uma ciência aplicada por profissionais numa prática quotidiana modela a nossa vida e intervém na sociedade é através do saber e da prática médica que se estruturam as modalidades segundo as quais cada indivíduo experimenta a doença e o seu tratamento A realidade biológica é assim socialmente construída Reciprocamente a medicina deve ser ela própria encarada na sua relação com o conjunto dos saberes das práticas das instituições das visões do mundo das sociedades que a englobam e a modelam Herzlich Pierret 1984 C H Mentalidade O termo mentalidade tanto no seu uso corrente 156 como no seu uso científico só emerge no início do séc xx e recobre noções bastante diversas e de contornos pouco precisos não sendo de facto definido nem por aqueles que mais o utilizam Uma definição muito geral poderia ser conjunto das predisposições atitudes hábitos orientações intelectuais e morais cognitivas e afectivas que são comuns aos membros de uma colectividade Essa colectividade pode ser quer uma dada sociedade um grupo social particular quer uma categoria de indivíduos a mentalidade infantil a mentalidade dos novosricos Ao mesmo título que a atitude no indivíduo a mentalidade é algo de latente um conjunto 289 de disposições que se exprimem em opiniões construções intelectuais crenças representações específicas A palavra foi utilizada em duas tradições intelectuais diferentes que conduzem a dois conceitos quase opostos L LévyBruhl populariza o termo pelos seus trabalhos sobre a mentalidade primitiva 1910 1922 Mentalidade significa aqui funções mentais mecanismo mental sendo praticamente equivalente a pensamento como de resto mentality em inglês O conceito é limitado ao seu aspecto cognitivo mas o seu campo de aplicação é alargado primeiro ao conjunto das sociedades arcaicas e depois ao conjunto do género humano pois que a mentalidade primitiva seria uma estrutura permanente do espírito humano LévyBruhl 1949 O conceito é bastante próximo em J Piaget 1926 quando ele fala de mentalidade infantil no sentido de estruturas mentais ou modalidades do pensamento ou ainda em expressões tais como mentalidade paranóide ou mentalidade mórbida A partir dos anos 60 a palavra mentalidade é essencialmente utilizada na expressão história das mentalidades designando em França um sector da investigação histórica que visa reconstituir a concepção do mundo e a sensibilidade colectiva próprias de uma dada cultura num determinado momento Aqui a compreensão do conceito é vasta designa não apenas as estruturas cognitivas mas também os hábitos psicológicos e morais as crenças profundas a visão do mundo assim como o domínio afectivo Temos de um lado portanto um conceito global mas destinado a captar o particular e a mudança do outro um conceito muito mais limitado na sua compreensão mas 290 destinado a captar o universal e o permanente PH BD Meritocracia Este termo designa geralmente uma hierarquia dos postos e dos lugares que resulta da aplicação do princípio a cada um segundo os seus dons e os seus méritos De uso pouco frequente comporta equívocos em particular porque o seu sentido é mais amplo que o que ele evoca Se sugere uma repartição dos postos em função dos esforços do trabalho da boa vontade de cada um acaba por designar de facto um estado social em que a hierarquia das posições se decalca sobre a das qualidades individuais dons e méritos misturados ou mais simplesmente um estado social em que reina a igualdade das oportunidades A meritocracia é inigualitária mas essa inigualdade é o resultado de uma competição igual resultados desiguais mas oportunidades iguais à partida Por outras palavras nem o nascimento nem as relações nem a oportunidade condicionam o êxito social 157 jogam apenas os dons e méritos tais como são reconhecidos e mensurados De que modo operar essa selecção social Segundo a versão mais corrente da meritocracia são a escola e a universidade que asseguram essa função a hierarquia social confundese então com a dos diplomas Uma meritocracia perfeita é uma utopia mas as sociedades são mais ou menos meritocráticas PH BN 291 Messianismo e milenarismo Messianismo e milenarismo são fenómenos de expectativa religiosa que produzem efeitos semelhantes Falando com rigor o messianismo referese à crença num rei a vir enviado por Deus ou pelos deuses o seu governo destinado a durar eternamente e a revestir uma dimensão universal trará glória justiça abundância ao povo em questão O milenarismo representa uma das formas assumidas pela expectativa escatológica cristã Para os pré milenaristas Cristo voltará à Terra no fim dos tempos para nela reinar mil anos Apocalipse XX antes do Juízo Final Para os pósmilenaristas a vinda de Cristo para o Juízo e a eternidade coroará um tempo de cristianização das instituições Messianismo e milenarismo têm em comum o facto de transformarem situações de sofrimento em dinâmicas de esperança Podem envolver populações ou partes de populações classes sociais ou outros grupos de natureza e dimensões variadas Historiadores antropólogos e sociólogos vêem neles respostas a situações de dominação políticas económicas culturais vividas como intoleráveis Pode falarse então de ideologias e de movimentos de deserdados que geram com frequência Idade Média ocidental e Terceiro Mundo actual revoltas sociais e religiosas Os milenarismos ocidentais contemporâneos em geral no campo protestante são mais uma coisa de herdeiros que de deserdados darbistas adventistas testemunhas de Jeová etc Entre eles a frustração dá muitas vezes origem a atitudes passivas 292 A explicação dos fenómenos messiânicos e milenaristas deve ter em conta a sua extrema variedade Os investigadores estudaramnas geralmente na sua proximidade do domínio político Designamse assim como prépoliticos os que dão origem a movimentos de revolta e depois desaparecem ou subsistem como formações religiosas conservadoras Worsley 1957 Falase de pós politismo quando messianismo ou milenarismo exprimem uma decepção nascida do fracasso dos movimentos sociopolíticos Thompson 1963 Alguns autores pensam que uns acompanham mais do que precedem ou vêm depois dos outros Cohn 1957 Hobsbawn 1959 A explicação política eou económica exclusiva das ideologias e movimentos messiânicos e milenaristas é sem dúvida nenhuma redutora não permite captar o sentido vivido da experiência religiosa que motiva os actores sociais J S Balandier 1955 Desroche1973 Laplantine 1974 MICHELS Robert sociólogo italiano de origem alemã Colónia 1876 Roma 1936 De pai alemão e de mãe italiana Michels fez os seus estudos na Alemanha na Grã Bretanha e em França Inicialmente socialdemocrata militante abandona o partido em 1907 Michels descreveu a sua evolução num ensaio autobiográfico Eine Syndikalistisch gerichtete Unterströnung im deutschen Sozialismus 1932 Escrevendo em alemão e em italiano 158 dedicou em 1911 uma obra aos partidos políticos A tradução 293 francesa 1914 publicada sob o título Les Partis politiques comporta um subtítulo significativo Essai sur les tendances oligarchiques des démocraties A partir de exemplos tirados das organizações alemãs holandesas britânicas ou italianas Michels mostra como a direcção das grandes máquinas políticas ou sindicais é progressivamente dominada por uma classe de dirigentes profissionais que afirma falar em nome dos militantes Para explicar o fenómeno faz apelo a duas espécies de causas em primeiro lugar as necessidades da acção colectiva impõem chefes às organizações em segundo lugar a psicologia das massas a sua ligação às pessoas que falam em seu nome constituem a base psicológica do poder dos chefes Michels pôs em evidência a contradição entre os valores democráticos que a seu ver legitimavam a acção colectiva e as necessidades internas das organizações de massa Mostrou que nos partidos e nos sindicatos a democracia interna era severamente limitada por aquilo que ele denominou a lei de bronze da oligarquia JC L Migração A migração designa o deslocamento de populações de uma região para outra particularmente das regiões rurais para as zonas urbanizadas mas também de uma sociedade para outra Em ambos os casos não são os mais miseráveis que se deslocam mas os que são mais susceptíveis de tomar consciência do desnível entre as suas aspirações e a possibilidade de concretizálas no local onde se encontram O primeiro efeito da migração é o de obrigar os migrantes a elaborar uma série de novas funções É mais marcado no 294 caso das migrações internacionais Borrie 1956 Para descrever as consequências destas migrações vários sistemas conceptuais foram utilizados Mas em todos os casos importa distinguir entre o que alguns chamam a assimilação cultural qualificada por outros de aculturação que designa a adopção pelos migrantes dos modelos culturais da sociedade de instalação e a assimilação estrutural muitas vezes qualificada de integração que designa a participação nos vários grupos primários M Gordon 1964 pôde assim verificar que nos Estados Unidos da América os migrantes conhecem uma assimilação cultural rápida mas uma fraca aculturação estrutural Populações que adoptaram os valores e as condutas conformes com os modelos nacionais nem por isso participam igualmente na vida social fora do seu grupo de origem Em contrapartida uma vez realizada a assimilação estrutural ela traz consigo o fim dos casamentos endogâmicos e de todas as formas de especificidade O processo de assimilação ganha formas diferentes nos países de imigração como os Estados Unidos ou Israel formados pelas migrações e nos Estadosnações de tipo europeu Schnapper 1974 No primeiro caso formamse grupos étnicos que mantêm durante mais tempo os modelos culturais de origem e constituem um meio que favorece uma aculturação mais lenta e progressiva No segundo caso os migrantes obrigados a adaptarse mais rapidamente às normas impostas pela sociedade de instalação são menos susceptíveis de formar grupos sociais específicos Pôde também verificarse nos Estados Unidos um fenómeno de retorno às identidades nacionais segundo a 295 159 teoria dita das três gerações Herberg 1955 Os filhos dos migrantes nascidos nos Estados Unidos a segunda geração ainda mal seguros da sua identidade nacional esforçamse por se integrar plenamente na sociedade americana rejeitando a identidade irlandesa ou italiana do seu pai em contrapartida os netos a terceira geração que já não têm quaisquer dúvidas sobre a sua pertença social recuperam a identidade nacional de origem graças à qual obtêm um estatuto e um lugar dentro da sociedade americana A teoria das três gerações explica a situação dos Estados Unidos da América onde se combinam identidades históricas particulares italiana grega polaca judaica etc com uma participação cultural e política nacional mas traduz mal os processos de aculturação no interior dos Estados Unidos D S Milenarismo vd Messianismo e milenarismo Minoria O termo minoria designa um grupo de pessoas que diferem pela raça pela religião pela língua ou pela nacionalidade do grupo mais numeroso no meio do qual vive Duas precisões devem ser feitas Em primeiro lugar um grupo só constitui uma minoria se tomar consciência de si próprio enquanto grupo diferente dos outros e na maioria das vezes socialmente inferiorizado sobretudo se é assim visto pelos outros Os ruivos são menos numerosos que os morenos nas nossas sociedades mas não formam uma minoria na medida em que não tendo a cor dos cabelos 296 significação social eles não têm consciência de constituir um grupo particular Por outro lado o termo minoria tem sempre uma dimensão social e política na maioria das vezes a minoria constitui um grupo ao mesmo tempo menos numeroso menos considerado e menos poderoso mas não é necessariamente esse o caso Os Negros maioritários pelo seu número na África do Sul constituem no entanto uma minoria na ordem social e política instalada naquela república As relações entre maioria e minorias são habitualmente conflituosas mas nunca se fixam uma vez por todas Blalock 1967 Entre a maioria e a ou as minorias existem conflitos mas também acordos e formas de aculturação Barth 1969 As populações judaicas sempre minoritárias conheceram formas de aculturação diferentes nas nações ocidentais e nos países muçulmanos A situação de uma ou das minorias varia segundo a natureza dos regimes políticos e sociais a sua possibilidade ou a sua vontade de reconhecer de maneira formal ou informal a existência das minorias No seu princípio o Estadonação elaborado na Europa na época dos nacionalismos não admite a existência das minorias nacionais ou culturais e ignora as minorias religiosas Os negociadores do Tratado de Versalhes esforçaramse depois da Primeira Guerra Mundial sem de resto o conseguirem por reconstruir a Europa com base no princípio das nacionalidades e por suprimir as minorias no interior das nações europeias Em contrapartida a Suíça ou o Líbano foram fundados por um acordo político entre grupos religiosos e nacionais quantitativamente desiguais que reconhecia a existência e os direitos de todos esses grupos O 297 número das minorias modifica também o sentido da relação maioriaminoria Nos Estados Unidos quando os 160 ítaloamericanos os polacoamericanos ou os judeus americanos se tornaram mais numerosos que os wasp deixaram de constituir minorias para se tornarem componentes de uma nação fundada num consenso político de grupos culturais diferentes Glazer Moynihan 1964 Greenley 1974 No sistema democrático fundado no princípio do respeito das minorias políticas as minorias religiosas e culturais podem ter um poder de bloqueio Assim os muçulmanos minoritários da União Indiana souberam utilizar os meios do funcionamento democrático para impedir o voto de leis laicas contrárias às tradições corânicas Krishna 1986 D S Mobilidade social A expressão designa a circulação dos indivíduos entre as categorias ou classes sociais Há dois tipos de mobilidade A mobilidade intrageneracional é a passagem dos indivíduos de uma categoria para outra durante a mesma geração comparase neste caso a classe à qual pertence o indivíduo em fim de carreira por exemplo à classe à qual ele pertencia no início de carreira A mobilidade intergeneracional é a circulação de um indivíduo do grupo social a que pertence a sua família pai eou mãe para um outro grupo comparamos a classe social à qual pertence o indivíduo à classe a que pertence a sua família Uma sociedade dividida em duas classes com dois fluxos que a 298 caracterizam pode ser representada pelo seguinte quadro filho C1 C2 pai C1 25 5 30 C2 15 55 70 40 60 Na geração do pai linhas horizontais a classe C1 tem 30 indivíduos e C2 tem 70 Na geração do filho C1 tem 40 e C2 tem 60 Alguns filhos pertencem à mesma classe que os seus pais todos os que estão situados na diagonal noroeste sudeste são os imóveis em número de 80 Outros pelo contrário não pertencem à mesma classe que os seus pais todos os que não estão situados nessa diagonal são os móveis em número de 20 Se se suposer que a classe C1 é superior à C2 em termos de rendimento nível de instrução prestígio ou poder verificase que 5 filhos pertencem a C2 ao passo que os seus pais pertenciam à C1 chamarlhes emos os móveis descendentes Por simetria qualificaremos de móveis ascendentes os 15 filhos que fazem parte de C1 mas cujos pais estavam em C2 Os sociólogos da mobilidade tentaram responder a pelo menos dois conjuntos de questões O primeiro é relativo aos factores que determinaram a mobilidade o segundo às consequências da mobilidade na sociedade eou nos comportamentos individuais Começaram por pôr em evidência a heterogeneidade dos factores que influenciam na mobilidade Os 20 móveis não mudaram de classe pelas mesmas razões Dez dentre eles foram forçados a passar de 299 C2 para C1 Com efeito se se comparar as distribuições dos indivíduos entre as classes nas duas gerações C2 perdeu 10 indivíduos 7060 que C1 deve recuperar Esta mudança das estruturas dá origem a uma mobilidade estrutural ou forçada que pode ser por exemplo o resultado do êxodo rural se a sociedade se urbaniza e se industrializa de uma diminuição dos operários não qualificados se se verificarem reestruturações da indústria do comércio ou do sector 161 terciário que exigem pessoal cada vez mais qualificado Assim em 20 móveis 10 são móveis estruturais os outros 10 são móveis puros A mobilidade pura está na base dos cálculos dos índices de mobilidade das comparações internacionais ou das comparações da mesma sociedade em momentos difíceis da sua história Tais comparações permitem saber se uma sociedade é mais ou menos aberta se o é mais que uma outra se enfim as hipóteses de mobilidade que concede aos societários aumentam ou diminuem a sua estabilidade política e social Um dos determinantes da mobilidade pura que constituiu objecto das mais numerosas pesquisas é o sistema de ensino Um aumento do nível de instrução gerará uma maior mobilidade A resposta a esta simples questão não é de facto fácil Verificase na verdade uma influência do nível de instrução dos indivíduos sobre o seu estatuto mas isso nem sempre significa uma melhoria das suas posições em relação às dos seus pais Uma das razões avançadas para explicar tal paradoxo é o facto de a estrutura educativa mudar mais rapidamente que a estrutura profissional O segundo tipo de questões que os sociólogos 300 levantam é relativo às consequências da mobilidade Uma grande mobilidade gerará a estabilidade política Reduzirá as posições políticas extremistas Tornará os estilos de vida das classes menos heterogéneos Será pelo contrário um factor de instabilidade de tensão e de anomia As conclusões de numerosas pesquisas corroboram em parte as primeiras hipóteses M C Boudon 1973 Thélot 1982 Weiss 1986 Mobilização política Na linguagem corrente a mobilização evoca a afectação de civis para postos e actividades militares Os sociólogos e os politólogos retiveram desse sentido primeiro a dimensão de disponibilidade para a acção Segundo uma primeira concepção defendida por K Deutsch 1961 a mobilização está intimamente ligada à modernização cujo aprofundamento favorece Implica ao mesmo tempo uma profunda erosão dos compromissos tradicionais nos planos económico social e psicológico e sob o efeito desse desmoronamento uma disponibilidade dos actores para novos modelos de socialização e de conduta A mobilização tenderia assim a fundir cada indivíduo num público social e político P Nettl 1967 distanciouse relativamente a esta concepção ao sublinhar que a mobilização constitui um processo autónomo analiticamente independente da modernização Distinguiu igualmente dois tipos principais de mobilização ascendente denominada estalagmite e descendente estalactite De social que era em Deutsch a mobilização tornase aqui essencialmente política Enfim toda uma corrente de pensamento se definiu a partir da sua concepção da mobilização encarada como 301 mobilização dos recursos Ao ver na mobilização um processo que visa instaurar o controlo de uma unidade social sobre recursos de que não dispunha anteriormente A Etzioni 1968 desempenhou um papel de precursor mas a nova concepção não se reconhece apenas neste tipo de definição No seu conjunto os autores desta corrente propõem uma imagem realista e não romântica da mobilização insistem nas suas dimensões racionais por oposição às teorias clássicas do comportamento colectivo e esforçamse por explicar o próprio desenrolar do 162 processo por meio de uma análise dinâmica a partir deste fundo de orientações comuns desenvolvemse passos originais como o de A Oberschall 1973 que pôs em evidência condições cruciais de emergência da mobilização no quadro global do conflito sociopolítico O carácter inovador desta perspectiva é indiscutível mas pode lamentarse que ela se fique por uma concepção demasiado instrumental dos recursos como o assinalou M Dobry 1986 e que tenda a subestimar o peso das lealdades nas quais F Chazel 1975 colocou a tónica como as ideologias e mais geralmente das concepções do mundo F C Germani 1971 Moda O termo moda aplicase na linguagem corrente quer ao favor particular e momentâneo de que goza alguma coisa quer às mudanças que afectam o vestuário e os adornos quer ainda a própria roupa Em sociologia a moda 302 é concebida como o processo de transformação incessante e de tendência cíclica das preferências próprias dos membros de uma dada sociedade em todas as espécies de domínios A noção não se limita à moda do vestuário nem aos entusiasmos súbitos e efémeros por objectos ou comportamentos fúteis que a língua inglesa designa pela palavra fad capricho No entanto restringese geralmente às preferências que não se reduzem a uma função propriamente utilitária Donde o carácter de arbitrário ou de irracional que comummente se atribui aos movimentos da moda Nos inícios da sociologia a moda era a referência quase obrigatória que permitia manifestar a parte do social nos comportamentos individuais Como forma de regulação como mecanismo ou expressão da mudança e da estratificação as suas relações com os problemas centrais da disciplina parecem evidentes G de Tarde 1890 via nela uma das formas da imitação dos contemporâneos do estrangeiro própria das sociedades de classes por oposição ao costume imitação dos antigos dos predecessores Na esteira de H Spencer G Simmel 1904 sublinhava a sua dupla função satisfazer ao mesmo tempo o desejo de conformismo e a preocupação de diferenciação e analisavaa como o resultado de uma rivalidade entre classes sociais O seu movimento perpétuo viria da procura de sinais de distinção adoptados primeiro pela classe superior e que deslizam em cascata de uma camada social para outra Para se demarcarem as classes superiores vêemse obrigadas à renovação dos seus sinais e assim sucessivamente Este modelo de difusão vertical dos bens da moda foi largamente aceite ainda que não tenha sido praticamente 303 submetido à prova dos factos por falta de um material adequado De uma maneira mais geral é flagrante o contraste entre a massa das reflexões sobre a moda considerada como o fenómeno social por excelência e a raridade dos estudos empíricos Isso devese à identificação muito forte da moda com a moda do vestuário ou mesmo com a própria roupa Besnard 1979 A moda do vestuário é no entanto um exemplo particularmente impuro do fenómeno A escolha de uma roupa é em parte determinada pela sua disponibilidade e pelo seu custo Além disso neste caso cada um sabe mais ou menos que se conforma mais ou menos com a tendência colectiva da altura Ora o que é fascinante no fenómeno da moda é que ele é o exemplo mais imediato da eterna 163 questão da sociologia a das relações entre o individual e o colectivo São as nossas escolhas individuais adicionadas que formam o gosto colectivo da época no entanto tudo se passa como se essas escolhas individuais se conformassem com esse gosto colectivo E a conformidade das escolhas individuais com a escolha colectiva pode ser não apenas ignorada mas receada Vêse isso bem no caso da escolha dos nomes objecto privilegiado para o estudo da moda porque aí encontramos a tensão entre o receio do comum e o do excêntico mola do seu movimento e também porque o nome é um bem gratuito cujo consumo é obrigatório o que permite captar o fenómeno no que ele tem de puramente social O estudo estatístico dos nomes dados em França desde há um século 304 Besnard Desplanques 1986 permitiu pôr à prova os modelos de difusão da moda vd difusão precisar o seu andamento social e geográfico e também pôr em evidência ciclos do gosto colectivo de período variável segundo a carreira passada de cada nome Tal como o estudo de A L Kroeber e J Richardson que tinham encontrado variações cíclicas de longa duração em certos parâmetros do vestuário feminino estes resultados sugerem que a evolução cíclica das preferências obedece a uma dinâmica que lhe é própria PH BD Koenig 1967 Modelo em sociologia Procurar compreender um fenómeno social é fazerse dele uma representação ao mesmo tempo simplificada e no entanto respeitadora da sua complexidade Essa representação que se apoia na observação é uma construção que visa explicar o objecto na sua sincronia e na sua diacronia Chamarseá modelo ao produto dessa elaboração Resulta de um esforço de formalização do objecto estudado e tem como finalidade propor uma interpretação do ponto de vista do investigador desse objecto A utilização de modelos em sociologia é tão antiga como a própria sociologia Em tempos procurouse construir modelos por analogia em particular assimilando os fenómenos sociais a um mecanismo ou a um organismo Tratavase de modelos materiais concebidos a partir da observação das estruturas existentes na realidade é o que acontece quando se fala de escala para explicar a estratificação social ou quando se descreve a evolução das sociedades por analogia com o ciclo da vida humana 305 Actualmente há uma maior tendência para elaborar modelos formais que se podem definir como uma construção simbólica e lógica de uma situação relativamente simples elaborada mentalmente e dotada das mesmas propriedades estruturais que o sistema factual original Rosenblueth Wiener 1954 Reservase muitas vezes o termo de modelo formal aos modelos matemáticos que fazem apelo a representações cifradas da realidade e que estabelecem entre esses dados relações que se exprimem por meio de equações Dentro dessa classe podem distinguirse os modelos estatísticos como a análise de similitude ou a análise factorial que não estão associados a nenhum conteúdo sociológico os modelos experimentais directamente tirados da observação de natureza hipotéticodedutiva os modelos simuláveis isto é manipuláveis a maior parte dos quais são aleatórios e têm em conta o acaso como um elemento importante da simulação Estes últimos possuem a propriedade de 164 uma quase experimentação são úteis quando a realidade social que se pretende explicar não se presta a uma experimentação directa ou quando essa experimentação embora possível ponha quer problemas deontológicos quer problemas de tempo e de custo Há também uma classe de modelos formais qualitativos representação simbólica das relações que existem entre os elementos de uma realidade social O idealtipo weberiano tal como o idealtipo do espírito do capitalismo é um modelo formal de igual modo os modelos construídos no 306 quadro da abordagem sistemática em que um modelo de um fenómeno ou de um processo é essencialmente um modo de representação tal que permite por um lado explicar todas as observações feitas e por outro prever o comportamento do sistema em condições mais variadas que as que deram origem às observações Naslin citado por Le Moigne 1977 Quer seja matemático experimental ou simulável quer qualitativo um modelo é em primeiro lugar uma ajuda à reflexão teórica Pela exigência de formalização e portanto de rigor que preside à sua construção permite avaliar a sua coerência interna e a sua adequação com o objecto e daí tirar todas as consequências É também numa perspectiva operacional uma ajuda à acção Y C Boudon Grémy 1977 Grémy 1971 Modernidade A modernidade designa ao mesmo tempo um período da história humana inaugurado na Europa e o conjunto dos fenómenos que o caracterizam Não se discute quanto ao lugar do seu aparecimento mas quanto à altura em que se produziu Uns inclinamse para o séc XVI e a sua convicção de inaugurar uma era nova reatando com a Antiguidade Outros ligamse com maior verosimilhança ao séc XVII e ao aparecimento da ciência e da filosofia política contratualista Outros ainda descem até ao séc XVIII à filosofia das Luzes e aos primeiros passos da industrialização ou até ao séc XIX e ao triunfo da ciência da técnica e da indústria Quase não se discute a lista dos traços distintivos da modernidade No domínio político manifestase por um lado pela instauração de polítias estáveis empenhadas no 307 concerto das nações europeias e por outro lado pela construção de regimes políticos fundados na distinção do privado e do público no direito na limitação e no controlo do poder político e na capacidade de viver desenvolvimentos democráticos No domínio religioso traduzse pela laicização isto é pelo acantonamento da religião no âmbito privado e pela irreligião A economia moderna é caracterizada pelo esforço constante em injectar nas técnicas de produção e de distribuição processos cada vez mais eficazes porque inspirados pelo progresso científico Porque a modernidade é também caracterizada por um crescimento exponencial do saber racional Estes traços e outros como o desenvolvimento das nações o florescimento do individualismo etc são tão maciços e determinantes que têm repercussões decisivas sobre todos os aspectos da condição humana A modernidade pode sob este aspecto ser tida como o emergir de uma civilização nova fora da civilização europeia Como por outro lado os seus caracteres decisivos são universalizáveis e imitáveis seja onde for a modernidade é muito mais ainda que o avatar de uma civilização podendo 165 ser tida como uma nova etapa da aventura humana em geral A unanimidade desaparece a partir do momento em que se trata de isolar o ou os factores decisivos da modernidade Cada um isola um traço e tende a considerálo como fundador Para A Comte a ciência era a abertura decisiva para SaintSimon era a indústria para Marx o capitalismo para Tocqueville a igualização das condições sociais e a 308 democracia para M Weber a racionalização De facto todo o ponto de vista argumentado sobre a modernidade é uma teoria sociológica e toda a teoria sociológica deve ser avaliada na sua capacidade para justificar a modernidade J B Aron 1962 Bell 1973 Durkheim 1983 Landes 1969 Modo de produção A noção de modo de produção é de origem marxista Supõe que uma sociedade é caracterizada quanto ao essencial pela sua maneira de produzir ou seja pelas relações que se estabelecem entre os produtores por um lado e os meios de produção e os produtos por outro O seu valor heurístico permite estabelecer comparações no tempo e no espaço mas alguns marxistas quiseram fazer dela uma chave universal em detrimento da reflexão crítica e científica Estaline em 1938 reduziu a história das sociedades humanas a uma sucessão linear de cinco modos de produção comunismo primitivo escravismo feudalismo capitalismo socialismo ou comunismo Outros tiveram tendência para fazer do movimento das ideias e da cultura um reflexo das estruturas de produção Estes desenvolvimentos dogmáticos obscureceram a questão e fizeram esquecer que o próprio Marx procurava alargar a sua problemática Avançando a concepção de um modo de produção asiático China Índia etc Marx invalidou de facto a ideia de uma sucessão teleológica dos modos de produção Nos seus últimos escritos ele tentou restringir o emprego da noção de modo de produção unicamente à sociedade capitalista JM V 309 Althusser 1966 Modo de vida A vida quotidiana difere quando por exemplo comparamos os urbanos aos rurais Para L Wirth 1938 sociólogo da escola de Chicago o facto de habitar numa cidade é um modo de vida A noção de modo de vida não tem definição convencional na tradição sociológica e a sua voga recente nos estudos de marketing não precisou o seu sentido Em geral o modo de vida faz referência a uma combinação de características que o estudo sociológico ou etnográfico estabelece como específica dos comportamentos de um dado grupo social A maneira de gastar os seus proventos a natureza das actividades de subsistência e o emprego do seu tempo livre a forma e o ritmo dos convívios constituem um conjunto de traços susceptíveis de identifcar uma população O modo de vida assim entendido é uma noção mais ampla que a de nível de vida O tempo livre e a sociabilidade figuram de facto de maneira explícita nessa definição A categoria socioprofissional que foi utilizada como indicador do modo de vida não tem na devida conta estas duas dimensões da vida quotidiana porque esta classificação continua marcada pelo emprego seu domínio de origem Será preciso alargar ainda mais a noção de modo de vida incluindo nela as disposições culturais específicas Scardigli 1987 Os autores clássicos 166 de M Weber a M Rokeach 1973 convidam a limitar a extensão desta expressão ao domínio dos comportamentos e 310 a reservar o das normas e das atitudes à noção de estilo de vida N H Monografia A monografia apresentase como estudo do singular e do particular Em sociologia utilizamse monografias de indivíduos ou biografias monografias de localidade os community studies da tradição anglosaxónica e monografias de profissão ou de meio profissional Em que medida o estudo de casos contribuirá para um conhecimento geral de alcance universal A maneira de encarar as relações entre abordagem microssociológica e conhecimento macrosociológico da realidade variou muito no tempo No início do século passado a monografia era uma componente indispensável da estatística administrativa nascente As estatísticas dos prefeitos lançadas por J A Chaptal em 1800 eram compilações de monografias locais Em meados do século os militantes da estatística começam a diferenciarse aos que implantam estatísticas estatais opõemse os membros da escola de F Le Pay que se limitam a uma estatística privada Fazendo monografias de famílias operárias centradas no estudo do orçamento familiar Le Play e seus discípulos 1856 pretendem isolar o elemento de base sobre o qual o edifício social está construído A autoridade do pai de família prefigura o poder do príncipe no Estado O recurso à monografia justificase neste caso por um postulado de homologia estrutural entre o microcosmo familiar e o macrocosmo social Este princípio de homologia está na base no séc XX de numerosas monografias de localidade feitas nos Estados Unidos da América a partir de 1920 na França a partir de 311 1950 A imagem ampliada de uma pequena unidade local supõese que proporciona a visão da inapreensível totalidade social No estudo de R e H Lynd 1929 sobre uma cidade média americana tal como no trabalho de L Wylie 1957 sobre uma aldeia do Vaucluse os autores procuram representar a América média ou o mundo rural francês através da exploração exaustiva de uma localidade média e portanto exemplar O desmoronamento do mito do todo integralmente presente em cada uma ou pelo menos em algumas das suas partes levou a sociologia a enveredar duravelmente por estratégias de pesquisa em que a monografia deixava de ter o seu lugar Contudo o recrudescer de interesse pela abordagem monográfica em França a partir dos anos 70 e a persistência de uma corrente sociológica qualitativa nos Estados Unidos etnometodologia sugerem que o estudo do singular e do total correspondem a necessidades profundas da sociologia Só a monografia pelo seu afinco em reconstituir as relações entre elementos pertencentes a uma mesma unidade concreta permite analisar a classe dos fenómenos locais Por este termo genérico designamse primeiro todos os sistemas fechados pelo menos parcialmente funcionamento de uma instituição mas também organização de um sistema político local estrutura de um campo profissional segregação social no espaço etc Incluise aí também o estudo dos territórios dos cortes das identificações das delimitações de grupos locais ou profissionais assim como a descrição dos rituais da interacção 168 312 Analisar os efeitos ligados a meios ou a espaços fechados não é um inventário interminável supõese com efeito que a diversidade dos processos e das formas de organização é limitada hipótese de parcimónia A monografia enriquece igualmente a análise de problemas sociológicos gerais Um bom exemplo é o das classes sociais ou das relações interétnicas os laços concretos que uma dada classe ou uma etnia estabelece com os outros grupos presentes num mesmo contexto local influenciam com frequência mais sobre o seu ser social ou sobre a sua ideologia que o seu lugar na estrutura nacional A abordagem monográfica mantém uma função específica em sociologia Mas é tanto mais produtiva quanto confrontada com outras abordagens mais globais da realidade M B Goffman 1961 MONTESQUIEU Charles de SECONDAT barão de LA BRÈDE e de escritor francês castelo de la Brède perto de Bordéus 1689 Paris 1755 Montesquieu pertence pela sua família à nobreza da magistratura Magistrado e membro da Academia de Bordéus conhece o êxito em Paris com as suas Lettres persanes 1721 Em 1734 publica Considerations sur les causes de la grandeur des Romains et de leur décadence retirase para La Brède Manda publicar em Genebra a sua obra principal De lesprit des lois 1749 Fundador do direito público comparado e da sociologia do direito Montesquieu foi reconhecido por A Comte e por É Durkheim 1953 como um precursor da sociologia e considerado por R Aron 1967 como o primeiro dos 313 sociólogos As leis são definidas por Montesquieu como as relações necessárias que derivam da natureza das coisas Estudou os costumes e as leis de numerosos povos e na sua diversidade soube ver regularidades relações inteligíveis A partir daí estabeleceu princípios que mostram que os homens não são conduzidos pela sua fantasia e que o direito positivo das sociedades humanas pode ser o objecto de uma ciência Mas quando analisa a relação das leis com a constituição de cada governo com o clima os costumes o comércio ou a religião faz aparecer um tipo de legalidade que não se confunde com o estrito determinismo do mundo físico Procura a explicação dos fenómenos sociais numa combinação muito delicada de causas diversas físicas ou morais e na sua opinião a arte do legislador pode e deve por vezes combater o efeito de certas causas Não se contenta com explicar chega mesmo a denunciar o mal social a escravatura por exemplo No domínio político combate o despotismo definido como o exercício de um poder arbitrário por um único homem Identificou lucidamente a sua causa natural É uma experiência eterna que todo o homem que tem poder é levado a abusar dele E deu muito logicamente o remédio Para que não se possa abusar do poder é preciso que pela disposição das coisas o poder trave o poder A liberdade para Montesquieu supõe que o poder actue por meio de leis fixas e estabelecidas e que seja distribuído de tal maneira que um equilíbrio possa estabelecerse pelo controlo mútuo dos poderes Os exemplos históricos de governos moderados e equilibrados são raros a república romana durante um certo tempo ou a antiga monarquia francesa mas para a sua época é a monarquia 314 168 inglesa que Montesquieu apresenta como modelo em dois capítulos de De lesprit des lois 6 XI e 27 XIX JC L Shacketon 1977 Vernière 1977 Morfologia social No seu último livro Morphologie social 1938b M Halbwachs precisou o que convém entender por esta expressão tirada de É Durkheim Todo o agrupamento humano do mais restrito ao mais vasto da família por exemplo à nação é um conjunto de indivíduos que ocupam um certo lugar no espaço O seu volume o número e a natureza das suas partes a maneira como elas estão dispostas no solo o ritmo da sua renovação o seu crescimento ou a sua decadência são outras tantas características que constituem o substrato material sobre o qual assenta a vida do grupo Cada associação religiosa política económica tem a sua morfologia própria Baptismos e enterros pela Igreja são como que outros tantos nascimentos e mortos conversões ou abandonos da fé ou da prática como que outros tantos movimentos migratórios que modificam os efectivos A natureza e o volume das trocas entre os grupos a actividade económica estão em função do número total de produtores e de consumidores da sua idade e da sua repartição nas diversas categorias sociais As formas de governo não poderão ser as mesmas para um povo pouco numeroso ou fortemente concentrado em cidades e num vasto império cujos habitantes vivem dispersos e longe do centro Num 315 sentido restrito portanto a morfologia social confundese com a ciência da população isto é com as condições espaciais e o movimento natural da população nas suas componentes de repartição geográfica e de densidade de sexo e de idade de reprodução Mas as formas exteriores ou materiais são insuficientes em si próprias para constituir uma sociedade Só representações colectivas lhes dão uma significação O indivíduo tem consciência de ser porque tem um corpo mas passa O corpo do grupo preexiste aos indivíduos e não se extingue com eles dura Os seus membros têm de submeterse a regras comuns precisam de um sentimento de pertença de uma vida psicológica e uma consciência colectiva para lhes conferir por assim dizer a existência social Tudo se passa como se a sociedade tomasse consciência do seu corpo e é essa consciência que é capaz de moldar as formas e as dimensões do próprio corpo Os indivíduos não sofrem as leis biológicas sem serem susceptíveis de exercer uma acção porque conformam a sua conduta com as normas e hábitos que encontram à sua volta e interiorizaram A morfologia social é descritiva e explicativa Apoiase na demografia e propõe uma explicação psicológica e social para os fenómenos demográficos A G Girard 1984 MOSCA Gaetano sociólogo italiano Palermo 1858 Roma 1941 Gaetano Mosca é um dos mais célebres fundadores das teorias elitistas contemporâneas Tornase professor em várias universidades italianas antes de ser eleito deputado interessado inicialmente pelo movimento fascista 316 de B Mussolini afastase dele muito rapidamente preferindo defender o regime parlamentar que antes tanto criticara Juntamente com V Pareto e R Michels Mosca propôs demonstrar 169 sobretudo o carácter fundamentalmente inigualitário de todas as sociedades historicamente conhecidas nas quais reina de cada vez uma classe política diferente que se apropria de todo o poder Na sua opinião mesmo as sociedades democráticas e parlamentares são dirigidas por uma classe política exclusiva que pretende justificar o seu poder soberano com a ajuda de uma fórmuma política isto é de uma ideologia No seu livro Elementi di scienza politica traduzido parcialmente em inglês sob o título de The Ruling Class considera que em todas as sociedades há duas classes de indivíduos os governantes e os governados Mosca diferentemente de Pareto deseja confiar o poder não a uma nova elite única mas antes a elites mais numerosas que realizariam ao seu nível uma espécie de pluralismo que o regime parlamentar seria incapaz de assegurar Entre elas a nova elite de técnicos recrutada com base em critérios de competência mais meritocrática deveria desempenhar um papel essencial na gestão quotidiana dos regimes parlamentares P B Albertoni 1984 Movimento social Empresa colectiva que visa estabelecer uma nova ordem de vida 317 Marx mostrou o papel central que o movimento operário desempenhou na sociedade industrial Podemos no entanto perguntarnos com A Touraine 1973 se o advento da sociedade pósindustrial não terá favorecido a emergência de novos movimentos sociais trazidos por novos actores movimentos femininista regionalista ecologista etc Nem todos os movimentos sociais se reduzem a esta única dimensão social alguns envolvem uma dimensão mais política como o movimento das nacionalidades no séc XIX Outros movimentos podem ter por finalidade resistir a um desmoronamento da ordem social é com frequência esse o caso dos movimentos de dimensão religiosa milenarismos messianismos etc Todo o movimento social supõe uma mobilização prévia dos actores que o compõem Essa mobilização não implica necessariamente a criação de novos compromissos e de novas identidades colectivas pode igualmente assentar na reactivação de lealdades e identidades já constituídas Nas teorias do comportamento colectivo os movimentos sociais remetem para um campo no qual as condutas não estão ou ainda não estão institucionalizadas Smelser 1962 As teorias da mobilização dos recursos Oberschall 1973 recusam a pertinência desse critérios ao porem a tónica nas características organizativas que servem de enquadramento à acção colectiva Alguns autores batemse no entanto por uma síntese das duas abordagens P M Chazel 1975 Birnbaum Chazel 1971 Movimentos religiosos novos NMR Os NMR são grupos de criação mais ou menos recente de origem ou de 318 inspiração extremooriental Soka Gakkai Igreja da Unificação do Reverendo Moon movimento de Bhagwan Shree Rajneesh etc ou de origem ocidental novas revelações à volta dos OVNI Cientologia Synanon etc alguns vêm do Médio Oriente Bahais sofisma e nossofisma Os NMR conheceram um importante sucesso no Japão nos anos de forte crise cultural e social posteriores à Segunda Guerra Mundial 170 O seu desenvolvimento a partir de então cifrase em milhões de membros não se reduz no entanto a essas causas como o demonstra a sua persistência e a sua extensão muitas vezes internacional No Ocidente os NMR não deixam de manter alguma relação com as bases da contracultura dos anos 70 O seu êxito relativo coincide com a crise de múltiplos aspectos que se manifesta desde o fim dos anos 60 A juventude e as classes médias mais tocadas que outras por este fenómeno mostramse também as mais sensíveis às mensagens dos NMR J S Mayer 1985 1987 Wilson 1970 Mudança Dois pontos de vista são possíveis Ou se considera a estabilidade como primordial e a mudança em segundo lugar não segundo o tempo mas segundo a prioridade do ser A sociologia da mudança assenta então nos factores que afectam um estado A para transformálo num 319 estado B Esta posição exige uma precaução porque é tentador ter apenas em conta factores exteriores e esquecer tanto a natureza de A como a dinâmica própria da transformação para explicar B como resultado destas três componentes Este é provavelmente o ponto de vista natural e espontâneo Um segundo ponto de vista consiste em inverter as prioridades ontológicas e em afirmar que a mudança é primária e que a estabilidade é apenas um afrouxamento da mudança De igual modo a física foi abalada quando foi estabelecida a lei da inércia Nesta perspectiva a matéria histórica e social é feita de processos incessantes e dos seus resultados com fases de aceleração e de afrouxamento É preciso além disso captálas como actividades humanas conduzidas pelos indivíduos e mais correntemente por grupos concretos casais famílias linhagens Igrejas seitas empresas grupos políticos etc Em suma a matéria histórica que muda é a agregação de multidões de actos humanos de conhecimento de criação e de acção Este ponto de vista leva a duas séries de análises As primeiras procuram explicar porquê e como essas agregações podem conduzir a estados determinados e relativamente estáveis que podemos convir em chamar instituições políticas económicas religiosas pedagógicas estéticas lúdicas etc As segundas investigam as agregações que desembocam em algo de novo Consoante o ponto de vista adoptado é claro que entre as instituições e as mudanças há um continuum sobre o qual é possível referenciar pontos de aceleração Reteremos quatro indo da mudança menos marcada para a mais radical O desvio é uma mudança imperceptível para os 320 contemporâneos Consiste na acumulação de mudanças minúsculas e insignificantes em si mesmas mas que desembocam em resultados inovadores o que dá um sentido retrospectivo à acumulação e a subtrai ao puro acaso A humanidade paleolítica deve ter conhecido um desvio deste género De geração em geração ganhos ínfimos em número acabaram pela ocupação de todo o planeta e pela necessidade de inventar soluções originais para fazer coexistir grupos que já não tinham a possibilidade de resolver os conflitos eliminandoos pela formação de novos grupos em terrenos de percurso virgens De igual modo durante centenas de milhares de anos o trabalho da pedra desviouse insensivelmente 171 para o emprego cada vez mais económico e eficaz da matériaprima Uma segunda forma de mudança seria a evolução que seria preciso definir como a actualização progressiva no tempo de um programa dado à partida e subtraído a toda a perturbação importante Poderseia ilustrar esta forma pelo desenvolvimento doutrinal das religiões reveladas num livro sagrado A mensagem nunca é expressa de maneira unívoca pois que exprime a transcendência e o inefável Mas ela não diz tudo o que se quiser Daí resultam controvérsias entre interpretações que fazem evoluir a doutrina no sentido de uma explicitação crescente do seu conteúdo latente Consoante ela é ou não tomada a cargo por um clero organizado ou não essa explicitação traduzse quer pela definição cada vez mais precisa da ortodoxia como no 321 cristianismo dos primeiros séculos quer no outro extremo na multiplicação das escolas e das seitas como no budismo Uma terceira forma seria a revolução Ela designaria uma ruptura que afecta uma evolução Neste sentido todas as actividades humanas podem conhecer revoluções por exemplo a técnica Mas vale mais reservar a palavra para as rupturas políticas Uma revolução é uma ruptura da legalidade que resulta da substituição de um regime antigo por um regime novo Quando a ruptura é endógena revolução inglesa americana e francesa sanciona um movimento de maturação É assim que as monarquias constitucionais e as repúblicas da Europa contemporânea podem ser consideradas como os resultados das gestações seculares começadas na época feudal Quando resulta da vontade de introduzir pela força um modelo estrangeiro revoluções russa e chinesa a ruptura acaba rapidamente por deixar reaparecer as continuidades com os regimes autocráticos anteriores Podemos finalmente referênciar mutações que designariam a implantação de programas novos É verdade que não há nada de radicalmente novo nos assuntos humanos no sentido em que o novo não pudesse ser ligado a qualquer desenvolvimento anterior Mas o que é próprio de uma mutação é que esses antecedentes só se tornam esboços uma vez sobrevinda a mutação E possível ligar Buda Cristo ou Maomé ao seu ambiente cultural mas o seu surgimento não pode em caso nenhum ser dele deduzido mesmo retrospectivamente De igual modo a redescoberta pelos pintores italianos no fim do séc XIII e no início do séc XIV do projecto dos antigos de atribuir à arte a tarefa de imitar a natureza significou uma mutação da arte europeia 322 abrindolhe um campo novo dos possíveis De igual modo ainda a mutação industrial do séc XIX arrastou a Europa e depois o mundo para uma fase inédita da aventura humana J B Baechler 1971 Boudon1984 Multidão No sentido mais habitual uma multidão é uma reunião de seres humanos temporariamente reunidos sob o efeito de projectos individuais celebrar aclamar aguardar insultar etc que os fazem convergir para um mesmo lugar aí se aglomerando mecanicamente Estação de metropolitano nas horas de ponta fila diante de uma loja ou de um teatro espectadores de uma partida desportiva nem vestígios entre eles de um projecto comum que implicaria divisão do trabalho 172 e solidariedade colectiva Mas uma multidão é versátil instável sob a acção de um condutor pode passar bruscamente da apatia à organização levantar uma barricada pilhar um armazém linchar um suspeito marchar sobre a Bastilha ou sobre Versalhes Rudé 1982 S Sighele e G de Tarde escreveram muito sobre as multidões criminosas que marcaram a Revolução e a Comuna Trabalhos recentes Rudé 1982 Tilly 1986 abrandaram esta visão patológica das multidões insurreccionais ao insistirem pelo contrário na racionalidade que em muitos casos as inspira no seu recrutamento no seio das camadas mais sãs da população e não entre os marginais A sociologia das multidões não deve confundirse com a 323 sociologia das massas a despeito da ambiguidade do termo angloamericano masss phenomena JR T 173 N Nação A nação é uma certa maneira de agrupar os homens em sociedade aparecida na Europa nos sécs XIV e XV desenvolvida do séc XVI ao séc XVIII e desabrochada nos sécs XIX e XX No séc XX o mundo inteiro procura imitar essa organização O agrupamento operado pela nação funda se em paixões interesses e representações comuns que impregnam os nacionais da convicção de terem um destino comum diferente do das outras nações Esse destino está enraizado num passado comum feito de provas ultrapassadas em comum E por isso que a nação começa sempre por uma historiografia que confina com o mito porque apresenta a formação da nação como uma sucessão de etapas orientadas num sentido definido e conduzidas por heróis fundadores O destino forjado por um passado comum exprimese num presente comum Este presente é visto como uma rede densa de relações e de interesses que fazem com que cada um se sinta parte de um todo sem o qual a parte perderia sentido e substância Este todo não está isolado confrontase com outros todos numa concorrência permanente pela superioridade que se exprime em termos militares económicos científicos culturais ou desportivos No quadro europeu este sentimento mantido pela nação de 324 constituir um organismo do qual os nacionais seriam as células e os orgãos correspondeu a uma realidade cada vez mais presente à medida que a industrialização intensificava a repartição das tarefas e a divisão do trabalho O destino comum proposto pelo passado e realizado no presente é por fim visto como um projecto para o futuro A nação não é apenas um dado tornase um ideal a vontade de continuar a viver em conjunto ultrapassando em conjunto novas provas e conquistando a glória de novas proezas A natureza da nação tal como a história europeia a definea incitaa espontaneamente a querer agrupar todos os nacionais numa polítia única Com efeito só a coincidência da nação e da polítia permite àquela cumprir o seu destino Mas a criação das polítias resulta de inúmeras guerras e de equilíbrios instáveis de forças A coincidência entre nação e polítia pode ser tida por puramente casual Daí resulta que o aparecimento das nações e das paixões nacionais provocou primeiro na Europa e depois no mundo inteiro inúmeras perturbações Umas resultam da vontade de reunir numa só polítia os membros dispersos de uma nação outras inversamente são provocadas pela vontade de independência de nacionais reais ou potenciais incorporados em impérios J B Gellner 1983 Plumyène 1979 Renan 1882 Nacionalismo O nacionalismo é uma corrente de pensamento e um sistema de atitudes que exaltam os valores nacionais ou seja as referências a uma comunidade humana à qual se pertence de maneira prioritária em função de critérios materiais o solo o território ou culturais a história comummente partilhada e com a qual se tem o sentimento 325 de identificarse Saído da Revolução Francesa o nacionalismo foi primeiramente uma corrente de pensamento ocidental fixado à esquerda A partir de 1789 exprimia uma vontade revolucionária de transformação e transferência da dependência do indivíduo 174 para com o rei monarca absoluto para uma colectividade abstracta com pretensões à soberania A este título inspirou a maioria dos movimentos revolucionários que marcaram a história da Europa no séc XIX e encontrouse associado à reivindicação de Constituições Em finais do séc XIX forjase pouco a pouco um nacionalismo de direita que eclipsa progressivamente o anterior A significação é então diferente em vez de afirmar se contra as formas tradicionais de dependência este novo nacionalismo exalta a referência à comunidade nacional para melhor se distinguir de certas formas políticas modernas de dominação o Estado a república e até o governo representativo O nacionalismo regressa então à tradição à história e à natureza valorizando as referências ao solo à terra às árvores ver M Barrès Afirmandose num contexto histórico dominado pela rivalidade francoalemã e pelo desejo de desforra tornase militarista e exibicionista depois de ter sido sobretudo revolucionário e civil Estas componentes encontramse nos inquéritos psicossociológicos que investigam os traços característicos do sistema de atitudes nacionalistas Michelat Thomas 326 1966 A contestação progressiva do jugo colonial contribuiu para deslocar o nacionalismo do mundo ocidental para as sociedades da África da América Latina e da Ásia O nacionalismo saído da Revolução Francesa viuse assim implicado em culturas inteiramente diferentes que dele tiraram em particular a ideia de nação reconstituída em função de dados sóciohistóricos próprios ver por exemplo a nação árabe e do contexto novo de mobilização contra os imperialismos o nacionalismo encontra então uma nova significação revolucionária B B Girardet 1966 Smith 1971 Necessidade Ao nível mais elementar a expressão ter necessidade de exprime uma situação de tensão ou um sentimento de falta resultante de um desequilíbrio A necessidade é geralmente apresentada como o motor de toda a actividade económica Na lógica dos economistas clássicos as necessidades que ao exprimiremse criam a procura são consideradas como invariantes da natureza humana Uma tal concepção remete para uma hipótese implícita do sujeito portador de necessidades inatas imutáveis que se podem determinar classificar hierarquizar objectivamente e que serão mais ou menos satisfeitas consoante o grau de desenvolvimento económico da sociedade A sociedade contribuiu amplamente para pôr em causa esta concepção designadamente pelo estudo das práticas de consumo As necessidades não são invariantes da natureza humana mas uma criação permanente da história das 327 sociedades E verdade que a intensidade e a própria natureza da relação entre as necessidades e o sistema social são apreciadas de maneira diversa pelos sociólogos Mas quer sejam consideradas como determinadas condicionadas quer simplesmente orientadas por uma série de factores de ordem social ou económica as necessidades são acima de tudo produtos sociais As necessidades nem por isso são dados que se possam inventariar objectivamente Muitas necessidades são sentidas por razões subjectivas muito afastadas do seu objecto Os fenómenos de consumo ostentativo adquirese determinado 175 bem para mostrar acima de tudo que se tem os meios para adquirilo mostram que as necessidades remetem para outra coisa que não simplesmente os objectos materiais que são os seus suportes As necessidades são cada vez mais sentidas por comparação intersubjectiva ou por comparação de grupo a grupo Satisfazer uma necessidade é muitas vezes comprar um sinal de pertença a uma categoria social Baudrillard 1972 Alguns sociólogos afirmaram mesmo que as necessidades não existem sendo o sinal o verdadeiro motivo da aquisição Mendras Forsé 1983 M Halbwachs mostrava a partir de 1912 que com rendimentos iguais os empregados gastam menos com a alimentação e mais com o vestuário e os divertimentos que os operários E J M Keynes 1924 distinguia as necessidades absolutas aquelas que sentimos sejam quais forem as situações de outrem e as necessidades relativas cuja satisfação nos distinguem dos nossos semelhantes 328 Mas nada permite pensar que as segundas sejam menos essenciais que as primeiras Porque as necessidades não são hierarquizáveis Assim a distinção entre as necessidades elementares que todo o indivíduo deveria necessariamente satisfazer e as necessidades secundárias que não seriam essenciais à sua sobrevivência parece sem fundamento Isso leva aliás a pôr em causa a própria ideia de uma sociedade de consumo que segregaria necessidades cada vez mais artificiais D D Neutralidade axiológica A expressão é uma tradução da palavra Wertfreiheit a que M Weber 1922 consagra um ensaio Não é aceitável qualquer confusão entre uma proposição científica e um juízo de valor Existe uma heterogeneidade irredutível entre a esfera das proposições científicas deduzidas ou empiricamente estabelecidas e a esfera das avaliações práticas A ciência estabelece juízos válidos universalmente Os juízos de valor são pessoais Uma vez esta diferença estabelecida podemos perguntarnos se a ciência pode travar as avaliações subjectivas como objecto de pesquisa Podeo de facto responde Weber na condição de distinguir um juízo de valor Werturteil e uma relação com os valores Wertbeziehung A relação com os valores significa que um valor como a igualdade que é objecto de conflitos entre os homens tornase um conceito que servirá para recortar a realidade examinada pelo sociólogo quer este lhe esteja pessoalmente ligado ou não É portanto uma condição da interpretação e da compreensão das condutas humanas M C 329 Norma Indissociáveis de uma ordem de valores que em cada sociedade orienta os comportamentos dos actores e dos grupos as normas são regras que regem as condutas individuais e colectivas Organizadas em sistema constituem um modo de regulamentação social estudado pelos sociólogos a partir de Durkheim 1893 1895 1897 O respeito das regras foi primeiro pensado como a obediência às leis em referência à autoridade social que se impõe na norma jurídica A espera de sanções positivas e o receio de sanções negativas asseguram nesta óptica o funcionamento do sistema normativo É claro no entanto que não são apenas normas juridicamente codificadas que o indivíduo interioriza no decurso do processo de socialização O que obriga o sujeito e donde 176 procede a oposição entre acções permitidas e acções proscritas explicase também pelo estado dos costumes numa dada época O fenómeno normativo deve igualmente ser referido a códigos morais inerentes a práticas particulares apresentase então como na medicina sob a forma de deontologias profissionais Em todos os casos a interiorização das normas pode efectuarse de maneira interessada por cálculo ou resultar de uma identificação altruísta com o grupo O desfasamento entre o que as regulamentações promulgam e o que é efectivamente praticado leva por fim a privilegiar no estudo das condutas sociais as categorias de conformidade e de desvio B V 330 Merton 1949 Parsons 1951 177 O Observação Ciência de observação a sociologia reserva um lugar muito reduzido à experimentação É praticamente impossível fazer variar de maneira controlada os parâmetros de um fenómeno social Tal como as outras ciências sociais a sociologia nem por isso está reduzida a um registo passivo dos factos e dos fenómenos Os sociólogos constroem as suas observações A descrição dos factos e a verificação dos resultados intervêm apenas no termo de um processo empírico e teórico que produziu uma interrogação da realidade a observação é inseparavelmente processo e resultado A partir dos temas das hipóteses e das estratégias de pesquisa que ele próprio define o sociólogo elabora protocolos de observação do mundo social Conduzindo um inquérito por meio de entrevistas constrói um guia de entrevista Para um inquérito estatístico utiliza um questionário fechado Para séries de observações repetitivas tem de recorrer a esquemas de tipo monográfico Estas grelhas de apreensão da realidade permitem limitar o levantamento à compilação dos factos pertinentes Metodicamente construídos mais que dados sem mais os arquivos do sociólogo resultam na maioria das vezes de um trabalho sobre um meio humano cuja cooperação requerida nunca está totalmente adquirida o historiador em 331 contrapartida depara apenas com corpus escritos A observação constróise numa dialéctica entre o mundo social e o sociólogo Numa investigação por entrevistas são colocadas questões e dadas respostas que podem modificar por repercussão a sequência das perguntas Num inquérito por questionário só a entrevistapiloto apresenta um verdadeiro carácter interactivo A recolha dos dados propriamente dita fazse de seguida como um levantamento de informação de sentido único com um questionário fixo Os sociólogos não podem ser eles próprios os produtores de todos os seus dados contentamse por vezes em analisar observações construídas por outros Seria necessário sistematizar esta divisão do trabalho reservando a tarefa de recolha das observações sociológicas a observatórios especializados A força dos observatórios é também o que faz os seus limites os inquéritos são aí produzidos de maneira a constituírem séries cronológicas Tendese a retomar sempre os mesmos questionamentos e as mesmas variáveis estandardizadas para descrever o mundo social Os instrumentos de observação adquirem uma inércia e uma autonomia tais que já não é possível adaptálos a hipóteses novas Há formas de sociologia que apreendem aparentemente os fenómenos sociais de maneira transparente nomeadamente as que se fundam na observação directa e na observação participante dos etnólogos A imersão do observador no meio observado não faz dele no entanto um indígena mesmo que o torne mais apto a interpretar as reacções dos membros do grupo Opera uma selecção e uma reordenação sistemáticas dos fenómenos pertinentes e temnos em conta para a escolha dos seus informadores A sua simples presença 332 modifica as condições da observação como o notava após muitos outros J FavretSaada aquando das suas investigações sobre a bruxaria no Bocage normando Na maior parte dos trabalhos o 178 ideal do método experimental mantémse presente no espírito do sociólogo Mas o dispositivo de pesquisa apenas pode propor uma simulação de situação experimental Assim o sociólogo H Coing para estudar a renovação de um bairro de Paris interrogava um certo número de habitantes no enquadramento antigo e depois de novo alguns anos mais tarde no bairro renovado após a sua instalação num novo alojamento Por mais engenhoso que seja este dispositivo de pesquisa não pode permitir distinguir um efeito puro da renovação e efeitos associados De igual modo quando se observa um mesmo fenómeno por exemplo os métodos de educação das crianças em contextos sociais diferentes jamais se poderão imputar as diferenças observadas a uma única variável ou a um pequeno grupo de variáveis Ao passo que em ciências exactas uma série de factos organizados metodicamente pela variação de elementos previamente definidos constitui uma experiência que tem valor de prova uma sequência de observações aparentadas em sociologia leva quando muito a comparações Em todos os casos para bem interpretar dados sociológicos continua a ser necessário ter um conhecimento íntimo do processo que os produziu M B 333 Oligarquia lei de bronze da Formulada por R Michels 1911 esta lei estabelece que as grandes organizações de massa principalmente políticas mas também sindicais a despeito da sua constituição e do seu programa democráticos dão inevitável e universalmente origem a uma estrutura de poder oligárquico no seu seio O poder é nelas monopolizado por uma pequena elite de dirigentes que se perpetua graças à renovação assegurada dos seus mandatos O conjunto dos processos complexos que dão origem à lei são provocados pela dimensão e pela complexidade das organizações envolvidas e podem resumirse numa palavra a burocratização aqui Michels juntase a M Weber Pela burocratização os interesses dos dirigentes que têm todos os trunfos para se manterem no poder em breve divergem e se opõem aos das massas incompetentes os dirigentes têm interesse em manter o statu quo ao passo que os aderentes querem mudanças Se estes últimos considerandose traídos desertam e fundam uma organização nova a lei da oligarquia exerce de novo a sua coacção de bronze a burocracia dirigente conservadora instalase de novo Por fim Michels só verá solução no recurso a um chefe carismático vd carisma B Mussolini BP L Operário O operário foi durante muito tempo confundido com o proletário da grande indústria A imagem é excessiva e falsa Excessiva porque os operários não são os únicos a viver de um salário a exercer uma actividade rotineira a estar colocados num nível baixo da hierarquia social Falsa porque os operários apesar de uma real fluidez da sua condição foram identificados como tais antes da descolagem 334 industrial do séc XIX Num primeiro tempo portanto considerase que o grupo reúne o conjunto dos trabalhadores manuais assalariados G Noiriel 1986 lembra como a formação de uma classe moderna e homogénea foi tardia em França em relação à Inglaterra ou à Alemanha Não é antes dos anos 1880 que se desenha a operarização 179 de um proletariado industrial nas minas e na metalurgia pesada E durante as décadas 19301940 o grupo enraízase por gerações sucessivas em alguns sectorespiloto minas estaleiros navais caminhodeferro automóvel que muito fizeram pela constituição da sua identidade à volta da figura altamente simbólica do metalúrgico Em 1954 em pleno esforço de industrialização os operários no sentido em que os define o INSEE representam 65 milhões de indivíduos ou seja 61 por cento dos assalariados e 34 por cento da população activa O seu número aumenta até 1975 data em que eles são perto de 85 milhões Mas já há anos que o número dos operários não aumenta entre os assalariados A sua percentagem baixa mesmo para 48 por cento ainda no mesmo ano de 1975 antes de baixar o número dos próprios efectivos que em 1986 se reduzem a 6 milhões No decurso da última década o grupo conheceu uma evolução contrastada segundo o sector de actividade e a competência profissional que continuam a ser os maiores eixos de polarização Os empregos qualificados de tipo artesanal foram os únicos que progrediram Por seu turno as mulheres assim como os 335 estrangeiros sem qualificação profissional viram a sua proporção aumentar Em 1986 um operário em cinco é mulher e um em oito é estrangeiro Muitas vezes de origem rural tanto elas como eles dedicamse às tarefas mais baixas em regiões de recente industrialização sem tradições políticas nem sindicais Situação perniciosa para os partidos e sindicatos operários que sempre se apoiaram nas profissões melhor organizadas Pode fazerse remontar a SaintSimon e a Marx a literatura sobre o assunto cuja dimensão polémica eclipsa rapidamente qualquer outra consideração De início a sociologia universitária afora M Halbwachs interessase pouco pelos operários Depois da última guerra o estado de espírito dos sociólogos muda Mas retrospectivamente podemos espantarnos do carácter conjuntural da sua problemática apenas com raras excepções como G Friedmann 1950 Ao longo da fase de reconstrução os operários das grandes indústrias de transformação são privilegiados Touraine 1955 Depois alguns interrogamse sobre as metamorfoses de uma classe cujas qualificações se modificam ao sabor da modernização do aparelho de produção Mallet 1963 Com os anos 70 os operários especializados e as greves selvagens chamam à atenção A sociologia do trabalho redescobre então categorias que no entanto já existem desde as origens os operários do artesanato as mulheres os imigrados Actualmente a capacidade dos operários para formarem uma classe o seu voluntarismo político são postos de novo em causa sob pretexto de que o ciclo histórico que lhes deu origem e que é o do capitalismo tayloriano estaria a esgotarse A hipótese é plausível e fundase no recuo da identidade operária nas representações colectivas mas chega 336 a um impasse quanto aos modelos actuais de dominação no mundo do trabalho que não desapareceram F G Opinião pública Agregado de opiniões individuais semelhantes sobre problemas de interesse público Parece difícil dar uma definição mais rigorosa desta noção que se caracteriza acima de tudo pela sua imprecisão e da qual o sociólogo americano H L Childs 1965 pôde recensear umas cinquenta significações 180 diferentes Houve quem julgasse poder recomendar a eliminação da noção da linguagem científica para outros a opinião pública seria simplesmente o que medem as sondagens de opinião sendo estas últimas consideradas por alguns como uma manipulação a opinião pública que elas medem não seria ela própria mais que uma mistificação A opinião pública não poderá ser reduzida aos resultados brutos dos inquéritos de opinião Podem distinguirse quatro abordagens diferentes do fenómeno da opinião pública que se recortam parcialmente e que os sociólogos puderam combinar de maneira variável multiplicando assim as acepções 1 a medida quantitativa da distribuição das opiniões A opinião pública não é então nada mais que a reacção dos indivíduos a proposições e questões precisamente formuladas nas condições do inquérito por entrevista Stoetzel Girard 1973 2 a opinião pública como força política nesta perspectiva e segundo a fórmula de V O Key 1961 a opinião pública recobre as opiniões dos 337 cidadãos que os governantes acham prudente ter em conta 3 a opinião pública como organização A opinião pública vê então conferiremselhe propriedades diferentes da soma das opiniões individuais que são ligadas umas às outras como uma organização Nesta perspectiva prestouse uma atenção particular à interacção entre os líderes de opinião e a massa 4 a opinião pública em termos de comunicação política Aqui a situação de opinião pública é definida pela existência e pelo reconhecimento por indivíduos ou grupos de um problema político no qual encontram pretexto para a comunicação e empreendem acções a fim de influenciar as autoridades políticas Padioleau 1981 As incertezas que pesam sobre a noção de opinião pública reflectem por um lado a dificuldade da sociologia em apreender este nível intermédio de agregação situado entre os grupos primários as organizações formais e por outro lado a massa indiferenciada dos indivíduos A articulação ao mesmo tempo empírica e teórica dos quatro níveis de abordagem deveria permitir avançar para uma conceptualização mais coerente D D Organicismo O organicismo estabelece um paralelo entre corpo social e organização fisiológica exerceu sempre um forte atractivo desde Aristóteles Mas é no séc XIX que se vê de maneira consequente o modelo biológico imporse como modelo de explicação sociológica depois de Lamarck G Cuvier e por fim C Bernard terem mostrado a integração das funções e dos orgãos num todo coerente no mundo vivo O verdadeiro pai do organicismo é no entanto H Spencer 1862 Depois de ter enunciado a lei da evolução segundo a 338 qual as sociedades se transformam elas próprias integrando a mudança e adaptandose ao meio ambiente enumera as características comuns ao sistema social e ao organismo fisiológico sem deixar entretanto de sublinhar as diferenças importantes Este organicismo perpetuouse apurandose na sociologia contemporânea sob a forma do funcionalismo de B Malinowski Este escreve Em todos os tipos de civilização cada costume cada objecto material desempenha uma função vital tem uma tarefa a cumprir representa uma parte dispensável de uma totalidade orgânica Deve sublinharse o carácter contestável destas analogias quanto mais não seja mostrando 181 como fez R K Merton a existência de instituições ou de fenómenos afuncionais ou disfuncionais em toda a sociedade Mas sobretudo o organicismo e um funcionalismo absoluto impedem que os conflitos sociais e as crises sejam pensados de outro modo que não como sinais patológicos Fora de toda a teleologia fora de todo o organicismo fica por dar à noção de função uma delimitação sociologicamente frutuosa A A Organização A palavra organização designa ao mesmo tempo um objecto social e um problema central da sociologia da acção O objecto social é bem conhecido as administrações públicas as empresas industriais comerciais e de serviços tal como os partidos políticos e as associações de toda a 339 espécie de que somos ao mesmo tempo os assalariados os membros eou militantes e os clientes são todas elas organizações isto é conjuntos humanos ordenados e hierarquizados em ordem a assegurar a cooperação e a coordenação dos seus membros para determinadas finalidades Segundo os fins visados os mecanismos de constrangimentos postos em acção no seu seio e os modos de legitimação da autoridade essas organizações são muito diferentes e têm características e modos de funcionamento dissemelhantes que podemos classificar em diversas tipologias Mas para além de tais diferenças têm todas elas um problema em comum o de obter dos seus membros o mínimo de cooperação indispensável à sua sobrevivência Esta não é um dado natural mas um facto a explicar na medida em que supõe sempre o estabelecimento e a manutenção de um mínimo de cooperação entre actores que mantêm cada qual um mínimo de autonomia e cujos interesses não são forçosamente convergentes Tendo partido de uma visão puramente descritiva e instrumental das organizações é numa tal problematização do facto organizacional que desembocam os estudos psicossociológicos e sociológicos das organizações insistindo por um lado no carácter construído de um funcionamento organizacional e por outro na sua dinâmica endógena ou seja nos seus mecanismos de automanutenção que lhe conferem uma certa autonomia O carácter não natural de uma organização resulta do facto de ela ter de construirse e manterse num contexto marcado por uma tripla limitação 1 a interdependência limitada dos membros de uma organização estes nunca são totalmente dependentes uns dos outros mas têm sempre uma margem 340 de liberdade que procuram defender e até aumentar na medida em que ela constitui sempre a própria base da sua capacidade de acção na organização Crozier Friedberg 1977 2 a racionalidade limitada dos comportamentos de todos os actores envolvidos que escolhem os seus comportamentos segundo as visões locais e parciais que são as únicas de que são capazes March Simon 1958 e que nenhuma racionalidade superior e englobante faz coincidir espontaneamente 3 a legitimidade limitada dos fins da organização estes têm apenas uma limitada capacidade de integração na medida em que não existem sozinhos mas entram em concorrência com os objectivos que os membros da organização desenvolvem no prosseguimento dos seus interesses próprios Silverman 1970 Uma organização e o seu modo de funcionamento aparecem nesta 182 perspectiva não como o produto mecânico de um conjunto de engrenagens perfeitamente ajustadas umas às outras e movidas por uma racionalidade única mas como o resultado de uma estruturação contingente de um campo de acção Esta estruturação preenche funções latentes a saber tornar possível e resolver o problema da cooperação entre actores que se mantêm relativamente autónomos e que prosseguem interesses divergentes E uma vez instituída desenvolve uma dinâmica autónoma na medida em que as suas características induzem efeitos não pretendidos sobre os comportamentos dos membros da organização que por sua vez arrastam consigo a manutenção ou mesmo a acentuação 341 das características primeiras Este fenómeno é bem conhecido sob o nome de círculos viciosos organizacionais Crozier 1964 E F Organização científica do trabalho OCT Designamse por organização científica do trabalho OCT em inglês Scientific Management ou Scientific Administration os esforços conduzidos a partir do fim do séc XIX em vários países por diversas personalidades dirigentes de empresa engenheiros por vezes sindicalistas no sentido de substituir o empirismo e a desordem no funcionamento corrente das empresas por princípios gerais de fundamento científico cuja validade possa mesmo estenderse a outros tipos de organizações A expressão e o movimento de ideias do Scientific Management são devidos ao engenheiro e inventor americano F W Taylor 18561915 autor de uma versão particular da OCT denominada o taylorismo da qual se pode dizer que se interessa mais pela organização dos trabalhos de execução é a OCT no sentido estrito do termo Outros autores favoráveis também eles à OCT entre os quais H Fayol interessaramse sobretudo pela estrutura administrativa das empresas e das grandes organizações Mottez 1971 O sistema de Taylor em 1901 comporta cinco tipos de reformas 1 medidas preparatórias já conhecidas que ele aperfeiçoa como a racionalização dos métodos de aquisição e de armazenamento de estandardização das ferramentas e das ferramentarias de reforma na concepção e na disposição das máquinas das correias de transmissão e da sua 342 manutenção assim como da contabilidade 2 um sistema de controlo da produção que assenta num departamento especializado na planificação A especificidade do sistema de controlo mais que o próprio controlo a sua extrema elaboração no pormenor e a sua complexidade são características de Taylor 3 uma direcção de um género novo que ele qualifica de funcional destinada a suprir os defeitos da direcção tradicional 4 a cronometragem dos trabalhos outra ideia própria de Taylor que a inventa em 1882 5 finalmente os sistemas de remuneração pelo rendimento quer a uma taxa diferencial segundo as peças sistema introduzido em 1884 quer a uma taxa fixa consoante a tarefa acrescida de um bónus sistema introduzido em 1901 Nelson Taylor expõe os seus pontos de vista nos seus artigos A piecerate svstem 1895 e Shop management 1903 e no seu livro The Principles of Scientific Management 1901 No debate de ideias muito vivo que se desenvolve à escala internacional ainda em vida de Taylor e após a sua morte entre as duas guerras mundiais a OCT e o taylorismo são correntemente reduzidos a três princípios essenciais 183 1 a separação rigorosa entre a concepção das tarefas e a sua execução 2 a existência de um sistema de peritagem independente para a definição dos tempos e das remunerações que escape por isso mesmo a toda a discussão 3 os sistemas de remuneração ligados ao estabelecimento dos tempos e por isso mesmo também eles indiscutíveis em princípio As aplicações efectivas da OCT e do taylorismo 343 embora numerosas foram sempre parciais e dependentes das condições locais Nelson 1980 Montmollin Pastré 1984 Os resultados são por isso difíceis de imputar apenas aos efeitos da OCT e do taylorismo A produtividade parece ter sido consideravelmente acrescida Nelson 1980 Montmollin Pastré 1984 Taylor defendia que o seu sistema asseguraria aos salários operários uma progressão comparável ou superior à da produtividade este género de efeito é muito mais difícil de mensurar Mas os sindicatos não foram unanimemente hostis ao taylorismo É preciso também lembrar que Lenine se afirmou a partir de 1918 partidário resoluto das ideias de Taylor A partir de 1940 a OCT sempre muito praticada na indústria é suplantada de facto nos círculos intelectuais pelo movimento das relações humanas que contesta nela o primado das precauções económicas e do prisma individual opondolhe o sentimento de pertença ao grupo e a lógica dos sentimentos Este movimento prolongase pela busca de novas formas de organização do trabalho NFOT enriquecimento das tarefas grupos semiautónomos Desde 1980 manifestase uma nova curiosidade pela OCT e pelo taylorismo de rosto humano Montmollin 1981 Montmollin Pastré 1984 Por sua natureza toda a forma de organização do trabalho que se quer científica recorre a princípios essencialmente taylorianos Libertos das suas contingências históricas que os historiadores precisamente começam a conhecer melhor os princípios de base da OCT e do taylorismo não terão pois perdido longe disso toda a sua eficácia BP L Copley 1923 Coriat 1979 344 184 185 P Painel Designa correntemente no vocabulário americano uma mesaredonda em linguagem televisiva isto é um grupo de pessoas de competências variadas reunidas para discutir um dado problema a partir de pontos de vista diferentes Um segundo sentido próprio da sociologia de investigação foi introduzido por P Lazarsfeld et al 1944 na sequência de uma interpretação errónea cometida por Lazarsfeld sobre o vocabulário americano que ele dominava mal Neste segundo sentido um painel é um grupo estável de pessoas que se submetem a interrogações repetidas por questionário a intervalos de tempo regulares mais ou menos espaçados Tentase por meio deste método introduzir nos inquéritos uma dimensão temporal e medir a mudança respondendo à objecção que lhes é muitas vezes feita de apenas captarem configurações instantâneas vd sondagens de opiniões BP L Chazel Boudon Lazarsfeld 1970 Lazarsfeld 1978 Papel O papel é um conceito fundamental para definir a identidade social dos indivíduos Em R Linton 1936 para o qual o ponto de partida é a sociedade o papel está ligado 345 aos conceitos de norma e de modelo cultural A norma é uma obrigação de desempenhar um papel um constrangimento social que liga o indivíduo a um ou a vários grupos A norma serve para descrever e explicar as uniformidades do comportamento dos membros de um mesmo grupo Os papéis prescritos são regras sociais Representam modelos abstractos apresentados pelo grupo O conceito mais ligado ao papel é o de estatuto ou posição social Para Linton não há papel sem estatuto nem estatuto sem papel Mas a maioria dos autores rejeita a correspondência pura e simples entre os dois conceitos A um estatuto particular o de pai correspondem de facto vários papéis Se tomarmos como ponto de partida o indivíduo estaremos confrontados com o problema da regularidade dos comportamentos que não pode explicarse ao nível do próprio indivíduo Essa regularidade provém da identidade da posição que os indivíduos detêm Neste caso o papel é tomado em sentido institucional e manifestase pelo consenso dos membros do grupo que fundamenta as expectativas recíprocas desses indivíduos As expectativas de função são acções esperadas daquele que ocupa uma posição e que é suposto ter sido socializado para esse efeito Para executar um papel o sujeito tem pois de estar a par dos direitos e deveres da posição que ocupa As expectativas podem especificar de maneira estrita o comportamento requerido ou serem simplesmente indicações que oferecem ao actor a possibilidade de desempenhar livremente o seu papel Tais variações são função da sanção da certeza e do consenso relativo às expectativas Distinguiremos com S F Nadel 1957 três tipos de atributos do papel os atributos fundamentais cuja ausência ou modificação transforma radicalmente a identidade do 346 papel por exemplo um médico que não exerce os atributos de segundo tipo cuja modificação ou ausência faz aparecer uma diferença na percepção da eficácia do papel um médico que exerce mas não se recicla finalmente os atributos periféricos cuja ausência ou variação não afecta a eficácia do papel 186 um médico que exerce que se recicla mas que é celibatário M C Merton 1949 RocheblaveSpenlé 1962 Paradigma Esta noção descreve as convicções na maioria das vezes implícitas com base nas quais os investigadores elaboram as suas hipóteses as suas teorias e mais geralmente definem os seus métodos Assim Descartes estava convencido de que todo o fenómeno físico pode ser analisado como um sistema de acções e de reacções mecânicas como no caso dos relógios e dos turbilhões No domínio das ciências sociais M Weber cria que a explicação de um fenómeno colectivo implica que sejam postas em evidência as acções crenças e atitudes individuais de que ele é a resultante Influenciado pelo positivismo de A Comte É Durkheim cria pelo contrário que esses dados subjectivos são incompatíveis com a própria noção de ciência As sociologias de Weber e de Durkheim assentam portanto em paradigmas diferentes A noção de paradigma foi posta na moda pelo historiador e sociólogo das ciências T Kuhn 1962 Este efeito de moda 347 provém sem dúvida sobretudo do facto de ela ter legitimado uma visão relativista da ciência Contudo o filósofo clássico fizera notar que toda a demonstração assenta em princípios indemonstráveis sem daí tirar uma conclusão relativista R B Parentesco moderno O parentesco designa um conjunto de pessoas reunidas por laços de filiação paisfilhos de germanidade irmãos e irmãs e de aliança maridomulher conjunto cuja composição é gerida por regras variáveis segundo as culturas vd parentesco primitivo Nas sociedades ocidentais modernas a filiação é dita indiferenciada as duas linhas genealógicas de uma criança a do pai e a da mãe têm sensivelmente a mesma importância e geram obrigações e privilégios semelhantes Murdock 1949 Num tal sistema indiferenciado as redes de parentesco não têm fronteiras precisas e os laços no interior da rede são regidos mais por um princípio de selectividade afinidades pessoais que por um critério de estatuto em que uma atitude caracterizaria as relações com todos os membros de uma categoria de parentes Este duplo carácter aliado ao facto de o destino social dos indivíduos se jogar em grande parte à margem das redes de parentesco pôde deixar crer que a família moderna está isolada e funciona sem parentesco Múltiplas investigações mostram que pelo contrário 1 temos hoje uma probabilidade muito mais forte que no passado de poder contactar os seus ascendentes impacte do aumento da duração média de vida Le Bras 1982 2 os laços de sociabilidade com o parentesco são numerosos e valorizados mais particularmente ainda nos meios populares Roussel 348 Bourguignon 1976 Sussman 1965 3 a rede de parentesco funciona frequentemente como uma instância de mediação essencial na integração das populações rurais eou migrantes nas condições industriais e urbanas de produção Hareven 1987 4 as trocas funcionais entre gerações desempenham um papel notável no equilíbrio de vida dos casais tratase mais particularmente de serviços quotidianos nas camadas populares e de ajuda financeira ou de promoção nos meios 187 abastados Pitrou 1978 Notarseá a este propósito que vários autores sublinham uma ligeira predominância feminina de mãe para filha na constituição ou na gestão dessas relações Lee 1979 A importância e a multifuncionalidade destas trocas não os impedem de ser muito sensíveis à distância geográfica que aparece como o melhor prenunciador da sua intensidade concreta Quando examinamos precisamente os primeiros trabalhos sobre este tema o aumento dos divórcios e das famílias monoparentais parece dever reforçar a especialização funcional a flexibilidade e a selectividade dessas relações Sussman 1987 Settles 1987 J K Parentesco primitivo Esta primeira forma de organização da vida colectiva consiste ao definir os limites da família em atribuir estatutos e papéis a indivíduos e subgrupos em regular a circulação das mulheres em exprimir relações económicas segundo a idade o sexo e o lugar dos indivíduos 349 no grupo O parentesco definese pelo conjunto das relações que unem geneticamente filiação descendência ou voluntariamente aliança pacto de sangue um certo número de indivíduos Reveste um carácter sociocultural mais que biológico tanto mais que laços de consanguinidade podem não ser reconhecidos socialmente e que inversamente o parentesco social nem sempre assenta numa consanguinidade real descendência totémica adopção Especificase através de cinco ordens particulares de fenómenos 1 a filiação é o conjunto das regras que definem o estatuto de uma criança em relação a alguns dos seus ascendentes quer seus pai e mãe indiferentemente relação cognática quer apenas em linha agnática patrilinearidade se os direitos sociais a categoria o nome a religião os antepassados os bens são transmitidos pelo lado paterno quer em linha uterina matrilinearidade se se liga aos seus ascendentes pela sua mãe 2 a aliança compromete dois ou vários grupos exógamos numa relação de permuta matrimonial Nas sociedades tradicionais a troca restrita e directa supõe que os pares que permutam dão uma mulher quer imediatamente quer no prazo de uma ou várias gerações Na troca indirecta ou generalizada o grupo dador de mulheres recebe em compensação um valor admitido bois objectos dinheiro que lhe permitirá arranjar mulheres para os homens que tem de casar 3 as denominações de parentesco variam conforme se trata de termos de comunicação papá ou de designação o meu pai e consoante o sistema é descritivo o termo pai convém apenas ao progenitor ou classificatório o termo 350 pai designa toda uma classe de parentes reais ou possíveis 4 a residência é também um critério para a edificação das comunidades locais a instalação dos esposos pode de facto verificarse em casa dos pais do esposo ou da esposa do tio materno da esposa no habitat de um dos cônjuges etc 5 as atitudes entre gerações vizinhas ou alternas assim como entre afins vão desde a afeição até à frieza autoritária da brincadeira até ao desdém O parentesco inclui também fenómenos de poder intrafamiliar e de herança de bens e títulos C R Augé et al 1975 Fox 1967 LéviStrauss 1949 Needham 1949 188 PARETO Vilfredo economista e socialista italiano Paris 1848 Céligny Suíça 1923 Começada como engenheiro à frente dos caminhosdeferro da Toscana a carreira de Pareto prosseguiu e terminou fora da Itália por um tardio acesso ao ensino universitário Pareto é em primeiro lugar o sucessor de L M E Walras na cátedra de Economia Política na Universidade de Lausana Ardente partidário da livretroca e defensor de novas teorias centradas na formalização matemática do equilíbrio geral escreve o Cours déconomie politique 1897 e o Manuel déconomie politique 1906 É também um dos principais membros juntamente com G Mosca daquilo a que se costuma chamar a escola elitista italiana e o autor do Traité de sociologie générale 1916 351 1917 No entanto estas duas espécies de obras procedem do mesmo desígnio a aplicação à economia e à sociologia de uma postura correntemente empregada nas matérias experimentais a das aproximações sucessivas que tem o seu ponto de chegada teórico na afirmação da mútua dependência dos fenómenos sociais O tema central é a distribuição das riquezas a propósito da qual Pareto formulou a lei que tem o seu nome sejam quais forem os países as épocas os regimes os rendimentos têm tendência a agruparse de uma certa maneira a sua repartição apresenta esquematicamente a forma de um pião com a ponta virada para cima A classificação pormenorizada dos resíduos e das derivações a oposição da força e da astúcia dos leões e das raposas dos capitalistas e dos especuladores a periodização dos fenómenos sociais em ciclos fases oscilações que dão a todas as manifestações da actividade humana a forma de uma curva ondulada constituem juntamente com a lei da repartição das riquezas a teoria da circulação das elites e os desenvolvimentos sobre a instabilidade do equilíbrio social sendo estes os principais temas da sociologia de Pareto Várias razões como os evidentes defeitos de composição do Traité ou a aprovação dada à política conduzida por B Mussolini explicam que a obra de Pareto suscite ainda hoje um grande número de interrogações suspeitosas e de leituras divergentes B V Pareto 19641988 Busino 1967 Freund 1974 PARK Robert Ezra sociólogo americano Harveyville Pensilvânia 1864 Nashville 1944 Antigo discípulo do 352 filósofo alemão G Simmel Robert E Park é um dos sociólogos mais marcantes da escola da ecologia urbana de Chicago Depois de ter sido jornalista globetrotter secretário de uma associação de defesa dos Negros do Sul entra na Universidade de Chicago em 1913 Fascinado pela diversidade da vida urbana lança em 1916 um programa de pesquisa que incide primeiro sobre Chicago antes de ser alargado a outras cidades americanas Laboratório social por excelência a cidade é para ele o objecto de estudo privilegiado do sociólogo Ela pede de facto uma abordagem à maneira do modelo da ecologia natural que estuda as relações entre as diferentes espécies animais e vegetais presentes num mesmo território A intenção de Park é captar em toda a sua complexidade as relações que os citadinos mantêm com um meio ao mesmo tempo material e humano que eles próprios modelaram e que permanentemente se transforma Sendo a vida urbana feita de rupturas 189 e de reorganizações o seu estudo passa em particular pelo da patologia urbana que acompanha com frequência os fenómenos de imigração Park é o autor de Introduction to the Science of Sociology 1921 Y G Grafmeyer Joseph 1979 PARSONS Talcott sociólogo americano Colorado Springs 1902 Munique 1979 Em The Structure of Social Action 1937 Parsons pretendia estabelecer a convergência entre as obras de É Durkheim V Pareto e M Weber que 353 tendo partido de horizontes metodológicos muito diferentes teriam sido levados a reconhecer o lugar central do conceito de acção social Parsons tinha o duplo mérito de introduzir no campo da reflexão da sociologia americana noções como as de acção e de compreensão e de chamar à atenção para a importância dos sistemas de valores designadamente no domínio da religião Em 1951 Parsons publica The Social System e juntamente com Shils Toward a General Theory of Action o estrutural funcionalismo de Parsons apresentase então como uma teoria da acção e como uma teoria dos sistemas sociais Toda a acção é um sistema de alternativas que permite ao próprio e a outrem orientarse a si próprio e um em relação ao outro segundo variáveis de configuração pattern variables Nos anos 60 Parsons regressa aos problemas clássicos da sociologia comparativa Regressa então ele graças à emergência daquilo a que chama evolutionary universals ao evolucionismo que condenara nos seus primeiros escritos Finalmente Parsons alarga o campo da sua reflexão a um certo número de factos biológicos tais como o sexo a idade a morte a saúde e procura compreender como é que esses dados da human condition se exprimem em códigos simbólicos mais ou menos estritamente institucionalizados no sistema social e no sistema cultural F B Bourricaud 1977 Parsons 1967 Parsons Smelser 1956 Partido político Um partido político é um grupo social organizado de maneira durável articulado até ao escalão local e que solicita o apoio popular em ordem ao exercício 354 directo do poder O aparecimento dos partidos políticos sob a sua forma moderna é um fenómeno recente segunda metade do séc XIX Este tipo de organização só aparece portanto quando estão reunidas certas condições Três tipos de explicações foram propostos sobre a origem dos partidos 1 a abordagem institucional que liga o seu desenvolvimento ao alargamento do sufrágio e ao papel das assembleias parlamentares Duverger 1951 2 a abordagem histórica que associa o seu nascimento a uma situação de crise 3 a abordagem desenvolvimentista que liga a sua formação a um processo geral de modernização La Palombara Weiner 1966 O desenvolvimento dos partidos políticos apresentase igualmente como um fenómeno geral Eles preenchem de facto por todo o lado duas funções essenciais 1 uma função de estruturação Organizam a expressão da opinião e transmitem os pedidos aos centros de decisão Esta função que nos países democráticos vai até à estruturação do voto pode exercerse em sentido inverso nos regimes autoritários pelo controlo e pelo enquadramento da população Nos 190 países em desenvolvimento a função de enquadramento está muitas vezes associada ao desejo de criação de uma identidade nacional 2 uma função de recrutamento assegurando os partidos a selecção e a renovação das elites políticas O estudo dos partidos políticos foi em grande parte orientado para a análise das suas estruturas e desembocou na elaboração de 355 diversas tipologias que distinguem por exemplo os partidos de massa os partidos de quadros e os partidos de união catchall party Mas numa postura inspirada na sociologia das organizações um partido pode igualmente ser compreendido como um sistema constituído por elementos interdependentes este sistema é integrado num conjunto mais vasto que constitui o sistema dos partidos ele próprio em interacção com o eonjunto do sistema político Prestouse uma atenção particular à influência do modo de escrutínio no número e na estrutura dos partidos Os modos de escrutínio não são mais que instrumentos políticos e o sistema dos partidos é menos dependente deles do que por vezes se pretendeu D D Cotteret Emeri 1970 Offerlé 1987 Pauperização Falase de pauperização quando numa dada sociedade camadas sociais inteiras se empobrecem com regularidade isto é vêem os seus rendimentos e os seus patrimónios diminuir de maneira constante Observamse fenómenos de pauperização em toda a parte particularmente quando sociedades são afectadas por crises duradouras ou se encontram envolvidas em processos de reajustamento ou de adaptação a ambientes em mutação ambientes naturais degradados por exemplo Na esteira de alguns marxistas houve quem se interrogasse se as economias capitalistas modernas não produziriam inevitavelmente a pauperização das camadas operárias A tese mais extrema foi defendida pelos comunistas nos anos 50 a classe operária veria o seu nível de vida diminuir de maneira absoluta à medida que fossem 356 crescendo as economias capitalistas Rapidamente abandonada essa tese foi geralmente substituída por uma teoria sobre a pauperização relativa dos trabalhadores assalariados as camadas desfavorecidas só lentamente poderiam aumentar os seus rendimentos a um ritmo muito mais lento que as camadas privilegiadas Esta última concepção também não reuniu a unanimidade Alguns economistas fizeram questão em corrigila e sublinharam que fortes tensões sobre o mercado do trabalho podiam favorecer os salários em relação ao lucro Admitese agora que os fenómenos de pauperização envolvem sobretudo as camadas que se encontram expulsas ou mantidas fora da produção dos bens e serviços A pauperização neste sentido apresentase como a sanção de verdadeiras discriminações sociais JM V Mandel 1962 Planificação Modo de organização da vida económica de um país em que a oferta e a procura em vez de serem determinadas pelas forças do mercado são orientadas por um plano plurianual previamente estabelecido Esta orientação reveste formas mais ou menos constrangedoras e distinguemse a este respeito duas grandes categorias a planificação centralizada imperativa e a planificação flexível ou indicativa A planificação centralizada introduzida 191 após 1928 por Estaline na União Soviética e alargada depois 357 de 1945 a todos os países sob regime comunista substitui a economia capitalista por um sistema radicalmente diferente em que os meios de produção pertencem ao Estado e em que se produz para executar os objectivos do Plano e não para obter lucros ao satisfazer uma procura solvível Consequentemente as economias de planificação imperativa têm moedas inconvertíveis o comércio externo é monopólio estatal nem os assalariados nem os consumidores podem organizarse para reivindicar quanto às empresas dependem todas de ministérios de tutela que fixam cada ano as quantidades e os preços do que compram e fabricam Na planificação indicativa de que a França oferece um bom exemplo já não se trata de criar um novo sistema económico mas de corrigir as imperfeições do mercado e do processo político A mensagem económica difundida pelo Plano junto das empresas das administrações e dos parceiros sociais visa de facto o duplo objectivo de introduzir a preocupação do futuro e o empenho da coerência nas acções públicas e privadas por meios que assentam essencialmente na persuasão e no incitamento Estes dois tipos de planificação estão ambos em crise Crise de credibilidade para os planos indicativos Depois dos choques petrolíferos da revolução informática das oscilações das taxas de câmbio e das taxas de juro o mundo económico tornouse mais turbulento e menos previsível portanto menos controlável Tendo sido um dos meios desse controlo a planificação sofre com isso Para os planos imperativos tratase de uma crise mais global porque a rigidez da planificação centralizada convém cada vez menos a uma economia moderna mas dar mais autonomia aos agentes económicos é politicamente arriscado porque é o 358 monopólio do partido único que então se encontra posto em causa B C Asselain 1981 Massé 1965 Quinet Touzery 1986 Poder Em sentido geral o poder designa a faculdade de agir própria do ser humano e num sentido derivado a aptidão de um dado actor para levar a cabo acções eficazes Esta acepção ampla do poder preside a definições conhecidas como a de B Russell 1938 para o qual o poder consiste na produção de efeitos procurados A própria generalidade deste tipo de definição pode no entanto tornarse um obstáculo em particular quando se trata de apreender o poder nas suas dimensões especificamente sociais ou políticas E de facto ao poder sobre que o investigador deve então prioritariamente prestar a sua atenção sem descurar o poder de Pelo facto de observar o fenómeno no próprio jogo e trama das relações entre as pessoas e os grupos ele é levado a pôr em evidência o carácter relacional do poder A despeito da fórmula de Hobbes 1651 segundo a qual o poder de um homem consiste nos seus meios presentes de obter algum bem aparente futuro não podemos hoje aternos a uma concepção substancial que faria do poder um puro atributo do actor se é verdade que não há poder sem recursos é preciso ainda que estes sejam mobilizados e se for caso disso postos em acção para que se torne apropriado falar de poder Em última análise o poder consiste essencialmente em relações assimétricas entre actores e grupos de actores e o seu exercício é condicionado por uma distribuição desigual de recursos 359 192 Será legítimo nesse caso substituir segundo a sugestão de H Simon 1957 a proposição F tem poder sobre S pela seguinte proposição a conduta de F causa a conduta sobre S A resposta é manifestamente não se se trata como o fez W H Riker 1964 de associar à análise do poder uma concepção da causalidade definida em termos de condição necessária e suficiente a linguagem da implicação recíproca não é aplicável ao poder tal como à maioria dos objectos da pesquisa em ciências sociais Mais globalmente se a complexidade do fenómeno nem por isso impede o recurso à noção de causalidade é preciso admitir que a retradução da ideia de poder numa linguagem metodológica apropriada choca com mais obstáculos que o que pensava Simon Além disso o paradigma inerente à análise da causalidade talvez não seja o mais fecundo neste domínio pela sua concentração unicamente nos resultados ele deixa escapar a dimensão estratégica do poder e não permite praticamente elucidar os seus modos específicos de acção Deste último ponto de vista convém sublinhar que a capacidade de impor sanções negativas desempenha um papel muitas vezes decisivo nas relações de poder O exercício do poder de A pode de facto encontrar resistências da parte de B e implica que esta eventual resistência seja vencida como bem sublinhou M Weber 1922a na sua definição do poder que faz dele a possibilidade de fazer triunfar no seio de uma relação social a sua própria vontade mesmo contra a resistência de outrem Mas o poder nem sempre choca com resistências Primeiro pode desencorajar toda a tentativa de 360 resistência por acções de prevenção ou de demonstração simbólica Seguidamente as relações de poder nem todas se reduzem ao modelo extremo do jogo de somatório nulo no qual todo o ganho de A traz consigo uma perda equivalente para B Por fim não há que descurar os casos em que um poder legítimo beneficia por um lado de um consentimento activo e por outro de uma aquiescência resignada da maioria daqueles sobre os quais se exerce Há pois que evitar oposições ingénuas entre legitimidade e força um poder legítimo reconhecese sem dúvida pela extensão do seu apoio mas também pelo direito reconhecido de obrigar um eventual recalcitrante É por isso que a análise dos modos de combinação entre coerção e legitimidade nas relações de poder nas quais D Wrong 1979 pôs justamente a tónica deve constituir um tema central da investigação sociológica neste domínio F C Aron 1964b Chazel 1974 Parsons 1967 Poliarquia Porque a noção de democracia lhes pareceu demasiado geral sociólogos políticos Dahl 1961 preferiram o termo poliarquia para designar de maneira mais precisa a forma assumida pela democracia nos regimes representativos ocidentais A democracia moderna não é e não pode ser o governo do povo pelo povo E este último nunca governa a não ser por delegação da sua soberania numa elite política por meio dos seus votos na pluralidade das candidaturas e dos partidos A lógica é a da representação política e da consulta eleitoral com as suas vicissitudes Quando se descreve a poliarquia como o lugar dos confrontos públicos entre patrões líderes 361 193 sindicais homens políticos quando se sublinha o pulular das associações de defesa de interesses diversos e o ímpeto de cada uma não se faz mais que descrever o funcionamento normal da democracia Num tal espaço o governo não pode ser senão o resultado de um compromisso negociado O que o termo poliarquia quer sublinhar é por um lado a pluralidade das forças políticas e dos centros de decisão capazes de se equilibrarem a fim de que seja garantida a liberdade por outro lado o facto de os detentores do poder terem a convicção da precariedade no tempo do seu reinado e opositores de ontem sabem que são opositores potenciais de amanhã É esse o espírito da poliarquia A A Polícia Instituição ou organismo encarregado de fazer respeitar a ordem em sentido amplo implementação e organização dessa ordem Para alguns não há polícia que não dependa do monopólio estatal ao passo que outros concebem polícias não estatais A polícia pública tornouse o provedor habitual da justiça penal Actua quer por sua iniciativa proactividade quer por impulso externo reactividade No primeiro caso garante a segurança do Estado e intervém sobretudo nos lugares públicos circulação rodoviária controlo de identidade Esta tarefa não corresponde no entanto a uma lista precisa de actividades definidoras do ofício de polícia No outro caso a vítima apresenta queixa tanto mais facilmente quanto o autor lhe é desconhecido autoridades políticas e 362 administrativas assim como pessoas privadas dirigemse à polícia de cada vez que nenhum outro organismo é competente ou está disponível A ordem pública estatal não se reduz ao que a polícia gere Uma multidão de órgãos administrativos fisco alfândega inspecção de trabalho ou paraadministrativos comissão das operações de Bolsa dispõe de poderes e efectua tarefas análogas em domínios especializados mas recorrem à transacção e à regularização de preferência à acção penal Além disso fenómeno fundamental da nossa época organismos privados e empresas desenvolvem autênticas polícias privadas no seu domínio de actividade recrutando agentes de segurança ou recorrendo a firmas especializadas A demanda penal é então apenas uma ultima ratio desse controlo privado que obedece a lógicas e a prioridades muito diferentes PH R Sociologie du travail 1985 Demonque 1983 Lévy 1987 Ocqueteau 1986 Polítia Grupo humano particular Vd Guerra Política sociologia Podemos dizer com alguns autores que a sociologia política consiste simplesmente no estudo sociológico da política mas esta fórmula permanece ambígua enquanto não nos pusermos de acordo sobre a noção de política e em particular sobre a sua extensão por si mesma não basta para circunscrever o domínio da sociologia política A sociologia política reconhecese primeiramente em algumas grandes orientações já 363 referenciáveis antes que a nova disciplina tivesse sido institucionalmente reconhecida Sob muitos aspectos M Weber 1922a pode ser considerado como o verdadeiro fundador da sociologia política por um lado sublinhou a importância 194 geral dos fenómenos de poder e de dominação por outro viu o critério da modernidade na emergência da burocracia com a total separação entre funcionários e meios de administração assim como a estrita especialização das tarefas que a caracterizam e portanto do Estado legal racional O seu discípulo R Michels 1911 pôs em evidência as tendências oligárquicas dos partidos políticos Avaliase assim o contributo dos weberianos para a constituição da sociologia política R Bendix e S Lipset 1957 fazem mesmo da dupla burocraciaoligarquia um dos eixos fundamentais da disciplina A sociologia política deve também muito à obra de um pioneiro Alexis de Tocqueville que tem o duplo mérito de analisar a mudança política eventualmente revolucionária a partir das características da sociedade global em que apareceu A sua postura implicitamente comparativa consiste em tirar lições da experiência americana à luz do caso francês em De la démocratie en Amérique 1835 ou em confrontar os destinos históricos contrastados da França e da Inglaterra em LAncien Régime et la Révolution 1856 Por fim a sociologia política soube tirar partido da herança de Marx Sem adoptar as soluções excessivamente deterministas que decorrem do seu modelo dominante 364 retoma por sua conta um certo número de problemas que ele propusera grau de concentração do poder económico relação entre poder económico e poder político condições de emergência e natureza das ideologias Estes temas directamente saídos da tradição clássica e que podem ser hoje abordados diferentemente nem por isso deixam de fazer parte integrante da sociologia política Basta acrescentarlhes os estudos eleitorais que estão plenamente inseridos no âmbito da sociologia política a partir do momento em que se interessam prioritariamente pelas bases sociais da diversidade política para termos uma imagem mais ou menos correcta das tendências dominantes da sociologia política nos anos 60 A partir de então dois objectos de estudo conquistaram progressivamente uma grande importância as políticas públicas por um lado e o processo de mobilização e os movimentos sociais por outro A análise das políticas públicas permitiu enriquecer consideravelmente o estudo das decisões encaradas doravante não já apenas na sua fase de elaboração mas também na da sua implementação O estudo das mobilizações e dos protestos colectivos chamou de novo a atenção para o poder virtual das acções dirigidas contra o Estado Contribuiu também para pôr em evidência a influência do parapolítico sobre o político A sociologia política mantémse assim fiel à sua vocação primeira contrariamente a uma opinião muitas vezes espalhada pelo menos em França sociologia política e ciência política não são simplesmente duas designações de uma única disciplina fundamental a sociologia política que não poderá reduzirse a uma perspectiva institucional examina os processos políticos a partir da sociedade convém pois não identificála 365 com a ciência política em geral mas reconhecer nela uma ciência do político que tem uma postura e objectivos específicos F C Birnbaum Chazel 1971 Dogan Pelassy 1982 Lipset 1960 Populismo O populismo em russo narodnichestvo designa o movimento 195 dos intelectuais russos como A Herzen e sobretudo N Tchernychevski que nos anos 18501880 se opôs ao czarismo Os populistas desconfiados relativamente ao liberalismo ocidental queriam educar os camponeses identificados com o povo nos quais viam os guardiões naturais das tradições e da alma russa para mobilizálos contra o despotismo e para fundar um comunismo agrário Marx e depois Lenine opuseramse aos populistas a quem censuravam o facto de não verem o carácter de classe da sociedade e a confusão que arrastava consigo a noção de povo Actualmente e por analogia denominase populista todo o movimento ou toda a doutrina que faz apelo de maneira exclusiva ao povo ou às massas de maneira indiferenciada e por vezes mística São neles secundários os antagonismos de classe é negado o papel do proletariado urbano e das suas organizações como vanguarda revolucionária A ideologia populista está muito espalhada nos países antigamente colonizados ou semifeudais e 366 conciliase muitas vezes com um poder ditatorial evidentemente antiimperialista A A Positivismo e neopositivismo O positivismo cujo pai em filosofia é Auguste Comte definese primeiro pela recusa de toda a legitimidade da metafísica O princípio do conhecimento consiste em partir do observável e aterse a ele O pensamento só pode atingir relações e leis A interrogação sobre os fins e sobre a essência oculta das coisas não é mais que ilusão religiosa O neopositivismo lógico do círculo de Viena aparentase com este positivismo pela mesma recusa de reconhecer toda a pretensão filosófica a um saber distinto do saber científico entendido stricto sensu A metafísica é citada como o exemplo da ausência de sentido gerada pelo menosprezo da lógica real da linguagem Quanto ao critério de verdade objectiva ele só pode ser o critério da experiência sensível O positivismo sociológico e o neopositivismo são evidentemente fiéis a este conjunto de princípios epistemológicos e postulam que o tratamento matemático e lógico dos factos e a prova empírica são as fontes exclusivas de uma sociologia científica que exclui qualquer outro projecto para além da descoberta entre os factos de relações constantes de semelhança de sucessão ou de interacção A A Potlatch Dom cerimonial orientado para a conquista ou manutenção do prestígio O potlatch palavra da língua índia nootka foi observado entre os índios da costa noroeste dos Estados Unidos da América designadamente entre os 367 Kwakiutl por F Boas Aplicase a festas dadas por ocasião de cerimónias habituais nascimento casamento iniciação etc ou provocadas durante as quais os anfitriões distribuem aos seus convidados toda a espécie de bens Obrigados a aceitar os donatários vêemse obrigados sob pena de perderem o rosto e o seu prestígio a retribuir dando eventualmente ainda mais A rivalidade pela categoria social entre chefes de clã famílias confrarias traduzse também pela destruição de bens por ocasião das cerimónias M Mauss 1925 que falava a propósito do potlatch de prestações totais de tipo agonístico via aí o protótipo do sistema de trocadom característico de numerosíssimas sociedades arcaicas Muitos durkheimianos Mauss G Davy 1922 M Granet 196 atribuíam um lugar central à instituição do potlatch na evolução das sociedades humanas vendo nela um período de transição em que aparecem as diferenciações hierárquicas a individualização da autoridade as premissas do direito contratual a particularização dos cultos Goudineau 1986 PH BD Preconceito Estreitamente ligada à noção de atitude por um lado e à de estereótipo por outro a ideia de preconceito foi elaborada por sociólogos americanos para explicar o fenómeno do racismo G W Allport 1954 definiuo como o juízo feito sobre um grupo antes de qualquer experiência e análise tem portanto uma função de simplificação ao permitir a implementação de um processo de categorização 368 social e ao fazer apelo a uma causalidade unidimensional funciona com base no princípio da generalização todo o grupo e cada um dos seus membros indistintamente leva as marcas estereotipadas que o estabelecem numa singularidade O preconceito implica ao mesmo tempo naqueles que o utilizam uma componente afectiva e valorativa que não é determinada pela realidade do grupo objecto do preconceito T Adorno e os seus colaboradores 1950 mostraram que no indivíduo o preconceito e mais em geral a atitude não podia ser isolado integrase no sistema que forma a sua personalidade Estas diversas características explicam por um lado que porque está ligado ao sistema de valores do sujeito o preconceito resiste fortemente a toda a informação contraditória mas por outro que o preconceito pode ter uma função de integração social pois que permite a criação de uma identidade colectiva entre os que partilham o mesmo preconceito Y C Predição criadora Adaptação dan expressão self fulfilling prophecy é a profecia que se realiza por si própria popularizada por R K Merton 1949 Tratase do mecanismo pelo qual o anúncio da previsão basta para produzir o acontecimento previsto O facto de uma autoridade reconhecida anunciar uma queda da Bolsa arrastará efectivamente a sua queda Exemplo particularmente marcante dos efeitos de composição a predição criadora tem um alcance muito geral e pode ser alargada ao caso das crenças colectivas que embora sem fundamento objectivo se verificam e se mantêm porque produzem efeitos conformes com o que enunciam Falase de 369 predição destruidora a propósito do mesmo mecanismo funcionando no outro sentido a previsão de um acontecimento impede a sua realização Uma sondagem pré eleitoral pode ter uma função de predição criadora se leva os eleitores a votar pelo candidato melhor colocado ou de predição destruidora se os leva a votar contra PH BD Profetismo Por profetismo designase uma constelação de papéis sociais que remetem para o tipo central do profeta Este Weber 1922a 1921a é uma personagem que sai do comum e é característica dos períodos de crise pretende ter uma vocação uma missão e um carisma religioso pessoais reconhecidos por um grupo de discípulos Geralmente leigo e tendo usurpado a sua missão opõese ao mesmo tempo ao sacerdote e ao mágico M Weber 1920 insistiu no papel importante que o profetismo judaico 197 e cristão profecia ética desempenhou na racionalização das atitudes da vida quotidiana no Ocidente a ascese monástica extramundana e o protestantismo ascético intramundano do puritanismo e das seitas foram os portadores e os motores deste processo Em contrapartida o profetismo exemplar extremooriental mais voltado para a meditação que para a ascese ética no mundo não produziu em geral os mesmos efeitos Próximos do profeta mas não se confundindo com ele encontramse Weber 1922a 1921a os reformadores religiosos e sociais o legislador Moisés por exemplo e 370 sobretudo o demagogo Por este último termo Weber 1921b entende o político por vocação que pretende ter uma missão e a vê reconhecida por partidários esta missão apoiase num passado heróico ou na pretensão a uma relação pessoal privilegiada com a nação o povo o partido etc O demagogo é o profeta político dos tempos modernos estes últimos nem por isso estão necessariamente desprovidos de profetas religiosos J S Profissão Durante muito tempo as profissões foram identificadas com as profissões liberais que longe de desaparecerem aquando do advento do capitalismo industrial antes se desenvolveram nas suas margens Por isso vemos os sociólogos interessaremse por elas desde muito cedo É Durkheim 1893 interrogavase já sobre o papel das corporações que ele considerava essenciais ao funcionamento democrático da sociedade Essa ideia será sistematizada por T Parsons numa perspectiva funcionalista Mas entrementes o estudo das profissões tornarase um tema recorrente da sociedade americana Herpin 1973 Em 1915 S Flexner a propósito do exercício da medicina do direito da engenharia e das artes enumerava os seus atributos distintivos aos quais se referiram todos os que seguidamente abordaram o domínio das profissões Três critérios ocorrem sobretudo na maioria das definições a especialização do saber que traz consigo uma determinação precisa e autónoma das regras da actividade uma formação intelectual de nível superior que supõe a existência de escolas de formação devidamente reconhecidas um ideal de serviço que apela ao estabelecimento de um código 371 deontológico e ao seu controlo pelos pares Em todos os casos estudados que incidem sobre profissões liberais sublinhase a implantação progressiva dos mesmos elementos significativos no quadro de uma sociedade que parece ganha pelos valores profissionais Donde a tentação de utilizar o conceito fora do seu quadro de origem estendendoo às ocupações assalariadas Mas essa é uma postura arriscada porquanto a profissionalização de certas actividades como a dos engenheiros tropeça numa tendência geral contrária a burocratização que não favorece a autonomia nem o ideal de serviço Nestes últimos anos multiplicaramse as críticas em relação à profissão e ao modelo funcional subjacente Maurice 1972 A comunidade liberal já não é apresentada como um meio sociocultural homogéneo como se vê no direito ou na arquitectura Moulin 1973 O profissionalismo reconhecido dos quadros é uma falsa aparência para assalariados que jamais terão acesso às funções dirigentes Já não estamos no tempo em que o conceito parecia dever transformar a sociologia do trabalho A profissão pode ser abordada como uma forma de 198 actividade entre outras no contexto global da divisão social do trabalho F G Progresso A noção de progresso implica que a história tem um sentido e que esse sentido é linear contínuo que vai da noite para o dia da indigência para a abundância da selvajaria para a civilização em suma vai em direcção ao 372 Verdadeiro e ao Bem confundidos num só objectivo Este progresso na história é gerado pela acumulação indefinida dos progressos técnicos que permitem o domínio da natureza e geram por sua vez o progresso da consciência Identificase com o progresso da Razão Pode evidentemente limitarse a noção de progresso a uma dada sociedade e ao sistema de valores que é o seu É o que pretende o sociólogo que não faz do progresso um conceito mas uma crença que ele tem de estudar como tal Quanto ao conceito preferirá o de desenvolvimento desenvolvimento económico desenvolvimento político etc É com Condorcet e a sua obra póstuma 1795 que o progresso faz a sua entrada na cena intelectual e política O autor a partir de um quadro exaustivo das épocas da humanidade estabelece a lei que governa o seu curso a aquisição do conhecimento o aperfeiçoamento das técnicas o aumento das riquezas que daí decorre trazem a felicidade a segurança num mundo pacificado Esta crença optimista na história constitui o essencial do pensamento republicano do séc XIX que gostava de conjugar progresso científico e progresso moral O séc XX será por seu turno o das desilusões do progresso para retomar o título do livro de R Aron publicado em 1969 Viuse nele que o crescimento económico não gera necessariamente a eliminação das desigualdades nem a reconciliação entre os homens e menos ainda entre os povos Opõese por vezes sem razão a noção de progresso à de tradição Com efeito a dupla válida é a de progressodeclínio na medida em que opõe duas filosofias da história semelhantes mas de sinais contrários A A 373 Proletariado Designase sob este termo a classe dos mais desfavorecidos que na sociedade capitalista tem como única riqueza uma força de trabalho que tem de vender aos proprietários dos meios de produção A noção de proletariado difere da de classe operária A classe operária elemento da estratificação social é um objecto de investigação sociológica banal O proletariado remete para uma abordagem ideológica moral ou política da sociedade Do que se trata é de designar a classe dos pobres dos excluídos e de interrogarse sobre o seu destino histórico É assim que com Marx o proletariado será esse messias que porque encarna a privação integral pode tornar se o agente pelo qual a humanidade acaba com a sua infelicidade secular exploração do homem pelo homem e recupera a sua própria substância Não podemos compreender a noção de proletariado se a não referirmos ao duro período dos inícios da industrialização Villermé 1840 Mas o proletariado tornou se classe integrada na sociedade e dispõe de fortes aparelhos para defender os seus interesses materiais e morais O nosso mundo já não é o que é descrito por E Sue ou mesmo por É Zola A A 199 Prospectiva O adjectivo prospectiva que existia em T Gautier com o sentido de voltado para o futuro foi transformado em substantivo por G Berger 1957 para designar uma atitude de espírito que encara o futuro não 374 como uma realidade escrita antecipadamente que se pode descobrir cientificamente mas como o resultado por vezes involuntário das acções humanas no diaadia Mais ou menos na mesma altura B de Jouvenel 1964 criava a noção próxima de futuriveis para designar os descendentes do estado presente que nos aparecem actualmente possíveis Esta perspectiva não é inteiramente nova Desde a Antiguidade os homens esforçaramse de facto não apenas por adivinhar o futuro mas também por desenhar o rosto que desejariam que ele assumisse Cazes 1986 Mas tratase essencialmente de imagens do futuro cuja procura era inteiramente passiva ao passo que a oferta era marcada por um nítido amadorismo A mudança verificada após 1945 traduzse pelo contrário por um duplo movimento de institucionalização e de profissionalização das reflexões sobre o futuro Houve em primeiro lugar fixação institucional no sentido de que as pesquisas sobre o futuro são doravante uma preocupação permanente das grandes empresas dos governos das organizações internacionais Estes consumidores de prospectiva não se limitam a acompanhar o que se publica mas encomendam sistematicamente estudos sobre o futuro à medida do presidente H Truman que durante a Guerra da Coreia criou em 1951 a Comissão Paley encarregada de examinar as necessidades dos Estados Unidos em recursos naturais no horizonte 1975 A prospectiva acabou por profissionalizarse porque os seus praticantes manejam instrumentos muito diversos extrapolação de tendência modelização cenários etc Esta sofisticação metodológica não deve fazer esquecer que permanecemos ainda muito desguarnecidos face a três 375 questões fundamentais 1 que elementos da realidade presente se manterão invariantes 2 que tendências fortes estamos em posição de prolongar 3 que novidades sobreviverão sem préaviso infirmando simultaneamente as conjecturas tiradas do ajustamento das invariantes e das tendências fortes B C Lesourne Godet 1985 PROUDHON PierreJoseph teórico socialista francês Besançon 1809 Paris 1865 Desde a publicação do seu memorial em 1840 Questce que la propriété tornase um dos mais importantes teóricos do socialismo francês O seu livro de 1846 Système des contradictions économiques suscitou a crítica de Marx e a ruptura das suas relações Deputado em 1848 depois preso durante três anos não deixou de polemizar contra o Segundo Império e foi de novo condenado após a publicação de De la justice dans la révolution et dans lÉglise 1858 Não pôde acabar a sua última obra escrita De la capacité politique des classes ouvrières 1865 Uma tríplice crítica atravessa as suas obras crítica da propriedade privada dos capitais e da desigualdade denúncia do Estado centralizador fonte da alienação política crítica das religiões e de toda a ideologia da transcendência A estas três alienações opõe Proudhon uma organização autogestionária da produção o federalismo social e político uma moral exigente fundada na justiça Esta filosofia social comporta um conjunto de indicações 376 200 de carácter sociológico sobre o pluralismo social a violência do Estado centralizado as formas de resistência às opressões o carácter destruidor das ideologias políticas o dinamismo dos grupos naturais P A Ansart 1967 Bancal 1970 Haubtmann 1982 Voyenne 1973 Psicanálise e sociologia A psicanálise ciência do inconsciente não ultrapassa os seus direitos quando estende a sua pesquisa e a sua interrogação às produções simbólicas que constituem o tecido social Certas obras de S Freud 1913 1927 1929 1939 fazem parte do campo sociológico de maneira original Depois de Freud a psicanálise foi utilizada como instrumento de pesquisa por numerosos etnólogos e sociólogos que viam nela a chave que abria as portas do simbolismo social Isso fezse muitas vezes a partir de uma analogia rápida com o sonho Mas o mau uso da psicanálise não deve hipotecar o seu uso legítimo Certos temas de Freud que dizem respeito ao sociólogo merecem ser retidos a universalidade do complexo de Édipo que fornece um modelo para esclarecer a articulação de civilização interdito culpabilidade rituais o conflito original entre Eros e pulsão de morte que permite avançar explicações quanto aos fenómenos sociais paradoxais ou paroxísticos a lógica do inconsciente tal como ela se apresenta nos sonhos nas neuroses etc e que induz hipóteses para apreender o espaço codificado das produções simbólicas diversas A psicanálise não é uma chave para o sociólogo é um 377 conjunto de indicações e de advertências que ele faria mal em não ter em conta A A Publicidade O conceito de publicidade designa não tanto uma coisa como um movimento que vai do privado ao público enquanto actividade económica a publicidade contemporânea referese a um processo de promoção comercial realizado por meio de anúncios e pelo jogo de três actores o anunciador que emite a mensagem o suporte que difunde o anúncio no público e a agência que concebe e realiza os produtos publicitários O agente de publicidade aparece por volta de 1840 e desenvolvese depois como intermédio entre os anunciadores e os suportes A agênciaconselho moderna articula a sua estrutura em função deste papel fundamental criativos e comerciais colaboram nela para fabricar anúncios de todas as espécies e organizálos em campanhas de publicidade em função das necessidades dos anunciadores e dos suportes No início do séc XX elaborase nos Estados Unidos uma disciplina nova o marketing A publicidade figura nela como um fluxo de informações económicas que vão da oferta para a procura simétrica e inversa de um fluxo de estudos de mercados económicos e psicológicos que informam os anunciadores sobre os alvos visados pelas suas campanhas Duas expressões tentam descrever a influência exercida pela publicidade de massa a sociedade de consumo supõe que o sistema do marketing não se regula por si próprio mas suscita cronicamente um sobreaquecimento da máquina económica alimentada por uma estimulação publicitária abusiva A sociedade do espectáculo denuncia uma 378 situação em que a produção de sinais se substitui progressivamente à dos bens reais em que os próprios anúncios se consomem A crítica marxista por seu turno continua 201 a ver no reclamo o instrumento da dominação de uma classe sobre o conjunto da população Ao nível dos factos verifica se que a pressão publicitária que mede o investimento em anúncios por habitante depende sobretudo do grau de desenvolvimento industrial mas também que ela varia notavelmente de país para país Em 1985 andava à volta de 66 dólares nos países desenvolvidos 60 em França e ultrapassava 200 dólares em quatro Estados Unidos Suíça Finlândia e Emirados Árabes Pelo que se refere à coacção social as partes envolvidas na actividade publicitária estão em situações tipicamente diferentes 1 o anunciador procura agarrar uma clientela e fazer com que a sua marca seja preferida às concorrentes A sua publicidade servelhe para estabelecer com o seu alvo relações extraeconómicas de ordem do desejo 2 o suporte procura optimizar as suas receitas que lhe vêm parcialmente dos anúncios que difunde Isso levao com frequência a evitar especializarse num público preciso mas tem então de aceitar exercer uma influência tanto mais incerta quanto se exerce sobre o conjunto fluido do grande público 3 por fim o publicitário vêse envolvido num dilema ou convencer muito pouco e perder os seus clientes 379 anunciadores ou convencer de mais e suscitar a hostilidade de uma opinião pública que tem constantemente de seduzir sem no entanto despertar a sua desconfiança para com a manipulação suave G L Públicoprivado Estas noções saíram da revolução das ideias que nascida no Ocidente no séc XVII fundou a democracia liberal Ao apresentarem como única fonte de legitimidade dos poderes a noção de contrato isto é ao definir de maneira precisa o espaço do político os liberais reivindicam os direitos originais do indivíduo e desenham as fronteiras para além das quais nenhum poder é legítimo tratase daquilo a que Hobbes chamava o foro interno ou seja liberdade de pensar e de crer A partir daí impõese uma distribuição entre espaço público e espaço privado constituindo um o domínio do Estado e o outro o dos egoísmos da sociedade civil As coisas são de facto mais complexas Há o espaço público da sociedade política o espaço privado da sociedade civil família propriedade privada mercado etc e o espaço privado da subjectividade individual Porque como abstrair do facto de que sociedade política e sociedade civil têm por único e mesmo fundamento o sujeito livre A evolução das sociedades liberais mostrou aliás que a separação a diferenciação de princípio dos domínios da sociedade civil e do Estado sem o que deixa de haver democracia liberal em nada contradizem o facto de uma crescente interrelação AA 380 202 203 Q Quadro Sob o ponto de vista das convenções colectivas os quadros e engenheiros aos quais estão associados definemse por referência a um diploma de escola superior que se supõe eles deterem Mas nenhuma nomenclatura assenta na tomada em consideração deste único critério Com frequência a experiência profissional vem disfarçar a ausência ou insuficiência do diploma porque a função de quadro requer iniciativa criatividade e responsabilidade no trabalho A despeito destas precisões os critérios oficiais não são satisfatórios O grupo dos quadros que progrediu desde há quinze anos a ponto de reunir perto de 10 por cento dos activos apresentase compósito se nos referirmos às suas trajectórias escolar e profissional aos seus rendimentos ou ao seu modo de vida Depois de terem tomado os quadros por uma categoria técnica que poderíamos encarar com critérios objectivos Benguigui Monjardet 1970 os sociólogos reataram contacto com uma certa tradição realista os quadros só teriam existido a partir do momento em que pela luta social e política 1936 foram etiquetados pelos outros e se identificaram como tais num jogo complexo de discurso e de autorepresentação no termo do qual o grupo se naturalizou Boltanski 1982 F G 381 Questionário Série de questões que se põe a um informador que podem envolver as suas opiniões as suas representações as suas crenças ou várias informações factuais sobre ele próprio ou o seu meio O questionário é o instrumento de base de todo o inquérito extensivo Pode ser administrado por um inquiridor directamente ou por telefone por Minitel ou minicomputador ou ainda proposto por escrito às pessoas interrogadas que o preenchem elas próprias questionário autoadministrado utilizado por exemplo nos inquéritos postais Cada um destes modos de administração apresenta características próprias nomeadamente no que se refere à duração e ao custo da outorga e à confiança que se pode conceder às respostas a certas questões delicadas Distinguemse as questões abertas nas quais a resposta é totalmente livre que representa para si a Revolução de 1789 e as questões fechadas que propõem uma lista de respostas na sua opinião a celebração do bicentenário da Revolução é um acontecimento muito importante medianamente importante pouco importante ou sem nenhuma importância As respostas às questões abertas são geralmente mais ricas mas têm de ser em seguida interpretadas e codificadas por análise do conteúdo Para os inquéritos por meio de inquiridor há uma forma intermédia as questões pré codificadas que se apresentam a quem responde como uma questão aberta mas para as quais o inquiridor interpreta a resposta e a codifica numa lista preestabelecida em vez de transcrevêlà integralmente A elaboração de um questionário exige uma sólida formação técnica e uma experiência do inquérito sob todas as suas formas O sociólogo tem de ser capaz de traduzir 382 cada uma das questões que ele próprio se põe num conjunto de perguntas concretas e escolher palavras que sejam compreendidas da mesma maneira por todas as pessoas interrogadas seja qual for o seu meio 204 social o seu nível de instrução ou a sua região de origem Além disso a ordem pela qual as questões são postas e a maneira como são enunciadas influenciam as respostas obtidas É por isso que a interpretação dos resultados de um inquérito por questionário só deve ser realizada por sociólogos competentes Como todo o instrumento de medida o questionário tem os seus limites Em vez de se adaptar à forma de pensamento da pessoa interrogada como faz a entrevista não directiva impõelhe um quadro rígido idêntico para todos aliás indispensável para comparar os respondentes entre si É por isso que o inquérito extensivo deve ser preparado por uma abordagem qualitativa utilizando a entrevista não directiva por exemplo cujos resultados servem de base para a elaboração do questionário Por outro lado o questionário é pouco apto ao estudo das redes de relações interindividuais Em contrapartida nas mãos de sociólogos experimentados o inquérito por questionário é uma ferramenta insubstituível para estudar as diferenças de opinião e acompanhar a sua evolução no tempo ou ainda para descrever a estrutura e as condições de vida de uma população JP G Javeau 1971 383 Quotidiano sociologia do Toda a sociologia que se ocupa do desenrolar habitual da vida social poderia ser considerada como uma sociologia do quotidiano Mas a vida de todos os dias pela sua regularidade temporal pelo facto de ser uma experiência universalmente vivida suscita interesses sociológicos mais específicos Ao estudálo o sociólogo espera ter acesso a um nível de realidade que escapa a análises mais globais e que tem uma importância decisiva no funcionamento da sociedade Desde G Simmel pelo menos 1917 o tema do quotidiano interessou correntes de pensamento diversas A escola de Chicago com os seus estudos espaciais e biográficos da cidade e das migrações e a maior parte das pesquisas interaccionistas por exemplo sobre o desvio ilustram bem a preocupação de captar a verdade do fenómeno social pela descrição qualitativa das formas da vida quotidiana Um objectivo análogo é por vezes atingido por métodos muito diferentes como o testemunha o estudo de P Lazarsfeld 1932 por exemplo que descobre o significado social do desemprego nas contas da vida quotidiana Seria preciso citar também a sociologia fenomenológica que procura no mundo da vida os modos de construção da realidade social Berger Luckmann 1966 Os trabalhos de E Gaffman sobre a encenação da vida quotidiana1956 e de H Garfinkel sobre os pressupostos da vida quotidiana 1967 merecem uma menção especial Devemos de facto a estes dois autores o terem prolongado as intuições de Simmel ao tratar as condutas banais da vida corrente conversações concertações para agir classificações dos objectos etc como um fenómeno sociológico de pleno direito Mostraram assim 384 empiricamente que os métodos práticos e as formas de vida quotidiana desempenham um papel essencial na manutenção da ordem social Em França a sociologia do quotidiano foi primeiro uma sociologia crítica Lefebvre 1947 inspirada no marxismo e que denuncia o domínio da ideologia burguesa e das relações mercantis sobre a vida de todos os dias Inspirandose nesta crítica algumas correntes literárias conferiram um atractivo particular às coisas G Perec por exemplo 205 do quotidiano atractivo testemunhado o também pela eclosão da Nova História Este interesse pela sociedade no quotidiano está presente em muitos estudos sociológicos recentes atentos ao significado endógeno das práticas e das situações concorrendo também para renovar os métodos qualitativos intervenção sociológica compilação de relatos de vida análise de interlocuções etc Nos seus trabalhos mais significativos a sociologia do quotidiano abre caminhos novos à sociologia concebida como ciência humana e ciência da descoberta Designa de facto de maneira precisa objectos que podem ser objecto de hipóteses demonstráveis como as formas linguísticas ou gestuais da intercompreensão P P Schütz 1971 206 385 207 R Raça racismo A raciologia ou estudo das raças remonta em França ao séc XVIII A palavra racisme só aparece em francês por volta de 1930 mas em inglês é muito mais antiga A raça foi primeiramente uma classificação em botânica e depois em zoologia aplicada ao homem era muitas vezes sinónimo de linhagem Teorias filosóficas e religiosas enxertamse muito rapidamente neste estudo Tendo Deus criado um universo completo essa completude exige que haja um intermediário entre todos os níveis da grande cadeia dos seres O homem branco está no topo dessa escala o homem negro em baixo e os grandes símios no ponto mais alto da escala dos animais No séc XVIII os antropólogos opõemse sobre a origem das raças os monogenistas pensam que a descendência do casal original Adão e Eva se diferenciou por degenerescência do tipo branco original Buffon ou pela melhoria graças à civilização até chegar ao Branco Os poligenistas entre os quais Voltaire rejeitam o relato do Génesis e crêem numa criação separada das diferentes raças Mas em geral monogenistas e poligenistas todos eles aceitam a ideia de raças distintas e de uma hierarquia entre elas Entre 1750 e 1870 os geólogos descobrem que a teoria bíblica dos 6000 anos não resiste aos seus estudos Os homens são muito mais antigos e contam a sua evolução em milhões de anos e a sua própria origem perde muito do seu 386 interesse Doravante prevalece apenas a necessidade de preservar a pureza da raça P Broca funda a Sociedade de Antropologia para estudar os cruzamentos e a suposta degenerescência dos mestiços Gobineau teme que as raças superiores combativas e conquistadoras ao misturaremse com os seus vencidos venham a degenerar e a desaparecer Ao longo do séc XIX começa a procurarse subdivisões no interior das grandes raças assim os NorteAfricanos considerados inicialmente como Brancos tornaramse uma raça à parte Ainda entre os Brancos distinguiramse as raças nórdica alpina e mediterrânica tendo cada uma as suas características próprias As diferentes teorias racistas aparecem como formas de hereditarismo concepção biológica e genética das diferenças que apresenta estas como fixas contra as quais não se pode ir e que estabelece em geral uma hierarquia de valor entre os grupos ou os indivíduos assim distinguidos Mais recentemente dirseia que se assiste a formas não já biológicas mas culturais de diferenciação de hierarquização e de rejeição Os sociólogos por seu turno procuram compreender como é que a partir dos critérios antropométricos ou culturais se chegou a criar uma hierarquia porquê e como se adere a esta concepção mais ou menos segundo as pessoas os grupos sociais os lugares ou as épocas O racismo é um aspecto do funcionamento social que se estuda como uma atitude particular e que se tentou ligar quer a personalidades particulares por exemplo a personalidade autoritária de T W Adorno quer a condições de crise quer ainda ao desejo de manter e de perpetuar a sua própria identidade B M 387 Taguieff 1988 Racionalidade A noção de racionalidade pode ser definida de várias 208 maneiras todas elas defensáveis Assim admitese por vezes que uma acção racional é a que testemunha uma adequação objectiva dos meios escolhidos relativamente aos fins prosseguidos Mas uma tal definição tem o inconveniente de ser muito estreita Tende a considerar como irracionais todas as acções que se afastam do caso simples que representa a decisão de tipo técnico a do engenheiro que constrói uma ponte e que escolhe determinado material por exemplo Uma definição mais ampla e sem dúvida mais útil para o sociólogo propõe que se considere uma acção como racional desde que possa emitirse a seu propósito um enunciado de tipo o indivíduo X tinha boas razões para fazer Y porque Esta definição tem relativamente à primeira a vantagem de poder aplicarse tanto às crenças como às acções X tinha boas razões para crer Y porque Tem além disso a vantagem de ter em conta o facto de muitas decisões ou acções poderem pela natureza das coisas ser objectivamente fundadas O caso simples do eleitor a quem se propõe que escolha entre duas políticas A e B ilustra bem este tipo de situação Geralmente ele não tem os meios para determinar com precisão o único ponto que verdadeiramente o interessa a saber os efeitos que as ditas políticas são susceptíveis de arrastar consigo ele terá pois boas razões para fixar a sua escolhe a partir de outras considerações 388 como os princípios em que se inspiram A e B ou eventualmente a sinceridade aparente dos homens que propõem A e B Embora esta definição seja ampla nem por isso traduz todas as crenças ou acções racionais Assim de uma mãe que por enervamento esbofeteia o seu filho dir seá Ela não tinha razões para esbofetear o filho mas Este comportamento é compreensível mas não é racional Quando o comportamento de outrem lhe parece estranho não vendo o observador razões para ele tende muitas vezes a interpretálo de maneira irracional como resultante de causas ou de forças que escapam ao controlo do próprio actor Assim os observadores ocidentais e mesmo certos etnólogos colocaram com frequência as práticas mágicas ao nível de superstições que se imporiam ao espírito dos primitivos As análises sociológicas mais conseguidas são muitas vezes as que conseguem mostrar que um comportamento ou uma crença que tendem a ser vistos como irracionais se explicam de facto por muito boas razões A teoria da magia de M Weber 1922a ou a de É Durkheim 1912 é exemplo clássico a este respeito R B Boudon 1988 Rede Uma empresa uma associação ou uma aldeia podem ser representadas como um conjunto de vínculos que unem entre si os membros do grupo Alguns indivíduos mantêm numerosos vínculos outros estão isolados A rede é a configuração das relações observadas A sua densidade a transitividade das relações o tamanho dos subgrupos são outras tantas propriedades desse conjunto 389 A estrutura da rede pode ser concebida como um constrangimento que actua como tal sobre os comportamentos Assim entre os operários urbanos ingleses E Bott 1957 estudou a família alargada como uma rede A mulher mantém vínculos privilegiados com a sua mãe após o casamento Consequentemente os dois esposos têm poucas actividades comuns A distribuição 209 das tarefas dentro do lar e a concepção que os cônjuges têm da familia são explicadas como consequências dessa forte integração da linhagem do lado das mulheres Esta abordagem não se limitou ao estudo do parentesco A noção de rede permite compreender porque é que uma localidade possui ou não a capacidade de agir colectivamente Galaskiewicz 1979 ou como é que um desempregado reencontra trabalho Granovetter 1973 Em vez de interpretar os comportamentos dos indivíduos a partir dos seus atributos intrínsecos sexo idade qualificação profissão a análise da rede toma como princípios a estrutura das relações nas quais esses indivíduos estão inseridos e põe a tónica nas modalidades de acesso aos recursos e às informações N H Regulação social Conjunto de pressões directas ou indirectas exercidas sobre os membros individuais ou colectivos de um grupo ou de uma sociedade para corrigir os seus desvios de comportamento de expressão ou de atitude em relação a regras e normas adoptadas pelo grupo social ou 390 pela sociedade considerada A regulação social difere da influência social pelo seu exercício consciente e deliberado exercido em nome do grupo ou da sociedade por órgãos específicos ou não específicos Com a socialização a regulação social contribui ao mesmo tempo para a manutenção flexível da estrutura social e para a sua adaptação BP L Comte 1826 Ross 1901 Landis 1939 Lécuyer 1967 Relações humanas movimento das Constituído nos Estados Unidos da América nos anos 30 à volta da personalidade de E Mayo o movimento das relações humanas conserva o seu impacte até cerca de 1950 Tal como a organização científica do trabalho OCT que se propõe suplantar o movimento das relações humanas é um esforço para analisar as relações de trabalho nas empresas e no termo dessas análises para reformálas É tal como a OCT indissociavelmente ideológico e científico Lécuyer 1988 O seu interesse principal reside actualmente na deslocação da análise para conceitos que designam objectos então novos Completou assim a OCT mais do que a suplantou e enriqueceu a sociologia Mottez 1971 Na base do movimento encontramse as experiências Hawthore conduzidas nas fábricas deste nome da Western Electric perto de Chicago de Novembro de 1924 a Fevereiro de 1933 Concebidas para resolver um problema tayloriano impacte da iluminação sobre a produção as experiências deslocamse progressivamente para a sugestão muito forte da ligação entre a satisfação no trabalho e os factores humanos 391 coesão do grupo bom entendimento com a chefia resistência à mudança F J Roethlisberger e L E Dickson 1939 B P Lécuyer 1988b A resistência à mudança é um tema favorito das relações humanas à escala de comunidades inteiras Warner 1951 1959 como a da empresa A mudança é melhor aceite pelos executantes se ela lhes for explicada por uma dinâmica de grupo De igual modo para a travagem F M Whyte 1955 retoma por sua conta as análises de F W Taylor mas completaas ao sublinhar o papel do grupo no estabelecimento de uma norma de produção que assegure o equilíbrio entre os membros um estimulante 210 colectivo seria por isso preferível Numerosas pesquisas foram consagradas no mesmo espírito às funções da direcção e à noção de moral que permite ligar o sentimento de satisfação aos comportamentos que asseguram rendimentos elevados Esses trabalhos foram integrados ao nível teórico por G C Homans 1946 1950 No fim dos anos 50 as pesquisas empíricas mostram progressivamente a estreiteza excessiva do ponto de vista das relações humanas estigmatizado a partir de 1940 por numerosas críticas que permaneceram a um nível demasiado geral Friedmann 1946 A atenção exclusiva dada aos grupos primários impede a tomada em consideração de factores estruturais indispensáveis quer à solução satisfatória dos problemas postos quer a uma definição mais satisfatória dos problemas É então a sociologia das organizações que tende a tomar posições 392 BP L Friedmann 1950 Relações profissionais Relações sociais estabelecidas à volta do trabalho assalariado acções às quais elas dão lugar conflitos negociações entabuladas por iniciativa dos assalariados dos empregadores ou das forças que eles representam sindicatos patronato poderes públicos configuração das regras que daí resultam desenvolvimento do direito social Sob a influência dos países de língua inglesa aquilo a que aí se chama relações industriais designa também um campo científico autónomo cujo objecto é distinguir sistemas nacionais e interpretar as suas diferenças As variáveis avançadas são os actores as regras de processo de fundo o contexto económico técnico político assim como o quadro ideológico em que envolvem os parceiros Dunlop 1958 Em sociologia a noção de sistema permite sublinhar os efeitos de interacção dinâmica a que dão lugar as relações profissionais Adam Reynaud 1978 Na França simultaneamente à institucionalização crescente do sindicalismo a tendência dominante é a da descentralização das relações para com a empresa Isso poderia invalidar a noção de relações profissionais atribuída a um modelo que favorecia o nível médio do ramo D SN Religião sociologia da Os trabalhos sociológicos actuais sobre a religião inspiramse em três fontes teóricas principais a dupla MarxEngels É Durkheim M Weber K Marx encara a religião como ideologia vê nela uma das 393 produções não materiais que toda a sociedade faz nascer Tal como o direito a moral as concepções políticas etc que um grupo ou uma sociedade para si cria a religião aparece necessariamente condicionada pelas relações sociais e políticas Reflexo de um mundo que tem necessidade de ilusões a religião é também a sua consciência invertida Exprime a miséria real das sociedades edificadas sobre a injustiça é também protesto em relação a essa miséria Contudo ópio do povo deve ser sujeita à crítica filosófica primeiro passo para uma crítica global da sociedade A sociologia religiosa de F Engels 1850 de carácter histórico articulase à volta do conceito de luta de classes que exerce efeitos diferenciadores no domínio religioso Sendo toda a religião disfarce de interesses de classe cada classe tem a sua legitimadora dos seus interesses Durkheim não se interessa pela história mas pela essência de toda a religião Para ele 211 uma religião é um sistema de crenças e de práticas relativas a coisas sagradas isto é separadas interditas crenças e práticas que unem numa mesma comunidade moral chamada Igreja todos os que a ela aderem 1912 Estamos aqui perante um fenómeno colectivo que se opõe à magia que é individual Em primeiro lugar a religião é para Durkheim administração do sagrado Encontrase assim referida ao domínio do extraquotidiano É nos grandes ajuntamentos periódicos que ritos e crenças religiosas exprimem ao máximo a sua intensidade e a sua predominância No culto o homem religioso experimenta a 394 coesão social como comunhão adora nele nos ritos e nos símbolos a sociedade que o constrange tal como ele a pode conceber lentamente como fonte de liberdade A vida quotidiana usa os sentimentos de força de coesão e o entusiasmo que os ajuntamentos culturais excepcionais criam Donde a necessidade da sua repetição periódica Assim é nos momentos de efervescência de tipo revolucionário que nascem as novas religiões quando as mais antigas se revelaram ultrapassadas Com Weber a sociologia religiosa regressa à matéria histórica e privilegia o comparatismo Isolando o processo de racionalização no cerne da modernidade como característica do Ocidente perguntase se ele não manteria relações com certas formas assumidas pelo cristianismo ocidental 1920 A partir daí impõeselhe a comparação dos cristianismos entre si e com as outras religiões Donde os seus trabalhos sobre as da China da Índia e sobre o judaísmo antigo 1921a Donde também o seu interesse pela religião como forma específica do agir social Donde ainda a interrogação que anima a sua obra quais são as religiões mais aptas a produzir uma finalização sistemática racionalização da vida quotidiana à volta da sua mensagem 1922a Por razões diversas o monaquismo e depois o protestantismo ascético puritanismo seitas foram segundo Weber os vectores privilegiados e sucessivos do processo ocidental de racionalização précapitalista O protestantismo ascético criou um tipo de homem em afinidade com o capitalismo individualismo democracia tolerância autonomia das formas do agir social etc 1920 e 1922a Weber nota que o cristianismo nisso herdeiro dos profetas de Israel desencantou o mundo antigo em seu proveito que 395 seguidamente racionalizou o agir social no Ocidente e que actualmente parece por fim vítima da sua própria dinâmica A modernidade para cuja criação contribuiu elimina a sua presença da esfera pública acantonandoo à esfera privada onde entra em concorrência com a arte os passatempos a família etc Seria o cristianismo religião da saída da religião Gauchet 1985 Perante o regresso do religioso muitos sociólogos perguntamse hoje se a modernidade se esgota verdadeiramente na secularização e no definhamento necessário da religião prognosticado por alguns Hervieu Léger 1986 J S Reprodução No vocabulário proposto originariamente por Marx 1867 um sistema está submetido a um processo de reprodução simples quando as saídas output do sistema 1 são estáveis 2 não afectam as condições de funcionamento mais precisamente a estrutura ou seja as características essenciais do sistema Assim certos sistemas económicos simples permanecem idênticos a si próprios no 212 tempo na sua estrutura e nas suas saídas Há reprodução alargada quando a estrutura do sistema se mantém estável embora as saídas do sistema sejam variáveis como no caso de um sistema agrícola cuja produção é crescente mas a estrutura estável Quando a estrutura do sistema evolui sob o efeito quer de factores externos quer de mudanças nas saídas do dito sistema falase de transformação Só sistemas 396 sociais simples e relativamente separados do seu meio ambiente podem ser duravelmente a sede de processo de reprodução R B Boudon 1973 Bourdieu Passeron 1970 Retrait A palavra retrait retreatism em inglês foi introduzida em sociologia por R K Merton 1949 para designar um tipo particular de desvio Tomemos o caso de um indivíduo que interiorizou fortemente ao mesmo tempo os valores os objectivos prescritos pela cultura e as normas que definem os meios lícitos que permitem atingir esses objectivos Se esse indivíduo falha utilizando meios lícitos nem por isso utilizará meios ilícitos em virtude dos interditos morais que fez seus Eliminará a contradição entre a valorização dos fins e a ausência de meios retirandose do jogo social rejeitando ao mesmo tempo os fins e os meios é esse o caso segundo Merton dos pedintes dos alcoólicos dos drogados ou dos doentes mentais R A Cloward e L E Ohlin 1960 prolongaram esta análise vendo no retrait marginalidade o resultado de um duplo fracasso fracasso no acesso aos meios lícitos mas também no acesso aos meios ilícitos que nem sempre estão disponíveis e devem ser objecto de uma aprendizagem cultural Esta explicação permite localizar os comportamentos de retrait marginalidade nas classes desfavorecidas ao passo que a de Merton quase só poderia aplicarse às pessoas saídas das classes médias ou superiores PH BD Besnard 1987 397 Revolução Ruptura profunda consecutiva de uma mudança rápida e violenta da ordem social e política numa sociedade Contrariamente aos golpes de Estado as revoluções não visam uma simples renovação do escol dirigente Uma importante participação popular associada a um alto grau de violência constituem com frequência as suas duas características principais Mas os movimentos colectivos que recorrem à violência não se catalogam todos na categoria de fenómenos revolucionários Para tanto seria ainda necessário que eles tivessem como objectivo uma mudança radical da ordem social e política existente Ora por muito violentas que possam ter sido as revoltas camponesas do séc XVI mantinhamse prisioneiras da tradição O mesmo acontece com os movimentos milenaristas se é possível que certos movimentos de inspiração religiosa adquiram uma dimensão revolucionária na maioria das vezes esses movimentos têm como única finalidade resistir a um desmoronamento da ordem social Enquanto desafio à ordem instituída as revoluções supõem uma profunda crise de legitimação Na teoria marxista esta dimensão cultural é dissimulada pela dimensão económica a tónica é colocada nos antagonismos de classes Pode com Tocqueville juntarse ao carácter social das revoluções uma dimensão propriamente política tratarseá 213 então de pensar os processos revolucionários na sua relação com o Estado P M Chazel 1985 Furet 1983 Hagopian 1975 Marx 398 1895 Tocqueville 1856 Rito Conjunto de actos repetitivos e codificados muitas vezes solenes de ordem verbal gestual e postural de forte carga simbólica fundados na crença na força actuante de seres ou de poderes sacros com os quais o homem tenta comunicar em ordem a obter um efeito determinado Por extensão o termo designa toda a conduta estereotipada repetitiva e compulsiva ritos de sedução no animal de submissão de marcação de um território O rito deve considerarse analiticamente 1 como sequência temporal de acções um rito sistémico total iniciação recortase em ritos sistémicos elementares purificação sacrifício cada sequência ritual comportando ritemas circumdeambulação e estes motivos sentido da giração número de voltas Muitas vezes a duração estruturada remete para uma duração estruturante a do mito ou do evento fundador que serve de paradigma à série dos ritemas 2 como conjunto de funções a situação dos actores indivíduos implorantes e poderes implorados a sua posição oficiante acólitos participantes e as suas condutas estereotipadas são teatralizadas huma espécie de drama instituído Funcionando segundo o eixo controlo dependência o rito sublinha ao mesmo tempo as relações assimétricas interindividuais a reciprocidade dos papéis e a partilha de ideais comuns 3 como estrutura teleológica dos valores numa linguagem alusiva exprimemse as escolhas primordiais de um grupo Verbalmente podem ser enunciadas aspirações a realizar e comportamentalmente são traduzidos hábitos éticos e preferências colectivas Ao conteúdo cognitivo juntase uma ressonância afectiva ligada à 399 participação à emoção à memória dos actores e espectadores 4 como meios simbólicos ordenados aos fins a realizar um lugar santuarizado um tempo definido e periódico objectos significativos estandarte pão ázimo máscara vestes atitudes punho levantado cautela são outras tantas metáforas que catalisam a imaginação e de intenção integradora 5 como sistema de comunicação em redes de permuta que comportam emissores transmissores e destinatários circulam mensagens que se inscrevem em sistemas de sinalização a partir de códigos culturalmente definidos M Mauss distingue os ritos positivos oração sacrifício etc e os negativos tabus ascese C R Cazeneuve 1971 Isambert 1979 Rivière 1988 Thomas 1975 Ritualismo Respeito exagerado pelas regras ou processos tónica excessiva colocada nos meios em detrimento dos fins Na tipologia do desvio de R K Merton 1949 o ritualismo designa a situação em que o indivíduo se conforma escrupulosamente com as normas que definem os meios lícitos da acção abandonando ao mesmo tempo os objectivos prescritos pela cultura ou pelo menos baixando os a um nível tal que as aspirações podem ser facilmente satisfeitas Esta redução do nível de aspiração é uma maneira de evitar exporse a uma situação frustrante Seria imputável segundo Merton a um tipo de socialização que põe fortemente a tónica nos imperativos morais 400 214 e particularmente espalhado na classe média PH BD Rumor Informação ou relato que se transmite oralmente e que assim se espalha Foi no decurso da Segunda Guerra Mundial nos Estados Unidos da América que o fenómeno dos rumores começou a ser seriamente estudado Investigadores registaram e estudaram os rumores então existentes descobriram alguns muito antigos nestes casos foram os folcloristas que tomaram o lugar dos psicólogos na investigação Outros rumores têm uma duração muito curta Tentouse lançar rumores a fim de ver se eles se propagavam como entre quem e porquê Cada rumor tem o seu público que avalia a verosimilhança da informação segundo a sua experiência as suas rejeições as suas aspirações as suas preocupações do momento Difundese portanto de maneira irregular na população Alguns contextos favorecemna o rumor atinge mais os quadros superiores que os operários mais os jovens que as pessoas idosas mais os meios de trabalho que os lugares privados ou de diversão Algumas experiências mostraram que o rumor se deforma ao espalharse modificandoo cada um sem se dar conta disso na maioria das vezes no sentido de estereótipos previamente existentes B M Allport Postman 1947 Kapferer 1987 Morin 1969 Rouquette 1975 401 Rural sociologia Análise dos factos sociais no campo a sociologia rural nasceu após a Segunda Guerra Mundial nos Estados Unidos da América a partir dos anos 20 de uma necessidade de conhecer melhor os agricultores Caracteriza se mais pelo seu campo de acção que por uma coloração teórica original Diversidade na unidade tal parece ser o traço essencial do mundo rural 1 diversidade dos tipos de paisagens regiões arborizadas campos abertos e das estruturas de exploração dimensão modos de exploração produções Longe de se esbaterem com a modernização dos campos estas diferenças perduram 2 unidade porque o fundamento das sociedades rurais é o mesmo em toda a parte a exploração familiar simbiose da empresa agrícola e da família camponesa orçamento único para a vida quotidiana da família e para a empresa Consequentemente as categorias da economia capitalista tais como lucro ou investimento são estranhas à mentalidade camponesa O camponês não procura o lucro a todo o custo mas produzir pelos seus próprios meios Assim contrariamente à indústria quanto mais a agricultura se mecaniza menos assalariados conta Estas características foram teorizadas de maneiras diversas tendo no entanto todas em comum o descreverem um mundo dominado económica política e culturalmente A sociologia rural empírica dedicouse a duas espécies de estudos a mudança e as monografias de aldeias Os primeiros relacionaramse primeiramente com a difusão da inovação imposta do exterior às sociedades rurais Os segundos desembocaram na única teoria global do campesinato elaborada até hoje Mendras 1967 as explorações familiares estão agrupadas em sociedades ou colectividades locais aldeias 402 incluídas como tais numa sociedade englobante nacional Só os notáveis são membros plenos de ambas as sociedades 215 A sociologia rural marxista recorre também à ideia de inclusão Para C Servolin 1972 regese por um modo de produção específica précapitalista o da pequena produção mercantil que não é destruído mas utilizado pelo capitalismo a lógica da exploração familiar permite exigir do camponês um trabalho que só seria aceite por operários mediante salários elevados Por seu turno o polaco J Tepicht 1973 elabora o conceito similar de economia camponesa Além disso após 40 anos de estudos a sociologia rural continua a ser mal denominada ela é acima de tudo sociologia dos agricultores Ora estes vãose tornando largamente minoritários nos campos A sociologia rural tem de adoptar se tal for possível uma abordagem teórica da ruralidade no seu conjunto M R Bodiguel 1986 Gervais Jollivet Tavernier 1974 Robert 1986 216 217 S 403 Sacrifício Enquanto instauração ritual e religiosa de uma relação entre dois pólos o sacrificante que pede ou provê e o poder destinatário concebido como fonte energética o sacrifício supõe como intermediário por um lado uma vítima ou uma matéria oblativa e por outro lado um sacrificador agente que executa ou dirige os ritos e eventualmente um altar considerado como acumulador de energia ou como lugar de oferenda Materialmente o sacrifício implica imolação ou abandono do objecto oferecido Espiritualizase quando reconhecimento de uma transcendência e homenagem de submissão é renúncia de um indivíduo aos seus próprios sentimentos e interesses para se oferecer ele próprio a Deus Que tenha sido inicialmente um dom interessado aos espíritos E B Tylor ou uma sobrevivência da morte dos homensdeuses J Frazer que a comunhão totémica tenha sido anterior à oblação sacrificial W R Smith eis outras tantas especulações que não podem comprovarse sobre a origem do sacrifício M Mauss 1969 e G Bataille fazem apenas uma aproximação à significação do sacrifício por meio de imagens o primeiro ao afirmar que o animal sacrificial é suposto transferir para o sacrificante a marca divina que recebeu da consagração o segundo ao supor que o sacrifício actua como a morte pelo facto de restituir um valor perdido através de um abandono desse valor A partir de casos africanos M Griaule insiste na redistribuição de energia a imolação liberta a força vital contida no sangue da vítima alimentada desse sangue a divindade faz em contrapartida beneficiar o homem de uma parte da sua força Quanto a R 404 Girard 1972 analisa o sacrifício como um esconjuro da violência para manter a ordem social pela via de um simulacro catártico Mas a variedade das formas de sacrifício desafia uma teoria unitária As diversas finalidades do sacrifício sugerem a seguinte tipologia 1 sacrifícios de expulsão de um mal purificação cura reparação esconjuro exorcismo 2 sacrifícios de propiciação pelo êxito de uma empresa 3 sacrifícios de acção de graças muitas vezes ligados aos anteriores nos sacrifícios votivos ou nas oferendas de primícias de colheitas 4 sacrifícios de sacralização de um lugar ou de um indivíduo aquando da sua iniciação C R Dieterlen et al 19761986 Van der Leeuw 1933 Saintsimonismo De 1802 a 1825 Henri de SaintSimon desenvolve uma crítica de ordem social e política afirma a inelutável regresso do sistema feudal e militar o triunfo da classe industrial e das capacidades o advento do sistema industrial organizado segundo um plano concertado Após o seu desaparecimento S A Bazard B P Enfantin rodeados de fervorosos discípulos fundaram a Escola e depois a Igreja SaintSimoniana Acentuaram a crítica económica ao denunciar segundo a sua expressão a exploração do homem pelo homem Inculpados em 1832 foram condenados no tribunal de 1ª instância Após 1850 os mais moderados dentre eles M Chevalier os irmãos Pereire participaram com sucesso no desenvolvimento do sistema bancário e na extensão dos caminhosdeferro Este movimento saintsimoniano teve influências 405 218 múltiplas sobre Auguste Comte assim como sobre Marx mas igualmente sobre as ideologias políticas e as mentalidades Historicamente a obra de SaintSimon marcou os inícios da industrialização e favoreceu o seu desenvolvimento muitas vezes considerada como fundadora das teorias socialistas a doutrina saintsimoniana constituiu mais amplamente uma primeira reflexão sobre as sociedades industriais e o seu futuro P A Ansart 1970 Charléty 1931 Perroux 1964 Durkheim 1928 Salário O salário não é apenas um rendimento monetário entregue por um empregador a um trabalhador que exerce uma actividade no quadro de uma empresa ou de uma administração durante um determinado lapso de tempo É primeiro que tudo a manifestação de uma relação social complexa Como o demonstrou M Weber o salariado supõe o trabalho livre isto é o direito que cada um tem de firmar livremente um contrato de trabalho com o possuidor dos meios materiais e financeiros de produção O trabalhador assalariado é na realidade um competidor no mercado do trabalho que não mantém vínculos de dependência pessoal com os dirigentes da empresa Pode movimentarse à sua vontade para procurar as condições mais favoráveis de emprego e de trabalho ou seja vender ou alugar a sua força de trabalho nas melhores condições possíveis A relação que mantém com o empregador é por conseguinte uma relação 406 ambivalente Por um lado tem interesse em que o dirigente da empresa possa obter lucro e assegurar assim a continuidade do emprego por outro tem interesse em que o montante do lucro não seja aumentado em detrimento dos salários É isso que explica que desde muito cedo os assalariados se tenham coligado para opor ao patronato uma força colectiva e obrigar a reconhecer que a remuneração da força de trabalho não é simplesmente um custo mas também um rendimento para um certo nível de consumo No entanto a união dos assalariados raramente é completa porque eles são na maioria das vezes concorrentes no mercado do trabalho e nem sempre têm interesses idênticos diversidade de profissões e de qualificações Esta relação entre empregadores e assalariados imprime uma dinâmica muito particular ao conjunto da sociedade Implica em primeiro lugar uma intervenção estatal para fixar e implementar regras mínimas de boa conduta de maneira que os conflitos não impeçam a cooperação Exige igualmente uma regulamentação jurídica extensiva para a protecção dos assalariados para além das relações contratuais individuais ou colectivas O Estado apresentase de facto como o garante da relação salarial e da sua reprodução alargada duração do trabalho salário mínimo determinação das grelhas de qualificação organização do mercado do trabalho indemnização e gratificação do desemprego Sêloá tanto mais quanto os sistemas de formação ganham cada vez mais importância na qualificação e na medida da força de trabalho Actualmente o salário reflecte cada vez menos um dispêndio de energia imediata e cada vez mais a retribuição de capacidades intelectuais específicas em vias de actualização 407 JM V Bartoli 1957 SCHUMPETER Joseph Alois economista austríaco Třešt Morávia 1883 Salisbury Connecticut 219 1950 Doutor da Universidade de Viena em 1906 foi ministro das Finanças no gabinete de O Bauer 19191920 depois director de um banco vienense Mas quanto ao essencial a sua carreira foi a de um economista professor da Universidade de Bona de 1925 a 1937 e depois na Harvard University até à sua morte É igualmente sociólogo Capitalisme socialisme et démocratie 1942 e historiador da economia Histoire de Lanalyse économique 1954 Desafia toda a catalogação de escola Em economia deve a sua primeira formação a E von BöhnBawerk e F von Wieser mas foi sobretudo marcado pela teoria do equilíbrio económico de L Walras Manifestou sempre um grande interesse pela tradição histórica e sociológica de W Sombart e de M Weber e sofreu particularmente o fascínio de K Marx recusando embora a teoria das classes e a ideia de autodestruição do capitalismo Reconhecelhe o mérito de ter tentado estabelecer uma teoria da evolução económica e procurado converter a teoria económica em análise histórica Em 1912 na sua Théorie de Lévolution économique Schumpeter mostrou que o motor do progresso reside na inovação definida como uma combinação nova dos factores de produção Sem ela a economia manterseia estacionária 408 e reduzirseia a um simples circuito reprodutor das condições do equilíbrio walrasiano É a inovação que cria o dinamismo e o lucro é ela que está na origem do juro e do crédito Em 1939 na sua teoria dos ciclos Schumpeter faz da inovação a causa explicativa dos ciclos económicos Três ciclos longos marcam a história do capitalismo 17871843 algodão aço máquinas fixas a vapor 18421897 caminhos deferro barcos a vapor 18971930 electricidade química automóvel Segundo Schumpeter o capitalismo é essa forma de economia à base de propriedade privada na qual a inovação é realizada por meio de empréstimos que resultam eles próprios da criação de crédito Em Capitalisme socialisme et démocratie mostra como a lógica económica do capitalismo fundada no lucro pela inovação se encontra nas nossas sociedades limitada pela lógica da democracia e contrariada por uma cultura cada vez mais hostil Contrariamente ao que Marx afirmou não é a evolução económica que condena o capitalismo mas a oposição crescente entre as exigências da economia capitalista e as da civilização à qual ele deu origem JC L Schumpeter 1929 Secularizaçãolaicização A unanimidade religiosa absoluta raramente foi a regra em qualquer país mesmo quando uma religião ou uma confissão nele dominava a vida pública e regulava a vida privada Com a Revolução Francesa a difusão da racionalidade científica e a técnica moderna a Revolução Industrial a urbanização industrial o nascimento de uma classe operária que escapa em grande parte à 409 influência das Igrejas e a laicização da vida social a relação entre religião e cultura tornouse no Ocidente cada vez mais problemática O pluralismo e a liberdade das opções religiosas individuais a indiferença religiosa e o ateísmo tornaramse elementos constitutivos da situação As instituições religiosas tradicionais tiveram de constatar a partir do séc XIX o declínio progressivo da sua influência a baixa da taxa de prática dos seus fiéis dificuldades crescentes no recrutamento do seu clero Destinadas a avaliar 220 a importância do fenómeno as sondagens de prática às quais G Le Bras e F Boulard ligaram o seu nome multiplicaramse entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o início dos anos 60 A procura de explicações científicas para o processo de descristianização registado abriu o caminho às teorias sociológicas da secularização A tónica passava assim da perda de influência constatada de uma religião descristianização para o carácter absolutamente não religioso neste sentido secular ou laico presumido constitutivo da modernidade Desde o fim do séc XIX M Weber tinha falado de um desencantamento do mundo devido à autonomização das esferas do agir social e à privatização da religião nas sociedades modernas As teorias da secularização propostas a partir dos anos 60 centravam o problema nas ideias desenvolvidas pelos clássicos da sociologia no que se refere à religião ao seu lugar e ao seu futuro nas sociedades modernas A obra de S Acquaviva 1961 prognosticando o eclipse do sagrado teve uma certa 410 retumbância As teorias de B R Wilson 1976 de D A Martin 1978 assim como as de P L Berger 1967 e de T Luckmann 1963 influenciaram igualmente a pesquisa de modo considerável Estes teóricos apresentam a secularização quer como um fenómeno de individualização da religião relativamente às instituições religiosas quer como uma adaptação da religião à modernidade quer ainda como um processo irreversível de marginalização social do religioso e das suas instituições Gauchet 1985 Em fins dos anos 70 o regresso do religioso eou do sagrado expressão infeliz forçou à reabertura de um dossier em vias de se fechar oporseão de facto modernidade e religião a ponto de não poder conceberse uma modernidade religiosa HervieuLéger 1986 É doravante a questão que se põe J S Segmentária sociedade É preciso distinguir nitidamente a segmentação social divisão de um grupo em subconjuntos separados pela sua existência e pela sua actividade e a noção de sociedade segmentária não se trata neste último caso de simples subdivisão em clãs subclãs linhagens e sublinhagens nem do simples processo de cisão em função do crescimento demográfico de deslocamentos mais ou menos importantes de querelas internas mas sim de um tipo de organização social sem governo estável recortado em segmentos e subsegmentos que se ressoldam segundo certas normas sociais para fazer face temporariamente a conflitos porque um princípio de solidariedade une esses segmentos graças à existência de uma moral e de rituais comuns A afirmação de pertença quer ao subsegmento quer ao 411 segmento quer ao conjunto varia segundo a origem das pressões exteriores Assim os segmentos A e A fundirse ão face à agressão de um membro de B que terá então como aliados os B porque a união de todos os A contra os B é requerida Mas solidariedade e hostilidade são questões de situação e de regras de pertença aos segmentos encaixados As tendências centrípetas afirmamse no perigo as tendências centrífugas na vida corrente Não mais na Córsega que entre os Nuer do Sudão estudados por E EvansPritchard 1939 a vindicta não destrói a unidade global e a solidariedade do grupo Entre os Tiv da Nigéria a organização segmentária permite a mobilização de 221 milhares de pessoas sem a ajuda de uma organização estatal C R Balandier 1967 Lombar 1972 Segregação A segregação é uma forma institucionalizada de distância social que se traduz por uma separação no espaço Essa separação ganha sentidos diferentes consoante os contextos sociais A segregação constitui o princípio de base da organização da aldeia na Índia tradicional fundada na separação absoluta das várias castas É imposta e sancionada pela lei no regime do apartheid na África do Sul justificada pelo princípio do desenvolvimento separado das várias componentes étnicas Pode ser costumeira e social por exemplo nas cidades do Magrebe na época colonial ou nas cidades americanas dos nossos dias onde os negros 412 continuam a habitar em bairros separados Taeuber Taeuber 1965 não parece neste último caso que os progressos globais da população negra sejam suficientes para atenuar ou eliminar a segregação As sociedades constituídas por populações de origens nacionais e religiosas diferentes são mais susceptíveis de conhecerem estes fenómenos de segregação Wirth 1928 Em França os bairros habitados por emigrantes incluem populações de origens variadas que se misturam com os Franceses do mesmo meio social ao passo que nos Estados Unidos país de imigração onde a consciência étnica permanece viva os bairros negros italianos ou chineses estão justapostos e separados uns dos outros Gans 1962 Williams 1964 Na sociologia crítica ou radical o conceito de segregação que em sociedades dominadas pelos valores de igualdade tem uma conotação fortemente pejorativa foi utilizado para designar toda a forma de repartição no espaço urbano mesmo não institucionalizada D S Seita vd Igreja e seita Senso comum Uma parte da tradição sociológica exerceu a sua crítica em sentido oposto ao do senso comum que assimilou a prenoções Durkheim 1895 ou a evidências imediatas e muitas vezes ilusórias Bourdieu et al 1968 P Bourdieu em particular 1980 considera o senso comum como um produto do ajustamento entre as situações e as inculcações ou hábitos que os indivíduos receberam ao longo da sua história Nesta perspectiva a sociologia tem de operar uma ruptura radical em relação ao senso comum dita 413 também corte epistemológico de maneira a descobrir relações objectivas que escapam à consciência dos agentes mas condicionam o seu comportamento O senso comum desempenha no entanto um papel essencial nas actividades sociais dado que é ele que permite às pessoas orientar as suas condutas umas em relação às outras Weber 1922b O senso comum põeem jogo um verdadeiro saber social Schütz 1971 partilhado pelos membros de uma sociedade e que lhes permite reconhecer as pessoas e as situações em função de certas características típicas como a profissão o estatuto social as finalidades e as normas de acção ligadas a funções institucionais Além disso fezse notar Garfinkel 1967 que a competência que permite ao senso comum exercer a sua sagacidade não é de uma natureza diferente da que fundamenta as análises efectuadas pelos sociólogos porquanto se trata em ambos os casos de interpretar factos sociais 222 Nesta perspectiva a sociologia não teria de corrigir os erros do senso comum mas sim de estudar as suas propriedades formais Contudo uma tal sociologia afastase fortemente dos processos do senso comum e confirma a contrario a especificidade do trabalho científico frente ao senso comum P P Sexualidade Tomado no seu sentido estrito o de numerosos sexólogos actuais o termo sexualidade designa o conjunto dos comportamentos que visam directamente o prazer erótico Mas é difícil dissociar as 414 práticas e os prazeres sexuais dos sentimentos que podem acompanhálos amor pudor ciúme etc e das representações por palavras imagens fantasmas que essas práticas essas sensações e esses sentimentos suscitam A sociologia da sexualidade tem de tomar em consideração a totalidade destes elementos O seu ponto de partida é a diversidade das atitudes e dos comportamentos sexuais diversidade no tempo na Europa Ocidental por exemplo a masturbação condenada pelos médicos no séc XVIII é em certos casos encorajada pelos sexólogos contemporâneos e diversidade no espaço os muçulmanos aceitam a poligamia simultânea ao passo que as sociedades influenciadas pelo cristianismo toleram a poligamia sucessiva isto é várias uniões livres eou casamentos ao longo de uma vida No que se refere à evolução recente e previsível dos países ditos desenvolvidos os sociólogos da sexualidade põem geralmente a tónica nas seguintes tendências 1 a proliferação dos discursos sobre a sexualidade mas igualmente das imagens qualificadas de eróticas ou de pornográficas 2 a progressão da concepção higienista da sexualidade encarada como uma técnica ou um passatempo sem risco 3 o progresso da contracepção como prática e como norma considerase que os nascimentos deveriam ser doravante desejados e programados 4 o florescimento da união livre primeiro nas jovens gerações das classes médias depois nos mais velhos e em outras camadas sociais 5 a masculinização dos comportamentos sexuais das mulheres sob o efeito do feminismo do igualitarismo democrático da extensão do trabalho assalariado feminino Um certo número de autores interrogase entretanto se a 415 liberalização sexual dos anos 60 e 70 não irá ser posta em causa na sequência do medo suscitado pelo vírus da sida Esse medo poderia nomeadamente contribuir para uma revalorização da virgindade e da fidelidade A B Ariès Béjin 1982 Balandier Béjin 1984 Garcia Guadilla 1981 Schelsky 1955 Símbolo social Segundo a etimologia grega a palavra referese ao sinal de reconhecimento de duas pessoas que possuem cada uma delas pedaços de um objecto quebrado que serve de meio de identificação Actualmente o símbolo associa um significante concreto gesto fórmula animal cor ponto cardeal a um significado geralmente abstracto e valorizado bandeira nação punho levantado protesto número 3 perfeição Diferente do do signo matemático ou linguístico que é uma convenção para uma compreensão e para operações logísticas o símbolo tem a ver com a expressão pela sua iconicidade e pela sua ressonância afectiva A acção simbólica por seu turno significa uma actividade de 223 substituição e de compensação à falta de um resultado obtido previamente Equívoco dentro de uma mesma cultura lua símbolo de fecundidade de feminidade de regime nocturno o mesmo símbolo pode ter várias dimensões política económica religiosa etc e entrar como elemento em diversos sistemas míticos e rituais Reveste significações diferentes segundo os povos elefante real na Índia poder 416 na África longevidade e segundo as circunstâncias históricas suástica cruz gamada Para É Durkheim e M Mauss os símbolos sociais dão sentido a estatutos e papéis desempenhados num cerimonial Traduzem a adesão de uma comunidade a valores que a especificam Para M Leenhardt e M Griaule é a ordem cósmica e social que uma cultura enuncia por metáfora nos seus sistemas simbólicos de mitos e de ritos Para além destes símbolos culturais C G Jung pressupõe a existência de arquétipos universais que exprimem as relações constantes entre o homem e o universo Descurando no simbolismo os seus aspectos cognitivo e objectivo S Freud encarao nomeadamente através do sonho como uma maneira de encobrir o recalcado e de operar um compromisso entre o prazer e a realidade G H Mead F de Saussure e E R Leach insistem sobretudo nos fenómenos de interacção e de comunicação que facilitam as associações simbólicas A semiologia indica a aura de sentido à volta de signos arbitrários e definidos Se o simbolismo remete por vezes para um imaginário desligado da realidade permite em outros casos a codificação de acontecimentos por meio de ritos que sãomarcadores de lugar e de identidade C R Alleau 1958 Augé 1979 Durand 1969 Eliade 1952 SIMMEL Georg filósofo e sociólogo alemão Berlim 1858 Estrasburgo 1918 Redescobrese actualmente em França a sociologia de Simmel que por duas vezes foi vítima do esquecimento primeiro por causa das reticências de É Durkheim depois em virtude da voga do estruturalismo e 417 do neomarxismo que entre 1960 e 1970 não reconheceram a legitimidade da sociologia da acção que inspira a sua obra Se a sua psicologia social pôde inspirar a escola de Chicago se os seus estudos sobre a galantaria a conversa e o segredo interessam os sociólogos da vida quotidiana o essencial do seu interesse está noutro lado Na sua opinião são as acções recíprocas que implicam necessariamente interacção com pelo menos um outro indivíduo que criam em cada indivíduo características que permaneceriam inexplicáveis se o considerássemos isoladamente Assim instaurou uma sociologia formal que abstraída dos conteúdos que têm a ver com outras ciências economia direito etc toma em conta as formas de uma socialização em vias de concretização em grupos sociais que correspondem a fins diferentes encontramse formas semelhantes forma da concorrência da hierarquia etc A sua sociologia das formas pretende graças à sua generalidade e à sua idealidade tornar inteligíveis sequências do real sem se aplicar a isso de maneira realista Não se trata pois de subsumir a vida social sob leis Entre as obras de Simmel traduzidas em francês contamse Philosophie de largent 1900 Problèmes de la philosophie de lhistoire 1892 L DG Simmel 1892 1900 1917 Simulação Técnica que permite experimentar sobre um modelo teórico 224 418 a fim de observar as consequências output de manipulações dos parâmetros de entrada do modelo input Por exemplo é possível construir vários modelos teóricos que visem explicar o funcionamento do sistema educativo a maneira como a origem social das crianças influencia sobre o seu sucesso escolar e a sua inserção profissional output e a maneira como esse funcionamento evolui sob a influência de factores económicos demográficos e políticos exteriores ao modelo input Um modelo deste tipo é necessariamente complexo se se pretender que ele traduza correctamente o conjunto das observações passadas e presentes é portanto difícil deduzir todas as implicações E então cómodo fazer virar esse modelo em computador como se se tratasse de uma maqueta da sociedade real e examinar as consequências sobre o sucesso escolar de certas decisões políticas Pode assim reconstituirse um passado hipotético que se teria passado se a III República tivesse criado um tronco comum indiferenciado para todos em vez de um ensino com dois ramos distintos ou experimentar diversos cenários para prognosticar a evolução do sistema e suas consequências sociais que se passará se se modificarem as modalidades de atribuição das bolsas de estudo quais seriam os efeitos a prazo de tal reforma tendo em conta a evolução demográfica A simulação de um modelo sociológico complexo é uma técnica muito flexível de exploração das consequências concretas de uma teoria Permite fazer previsões condicionais da forma se sobrevier tal acontecimento ou se se tomar tal decisão e se o meu modelo traduz completamente a realidade então observarseá tal resultado Esta técnica pode igualmente servir para 419 comparar entre si várias teorias relativas a um mesmo processo social JP G Sindicatos Associações privadas que representam um agrupamento de indivíduos ou de instituições encarregadas de defender os seus interesses sindicatos operários e patronais sindicatos de interesses locais O sindicalismo em França e na Europa está em crise senão mesmo em declínio O fenómeno é comummente apreciado a partir das taxas de sindicalização as taxas francesas baixaram em cerca de metade em 15 anos passando de 20 para cerca de 10 por cento Mas esta avaliação não é nem fiável nem verdadeiramente significativa do alcance da crise Mais importante é a combinação da dessindicalização com o movimento de institucionalização do sindicalismo as organizações acabam por apoiarse mais no seu eleitorado que nos seus aderentes mais no reconhecimento que o Estado lhes confere que no que lhe concedem os empregadores Por outro lado põese a questão da adaptação dos sindicatos a um salariado em evolução rápida e demasiado heterogénea para se reconhecer nos discursos unificadores herdados do passado A questão sindical dá lugar a duas orientações intelectuais diferentes Para quem privilegia o critério político o facto sindical reduzse a uma forma social contingente adaptada num dado momento da evolução do sistema democrático no contexto da III República o florescimento do sindicalismo permitiu conciliar a subida da consciência de classe e a salvaguarda da integração social De igual modo compensou os inconvenientes 420 225 individualistas do sufrágio universal ao legitimar uma concepção orgânica da representação dos interesses Rosanvallon 1988 Para quem observa o facto sindical de um ponto de vista propriamente sociológico a tónica é colocada na continuidade mais que nas rupturas além da coligação ter preexistido à organização o sindicato alimentouse na fonte das corporações do Antigo Regime A lógica sindical é em parte intangível não há acção colectiva sem afirmação de um princípio de solidariedade não há verdadeira participação na regulação produtiva sem aptidão para se manter órgão fundador de vida social Confrontadas com a crise sindical as duas teses não chegam ao mesmo prognóstico O primeiro anuncia uma reconversão radical do sindicalismo deixando de identificarse com o movimento social este é chamado a tornarse uma agência de serviços e de negociação trabalhando na redefinição das regras de abono na sociedade global Touraine 1984 A segunda aposta na existência de um futuro para um sindicalismo de movimento social na condição de este aceitar redefinir a sua identidade a partir das realidades do mundo do trabalho tal como ele é D SN Sistemas teoria dos Proposta em 1930 por L von Bertalanffy que elaborou a sua teoria geral em 1968 a noção de sistema serve para designar um objecto complexo formado por elementos distintos ligados entre si quer por relações de interacção quer por relações de interdependência 421 Tais elementos são considerados como subsistemas ou seja pertencem à mesma categoria que o conjunto de que fazem parte O sistema sendo aberto está por outro lado situado num meio com o qual está em interacção caso contrário tratase de um sistema fechado A ideia essencial é que o sistema constitui um todo de um grau de complexidade superior ao das suas partes isto é que tem propriedades próprias A teoria dos sistemas propõese ao mesmo tempo traduzir o estado do sistema num momento equilíbrio e as leis de transformação de um estado para o outro introduzindo entre outras a noção de retroacção em inglês feedback Em física mecânica termodinâmica em biologia e em cibernética a teoria dos sistemas recebeu numerosas e fecundas aplicações Actualmente o problema consiste em encarar a possibilidade de alargar este tipo de análise aos sistemas sociais que têm a particularidade de serem hipercomplexos Tentativas como a de M Crozier e a de E Friedberg 1977 ou a de A Wilden 1972 mostram que se é preciso evitar uma generalização demasiado apressada a teoria dos sistemas pode no entanto ser de uma grande utilidade na análise dos processos estratégicos Y C Sociabilidade O termo sociabilidade designa ao mesmo tempo o estado que resulta imediatamente das faculdades do homem estado de sociedade e um traço de psicologia colectiva atribuído a grupos mais ou menos alargados É esta última acepção que é introduzida nomeadamente por Mme de Genlis citada por Littré no início do séc XIX quando escreve que a temperança natural dos Franceses contribui 422 muito para essa sociabilidade que os distingue Definida por M Agulhon 1977 como a aptidão geral de uma população para viver intensamente as relações 226 públicas a sociabilidade apresenta uma série de conteúdos que o estudo dos caracteres nacionais dos temperamentos regionais e das mentalidades sociais permite especificar A nível doméstico poderseá distinguir como o propõe M Forsé 1981 uma sociabilidade interna centrada no lar e uma sociabilidade externa orientada para os amigos as relações de trabalho o meio social No entanto a sociabilidade reveste sobretudo formas nas quais sem razão não se quis ver senão as figuras da frivolidade e da futilidade mundana Com efeito para além da elaboração dos materiais necessários à vida colectiva e dos conteúdos próprios aos modos de participação social apercebemonos como pode operarse a sublimação da troca numa sociabilidade sem fins práticos e inteiramente centrada em personalidades que estão empenhadas em puras relações de reciprocidade Desta sociabilidade desligada de referências materiais G Simmel disse que ela é a forma lúdica da socialização 1918 A conversa que G de Tarde defniu como o exercício contínuo e universal da sociabilidade é uma das componentes essenciais desse jogo social traduzido pela categoria analítica de Geselligkeit mãe da delicadeza cria entre os conversadores uma igualdade fictícia mas é no fundo discriminante pelo teor dos assuntos sobre que incide Na verdade a troca de conversas num café num círculo 423 num salão etc é regulada por estratégias verbais saídas do processo de psicologização das relações sociais assinalado por N Elias Na medida em que os desníveis entre as condições se reduziram consideravelmente reforçouse a atenção à forma até tornarse um verdadeiro imperativo categórico Não é um acaso de linguagem escreve ainda Simmel se toda a sociabilidade atribui tanta importância à boa forma Os códigos de boas maneiras na época da III República exprimem essa importância assim como a preocupação de manter senão de recriar intervalos entre os grupos Tanto como os efeitos da mobilidade sobre a Geselligkeit eles manifestam a dimensão simbólica da vida colectiva o carácter convencional da existência social e a tensão entre o demasiado subjectivo e o demasiado objectivo que atravessa toda a sociabilidade B V Agulhon 1977 Socialismo O termo socialismo apareceu nos escritos de diferentes autores nos anos 1830 R Owen P Leroux para designar as doutrinas críticas relativamente ao liberalismo económico que apelam para uma organização económica que faz prevalecer o interesse geral por meio de um plano concertado A partir desta altura fortes divergências aparecem entre os socialismos qualificados de utópicos C Fourier e o socialismo que se pretende científico F Engels entre partidários de uma socialização dos meios de produção P J Proudhon e defensores da apropriação colectiva Marx entre estatistas e anarquistas Após 1870 o termo socialista é retomado por associações operárias 424 partidos políticos sindicatos operários seguidamente após 1920 para se diferenciar dos partidos comunistas O termo foi utilizado em múltiplas significações e entrou em palavras compostas radicalsocialismo socialdemocracia nacional socialismo etc em situações sociais e políticas muito diversas Sem corresponder actualmente a 227 uma definição única este termo designa uma orientação geral uma tendência a privilegiar os organismos e administrações públicas de preferência às iniciativas privadas nas relações entre o político e o económico a organização da propriedade a gestão das empresas P A Droz 19741978 Kriegel 1964 Ligou 1962 Socialização Em sentido forte socializar é transformar um indivíduo de um ser associal num ser social inculcandolhe modos de pensar de sentir de agir Uma das consequências da socialização é tornar estáveis as disposições do comportamento assim adquiridas Esta interiorização das normas e valores tem igualmente por função tornar suas as regras sociais que são por definição exteriores ao indivíduo e aumentar a solidariedade entre os membros do grupo Enquanto instrumento da regulação social permite a economia de sanções externas O grupo não tem necessidade neste sentido nem de lembrar indefinidamente ao indivíduo a existência dessas regras nem de exercer sobre ele uma coacção para que elas sejam observadas violálas gera um sentimento de culpabilidade Os estudos sobre a socialização 425 tentam pôr em evidência os processos pelos quais um indivíduo interioriza conteúdos e estruturas e analisar os efeitos desta interiorização sobre o comportamento Um dos objectivos destas pesquisas é fornecer uma solução ao problema da permanência através das gerações das culturas e subculturas específicas de certos grupos dos comportamentos de indivíduos que foram submetidos aos mesmos tipos de aprendizagem sejam eles linguísticos cognitivos políticos ou morais Estes estudos mostraram nomeadamente que existe uma forte semelhança de comportamentos políticos entre os filhos e seus pais que certos valores como o do sentido da solidariedade colectiva são mais privilegiados na classe operária que o sucesso individual que caracterizaria as classes médias Pretendeuse ver no sistema de valores interiorizado próprio da classe a que o indivíduo pertence a determinante do destino deste Com efeito esta definição da socialização supõe o primado da sociedade sobre o indivíduo o exercício de uma coacção por parte de uma autoridade considerada como legítima e um objectivo definido ao nível social Assenta além disso numa teoria rudimentar da aprendizagem como condicionamento O indivíduo é de facto pensado como um ser passivo cujo comportamento se resume a uma reprodução de esquemas adquiridos A esta visão determinista pode oporse uma concepção mais flexível que toma em consideração a relativa autonomia do indivíduo a capacidade deste para adaptar as disposições adquiridas às situações vividas e mesmo para modificar quando necessário as normas e valores interiorizados em função de certos problemas que é chamado a resolver 426 M C Bernstein 1971 Bordieu Passeron 1970 Durkheim 1922 1925 Percheron 1974 Sociedades tipos de A enumeração e a classificação das sociedades globais são uma das tarefas que os sociólogos se atribuíram desde a constituição da sua disciplina Os inventários e as tipologias que daí resultaram manifestam pela sua própria diversidade a relatividade de uma empresa que está em primeiro lugar estreitamente dependente 228 dos critérios escolhidos Além disso uma hierarquização das diferentes formas de organização social achase aí muitas vezes subreptícia ou abertamente associada A distribuição das sociedades entre diferentes tipos é solidária de qualificações tribal teocrática industrial que condensam os traços específicos respectivamente comuns a agrupamentos humanos Podemos classificar estes últimos em função do modo de ocupação do solo do volume e da densidade Distinguiremos assim as sociedades de caçadores e as de agricultores opondo o nomadismo pastoril ao tipo de vida sedentária É a partir deste ponto de vista que é o da morfologia social que É Durkheim estabeleceu os grandes tipos de estrutura social Da horda simples justaposição de indivíduos às sociedades polissegmentárias complexas passando pelo clã pelas sociedades polissegmentárias simples etc foram unidades sociais que ele combinou adiantando que as sociedades são tanto mais volumosas quanto mais avançadas A divisão do 427 trabalho forneceu a Durkheim um princípio geral de oposição entre a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica do mesmo modo que a análise do acordo social levou F Tönnies 1887 a distinguir o tipo comunitário e o tipo societário categorias fundamentais que seguidamente cruzou com as noções genéricas de relações agrupamentos e associações É igualmente qualificandoas de primitivas ou modernas de arcaicas ou desenvolvidas de tradicionais ou industriais de holistas ou individualistas que historiadores etnólogos e sociólogos distinguem os principais tipos de sociedades Estas séries de oposição assentam na tomada em consideração de variáveis diferentes Estas últimas são por exemplo essencialmente económicas na dupla tradicionalindustrial concebida a partir das mudanças consecutivas à Revolução Industrial a sua valorização corresponde portanto à do económico na sociedade moderna e é acompanhada de uma alteração dos caracteres originais das sociedades tradicionais Simples ou complexa a distribuição das sociedades em tipos distintos não chega em última análise a desligarse de um esquema evolutivo Se fica claro que o nomadismo pastoril não é inferior à vida sedentária é igualmente evidente que a corrente principal da evolução histórica vai da caça para a agricultura que traz consigo a fixação ao solo Centrada no papel determinante dos modos de produção a tipologia das sociedades globais em Marx reconduzse também a uma sucessão dialéctica de tipos sociais que vão da sociedade primitiva fundada no parentesco na apropriação colectiva do solo e das ocupações naturais caça pesca apanha à sociedade comunista sem classes A diferenciação complicase com a especificação dos modos de 428 produção escravista feudal germânica asiática capitalista socialista A questão da escolha dos critérios e dos tipos intermédios colocase igualmente a partir do momento em que se pretende classificar politicamente as sociedades Deste ponto de vista é preciso ter em conta a utilização do espaço a forma do governo e a estrutura da colectividade assim como o sistema jurídico em vigor Mas o critério fundamental será a atribuição do poder global A dupla preocupação de evitar toda a categorização prévia e de afinar ao máximo a tipologia das sociedades 229 globais levou G Gurvitch 1955 a distinguir uma enorme variedade de tipos sociais Decompôs as sociedades arcaicas em quatro espécies as sociedades históricas em seis carismáticas patriarcais feudais e as que são posteriores à Revolução Industrial dão lugar a uma longa enumeração sociedades democráticoliberais dirigistas planificadas de difícil exploração Privilegiando os sistemas de valores e as orientações fundamentais T Parsons 1966 propôs também ele uma tipologia complexa Voltamos pois à questão formulada por A Giddens a propósito da pesquisa dos princípios estruturais Quais são os níveis de abstracção que valem a pena ser distinguidos no estudo das propriedades estruturais dos sistemas sociais Para lhe responder abandonou o lado formal da tarefa para se pôr à procura de elementos situados mais perto do conteúdo empírico Definiu assim os princípios estruturais como princípios de organização das totalidades societais e mais 429 precisamente como conjunto de factores postos em jogo no alinhamento global das instituições de uma sociedade ou de um tipo de sociedade A distribuição dos tipos de sociedades em três grupos que ele propõe sociedade tribalsociedade dividida em classessociedade de classes tem o mérito de integrar um número bastante elevado de elementos distintivos sem cair na esquematização demasiado sumária nem na interminável enumeração B V Sociobiologia Este termo designa ao mesmo tempo uma teoria dos comportamentos sociais dos animais fundada na teoria da evolução a etologia e a genética das populações de que pretende ser a síntese e a sua extensão ao homem Esta distinção é importante porque o acolhimento que lhe foi feito é muito diferente se a primeira foi em geral bem aceite suscitando apenas discussões científicas normais a sua aplicação ao homem foi objecto de violentas polémicas Estes dois aspectos encontramse nas obras do seu fundador o especialista dos insectos sociais E O Wilson cuja obra principal foi publicada em 1975 Podemos tomar como ponto de partida um paradoxo a vida em sociedade implica que certos indivíduos se sacrifiquem pelos outros Se se admitir que este comportamento como todos os outros é geneticamente determinado como é que o gene que o impõe pôde manter se e portanto ter sido seleccionado uma vez que aquele que se sacrifica tem menos hipóteses de sobreviver e portanto de se reproduzir A resposta da sociobiologia é que a selecção e portanto a evolução incide de facto sobre genes e não sobre organismos A reprodução nunca é idêntica só os 430 genes se transmitem Se um indivíduo se sacrifica por parentes próximos favorece a reprodução destes e portanto a transmissão dos seus genes em particular daqueles que eles têm em comum O indivíduo pode ser altruísta mas éo para melhor permitir a perpetuação de um gene egoísta Raciocínios deste tipo permitiram à sociobiologia explicar um grande número de comportamentos sociais considerados como o produto de uma evolução cujo mecanismo principal é a evolução que incide sobre os genes e sobre as populações intervindo os indivíduos apenas como transmissores dos genes Enquanto a teoria sociobiológica incidia apenas sobre os animais foi relativamente bem aceite embora se lhe tenha oposto um certo número de objecções como o 230 facto de os genes jamais se exprimirem de maneira isolada mas sempre em interacção com outros é portanto difícil falar da tendência de um gene para reproduzirse Perguntou se também como é que um gene poderia reconhecer que um outro organismo traz um gene semelhante Mas a sociobiologia não se fica por aí pretende aplicar os mesmos raciocínios e portanto transpor a mesma concepção do determinismo genético ao homem tornandose a sociologia apenas um dos ramos da sociobiologia As hierarquias sociais os papéis masculino e feminino a homossexualidade etc são explicados pelo seu suposto papel na transmissão dos genes Como todos os hereditarismos dos quais ela é a forma mais recente a sociobiologia afirma um determinismo biológico rigoroso o 431 homem ou melhor a sociedade humana tais como os conhecemos são os produtos da evolução e portanto da selecção Os traços que observamos são os que esta conservou os que sobreviveram Subentendido é perigoso ou impossível tocar neles Neste sentido podemos interpretála como fundamentalmente conservadora e não deixou de se lhe censurar tal facto Mas o essencial das objecções está noutro lado ao fazer a transposição dos outros animais para o homem não se estará a menosprezar uma característica humana específica e essencial a cultura produto de uma função simbólica que não se encontra nos outros animais ou só neles está sob uma forma rudimentar e que permite senão libertar totalmente dos determinismos biológicos pelo menos modulálos Não se vê bem por exemplo como a preocupação de transmissão dos genes pode explicar a diversidade das culturas ou mesmo simplesmente tomálas em consideração Donde uma das censuras mais frequentemente dirigidas à sociobiologia a do etnocentrismo tomar como natureza humana os humanos da nossa sociedade ocidental actual B M Sahlins 1976 Veuille 1986 Wilson 1975 1978 Sociologia Uma grande diversidade caracteriza os objectivos e os métodos da sociologia Ela apresentase como a própria génese da disciplina a partir das tentativas de aritmética política de W Petty nos sécs XVII e XVII dos quadros descritivos de J P Süssmilch da matemática social de Condorcet Esta diversidade é também patente entre os dois precursores Montesquieu e JJ Rousseau entre a ciência recentemente criada por A Comte e a concepção que 432 dela tem É Durkheim De chofre a constituição da sociedade como objecto de análise provocou o aparecimento de múltiplos discursos sobre o carácter relativo ou mesmo artificial de enquadramentos sociais tidos até ao séc XVIII como imutáveis e garantidos pela divina Providência A sociologia crítica nomeadamente com a escola de Francoforte encontra a sua origem no processo intentado pelos filósofos das Luzes à sociedade que eles intimaram a comparecer perante o tribunal da Razão Após os abalos políticos do fim do século a Revolução Industrial teve igualmente como efeito orientar a reflexão para a reorganização geral das disposições sociais Este projecto construtivista inspirou no séc XIX especulações de toda a espécie umas ao lado da utopia como em H de SaintSimon e sobretudo C Fourier outras apoiadas por uma filosofia da história do tipo da que foi formulada 231 em 1936 por Comte na lei dos três estados A vontade de Marx de instituir uma sociedade sem classes tem igualmente a ver com esse desígnio de conjunto Podemos em última análise ligar a esta visão global do social os trabalhos de Durkheim de M Weber e de V Pareto Nas suas obras que constituem o corpus da sociologia clássica são as grandes componentes e as principais tendências da sociedade moderna que são estudadas por vias diferentes que se reúnem na integração sistemática de elementos tirados de todas as disciplinas constitutivas das ciências humanas o direito a história a economia a etnologia etc 433 Assim num contexto duplamente marcado pelo positivismo de Comte e pelo evolucionismo de H Spencer os objectivos visados a identificação de regularidades históricas o enunciado das leis da evolução ou o estabelecimento de grandes relações funcionais traduzem a preocupação de compreender o funcionamento da sociedade Diferentemente das outras ciências a sociologia não tinha de preocuparse com delimitar o seu domínio de investigação Os trabalhos que incidem sobre questões nitidamente circunscritas não têm no entanto faltado no séc XIX Ao escolher estudar a democracia na América e depois o Antigo Regime e a Revolução A de Tocqueville escapava à urgência de uma reorganização da sociedade europeia Numa direcção inteiramente diferente L A Quetelet aplicavase a introduzir o número e a medida na ciência do homem F Le Play e os seus discípulos multiplicavam as monografias sobre pequenas unidades sociais Estas pesquisas mostram bem a heterogeneidade dos quadros em que elas se inscrevem a filosofia política a sociologia quantitativa a sociografia descritiva Por razões que têm a ver com as suas orientações metodológicas ou ideológicas exerceram menos influência que as filosofias sociais e os estudos gerais da sociedade O desenvolvimento destas últimas foi acompanhado de uma exigência de positividade e de objectividade que se viu satisfeita pelo recurso às ciências físicas ou biológicas para explicar os fenómenos sociais daí derivam as metáforas mecanicistas e organicistas que abundam nas sociologias gerais Por outro lado a obsessão de afirmar a especificidade do social contra a singularidade subjectiva levou Durkheim a construir a sociologia fora de toda a referência à psicologia 434 tapando deliberadamente as vias fecundas abertas por G de Tarde para a psicologia social As vicissitudes os falsos debates indivíduosociedade e as falsas querelas qualitativoquantitativo que a sociologia conheceu nomeadamente na França devem relacionarse com essas orientações primeiras Devem sem dúvida ser tomadas em consideração como fez P Lazarsfeld as variações nacionais das acções sociológicas assim como os constrangimentos institucionais e materiais a que estas últimas estão sujeitas Mas notase em toda a parte uma partilha entre sociologia crítica e sociologia empírica filosofia social e sociografia pontos de vista especulativos e trabalhos descritivos Também por todo o lado ensaios e pesquisas distinguemse pelo nível privilegiado macrossociológico ou microssociológico o tipo de observação escolhido a natureza dos indicadores retidos Por todo o lado enfim o recorte quer horizontal por exemplo a sociologia urbana quer vertical por 232 exemplo a mobilidade social do terreno do sociólogo deu lugar a estudos especializados sem que desapareça a procura de uma teoria geral como testemunham T Parsons e G Gurvitch etc Numa época em que os media difundem informações que dão a cada indivíduo a ilusão de conhecer a sociedade em que vive uma dupla advertência histórica e metodológica sobre o que é a sociologia se impõe Começou com a recapitulação dos contributos anteriores que integram as contribuições a que não se tinha prestado suficiente atenção as de Tarde de G Simmel de G Mosca 435 por exemplo e com a implementação de princípios explicativos claramente definidos como os do individualismo metodológico conceptualizado por R Boudon B V Sociologismo Este termo designa não sem intenção pejorativa um modo de interpretação sociológica que atribui à sociedade um poder explicativo total na análise das condutas humanas Foi utilizado contra É Durkheim e os durkheimianos para denunciar os excessos de um preconceito metodológico que visa sistematicamente explicar os elementos pelo conjunto O sociologismo aparentase pois com o realismo totalitário oposto por J Piaget tanto ao individualismo atomista como ao interaccionismo relativista que credita à estrutura social o que é recusado ao indivíduo O individualismo metodológico é de algum modo a sua crítica B V Sociometria Embora esta palavra tenha em princípio uma significação muito geral medida do social acabou por identificarse com as técnicas elaboradas por J L Moreno 1934 para captar e medir as relações interpessoais dentro de um grupo O teste sociométrico consiste em perguntar a cada membro de um grupo restrito e natural formado por pessoas que já se conhecem com que outros membros do grupo desejaria associarse ou não associarse para determinada actividade ou em determinada situação O apuramento desta sondagem permite conhecer em função do volume das escolhas feitas ou recebidas e da sua 436 reciprocidade o estatuto de cada membro do grupo identificar os líderes ou estrelas sociométricas os isolados ou os excluídos fazer aparecer pares escolhas ou rejeições recíprocas tríades cadeias cliques que são subgrupos dentro de um grupo O conjunto destas relações e destas configurações pode ser representado num sociograma que permite visualizar a estrutura das relações afectivas dentro do grupo e ter uma ideia da sua coesão Na esteira de Moreno o inquérito sociométrico foi alargado à percepção por cada indivíduo das escolhas ou rejeições emitidas pelos outros membros do grupo e mesmo das suas expectativas de escolha PH BD Solidariedade políticas de As políticas de solidariedade podem ser definidas como o conjunto das acções públicas que exprimem e regulam a solidariedade social entendida como designando o estado pelo qual os membros de uma sociedade têm obrigações uns para com os outros e cada um para com todos Esta noção fundase portanto na verificação de uma interdependência de facto e nas obrigações que daí decorrem As políticas de solidariedade que dependem assim do Estado e dos seus diferentes segmentos só puderam 233 constituirse uma vez as solidariedades curtas familiares religiosas corporativas dissociadas pela industrialização e pela urbanização David 1982 Apoiamse numa reformulação da noção de solidariedade que implica uma 437 nova concepção da sociedade concebida como entidade solidária Autores do fim do séc XIX tais como É Durkheim 1893 ou L Bourgeois 1899 contribuíram muito particularmente a níveis distintos na elaboração dos fundamentos teóricos destas políticas O primeiro introduz a noção de solidariedade social orgânica oposta à de solidariedade mecânica ou por similitudes cuja manifestação mais visível é um novo tipo de regras jurídicas que promulgam sanções restitutivas e não já repressivas O segundo enuncia a doutrina do solidarismo que conferirá a sua legitimidade à legislação social do início do nosso século Cada um destes autores elabora à sua maneira a noção de solidariedade social colocandoa em relação com o Estado e o Direito Esta noção de solidariedade foi posta em acção graças à mediação da técnica de seguros Ewald 1986 Esta última vai permitir substituir o conceito de risco aos de responsabilidade e de falta os únicos inscritos na visão liberal de uma sociedade em que o indivíduo é considerado como a entidade primeira livre e responsável Assim as políticas de solidariedade pela instauração das políticas de seguro social depois de Segurança Social vão permitir ultrapassar a antinomia que existia entre por um lado os mecanismos do mercado próprios do liberalismo e suas consequências inigualitárias e por outro lado os valores de igualdade que estão na base da democracia Jobert 1985 O campo destas políticas de solidariedade não vai deixar de alargarse Foram primeiro concebidas como políticas de reparação dos riscos sociais reservadas a uma classe social definida por um fundo de recursos os Seguros Sociais e depois virão a ser mais tarde definidas como uma cobertura geral dos riscos à escala nacional que encarnará a 438 Segurança Social Por fim verificarseá que o exercício da solidariedade não pode ser reduzido a uma simples distribuição ex post de prestações reparadoras e que o tratamento dos riscos sociais implica em particular acções ex ante destinadas a diminuir as probabilidades de realização do risco A partir daí as políticas de solidariedade vão englobar uma multiplicidade de dispositivos de políticas sociais As políticas de solidariedade não se reduzem actualmente à distribuição de prestações aos segurados põem em jogo um feixe de processos multiformes de redistribuição e de regulação AM G SOMBART Werner economista alemão Ermsleben distr de Halle 1863 Berlim 1941 Sombart estudou direito economia história e filosofia antes de ensinar na Universidade de Breslau e depois na de Berlim Foi influenciado por G Schmoller e por M Weber por É Bernstein e por K Marx que ele tanto corrige como prolonga Em 1896 publicou Le Socialisme et le mouvement social ao XIXe siècle A obra contém vivas críticas do socialismo em geral e do marxismo em particular conheceu um grande sucesso e foi traduzido em 24 línguas O interesse principal de Sombart incidia nas origens no sentido e no futuro do capitalismo como o testemunha a sua obra Le Capitalisme moderne 1902 assim como Les Juifs et la vie économique 234 1911 ou em 1913 Le Bourgeois contribution à lhistoire 439 morale et intellectuelle de lhomme économique moderne As duas últimas obras alimentaram uma polémica com Weber porque Sombart em oposição à tese expressa em LÉthique protestante et lesprit du capitalisme situa em Florença no fim do séc XIV a formação do espírito burguês Sombart distingue vários períodos da história do capitalismo o capitalismo primitivo o alto capitalismo o capitalismo tardio Com o tempo o capitalismo acentuou a organização e a racionalização mais que o dinamismo e o espírito burguês afirmouse em detrimento do espírito de empresa JC L Sondagem Técnica que consiste em administrar um questionário a uma amostra de indivíduos representativa de uma população mais ampla chamada populaçãomãe ou populaçãoalvo A sondagem não é pois mais do que um processo particular de inquérito Assim ainda que seja a sua forma mais habitual a sondagem de opinião é apenas uma modalidade do inquérito de opinião Por outro lado a sondagem não está reservada ao estudo da opinião Pode também por meio desta técnica procurarse validar hipóteses num estudo de motivações ou de atitudes ou procurar a distribuição de características objectivas por exemplo a posse de certos bens de equipamento Puderam formularse contra as sondagens três críticas fundamentais a sua natureza atomista que faz do indivíduo uma unidade estatística desligada do seu contexto social a impossibilidade de efectuar todos os cruzamentos de variáveis desejáveis em virtude da dimensão limitada das amostras a sua incapacidade de captar a dimensão temporal 440 dos fenómenos em razão do seu carácter instantâneo Tais obstáculos são no entanto ultrapassáveis as sondagens contextuais permitem estudar as relações recíprocas entre as características do espaço social e as variáveis individuais pela construção de planos de observações específicos podemos dotarnos dos efectivos necessários ao estudo de subpopulações que uma amostra nacional não permite analisar a técnica do painel permite a observação longitudinal de certos processos Mas estas soluções mantêmse largamente teóricas em virtude do seu custo e do seu interesse demasiado especificamente científico D D Brúlé 1988 Desabie 1966 SPENCER Herbert filósofo e sociólogo britânico Derby 1820 Brighton 1903 A obra principal de Spencer é representada pelo seu Traité de philosophie em dez volumes quatro dos quais são ocupados pelos Principes de sociologie Este contemporâneo de Marx conheceu em vida uma glória imensa Em 1854 na obra Social statics enunciou hipóteses evolucionistas que reapareceram em 1857 em LOrigine des espèces de C Darwin Muitas das ideias dos conceitos dos modelos que propôs fazem parte integrante da sociologia moderna No entanto já quase ninguém se lembra de atribuirlhe a sua paternidade Este esquecimento explicase talvez sobretudo porque Spencer foi um dos raros sociólogos liberais e um dos grandes teóricos do liberalismo Este whig estava convencido de que a sociedade industrial não pode desabrochar se o Estado se arroga funções que não lhe competem e via na evolução das sociedades do estádio militar para o 441 235 estádio industrial no refluxo dos constrangimentos que o Estado faz pesar sobre a sociedade a principal marca do progresso A sua influência junto das elites das sociedades industriais não resistiu ao crescimento contínuo do Estado nas democracias dos anos 20 aos anos mais recentes Spencer é sobretudo conhecido como um dos pioneiros da sociologia evolucionista por diferenciação e por agregação as sociedades tendem a evoluir de formas simples para formas complexas Quando a densidade social aumenta as funções sociais tendem a diferenciarse e a divisão do trabalho a desenvolverse Estes temas serão retomados por É Durkheim 1893 Mas o que impressiona no evolucionismo de Spencer é a sua grande prudência as leis da evolução apenas descrevem tendências e as circunstâncias as contingências históricas podem muito bem contradizêlas Por um lado as noções de sociedade militar e de sociedade industrial descrevem tiposideais no sentido de M Weber e encontramse em todas as épocas sociedades que se inclinam mais para um ou outro destes tipos Por fim cada sociedade comporta componentes que têm a ver com os dois tipos O evolucionismo de Spencer é muito menos rígido que o de A Comte de Durkheim ou de Marx e pelo menos tão aceitável como o de F A Hayek 1973 É que Spencer é muito sensível à complexidade dos determinismos sociais Assim um tipo de sociedade tende a gerar comportamentos individuais congruentes com esse tipo Reciprocamente os indivíduos podem desenvolver comportamentos que reforcem ou enfraqueçam o sistema 442 Mas a ligação entre comportamentos individuais e caracteres do sistema nada tem de necessário ou de mecânico R B Spencer 1873 18741875 Suicídio O suicídio era definido por É Durkheim 1897 como todo o caso de morte que resulta directa ou indirectamente de um acto positivo ou negativo levado a cabo pela própria vítima e que ela sabia de antemão dever produzir esse resultado Esta definição demarcase da acepção comum ao incluir o sacrifício do soldado que corre para uma morte certa a fim de salvar o seu regimento ou do mártir que morre pela sua fé M Halbwachs 1930 rejeitava semelhante assimilação Este género de discussão praticamente não tem alcance se se considerar que Durkheim tal como os seus continuadores utilizava estatísticas oficiais que não podiam deixar de reflectir as definições comuns do fenómeno Neste sentido não há definição do suicídio própria da sociologia a qual em contrapartida tem uma orientação particular em relação ao fenómeno O seu objectivo essencial não é perscrutar o fundo das almas para reconstituir os motivos que levam este ou aquele indivíduo a suicidarse mas utilizar as taxas de suicídio a sua frequência em tal população ou tal subpopulação como indicador social É esse o caso em Durkheim que via na taxa de suicídio de um grupo social o índice do seu estado de normalidade ou de patologia a expressão cifrada da sua felicidade média Muito antes de Durkheim os estatísticos morais designadamente A Quetelet A M Guerry E A Morselli tinhamse interessado pelo suicídio acto individual por 443 excelência que obedece no entanto a regularidades estatísticas surpreendentes Era maná para quem queria fundar a sociologia como ciência autónoma com um objecto próprio Quando empreende o seu estudo sobre o suicídio Durkheim pode pois 236 apoiarse num corpus de resultados e de saberes acumulados a que ele junta a exploração de dados franceses recentes Mas integra essas generalizações empíricas numa teoria que explica as variações da taxa de suicídio O suicídio é mais frequente nas sociedades ou grupos sociais caracterizados por uma falta ou um excesso de integração e por uma falta ou um excesso de regulação ou coacção social Voltando ao assunto trinta e três anos mais tarde Halbwachs confirmou ou rectificou os resultados de Durkheim sendo ao mesmo tempo muito crítico em relação ao seu enquadramento teórico À excepção dos trabalhos conduzidos pela escola de Chicago entre as duas guerras o livro de Durkheim continuou a inspirar os estudos sociológicos sobre o suicídio nomeadamente o de A Henry e JF Short 1954 que se ocupa das relações entre a taxa de suicídio e flutuação da conjuntura económica e o de JP Gibbs e W T Martin 1964 centrado na influência da integração social Esta tradição de pesquisa fundada no uso de estatísticas oficiais foi objecto de críticas de autores como J Douglas 1967 ou de J Baechler 1975 que defendem abordagens fenomenológicas e individualistas do suicídio com o objectivo de restabelecer o vivido se assim se pode dizer dos actos suicidários 444 PH BD Besnard 1976 1987 237 T Tabu O tabu designa um interdito sacralizado ao mesmo tempo que a qualidade daquilo que é ferido de proibição porque consagrado ou porque impuro É suposto que a sua transgressão trará consigo uma calamidade um infortúnio ou uma mancha Muitas vezes é estabelecido por pessoas de autoridade após interpretação de experiências infelizes de sonhos de visões ou de mitos Tem como função proteger o valor de certos bens e de seres frágeis submetendo ao mesmo tempo o indivíduo à lei do grupo J Frazer 19111915 distingue várias formas de tabus tais como actos incesto assassínio etc pessoas reis sacerdotes carpidores mulheres na menstruação guerreiros etc coisas armas cortantes sangue cabelos alimentos etc palavras nomes de divindades de pessoas consagradas de mortos de objectos impuros etc É Durkheim 1912 liga a noção à de mana totémico e S Freud 19121913 considerao como um constrangimento limitador do desejo regulado pela lei do pai Entre outros exemplos desenvolvidos o evitamento da sogra Para C LéviStrauss o tabu entraria nos jogos de oposição lógica que marcam a diferença e a ordem dos valores C R Douglas 1966 Makarius 1974 445 TARDE Gabriel de sociólogo francês Sarlat 1843 Paris 1904 Antes de aceder em 1900 ao Colégio de França Tarde faz uma carreira de magistrado que explica o seu interesse primordial pela criminologia 1886 Pelo primado que atribui aos factores psicológicos e sociais contribui para minar a influência que o determinismo biológico criminoso nato etc de C Lombroso e da escola italiana exerce na Europa Tarde alarga então o âmbito dos seus trabalhos ao conjunto da vida social que explica 1890 pela conjugação de duas forças fundamentais a imitação e a invenção É o jogo complexo de processos de repetição de oposição e de adaptação que explica a mudança social A tónica que Tarde coloca assim nos factores psicológicos põeno em oposição directa com É Durkheim cujo objectivo é explicar o social pelo social e faz dele um dos seus alvos favoritos Tarde é o autor de Les Lois de limitation 1890 JR T Tarde 1895 1898 Milet 1970 Taylorismo vd Organização científica do trabalho OCT Tempos livres sociologia dos Os tempos livres agrupam actividades que se distinguem das tarefas domésticas das obrigações fisiológicas sono refeições cuidados corporais ou do trabalho Os sociólogos estudam a natureza e a diversidade dos tempos livres segundo os grupos sociais Os primeiros trabalhos neste domínio devemse a T Veblen 1899 que define como classe de tempos livres a elite do seu tempo Todo o trabalho produtivo é tido por aviltante numa sociedade dominada pelos capitalistas 446 Consequentemente os tempos livres inscrevemse em todos os aspectos da vida social a começar pelo consumo Alimentos pesados e bebidas alcoólicas prolongam a digestão para além do tempo passado à mesa As excentricidades da moda e as suas variações rápidas ocupam o dia dos 238 elegantes e das elegantes A aprendizagem escolar está orientada para a conversação mundana as boas maneiras e o desporto e não para os saberes produtivos da ciência ou da técnica A sociologia dos tempos livres confundese então com o estudo do modo de vida das classes altas Para as classes trabalhadoras os tempos livres são momentos de recuperação física após o esforço do trabalho E assim que M Halbwachs 1913 interpreta o tempo que o operário consagra ao espectáculo da rua ao café e sobretudo à refeição da noite tempo forte da sua vida de família O argumento do nível de vida e a diminuição dos desníveis entre grupos sociais a instauração das férias pagas em 1936 e a grande difusão dos equipamentos audiovisuais e dos transportes individuais renovam a abordagem dos sociólogos Nos Estados Unidos da América os trabalhos incidem sobre a audição da rádio e a influência que estas novas práticas de tempos livres introduzem designadamente no consumo e nos comportamentos eleitorais Lazarsfeld et al 1944 Em França os tempos livres são analisados como uma maneira de compensar a alienação do trabalho taylorizado Assim G Friedmann escreve em 1949 Os tempos livres não são apenas tempo são a própria condição 447 de um trabalho pessoal humano Os pequenos trabalhos ou o hobby são tratados como tempos livres exemplares na medida em que a pessoa leva até ao fim a produção de um objecto A conquista dos tempos livres foi recentemente substituída pelo tema da perturbação Contrariamente ao que pensava Friedmann não basta estar privado de toda a iniciativa criadora no trabalho para dar provas disso nos tempos livres Como ocupar um dia que para retomar o termo utilizado por D Riesman 1965 está cada vez mais invadido pelos tempos livres De uma geração à outra há mais pessoas que trabalham mas a duração do trabalho de um activo diminui O dia de trabalho é menos longo e sobretudo a vida activa é mais curta A sociologia dos tempos livres transformouse na sociologia do tempo livre N H Teocracia Na história da sociologia doutrina política e social dos teóricos tradicionalistas vd tradicionalismo mais extremistas que defendem o restabelecimento da sociedade teocrática na qual a autoridade é olhada como emanando de Deus e é exercida pelos ministros do culto É a supressão da sociedade civil que é assim preconizada J de Maistre 1753 1821 distinguese sensivelmente de L de Bonald ao desejar que o papa exerça sobre todas as soberanias cristãs a supremacia comedida do poder espiritual supremo Maistre 1819 Pelo contrário Bonald embora teocrata estabelecia uma dialéctica subtil entre os dois poderes espiritual e temporal F de Lamennais 17821854 vai ainda mais longe que Maistre pois que considera que a própria noção de uma sociedade civil é absurda A encíclica Mirari Vos de 1834 448 condena o princípio teocrático mais directamente ainda que o tradicionalismo A Comte 1826 18511854 vai buscar a Maistre e a Lamennais a expressão poder espiritual mas modifica o seu sentido encarrega apenas este poder de elaborar e de propagar uma doutrina universal Podemos pois considerálo como um dos mais eminentes defensores no seio da sociologia de uma concepção atenuada da teocracia BP L 239 Bénichou 1977 Lamennais 1822 Nisbet 1966 Terrorismo Estratégia política cujo princípio assenta na utilização sistemática de actos de violência para espalhar a insegurança O terrorismo reveste formas diversas Certas teorias procuraram identificar essas formas de terrorismo com ideologias ou movimentos ao passo que com frequência o recurso ao terrorismo é apenas passageiro salvo provavelmente para os regimes totalitários Uma outra análise sublinha a fraqueza actual da causa proletariado nação à qual o terrorismo se reporta em caso de declínio durável da causa ou se a referência a ela se tornar mítica ou abstracta o terrorismo pode transformarse num fim em si Procurando criar e alimentar o medo o terrorismo mantém com os media relações complexas porque tem de dirigirse a vários públicos ao mesmo tempo PH R Sociologie du travail 1986 Michaud 1978 449 Wieviorka Wolton 1987 Tipoideal ou idealtipo O tipoideal é um modelo Embora pertença à metodologia de M Weber e nela seja intensamente utilizado o conceito encontrase em outros sociólogos particularmente em É Durkheim O tipoideal do espírito do capitalismo não é uma hipótese mas um guia para elaborar hipóteses É um conjunto de conceitos integrados indispensáveis para captar o real Enquanto modelo abstracto é um meio para captar as relações entre fenómenos concretos a sua causalidade e o seu significado Serve para recortar o real para seleccionar uma pluralidade de fenómenos isolados para ordenálos em função de um ou de vários pontos de vista O espírito do capitalismo não é uma média dos princípios ou das actividades económicas que dominaram em todas as sociedades capitalistas É um conceito genético na medida em que é o resultado de uma síntese abstractiva daquilo que é comum a vários fenómenos Se é uma utopia no sentido em que nenhuma realidade empírica lhe corresponde serve no entanto para medir a distância que separa o real daquilo que é construído logicamente Esta comparação é lógica e não axiológica Enquanto conceito heurístico o único critério que permite julgar do fundamento da sua construção e do seu uso é a sua eficácia metodológica M C Durkheim 1893 Weber 1920 1922a Tirania Em sentido amplo a tirania é uma forma de regime político em que o poder conquistado pela usurpação e apoiado na força se exerce de maneira opressiva e viola os 450 costumes tradicionais ou os interesses legítimos da população Velho termo da filosofia política é herdado do grego No sentido clássico a tirania é definida por oposição à realeza Esta é o governo de um só exercido sobre súbditos consencientes e de acordo com as leis da cidade A tirania é o governo de um só que não segue nenhuma lei mas apenas a sua vontade e se exerce sobre súbditos não consencientes O governo tirânico é portanto encarado pelos seus súbditos como ilegítimo Actualmente o termo não é de uso corrente nas ciências sociais na medida em que estas entendem demarcarse da filosofia política Se se admite tal uso é preciso marcar bem o que constitui a especificidade da tirania moderna ela exercese em nome de uma doutrina de 240 transformação social e assenta na ficção da soberania do povo A tirania moderna não requer apenas a obediência exige sinais do consentimento através nomeadamente de eleições falaciosas A forma extrema da tirania moderna é a tirania totalitária que não apenas absorve a sociedade civil no Estado mas também se esforça por eliminar toda a autonomia da consciência humana PH BN Strauss 1954 TOCQUEVILLE Charles Alexis Clérel de escritor e político francês Paris 1805 Cannes 1859 Nascido numa família aristocrática Tocqueville nunca deixou de reflectir 451 sobre a crise revolucionária aberta em 1789 e soube compreender que os séculos seguintes imporiam cada vez mais a igualização das condições Tal como A Comte analisou a passagem das sociedades tradicionais para as sociedades modernas mas mostrou que sobre a base do Estado social democrático podiam elevarse dois tipos de regime político democracia ou despotismo democrático Jovem magistrado enviado em missão à América 1831 1832 conhece um imenso sucesso a partir da publicação em 1835 da primeira metade da sua obra De la démocratie en Amérique Nos Estados Unidos viu o desenvolvimento do princípio democrático em estado puro sem entrave aristocrático e sem sequelas das lutas revolucionárias A república americana aponta o futuro à Europa A obra assenta numa análise comparativa e procura mostrar os parentescos e as diferenças da França da GrãBretanha e dos Estados Unidos na sua maneira de se tornarem sociedades democráticas Eleito deputado em 1839 publica em 1840 De la démocratie en Amérique segunda metade Actualmente é a que retém mais a atenção Descreve o tipoideal do homem democrático mostrando os efeitos da igualdade sobre as suas ideias e sentimentos Sublinha os efeitos ambíguos do individualismo e mostra o perigo de um culto excessivo do indivíduo que desembocaria num despotismo administrativo Para combater os males que nascem da igualdade preconiza uma política liberal liberdade política e liberdade de imprensa liberdades locais e liberdades de associação Na posição oposta à dos mitos jacobinos De la démocratie en Amérique apresenta a primeira teoria da democracia pluralista soberania limitada por direitos individuais garantidos e tomada em consideração da 452 pluralidade irredutível dos interesses e das ideias Membro da Comissão de Constituição de 1848 ministro dos Negócios Estrangeiros no segundo gabinete Odilon Barrot de Junho a Outubro de 1849 Tocqueville opõese ao golpe de Estado de 1851 e depois retirase da vida política para escrever LAncien Régime et la Révolution 1856 A política centralizadora dos reis está na origem das corrupções do espírito público e das divisões dos Franceses Por detrás da instabilidade política da França e na sua origem Tocqueville mostra que a estabilidade da nossa administração centralizada constitui o mais durável obstáculo à liberdade dos Franceses JC L Aron 1967 Jardin 1984 Lamberti 1983 Manent 1982 TÖNNIES Ferdinand sociólogo alemão Riep auj Oldenswort Schleswig 1855 Kiel 1936 Ferdinand Tönnies distinguiu na sua psicologia a vontade orgânica que caracteriza uma tonalidade afectiva 241 e a vontade reflexa concebida mais como um produto do pensamento Na sua sociologia a comunidade Gemeinschaft apresentase como um efeito da primeira concorrendo a segunda para o nascimento da sociedade Gesellschaft A comunidade forma de vida antiga desenvolvese a partir da família e encontra o seu lugar de eleição na aldeia ou na vila Na primeira as pessoas dedicamse à agricultura ao passo que na segunda as 453 corporações elevam os ofícios à categoria da arte dandolhes ao mesmo tempo uma conotação religiosa A economia por seu turno é estranha à procura do ganho Os laços do sangue e da amizade do costume e da fé atestam o carácter vivido da moral comunitária O progresso do urbanismo faz evoluir a comunidade para a sociedade Esta mutação produzse sob o signo de uma abstracção que se verifica no facto de cada um viver para si num estado de concorrência ao mesmo tempo social e económica A procura do lucro e o comércio deveriam a prazo levar a melhor sobre a sociedade de que são o princípio Ferdinand Tönnies descreveu estas duas formas de vida social na sua obra Communauté et société 1887 L DG Totalitarismo O totalitarismo pode ser definido como um regime político que tende à absorção da sociedade civil pelo Estado até à destruição da consciência humana O termo é relativamente recente nasceu na Itália nos anos 20 e oscilou entre sentidos mais ou menos amplos A significação aqui retida permite isolar um regime moderno irredutível às experiências anteriores aquele do qual G Orwell 1949 forneceu um retratocaricatura e que pretende transformar o homem num objecto maleável descerebrizálo pelo corte da sua consciência da realidade objectiva Nenhum autor antigo descreveu um tal mundo é algo de novo O totalitarismo resulta ao mesmo tempo da vitória durável do poder ideológico e da falência da ideologia ou seja da impossibilidade de manter a promessa da ideologia a de uma humanidade nova e reconciliada Confrontado com a realidade rebelde o poder esforçase então por corroer a 454 consciência que os homens ganham dessa realidade O totalitarismo integral nunca foi realizado e é sem dúvida irrealizável mas os regimes comunistas mais completos tendem ou tenderam a aproximarse desse modelo PH BN Kolakovski 1983 Trabalho sociologia do Aplicação da postura sociológica aos problemas da indústria e do trabalho assalariado A subdisciplina nascida nos Estados Unidos da América sob o nome de sociologia industrial foi de início uma réplica à racionalização do trabalho empreendida à volta das posições de F W Taylor e H Ford As pesquisas conduzidas por volta de 1930 pela escola dita das relações humanas puseram em evidência a importância do social e a irracionalidade do factor humano no sistema industrial Criticadas nem por isso deixaram de ser o facto fundador da sociologia do trabalho Desmarez 1986 Em França a seguir à Segunda Guerra Mundial serviram de ponto de partida aos trabalhos de G Friedmann e suscitaram dois acontecimentos fundamentais a elaboração do Traité de sociologie du travail 196162 a criação em 1959 da 242 revista Sociologie du travail cujos trinta anos de publicação revelam a diversidade dos temas abordados Entre eles há conjuntos que se evidenciam a divisão e a organização do trabalho a duração os ritmos e tempos do trabalho as questões da qualificação do salário e da formação a do emprego e do desemprego a divisão sexual do trabalho e a 455 questão do trabalho feminino a sociologia das profissões a sociologia da organização industrial estudos sobre a classe operária sobre os sindicatos e os conflitos sociais A enumeração revela que o peso da procura social suposta característica de uma sociologia inventada por engenheiros e peritos em management não é verdadeiramente hegemónico Encontramos também nela a marca das filosofias proudhoniana e marxista das grandes pesquisas do séc XIX sobre a situação da classe operária e mais em geral a de um empenhamento a favor da humanização da civilização índustrial causa para a qual G Friedmann mostrou o caminho 1950 1970 Ao lado da sociologia do trabalho desenvolveuse uma sociologia das organizações dominada pela obra de M Crozier esta deve sem dúvida muito às pesquisas conduzidas em meio industrial nos Estados Unidos Mas a sofisticação intelectual a que deu lugar impede também neste caso que se possa ver nela apenas um apêndice da procura dos actores económicos Crozier Frieberg 1977 Quais são neste domínio as tendências da investigação A que problemas sociais responde ela 1 As análises sobre o emprego e as qualificações foram renovadas no contexto da crise dos anos 70 A crise avançou por exemplo com o tema da exclusão social que estava mais ou menos esquecida A atenção incidiu sobre a segmentação do mercado do trabalho sobre a distância que separa a lógica dos mercados internos protegidos e a dos mercados externos sujeitos a todas as flutuações Paralelamente a subida regular da parte das mulheres na população activa deu lugar a trabalhos sobre o deslizar da posição social das mulheres em relação aos homens assalariados não sem 456 revelar a permanência das discriminações que a legislação se esforça aliás por reduzir 2 A inovação técnica e os seus efeitos sobre a organização produtiva suscitam numerosos trabalhos a despeito do desejo unânime de ultrapassar o determinismo tecnológico Para além dos discursos na moda os sociólogos observam a centralidade e a autonomia nova do factor humano na organização produtiva Ao fazêlo confirmam a importância dos debates suscitados pela prática das técnicas de gestão participativa não sem a si consignarem a tarefa de compreender as condições estreitas que fazem passar a mobilização dos recursos humanos do estado de slogan ao estádio de mudança real na gestão e nas relações sociais 3 Põese finalmente a questão de saber se as evoluções em curso suscitam ou não novos actores colectivos susceptíveis de confirmar o lugar do trabalho e dos trabalhadores nas representações colectivas Por exemplo haverá doravante lugar para uma sociologia da comunidade de empresa Esta questão delicada e de forte carga ideológica foi durante muito tempo uma questão interdita Ora actualmente ela encontrase no número daquelas que as permutas disciplinares puseram na ordem do dia Sociologie du travail nº 3 1986 A sociologia do trabalho procura há muito tempo as suas marcas distintivas Umas vezes confundida com a sociologia 243 geral em virtude do seu objectivo hegemónico outras vezes relegada para os confins das ciências aplicadas ou ligada à economia à história à antropologia às ciências políticas 457 anda hoje à procura de um estatuto intermédio A sociologia do trabalho encontrará o seu lugar ao interessarse pelo peso real da relação de produção no interior da sociedade Encontrará por fim o seu lugar ao clarificar a sua relação com a interdisciplinaridade virtude totémica desta disciplinaencruzilhada mas que mais que pôla em prática nos limitamos a venerar ritualmente D SN Tradição No seu sentido primeiro a tradição designa tudo o que é transmitido do passado para o presente os objectos os monumentos as crenças as práticas e as instituições Shils 1981 Mas não se trata de uma simples recorrência estatística é o valor atribuído pelas gerações presentes ao que é transmitido pelas gerações do passado que constitui a tradição O carácter normativo da tradição é a força que faz existir uma sociedade através do tempo Na maioria das vezes utilizase o termo tradição no sentido de M Weber opondo as sociedades cuja legitimidade é tradicional às sociedades modernas ou industriais cuja legitimidade é legalracional A legitimidade tradicional fundase no valor do passado enquanto tal e na autoridade do eterno ontem isto é a dos costumes santificados pela sua validade imemorial e pelo hábito enraizado no homem de respeitá los Mas os tipos de legitimidade elaborados por Weber são tiposideais na realidade nenhuma instituição e a fortiori nenhuma sociedade é inteiramente tradicional ou totalmente racional Gerth Mills 1958 A sociedade moderna comporta uma parte de tradições e de novidades inextricavelmente misturadas Eisenstadt 1973 A prática mais racional funda se nos conhecimentos acumulados pelo trabalho das 458 gerações passadas a vida industrial assenta na ciência e nas técnicas herdadas de uma tradição intelectual Certos traços característicos das sociedades tradicionais como formas de autoridade pessoal subsistem em todas as sociedades modernas Mesmo nas sociedades ou nas instituições tradicionais o valor atribuído ao passado nem por isso implica que as práticas transmitidas permaneçam imutáveis A tradição não é simples reprodução Nenhuma sociedade poderia sobreviver sem adaptar os objectos as crenças ou os modelos transmitidos pelo passado Esta transmissão traz consigo a reinterpretação das tradições por cada geração As sociedades modernas têm tendência para subestimar o papel das tradições na medida em que atribuem um valor privilegiado à inovação económica e à novidade política económica social ou cultural É por isso que as tradições sâo de bom grado associadas à irracionalidade e às superstições analisadas como travões à racionalidade da modernização e ao progresso Associados com frequência às forças progressistas os sociólogos têm por vezes também a tendência para subestimar o peso das heranças e da história e do papel que elas desempenham na vida dos grupos ou mesmo da sociedade no seu conjunto D S Tradicionalismo Corrente francesa de pensamento político e social hostil à Revolução Francesa e à filosofia das Luzes Os tradicionalistas fazem da tradição o alicerce 244 da ordem social por oposição às especulações racionais que 459 fundamentam a sociedade em construções hipotéticas tais como a ideia do contrato social Segundo os tradicionalistas os indivíduos só são plenamente eles próprios isto é seres sociais graças à sociedade que lhes é anterior superior e que os eleva à dignidade de seres humanos isto é sociais Agrupamse na escola tradicionalista chamada retrógrada por A Comte 1826 dois teóricos L de Bonald 17541840 e J de Maistre 17531821 e dois polemistas Chateaubriand 17681848 e F de Lamennais 17821854 Maistre 1821 põe sobretudo a tónica na necessidade do sofrimento dos castigos e da guerra na ordem do mundo assegurada pela Providência e no papel de um poder pontifical forte 1819 Bonald 1802 considera que a linguagem não é um produto da sociedade como o supunham os filósofos das Luzes mas um dom de Deus Daí deduz uma construção da ordem social conforme à Santa Trindade soberano ministro súbdito pai mãe filho etc Koyré 1946 Lamennais 18171822 fundamenta as crenças cristãs no consentimento universal o que lhe vale a condenação explícita de Roma Mirari Vos 1834 Como Comte bem o reconheceu os tradicionalistas foram os primeiros a formular certos temas centrais da sociologia a concepção holística da sociedade exagerada na sua origem divina a noção do indivíduo como ser essencialmente social e a do poder espiritual Para além da sua luta contra a Revolução Francesa reside actualmente aí o interesse principal dos seus trabalhos BP L Bénichou 1977 Bréchier 1932 Brunschvicg 1927 Nisbet 1966 460 Tríade Sistema social composto por três elementos indivíduos ou grupos ligados entre si por uma relação durável Aos olhos de alguns sociólogos toda a interacção social é por essência triangular Mesmo nas relações entre duas pessoas interfere a presença de um terceiro ou de um público presente ou próximo G Simmel foi o primeiro sociólogo a insistir neste ponto ao analisar as três funções do terceiro mediador tertius gaudens ou déspota As modernas pesquisas sobre as tríades centraramse nas coligações de dois contra um que têm tendência a formarse no seu seio Podemos definir oito tipos possíveis de tríade consoante a importância ou a força de cada elemento Experiências em laboratório precisaram a maneira como se estabeleciam as coligações T Caplow 1968 esforçouse por transpor este modelo de coligações para clarificar fenómenos muito diversos hierarquia nas organizações coligações parlamentares relações no seio da família e da parentela Apoiase também na noção de equilíbrio triádico formalizado por F Heider uma tríade não será viável porque estará nesses casos em desequilíbrio estrutural se compreender duas relações positivas ou três negativas PH BD Tribo organização política da A tribo é uma organização segmentária de organização social O segmento de base é uma família alargada de uma profundidade de três ou quatro gerações Cada segmento de base fundese espontaneamente com um outro num segmento de definição superior desde que se sente ameaçado Por sua vez este segmento de segundo nível fundese com um outro num terceiro nível De 461 próximo a 245 próximo toda a tribo e mesmo um grupo de tribos podem unirse num conjunto transitório para se oporem a um inimigo exterior A tribo assenta assim no princípio do confronto em cada nível de unidades de poderes aproximadamente iguais Instaurase assim um equilíbrio geral fundado em equilíbrios sucessivos que garante a todos uma certa segurança Cada nível de segmentação tem os órgãos políticos necessários para assegurar a este nível os interesses comuns Na familia um decano e um conselho de família asseguram a concórdia a gestão do património e a resolução dos diferendos Mais acima um conselho dos decanos ou dos representantes das famílias arbitram os conflitos fazem respeitar as regras comuns mobilizam as forças contra as agressões externas Ainda mais acima os órgãos deixam de ser permanentes e só são constituídos em caso de necessidade À medida que se sobe de nível em nível os conflitos são cada vez menos controlados e a guerra cada vez mais selvagem J B EvansPritchard 1940 Montagne 1930 Troca A troca entendida como movimento de intenção recíproca entre duas partes ou então cedência de um serviço ou de uma coisa como contrapartida de uma outra é a regra fundamental de toda a relação social A antropologia poderia reduzirse no dizer de C Lévi Strauss a diferentes modalidades de uma tripla troca a das 462 pessoas designadamente mulheres na base do sistema de parentesco a dos bens e serviços que fundamenta o sistema económico a das palavras e das mensagens presente dos domínios religiosos mitos e ritos e linguístico assim como no domínio político que regula o conjunto da vida cívica LéviStrauss 1949 distingue dois tipos de troca Um é restrito os homens de um grupo cedem as suas irmãs aos de um outro grupo e reciprocamente O outro é generalizado com compensação matrimonial por um dote um grupo cede uma mulher a um outro que por sua vez cederá uma mulher a um terceiro etc até que o último grupo cede uma esposa ao primeiro A troca de mensagens tem a ver com a comunicação e com a linguagem está carregada de significações e de símbolos em parte codificados e em parte dependentes das situações de emissão e de recepção A troca económica faz intervir as noções de contrapartida e de equivalência nas transferências de bens e serviços Só se verifica de maneira muito reduzida nas comunidades autosubsistentes em que as relações de produção são relações de dependência pessoal Desenvolve se com a divisão do trabalho a privatização da propriedade e a generalização do contrato Na sociedade capitalista a troca mercantil é o princípio organizador da economia No que se refere às economias ditas primitivas convém diferenciar os bens de subsistência e os bens de prestígio ainda que uma distinção menos rígida permitisse classificar os bens em categorias hierarquizadas Assim os Tiv da Nigéria não trocavam produtos do solo por gado escravos ou metal nem a fortiori por uma mulher De igual modo nem a terra nem o trabalho eram permutáveis por dinheiro Convém também situar a troca numa teoria geral do dom 463 como o propuseram F Boas B Malinowski e M Mauss No grande movimento de troca braçadeiras por colares de conchas próprio da kula das ilhas da Melanésia estudada por Malinowski 1922 bens de 246 prestígio circulam segundo ritos precisos e numa base de reciprocidade entre parceiros titulares acompanhados de transacções com ajustamentos incidindo sobre bens de consumo A troca com obrigação de entregar pelo menos tanto como se recebeu sela a aliança das comunidades Através do estudo do potlatch Boas analisa a prática do dom ostentativo potlatch A dádiva a patrulha a reciprocidade a redistribuição constituem as modalidades principais da troca não mercantil ao passo que a troca e a permuta monetária são as formas de troca mercantil A reciprocidade funciona nas sociedades agropastorais em que os dons supõem contradons quer na mesma altura quer a prazo Diferente da pura reciprocidade a redistribuição nomeadamente nas circunscrições tradicionais e nos impérios é um processo segundo o qual uma instância central reúne as prestações de bens ou de trabalho tributo imposto braçal e depois redistribuias pelos contribuintes e outros que a isso tenham direito Ao passo que a permuta circulação mercantil de bens produzidos para troca imediata segundo taxas acordadas se verifica sem intervenção de uma moeda a troca monetária faz corresponder uma oferta de bens e serviços a um pedido solvente A moeda conchas sal gado metais serve ao mesmo tempo de medida de valor de reserva de valor e de 464 meio de pagamento Quando a troca monetária não é orientada para o lucro a moeda não funciona como capital mas como meio de circulação entre as mercadorias Num mercado a revenda é operada com lucro por compradores e vendedores especializados como categorias profissionais A moeda circula nesse caso como capital Na sociedade asteca por exemplo agentes especializados os pochteca asseguravam o comércio entre os produtos das terras altas milho feijão etc e os das terras baixas costeiras tropicais cacau algodão penas de aves para os enfeites Este comércio mercantil acompanhava a circulação dos mesmos produtos sob forma de tributo ao Estado asteca Nos mercados sectoriais berberes a troca verificavase numa base exclusivamente regional entre produtos de bens complementares Mas na China tradicional redes de mercados ligavam os produtores locais à economia nacional e para além dele ao mercado mundial Se actualmente uma economia da generosidade perdura ao lado de uma economia de lucro as relações de força no comércio internacional tornam muitas vezes desigual a troca entre produtos primários do Terceiro Mundo e produtos manufacturados dos países industrializados C R 247 U Urbano urbanização urbanismo vd Cidade 465 Utilitarismo O utilitarismo é uma filosofia moral e política conceptualizada na GrãBretanha no decurso da industrialização entre o fim do séc XVIII e o do séc XIX Esta corrente de pensamento reportase a um princípio único o principio de utilidade que é o meio pelo qual devem harmonizarse os interesses privados e os interesses públicos e graças ao qual serão alcançadas tanto a felicidade individual como a prosperidade pública J Bentham estabeleceu este princípio 17801789 a partir de um sensualismo elementar e de um postulado a identidade dos interesses A sua doutrina que associa a uma não intervenção natural alguns elementos de regulamentação tem uma base psicológica o cálculo dos prazeres E atravessada por uma tensão entre a optimização dos prazeres subjectivos e a procura da maior felicidade do maior número É esta tensão que já antes pensadores como J Bentham B de Mandeville D Hume A Smith entre outros se aplicaram precisamente a reduzir O utilitarismo foi moralizado num sentido solidarista por J S Mill 1863 e depois situado numa perspectiva de racionalidade prática por H Sidgwick 1874 O utilitarismo exaltou o mérito pessoal o gosto do risco o espírito de competição Esta teoria da agregação das escolhas calculadas e do ajustamento ao mesmo tempo espontâneo e regulado dos interesses individuais viria a convergir com o evolucionismo nomeadamente pela via da concepção spenceriana da cooperação Sem romper completamente com o esquema utilitarista a sociologia submeteu os seus fundamentos a um exame muito crítico Pôs em dúvida a identidade e a harmonia dos interesses e sobretudo denunciou possíveis contradições nos 466 interesses prosseguidos por um mesmo actor social e colocou a tónica nas relações complexas mantidas pelas paixões e pelos interesses pelos valores e pelas crenças na sociedade global B V Utopia A utopia propõese transformar de maneira mais ou menos radical segundo os casos as estruturas e os valores sociais em vigor Podemos qualificar de utópicos escritos a Utopia de T More 1516 foi o primeiro de uma longa série práticas as de certos movimentos sociais sonhos toda a utopia ainda não praticada nem escrita Podemos igualmente distinguir 1 utopias absolutas em contradição com a experiência humana mais elementar são sobretudo mitos país de Abundância Fonte de Juventude etc 2 utopias relativas projectos sem precedentes históricos mas susceptíveis de realização parcial ou total o Oceana de F Bacon ou o Programa do Partido Comunista de Marx e F Engels 3 utopias negativas que prognosticam sociedades em que a mais aperfeiçoada técnica é posta ao serviço de um projecto de escravização humana Houve quem opusesse uma sociedade utópica fechada totalitária a uma sociedade aberta liberal democrática K R Popper Marx e Engels distinguiram socialismos utópicos os prémarxistas e socialismo científico K Mannheim 1929 pôs em paralelo ideologia conservadora das classes superiores e utopia progressista das classes 248 subalternas designou também uma inteligentzia sem 467 prisões como a camada social apta a produzir utopias Podemos considerar que toda a utopia critica o presente em nome de um passado arquético ou de um princípio supostamente elementar e em vista de um futuro que pende para a mudança social valorizada utopia progressiva ou denunciada utopia retrogressiva Denominamse agrupamentos voluntários utópicos os que correspondem a este modelo de funcionamento seitas ordens religiosas certos agrupamentos políticos e sindicais certas formas de comunidade e de cooperativismo etc Mais que qualquer outro membro da escola de Francoforte H Marcuse 1964 viu o futuro aberto à utopia de uma libertação humana total uma vez a técnica posta ao serviço de um projecto humanista Viria no entanto a decretar em 1968 o fim da utopia Actualmente nos escritos de J Habermas a comunicação desempenha um papel utópico J S Desroche 1975 Giannitti 1971 Ruyer 1950 Séguy 1971 249 V Valores Os valores são a expressão de princípios gerais de orientações fundamentais e primeiramente de preferências e crenças colectivas Em toda a sociedade a determinação dos objectivos efectuase a partir de uma representação do desejável e manifestase em ideais colectivos Tais valores que 468 sistematicamente ordenados se organizam numa visão do mundo aparecem muitas vezes como um dado irredutível um núcleo estável um conjunto de variáveis independentes Empreendeuse a tarefa de comparar os sistemas que os integram nas diferentes áreas culturais T Parsons 1951 distinguiu assim quatro modelos de organização caracterizados cada um deles pela preponderância de certos tipos de valores a sociedade americana por exemplo privilegia menos os valores associados à manutenção dos modelos culturais que os que estão ligados à realização achievement Mais empiricamente F R Kluckhohn e F L Strodtbeck propuseram por seu turno que se distribuíssem os sistemas de valores por meio de critérios gerais de diferenciação como a relação ao tempo à natureza etc Na sua esteira reterseá aqui a especificação dos valores em dominantes desviantes e variantes manifestando estes últimos entre as duas primeiras categorias ao mesmo tempo a latitude de que o indivíduo dispõe na escala em questão e a plasticidade do sistema em cujo seio eles se encontram distribuídos Tratandose dos valores dominantes eles foram sucessivamente no Ocidente medieval moderno e contemporâneo religiosos políticos e económicos Coube portanto à Igreja depois ao Estado e finalmente à empresa encarregarse deles controlálos impôlos Necessariamente combinados retiram no fim de contas a sua eficácia de uma tradição de que são solidários Esta última conferelhes um poder que arrasta a convicção suscita a adesão e assegura a integração Seria errado exagerar o papel dos valores na realização da coesão social é verdade que eles congregam o grupo mas também o separam Por fim a sensibilidade ao 469 que eles representam não é idêntica no conjunto do corpo social os intelectuais nomeadamente caracterizamse por uma maior atenção em relação a eles particularmente vigilante em certas ocasiões Entre as grandes sociologias clássicas a de M Weber atribui uma importância considerável aos valores tanto na constituição de uma organização económica e social como na evolução social e política Os sociólogos actualmente F Bourricaud e F Chazel em particular salientaram um deslocamento do interesse daquilo que é valorizado no duplo processo de avaliação e de valorização A noção de conflito de valores ganha nesta perspectiva um relevo novo dá disso testemunho por exemplo a análise feita por D Bell 1976 das contradições culturais do capitalismo B V Vanguardismo A noção de vanguarda é indissociável da de modernidade tal como ela foi elaborada ao longo do séc XIX A arte moderna caracterizouse pela sua vontade de ruptura com os valores sociais dominantes e com as convenções artísticas estabelecidas Num mundo concebido não já como uma natureza mas como uma história os 250 artistas instalaramse na ruptura permanente e a prioridade tornouse o critério máximo da apreciação estética Klein 1970 No espaço da alta cultura foi possível a partir de então distinguir a cultura clássica no sentido de classificada integrada no património histórico e a cultura de vanguarda 470 Esta última exigia para ser compreendida na negatividade das suas intenções um grau elevado de cumplicidade cultural eou um forte desfasamento cronológico Após 1945 este foise encurtando O mercado e os museus se não o gosto maioritário acolheram sem demora as vagas sucessivas do estilo vanguardista internacional e institucionalizaramno Esta oficialização coincidiu com o esgotamento progressivo das vanguardas arrastadas por um turbilhão mais repetitivo que inovador Na frente avançada da arte são actualmente objecto de concorrência por parte dos produtos de uma nova cultura média onde os elementos tirados da cultura popular estão lado a lado com as bases da cultura erudita Se a novidade continua a ser o critério de referência doravante ela é dissociada de uma visão linear da história Parece de facto que a moda tomou o lugar das vanguardas parêntese da história da arte R M Bell 1976 Clair 1983 VEBLEN Thorstein economista e sociólogo americano Manitowoc Wisconsin 1857 perto de Menlo Park Califórnia 1929 Autor da Théorie de la Classe de Loisir 1899 Veblen produziu uma crítica do capitalismo selvagem e especulativo da América dos anos 18801890 Essa análise mantémse pertinente para todas as sociedades que permitem realizar lucro sem fornecer trabalho produtivo Da sua concepção evolucionista da história destacase a ideia de uma interpretação desta última a partir de um feixe de instintos O instinto artesão pacífico que supõe o gosto pelo trabalho e pelo trabalho bem feito deveria concorrer em 471 última análise para o bem da humanidade Distinguese do instinto predador característico de uma sociedade de tempo livre em que a especulação desabrocha à custa da produção em que se colhe o que não se semeou O termo tempo livre não supõe nem descanso nem preguiça evoca um consumo improdutivo do tempo que exprime o desdém para com um trabalho produtivo e testemunha com ostentação a capacidade pecuniária para proporcionar a si próprio uma vida ociosa O tempo livre supõe a propriedade e a inveja que se suscita naquele que para viver tem de sujar as suas mãos é o padrão com que se mede a estima de que se é objecto Na cultura humanista isto é não prática o requinte das maneiras apontam outras tantas formas de tempo livre L DG Velhice A velhice deve ser compreendida como uma construção social produzida pelos quadros sociais perpetuamente renegociada e redefinida em função desses quadros não pode ser reduzida a uma realidade biológica feita de usuras e de incapacidades que resultam do processo contínuo da desgenerescência Cada sociedade em cada período da história reinterpreta socialmente as diferenças biológicas e cronológicas que separam os indivíduos a fim de elaborar a organização social do ciclo de vida e de atribuir papéis e estatutos sociais específicos a cada escalão de idade Os papéis e os estatutos dos velhos foram 251 flutuantes ao longo da história Minois 1987 A velhice nas sociedades préindustriais não foi sistematicamente dotada 472 de um estatuto prestigioso em virtude da valorização da sua sabedoria e da sua experiência Se o advento da sociedade industrial se traduziu sobretudo por uma degradação do estatuto social dos velhos este movimento não envolveu todas as classes sociais desta sociedade com a mesma força Podemos encontrar uma ilustração disso mesmo no facto de a entrada na velhice identificável na nossa sociedade pelo acesso ao estatuto de inactivo não se verificar na mesma idade em todas as classes sociais A perda da inserção social e a redução do sistema de funções ou mesmo a morte social intervêm mais cedo para as classes populares que para as classes superiores sendo estas últimas susceptíveis de pôr a render o conjunto dos seus recursos sociais para prolongar os seus papéis e as suas funções da idade adulta Guillemard 1971 O limiar da velhice é pois flutuante em função das sociedades e no interior de uma mesma sociedade segundo a classe a que se pertence É preciso sublinhar que o desenvolvimento dos sistemas de reforma que acompanham o florescimento da sociedade industrial levou a fazer da idade da reforma um dos limiares significativos da entrada na velhice Nestas sociedades a velhice ganhou os contornos da reforma Mas progressivamente novos recortes interiores à última etapa da vida emergiram tais como a terceira e a quarta idades que traduzem tanto o prolongamento deste período da vida na França a esperança de vida aos 60 anos é da ordem dos 20 anos INSEE 1985 como a tomada em consideração da velhice como problema social e não já como questão meramente privada e familiar Nestas condições a multiplicação das intervenções em favor da velhice levou a distinguir uma velhice dependente que tem a ver com as 473 instituições médicosociais de uma velhice autónoma que tem mais a ver com políticas de animação e de integração social Guillemard 1980 AM G Communication 1983 Violência colectiva Utilização por um conjunto de indivíduos da força física em ordem a atingir a integridade das pessoas ou dos bens Este comportamento pode ser politicamente orientado À excepção da visão apologética que dela dão F Nietzsche ou G Sorel onde ela aparece como a parteira da História a violência colectiva é geralmente marcada com o sinete da ilegitimidade É entendido que os opositores podem recorrer a outros meios de acção para se fazerem ouvir Se a violência é efectivamente susceptível de cessar a partir do momento em que se instaura o diálogo será ainda necessário que as condições estruturais de um tal diálogo estejam reunidas a violência colectiva que pode ser trazida pelos excluídos do sistema não tem como único suporte os falhados da socialização Ao apoiaremse na hipótese frustração agressão certos autores Gurr 1970 contribuíram para reforçar a impressão de irracionalidade contida no fenómeno este énos apresentado sob os traços de uma súbita explosão de cólera Outros autores contestaram a hipótese segundo a qual os indivíduos mais frustrados seriam os mais inclinados a participar em tais manifestações de violência Nesta perspectiva a irracionalidade já não pode ser o agente da violência colectiva analisando o movimento 474 252 luddita destruição das máquinas no início da era industrial alguns historiadores mostram que a violência contra os bens pode na realidade disfarçar uma estratégia relativamente racional arrematação colectiva pela via do tumulto Desligada do puro juízo moral a violência não se apresenta portanto necessariamente ao sociólogo sob o prisma de um fenómeno disfuncional P M Aron 1973 Coser 1956 Tilly 1978 253 W WEBER Max economista e sociólogo alemão Erfurt 1864 Munique 1920 Após uma tese de doutoramento sobre a história agrária romana Weber consagra ao ensino universitário apenas alguns anos Primeiramente é a sua saúde que dele o afasta seguidamente uma herança permite lhe voltarse em definitivo para a investigação Não apenas Weber domina a sociologia alemã na viragem do século mas a sua influência é ainda hoje considerável em todas as especialidades da sociologia As análises do poder e dos seus tipos de legitimidade da burocracia e das suas estruturas e funções forneceram o enquadramento conceptual e o conteúdo de numerosos capítulos da ciência política e da teoria das organizações A sua reflexão sobre a epistemologia das ciências sociais as soluções que ele propõe mantêmse actuais quer se trate da 475 especificidade das ciências sociais relativamente às ciências da natureza da elaboração dos conceitos ideaistípicos do papel da compreensão das acções humanas no trabalho do sociólogo da selecção de objectos científicos na infinidade do real graças às relações aos valores da diferença entre essas relações aos valores e os juízos de valor ou finalmente do pôr em evidência a causalidade nomeadamente através da comparação Mas o seu estudo mais célebre é LÉthique protestante et lesprit du capitalisme 1920 onde Weber demonstra que os comportamentos dos indivíduos só são inteligíveis se se tomar em consideração as suas concepções do mundo uma parte das quais é constituída pelas crenças religiosas É pois bem sem razão que se reduz por vezes a tese weberiana a uma crítica de Marx segundo a qual a religião explicaria a economia É verdade que há homologia estrutural entre o capitalismo e a ética protestante e é de facto esse ethos que caracteriza o puritano e que está ausente de todas as civilizações não ocidentais que os seus Aufsätze zur Religions soziologie 1920 puseram em evidência Para falar verdade todos os trabalhos de história social e económica de Weber são uma procura da solução para a obsidiante questão da especificidade histórica do capitalismo Será no seu magnum opus inacabado Economie et société 1922a que ele sistematizará a sua sociologia religiosa integrandoa numa sociologia geral Embora esta obra não esteja escrita more geometrico o projecto weberiano é de facto o de construir todo o edifício social a partir de elementos irredutíveis de formas complexas a partir de tipos puros Ora para Weber o átomo sociológico é o indivíduo e não as estruturas que se tem tendência a coisificar A partir das 476 acções dos indivíduos que classifica em quatro tipos racional em finalidade racional em relação a um valor afectiva tradicional Weber deduz os conceitos de relações sociais de comunidade de agrupamento etc explica as regularidades e as legitimidades Assim por síntese abstractiva progressiva constrói os tiposideais das sociologias económica política religiosa jurídica FIM 477
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DICIONÁRIO DE SOCIOLOGIA A Absentismo A noção de absentismo é estudada pelos sociólogos no sentido específico de ausência do trabalho O estudo do absentismo põe problemas de definição e de medida Antes de fazer a soma dos tempos de ausência é preciso saber que tipos de ausência serão contabilizados assim as mulheres têm a reputação de se ausentarem mais que os homens mas se se excluírem as licenças de maternidade a diferença apresentarseá bem pequena A medida do absentismo implica que se disponha do meio de controlar as ausências de um assalariado o que nem sempre acontece assim determinada categoria poderá parecer mais absentista que uma outra simplesmente porque as suas ausências são mais perceptíveis Um estudo efectuado pelo INSEE permitiu entretanto estabelecer que o absentismo representava em 1978 cerca de vinte dias úteis por ano ou seja 85 por cento do tempo de trabalho Calculase que esta cifra média baixou sem dúvida a partir de então Pôde verificarse que os assalariados se ausentam com maior frequência quando são pouco qualificados quando estão há pouco tempo ainda no seu posto de trabalho quando são muito jovens ou pelo contrário muito idosos quando trabalham numa grande empresa quando os salários são baixos e as taxas de doença profissional e de acidente de trabalho elevadas Nos estudos económicos a ausência do trabalho é principalmente encarada como uma perda para o aparelho de produção e um comportamento desviante que convém canalizar No quadro da sociologia das organizações o absentismo pode ser compreendido como uma das saídas do 2 sistema de interacção que constitui a organização como uma estratégia racional de compensação Abstencionismo Chamase abstencionista ao cidadão que gozando do direito de voto não participa numa consulta eleitoral O estudo do abstencionismo põe problemas de medida de conteúdo de observação e de interpretação Nos Estados Unidos da América o abstencionismo é medido pela diferença entre o número de cidadãos com idade de votar fornecido pelo recenseamento e o número de votantes Na França só são contabilizados os eleitores inscritos numa lista eleitoral e que não participam no escrutínio ora pôde estabelecerse que cerca de um francês em dez não estava inscrito nas listas eleitorais Sobreavaliado sem dúvida no primeiro caso o abstencionismo é subavaliado no segundo Em alguns países como a Bélgica o voto é obrigatório O abstencionismo encontrase portanto lá limitado aos casos de força maior Por outro lado nos regimes de partido único o abstencionismo não tem evidentemente o mesmo significado que nas democracias pluralistas Os meios de que se dispõe para o estudo do abstencionismo são reduzidos as informações fornecidas pelas listas de votantes efectivos são mais que limitadas e os dados de sondagens só com prudência podem ser utilizados O abstencionismo foi durante muito tempo considerado como um disfuncionamento do sistema democrático Nessa lógica foi interpretado como um indício de despolitização de insuficiente integração política que seria a consequência de uma débil inserção social O estudo 3 sociológico do abstencionismo parece confirmar parcialmente essa tese As categorias sociais mais abstencionistas são os jovens os velhos as mulheres sobretudo quando são não activas idosas divorciadas e os grupos de fraco nível sociocultural Admitese actualmente que a relação verificada entre uma débil inserção social e o abstencionismo não poderá ser tida como uma explicação suficiente do fenómeno Não permite de facto compreender nem as diferenças de abstencionismo verificadas entre os vários escrutínios nem o abstencionismo intermitente que é o mais frequente Longe de ser necessariamente um sinal de despolitização a recusa da opção partidária proposta pode efectivamente assentar numa postura política racional É por isso que nos trabalhos mais recentes o abstencionismo é analisado como um comportamento político autónomo uma opção estratégica do cidadão em face da oferta política que lhe é proposta D D Lancelot 1968 Lancelot Memmi 1985 Subileau Toinet 1985 Ação colectiva Ação comum que visa atingir fins partilhados Segundo A Bentley 1949 grupo e interesse são inseparáveis Os membros do grupo são solidários na acção e para a acção a empreender Nesse caso a mobilização em ordem a uma acção colectiva não levanta nenhum problema A ideia segundo a qual um grupo ou uma classe constitui uma unidade de análise é combatida por algumas teorias utilitaristas M Olson 1966 mostra que a lógica da acção colectiva não pode reduzirse à lógica da acção individual 4 Não basta que um conjunto de indivíduos partilhe um interesse comum para que estes se empenhem numa acção colectiva em ordem a satisfazer esse interesse A entrada na acção colectiva implica para cada um dos membros do grupo latente um certo custo de participação tempo dinheiro etc Ora se se verifica que o bem obtido graças à acção colectiva pode aproveitar a todos não se vê porque é que cada um dos membros do grupo não seria tentado a deixar aos outros o cuidado de suportar o custo da acção colectiva Tornase evidente nestas condições que a pura expectativa generalizada gerará um efeito perverso Boudon 1977 com efeito se todos os membros optarem pela estratégia do bilhete gratuito free rider o bem colectivo deixará de ter qualquer possibilidade de ser obtido A dimensão do grupo deve ser tida em conta nos pequenos grupos cada um terá de facto compreendido que a acção de cada indivíduo conta o que já não acontecerá nos grandes grupos por exemplo os grupos de consumidores em que os indivíduos terão tendência para pensar que a sua participação apenas pode ter uma eficácia despicienda O recurso às medidas coercitivas ou aos incitamentos selectivos permite aos grupos organizados limitar essas estratégias de defecção Um oferecimento paralelo de bens individuais lugar de responsabilidade ou qualquer outra marca de distinção que confere prestígio e respeito será um meio para estimular os recalcitrantes é assim que a esperança de ter acesso a posições electivas poderá levar um indivíduo a aceitar o custo implicado por um militantismo activo dentro de um partido político Um tal oferecimento só é possível se o grupo se dotou de uma estrutura organizacional 5 Minimizados na teoria da escolha racional fundada no paradigma económico os incitamentos morais e solidários desempenham na realidade um papel importante na emergência da acção colectiva Agir colectivamente numa colectividade em que predominam os laços de solidariedade e de amizade pode constituir uma obrigação moral para o indivíduo podendo tornarse igualmente para ele um prazer Sob este aspecto é a não participação que será custosa pois que poderá pôr em questão a imagem e a estima que o indivíduo tem de si próprio A Oberschall 1973 mostra que a ausência de laços e a decomposição das redes de interacção são um obstáculo importante à mobilização A capacidade de conduzir uma acção concertada depende pois estreitamente do grau e do tipo de organização inerentes à colectividade considerada Se a ameaça de uma repressão da parte do poder político constitui um outro obstáculo à mobilização razões de ordem ética ou ideológica são sempre capazes de desviar os actores dos seus interesses pessoais A escala de avaliação custosvantagens é portanto sempre susceptível de ser perturbada por uma ideologia portadora da esperança de um mundo melhor P M Birnbaum 1971 Chazel 1986 Hirschman 1970 Acção sociologia da Praticar uma sociologia da acção equivale a tentar explicar os factos sociológicos enquanto acções produzidas por indivíduos em resposta a uma dada situação por outras palavras a concentrar o interesse da investigação nas decisões individuais dos actores na sequência de autores como M Weber e G Simmel e não na 6 acção hipotética de factores gerais como as leis da história as ideologias etc Uma sociologia da acção deve preencher duas condições 1 não recorrer a uma explicação de tipo historicista muitas vezes tautológica por exemplo as classes oprimidas não se revoltam neste ou naquele estádio histórico porque ainda não tomaram consciência da sua opressão Isso não significa todavia que nos desinteressemos dos dados históricos concretos 2 produzir uma explicação compreensível das decisões individuais que estão na origem dos fenómenos estudados graças a modelos análogos aos da economia nesses modelos o actor escolhe uma solução porque sabe ou julga saber que é esse o seu interesse Infalivelmente aparece aqui a teoria da compreensão weberiana que tem o estatuto de modelo e não o de estudo psicológico de cada um dos autores A sociologia da acção proporá portanto hipóteses que pretendem explicar os fenómenos verificados e não reproduzir exactamente a sua realidade intrínseca A sociologia da acção de T Parsons tende assim a elaborar uma lista de tipos de acção possíveis neste ou naquele meio Esta tomada em consideração das escolhas individuais nem por isso desemboca numa colecção desordenada de fenómenos cujo fio condutor não poderíamos propor Os indivíduos não fazem seja o que for porque agem dentro de um sistema constituído pelo estado da sociedade na qual se encontram sistema que limita o número das possibilidades que lhes são oferecidas Os indivíduos têm pois tendência a escolher de preferência determinada solução que se vê aparecer sob a forma de dados estatísticos ao nível do 7 conjunto do sistema As regularidades verificadas explicam se pelo número limitado de opções concretamente disponíveis Os valores ambientais não podem explicar mecanicamente as escolhas individuais ainda que as orientem A sociologia da acção visa pois determinar como é que uma acumulação de reacções individuais a uma situação geral produz um fenómeno geral Porquê este desvio pelo indivíduo Porque se a relação entre a acção individual e o efeito geral é muitas vezes imediatamente perceptível noutros casos uma explicação que faz a economia da decisão individual falha perante um fenómeno aparentemente inexplicável a soma das decisões individuais ultrapassa ou contradiz as decisões individuais dos actores e conduz ao overshooting ou efeitos perversos Por exemplo o eleitor descontente com a política seguida recentemente pelo seu partido decide absterse a título de aviso mas quando vários dos eleitores do mesmo partido adoptam este mesmo raciocínio este último acaba por ser derrotado A intenção consciente de cada um dos actores é então ultrapassada porque eles não podiam combinar entre si e porque as possibilidades se limitam a três a favor contra abstenção L DG Boudon 1984 Crozier Friedberg 1977 Parsons 1949 Aculturação Segundo o Memorandum de R Redfield R Linton e M J Herskovits publicado no American Anthropologist de 1936 a aculturação é o conjunto das mudanças que se produzem nos modelos culturais patterns of culture originais quando grupos de indivíduos de 8 culturas diferentes entram em contacto directo e contínuo Esta definição implica que cada cultura constitua um sistema cujos vários elementos se reelaboram por ocasião desses contactos Sublinha ainda que sejam quais forem as ocasiões invasão colonização migração há aquisições trocas e reinterpretações entre as duas culturas e que nenhuma cultura se impõe completamente à outra embora com toda a evidência dado que as condições históricas criam sempre uma situação objectiva de desigualdade o contributo de umas e de outras seja desigual Redfield Linton Herskovits 1936 Herskovits 1952 Os processos de aculturação assumem formas variadas Na sequência de R Bastide 1970 falase da aculturação material quando populações adoptam marcas e modelos da cultura dominante na vida pública e nas relações secundárias mantendo no entanto o seu código cultural de origem no domínio do privado e das relações primárias É com muita frequência o que se passa com as populações imigradas Falase de aculturação formal quando as populações em presença modificam as próprias estruturas do seu modo de pensamento e da sua sensibilidade o que traz consigo uma nova cultura síntese das duas culturas de origem É a forma de aculturação dos filhos de imigrados vd migração Noutros casos verificase um processo de sincretismo populações pertencentes a duas culturas diferentes colocadas em contacto prolongado elaboram uma outra diferente das duas culturas de origem Assim por exemplo temos o caso do mundo religioso brasileiro saído ao mesmo tempo do catolicismo e dos mitos e ritos negro africanos Abov 1981 O conceito de aculturação é muitas vezes utilizado de 9 maneira mais ampla para designar todos os processos de aquisições trocas e reinterpretações que conduzem à elaboração cultural ou colectiva o que acaba por fazer dele um quasesinónimo do conceito de cultura Substitui aliás com vantagem o de cultura quando este último designa segundo a tradição da antropologia social o conjunto das maneiras de pensar de agir e de sentir de uma comunidade na sua tripla relação com a natureza com o homem e com o absoluto Por um lado a polissemia do termo cultura torna muitas vezes a sua utilização imprecisa e ambígua por outro lado empregar o termo aculturação lembra que uma cultura não é nunca um dado ou uma coisa adquirida mas um processo em elaboração e reelaboração contínuas D S Acumulação do capital Na terminologia marxista reprodução dos meios de produção e de troca graças ao investimento da parte não consumida do lucro Não deve ser confundida com as diferentes formas de entesourização Para que haja acumulação do capital é preciso que o investimento procure a máxima rendibilidade ou seja desemboque na produção do máximo de mercadorias vendíveis no mercado nas melhores condições possíveis Os múltiplos capitais em presença devem confrontarse na concorrência sobre a melhor maneira de combinar o trabalho morto os meios de produção com o trabalho vivo de maneira a subtrair aos trabalhadores assalariados a maior quantidade possível de trabalho não pago A acumulação do capital deve ser encarada como uma actividade determinada por fortes constrangimentos objectivos Os capitais que não se reproduzem de maneira alargada são chamados a 10 desvalorizarse ou a desaparecer Não pode pois tratarse de atribuir à subjectividade dos capitalistas o papel principal na dinâmica da acumulação Tudo se passa diz Marx como se um imenso autómato imprimisse o seu movimento à economia e à sociedade controlando e refreando as iniciativas humanas A produção dos conhecimentos e a ciência nas suas orientações e aplicações são também elas apanhadas nesta lógica mais forte que as relações sociais JM V Administração A palavra administração designa ao mesmo tempo uma actividade a de administrar ou de gerir e o organismo encarregado de efectuar essa actividade Nesta segunda concepção orgânica esta palavra designa na França o conjunto dos organismos encarregados da gestão dos negócios públicos Em virtude nomeadamente da tradição centralista a administração do Estado desempenha um papel preponderante em França Implantada aos níveis central e local inclui os serviços centrais dos vários ministérios por um lado e os seus serviços externos departamentais e regionais por outro Em 1986 empregava cerca de 22 milhões de agentes perto de metade dos quais na Educação Nacional Criando um quadro único para a gestão dos pessoais públicos o estatuto geral da função pública codifica os direitos e os deveres dos funcionários garantindolhes designadamente a segurança de emprego garantia de continuidade e de um mínimo de independência em relação às flutuações políticas Desde 1945 os domínios prerrogativas e modalidades de intervenção da administração foram consideravelmente aumentados e diversificados Daí 11 resulta uma fragmentação crescente do aparelho administrativo Dupuy Thoenig 1985 e uma interpenetração cada vez mais pronunciada entre as várias administrações sectoriais e os seus meios de intervenção Isso manifestase nomeadamente no facto de um número cada vez maior de postos dirigentes nos sectores industriais e financeiros serem ocupados por antigos altos funcionários membros dos chamados grandes corpos do Estado por exemplo a Inspecção das Finanças o Corpo das Minas o Conselho de Estado entre outros que de elites administrativas se transformaram em elites sociais sem mais De resto a fronteira entre a administração e a política tem se confundido cada vez mais Por um lado os gabinetes ministeriais espécie de charneira entre uma administração e o seu ministro desempenham um papel cada vez mais importante desde a chegada da V República Por outro lado o número dos antigos altos funcionários no Governo e no Parlamento aumentou de maneira paralela a ponto de terse podido falar de uma funcionarização da política que contrabalança uma politização acrescida da administração Baecque Quermonne 1982 Por fim as leis de descentralização votadas em 1982 modificaram a repartição das competências entre os escalões centrais e locais a favor destes últimos e aumentaram a autonomia das colectividades locais e dos seus representantes eleitos face à administração central Rondin 1986 E F Crozier Friedberg Grémion et al 1974 Dreyfus dArcy 1987 12 Adolescência Período que separa a infância da idade adulta Esta caracterização levanta vários problemas No séc XVIII o Émile de Rousseau assimilavase a adolescência à crise da puberdade que era mais tardia que actualmente Só em finais do séc XIX particularmente sob o efeito do prolongamento dos estudos que mantém os alunos numa espécie de infância prolongada é que a adolescência emergiu verdadeiramente como classe etária e como cadinho de uma cultura específica Entre as duas guerras espalhouse a ideia de que a adolescência não era necessariamente uma transição entre duas idades mas que a pessoa podia sentirse bem nela e nela instalarse deliberadamente durante um período relativamente longo Essa dificuldade ou essas reticências em sair da adolescência é hoje ligada ao facto de os acontecimentos que poderiam funcionar como ritos de passagem como ritos de entrada na idade adulta terem sofrido nas nossas sociedades uma dupla alteração Revestem cada vez menos o carácter de provas arriscadas e probatórias a evolução do serviço militar é disso testemunha Por outro lado apagouse mais ou menos o seu carácter de cerimónias públicas o casamento por exemplo é cada vez menos uma cerimónia solene Assim a maioria dos indivíduos passa insensivelmente da adolescência a uma aparente maturidade atravessando uma idade mal definida que alguns denominam pós adolescência e que pode durar até aos 35 anos por vezes mais A B Le Bras Béjin Yonnet 1983 Erikson 1968 13 Agregação A combinação de um conjunto de acções individuais pode enquanto tal produzir efeitos colectivos não procurados pelos próprios actores sociais e que podem a posteriori apresentarse como desejáveis ou indesejáveis A esses efeitos dáse muitas vezes o nome de efeitos de agregação ou de composição Assim quando vários indivíduos escolhem simultaneamente orientarse para tal tipo de carreira contribuem todos sem desejálo para obstruir a carreira em questão para exacerbar a competição pelos lugares disponíveis eventualmente para criar desemprego Estes efeitos de agregação revestem uma grande importância nas ciências sociais e designadamente na análise da mudança social Assim M Weber 1920 vê no desenvolvimento do capitalismo um efeito não desejado dos princípios éticos inspirados pelos puritanos K Marx e H Spencer interpretam ambos o devir histórico como um tecido de efeitos de agregação Assim segundo Marx o progresso técnico é um efeito não desejado da concorrência a que os capitalistas se dedicam entre si A noção de efeito de agregação tem relativamente à de efeito não desejado a vantagem de sublinhar que os efeitos em questão resultam da combinação de uma pluralidade de acções individuais Quando os efeitos de agregação são indesejáveis falase de efeitos perversos R B Boudon 1977 Schelling 1978 Alienação O termo alienação pertence a diversos registos de linguagem jurídico médico teológico etc Em filosofia e em sociologia descobrimolo em JJ Rousseau que o 14 define assim no Contrato Social 1766 cada associado dandose a todos não se dá a ninguém e abandona os seus direitos naturais para fazer nascer o corpo político Mas é na filosofia alemã Fichte Hegel e depois Marx que ele recebe a significação que hoje lhe é atribuída a transformação da actividade própria do homem num poder que lhe seria estranho e que o domina É em Marx que a noção se torna de algum modo numa noção de sociologia Em O Capital 1867 lêse A alienação do operário significa não apenas que o seu trabalho se torna um objecto uma existência exterior mas que o seu trabalho existe fora dele independentemente dele estranho a ele e se torna um poder autónomo em relação a ele que a vida que ele conferiu ao seu objecto se lhe opõe hostil e estranha A partir de então a alienação vai tornarse o sintoma de todos os incómodos do homem moderno e das diferentes variedades do seu sentimento de espoliamento de si próprio A extensão de um conceito fazse sempre à custa do seu rigor Falarseá da alienação colonial da alienação feminina da alienação da sociedade de consumo ou da sociedade do espectáculo Seja como for a noção mantém se inseparável dos pressupostos teológicos ou filosóficos que presidiram ao seu êxito uma concepção do sentido da história e do destino do homem da sua queda na alienação à sua redenção A A Anarquismo O anarquismo é uma doutrina política que repudia toda a ideia de autoridade contrária ao princípio da liberdade individual e em primeiro lugar a autoridade do 15 Estado SaintSimon dá uma imagem dessa sociedade libertária Não há acção útil para além da do homem exercida sobre as coisas A acção do homem sobre o homem é sempre em si mesma prejudicial à espécie Tal sociedade é concebida como um grande conjunto de contratos específicos nem imutáveis nem definitivos saídos de debates livres em que os interessados acabam por pôrse de acordo e que correspondem à heterogeneidade da vida social 16 Profissionais regionais nacionais aparentemente incoerentes esses múltiplos contratos geram o federalismo que se substitui ao Estado tal como o concebe Hobbes no Leviathan O anarquismo vê na política um espaço perverso onde se perde a autonomia da pessoa Por isso privilegia a acção sindical a acção mutualista e todas as formas de solidariedade e de associação que lhe parecem vivas não abstractas e anónimas Daí resulta uma utopia cujos contornos nos são dados por M Bakunine 1873 Quando os Estados tiverem desaparecido a unidade viva fecunda benfazeja tanto das regiões como das nações e da internacionalidade primeiro de todo o mundo civilizado e depois de todos os povos da Terra pela via da livre federação e da organização de baixo para cima desenvolver seá em toda a sua majestade P J Proudhon 1846 M Stirner 1842 Bakunine 1873 etc o teórico anarquista seja ele qual for opõese radicalmente aos teóricos do colectivismo e do comunismo que na sua opinião levam até ao fim o espoliamento do 16 indivíduo pela sociedade A A Sergent Hammel 1949 Anomia Pela sua etimologia a palavra significa ausência de normas de regras ou de leis mas a história singular deste termo conferiulhe significações diversas e mesmo contraditórias JM Guyau 1885 forja a palavra para designar a individualização inevitável e desejável das regras morais e das crenças E Durkheim tomalhe de empréstimo a palavra empregandoa em sentido oposto àquele individualismo anarquizante pois que a seu ver todo o facto moral consiste numa regra de conduta sancionada Na obra de Durkheim De la division du travail social 1893 a anomia é uma das formas patológicas da divisão do trabalho a saber a carência temporária de uma regulamentação social capaz de assegurar a cooperação entre funções especializadas Tem como origem a insuficiência dos contactos entre os papéis sociais Em Le Suicide 1897 a anomia é concebida como um mal do infinito proveniente da ilimitação do desejo humano e da indeterminação dos objectivos a atingir É característica do sistema de valores das instituições e do funcionamento das sociedades industriais modernas Desaparecida da obra de Durkheim a partir de 1902 a palavra anomia é redescoberta nos anos 30 pelos sociólogos de Harvard nomeadamente por T Parsons e R K Merton O texto deste último Structure sociale et anomie contribuiu muito para difundir a noção de anomia alterando o seu conteúdo Sem dar dela uma definição clara tende a identificála a uma situação em que o indivíduo não encontra 17 as possibilidades de atingir um objectivo definido e mesmo prescrito pela cultura Esta contradição entre o objectivo cultural e a ausência de meios lícitos pode gerar comportamentos desviantes pelo recurso a meios ilícitos À noção durkheimiana de ilimitação dos fins substituise a de limitação dos meios A revolução semântica é plenamente levada a cabo com o uso de escalas de atitude que é suposto medirem a contrapartida psíquica da anomia social sendo a mais célebre a escala de anomia elaborada por L Srole Esta escala reflecte uma visão pessimista do mundo o sentimento de que não se pode tomar em mãos a sua sorte e a renúncia 17 a toda a esperança característicos em Durkheim de uma situação fatalista oposta à anomia O sucesso desta palavra da tribo sociológica nos anos 60 particularmente na sociologia americana teve mais a ver com o seu cariz decorativo que com o seu poder cognitivo PH BD Besnard 1987 Merton 1949 Antisemitismo De criação recente foi provavelmente formada por volta de 1870 por um jornalista alemão W Marr a própria palavra antisemitismo é inadequada mas foi imposta pelo uso Designa a atitude hostil para com uma minoria particular a minoria judaica hostilidade que ao longo da história fez apelo aos motivos mais diversos e se traduziu por comportamentos variados indo da rejeição e da marginalização social até à exterminação Alguns como H 18 Arendt 1951 propuseram que se reservasse esta palavra para designar a hostilidade contra os judeus que na época moderna surge no contexto específico da sua emancipação quando aparecem dificuldades económicas políticas ou sociais sendo então denominada de antijudaísmo a hostilidade de base religiosa que prevaleceu na Idade Média Mas pode defenderse a ideia de que há uma continuidade para além das diferenças de que o antijudaísmo da Idade Média e o antisemitismo moderno são uma mesma rejeição do grupo judeu que se exprime ora em categorias de pensamento ainda religiosas ora em categorias já laicizadas Y C Chevalier 1988 Isaac 1940 Poliakov 19561977 Antropologia e sociologia Entendida no sentido restrito de antropologia social e cultural de que a palavra etnologia é sinónimo em França a antropologia constituiuse em relação estreita com a sua irmã a sociologia No séc XIX uma necessidade de reorganização social após as revoluções política e industrial suscita o nascimento da sociologia Pouco depois o interesse romântico pelo exótico converge com o desejo kantiano de criação de uma antropologia e com o projecto colonial na fundação da etnologia Esta tem como padrinhos a história natural e o espírito de antiquário a sociologia por seu turno enraízase no reformismo social e na filosofia O pensamento reflexivo pesquisas classificativas esquemas de evolução valorização dos tipos sociais tais como raças e etnias escora a acção de reforma social e visa civilizar os ditos primitivos Embora as primeiras pesquisas de J J Bachofen E B Tylor L H Morgan nos anos de 18601870 sejam contemporâneas das 19 de F Le Play K Marx H Spencer a etnologia e a sociologia afirmamse diferentes pelo seu campo de investigação Para a primeira as sociedades relativamente homogéneas en de pequena escala sem história conhecida ditas primitivas tradicionais sem escrita para a outra as sociedades complexas heterogéneas ditas civilizadas industrializadas modernas O objecto do sociólogo apresentase mais visível que o do etnólogo e a sociologia escolhe para método preferido a sondagem aferida ao passo que a etnologia pretende operar inventários descritivos completos das culturas de pequena dimensão Mas as duas ciências humanas caminham a par seguindo sucessivamente a via dos grandes frescos históricos e depois a da acumulação de documentos Mantêmse ligadas às teorias e às políticas da sua época encontram perspectivas comuns 18 organização integração adaptação constroemse por trâmites de comparação e de crítica bastante semelhantes O interesse dos sociólogos e dos etnólogos converge doravante para a pesquisa das estruturas e funções sociais e para uma análise da dinâmica das sociedades actuais Ao mesmo tempo no início dos anos 50 os antropólogos começam a dedicarse ao estudo das sociedades complexas redes políticas na Índia parentesco americano economia informal os sociólogos debruçamse sobre os aspectos simbólicos do comportamento sobre as microrelações de ordem ritual jurídica cultural e adaptam os seus métodos para abordar a política o económico o cultural nas 20 sociedades do Terceiro Mundo C R Boudon 1969 Cuisenier Segalen 1986 Grawitz 1986 Mead 1964 Apolitismo Atitude de neutralidade ou mesmo de recuo em relação à política Um fraco grau de empenhamento e uma escassa competência cognitiva constituem as suas duas principais dimensões Na incapacidade de posicionarse num eixo esquerdadireita porque privado dos conhecimentos indispensáveis à expressão de preferências partidárias o indivíduo apolítico seria tentado pela abstenção eleitoral Alguns autores sublinham no entanto que se se ligar demasiado estreitamente participação política e competência cognitiva em última análise já não poderá explicarse o empenhamento de certos operários comunistas A razão deste malentendido tem a ver em parte com a extensão variável que pode ser conferida à noção de campo político Encarada unicamente no espaço estreito da política política em si a competência política é muitas vezes concebida como o domínio de uma sábia utensilagem política e a participação vêse reduzida unicamente ao comportamento eleitoral Sob este aspecto o apolitismo doutrinal do anarquista pode levantar alguns problemas de interpretação ao recusar situarse no espaço político instituído o anarquista toma posição em relação ao político P M Lancelot Memmi 1985 Gaxie 1978 Lipset 1960 Michelat Simon 1977 ARON Raymond sociólogo francês Paris 1905 id 21 1983 Rompendo com os herdeiros de A Comte É Durkheim F Simiand Aron introduz na França a sociologia alemã dominada pela figura de M Weber La Sociologie allemande contemporaine 1935 Sobre a interrogação saída de W Dilthey sobre a objectividade das ciências históricas ele articula uma reflexão sobre a acção humana na história e as condições da opção política Introduction à la philosophie de lhistoire 1938a La Philosophie critique de lhistoire 1938b Depois da guerra Aron ajuda a descobrir através do seu ensino as obras de Tocqueville ou de V Pareto Les Étapes de la pensée sociologique 1967 As suas pesquisas orientamse para o estudo das sociedades industriais das relações que nelas se instauram entre a estrutura social e o regime político DixHuit Leçons sur la société industrielle 1962 Confrontando a experiência dos regimes constitucionaispluralistas com os processos habituais dos totalitarismos Démocratie et totalitarisme 1965 as suas análises comparativas fazem ressaltar a fragilidade e as hipóteses das sociedades democráticas a igual distância de um sistema negador das liberdades e de um Estado 19 que não se encarregasse de atenuar os rigores do acaso social a realidade das sociedades ocidentais esboça uma síntese cuja fórmula as utopias políticas falharam demasiadas vezes S M Artesão e artesanato Mais que para outras categorias 22 sociais as definições mantêmse tributárias de considerações jurídicas e administrativas contingentes O artesanato coincide praticamente com o sector das profissões e supõe uma inscrição no Registo do mesmo nome Daí resulta que o artesão é em primeiro lugar um trabalhador manual formado no trabalho por aprendizagem directa é um independente exercendo por sua conta sozinho ou com a ajuda de membros da sua família e de alguns companheiros O artesanato assim designado é uma denominação recente que remonta ao período entre as duas guerras Até à Revolução Industrial o termo artesão aplicavase ao operário sem referência a uma profissão No séc XIX assinalava um estatuto o de patrão que o distinguia da massa dos assalariados e o aproximava do lojista uma confusão motivada pelo facto de os actos de produção e de venda se recobrirem largamente donde também um problema difícil de delimitação que ainda hoje não está totalmente resolvido A dar crédito aos recenseamentos o número dos artesãos regrediu bastante depressa de 1954 a 1975 O seu efectivo estabilizouse em seguida Uma certa retoma é mesmo sensível desde 1982 beneficiando dela sobretudo os chefes de empresas artesanais de mais de cinco assalariados No total a população activa compreende 760 mil artesãos autênticos uma vez descontadas as ajudas familiares que são cerca de 150 mil A parte dos jovens de menos de 35 anos é de 26 por cento Em relação às outras categorias patronais esta proporção não é fraca mas mantémse inferior à revelada na maior parte das categorias de assalariados A falta de jovens explicase pelo facto de a instalação por sua conta exigir um capital económico que se adquire por herança ou por acumulação Tratase de factores 23 que jogam nitidamente em desfavor das mulheres estas não representam mais de 10 por cento dos artesãos instalados e encontramolas reunidas nas actividades de serviço o têxtil e o vestuário Quanto ao resto a construção civil acolhe os efectivos mais numerosos 312 mil ao passo que os artesãos de fabrico não ultrapassam os 100 mil se se excluírem os ofícios de arte Dirseá pois que o artesão resiste muito melhor onde não entra em concorrência directa com a indústria e onde pode evidenciar uma grande competência individual A sociologia não se interessou verdadeiramente por uma actividade e por um grupo que a história parecia condenar As raras análises propostas divergem tanto pela sua orientação teórica como pelo seu ponto de vista metodológico B Zarca 1983 insiste na necessidade de tomar em consideração a identidade do grupo que ele julga encontrar no espírito de profissão visto como instrumento de legitimidade e também como elemento de distinção e de reconhecimento mútuo Para C Jaeger 1982 em contrapartida a especificidade do artesanato consiste no facto de ele não permitir acumulação do capital e menos ainda a reprodução alargada da empresa A referência aos valores de profissão permanece secundária relativamente às condições reais que permitem à pequena produção mercantil 20 viver nos interstícios do capitalismo moderno Mas pode igualmente procurarse fora da situação de trabalho e da empresa os elementos necessários à compreensão do artesanato Gresle 1981 O grupo assinalase por uma 24 morfologia e uma condição sociais próprias A função de produção tal como a prática do ofício perdem então a sua função distintiva em benefício de determinantes familiares e patrimoniais que esclarecem o seu verdadeiro alcance F G Arte sociologia da A sociologia da arte realizou grandes progressos ao longo dos últimos vinte anos desde que abandonou a reflexão sobre a relação entre a arte e a sociedade para interessarse com meios especificamente sociológicos pelos contextos sociais do nascimento e da recepção das obras Foi assim que no decurso dos anos 60 a sociologia da arte se afastou das grandes sínteses de inspiração marxista que vêem na arte o reflexo da sociedade ou que de maneira menos simplificadora avançam a hipótese de uma relação de homologia entre as estruturas formais das obras e as estruturas sociais Desenvolveu pesquisas empíricas pondo em acção os conceitos e os métodos experimentados em outros domínios da sociologia Num primeiro tempo a sociologia da arte foi fortemente solicitada pela exigência institucional à procura de uma avaliação das políticas de democratização cultural As análises sociológicas dos públicos tiveram um lugar importante na investigação e originaram a publicação de obras clássicas Bourdieu Darbel 1966 Desde então trabalhos históricos e sociológicos já não se orientam apenas para o estudo do consumo cultural a frequência dos museus ou dos concertos mas também para o da percepção estética A extensão do Estadoprovidência cultural à protecção 25 social dos criadores a intervenção dos poderes públicos particularmente na França e das empresas em particular nos Estados Unidos da América nos mercados do trabalho artístico chamaram mais recentemente investigadores para temas novos morfologia das populações artísticas divisão do trabalho artístico profissões e carreiras de artistas mercados das artes políticas culturais Moulin 1985 O desenvolvimento da disciplina e o aumento do número dos pesquisadores favoreceram a concorrência das interpretações e assistese hoje a uma grande diversidade teórica A teoria do campo artístico e das suas articulações com os outros campos sociais que relaciona a análise das estratégias com um sistema de posições Bourdieu 1979 e importada mais recentemente a do mundo social da arte que se interessa numa rede de interacção entre os actores que cooperam na produção social do valor artístico Becker 1982 fornecem os principais quadros de descrição e de interpretação Dois grandes traços caracterizam a actual sociologia da arte Por um lado está menos afastada hoje que ontem dos outros segmentos da sociologia a institucionalização da arte a racionalização dos mercados a profissionalização ou desprofissionalização dos artistas põem aos sociólogos problemas familiares A sociologia da arte contribui assim para esclarecer os actores dos mundos da arte sobre as situações com as quais estão confrontados Por outro lado a extensão do conceito de arte na sua definição actual alarga o campo das pesquisas sociológicas muito para além da noção 26 21 historicamente constituída de belasartes A análise das práticas não eruditas a literatura popular a música de variedades o jazz o rock a banda desenhada etc caminha a par com a análise socioeconómica das indústrias do livro do disco da fotografia do cinema do audiovisual O regresso da palavra arte para designar aquilo que se chamava durante os anos 6070 sociologia da cultura significa em primeiro lugar que a tónica é colocada no estudo dos mecanismos sociais da etiquetagem artística Temos de felicitarnos pelos esforços levados a cabo para escapar à redução determinista mas não podemos evitar a interrogação sobre aquilo que pelo efeito conjugado do relativismo sociológico que é um postulado de método e o hiperrelativismo estético que caracteriza o séc XX é ladeado na maioria das análises isto é a qualidade da obra R M Aspiração A aspiração é um processo pelo qual um indivíduo ou um grupo social é atraído para um fim e marca a si próprio objectivos Chamase nível de aspiração o grau de êxito que o sujeito ambiciona atingir nos diferentes sectores das suas actividades escolar profissional cultural político etc Objectos de numerosos estudos de psicologia as aspirações nem por isso deixam de fazer parte do domínio da sociologia na medida em que é impossível estudálas sem situar os homens que as exprimem no conjunto das estruturas sociais na sua cultura particular e no movimento histórico em que estão implicados Chombart de Lauwe 1969 A génese das aspirações situase ao nível do 27 comportamento do indivíduo que tendo em conta os constrangimentos estruturais e económicos as representações sociais escolhe os seus fins calculando os seus custos as vantagens e os riscos O grau de autonomia do sujeito nesta escolha depende do grau de generalidade e de maleabilidade das regras e normas das sociedade As aspirações que envolvem quando as estruturas sociais mudam podem ser elas próprias factores de mudança social C PB Associação Em sentido restrito o termo designa um agrupamento de duas ou várias pessoas que põem em comum de maneira permanente os seus conhecimentos e a sua actividade numa finalidade que não seja a de partilhar lucros Juridicamente a associação opõese portanto à sociedade cujo objectivo é o enriquecimento dos associados Em sentido amplo o termo designa todo e qualquer agrupamento sejam quais forem a sua forma jurídica e a sua finalidade O fenómeno associativo que responde à propensão dos homens para se agruparem para a defesa dos seus direitos a propagação das suas ideias e a realização em comum de um objectivo colectivo desempenha um papel importante nas sociedades modernas ao mesmo tempo complexas e fragmentadas Por um lado as associações constituem um escalão intermédio entre o Estado e o indivíduo ou os grupos primários por outro lado facilitam a integração social de cada um e a aprendizagem da vida colectiva É assim que as associações constituem o lugar reconhecido de uma expressão que pode ter uma certa influência sobre as decisões políticas e ser fonte de uma mudança social 28 Y C Atitude Nas ciências sociais o termo designa uma orientação das 22 condutas ou dos juízos quando estes apresentam uma certa coerência e uma certa estabilidade É pois uma variável inobservável suposta subjacente a condutas ou a expressões verbais O termo designa com frequência uma orientação geral por exemplo a atitude antidemocrática Procurouse distinguir a atitude de outras características individuais como os traços de personalidade supostamente mais estáveis ou as opiniões que flutuam segundo as circunstâncias ou os acontecimentos Mas estas noções não têm definição satisfatória Praticamente medese com frequência e portanto definese operacionalmente uma atitude pelo que é comum a um conjunto de opiniões expressas verbalmente ou mais raramente a um conjunto de comportamentos A propósito das atitudes põemse dois problemas principais como é que elas mudam e em que medida é que elas determinam os comportamentos As pesquisas sobre as mudanças de atitude confundemse com as investigações sobre a influência mostrouse a influência de informações novas da credibilidade da fonte o papel do conformismo isto é da tendência a porse de acordo com a maioria ou noutras circunstâncias a possibilidade para uma minoria se se mostrar suficientemente coerente de modificar as atitudes de outrem Mostrouse também uma tendência para pôr as suas atitudes de acordo com a sua 29 conduta portanto para manter uma certa coerência o que constitui um outro mecanismo de modificação das atitudes As relações entre atitudes e comportamentos suscitaram pesquisas muito numerosas cujos resultados se apresentam como contraditórios À primeira vista as primeiras deveriam determinar os segundos Mas uma atitude não é em geral o único determinante de um comportamento constrangimentos interesses outras atitudes podem também intervir assim como as atitudes para com os outros comportamentos possíveis Além disso se a ideia de que as atitudes determinam o comportamento é a mais imediata a relação inversa é também possível B M Montmollin 1985 Autogestão Em sentido restrito a autogestão é a gestão das empresas por aqueles que nelas trabalham em sentido amplo é um modelo que opondose ao modelo leninista de um socialismo estatal burocrático autoritário define uma gestão descentralizada da sociedade e da sua economia socializada A autogestão confundese então com o federalismo de Proudhon que via nela um regime que permite suprimir o entrave constituído pela propriedade sem cair nas contradições da comunidade A A Autoridade O tema da autoridade foi abordado sob ângulos tão variados no quadro da filosofia política e das ciências sociais que deu lugar a uma pluralidade de concepções mas podemos procurar por detrás da diversidade um núcleo comum 30 Conformarse ou submeterse à autoridade equivale a reconhecer na vontade ou no juízo de uma outra pessoa um princípio pertinente de acção ou de apreciações sem que se tenham previamente pesado os prós e os contras a atenção voltase então para a fonte da comunicação muito mais que para o seu conteúdo é de facto a ela que se obtempera ou se aquiesce É essa sem dúvida a característica fundamental da autoridade 23 mas as opiniões divergem quando se trata de responder à questão dos seus fundamentos Um primeiro tipo de concepção consiste em fazer da autoridade um modo de regulação normativa assim T Parsons acaba por definir a autoridade como a institucionalização dos direitos dos dirigentes políticos a controlar as acções dos membros da sociedade em tudo o que se refere à realização dos fins colectivos 1960 nesta perspectiva a autoridade instaura uma responsabilidade diferencial a partir de um acordo prévio sobre os objectivos prioritários Uma segunda concepção muitas vezes qualificada de realista tende a encarar a autoridade sob o ângulo da imposição Se se acompanhar esta corrente de pensamento o fundamento essencial da autoridade deve de facto procurarse do lado do poder de impor fazendo apelo se for caso disso à coerção assim M Weber 1922d distingue ao lado da dominação económica a dominação em virtude da autoridade que se reconhece precisamente no poder de ordenar e no dever de obedecer ela consiste segundo os seus próprios termos num poder de mandar dotado de autoridade autoritärer 31 Befehlsgewalt Não poderá pois estabelecerse dicotomia radical entre autoridade e coerção mas como mostra Weber a insistência no mando não exclui a consideração da legitimidade e das formas mais importantes que ela pode revestir Por fim segundo uma terceira concepção a autoridade seria primeiramente fundada na competência A autoridade profissional médico advogado tem muito a ver com este modelo assentando num saber especializado é sobretudo de tipo fiduciário o cliente confia globalmente na competência superior do especialista sendo ao mesmo tempo incapaz de avaliar a pertinência das suas directivas Mas este modelo de autoridadecompetência não pode ser generalizado à autoridade política nem à autoridade burocrática a despeito de uma tendência recorrente no pensamento social desde SaintSimon F C Bourricaud 1961 Friedrich 1858 Jouvenel 1935 Sennett 1980 Autoritária personalidade A expressão personalidade autoritária foi lançada pelo livro devido a T W Adorno e a uma equipa de psicólogos e psicossociólogos de Berkeley 1950 O objectivo destes autores era referenciar e medir as correntes ideológicas antidemocráticas por meio de escalas de atitude e pôlas em relação com outras atitudes e com as tendências profundas da personalidade A escala de autoritarismo também chamada escala F de fascismo potencial compreende várias componentes tais como a submissão à autoridade a superstição e a adesão a estereótipos a projecção nos outros das suas pulsões inconscientes a agressividade em relação aos desviantes etc 32 Está fortemente relacionada com escalas que medem o anti semitismo e o etnocentrismo preconceitos para com os negros outras minorias e pseudopatriotismo Esta escala F foi sob uma forma condensada a escala de atitude mais utilizada nos inquéritos sociológicos dos anos 50 e 60 Apresentava no entanto sérias dificuldades técnicas escala do tipo Likert em que as propostas eram unilaterais e estereotipadas estava enviesada pela tendência para a aprovação PH BD Alexandre 1971 Lancelot 1962 25 B Bando Grupo de jovens mais ou menos estruturado que a sociologia caracteriza em relação ao meio em que vive Após primeiros estudos sobretudo sensíveis à desorganização social de certas zonas urbanas insistiuse em dois aspectos por um lado a resposta subcultural à frustração proletária ou a reacção a condições de vida que impedem o acesso ao êxito social por outro a manifestação de um conflito entre os jovens e a sociedade adulta A tónica colocada na dramatização hostil por parte da sociedade local ou mesmo dos media e das instituições oficiais sofre seguramente de um certo unilateralismo Uma visão mais equilibrada consiste em analisar o bando através de uma 33 radicalização das atitudes segregativas que actua entre o interior e o exterior do bando Este modelo é susceptível de integrar um ou outro dos elementos libertos ou uma das suas combinações PH R Lagrée Lew Fai 1985 Maugé Fossé 1977 Monod 1968 Robert Lascoumes 1974 Behaviorismo Teoria psicológica segundo a qual todo o comportamento ingl behavior é uma resposta a estímulos exteriores que actuam sobre os órgãos dos sentidos Watson Influenciou uma importante corrente da sociologia americana consagrada ao estudo do condicionamento social das condutas individuais e colectivas Contudo o behaviorismo social toma em conta os factos de consciência na medida em que as situações sociais só influenciam essas condutas em função da significação que lhes atribuem actores socializantes numa cultura e que têm papéis específicos Mead 1934 Psicologia sociologia e antropologia devem pois concorrer neste domínio graças à elaboração de conceitos tais como os de atitude de aprendizagem ou ainda de valor social Mas é no plano epistemológico que o behaviorismo marcou mais essas disciplinas ao insistir na necessidade de testar empiricamente toda a hipótese e de construir apenas conceitos operacionalizáveis é a lição retida pelo behaviorismo em ciência política CH C Biografia A biografia constitui uma das fontes que os etnólogos utilizam de maneira privilegiada mas que pode 34 também contribuir para o conhecimento sociológico e histórico As histórias de vida pertencem à tradição sociológica Por exemplo a obra de W Thomas e F Znaniecki 19181921 sobre Le Paysan polonais en Europe et en Amérique é em grande parte fundada sobre narrativas de vida e documentos pessoais a sociologia e a antropologia social americana utilizaramna muito a partir dos anos de 19251930 Como escreveu C LéviStrauss a autobiografia permite reconstituir uma cultura do interior e analisar a maneira como se articulam e se interiorizam as instituições e os costumes analisados pelo investigador A sua utilização levanta contudo dois problemas um de metodologia e outro epistemológico A utilização das biografias corre o risco de suscitar sempre uma dupla ilusão a de tocar a própria realidade a de atingir a totalidade Ora as narrativas não são o reflexo da própria realidade ou do vivido por definição inacessível Como o tinham já sublinhado no fim do 26 séc XIX G Simmel e W Dilthey estas narrativas propõem uma reconstrução intelectual de um passado inevitavelmente orientada pela presença do investigador quando se trata de uma conversa e em todos os casos pelo trabalho da memória e pelo significado que a evolução do presente dá ao passado A utilização da biografia corre também o risco de dar ao investigador a ilusão de que pode ter acesso à essência do indivíduo do grupo familiar e mesmo do grupo social na sua totalidade e de que pode assim fazer a economia do esforço 35 de análise e de inteligibilidade específica do trabalho científico A biografia não constitui de maneira nenhuma o equivalente do conhecimento é um documento em bruto com frequência evocador ou emocionante literariamente superior à análise rigorosa mas que tem de ser tratado como todos os documentos todas as informações todos os dados em bruto tem de ser criticado avaliado inserido na análise ou na demonstração Não deve fascinar o investigador a ponto de fazêlo renunciar ao trabalho de conhecimento propriamente científico O outro problema incide sobre a significação do caso individual para o conhecimento dos fenómenos colectivos objecto primeiro do conhecimento sociológico que é que se conhece de generalizável a uma sociedade ou a uma cultura dada a partir de um relato feito por um indivíduo sobre si próprio ou de um relato centrado sobre um indivíduo Os métodos das ciências humanas só se justificam pelo objecto da pesquisa As biografias são documentos particularmente ricos para analisar as relações entre o indivíduo e a sua cultura Quando se trata de estudar outros problemas sociológicos os contributos das biografias são mais fracos D S Bruxaria Enquanto poder de causar dano aos outros por meio de uma acção espiritual a bruxaria distinguese do feitiço produzido pelo lançador de maus olhados que utiliza meios materiais Os Azandé estudados por E E Evans Pritchard 1937 crêemna ligada a uma substância que o corpo de certos indivíduos contém e que se herda do progenitor do mesmo sexo Ninguém sabe a não ser por 36 autópsia post mortem se possui tal substância Enquanto inconscientes das suas acções nocivas os bruxos não são objecto de nenhuma reprovação moral mas a bruxaria é uma fonte importante de preocupações Condenada como acto ofensivo maléfica para o grupo social na medida em que se supõe ser responsável pela doença pela morte pela má colheita pelo fracasso nos negócios a agressão pelo bruxedo supõese empreendida por um indivíduo ou um grupo de indivíduos que se suspeita devorarem as almas vampirismo terem o dom da dupla visão circularem de noite poderem desaparecer à sua vontade inversão e acção em duplicado metamorfosearemse As orgias de bruxaria evocamse em fim de festim canibalesco após o assassínio de uma pessoa Entre os critérios de reconhecimento dos bruxos figuram os desvios em relação às normas os excessos de afeição de pobreza ou de riqueza a esterilidade o encarniçamento na luta pelo poder o rancor tenaz contra um membro da família Meio de detectar os bruxos o oráculo indica também os meios rituais para protegerse deles encantamento exorcismo banimento morte A teologia do séc XVI juntava a propósito das bruxas o delírio do espírito a heresia e o frenesim sexual 27 A obsessão do diabo favorecia a caça às bruxas e o sacrifício ritual visava acalmar os medos saídos das perturbações deste período de mutação A bruxaria mantém o temor dos desvios e das tensões nocivas à sociedade e joga assim a favor da manutenção da 37 ordem social Sociologicamente é tranquilizante na medida em que se tem a sensação de ter identificado um mal e poder remediálo Psicologicamente funciona como elemento dissuasor ao nomear os motivos de ansiedade e ao desviar a hostilidade para um factor preciso de nocividade Ideologicamente explica pela acção de espíritos maus a selectividade dos acidentes das desgraças das calamidades que atingem uns e não outros Explicase também pelos infortúnios da libido e pela projecção das paixões C R FavretSaada 1977 Mair 1969 Burguesia Nas sociedades agrárias da Idade Média o termo designa os habitantes de uma cidade que pela sua actividade não agrícola gozam de privilégios particulares De K Marx a W Sombart 1913 ganhouse o hábito de fazer do burguês o portador do espírito capitalista A burguesia é vista como uma força de progresso que leva à liquidação do modo de produção feudal substituindoo por um modo revolucionário porque fundado na grande indústria e no domínio do capital Marx mantémse no entanto sensível à variedade da burguesia da qual isola três fracções de interesses diferentes a imobiliária a financeira e a industrial M Perrot 1961 e J P Chaline 1982 confirmam a hipótese da diversidade da classe no seu pleno florescimento no séc XIX Os seus pilares são então a advocacia a medicina e a empresa O seu domínio não assenta apenas na posse dos meios de produção nem no dinheiro Os costumes a educação o modo de vida distinguem nitidamente os burgueses Goblot 1925 sem falar da consciência de constituírem um escol apto a dirigir as sociedades modernas 38 Estes traços não desapareceram nos nossos dias Mas o sociólogo utiliza pouco um conceito que tem o mérito de lembrar a permanência dos grandes tipos sociais F G Burocracia Na linguagem corrente a palavra burocracia ganhou uma conotação pejorativa E sinónimo de lentidão de processos inutilmente complicados e a burocratização designa então o processo pelo qual uma actividade ou uma organização se tornam rígidas Na visão mais normativa do sociólogo estes fenómenos são considerados como disfunções burocráticas isto é como efeitos negativos não previsíveis produzidos por um modo de organização cada vez mais espalhado nas sociedades modernas Com M Weber 1922a poderseia caracterizála pelos traços seguintes pela continuidade inserese numa ordem legal que o detentor da autoridade hierárquica não faz mais que aplicar pelo predomínio do processo escrito pela existência de um corpo de regras impessoais que delimitam com precisão as esferas de competências e os direitos e deveres de cada um por uma hierarquia das funções que cria laços de subordinação claros pelo facto de o acesso aos vários postos se fazer exclusivamente em função da qualificação publicamente constatada exames ou concursos finalmente pela separação entre as funções de direcção e a posse dos meios de produção Para Weber um tal modo 28 de organização que caracteriza sem dúvida as 39 administrações públicas mas também a maior parte das organizações industriais e comerciais de uma certa dimensão é superior às organizações tradicionais porque graças à formalização e à estandardização das actividades permite um funcionamento regido por regras mais objectivas e portanto mais regular e mais previsível Está destinado a desenvolverse justamente em virtude da sua maior eficácia R Merton 1949 e M Crozier 1964 puseram em evidência que as características organizacionais de formalismo e de impersonalidade traziam consigo consequências disfuncionais sobre os componamentos dos membros da organização que iam não apenas contra a eficácia desta mas que produziam além disso círculos viciosos de burocratização sendo estas consequências não previstas combatidas por uma acentuação dos traços organizativos de partida Em segundo lugar mostraram que estas características preenchiam funções latentes para os membros da organização ou seja que permitiam reduzir as tensões interpessoais inerentes às necessidades da subordinação e do controlo nas actividades organizadas A burocracia longe de ser uma fatalidade em virtude da sua eficácia apresentase nesta perspectiva simplesmente como uma das soluções possíveis para o problema da acção colectiva isto é da organização de uma cooperação entre actores por certo interdependentes mas ao mesmo tempo relativamente autónomos E como tal ela é um fenómeno profundamente cultural no sentido em que o seu desenvolvimento é condicionado pelas capacidades relacionais e organizacionais dos membros de uma sociedade Por isso pôde ligarse o desenvolvimento da burocracia à francesa com os traços culturais profundos da 40 sociedade francesa Crozier 1964 Mas é também nesta perspectiva que se pode procurar compreender o desenvolvimento recente de modos de organização cada vez menos burocráticos num número crescente de empresas industriais e comerciais ou mesmo de serviços administrativos E F 29 C Camponês R Redfield 1956 distingue o camponês do agricultor O primeiro goza de uma relativa autonomia no seio de uma sociedade global não industrial que o domina sem esmagálo A especialização das suas tarefas quando existe fazse no quadro do grupo doméstico que é a unidade de base de uma rede aldeã de interconhecimento Os seus contactos necessários com o exterior são assegurados pelos notáveis que são os seus intermediários reconhecidos Neste modelo todos os membros da comunidade seja qual for a sua relação com a terra são camponeses e a sociedade dita camponesa modela os valores e os costumes dos que são seus membros A hipótese é sedutora Mas se se definirem os camponeses pela sua inclusão numa sociedade mais ampla Mendras 1976 não se vê como é que eles poderiam constituir uma sociedade específica Convém pois considerar para a época actual que subsistem colectividades camponesas compostas principalmente por agricultores isto é por trabalhadores da terra proprietários dos seus meios de 41 produção Em toda a parte o advento das sociedades industriais conduziu à sua derrocada numérica A originalidade da França neste capítulo consiste no facto de este recuo ter sido nela mais sensível que noutros lados Em 1954 a população activa compreendia 4 milhões de agricultores Este efectivo caiu para 3 milhões em 1962 e para 17 milhões em 1975 ou seja verificouse uma diminuição anual média de 44 por cento Apesar de um certo afrouxamento na descida destes últimos anos 23 por cento os agricultores não passavam de 13 milhões em 1985 altura em que representavam menos de 7 por cento da população activa Embora seja difícil medir a participação exacta das mulheres a agricultura continua a ser muito masculina 37 por cento dos exploradores agrícolas declarados são mulheres à qual os estrangeiros não têm praticamente acesso são menos de 1 por cento Este rápido declínio foi acompanhado de um nítido envelhecimento da população envolvida Em 1982 apenas um agricultor em cinco tinha menos de 35 anos e poucos filhos aceitam suceder a seus pais na exploração da terra Mas estes traços duráveis não poderão esconder as transformações em curso Se as entradas na agricultura são agora pouco numerosas elas verificamse numa idade mais tardia e parecem mais firmes Há que ver em tal facto o resultado de uma formação mais adaptada 58 por cento dos menos de 35 anos têm um diploma profissional contra os 14 por cento dos mais velhos e de uma evolução das explorações que são mais modernas e menos exíguas que no passado sobretudo quando pertencem a jovens A imagem do agricultor já de idade chefe de uma família de grande dimensão de fracos rendimentos se bem que mal captados 42 já não é realista E mantêmse fortes disparidades que desmentem a proclamada unidade do mundo camponês Gervais et al 1976 Baseandose nesta verificação os sociólogos divergem nos seus juízos sobre o futuro do campesinato ocidental Para uns ele deixou praticamente de existir Mendras 1967 ainda que a utopia rousseaunista de comunidades autónomas subsista e alimente os projectos fantasmáticos daqueles que procuram abolir as barreiras que separam o rural do urbano Outros mais próximos do marxismo consideram que se produziram 30 mutações decisivas após a última guerra quando os camponeses tornados agricultores foram integrados à força no sistema capitalista Obrigados a abandonar a policultura autárcica foram autoritariamente orientados para a produção de valores de troca regulados pelo mercado Jollivet et al 1974 Mas se a proletarização de uma fracção dos camponeses é inegável ela revelase incapaz de traduzir por si só o abalo que o campesinato conhece actualmente F G Capitalismo O termo aparecido no início do séc XIX acabou por imporse para designar uma certa organização das actividades económicas Paralelamente a noção de capitalismo serviu de ponto de reunião para todos aqueles que rejeitavam este ou aquele aspecto do mundo moderno Recebeu portanto ao longo do mesmo séc XIX uma acepção cada vez mais negativa de que parece difícil e inútil 43 libertála O termo designa de facto quatro realidades ao mesmo tempo económicas políticas e culturais No primeiro sentido o capitalismo é definido pela apropriação privada dos meios de produção Essa apropriação é acompanhada por uma separação entre o ou os detentores do capital e o trabalho indispensável à sua activação O anticapitalismo visa eliminar esta separação quer ao permitir a todos os trabalhadores de uma unidade de produção tornaremse os proprietários colectivos do seu capital quer ao transferir para o Estado a propriedade de todo o capital de um país Num segundo sentido o capitalismo é compreendido como uma economia de mercado em que os produtores e os consumidores se encontram em mercados regulados para trocar e partilhar bens e serviços Estes encontros dão lugar a inúmeras negociações que acabam por concluirse e exprimirse em preços Cada preço é uma informação que traduz raridades relativas que permite aos agentes económicos tomar decisões de compra de venda de investimentos de poupança cuja agregação favorece a eficácia do aparelho económico no seu conjunto O anticapitalismo propõese substituir o mercado por uma planificação gerida pelas autoridades políticas Numa terceira acepção o capitalismo é o regime económico animado pelos capitalistas ou pelos empreendedores ou pelos capitães de indústria Um empreendedor é um actor social que faz a aposta de que ao combinar capital trabalho matériasprimas máquinas patentes etc oferecerá um bem ou um serviço susceptível de encontrar no mercado uma procura solvível O lucro é a recompensa monetária de uma aposta mantida Como uma 44 iniciativa lucrativa suscita de imediato outras iniciativas a concorrência tende constantemente a dissolver o lucro Este só pode renascer a partir de uma nova iniciativa a menos que os proponentes de bens ou de serviços consigam impedir a entrada no mercado de novos concorrentes O anticapitalismo propõese substituir os empreendedores quer por funcionários públicos quer por responsáveis eleitos pelos membros da empresa Estas três primeiras definições do capitalismo não são reservadas ao mundo moderno que emergiu na Europa no fim do séc XVIII e no séc XIX Encontramos exemplos seus um pouco por toda a parte na história dos diferentes povos A última acepção própria do mundo moderno designa uma civilização que parece atribuirse como 31 objectivo prioritário o aumento indefinido da produção e do consumo de bens e de serviços Este crescimento sem fim é tornado possível pelo desenvolvimento científico e técnico que permite aumentar a eficácia do aparelho de produção oferecer preços relativos cada vez mais baixos e alargar o círculo do consumo a candidatos cada vez mais numerosos mais repletos e menos satisfeitos O anticapitalismo considera que uma civilização centrada na economia não dá resposta aos fins autênticos do homem Propõe aos homens que se regresse a valores mais nobres religiosos éticos militares políticos ou estéticos J B Braudel 1979 Mantoux 1906 Marx 1867 Schumpeter 1942 45 Carácter nacional A ideia de carácter nacional ligase a três correntes principais 1 Na corrente germânica da psicologia dos povos desenvolvida à volta de M Lazarus H Steithal nos anos 1860 as noções de espírito de um povo Völksgeist e de alma de um povo Völksseele aparecem como centrais Para elaborar uma psicologia da cultura W Wundt interessase nas criações do espírito colectivo a língua a arte o mito e os costumes A ideia de carácter nacional tornase o objecto a construir por uma Völkercharakterologie Mas seguidamente ao identificar certas nações com raças puras que não existem em lado nenhum e ao ligaremse a mitos a que votavam um culto idolátrico os membros deste grupo desacreditaramse pelo seu racismo pangermânico 2 A antropologia culturalista americana nos anos 40 e entre os seus representantes A Kardiner e R Benedict nomeadamente procura identifcar as estruturas reaccionais comuns provenientes do mundo da educação das crianças que se traduzem por comportamentos adultos do mesmo tipo e que contribuem para a manutenção das estruturas sociais Produto da família dos usos da educação a personalidade de base é especificada num quadro cultural nacional para as sociedades modernas o Japonês o Brasileiro étnica para as sociedades tradicionais tipo apolíneo do Hopi Seriam mais especialmente características suas as técnicas de pensamento ou constelações de ideias a formação do superego as atitudes para com os seres sobrenaturais 3 A escola francesa de etnopsicologia à volta de A Miroglio 1958 procura construir uma ciência das 46 diferenças entre tipos etnopsíquicos O carácter nacional definirseia pelas crenças reacções e condutas distintivas pelas propriedades psicológicas ou somáticas comuns aos membros de um grupo considerado constituindo um conjunto mais ou menos estruturado e relativamente estável através da diversidade das situações Mas como ler o homogéneo no diverso C R Gorer 1949 Riesman 1955 Stoetzel 1954 Carisma O carisma representa uma forma de poder pessoal graças ao qual o guia o herói o chefe de qualidades supostamente extraordinárias e sobrehumanas atrai para ele a multidão dos seus fiéis O líder carismático não pertence apenas às épocas recuadas da história nos nossos dias encontramolo ainda em sociedades em vias de desenvolvimento e nas sociedades consideradas as mais modernas É que mesmo que não se exprima através do direito e da lei o poder do líder 32 carismático é também ele considerado como legítimo nas sociedades mais racionalizadas Só que estando ligado à personalidade do seu detentor permanece muito frágil e provisório Como é quase impossível tornálo permanente institucionalizálo e transmitilo sobrevêm crises na maioria das vezes quando o herói desaparece P B Casamento Nas sociedades simples como nas sociedades 47 camponesas tradicionais o casamento apresentase como um acto de ordem política e económica as decisões neste domínio são tomadas pelas linhagens e pelos grupos familiares que controlam assim directamente o processo da sua reprodução Nas sociedades desenvolvidas como a França escolha do cônjuge e formação do casal tornaramse um assunto de ordem privada o que não os impede de continuarem a ser um elo fundamental da reprodução da sociedade Em França as pessoas casamse menos que no passado E no entanto os casais mantiveramse quase tão numerosos como dantes porque o défice em casais casados foi globalmente compensado pelo aumento dos casais que vivem em simples coabitação O casamento quando se verifica já não é de resto aquele rito imponente que determinava para cada um dos parceiros a entrada numa nova vida Nos anos 80 a maioria dos casamentos fazse na sequência de um período de coabitação juvenil Esta maior flexibilidade da entrada na vida conjugal inscrevese numa recomposição dos modos de passagem à idade adulta Maior precocidade das primeiras relações sexuais e atraso na obtenção do primeiro emprego estável introduzem uma discordância de calendário que o desenvolvimento da união informal permite regular parcialmente A entrada na vida conjugal é um fenómeno mais carregado de consequências para as mulheres que para os homens Quando a situação social das mulheres se modifica as suas práticas matrimoniais transformamse igualmente Ora a relação das mulheres com o trabalho mudou muito a partir dos anos 60 Ao mesmo tempo que a sua proporção se elevava na população activa os empregos mudavam As 48 configurações conjugais outrora dominantes associando um homem e uma mulher numa mesma unidade produtiva familiar ou então um homem trabalhando no exterior enquanto a mulher se consagrava ao seu lar reclamavam uma forma de compromisso bastante estável e bastante rígida entre os cônjuges O casamento preenchia esse papel protegendo a mulher mas consagrando ao mesmo tempo a perda da sua autonomia Actualmente quando ambos os parceiros são assalariados e as mulheres ganharam a sua autonomia financeira estas têm menos necessidade de uma forma conjugal constrangedora e podem contentarse com um casamento sem papéis Decididamente a união sem casamento deve uma boa parte do seu sucesso ao facto de ser uma forma flexível e neutra ideologicamente heterogénea que corresponde segundo os casos a uma primeira tentativa de vida comum ou a um compromisso quase matrimonial O desenvolvimento da união informal e a evolução dos comportamentos sexuais não levaram de modo nenhum a um enfraquecimento da homogamia social cuja força A Girard constatava já num inquérito realizado em 1959 Continuase a escolher parceiros socialmente próximos O que mudou foram os mecanismos que produzem essa homogamia 33 Pode verse isso mesmo examinando os lugares em que se encontra pela primeira vez o seu cônjuge Actualmente os encontros fazemse num amplo leque de lugares Aos lugares de estudo ou de trabalho há que acrescentar a diversidade das actividades de lazer e dos lugares públicos Mas tal diversidade é muito recente Nos anos 20 dois casamentos 49 em três eram concluídos na sequência de um encontro no baile no quadro do trabalho na vizinhança ou por ocasião de uma visita a um particular Cinquenta anos mais tarde estas quatro circunstâncias representam apenas um terço dos encontros O facto marcante é o declínio regular dos encontros de vizinhança Era o mais importante modo de encontro dos anos 20 quase desapareceu nos nossos dias Na longa duração a instituição produtiva por excelência é o baile O seu contributo para a formação dos casais atinge o seu máximo histórico nos anos 60 não menos que um encontro em cinco para depois cair para metade A medida que o baile declina o seu público é cada vez mais rural O êxito matrimonial dos bailes afirmouse nos campos com o aumento do êxodo rural e o declínio do interconhecimento O desenvolvimento considerável dos encontros em lugares públicos rua cidade bairro café centro comercial hospital etc nos anos 60 traz ao declínio dos encontros entre vizinhos uma compensação mais estável que o baile No espaço privado o encontro proporcionado por um membro ou um amigo mais velho da família cede o lugar ao serão dançante autogerido pela jovem geração Do olhar vigilante da família e da vizinhança passouse à intervenção mais maleável dos grupos de pares Não se escolhe um lugar qualquer para encontrar o seu cônjuge As classes populares descobrem o seu cônjuge nos lugares públicos abertos a todos festas públicas feiras bailes rua cafés centros comerciais passeios cinema meios de transporte etc As classes superiores por seu turno travam conhecimento com o seu cônjuge nos lugares reservados onde não entra qualquer um associação lugar de trabalho restaurante boîte concerto etc cujo acesso é regulado por um 50 numerus clausus obtido formalmente por selecção ou cooptação ou de modo igualmente seguro pelo efeito dissuasor que exercem certas regras de comportamento próprias da instituição Por detrás da multiplicidade dos cenários de encontro patenteiase uma lógica social da homogamia A oposição fundamental do fechado e do aberto tende a segmentar o mercado matrimonial sem que seja preciso necessariamente ver nisso o efeito de estratégias específicas uma parte considerável do trabalho de selecção realizase já a montante através de práticas de sociabilidade O mercado matrimonial poderia funcionar se tivesse de contar unicamente com as estratégias dos interessados M B Bozon Hérau 19871988 Roussel 1975 Singly 1987 Casta A palavra designa uma organização social original que se encontra apenas na Índia desde há cerca de dois mil anos A palavra que significa puro em português é infeliz porque mistura duas realidades muito diferentes numa designação única e põe a tónica numa dimensão religiosa real mas secundária O regime das castas é em primeiro lugar um regime de ordens ou de estados em que as pessoas são catalogadas hereditariamente em algumas categorias definidas legalmente 34 sancionadas politicamente e especializadas funcionalmente Na Índia estas ordens ou estados chamamse varna e são em 51 número de quatro Os brâmanes são especialistas do sagrado os kşatriya reservam para si a guerra e a política os vaiśya são os produtores agricultores criadores de gado artífices negociantes os sudra são os servidores dos três primeiros varna Com o tempo os excluídos do sistema os foracastas acabaram por constituir uma quasevarna de intocáveis De facto este regime de varna nunca teve realidade permanente a não ser nos escritos dos brâmanes Praticamente nunca houve desde os últimos séculos que precederam a era cristã senão brâmanes sudra e intocáveis Um regime de ordens é coisa corrente Único na Índia é o regime das jati a que deveria ser reservada a palavra casta A jati é um grupo humano articulado em dois níveis Ao nível da circunscrição englobando uma centena de aldeias ou mais é um grupo estritamente endógamo composto de famílias alargadas exógamas separado dos outros grupos de igual definição por um conjunto complexo e rígido de regras de poluição especializado em certas actividades económicas colocado numa hierarquia no cume da qual figura sempre uma jati de brâmanes tendo uma organização própria capaz de resolver os diferendos internos e de gerir os interesses comuns Ao nível da aldeia cada jati é representada por um segmento Todos os segmentos da aldeia estão ligados uns aos outros por um sistema de prestações e de contraprestações em bens e em serviços Estas trocas são dissimétricas e jogam a favor dos segmentos da jati proprietários da terra O regime das jati é próprio da Índia Tem de notável o facto de permitir a perpetuação de unidades sociais e regionais assegurandolhes uma autarcia económica religiosa demográfica e afectiva quase completa fora de 52 todos os enquadramentos políticos estáveis J B Baechler 1988 Bouglé 1908 Dumont 1966 Senart 1896 Categorias socioprofissionais Elaboradas pelo INSEE têm como objectivo classificar o conjunto da população activa francesa num número restrito de grandes categorias que têm uma certa homogeneidade social As pessoas que pertencem a uma mesma categoria presumese poderem manter relações entre si terem comportamentos e opiniões aproximadas consideraremse como pertencendo a uma mesma categoria e serem consideradas como tais pelos outros Não se trata de uma simples classificação estatística As categorias consideradas reflectem a representação que a sociedade pode ter de si própria num dado momento A nomenclatura corresponde a palavras usuais da língua francesa operários empregados quadros etc de maneira que as pessoas que pertencem a essas categorias terão tendência a utilizar esses mesmos termos para designar a sua situação profissional Este sistema de classificação é o desembocar de uma longa acumulação histórica Integra e sintetiza as diferentes maneiras como as profissões foram sendo registadas à maneira que a sociedade se diversificava Não é pois de espantar que uma tal nomenclatura remeta para múltiplas dimensões é ao mesmo tempo uma divisão em profissões uma grelha de qualificações uma hierarquia de aptidões uma escala de estatutos sociais e um recorte em meios que agrupam pessoas próximas pelos seus comportamentos sociais De um ponto de vista 53 35 teórico este sistema assenta numa lógica da estratificação social diferentemente de uma decomposição em classes sociais é uma classificação total contínua e ordenada De um ponto de vista prático o código corresponde a uma dupla preocupação obter uma classificação que dê correlações fortes com diversas categorias económicas políticas demográficas etc e satisfazer os utilizadores que pedem uma descrição simplificada em alguns grandes grupos com uma cifragem fácil e facilmente interpretável Pensada para satisfazer o máximo de utilizações a classificação socioprofissional é necessariamente imperfeita para cada um desses usos em particular O código das categorias socioprofissionais foi utilizado em todos os campos da sociologia nomeadamente na sociologia da educação na sociologia eleitoral ou para o estudo da mobilidade social Foi a partir dessas categorias que se definiram as percentagens dos modelos de inquérito Esta classificação apresenta além disso a vantagem de facilitar o confronto de inquéritos diversos e de permitir úteis comparações no tempo Para tal tem de conciliar dois imperativos contraditórios a estabilidade das categorias e a adaptação à evolução da estrutura social É por isso que desde a sua criação em 1954 até 1982 o código conheceu apenas ligeiras modificações Em 1982 foi objecto de uma reforma que conduziu a uma nova nomenclatura dita das Profissões e categorias socioprofissionais PCS D D Porte 1961 Desrosières Thévenot 1988 54 Causalidade Dizer que o estatuto socioeconómico da familia dos alunos determina o seu êxito escolar significa pelo menos três coisas Em primeiro lugar a primeira variável dita independente ou explicativa é logicamente eou cronologicamente anterior à segunda variável que se qualifica de dependente ou a explicar Em segundo lugar a correlação entre os dois fenómenos é verdadeira e não falaciosa éo de facto se ao introduzir uma terceira variável de controlo pertinente a correlação não se anula No exemplo seguinte observase uma relação forte entre o sexo e a proporção de acidentes de trânsito proporcionalmente as mulheres têm menos acidentes que os homens Mas quando se toma em conta o número de quilómetros percorridos por ano a relação anteriormente verificada desaparece em igual distância percorrida as mulheres têm tantos acidentes como os homens Em terceiro lugar a relação causal entre duas variáveis não é uma relação de implicação lógica como em certas ciências exactas Nas ciências sociais a relação de implicação é débil e envolve apenas conjuntos e não determinado indivíduo particular Esta causalidade estatística remete para a média calculada a partir de observações relativas a grupos Verificase que a média do grupo de crianças saídas da classe superior é mais elevada que a de alunos da classe média que é ela própria mais elevada que a de alunos das classes populares Não significa pois que um aluno qualquer do primeiro grupo tem maior êxito escolar que não importa que aluno da segunda ou da terceira classe A causa não é nem uma condição necessária podese de facto ter bons resultados escolares independentemente da sua classe de origem nem uma condição suficiente não basta ser rico para ter êxito e ainda menos uma condição 55 necessária e suficiente Com todo o rigor falarseá mais de relação de 36 dependência que de causalidade na medida em que esta supõe uma experimentação que não é praticamente possível nas ciências sociais Ao analisar a variável dependente em função não de uma mas de duas variáveis independentes vêemse aparecer estruturas causais estritamente aditivas a variável dependente é uma função da soma dos pesos respectivos das variáveis independentes ou interactivas a influência da primeira variável independente sobre a variável dependente é ela própria influênciada pela segunda variável independente As técnicas de análise causal mais frequentemente utilizadas são a regressão a análise de dependência e a análise loglinear M C Boudon 1968 1969 Lazarsfeld Rosenberg 1955 Celibatário Segundo as agências matrimoniais a situação celibatária reveste formas particulares segundo as diferenças sociais dos homens e das mulheres Com efeito essas diferenças são muito mais denunciadas entre as mulheres que entre os homens Ao passo que as possibilidades estatísticas de ser celibatário após os trinta e cinco anos são mais fracas para os homens quadros que para os homens operários tais hipóteses são mais fortes para as mulheres muito diplomadas que para as mulheres pouco diplomadas A lógica social das alianças é tal que nenhuma correspondência 56 entre estes dois grupos de celibatários pode ser estabelecida Se o casamento é um bem social a exclusão dos homens mais pobres parece compreensível o seu valor profissional é demasiado fraco para poder ser objecto de troca no mercado matrimonial Para explicar o facto de o acesso à vida conjugal ser menos fácil para as mulheres mais dotadas dois argumentos devem ser avançados remetendo cada um deles directamente para os interesses em presença De Singly 1987 1 masculinos Os homens procuram evitar mulheres demasiado diplomadas intelectuais porque temem perder uma parte do seu poder no seio do casal 2 femininos Quando têm diplomas suficientes as mulheres procuram evitar o casamento que lhes impede o prosseguimento de uma carreira profissional dada a divisão do trabalho entre os cônjuges Um outro elemento intervém na produção social deste celibato é o desfasamento entre o calendário escolar e o calendário matrimonial desfasamento maior para as mulheres que para os homens Os investimentos nos estudos e nos inícios da vida profissional têm tendência para retardar a decisão matrimonial das mulheres Donde um desnível em relação à idade média do casamento mais jovem para o sexo feminino considerado no seu conjunto As representações sociais dão um sentido ao celibato Os anos 80 contribuíram para legitimar o celibato feminino ao encorajar a união em detrimento do casamento Alguns slogans vão nesse sentido O Verão a dois é natural A sua vida profissional correlhe bem mas isolao e já não lhe basta Estas declarações favorecem uma nova gestão da vida privada não excluindo a vida conjugal na condição de 57 ela não impedir nenhum dos parceiros de levar a sua existência como muito bem entender De Singly 1987 Mais ainda que os homens as mulheres celibatárias representam este ideal do individualismo enaltecido sobretudo pelas pessoas mais diplomadas na medida em que elas parecem ter escolhido essa situaçãocontrariamente aos homens 37 No séc XIX os celibatários são marginais que vivem na periferia de uma sociedade cujo centro é a familia Perrot 1987 Em contrapartida na nossa época a relação para com o celibato transformouse Com efeito a familia institucional já não ocupa um lugar central Os celibatários apresentamse como os mensageiros dos novos valores que regem a vida privada independência dos sentimentos e crítica da instituição matrimonial independência dos cônjuges e crítica da divisão sexual do trabalho F S Borie 1976 CentroPeriferia Em todo o sistema político moderno os lugares de exercício do poder estruturamse sempre num centro e numa periferia que são interdependentes e que se condicionam mutuamente A análise da articulação destes dois níveis e dos seus mecanismos de interacção por exemplo P Grémion 1976 para a França fornece um enquadramento conceptual útil e realista para a comparação dos regimes políticos ao permitir nomeadamente ultrapassar a oposição muitas vezes demasiado formal entre regimes centralizados e descentralizados e caracterizar de 58 maneira mais concreta a dinâmica da vida política e institucional E F Grémion 1976 Chicago escola de Nascida no seio do departamento de sociologia da Universidade de Chicago a escola da ecologia urbana conheceu o seu apogeu durante os decénios 1920 1930 Na sequência dos trabalhos empreendidos por W Thomas desde antes da Primeira Guerra Mundial sociólogos R E Park L Wirth e geógrafos E Burgess empenham se em descrever e em compreender as mudanças sociais e culturais consideráveis que acompanham o crescimento das cidades americanas e em primeiríssimo lugar de Chicago Os seus estudos de famílias de imigrantes as suas monografias de bairros as suas análises da delinquência e da marginalidade vão a par com uma reflexão teórica sobre os processos de desorganização e de reorganização que afectam tanto as atitudes individuais e os modos de vida como os espaços urbanos Analisam a cidade ao mesmo tempo como um sistema de indivíduos e de instituições em interdependência e como uma ordem espacial Os citadinos distribuemse no aglomerado em função de processos de filtragem de reagrupamento e de segregação que se fundam na diversidade das origens geográficas sociais ou culturais os reordenam e produzem novas diferenciações Os sociólogos da escola de Chicago inspiramse muito directamente na ecologia para caracterizar as relações entre grupos sociais por um lado e as transformações do espaço urbano invasão sucessão simbiose competição etc por outro Produto das actividades humanas o meio urbano 59 exerce em contraponto múltiplos efeitos sobre os comportamentos e as mentalidades O estudo dos grupos e das situações não exclui portanto uma reflexão de natureza mais antropológica sobre a personalidade citadina A cidade é ao mesmo tempo configuração espacial organização social e estado de espírito Só uma aproximação global permite compreender o seu funcionamento e a sua transformação Para além das fronteiras entre disciplinas o objectivo era portanto constituir uma verdadeira ecologia humana e mais precisamente urbana a fim de captar as relações do homem com o seu meio Os trabalhos da escola de Chicago influenciaram 38 a sociologia urbana principalmente nos Estados Unidos da América Y G Grafmeyer Joseph 1979 Ciclo Um ciclo é a flutuação de um fenómeno que se compõe de fases de expansão seguidas de fases de recessão de contracção e de retomada É em geral gerado por um efeito de retroacção negativa como no mais simples caso de um processo de ajustamento que põe em acção duas variáveis A e B em que A determina B e B por sua vez influencia negativamente A Um exemplo célebre é o modelo de Cobwed pelo qual o preço de um bem se estabelece teoricamente quando há equilíbrio entre a oferta e a procura desse bem De facto existe sempre um 60 desnível ou um atraso da procura em relação à oferta ou inversamente que dá origem a oscilações Noutros casos o ciclo é uma consequência da inversão da tendência que choca com um tecto ou um pavimento É o que se passa com a contracção demográfica que segundo T R Malthus é o resultado de uma pauperização gerada por um muito forte crescimento da população ou com um dos modelos paretianos da circulação das elites O ciclo é o primeiro modelo de evolução das sociedades que mais atraiu a atenção dos pensadores desde Hesíodo com variantes mais ou menos complexas encontramos geralmente descrita uma sucessão de fases de grandeza e de decadência das sociedades dinastias regimes políticos ideologias ou mais prosaicamente das modas tais como o vestuário ou a escolha do nome A regularidade do ciclo é explicada quer por causas exógenas que são elas próprias cíclicas quer por factores endógenos De uma maneira geral uma análise empírica das séries cronológicas faz com que apareçam mudanças que se dividem actualmente em quatro classes sendo cada uma delas a consequência específica de um conjunto de factores que actua independentemente dos outros tratase da tendência que é uma mudança da série para o crescimento a baixa ou a estabilidade cujos determinantes actuam sempre no mesmo sentido do ciclo propriamente dito das flutuações sazonais que se repetem periodicamente em cada mês ou em cada ano finalmente flutuações irregulares que são provocadas por acontecimentos importantes guerra catástrofe natural etc ou por uma infinidade de causas indetermináveis As economias distinguem três grandes categorias de ciclos os ciclos de Kondratieff têm uma 61 duração de 50 anos os de Juglar o mais próximo do ciclo dos negócios uma duração de 10 anos por fim os de Kitchin de 3 a 4 anos Quer sejam monetaristas não monetaristas ou psicológicas as teorias económicas dos ciclos desenvolvem sobretudo explicações por meio de variáveis endógenas M C Besnard Desplanques 1986 Malthus 1798 Pareto 1916 Schumpeter 1939 Sorokin 19371941 Cidade Uma cidade é um ajuntamento durável e relativamente denso de população num espaço circunscrito outrora muralhas separavamna do campo depois da transição dos arrabaldes actualmente os seus limites são muito mais indecisos obrigando o geógrafo e o sociólogo a complicar a sua nomenclatura centro periferia subúrbios zona urbana ao mesmo tempo cidade e campo cidade satélite megalópole bairro de lata etc 39 Bastié Dézert 1980 A cidade na sua forma tradicional já não é mais que uma malha um nó do tecido urbano Densidade de população significa geralmente mas nem sempre acentuação da divisão do trabalho complexidade e complementaridade das funções económicas e das ocupações profissionais diversificação dos estatutos sociais e das relações de classe acompanhadas muitas vezes de fortes clivagens ou até de lutas urbanas entre o povo gordo e o povo magro entre o poder e as minorias activas Predominando a urbanização que quer dizer proliferação do 62 tecido urbano e aumento da sua densidade média especialmente em favor das grandes cidades no séc XX mais ainda que no séc XIX o sociólogo é tentado por um lado a medir o seu impacte sobre as outras dimensões da vida social economia migrações progresso técnico estabilidade política religião etc e por outro lado adoptando a postura inversa a considerála não já como a causa mas como a resultante desses mesmos fenómenos sociais Nasceu dessa dupla preocupação uma literatura considerável M Halbwachs P Geddes W Sombart M Weber G Simmel R Park E Burgess etc Mantémse largamente descritiva com dificuldade em delimitar o seu objecto é de facto o conjunto do funcionamento social que se pode qualificar de urbano nos grandes países industriais onde o rural tende a reduzirse e a encolherse irremediavelmente Por isso parece realista atribuir um campo mais restrito à sociologia urbana limitandoa ao estudo dos actores sociais a sua origem as suas atitudes os seus comportamentos etc que desempenham um papel directo na elaboração funcionamento e crescimento do tecido urbano Nesta óptica a maioria dos trabalhos publicados em França desde os anos 60 inspirouse numa problemática marxista Lefebvre 1968 Apresentandose doravante a especulação predial e os investimentos imobiliários como um dos domínios mais remuneradores para o capitalismo bancário o conjunto dos actores interessados pela explosão urbana sofreriam a influência directa ou indirecta do capitalismo financeiro e das suas exigências a todos os níveis da vida social formação carreira ideologia etc Castells 1972 Esta sociologia atribui um lugar central aos movimentos urbanos nascidos 63 das contradições geradas pela especulação urbana O urbanismo esforço racional para adaptar a cidade aos seus habitantes sofreria igualmente o impacte da ideologia dominante A partir dos anos 80 este tipo de interpretação esbatese A sociologia urbana toma cada vez mais consciência da identidade dos desafios urbanos em todos os países industriais capitalistas ou socialistas Interrogase com uma crescente inquietação sobre as dificuldades enfrentadas pelas cidades do Terceiro Mundo que conhecem uma demografia galopante JR T Ciências sociologia das Constituída apenas por volta de 1940 com os trabalhos de R K Merton 1949 a sociologia das ciências propõese como objectivo estudar as ciências incluindo as ciências sociais e nomeadamente a sociologia enquanto elas constituem realidades sociais Esta proposição simples distinguea nitidamente de especialidades próximas como a história e a filosofia das ciências Mas pode ter sentidos diferentes correspondendo a ambições maiores ou menores Umas vezes é a actividade 40 dos cientistas enquanto actores sociais cooperando ou rivalizando segundo modalidades particulares em instituições específicas que está no centro da análise Outras vezes é a relação entre os cientistas e o conjunto da sociedade Outras vezes por fim são os próprios conhecimentos científicos no seu conteúdo e na sua 64 estrutura que se pretende submeter à análise sociológica Autores como É Durkheim 1911 M Weber M Scheler K Mannheim P A Sorokin reconhecem sem dúvida aos conhecimentos científicos uma qualidade de certeza absoluta e universal Merton 1949 Mas para além disso emitem a ideia de que os outros tipos de conhecimento e os pontos de vista dos actores sociais designadamente em matéria estética ética política ou religiosa são determinados pela sua posição na sociedade Essa interrogação constitui a sociologia do conhecimento É pelas suas relações complexas com ela que a sociologia das ciências pode mais comodamente definirse Lécuyer 1978 1988a De início tratase com Merton de uma ruptura temporária mas deliberada Ele encontra os fundamentos de uma inserção correcta da ciência na sociedade na noção de uma estrutura normativa da ciência A sociologia das ciências incide essencialmente durante este primeiro período sobre as disfunções introduzidas pelos desfasamentos dos comportamentos efectivos dos cientistas para com essas normas ideais Este sistema inicialmente estático tornase dinâmico com o princípio de prioridade só contam para o crédito de um investigador as descobertas ou inovações que ele é o primeiro a dar a conhecer T Kuhn 1962 traz elementos novos à análise de Merton Kuhn opõe as suas análises de historiador às do lógico e filósofo das ciências K R Popper 1934 Para este último o progresso dos conhecimentos científicos não assenta na demonstração do fundamento das proposições ou das teorias avançadas mas na demonstração da sua falsidade falsificação A ciência é para ele uma actividade essencialmente crítica Popper fala de revolução permanente e individual No seu livro 65 consagrado às revoluções científicas Kuhn 1962 interessa se paradoxalmente por aquilo que se passa entre cada uma delas durante os períodos que ele chama de ciência normal Durante esses períodos a ciência transmitese de maneira colectiva e dogmática pela via de paradigmas conjuntos estruturados de teorias e de savoirfaire aceites por uma dada comunidade científica A revolução científica intervém quando o paradigma se revela inadequado para resolver um número corrente de enigmas As duas noções associadas de paradigmas e de comunidade científica enriquecem consideravelmente os trabalhos sociológicos Com efeito os conhecimentos ou paradigmas têm um alcance local concretizado por grupos identificáveis de cientistas Inversamente a cõesão destes grupos assenta nos paradigmas Edge Mulkay 1976 Callon Latour 1982 Lemaine et al 1977 A partir de 1970 desenvolvese uma corrente nova a sociologia dos conhecimentos científicos Esta corrente pretende reatar com as ambições da sociologia do conhecimento ao estender as suas análises ao estudo dos conhecimentos mesmo científicos O núcleo duro do programa construtivista assenta no postulado segundo o qual os factos científicos não são o resultado de uma observação da natureza mas o de uma construção de natureza social 41 é o programa forte enunciado por D Bloor 1978 Nem todos os sociólogos do conhecimento científico adoptam a totalidade do programa de Bloor mas têm em comum 1 a preocupação de estudar a ciência tal qual ela se faz na sua 66 quotidianidade para além das racionalizações dos próprios lógicos e cientistas 2 a vontade de dessacralizar a ciência e de estudála como uma argumentação entre outras 3 a vontade de demonstrar que mesmo os conhecimentos científicos são susceptíveis de uma análise sociológica de natureza causal Estas preocupações renovaram o estudo das controvérsias científicas e o dos processos de interacção social que levam progressivamente os investigadores à elaboração de um facto científico Callon Latour 1982 A sociologia do conhecimento científico completou as outras tendências da sociologia das ciências Contra a influência até então predominante dos filósofos e dos lógicos das ciências ela contribuiu para fazer aparecer as afirmações produzidas pela actividade científica que pretendem ser conhecimentos válidos como menos seguras menos racionalmente fundadas mais dependentes do contexto social do que habitualmente se admite BPL Callon Latour 1985 Lécuyer Latour Callon 1986 Clã O clã designa um conjunto de indivíduos que se consideram saídos unilinearmente em linha paterna patriclã ou materna matriclã de um antepassado comum lendário ou mítico Essa comunidade de sangue exprimese por um nome genérico Vários clãs podem formar uma tribo várias tribos uma etnia Nas sociedades arcaicas o clã totémico é aquele cujos membros pertencem ao mesmo totem e respeitam os mesmos interditos matrimoniais e alimentares Mas a exogamia obrigação de procurar o seu cônjuge fora do seu grupo é sobretudo uma obrigação entre linhagens que constituem 67 elementos do clã de menor profundidade genealógica A pertença ao clã determina a transmissão da herança e de funções diversas rituais económicas políticas guerreiras etc Gera também um espírito de solidariedade activa como na Irlanda ou na Escócia do Norte onde se observam sobrevivências da organização clãnica apesar da sua abolição legal em 1747 Em sociologia a palavra clã designa um subgrupo que não se conforma inteiramente ao meio a que pretence clã político clã literário espírito de clã CR Adler 1982 Frazer 1910 Löwie 1937 Classe média No início do séc XIX designase assim a burguesia por oposição à aristocracia agrária que no plano político vive as suas últimas horas de classe dirigente As primeiras reflexões sobre a classe incidem sobre este grupo cujo conteúdo não cessa de alargarse a ponto de englobar a pequena burguesia independente e os empregados superiores Seguidamente e para numerosos autores como Marx a tomada em conta de uma classe média constitui problema porquanto se integra mal nos esquemas habituais da estratificação que reduzem a divisão da sociedade a duas grandes classes a burguesia que assimilou e depois suplantou a aristocracia e o proletariado que a revolução industrial remodelou completamente No seio do conglomerado constituído pelas classes médias é corrente distinguir dois subconjuntos 42 Lavau et al 1983 a pequena burguesia dita tradicional 68 que reúne os chefes das empresas artesanais ou comerciais aos quais se associa por vezes os camponeses abastados as novas camadas sociais constituídas por intelectuais quadros ou técnicos Durante o século passado mas bastante tardiamente a composição do grupo mudou no sentido esperado Os pequenos patrões perderam nomeadamente desde há quarenta anos mais de 20 por cento do seu efectivo ao passo que as categorias médias assalariadas sobretudo graças ao sector público mais que dobraram em número E se se incluir na estatística a parte mais qualificada dos empregados as camadas médias reúnem actualmente cerca de metade da população activa Será preciso ainda interrogarse sobre a pertinência do reagrupamento proposto Não residirá o seu único e verdadeiro denominador comum paradoxalmente na heterogeneidade dos índices de posição social que caracterizam cada uma delas A esta pergunta vários sociólogos procuraram dar uma resposta Pode avançarse à maneira de F Simiand 1929 que define as outras classes campesinato burguesia operariado antes de considerar que o que resta constitui a classe média Inspirandose neste exemplo mas numa perspectiva marxista C Baudelot et al 1974 caracterizam o grupo que denominam pequena burguesia Só a burguesia e o proletariado devem considerarse como classes propriamente ditas uma reunindo os possidentes a outra agrupando os excluídos da retrocessão da maisvalia Todos os autores partilham no fundo a ilusão de crer que basta conhecer as categorias extremas para que por defeito sejam definidas as camadas intermédias Recentemente Monjardet e Benguigui 1982 quiseram situar as camadas médias na intersecção dos eixos 69 que estruturariam as sociedades contemporâneas o das relações de classe à volta da oposição capitaltrabalho e o da relação entre o Estado e a sociedade civil A zona em que se cruzam os dois eixos seria o lugar de implantação dos aparelhos cujos agentes ocupam os lugares compreendidos entre as funções dirigentes e os empregos de execução A vantagem principal desta análise é fornecer elementos de apreciação positivos das camadas médias pelo menos das que se encontram no aparelho de Estado ou na empresa capitalista Mas ao excluir várias categorias cruciais de facto como os não assalariados os autores limitam demasiado a sua ambição ao mesmo tempo que confirmam a disparidade profunda das classes médias F G Revue Française de Sociologie 1983 1984 Classe social O termo é utilizado num sentido geral para designar todo o conjunto de indivíduos que manifestam características e comportamentos idênticos ou comparáveis Em sentido restrito a classe opõese às castas estados ou ordens marcados pela transmissão hereditária e uma fraca ou nula mobilidade social Designando as grandes linhas das divisões sociais o termo classe levanta questões essenciais concernentes à natureza dos grupos assim designados e das suas relações Por isso as teorias sociológicas não deixaram de trazer definições divergentes que correspondem às suas concepções próprias A obra de Marx é exemplar de uma concepção da classe social que pode qualificarse de realista Aron 1966 Em O Capital faz da relação de 70 43 propriedade a relação social determinante que opõe no modo de produção capitalista os proprietários dos meios de produção e os proletários detentores unicamente da sua força de trabalho Entre estas duas classes essenciais a classe média seria chamada a regredir em número e em importância política à medida do desenvolvimento da indústria e da intensificação da luta de classes A classe é assim de definida como o conjunto dos agentes colocados nas mesmas condições no processo de produção Marx não duvidava de que a luta económica devesse transformarse em luta política e numa revolução social que provoque o afundamento do modo de produção capitalista e o desaparecimento das classes A partir de 1831 Alexis de Tocqueville estudando a evolução da sociedade americana descobria pelo contrário um aumento da mobilidade social a extensão do individualismo a regressão dos fenómenos de classe Tocqueville 1835 M Weber opõe à concepção realista de Marx a crítica que ele próprio formula a respeito de toda a transformação dos colectivos em entidades em sujeitos A classe social não poderá ser confundida com uma realidade subjectiva que prossiga objectivos nem mesmo com uma comunidade efectiva Fiel a este princípio Weber propõe a análise não da classe considerada como uma realidade mas a situação de classe ou seja a probabilidade a possibilidade para indivíduos de manifestar interesses similares de possuir por exemplo um monopólio positivo ou negativo Nesta perspectiva o conceito de classe designa apenas o conjunto 71 das pessoas que se encontram na mesma situação ou em condições comparáveis Outros agrupamentos podem ser também socialmente importantes tais como os conjuntos de estatutos as comunidades ou os agrupamentos profissionais Entre estas duas posições opostas realista e nominalista numerosíssimas pesquisas teóricas propuseram que se definissem as classes segundo critérios opostos de diferenciação a divisão do trabalho social por exemplo o nível dos rendimentos a desigualdade de detenção dos poderes os tipos de vida os comportamentos culturais ou ainda as diferenças na hierarquia dos prestígios Também se propôs a diferenciação segundo os sexos retendo o termo classe sexual Balandier 1974 Estas diferentes concepções das classes sociais distinguemse assim pelo tipo de fenómenos que consideram como o mais importante para diferenciar esses agrupamentos Uma concepção estruturalista do espaço social que estuda os fenómenos de reprodução das posições sociais e das desigualdades propõese analisar os mecanismos e as estratégias de renovação das classes na sua hierarquia e na sua distinção Bourdieu 1979 A este estruturalismo genético atribuirseá também a tarefa de desvendar as estratégias pelas quais os agentes de diferentes classes portadores da sua cultura de classe renovam as diferenças e as distinções que os separam e os hierarquizam Neste sentido as classes sociais são definidas como o lugar das determinações essenciais dos comportamentos dos modelos de percepção e de acção de todos os agentes sociais Uma concepção dinâmica das sociedades globais que considera a sociedade como um sistema de acção Touraine 72 1973 propõe que se oponha a classe dirigente e as classes dirigidas Numa tal concepção a classe social encontrase definida pelas relações de poder pelos meios 44 de gestão dos quais ela será o actor ou o objecto A classe é então definida pelo lugar que ocupa no sistema de acção Uma concepção resolutamente individualista da sociologia Boudon 1979 apela a que se tomem como princípio de explicação as condutas individuais e as próprias razões dos indivíduos Numa tal perspectiva interrogarnosemos sobre os efeitos das posições nas opções individuais mas repudiando toda a concepção realista da classe P A Gurvitch 1966 Halbwachs 1938a Veblen 1899 Clientela Entre indivíduos desiguais do ponto de vista da riqueza do poder do estatuto estabelecemse relações ditas de clientela em virtude das quais o superior concede uma protecção ao inferior em troca de prestações determinadas pelo costume A clientela inscrevese em relações de dependência mútua assimétrica Ordenado à satisfação de necessidades o clientelismo definese como exigência da ajuda de outrem para existir plenamente o cliente mas supõe além disso uma fidelidade relativamente constante a clientela Na Roma antiga o cliente era a pessoa ou a família que se encontrava sob o patrocínio de um patrício de uma personagem altamente colocada ou então no caso de um liberto do seu antigo senhor Sob a monarquia os senhores 73 concedem vantagens aos que lhes estão devotados Nas sociedades industrializadas os clientes de um homem de negócios de um grande cirurgião de um político de uma celebridade do espectáculo esperam do seu patrono diferentes tipos de protecção mediante diferentes géneros de serviços O acordo muitas vezes tácito não é nem formal nem público e não tem consequências jurídicas No Terceiro Mundo as clientelas fundamse com frequência numa relação de parentesco de aliança ou de comum origem tribal C R Maquet 1970 Colectivismo Doutrina que propõe que se ponham em comum os meios de produção a partir da análise seguinte a produção industrial tem um carácter colectivo que choca contra a manutenção da propriedade privada É preciso pois para ultrapassar esta contradição que todos os cidadãos sejam proclamados coproprietários indivisamente Então a liberdade de cada um harmonizarseá com a liberdade de todos Na época de Marx o colectivismo é o caso de Bakunine por exemplo designa uma forma de sociedade fundada na associação e que se situa no oposto do comunismo centralizador dos marxistas Em 1869 no congresso de Bâle chamamse colectivistas aqueles que contra os lassallianos que defendem um socialismo autoritário e estatal enaltecem um socialismo libertário e federador Ora algumas décadas mais tarde a palavra é retomada em França num sentido muito diferente pois que receberá uma conotação marxista e tornarseá sinónimo de comunismo com o seguinte matiz o comunismo remete principalmente para a dimensão económica e o colectivismo 74 para a dimensão social da sociedade sonhada A A Comparativo método Pode ser definido como um processo cognitivo pelo qual nos esforçamos por compreender um fenómeno pela confrontação de situações diferentes em que ele aparece A comparação está no princípio de todo o conhecimento é de facto 45 por comparação que o homem adquire os pontos de referência indispensáveis à compreensão do mundo que o rodeia A comparação é a fortiori a postura universal de todo o conhecimento científico A este respeito a distinção de Durkheim entre a experimentação processo habitual das ciências exactas e a comparação substituto da experimentação nas ciências sociais não é de facto muito pertinente O químico e o físico procedem também eles a comparações entre as várias experiências que efectuaram A única diferença é que o físico pode provocar os fenómenos que compara ao passo que o sociólogo apenas pode comparar fenómenos que se produzem independentemente da sua vontade A sociologia só pode ser comparativa e metódica O método comparativo em sociologia confundese portanto com o método sociológico A abordagem comparativa em sociologia pode tomar formas diferentes A primeira atitude consiste pela comparação de situações concretas em analisar as diferenças em procurar os elementos constantes 75 em estabelecer os tipos Estas comparações podem ser internacionais intranacionais ou históricas Por exemplo procurando analisar o efeito da religião sobre o comportamento eleitoral poderseá comparar o voto em diferentes países católicos poderseá igualmente num mesmo país comparar o nível respectivo de prática religiosa e o comportamento eleitoral dos homens e das mulheres dos operários e dos quadros dos Normandos e dos habitantes de Auvergne poderseá finalmente comparar o estado do fenómeno no início da III República e nos nossos dias Todas estas tentativas que se aparentam à análise causal podem ser qualificadas de experimentações indirectas Este tipo de abordagem choca com duas dificuldades principais Em primeiro lugar o risco de sociocentrismo isto é a projecção pelo comparatista da lógica própria da sua cultura nacional e do sistema de valores do seu grupo social e a utilização de categorias analíticas por exemplo os conceitos de modernização de desenvolvimento ou de instrumentos de medida por exemplo o produto nacional bruto que não são necessariamente pertinentes para avaliar a situação de outras sociedades A segunda dificuldade inerente a toda a análise de tipo causal diz respeito ao alcance da experimentação indirecta como processo de validação Se avançando a hipótese de uma relação entre a urbanização e a criminalidade o investigador observa num certo número de casos concretos a presença simultânea dos dois fenómenos será sem dúvida levado a estabelecer entre eles uma relação de causa e efeito a considerar essa relação como uma explicação da criminalidade e a enunciar a observação dessas semelhanças sob a forma de uma lei No entanto uma tal relação só pode ser tida por verdadeira se 76 várias condições estiverem reunidas A presença de invariantes não pode ser considerada como uma prova suficiente das propostas avançadas O método comparativo não se limita entretanto à experimentação indirecta Para compreender a realidade observada podemos confrontála com um modelo teórico obtido por extensão de alguns traços essenciais o idealtipo weberiano corresponde a este tipo de aproximação Pode igualmente a partir de uma função que representa um sistema dado de relações compararse os estados sucessivos do sistema fazendo variar hipoteticamente o valor das variáveis ou a 46 forma funcional o que permite explorar o comportamento do sistema sob condições diferentes das condições observadas Qualificarseá este modo de proceder como quase experimentação D D Boudon 1973 Dogan Pelassy 1982 Durkheim 1895 Weber 1922a 1922b Comportamento colectivo Termo genérico que designa tipos de comportamento próprios de actores que sob a influência de uma convicção partilhada actuam por vezes de maneira concertada Estes tipos de comportamentos são em número de quatro 1 movimento de pânico 2 arrebatamentos fenómenos de moda e outras formas de entusiasmo colectivo 3 motins e outras formas de expressão de agressividade colectiva linchagens 77 perseguições 4 movimentos sociais O conceito confronta o sociólogo com duas espécies de dificuldades A primeira é de ordem terminológica a partir do momento em que se admite com É Durkheim que as maneiras de agir em sociedade não são de modo nenhum dependentes de cada vontade particular tomada à parte verificase que todo o comportamento social dotado de uma certa generalidade terá necessariamente um carácter colectivo Aspecto particular do comportamento social o comportamento colectivo deve pois ser distinguido do comportamento convencional que faz apelo a modelos sociais organizados de maneira estável A referência a um campo no qual as condutas não estão ou não estão ainda institucionalizadas N Smelser por exemplo pode portanto constituir um primeiro elemento na caracterização do fenómeno Nesta perspectiva a dinâmica do comportamento colectivo remete para as percepções motivações e expectativas dos actores A segunda dificuldade diz respeito à relação existente entre conduta e crença colectivas Porque têm a capacidade de reestruturar cognitivamente as situações incertas é suposto as crenças partilhadas desempenharem um papel decisivo Mas tais crenças não implicam necessariamente da parte dos actores a implementação de uma acção concertada Os movimentos de pânico são a melhor prova disso sem dúvida Inteiramente diferente é o caso dos movimentos sociais para os quais a implementação da uma acção concertada é uma condição imperativa As teorias individualista e utilitarista da acção colectiva lançaram uma dúvida sobre o alcance do paradigma do comportamento colectivo O debate pôs em evidência toda a 78 dificuldade que há em articular interesse e crença Nestas condições M Olson distingue os casos cuja análise depende do paradigma económico por exemplo os grupos de pressão dos casos em que a análise faz pelo contrário apelo a uma interpretação mais psicossocial por exemplo os movimentos colectivos de base irracional Uma tal distinção não se afigura muito pertinente os autores concordam actualmente em reconhecer que há no comportamento colectivo componentes ao mesmo tempo racionais e não racionais P M Smelser 1962 Stoetzel 1978 Thiec Treanton 1983 Turner Killian 1957 Compreensão Compreender é apreender a significação das acções humanas A definição sociológica desta noção 47 foi elaborada no decurso da controvérsia sobre a especificidade das ciências do espírito Geisteswissenschaften relativamente às ciências da natureza Para estas o objectivo é construir relações quantitativas sob a forma de uma lei matemática Para aquelas não basta pôr em evidência regularidades estatísticas nos comportamentos e mesmo prevêlos é ainda necessário interpretálos isto é perguntarse porque é que os homens agiram assim Compreender é reconduzir o fenómeno social às acções individuais e examinar os motivos dos actores colocandose no lugar deles A 79 sociologia compreensiva considera o indivíduo como a unidade de base porque ele é o único portador de um comportamento significativo É por abuso de linguagem que coisificamos as estruturas e os conceitos colectivos como o Estado ou as classes sociais Há três tipos de interpretação a que estabelece por revivescência o motivo a que o actor obedeceu a interpretação axiológica que põe em evidência os valores que guiaram os homens nas suas acções finalmente a interpretação racional ou teleológica que envolve a relação de meios a fim Se a compreensão é imediata ou evidente continua no entanto a ser uma hipótese que requer ser controlada por outros métodos M C Weber 1922a Comunicação de massa Conjunto das técnicas redes de transmissão equipamentos individuais e autónomos que permitem pôr à disposição de um público bastante vasto toda a espécie de mensagens seja qual for a sua forma ou finalidade A esta expressão os sociólogos americanos seguidos na maioria das vezes pelo uso na França preferem a de mass media A comunicação social reveste várias formas A primeira espontânea e não formalizada não parece obedecer a nenhuma outra regra que a do hábito social inscrevese no quadro das relações interpessoais É bastante limitada precária espontânea e prescritiva No outro extremo instituições regulam relações inter e intraorganizacionais entre as nações entre as cidades entre as empresas entre governantes e governados dentro de cada uma das organizações sociais e fora de cada uma delas A 80 comunicação institucionalizada define o regime económico social e político de que uma sociedade é dotada O que nos aproxima da communitas no seu sentido original a comunidade É entre estas duas formas da comunicação social que é preciso situar a comunicação de massa A sua singularidade é a de recorrer ao uso de técnicas mais ou menos sofisticadas e acessíveis para estabelecer a comunicação no seio da organização social ou para estabelecer e ampliar o diálogo entre os indivíduos ou os grupos que a compõem É verdade que a comunicação de massa participa também ela de uma certa cultura Mas praticamente não tem autonomia nem o equivalente a um princípio constituinte ocupa apenas esse espaço deixado vago pela comunicação interpessoal e pela comunicação institucionalizada com o risco de influenciar cada uma delas por sua vez Ela tornase assim aquilo que uma e outra conjuntamente permitem e querem que ela seja A atenção dos sociólogos concentrouse desde o advento dos grandes jornais diários no dealbar do séc XX no estudo da influência dos meios de comunicação de massa influência da imprensa da rádio e da televisão nos comportamentos ou nas atitudes de todos e 48 de cada um Antes de 1920 eles consideram os efeitos felizes da extensão à maioria desse privilégio para cada um de poder comunicar com todos graças à multiplicação dos livros e dos jornais O intervalo entre as duas guerras denuncia o aviltamento crescente da cultura e da sociedade uma e outra submetidas à influência dos novos meios de 81 comunicação de massa nomeadamente do cinema e da rádio T W Adorno um dos representantes da escola de Francoforte evoca essa barbárie estilizada em que desemboca na sua opinião a industrialização progressiva da cultura A sociologia das comunicações utiliza uma via radicalmente diferente com C Hovland e P Lazarsfeld alguns anos antes da Segunda Guerra Mundial Conduzido por ocasião da campanha de F D Roosevelt em 1940 o estudo de Lazarsfeld 1944 opõe um desmentido categórico às ideias sobre o voto dos refugiados Graças ao exame dos resultados de um inquérito por sondagens conduzido junto dos eleitores o estudo mostra que estes últimos acabam sempre por votar como os que os rodeiam aqueles com quem vivem Ao sublinhar a importância dos contactos pessoais sobre os indecisos o estudo identifica os guias de opinião verdadeiros intercessores entre os grandes media e o público O êxito deste estudo abriu o caminho a um florescimento de estudos sociológicos que confirmam as suas conclusões Desde 1960 multiplicamse as advertências contra a pretensão dos investigadores de dirimir a questão da influência dos media à força de inquéritos ou de observações fatalmente limitados Os ensaios de M Mac Luhan e de J Ellul a partir de 19621964 marcam profundamente a reflexão O professor Mac Luhan remete para o exame dos próprios media das suas características técnicas e da maneira como mobilizam os sentidos dos seus utentes a mensagem é o medium Ellul põe em dúvida a pertinência dos estudos americanos na sua opinião demasiado prisioneiros de uma visão mecanicista da acção dos media o propagandeado existe antes do propagandista 82 Remete para o exame da sociedade da sua organização e das várias condições que favorecem a vinda das propagandas Com o advento dos novos media interactivos a sociologia empenhase mais actualmente em considerar simultaneamente os sujeitos da comunicação os emissores e os receptores assim como o seu objecto que é sempre particular Graças a uma abordagem interaccionista ela descobre de novo que o importante é também aquilo que as pessoas esperam dos meios de comunicação de massa aquilo que deles captam e aquilo que pensam deles F B Moles 1967 Silberman 1981 Comunidade Primeiro considerada como uma totalidade uma entidade substancial que F Tönnies 1887 opôs à sociedade a comunidade é hoje encarada como um conjunto de relações sociais complexas cuja natureza e orientações são examinadas em enquadramentos específicos religioso económico científico etc Nos seus inícios o estudo das comunidades não esteve isento de segundas intenções políticas A intenção reformista é evidente na França em F Le Play e nos seus seguidores e de uma maneira geral na Europa Stahl 1939 não está totalmente ausente dos trabalhos efectuados por W L Warner e 49 P S Lunt 19411959 depois por W H Whyte nos Estados Unidos da América onde o desenvolvimento da análise psicossociológica foi também acompanhado da procura de 83 um ideal de integração social Mas quer se trate de unidades rurais ou urbanas de aldeias ou de bairros a sociologia das comunidades viuse confrontada com diferentes problemas primeiro de definição Hillery catalogou perto de uma centena de método também dificuldade de observação participação e ainda de referência teórica nem as comunidades camponesas nem as comunidades familiares oferecem um modelo satisfatório para explicar todos os processos de participação de institucionalização e de organização B V Comunismo No sentido mais geral o comunismo designa uma organização económica e social da sociedade fundada na propriedade colectiva O comunismo tende actualmente a identificarse com o projecto de uma sociedade futura liberta dos conflitos de classes pelo desaparecimento destas graças à abolição da propriedade privada dos meios de produção Mas não poderá esquecerse que o termo designou igualmente uma forma postulada como originária da história dos homens Assim se vê a estranha estrutura das filosofias da História onde o que está no fim estava já no começo e onde a palavra revolução tem a ambiguidade dos seus dois sentidos o sentido que tem em história advento do novo e o sentido que tem em astronomia retorno cíclico do mesmo Fazer uma enumeração das teorias utópicas do comunismo seria fazer a história das ideias desde o Renascimento Longa seria a lista que conduz a 1848 quando é publicado o Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels e que começa uma outra história a dos grandes movimentos 84 sociais e políticos ou das místicas que neles se dissimularão A A Conflito Os conflitos são as manifestações de antagonismos abertos entre dois actores individuais ou colectivos de interesses momentaneamente incompatíveis quanto à posse ou à gestão de bens raros materiais ou simbólicos Podem fazer com que se confrontem Estados guerras ou no seio de uma mesma sociedade grupos religiosos nacionais ou étnicos classes sociais ou quaisquer outras instituições sociais Igrejas partidos empresas organizações e associações diversas No seio de uma mesma colectividade família sindicato podem pôr em confronto categorias de indivíduos de estatutos e funções diferentes Os conflitos sociais quaisquer rivalidades colectivas declaradas por motivos políticos económicos ou sociais de intensidade e violência variáveis do debate científico à revolução política passando pela greve ou pelo lockout pelo motim e pela guerra civil não são no entanto consequências necessárias das condições objectivas que lhes dão origem só aparecem na medida em que um dos parceiros quer impor a sua vontade contra a resistência do outro Para a tradição marxista o conflito está inscrito na própria natureza do social e procede do carácter essencialmente contraditório das relações sociais de produção Os conflitos sociais historicamente importantes são portanto reduzidos todos eles a conflitos de classes definidos pela propriedade ou pela não propriedade dos meios de produção 50 85 e desembocam inexoravelmente nas revoluções que transformam a organização económica política e social Marx 1848 Além de pôr em evidência o aspecto estrutural dos conflitos sociais e o seu papel na mudança social Marx mostra também a necessidade para que contradições objectivas gerem conflitos da tomada de consciência pelos actores dos seus interesses colectivos de classe Contudo podemos facilmente denunciar em Marx à semelhança de R Dahrendorf 1957 a redução dos conflitos sociais aos conflitos de classes e destes últimos aos conflitos de propriedade Em primeiro lugar a evolução do capitalismo mostra que a propriedade e controlo dos meios de produção podem dissociarse e que é este último que constitui a parada dominante dos conflitos de classes em seguida os conflitos sociais não têm como autores unicamente as classes em toda a associação é a distribuição necessariamente desigual da autoridade que cria as suas condições essenciais O conflito de classes não seria portanto mais que a consequência da sobreposição dos diferentes conflitos que opõem os diferentes grupos de interesses por isso a análise deveria partir do fenómeno da repartição dicotómica da autoridade em cada um dos sectores da sociedade e não da sociedade global No pensamento funcionalista clássico os conflitos sociais testemunham antes um disfuncionamento dos sistemas de regulação pelos quais é assegurado o consenso sobre as normas que dirigem a acção e sobre os valores que a orientam É Durkheim 1893 vê neles o efeito patológico de um enfraquecimento da solidariedade social quando a anomia consecutiva às crises da mudança social substitui a cooperação pela concorrência por falta de regras colectivas 86 que se imponham aos actores sociais Este modo geral de análise tem o mérito de mostrar que a ordem social resulta de uma institucionalização das normas e dos valores próprios para prevenir conflitos de interesses sempre latentes e que as divergências ou oposições de interesses só se transformam em conflitos em função da interpretação pelos actores Além disso o funcionalismo moderno sublinha os numerosos contributos positivos do conflito em particular pelo reforço da integração dos grupos sociais envolvidos e pela instigação da mudança social Coser 1956 A aplicação da teoria dos jogos à análise dos conflitos sociais Schelling 1960 mostra que estes são na maioria das vezes jogos de soma não nula ou mistos na medida em que a oposição dos interesses raramente é total A estrutura de interdependência das expectativas impõe aos protagonistas portanto um certo grau de cooperação que leve cada um a elaborar a sua estratégia em função dos objectivos do outro Assim no domínio do trabalho G Adam e J D Reymaud 1978 analisam o conflito como o prosseguimento da negociação por outros meios Estes autores afirmam que o conflito pode constituir um processo perfeitamente racional de mudança social com efeito quer respeite as regras institucionalizadas jogo fixo quer venha a violálas jogo deslizante todo o conflito tem por objecto mudar as relações de força no campo social CH C Conformismo Adesão consciente ou não aos valores normas e comportamentos predominantes no grupo de pertença ou de referência O conformismo opõese ao desvio 87 51 ainda que o hiperconformismo possa ser considerado como uma forma de desvio o recémchegado com excesso de zelo será geralmente objecto de sanções O conformismo é um tema recorrente ou implícito de toda a sociologia A psicossociologia experimental estudou em laboratório de maneira elementar mas precisa a tendência para o conformismo As experiências de S Ach sobre a percepção puseram em evidência a pressão para a uniformidade de juízo que uma maioria unânime exerce sobre um sujeito ingénuo As muito espectaculares experiências de S Milgram 1974 revelaram a importância da submissão a uma maioria sobretudo quando ela parece caucionada por uma autoridade científica Mas pode também haver influência recíproca como mostrou a experiência clássica de M Sherif sobre a formação das normas A normalizaçãom das respostas face a um estímulo ambíguo traduz uma tendência para o ajustamento mútuo na interacção entre os sujeitos que pode compreenderse como uma estratégia de evitamento do conflito PH BD Doise ec al 1978 Leyens 1979 Conhecimento sociologia do Esta subdisciplina pode definirse por um programa explicar certas ideias teorias mais em geral certos produtos mentais a partir de variáveis sociais O programa é definido e assente na herança baptismal por K Mannheim 1929 Neste autor ele apoiase numa distinção entre duas espécies de ideias as ideias que 88 podem ter pretensões à verdade ou a uma validade universal como as proposições matemáticas por exemplo e as que não o podem e que no entanto não têm qualquer razão para serem consideradas como arbitrárias Assim certas normas morais podem ter um sentido num dado contexto mas não num outro É o caso das regras referentes por exemplo ao empréstimo a juros é frequentemente considerado como imoral nos sistemas caracterizados por uma economia de subsistência e como moral nas economias de troca O papel da sociologia do conhecimento é num caso como aquele explicar essa relação Para Mannheim a zona de jurisdição da sociologia do conhecimento coincide com o conjunto das ideias do segundo tipo Exclui portanto em particular do seu domínio o conjunto das ciências Mannheim não faz de resto mais que retomar precisandoas certas ideias de Marx O projecto da sociologia do conhecimento encontrase de facto em estado implícito em Marx que também ele tinha proposto procurar a origem social dessas ideias que ele reagrupava na categoria da ideologia Como mais tarde Mannheim Marx tal como F Engels precisa no entanto várias vezes que a ciência e em larga medida o direito e a arte devem ser concebidos como tendo uma capacidade de desenvolvimento autónoma e liberta dos determinismos sociais Assim nestes autores clássicos sociologia do conhecimento e epistemologia são tratadas como disciplinas complementares A primeira não é considerada como tendo vocação para absorver a segunda É indispensável precisar este ponto porquanto há também uma segunda forma que se pode chamar maximalista da sociologia do conhecimento segundo a qual nenhum produto mental é excluído da jurisdição desta disciplina Este 89 programa maximalista é por vezes proposto por neomarxistas como 52 L Goldmann 1967 mas acompanha com frequência de maneira imediatamente compreensível as epistemologias de tipo relativista Assim a partir do momento em que como os convencionalistas do início do século se analisam as verdades científicas como convenções seguese daí que as ciências caem no seu conjunto sob a jurisdição da sociologia do conhecimento porque à pergunta epistemológica em que é que tal teoria é preferível a tal outra substituise então a pergunta porque é que tal sistema de convenções é preferível a tal outro Esta concepção relativista do saber científico vai reaparecendo regularmente ao passo que a sociologia do conhecimento maximalista regressa por seu turno de maneira periódica como actualmente em B Barnes 1974 ou D Bloor 1980 entre outros Em geral este programa maximalista é considerado excessivo Assim é de facto verdade que os Gregos interpretavam a irracionalidade de 2 de maneira diferente de hoje e que viam nisso a prova de que as grandezas e os números constituem dois universos diferentes o que não podiam deixar de fazer em virtude da sua definição da noção de número Mas para além desta diferença de interpretação a proposição segundo a qual esta quantidade não pode ser a solução de nenhuma equação de tipo pq com p e q inteiros é uma verdade absoluta tanto para eles como para nós Porque se é verdade que todas as ideias são de origem social algumas mantêmse e são aceites porque são verdadeiras É possível como pensa A Koyré 90 que o dogma da encarnação tenha facilitado o aparecimento e a difusão de uma concepção heliocêntrica do mundo Mas não podem menos prezarse as vantagens desta concepção heliocêntrica quanto à crítica racional O programa maximalista que é sociologista mais que sociológico contribuiu em cada um dos seus rodeios para desacreditar a sociologia do conhecimento pelos seus próprios excessos Mais útil é a sociologia do conhecimento quando procura compreender não porque é que a proposição 224 é captada como verdadeira mas porque é que todas as espécies de ideias frágeis duvidosas ou falsas são concebidas como verdadeiras Por outras palavras quando se interroga sobre o ponto de saber porque é que uma teoria uma ideia etc que não se defende por si própria pelo seu carácter verdadeiro válido ou irrecusável pode no entanto ser captada como tal A este respeito podem distinguirse dois tipos de teorias que representam as respostas mais frequentes a esta questão As que fazem dessas divagações o produto da intervenção de causas irracionais como os sentimentos no sentido de V Pareto 1916 os interesses de classe no sentido da tradição marxista a influência da sociedade no sentido de É Durkheim sobre as crenças colectivas ou mais vulgarmente o fanatismo ou a paixão Estas teorias revestem um certo poder explicativo Mas é indispensável ver também a importância das teorias que tentam mostrar que em muitos casos essas crenças explicamse por boas razões mesmo quando elas parecem à primeira vista estranhas ao observador É essa com muita frequência a perspectiva de Marx de M Weber ou de Mannheim Para estes autores a adesão do actor a interpretações ou a crenças que podem parecernos 91 surpreendentes explicase muitas vezes pelo facto de sobre certos assuntos não poder haver verdade objectiva e de sobre outros 53 sob a influência das necessidades da vida o actor ter de concentrarse com verdades aproximativas que ele capta como credíveis com base em critérios razoáveis mas que a lógica desaprova R B Merton 1949 Consciência O termo consciência é pouco utilizado sem qualificativo em sociologia Assim falarseá de consciência colectiva na esteira de É Durkheim para designar o conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade Numa tradição hegelianomarxista utilizarseá o termo falsa consciência a propósito do estatuto ideológico da alienação capitalista e o termo consciência de classe sem dúvida para qualificar o sentimento de pertença de um agente social a um grupo económico determinado mas sobretudo para denominar essa consciência particular que é a consciência de classe do proletariado consciência que é ao mesmo tempo particular e interessada e universal Se todo o sociólogo parte da verificação de que a consciência que os sujeitos sociais têm da sua acção não é ciência não resulta daí um acordo geral sobre o estatuto da consciência Para os principais dentre eles a consciência deve ser compreendida como verdadeira a partir do momento 92 em que ela se liga à maneira como um agente social calcula os seus interesses Para outros há uma dimensão ontológica da consciência falsa e isto a partir de pressupostos tirados da teoria marxista das ideologias A A Consenso Acordo explícito ou tácito dos membros de um grupo ou de uma sociedade sobre certas instituições sociais o consenso representa a dimensão coesiva dos sistemas sociais Pode incidir sobre valores regras ou decisões comuns A Comte 18301842 vê nele a condição essencial da ordem social resultando da assimilação das consciências individuais entre si na que É Durkheim 1893 chamará consciência colectiva estabelece a preeminência do conjunto sobre as partes Todavia nem todo o consenso provém de uma pura e simples adesão a valores interiorizados pelos actores pois que pode também caracterizar sociedades de forte heterogeneidade cultural Procede então mais de um alto grau de aceitação das regras comuns e de vontade de resolver os conflitos Também não é redutível ao fruto unicamente do contrato entre indivíduos Pode com efeito Hirschman 1970 ser afectado pela conduta dos membros protestatários de um grupo ou pelo destino que lhes é dado Estes membros protestatários ao entrarem em dissidência ou ao serem excluídos poderão restabelecer o consenso ou reforçá lo dentro do grupo mas o consenso pode também ser reforçado pela intervenção contestatária voice de certos membros CH C Shils Young 1953 93 Conservadorismo O conservadorismo é uma doutrina política e social que se constitui pela defesa da ordem tradicional das nações europeias é um tradicionalismo tornado consciente K Mannheim por oposição à Revolução Francesa mais em geral ao projecto político moderno Os temas fundamentais da doutrina conservadora foram elaborados e fixados pelos pensadores da Contra Reforma E Burke J de Maistre L de Bonald Por 54 outras palavras o pensamento contrarevolucionário definiu as três críticas fundamentais que o pensamento conservador não deixará de fazer à modernidade 1 Uma crítica epistemológica a razão é exterior ao indivíduo As pretensões da Razão moderna não são mais que a manifestação de um orgulho insensato A sabedoria ensina a modéstia a submissão à experiência acumulada na tradição oue à vontade da Providência 2 Uma crítica política o poder justo é exterior aos indivíduos A democracia sapa a verdadeira autoridade política que deve conter controlar as paixões humanas O poder legítimo é aquele que se liga a uma origem transcendente 3 Uma crítica sociológica a boa sociedade não é um agregado de indivíduos mas uma comunidade viva e ordenada O individualismo moderno é inapto para fundamentar uma sociedade sólida e condena o homem a ser o soberano da sua própria desgraça F Lamennais Na raiz desta oposição fundamental às ideias modernas há a 94 convicção de que o homem é um elemento de alguma coisa que o ultrapassa e que ele deve submeterse à ordem da Criação e à sabedoria da história Pensar a sociedade o mundo a partir do indivíduo é desistir da condição humana PH BN Mannheim 1953 Nisbet 1986 Consumo A alimentação o vestuário o alojamento a saúde os transportes e os tempos livres definem cada um deles um domínio do consumo É claro que nem todos os lares repartem as suas despesas da mesma maneira por cada um destes sectores A alimentação ocupa uma parte do orçamento tanto mais fraca quanto o nível das despesas totais é mais elevado Em 1856 E Engel estabelece essa lei ao examinar o orçamento médio dos lares consoante o seu nível de recursos Berthomieu 1966 Essa formulação estabelecida a partir de dados coligidos por E Ducpétiaux e comprovada seguidamente por numerosos outros inquéritos sobre os gastos encontra de imediato um enorme sucesso entre as administrações encarregadas de informar os poderes públicos sobre a evolução do nível de vida e de prever a evolução do consumo Stigler 1954 O rendimento e o preço relativo dos bens vendíveis são os dois factores principais retidos pelo economista para explicar as disparidades instantâneas entre os diferentes orçamentos e a evolução da sua estrutura no tempo Quanto aos gostos considerase que sejam homogéneos e estáveis O estudo sociológico do consumo chama de preferência a atenção para a heterogeneidade social das preferências e das suas transformações 95 As especificidades do consumo estão em função das normas sociais dos valores do grupo ou da sua cultura M Halbwachs 1913 estabelece que com rendimento igual as famílias operárias gastam sistematicamente menos para o seu alojamento que os empregados Em contrapartida a alimentação ocupa no seu orçamento um lugar desproporcionado Seguramente as famílias numerosas são frequentes no meio operário Mas a dimensão no grupo familiar não basta para explicar a especificidade do orçamento operário A alimentação deve uma parte da sua importância ao facto de por ocasião das refeições o grupo familiar cumprir um acto ritual onde se exprimem valores comuns Os trabalhos ulteriores de sociologia empírica afastamse pouco desta abordagem Chombart de 55 Lauwe 1956 Bourdieu 1979 Entretanto entram no pormenor dos consumos e fazem variar a definição dos meios sociais Os estilos de consumo diversificamse tanto mais quanto os recursos disponíveis são mais elevados Em contrapartida quando os gastos são descritos em cinco ou seis grandes agregados a repartição em partes orçamentais evolui para a uniformidade Esta tendência geral aparece nos estudos longitudinais do consumo L LévyGarboua 1983 estabelecea quando compara a evolução dos orçamentos familiares nos países europeus e nos Estados Unidos da América Uma comparação dentro de um país como a França chega a conclusões similares Herpin et a 1987 o crescimento económico aproximou a estrutura orçamental 96 das várias categorias socioprofissionais Com base em dados de longo prazo a abordagem económica parece portanto levar a melhor sobre a dos sociólogos a hierarquia das necessidades não parece fundamentalmente afectada pelas tradições dos meios sociais O crescimento não torna necessariamente o consumidor mais satisfeito Com efeito as necessidades não serão menos bem e não tão bem satisfeitas quando o constrangimento orçamental se alivia e são acessíveis mais produtos Esta consequência do crescimento constitui um paradoxo para a abordagem neoclássica do consumo O economista T Scitovsky 1976 explica esta observação pelo facto de o consumidor consagrar uma parte cada vez maior dos seus recursos à preservação do seu conforto e cada vez menos a renovar ou a alargar as suas experiências Para A O Hirschman 1982 o cansaço do consumidor é uma consequência do próprio êxito do consumo ele desinteressa se da sua vida privada e voltase para a acção colectiva O movimento pendular deveria ulteriormente levar o militante a cansarse da acção colectiva e fazer redescobrir ao cidadão as delícias do consumo N H Contágio Difusão Conteúdo análise de O significado de um texto seja ele qual for não é dado constróise B Berelson 1952 estabeleceu as regras dessa construção A análise de conteúdo é uma técnica de investigação para a descrição objectiva sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto das comunicações que tem por fim interpretálas O seu 97 objectivo em reacção contra a análise literária de texto é o rigor Dois investigadores que trabalham sobre o mesmo texto deveriam chegar ao mesmo resultado O texto será dividido em unidades de significação palavra frase parágrafo e estas unidades classificadas em categorias lexicais semânticas ou sintácticas estritamente definidas Estas categorias serão exaustivas homogéneas exclusivas uma da outra serão objecto de um tratamento estatístico Foram feitas numerosas críticas a este processo Ele atém se ao conteúdo manifesto isola os elementos do seu contexto e liga o sentido à frequência O desenvolvimento dos vários ramos da linguística permitiu afinar as categorias utilizadas A análise automática do discurso de M Pêcheux 1969 os trabalhos de A J Greimas 1979 inspirados por Myrhologiques de C LéviStrauss a abordagem sintáctica de R Ghiglione R Matalon e N Bacri 1985 são disso testemunho E os progressos da informática tornaram as técnicas de contagem mais sofisticadas como o mostram 56 as análises lexicométricas conduzidas na escola normal superior de SaintCloud tomando em linha de conta tanto como a frequência a ausência ou as coocorrências dos elementos do texto A escolha de uma técnica de análise depende da natureza do texto canções artigos de imprensa e colóquios não directivos não se analisam da mesma maneira Depende também do objectivo do investigador um gramático um psicólogo e um sociólogo analisarão diferentemente um mesmo texto Mas debaterseá sempre com o mesmo 98 dilema A ferramenta logicomatemática é pobre para exprimir a riqueza dos usos da língua e das suas significações Mas sem ela a análise de conteúdo está condenada muitas vezes a não ser mais que uma metalinguagem que parafraseia o texto estudado até ao infinito Bon 1977 sem outro critério de validade para além da sua exaustividade e da sua coerência interna N M Bardin 1977 Ghiglione Beauvais Chabrol Trognon 1980 Henry Moscovici 1968 Contracultura Designamse geralmente por este termo assimilandoos sumariamente os fenómenos de dissidência cultural que ao longo dos anos 60 e 70 se produziram no seio da juventude americana abastada antes de se estenderem à da Europa Ocidental Sem unidade real movimentos de contestação de marginalização de libertação manifestaram então uma oposição mais ou menos radical aos processos de integração sociocultural nomeadamente escolar e universitária Contra as normas instrumentais apelouse à expressão de novos valores da recusa de todas as formas de alienação passouse à ruptura com o sistema cultural que os reproduz a fronteira que separa o privado do público o normal do patológico o permitido do proscrito foi deslocada ou eliminada Se algumas correntes evoluíram em razão da conjuntura internacional Guerra do Vietname para a radicalização política outras foram aspiradas por um hedonismo vago e quiseram promover contra a cultura apanágio de um escol novos modos de pensar e de comunicar A velha exigência de autenticidade e de maior transcendência nas relações 99 interpessoais encontrase neste protesto colectivo A contracultura contemporânea de que H Marcuse foi um dos principais inspiradores apresenta afinidades com dissidências passadas os socialismos utópicos do séc XIX particularmente B V Contrato Forma de relação que estabelece obrigações entre partes contratantes que actuam de sua própria vontade o contrato tem de facto a ver com uma reflexão sociológica preocupada em compreender os elementos constitutivos das relações sociais O contrato é assim uma variedade de permuta cuja génese e evoluções a antropologia contribuiu para reconstituir Mauss 1950 LéviStrauss 1950 interessandose a sociologia em mostrar em que ela era correlativa de certos tipos de solidariedades e de organização sociais Durkheim 1893 Gurvitch 1932 O contrato é revelador dos mecanismos sociais em acção na gestão dos interesses privados da sujeição desta à vida em sociedade da procura permanente da compatibilidade com o interesse geral da sociedade No Século das Luzes as relações sociais podiam ser concebidas com base no modelo do contrato 57 a sociedade liberal como uma sociedade de contrato Mas a este modelo político da ordem social e da autoridade política viria progressivamente a substituirse um outro modelo em que se afirmava de maneira crescente a autoridade do Estado sobre os actos estabelecidos pela vontade dos indivíduos É 100 um renovo da ideia de contrato que parece no entanto dever observarse no período recente Pode assim conceberse uma sociologia das práticas contratuais particularmente nas relações privadas Mas o sentido geral destas práticas só pode ser encontrado na análise das regulações da sociedade global inspirandose sem dúvida naquilo que pode dizer nos uma sociologia das racionalidades políticas em acção Ewald 1986 J CE Convicção ética da Segundo M Weber há uma antinomia entre a ética da convicção Gesinungsethik e a ética da responsabilidade Verant wortungsethik A primeira fundamenta a acção do indivíduo num valor sem tomar em consideração as consequências a segunda encara a acção unicamente segundo a relação entre meios eficazes e fins prosseguidos O pacifista que recusa ir à guerra em conformidade com a sua consciência e com uma representação global do mundo é incontestável enquanto ele acreditar que assim pode mudar o mundo O político que para atingir um objectivo nacional utiliza meios eficazes mesmo reprovados pela moral age segundo a ética da responsabilidade M C Weber 1921b 1922b Cooperativo movimento Nascidas na primeira metade do séc XX no prolongamento das teorias de C Fourier em França e de R Owen na GrãBretanha as cooperativas constituíram um meio de organização e de defesa dos trabalhadores fundado no conceito de autogestão Além dos 101 objectivos propriamente económicos o movimento cooperativo desempenhou muitas vezes o papel de uma mutualidade de um sindicato e de uma universidade popular Actualmente o movimento cooperativo fez questão em conservar uma missão de educação social Dividese em duas grandes categorias as cooperativas que agrupam os produtores para o fabrico eou escoamento da produção cooperativas agrícolas artesanais operárias de produção de serviços comunidades de trabalho e as cooperativas que agrupam os consumidores ou utilizadores cooperativas escolares de consumo de crédito Ainda que o movimento cooperativo não constitua em parte nenhuma um modelo dominante ele representa de facto um modelo original uma espécie de terceira via em que a motivação militante leva a melhor ou seja ao mesmo tempo a convicção e a democracia Agrupado numa Aliança Cooperativa Internacional o movimento cooperativo foi solicitado a dar o seu contributo para participar no esforço de descolagem económica dos países em vias de desenvolvimento Y C Desroche 1976 Lasserre 1978 Coorte Conjunto de indivíduos que viveram no decurso do mesmo período um acontecimento fundamental da sua história como por exemplo o nascimento o casamento o fim dos estudos a entrada no mercado do trabalho etc Por exemplo o grupo das mulheres nascidas no Vaucluse entre 1945 e 58 102 1949 constitui uma coorte A análise por coortes é o estudo quantitativo para um grupo assim definido da ocorrência de cenas características através do tempo A comparação entre coortes permite nomeadamente apreciar os efeitos respectivos do ciclo de vida e de pertença a uma geração D D Corpo A maior parte das práticas sociais põe em acção o corpo gestos de trabalho movimentos cuidados corporais É M Mauss 1936 que apresenta a primeira sistematização dos factos corporais definidos como técnicas do corpo Mais tarde observarseão igualmente as representações ao corpo recalcado do ascetismo tende a substituirse a imagem do corpo liberto e sacralizado promovida pelos media Mantêlo em forma constitui uma aposta social aprender a apresentarse bem modificar a sua configuração dietas cuidar da sua aparência vestuário e cosméticos não têm o mesmo sentido consoante o sexo as classes sociais e as gerações Bourdieu 1979 O corpo é também produtor de informações muitas vezes implícitas confiança defesa prudência necessárias à interacção Goffman 1956 Vêse melhor actualmente a motivação das práticas desportivas a sua extensão ligada à procura de bemestar e das terapêuticas construção não médica dos sintomas medicinas alternativas o que suscita interrogações sobre a nova alienação do corpo contemporâneo Berthelot et al 1985 M D Loux 1979 Corporativismo Princípio de organização do mercado do trabalho que assenta nos agrupamentos profissionais ou de 103 ofício por exemplo os marinheiros os funcionários os médicos Por extensão o termo designa toda a intervenção tendente a promover os interesses de uma profissão ou a reforçar as regras que a regem condições de entrada e de saída desenrolar das carreiras ajustamento da retribuição às tarefas sujeições e responsabilidades A noção vem do Antigo Regime que com a concessão dos privilégios tinha organizado o acesso aos ofícios Por assimilação qualificouse de corporativista o regime de Vichy que pretendia abolir a luta de classes em favor de sistemas de cooperação sectoriais Falase de neocorporativismo a propósito da regulamentação de ordem pública negociada entre o Estado o patronato e os sindicatos A esta luz o corporativismo não é redutível às estratégias dos grupos que defendem situações de monopólio A acção das coligações profissionais é indissociável dos mecanismos e da regulação sociopolítica Ela contribui por outro lado para a produção e para a defesa das identidades colectivas Segrestin 1985 D SN Costumes Que há dissemelhanças na maneira de ser de viver e de sentir assim como nos costumes comportamentos e práticas de todas as espécies dos vários povos e nas diferentes épocas não é uma ideia recente Os costumes observados por Heródoto não são os dos Gregos ou dos Romanos Montesquieu Voltaire Rousseau põem em evidência os factores que exprimem e regem a variedade dos costumes das nações e a diversidade do seu desenvolvimento Enfim a sociologia como ciência entende estabelecer leis gerais da sociedade Avança o princípio de 104 que existe uma natureza social sujeita a leis como a natureza 59 física O seu objecto é reconhecer hábitos colectivos e as transformações pelas quais eles passam Fundada no método histórico comparativo como a linguística ou o estudo das religiões confundese de algum modo com aquilo a que É Durkheim e L LévyBruhl chamaram física dos costumes ou ciência dos costumes Cada indivíduo encontra ao nascer costumes fixados em instituições familiares domésticas económicas religiosas ou políticas que se lhe impõem e lhe apontam regras de conduta modelos a imitar em linguagem actual dos valores normas interiorizadas Transmitidos pela educação sem que tenha necessidade de tomar consciência deles pode transgredilos mas não ignorálos Constituem morais práticas variáveis no tempo e segundo as épocas A sociologia científica investiga a maneira como eles se constituíram ao longo da história e como é que os indivíduos os aplicam O seu conhecimento permite esperar que sejam melhor compreendidos e aplicados igualmente a todas as necessidades da vida social Não congelados mudam porque as etapas dos progressos modificam as suas condições do exercício A ciência dos costumes deve permitir orientar melhor as suas transformações e até edificar uma sociedade menos imperfeita Tratase de um ideal acerca do qual podemos interrogarnos se será de facto plenamente realizável A G Durkheim 1950 Fauconnet Mauss 1901 LévyBruhl 1903 105 Crença Denominarseão crenças as proposições formuladas ou não a que um indivíduo ou um grupo dá um assentimento perfeito e que tem por verdadeiras mesmo quando a prova da sua verdade não tem a ver com uma lógica de tipo científico A partir do momento em que estas crenças emergem da simples convicção vivida os indivíduos tendem a estabelecer a sua autenticidade numa dupla direcção psicológica racionalizandoas social preservandoas por montagens institucionais de ascendente mais ou menos forte que se vêem assim elas próprias fortalecidas Deconchy 1980 Entre os inventários formais de crenças é preciso citar o de M Rokeach 1969 que distingue cinco tipos as crenças primitivas de consenso máximo a felicidade é um estado desejável as crenças primitivas de consenso mínimo a criança mimada que pensa que ninguém gosta dela as crenças que incidem sobre a autoridade e os seus direitos de personagens reais ou míticas as crenças derivadas ou transmitidas que só se aguentam porque dependem de uma tradição as crenças anedóticas aquilo a que poderiam chamarse as matérias de gosto Num determinado local cultural o inventário das crenças pode ser estabelecido por vários métodos Decroly 1987 consoante o grau de assentimento que suscitam a frequência dos adeptos que reúnem e as sistematizações que introduzem Tais métodos vão da recolha etnográfica por observação ou entrevistas não directivas ou semidirectivas a escalas ou questionários estandardizados Estes são elaborados à volta de uma fenomenologia implícita por exemplo em matéria religiosa os de M R James ou R 106 Otto ou a partir de enunciados julgados típicos de um corpus de crenças particular Mais recentemente foram utilizadas técnicas experimentais para pôr em evidência os filtros que intervêm na percepção das interacções e dos acontecimentos sociais de tal maneira 60 que não sejam postas em causa as crenças dominantes Esta técnica permite pôr em evidência os efeitos das crenças A ideia comum pretenderia que as crenças de um indivíduo tivessem sobretudo efeitos subjectivos e que os seus comportamentos seriam reflexo disso De facto os efeitos do crer são de uma grande extensão JP D Crime Acção ou modo de vida que a lei autoriza a sancionar com esta ou aquela pena É Durkheim 1895 adopta este tipo de definição como ponto de partida da concepção sociológica do crime R Gonfarolo por seu turno considera apenas alguns crimes referindose ao sentido moral Durkheim em contrapanida adianta que a análise sociológica deve considerar tudo o que é objecto de uma pena Proclama também contra G de Tarde que o crime deve ser estudado como um fenómeno social ao mesmo título que os outros que nenhuma sociedade pode dispensar e que desempenha uma função positiva reavivar os estados fortes da consciência colectiva e em certos casos preparar a sua evolução Durkheim 1895 define o crime como um acto que ofende certos sentimentos colectivos dotados de uma energia e de uma 107 força particulares defineo portanto pela reacção que suscita Nisso afastase dos primeiros criminólogos que procuravam sobretudo saber se o comportamento do criminoso dependia de causas sociais ou individuais Procurar os determinantes do comportamento criminoso constitui no entanto a preocupação principal das sociologias especializadas Durante muito tempo estas puseram a tónica nas razões culturais aprendizagem negativa do respeito da lei em certos grupos culturais Sutherland Cressey 1924 conflitos de cultura Sellin 1938 Uma outra teoria apresenta o comportamento criminoso como o resultado de uma disjunção anómica entre fins socialmente valorizados e meios de alcançálos Merton 1949 Pode ainda explicarse o crime como o feito de um afrouxamento dos controlos primários família escola etc Hirschi 1969 A maior parte destas teorias considera apenas uma parte dos comportamentos susceptíveis de provocar uma pena roubos violências em geral Mas ao mesmo tempo estas teorias ultrapassam os limites do crime violação da norma jurídica e apresentamse como teorias dos desvios violações das normas sociais Considerase o crime portanto como uma espécie de desvio entre outros e a norma jurídica como análoga às normas sociais em sentido amplo e ao mesmo tempo específico Boudon Bourricaud 1982 contrariamente às normas sociais esta norma jurídica é dotada de uma universalidade que manifesta a diversidade dos grupos sociais heteronomia Uma teoria geral do desvio não é pois provavelmente suficiente para explicar a especificidade do crime enquanto crime A pôr a tónica na reacção discriminatória do meio ambiente e no papel das instituições oficiais na produção do 108 desvio o interaccionismo dos anos 60 Becker 1963 reintroduziu a consideração durkheimiana da reacção social no estudo sociológico do crime É verdade que se tratava ainda de uma teoria indiferenciada do desvio Entretanto levou pouco a pouco a procurar a especificidade do crime como tal no exame dos processos sociais de criação criminalização primária ou 61 abstracta e de aplicação da lei penal criminalização secundária ou concreta ou seja numa sociologia do direito penal na ocorrência Reencontrase assim a intuição de Durkheim que caracteriza o crime pela respectiva pena e que procura a especificidade comum a todos os comportamentos criminosos ao mesmo tempo que afasta a crença numa consciência colectiva cujos elementos mais fortes o legislador traduziria infalivelmente Esta dualidade de concepções do crime ora objecto comportamental ora objecto normativo e jurídico tende a ser ultrapassada por uma sociologia dos actores concretos que participam na criação da lei por um lado e na sua aplicação por outro Estes actores são não apenas os profissionais da lei e da justiça mas também os actores mais ou menos ocasionais vítimas e delinquentes PH R Debuyst 1985 Robert 1984 Crise As crises que afectam os grupos sociais diferem pelas suas causas e pelas suas durações Em contrapartida podem nelas distinguirse geralmente as mesmas fazes de 109 incubação de efervescência e de resolução Está em crise todo o grupo do qual pelo menos os membros dirigentes ou minorias activas têm consciência de que os seus mecanismos de regulação e a identidade estão sujeitos a uma prova geralmente não prevista captada como transitória temível e de resolução incerta Permanecendo o sentido dessa prova escondido da maioria dos seus membros ela exige decisões rápidas envolvendo muitas vezes o recurso à violência uma transformaçào na composição e na estrutura do grupo entre outras coisas uma renovação mais rápida das suas elites assim como uma modificação das relações com o seu meio natural e social ambiente Toda a crise é acompanhada de uma consciência de crise e provoca a surpresa má para muitos mas feliz para outros De facto durante a fase de incubação da crise predominam a dúvida o malestar a desorientação dos espíritos Este período de indecisão é no entanto visto como uma altura em que é necessário tomar decisões curativas medidas de urgência Por isso se recorre com frequência a personalidades carismáticas no sentido de Max Weber cuja legitimidade se apoia acima de tudo não nas tradições ou nas leis em vigor mas na lucidez manifestada são com muita frequência profetas da desgraça que vêem com justeza antecipadamente e na sua presumida aptidão para purificar o grupo do seu malestar detectando os verdadeiros responsáveis da crise bodes expiatórios eventualmente designando os verdadeiros inimigos do grupo e cortando a direito Simultaneamente brotam de todos os lados projectos muitas vezes utópicos de regeneração e de reconstrução da sociedade acompanhados de um retorno às evidências fundamentais e aos valores ditos seguros Este período de indecisão 110 aparecerá retrospectivamente como decisivo porquanto terá permitido uma redistribuição das cartas entre os indivíduos e os grupos envolvidos que resultará dos conflitos eventualmente das revoluções e das guerras que terão contribuído para resolver a crise e para revelar o seu sentido oculto A B Béjin Morin 19761 Dobry 1986 Culto Em sentido amplo um culto é constituído pelo conjunto das marcas de submissão e de deferência 62 em relação a um poder sacralizado que se honra Num sentido mais restrito designa as cerimónias e os ritos destinados a prestar homenagem a seres sagrados Deus santos antepassados heróis ou a objectos ídolos relíquias cujo poder se supõe emanar da sua relação com uma entidade sobrenatural ou com a pessoa à qual se reportam Sob a expressão culto popular classificamse práticas ditas por vezes supersticiosas à margem das religiões instituídas e muitas vezes toleradas por elas como a veneração das imagens piedosas dos animais amigos dos santos dos testemunhos simbólicos de poderes sagrados fogo fonte rochedo sol etc No cristianismo o culto público inclui as orações exortações sacrifícios oferendas procissões sacramentos etc incorporados na liturgia O culto interior exprimese por pensamentos de fé de esperança de caridade o culto exterior pela sua expressão em comportamentos O acto 111 principal do culto no catolicismo é a missa celebrando o mistério da morte de Cristo e da sua ressurreição pela redenção dos homens O protestantismo insiste para além da oração e da pregação no ofício para que a existência quotidiana seja uma obra de piedade para a glória de Deus C R Bastide 1960 Kirghgassner 1962 Rivière 1981 Thomas 1982 Cultura A palavra cultura aparece no fim do séc XI Designa nomeadamente um pedaço de terra trabalhada para produzir vegetais e tornase sinónimo de agricultura cultura alimentar cultura forrageira policultura Em meados do séc XVI o sentido figurado de cultura do espírito começa a ser empregado pelos humanistas do Renascimento É no séc XVIII que a cultura em ciências letras e artes se torna um símbolo da filosofia das Luzes e que Hobbes designa por cultura o trabalho de educação do espírito em particular durante a infância O homem cultivado tem gosto e opinião requinte e boas maneiras No séc XIX a palavra cultura Kultur em alemão tem por sinónimo civilização termo preferido pelos franceses Mas ao passo que E F Tylor 1871 define a cultura através do desenvolvimento mental e organizacional das sociedades como esse todo complexo que inclui os conhecimentos as crenças religiosas a arte a moral os costumes e todas as outras capacidades e hábitos que o homem adquire enquanto membro da sociedade a antropologia cultural americana uns sessenta anos mais tarde insiste no desenvolvimento material e técnico e na transmissão do património social Segundo os culturalistas a cultura enquanto modo de vida de um povo é uma 112 aquisição humana relativamente estável mas sujeita a mudanças contínuas que determina o curso das nossas vidas sem se impor ao nosso pensamento consciente O sentido moderno do termo reporta aos modos de comunicação do saber nas sociedades em rápida transformação e aos objectos simbólicos produzidos por uma sociedade para veicular valores A atenção incide nos mitos noções imagens e modelos espalhados em certos grupos sociais cultura popular cultura de elite e por certos canais de difusão do saber a cultura de massa é simultaneamente a que é transmitida pelos media e a que se dirige a um largo público Ligada à sociedade do conhecimento a sociolo a da cultura considera os criadores 63 das obras simbólicas pelas quais se exprimem representações do mundo a relação das obras e do autor com a sociedade na qual eles operam o sistema de produção das obras do espírito e o campo ideológico onde se situam os emissores e receptores de obras culturais C R Bénéton 1975 Herskovits 1948 Linton 1945 Malinowski 1944 Sapir 1936 Tylor 1871 Culturalismo O culturalismo é uma corrente de pensamento antropológico especificamente americana que tende a explicar a cultura como sistema de comportamentos aprendido e transmitido pela educação pela imitação e pelo condicionamento num dado meio social A modelação da personalidade operase inconsciente ou conscientemente 113 por instituições e pelo jogo das regras ou das práticas habituais Os principais representantes são R Linton 1936 A Kardiner R Benedict 1934 M Mead A originalidade de Linton reside 1 no conteúdo psicológico que dá à cultura pela insistência na transmissão e na estruturação das condutas graças à educação 2 na importância que atribui aos modelos ou patterns culturais maneiras típicas de pensar e de agir próprias de uma cultura e diferentes dos puros ideais de comportamento 3 na distinção que estabelece entre cultura real com os seus modelos interiorizados pelos indivíduos e cultura construída a partir de frequências máximas de aparecimento de certos comportamentos 4 na sua teoria da aculturação mudança cultural por contacto e influência construída com R Redfield e M Herskovits 1948 Devese a Kardiner o ter distinguido na cultura as instituições primárias família educação etc que modelam os indivíduos em primeiro lugar e as instituições secundárias religião ideologias folclore etc efeito das anteriores A sua originalidade situase sobretudo na sua óptica psicanalítica e na sua elaboração do conceito de personalidade de base configuração psicológica particular própria dos membros de uma dada sociedade e que se manifesta por um ceno estilo de vida ao qual os indivíduos acrescentam as suas variantes singulares Benedict propõe a noção de tipo psicológico e procura definir a especificidade de uma cultura a partir de modelos dominantes numa sociedade Conformistas racionalistas reservados os Pueblos podem ser ditos apolinianos ao passo que o tipo dionisíaco aparece entre os Índios das Planícies que valorizam a emoção a violência a agressividade 114 Discípula de F Boas na medida em que presta atenção aos factos materiais e às técnicas Mead é sobretudo discípula de Benedict porquanto estuda a partir de grupos oceânicos as relações de coerência entre patterns culturais e a maneira como a educação desemboca numa estruturação da personalidade adulta reconhecida como normal numa sociedade Os culturalistas simplificaram demasiado o problema da formação da personalidade definiram mal os patterns descuraram o incodificável e presumiram a anterioridade lógica da cultura em relação ao psiquismo C R ClapierValladon 1976 Dufrenne 1953 65 D Darwinismo social As teorias sociais darwinistas constituem aplicações às sociedades humanas e às suas culturas do princípio da selecção natural que o naturalista inglês Charles Darwin enunciou em A Origem das Espécies 1859 Essas teorias são geralmente materialistas reducionistas e deterministas Postulam que os indivíduos são física e mentalmente desiguais na maioria das vezes e que as aptidões são hereditárias Por fim estabelecem que a evolução das espécies e das sociedades procede das selecções selecções pela morte a luta pela existência no 115 sentido estrito e pela fecundidade diferencial aquilo a que G Vacher de Lapouge chama a luta pela descendência e que consiste em ter mais descendentes que os seus rivais Dos anos 1860 a meados dos anos 1880 passouse progressivamente de um primeiro darwinismo social mais liberal para um segundo mais socialista e dirigista Seguidamente e até à Primeira Guerra Mundial dominou este segundo darwinismo social com frequência eugenista racista eou imperialista Têm relação com esta corrente de pensamento que influenciou na constituição das teorias sociológicas do conflito e da circulação das elites nomeadamente alguns escritos de H Spencer e sobretudo de Vacher de Lapouge 1896 AB Hankins 1926 Ory 1987 Sorokin 1928 Spencer 1873 1874 1875 Sutter 1950 Decisão A decisão é um problema que se encontra no cerne das ciências da acção na junção da economia da psicologia e da sociologia A teoria económica contém em pontilhado as premissas muitas vezes implícitas de um modelo do decisor racional que poderia resumir da seguinte maneira A decisão é considerada como o produto num momento t de um actor individual que tem preferências claramente hierarquizadas que opera uma separação entre os fns e os meios à sua disposição que dispõe de uma informação completa e pode portanto proceder a um recenseamento exaustivo e sinóptico de todas as soluções possíveis e das suas prováveis consequências e que após um cálculo custovantagens para cada uma das soluções escolhe a melhor optimiza em 116 função das suas preferências Este modelo que no entanto se encontra na base da teoria clássica da firma assim como de numerosos instrumentos de management e de ajuda à decisão apresentase como exorbitante E de facto desde muito cedo foi sujeito a um grande número de críticas que partiam de considerações psicológicas sociológicas e de estudos empíricos Integrando os contributos dessas diferentes críticas que foram apresentadas de maneira clara por C Grémion 1979 e M Ghertmann 1981 chegase a um modelo mais complexo e sociológico que se poderia resumir do modo seguinte a decisão é um processo social que se desenrola no tempo no qual as soluções alternativas são constituídas e descobertas progressivamente e em que participam actores múltiplos que são relativamente autónomos uns em relação aos outros mas ligados estrategicamente entre si Estes actores prosseguem objectivos diversos ou mesmo conflituais e muitas vezes ambíguos têm apenas um conhecimento e uma informação imperfeitos e só são capazes de uma racionalidade limitada Isso quer dizer que cada um raciocina 66 de maneira apenas sequencial num número limitado de soluções alternativas entre as quais escolhe a primeira que satisfaz os seus critérios mínimos de satisfação Nesta perspectiva não há já solução óptima para um problema não há mais do que soluções satisfatórias isto é boas soluções E imporseá aquela em favor da qual se tiver constituído uma coligação capaz de impor às outras os seus critérios de satisfação que se tornam então os critérios de racionalidade 117 e de escolha do conjunto E F Delinquência vd Crime Desvio Democracia A democracia é um regime político ou seja uma certa maneira de organizar as relações de poder no seio de um grupo social soberano ou política O princípio fundador da democracia é a afirmação de que toda a relação de poder entre societários e entre cidadãos se enraíza naqueles que obedecem e não naqueles que mandam quer o façam em seu nome próprio ou em nome de um princípio transcendente Deus a Nação a História a Classe ou a Raça Como cada um é senhor de obedecer ou de não obedecer cada qual só obedece se julgar vantajoso fazêlo A democracia é por tal facto uma sociedade de responsabilidade limitada em que cada um entra para atingir certos fins Esses fins são de duas ordens Uns são próprios dos indivíduos ou dos grupos intermédios famílias empresas clubes Igrejas outros são comuns a todos Os fins próprios são interesses particulares Estes últimos são divergentes contraditórios A única forma possível de conciliação pacífica desses interesses é fazer com que se encontrem em mercados regulados onde na sequência de inúmeras negociações eles se convertem em interesses médios Os fins comuns são interesses comuns que só podem ser assegurados em comum como a defesa para com o exterior a definição de regras do jogo internas e o castigo dos batoteiros A democracia é assim caracterizada por uma distinção bem marcada entre o privado onde interesses particulares se convertem em interesses médios e o público 118 onde os cidadãos definem e procuram realizar os seus interesses comuns Tanto no privado como no público instauramse relações de poder porque a realização dos interesses particulares e comuns assenta em repartições de tarefas e divisões do trabalho que exigem coordenação Segundo o princípio de base da democracia os coordenadores só podem ser delegados a título temporário circunscrito e reversível que os societários e os cidadãos escolhem pela sua suposta competência A técnica de escolha dos delegados é variável segundo as actividades sociais Na esfera política que tem a seu cargo os interesses comuns a eleição dos delegados pelos cidadãos é a solução mais eficaz No domínio económico o mercado permite aos consumidoressocietários seleccionar pelas suas compras e pelas suas recusas de compra os empreendedores que lhes parecem os mais competentes para lhes oferecer ao melhor custo o maior número de bens e de serviços que sejam da melhor qualidade possível J s Aron 1965 Rousseau 1766 Sartori 1962 Tocqueville 1835 Democratização Pertencente ao pensamento reformista este termo designa em sociologia um processo peculiar de mudança social democratização da escola do desporto do sistema de assistência etc 67 Neste sentido há que ver nela a descoberta dos limites da 119 democracia formal se esta assenta nos princípios de livre acesso e de igualdade de direitos choca no entanto com a verificação das desigualdades reais e dos privilégios de facto Medir as primeiras identificar e reduzir os segundos tornamse os objectivos da democratização A medida fazse na maioria das vezes utilizando o cálculo das probabilidades este revela num campo dado o desnível entre as possibilidades teóricas e as possibilidades reais de acesso a um bem permite além disso captar as determinantes sociais origem social sexo classe etária pertença étnica etc que intervêm nas desigualdades verificadas e orientar a acção de reforma Arma de dois gumes mede igualmente os seus limites fazendo assim da democratização uma tarefa incessantemente recomeçada JM B Demografia e sociologia Uma origem comum aproxima desde a sua origem democracia e sociologia Desde sempre pensadores e políticos reflectiram sobre as condições da vida em sociedade e meditaram sobre os fenómenos de população O número e a multiplicação dos homens apresentaramse sempre como fenómenos primordiais em relação com o poder ou a riqueza dos Estados Mas só no séc XIX são inventados e entram em uso os termos sociologia Comte 18301842 e demografia Guillard 1855 Duas condições eram de facto necessárias para que nascessem e se desenvolvessem como ciências a sociologia e a demografia uma organização administrativa suficientemente implantada para o estabelecimento de estatísticas rigorosas e o trabalho crítico da filosofia das Luzes A vida social e política deixa de ser considerada como 120 resultando de uma ordem natural ou divina mas da vontade humana capaz de agir sobre ela e de a mudar senão mesmo de transformála radicalmente Considerando a espécie humana do nascimento à morte do ponto de vista do número Halbwachs 1936 isto é natalidade reprodução e deslocamentos mortalidade a demografia tem os seus métodos próprios Aplicando a análise matemática ao estudo quantitativo dos homens e dos seus comportamentos implementa instrumentos de medida cuja complexidade cresce com o aumento dos factores tomados em consideração A partir dos anos passados e presentes dentro dos limites de hipóteses nitidamente delineadas estabelece perspectivas sobre o povoamento futuro e sobre as mudanças de estrutura que podem esperar se Investiga dentro do corpo social na sua extensão e nas suas partes na sua morfologia e nas suas transformações Os factos demográficos explicamse primeiro por eles próprios mas não são isolados nem independentes Tal como não há acontecimento puro fora das circunstâncias de tempo e de lugar não há facto demográfico puro Uma taxa de natalidade uma proporção de jovens e de velhos não têm significado como tais Só ganham o seu alcance uma vez coordenadas entre si comparadas e situadas no contexto global em que se produzem Os dados biológicos melhor estabelecidos que pareceriam escapar aos controlos sociais estão na realidade sob a sua estreita dependência Uma guerra ou uma migração um pouco selectiva bastam para modificar a relação dos sexos próxima do equilíbrio As uniões não obedecem apenas a um processo de maturidade sexual dos rapazes e das raparigas mas estão sujeitas nas várias 121 68 culturas e nos diferentes meios sociais a contingências económicas ou a regras impostas que mudam a sua intensidade e baixam ou elevam a sua idade A natalidade e a mortalidade variam de maneira surpreendente ao longo do tempo de país para país e consoante o rendimento a profissão o nível de instrução ou a prática religiosa Interesses representações comuns a obediência inconsciente ou reconhecida a normas admitidas enformam o corpo social por dentro e dãolhe a coesão necessária à sua duração A Saury 1952 quis mostrar que a população só poderia ser estudada da mesma forma que a realidade social viva O movimento natural da população é também um movimento sociocultural Os factos demográficos são factos sociais e aquilo que os determina e os explica é em grande medida de natureza sociológica Inversamente os factores demográficos actuam sobre a evolução social Para É Durkheim desenvolvendo uma observação de Comte o aumento do volume e da densidade da população produz a divisão do trabalho ela própria geradora do avanço da civilização E Dupréel 1928 julgara captar no crescimento demográfico a causa essencial do progresso D Riesman 1955 estabelece uma ligação de causa e efeito entre o carácter social e o regime demográfico das épocas sucessivas Ainda que os fenómenos demográficos intimamente misturados com outros fenómenos não sejam os únicos a intervir é seguro que estreitas relações unem o número e as formas da vida social A demografia fornece à sociologia uma base rigorosa para 122 assentar a sua reflexão a ponto de que todo o sociólogo deveria ser também um demógrafoStoetzel Demografia e sociologia não são nem dependentes nem independentes uma da outra A relação entre elas é de reciprocidade Uma e outra ciências humanas ou ciências sociais distinguemse pelos seus métodos específicos e formam entre elas com todas as outras ciências sociais um conjunto cujo objectivo último é o mesmo e que não poderá ser dissociado das outras ciências sociais AG Densidade No sentido demográfico corrente a densidade é a relação da população total com a extensão do território que ocupa A densidade dinâmica ou moral tal como a define É Durkheim é o grau de concentração da massa ou restringimento material e moral Um indicador deste conceito é a densidade material que é uma combinação da densidade da população da população urbana e do número e da rapidez das comunicações e transmissões Quando a densidade material aumenta o número de interacções entre os indivíduos cresce igualmente A densidade moral caracterizase também pela natureza das relações sociais ou tipo de sociabilidade Estes conceitos estão na base da teoria da morfologia social em Durkheim e seus discípulos M C Durkheim 1893 1897 Durkheim Mauss 1901 Spencer 18741875 Desemprego As discussões à volta do número real dos desempregados não são apenas devidas à vontade dos governos de enaltecer a sua acção e ao esforço dos 123 opositores no sentido de demonstrar a insuficiência da acção governamental mas estão estreitamente ligadas à ambiguidade da realidade social e à dificuldade de elaborar uma definição sociológica do desemprego Schnapper 1982 As definições administrativas 69 do desemprego não são mais que o reflexo da concepção que a sociedade tem do desemprego num dado momento A própria noção de desemprego não existia no séc XIX antes de se constituir um verdadeiro mercado do trabalho definido pela oferta e pela procura de uma mãodeobra cuja qualificação é precisa e a localização estável Ainda em 1932 só eram reconhecidos e contados como desempregados os homens operários ou empregados sem emprego desde há menos de dois anos excluindo mulheres e trabalhadores independentes Salais Baverez Marpsat 1986 Actualmente utilizamse definições administrativas diferentes A do BIT sobre a qual se fundam as comparações internacionais define a população sem emprego à procura de um emprego PSERE segundo esta definição é desempregado aquele que procura um emprego faz tentativas efectivas para conseguilo está disponível para aceitar um emprego e não teve nenhuma actividade profissional no decurso da última semana A administração francesa utiliza outros critérios Mas seja qual for a definição adoptada ela não faz mais que traduzir uma situação administrativa os que são reconhecidos como desempregados pela regulamentação em vigor A realidade social essa é ambígua como qualificar os que procuram um 124 trabalho em condições difíceis ou impossíveis de preencher Terão de qualificarse como desempregadas as mulheres que só aceitariam um emprego se ele fosse próximo do seu domicílio Deverão chamarse desempregados os que procuram um emprego que já não existe no mercado do trabalho Os jovens à procura de um emprego em tempo parcial que lhes permita prosseguir estudos em melhores condições Os economistas esforçamse por definir as origens do desemprego atribuindoo alguns à insuficiência da procura global e vendo outros nele de preferência a incapacidade do mercado do trabalho em adaptarse à evolução da estrutura profissional provocada pelo progresso técnico Os sociólogos que durante muito tempo distinguiram o desemprego de crise do desemprego de subemprego do desemprego estrutural e do desemprego de reserva Ledrut 1966 renunciaram a elaborar teorias gerais e actualmente dedicamse à análise das experiências vividas dos desempregados e às suas possibilidades de mobilização social e política Segundo os resultados de numerosos inquéritos o desemprego traz consigo uma condição anómica que se traduz pela experiência da humilhação do aborrecimento e da dessocialização é pois pouco susceptível de servir de fundamento a uma acção colectiva Lazarsfeld 1933 Schnapper 1981 Nas sociedades modernas que por natureza produtivistas são dominadas pelos valores ligados ao trabalho e ao emprego o desemprego é encarado e vivido negativamente D S Desencantamento A palavra pertence ao vocabulário de M 125 Weber Um mundo encantado é aquele em que a magia penetra todas as coisas em que o homem não é especializado e em que a precisão nem sempre é possível Desencantar é escorraçar a magia racionalizar especializar o homem Sendo deliberadamente hostis à magia impondo uma forma de racionalização da condução da vida explica Weber as grandes profecias racionais judaísmo constituem a primeira grande etapa deste processo Uma outra etapa que estas religiões o protestantismo ascético 70 representam é a unificação das relações entre Deus e o mundo e entre este e a religião Cabe à ciência e à racionalização intelectualista continuar a despojar o mundo dos seus encantos Esse processo não é nem linear nem irreversível pois que uma burocratização excessiva pode conduzir ao retorno dos profetas e dos Césares dotados de carisma M C Weber 1920 1921b 1923 Desenvolvimento A ideia de desenvolvimento saiu em primeiro lugar de uma metáfora que identificava a sociedade com um organismo vivo que portanto se transforma segundo um processo de maturação progressiva para atingir pouco a pouco um estado de modernidade Considerase que tais mutações envolvem todos os sectores da sociedade economia estratificação social ordem política O desenvolvimento económico traduzse no plano qualitativo pelo florescimento de uma economia de 126 mercado pela passagem de uma agricultura de subsistência a uma economia de mercado e pelos progressos da industrialização No plano quantitativo medese pelo recurso a diferentes índices designadamente a elevação do produto nacional bruto PNB Remetendo assim para a construção da sociedade industrial o desenvolvimento económico reveste também consequências sociais enfraquecimento dos laços de dependência tradicional individualização das relações sociais progresso da divisão do trabalho social e portanto especialização das tarefas urbanização aparecimento de um certo nível de mobilidade social O conceito foi retomado em sociologia política para explicar a realização progressiva de uma hipotética modernidade política Tratavase então quer de designar a passagem de um regime autoritário a um regime democrático quer de elaborar indicadores que medissem a capacidade dos sistemas políticos por exemplo nos domínios da extracção da distribuição ou da comunicação quer de descrever as etapas que marcam a construção de um sistema político formação de uma identidade nacional de um poder legítimo de uma burocracia eficiente etc quer finalmente de conceber propriedades mais ou menos abstractas comuns a todos os processos de mutações que devem afectar os sistemas políticos secularização institucionalização etc Elaboradas no fim dos anos 50 com o início da descolonização todas estas concepções são cada vez mais contestadas adaptação um pouco ingénua da ideia ocidental de progresso avatar de um evolucionismo já abandonado elas assentam nos postulados inaceitáveis de uma mudança uniforme programada finalizada têm em pouca conta a 127 diversidade das culturas a extrema complexidade das histórias e a imprevisibilidade das acções sociais A essas concepções demasiado gerais o sociólogo prefere doravante estudos de casos que ponham em evidência a especificidade de cada modo de desenvolvimento B B Guillaumont 1985 Badie1988 Desigualdades sociais É desigual toda a repartição de um recurso que não é uniforme A repartição do rendimento é desigual na medida em que um ou vários indivíduos têm uma parte maior que os outros A desigualdade é uma diferença que os indivíduos e grupos sociais julgam segundo escalas de valor Um Negro e um Branco diferem 71 pela pigmentação da sua pele Esta diferença natural não implica qualquer desigualdade No entanto em numerosas sociedades cada um deles goza de um estatuto diferente ao qual estão ligadas vantagens e desvantagens As desigualdades são pois essencialmente sociais e estão ligadas à existência de estratificações económica política de prestígio etc Para examinar as condições em que a desigualdade por exemplo de rendimento aumenta diminui ou permanece estável é necessário analisar a forma de repartição do recurso em questão Definemse em geral duas medidas de desigualdade A medida absoluta é igual à diferença entre o rendimento do indivíduo A 10 mil F e o do indivíduo B 12 mil F A medida absoluta é a mesma se A tem um 128 rendimento de 1000 F e B um rendimento de 3000 F Ora é claro que esta medida não traduz correctamente a desigualdade entre os dois casos É portanto necessário introduzir o conceito de medida relativa No primeiro caso B tem um salário superior em 20 por cento ao de A no segundo B tem um rendimento superior em 200 por cento Os trabalhos sobre a evolução das desigualdades de certos recursos tais como o rendimento ou o nível de instrução estabeleceram a existência de uma tendência para a redução das desigualdades como o predizia Tocqueville com tempos fortes e fracos no entanto e diferenças consoante o tipo de recurso Mostrouse assim que desde há um meio século a desigualdade das hipóteses escolares baixou muito mais fortemente que a desigualdade dos rendimentos Alguns propuseram explicações dessas reduções na sua mudança respectiva construindo modelos que combinam variáveis ligadas aos projectos individuais aos constrangimentos do mercado e a mecanismos institucionais por exemplo natureza e forma da redistribuição Quanto ao problema da origem das desigualdades recebeu várias respostas contraditórias além do fundamento natural em Aristóteles por exemplo que se relaciona com um discurso pré sociológico JJ Rousseau e Marx viram na propriedade a origem da desigualdade para É Durkheim é a divisão do trabalho para T Parsons a desigualdade é um princípio necessário à manutenção de toda a estrutura social M C Blau 1977 Boudon 1973 Durkheim 1893 Girod 1984 Tocqueville 1856 Desorganização As noções de desorganização social e de 129 desorganização pessoal foram popularizadas pelo célebre estudo de W I Thomas e F W Znaniecki sobre o camponês polaco na Europa e nos Estados Unidos da América 1918 1921 A primeira é nele definida como a perda de influência das regras sociais de conduta existentes sobre os membros do grupo a segunda é a incapacidade para o indivíduo de construir um projecto de vida na ausência de regras estáveis e interiorizadas o indivíduo fica desorientado e desmoralizado A desorganização social é posta em evidência na sociedade camponesa polaca tem a sua origem no desenvolvimento de atitudes individualistas e hedonistas que resultam dos contactos com o exterior nomeadamente pelas migrações sazonais na Alemanha A desorganização pessoal é estudada nos imigrantes polacos nos Estados Unidos Traduzse nos adultos transplantados e privados das suas antigas regras de conduta por comportamentos violentos 72 pela dependência económica pela instabilidade profissional e conjugal nas crianças amorais na ausência de todas as regras sancionadas pela delinquência e pela vagabundagem Na sequência deste estudo a desorganização social tornouse um tema de pesquisa importante na sociologia americana nomeadamente em Chicago ao mesmo tempo que uma noção rubrica que recobre fenómenos tais como a delinquência o suicídio o divórcio a mobilidade residencial PH BD 130 Despotismo oriental A noção de despotismo oriental passou por três etapas Nas narrativas de viagem de JB Tavernier e nos escritos de Montesquieu designa os regimes políticos dos impérios médioorientais e orientais vistos como autocracias arbitrárias cruéis faustosas ruinosas para os seus povos São opostos aos regimes aristocráticos da Europa temperados humanizados e prósperos Na visão evolucionista da história desenvolvida por Marx e seus epígonos a expressão designa todas as experiências imperiais marcadas acima de tudo pelo monopólio público dos meios de produção que não entravam no esquema rígido da sucessão ordenada do comunismo primitivo do escravismo do feudalismo do capitalismo do socialismo do comunismo Porém mais recentemente tentouse reutilizar a noção para aplicála simultaneamente aos impérios tradicionais e aos totalitarismos contemporâneos Estas três acepções devem ser igualmente rejeitadas os totalitarismos não se parecem de todo com os regimes imperiais estes não são despotismos sanguinários e aberrantes os impérios permitiram o desenvolvimento de altas civilizações e de economias que suportam a comparação com as da Europa antes do séc XIX Despotismo oriental é uma expressão infeliz sob todos os aspectos que é melhor abandonar J B Tavernier 1676 Wittfogel 1957 Desvio Transgressão identificada como tal e portanto sancionada das normas em vigor num dado sistema social A palavra é de uso recente Aparece na sociologia americana no fim dos anos 50 substituindose a outras 131 noções rubricas tais como desorganização ou patologia social O seu rápido êxito devese ao facto de a noção que recobre ser muito mais extensiva que as de delinquência ou de criminalidade A sanção social não se limita às sanções penais ou legais pode tratarse de uma simples reprovação A noção de desvio permite também reagrupar todas as espécies de comportamentos grande número dos quais não são tidos comummente como delituosos Vêse isso nas tipologias do desvio propostas por R K Merton 1949 ou T Parson 1951 que prevêem ao lado dos comportamentos inovadores caracterizados pelo uso de meios ilícitos o ritualismo hiperconformismo passivo segundo Parsons o recuo alienação passiva ou a rebelião alienação activa A noção sociológica de desvio não é uma categoria estatística Não se aplica às condutas ou aos indivíduos que se afastam mesmo nitidamente da média Para que haja desvio é preciso que haja uma norma de grupo e não uma simples opinião maioritária As teorias sociológicas do desvio podem ser reagrupadas em três correntes principais as teorias da regulação social as teorias da contradição social e as teorias culturais 73 A primeira perspectiva a mais tradicional fundase na oposição entre os desejos ou as pulsões individuais e os constrangimentos impostos pela pertença a um grupo social O desvio resulta do falhanço da sociedade em conter e regular as paixões humanas Produzse quando os laços do indivíduo com a ordem social são rompidos As teorias da contradição social rejeitam a ideia de que a motivação para o 132 desvio está inscrita na natureza humana e vêem nela pelo contrário um produto da sociedade Os homens seriam conformistas se não fossem empurrados para o desvio pela pressão de desejos legítimos encorajados ou mesmo prescritos pela sociedade mas não satisfeitos em virtude da falta de meios para realizálos Nesta perspectiva ilustrada nomeadamente por Metron o vício é o produto da virtude As teorias culturais por seu turno põem em causa o postulado da uniformidade das normas no seio de uma sociedade A interiorização das normas do seu grupo pode pôr o indivíduo em conflito com as normas dominantes ou legais da sociedade O desvio neste sentido é o fruto de uma aprendizagem cultural tão moral como toda a aprendizagem social Podem ligarse a esta terceira corrente as teorias interaccionistas do desvio ditas teorias da reacção social ou da marcação labeling Sublinham elas que o desvio não é uma propriedade característica do acto de uma pessoa mas antes a consequência das reacções dos outros a esse acto Como escreve H Becker 1963 o desviado é aquele a quem a etiqueta de desviado foi aplicada com sucesso O desvio é uma categoria construída num processo de interacção colectiva que implica aqueles que acabarão por ser etiquetados como desviados os que os rodeiam os que fazem respeitar as normas os que querem impor novas normas Esta perspectiva dominante na sociologia do desvio no fim dos anos 60 contribuiu para uma reorientação da pesquisa sobre a delinquência Verificouse um afastamento da etiologia social da delinquência para estudar os agentes e os mecanismos do controlo social PH BD Besnard 1987 Cohen 1966 133 Diferenciação social A diferenciação é um dos elementos da estratificação social É o processo pelo qual as posições sociais são definidas e distinguidas umas das outras atribuindose a cada uma delas um papel ou um conjunto de papéis específicos Nenhuma vida social é possível sem diferenciação mesmo mínima das funções tais como a reprodução biológica a socialização das crianças A diferenciação supõe que sejam conhecidos o responsável da função ou papel os seus direitos e obrigações Distinguese da hierarquização Esta fundase numa comparação entre os estatutos já diferenciados e procura repartir os indivíduos entre as diferentes posições segundo as suas aptidões qualificações etc Um papel considerado física ou intelectualmente mais difícil que um outro será pelo menos teoricamente atribuído a determinado indivíduo e não a um outro em função desses critérios Mas a comparação não implica juízo de valor dependendo este de facto de critérios próprios de cada sociedade A diferenciação é portanto um conceito mais geral e mais neutro que a divisão do trabalho a hierarquização a estratificação M C Durkheim 1893 Difusão Processo pelo qual uma informação uma opinião um comportamento 74 uma prática uma inovação um novo produto uma moda 134 etc se propagam numa dada população Estes processos fascinaram de longa data os sociólogos sem que estes disponham sempre dos materiais necessários para desvendar os seus mecanismos O que pode dar uma certa ideia é o andamento da curva da difusão mais precisamente a curva da distribuição no tempo das proporções acumuladas de pessoas atingidas pela informação ou pela inovação consideradas Se a via real da influência é a relação directa entre um emissor os media e os indivíduos tomados isoladamente essa curva aparentar seá a um arco sendo num dado momento o aumento das conversões proporcional ao número de pessoas ainda não atingidas a velocidade do processo forte de início tende a diminuir Se pelo contrário o fenómeno se propaga sobretudo por contactos interpessoais teremos uma curva em S típica de um contágio O aumento do número de pessoas atingidas é proporcional ao mesmo tempo à população dos contaminados e à dos não contaminados A difusão lenta no início acelerase até ao momento em que metade da população contaminável é atingida afrouxando depois Um estudo de J Colemann et al 1966 identificou mais ou menos estes dois tipos de curvas a propósito da adopção de um novo medicamento pelos médicos americanos Muitas observações e estudos designadamente sobre inovações agrícolas encontraram curvas de difusão em S ou curvas logísticas características das epidemias Uma curva deste género permite discriminar facilmente diversas categorias de posições em relação à difusão inovadores retardatário etc e fezse um esforço no sentido de captar as características pessoais e sociais dos inovadores Rogers Shoemaker 1971 A curva logística não 135 reveste provavelmente a generalidade que muitas vezes se lhe atribui e pode interpretarse de diversas maneiras Poderia reflectir a importância das relações interpessoais nos processos de comunicação e de influência quer se trate de decisões de compra ou de intenção de voto posta em evidência por P Lazarsfeld e seus colaboradores Katz Lazarsfeld 1955 Esta abordagem põe a tónica no fluxo horizontal na difusão da inovação A novidade é adoptada num mesmo momento por pessoas influentes ou líderes de opinião que pertencem a diversos grupos sociais e que exercem a sua influência no seio do seu grupo Estes agentes influentes podem ser cosmopolitas à espreita das informações ou locais legitimando a inovação Merton 1949 Este modelo de difusão horizontal ou segmentada opõese ou sobrepõese ao modelo mais tradicional da difusão vertical ou hierárquica segundo o qual a inovação se espalha em cascata de cima para baixo da pirâmide social vd moda Verificase muito geralmente que novos produtos colocados no mercado são adoptados primeiro pelas camadas sociais mais favorecidas e difundemse verticalmente O factor rendimento basta para explicar este fenómeno designadamente quando se trata de bens de equipamento Entretanto o estudo de um acto gratuito a escolha de um nome para o seu filho que permite eliminar toda a influência do rendimento mostrou que o modelo hierárquico era grosso modo confirmado pela difusão social dos nomes novos ou que entram na moda Besnard Desplanques 1986 Este estudo sugere também que o grau 136 75 de sociabilidade as ocasiões de contacto com outrem têm um papel motor na difusão da inovação e não é fácil isolar posição na escala social e grau de sociabilidade a fim de apreciar a parte respectiva do fluxo horizontal e do fluxo vertical do contágio e da cascata dos sinais de distinção PH BD Cherkaoui 1982 Mendras 1967 Mendras Forsé 1983 Difusionismo A corrente difusionista estuda a distribuição geográfica dos traços culturais postulando uma sucessão de contributos de um grupo para o outro a partir de alguns raros focos de invenção supostamente originários A atenção é dirigida para a circulação dos traços culturais itinerários velocidade e áreas de difusão modificações sobrevindas obstáculos e condições favoráveis à difusão Esta corrente apareceu no início do séc XX e é representada por três escolas 1 inglesa tendo por chefes de fila W J Perry e G Elliot Smith que afirmam a origem egípcia de toda a civilização e a crença numa ascendência solar do soberano 2 alemã desenvolvida à volta de F Graebner e W Schmidt que se apoiam na linguística na arqueologia e na história para identificar complexos culturais em círculos de difusão de certos traços culturais 3 americana que reagrupa discípulos de F Boas A Kroeber E Sapir os quais admitem a possibilidade de aparecimento das mesmas invenções nas diferentes culturas distinguem círculos de difusão concêntrica e sublinham que um traço só aparece depois de certas aquisições técnicas que 137 o tornam possível seriação cultural de Sapir Estas teorias subestimam as capacidades inventivas do homem esquematizam até ao excesso os mecanismos de difusão menosprezam migrações e desigualdades de ritmos de difusão e têm em pouca conta mecanismos psicológicos da adopção ou da rejeição selectiva de certos traços culturais C R DILTHEY Wilhelm filósofo alemão Biebrich 1833 Seis Tirol 1911 Desde a sua primeira formulação Introdução às Ciências do Espírito 1883 o projecto de Dilthey visa garantir a autonomia daquilo a que ele chama ciências do espírito Por tais disciplinas ele entende aquelas cujo objecto a realidade histórica e social lhe parece excluir que possam desenvolverse com base no modelo das ciências da natureza Contra a ciência positivista de A Comte sublinha que nesses domínios o conhecimento não pode consistir numa reprodução do dado o historiador por exemplo reconstrói o passado organizao por referência às perspectivas que são as suas e em função dos valores a que adere Contudo as ciências humanas não devem renunciar a toda a forma de objectividade élhes necessário elaborar métodos específicos adaptados à originalidade do seu objecto Rejeitando uma simples transposição da postura explicativa praticada pelas ciências da natureza Dilthey considera que os factos de que trata a sociologia têm como característica principal o serem significantes independentemente da procura das suas causas devem dar lugar portanto a uma compreensão que liberta o seu sentido No estádio inicial da sua reflexão Dilthey concebe a compreensão como um 138 esforço para reencontrar por detrás dos fenómenos a estudar a significação que 76 os actores sociais lhes atribuem O historiador ou o sociólogo devem reviver o que outros viveram a compreensão suporia uma participação directa por simpatia na vida psíquica de outrem A sociologia tornase assim directamente dependente da psicologia como ciência descritiva dos processos psíquicos Ideias a Respeito de Uma Psicologia Descritiva e Analítica 1894 Nas suas últimas obras Edificação do Mundo Histórico das Ciências do Espírito 1910 Teoria das Concepções do Mundo 1911 Dilthey tenta estabelecer a sociologia desta submissão à psicologia tornando ao mesmo tempo a compreensão menos subjectiva Tratase não já de coincidir com os actores mas de recolocar os fenómenos considerados em conjuntos mais vastos onde eles encontram a sua significação compreender o espírito de uma reforma jurídica consistirá menos em descobrir os motivos dos seus autores que em construir o contexto histórico social cultural de que se apresenta como inseparável Ao articular à investigação causal uma interrogação sobre o sentido dos factos sociais Dilthey inaugura a tradição alemã da sociologia compreensiva M Weber S M Direito sociologia do A dificuldade de fornecer uma definição única da sociologia do direito remete para as incertezas desta sociologia especializada confrontada com 139 um objecto que pode ser considerado igualmente como ciência do social Estas incertezas estão já presentes na história da disciplina Quando É Durkheim se empenha em relacionar tipos de direito e formas de solidariedade no seio da sociedade global desenvolve uma sociologia que faz do direito um indicador privilegiado do conjunto da realidade social Durkheim 1893 A sua posição de pesquisa assemelhase a este respeito à de M Weber para quem a questão do direito ocupa um lugar estratégico na compreensão das racionalidades políticas das sociedades Weber 1922c G Gurvitch 1940 empenhase ele próprio nesta via quando associa tipos de sociedades globais a sistemas de direito Mas a referência ao pensamento de L Duguit 1889 permite compreender as razões da existência de uma outra concepção da sociologia do direito Este autor sublinha o interesse de uma teoria sociológica do direito que rompendo com a abordagem dogmática deve permitir ajustar a produção do direito à realidade social na medida em que as leis positivas produzidas pelo legislador devem estar conformes com as leis sociológicas e com o estado social para o qual são feitas Tratase da expressão de uma concepção da sociologia do direito ao serviço da produção do direito como disciplina auxiliar do direito E uma tradição cuja marca encontramos em H LévyBruhl 1961 o qual propõe a instituição de uma jurística verdadeira ciência do direito Ao elogiar os méritos de uma sociologia legislativa feita de investigações próprias para informar o legislador J Carbonnier 1972 ao mesmo tempo que favorece um desenvolvimento amplo e pluralista da sociologia do direito francesa contemporânea contribui para inscrever uma parte desta na tradição Temos pois de aceitar 140 várias definições da sociologia do direito Proporemos três que não se excluem propriamente umas às outras mas representam antes maneiras diferentes de encarar um mesmo objecto ao mesmo tempo que estão marcadas por concepções opostas referentes 77 às relações direitosociologia 1 estudo das relações entre os factos sociais e o direito do ponto de vista da sua produção e das suas diferentes formas de implementação 2 estudo das formas jurídicas das suas disposições dos seus usos sociais das instituições e dos profissionais do direito como fenómenos sociais particulares 3 estudo do direito das práticas das instituições jurídicas e dos profissionais como elementos entre outros de gestão da ordem social Estas definições estão subjacentes à produção da investigação actual que poderia ser repartida da seguinte maneira 1 uma sociologia aplicada do direito ligada principalmente à análise das relações entre comportamentos sociais e estado do direito à da influência da mudança socioeconómica ou tecnológica sobre o direito ou sobre as instituições judiciais problemas de eficácia e de efectividade à dos modos de liquidação dos conflitos 2 uma jurissociologia fundada numa atenta tomada em consideração da técnica do direito e dos seus modos de agir processos de transformação do contencioso em jurisprudência modos de tratamentos não jurisdicionais dos conflitos confrontação de sistemas jurídicos com o direito estatal etc Esta jurissociologia concebida assim como 141 ciência de análise do jurídico é reivindicada igualmente como sociologia jurídica Arnaud 1981 3 uma sociologia do campo normativo em que as análises dos processos de criação das normas jurídicas das produções do direito e dos agentes que o põem em acção desembocam ou participam de bom grado numa abordagem de processos sociais mais gerais modos de controlo social ou de regulação social das sociedades globais formas de dominação simbólica como mecanismos de reprodução social etc que essas análises contribuem para esclarecer Nesta última orientação estabelecemse definitivamente distâncias com o dogmático jurídico a aproximação com a sociologia geral acabaria por manifestar os limites de uma demasiado grande especialização da sociologia do direito e uma espécie de justo regresso à tradição dos fundadores da sociologia J CE Arnaud 1988 Droite et société 1985 Discriminação Embora o termo implique apenas por si mesmo a faculdade de fazer distinções ganhou em sociologia um sentido crítico Designa as distinções feitas na vida social em detrimento de certos grupos que são julgadas inaceitáveis pela maioria porque violam as normas sociais e o princípio da igualdade perante a lei ao mesmo tempo que certos subgrupos da população as justificam É o caso dos comportamentos em relação à população negra nos Estados Unidos da América até aos anos 60 assim como das atitudes antisemitas Os critérios de discriminação variam segundo as sociedades e segundo as épocas Na Índia moderna que legalmente suprimiu o sistema das castas os antigos 142 intocáveis são discriminados por causa do passado que continua vivo ao nível dos costumes Nos Estados Unidos a discriminação durante longo tempo exercida contra os negros tinha a sua origem na sua antiga condição de escravos Um numerus clausus é imposto na Rússia à entrada nas universidades de alunos judeus e arménios A discriminação pode fundarse na raça na religião na origem nacional ou na cultura Simpson Yinger 1965 78 O facto de se ter podido definir a discriminação social como a maneira de tratar desigualmente indivíduos iguais mostra até que ponto se trata de um conceito estreitamente ligado à sociedade moderna que põe a igualdade no centro dos seus valores nas sociedades fundadas nas diferenças de estatuto ou de casta a discriminação é um conceito neutro descritivo desprovido da conotação pejorativa que lhe atribuímos nas nossas sociedades D S Disfunção vd Função Dissonância cognitiva Este termo devido ao psicólogo americano L Festinger 1957 designa uma contradição entre dois elementos cognitivos presentes no campo de representação de um indivíduo Por elemento cognitivo Festinger entende tudo aquilo que pode ser objecto de conhecimento comportamento crença opinião sensação etc O postulado da teoria de Festinger é que o indivíduo tende a resolver ou a reduzir a dissonância porque ela é fonte 143 de malestar Em cada situação dissonante o indivíduo dispõe geralmente de vários modos possíveis de redução da dissonância Um fumador que conhece os perigos do tabaco pode deixar de fumar ou procurar elementos consonantes com o facto de fumar Esta teoria muito simples e de alcance muito geral foi objecto de numerosas discussões e provas experimentais Os investigadores interessaramse nomeadamente pelas consequências de uma escolha toda a escolha gera uma dissonância pela exposição selectiva à informação procura de informações consonantes evitando as dissonantes pelos efeitos de obediência forçada finalmente pela procura de um apoio social para reduzir a dissonância Festinger e os seus colaboradores mostraram num estudo sobre uma seita que esperava o fim do mundo que a interacção de grupo e o proselitismo tinham permitido aos adeptos ultrapassar a tremenda dissonância provocada pela não realização da profecia No que se refere à obediência forçada a teoria da dissonância explica fenómenos inexplicáveis por uma abordagem behaviorista fundada na noção de reforço um indivíduo levado a defender em público uma posição que não é a sua sem nenhuma justificação ou remuneração modificará a sua opinião privada no sentido da sua declaração pública Uma forte remuneração basta para reduzir a dissonância se a remuneração é fraca ou nula a mudança de opinião tornase o único modo de redução da dissonância A teoria de Festinger tal como outras teorias análogas designadamente a de F Heider fundase no postulado de uma necessidade de coerência cognitiva que foi posta em causa Poitou 1974 144 PH BD Distância social No seu sentido mais geral e mais imediato a distância social é o intervalo maior ou menor que separa no espaço social as posições de duas ou várias pessoas que pertencem a diferentes classes sociais etnias confissões religiosas ou subculturas Alguns autores falaram de distância social vertical para introduzir a noção de diferenças na hierarquia do estatuto do poder ou dos recursos Entretanto o termo difundiuse sobretudo em sociologia numa acepção mais psicológica em virtude da elaboração por E S Bogardus de uma escala de distância social A distância social é então 79 concebida como o grau de compreensão simpática que existe entre duas pessoas ou uma pessoa e um grupo pertencentes a culturas grupos sociais ou étnicos diferentes Na prática a escala de atitude construída por Bogardus consistia em medir o grau de aceitação como esposo como amigo como vizinho como colega etc ou de exclusão de pessoas pertencentes a duas nacionalidades ou etnias PH BD Alexandre 1971 Park Burgess 1921 Divisão do trabalho Pode fazerse remontar a noção de divisão do trabalho a Platão e a Aristóteles que a consideravam não como meio para aumentar a produção mas com o aumento da eficácia do indivíduo na medida em que este se especializa naquilo que corresponde melhor à sua 145 natureza Mas foi de facto na sequência das análises de A Smith que a divisão do trabalho se popularizou nas ciências sociais 1776 nomeadamente os três primeiros capítulos do livro I consagrados ao estudo das causas e consequências da divisão do trabalho Para Smith ela é um método em que cada indivíduo está especializado numa fase determinada do processo de produção Tem três funções primordiais aumenta a habilidade de cada operário economiza o tempo é a causa fundamental da invenção que máquinas que facilitam e abreviam o trabalho e permitem a um único homem desempenhar a tarefa de vários Todos estes factores concorrem para aumentar a produção de bens e melhorar a qualidade dos produtos pois que ao especializarse numa tarefa simples o operário adquire uma destreza que o não especialista jamais pode atingir mesmo que goze naturalmente de mais talentos É que nota Smith a diferença dos dons naturais entre os indivíduos é mais pequena que a diferença entre indivíduos que exercem ofícios diferentes gerados pela divisão do trabalho A divisão do trabalho é um efeito e não a causa da permuta É portanto o mercado que a determina e a limita A acumulação do capital é uma condição necessária da divisão do trabalho Esta tese foi retomada e reformulada num quadro mais amplo que o da economia por economistas e sociólogos como H Spencer 18741875 G Schmoller e sobretudo É Durkheim 1893 que utiliza certas críticas que a escola histórica alemã dirigiu à teoria económica clássica para iniciar um debate com os utilitaristas em particular Smith e Spencer A divisão do trabalho é analisada por Durkheim quando se interroga sobre a especificidade das sociedades industriais em relação às outras sociedades Ele distingue 146 dois tipos ideais de sociedades a sociedade de solidariedade mecânica e a sociedade de solidariedade orgânica A primeira caracterizase por um volume e uma densidade baixos uma organização social pouco diferenciada um direito repressivo e uma consciência colectiva que integra fortemente o indivíduo A segunda distinguese por um volume e uma densidade elevados funções sociais muito diferenciadas um direito cooperativo e a emancipação do indivíduo A divisão do trabalho envolve todas as esferas social económica política artística científica etc Para Durkheim ela está positivamente correlacionada com o volume e com a densidade Tornandose mais densa e demograficamente mais volumosa a sociedade assiste ao aparecimento de conflitos no seu seio Se para satisfazer uma mesma necessidade 80 um maior número de homens faz o mesmo trabalho eles serão levados a lutar uns contra os outros A divisão do trabalho é precisamente uma solução pacífica para essa luta pois reduz os desequilíbbrios sociais Em Durkheim tal como em Smith ela gera não apenas a especialização mas também a solidariedade isto é uma organização que coordena as funções e liga os indivíduos uns aos outros É o que os teóricos da organização científica do trabalho nomeadamente F W Taylor tinham de facto sublinhado A especialização que fragmenta o trabalho foi objecto de críticas por parte de numerosos sociólogos como sendo uma causa fundamental da alienação do homem moderno Impôs além disso uma separação entre os executantes 147 trabalhadores manuais e as outras categorias técnicos administrativos comerciais acompanhada de uma hierarquização social Durkheim notara que a divisão do trabalho poderia em certos casos gerar três formas anormais a divisão do trabalho anómico que é a desregulação do mercado e das relações sociais crises económicas e sociais a divisão do trabalho constrangimento que é uma repartição injusta e desigual dos homens entre as funções finalmente a divisão do trabalho burocrática que se distingue por uma superabundância de agentes e uma baixa produtividade M C Blau 1977 Divórcio Segundo a tradição católica o casamento é indissolúvel Na França a Revolução laiciza o estado civil e institui em 1792 o divórcio que pode ser pronunciado por consentimento mútuo como todo o contrato entre pessoas Sujeito a restrições em 1803 proibido de novo em 1816 o divórcio volta a tornarse legal em 1884 lei Naquet tendo por motivo a culpa de pelo menos um dos cônjuges divórcio sanção Uma lei de 1975 testemunha a evolução dos costumes ao tornálo mais fácil e ao reintroduzir o consentimento mútuo Verificase uma subida lenta e regular do número de divórcios após 1884 independentemente dos fogachos consecutivos das duas guerras depois uma estabilização em torno de 1 em 10 casamentos nos decénios 1950 e 1960 mas a partir de 1970 dáse um aumento contínuo muito forte sem efeito aparente da lei de 1975 até 3 divórcios por 10 casamentos em 1985 são estes os factos observados Os divorciados tornam actualmente a casarse com menos 148 frequência A coabitação em todas as idades e nomeadamente juvenil Roussel 1978 substituise muitas vezes ao casamento que como instituição parece em crise Fundadas mais no sentimento e nas conveniências individuais as uniões tornamse mais frágeis O aumento do trabalho feminino assalariado fora do lar que dá mais independência às mulheres o prolongamento da esperança de vida que aumenta a duração média de uma união contraída na juventude são factores a relacionar com a subida do número dos divórcios Uma proporção considerável de crianças cresce mais frequentemente na companhia de um só dos seus dois progenitores Mas viuvezes e recasamentos frequentes provocavam outrora situações análogas A um destino aceite correspondem hoje decisões voluntárias de consequências psicológicas e sociais difíceis de apreciar Os divórcios tal como as uniões têm cada vez mais a ver com o domínio privado mas a perpetuação do grupo e a transmissão 81 de um património biológico e cultural estão em causa A sociedade deverá encontrar formas jurídicas em relação com os novos comportamentos A França encontrase numa posição média no conjunto dos países industrializados Com ligeiros desfasamentos no tempo e tendo em conta a situação de partida a alta dos divórcios é geral na Europa Ocidental e os desníveis cada vez menos sensíveis se se exceptuarem os países nórdicos que vão com avanço sob este aspecto Nos Estados Unidos da América os divórcios envolvem um em cada dois casamentos Na URSS as suas oscilações 149 acompanham bastante de perto as modificações legislativas que os tornam ora mais ora menos fáceis A G Commaille 1978 Commaille et al 1983 Dom vd Troca Potlatch Dominação M Weber 1922a define a dominação como a possibilidade de encontrar pessoas determináveis prontas a obedecer a uma ordem Nesta perspectiva o que é constitutivo da dominação é a presença efectiva de um indivíduo que manda em outros com sucesso mas a dominação exercese muitas vezes no quadro de um agrupamento cujos membros pela própria aplicação dos regulamentos estão sujeitos a relações de domínio A dominação não é portanto sempre nem necessariamente política só se torna tal em ligação com um agrupamento territorial cuja direcção administrativa é susceptível de recorrer ao constrangimento físico Weber reconhece em particular a importância da dominação de fundamento económico em virtude de uma constelação de interesses mas tende a privilegiar nos seus escritos a dominação em virtude da autoridade duplamente caracterizada pelo poder de mandar e pelo dever de obedecer A relação do mando e da obediência é para ele o traço fundamental da dominação está em particular na base de toda a dominação política ainda que esta tente geralmente fortalecerse por uma reivindicação específica de legitimidade Pode igualmente à maneira de A Giddens 1979 1984 verse na dominação uma propriedade estrutural dos 150 sistemas sociais deixa então de ser encarada sob o aspecto das relações entre actores para sêlo em termos de recursos e consiste numa distribuição assimétrica de recursos de duas ordens distintas uma das quais implica o controlo dos objectos e dos bens recursos de abono e a outra o domínio sobre as pessoas recursos de autoridade Esta concepção permite pensar a relação entre dominação e poder em termos de complementaridade o poder só opera com base nas assimetrias de recursos inerentes às estruturas de dominação e reciprocamente a dominação depende para a sua própria manutenção do jogo das relações de poder e da implementação dos recursos que elas implicam Convém acrescentar Chazel 1983 no entanto que o poder não contribui apenas para reconstituir ou para reproduzir as estruturas de dominação existentes ele pode participar na constituição e na produção de estruturas de dominação diferentes Com efeito as estruturas de dominação estão destinadas a ser transformadas ou destruídas são ou serão historicamente circunscritas De uma maneira geral o conceito de dominação deve ser manejado com prudência o que está longe de ter acontecido num período recente 82 a dominação é sem dúvida uma dimensão significativa da análise sociológica mas não poderá tornarse no seu princípio central ou mesmo único e se devemos com Weber reconhecer a importância dos processos de reforço simbólico da dominação a expressão dominação simbólica é demasiadas vezes empregada sem precaução sem 151 conhecimento do campo de aplicação pertinente da noção F C Bourdieu 1980 Clegg 1974 1979 DURKHEIM Émile sociólogo francês Épinal 1858 Paris 1917 Se se quiser resumir com uma palavra as múltiplas facetas da teoria do fundador da sociologia francesa escolherseá seguramente o conceito de integração Porquê e como é que os indivíduos são integrados na sociedade Esta interrogação atravessa do princípio ao fim todas as pesquisas conduzidas por Durkheim A partir da sua tese De la division du travail social 1893 onde se interroga sobre a natureza e as causas da evolução das sociedades modernas para uma maior diferenciação das funções sociais Durkheim levanta de novo a questão da origem da ordem social contesta as explicações artificialistas por meio do contrato e propõe uma teoria fundada na norma e na sanção como condições primeiras de toda a vida em sociedade Se vai buscar a H Spencer a tese geral da evolução das sociedades modernas para uma maior divisão do trabalho separase dela na explicação Para Durkheim esta mudança macrossocial advém não porque seja útil e corresponda a uma qualquer finalidade mas porque é gerada por causas mecânicas como o aumento do volume da densidade da população e das relações sociais Estas ideias são retomadas e aprofundadas em Le Suicide 1897 Durkheim vê neste fenómeno e seu crescimento no séc XIX a confirmação da sua tese relativa às consequências do individualismo e da má integração dos indivíduos nas sociedades modernas Esta forma de suicídio que ele qualifica de egoísta distinguese do suicídio altruísta que é a 152 consequência de uma demasiado forte integração estrutural por exemplo o suicídio no exército e nas sociedades arcaicas e do suicídio anómico que decorre de uma ausência de regulação normativa por exemplo anomias económica e sexual A integração está ainda presente em Les Formes élémentaires de la vie religieuse 1912 onde define a essência do religioso pelo sagrado pois que nem o sobrenatural nem o transcendente preenchem as condições de uma definição universal da religião Ao sagrado convém juntar as crenças o ritual e uma Igreja símbolo da comunidade dos fiéis Para Durkheim o sagrado é um elemento colectivo e impessoal é a própria sociedade A integração é por fim um conceitochave da sua sociologia da educação e da família duas instituições que contribuem para a socialização dos indivíduos da qual Durkheim umas vezes descreveu com precisão outras vezes penetrou os mecanismos que as pesquisas contemporâneas redescobrem explicitam e teorizam a um nível de abstracção mais elevado M C Durkheim 1922 1925 1938 83 E Ecologia A ecologia é a ciência que estuda as relações entre os seres vivos e o seu ambiente mostra como é que se estabelecem sistemas de dependência entre os vários elementos de um meio A ecologia designa também um movimento de opinião empenhado em defender os 153 equilíbrios naturais de que os homens fazem parte e que estão ameaçados pelo desenvolvimento económico incontrolado No início dos anos 70 o Clube de Roma lançou um grito de alarme contra as poluições irreversíveis O homem não pode continuar a ser concebido como um conquistador face a uma natureza hostil ou generosa mas como um elemento dos sistemas naturais que asseguram a sua sobrevivência Os movimentos ecológicos podem aparecer como um dos efeitos da crise da cultura industrial voltando ao tema dos equilíbrios imutáveis Mas na maioria dos países industriais foram além dessa reacção de crise opondose à indústria nuclear cujos perigos para hoje e para as gerações futuras sublinharam Puseram também em causa os poderes e os aparelhos que decidiram acerca dos programas nucleares sem controlo político e democrático Multiplicaramse manifestações na França e na Alemanha Federal ao mesmo tempo que os militantes propunham diversas alternativas energéticas e sociais pela adopção de um modelo de vida mais comunitário Entretanto para já a passagem à acção política só se fez significativamente na Alemanha F D Economia e sociologia As relações entre estas duas disciplinas apresentamse como mais ou menos harmoniosas segundo os contextos e as épocas O sociólogo italiano V Pareto é ao mesmo tempo um grande economista Em Marx economia e sociologia combinamse estreitamente Os sociólogos clássicos alemães G Simmel e M Weber interessamse pelos trabalhos dos marginalistas austríacos e sugerem que a psicologia pode tirar deles lições de método 154 Em contrapartida a economia quase não tem lugar em A Comte E É Durkheim considera a teoria económica como uma especulação metafísica destinada a ser ultrapassada pelos progressos da sociologia disciplina à qual como Comte confere um papel imperial Actualmente a sociologia tornouse em geral menos intolerante para com a economia Por um lado porque a importância do paradigma do individualismo metodológico é melhor compreendida pelos sociólogos Ora a teoria económica acompanha muito frequentemente este modo de pensamento que os sociólogos conceberam muitas vezes como contraditório com a essência de uma disciplina votada a interessarse pelos fenómenos colectivos como se os fenómenos económicos não fossem também eles colectivos Por outro lado os sociólogos medem melhor os inconvenientes que há em conceber o actor social o homo sociologicus como um sujeito inteiramente passivo manipulado por forças sociais que escapam ao seu controlo e largamente inconscientes O homo sociologicus tende hoje a ser concebido como capaz de intenções de estratégia de cálculo Assim aproximase do homo oeconomicus tradicional Será isto dizer que as duas disciplinas devem confundir se Não Por um lado porque elas estão interessadas em objectos diferentes 84 Por outro lado e principalmente porque o modelo clássico do homo oeconomicus que supõe o comportamento do actor guiado por uma racionalidade definida de maneira estreita 155 se é útil para analisar não apenas os fenómenos económicos que têm sobretudo a ver com a sociologia é também em muitos outros casos insuficiente Os esforços recentes feitos pelos economistas para aplicar este modelo por exemplo ao divórcio ao casamento ou ao crime deram apenas resultados modestos Porque em muitos casos o actor social é confrontado com situações cuja complexidade é tal que não pode dominálas por processos racionais em sentido estrito Ora uma das contribuições da sociologia para a família das ciências sociais é o ter esboçado uma teoria aberta da racionalidade R B Boudon 1979 Simmel 1900 Weber 1922a Educação sociologia da A educação interessa a duplo título as ciências sociais e mais particularmente a sociologia sejam quais forem os costumes os usos e os modos de pensamento dos povos numa palavra a sua cultura esta é lhes primeiramente transmitida por outro lado esta transmissão fazse pela mediação de instituições algumas das quais desempenham um papel social crescente Este duplo aspecto pode recobrir uma clivagem disciplinar etnólogos e psicossociólogos interessarseão mais pela transmissão e seus efeitos individuais economistas e sociólogos pelo funcionamento das instituições e pelo seu contexto social Mas tratase de pistas que segundo a época e o ponto de vista caminharão em paralelo ou misturarão o seu curso O ponto de vista da sociologia da educação revela uma tal confluência para E Durkheim 1895 a educação é um fenómeno social fundamental o meio social tende a modelar a criança à sua imagem Simultaneamente é obra 156 de instituições históricas que como a escola integram o homem moderno em toda a espessura de uma tradição Durkheim 1922 A aliança da psicanálise da psicologia social e da antropologia vai num primeiro tempo promover a primeira pista A modelação evocada por Durkheim pode encontrar ecos na restrição social das pulsões e contribuir para orientar a investigação para o papel desempenhado pelas diversas culturas na constituição de personalidades específicas Esta direcção foi nomeadamente entre as duas guerras a da antropologia cultural americana A segunda pista era pouco seguida durante o mesmo período Faltavalhe sem dúvida o estímulo de uma pressão social que pouco tempo após a Segunda Guerra Mundial se tornou cada vez mais forte Os anos 50 assistiram à implantação de um fenómeno cuja amplidão não deixará de aumentar a escolarização de massa Caracterizada pelo aumento contínuo dos efectivos escolares e pelo prolongamento crescente da escolaridade está ligada a diversas causas modificação do equilíbrio dos grandes sectores económicos e emergência poderosa do terciário elevação geral do nível de vida nos países indastrializados e crescimento dos investimentos escolares desejo de ruptura das barreiras sociais e promoção de ideais democráticos Mas muito rapidamente este crescimento escolar revela profundas inadaptações os sistemas escolares europeus datam do séc XIX e apresentamse já vetustos repelem ainda milhares de jovens saídos dos meios populares quando faltam de facto técnicos 85 157 engenheiros quadros professores privilegiam uma cultura humanista no exacto momento em que a indústria requer competências técnicas Mas para além de tais verificações transparece a urgência de conhecer melhor a escola e o seu funcionamento a fim de poder agir sobre ela e transformála Em menos de quinze anos sucederamse inquéritos e reformas escolares na maior parte dos países industrializados que fornecem à sociologia da educação um novo impulso e matéria renovada Os inquéritos de demografia escolar INED 1970 revelam a selecção social operada pelos vários sistemas escolares e a confusão de competências que isso representa Democratizar a escola tornase então a palavrachave das reformas Mas uma vez estas implantadas as transformações revelamse lentas e de pouco efeito será de facto a escola um instrumento de democratização A sua função social profunda não será antes reproduzir as desigualdades inerentes a uma sociedade de classes Bourdieu Passeron 1970 Baudelot Establet 1971 Inscrita num sistema em que estratificação social e hierarquia das competências caminham a par poderá a escola ter um outro efeito Boudon 1973 Parada e objecto permanente de estratégias de açambarcamento funcionará como uma armadilha Berthelot 1983 Estas perguntas sugerem não apenas respostas mas abordagens diferentes Algumas reencontram a confluência originária das pistas a escola reproduz as desigualdades sociais difundindo uma cultura de classe que modela os indivíduos no mais profundo e que estabelece como legítimas as desigualdades Bourdieu Passeron 1970 Outras inversamente aplicam a este campo um modelo de análise saído da economia os indivíduos são actores que procuram rendibilizar o melhor possível o seu 158 investimento escolar os factores de conjunto verificados resultam da agregação de múltiplas decisões individuais no seio do espaço social definido pela escola Boudon 1973 Cherkaoui 1982 Entretanto a escolarização impõese em cada situação como objecto privilegiado da sociologia da educação Os anos 80 registam uma nova evolução a escolarização de massa parece ter transformado os sistemas escolares em monstros impossíveis de gerir que segregam o fracasso e a incompetência mas simultaneamente os novos rigores do ambiente socioeconómico tendem a fazer apelo à escola ou às suas variantes para gerir a todos os níveis a formação ou a reciclagem de contingentes cada vez mais numerosos e diversos Gigantismo escolar e multiplicação das funções criam assim uma opacidade e uma complexidade novas Segundo diversos pontos de vista e com base em vários objectos implantase então uma espécie de quadriculado dos sistemas de formação ensino inicial e formação contínua ensino geral e ensino profissional itinerários de formação e processos de orientação os trabalhos multiplicamse tendem muitas vezes ao contrário das grandes construções anteriores a penetrar no mais profundo das situações escolares concretas para aí captar tanto o seu modelo de construção social como a razão dos seus feitos Mollo 1986 JM B IsambertJamati 1970 Plaisance 1986 Tanguy 1986 Egoísmo A palavra egoísmo não teria sentido específico em sociologia se É Durkheim não tivesse feito uso dela na sua obra não sem alguns equívocos Nos seus primeiros textos é 159 caracterizado como 86 egoísta o indivíduo movido pelos seus interesses próprios tal como o concebem os economistas e os utilitaristas Nos seus textos tardios o egoísmo é identificado com as paixões e as tendências que derivam da constituição individual orgânica do homem por oposição à sua constituição social Em ambos os casos o egoísmo aplicase a um indivíduo présocial Mas o egoísmo pode ser também um produto da sociedade O culto da pessoa humana tornase o valor central das sociedades modernas Este individualismo moral não se confunde com o egoísmo mas contribui para o seu desenvolvimento Vêse isso bem em Le Suicide 1987 com o tipo de suicídio que Durkheim chama egoísta É aquele que procede de uma integração insuficiente do grupo social de pertença Essa falta de coesão social gera uma ligação insuficiente do indivíduo ao seu grupo Neste sentido o tema do egoísmo como doença das sociedades modernas é central na sociologia de Durkheim Para lhe dar remédio é preciso fazer com que o indivíduo saia de si próprio levandoo à prossecução de grandes objectivos colectivos PH BD Besnard 1987 Durkheim 1925 Eleitoral sociologia Ramo da sociologia que tem por objecto a explicação do voto Distinguiremos dois tipos de abordagem consoante a natureza dos dados utilizados O primeiro que se inscreve na tradição dos trabalhos de A Siegfried 1913 assenta em 160 dados colectivos e procura estabelecer relações entre a distribuição dos votos e certas características sociais políticas geográficas ou históricas no quadro de unidades territoriais definidas embora recorrendo a técnicas diferentes a geografia eleitoral que se apoia essencialmente na representação geográfica dos fenómenos e a ecologia eleitoral que faz apelo a diversas técnicas estatísticas pertencem a esta mesma categoria A segunda abordagem de inspiração psicossociológica e de tradição anglosaxónica assenta em dados individuais recolhidos por meio de inquérito Estes dois tipos de abordagem apresentamse como complementares Paradoxalmente se a sociologia eleitoral conheceu um desenvolvimento considerável desde o início do século o paradigma sobre o qual ela fundamenta a sua posição não mudou praticamente consiste no essencial em procurar as determinações do voto Esta postura pôde recorrer a vias diferentes Procurarseá na maioria das vezes os determinantes sociais do comportamento eleitoral os numerosos estudos de tipo sociográfico que põem em relação a orientação eleitoral com uma bateria de variáveis explicativas tais como a classe a religião o património o rendimento etc pertencem a esta categoria Por vezes a orientação irá no sentido da análise de determinantes psicossociais o modelo de Michigan Compbell et al 1960 segundo o qual o eleitor americano geralmente pouco interessado pela política e incapaz de ter uma opinião pessoal é guiado pela sua identificação herdada forte e estável com um dos dois partidos é representativo deste tipo de problemática Diferentes nos seus conteúdos ambos os modelos fazem apelo ao mesmo tipo de explicação 161 A acumulação dos trabalhos sobre as determinações do voto não é desprovida de interesse heurístico Ao comprovar algumas proposições tais como o nível de prática religiosa 87 exerce sobre o voto uma influência maior que a pertença a uma classe social ela fixou úteis pontos de referência Mas o principal contributo desta postura é o de ter revelado os seus próprios limites verificouse que tendo em consideração as variáveis explicativas mais consistentes não se podia praticamente explicar mais que um terço da variação do voto tomouse igualmente consciência da fragilidade das relações mais bem asseguradas da dificuldade de interpretálas e do seu limitado alcance explicativo Ao descobrir que não podia haver sobreposição entre a morfologia social e as clivagens eleitorais foise levado a uma relativização progressiva dos esquemas iniciais e a uma visão menos mecanicista dos efeitos de estrutura Ao mesmo tempo de resto a análise das determinações que tinha contribuído para privilegiar as continuidades o aspecto estático das estruturas de distribuição dos votos parecia contrariada pelo desenvolvimento da instabilidade eleitoral da fluidez ou volatilidade Começarseá então a considerar que cada eleição é peculiar a dar mais atenção ao tipo e ao modo de escrutínio à oferta eleitoral e à conjuntura A tomada em consideração da configuração dos mercados políticos do voto de risco issue voting do eleitor avaliador em inglês responsive como princípios explicativos está ainda nos seus inícios Mas ao passar da 162 noção de eleitorados caracterizada por determinações colectivas para a do eleitor autónomo capaz de seguir uma estratégica a sociologia eleitoral parece orientarse para um novo modo de compreensão susceptível de renovar profundamente a disciplina D D Gaxie 1985 Lavau 1986 Elite V Pareto 1916define a elite ou as elites de duas maneiras diferentes mas complementares Segundo a primeira que é estritamente estatística a elite é uma categoria social composta por indivíduos que têm a nota mais elevada no seu ramo de actividade São por exemplo os grandes artistas sábios homens de Estado oficiais superiores do exército jogadores de xadrez ou desportistas os que têm maiores rendimentos seja a origem das suas riquezas honesta ou desonesta Esta definição ampla objectiva e neutra que sublinha a desigualdade entre os indivíduos é rapidamente abandonada por Pareto a favor de uma outra fundada no exercício do poder A elite é constituída nesse caso pelos indivíduos que exercem funções dirigentes Ele divide esta classe em duas a elite governamental que desempenha um papel fundamental na direcção do Estado e a elite não governamental Para Pareto a elite existe e governa em todas as sociedades seja qual for o regime político democracia monarquia república etc ou as instituições económicas capitalismo socialismo etc A distribuição desigual das riquezas do poder e do prestígio é possível porque o pequeno número governa a massa recorrendo à força ou à astúcia Sem dúvida tais elites não são nem eternas nem 163 estáveis Se a história é segundo a sua expressão um cemitério de aristocracias é porque estas desaparecem por razões demográficas e psicológicas Para perdurar a classe governante tem de ser mantida em número e em qualidade por famílias das classes inferiores que se tornaram poderosas Tem também de relegar para a massa aqueles dentre os seus que perderam as qualidades requeridas para fazer parte da elite No 88 caso de um destes movimentos deixar de fazerse ou pior ainda de ambos ficarem bloqueados a classe governante ficará arruinada Se no conjunto G Mosca 1896 chega às mesmas conclusões reconhece no entanto a especificidade do sistema democrático que permite às diferentes forças sociais participar na vida política e portanto equilibrarse e limitar as suas influências respectivas A teoria da elite com as suas variantes propõese como objectivo uma crítica em regra da concepção marxista das sociedades e sobretudo do poder A dominação política para Marx não é mais que uma consequência da dominação económica da classe que detém os meios de produção O poder político não depende de nenhuma esfera autónoma Pareto e Mosca rejeitam esta redução sublinham a especificidade do poder como dimensão essencial da estrutura e do funcionamento das sociedades A bem dizer nem Marx nem os seus sucessores encontraram resposta satisfatória para os problemas das elites quando foram com eles confrontados sob um dos seus aspectos mais importantes o do papel dos intelectuais no partido e na 164 revolução Para Lenine 1902 1918 o proletariado deixado sozinho desenvolve uma consciência tradeunioniste Só um partido revolucionário disciplinado poderia levar os sectores mais avançados do proletariado a conduzir uma luta pela tomada do poder O partido é a vanguarda da classe operária não se confunde com ela O ideal socialista da auto emancipação do proletariado é de facto negado o que fará dizer a R Luxemburgo que a ditadura do proletariado se transforma em ditadura do partido Assim fica ilustrado o sólido fundamento das análises dos teóricos das elites A antinomia fundamental elitemassa não fica resolvida E mesmo os esforços de A Gramsci 1914 1926 que se afastará mais tarde da concepção leninista virão perderse neste impasse cuja saída ilusória ele só vê na liquidação do partido Alguns estudos sobre as elites como os de C W Mills tentam em vão construir uma síntese entre a escola elitista e o marxismo Outros pelo contrário ao afastaremse do ecumenismo forçado contribuem para clarificar o problema das elites nas sociedades contemporâneas analisam a diversidade dos critérios de estratificação das instituições ao interrogaremse sobre a especialização a concorrência a multiposicionalidade ou a coerência das elites que dirigem as diferentes instituições Ora estes problemas estão no cerne do debate sobre a natureza do regime político particularmente a democracia À tese marxizante de certos sociólogos segundo a qual as diferentes elites têm um interesse comum o da sua pertença alguns opuseram a existência de grupos de pressão de interesses muitas vezes contraditórios Esta multiplicidade dos centros de interesse e de decisão mais ou menos autónomos é uma garantia de moderação e de equilíbrio 165 resultante este não de um artifício constitucional mas de realidades socioeconómicas A teoria da poliarquia de R Dahl 1956 que deve ser entendida como idealtipo e não como princípios constitucionais historicamente observáveis encontra aí uma das ideiaschave de Tocqueville 1856 M C Emigração vd Imigração Migração Empatia Compreensão por parte de um indivíduo do comportamento 89 de outrem fundada na sua própria experiência Esta palavra entrou no vocabulário da psicossociologia como uma tradução do termo alemão Einfühlung que designa inicialmente o processo pelo qual um indivíduo que observa os gestos de outrem ligaos a sensações vividas e projecta sobre outrem essas sensações A palavra empatia foi utilizada de facto no sentido mais geral de aptidão para se pôr no lugar de outrem tornandose quase sinónimo de simpatia Os testes sociométricos permitem medir a empatia entendida como a capacidade de prever as escolhas ou rejeições dos outros membros do grupo isto é os seus sentimentos positivos ou negativos em relação a si ou em relação aos outros PH BD Empreendedor Devese a J Schumpeter 1942 a apresentação mais sugestiva daquilo que deve entenderse 166 por empreendedor Numa economia capitalista a função de empresa deve ser distinguida da propriedade ao serviço da qual ela se coloca O empreendedor é um demiurgo que sabe tirar partido das inovações tecnológicas reunir os capitais disponíveis encontrar e organizar a força de trabalho indispensável à implementação de um projecto orientado para a procura constante do lucro Mas se é um criador continua a ser também um fiel servidor do capitalismo que gere em nome e no interesse dos proprietários Esta concepção original para a época anuncia as teses sobre o manageriado das empresas que J Galbraith popularizará nos anos 60 Ao concentrarse no empreendedor põe a tónica na dimensão instrumental quase necessária da função no plano económico independentemente das suas implicações humanas ou políticas Contudo como já o assinalava C Gide no início do século o empreendedor representa mais que isso Pelo facto de utilizar uma força de trabalho assalariada ele não é apenas um dador de ordens é igualmente um patrão obrigado a assumir responsabilidades sociais alargados O interesse de um tal alargamento é evidente Trabalhos recentes mostram que os próprios empreendedores não concebem a sua função sem a propriedade dos meios de produção que consideram como um factor de equilíbrio social quando não lhes parece estar mesmo na base das hierarquias existentes Bunel Saglio 1979 Inscrevem também a sua acção num desígnio mais vasto que o da sua empresa e que só tem sentido sob a óptica do destino das famílias que lhes concedem o seu apoio Integrar a dimensão familiar é pôr a tónica no carácter necessário das alianças e na espessura plurigeneracional de um projecto que não deixa de desenrolarse na duração A 167 elite dos empreendedores enraízase designadamente num meio burguês que a ultrapassa por todos os lados e de que ela pouco se diferencia tanto no ponto de vista dos valores como no dos comportamentos Bourdieu SaintMartin 1978 Até ao presente a quebra tecnocrática que deveria ter acompanhado a passagem a formas não familiares de propriedade não trouxe consigo perturbações visíveis do meio patronal Contentarnosemos pois à semelhança de SaintSimon em considerar os patrõesempreendedores como a fracção industrial da burguesia F G Galbraith 1967 Empregado A observação feita por M Crozier 1965 segundo a 90 qual não há definição satisfatória do empregado mantémse actual É preciso desconfiar nomeadamente das confusões provocados pela sua assimilação aos colarinhos brancos Mills 1951 ou aos terciários Praderie 1968 Durante muito tempo o termo designou o conjunto dos trabalhadores assalariados não manuais do sector privado que se situavam na base da linha hierárquica Mas a fronteira que separa os empregados ou o pessoal de serviço assim designado dos funcionários subalternos civis ou militares apresentase débil sob o aspecto das similaridades das suas condições de emprego e das finalidades do seu trabalho que os distinguem dos operários em particular Por isso habituámonos na esteira do INSEE a englobar por 168 comodidade esses diversos subgrupos para melhor opôlos às categorias profissionais e técnicas por um lado e às categorias manuais por outro A longo prazo é inegável a expansão deste grupo Como o tinha pressentido M Weber no início do século ela acompanhou de início a burocratização da administração pública Estendeuse seguidamente às empresas que muito contribuíram para o aumento dos efectivos para a transformação das tarefas terciárias e para a redução das diferenças de remuneração entre os agentes administrativos na França durante os últimos trinta anos Os empregados que eram perto de 3 milhões em 1968 ascendiam a 55 milhões de pessoas em 1985 ao passo que a população activa total não chegara a aumentar de um milhão entre essas duas datas Actualmente mais de um trabalhador em quatro pode ser catalogado entre os empregados que são mulheres na sua maioria 78 por cento A maior parte ocupa empregos de escritório que parecem em regressão desde 1983 ao passo que os empregos oferecidos pelo comércio continuam a progredir fortemente O que distingue ainda o grupo é a sua relativa juventude que ressalta mais no sector privado 59 por cento têm menos de 35 anos que na função pública 47 por cento Donde a fraqueza dos salários declarados que são muito inferiores aos dos operários qualificados e que se explica em parte pela mediocridade dos seus diplomas Do ponto de vista das condições de trabalho os empregados diferenciam se pouco dos operários grupo donde saíram 81 por cento deles No seu conjunto pela sua idade pela sua mobilidade profissional e geográfica grande número dentre eles são cidadãos de fresca data pelo seu estado de celibatários de locatários eles constituem manifestamente um meio de 169 transição sujeito a uma incessante renovação dos seus efectivos Compreendemse então as dificuldades com que a sociologia se debateu quando se interessou por esse conjunto A partir de 1912 E Lederer 1912 consegue isolar um grupo de empregados do conglomerado das classes médias Pela análise de orçamentos familiares ele mostra a heterogeneidade da categoria que apresenta como que balançando entre a burguesia e o proletariado Para M Halbwachs 1938 a originalidade dos empregados está ligada ao facto de trabalharem não sobre uma matéria inerte como os operários mas sobre as regras sociais as relações humanas suscitadas por toda a actividade moderna Ideia que se encontra de novo em M Crozier para o qual o grupo se distingue menos do mundo operário pelo seu estatuto que pelas suas expectativas e possibilidades objectivas de mudar de condição F G 91 Emprego do tempo As actividades da vida quotidiana ocupam cada uma durações diferentes o emprego do tempo faz a sua medição Vários métodos de observação foram empregados desde os primeiros inquéritos por sondagem nos anos 20 na União Soviética e no início dos anos 50 na França Um inquérito sobre os empregos do tempo foi realizado em 1985 pelo INSEE Cada pessoa interrogado preenche uma grelha do seu emprego do tempo quarto de hora por quarto de hora para a duração de um dia Estes dados permitem calcular 170 tempos médios passados no trabalho nas tarefas domésticas nas necessidades pessoais e nos tempos livres Graças a estes inquéritos o tempo de transporte nomeadamente entre o domicílio e o local de trabalho é melhor conhecido e teve se isso em conta na disposição do território nos anos 60 A acumulação dos inquéritos torna possíveis as comparações longitudinais Os empregos do tempo permitem estabelecer a evolução da repartição entre o trabalho e o não trabalho a partilha das tarefas domésticas entre os membros do lar e a arbitragem entre as várias actividades de tempos livres N H Entrevista A entrevista é utilizada em ciências sociais com o objectivo de recolher informações verbais Põe frente a frente um inquiridor e um inquirido Existem vários tipos de entrevista que podemos classificar consoante o grau de liberdade que deixam aos parceiros O recurso ao questionário fechado é o mais limitativo a formulação o número e a ordem das perguntas o leque das respostas são previamente fixados A entrevista não directiva inspirada numa técnica de terapia apurada por C Rogers 1942 é a mais aberta O inquiridor contentase em propor um tema de exploração ao inquirido intervindo apenas para facilitar a sua expressão e relançála reformulando os seus propósitos A riqueza da informação recolhida o seu nível de profundidade estão em função da liberdade deixada ao inquirido Michelat 1975 Esta é no entanto relativa A iniciativa da entrevista o seu objecto escapamlhe A idade o sexo o meio social o tipo físico do inquiridor e mesmo as suas convicções políticas e religiosas influenciam as suas respostas Hyman 1954 A fortiori o 171 comportamento verbal e não verbal do inquiridor ao longo da entrevista relançamento ou silêncio sorriso etc mostra se determinante A não directividade pura não existe Kandel 1972 Entre estes pólos encontramse formas intermédias como o questionário aberto que dá ao entrevistado liberdade para as suas respostas a entrevista semidirectiva estruturada por um guia de entrevista a entrevistastress em que o inquiridor contradiz deliberadamente o inquirido a entrevista de grupo em que os participantes se relançam entre si Estas técnicas são complementares e a sua escolha depende do tipo de conhecimento visado Para explorar um universo simbólico religioso profissional ou político a entrevista não directiva junto de um pequeno número de casos é o instrumento ideal Para medir a intensidade e a frequência das atitudes manifestadas será o questionário estandardizado junto de uma ampla amostra que permite um tratamento estatístico das respostas E para testar a sua coerência será a entrevistastress N M Bianchet et al 1985 Cannel 1953 Pagès 1970 92 Equilíbrio vd Sistemas teoria dos Tríade Escravatura A escravatura designa uma situação jurídica explícita ou táctica na qual um ser humano é catalogado na categoria dos bens móveis e imóveis de que um proprietário pode usar à sua vontade Historicamente a escravatura 172 nasceu com a guerra quando os vencedores puderam considerar vantajoso poupar a vida dos vencidos e utilizálos em seu proveito Na imensa maioria dos casos os escravos foram destinados primeiro que tudo para usos domésticos Raros são os casos de grupos de escravos adstritos aos trabalhos dos campos Só quase os encontramos na Antiguidade grecoromana na Baixa Mesopotâmia na época abássida nas plantações do Novo Mundo A instituição desempenha um papel económico absolutamente despiciendo nos impérios Esta rareza pode explicarse pelos custos de aquisição de manutenção e de vigilância das equipas numerosas de escravos Uma população de agricultores livres ou semilivres não é muito mais rendível para uma elite dominante A escravatura não pode ser transformada pois na noção de escravismo que designaria um estádio da evolução das sociedades humanas É uma instituição ligada a um cálculo de rendibilidade que assenta na liberdade e na não liberdade do trabalho humano É por isso que os campos de concentração dos totalitarismos contemporâneos devem ser considerados como formas renovadas de escravatura J B Centre de recherche dhistoire ancienne 1972 Meillassoux 1986 Verlinden 1955 Estadoprovidência O termo Estadoprovidência aplica se grosso modo aos Estados que implantaram sistemas alargados de protecção social e aos que praticam políticas de redução das desigualdades económicas e sociais O Estado providência é um Estado social que em nome da segurança ou da igualdade se substitui parcialmente ao mercado eou 173 corrige os seus resultados A expressão Estadoprovidência é relativamente recente nasceu de uma tradução aproximativa do inglês Welfare State Esta noção não está isenta de ambiguidades e evolveu à medida que se foi desenvolvendo o Estado social Esquematicamente podem distinguirse duas principais formas de Estadoprovidência que se sucederam na maioria dos países ocidentais o Estado protector e o Estado redistributivo O Estado protector que se desenvolveu a dos anos 30 visava primeiro que tudo limitar os custos sociais do mercado e garantir uma certa segurança face aos mais importantes riscos económicos desemprego doença velhice etc O Estado redistributivo desenvolvido nos anos 60 e 70 procura estabelecer uma certa igualdade a redução das desigualdades económicas e sociais tornase então uma das missões essenciais da acção pública à qual tendem a ser ligadas ou subordinadas as políticas sociais no seu conjunto Esta evolução foi travada ou estorvada em fins dos anos 70 um pouco mais tarde na França em razão da crise económica e também da tomada de consciência dos efeitos perversos das políticas igualitárias dos anos precedentes PH BN Estado sociologia do Na origem da sociologia política moderna 93 MWeber dedicouse ao estudo dos factos de dominação de autoridade e de poder que o levou a ver no Estado uma das manifestações históricas do político que ele define como um 174 agrupamento de dominação política de carácter institucional na medida em que os seus governantes reivindicam com sucesso o monopólio da violência física legítima Elaborando a sua famosa apologia das formas de legitimidade sublinha as relações de influência entre tipos de crenças formas de organização e sistemas económicos que lhe permitem pensar a articulação entre Estado burocracia e capitalismo Por meio desta sistematização flexível chega à integração da diversidade histórica num quadro conceptual único sem no entanto perder aquilo que faz a singularidade de cada regime O estudo do Estado ordenouse à volta de duas grandes perspectivas a abordagem de tipo social largamente dominante do imediato pósguerra ao fim dos anos 60 parte da sociedade para compreender as funções e os papéis desempenhados pelos Estados modernos a outra mais recente que se desenvolve sobretudo a partir dos anos 70 constitui uma abordagem mais política considerando o Estado não já como uma resultante mas como uma variável a explicar do mesmo modo que é explicativa Encarando o Estado como um actor e uma instituição esta última interrogase mais concretamente sobre a capacidade dos Estados para realizar objectivos que a si próprios fixaram assim como sobre o seu impacte tanto sobre a formação e a estruturação das classes sociais como sobre os modos de protesto social ou sobre a cultura política Os autores marxistas que se interessarão pelo Estado na sequência de uma leitura de A Gramsci e da contribuição do estruturalismo de Althusser partilharão esta mesma tendência para a generalização que os conduziu na maioria das vezes a discussões confusas a propósito das funções que 175 todos os Estados deviam partilhar dentro de um modo de produção numa fase de acumulação capitalista ou em ligação com a sua posição no sistema capitalista mundial Serão levados a afirmar a autonomia relativa do Estado como N Poulantzas farão desta um traço necessário do modo de produção capitalista reconhecendo ao mesmo tempo de maneira pouco convincente que o Estado funciona invariavelmente para estabilizar o sistema político no seu conjunto O desenvolvimento de uma abordagem mais estritamente política está ligado à irrupção do tema da crise do Estado providência No entanto a própria natureza deste último levou por vezes a um deslizar para o tema mais específico mas também mais polémico da governabilidade das democracias Ligado ao sentimento aparentemente paradoxal de um Estado cada vez mais intervencionista e cada vez menos eficaz o pôr em causa do Estado providência é da iniciativa daqueles que na esteira de J Habernas viam na situação presente o indício de uma crise fiscal susceptível de desembocar numa crise de legitimidade apta a revelar as contradições inerentes ao desenvolvimento do capitalismo avançado Este pôr em causa vem também dos que deploravam a sobrecarga dos governos por excesso de democracia ou ainda daqueles que na escola do Public Choice aplicando os raciocínios do individualismo metodológico à exploração das escolhas políticas e institucionais responsabilizavam as burocracias públicas e os mecanismos 94 176 de representação política pelo peso excessivo dos orçamentos públicos Mas a tónica colocada nas especificidades de construção estatal permitiu graças à análise comparativa circunscrever melhor o estilo de intervenção pública policy style próprio de cada país proporcionando ao mesmo tempo um quadro de estudo mais realista do funcionamento do Estado A perspectiva da análise das políticas públicas por uma utilização fecunda da sociologia da decisão e da sociologia das organizações contribuiu certamente para renovar a abordagem de um Estado que se encontra muitas vezes mais bem descrito pelos seus políticos A avaliação comparativa das políticas públicas permite além disso revelar os mecanismos próprios de cada Estado através dos quais são definidos e tratados os problemas públicos e portanto explicar melhor como é que países relativamente próximos do ponto de vista económico e político podem produzir soluções diferentes para problemas idênticos Entretanto considerar o Estado como uma variável levou ao desenvolvimento de uma outra aproximação que consiste em circunscrever melhor as relações de estruturação recíproca entre o Estado e a sociedade O Estado já não se define apenas como um conjunto de organizações através das quais agentes públicos se mostram mais ou menos capazes de pôr em acção políticas mas também pela maneira como ele vai afectar a cultura política encorajar a formação de certos grupos permitir ou não a acção colectiva ao mesmo tempo que torna possível a emergência de certos problemas públicos e não outros A análise do Estado beneficiou particularmente dos progressos inegáveis feitos no domínio da sociologia da acção colectiva 177 P D Estatística moral Expressão que aparece quase simultaneamente em L A Quetelet em 1831 e em A H Guerry em 1833 e que designa durante todo o séc XIX o equivalente da sociologia actual de observação quantitativa Quetelet 1835 1869 dá uma definição explícita da estatística moral que Guerry se contenta em ilustrar pelo exemplo Tratase para Quetelet da estatística dos factos sociais não físicos tais como o nível de instrução o tempo consagrado à leitura o alcoolismo a inclinação para a coragem e mais particularmente a inclinação para o crime as estatísticas judiciárias viriam de facto a conhecer um rápido desenvolvimento na Europa e nos Estados Unidos da América a partir de 1830 Estes factos sociais não físicos são mais exactamente segundo Quetelet as qualidades do homem que não podem ser medidas directamente e por isso só podem ser conhecidas pelos seus efeitos Quetelet 1835 P Lazarsfeld 1970 mostrou o equivalente formal entre as formulações de Quetelet e a formalização moderna das variáveis latentes tais como as disposições as atitudes etc Para Quetelet a taxa de criminalidade registada é um resultado aleatório de uma causa constante que ele denomina a inclinação para o crime hoje dirseia a predisposição para matar e de causas perturbadoras Ao raciocinar assim Quetelet não faz mais que transpor a posição de P S Laplace da mecânica celeste para a física social de que a estatística moral é a subdivisão mais importante Em Guerry tal como em Quetelet a estatística moral mostra a constância em longos períodos de taxas tais como as dos crimes capitais e das condenações à morte Guerry 178 acrescenta o cruzamento de variáveis 95 duas a duas nomeadamente para cada departamento entre o nível de instrução e a taxa de criminalidade Quetelet pretende construir a estatística moral com base no modelo da mecânica celeste Constata que as séries se distribuem nela tal como nas observações astronómicas à volta de um valor médio Desse valor abstracto devido à observação em LaplaceGauss ele faz um tipo real Edifica assim o homem médio à volta do qual se distribuem segundo a curva dita normal os valores reais da estatística moral Na Alemanha a Moralstatistik dos discípulos de Quetelet levantou uma longa polémica sobre o problema do livre arbítrio Em França É Durkheim 1897 e M Halbwachs 1912 criticaram ambos o homem médio de Quetelet invocando a coesão social cuja força explicativa é para eles superior à do homem médio Actualmente as estatísticas sociais publicados pelo INSEE são o prolongamento moderno da estatística moral BP L Lebrun 1974 Lottin 1912 Estatuto O estatuto é a posição que um indivíduo ocupa numa das dimensões do sistema social como a profissão o nível de instrução o sexo ou a idade Define portanto a identidade social o papel explícito os direitos e deveres do indivíduo Tem duas dimensões a primeira é vertical e traduz as relações hierárquicas a segunda é horizontal e exprime as interacções entre iguais O papel é o conceito mais fortemente associado ao estatuto O primeiro é 179 dinâmico o segundo estrutural Constituem duas faces de uma mesma realidade ainda que não exista entre eles correspondência estrita pois que a um estatuto podem corresponder vários papéis Um professor por exemplo está em relação com os seus alunos mas estáo igualmente com os seus colegas e a sua administração O estatuto não é unicamente o conjunto de atributos que permitem ao actor social desempenhar um papel define também processos de atribuição Ser médico é uma posição que determina direitos e obrigações nomeadamente em relação aos pacientes Mas se o médico executa mal o seu papel cometendo faltas profissionais o estatuto pode serlhe retirado Por vezes a atribuição do estatuto é difícil em virtude da sua ambiguidade Podemos na esteira de M Weber examinar o estatuto em relação às duas outras dimensões da estratificação social que são a economia e a política Uma posição sobre a dimensão económica é definida pelos interesses económicos relativos à propriedade de bens e às possibilidades de se criar um lucro Uma posição na ordem estatutária é função do prestígio e da honra que são avaliações comuns num grupo social e supõem um consenso mais ou menos geral relativo às normas e valores Os grupos de estatuto distinguemse pelos seus estilos de vida diferentes nível de instrução prestígio do nascimento da profissão modalidades de consumo etc É evidente que as três dimensões não são independentes umas das outras a posição económica determina muitas vezes o estatuto mas este tal como a posição política pode por vezes ser utilizado para obter vantagens económicas Reconhecer o carácter multidimensional da estratificação é aceitar a possibilidade da existência da não congruência dos 180 estatutos ter um nível de instrução muito elevado não significa necessariamente ter um salário elevado A ausência de 96 congruência pode mesmo ser uma fonte de tensão Metodologicamente a existência da não congruência pode ser posta em evidência graças à análise dos efeitos de interacção no sentido estatístico entre os estatutos e a variável que se procura explicar É graças ao conceito de não congruência que se pode explicar porque é que indivíduos saídos da classe operária mas fazendo a experiência de uma mobilidade social ascendente se comportam politicamente de maneira hiperconservadora M C Lenski 1954 Linton 1936 Lipset 1960 Merton 1949 Weber 1922b Estratificação social A estratificação social é a diferenciação das funções ao mesmo tempo hierarquizada e avaliada segundo critérios específicos de cada sociedade Em toda a sociedade seja ela escravista de castas de Estados de ordens ou de classes verificamse repartições desiguais de recursos Alguns como J J Rousseau e Marx vêem na propriedade privada a origem da desigualdade outros como G von Schomoller K Davis e G E Moore julgam encontrar o seu fundamento na diferenciação das posições de importância desigual pela sociedade que requerem competências diferentes e retribuições desiguais outros ainda como É 181 Durkheim 1893 e R Dahrendorf na necessidade para todo o grupo social de ter normas de comportamento e sanções que dividem os indivíduos em conformistas e desviados e geram assim uma desigualdade O problema da origem é em grande parte abandonado pelos teóricos contemporâneos que orientam as suas pesquisas no sentido da clarificação das dimensões da estratificação e suas consequências Para Marx a estrutura de classes definese pela relação à propriedade dos objectos e meios de trabalho O capitalismo é aquele que os detém o operário por seu lado apenas possui a sua força de trabalho Esta tese falha ao deduzir da dimensão económica as outras relações sociais e políticas Para os teóricos das elites Marx ao encerrarse no económico condenouse a não compreender as relações de força políticas e as condições necessárias à acção que estruturam a sociedade em elites e massas É a M Weber que cabe o mérito de ter posto em evidência o carácter multidimensional da estratificação a autonomia relativa de cada uma das três dimensões económica estatutária e política Se alguns tiveram razão em sublinhar a importância da dimensão económica em contrapartida não a tiveram ao querer fazer dela a fonte de todas as repartições desiguais É verdade que uma posição elevada nesta ordem pode favorecer a detenção de posições do mesmo nível nas ordens política e de prestígio Mas esta relação não é nem necessária nem de sentido único uma posição na ordem política exerce igualmente influência sobre a detenção dos recursos económicos e sobre o prestígio de que goza um indivíduo A relativa autonomia das três ordens pode dar origem a distorções entre as posições detidas por um mesmo indivíduo que apresenta o conceito de não congruência do estatuto o 182 mesmo indivíduo pode ocupar posições de valor diferente nas três dimensões A não congruência está por vezes na origem de comportamentos contestatários um grupo economicamente poderoso que se acha por isso no direito de participar no exercício do poder contestará o modo de recrutamento de 97 um patriarcado que detém as funções políticas Os efeitos da estratificação são tão diversos e importantes que não é viável enumerálos todos pois que eles vão da fecundidade até à morte M C Marx 1867 Pareto 1916 Weber 1922a Lipset Bendix 1959 Dahrendorf 1957 Estruturalismo Como faz notar J Piaget 1968 o estruturalismo é um método não uma doutrina e aqui é preciso entender o termo método no seu sentido de abordagem de aproximação de maneira de apreender os problemas Foi primeiramente em linguística que esta noção foi fecunda os sons não são em si mesmos significantes é a sua combinação o seu arranjo a sua interdependência a estrutura da língua que lhes dá um sentido C LéviStrauss aplicou este processo ao estudo das estruturas do parentesco 1949 e sobretudo à análise dos mitos 1958 19641971 São as regras formais de combinação dos elementos de parentesco de mito que dão sentido ao conjunto assim constituído Em todos os casos foram soluções particulares que tal língua tal sociedade adoptou para resolver um 183 problema de comunicação ou de funcionamento Metodologia da análise o estruturalismo consiste portanto em considerar o objecto como uma totalidade que pode ser descrita formalizada a partir dos elementos que a constituem e das relações de interdependência que esses elementos mantêm entre si Desta totalidade procura pôrse em evidência a coerência interna e a permanência no tempo Por isso privilegiase a dimensão sincrónica do objecto de estudo e a sua descrição num dado momento mas não se toma em linha de conta ou só muito dificilmente a sua evolução no tempo Donde a dificuldade e mesmo o fracasso da extensão de uma tal metodologia a outros domínios como a economia ou a sociologia Assim a interpretação estruturalista de Marx põe em evidência que as formações sociais capitalistas e socialistas podem corresponder a estruturas diferentes mas esconde o processo diacrónico que permite a análise da passagem de uma à outra dessas formações o que para Marx era fundamental Quanto ao desvio filosófico ou metafisico do estruturalismo que pôde observarse em França no decurso dos anos 60 é inaceitável dado que leva a atribuir uma realidade àquilo que não é mais que uma ferramenta de análise Para os defensores desta corrente como M Foucault 1966 as estruturas sem serem directamente observáveis mas tendo um fundamento objectivo aquém da consciência e do pensamento constituem o real tornado inteligível por uma organização lógica que torna manifesto o que está apenas implícito Y C 184 Estrutura social Para A R RadclifeBrown 1940 a estrutura social designa a rede complexa de relações sociais que existe realmente e une seres humanos individuais num certo meio natural Mais geralmente a expressão estrutura social é empregada como sinónimo de organização social conjunto das modalidades de organização de um grupo social e dos tipos de relações que existem no interior e entre diversos domínios de toda a sociedade tanto ao nível do parentesco como da organização económica e política Numa perspectiva 98 analítica o estudo da estrutura social de uma sociedade procura explicar a sua organização e o seu funcionamento a disposição das suas várias partes grupos e instituições a sua coerência interna as suas divisões e contradições o seu movimento e as suas mudanças Numa perspectiva comparativa procura identificar os traços comuns e os diferentes entre várias sociedades concretas com o fim de reagrupálos em algumas grandes classes ou tipos Num sentido mais restrito falarseá de estrutura social para designar os elementos estruturais da organização socioeconómica em particular a estrutura socioprofissional dassociedades por oposição aos elementos culturais valores representações que são comuns a um dado grupo social Y C Ethos Para M Weber 1920 1921b o ethos é uma ordem 185 normativa interiorizada um conjunto de princípios mais ou menos sistematizados que regulam a conduta da vida Weber distinguiu ethos e ética sendo esta última noção tomada no sentido etimológico de máximas morais O ethos é um conceito abstracto a que correspondem indicadores empíricos nas esferas económica religiosa moral etc é o caso do puritanismo no qual indivíduos foram socializados das suas acções em particular das suas atitudes em relação ao trabalho à riqueza ao consumo às relações com outrem Foi esse ethos que faltou às economias das civilizações pré capitalistas Para explicar e compreender a relação macrossociológica entre religião e economia Weber é obrigado a traduzila ao nível individual introduzindo o conceito de ethos Este desempenha o papel de variável independente para o comportamento económico dos actores M C Etnia A etnia definese geralmente como uma população designada por um nome etnónimo que se reclama de uma mesma origem que possui uma tradição cultural comum especificado por uma consciência de pertença ao mesmo grupo cuja unidade se apoia em geral numa língua num território e numa história idênticos Contudo cada um destes critérios deve ser ponderado O etnónimo pode ter sido um reagrupamento operado pelas necessidades da administração colonial O nome pelo qual um grupo se designa valorizandose pode diferir daquele pelo qual os vizinhos o designam Em muitas etnias de dimensão variável nas doze mil que se enumeram em todo o mundo a unidade foi reconstruída miticamente e as tradições locais propagaram 186 mitos errados envolvendo tanto as cisões como os reagrupamentos após conquista migração federação aliança Por vezes os membros de uma etnia dominada adoptaram a língua do seu dominador por exemplo no Futa Djalon guineense O mesmo território pode ser partilhado em várias etnias e a mesma etnia pode encontrarse em espaços afastados Arménios Peules Tendo a história oral sido sujeita a manipulações é a identificação dos membros com uma etnia e o seu sentimento de pertença bilateral que especifica a etnia enquanto tal C R Amselle Bazin 1985 Heuse 1953 Nicolas 1973 Etnometodologia Esta escola da sociologia americana deve muito ao seu fundador H Garfinkel 1967 que foi discípulo de 99 T Parsons e em menor medida a autores como A Cicourel 1973 H Sacks in Turner 1974 Garfinkel inspirouse na obra do fenomenologista A Schütz 1971 mas também na tradição pragmatista e na filosofia analítica L Wittgenstein em particular O termo foi inventado em 1954 por analogia com o de etnobotânica para designar os métodos habituais que servem para gerir os assuntos da vida quotidiana como manter uma conversação ou esclarecer um assunto criminal quando se é jurado num tribunal A etnometodologia não é portanto primeiramente uma metodologia sociológica mas um estudo das modalidades práticas rotinas encenações glosas ou 187 explicações da conduta social Garfinkel está impressionado com o paralelismo que existe entre os métodos da sociologia erudita descrever e interpretar os factos sociais e os da sociologia ordinária como saber reconhecer as situações sociais da maneira a adoptar uma conduta pertinente A etnometodologia substituiu ao funcionalismo de T Parsons a ideia de que a ordem social é uma criação concertada e mantida em permanência pela actividade quotidiana dos membros por exemplo membros de uma comunidade de linguagem Mais do que procurar estabelecer as normas sociais que dirigiriam a conduta dos membros a etnometodologia prefere estudar a maneira como eles próprios constroem essa ordem normativa Experimentando com os seus estudantes rupturas da ordem quotidiana Garfinkel põe em evidência o carácter imperioso mas não determinável das pressuposições da vida quotidiana que são vistas sem serem notadas Num estudo célebre consagrado à história de uma transexual Garfinkel mostra como os papéis normativos que cabem à divisão sexual são o resultado de um trabalho prático quotidiano de constituição Reencontrase aqui a influência da fenomenologia para a qual as realidades objectivas incorporam sempre elementos subjectivos Mas a etnometodologia interessase menos pela subjectividade que pela intersubjectividade e pela linguagem que torna visível o sentido das condutas Garfinkel é um empirista convencido que recomenda que se estudem as propriedades formais da intercompreensão mais que recorrer a interpretações sobre os motivos das condutas Afastase assim da tradição da sociologia compreensiva à qual no entanto deve muito A etnometodologia deu lugar nos Estados Unidos da 188 América a muitos estudos sobre as instituições sociais jurídicas ou sanitárias mas também mais recentemente a novos trabalhos em sociologia das ciências Abriu igualmente sob o impulso de H Sacks um domínio completamente novo de pesquisas a análise de conversação Propagada inicialmente na GrãBretanha e na Alemanha a etnometodologia começa agora a ser conhecida na França CEMS 1984 mas os seus textos principais estão ainda à espera de serem traduzidos em francês P P Evolucionismo Fundada na crença dos sécs XVII e XVIII na universalidade do tipo humano e no progresso das civilizações expresso por Condorcet 1795 a corrente evolucionista apoiase no transformismo de Lamarck e nas pesquisas de C Darwin 1859 a respeito da origem das espécies por via de selecçâo natural Da mesma maneira que se observa no mundo natural uma diversificação das espécies e 100 um aperfeiçoamento constante da adaptação ao meio verificase no meio humano uma passagem do simples ao complexo Spencer 18741875 Durkheim 1893 e uma melhoria dos sistemas sociais nos domínios económicos políticos parentais e religiosos Ao mesmo tempo que F Hegel afirma a sua confiança nos benefícios da civilização e situa os não civilizados fora da história exprimese paradoxalmente sob a influência de JJ Rousseau uma nostalgia de um estado mítico de natureza e 189 do antigo que subsiste noutros sítios donde as teorias do primitivismo e a procura das sobrevivências O evolucionismo encontrase dilacerado entre por um lado uma filosofia teleológica da história marcada por uma crença no destino ascendente da civilização e por outro uma determinação da nistória por algum factor predominante biológico Darwin 1859 técnico Morgan 1877 económico Marx 1867 espiritual Frazer 19111915 Numa linha evolutiva única situamse etapas de desenvolvimento diferentes segundo os autores estádios teológico metafísico positivo Comte 18301842 selvajaria barbárie civilização L Morgan sociedades escravista feudal capitalista socialista Marx etc Para compreender esta evolução são elaboradas a partir do saber documental acumulado na época hipóteses muitas vezes arriscadas tendentes a definir após pesquisa das origens passagens reconhecidas na evolução da humanidade com reconstituição dos elos que faltam J Frazer Na base do parentesco haveria uma fase de promiscuidade sexual primitiva não regulada depois o matriarcado e finalmente a família patriarcal Bachofen 1861 retomado por Morgan 1877 Segundo E B Tylor o animismo com a crença no duplo seria o princípio de toda a religião que teria passado pelas fases do manismo do feiticismo do politeísmo e depois do monoteísmo Para Frazer a ciência corrigiria a religião e esta derivaria de uma magia inicial Dando uma atenção privilegiada às sociedades mais arcaicas designadamente australianas aos sistemas de parentesco e à religião o evolucionismo visa estabelecer um corpus etnográfico da humanidade e uma apologia inteligível das sociedades A sua 190 teoria da civilização dá cobertura à acção colonial C R Êxito social O êxito definido nor critérios objectivos posição hierárquica riqueza poder ou notoriedade estará prometido igualmente a todos em conformidade com o ideal democrático A questão foi posta por numerosas pesquisas sobre os homens ilustres do passado e sobre as personalidades dirigentes nos vários domínios económico político religioso científico artístico Estatístico o método consiste em recolher todos os dados pormenorizados sobre as origens geográficas familiares e profissionais de todas as pessoas que figuram em dicionários biográficos As comparações internacionais e as flutuações no tempo devem ser interpretadas com prudência porquanto as modalidades de recrutamento e os critérios de selecção variam de país para país e com a extensão das amostras Mas juntandose aos dos estudos de mobilidade social os resultados concordam e não deixam lugar a qualquer dúvida Factores por vezes invocados tais como a dimensão da família categoria de nascimento idade dos pais não trazem consigo diferença significativa Nem todas as 101 regiões de um mesmo país estão igualmente representadas mas o meio urbano é propício e tanto mais quanto mais denso for ao aparecimento de personalidades mercantes Em França país centralizado o predomínio de Paris é estrepitoso Em toda a parte um factor social domina sobre todos os outros Cerca de dois terços com fracas flutuações 191 de 60 a 75 por cento dos homens ilustres do passado e dos dirigentes de ontem e de hoje saíram de uma franja muito estreita da população os grupos situados no topo da escala social Perto de um quarto provém dos meios colocados imediatamente abaixo e apenas menos de um décimo das camadas menos desfavorecidas operários e camponeses que representam cerca de dois terços da população O acesso ao êxito não está pois inteiramente fechado particularmente às classes intermédias mas a desigualdade nem por isso é menos flagrante Os êxitos surpreendentes de alguns que partiram do nada continuam a ser excepcionais e não prevalecem contra a regra geral A persistência das desigualdades de facto explicase sem dúvida por aquilo que poderia ser na realidade uma lei da natureza social Uma geração não pode ocupar o espaço social independentemente das gerações precedentes Os filhos recebem dos seus pais no seio da família uma herança cultural que não é a mesma para todos e não oferece portanto a todos as mesmas virtualidades A G Bottomore 1964 Escarpit 1958 Girard 1961 1967 Thélot 1982 Experimentação Intervenção do investigador que suscita as condições necessárias para comprovar as suas hipóteses relativas às propriedades ou às causas de um fenómeno Essencial nas ciências da natureza a experimentação é considerada com frequência impossível em sociologia Contudo durante uma boa parte do séc XIX reformadores sociais na esteira de C Fourier em particular preconizaram e por vezes tentaram a experimentação de novas formas de 192 organização social Esforços de investigação experimental da vida social manifestamse nos nossos dias Administrações ou empresas antes de adoptar uma regulamentação de decidir acerca de uma política ou de lançar um produto experimentamno em escala reduzida A psicologia social por seu turno faz largo uso da experimentação desta vez em laboratório criamse situações com condições mínimas simplificados relativamente às situações reais que permitem mostrar a influência de um pequeno número de factores bem identificados Foi assim que foram estudados os processos de influência ao tentar modificar o juízo sobre a amplitude do movimento de um ponto luminoso na obscuridade Mantém se assim apenas a relação com os juízos de outrem B M Campbell 1969 Cook Campbell 1979 Lemaine G Lemaine J M 1969 Matamon 1988 Explicação A noção de explicação colocase no centro de uma discussão de método importante que agitou os sociólogos alemães da época clássica na viragem do século Tratavase de saber se as ciências do espírito em geral e a sociologia em particular devem ou não ser concebidas como distintas das ciências da natureza Os positivistas franceses como É Durkheim 1895 defendem uma posição monista a sociologia não se distingue das ciências da natureza a não ser pela complexidade do seu objecto Na maioria das vezes 102 os alemães adoptam quer uma posição dualista como W 193 Dilthey quer a recusa de um dilema que consideram simplista como G Simmel 1892 ou M Weber 1922b Para os dualistas o objectivo das ciências da natureza seria explicar o das ciências do homem compreender o físico procura as causas dos fenómenos físicos o sociólogo teria antes por tarefa restabelecer o sentido dos fenómenos sociais Designase por vezes esta concepção da sociologia pela expressão de sociologia compreensiva Com efeito as ciências sociais tal como as ciências da natureza procuram muito frequentemente explicar os fenómenos que estudam ou seja encontrar as suas causas Assim a sociologia interrogouse muito sobre as causas do desenvolvimento do capitalismo da expansão recente da procura escolar das variações no espaço e no tempo da mobilidade social etc O que distingue as ciências do homem das ciências da natureza é que as causas dos fenómenos sociais são representadas por crenças ou acções humanas Assim a explicação no sentido amplo de um fenómeno social consiste em geral na combinação de dois momentos 1 um momento explicativo em sentido estrito em que se reduz o fenómeno às suas causas individuais o que não exclui evidentemente que os indivíduos pertençam a conjuntos ou a grupos 2 um momento compreensivo em que se procura determinar as razões dos comportamentos individuais responsáveis do fenómeno em questão R B Exploração teoria da Explorar um trabalhador consiste em apropriarse de uma parte pelo menos do produto do seu trabalho É dos saintsimonianos por intermédio de P J Proudhon 194 1840 que Marx 1867 retoma a noção de exploração assim concebida Para Marx é inerente a toda a sociedade de classes Numa sociedade escravista ou feudal o dono ou o senhor goza de direitos de propriedade sobre a própria pessoa dos trabalhadores e pode recorrer portanto à coacção directa para extorquirlhes uma parte do que produzem Numa sociedade capitalista pelo contrário os trabalhadores são livres Os capitalistas não têm sobre eles qualquer direito de propriedade e toda a transacção entre capitalistas e trabalhadores deverá pois ser voluntária de parte a parte Como é que uma sociedade de mercado livre pode ser uma sociedade de exploração Por outras palavras como explicar os lucros dos capitalistas É uma das questões centrais de O Capital Para lhe responder Marx faz apelo à sua teoria do valor trabalho O valor de uma mercadoria é nela definido como a quantidade de trabalho que requer em média no actual estado das técnicas a produção dessa mercadoria Sob certas condições afirma a teoria o livre jogo do mercado leva a dar a cada bem um valor de troca ou preço relativo estritamente proporcional ao seu valortrabalho assim definido a troca não forçada tende a ser uma troca de equivalentes O valortrabalho da força de trabalho é no entanto a quantidade de trabalho necessária em média para produzir os bens necessários à sobrevivência dos trabalhadores Ora essa quantidade é muito inferior à quantidade de trabalho fornecido pelos trabalhadores e éo tanto mais quanto a acumulação do capital permite aumentar a produtividade do trabalho Marx chama maisvalia à diferença entre essas duas quantidades 195 103 Ao comprar pelo seu valor a força de trabalho e ao vender pelo seu valor os bens que ela produz o capitalista apropria se dessa maisvalia Longe portanto de excluíla o livre jogo do mercado traz necessariamente consigo a exploração A teoria marxista da exploração foi alvo de críticas virulentas Censuraselhes em particular o facto de assentar numa teoria do valor cuja pertinência já não é praticamente sustentada por ninguém A teoria da exploração constituiu recentemente no entanto objecto de uma reformulação coerente e rigorosa que a liberta da teoria do valortrabalho na obra de J Roemer 1982 PH P Chavance 1985 Reeve 1987 104 105 F Facilitação social Expressão introduzida por F Aliport para designar a superioridade da situação colectiva sobre a situação individual na realização de uma tarefa Com efeito a facilitação social designa um campo de pesquisas o mais antigo da psicologia social experimental aquele que estuda a influência sobre o rendimento de um indivíduo da presença de espectadores passivos efeitos de audiência ou 196 de pessoas que trabalham na mesma tarefa efeitos de coacção Falouse primeiro de facilitação social porque tais efeitos pareciam positivos mas outras pesquisas trouxeram resultados contrários Para R B Zajonc 1966 a audiência e a coacção aumentam a activação fisiológica a motivação do indivíduo e além disso favorecem o aparecimento da resposta dominante Essa resposta dominante pode ser correcta no caso de uma tarefa bem controlada e adquirida e há então de facto facilitação no caso contrário a presença de outrem pode prejudicar a aprendizagem ao provocar uma resposta dominante incorrecta PH BD Leyens 1979 Família sociologia da A definição mais corrente da família grupo caracterizado pela residência comum e pela cooperação de adultos de ambos os sexos e dos filhos que eles geraram ou adoptaram Mundock 1949 explicita pouco a extrema diversidade das suas formas históricas e parece pôr de fora certas variações familiares importantes Do ponto de vista estrutural ou formal distinguimos correntemente os géneros de famílias segundo 1 o seu modo de composição a família nuclear compreende exclusivamente os cônjuges e os seus filhos não casados ao passo que a família alargada inclui integralmente ou em parte duas ou várias dessas unidades elementares 2 o seu modo de constituição o casamento arranjado caracteriza as situações em que a escolha do cônjuge é definida por regras sociais explícitas ou pela vontade dos pais e o casamento de afinidade os casos em que os indivíduos escolhem eles próprios o seu estado e o seu esposo 3 o seu sistema de 197 filiação transmissão do parentesco no sistema unilinear os filhos são incorporados no grupo de parentes definidos pela mãe ou pelo pai ao passo que no sistema indiferenciado participam ao mesmo título nas duas linhagens Lévi Strauss 1949 Do ponto de vista funcional opôsse com frequência a famíliaempresa das sociedades trádicionais vista como um grupo controlado pela comunidade ou pela parentela e cujo objectivo é primeiramente a produção económica e a segurança das pessoas à família conjugal das sociedades contemporâneas caracterizadas pelo salariado cujo papel principal seria assegurar o equilíbrio socioafectivo dos seus membros Esta mudança de prioridade dos objectivos familiares permitiria segundo Wilson Goode 1963 compreender a generalização do casamento de afinidade a nuclearidade do grupo familiar a tónica colocada progressivamente no ideal de democracia nas relações domésticas a mobilidade relacional divórcios e recasamentos e a privatização das mentalidades Numerosos autores censuraram a esta perspectiva no entanto o facto de explicar apenas as famílias das camadas médias das sociedades industriais 106 e de caracterizar inadequadamente a ruptura entre sociedades tradicionais e sociedades modernas Para corrigir tal perspectiva pôsse em evidência nomeadamente que 1 a industrialização e a urbanização não são condições necessárias da família nuclear já majoritária na Europa pré industrial Burguière et al 1986 2 o casamento de 198 afinidade não equivale a uma ausência de impacte das clivagens sociais sobre os cônjuges pelo contrário a homogamia isto é o facto de desposar alguém do mesmo meio social da mesma nacionalidade da mesma idade etc caracteriza uma grande maioria das uniões Girard 1964 Singly 1987 3 o papel directo trabalho doméstico e indirecto produção da força do trabalho reprodução dos valores sociais da família na produção económica continua a ser considerável Michel 1978 Ségalen 1981 4 a nuciearidade das famílias não é sinónimo de ruptura dos laços de parentesco ou de isolamento Roussel Bourguignon 1976 Parece mais adequado portanto sem negar o movimento geral de sentimentalização e de mobilidade das relações familiares falar de rearticulação da relação privado público mais que de privatização Por outro lado fazemse notar sensíveis diferenças de funcionamento das famílias em matéria de coesão de divisão das funções de fronteiras com o meio social e de adaptação em função das clivagens socioeconómicas e limitam o alcance analítico de um modelo funcional único da família Vários inquéritos feitos entre 1960 e 1985 Kellerhals 1987 mostram que as famílias dos meios populares operários qualificados empregados insistem mais no consenso e na similitude dos seus membros que as famílias de quadros mais sensíveis à especificidade e à autonomia de cada um que as primeiras põem a prioridade no nósfamília mais que no nóscasal insistem com frequência na especificidade dos papéis masculinos e femininos e equipamse com regras de funcionamento bastante claras e rígidas ao passo que as segundas valorizam mais a indiferenciação e a flexibilidade que as famílias de 199 meios populares apreciam mais as relações internas na parentela ao passo que as famílias de quadros médios e superiores reivindicam numerosas permutas com o meio social Finalmente uma dificuldade considerável de definição das formas e funções da família provém das mutações recentes dos comportamentos familiares Entre 1965 e 1985 na maior parte dos países industrializados as taxas de casamento recuaram um terço em favor da coabitação temporária ou definitiva a taxa de fecundidade baixou para cerca de 15 por mulher a actividade profissional das mulheres casadas aumentou fortemente as taxas de divórcios triplicaram atingindo com frequência 30 separações por 100 casamentos contraídos Roussel 1987 Esta mutação traduzse por uma grande variedade de grupos familiares famílias monoparentais binucleares constituídas pela circulação de filhos entre diversas famílias originais compostas recasamentos em que os filhos vivem sob o mesmo tecto que pais e sogros etc Isso torna hoje a noção de rede familiar essencial para atenuar as carências analíticas do conceito de família nuclear J K Bertaux 1977 Kellerhals et al 1984 Roussel 1975 Fascismo O fenómeno fascista aparece no séc XX entre as duas 107 guerras Encarna o mais absoluto reinado do terror exercido por organizações que obedecem cegamente ao líder do partido único que monopoliza o poder depois de ter 200 eliminado pela violência toda a forma de pluralismo social associações sindicatos etc ou político partidos grupos de interesses etc De maneira geral o fascismo e mais particularmente o nazismo é portanto a forma mais perfeita do totalitarismo na medida em que como mostra H Arendt 1945 tenta destruir toda a forma de vida social a fim de remodelar toda a sociedade segundo a sua própria visão ideológica do mundo O nazismo combate a sociedade liberal e democrática acaba com as eleições e elimina o sufrágio universal Suscita uma intensa mobilização da população e rejeita o individualismo e o igualitarismo para ele é doravante o partido constituído por homens excepcionais que constitui o novo escol dirigente Para se impor de maneira totalitária o nazismo põe igualmente fim ao Estado às suas instituições à sua ordem jurídica No entanto não chega a pôr verdadeiramente em causa a propriedade privada e a sociedade de mercado Convém distinguir o nazismo de regimes que lhe estão próximos sob muitos aspectos mas que dele se distinguem sob outros Se o nazismo se apresenta como um totalitarismo o fascismo Itália de Mussolini aparece como um regime menos extremista que mantém com frequência as elites tradicionais reforça o Estado sem dar uma preeminência absoluta ao partido mobiliza menos a população e utiliza de maneira menos sistemática a violência Deste ponto de vista basta sublinhar que só o nazismo conduz inelutavelmente à exaltação da raça e ao genocídio Pela sua rejeição deliberada da sociedade liberal e pela sua tendência para o irracionalismo o fascismo na Itália como na França ou em outros países nem por isso deixa de ser a expressão de uma recusa da democracia e da 201 ordem republicana fundada na razão e na ideia de progresso P B Aycoberry 1976 Brozat 1970 Milza 1988 Feminismo O feminismo como movimento social nasce no sécXIX da contradição entre o ideal de igualdade instituído pela Revolução Francesa e a discriminação das mulheres da cidade O movimento feminista vai notabilizarse na defesa dos direitos da mulher Será preciso mais de um século e meio para que sejam levantadas as várias discriminações desde o direito de testemunhar nos documentos de estado civil 1897 até à autoridade parental conjunta 1970 passando pelo direito de voto 1944 Paralelamente foram reivindicados o direito à educação equivalência dos bacharelatos masculino e feminino 1924 o de exercer todas as profissões lei sobre a igualdade profissional 1983 o direito de dispor do seu próprio corpo lei que autoriza a interrupção voluntária da gravidez 1975 o reconhecimento da violação conjugal em certos países e a luta contra a importunação sexual O movimento de Maio de 1968 cujos combates anti hierárquicos pela liberdade sexual têm particulares ressonâncias para as mulheres suscita dois anos depois o Movimento de Libertação das Mulheres Garcia Guadilla 1988 Este vê no patriarcado a própria essência de toda a dominação French 1985 Denuncia o falocratismo e o sexismo palavras 108 202 novas por ele introduzidas e conduz com determinação a batalha pelo direito à contracepção e ao aborto Este novo feminismo tende a revalorizar certas qualidades femininas O reconhecimento de que misoginia e estereótipos sociais têm raízes profundas no psiquismo levao a interessarse de perto pela psicanálise Os movimentos dos anos 70 situamse numa evolução profunda da sociedade contemporânea Ensaiamse novos modos relacionais entre os dois sexos e entre os pais e os filhos O controlo dos nascimentos permite com uma melhor igualização dos sexos a liberalização da sexualidade reconhecida como fonte de desabrochamento pessoal e não apenas instrumento de procriação As mães de família participam cada vez mais no mundo do trabalho salariado e os homens não de tão boa vontade nos trabalhos domésticos A divisão dos papéis sexuais nem por isso fica fundamentalmente afectada CNDIFINSEE 1986 Aquando dos divórcios a regra habitual é confiar os filhos à mãe No plano profissional os postos superiores no que se refere a poder e prestígio mantêmse muito maioritariamente nas mãos dos homens ao passo que as mulheres se encontram nos empregos subalternos eou nas profissões de ajuda de assistência de ensino As condições da existência do feminismo mantêmse portanto Se as acções espectaculares dos anos 70 cessaram acções mais lentas e reflectidas continuam como a discussão ética provocado pela fecundação medicamente assistida e pelas mães portadoras A participação adquirida doravante das mulheres no mundo da cultura mesmo mantendose ainda marginal deve permitir repensar em profundidade a questão da diferença dos sexos 203 J F Festa As festas enquanto conjuntos de manifestações e de folguedos sociais afundamse muitas vezes em acontecimentos históricos ou míticos reinseridos no presente por uma comunidade que reafirma graças a símbolos e a alegorias a sua identidade cultural religiosa ou política A maioria delas repetese com intervalos regulares segundo ciclos sazonais iniciáticos ou litúrgicos Comportam características costumeiras no que se refere ao espaço onde se desenrolam aos trajos ou às máscaras danças músicas de circunstância desfiles e comportamentos ritualizados Se algumas marcam a sobrevivência de tradições outras foram enxertadas num substrato antigo e outras ainda designadamente em meios urbanos foram criadas inteiramente de novo Quer se trate de festa de participação popular carnaval corrobori australiano festa de representação investidura do Presidente da República colocação de flores num monumento aos mortos festa local ou festa revolucionária a festa dá ocasião à colectividade a oportunidade de celebrarse e exaltarse a si própria como observa É Durkheim Como a festa é na maioria das vezes uma mistura de cerimónia e divertimento distinguirseá conforme o pólo dominante por um lado a festacelebração valorizando uma crença religiosa capital nascimento do Messias Ressurreição a protecção de um santo festa do padroeiro comemorando um acontecimento nacional 14 de Julho 11 de Novembro na França ou sublinhando um facto importante para o grupo festa das Mães bolo de aniversário e por outro lado a festatransgressão reduzida à 204 lógica da fruição e do transbordamento paroxístico Se as Saturnais romanas a 109 festa dos Loucos na Idade Média ou fases de interregno na África constituem exemplos de um sagrado de transgressão e de paródia do poder os seus esquemas nada têm de generalizável Por isso censurase a R Caillois 1950 o ter visto tal festa com base no modelo de certos frenesis e orgias primitivas como reactualização do caos primordial ressurgência da idade de ouro e inversão que tende a remediar a usura Nem todas as festas remetem para a origem do mundo Mas G Bataile 1949 teve razão em captar na festa a parte de dom e de economia oblativa cuja lei é permutar desperdícios A destruição sumptuária produz se em fundo de excedente simbólico acrescentado à vida corrente Válvula de segurança a festa serve de mecanismo regulador de uma sociedade C R Duvignaud 1973 UNESCO 1976 Feudal regime O regime feudal é uma organização social própria da Europa do séc X ao séc XIII e do Japão do séc XIII ao séc XVI em dois períodos marcados por um desmoronamento do poder real e uma extrema dispersão do poder político O regime feudal é a combinação original de duas instituições mais correntes A primeira é a vassalagem que consiste no laço pessoal que une dois membros da aristocracia um dos quais superior em poderio riquezas e 205 prestígio recebe a homenagem do outro Estão assim ligados por um contrato em que se trocam por um lado a promessa da ajuda e da dedicação militares e pelo outro a protecção e a manutenção Numa economia agrária essa manutenção traduzse concretamente pela concessão de um feudo de uma terra e de camponeses que a trabalham A segunda instituição é o domínio senhorial um espaço onde se exerce um poder quase real de administração da justiça de cobrança fiscal de defesa As duas instituições combinamse pelo facto de o feudo se identificar com a senhoria Como o feudo é hereditário de facto cada senhoria é ocupada por uma linhagem aristocrática cujo titular está ligado a um superior por um preito de fidelidade Esse superior é um príncipe territorial que controla um espaço político de importância variável O regime permite assegurar o menos mal possível a segurança colectiva comprometida pela debilidade do poder real e pela anarquia que daí resulta J B Bloch 19391940 Boutruche 19681970 Polv Bournazel 1980 Forma Encontramse em G Simmel 1892 e em M Weber 1922b sob o termo de idealtipo análises que dependem da sociologia formal As formas ou modelos são construções que permitem tornar inteligíveis sequências da realidade social A sua generalidade e a sua idealidade não significam que podem explicar todas as situações observadas elas não são universais mas que situações muitos diversas podem tornarse inteligíveis graças a elas se intervierem parâmetros precisos O erro consiste em iludir esses parâmetros confundindo forma e realidade produto 206 ideologia e utopia Simmel sugere que o materialismo histórico é interessante como forma ou esquema de inteligibilidade mas que é falso como teoria É falso porque enuncia em termos de lei aquilo que nos factos escapa a essa sistematicidade Por exemplo a baixa tendencial da taxa de lucro pertinente para explicar certas situações não possui a universalidade 110 de uma lei não se pode tirar dela portanto nenhuma predição nem conclusão empírica Para a sociologia formal as regularidades sociais empíricas que podem por vezes observarse são o produto da acção dos homens sensível às variações do contexto e não a expressão de leis LDG Friedmann Georges Philippe sociólogo francês Paris 1902 id 1977 Filósofo de formação G Friedmann interessase desde 1931 pelos problemas do trabalho e das técnicas Aprende o russo e faz entre 1932 e 1936 várias estadas na URSS a partir das quais escreve dois livros Les Problèmes du machinisme en URSS et dans les pays capitalistes 1934 e De la Sainte Russie à lURSS 1938 Em 1946 a sua tese Problèmes humains du machisme industríel introduz em França a novíssima sociologia do trabalho Friedmann estabelece nela a similitude dos problemas do maquinismo industrial vistos sob o aspecto humano nos regimes capitalistas e socialistas Dá a conhecer em França as grandes experiências psicossociológicas americanas sobre os efeitos do taylorismo a resistência 207 operária as relações humanas Roethlisberger Dickson 1839 Sob o seu impulso numerosos trabalhos e inquéritos empíricos sobre o trabalho artesanal o trabalho em cadeia e o meio técnico em geral são publicados em França As suas próprias publicações neste domínio sucedemse até cerca de 1962 Em 1960 Friedmann ultrapassa os problemas do trabalho para explorar um outro aspecto da cultura técnica as comunicações e a cultura de massa Organiza e coordena de novo as pesquisas Além dos numerosos trabalhos que directa ou indirectamente suscitou o seu contributo mais importante é sem dúvida o livro póstumo Ces merveilleux instruments 1979 Um dos temas centrais que encontramos na obra de Friedmann é a oposição entre meio natural e meio técnico sobre a qual reflecte como filósofo em La Puissance et la sagesse 1970 O seu interesse de longa data pelo meio natural faz dele um precursor do pensamento ecologista BPL Friedmann 1950 1953 1956 1966 Friedmann Naville 19611962 Frustração A frustração é o sentimento experimentado pelo indivíduo que é privado daquilo que lhe é devido daquilo por que espera ou a que aspira É um conceito fundamental das teorias psicossociológicas que tentam explicar a agressão e de uma maneira geral certos comportamentos individuais O conceito de frustração relativa foi por seu turno elaborado pelos autores do American Soldier um estudo psicossociológico do exército americano durante a Segunda Guerra Mundial para resolver uma série de paradoxos S 208 A Stouffer e col 1949 estabeleceram dois resultados aparentemente contraditórios que não podem explicarse simultaneamente pelas teorias existentes Constataram por um lado uma correlação positiva entre níveis de instrução e possibilidades objectivas de promoção e por outro uma correlação negativa entre nível de instrução e opiniões a respeito das possibilidades de promoção Por outras palavras são os mesmos indivíduos que têm um nível de instrução elevado e que beneficiam de mais possibilidades objectivas de avanço que consideram que as suas hipóteses de promoção são 111 fracas Stouffer e os seus colaboradores resolvem o enigma raciocinando do seguinte modo se um indivíduo de um baixo nível de instrução é promovido fica feliz por pertencer ao grupo restrito dos seus colegas também eles promovidos e do mesmo nível de instrução Mas se falhar não sentirá frustração particular pois que partilhará a mesma sorte que a maioria esmagadora dos indivíduos que têm um baixo nível de instrução Ao invés quando um indivíduo dotado de um diploma universitário é objecto de uma promoção considerará o seu êxito como estando na ordem normal das coisas dado que a maioria dos seus colegas fazem a mesma experiência de mobilidade Mas se falhar terá todas as razões do mundo para se sentir pessoalmente frustrado mesmo que partilhe a mesma sorte que uma minoria dos seus colegas Estes raciocínios levam a pôr em evidência portanto o conceito de grupo de referência a que o indivíduo se compara para julgar a sua situação e o seu destino social 209 Encontramos este tipo de paradoxos nos trabalhos de Tocqueville 1856 e de É Durkheim 1893 O primeiro verificara por exemplo que o empenhamento na Revolução Francesa foi mais intenso nas regiões em que as leis do Antigo Regime já quase não existiam que nas províncias em que estas continuavam a vigorar em pleno Por seu turno R Boudon 1977 demonstrou que se pode em certos casos compreender estes paradoxos sem fazer apelo à noção de grupo de referência mas supondo que os actores são confrontados com situações de competição que gerem índices variáveis de frustração M C Runciman 1966 Função Em sociologia esta noção designa a contribuição de uma instituição social para a manutenção do sistema no seio do qual ela está em interacção com outros por exemplo a função dos partidos dentro de um sistema político democrático Uma instituição pode ter várias funções a escola socializa instrui selecciona e uma mesma função pode ser efectuada por instituições diferentes a socialização pela família pela escola pelo grupo de semelhantes além disso uma instituição pode ter uma função num dado sistema e não num outro a família alargada só seria funcional nas sociedades tradicionais Convém distinguir no entanto Durkheim 1895 entre a causa que produziu um fenómeno e a função que apenas concorre para a sua manutenção a fim de evitar as explicações tautológicas ou finalistas a que por vezes leva o funcionalismo De igual modo a distinção entre funções latentes e manifestas Merton 1949 permite evitar o utilitarismo de uma 210 explicação pelos simples objectivos visados pelos actores Por fim a noção permite conceptualizar a interdependência dos fenómenos sociais e explicar efeitos de retroacção dentro de um sistema CHC Boudon 1967 Hempel 1959 Funcionalismo Hipótese inicialmente inspirada no organicismo do séc XIX que postula na sua forma radical que os elementos de uma sociedade constituem um todo indissociável desempenham um papel vital na manutenção do equilíbrio de conjunto e são portanto indispensáveis Malinowski 1944 RadcliffeBrown 1952 Este funcionalismo pressupõe portanto a estabilidade e a integração dos sistemas sociais e tende a reduzir a explicação dos factos sociais ao esclarecimento 112 das suas funções uma vez que eles só existem em função daquilo para que servem A relativização destas concepções por parte de R K Merton 1949 deu à análise funcional um paradigma forma que convida a interpretar em certos casos os factos sociais como consequências objectivas da satisfação de necessidades próprias de certos segmentos previamente definidos da estrutura social O funcionalismo estrutural Parsons 1961 é por seu turno uma teoria geral que mostra como os imperativos funcionais mais importantes de todo o sistema social são satisfeitos pelos elementos estruturais deste último Além disso o funcionalismo comporta uma abordagem original da questão dos conflitos 211 Coser 1956 mas mantémse limitado em T Parsons a uma concepção evolucionista da mudança social CH C Davis 1959 Nagel 1956 113 G Género A palavra género está em vias de entrar no vocabulário da sociologia francófona gender já está em uso desde há mais de dez anos na sociologia anglosaxónica para designar o que tem a ver com a diferenciação social entre os dois sexos Tem a vantagem sobre a palavra sexo de sublinhar a necessidade de separar as diferenças sociais das diferenças biológicas Os papéis sexuais eram tradicionalmente concebidos como o resultado de uma divisão natural do trabalho que atribuía às mulheres as responsabilidades domésticas e a educação dos filhos Para os sociólogos de orientação feminista a divisão sexual das tarefas longe de ser a consequência natural de diferenças biológicas foi construída e mantida pela sociedade A teoria feminista põe no centro das suas preocupações a distribuição do poder e dos recursos entre homens e mulheres e as imagens e símbolos associados aos dois sexos e às suas relações Põe em questão a separação entre família e trabalho ou entre domínio privado e domínio público que fundamentou a abordagem funcionalista estrutural dos papéis sexuais Considera o género como uma dimensão fundamental de toda a organização social ao 212 mesmo título que a classe e como uma categoria construída socialmente tanto no lugar de trabalho na família na escola como nas esferas económica política e cultural B L Geração Geralmente entendese por geração um conjunto de pessoas nascidas num dado período e que têm mais ou menos a mesma idade A extensão desse período confundese com o intervalo médio de tempo que separa o nascimento dos pais e mães do da sua progenitura geração dos pais geração dos filhos separadas tradicionalmente por uma trintena de anos Esta extensão calculase rigorosamente pela idade média das mulheres na maternidade e tende à diminuir um pouco com a baixa da fecundidade porquanto as mulheres dão à luz cada vez menos a partir de uma certa idade O aumento da esperança de vida e as transformações económicas e sociais modificaram as relações entre gerações No sistema antigo uma solidariedade natural aceite de uma maneira mais ou menos consciente estabeleciase entre elas devendo o filho esperar a morte do pai para tomar a direcção da empresa familiar morte essa que geralmente ocorria relativamente cedo Hoje em dia os pais são demasiado jovens para cederem os seus lugares aos seus filhos mais velhos mas fazem tudo o que é necessário para facilitar a sua instalação na vida eventual contribuição financeira serviços de todos os géneros em particular para a guarda de crianças incentivo às relações etc Mas o que continua a ser verdade no seio de cada família já o não é na sociedade global Duas gerações de adultos encontramse em concorrência a dos pais ainda no activo e ocupando os 213 postos de responsabilidade e a dos filhos preocupados em arranjar empregos e travados na sua promoção Mudaram pois as condições da reprodução social Na sociedade de ontem as gerações sucediamse sem choques a seguinte repetindo a anterior de forma mais ou menos idêntica O futuro dos filhos era em tudo semelhante ao presente e ao passado dos seus pais Os valores reconhecidos e os comportamentos estavam 114 marcados com o selo da imobilidade A entrada em cena da mudança e de uma mudança cada vez mais rápida modificou radicalmente esta situação Os adultos sentemse estranhos num mundo novo A sua autoridade sofre porquanto os filhos procuram os seus modelos de conduta junto dos da mesma idade o grupo dos seus pares Riesman 1955 Se sempre se opuseram as gerações entre si um verdadeiro fosso separálasia actualmente Mead 1970 como se elas não falassem a mesma língua Imagem um pouco forçada talvez mas um dos problemas de amanhã é o de estabelecer entre elas uma melhor comunicação A G Greve Cessação concertada do trabalho pelos assalariados de molde a fazer pressão sobre o empregador Pela greve exprimese de maneira radical o fenómeno da coligação no lugar de trabalho O reconhecimento do direito de greve é deste ponto de vista ainda mais importante que o do sindicato Em França o delito de coligação foi abolido em 1864 e o direito de greve reconhecido como direito 214 constitucional em 1946 As formas da greve nem por isso deixam de ser extremamente diversas e o seu exercício estritamente regulamentado A greve levanta questões em que interferem direito e sociologia O direito enuncia que a greve é um direito individual que se exerce colectivamente A sociologia interrogase sobre as condições em que se empenham realmente acções que têm um custo individual além da acção a suspensão do salário ao passo que a satisfação potencial das reivindicações aproveita a todos ou seja tanto aos grevistas como aos não grevistas Olson 1966 Sob o ponto de vista do direito uma greve lícita sem objectivo individual ou político não provoca a ruptura mas a simples suspensão do contrato de trabalho a este título faz parte de um processo contínuo de negociação sobre as condições do trabalho Uma primeira corrente da sociologia acompanha esta representação trata a greve como um momento crítico da regularização social propícia à actualização dos termos do contrato interessase pelas modalidades segundo as quais se verifica a mudança das regras e sublinha que estas estão longe de obedecer a uma racionalidade puramente económica Reynaud 1982 Schelling 1960 Uma outra tendência sublinha de preferência os elementos de ruptura a greve é vista como uma prova geral do falhanço da relação de produção cujos objectivos podem ser relativamente indeterminados e em parte estranhos ao restabelecimento do compromisso A greve tem de facto uma função de expressão de molde a reforçar a identidade e a autonomia da comunidade de trabalho Segrestin 1980 Na França esta última representação é corroborada pelo fraco nível de articulação 215 que se verifica entre negociação e conflito uma greve pode surgir sem objectivo claro sem ordem sindical e durante o período de aplicação de um acordo colectivo Seja qual for a perspectiva considerada a lógica da greve é dominada por um paradoxo ao passo que esta retira a sua legitimidade do facto de conceder poder aos actores a priori mais desarmados os assalariados que dela retiram mais proveito são os que dispõem à partida de mais recursos Uma qualificação elevada uma situação favorável no processo produtivo ou nas redes de solidariedade conferem à greve um melhor rendimento material e simbólico O fenómeno reproduzse no 115 plano macrossocial a greve é um modo de protesto cuja eficácia será tanto mais débil quanto a conjuntura for menos favorável aos assalariados D SN Grupo Não especificado por um adjectivo ou pelo seu contexto de utilização a palavra grupo em sociologia como em outros campos é quase vazia de sentido porquanto pode aplicarse a conjuntos diferentes pela sua dimensão pela sua duração pelo seu grau de interconhecimento e de organização O único ponto comum aos diversos usos do termo é o facto de designar mais que um indivíduo Para explorar o campo semântico da palavra grupo é preciso passar por uma série de oposições Uma delas tradicional distingue os grupos primários dos 216 grupos secundários O grupo primário foi definido por C H Cooley como uma associação relativamente permanente e não especializada de um número restrito de indivíduos unidos por relações directas frente a frente e bastante íntimas A família é o seu protótipo mas podemos também nele incluir o grupo de trabalho de vizinhança ou o grupo de companheiros de escola Cooley não fornecia nenhuma precisão sobre o grupo secundário que se caracteriza geralmente por contraste como um agrupamento mais numeroso relativamente especializado de pessoas que têm relações indirectas entre si Uma outra distinção importante opõe o grupo nominal simples categoria de pessoas que têm uma característica comum determinada idade ou determinado rendimento por exemplo ao grupo real e organizado consciente dos seus interesses comuns sindicato ou grupo de pressão com toda uma gama de grupos virtuais ou semiorganizados entre esses dois extremos Num registo inteiramente diferente o grupo natural formado por pessoas que se conhecem opõese ao grupo artificial constituído para uma experiência de laboratório Alguns autores propuseram que se reservasse o uso científico da palavra a conjuntos de pessoas reunidas Anzieu Martin 1969 Mesmo com esta restrição continua a ser necessário distinguir várias categorias e subcategorias a multidão espontânea ou organizada o bando ou grupo de iguais fundado na semelhança o agrupamento fundado num interesse comum o grupo restrito ou primário a organização ou o grupo secundário PH BD 217 Grupo de pressão Grupo organizado com o fim de defender objectivos colectivos exercendo pressões de maneira directa ou mediata sobre o sistema político Porque mantêm com o Estado relações específicas estes grupos pertencem à vida pública São geralmente considerados três critérios que permitem a sua caracterização 1 A existência de uma estrutura organizacional que representa o grupo latente conjunto de indivíduos caracterizados por um interesse comum e que assegura assim o suporte permanente da reivindicação Compreender o processo pelo qual grupos latentes se transformam em grupos de interesse e se dotam de uma organização para defender esses interesses é uma preocupação que está no centro da teoria da acção colectiva 2 A defesa de fins colectivos não remete unicamente para a exístência de interesses materiais os grupos de pressão podem igualmente atribuirse uma vocação ideológica advogando causas morais 116 A não existência de compartimentos estanques entre estas grandes classes de objectivos torna dificil toda a tentativa de construção tipológica também não facilita a distinção entre grupos de pressão e movimentos sociais 3 As pressões exercidos junto dos poderes públicos seja sob que forma for deverão mostrarse eficazes Está de facto em jogo a sobrevivência desses grupos um fracasso a este nível pode desviar os membros do grupo latente para outras organizações em melhores condições de defenderem os seus 218 interesses graças por exemplo a um melhor acesso aos centros de poder E se não forem canalizadas a tempo tais defecções em massa correrão o risco de privar a organização de dois dos seus principais recursos de acção o número e o dinheiro P M Basso 1983 Dahrendorf 1957 Ehrlich 1971 Olson 1966 Grupo de referência Denominase grupo de referência o grupo cujas atitudes comportamentos crenças ou valores são adaptados como critérios por um indivíduo quando este define uma situação a avalia ou decide agir O grupo de referência pode ser um grupo um indivíduo ou mesmo uma ideia e tem uma dupla função comparativa O grupo de referência comparativo é aquele cujas características são diferentes das do indivíduo como por exemplo o aluno que imita a linguagem do seu professor O grupo de referência normativo é aquele cujos comportamentos normas ou valores são adaptados pelo indivíduo E o caso do aluno que imita os seus companheiros de turma Existem grupos de referência aos quais o indivíduo pertenceu ou pertence como a sua família os seus companheiros de divertimento os seus amigos São grupos de pertença que são ao mesmo tempo grupos de referência O grupo de referência é por vezes diferente do grupo de pertença como o caso do burguês que adopta o estilo de vida da aristocracia O conceito é útil para analisar as contradições vividas nomeadamente pelos indivíduos que fazem a experiência de uma mobilidade social e se vêem assediados entre as expectativas do grupo a que aspiram 219 pertencer e as do grupo que estão em vias de abandonar mas com o qual continuam a ter ligações afectivas e de lealdade MC Merton 1949 Runciman 1966 Stouffer et al 1949 Grupos dinâmica dos A dinâmica dos grupos ou dinâmica de grupo designa uma corrente de pesquisas e de intervenções sobre os pequenos grupos que se inscreve na linha das concepções de K Lewin inventor da expressão Group dynamics Mas esta expressão é muitas vezes aplicada num sentido mais amplo ao conjunto dos trabalhos que se ocupam da psicologia dos pequenos grupos Lewin concebe o grupo como uma totalidade irredutível aos indivíduos que o compõem um sistema de interdependência que constitui com o seu meio circunstante um campo social dinâmico Este campo inclui os membros do grupo os subgrupos os meios de comunicação a repartição dos papéis os objectivos as normas etc Os trabalhos mais conhecidos de Lewin e dos seus colaboradores ou continuadores incidiram nomeadamente sobre a coesão dos grupos e os seus factores os estilos de direcção leadership dos grupos autoritário democrático permissivo 117 e os seus efeitos sobre a moral e o rendimento assim como sobre a mudança Segundo Lewin toda a mudança exige uma modificação do campo de forças que se equilibram num estado quase estacionário de preferência a aumentar as pressões no sentido da mudança desejada melhor será 220 enfraquecer a resistência à mudança Estes trabalhos encontraram um campo de aplicação prática em diversas técnicas de pesquisa activa formação intervenção condução de discussão grupos de diagnóstico etc PH BD Anzieu Martin 1969 Lewin 1959 Maisonneuve 1969 Guerra A guerra é um conflito violento entre polítias Uma polítia é um grupo humano caracterizado pelo facto de para o interior de entre membros do grupo os conflitos serem passíveis de processos que devem em princípio permitir a sua solução pacífica para o exterior esses processos não existem ou as suas sanções não podem ser impostas o que faz com que os conflitos possam degenerar A condição primeira de possibilidade de guerra não é portanto a agressividade humana nem a inimizade mas o simples facto de nem todos os homens estarem reunidos numa polítia única Uma polítia planetária faria desaparecer a guerra não eliminaria os conflitos internos nem a expressão da violência quer privada entre cidadãos quer pública dos governantes contra os governados Do mesmo modo que a guerra poderia desaparecer assim também ela acaba por nascer A arqueologia permite afirmar que a guerra nasceu com a acumulação de reservas ao longo do Neolítico e que ela é endémica desde a Idade do Bronze III milénio A guerra é de facto uma forma de conflito mas um conflito tem sempre um objecto Podemos atribuir à guerra três objectivos O primeiro é a pilhagem das reservas acumuladas pelo vizinho O segundo é a conquista das polítias vizinhas e a sua incorporação na polítia vitoriosa como corolário a 221 guerra é também defensiva para evitar serse conquistado O terceiro é a procura da glória Estes três objectivos podem combinarse entre si A guerra é por natureza uma manifestação de violência física Tem por isso uma dimensão técnica que reveste dois aspectos Por um lado a guerra transforma em armas de destruição todas as ferramentas que o engenho humano inventa para multiplicar a eficácia dos seus empreendimentos Toda a implementação técnica desde o trabalho do sílex até aos mais complexos computadores pode servir indiferentemente as artes da paz ou as da guerra Como a técnica conheceu através dos tempos um progresso constante a guerra tornouse cada vez mais devastadora e conheceu um salto qualitativo com a mutação científica técnica e industrial da modernidade Por outro lado a técnica e os seus progressos incidem sobre a capacidade para mobilizar para manter para formar e para empenhar um número crescente de soldados em campanhas cada vez mais longas Todos estes desenvolvimentos são dispendiosos em meios e em capacidade de organização Todo o progresso económico e organizacional recebe aplicações militares que afastam cada vez mais a guerra do desporto e da proeza individual A guerra é também por natureza um conflito violento entre polítias É portanto um meio das políticas que as polítias conduzem umas em relação às outras Estas políticas têm dois fins a conquista ou a defesa 118 As polítias mais poderosas pelos seus recursos em homens 222 em meios materiais e em técnicas militares tendem a projectar o seu poderio sobre as polítias mais fracas relativamente Quando os poderios desenvolvidos por cada uma são equivalentes o resultado dos conflitos guerreiros é determinado antes de mais pelo número das políticas e pelo sistema de acção que constituem A dois três ou quatro o jogo conduz inevitavelmente ao fim de alguns séculos à emergência de um vencedor último e à unificação imperial A mais de quatro e a menos de vinte acontece que o sistema de acção conheça um equilíbrio durável Cada polítia calcula as suas alianças de maneira a opor a toda a tentativa hegemónica uma coligação suficientemente forte para fazêla fracassar Um sistema assim equilibrado tende a limitar a importância do que está em jogo e dos compromissos Tem também tendência para favorecer a solução diplomática dos conflitos assim como as trocas pacíficas entre polítias Quando os actores são muito numerosos a guerra tornase permanente e conduz mais tarde ou mais cedo a uma ou outra das configurações anteriormente descritas J B Aron 1962b Clausewitz 1832 Gueto vd Segregação 119 H Habitus É Durkheim 1938 tal como M Weber 1922a 223 vão buscar a noção de habitus à tradição aristotélica que seguem mais ou menos textualmente neste ponto Em Aristóteles o conceito de hexis que Tomás de Aquino 1225 1274 traduz por habitus designa as disposições psíquicas que podem ser influenciadas pela educação por exemplo mas que não são nem inconscientes nem subtraídas à acção da vontade nem determinadas de maneira exclusivamente social nem a fortiori determinadas unicamente pela posição no sistema de estratificação social além disso estas disposições não determinam de modo nenhum de maneira mecânica nem as representações nem as acções do sujeito É preciso concebêlas mais como quadros ou guias de que o sujeito pode desligarse com maior ou menor facilidade É por isso que É Durkheim pode ver na educação não um adestramento uma inculcação ou uma programação mas um processo que contribui para aumentar a autonomia do indivíduo R B Aristóteles 1972 Tomás de Aquino 1947 HALBWACHS Maurice sociólogo francês Reims 1877 Buchenwald 1945 Filósofo de formação influenciado por H Bergson Halbwachs entra na equipa de LAnnée sociologique em 1905 A sua tese La Classe ouvrière et les niveaux de vie 1912 impressiona pela originalidade do tema e pela perspicácia das suas observações de método Professor em Estrasburgo entre as duas guerras impõese com Les Causes du suicide 1930 como o verdadeiro continuador de E Durkheim numa altura em que a herança deste começa a ser discutida Centrados primeiramente sobre a sociologia económica e a análise das necessidades os seus 224 trabalhos alargamse rapidamente a outros objectos estratificação e classes epistemologia e metodologia sobretudo quantitativa memória e psicologia colectiva questões urbanas e morfologia social Entre os durkheimianos Halbwachs é talvez aquele cuja obra é mais ampla pelo seu volume e pela diversidade dos seus campos de aplicação Preocupado com a defesa da especificidade da disciplina dialoga com os cultores mais inovadores das outras ciências humanas Nomeado para a Sorbona em 1935 e para o Colégio de França em 1944 influenciou intelectuais como G Friedmann A Sauvy J Stoetzel que rejeitam a ortodoxia durkheimiana e para cujo desabrochamento ele contribui F G Hierarquias sociais A expressão hierarquia social tem um sentido ao mesmo tempo mais preciso e mais global que a de estratificação social Uma estratificação designa a justaposição de grupos sociais segundo critérios neutros a profissão o rendimento indicadores sociais favoráveis e pode ser observada seja a que escala for local regional ou nacional numa empresa numa igreja ou num clube A hierarquia social afecta todos os grupos que compõem uma sociedade classificaos nunca escala orientada a orientação é definida por valores estes valores são reconhecidos pelos interessados em todos os escalões uma hierarquia é explicitada numa ideologia recebida Para classificar os grupos e por implicação os indivíduos que 120 225 os compõem é preciso dispor de critérios que definam acerca dos mais e dos menos unívocos A maneira como estão repartidos o poder o prestígio e a riqueza numa dada sociedade corresponde a esta condição Estes três bens são desejáveis é importante possuílos em maior ou menor grau São bens raros as partilhas são necessariamente desiguais São bens reais a sua definição numa dada sociedade é geralmente aceite Resulta destes três caracteres que os bens raros são inevitavelmente objecto de concorrências entre societários e que essas concorrências levam inevitavelmente por agregação a hierarquias reconhecidas JB Aron 1964a Baechler 1985Boudon 1973 Dahrendorf 1957 História e sociologia As duas disciplinas têm origens diferentes afinidades profundas e estatutos que contrariam a sua convergência A história no sentido de historiografia é feita de relatos verdadeiros que incidem sobre o passado Enquanto relato a história narra acções humanas dos reis dos povos Enquanto verdadeira fundase em factos comprováveis uns vividos ou recolhidos da boca das testemunhas a maioria registados em documentos escritos ou outros Enquanto passada a matéria da historiografia inclui todos os momentos imediatamente anteriores ao instante presente o que inclui todos os acontecimentos em vias de se tornarem passado a guerra do Peloponeso para Tucídides A história assim entendida nasce com a escrita a qual nasce com os primeiros reinos A sociologia nasceu muito recentemente no séc XIX da 226 convergência de mutações e de tradições intelectuais As mutações são a democratização a industrialização a racionalização que dão aos contemporâneos o sentimento justificado de que um mundo novo está em vias de nascer Ora esse mundo na Europa apresenta duas características óbvias a distinção do público e do privado do Estado e da sociedade civil e o dinamismo aparentemente endógeno desta Um objecto novo oferecese à observação e à análise racional a sociedade A convergência da história e da sociologia na sua dimensão de filosofia da história tem causas profundas determinadas ao mesmo tempo pela matériaprima e pelas ferramentas intelectuais requeridos para captála A história na medida em que se apoia sobre factos verdadeiros assenta primeiramente numa actividade de documentalista na recolha e na crítica das fontes Mas só se torna ela própria utilizando essas fontes para explicar porque é que as coisas se tornaram no que são ou no que foram A narrativa histórica não poderá contentarse indefinidamente em relatar acontecimentos em bruto como nos anais tornarseá mais tarde ou mais cedo numa narrativa reflectida que se abre irresistivelmente ao campo total da aventura humana Por seu turno a sociologia histórica sob pena de sucumbir ao arbitrário das suas construções não pode deixar de ocuparse da matéria histórica quer contribuindo para os trabalhos dos historiadores quer utilizando os seus resultados para as suas análises comparativas A convergência deveria ter conduzido logicamente a uma disciplina única Mas a dimensão camaralista da sociologia foi poderosamente encorajada pela expansão das actividades estatais a partir da Primeira Guerra Mundial e pela sua 227 institucionalização universitária após a Segunda 121 Daí resulta uma nova partilha entre por um lado a história sociológica ou a sociologia histórica cujos modelos são talvez M Weber e M Bloch e por outro uma actividade de recolha de dados chamada história quando eles são do passado etnologia quando são exóticos e sociologia quanto têm a indicação de modernos J B Braudel 1969 Bloch 1949 Boudon 1979 Historicismo Palavra popularizada por K Popper 1944 1945 que designa as teorias que como as de A Comte de H Spencer ou de Marx pretendem pôr em evidência leis do desenvolvimento histórico Segundo Popper só pode tratar se de uma ilusão porque as leis estabelecidas pelas ciências nunca são a seu ver de tipo evolutivo A crítica de Popper embora fundada é demasiado radical Se não existem leis da história há tendências Por outro lado alguns sistemas sociais obedecem de facto a leis de desenvolvimento R B Historismo Esta palavra apareceu na Alemanha no fim do séc XIX no contexto das discussões de método que acompanharam o desenvolvimento espectacular das ciências sociais Designa a doutrina segundo a qual os factos sociais e históricos revestem uma significação variável consoante a posição social e histórica do observador Não haveria portanto na história e mais geralmente nas 228 ciências humanas verdade objectiva possível O historismo é uma manifestação particular da epistemologia relativista que aparece com intervalos mais ou menos regulares nas ciências humanas mas que nunca se impôs em virtude do seu carácter excessivo A palavra alemã Historismus é por vezes incorrectamente traduzido por historicismo que tem uma significação inteiramente diferente R B Aron 1938b Holismo vd Individualismo metodológico Homo sociologicus vd Economia e sociologia 122 123 I Idade Idade e sexo são os dois caracteres biológicos que distinguem entre si os seres humanos e accionam a sua reprodução Dizse que uma população é tanto mais jovem ou mais velha quanto a proporção dos jovens ou a dos velhos é nela mais ou menos importante A proporção das várias idades não é a mesma em todas as populações e pode acusar ao longo do tempo desvios muito sensíveis Além dos movimentos migratórios internacionais ou internos selectivos por natureza quanto à idade e quanto 229 ao sexo dos que partem a intensidade variável da mortalidade ou da natalidade modifica a estrutura por idade Assim os países industriais têm sempre uma população envelhecida e os países do Terceiro Mundo uma população muito jovem e portanto um potencial de crescimento muito mais forte Os indivíduos caminham todos para a velhice e para a morte mas uma população pode rejuvenescer por aumento do número dos nascimentos como aconteceu por exemplo na França a seguir à Segunda Guerra Mundial O prolongamento da duração média ou esperança de vida diferente da longevidade humana que tem como tecto cerca de 110 anos resultou no decurso da transição demográfica da baixa da fecundidade tudo se passando como se jovens fossem substituídos por velhos De futuro o envelhecimento pode aumentar no topo pelos progressos na luta contra a senescência Consequência do novo regime demográfico e das novas condições de existência nos países industrializados o envelhecimento da população modificou a imagem social dos momentos sucessivos do ciclo da vida Outrora no caso de ter sobrevivido a criança entrava muito cedo na vida activa Os adultos morriam com menos idade que actualmente Os velhos gozavam do prestígio da raridade e da experiência e a velhice podia apresentarse como um coroamento Hoje a valorização das idades está de algum modo invertida Cada vez mais numerosos e fora do sector produtivo os velhos são como que rejeitados e sobrevindo a idade muito elevada o seu desaparecimento apresentase como um alívio A juventude configurase como o modelo ideal Assim a representação das diferentes idades varia no tempo como a estrutura por idade da população e o estatuto 230 social dos indivíduos depende numa larga medida da sua idade A G Péquignot 1981 Philibert 1968 Sauvy 1961 Idade grupo de Fundada na comunidade espacial e nas formas de parentesco a organização social das sociedades tradicionais era também fundada em categorias classes ou grupos etários Todos os membros da comunidade estavam colocados segundo a sua idade num grupo particular com direitos e obrigações específicos Ritos de passagem Van Gennep 1909 as cerimónias simbólicas e as festas marcavam a transição de um grupo de idade para o seguinte A sobrevivência deste estado de coisas verificouse até à época contemporânea nomeadamente no meio rural Varagnac 1948 e 1954 Nas sociedades industriais actuais a complexidade das engrenagens económicas e o prolongamento da duração média de vida multiplicaram os grupos de idade de maneira extraordinária A divisão 124 em jovens adultos e velhos cede o lugar a distinções muito mais estritas São fixados limiares sancionados pela lei tais como a escolaridade obrigatória serviço militar para os rapazes limites de idade para apresentar concursos ou entrar na função pública etc Sobrevindo a puberdade mais cedo a idade da maioridade civil foi baixada Foi inventada uma nova idade a adolescência Por fim após o tempo de actividade aparecem a idade da reforma a terceira ou 231 mesmo a quarta idade A duração do exercício da profissão diminui nas suas duas extremidades pelo prolongamento dos estudos e pela tendência para o abaixamento da idade da reforma considerado como um progresso social Não sendo já a família o lugar único onde se completa o ciclo da vida instituições específicas dirigemse a cada grupo etário creches escolas casas de jovens clubes da terceira idade residências para aposentados etc Observação corrente sempre confirmada pelas pesquisas empíricas as pessoas de idade diferente não têm as mesmas atitudes perante a vida exprimem opiniões diversas mais conservadoras entre os velhos mais radicais ou avançadas nos jovens Será uma consequência do envelhecimento biológico um efeito de idade ou um efeito de geração já que os vários grupos etários não cresceram no mesmo contexto De todos os factores que actuam sobre os comportamentos e os valores a idade é predominante Stoetzel 1983 Para distinguilo melhor do efeito de geração estudos longitudinais permitem caracterizar melhor as reacções dos vários grupos etários ao longo da vida A G Ariès 1960 Idealtipo vd Tipoideal Identidade colectiva Aptidão de uma colectividade para reconhecerse como grupo qualificação do princípio de coesão assim interiorizado identidade étnica identidade local identidade profissional recurso que daí decorre para a vida em sociedade e a acção colectiva Em relação ao exterior do grupo a construção de uma 232 identidade colectiva implica um movimento de diferenciação a partir do qual se afirma a autonomia colectiva Internamente provoca pelo contrário um efeito de fusão que apaga a multiplicidade das pertenças Passase assim de um grupo complexo e fechado sobre si mesmo para um grupo cujas representações tendem a organizarse à volta de um princípio dominante e inteligível As identidades colectivas assim entendidas não são oponíveis às solidariedades amplas tornamse mesmo vectores de abertura sobre o exterior e de reconhecimento dos grupos entre si O conceito de identidade está na base das teorias da acção A integração é de facto muito mais necessária aos actores sociais que a consciência dos fins prosseguidos A mobilização surge quando se passa de um estado de estratificação a um estado de segmentação do tecido social Oberschall 1973 D SN Ideologia No sentido de Destutt de Tracy seu inventor o termo ideologia é praticamente sinónimo de psicologia no sentido actual Com Marx ganha um sentido negativo e designa as ideias falsas que os homens têm da realidade social Mais precisamente designa as ideias falsas que 1 incidem sobre o político e o social 2 se apoiam ou pretendem apoiarse no raciocínio e na argumentação científicos A noção de derivação em V Pareto 125 tem mais ou menos o mesmo sentido que o de ideologia em Marx Porque é que a palavra ideologia se impõe nesse 233 sentido a partir da segunda metade do séc XIX Provavelmente porque se começa então a perceber melhor a fragilidade de todos os planos de reforma social e política que foram propostos em fins do séc XVIII e princípios do séc XIX e que pretendiam fundarse na autoridade da Razão ou da Ciência Actualmente a palavra ideologia é muitas vezes tomada pelos sociólogos num sentido neutro e designa o conjunto das ideias relativas ao político e ao social sem julgar antecipadamente da sua validade ao passo que em certos teóricos políticos designa de preferência aqueles sistemas de ideias que R Aron denomina religiões seculares e S Lipset ideologias totais por exemplo o comunismo o nazismo A questão principal da teoria sociológica das ideologias é a de saber como é que ideias duvidosas e falsas podem imporse Foram propostos dois tipos de respostas a esta questão a resposta irracional e a resposta racional Segundo a primeira as crenças nas ideias falsas proviriam do facto de os actores sociais se deixarem cegar facilmente pelos seus interesses pelos seus sentimentos ou pelas suas paixões Assim para Marx os membros de uma classe social têm tendência para confundir o seu interesse de classe com o interesse geral Para Pareto os actores sociais são movidos por sentimentos mas sentem a necessidade de legitimar esses sentimentos conferindolhes um verniz lógico A teoria racional das ideologias insiste de preferência no facto de o actor social só poder controlar o ambiente que o rodeia interpretandoo com a ajuda de ideias conjecturas representações teorias cuja validade só pode determinar de modo muito parcial e incerto A sua credulidade é interpretada no quadro desta teoria como uma resposta racional em larga medida à complexidade do mundo 234 R B Boudon 1986 Duprat 1980 1983 Igreja e seita O termo seita designa comummente com um matiz pejorativo grupos religiosos políticos etc dissidentes relativamente a outros ou ainda grupos de discípulos ou de partidários reunidos à volta de um chefe e que o seguem É suposto que os membros das seitas são portadores de sectarismo isto é de muito dogmatismo e de suficiência não tendo é claro o seu monopólio Alguns sociólogos tentaram tirar o termo das suas ambiguidades de linguagem no quadro de apologias dos agrupamentos religiosos M Weber 1920 trabalhando no campo do protestantismo europeu e norteamericano moderno opôs Igreja a seita como uma instituição de salvação e um agrupamento voluntário de convertidos A primeira privilegia a sua própria extensão A segunda põe a tónica na intensidade da vida dos seus membros E Troeltsch 1912 trabalhando na história cristã das origens no séc XVIII desenvolve a tipologia de Weber e juntalhe uma entrada suplementar Para ele a seita opõese à Igreja e à rede mística Mysticismus Spiritualismus Séguy 1980 portadora de religiosidade livre fora da instituição Nesta perspectiva a Igreja é universal e preexiste aos seus membros aos quais se impõe É mais dada à extensão que à intensidade pronta para o compromisso com os Estados e as instituições da vida pública em geral tenta tornarse co extensiva às sociedades 126 235 e às culturas A seita em contrapartida caracterizase pela importância que atribui ao nível local nasce da decisão voluntária de adesão dos seus membros e do contrato que estabelecem entre eles e com Deus Insiste na intensidade do empenhamento e da vida espiritual dos seus membros Retraindose em relação à sociedade global e à sua cultura dá origem a uma subcultura própria A rede mística é fluida efémera o seu interesse vai no sentido da expressão intelectual de uma experiência extra institucional a sua Igreja espiritual ou invisível é a da intensidade máxima longe das formas dos ritos e dos cultos organizados não tendo em conta filiações confessionais Este espiritualismo censura às Igrejas e às seitas a sua intransigência o seu dogmatismo e a sua exterioridade Para Weber e Troeltsch as Igrejas reúnem geralmente pessoas de todas as origens sociais e tendem a favorecer o statu quo social e político As seitas estão ligadas às classes inferiores na maioria das vezes embora existam também seitas de intelectuais ou das classes superiores ou médias mas em número muito menor Algumas são revolucionárias outras pacíficas As redes místicas existiram algumas à margem de todas as Igrejas e seitas nos sécs XVI e XVII interessam principalmente aos intelectuais sejam quais forem as suas origens sociais As Igrejas seitas redes místicas estão mais ou menos próximas dos tiposideais aqui evocados Assim um agrupamento inicialmente muito próximo do tiposeita e que dele conserva um grande número de traços pode não apenas perder alguns deles na sua evolução mas ir buscar um ou outro aos outros dois tipos Eventualmente tenderá a aproximarse cada vez mais do tipo misto da Igrejalivre ou denominação que mistura os traços da Igreja e da seita Na 236 actual sociedade secularizada em que os Estados estão na maioria das vezes separados das Igrejas estas aproximamse igualmente e cada vez mais do tipo Igrejalivre Mas pelo facto de insistirem mais na intensidade do empenhamento dos seus membros nem por isso renunciam a influenciar a cultura global O ecumenismo como esforço oficial de diálogo entre Igrejas cristãs é uma manifestação típica desta evolução para a denominação que comporta pôr entre parênteses as pretensões ao exclusivismo confessional Para os movimentos mais próximos do tiposeita o ecumenismo continua a ser inaceitável Testemunhas de Jeová certos grupos pentecostistas etc A sua eventual aceitação do diálogo e da acção interconfessionais mede o seu grau de aculturação à sociedade global e ao universo do tipoIgreja por outras palavras a sua proximidade do tipo Igrejalivre As redes espiritualistas ou místicas foram sempre difíceis de referenciar No séc XVI observamolas à margem de todas as Igrejas e seitas São redes de permutas de correspondência de informação de livros à volta de uma personalidade No séc XVI e entre muitos outros S Franck ou H Denck foram personalidades dessas Algumas dessas redes de ideologia místicoespiritualista dotaramse por vezes para sobreviver de uma organização de tiposeita schwenckfeldianos no séc XVI quacres no séc XVII swedenborgianos no séc XVIII Presentemente existem redes mais ou menos próximas do tipomístico Mas importa notar sobretudo a penetração das perspectivas místicoespiritualistas em certos 127 237 sectores do pensamento teológico no interior das grandes Igrejas espiritualização da escatologia por exemplo em numerosos autores tónica colocada na presença do Espírito na sociedade global e em todas as religiões etc A apologia saída de Weber e de Troeltsch aqui utilizada foi criada em função do cristianismo ocidental e para facilitar o estudo da sua história vd novos movimentos religiosos J S Wilson 1970 Yinger 1957 Igualdade vd Desigualdades sociais Imigrado Os emigrados e os imigrados são indissociavelmente os mesmos que deixaram os países em que nasceram e em que foram educados para se instalarem num outro quer tenham sido empurrados pela miséria pelas perseguições ou pelo medo das perseguições quer tenham sido atraídos pela riqueza pela liberdade ou pela modernidade do país de instalação Conforme o elemento que os levou à partida push ou que os atraiu pull é dominante assim varia a atitude dos imigrantes em relação à sociedade de instalação Os exilados políticos fazem muitas vezes a experiência de uma partida definitiva São mais susceptíveis de ser impelidos à adaptação ao país que lhes deu um abrigo Em contrapartida os imigrados económicos pelo menos desde a Segunda Guerra Mundial partem com um projecto de acumulação financeiro e o sonho de regressar em seguida para se instalarem de novo no seu país No início da sua estada limitam as relações com a sociedade global ao mínimo indispensável para realizar o seu projecto Apesar desta distinção clássica entre exilados políticos e 238 imigrados económicos a experiência de todos comporta traços comuns obrigação de reelaborar novos papéis e adaptarse às necessidades da vida comum no país de instalação formas de aculturação Eisenstadt 1955 Mesmo os imigrados económicos inflectem o seu projecto inicial o reagrupamento familiar traz consigo atitudes de consumidores e os papéis familiares transformamse forma se uma cultura específica de emigrados onde se misturam elementos tirados dos modelos tradicionais e dos modelos da sociedade de instalação Notase também uma diferença na experiência dos próprios migrantes entre a primeira geração e a seguinte Os primeiros socializados numa cultura foram levados a deixar o seu país e a adaptarse a um outro os segundos os seus filhos nasceram e sobretudo foram escolarizados no país de instalação Para os primeiros a adaptação pode resumirse a uma aculturação formal os imigrados adaptam os seus comportamentos às necessidades do trabalho profissional e à vida comum mas conservam intacto o núcleo da sua cultura de origem papéis familiares relação entre os sexos Schnapper 1986 Em contrapartida aqueles a quem se chama de maneira corrente mas inexacta a segunda geração que não conheceram o país de origem dos seus pais fazem plenamente parte do país de acolhimento Esta pertença não os impede de preservar no entanto características específicas que são resultado da socialização familiar dos laços culturais e sentimentais com a cultura e a nação de que seus pais são originários Quando as suas culturas são muito diferentes em particular no que se refere aos papéis familiares esta evolução pode estar na origem de conflitos por vezes violentos e dolorosos Este 239 128 processo ganha ritmos e formas desiguais consoante a capacidade de integração das diferentes nações nos diferentes períodos e conforme a atitude que os imigrados adoptam em relação à sociedade de acolhimento D S Imitação vd Inovação Difusão Moda Imperialismo A expressão designa em primeiro lugar a política de imperialização a que conduz a implantação de um império Falarseà do imperialismo de Qin que impôs à China a unificação imperial em 221 a C Neste sentido o imperialismo europeu designa a conquista de impérios coloniais no séc XVI e no séc XIX Este segundo impulso de imperialismo deu lugar a uma deformação ideológica da palavra na tradição marxista leninista do séc XX Antes de 1914 e até à Segunda Guerra Mundial a teoria afirmava que a acumulação crescente de capitais e de meios de producão nos países capitalistas e o empobrecimento correlativo dos proletários tinham como consequência crises cada vez mais intensas de sobreprodução que só podiam ser ultrapassadas escoando os bens e os capitais para fora da Europa Cada país capitalista tinha pois de esforçarse por criar noutro lado um mercado reservado Como o planeta é finito daí tinham de resultar inevitáveis conflitos armados entre países capitalistas para o partilharem Tendo esta visão sido desmentida pela experiência acabou por ser substituída por uma outra entre 1945 e os anos 70 A 240 maior parte dos países capitalistas entendese para manter o Terceiro Mundo num estado de sujeição económica que lhes permite enriquecerem à sua custa O imperialismo designa a relação de exploração que une os países capitalistas aos países proletários e que enriquece uns à custa do empobrecimento dos outros Esta visão foi também desautorizada pelas experiências recentes J B Duverger 1980 Lenine 1916 Incesto O incesto é uma relação sexual proibida socialmente em razão de um laço estreito de parentesco entre dois indivíduos de sexo diferente Se as relações sexuais entre pais directos e filhos são proibidas em toda a parte assim como entre irmãos e irmãs com excepções consideradas como derrogações ao estatuto comum em algumas dinastias como por exemplo os Ptolomeus o campo da proibição varia segundo as sociedades cobrindo por vezes parentes por aliança primos em determinado grau ou relações simbólicas entre rapaz e rapariga ligados por um parentesco espiritual Exogamia e proibição do incesto diferem na medida em que envolvem um o casamento o outro a relação sexual eventualmente tolerada antes do casamento A transgressão da regra dá lugar ao castigo e à desonra Segundo L Morgan e S Maine a proibição do incesto protegeria contra os efeitos nefastos da consanguinidade Objecção essa clarividência eugénica data apenas do séc XVI europeu e a reprodução endogâmica também produz sobredotados Segundo E Westermarck a habituação de pessoas que vivem em conjunto provocaria uma falha de atracção e uma repulsão Objecção S Freud 241 raciocina a partir do contrário Édipo e porque é que as sociedades estabeleceriam então um interdito tão rigoroso Segundo 129 CLéviStrauss esta regra universal completa a passagem da natureza caótica à cultura regulada Tem como função alargar o campo das relações sociais C R Heusch 1988 Durkheim 1898 Raglan 1935 Índice Na sua acepção comum um índice é uma medida uma síntese um índice de escuta é calculado a partir de uma simples percentagem um índice de preços é uma soma ponderada de informações Em ambos os casos tratase de caracterizar com um simples número uma situação o que permite comparando no tempo a variação do índice estudar a evolução da situação Em sociologia P Lazarsfeld 1961 1965 1970 propôs que se denominasse índice toda a medida sintética a partir de uma série de indicadores observáveis de uma realidade não directamente mensurável Assim num inquérito sobre os professores universitários americanos 1958 procura estudar o processo da sua titularização em função por um lado da sua idade e por outro da sua eminência Esta última noção que se refere à notoriedade que um professor pode ter junto dos seus pares não é bem entendido directamente mensurável tem de ser apreciada a partir daquilo que ele pode ter feito para se fazer conhecer publicações conferências e das marcas de reconhecimento 242 que pode ter recebido dos seus colegas eleição para um cargo ou de outras pessoas cargo de conselheiro missões extrauniversitárias A dificuldade metodológica está então no facto de cada indicador manter com a noção de eminência apenas uma relação probabilista quando um professor publicou um livro tem mais hipóteses de ser conhecido e reconhecido pelos seus pares mas não estamos perante nenhuma certeza Assim a relação entre a medida sintética o índice que se tirará de um conjunto uma bateria de indicadorès e a noção ou o conceito que se supõe este índice medirá é apenas probabilista O índice será uma melhor ou pior aproximação mas não terá a qualidade de uma medida directa Esta situação torna contestável a utilização da linguagem indicial como processo de classificação cometerseiam numerosos erros ao tentar propor uma classificação de eminência dos professores recorrendo a um único índice em parte porque a eminência não é uma noção unidimensional Mas Lazarsfeld mostrou que se pode muito bem pelo contrário estudar a ligação que o índice mantêm com uma outra variável Seja qual for a amostra de indicadores escolhidos na condição de que tenham uma certa relação com o conceito chegase ao mesmo resultado É aquilo a que se chama a intermutabilidade dos índices Y C Individualismo A noção de individualismo designa em sociologia duas ordens de realidades que não são independentes uma da outra o resultado da mutação teórica que a partir do séc XVII fez do indivíduo o fundamento do 243 político e do Estado de direito o efeito da complexidade crescente das sociedades industriais e da natureza dos laços sociais que daí resultam C B MacPherson 1962 descreve assim a revolução intelectual do individualismo O individualismo do séc XVII é a afirmação de uma propriedade é essencialmente possessivo Designamos assim a tendência para considerar 130 que o indivíduo não é de modo nenhum devedor à sociedade da sua própria pessoa ou das suas capacidades das quais é pelo contrário e por essência o proprietário exclusivo Nesta época o indivíduo não é concebido nem como um todo moral nem como a parte de um todo social que o ultrapassa mas como o seu próprio proprietário Este individualismo possessivo opõese a duas concepções da individualidade a concepção antiga representada designadamente por Aristóteles para quem o indivíduo humano se caracteriza pelo seu lugar no Cosmo enquadrado como está na ordem estrita que a sua essência lhe impõe a concepção cristã tal como ela se exprime em Santo Agostinho para quem o indivíduo é criatura de Deus e tem portanto como tarefa usar da graça que o Senhor lhe dispensa para fazer a sua salvação sendo a Cidade de Deus mais importante que a Cidade dos homens Numa abordagem mais estreitamente sociológica e que deve talvez muito a um distanciamento para com o individualismo político É Durkheim define o individualismo como o resultado das formas que a 244 solidariedade assume na divisão do trabalho Esta constitui os homens em individualidades diferenciadas que desempenham tarefas específicas e realizam uma vocação A coesão social interna que resulta da complementaridade das funções gera um novo tipo de valores à volta da noção de pessoa A patologia deste individualismo é a anomia quando a consciência colectiva se enfraquece e deixa de integrar os indivíduos separados Toda uma tradição sociológica se interrogará assim sobre os efeitos e danos da dissolução da comunidade Numa acepção sem qualquer relação com as duas anteriores designarseá por individualismo metodológico o princípio essencial nas ciências sociais segundo o qual um facto social deve ser compreendido como a consequência do comportamento dos indivíduos que pertencem ao sistema social no qual o facto é observado Este princípio opõese às explicações holísticas que vêem na acção do indivíduo um produto das estruturas sociais e fazem da intenção do agente social um dado descurável A A Individualismo metodológico O princípio do individualismo metodológico define um método importante das ciências sociais Segundo este princípio explicar um fenómeno colectivo é sempre pelo menos no ideal analisar esse fenómeno como a resultante de um conjunto de acções de crenças ou de atitudes individuais Segundo esta perspectiva a explicação nas ciências sociais comporta portanto sempre uma dimensão psicológica Assim explicarseá por exemplo a baixa de uma taxa de natalidade ou de criminalidade mostrando como e porquê 245 condições mutáveis levaram os actores sociais a comportar se diferentemente dos seus predecessores O individualismo metodológico é correntemente acompanhado de uma concepção racional da acção sendo suposto que o actor social tem boas razões para comportarse como o faz A pertinência do individualismo metodológico foi por vezes contestada pelos durkheimianos que herdaram de Augusto Comte a sua hostilidade à psicologia e por aqueles dentre os neomarxistas que tendem a representar o indivíduo como o simples joguete das estruturas sociais O individualismo metodológico opõese ao holismo metodológico R B Birnbaum Leca 1986 131 Influência A influência pode ser entendida num sentido genérico ou num sentido restrito na primeira acepção relativamente usual aplicase a toda a forma de acção eficaz sobre outrem seja qual for a sua modalidade na segunda mais elaborada designa antes um modo de comunicação de que a persuasão constituiria a mola principal senão única Convém lembrar o papel de pioneiro desempenhado neste domínio por G de Tarde mesmo se este último utiliza um outro tipo de vocabulário Por um lado na sua teoria geral Tarde 1890 referese sucessivamente à sugestão ao hipnotismo à magnetização para caracterizar o papel e a eficácia atribuídos à imitação o tema da influência está aqui presente sob uma forma implícita Por outro lado em alguns dos seus ensaios e nomeadamente no seu estudo da 246 conversação Tarde 1901 revelase um observador atento de uma influência essencialmente persuasiva da qual as vicissitudes da opinião são muito largamente tributáriasEste interesse pela análise dos processos anuncia as pesquisas ulteriores de P Lazarsfeld e dos seus colaboradores 1944 1955 As investigações no terreno conduzidas por este último contribuíram em primeiro lugar para abalar o mito de uma propaganda omnipotente que agiria sobre indivíduos isolados na massa fazendo ressaltar o papel decisivo do contexto social A análise das campanhas eleitorais pôs em evidência nomeadamente a existência de guias de opinião que ao mesmo tempo transmitiriam e traduziriam para os membros dos seus grupos primários as mensagens dos meios modernos de informação colectiva A atenção desta equipa de pesquisa cristalizouse assim pouco a pouco nas relações de influência de que foram estabelecidas algumas características principais o influenciador não goza geralmente de um estatuto mais elevado mas pertence na maioria das vezes ao mesmo meio que os influenciados tira partido de um certo grau de competência num domínio bem determinado ao qual se limita normalmente a sua esfera de influência Os estudos de laboratório contribuíram igualmente para uma percepção mais profunda dos processos de influência para além das tarefas indispensáveis à limpeza do terreno firmaram hipóteses fecundas e permitiram assim a S Moscovici 1979 pôr em evidência o papel das minorias activas na génese das inovações Este desenvolvimento das pesquisas empíricas não deixou de ter incidência na clarificação progressiva dos conceitos hoje somos de facto menos tentados a considerar poder e influência como conceitos intercambiáveis à maneira de R 247 Dahl 1961 cujos esforços para construir uma metodologia rigorosa de análise de decisões convém entretanto saudar como o demonstrou T Parsons 1967 a influência deve ser antes compreendida como uma capacidade de persuadir fazendo apelo a razões positivas para conformarse com as sugestões do influenciador F C Chazel 1964 Merton 1949 Montmollin 1977 Infraestruturasuperstrutura Na terminologia marxista a infraestrutura de uma sociedade é constituída pelas relações de produção e pelo conjunto dos meios materiais e técnicos que elas põem em movimento A superstrutura noção complementar designa o conjunto das instituições políticas jurídicas 132 e culturais que se elevam sobre essa infraestrutura e a reflectem ideologicamente Este par de noções procura mostrar que há articulações entre os diferentes níveis da realidade social mas não faz mais que assinalar o problema sem resolvêlo F Engels para o fim da sua vida advertiu contra um determinismo económico demasiado afirmado sublinhando os efeitos de retroacção da superstrutura sobre a infraestrutura Na sua opinião a determinação económica só pode jogar em última instância através de múltiplas mediações Mas esta correcção nem por isso fornece a chave para compreender a cadeia das mediações ou seja as articulações concretas das práticas umas sobre as outras Muitos marxistas admitem 248 agora que a infraestrutura económica não determina propriamente os outros níveis da prática mas fixa limites às suas variações e às suas condições de afirmação Admitem igualmente que em certas conjunturas em que põem de novo em questão equilíbrios antigos os abalos culturais ou ainda políticos podem ter um papel motor nas mudanças sociais JM V Giddens 1984 Iniciação rito de Rito de passagem acompanhado de provas destinado a introduzir certos candidatos num novo estatuto por exemplo o de uma classe etária na idade pubertária de uma confraria para recrutamento selectivo ou de uma sociedade secreta Segundo A van Gennep 1909 estes ritos comportam três etapas 1 separação e ruptura com o mundo profano 2 marginalização num lugar sagrado e formação para um novo modo de ser 3 ressurreição simbólica e agregação na comunidade com um estatuto superior Após uma morte simbólica os noviços a cargo de instrutores são submetidos a uma ascese fazem a aprendizagem de ritos e recebem a revelação de um saber sobre a sociedade que os acolhe A mudança de estatuto manifestase na altura de festas solenes por um novo nome adereços marcas corporais por exemplo circuncisão sacrificação e por vezes uma nova linguagem próprios dos iniciados A iniciação marca uma transformação memorável na vida do indivíduo e requer uma fidelidade às normas da comunidade em que os postulados são introduzidos C R 249 Bettelheim 1971 Cazeneuve 1958 Eliade 1976 Inovação Este termo ganhou um sentido muito amplo na sociedade contemporânea Com efeito é habitualmente definido como uma transformação que resulta da iniciativa de um ou vários indivíduos e que afecta conforme os casos a economia a política a ciência ou ainda a cultura etc Cinco conotações deste termo merecem ser assinaladas 1 há uma desproporção entre a causa por exemplo a iniciativa de um inovador e o efeito transformar o modo de vida de uma população eventualmente importante 2 o impacte da inovação é considerado como globalmente benéfico ou seja considerase que ela contribui para um progresso económico social 3 tal impacte é encarado sob vários aspectos ao mesmo tempo se se considera apenas o aspecto científico e técnico utilizamse de preferência as expressões invenção e descoberta 4 esse impacte não é nem anódino em cujo caso nos contentamos em falar de melhoria nem muito importante falase 133 então mais de revolução ou de mutação 5 a inovação só pode dizerse tal depois de ter começado a ser aceite difundida por outras palavras depois de ter sido objecto de imitações A carreira deste termo apresentase indissociável da história das teorias do progresso e das crises sociais Saint Simon por exemplo utilizaa num sentido que não está muito afastado daquele que prevalece actualmente Mas é sobretudo G de Tarde que lhe confere um estatuto 250 privilegiado pois que vai até ao ponto de explicar a evolução social pela combinação da invenção e da imitação 1890 J Schumpeter elabora 1912 uma concepção análoga na sua análise do desenvolvimento económico Este resultaria quanto ao essencial das novas combinações devidas aos empreendedores isto é da introdução de produtos novos de novos métodos de produção da conquista de novas fontes de matériasprimas da abertura de novos mercados etc Estas combinações permitiam na sua opinião explicar ao mesmo tempo o progresso e as crises periódicas da economia Actualmente a noção de inovação ocupa uma posição importante sobretudo na sociologia das organizações March Simon 1958 e na sociologia das ciências Lécuyer 1978 Há muito interesse nestas disciplinas pelas condições favoráveis à génese e à origem das inovações Ressalta desses trabalhos e em particular dos que T Kuhn 1962 consagrou às revoluções científicas que os verdadeiros inovadores não são tanto os que respondem mais eficazmente às questões que toda a gente se põe como os que sabem pôr questões novas A B Inquérito No sentido mais geral toda a procura de informações para responder a um problema Em sociologia inquirir é interrogar um certo número de indivíduos em ordem a uma generalização O inquérito opõese aqui portanto à observação que utiliza outras técnicas que não a interrogação e à experimentação em que o pesquisador cria e controla a situação que pretende estudar Mas o inquérito sociológico opõese também ao inquérito administrativo ou judicial pelo 251 facto de ter por objectivo não um conhecimento pontual mas um conhecimento generalizável O que interessa ao sociólogo não são os indivíduos no que eles tém de pessoal mas a possibilidade de tirar respostas individuais das conclusões gerais Tecnicamente tratase primeiro de delimitar o domínio sobre o qual procuramos informações quer estas tenham por fim tornar possível a descrição do domínio quer visem comprovar as ideias que se tem sobre esse domínio a saber hipóteses Determinase então por um lado a série de questões factuais eou de opinião que nos propomos submeter aos inquiridos e por outro a amostra à qual contamos dirigirnos Há técnicas muito precisas de escolha e aferição de amostras cujo respeito é uma condição da generalização mas não há método automático de elaboração do questionário donde decorre que todo o inquérito é directamente tributário do instrumento empírico elaborado para a colecta da informação A administração do questionário à amostra retida permite em seguida essa colecta obtêmse então os dados brutos que é preciso depois verificar analisar e interpretar No caso mais corrente dos inquéritos quantitativos por sondagem a verificação visa traduzir as respostas de cada inquirido em informações 134 codificadas que permitem a elaboração de estatísticas de respostas São estas que são analisadas em particular com a ajuda de testes de significação e interpretados Falta apenas redigir o relatório de inquérito onde se procura responder às questões colocadas inicialmente Todo o inquérito seja ele qualitativo ou quantitativo põe 252 por um lado o problema da agregação das respostas individuais e por outro o da sua generalização A utilização correcta de técnicas precisas tende a trazer uma resposta a estes dois problemas Mas as conclusões de um inquérito são sempre uma estimativa do objecto estudado Mantémse no entanto o facto de se tratar de um instrumento de recolha de informação insubstituível que o sociólogo não poderá dispensar Y C Ghiglone Matalon 1978 Instituição No sentido geral uma instituição é uma componente concreta de uma sociedade real em oposição com os elementos analíticos do sistema social concebido como instrumento de análise de toda a sociedade possível Parsons 1951 Mais precisamente uma instituição consiste num conjunto complexo de valores de normas e de usos partilhados por um certo número de indivíduos Como pertence ao mesmo tempo ao vocabulário quotidiano a instituição familiar ao da acção política é preciso preservar as instituições e finalmente ao da ciência política o termo instituição conheceu uma fortuna ao mesmo tempo prolífica e caótica em sociologia Desde cerca de 1960 o uso estabilizouse mais ou menos à volta das concepções propostas pelo sociólogo americano T Parsons 1951 Segundo ele podemos definir como instituição todas as actividades regidas por antecipações estáveis e recíprocas entre os actores que entram em interacção Para tomar um exemplo elementar o espectador que fez fila para o cinema forma primitiva de instituição ficaria evidentemente 253 desconcertado se a empregada da bilheteira lhe desse a sua opinião pessoal sobre a qualidade do filme Ambos sairiam do seu papel Para que estas actividades estáveis e recíprocas se desenvolvam é indispensável que cada um dos actores em presença renuncie a tirar partido no curto prazo das vantagens que o seu papel momentâneo pode proporcionar lhe e que conceda a prioridade a mais longo prazo às exigências da sua tarefa e ao ponto de vista dos seus parceiros Cada um deve porse no lugar de outrem Boudon Bourricaud 1982 A aprendizagem deste comportamento institucional produzse primeiro na família evidentemente Já para Montaigne a instituição dos filhos designa a aprendizagem de valores e de práticas comuns como a língua as maneiras a moralidade Mas estas orientações absolutamente gerais não bastam para garantir por si sós nem a previsibilidade nem a regularidade do conjunto dos comportamentos da criança tornada adulto Boudon Bourricaud 1982 É Durkheim 1895 sublinhou ao mesmo tempo a importância e os limites desta primeira socialização As instituições são sistemas normativos para os quais a primeira aprendizagem não pode iniciar em definitivo É preciso sublinhar portanto a importância das noções de socialização e de interiorização da regra É por isso que é justo referir com R Boudon e F Bourricaud 1982 135 que a teoria da instituição funciona em alternativa com a teoria da luta de classes Não é antagónica com ela 254 simplesmente explica melhor certos fenómenos particularmente processos sociais que assentam na confiança e isso mesmo que o risco de exploração não esteja excluído BP L Ben David 1971 Bourricaud 1977 Eisenstadt 1968 Chazel 1974a Gallino 1978 Gould Kolb 1964 Integração O termo integração não tem sentido bem fixo e definido em sociologia Como na linguagem corrente pode designar um estado de forte interdependência ou coerência entre elementos ou então o processo que conduz a esse estado Além disso é aplicado quer a um sistema social quer à relação indivíduosistema social Este último uso parece demasiado laxista Melhor seria reservar o uso da palavra integração a uma propriedade do sistema social Era de facto o que fazia É Durkheim em Le Suicide 1897 ao enunciar a lei segundo a qual o suicídio varia na razão inversa do grau de integração dos grupos sociais de que o indivíduo faz parte O afastamento do indivíduo da vida social o excesso de individuação por outras palavras o egoísmo não são mais do que uma consequência da falta de integração ou de coesão ou de consistência dos grupos sociais de pertença Um grupo social segundo Durkheim está integrado na medida em que os seus membros 1 possuem uma consciência comum partilhando as mesmas crenças e práticas 2 estão em interacção uns com os outros 3 sentemse votados a fins comuns Estes três elementos são ilustrados sucessivamente de maneira privilegiados pelas três séries de dados em que se apoia Durkheim na sua análise do suicídio egoísta a 255 sociedade religiosa a sociedade doméstica a sociedade política PH BD Besnard 1987 Intelectual A palavra intelectual é recente data do caso Dreyfus mas não faz mais que denominar de outro modo uma categoria social que se designava no séc XVI pela palavra humanista e no séc XVIII pela palavra filósofo Neste sentido os intelectuais são aqueles que mobilizando o seu prestígio ou a sua autoridade de criadores contribuem para exprimir e para popularizar novos valores ou para defender os antigos Erasmo Voltaire É Zola são talvez as ilustrações mais célebres do intelectual neste sentido da palavra O papel do intelectual à Zola põe um problema sociológico Porque é que um criador que adquiriu os seus títulos de nobreza no domínio da arte da literatura ou da ciência pode ocasionalmente tirar partido deles para propor o que é correcto em matéria de valores Na realidade a influência do intelectual é muitas vezes apenas aparente a sua mensagem só é eficaz na medida em que está conforme com as crenças do seu auditório ele é acolhido com reconhecimento sobretudo porque dá uma voz e uma expressão a essas convicções Mas a palavra intelectual empregase também num sentido mais amplo para designar todos os que contribuem para a produção confirmação ou difusão de valores de visões do mundo ou de conhecimentos nomeadamente quando esses conhecimentos comportam consequências axiológicas ou mais geralmente filosóficas As relações 256 complexas que os intelectuais mantêm 136 com os seus públicos ou como poderá ainda dizerse os seus mercados dependem do domínio em que desenvolvem a sua actividade Assim o matemático dirigese normalmente a um público restrito o romancista a um público alargado O caso do filósofo ou do historiador sugere que o intelectual pode por vezes escolher dirigirse ao mercado restrito dos seus pares ou a um público mais alargado Esta liberdade faz com que segundo as épocas as conjunturas intelectuais o estado das instituições universitárias e múltiplos outros factores a produção intelectual tenha tendência a dirigirse de preferência a um tipo de público ou a um outro Assim a nossa época caracterizase por um incontestável ascendente dos media Isso tem como consequência fazer do vedetariado uma dimensão importante do nosso sistema de estratificação social Por isso vemos muitos sábios historiadores filósofos escolherem assuntos e modos de expressão susceptíveis de atrair a atenção do público alargado a que os media se dirigem Quando o mercado dos media é dominante a função cognitiva dam produção intelectual tende a passar para segundo plano R B Aron 1955 Cochin 1921 Tocqueville 1856 Interaccionismo simbólico O interaccionismo simbólico não é uma escola de pensamento bem delimitada A expressão data de 1937 Blumer 1969 mas as origens conceptuais são muito mais antigas Os pragmatistas anglo 257 saxões C S Peirce W James J Dewey introduziram algumas ideias essenciais como as de comunidade de interpretação dos signos de construção do self ou eu individual pelo juízo dos outros de instrumentalidade do pensamento e finalmente de primado da acção no conhecimento Mas foram autores como G Simmel 1917 e G H Mead 1934 que serviram de referência principal à eclosão da corrente A originalidade do interaccionismo simbólico é o facto de considerar a acção recíproca dos seres humanos e os sinais que a tornam visível como o fenómeno social mais importante Nesta óptica entidades como a sociedade as instituições as classes sociais ou a consciência colectiva não têm realidade independente das interacções sociais Para Mead por exemplo uma instituição é a resposta comum trazida sob formas variadas pelos membros de uma comunidade a uma situação particular Longe de serem determinadas por estruturas ou sistemas as condutas sociais encontram o seu princípio no seu próprio desenrolar temporal Para o interaccionismo simbólico o comportamento humano não é uma simples reacção ao meio ambiente mas um processo interactivo de construção desse meio É o que está expresso pela fórmula de W I Thomas Se os homens definem sìtuações como reais elas são reais nas suas consequências Este processo é interactivo porque a actividade individual só é possível pela pertença a uma comunidade de significação Pelo facto de podermos dar a mesma significação aos mesmos signos podemos compreender a actividade de outrem isto é captar o ponto de vista do outro sobre o que se está a passar fazer previsões sobre as suas actividades futuras e modificar o nosso próprio 258 comportamento em função do de outrem A consciência de si próprio e do mundo social está assim estreitamente dependente da participação em actividades comuns e sinais visíveis sob os quais 137 essas actividades se tornam mutuamente compreensíveis O interaccionismo simbólico esteve vigoroso sobretudo nos Estados Unidos da América nomeadamente com os estudos urbanos interaccionistas antes do termo da escola de Chicago E C Hughes R E Park as teorias do labeling etiquetagem H S Becker 1963 as pesquisas de E Goffman sobre as instituições totais 1961 ou os ritos de interacção 1967 e a etnometodologia Garfinkel 1967 Viuse aumentar nestes últimos anos o número das pesquisas sociológicas francesas inspirandose numa ou noutra das versões do interaccionismo simbólico P P Herpin 1973 Interesse vd Utilitarismo Investigaçãoacção Postura das ciências sociais que associa a análise à transformação da realidade estudada O conceito actionresearch vem da psicologia social americana Lewin 1948 A epistemologia clássica da sociologia adverte contra os efeitos de interacção que surgem entre o analista e o meio analisado a posição dos promotores da investigaçãoacção consiste pelo contrário em colocar os efeitos de interacção 259 no centro dos dispositivos de pesquisa Uma primeira acepção próxima do método experimental faz da intervenção do pesquisador uma simples modalidade de investigação destinada a compreender os processos de transformação No limite oposto a acção é de facto a finalidade última e a análise não é mais que o desvio obrigatório da gestão de uma mudança Em França a investigaçãoacção desenvolveuse em campos como a sociologia do sistema educativo ou a das instituições A Touraine 1978 aplicou a intervenção sociológica ao estudo dos movimentos sociais Entretanto numa altura em que as ciências exactas debatem os seus próprios processos de validação a investigaçãoacção e a reflexão epistemológica que a acompanha mantêmse relativamente esquecidas ou consideradas pouco operatórias D SN 138 139 J Judiciárias sociologia das instituições Nas suas análises do processo de racionalização própria das sociedades ocidentais M Weber atribui já uma importância particular ao papel das instituições judiciais e ao das profissões envolvidas Weber 1922a Confrontadas com as aspirações sociais com as evoluções económicas políticas ou éticas as 260 instituições judiciais e os seus agentes têm de facto de tentar constantemente o compromisso a adequação entre a tomada em consideração destes movimentos de sociedade e o respeito da racionalidade jurídica a preservação de uma legalidade É este trabalho que convém a uma sociologia das instituições judiciais empreender evidenciando os factores em jogo Deve admitirse que esses factores não são unicamente os avançados no discurso jurídico por exemplo a tarefa de ajustamento entre o direito e os costumes confiada à jurisprudência mas encontramse sobretudo nas próprias características sociais das instituições Os problemas crescentes de regulação a que estão expostas as sociedades modernas Crozier 1980 manifestamse ao nível dessas instâncias particulares É por isso que a sociologia das organizações e a das profissões foram primeiramente solicitadas para contribuir para a modernização considerada necessária face ao aumento do contencioso ao atravancamento dos aparelhos do Estado Belley 1986 e às transformações das esperanças de justiça Mas o que é considerado como o pôr em causa da divisão e da hierarquização do trabalho jurídico como a importância crescente das regulações de tipo administrativo em relação às regulações de tipo judiciário como o desenvolvimento substitutivo ou complementar de modos informais de sistema de mediação na solução dos conflitos é muitas vezes associado por exemplo àquilo que seria o deslocamento de um poder jurídicodiscursivo para um poder de normalização Foucauld 1976 de um modelo de justiça legalistaliberal para um modelo de justiça normativa tecnocrática Ost 1983 Uma tal associação tenderia a provar que uma sociologia das instituições judiciais e dos 261 seus agentes não poderá excluir a questão no fundamento da sua especificidade a das transformações do estatuto e da função social do direito no seio da sociedade global J CE Justiça distributiva Denominamse princípios de justiça distributiva as regras ou critérios que definem a maneira como os recursos de um grupo devem ser repartidos entre os seus membros Os princípios mais frequentemente distinguidos são o mérito proporcionalidade entre as contribuições e as gratificações dos participantes a necessidade desligamento das contribuições e das gratificações e repartição em função da utilidade esperada e o estatuto repartição na base da identidade social dos membros com a igualdade como caso particular importante No entanto não há consenso sobre a tipologia destes princípios alguns juntamlhes o contrato em que a justiça é definida pelo simples acordo das vontades outros reduzem estes princípios a dois equidade e necessidade Kellerhals CoenenHuther Modak 1988 As investigações mostraram que 1 os juízos de justiçainjustiça exprimem com frequência um compromisso entre 140 várias regras mérito e necessidade nomeadamente mistura ela própria afectada pelo género de recursos em jogo a sua raridade a sua abstracção a sua importância social etc 2 tais compromissos reflectem a presença no actor de dois processos de avaliação da situação por comparação imediata com outrem e por nível de aspiração comparações 262 interiorizadas 3 o juízo de justiça comporta dois aspectos interdependentes e não um só assegurar a cada um a sua justa parte e permitir o bom funcionamento do grupo As pesquisas estabeleceram seguidamente que as normas de justiça variam consoante as relações no grupo e os papéis dos actores Por exemplo o princípio do mérito é tanto mais escolhido como legítimo quanto as relações são abstractas competitivas sectoriais temporárias e os decisores têm por tarefa velar pela produtividade do grupo mais que pela sua coesão Finalmente começou a mostrarse que a avaliação de uma situação como justa ou injusta depende não apenas dos termos da troca mas também da implicação do actor no processo de decisão T K Juventude A juventude é o período da vida que se estende da infância à idade adulta Esta definição corresponde menos a uma etapa do desenvolvimento físico e psicológico que a um estatuto social Com efeito aquilo a que se chama juventude varia consideravelmente de um tipo de sociedade para outro de um grupo para outro e só se tornou um facto social massivo desde há algumas décadas Ariès 1973 Mead 1970 Nas sociedades tradicionais a juventude designa um período breve e preciso da vida marcado por ritos de passagem e cerimónias de iniciação que dão aos que a elas se submetem estatutos claros e reconhecidos As transformações da sociedade mudaram sensivelmente a experiência juvenil O tempo de formação e de escolarização prolongouse e as obrigações adultas são diferidas para lá dos vinte anos e mesmo para depois no caso dos estudantes 263 embora a maioridade penal ocorra aos 16 anos e a civil aos 18 Como experiência longa e massiva a juventude é um produto da modernidade e dos valores de autonomia de desabrochamento de liberdade individual Contudo o tempo da juventude apresentase com frequência como um período ambíguo e anómico durante o qual o actor não é nem uma criança nem um adulto É também um período de provas durante o qual se adquire o estatuto de adulto através dos projectos de futuro das estratégias e por vezes das transgressões mais ou menos toleradas pelos adultos Constituise a partir dos anos 50 uma cultura dos jovens que lhes permite reconheceremse como grupo etário A moda e a música são o suporte dos gostos e dos estilos das sensibilidades próprias e por vezes dos laços de solidariedade Acontece também que esta cultura dos jovens vá para além da simples lógica de consumo e que traga uma crítica e uma reivindicação Na segunda metade dos anos 60 a juventude designadamente os estudantes construíram movimentos contestatários criticando os valores e os modos de vida dos adultos fazendo apelo aos valores contra as normas A juventude das classes populares menos orientada para a crítica cultural manifesta no entanto problemas e dificuldades específicos através da constituição de grupos e de bandos mais ou menos 141 nos delinquentes até que a ordem adulta acaba por integrála Como período de liberdade mas também de fragilidade dos estatutos e das identidades a juventude é sensível às crises e às mutações de uma sociedade aparece sempre associada 264 aos mecanismos da mudança Mas a juventude não é uma categoria social homogénea Há tantas juventudes quantos os grupos sociais F D 142 143 L Laicização vd Secularizaçãolaicização LAZARSFELD Paul Felix sociólogo americano Viena 1901Nova Iorque 1976 Paul Lazarsfeld faz conjuntamente estudos de direito de economia e de matemáticas Conseguiu convencer dois psicólogos Karl e Charlotte Bühler a criarem um centro para aplicar a psicologia a problemas económicos e sociais Publica Jugend und Beruf 1931 sobre as escolhas profissionais dos jovens operários e depois Les Chômeurs de Marienthal 1932 Em 1934 emigra para os Estados Unidos da América e transpõe para lá o seu projecto vienense Obtém em 1940 uma cátedra de Sociologia na Universidade Colúmbia Nova Iorque e a direcção do Bureau of Applied Social Research recentemente criado O modelo deste instituto prolifera nos Estados Unidos e depois na Europa seu lugar de origem A maior parte dos trabalhos de Lazarsfeld trata das opções políticas dos actores sociais The Peoples Choice 1944 265 Voting 1954 The Academic Mind 1958 ou das suas opções económicas Personal Influence 1958 Um dos seus resultados mais importantes foi mostrar que a omnipotência atribuída à propaganda e à publicidade é um mito fundado numa concepção simplista da acção humana Lazarsfeld contribuiu também de maneira decisiva para a crítica codificação e clarificação da linguagem utilizada nas pesquisas sociais Esta actividade parecialhe indispensável para o progresso do conhecimento The Language of Social Research 1955 Le Vocabulaire des sciences sociales 1965 Alargou também essa reflexão à história das ciências sociais Philosophie des sciences sociales 1961 Autor inicialmente marginal que depois se tornou um clássico permaneceu no entanto na sombra no sentido de que muitas das suas inovações são hoje largamente aceites mas a sua paternidade é quase esquecida BP L Merton Coleman Rossi 1979 Kendall 1982 LE BON Gustave médico e sociólogo francês Nogentle Rotrou 1841 Paris 1931 Personalidade do ToutParis intelectual Gustave Le Bon exercitouse não sem resultados nas disciplinas mais diversas arqueologia craniologia história das civilizações fotografia e equitação experimentais física da matéria etc Mas foi La Psychologie des foules 1895 que lhe proporcionou uma notoriedade internacional Inspirandose em G de Tarde e S Sighele põe a tónica nas pulsões inconscientes da multidão na sua espontaneidade imprevisibilidade e emotividade a multidão é mulher com que sabem lidar os condutores que a manipulam Le Bon procede por raciocínios sumários e 266 assimilações rápidas um Parlamento não é mais que uma multidão etc acompanhadas de algumas intuições originais É sem dúvida este esquematismo ao alcance do grande público que explica no limiar da cidade das multidões o êxito de uma obra sem valor científico mas lida e meditada por alguns monstros sagrados do séc XX JRT Moscovici 1981 Rouvier 1986 Legitimidade A legitimidade consiste no reconhecimento de que 144 goza uma ordem política Depende das crenças e das opiniões subjectivas Os princípios de legitimidade são em primeiro lugar justificações do poder isto é do direito de governar Pelo facto de o poder político não poder manterse sem um mínimo de adesão não poderão efectivamente existir ordens políticas legítimas por si mesmas há apenas ordens consideradas como tais Convém distinguir portanto a procura normativa dos princípios de legitimidade e o estudo sistemático do fenómeno social da legitimidade Durante muito tempo identificada com a legalidade a legitimidade teve de distinguirse dela a partir do momento em que a história provou que uma ordem podia ser legal mas injusta A contribuição de M Weber 1922a para a análise dos fundamentos da legalidade manteve todo o seu valor graças 267 ao seu carácter sistemático Parte integrante de uma sociologia da dominação a sua tipologia dos modos e fontes da legitimidade mostra até que ponto poder legitimidade e autoridade estão ligados entre si Weber distingue três fontes de dominação legítima A primeira legitimidade de carácter racionallegal tem como fundamento a crença na legalidade das regras estabelecidas e na legitimidade dos que asseguram essa dominação em conformidade com a lei A segunda legitimidade de carácter tradicional assenta na crença no carácter sagrado dos costumes e na legitimidade dos governos designados por estes últimos A terceira enfim a legitimidade de tipo carismático encontra a sua fonte na crença nas qualidades excepcionais de um indivíduo e na necessidade de submeterse à ordem que ele criou Põe em evidência assim as relações de influêncìa recíproca entre tipos de crenças formas de organização e sistema económico e mostra que a natureza das justificações do poder não pode ser estudada fora de toda a referência às estruturas sociais Se entretanto a legitimidade é uma condição primordial para a estabilidade dos sistemas políticos o seu carácter ao mesmo tempo subjectivo e relativo impõe a compreensão dos processos pelos quais ela se adquire se mantém ou desaparece por outras palavras a tomada em consideração dos problemas de legitimação O estudo da socialização política constituiu uma das vias indirectas de abordagem da legitimação na medida em que permite captar melhor os mecanismos que tornam o poder aceitável Com efeito a legitimação pode ser apreendida mais directamente sob o ângulo inverso da crise de legitimidade tanto é verdade que de um ponto de vista analítico e histórico o conceito de legitimidade aplicase antes de mais a situações em que a 268 legitimidade de uma ordem política pode ser contestada Assim uma parte significativa da obra de J Habermas 1973 é consagrada ao estudo das crises de legitimação em relação com transformações estruturais do Estado do capitalismo avançado a expansão da sua actividade aumenta na mesma proporção as necessidades de legitimação que não podem reduzirse apenas a um acordo sobre as regras referentes à devolução e ao exercício do poder mas se estendem ao conjunto do sistema político administrativo tornandose a própria eficácia critério de legitimidade Ampliado pelas limitações económicas que actualmente conhece o Estadoprovidência o obstáculo mais importante para o desempenho dos governos actuais reside na multiplicidade e no carácter 145 muitas vezes contraditório das exigências específicas que têm de satisfazer para manter a base da sua legitimidade A interrogação de Habermas vai no entanto mais longe na medida em que desagua na questão delicada das pretensões à validade das normas de justificação do poder que o afasta dos caminhos habituais da sociologia P D Berger Luckmann 1966 Easton 1965 LE PLAY Frédéric engenheiro e economista francês La RivièreSaintSauveur Calvados 1806 Paris 1882 É como professor na Escola de Minas que Le Play saído da Politécnica preenche a primeira parte da sua carreira o que lhe permite viajar em toda a Europa e nela observar os vários 269 modos de vida dos trabalhadores A partir daí publicou Les Ouvriers européens 1855 que chamou a atenção de Napoleão III e lhe valeu uma segunda carreira de alto funcionário do império e de conselheiro do príncipe Os seus discípulos reunidos no seio da Sociedade dos Estudos Práticos de Economia Social 1856 aplicaram a seu pedido uma grelha uniforme de análise dos orçamentos e dos modos de vida cujos primeiros resultados lhe forneceram a matéria da segunda edição do livro 6 vols 18771879 Mas Le Play não se limita a simples verificações fundamentadas aos males da era industrial propõe Le Play 1864 remédios inspirados no Decálogo restauração na empresa e no Estado de um princípio de autoridade da qual a família tronco de Béarn oferece o modelo paternalista chamada das elites ao sentido das suas responsabilidades rejeição do individualismo igualitarista saído do Código Civil em resumo uma doutrina tão afastada do socialismo como do liberalismo manchesteriano e em que se inspirou seguidamente o catolicismo social JR T Le Play 1856 1864 LÉVYBRUHL Lucien sociólogo e etnólogo francês Paris 1857 id 1939 Professor de Filosofia na Sorbona autor de La Morale et la science des moeurs 1903 fundador do Instituto de Etnologia LévyBruhl é conhecido sobretudo pelos seus livros de sociologia consagrados à mentalidade primitiva nomeadamente La Mentalité primitive 1922 Designava assim um tipo de pensamento que na sua opinião era radicalmente diferente do das nossas sociedades modernas nomeadamente pela sua indiferença à 270 lógica e que se observa nas sociedades ditas primitivas estudadas pelos etnógrafos Esta mentalidade que ele denominava também prélógica caracterizase principalmente pelo facto de não assentar nos nossos princípios racionais da identidade e da não contradição mas no da participação que leva os primitivos a crer que um ser ou um objecto pode ser ao mesmo tempo ele próprio e outra coisa e que há laços invisíveis entre seres diferentes É assim que na Austrália um homem que pertence ao clã do canguru não hesita em dizer eu sou um canguru O que produz esta mentalidade tão diferente da nossa é o facto de as representações colectivas nesses povos serem místicas porque supõem a crença em forças em influências em acções imperceptíveis aos sentidos e no entanto reais O primitivo não tem uma lógica fora da nossa mas também não se deixa guiar unicamente por ela Nesse sentido tem uma mentalidade prélógica É por isso que esta descura com 146 frequência as verdadeiras causas dos fenómenos para supor outras que são místicas LévyBruhl nas suas últimas obras atribui os caracteres particulares da experiência mística ao facto de entre os primitivos a afectividade os sentimentos levarem a melhor sobre as funções intelectuais J C Cazeneuve 1963 LévyBruhl 1910 1931 Liberalismo Doutrina política e social moderna fundada na ideia dos direitos individuais e em primeiro lugar da igual 271 liberdade de todos os homens O liberalismo ganhou forma nos sécs XVII e XVIII com J Locke Montesquieu A Smith que prosseguiram modificandoo o trabalho dos pioneiros do pensamento moderno Maquiavel e Hobbes em particular As suas principais componentes são as seguintes 1 o liberalismo participa no movimento de secularização da política O pensamento liberal reivindica a independência da política em relação à religião A questão religiosa tornase um assunto privado e consequentemente o espiritual perde o seu primado O político é revalorizado e pensado não já a partir de uma ordem natural criada por Deus mas a partir do próprio homem 2 o liberalismo abaixa os fins da política Esta deixa de ter por objecto a excelência humana para assumir a preservação dos direitos de cada um Para assegurar ao mesmo tempu a paz civil e a liberdade individual é preciso tomar os homens tais como eles são renunciar à ideia clássica e cristã segundo a qual o homem está por natureza ordenado para a virtude e organizar a sociedade a partir da livre prossecução por cada um dos seus interesses Herdeiro do direito natural moderno o liberalismo insiste não já nos deveres do homem mas nos seus direitos pertence a cada um definir o seu interesse 3 estes direitos individuais fixam limites ao poder do Estado O poder político é o inimigo natural dos direitos do homem em particular da liberdade importando por isso limitálo Tal é o objecto da teoria constitucional liberal que defende a separação ou a divisão dos poderes a fim de que pela disposição das coisas o poder trave o poder Montesquieu e a supremacia do direito a fim de eliminar 272 o arbitrário e de substituir a sujeição a senhores pela obediência à lei 4 a limitação do poder supõe igualmente restringir a sua extensão O liberalismo despolitiza áreas inteiras da actividade humana a religião a moral numa medida variável e também a economia A economia de mercado teorizada por Smith permite pondo ao mesmo tempo de lado a virtude e a coacção obter uma cooperação pacífica entre os homens que além do mais assegura a prosperidade Este liberalismo económico é sem dúvida distinto do liberalismo político mas pertence fundamentalmente ao mesmo movimento de pensamento e à mesma visão de conjunto da ordem social PH BN Manent 1986 1987 Manin 1984 Rosanvallon 1979 Luta de classes A luta de classes não se resume à afirmação de que há classes sociais nas sociedades industriais e de que os seus interesses particulares as levam a oporse e a entrar em conflitos umas contra as outras Isso seria uma verificação pouco perturbadora para o pensamento A noção de luta de classe não pode ser compreendida fora do 147 espaço ideológico e político em que se inscreve Ao afirmar que a história de toda a sociedade é a história da luta das classes ao definir a verdade do capitalismo pela guerra que opõe burguesia e proletários ao predizer o fim dessa guerra e ao anunciar a sociedade sem classes Marx não nos coloca 273 no registo da análise sociológica Em tudo isso enlaçamse duas ilusões primeiro a ilusão de que se pode reduzir a divisão que atravessa toda a sociedade numa divisão inscrita na organização económica e social da produção em seguida a ilusão de que essa divisão tornada luta de classes desaparecerá quando nascer a sociedade dos iguais de uma igualdade das condições que nada deixaria da existência de cada um fora da sua jurisdição e o homem estiver reconciliado com o homem Há classes e grupos que o interesse económico faz entrar em oposição há por outro lado uma lógica própria do espaço democrático que politiza a miséria e faz do desnível entre rico e pobre o índice insuportável da injustiça social Do encontro destes dois factos um facto socioeconómico um facto que depende da consciência colectivae da sua teorização nasce a ideologia da luta de classes A A 148 149 M Macrossociologiamicrossociologia P Lazarsfeld 1970 dedicouse a precisar a diferença de níveis de análise de objectos estudados e de métodos empregados pela macrossociologia e pela microssociologia Nestes dois planos pôs em evidência variações históricas A pesquisa 274 pela via de inquéritos foi primeiramente comandada por necessidades sociais efectuouse por meio de instrumentos rudimentares O aperfeiçoamento dos métodos de investigação ocorrido nos Estados Unidos da América entre as duas guerras desembocou numa codificação cuja importância para a sociologia geral Lazarsfeld sublinhou São processos locais problemas específicos unidades sociais de pequena dimensão que são examinados nesses inquéritos Com a ajuda de indicadores correctamente escolhidos propõemse estudar uma questão delimitada Observações repetidas permitem estabelecer variáveis que explicam fenómenos particulares De uma maneira geral censurouse aos inquéritos no entanto o facto de se inscreverem num contexto limitado Lamentouse a ausência de teorias gerais Os problemas colocados a seguir à Segunda Guerra Mundial pelos países subdesenvolvidos levaram entre outros a reflexão a um nível mais alargado Esta nova orientação não significou um retorno às especulações sociológicas do séc XIX Se estas últimas manifestam bem um alargamento da pesquisa e uma mudança de escala contribuições tão diversas como Le Chrysanthème et le Sabre 1946 The Civic Culture 1963 ou DixHuit Leçons sur la société industrielle 1962a mostram também que os seus autores R Benedict G Almond e S Verba R Aron se empenharam em tratar os temas macrossociológicos por meio de dados concretos Resta no entanto como Lazarsfeld observou que a macrossociologia não atingiu o estádio de codificação A este nível a lógica da medida permanece vaga Parece de facto que não há ainda relação bem precisa entre as 275 variáveis individuais e os esquemas explicativos nos quais elas se inscrevem Estes esquemas fazem intervir apenas um pequeno número de variáveis Os que assentam na distinção de estádios sucessivos como as etapas do crescimento económico referemse a conceitos fundamentais cuja aplicação regional se revela falível Enfim a generalização ao plano macrossociológico por exemplo o Estado de resultados obtidos a um nível restrito o grupo põe delicados problemas de agregação B V Magia Operação que visa agir contrariamente às leis da natureza por meios ocultos que supõem a presença de forças extraordinárias e imanentes no mundo Consoante a finalidade da operação pode distinguirse uma magia branca de efeito benéfico como uma cura ou o êxito de uma empresa e uma magia negra que faz intervir espíritos malignos para empresas maléficas A distinção entre poderes externos e internos em relação ao operador controlados e incontrolados simbólicos ou psíquicos permite conceber a magia como o desencadear de poderes externos manipulados através dos símbolos objectos fórmulas gestos em ordem a 150 modificar o curso dos acontecimentos numa finalidade que aproveita ao agente mas eventualmente prejudica outrem ao passo que a bruxaria põe em jogo de maneira muitas vezes incontrolada poderes vampirismo dupla visão mau olhado internos ao psiquismo do agente que pode ignorar a 276 sua actuação M Mauss 1950 confunde magia e bruxaria é verdade que os limites se mantêm imprecisos Força também a oposição entre fenómenos religiosos e fenómenos mágicos Esquematicamente a religião tende para a metafísica ao passo que a magia é essencialmente prática A primeira tem como rito característico o sacrifício a segunda o malefício A primeira supõe o intermediário de poderes sobrenaturais cuja utilização é aceite a segunda aparece como constrangedora e produz efeitos automáticos sendo considerada mais ou menos ilícita A primeira é essencialmente colectiva e social a segunda individual nos seus ritos e eventualmente anti social embora assentando em crenças colectivas A estas oposições tendenciais correspondem na realidade muitas imbricações entre magia e religião Se ciências astronomia dos magos medos e persas e técnicas metalurgia dos alquimistas puderam nascer num contexto de crença na magia não poderá inferirse daí que a ciência deriva da religião ou da magia Esta funciona segundo J Frazer 19111915 a partir das leis de similitude e de contágio Para C LéviStrauss 1958 a magia estruturase à volta de uma tripla crença um suporte ideológico comunitário a fé do paciente na eficácia do rito e a do mágico nas suas técnicas C R Roheim 1955 Malthusianismo O demógrafo britânico T R Malthus 17561834 não se teria sentido nem malthusiano nem neomalthusiano Porquê A sua tese fundamental o seu princípio de população enunciado em 1798 era que a 277 população não sendo travada tende a aumentar mais depressa que os recursos disponíveis Consequentemente para evitar que guerras fomes epidemias venham restabelecer o equilíbrio convém na sua opinião manter se casto antes do casamento e só se casar quando se está em condições de prover às necessidades de uma família Mas Malthus não era a priori hostil ao crescimento demográfico Não era portanto malthusiano no sentido muitas vezes pejorativo que se dá à expressão quando ela é aplicada aos indivíduos que ávidos de ascensão social desejam não se encher de filhos ou mais geralmente a toda a pessoa que aspira a uma existência protegida programada o mais possível desprovida de riscos e de responsabilidades Malthus também não se teria declarado neomalthusiano Este qualificativo forjado em fins dos anos 1870 caracteriza os indivíduos que crêem que a castidade é um meio inumano de limitar a população e que há que preferirlhe a contracepção ou seja o aborto Parece de facto que uma larga proporção dos cidadãos dos países ditos desenvolvidos é malthusiana e neomalthusiana A B Dupâquier 1988 FauveChamoux 1984 Landry 1934 Malthus 1978 MANNHEIM Karl sociólogo de origem húngara Budapeste 1893 Londres 1947 O nome de Mannheim permanece ligado à sociologia 151 do conhecimento isto é ao projecto de estudar o 278 enraizamento social de toda a forma de conhecimento Mannheim na via do historicismo e de M Weber adianta que uma teoria só pode ser compreendida em função da sua época donde um relativismo parcial certamente ligado à teoria hegeliana da história Segundo Mannheim cada época tem uma maneira própria de aceder à verdade Para compreender uma época é preciso portanto interrogála segundo a verdade que lhe é própria Assim acusar Mannheim de relativismo absoluto posição que destrói toda a possibilidade de conhecimento incluindo a sociologia como ciência não teria fundamento Mannheim pretendia manter o meio justo entre a evidência do condicionamento social de toda a teoria nesse aspecto relativa e a ideia da verdade de uma época acessível para uma teoria que lhe é apropriada o marxismo para a nossa Mannheim não é pois nem marxista ortodoxo o marxismo não é científico nem historista a verdade existe toda a teoria fundamentada tem a sua parte de verdade Donde o título da sua obra Idéologie et utopie 1929 o discurso que defende o passado ideologia e o que anuncia o futuro utopia não são nem totalmente falsos nem totalmente verdadeiros L DG Marginalidade vd Retrait MARX Karl filósofo economista e teórico do socialismo alemão Tréveris 1818 Londres 1883 A obra de Karl Marx marcou profundamente a nossa época Ela transcende ao mesmo tempo as diferentes variedade de marxismo e as fronteiras disciplinares dentro das quais se pretendeu encerrála a economia ou a filosofia por exemplo Pôde ver 279 se justamente em Marx um dos precursores da sociologia porque ele se interrogou muito sobre a natureza do laço social nas sociedades contemporâneas assim como sobre as relações entre os indivíduos e as suas relações sociais Certas formulações de Marx podem deixar pensar que ele é tentado a explicar os movimentos da sociedade por determinismos económicos e tecnológicos Mas ele resiste na maioria das vezes a essa tentação e procura explicar a marcha da sociedade pelas configurações particulares que em determinado momento as actividades e as trocas sociais assumem Para ele a sociedade capitalista da era moderna é essencialmente modelada pelas formas assumidas pelo trabalho as actividades dos indivíduos tornamse actividades intercambiáveis enquanto participantes de um trabalho geral abstracto maleável até ao infinito isto é mensurável e divisível sejam quais forem as circunstâncias O próprio capital não é mais que trabalho abstracto cristalizado ou acumulado cuja posse decide acerca do emprego do trabalho e da sua repartição entre os diferentes tipos de actividade No espírito de Marx a sociedade capitalista é por excelência uma sociedade da abstracção onde os indivíduos comunicam e pautam as suas trocas passando por automatismos sociais que escapam ao seu controlo Nos seus escritos de maturidade Marx esforçouse por patentear aquilo a que chama a lei do movimento desta sociedade de abstracção mas sem verdadeiramente conseguilo Devemselhe relances brilhantes sobre os conflitos sociais e os desequilíbrios permanentes da sociedade contemporânea assim como sobre a ubiquidade e a irresponsabilidade da mudança social Ao mesmo tempo verificase que 280 152 muitas das análises e das teorizações são incompletas ou levantam mais problemas que os que resolvem É assim que não há em Marx concepção satisfatória da acção colectiva e mais particularmente da acção política nem tão pouco concepção satisfatória da relação entre os indivíduos e as classes sociais ou ainda da relação entre os indivíduos e as instituições Não devem pois procurarse em Marx soluções para todos os males de que sofrem as sociedades actuais nem a fortiori pedirlhe que resolva o enigma da sociedade e da história Marx escreveu nomeadamente O Manifesto do Partido Comunista 1848 em colaboração com F Engels Fundamentos da Crítica da Economia Política 1857 O Capital livro I 1857 os livros II III e IV foram publicados após a morte de Marx em 1885 1894 e 1905 JM V Rubel 1957 Massa sociedade e cultura de Diferentemente das expressões sociedade industrial e sociedade democrática a de sociedade de massa apresenta um conteúdo relativamente impreciso Esta imprecisão devese ao termo que serve aqui para especificar a sociedade moderna Gerada por um triplo movimento de industrialização de urbanização de assalariamento e promovida politicamente pela instauração do sufrágio universal a massa representa também um conjunto social homogéneo frequentemente tomado de modo pejorativo pelo indivíduo que dele se exclui A massa 281 é sobretudo um referencial fundamental com o qual são actualmente relacionados todos os fenómenos de comunicação e de consumo Os primeiros diagnósticos avançados colocaram a tónica na atomização do corpo social reduzido a não ser mais que um agregado de indivíduos desunidos Todos atribuem a este tipo de sociedade os mesmos traços característicos dissolução dos grupos primários desintegração das comunidades locais dominação de aparelhos burocráticos e uniformização das condições Com o deslocamento das funções de socialização para fora da família a perda das solidariedades colectivas incluindo de classe e o desenvolvimento de relações impessoais constituirseia assim uma vasta sociedade anónima exposta a todas as manipulações e em primeiro lugar como o mostrou H Arendt 1951 às iniciativas de um chefe carismático Levados até aos seus extremos limites pelos regimes totalitários tais processos não são no entanto sofridos passivamente em toda a parte Os inquéritos conduzidos a partir do postulado de uma sociedade inteiramente automatizada Lazarsfeld 1944 fizeram precisamente aparecer a manutenção de grupos primários a persistência de relações pessoais a permanência de sociedades intermédias no seio da sociedade de massa Novas solidariedades nela se desenham e formas originais de integração nela se desenvolvem Esta cultura de massa difundida pelos media imprensa rádio cinema televisão foi objecto de juízos contraditórios Entre as duas guerras denunciouse a sua influência e os seus efeitos em termos de alienação e de desvalorização Também neste caso estudos como os de H Lasswell e de P 282 Lazarsfeld permitiram corrigir os estereótipos referentes à influência exercida por estes vectores culturais Encarados segundo o circuito económico ou segundo o esquema cibernético 153 Moles 1967 a cultura de massa apresentase como radicalmente distinta da cultura académica clássica que é logicamente adquirida e racionalmente ordenada Pelo contrário a cultura de massa é constituída ao acaso de leituras e de emissões justapõe elementos de informação entre os quais predominam os que são de ordem psicoafectiva Estandardizada a meio caminho do demasiado conforme que cansa e da originalidade excessiva que desconcerta dirigese a um público não dividido nem pelas actividades profissionais nem pelas dependências sociais B V MAUSS Marcel sociólogo e antropólogo francês Épinal 1872Paris 1950 Sobrinho de É Durkheim professor no Colégio de França Mauss exerceu uma grande influência pelo seu ensino e por numerosas actividades mas não publicou nenhum livro acabado Tinha o génio de fazer aproximações entre fenómenos colectivos observados em contextos variados e encontrou explicações que abriam por vezes o caminho ao estruturalismo Por exemplo a noção de mana que designa uma força sobrenatural indefinida pareceulhe ser a expressão de uma força de pensamento universal que se encontraria em francês sob os termos de truc machin A sua obra mais importante é Essai sur le don 283 1925 Nela mostrava como a troca não mercantil que se pratica em numerosas tribos arcaicas é um princípio fundamental da vida em sociedade Entre alguns índios da América do Norte a cerìmónia do potlatch põe os chefes de clãs em confronto e em desafio fazendo ofertas que reclamam em contrapartida outras ofertas e que redundam na perda de prestígio para aquele que não está em condições de corresponder a tal investida de prodigalidade Ao mesmo tempo o potlatch serve para estabelecer alianças matrimoniais num ciclo de prestações recíprocas Assim a troca tem um fundamento que ultrapassa o simples estádio do comércio Num outro estudo centrado numa única sociedade a dos esquimós do Grande Norte Mauss analisou as mudanças de ritmo as alternâncias Esta população vive durante o Verão em ordem dispersa ao passo que no Inverno a comunidade reagrupase e leva uma existência colectiva intensa com ritos mágicoreligiosos que são abandonados na estação estival Um outro artigo célebre de Mauss é o que ele consagra às técnicas do corpo mostrando como as maneiras de caminhar de se sentar de nadar variam conforme os tipos de sociedade Mauss apontou assim aos pesquisadores fecundos temas de investigação J C Cazeneuve 1968 Mauss 1950 1969 MAYO Elton sociólogo americano Adelaide 1880 Polesden Lacey by Dorking Surrey 1949 Mayo encontra definitivamente o seu caminho em psiquiatria em fins da Primeira Guerra Mundial nessa altura ele trata soldados em estado de choque Em 1919 é nomeado para a cátedra de Filosofia recentemente criada na Universidade de 284 Queensland Em 1922 fundos americanos permitemlhe vir aos Estados Unidos e financiar a sua primeira investigação sobre as relações humanas na indústria Em 1926 data decisiva da sua carreira juntase em Harvard à equipa da Graduate School of Business Administration então sob a influência de L Henderson especialista de 154 química biológica e adepto de V Pareto Em Abril de 1928 Mayo juntase à equipa da Harvard School que conduz desde Novembro de 1924 as célebres experiências Hawthorne sobre a produtividade das operárias Desempenha um papel importante na reorientação das experiências e na interpretação dos seus resultados Durante este período associa W Lloyd Warner às experiências Hawthorne análise da estrutura dos grupos informais e participa no lançamento por Warner das pesquisas denominadas Yankee City Studies 19411959 Fundador do movimento das relações humanas em psicologia e sociologia industriais Mayo teve de enfrentar os primeiros ataques contra este movimento Censurouse à sua filosofia social o facto de privilegiar a harmonia pela subordinação às elites e de minimizar o papel dos conflitos sociais e o dos sindicatos A sua resposta consiste em lembrar que o carácter destrutivo dos conflitos sociais justifica a procura de melhores caminhos para tratar os problemas humanos Quanto aos sindicatos não se lhes opunha mas eralhes indiferente eles não eram praticamente activos em Hawthorne Pouco dotado para a síntese ou para a sistematização 285 Mayo era acima de tudo um explorador e um divulgador de ideias e de pistas novas Neste sentido a sua carreira terá sido um pleno sucesso BP L Mayo 1933 1945 1947 Roethlisberger Dickson 1939 Urwick1960 MEAD George Herbert filósofo e sociólogo americano Hadley Massachusetts 1863 Chicago 1931 Depois de ter recebido em Harvard o ensino de W James e de ter efectuado viagens à Europa Mead ocupou de 1893 até à sua morte uma cátedra de Filosofia na Universidade de Chicago Aí dispensou um ensino em que se encontravam estreitamente combinadas as orientações conceptuais do evolucionismo do utilitarismo e do behaviorismo com os contributos de W Wundt C Pierce e sobretudo C H Cooley Os seus cursos principais foram publicados após a sua morte sob o título The Philosophy of Present 1932 e os seus artigos reunidos em 1934 em Mind Self and Society As duas últimas publicações póstumas Movements of Thought in the Nineteenth Century 1936 e depois The Philosophy of the Act 1938 não trazem complementos essenciais à análise da comunicação interindividual isto é à psicologia social moderna para cuja fundação este pragmatista intimamente ligado a J Dewey terá contribuído Com Mead é de facto ao processo da comunicação que o comportamento do indivíduo é referido Neste último a consciência de si nasce de trocas entre pessoas de relações de reciprocidade da inacção O domínio que ele possui do processo de interacção depende da sua aptidão para assumir 286 o papel de outrem e de situarse em relação a ele esse domínio supõe a partir da tomada em consideração e através da efectuação de gestos significativos o reconhecimento do símbolo como mediação exprimese no ajustamento simbólico que é adaptação e pautação das atitudes mas em primeiro lugar percepção e representação das unidades sociais em termos de expectativas de antecipações de estratégias Nos conjuntos sociais fortemente estruturados este domínio da comunicação interindividual pode tornarse quase total B V Medicinasociologia da Os trabalhos sociológicos referentes à 155 medicina só tiveram início em França em fins dos anos 60 Na sua origem encontrase sem dúvida a própria evolução médica Por esta altura a importância da aposta que o hospital público constituía a explosão das técnicas médicas a tomada de consciência dos custos crescentes da saúde atraíram a atenção dos investigadores em ciências sociais Mas o desenvolvimento de uma sociologia que tome a medicina e a doença como objectos é igualmente solidária de uma evolução das concepções da doença e da saúde Testemunha a renovação do interesse pelos factores ambientais e pelas condições sociais e exprime o reconhecimento do facto de que a saúde e a doença representam sempre a articulação de realidades físicas com definições e condutas sociais 287 Este campo de pesquisa inclui os estudos da etiologia social das doenças do funcionamento hospitalar da formação dos médicos dos diversos tipos de organização do exercício da medicina do acesso aos cuidados médicos a análise das representações e dos estatutos sociais associados às doenças O estudo das políticas sanitárias também nele se inscreve elas não podem portanto ser encerradas numa problemática unificada Num primeiro tempo o sociólogo aplicou muitas vezes à medicina problemáticas e conceitos sociológicos clássicos Assim a atenção dedicada aos médicos e às diferentes formas do seu exercício nasceu do interesse pela análise das profissões Nesta perspectiva T Parsons 1955 analisou os papéis do médico e do doente na sociedade moderna ocidental De igual modo o hospital atraiu a atenção dos sociólogos porque representava um protótipo de organização complexa em que interagiam grupos e lógicas múltiplas Por fim a noção da classe social foi utilizada com sucesso para a análise das informações e atitudes face à saúde e para a do acesso aos cuidados médicos ou das relações médicosdoentes Em compensação a medicina constitui hoje um caso privilegiado que abre a reflexão sociológica a problemas que ultrapassam o contexto sanitário Permite abordar de frente duas das características essenciais das sociedades modernas em primeiro lugar o papel que nelas desempenham a perícia e a sua autoridade específica inseparável da noção de profissão Freidson 1970 A profissão médica permite pensar a ordem médica mas também a ordem judiciária ou universitária É também no domínio médico que o sociólogo pode estudar melhor as articulações do científico e do social Assim a análise feita por A Chauvenet 1978 da 288 especialização hospitalar mostra como a uma divisão científica e técnica do trabalho médico corresponde uma hierarquia social dos doentes segundo diferentes linhas de cuidados Permite estudar como uma ciência aplicada por profissionais numa prática quotidiana modela a nossa vida e intervém na sociedade é através do saber e da prática médica que se estruturam as modalidades segundo as quais cada indivíduo experimenta a doença e o seu tratamento A realidade biológica é assim socialmente construída Reciprocamente a medicina deve ser ela própria encarada na sua relação com o conjunto dos saberes das práticas das instituições das visões do mundo das sociedades que a englobam e a modelam Herzlich Pierret 1984 C H Mentalidade O termo mentalidade tanto no seu uso corrente 156 como no seu uso científico só emerge no início do séc xx e recobre noções bastante diversas e de contornos pouco precisos não sendo de facto definido nem por aqueles que mais o utilizam Uma definição muito geral poderia ser conjunto das predisposições atitudes hábitos orientações intelectuais e morais cognitivas e afectivas que são comuns aos membros de uma colectividade Essa colectividade pode ser quer uma dada sociedade um grupo social particular quer uma categoria de indivíduos a mentalidade infantil a mentalidade dos novosricos Ao mesmo título que a atitude no indivíduo a mentalidade é algo de latente um conjunto 289 de disposições que se exprimem em opiniões construções intelectuais crenças representações específicas A palavra foi utilizada em duas tradições intelectuais diferentes que conduzem a dois conceitos quase opostos L LévyBruhl populariza o termo pelos seus trabalhos sobre a mentalidade primitiva 1910 1922 Mentalidade significa aqui funções mentais mecanismo mental sendo praticamente equivalente a pensamento como de resto mentality em inglês O conceito é limitado ao seu aspecto cognitivo mas o seu campo de aplicação é alargado primeiro ao conjunto das sociedades arcaicas e depois ao conjunto do género humano pois que a mentalidade primitiva seria uma estrutura permanente do espírito humano LévyBruhl 1949 O conceito é bastante próximo em J Piaget 1926 quando ele fala de mentalidade infantil no sentido de estruturas mentais ou modalidades do pensamento ou ainda em expressões tais como mentalidade paranóide ou mentalidade mórbida A partir dos anos 60 a palavra mentalidade é essencialmente utilizada na expressão história das mentalidades designando em França um sector da investigação histórica que visa reconstituir a concepção do mundo e a sensibilidade colectiva próprias de uma dada cultura num determinado momento Aqui a compreensão do conceito é vasta designa não apenas as estruturas cognitivas mas também os hábitos psicológicos e morais as crenças profundas a visão do mundo assim como o domínio afectivo Temos de um lado portanto um conceito global mas destinado a captar o particular e a mudança do outro um conceito muito mais limitado na sua compreensão mas 290 destinado a captar o universal e o permanente PH BD Meritocracia Este termo designa geralmente uma hierarquia dos postos e dos lugares que resulta da aplicação do princípio a cada um segundo os seus dons e os seus méritos De uso pouco frequente comporta equívocos em particular porque o seu sentido é mais amplo que o que ele evoca Se sugere uma repartição dos postos em função dos esforços do trabalho da boa vontade de cada um acaba por designar de facto um estado social em que a hierarquia das posições se decalca sobre a das qualidades individuais dons e méritos misturados ou mais simplesmente um estado social em que reina a igualdade das oportunidades A meritocracia é inigualitária mas essa inigualdade é o resultado de uma competição igual resultados desiguais mas oportunidades iguais à partida Por outras palavras nem o nascimento nem as relações nem a oportunidade condicionam o êxito social 157 jogam apenas os dons e méritos tais como são reconhecidos e mensurados De que modo operar essa selecção social Segundo a versão mais corrente da meritocracia são a escola e a universidade que asseguram essa função a hierarquia social confundese então com a dos diplomas Uma meritocracia perfeita é uma utopia mas as sociedades são mais ou menos meritocráticas PH BN 291 Messianismo e milenarismo Messianismo e milenarismo são fenómenos de expectativa religiosa que produzem efeitos semelhantes Falando com rigor o messianismo referese à crença num rei a vir enviado por Deus ou pelos deuses o seu governo destinado a durar eternamente e a revestir uma dimensão universal trará glória justiça abundância ao povo em questão O milenarismo representa uma das formas assumidas pela expectativa escatológica cristã Para os pré milenaristas Cristo voltará à Terra no fim dos tempos para nela reinar mil anos Apocalipse XX antes do Juízo Final Para os pósmilenaristas a vinda de Cristo para o Juízo e a eternidade coroará um tempo de cristianização das instituições Messianismo e milenarismo têm em comum o facto de transformarem situações de sofrimento em dinâmicas de esperança Podem envolver populações ou partes de populações classes sociais ou outros grupos de natureza e dimensões variadas Historiadores antropólogos e sociólogos vêem neles respostas a situações de dominação políticas económicas culturais vividas como intoleráveis Pode falarse então de ideologias e de movimentos de deserdados que geram com frequência Idade Média ocidental e Terceiro Mundo actual revoltas sociais e religiosas Os milenarismos ocidentais contemporâneos em geral no campo protestante são mais uma coisa de herdeiros que de deserdados darbistas adventistas testemunhas de Jeová etc Entre eles a frustração dá muitas vezes origem a atitudes passivas 292 A explicação dos fenómenos messiânicos e milenaristas deve ter em conta a sua extrema variedade Os investigadores estudaramnas geralmente na sua proximidade do domínio político Designamse assim como prépoliticos os que dão origem a movimentos de revolta e depois desaparecem ou subsistem como formações religiosas conservadoras Worsley 1957 Falase de pós politismo quando messianismo ou milenarismo exprimem uma decepção nascida do fracasso dos movimentos sociopolíticos Thompson 1963 Alguns autores pensam que uns acompanham mais do que precedem ou vêm depois dos outros Cohn 1957 Hobsbawn 1959 A explicação política eou económica exclusiva das ideologias e movimentos messiânicos e milenaristas é sem dúvida nenhuma redutora não permite captar o sentido vivido da experiência religiosa que motiva os actores sociais J S Balandier 1955 Desroche1973 Laplantine 1974 MICHELS Robert sociólogo italiano de origem alemã Colónia 1876 Roma 1936 De pai alemão e de mãe italiana Michels fez os seus estudos na Alemanha na Grã Bretanha e em França Inicialmente socialdemocrata militante abandona o partido em 1907 Michels descreveu a sua evolução num ensaio autobiográfico Eine Syndikalistisch gerichtete Unterströnung im deutschen Sozialismus 1932 Escrevendo em alemão e em italiano 158 dedicou em 1911 uma obra aos partidos políticos A tradução 293 francesa 1914 publicada sob o título Les Partis politiques comporta um subtítulo significativo Essai sur les tendances oligarchiques des démocraties A partir de exemplos tirados das organizações alemãs holandesas britânicas ou italianas Michels mostra como a direcção das grandes máquinas políticas ou sindicais é progressivamente dominada por uma classe de dirigentes profissionais que afirma falar em nome dos militantes Para explicar o fenómeno faz apelo a duas espécies de causas em primeiro lugar as necessidades da acção colectiva impõem chefes às organizações em segundo lugar a psicologia das massas a sua ligação às pessoas que falam em seu nome constituem a base psicológica do poder dos chefes Michels pôs em evidência a contradição entre os valores democráticos que a seu ver legitimavam a acção colectiva e as necessidades internas das organizações de massa Mostrou que nos partidos e nos sindicatos a democracia interna era severamente limitada por aquilo que ele denominou a lei de bronze da oligarquia JC L Migração A migração designa o deslocamento de populações de uma região para outra particularmente das regiões rurais para as zonas urbanizadas mas também de uma sociedade para outra Em ambos os casos não são os mais miseráveis que se deslocam mas os que são mais susceptíveis de tomar consciência do desnível entre as suas aspirações e a possibilidade de concretizálas no local onde se encontram O primeiro efeito da migração é o de obrigar os migrantes a elaborar uma série de novas funções É mais marcado no 294 caso das migrações internacionais Borrie 1956 Para descrever as consequências destas migrações vários sistemas conceptuais foram utilizados Mas em todos os casos importa distinguir entre o que alguns chamam a assimilação cultural qualificada por outros de aculturação que designa a adopção pelos migrantes dos modelos culturais da sociedade de instalação e a assimilação estrutural muitas vezes qualificada de integração que designa a participação nos vários grupos primários M Gordon 1964 pôde assim verificar que nos Estados Unidos da América os migrantes conhecem uma assimilação cultural rápida mas uma fraca aculturação estrutural Populações que adoptaram os valores e as condutas conformes com os modelos nacionais nem por isso participam igualmente na vida social fora do seu grupo de origem Em contrapartida uma vez realizada a assimilação estrutural ela traz consigo o fim dos casamentos endogâmicos e de todas as formas de especificidade O processo de assimilação ganha formas diferentes nos países de imigração como os Estados Unidos ou Israel formados pelas migrações e nos Estadosnações de tipo europeu Schnapper 1974 No primeiro caso formamse grupos étnicos que mantêm durante mais tempo os modelos culturais de origem e constituem um meio que favorece uma aculturação mais lenta e progressiva No segundo caso os migrantes obrigados a adaptarse mais rapidamente às normas impostas pela sociedade de instalação são menos susceptíveis de formar grupos sociais específicos Pôde também verificarse nos Estados Unidos um fenómeno de retorno às identidades nacionais segundo a 295 159 teoria dita das três gerações Herberg 1955 Os filhos dos migrantes nascidos nos Estados Unidos a segunda geração ainda mal seguros da sua identidade nacional esforçamse por se integrar plenamente na sociedade americana rejeitando a identidade irlandesa ou italiana do seu pai em contrapartida os netos a terceira geração que já não têm quaisquer dúvidas sobre a sua pertença social recuperam a identidade nacional de origem graças à qual obtêm um estatuto e um lugar dentro da sociedade americana A teoria das três gerações explica a situação dos Estados Unidos da América onde se combinam identidades históricas particulares italiana grega polaca judaica etc com uma participação cultural e política nacional mas traduz mal os processos de aculturação no interior dos Estados Unidos D S Milenarismo vd Messianismo e milenarismo Minoria O termo minoria designa um grupo de pessoas que diferem pela raça pela religião pela língua ou pela nacionalidade do grupo mais numeroso no meio do qual vive Duas precisões devem ser feitas Em primeiro lugar um grupo só constitui uma minoria se tomar consciência de si próprio enquanto grupo diferente dos outros e na maioria das vezes socialmente inferiorizado sobretudo se é assim visto pelos outros Os ruivos são menos numerosos que os morenos nas nossas sociedades mas não formam uma minoria na medida em que não tendo a cor dos cabelos 296 significação social eles não têm consciência de constituir um grupo particular Por outro lado o termo minoria tem sempre uma dimensão social e política na maioria das vezes a minoria constitui um grupo ao mesmo tempo menos numeroso menos considerado e menos poderoso mas não é necessariamente esse o caso Os Negros maioritários pelo seu número na África do Sul constituem no entanto uma minoria na ordem social e política instalada naquela república As relações entre maioria e minorias são habitualmente conflituosas mas nunca se fixam uma vez por todas Blalock 1967 Entre a maioria e a ou as minorias existem conflitos mas também acordos e formas de aculturação Barth 1969 As populações judaicas sempre minoritárias conheceram formas de aculturação diferentes nas nações ocidentais e nos países muçulmanos A situação de uma ou das minorias varia segundo a natureza dos regimes políticos e sociais a sua possibilidade ou a sua vontade de reconhecer de maneira formal ou informal a existência das minorias No seu princípio o Estadonação elaborado na Europa na época dos nacionalismos não admite a existência das minorias nacionais ou culturais e ignora as minorias religiosas Os negociadores do Tratado de Versalhes esforçaramse depois da Primeira Guerra Mundial sem de resto o conseguirem por reconstruir a Europa com base no princípio das nacionalidades e por suprimir as minorias no interior das nações europeias Em contrapartida a Suíça ou o Líbano foram fundados por um acordo político entre grupos religiosos e nacionais quantitativamente desiguais que reconhecia a existência e os direitos de todos esses grupos O 297 número das minorias modifica também o sentido da relação maioriaminoria Nos Estados Unidos quando os 160 ítaloamericanos os polacoamericanos ou os judeus americanos se tornaram mais numerosos que os wasp deixaram de constituir minorias para se tornarem componentes de uma nação fundada num consenso político de grupos culturais diferentes Glazer Moynihan 1964 Greenley 1974 No sistema democrático fundado no princípio do respeito das minorias políticas as minorias religiosas e culturais podem ter um poder de bloqueio Assim os muçulmanos minoritários da União Indiana souberam utilizar os meios do funcionamento democrático para impedir o voto de leis laicas contrárias às tradições corânicas Krishna 1986 D S Mobilidade social A expressão designa a circulação dos indivíduos entre as categorias ou classes sociais Há dois tipos de mobilidade A mobilidade intrageneracional é a passagem dos indivíduos de uma categoria para outra durante a mesma geração comparase neste caso a classe à qual pertence o indivíduo em fim de carreira por exemplo à classe à qual ele pertencia no início de carreira A mobilidade intergeneracional é a circulação de um indivíduo do grupo social a que pertence a sua família pai eou mãe para um outro grupo comparamos a classe social à qual pertence o indivíduo à classe a que pertence a sua família Uma sociedade dividida em duas classes com dois fluxos que a 298 caracterizam pode ser representada pelo seguinte quadro filho C1 C2 pai C1 25 5 30 C2 15 55 70 40 60 Na geração do pai linhas horizontais a classe C1 tem 30 indivíduos e C2 tem 70 Na geração do filho C1 tem 40 e C2 tem 60 Alguns filhos pertencem à mesma classe que os seus pais todos os que estão situados na diagonal noroeste sudeste são os imóveis em número de 80 Outros pelo contrário não pertencem à mesma classe que os seus pais todos os que não estão situados nessa diagonal são os móveis em número de 20 Se se suposer que a classe C1 é superior à C2 em termos de rendimento nível de instrução prestígio ou poder verificase que 5 filhos pertencem a C2 ao passo que os seus pais pertenciam à C1 chamarlhes emos os móveis descendentes Por simetria qualificaremos de móveis ascendentes os 15 filhos que fazem parte de C1 mas cujos pais estavam em C2 Os sociólogos da mobilidade tentaram responder a pelo menos dois conjuntos de questões O primeiro é relativo aos factores que determinaram a mobilidade o segundo às consequências da mobilidade na sociedade eou nos comportamentos individuais Começaram por pôr em evidência a heterogeneidade dos factores que influenciam na mobilidade Os 20 móveis não mudaram de classe pelas mesmas razões Dez dentre eles foram forçados a passar de 299 C2 para C1 Com efeito se se comparar as distribuições dos indivíduos entre as classes nas duas gerações C2 perdeu 10 indivíduos 7060 que C1 deve recuperar Esta mudança das estruturas dá origem a uma mobilidade estrutural ou forçada que pode ser por exemplo o resultado do êxodo rural se a sociedade se urbaniza e se industrializa de uma diminuição dos operários não qualificados se se verificarem reestruturações da indústria do comércio ou do sector 161 terciário que exigem pessoal cada vez mais qualificado Assim em 20 móveis 10 são móveis estruturais os outros 10 são móveis puros A mobilidade pura está na base dos cálculos dos índices de mobilidade das comparações internacionais ou das comparações da mesma sociedade em momentos difíceis da sua história Tais comparações permitem saber se uma sociedade é mais ou menos aberta se o é mais que uma outra se enfim as hipóteses de mobilidade que concede aos societários aumentam ou diminuem a sua estabilidade política e social Um dos determinantes da mobilidade pura que constituiu objecto das mais numerosas pesquisas é o sistema de ensino Um aumento do nível de instrução gerará uma maior mobilidade A resposta a esta simples questão não é de facto fácil Verificase na verdade uma influência do nível de instrução dos indivíduos sobre o seu estatuto mas isso nem sempre significa uma melhoria das suas posições em relação às dos seus pais Uma das razões avançadas para explicar tal paradoxo é o facto de a estrutura educativa mudar mais rapidamente que a estrutura profissional O segundo tipo de questões que os sociólogos 300 levantam é relativo às consequências da mobilidade Uma grande mobilidade gerará a estabilidade política Reduzirá as posições políticas extremistas Tornará os estilos de vida das classes menos heterogéneos Será pelo contrário um factor de instabilidade de tensão e de anomia As conclusões de numerosas pesquisas corroboram em parte as primeiras hipóteses M C Boudon 1973 Thélot 1982 Weiss 1986 Mobilização política Na linguagem corrente a mobilização evoca a afectação de civis para postos e actividades militares Os sociólogos e os politólogos retiveram desse sentido primeiro a dimensão de disponibilidade para a acção Segundo uma primeira concepção defendida por K Deutsch 1961 a mobilização está intimamente ligada à modernização cujo aprofundamento favorece Implica ao mesmo tempo uma profunda erosão dos compromissos tradicionais nos planos económico social e psicológico e sob o efeito desse desmoronamento uma disponibilidade dos actores para novos modelos de socialização e de conduta A mobilização tenderia assim a fundir cada indivíduo num público social e político P Nettl 1967 distanciouse relativamente a esta concepção ao sublinhar que a mobilização constitui um processo autónomo analiticamente independente da modernização Distinguiu igualmente dois tipos principais de mobilização ascendente denominada estalagmite e descendente estalactite De social que era em Deutsch a mobilização tornase aqui essencialmente política Enfim toda uma corrente de pensamento se definiu a partir da sua concepção da mobilização encarada como 301 mobilização dos recursos Ao ver na mobilização um processo que visa instaurar o controlo de uma unidade social sobre recursos de que não dispunha anteriormente A Etzioni 1968 desempenhou um papel de precursor mas a nova concepção não se reconhece apenas neste tipo de definição No seu conjunto os autores desta corrente propõem uma imagem realista e não romântica da mobilização insistem nas suas dimensões racionais por oposição às teorias clássicas do comportamento colectivo e esforçamse por explicar o próprio desenrolar do 162 processo por meio de uma análise dinâmica a partir deste fundo de orientações comuns desenvolvemse passos originais como o de A Oberschall 1973 que pôs em evidência condições cruciais de emergência da mobilização no quadro global do conflito sociopolítico O carácter inovador desta perspectiva é indiscutível mas pode lamentarse que ela se fique por uma concepção demasiado instrumental dos recursos como o assinalou M Dobry 1986 e que tenda a subestimar o peso das lealdades nas quais F Chazel 1975 colocou a tónica como as ideologias e mais geralmente das concepções do mundo F C Germani 1971 Moda O termo moda aplicase na linguagem corrente quer ao favor particular e momentâneo de que goza alguma coisa quer às mudanças que afectam o vestuário e os adornos quer ainda a própria roupa Em sociologia a moda 302 é concebida como o processo de transformação incessante e de tendência cíclica das preferências próprias dos membros de uma dada sociedade em todas as espécies de domínios A noção não se limita à moda do vestuário nem aos entusiasmos súbitos e efémeros por objectos ou comportamentos fúteis que a língua inglesa designa pela palavra fad capricho No entanto restringese geralmente às preferências que não se reduzem a uma função propriamente utilitária Donde o carácter de arbitrário ou de irracional que comummente se atribui aos movimentos da moda Nos inícios da sociologia a moda era a referência quase obrigatória que permitia manifestar a parte do social nos comportamentos individuais Como forma de regulação como mecanismo ou expressão da mudança e da estratificação as suas relações com os problemas centrais da disciplina parecem evidentes G de Tarde 1890 via nela uma das formas da imitação dos contemporâneos do estrangeiro própria das sociedades de classes por oposição ao costume imitação dos antigos dos predecessores Na esteira de H Spencer G Simmel 1904 sublinhava a sua dupla função satisfazer ao mesmo tempo o desejo de conformismo e a preocupação de diferenciação e analisavaa como o resultado de uma rivalidade entre classes sociais O seu movimento perpétuo viria da procura de sinais de distinção adoptados primeiro pela classe superior e que deslizam em cascata de uma camada social para outra Para se demarcarem as classes superiores vêemse obrigadas à renovação dos seus sinais e assim sucessivamente Este modelo de difusão vertical dos bens da moda foi largamente aceite ainda que não tenha sido praticamente 303 submetido à prova dos factos por falta de um material adequado De uma maneira mais geral é flagrante o contraste entre a massa das reflexões sobre a moda considerada como o fenómeno social por excelência e a raridade dos estudos empíricos Isso devese à identificação muito forte da moda com a moda do vestuário ou mesmo com a própria roupa Besnard 1979 A moda do vestuário é no entanto um exemplo particularmente impuro do fenómeno A escolha de uma roupa é em parte determinada pela sua disponibilidade e pelo seu custo Além disso neste caso cada um sabe mais ou menos que se conforma mais ou menos com a tendência colectiva da altura Ora o que é fascinante no fenómeno da moda é que ele é o exemplo mais imediato da eterna 163 questão da sociologia a das relações entre o individual e o colectivo São as nossas escolhas individuais adicionadas que formam o gosto colectivo da época no entanto tudo se passa como se essas escolhas individuais se conformassem com esse gosto colectivo E a conformidade das escolhas individuais com a escolha colectiva pode ser não apenas ignorada mas receada Vêse isso bem no caso da escolha dos nomes objecto privilegiado para o estudo da moda porque aí encontramos a tensão entre o receio do comum e o do excêntico mola do seu movimento e também porque o nome é um bem gratuito cujo consumo é obrigatório o que permite captar o fenómeno no que ele tem de puramente social O estudo estatístico dos nomes dados em França desde há um século 304 Besnard Desplanques 1986 permitiu pôr à prova os modelos de difusão da moda vd difusão precisar o seu andamento social e geográfico e também pôr em evidência ciclos do gosto colectivo de período variável segundo a carreira passada de cada nome Tal como o estudo de A L Kroeber e J Richardson que tinham encontrado variações cíclicas de longa duração em certos parâmetros do vestuário feminino estes resultados sugerem que a evolução cíclica das preferências obedece a uma dinâmica que lhe é própria PH BD Koenig 1967 Modelo em sociologia Procurar compreender um fenómeno social é fazerse dele uma representação ao mesmo tempo simplificada e no entanto respeitadora da sua complexidade Essa representação que se apoia na observação é uma construção que visa explicar o objecto na sua sincronia e na sua diacronia Chamarseá modelo ao produto dessa elaboração Resulta de um esforço de formalização do objecto estudado e tem como finalidade propor uma interpretação do ponto de vista do investigador desse objecto A utilização de modelos em sociologia é tão antiga como a própria sociologia Em tempos procurouse construir modelos por analogia em particular assimilando os fenómenos sociais a um mecanismo ou a um organismo Tratavase de modelos materiais concebidos a partir da observação das estruturas existentes na realidade é o que acontece quando se fala de escala para explicar a estratificação social ou quando se descreve a evolução das sociedades por analogia com o ciclo da vida humana 305 Actualmente há uma maior tendência para elaborar modelos formais que se podem definir como uma construção simbólica e lógica de uma situação relativamente simples elaborada mentalmente e dotada das mesmas propriedades estruturais que o sistema factual original Rosenblueth Wiener 1954 Reservase muitas vezes o termo de modelo formal aos modelos matemáticos que fazem apelo a representações cifradas da realidade e que estabelecem entre esses dados relações que se exprimem por meio de equações Dentro dessa classe podem distinguirse os modelos estatísticos como a análise de similitude ou a análise factorial que não estão associados a nenhum conteúdo sociológico os modelos experimentais directamente tirados da observação de natureza hipotéticodedutiva os modelos simuláveis isto é manipuláveis a maior parte dos quais são aleatórios e têm em conta o acaso como um elemento importante da simulação Estes últimos possuem a propriedade de 164 uma quase experimentação são úteis quando a realidade social que se pretende explicar não se presta a uma experimentação directa ou quando essa experimentação embora possível ponha quer problemas deontológicos quer problemas de tempo e de custo Há também uma classe de modelos formais qualitativos representação simbólica das relações que existem entre os elementos de uma realidade social O idealtipo weberiano tal como o idealtipo do espírito do capitalismo é um modelo formal de igual modo os modelos construídos no 306 quadro da abordagem sistemática em que um modelo de um fenómeno ou de um processo é essencialmente um modo de representação tal que permite por um lado explicar todas as observações feitas e por outro prever o comportamento do sistema em condições mais variadas que as que deram origem às observações Naslin citado por Le Moigne 1977 Quer seja matemático experimental ou simulável quer qualitativo um modelo é em primeiro lugar uma ajuda à reflexão teórica Pela exigência de formalização e portanto de rigor que preside à sua construção permite avaliar a sua coerência interna e a sua adequação com o objecto e daí tirar todas as consequências É também numa perspectiva operacional uma ajuda à acção Y C Boudon Grémy 1977 Grémy 1971 Modernidade A modernidade designa ao mesmo tempo um período da história humana inaugurado na Europa e o conjunto dos fenómenos que o caracterizam Não se discute quanto ao lugar do seu aparecimento mas quanto à altura em que se produziu Uns inclinamse para o séc XVI e a sua convicção de inaugurar uma era nova reatando com a Antiguidade Outros ligamse com maior verosimilhança ao séc XVII e ao aparecimento da ciência e da filosofia política contratualista Outros ainda descem até ao séc XVIII à filosofia das Luzes e aos primeiros passos da industrialização ou até ao séc XIX e ao triunfo da ciência da técnica e da indústria Quase não se discute a lista dos traços distintivos da modernidade No domínio político manifestase por um lado pela instauração de polítias estáveis empenhadas no 307 concerto das nações europeias e por outro lado pela construção de regimes políticos fundados na distinção do privado e do público no direito na limitação e no controlo do poder político e na capacidade de viver desenvolvimentos democráticos No domínio religioso traduzse pela laicização isto é pelo acantonamento da religião no âmbito privado e pela irreligião A economia moderna é caracterizada pelo esforço constante em injectar nas técnicas de produção e de distribuição processos cada vez mais eficazes porque inspirados pelo progresso científico Porque a modernidade é também caracterizada por um crescimento exponencial do saber racional Estes traços e outros como o desenvolvimento das nações o florescimento do individualismo etc são tão maciços e determinantes que têm repercussões decisivas sobre todos os aspectos da condição humana A modernidade pode sob este aspecto ser tida como o emergir de uma civilização nova fora da civilização europeia Como por outro lado os seus caracteres decisivos são universalizáveis e imitáveis seja onde for a modernidade é muito mais ainda que o avatar de uma civilização podendo 165 ser tida como uma nova etapa da aventura humana em geral A unanimidade desaparece a partir do momento em que se trata de isolar o ou os factores decisivos da modernidade Cada um isola um traço e tende a considerálo como fundador Para A Comte a ciência era a abertura decisiva para SaintSimon era a indústria para Marx o capitalismo para Tocqueville a igualização das condições sociais e a 308 democracia para M Weber a racionalização De facto todo o ponto de vista argumentado sobre a modernidade é uma teoria sociológica e toda a teoria sociológica deve ser avaliada na sua capacidade para justificar a modernidade J B Aron 1962 Bell 1973 Durkheim 1983 Landes 1969 Modo de produção A noção de modo de produção é de origem marxista Supõe que uma sociedade é caracterizada quanto ao essencial pela sua maneira de produzir ou seja pelas relações que se estabelecem entre os produtores por um lado e os meios de produção e os produtos por outro O seu valor heurístico permite estabelecer comparações no tempo e no espaço mas alguns marxistas quiseram fazer dela uma chave universal em detrimento da reflexão crítica e científica Estaline em 1938 reduziu a história das sociedades humanas a uma sucessão linear de cinco modos de produção comunismo primitivo escravismo feudalismo capitalismo socialismo ou comunismo Outros tiveram tendência para fazer do movimento das ideias e da cultura um reflexo das estruturas de produção Estes desenvolvimentos dogmáticos obscureceram a questão e fizeram esquecer que o próprio Marx procurava alargar a sua problemática Avançando a concepção de um modo de produção asiático China Índia etc Marx invalidou de facto a ideia de uma sucessão teleológica dos modos de produção Nos seus últimos escritos ele tentou restringir o emprego da noção de modo de produção unicamente à sociedade capitalista JM V 309 Althusser 1966 Modo de vida A vida quotidiana difere quando por exemplo comparamos os urbanos aos rurais Para L Wirth 1938 sociólogo da escola de Chicago o facto de habitar numa cidade é um modo de vida A noção de modo de vida não tem definição convencional na tradição sociológica e a sua voga recente nos estudos de marketing não precisou o seu sentido Em geral o modo de vida faz referência a uma combinação de características que o estudo sociológico ou etnográfico estabelece como específica dos comportamentos de um dado grupo social A maneira de gastar os seus proventos a natureza das actividades de subsistência e o emprego do seu tempo livre a forma e o ritmo dos convívios constituem um conjunto de traços susceptíveis de identifcar uma população O modo de vida assim entendido é uma noção mais ampla que a de nível de vida O tempo livre e a sociabilidade figuram de facto de maneira explícita nessa definição A categoria socioprofissional que foi utilizada como indicador do modo de vida não tem na devida conta estas duas dimensões da vida quotidiana porque esta classificação continua marcada pelo emprego seu domínio de origem Será preciso alargar ainda mais a noção de modo de vida incluindo nela as disposições culturais específicas Scardigli 1987 Os autores clássicos 166 de M Weber a M Rokeach 1973 convidam a limitar a extensão desta expressão ao domínio dos comportamentos e 310 a reservar o das normas e das atitudes à noção de estilo de vida N H Monografia A monografia apresentase como estudo do singular e do particular Em sociologia utilizamse monografias de indivíduos ou biografias monografias de localidade os community studies da tradição anglosaxónica e monografias de profissão ou de meio profissional Em que medida o estudo de casos contribuirá para um conhecimento geral de alcance universal A maneira de encarar as relações entre abordagem microssociológica e conhecimento macrosociológico da realidade variou muito no tempo No início do século passado a monografia era uma componente indispensável da estatística administrativa nascente As estatísticas dos prefeitos lançadas por J A Chaptal em 1800 eram compilações de monografias locais Em meados do século os militantes da estatística começam a diferenciarse aos que implantam estatísticas estatais opõemse os membros da escola de F Le Pay que se limitam a uma estatística privada Fazendo monografias de famílias operárias centradas no estudo do orçamento familiar Le Play e seus discípulos 1856 pretendem isolar o elemento de base sobre o qual o edifício social está construído A autoridade do pai de família prefigura o poder do príncipe no Estado O recurso à monografia justificase neste caso por um postulado de homologia estrutural entre o microcosmo familiar e o macrocosmo social Este princípio de homologia está na base no séc XX de numerosas monografias de localidade feitas nos Estados Unidos da América a partir de 1920 na França a partir de 311 1950 A imagem ampliada de uma pequena unidade local supõese que proporciona a visão da inapreensível totalidade social No estudo de R e H Lynd 1929 sobre uma cidade média americana tal como no trabalho de L Wylie 1957 sobre uma aldeia do Vaucluse os autores procuram representar a América média ou o mundo rural francês através da exploração exaustiva de uma localidade média e portanto exemplar O desmoronamento do mito do todo integralmente presente em cada uma ou pelo menos em algumas das suas partes levou a sociologia a enveredar duravelmente por estratégias de pesquisa em que a monografia deixava de ter o seu lugar Contudo o recrudescer de interesse pela abordagem monográfica em França a partir dos anos 70 e a persistência de uma corrente sociológica qualitativa nos Estados Unidos etnometodologia sugerem que o estudo do singular e do total correspondem a necessidades profundas da sociologia Só a monografia pelo seu afinco em reconstituir as relações entre elementos pertencentes a uma mesma unidade concreta permite analisar a classe dos fenómenos locais Por este termo genérico designamse primeiro todos os sistemas fechados pelo menos parcialmente funcionamento de uma instituição mas também organização de um sistema político local estrutura de um campo profissional segregação social no espaço etc Incluise aí também o estudo dos territórios dos cortes das identificações das delimitações de grupos locais ou profissionais assim como a descrição dos rituais da interacção 168 312 Analisar os efeitos ligados a meios ou a espaços fechados não é um inventário interminável supõese com efeito que a diversidade dos processos e das formas de organização é limitada hipótese de parcimónia A monografia enriquece igualmente a análise de problemas sociológicos gerais Um bom exemplo é o das classes sociais ou das relações interétnicas os laços concretos que uma dada classe ou uma etnia estabelece com os outros grupos presentes num mesmo contexto local influenciam com frequência mais sobre o seu ser social ou sobre a sua ideologia que o seu lugar na estrutura nacional A abordagem monográfica mantém uma função específica em sociologia Mas é tanto mais produtiva quanto confrontada com outras abordagens mais globais da realidade M B Goffman 1961 MONTESQUIEU Charles de SECONDAT barão de LA BRÈDE e de escritor francês castelo de la Brède perto de Bordéus 1689 Paris 1755 Montesquieu pertence pela sua família à nobreza da magistratura Magistrado e membro da Academia de Bordéus conhece o êxito em Paris com as suas Lettres persanes 1721 Em 1734 publica Considerations sur les causes de la grandeur des Romains et de leur décadence retirase para La Brède Manda publicar em Genebra a sua obra principal De lesprit des lois 1749 Fundador do direito público comparado e da sociologia do direito Montesquieu foi reconhecido por A Comte e por É Durkheim 1953 como um precursor da sociologia e considerado por R Aron 1967 como o primeiro dos 313 sociólogos As leis são definidas por Montesquieu como as relações necessárias que derivam da natureza das coisas Estudou os costumes e as leis de numerosos povos e na sua diversidade soube ver regularidades relações inteligíveis A partir daí estabeleceu princípios que mostram que os homens não são conduzidos pela sua fantasia e que o direito positivo das sociedades humanas pode ser o objecto de uma ciência Mas quando analisa a relação das leis com a constituição de cada governo com o clima os costumes o comércio ou a religião faz aparecer um tipo de legalidade que não se confunde com o estrito determinismo do mundo físico Procura a explicação dos fenómenos sociais numa combinação muito delicada de causas diversas físicas ou morais e na sua opinião a arte do legislador pode e deve por vezes combater o efeito de certas causas Não se contenta com explicar chega mesmo a denunciar o mal social a escravatura por exemplo No domínio político combate o despotismo definido como o exercício de um poder arbitrário por um único homem Identificou lucidamente a sua causa natural É uma experiência eterna que todo o homem que tem poder é levado a abusar dele E deu muito logicamente o remédio Para que não se possa abusar do poder é preciso que pela disposição das coisas o poder trave o poder A liberdade para Montesquieu supõe que o poder actue por meio de leis fixas e estabelecidas e que seja distribuído de tal maneira que um equilíbrio possa estabelecerse pelo controlo mútuo dos poderes Os exemplos históricos de governos moderados e equilibrados são raros a república romana durante um certo tempo ou a antiga monarquia francesa mas para a sua época é a monarquia 314 168 inglesa que Montesquieu apresenta como modelo em dois capítulos de De lesprit des lois 6 XI e 27 XIX JC L Shacketon 1977 Vernière 1977 Morfologia social No seu último livro Morphologie social 1938b M Halbwachs precisou o que convém entender por esta expressão tirada de É Durkheim Todo o agrupamento humano do mais restrito ao mais vasto da família por exemplo à nação é um conjunto de indivíduos que ocupam um certo lugar no espaço O seu volume o número e a natureza das suas partes a maneira como elas estão dispostas no solo o ritmo da sua renovação o seu crescimento ou a sua decadência são outras tantas características que constituem o substrato material sobre o qual assenta a vida do grupo Cada associação religiosa política económica tem a sua morfologia própria Baptismos e enterros pela Igreja são como que outros tantos nascimentos e mortos conversões ou abandonos da fé ou da prática como que outros tantos movimentos migratórios que modificam os efectivos A natureza e o volume das trocas entre os grupos a actividade económica estão em função do número total de produtores e de consumidores da sua idade e da sua repartição nas diversas categorias sociais As formas de governo não poderão ser as mesmas para um povo pouco numeroso ou fortemente concentrado em cidades e num vasto império cujos habitantes vivem dispersos e longe do centro Num 315 sentido restrito portanto a morfologia social confundese com a ciência da população isto é com as condições espaciais e o movimento natural da população nas suas componentes de repartição geográfica e de densidade de sexo e de idade de reprodução Mas as formas exteriores ou materiais são insuficientes em si próprias para constituir uma sociedade Só representações colectivas lhes dão uma significação O indivíduo tem consciência de ser porque tem um corpo mas passa O corpo do grupo preexiste aos indivíduos e não se extingue com eles dura Os seus membros têm de submeterse a regras comuns precisam de um sentimento de pertença de uma vida psicológica e uma consciência colectiva para lhes conferir por assim dizer a existência social Tudo se passa como se a sociedade tomasse consciência do seu corpo e é essa consciência que é capaz de moldar as formas e as dimensões do próprio corpo Os indivíduos não sofrem as leis biológicas sem serem susceptíveis de exercer uma acção porque conformam a sua conduta com as normas e hábitos que encontram à sua volta e interiorizaram A morfologia social é descritiva e explicativa Apoiase na demografia e propõe uma explicação psicológica e social para os fenómenos demográficos A G Girard 1984 MOSCA Gaetano sociólogo italiano Palermo 1858 Roma 1941 Gaetano Mosca é um dos mais célebres fundadores das teorias elitistas contemporâneas Tornase professor em várias universidades italianas antes de ser eleito deputado interessado inicialmente pelo movimento fascista 316 de B Mussolini afastase dele muito rapidamente preferindo defender o regime parlamentar que antes tanto criticara Juntamente com V Pareto e R Michels Mosca propôs demonstrar 169 sobretudo o carácter fundamentalmente inigualitário de todas as sociedades historicamente conhecidas nas quais reina de cada vez uma classe política diferente que se apropria de todo o poder Na sua opinião mesmo as sociedades democráticas e parlamentares são dirigidas por uma classe política exclusiva que pretende justificar o seu poder soberano com a ajuda de uma fórmuma política isto é de uma ideologia No seu livro Elementi di scienza politica traduzido parcialmente em inglês sob o título de The Ruling Class considera que em todas as sociedades há duas classes de indivíduos os governantes e os governados Mosca diferentemente de Pareto deseja confiar o poder não a uma nova elite única mas antes a elites mais numerosas que realizariam ao seu nível uma espécie de pluralismo que o regime parlamentar seria incapaz de assegurar Entre elas a nova elite de técnicos recrutada com base em critérios de competência mais meritocrática deveria desempenhar um papel essencial na gestão quotidiana dos regimes parlamentares P B Albertoni 1984 Movimento social Empresa colectiva que visa estabelecer uma nova ordem de vida 317 Marx mostrou o papel central que o movimento operário desempenhou na sociedade industrial Podemos no entanto perguntarnos com A Touraine 1973 se o advento da sociedade pósindustrial não terá favorecido a emergência de novos movimentos sociais trazidos por novos actores movimentos femininista regionalista ecologista etc Nem todos os movimentos sociais se reduzem a esta única dimensão social alguns envolvem uma dimensão mais política como o movimento das nacionalidades no séc XIX Outros movimentos podem ter por finalidade resistir a um desmoronamento da ordem social é com frequência esse o caso dos movimentos de dimensão religiosa milenarismos messianismos etc Todo o movimento social supõe uma mobilização prévia dos actores que o compõem Essa mobilização não implica necessariamente a criação de novos compromissos e de novas identidades colectivas pode igualmente assentar na reactivação de lealdades e identidades já constituídas Nas teorias do comportamento colectivo os movimentos sociais remetem para um campo no qual as condutas não estão ou ainda não estão institucionalizadas Smelser 1962 As teorias da mobilização dos recursos Oberschall 1973 recusam a pertinência desse critérios ao porem a tónica nas características organizativas que servem de enquadramento à acção colectiva Alguns autores batemse no entanto por uma síntese das duas abordagens P M Chazel 1975 Birnbaum Chazel 1971 Movimentos religiosos novos NMR Os NMR são grupos de criação mais ou menos recente de origem ou de 318 inspiração extremooriental Soka Gakkai Igreja da Unificação do Reverendo Moon movimento de Bhagwan Shree Rajneesh etc ou de origem ocidental novas revelações à volta dos OVNI Cientologia Synanon etc alguns vêm do Médio Oriente Bahais sofisma e nossofisma Os NMR conheceram um importante sucesso no Japão nos anos de forte crise cultural e social posteriores à Segunda Guerra Mundial 170 O seu desenvolvimento a partir de então cifrase em milhões de membros não se reduz no entanto a essas causas como o demonstra a sua persistência e a sua extensão muitas vezes internacional No Ocidente os NMR não deixam de manter alguma relação com as bases da contracultura dos anos 70 O seu êxito relativo coincide com a crise de múltiplos aspectos que se manifesta desde o fim dos anos 60 A juventude e as classes médias mais tocadas que outras por este fenómeno mostramse também as mais sensíveis às mensagens dos NMR J S Mayer 1985 1987 Wilson 1970 Mudança Dois pontos de vista são possíveis Ou se considera a estabilidade como primordial e a mudança em segundo lugar não segundo o tempo mas segundo a prioridade do ser A sociologia da mudança assenta então nos factores que afectam um estado A para transformálo num 319 estado B Esta posição exige uma precaução porque é tentador ter apenas em conta factores exteriores e esquecer tanto a natureza de A como a dinâmica própria da transformação para explicar B como resultado destas três componentes Este é provavelmente o ponto de vista natural e espontâneo Um segundo ponto de vista consiste em inverter as prioridades ontológicas e em afirmar que a mudança é primária e que a estabilidade é apenas um afrouxamento da mudança De igual modo a física foi abalada quando foi estabelecida a lei da inércia Nesta perspectiva a matéria histórica e social é feita de processos incessantes e dos seus resultados com fases de aceleração e de afrouxamento É preciso além disso captálas como actividades humanas conduzidas pelos indivíduos e mais correntemente por grupos concretos casais famílias linhagens Igrejas seitas empresas grupos políticos etc Em suma a matéria histórica que muda é a agregação de multidões de actos humanos de conhecimento de criação e de acção Este ponto de vista leva a duas séries de análises As primeiras procuram explicar porquê e como essas agregações podem conduzir a estados determinados e relativamente estáveis que podemos convir em chamar instituições políticas económicas religiosas pedagógicas estéticas lúdicas etc As segundas investigam as agregações que desembocam em algo de novo Consoante o ponto de vista adoptado é claro que entre as instituições e as mudanças há um continuum sobre o qual é possível referenciar pontos de aceleração Reteremos quatro indo da mudança menos marcada para a mais radical O desvio é uma mudança imperceptível para os 320 contemporâneos Consiste na acumulação de mudanças minúsculas e insignificantes em si mesmas mas que desembocam em resultados inovadores o que dá um sentido retrospectivo à acumulação e a subtrai ao puro acaso A humanidade paleolítica deve ter conhecido um desvio deste género De geração em geração ganhos ínfimos em número acabaram pela ocupação de todo o planeta e pela necessidade de inventar soluções originais para fazer coexistir grupos que já não tinham a possibilidade de resolver os conflitos eliminandoos pela formação de novos grupos em terrenos de percurso virgens De igual modo durante centenas de milhares de anos o trabalho da pedra desviouse insensivelmente 171 para o emprego cada vez mais económico e eficaz da matériaprima Uma segunda forma de mudança seria a evolução que seria preciso definir como a actualização progressiva no tempo de um programa dado à partida e subtraído a toda a perturbação importante Poderseia ilustrar esta forma pelo desenvolvimento doutrinal das religiões reveladas num livro sagrado A mensagem nunca é expressa de maneira unívoca pois que exprime a transcendência e o inefável Mas ela não diz tudo o que se quiser Daí resultam controvérsias entre interpretações que fazem evoluir a doutrina no sentido de uma explicitação crescente do seu conteúdo latente Consoante ela é ou não tomada a cargo por um clero organizado ou não essa explicitação traduzse quer pela definição cada vez mais precisa da ortodoxia como no 321 cristianismo dos primeiros séculos quer no outro extremo na multiplicação das escolas e das seitas como no budismo Uma terceira forma seria a revolução Ela designaria uma ruptura que afecta uma evolução Neste sentido todas as actividades humanas podem conhecer revoluções por exemplo a técnica Mas vale mais reservar a palavra para as rupturas políticas Uma revolução é uma ruptura da legalidade que resulta da substituição de um regime antigo por um regime novo Quando a ruptura é endógena revolução inglesa americana e francesa sanciona um movimento de maturação É assim que as monarquias constitucionais e as repúblicas da Europa contemporânea podem ser consideradas como os resultados das gestações seculares começadas na época feudal Quando resulta da vontade de introduzir pela força um modelo estrangeiro revoluções russa e chinesa a ruptura acaba rapidamente por deixar reaparecer as continuidades com os regimes autocráticos anteriores Podemos finalmente referênciar mutações que designariam a implantação de programas novos É verdade que não há nada de radicalmente novo nos assuntos humanos no sentido em que o novo não pudesse ser ligado a qualquer desenvolvimento anterior Mas o que é próprio de uma mutação é que esses antecedentes só se tornam esboços uma vez sobrevinda a mutação E possível ligar Buda Cristo ou Maomé ao seu ambiente cultural mas o seu surgimento não pode em caso nenhum ser dele deduzido mesmo retrospectivamente De igual modo a redescoberta pelos pintores italianos no fim do séc XIII e no início do séc XIV do projecto dos antigos de atribuir à arte a tarefa de imitar a natureza significou uma mutação da arte europeia 322 abrindolhe um campo novo dos possíveis De igual modo ainda a mutação industrial do séc XIX arrastou a Europa e depois o mundo para uma fase inédita da aventura humana J B Baechler 1971 Boudon1984 Multidão No sentido mais habitual uma multidão é uma reunião de seres humanos temporariamente reunidos sob o efeito de projectos individuais celebrar aclamar aguardar insultar etc que os fazem convergir para um mesmo lugar aí se aglomerando mecanicamente Estação de metropolitano nas horas de ponta fila diante de uma loja ou de um teatro espectadores de uma partida desportiva nem vestígios entre eles de um projecto comum que implicaria divisão do trabalho 172 e solidariedade colectiva Mas uma multidão é versátil instável sob a acção de um condutor pode passar bruscamente da apatia à organização levantar uma barricada pilhar um armazém linchar um suspeito marchar sobre a Bastilha ou sobre Versalhes Rudé 1982 S Sighele e G de Tarde escreveram muito sobre as multidões criminosas que marcaram a Revolução e a Comuna Trabalhos recentes Rudé 1982 Tilly 1986 abrandaram esta visão patológica das multidões insurreccionais ao insistirem pelo contrário na racionalidade que em muitos casos as inspira no seu recrutamento no seio das camadas mais sãs da população e não entre os marginais A sociologia das multidões não deve confundirse com a 323 sociologia das massas a despeito da ambiguidade do termo angloamericano masss phenomena JR T 173 N Nação A nação é uma certa maneira de agrupar os homens em sociedade aparecida na Europa nos sécs XIV e XV desenvolvida do séc XVI ao séc XVIII e desabrochada nos sécs XIX e XX No séc XX o mundo inteiro procura imitar essa organização O agrupamento operado pela nação funda se em paixões interesses e representações comuns que impregnam os nacionais da convicção de terem um destino comum diferente do das outras nações Esse destino está enraizado num passado comum feito de provas ultrapassadas em comum E por isso que a nação começa sempre por uma historiografia que confina com o mito porque apresenta a formação da nação como uma sucessão de etapas orientadas num sentido definido e conduzidas por heróis fundadores O destino forjado por um passado comum exprimese num presente comum Este presente é visto como uma rede densa de relações e de interesses que fazem com que cada um se sinta parte de um todo sem o qual a parte perderia sentido e substância Este todo não está isolado confrontase com outros todos numa concorrência permanente pela superioridade que se exprime em termos militares económicos científicos culturais ou desportivos No quadro europeu este sentimento mantido pela nação de 324 constituir um organismo do qual os nacionais seriam as células e os orgãos correspondeu a uma realidade cada vez mais presente à medida que a industrialização intensificava a repartição das tarefas e a divisão do trabalho O destino comum proposto pelo passado e realizado no presente é por fim visto como um projecto para o futuro A nação não é apenas um dado tornase um ideal a vontade de continuar a viver em conjunto ultrapassando em conjunto novas provas e conquistando a glória de novas proezas A natureza da nação tal como a história europeia a definea incitaa espontaneamente a querer agrupar todos os nacionais numa polítia única Com efeito só a coincidência da nação e da polítia permite àquela cumprir o seu destino Mas a criação das polítias resulta de inúmeras guerras e de equilíbrios instáveis de forças A coincidência entre nação e polítia pode ser tida por puramente casual Daí resulta que o aparecimento das nações e das paixões nacionais provocou primeiro na Europa e depois no mundo inteiro inúmeras perturbações Umas resultam da vontade de reunir numa só polítia os membros dispersos de uma nação outras inversamente são provocadas pela vontade de independência de nacionais reais ou potenciais incorporados em impérios J B Gellner 1983 Plumyène 1979 Renan 1882 Nacionalismo O nacionalismo é uma corrente de pensamento e um sistema de atitudes que exaltam os valores nacionais ou seja as referências a uma comunidade humana à qual se pertence de maneira prioritária em função de critérios materiais o solo o território ou culturais a história comummente partilhada e com a qual se tem o sentimento 325 de identificarse Saído da Revolução Francesa o nacionalismo foi primeiramente uma corrente de pensamento ocidental fixado à esquerda A partir de 1789 exprimia uma vontade revolucionária de transformação e transferência da dependência do indivíduo 174 para com o rei monarca absoluto para uma colectividade abstracta com pretensões à soberania A este título inspirou a maioria dos movimentos revolucionários que marcaram a história da Europa no séc XIX e encontrouse associado à reivindicação de Constituições Em finais do séc XIX forjase pouco a pouco um nacionalismo de direita que eclipsa progressivamente o anterior A significação é então diferente em vez de afirmar se contra as formas tradicionais de dependência este novo nacionalismo exalta a referência à comunidade nacional para melhor se distinguir de certas formas políticas modernas de dominação o Estado a república e até o governo representativo O nacionalismo regressa então à tradição à história e à natureza valorizando as referências ao solo à terra às árvores ver M Barrès Afirmandose num contexto histórico dominado pela rivalidade francoalemã e pelo desejo de desforra tornase militarista e exibicionista depois de ter sido sobretudo revolucionário e civil Estas componentes encontramse nos inquéritos psicossociológicos que investigam os traços característicos do sistema de atitudes nacionalistas Michelat Thomas 326 1966 A contestação progressiva do jugo colonial contribuiu para deslocar o nacionalismo do mundo ocidental para as sociedades da África da América Latina e da Ásia O nacionalismo saído da Revolução Francesa viuse assim implicado em culturas inteiramente diferentes que dele tiraram em particular a ideia de nação reconstituída em função de dados sóciohistóricos próprios ver por exemplo a nação árabe e do contexto novo de mobilização contra os imperialismos o nacionalismo encontra então uma nova significação revolucionária B B Girardet 1966 Smith 1971 Necessidade Ao nível mais elementar a expressão ter necessidade de exprime uma situação de tensão ou um sentimento de falta resultante de um desequilíbrio A necessidade é geralmente apresentada como o motor de toda a actividade económica Na lógica dos economistas clássicos as necessidades que ao exprimiremse criam a procura são consideradas como invariantes da natureza humana Uma tal concepção remete para uma hipótese implícita do sujeito portador de necessidades inatas imutáveis que se podem determinar classificar hierarquizar objectivamente e que serão mais ou menos satisfeitas consoante o grau de desenvolvimento económico da sociedade A sociedade contribuiu amplamente para pôr em causa esta concepção designadamente pelo estudo das práticas de consumo As necessidades não são invariantes da natureza humana mas uma criação permanente da história das 327 sociedades E verdade que a intensidade e a própria natureza da relação entre as necessidades e o sistema social são apreciadas de maneira diversa pelos sociólogos Mas quer sejam consideradas como determinadas condicionadas quer simplesmente orientadas por uma série de factores de ordem social ou económica as necessidades são acima de tudo produtos sociais As necessidades nem por isso são dados que se possam inventariar objectivamente Muitas necessidades são sentidas por razões subjectivas muito afastadas do seu objecto Os fenómenos de consumo ostentativo adquirese determinado 175 bem para mostrar acima de tudo que se tem os meios para adquirilo mostram que as necessidades remetem para outra coisa que não simplesmente os objectos materiais que são os seus suportes As necessidades são cada vez mais sentidas por comparação intersubjectiva ou por comparação de grupo a grupo Satisfazer uma necessidade é muitas vezes comprar um sinal de pertença a uma categoria social Baudrillard 1972 Alguns sociólogos afirmaram mesmo que as necessidades não existem sendo o sinal o verdadeiro motivo da aquisição Mendras Forsé 1983 M Halbwachs mostrava a partir de 1912 que com rendimentos iguais os empregados gastam menos com a alimentação e mais com o vestuário e os divertimentos que os operários E J M Keynes 1924 distinguia as necessidades absolutas aquelas que sentimos sejam quais forem as situações de outrem e as necessidades relativas cuja satisfação nos distinguem dos nossos semelhantes 328 Mas nada permite pensar que as segundas sejam menos essenciais que as primeiras Porque as necessidades não são hierarquizáveis Assim a distinção entre as necessidades elementares que todo o indivíduo deveria necessariamente satisfazer e as necessidades secundárias que não seriam essenciais à sua sobrevivência parece sem fundamento Isso leva aliás a pôr em causa a própria ideia de uma sociedade de consumo que segregaria necessidades cada vez mais artificiais D D Neutralidade axiológica A expressão é uma tradução da palavra Wertfreiheit a que M Weber 1922 consagra um ensaio Não é aceitável qualquer confusão entre uma proposição científica e um juízo de valor Existe uma heterogeneidade irredutível entre a esfera das proposições científicas deduzidas ou empiricamente estabelecidas e a esfera das avaliações práticas A ciência estabelece juízos válidos universalmente Os juízos de valor são pessoais Uma vez esta diferença estabelecida podemos perguntarnos se a ciência pode travar as avaliações subjectivas como objecto de pesquisa Podeo de facto responde Weber na condição de distinguir um juízo de valor Werturteil e uma relação com os valores Wertbeziehung A relação com os valores significa que um valor como a igualdade que é objecto de conflitos entre os homens tornase um conceito que servirá para recortar a realidade examinada pelo sociólogo quer este lhe esteja pessoalmente ligado ou não É portanto uma condição da interpretação e da compreensão das condutas humanas M C 329 Norma Indissociáveis de uma ordem de valores que em cada sociedade orienta os comportamentos dos actores e dos grupos as normas são regras que regem as condutas individuais e colectivas Organizadas em sistema constituem um modo de regulamentação social estudado pelos sociólogos a partir de Durkheim 1893 1895 1897 O respeito das regras foi primeiro pensado como a obediência às leis em referência à autoridade social que se impõe na norma jurídica A espera de sanções positivas e o receio de sanções negativas asseguram nesta óptica o funcionamento do sistema normativo É claro no entanto que não são apenas normas juridicamente codificadas que o indivíduo interioriza no decurso do processo de socialização O que obriga o sujeito e donde 176 procede a oposição entre acções permitidas e acções proscritas explicase também pelo estado dos costumes numa dada época O fenómeno normativo deve igualmente ser referido a códigos morais inerentes a práticas particulares apresentase então como na medicina sob a forma de deontologias profissionais Em todos os casos a interiorização das normas pode efectuarse de maneira interessada por cálculo ou resultar de uma identificação altruísta com o grupo O desfasamento entre o que as regulamentações promulgam e o que é efectivamente praticado leva por fim a privilegiar no estudo das condutas sociais as categorias de conformidade e de desvio B V 330 Merton 1949 Parsons 1951 177 O Observação Ciência de observação a sociologia reserva um lugar muito reduzido à experimentação É praticamente impossível fazer variar de maneira controlada os parâmetros de um fenómeno social Tal como as outras ciências sociais a sociologia nem por isso está reduzida a um registo passivo dos factos e dos fenómenos Os sociólogos constroem as suas observações A descrição dos factos e a verificação dos resultados intervêm apenas no termo de um processo empírico e teórico que produziu uma interrogação da realidade a observação é inseparavelmente processo e resultado A partir dos temas das hipóteses e das estratégias de pesquisa que ele próprio define o sociólogo elabora protocolos de observação do mundo social Conduzindo um inquérito por meio de entrevistas constrói um guia de entrevista Para um inquérito estatístico utiliza um questionário fechado Para séries de observações repetitivas tem de recorrer a esquemas de tipo monográfico Estas grelhas de apreensão da realidade permitem limitar o levantamento à compilação dos factos pertinentes Metodicamente construídos mais que dados sem mais os arquivos do sociólogo resultam na maioria das vezes de um trabalho sobre um meio humano cuja cooperação requerida nunca está totalmente adquirida o historiador em 331 contrapartida depara apenas com corpus escritos A observação constróise numa dialéctica entre o mundo social e o sociólogo Numa investigação por entrevistas são colocadas questões e dadas respostas que podem modificar por repercussão a sequência das perguntas Num inquérito por questionário só a entrevistapiloto apresenta um verdadeiro carácter interactivo A recolha dos dados propriamente dita fazse de seguida como um levantamento de informação de sentido único com um questionário fixo Os sociólogos não podem ser eles próprios os produtores de todos os seus dados contentamse por vezes em analisar observações construídas por outros Seria necessário sistematizar esta divisão do trabalho reservando a tarefa de recolha das observações sociológicas a observatórios especializados A força dos observatórios é também o que faz os seus limites os inquéritos são aí produzidos de maneira a constituírem séries cronológicas Tendese a retomar sempre os mesmos questionamentos e as mesmas variáveis estandardizadas para descrever o mundo social Os instrumentos de observação adquirem uma inércia e uma autonomia tais que já não é possível adaptálos a hipóteses novas Há formas de sociologia que apreendem aparentemente os fenómenos sociais de maneira transparente nomeadamente as que se fundam na observação directa e na observação participante dos etnólogos A imersão do observador no meio observado não faz dele no entanto um indígena mesmo que o torne mais apto a interpretar as reacções dos membros do grupo Opera uma selecção e uma reordenação sistemáticas dos fenómenos pertinentes e temnos em conta para a escolha dos seus informadores A sua simples presença 332 modifica as condições da observação como o notava após muitos outros J FavretSaada aquando das suas investigações sobre a bruxaria no Bocage normando Na maior parte dos trabalhos o 178 ideal do método experimental mantémse presente no espírito do sociólogo Mas o dispositivo de pesquisa apenas pode propor uma simulação de situação experimental Assim o sociólogo H Coing para estudar a renovação de um bairro de Paris interrogava um certo número de habitantes no enquadramento antigo e depois de novo alguns anos mais tarde no bairro renovado após a sua instalação num novo alojamento Por mais engenhoso que seja este dispositivo de pesquisa não pode permitir distinguir um efeito puro da renovação e efeitos associados De igual modo quando se observa um mesmo fenómeno por exemplo os métodos de educação das crianças em contextos sociais diferentes jamais se poderão imputar as diferenças observadas a uma única variável ou a um pequeno grupo de variáveis Ao passo que em ciências exactas uma série de factos organizados metodicamente pela variação de elementos previamente definidos constitui uma experiência que tem valor de prova uma sequência de observações aparentadas em sociologia leva quando muito a comparações Em todos os casos para bem interpretar dados sociológicos continua a ser necessário ter um conhecimento íntimo do processo que os produziu M B 333 Oligarquia lei de bronze da Formulada por R Michels 1911 esta lei estabelece que as grandes organizações de massa principalmente políticas mas também sindicais a despeito da sua constituição e do seu programa democráticos dão inevitável e universalmente origem a uma estrutura de poder oligárquico no seu seio O poder é nelas monopolizado por uma pequena elite de dirigentes que se perpetua graças à renovação assegurada dos seus mandatos O conjunto dos processos complexos que dão origem à lei são provocados pela dimensão e pela complexidade das organizações envolvidas e podem resumirse numa palavra a burocratização aqui Michels juntase a M Weber Pela burocratização os interesses dos dirigentes que têm todos os trunfos para se manterem no poder em breve divergem e se opõem aos das massas incompetentes os dirigentes têm interesse em manter o statu quo ao passo que os aderentes querem mudanças Se estes últimos considerandose traídos desertam e fundam uma organização nova a lei da oligarquia exerce de novo a sua coacção de bronze a burocracia dirigente conservadora instalase de novo Por fim Michels só verá solução no recurso a um chefe carismático vd carisma B Mussolini BP L Operário O operário foi durante muito tempo confundido com o proletário da grande indústria A imagem é excessiva e falsa Excessiva porque os operários não são os únicos a viver de um salário a exercer uma actividade rotineira a estar colocados num nível baixo da hierarquia social Falsa porque os operários apesar de uma real fluidez da sua condição foram identificados como tais antes da descolagem 334 industrial do séc XIX Num primeiro tempo portanto considerase que o grupo reúne o conjunto dos trabalhadores manuais assalariados G Noiriel 1986 lembra como a formação de uma classe moderna e homogénea foi tardia em França em relação à Inglaterra ou à Alemanha Não é antes dos anos 1880 que se desenha a operarização 179 de um proletariado industrial nas minas e na metalurgia pesada E durante as décadas 19301940 o grupo enraízase por gerações sucessivas em alguns sectorespiloto minas estaleiros navais caminhodeferro automóvel que muito fizeram pela constituição da sua identidade à volta da figura altamente simbólica do metalúrgico Em 1954 em pleno esforço de industrialização os operários no sentido em que os define o INSEE representam 65 milhões de indivíduos ou seja 61 por cento dos assalariados e 34 por cento da população activa O seu número aumenta até 1975 data em que eles são perto de 85 milhões Mas já há anos que o número dos operários não aumenta entre os assalariados A sua percentagem baixa mesmo para 48 por cento ainda no mesmo ano de 1975 antes de baixar o número dos próprios efectivos que em 1986 se reduzem a 6 milhões No decurso da última década o grupo conheceu uma evolução contrastada segundo o sector de actividade e a competência profissional que continuam a ser os maiores eixos de polarização Os empregos qualificados de tipo artesanal foram os únicos que progrediram Por seu turno as mulheres assim como os 335 estrangeiros sem qualificação profissional viram a sua proporção aumentar Em 1986 um operário em cinco é mulher e um em oito é estrangeiro Muitas vezes de origem rural tanto elas como eles dedicamse às tarefas mais baixas em regiões de recente industrialização sem tradições políticas nem sindicais Situação perniciosa para os partidos e sindicatos operários que sempre se apoiaram nas profissões melhor organizadas Pode fazerse remontar a SaintSimon e a Marx a literatura sobre o assunto cuja dimensão polémica eclipsa rapidamente qualquer outra consideração De início a sociologia universitária afora M Halbwachs interessase pouco pelos operários Depois da última guerra o estado de espírito dos sociólogos muda Mas retrospectivamente podemos espantarnos do carácter conjuntural da sua problemática apenas com raras excepções como G Friedmann 1950 Ao longo da fase de reconstrução os operários das grandes indústrias de transformação são privilegiados Touraine 1955 Depois alguns interrogamse sobre as metamorfoses de uma classe cujas qualificações se modificam ao sabor da modernização do aparelho de produção Mallet 1963 Com os anos 70 os operários especializados e as greves selvagens chamam à atenção A sociologia do trabalho redescobre então categorias que no entanto já existem desde as origens os operários do artesanato as mulheres os imigrados Actualmente a capacidade dos operários para formarem uma classe o seu voluntarismo político são postos de novo em causa sob pretexto de que o ciclo histórico que lhes deu origem e que é o do capitalismo tayloriano estaria a esgotarse A hipótese é plausível e fundase no recuo da identidade operária nas representações colectivas mas chega 336 a um impasse quanto aos modelos actuais de dominação no mundo do trabalho que não desapareceram F G Opinião pública Agregado de opiniões individuais semelhantes sobre problemas de interesse público Parece difícil dar uma definição mais rigorosa desta noção que se caracteriza acima de tudo pela sua imprecisão e da qual o sociólogo americano H L Childs 1965 pôde recensear umas cinquenta significações 180 diferentes Houve quem julgasse poder recomendar a eliminação da noção da linguagem científica para outros a opinião pública seria simplesmente o que medem as sondagens de opinião sendo estas últimas consideradas por alguns como uma manipulação a opinião pública que elas medem não seria ela própria mais que uma mistificação A opinião pública não poderá ser reduzida aos resultados brutos dos inquéritos de opinião Podem distinguirse quatro abordagens diferentes do fenómeno da opinião pública que se recortam parcialmente e que os sociólogos puderam combinar de maneira variável multiplicando assim as acepções 1 a medida quantitativa da distribuição das opiniões A opinião pública não é então nada mais que a reacção dos indivíduos a proposições e questões precisamente formuladas nas condições do inquérito por entrevista Stoetzel Girard 1973 2 a opinião pública como força política nesta perspectiva e segundo a fórmula de V O Key 1961 a opinião pública recobre as opiniões dos 337 cidadãos que os governantes acham prudente ter em conta 3 a opinião pública como organização A opinião pública vê então conferiremselhe propriedades diferentes da soma das opiniões individuais que são ligadas umas às outras como uma organização Nesta perspectiva prestouse uma atenção particular à interacção entre os líderes de opinião e a massa 4 a opinião pública em termos de comunicação política Aqui a situação de opinião pública é definida pela existência e pelo reconhecimento por indivíduos ou grupos de um problema político no qual encontram pretexto para a comunicação e empreendem acções a fim de influenciar as autoridades políticas Padioleau 1981 As incertezas que pesam sobre a noção de opinião pública reflectem por um lado a dificuldade da sociologia em apreender este nível intermédio de agregação situado entre os grupos primários as organizações formais e por outro lado a massa indiferenciada dos indivíduos A articulação ao mesmo tempo empírica e teórica dos quatro níveis de abordagem deveria permitir avançar para uma conceptualização mais coerente D D Organicismo O organicismo estabelece um paralelo entre corpo social e organização fisiológica exerceu sempre um forte atractivo desde Aristóteles Mas é no séc XIX que se vê de maneira consequente o modelo biológico imporse como modelo de explicação sociológica depois de Lamarck G Cuvier e por fim C Bernard terem mostrado a integração das funções e dos orgãos num todo coerente no mundo vivo O verdadeiro pai do organicismo é no entanto H Spencer 1862 Depois de ter enunciado a lei da evolução segundo a 338 qual as sociedades se transformam elas próprias integrando a mudança e adaptandose ao meio ambiente enumera as características comuns ao sistema social e ao organismo fisiológico sem deixar entretanto de sublinhar as diferenças importantes Este organicismo perpetuouse apurandose na sociologia contemporânea sob a forma do funcionalismo de B Malinowski Este escreve Em todos os tipos de civilização cada costume cada objecto material desempenha uma função vital tem uma tarefa a cumprir representa uma parte dispensável de uma totalidade orgânica Deve sublinharse o carácter contestável destas analogias quanto mais não seja mostrando 181 como fez R K Merton a existência de instituições ou de fenómenos afuncionais ou disfuncionais em toda a sociedade Mas sobretudo o organicismo e um funcionalismo absoluto impedem que os conflitos sociais e as crises sejam pensados de outro modo que não como sinais patológicos Fora de toda a teleologia fora de todo o organicismo fica por dar à noção de função uma delimitação sociologicamente frutuosa A A Organização A palavra organização designa ao mesmo tempo um objecto social e um problema central da sociologia da acção O objecto social é bem conhecido as administrações públicas as empresas industriais comerciais e de serviços tal como os partidos políticos e as associações de toda a 339 espécie de que somos ao mesmo tempo os assalariados os membros eou militantes e os clientes são todas elas organizações isto é conjuntos humanos ordenados e hierarquizados em ordem a assegurar a cooperação e a coordenação dos seus membros para determinadas finalidades Segundo os fins visados os mecanismos de constrangimentos postos em acção no seu seio e os modos de legitimação da autoridade essas organizações são muito diferentes e têm características e modos de funcionamento dissemelhantes que podemos classificar em diversas tipologias Mas para além de tais diferenças têm todas elas um problema em comum o de obter dos seus membros o mínimo de cooperação indispensável à sua sobrevivência Esta não é um dado natural mas um facto a explicar na medida em que supõe sempre o estabelecimento e a manutenção de um mínimo de cooperação entre actores que mantêm cada qual um mínimo de autonomia e cujos interesses não são forçosamente convergentes Tendo partido de uma visão puramente descritiva e instrumental das organizações é numa tal problematização do facto organizacional que desembocam os estudos psicossociológicos e sociológicos das organizações insistindo por um lado no carácter construído de um funcionamento organizacional e por outro na sua dinâmica endógena ou seja nos seus mecanismos de automanutenção que lhe conferem uma certa autonomia O carácter não natural de uma organização resulta do facto de ela ter de construirse e manterse num contexto marcado por uma tripla limitação 1 a interdependência limitada dos membros de uma organização estes nunca são totalmente dependentes uns dos outros mas têm sempre uma margem 340 de liberdade que procuram defender e até aumentar na medida em que ela constitui sempre a própria base da sua capacidade de acção na organização Crozier Friedberg 1977 2 a racionalidade limitada dos comportamentos de todos os actores envolvidos que escolhem os seus comportamentos segundo as visões locais e parciais que são as únicas de que são capazes March Simon 1958 e que nenhuma racionalidade superior e englobante faz coincidir espontaneamente 3 a legitimidade limitada dos fins da organização estes têm apenas uma limitada capacidade de integração na medida em que não existem sozinhos mas entram em concorrência com os objectivos que os membros da organização desenvolvem no prosseguimento dos seus interesses próprios Silverman 1970 Uma organização e o seu modo de funcionamento aparecem nesta 182 perspectiva não como o produto mecânico de um conjunto de engrenagens perfeitamente ajustadas umas às outras e movidas por uma racionalidade única mas como o resultado de uma estruturação contingente de um campo de acção Esta estruturação preenche funções latentes a saber tornar possível e resolver o problema da cooperação entre actores que se mantêm relativamente autónomos e que prosseguem interesses divergentes E uma vez instituída desenvolve uma dinâmica autónoma na medida em que as suas características induzem efeitos não pretendidos sobre os comportamentos dos membros da organização que por sua vez arrastam consigo a manutenção ou mesmo a acentuação 341 das características primeiras Este fenómeno é bem conhecido sob o nome de círculos viciosos organizacionais Crozier 1964 E F Organização científica do trabalho OCT Designamse por organização científica do trabalho OCT em inglês Scientific Management ou Scientific Administration os esforços conduzidos a partir do fim do séc XIX em vários países por diversas personalidades dirigentes de empresa engenheiros por vezes sindicalistas no sentido de substituir o empirismo e a desordem no funcionamento corrente das empresas por princípios gerais de fundamento científico cuja validade possa mesmo estenderse a outros tipos de organizações A expressão e o movimento de ideias do Scientific Management são devidos ao engenheiro e inventor americano F W Taylor 18561915 autor de uma versão particular da OCT denominada o taylorismo da qual se pode dizer que se interessa mais pela organização dos trabalhos de execução é a OCT no sentido estrito do termo Outros autores favoráveis também eles à OCT entre os quais H Fayol interessaramse sobretudo pela estrutura administrativa das empresas e das grandes organizações Mottez 1971 O sistema de Taylor em 1901 comporta cinco tipos de reformas 1 medidas preparatórias já conhecidas que ele aperfeiçoa como a racionalização dos métodos de aquisição e de armazenamento de estandardização das ferramentas e das ferramentarias de reforma na concepção e na disposição das máquinas das correias de transmissão e da sua 342 manutenção assim como da contabilidade 2 um sistema de controlo da produção que assenta num departamento especializado na planificação A especificidade do sistema de controlo mais que o próprio controlo a sua extrema elaboração no pormenor e a sua complexidade são características de Taylor 3 uma direcção de um género novo que ele qualifica de funcional destinada a suprir os defeitos da direcção tradicional 4 a cronometragem dos trabalhos outra ideia própria de Taylor que a inventa em 1882 5 finalmente os sistemas de remuneração pelo rendimento quer a uma taxa diferencial segundo as peças sistema introduzido em 1884 quer a uma taxa fixa consoante a tarefa acrescida de um bónus sistema introduzido em 1901 Nelson Taylor expõe os seus pontos de vista nos seus artigos A piecerate svstem 1895 e Shop management 1903 e no seu livro The Principles of Scientific Management 1901 No debate de ideias muito vivo que se desenvolve à escala internacional ainda em vida de Taylor e após a sua morte entre as duas guerras mundiais a OCT e o taylorismo são correntemente reduzidos a três princípios essenciais 183 1 a separação rigorosa entre a concepção das tarefas e a sua execução 2 a existência de um sistema de peritagem independente para a definição dos tempos e das remunerações que escape por isso mesmo a toda a discussão 3 os sistemas de remuneração ligados ao estabelecimento dos tempos e por isso mesmo também eles indiscutíveis em princípio As aplicações efectivas da OCT e do taylorismo 343 embora numerosas foram sempre parciais e dependentes das condições locais Nelson 1980 Montmollin Pastré 1984 Os resultados são por isso difíceis de imputar apenas aos efeitos da OCT e do taylorismo A produtividade parece ter sido consideravelmente acrescida Nelson 1980 Montmollin Pastré 1984 Taylor defendia que o seu sistema asseguraria aos salários operários uma progressão comparável ou superior à da produtividade este género de efeito é muito mais difícil de mensurar Mas os sindicatos não foram unanimemente hostis ao taylorismo É preciso também lembrar que Lenine se afirmou a partir de 1918 partidário resoluto das ideias de Taylor A partir de 1940 a OCT sempre muito praticada na indústria é suplantada de facto nos círculos intelectuais pelo movimento das relações humanas que contesta nela o primado das precauções económicas e do prisma individual opondolhe o sentimento de pertença ao grupo e a lógica dos sentimentos Este movimento prolongase pela busca de novas formas de organização do trabalho NFOT enriquecimento das tarefas grupos semiautónomos Desde 1980 manifestase uma nova curiosidade pela OCT e pelo taylorismo de rosto humano Montmollin 1981 Montmollin Pastré 1984 Por sua natureza toda a forma de organização do trabalho que se quer científica recorre a princípios essencialmente taylorianos Libertos das suas contingências históricas que os historiadores precisamente começam a conhecer melhor os princípios de base da OCT e do taylorismo não terão pois perdido longe disso toda a sua eficácia BP L Copley 1923 Coriat 1979 344 184 185 P Painel Designa correntemente no vocabulário americano uma mesaredonda em linguagem televisiva isto é um grupo de pessoas de competências variadas reunidas para discutir um dado problema a partir de pontos de vista diferentes Um segundo sentido próprio da sociologia de investigação foi introduzido por P Lazarsfeld et al 1944 na sequência de uma interpretação errónea cometida por Lazarsfeld sobre o vocabulário americano que ele dominava mal Neste segundo sentido um painel é um grupo estável de pessoas que se submetem a interrogações repetidas por questionário a intervalos de tempo regulares mais ou menos espaçados Tentase por meio deste método introduzir nos inquéritos uma dimensão temporal e medir a mudança respondendo à objecção que lhes é muitas vezes feita de apenas captarem configurações instantâneas vd sondagens de opiniões BP L Chazel Boudon Lazarsfeld 1970 Lazarsfeld 1978 Papel O papel é um conceito fundamental para definir a identidade social dos indivíduos Em R Linton 1936 para o qual o ponto de partida é a sociedade o papel está ligado 345 aos conceitos de norma e de modelo cultural A norma é uma obrigação de desempenhar um papel um constrangimento social que liga o indivíduo a um ou a vários grupos A norma serve para descrever e explicar as uniformidades do comportamento dos membros de um mesmo grupo Os papéis prescritos são regras sociais Representam modelos abstractos apresentados pelo grupo O conceito mais ligado ao papel é o de estatuto ou posição social Para Linton não há papel sem estatuto nem estatuto sem papel Mas a maioria dos autores rejeita a correspondência pura e simples entre os dois conceitos A um estatuto particular o de pai correspondem de facto vários papéis Se tomarmos como ponto de partida o indivíduo estaremos confrontados com o problema da regularidade dos comportamentos que não pode explicarse ao nível do próprio indivíduo Essa regularidade provém da identidade da posição que os indivíduos detêm Neste caso o papel é tomado em sentido institucional e manifestase pelo consenso dos membros do grupo que fundamenta as expectativas recíprocas desses indivíduos As expectativas de função são acções esperadas daquele que ocupa uma posição e que é suposto ter sido socializado para esse efeito Para executar um papel o sujeito tem pois de estar a par dos direitos e deveres da posição que ocupa As expectativas podem especificar de maneira estrita o comportamento requerido ou serem simplesmente indicações que oferecem ao actor a possibilidade de desempenhar livremente o seu papel Tais variações são função da sanção da certeza e do consenso relativo às expectativas Distinguiremos com S F Nadel 1957 três tipos de atributos do papel os atributos fundamentais cuja ausência ou modificação transforma radicalmente a identidade do 346 papel por exemplo um médico que não exerce os atributos de segundo tipo cuja modificação ou ausência faz aparecer uma diferença na percepção da eficácia do papel um médico que exerce mas não se recicla finalmente os atributos periféricos cuja ausência ou variação não afecta a eficácia do papel 186 um médico que exerce que se recicla mas que é celibatário M C Merton 1949 RocheblaveSpenlé 1962 Paradigma Esta noção descreve as convicções na maioria das vezes implícitas com base nas quais os investigadores elaboram as suas hipóteses as suas teorias e mais geralmente definem os seus métodos Assim Descartes estava convencido de que todo o fenómeno físico pode ser analisado como um sistema de acções e de reacções mecânicas como no caso dos relógios e dos turbilhões No domínio das ciências sociais M Weber cria que a explicação de um fenómeno colectivo implica que sejam postas em evidência as acções crenças e atitudes individuais de que ele é a resultante Influenciado pelo positivismo de A Comte É Durkheim cria pelo contrário que esses dados subjectivos são incompatíveis com a própria noção de ciência As sociologias de Weber e de Durkheim assentam portanto em paradigmas diferentes A noção de paradigma foi posta na moda pelo historiador e sociólogo das ciências T Kuhn 1962 Este efeito de moda 347 provém sem dúvida sobretudo do facto de ela ter legitimado uma visão relativista da ciência Contudo o filósofo clássico fizera notar que toda a demonstração assenta em princípios indemonstráveis sem daí tirar uma conclusão relativista R B Parentesco moderno O parentesco designa um conjunto de pessoas reunidas por laços de filiação paisfilhos de germanidade irmãos e irmãs e de aliança maridomulher conjunto cuja composição é gerida por regras variáveis segundo as culturas vd parentesco primitivo Nas sociedades ocidentais modernas a filiação é dita indiferenciada as duas linhas genealógicas de uma criança a do pai e a da mãe têm sensivelmente a mesma importância e geram obrigações e privilégios semelhantes Murdock 1949 Num tal sistema indiferenciado as redes de parentesco não têm fronteiras precisas e os laços no interior da rede são regidos mais por um princípio de selectividade afinidades pessoais que por um critério de estatuto em que uma atitude caracterizaria as relações com todos os membros de uma categoria de parentes Este duplo carácter aliado ao facto de o destino social dos indivíduos se jogar em grande parte à margem das redes de parentesco pôde deixar crer que a família moderna está isolada e funciona sem parentesco Múltiplas investigações mostram que pelo contrário 1 temos hoje uma probabilidade muito mais forte que no passado de poder contactar os seus ascendentes impacte do aumento da duração média de vida Le Bras 1982 2 os laços de sociabilidade com o parentesco são numerosos e valorizados mais particularmente ainda nos meios populares Roussel 348 Bourguignon 1976 Sussman 1965 3 a rede de parentesco funciona frequentemente como uma instância de mediação essencial na integração das populações rurais eou migrantes nas condições industriais e urbanas de produção Hareven 1987 4 as trocas funcionais entre gerações desempenham um papel notável no equilíbrio de vida dos casais tratase mais particularmente de serviços quotidianos nas camadas populares e de ajuda financeira ou de promoção nos meios 187 abastados Pitrou 1978 Notarseá a este propósito que vários autores sublinham uma ligeira predominância feminina de mãe para filha na constituição ou na gestão dessas relações Lee 1979 A importância e a multifuncionalidade destas trocas não os impedem de ser muito sensíveis à distância geográfica que aparece como o melhor prenunciador da sua intensidade concreta Quando examinamos precisamente os primeiros trabalhos sobre este tema o aumento dos divórcios e das famílias monoparentais parece dever reforçar a especialização funcional a flexibilidade e a selectividade dessas relações Sussman 1987 Settles 1987 J K Parentesco primitivo Esta primeira forma de organização da vida colectiva consiste ao definir os limites da família em atribuir estatutos e papéis a indivíduos e subgrupos em regular a circulação das mulheres em exprimir relações económicas segundo a idade o sexo e o lugar dos indivíduos 349 no grupo O parentesco definese pelo conjunto das relações que unem geneticamente filiação descendência ou voluntariamente aliança pacto de sangue um certo número de indivíduos Reveste um carácter sociocultural mais que biológico tanto mais que laços de consanguinidade podem não ser reconhecidos socialmente e que inversamente o parentesco social nem sempre assenta numa consanguinidade real descendência totémica adopção Especificase através de cinco ordens particulares de fenómenos 1 a filiação é o conjunto das regras que definem o estatuto de uma criança em relação a alguns dos seus ascendentes quer seus pai e mãe indiferentemente relação cognática quer apenas em linha agnática patrilinearidade se os direitos sociais a categoria o nome a religião os antepassados os bens são transmitidos pelo lado paterno quer em linha uterina matrilinearidade se se liga aos seus ascendentes pela sua mãe 2 a aliança compromete dois ou vários grupos exógamos numa relação de permuta matrimonial Nas sociedades tradicionais a troca restrita e directa supõe que os pares que permutam dão uma mulher quer imediatamente quer no prazo de uma ou várias gerações Na troca indirecta ou generalizada o grupo dador de mulheres recebe em compensação um valor admitido bois objectos dinheiro que lhe permitirá arranjar mulheres para os homens que tem de casar 3 as denominações de parentesco variam conforme se trata de termos de comunicação papá ou de designação o meu pai e consoante o sistema é descritivo o termo pai convém apenas ao progenitor ou classificatório o termo 350 pai designa toda uma classe de parentes reais ou possíveis 4 a residência é também um critério para a edificação das comunidades locais a instalação dos esposos pode de facto verificarse em casa dos pais do esposo ou da esposa do tio materno da esposa no habitat de um dos cônjuges etc 5 as atitudes entre gerações vizinhas ou alternas assim como entre afins vão desde a afeição até à frieza autoritária da brincadeira até ao desdém O parentesco inclui também fenómenos de poder intrafamiliar e de herança de bens e títulos C R Augé et al 1975 Fox 1967 LéviStrauss 1949 Needham 1949 188 PARETO Vilfredo economista e socialista italiano Paris 1848 Céligny Suíça 1923 Começada como engenheiro à frente dos caminhosdeferro da Toscana a carreira de Pareto prosseguiu e terminou fora da Itália por um tardio acesso ao ensino universitário Pareto é em primeiro lugar o sucessor de L M E Walras na cátedra de Economia Política na Universidade de Lausana Ardente partidário da livretroca e defensor de novas teorias centradas na formalização matemática do equilíbrio geral escreve o Cours déconomie politique 1897 e o Manuel déconomie politique 1906 É também um dos principais membros juntamente com G Mosca daquilo a que se costuma chamar a escola elitista italiana e o autor do Traité de sociologie générale 1916 351 1917 No entanto estas duas espécies de obras procedem do mesmo desígnio a aplicação à economia e à sociologia de uma postura correntemente empregada nas matérias experimentais a das aproximações sucessivas que tem o seu ponto de chegada teórico na afirmação da mútua dependência dos fenómenos sociais O tema central é a distribuição das riquezas a propósito da qual Pareto formulou a lei que tem o seu nome sejam quais forem os países as épocas os regimes os rendimentos têm tendência a agruparse de uma certa maneira a sua repartição apresenta esquematicamente a forma de um pião com a ponta virada para cima A classificação pormenorizada dos resíduos e das derivações a oposição da força e da astúcia dos leões e das raposas dos capitalistas e dos especuladores a periodização dos fenómenos sociais em ciclos fases oscilações que dão a todas as manifestações da actividade humana a forma de uma curva ondulada constituem juntamente com a lei da repartição das riquezas a teoria da circulação das elites e os desenvolvimentos sobre a instabilidade do equilíbrio social sendo estes os principais temas da sociologia de Pareto Várias razões como os evidentes defeitos de composição do Traité ou a aprovação dada à política conduzida por B Mussolini explicam que a obra de Pareto suscite ainda hoje um grande número de interrogações suspeitosas e de leituras divergentes B V Pareto 19641988 Busino 1967 Freund 1974 PARK Robert Ezra sociólogo americano Harveyville Pensilvânia 1864 Nashville 1944 Antigo discípulo do 352 filósofo alemão G Simmel Robert E Park é um dos sociólogos mais marcantes da escola da ecologia urbana de Chicago Depois de ter sido jornalista globetrotter secretário de uma associação de defesa dos Negros do Sul entra na Universidade de Chicago em 1913 Fascinado pela diversidade da vida urbana lança em 1916 um programa de pesquisa que incide primeiro sobre Chicago antes de ser alargado a outras cidades americanas Laboratório social por excelência a cidade é para ele o objecto de estudo privilegiado do sociólogo Ela pede de facto uma abordagem à maneira do modelo da ecologia natural que estuda as relações entre as diferentes espécies animais e vegetais presentes num mesmo território A intenção de Park é captar em toda a sua complexidade as relações que os citadinos mantêm com um meio ao mesmo tempo material e humano que eles próprios modelaram e que permanentemente se transforma Sendo a vida urbana feita de rupturas 189 e de reorganizações o seu estudo passa em particular pelo da patologia urbana que acompanha com frequência os fenómenos de imigração Park é o autor de Introduction to the Science of Sociology 1921 Y G Grafmeyer Joseph 1979 PARSONS Talcott sociólogo americano Colorado Springs 1902 Munique 1979 Em The Structure of Social Action 1937 Parsons pretendia estabelecer a convergência entre as obras de É Durkheim V Pareto e M Weber que 353 tendo partido de horizontes metodológicos muito diferentes teriam sido levados a reconhecer o lugar central do conceito de acção social Parsons tinha o duplo mérito de introduzir no campo da reflexão da sociologia americana noções como as de acção e de compreensão e de chamar à atenção para a importância dos sistemas de valores designadamente no domínio da religião Em 1951 Parsons publica The Social System e juntamente com Shils Toward a General Theory of Action o estrutural funcionalismo de Parsons apresentase então como uma teoria da acção e como uma teoria dos sistemas sociais Toda a acção é um sistema de alternativas que permite ao próprio e a outrem orientarse a si próprio e um em relação ao outro segundo variáveis de configuração pattern variables Nos anos 60 Parsons regressa aos problemas clássicos da sociologia comparativa Regressa então ele graças à emergência daquilo a que chama evolutionary universals ao evolucionismo que condenara nos seus primeiros escritos Finalmente Parsons alarga o campo da sua reflexão a um certo número de factos biológicos tais como o sexo a idade a morte a saúde e procura compreender como é que esses dados da human condition se exprimem em códigos simbólicos mais ou menos estritamente institucionalizados no sistema social e no sistema cultural F B Bourricaud 1977 Parsons 1967 Parsons Smelser 1956 Partido político Um partido político é um grupo social organizado de maneira durável articulado até ao escalão local e que solicita o apoio popular em ordem ao exercício 354 directo do poder O aparecimento dos partidos políticos sob a sua forma moderna é um fenómeno recente segunda metade do séc XIX Este tipo de organização só aparece portanto quando estão reunidas certas condições Três tipos de explicações foram propostos sobre a origem dos partidos 1 a abordagem institucional que liga o seu desenvolvimento ao alargamento do sufrágio e ao papel das assembleias parlamentares Duverger 1951 2 a abordagem histórica que associa o seu nascimento a uma situação de crise 3 a abordagem desenvolvimentista que liga a sua formação a um processo geral de modernização La Palombara Weiner 1966 O desenvolvimento dos partidos políticos apresentase igualmente como um fenómeno geral Eles preenchem de facto por todo o lado duas funções essenciais 1 uma função de estruturação Organizam a expressão da opinião e transmitem os pedidos aos centros de decisão Esta função que nos países democráticos vai até à estruturação do voto pode exercerse em sentido inverso nos regimes autoritários pelo controlo e pelo enquadramento da população Nos 190 países em desenvolvimento a função de enquadramento está muitas vezes associada ao desejo de criação de uma identidade nacional 2 uma função de recrutamento assegurando os partidos a selecção e a renovação das elites políticas O estudo dos partidos políticos foi em grande parte orientado para a análise das suas estruturas e desembocou na elaboração de 355 diversas tipologias que distinguem por exemplo os partidos de massa os partidos de quadros e os partidos de união catchall party Mas numa postura inspirada na sociologia das organizações um partido pode igualmente ser compreendido como um sistema constituído por elementos interdependentes este sistema é integrado num conjunto mais vasto que constitui o sistema dos partidos ele próprio em interacção com o eonjunto do sistema político Prestouse uma atenção particular à influência do modo de escrutínio no número e na estrutura dos partidos Os modos de escrutínio não são mais que instrumentos políticos e o sistema dos partidos é menos dependente deles do que por vezes se pretendeu D D Cotteret Emeri 1970 Offerlé 1987 Pauperização Falase de pauperização quando numa dada sociedade camadas sociais inteiras se empobrecem com regularidade isto é vêem os seus rendimentos e os seus patrimónios diminuir de maneira constante Observamse fenómenos de pauperização em toda a parte particularmente quando sociedades são afectadas por crises duradouras ou se encontram envolvidas em processos de reajustamento ou de adaptação a ambientes em mutação ambientes naturais degradados por exemplo Na esteira de alguns marxistas houve quem se interrogasse se as economias capitalistas modernas não produziriam inevitavelmente a pauperização das camadas operárias A tese mais extrema foi defendida pelos comunistas nos anos 50 a classe operária veria o seu nível de vida diminuir de maneira absoluta à medida que fossem 356 crescendo as economias capitalistas Rapidamente abandonada essa tese foi geralmente substituída por uma teoria sobre a pauperização relativa dos trabalhadores assalariados as camadas desfavorecidas só lentamente poderiam aumentar os seus rendimentos a um ritmo muito mais lento que as camadas privilegiadas Esta última concepção também não reuniu a unanimidade Alguns economistas fizeram questão em corrigila e sublinharam que fortes tensões sobre o mercado do trabalho podiam favorecer os salários em relação ao lucro Admitese agora que os fenómenos de pauperização envolvem sobretudo as camadas que se encontram expulsas ou mantidas fora da produção dos bens e serviços A pauperização neste sentido apresentase como a sanção de verdadeiras discriminações sociais JM V Mandel 1962 Planificação Modo de organização da vida económica de um país em que a oferta e a procura em vez de serem determinadas pelas forças do mercado são orientadas por um plano plurianual previamente estabelecido Esta orientação reveste formas mais ou menos constrangedoras e distinguemse a este respeito duas grandes categorias a planificação centralizada imperativa e a planificação flexível ou indicativa A planificação centralizada introduzida 191 após 1928 por Estaline na União Soviética e alargada depois 357 de 1945 a todos os países sob regime comunista substitui a economia capitalista por um sistema radicalmente diferente em que os meios de produção pertencem ao Estado e em que se produz para executar os objectivos do Plano e não para obter lucros ao satisfazer uma procura solvível Consequentemente as economias de planificação imperativa têm moedas inconvertíveis o comércio externo é monopólio estatal nem os assalariados nem os consumidores podem organizarse para reivindicar quanto às empresas dependem todas de ministérios de tutela que fixam cada ano as quantidades e os preços do que compram e fabricam Na planificação indicativa de que a França oferece um bom exemplo já não se trata de criar um novo sistema económico mas de corrigir as imperfeições do mercado e do processo político A mensagem económica difundida pelo Plano junto das empresas das administrações e dos parceiros sociais visa de facto o duplo objectivo de introduzir a preocupação do futuro e o empenho da coerência nas acções públicas e privadas por meios que assentam essencialmente na persuasão e no incitamento Estes dois tipos de planificação estão ambos em crise Crise de credibilidade para os planos indicativos Depois dos choques petrolíferos da revolução informática das oscilações das taxas de câmbio e das taxas de juro o mundo económico tornouse mais turbulento e menos previsível portanto menos controlável Tendo sido um dos meios desse controlo a planificação sofre com isso Para os planos imperativos tratase de uma crise mais global porque a rigidez da planificação centralizada convém cada vez menos a uma economia moderna mas dar mais autonomia aos agentes económicos é politicamente arriscado porque é o 358 monopólio do partido único que então se encontra posto em causa B C Asselain 1981 Massé 1965 Quinet Touzery 1986 Poder Em sentido geral o poder designa a faculdade de agir própria do ser humano e num sentido derivado a aptidão de um dado actor para levar a cabo acções eficazes Esta acepção ampla do poder preside a definições conhecidas como a de B Russell 1938 para o qual o poder consiste na produção de efeitos procurados A própria generalidade deste tipo de definição pode no entanto tornarse um obstáculo em particular quando se trata de apreender o poder nas suas dimensões especificamente sociais ou políticas E de facto ao poder sobre que o investigador deve então prioritariamente prestar a sua atenção sem descurar o poder de Pelo facto de observar o fenómeno no próprio jogo e trama das relações entre as pessoas e os grupos ele é levado a pôr em evidência o carácter relacional do poder A despeito da fórmula de Hobbes 1651 segundo a qual o poder de um homem consiste nos seus meios presentes de obter algum bem aparente futuro não podemos hoje aternos a uma concepção substancial que faria do poder um puro atributo do actor se é verdade que não há poder sem recursos é preciso ainda que estes sejam mobilizados e se for caso disso postos em acção para que se torne apropriado falar de poder Em última análise o poder consiste essencialmente em relações assimétricas entre actores e grupos de actores e o seu exercício é condicionado por uma distribuição desigual de recursos 359 192 Será legítimo nesse caso substituir segundo a sugestão de H Simon 1957 a proposição F tem poder sobre S pela seguinte proposição a conduta de F causa a conduta sobre S A resposta é manifestamente não se se trata como o fez W H Riker 1964 de associar à análise do poder uma concepção da causalidade definida em termos de condição necessária e suficiente a linguagem da implicação recíproca não é aplicável ao poder tal como à maioria dos objectos da pesquisa em ciências sociais Mais globalmente se a complexidade do fenómeno nem por isso impede o recurso à noção de causalidade é preciso admitir que a retradução da ideia de poder numa linguagem metodológica apropriada choca com mais obstáculos que o que pensava Simon Além disso o paradigma inerente à análise da causalidade talvez não seja o mais fecundo neste domínio pela sua concentração unicamente nos resultados ele deixa escapar a dimensão estratégica do poder e não permite praticamente elucidar os seus modos específicos de acção Deste último ponto de vista convém sublinhar que a capacidade de impor sanções negativas desempenha um papel muitas vezes decisivo nas relações de poder O exercício do poder de A pode de facto encontrar resistências da parte de B e implica que esta eventual resistência seja vencida como bem sublinhou M Weber 1922a na sua definição do poder que faz dele a possibilidade de fazer triunfar no seio de uma relação social a sua própria vontade mesmo contra a resistência de outrem Mas o poder nem sempre choca com resistências Primeiro pode desencorajar toda a tentativa de 360 resistência por acções de prevenção ou de demonstração simbólica Seguidamente as relações de poder nem todas se reduzem ao modelo extremo do jogo de somatório nulo no qual todo o ganho de A traz consigo uma perda equivalente para B Por fim não há que descurar os casos em que um poder legítimo beneficia por um lado de um consentimento activo e por outro de uma aquiescência resignada da maioria daqueles sobre os quais se exerce Há pois que evitar oposições ingénuas entre legitimidade e força um poder legítimo reconhecese sem dúvida pela extensão do seu apoio mas também pelo direito reconhecido de obrigar um eventual recalcitrante É por isso que a análise dos modos de combinação entre coerção e legitimidade nas relações de poder nas quais D Wrong 1979 pôs justamente a tónica deve constituir um tema central da investigação sociológica neste domínio F C Aron 1964b Chazel 1974 Parsons 1967 Poliarquia Porque a noção de democracia lhes pareceu demasiado geral sociólogos políticos Dahl 1961 preferiram o termo poliarquia para designar de maneira mais precisa a forma assumida pela democracia nos regimes representativos ocidentais A democracia moderna não é e não pode ser o governo do povo pelo povo E este último nunca governa a não ser por delegação da sua soberania numa elite política por meio dos seus votos na pluralidade das candidaturas e dos partidos A lógica é a da representação política e da consulta eleitoral com as suas vicissitudes Quando se descreve a poliarquia como o lugar dos confrontos públicos entre patrões líderes 361 193 sindicais homens políticos quando se sublinha o pulular das associações de defesa de interesses diversos e o ímpeto de cada uma não se faz mais que descrever o funcionamento normal da democracia Num tal espaço o governo não pode ser senão o resultado de um compromisso negociado O que o termo poliarquia quer sublinhar é por um lado a pluralidade das forças políticas e dos centros de decisão capazes de se equilibrarem a fim de que seja garantida a liberdade por outro lado o facto de os detentores do poder terem a convicção da precariedade no tempo do seu reinado e opositores de ontem sabem que são opositores potenciais de amanhã É esse o espírito da poliarquia A A Polícia Instituição ou organismo encarregado de fazer respeitar a ordem em sentido amplo implementação e organização dessa ordem Para alguns não há polícia que não dependa do monopólio estatal ao passo que outros concebem polícias não estatais A polícia pública tornouse o provedor habitual da justiça penal Actua quer por sua iniciativa proactividade quer por impulso externo reactividade No primeiro caso garante a segurança do Estado e intervém sobretudo nos lugares públicos circulação rodoviária controlo de identidade Esta tarefa não corresponde no entanto a uma lista precisa de actividades definidoras do ofício de polícia No outro caso a vítima apresenta queixa tanto mais facilmente quanto o autor lhe é desconhecido autoridades políticas e 362 administrativas assim como pessoas privadas dirigemse à polícia de cada vez que nenhum outro organismo é competente ou está disponível A ordem pública estatal não se reduz ao que a polícia gere Uma multidão de órgãos administrativos fisco alfândega inspecção de trabalho ou paraadministrativos comissão das operações de Bolsa dispõe de poderes e efectua tarefas análogas em domínios especializados mas recorrem à transacção e à regularização de preferência à acção penal Além disso fenómeno fundamental da nossa época organismos privados e empresas desenvolvem autênticas polícias privadas no seu domínio de actividade recrutando agentes de segurança ou recorrendo a firmas especializadas A demanda penal é então apenas uma ultima ratio desse controlo privado que obedece a lógicas e a prioridades muito diferentes PH R Sociologie du travail 1985 Demonque 1983 Lévy 1987 Ocqueteau 1986 Polítia Grupo humano particular Vd Guerra Política sociologia Podemos dizer com alguns autores que a sociologia política consiste simplesmente no estudo sociológico da política mas esta fórmula permanece ambígua enquanto não nos pusermos de acordo sobre a noção de política e em particular sobre a sua extensão por si mesma não basta para circunscrever o domínio da sociologia política A sociologia política reconhecese primeiramente em algumas grandes orientações já 363 referenciáveis antes que a nova disciplina tivesse sido institucionalmente reconhecida Sob muitos aspectos M Weber 1922a pode ser considerado como o verdadeiro fundador da sociologia política por um lado sublinhou a importância 194 geral dos fenómenos de poder e de dominação por outro viu o critério da modernidade na emergência da burocracia com a total separação entre funcionários e meios de administração assim como a estrita especialização das tarefas que a caracterizam e portanto do Estado legal racional O seu discípulo R Michels 1911 pôs em evidência as tendências oligárquicas dos partidos políticos Avaliase assim o contributo dos weberianos para a constituição da sociologia política R Bendix e S Lipset 1957 fazem mesmo da dupla burocraciaoligarquia um dos eixos fundamentais da disciplina A sociologia política deve também muito à obra de um pioneiro Alexis de Tocqueville que tem o duplo mérito de analisar a mudança política eventualmente revolucionária a partir das características da sociedade global em que apareceu A sua postura implicitamente comparativa consiste em tirar lições da experiência americana à luz do caso francês em De la démocratie en Amérique 1835 ou em confrontar os destinos históricos contrastados da França e da Inglaterra em LAncien Régime et la Révolution 1856 Por fim a sociologia política soube tirar partido da herança de Marx Sem adoptar as soluções excessivamente deterministas que decorrem do seu modelo dominante 364 retoma por sua conta um certo número de problemas que ele propusera grau de concentração do poder económico relação entre poder económico e poder político condições de emergência e natureza das ideologias Estes temas directamente saídos da tradição clássica e que podem ser hoje abordados diferentemente nem por isso deixam de fazer parte integrante da sociologia política Basta acrescentarlhes os estudos eleitorais que estão plenamente inseridos no âmbito da sociologia política a partir do momento em que se interessam prioritariamente pelas bases sociais da diversidade política para termos uma imagem mais ou menos correcta das tendências dominantes da sociologia política nos anos 60 A partir de então dois objectos de estudo conquistaram progressivamente uma grande importância as políticas públicas por um lado e o processo de mobilização e os movimentos sociais por outro A análise das políticas públicas permitiu enriquecer consideravelmente o estudo das decisões encaradas doravante não já apenas na sua fase de elaboração mas também na da sua implementação O estudo das mobilizações e dos protestos colectivos chamou de novo a atenção para o poder virtual das acções dirigidas contra o Estado Contribuiu também para pôr em evidência a influência do parapolítico sobre o político A sociologia política mantémse assim fiel à sua vocação primeira contrariamente a uma opinião muitas vezes espalhada pelo menos em França sociologia política e ciência política não são simplesmente duas designações de uma única disciplina fundamental a sociologia política que não poderá reduzirse a uma perspectiva institucional examina os processos políticos a partir da sociedade convém pois não identificála 365 com a ciência política em geral mas reconhecer nela uma ciência do político que tem uma postura e objectivos específicos F C Birnbaum Chazel 1971 Dogan Pelassy 1982 Lipset 1960 Populismo O populismo em russo narodnichestvo designa o movimento 195 dos intelectuais russos como A Herzen e sobretudo N Tchernychevski que nos anos 18501880 se opôs ao czarismo Os populistas desconfiados relativamente ao liberalismo ocidental queriam educar os camponeses identificados com o povo nos quais viam os guardiões naturais das tradições e da alma russa para mobilizálos contra o despotismo e para fundar um comunismo agrário Marx e depois Lenine opuseramse aos populistas a quem censuravam o facto de não verem o carácter de classe da sociedade e a confusão que arrastava consigo a noção de povo Actualmente e por analogia denominase populista todo o movimento ou toda a doutrina que faz apelo de maneira exclusiva ao povo ou às massas de maneira indiferenciada e por vezes mística São neles secundários os antagonismos de classe é negado o papel do proletariado urbano e das suas organizações como vanguarda revolucionária A ideologia populista está muito espalhada nos países antigamente colonizados ou semifeudais e 366 conciliase muitas vezes com um poder ditatorial evidentemente antiimperialista A A Positivismo e neopositivismo O positivismo cujo pai em filosofia é Auguste Comte definese primeiro pela recusa de toda a legitimidade da metafísica O princípio do conhecimento consiste em partir do observável e aterse a ele O pensamento só pode atingir relações e leis A interrogação sobre os fins e sobre a essência oculta das coisas não é mais que ilusão religiosa O neopositivismo lógico do círculo de Viena aparentase com este positivismo pela mesma recusa de reconhecer toda a pretensão filosófica a um saber distinto do saber científico entendido stricto sensu A metafísica é citada como o exemplo da ausência de sentido gerada pelo menosprezo da lógica real da linguagem Quanto ao critério de verdade objectiva ele só pode ser o critério da experiência sensível O positivismo sociológico e o neopositivismo são evidentemente fiéis a este conjunto de princípios epistemológicos e postulam que o tratamento matemático e lógico dos factos e a prova empírica são as fontes exclusivas de uma sociologia científica que exclui qualquer outro projecto para além da descoberta entre os factos de relações constantes de semelhança de sucessão ou de interacção A A Potlatch Dom cerimonial orientado para a conquista ou manutenção do prestígio O potlatch palavra da língua índia nootka foi observado entre os índios da costa noroeste dos Estados Unidos da América designadamente entre os 367 Kwakiutl por F Boas Aplicase a festas dadas por ocasião de cerimónias habituais nascimento casamento iniciação etc ou provocadas durante as quais os anfitriões distribuem aos seus convidados toda a espécie de bens Obrigados a aceitar os donatários vêemse obrigados sob pena de perderem o rosto e o seu prestígio a retribuir dando eventualmente ainda mais A rivalidade pela categoria social entre chefes de clã famílias confrarias traduzse também pela destruição de bens por ocasião das cerimónias M Mauss 1925 que falava a propósito do potlatch de prestações totais de tipo agonístico via aí o protótipo do sistema de trocadom característico de numerosíssimas sociedades arcaicas Muitos durkheimianos Mauss G Davy 1922 M Granet 196 atribuíam um lugar central à instituição do potlatch na evolução das sociedades humanas vendo nela um período de transição em que aparecem as diferenciações hierárquicas a individualização da autoridade as premissas do direito contratual a particularização dos cultos Goudineau 1986 PH BD Preconceito Estreitamente ligada à noção de atitude por um lado e à de estereótipo por outro a ideia de preconceito foi elaborada por sociólogos americanos para explicar o fenómeno do racismo G W Allport 1954 definiuo como o juízo feito sobre um grupo antes de qualquer experiência e análise tem portanto uma função de simplificação ao permitir a implementação de um processo de categorização 368 social e ao fazer apelo a uma causalidade unidimensional funciona com base no princípio da generalização todo o grupo e cada um dos seus membros indistintamente leva as marcas estereotipadas que o estabelecem numa singularidade O preconceito implica ao mesmo tempo naqueles que o utilizam uma componente afectiva e valorativa que não é determinada pela realidade do grupo objecto do preconceito T Adorno e os seus colaboradores 1950 mostraram que no indivíduo o preconceito e mais em geral a atitude não podia ser isolado integrase no sistema que forma a sua personalidade Estas diversas características explicam por um lado que porque está ligado ao sistema de valores do sujeito o preconceito resiste fortemente a toda a informação contraditória mas por outro que o preconceito pode ter uma função de integração social pois que permite a criação de uma identidade colectiva entre os que partilham o mesmo preconceito Y C Predição criadora Adaptação dan expressão self fulfilling prophecy é a profecia que se realiza por si própria popularizada por R K Merton 1949 Tratase do mecanismo pelo qual o anúncio da previsão basta para produzir o acontecimento previsto O facto de uma autoridade reconhecida anunciar uma queda da Bolsa arrastará efectivamente a sua queda Exemplo particularmente marcante dos efeitos de composição a predição criadora tem um alcance muito geral e pode ser alargada ao caso das crenças colectivas que embora sem fundamento objectivo se verificam e se mantêm porque produzem efeitos conformes com o que enunciam Falase de 369 predição destruidora a propósito do mesmo mecanismo funcionando no outro sentido a previsão de um acontecimento impede a sua realização Uma sondagem pré eleitoral pode ter uma função de predição criadora se leva os eleitores a votar pelo candidato melhor colocado ou de predição destruidora se os leva a votar contra PH BD Profetismo Por profetismo designase uma constelação de papéis sociais que remetem para o tipo central do profeta Este Weber 1922a 1921a é uma personagem que sai do comum e é característica dos períodos de crise pretende ter uma vocação uma missão e um carisma religioso pessoais reconhecidos por um grupo de discípulos Geralmente leigo e tendo usurpado a sua missão opõese ao mesmo tempo ao sacerdote e ao mágico M Weber 1920 insistiu no papel importante que o profetismo judaico 197 e cristão profecia ética desempenhou na racionalização das atitudes da vida quotidiana no Ocidente a ascese monástica extramundana e o protestantismo ascético intramundano do puritanismo e das seitas foram os portadores e os motores deste processo Em contrapartida o profetismo exemplar extremooriental mais voltado para a meditação que para a ascese ética no mundo não produziu em geral os mesmos efeitos Próximos do profeta mas não se confundindo com ele encontramse Weber 1922a 1921a os reformadores religiosos e sociais o legislador Moisés por exemplo e 370 sobretudo o demagogo Por este último termo Weber 1921b entende o político por vocação que pretende ter uma missão e a vê reconhecida por partidários esta missão apoiase num passado heróico ou na pretensão a uma relação pessoal privilegiada com a nação o povo o partido etc O demagogo é o profeta político dos tempos modernos estes últimos nem por isso estão necessariamente desprovidos de profetas religiosos J S Profissão Durante muito tempo as profissões foram identificadas com as profissões liberais que longe de desaparecerem aquando do advento do capitalismo industrial antes se desenvolveram nas suas margens Por isso vemos os sociólogos interessaremse por elas desde muito cedo É Durkheim 1893 interrogavase já sobre o papel das corporações que ele considerava essenciais ao funcionamento democrático da sociedade Essa ideia será sistematizada por T Parsons numa perspectiva funcionalista Mas entrementes o estudo das profissões tornarase um tema recorrente da sociedade americana Herpin 1973 Em 1915 S Flexner a propósito do exercício da medicina do direito da engenharia e das artes enumerava os seus atributos distintivos aos quais se referiram todos os que seguidamente abordaram o domínio das profissões Três critérios ocorrem sobretudo na maioria das definições a especialização do saber que traz consigo uma determinação precisa e autónoma das regras da actividade uma formação intelectual de nível superior que supõe a existência de escolas de formação devidamente reconhecidas um ideal de serviço que apela ao estabelecimento de um código 371 deontológico e ao seu controlo pelos pares Em todos os casos estudados que incidem sobre profissões liberais sublinhase a implantação progressiva dos mesmos elementos significativos no quadro de uma sociedade que parece ganha pelos valores profissionais Donde a tentação de utilizar o conceito fora do seu quadro de origem estendendoo às ocupações assalariadas Mas essa é uma postura arriscada porquanto a profissionalização de certas actividades como a dos engenheiros tropeça numa tendência geral contrária a burocratização que não favorece a autonomia nem o ideal de serviço Nestes últimos anos multiplicaramse as críticas em relação à profissão e ao modelo funcional subjacente Maurice 1972 A comunidade liberal já não é apresentada como um meio sociocultural homogéneo como se vê no direito ou na arquitectura Moulin 1973 O profissionalismo reconhecido dos quadros é uma falsa aparência para assalariados que jamais terão acesso às funções dirigentes Já não estamos no tempo em que o conceito parecia dever transformar a sociologia do trabalho A profissão pode ser abordada como uma forma de 198 actividade entre outras no contexto global da divisão social do trabalho F G Progresso A noção de progresso implica que a história tem um sentido e que esse sentido é linear contínuo que vai da noite para o dia da indigência para a abundância da selvajaria para a civilização em suma vai em direcção ao 372 Verdadeiro e ao Bem confundidos num só objectivo Este progresso na história é gerado pela acumulação indefinida dos progressos técnicos que permitem o domínio da natureza e geram por sua vez o progresso da consciência Identificase com o progresso da Razão Pode evidentemente limitarse a noção de progresso a uma dada sociedade e ao sistema de valores que é o seu É o que pretende o sociólogo que não faz do progresso um conceito mas uma crença que ele tem de estudar como tal Quanto ao conceito preferirá o de desenvolvimento desenvolvimento económico desenvolvimento político etc É com Condorcet e a sua obra póstuma 1795 que o progresso faz a sua entrada na cena intelectual e política O autor a partir de um quadro exaustivo das épocas da humanidade estabelece a lei que governa o seu curso a aquisição do conhecimento o aperfeiçoamento das técnicas o aumento das riquezas que daí decorre trazem a felicidade a segurança num mundo pacificado Esta crença optimista na história constitui o essencial do pensamento republicano do séc XIX que gostava de conjugar progresso científico e progresso moral O séc XX será por seu turno o das desilusões do progresso para retomar o título do livro de R Aron publicado em 1969 Viuse nele que o crescimento económico não gera necessariamente a eliminação das desigualdades nem a reconciliação entre os homens e menos ainda entre os povos Opõese por vezes sem razão a noção de progresso à de tradição Com efeito a dupla válida é a de progressodeclínio na medida em que opõe duas filosofias da história semelhantes mas de sinais contrários A A 373 Proletariado Designase sob este termo a classe dos mais desfavorecidos que na sociedade capitalista tem como única riqueza uma força de trabalho que tem de vender aos proprietários dos meios de produção A noção de proletariado difere da de classe operária A classe operária elemento da estratificação social é um objecto de investigação sociológica banal O proletariado remete para uma abordagem ideológica moral ou política da sociedade Do que se trata é de designar a classe dos pobres dos excluídos e de interrogarse sobre o seu destino histórico É assim que com Marx o proletariado será esse messias que porque encarna a privação integral pode tornar se o agente pelo qual a humanidade acaba com a sua infelicidade secular exploração do homem pelo homem e recupera a sua própria substância Não podemos compreender a noção de proletariado se a não referirmos ao duro período dos inícios da industrialização Villermé 1840 Mas o proletariado tornou se classe integrada na sociedade e dispõe de fortes aparelhos para defender os seus interesses materiais e morais O nosso mundo já não é o que é descrito por E Sue ou mesmo por É Zola A A 199 Prospectiva O adjectivo prospectiva que existia em T Gautier com o sentido de voltado para o futuro foi transformado em substantivo por G Berger 1957 para designar uma atitude de espírito que encara o futuro não 374 como uma realidade escrita antecipadamente que se pode descobrir cientificamente mas como o resultado por vezes involuntário das acções humanas no diaadia Mais ou menos na mesma altura B de Jouvenel 1964 criava a noção próxima de futuriveis para designar os descendentes do estado presente que nos aparecem actualmente possíveis Esta perspectiva não é inteiramente nova Desde a Antiguidade os homens esforçaramse de facto não apenas por adivinhar o futuro mas também por desenhar o rosto que desejariam que ele assumisse Cazes 1986 Mas tratase essencialmente de imagens do futuro cuja procura era inteiramente passiva ao passo que a oferta era marcada por um nítido amadorismo A mudança verificada após 1945 traduzse pelo contrário por um duplo movimento de institucionalização e de profissionalização das reflexões sobre o futuro Houve em primeiro lugar fixação institucional no sentido de que as pesquisas sobre o futuro são doravante uma preocupação permanente das grandes empresas dos governos das organizações internacionais Estes consumidores de prospectiva não se limitam a acompanhar o que se publica mas encomendam sistematicamente estudos sobre o futuro à medida do presidente H Truman que durante a Guerra da Coreia criou em 1951 a Comissão Paley encarregada de examinar as necessidades dos Estados Unidos em recursos naturais no horizonte 1975 A prospectiva acabou por profissionalizarse porque os seus praticantes manejam instrumentos muito diversos extrapolação de tendência modelização cenários etc Esta sofisticação metodológica não deve fazer esquecer que permanecemos ainda muito desguarnecidos face a três 375 questões fundamentais 1 que elementos da realidade presente se manterão invariantes 2 que tendências fortes estamos em posição de prolongar 3 que novidades sobreviverão sem préaviso infirmando simultaneamente as conjecturas tiradas do ajustamento das invariantes e das tendências fortes B C Lesourne Godet 1985 PROUDHON PierreJoseph teórico socialista francês Besançon 1809 Paris 1865 Desde a publicação do seu memorial em 1840 Questce que la propriété tornase um dos mais importantes teóricos do socialismo francês O seu livro de 1846 Système des contradictions économiques suscitou a crítica de Marx e a ruptura das suas relações Deputado em 1848 depois preso durante três anos não deixou de polemizar contra o Segundo Império e foi de novo condenado após a publicação de De la justice dans la révolution et dans lÉglise 1858 Não pôde acabar a sua última obra escrita De la capacité politique des classes ouvrières 1865 Uma tríplice crítica atravessa as suas obras crítica da propriedade privada dos capitais e da desigualdade denúncia do Estado centralizador fonte da alienação política crítica das religiões e de toda a ideologia da transcendência A estas três alienações opõe Proudhon uma organização autogestionária da produção o federalismo social e político uma moral exigente fundada na justiça Esta filosofia social comporta um conjunto de indicações 376 200 de carácter sociológico sobre o pluralismo social a violência do Estado centralizado as formas de resistência às opressões o carácter destruidor das ideologias políticas o dinamismo dos grupos naturais P A Ansart 1967 Bancal 1970 Haubtmann 1982 Voyenne 1973 Psicanálise e sociologia A psicanálise ciência do inconsciente não ultrapassa os seus direitos quando estende a sua pesquisa e a sua interrogação às produções simbólicas que constituem o tecido social Certas obras de S Freud 1913 1927 1929 1939 fazem parte do campo sociológico de maneira original Depois de Freud a psicanálise foi utilizada como instrumento de pesquisa por numerosos etnólogos e sociólogos que viam nela a chave que abria as portas do simbolismo social Isso fezse muitas vezes a partir de uma analogia rápida com o sonho Mas o mau uso da psicanálise não deve hipotecar o seu uso legítimo Certos temas de Freud que dizem respeito ao sociólogo merecem ser retidos a universalidade do complexo de Édipo que fornece um modelo para esclarecer a articulação de civilização interdito culpabilidade rituais o conflito original entre Eros e pulsão de morte que permite avançar explicações quanto aos fenómenos sociais paradoxais ou paroxísticos a lógica do inconsciente tal como ela se apresenta nos sonhos nas neuroses etc e que induz hipóteses para apreender o espaço codificado das produções simbólicas diversas A psicanálise não é uma chave para o sociólogo é um 377 conjunto de indicações e de advertências que ele faria mal em não ter em conta A A Publicidade O conceito de publicidade designa não tanto uma coisa como um movimento que vai do privado ao público enquanto actividade económica a publicidade contemporânea referese a um processo de promoção comercial realizado por meio de anúncios e pelo jogo de três actores o anunciador que emite a mensagem o suporte que difunde o anúncio no público e a agência que concebe e realiza os produtos publicitários O agente de publicidade aparece por volta de 1840 e desenvolvese depois como intermédio entre os anunciadores e os suportes A agênciaconselho moderna articula a sua estrutura em função deste papel fundamental criativos e comerciais colaboram nela para fabricar anúncios de todas as espécies e organizálos em campanhas de publicidade em função das necessidades dos anunciadores e dos suportes No início do séc XX elaborase nos Estados Unidos uma disciplina nova o marketing A publicidade figura nela como um fluxo de informações económicas que vão da oferta para a procura simétrica e inversa de um fluxo de estudos de mercados económicos e psicológicos que informam os anunciadores sobre os alvos visados pelas suas campanhas Duas expressões tentam descrever a influência exercida pela publicidade de massa a sociedade de consumo supõe que o sistema do marketing não se regula por si próprio mas suscita cronicamente um sobreaquecimento da máquina económica alimentada por uma estimulação publicitária abusiva A sociedade do espectáculo denuncia uma 378 situação em que a produção de sinais se substitui progressivamente à dos bens reais em que os próprios anúncios se consomem A crítica marxista por seu turno continua 201 a ver no reclamo o instrumento da dominação de uma classe sobre o conjunto da população Ao nível dos factos verifica se que a pressão publicitária que mede o investimento em anúncios por habitante depende sobretudo do grau de desenvolvimento industrial mas também que ela varia notavelmente de país para país Em 1985 andava à volta de 66 dólares nos países desenvolvidos 60 em França e ultrapassava 200 dólares em quatro Estados Unidos Suíça Finlândia e Emirados Árabes Pelo que se refere à coacção social as partes envolvidas na actividade publicitária estão em situações tipicamente diferentes 1 o anunciador procura agarrar uma clientela e fazer com que a sua marca seja preferida às concorrentes A sua publicidade servelhe para estabelecer com o seu alvo relações extraeconómicas de ordem do desejo 2 o suporte procura optimizar as suas receitas que lhe vêm parcialmente dos anúncios que difunde Isso levao com frequência a evitar especializarse num público preciso mas tem então de aceitar exercer uma influência tanto mais incerta quanto se exerce sobre o conjunto fluido do grande público 3 por fim o publicitário vêse envolvido num dilema ou convencer muito pouco e perder os seus clientes 379 anunciadores ou convencer de mais e suscitar a hostilidade de uma opinião pública que tem constantemente de seduzir sem no entanto despertar a sua desconfiança para com a manipulação suave G L Públicoprivado Estas noções saíram da revolução das ideias que nascida no Ocidente no séc XVII fundou a democracia liberal Ao apresentarem como única fonte de legitimidade dos poderes a noção de contrato isto é ao definir de maneira precisa o espaço do político os liberais reivindicam os direitos originais do indivíduo e desenham as fronteiras para além das quais nenhum poder é legítimo tratase daquilo a que Hobbes chamava o foro interno ou seja liberdade de pensar e de crer A partir daí impõese uma distribuição entre espaço público e espaço privado constituindo um o domínio do Estado e o outro o dos egoísmos da sociedade civil As coisas são de facto mais complexas Há o espaço público da sociedade política o espaço privado da sociedade civil família propriedade privada mercado etc e o espaço privado da subjectividade individual Porque como abstrair do facto de que sociedade política e sociedade civil têm por único e mesmo fundamento o sujeito livre A evolução das sociedades liberais mostrou aliás que a separação a diferenciação de princípio dos domínios da sociedade civil e do Estado sem o que deixa de haver democracia liberal em nada contradizem o facto de uma crescente interrelação AA 380 202 203 Q Quadro Sob o ponto de vista das convenções colectivas os quadros e engenheiros aos quais estão associados definemse por referência a um diploma de escola superior que se supõe eles deterem Mas nenhuma nomenclatura assenta na tomada em consideração deste único critério Com frequência a experiência profissional vem disfarçar a ausência ou insuficiência do diploma porque a função de quadro requer iniciativa criatividade e responsabilidade no trabalho A despeito destas precisões os critérios oficiais não são satisfatórios O grupo dos quadros que progrediu desde há quinze anos a ponto de reunir perto de 10 por cento dos activos apresentase compósito se nos referirmos às suas trajectórias escolar e profissional aos seus rendimentos ou ao seu modo de vida Depois de terem tomado os quadros por uma categoria técnica que poderíamos encarar com critérios objectivos Benguigui Monjardet 1970 os sociólogos reataram contacto com uma certa tradição realista os quadros só teriam existido a partir do momento em que pela luta social e política 1936 foram etiquetados pelos outros e se identificaram como tais num jogo complexo de discurso e de autorepresentação no termo do qual o grupo se naturalizou Boltanski 1982 F G 381 Questionário Série de questões que se põe a um informador que podem envolver as suas opiniões as suas representações as suas crenças ou várias informações factuais sobre ele próprio ou o seu meio O questionário é o instrumento de base de todo o inquérito extensivo Pode ser administrado por um inquiridor directamente ou por telefone por Minitel ou minicomputador ou ainda proposto por escrito às pessoas interrogadas que o preenchem elas próprias questionário autoadministrado utilizado por exemplo nos inquéritos postais Cada um destes modos de administração apresenta características próprias nomeadamente no que se refere à duração e ao custo da outorga e à confiança que se pode conceder às respostas a certas questões delicadas Distinguemse as questões abertas nas quais a resposta é totalmente livre que representa para si a Revolução de 1789 e as questões fechadas que propõem uma lista de respostas na sua opinião a celebração do bicentenário da Revolução é um acontecimento muito importante medianamente importante pouco importante ou sem nenhuma importância As respostas às questões abertas são geralmente mais ricas mas têm de ser em seguida interpretadas e codificadas por análise do conteúdo Para os inquéritos por meio de inquiridor há uma forma intermédia as questões pré codificadas que se apresentam a quem responde como uma questão aberta mas para as quais o inquiridor interpreta a resposta e a codifica numa lista preestabelecida em vez de transcrevêlà integralmente A elaboração de um questionário exige uma sólida formação técnica e uma experiência do inquérito sob todas as suas formas O sociólogo tem de ser capaz de traduzir 382 cada uma das questões que ele próprio se põe num conjunto de perguntas concretas e escolher palavras que sejam compreendidas da mesma maneira por todas as pessoas interrogadas seja qual for o seu meio 204 social o seu nível de instrução ou a sua região de origem Além disso a ordem pela qual as questões são postas e a maneira como são enunciadas influenciam as respostas obtidas É por isso que a interpretação dos resultados de um inquérito por questionário só deve ser realizada por sociólogos competentes Como todo o instrumento de medida o questionário tem os seus limites Em vez de se adaptar à forma de pensamento da pessoa interrogada como faz a entrevista não directiva impõelhe um quadro rígido idêntico para todos aliás indispensável para comparar os respondentes entre si É por isso que o inquérito extensivo deve ser preparado por uma abordagem qualitativa utilizando a entrevista não directiva por exemplo cujos resultados servem de base para a elaboração do questionário Por outro lado o questionário é pouco apto ao estudo das redes de relações interindividuais Em contrapartida nas mãos de sociólogos experimentados o inquérito por questionário é uma ferramenta insubstituível para estudar as diferenças de opinião e acompanhar a sua evolução no tempo ou ainda para descrever a estrutura e as condições de vida de uma população JP G Javeau 1971 383 Quotidiano sociologia do Toda a sociologia que se ocupa do desenrolar habitual da vida social poderia ser considerada como uma sociologia do quotidiano Mas a vida de todos os dias pela sua regularidade temporal pelo facto de ser uma experiência universalmente vivida suscita interesses sociológicos mais específicos Ao estudálo o sociólogo espera ter acesso a um nível de realidade que escapa a análises mais globais e que tem uma importância decisiva no funcionamento da sociedade Desde G Simmel pelo menos 1917 o tema do quotidiano interessou correntes de pensamento diversas A escola de Chicago com os seus estudos espaciais e biográficos da cidade e das migrações e a maior parte das pesquisas interaccionistas por exemplo sobre o desvio ilustram bem a preocupação de captar a verdade do fenómeno social pela descrição qualitativa das formas da vida quotidiana Um objectivo análogo é por vezes atingido por métodos muito diferentes como o testemunha o estudo de P Lazarsfeld 1932 por exemplo que descobre o significado social do desemprego nas contas da vida quotidiana Seria preciso citar também a sociologia fenomenológica que procura no mundo da vida os modos de construção da realidade social Berger Luckmann 1966 Os trabalhos de E Gaffman sobre a encenação da vida quotidiana1956 e de H Garfinkel sobre os pressupostos da vida quotidiana 1967 merecem uma menção especial Devemos de facto a estes dois autores o terem prolongado as intuições de Simmel ao tratar as condutas banais da vida corrente conversações concertações para agir classificações dos objectos etc como um fenómeno sociológico de pleno direito Mostraram assim 384 empiricamente que os métodos práticos e as formas de vida quotidiana desempenham um papel essencial na manutenção da ordem social Em França a sociologia do quotidiano foi primeiro uma sociologia crítica Lefebvre 1947 inspirada no marxismo e que denuncia o domínio da ideologia burguesa e das relações mercantis sobre a vida de todos os dias Inspirandose nesta crítica algumas correntes literárias conferiram um atractivo particular às coisas G Perec por exemplo 205 do quotidiano atractivo testemunhado o também pela eclosão da Nova História Este interesse pela sociedade no quotidiano está presente em muitos estudos sociológicos recentes atentos ao significado endógeno das práticas e das situações concorrendo também para renovar os métodos qualitativos intervenção sociológica compilação de relatos de vida análise de interlocuções etc Nos seus trabalhos mais significativos a sociologia do quotidiano abre caminhos novos à sociologia concebida como ciência humana e ciência da descoberta Designa de facto de maneira precisa objectos que podem ser objecto de hipóteses demonstráveis como as formas linguísticas ou gestuais da intercompreensão P P Schütz 1971 206 385 207 R Raça racismo A raciologia ou estudo das raças remonta em França ao séc XVIII A palavra racisme só aparece em francês por volta de 1930 mas em inglês é muito mais antiga A raça foi primeiramente uma classificação em botânica e depois em zoologia aplicada ao homem era muitas vezes sinónimo de linhagem Teorias filosóficas e religiosas enxertamse muito rapidamente neste estudo Tendo Deus criado um universo completo essa completude exige que haja um intermediário entre todos os níveis da grande cadeia dos seres O homem branco está no topo dessa escala o homem negro em baixo e os grandes símios no ponto mais alto da escala dos animais No séc XVIII os antropólogos opõemse sobre a origem das raças os monogenistas pensam que a descendência do casal original Adão e Eva se diferenciou por degenerescência do tipo branco original Buffon ou pela melhoria graças à civilização até chegar ao Branco Os poligenistas entre os quais Voltaire rejeitam o relato do Génesis e crêem numa criação separada das diferentes raças Mas em geral monogenistas e poligenistas todos eles aceitam a ideia de raças distintas e de uma hierarquia entre elas Entre 1750 e 1870 os geólogos descobrem que a teoria bíblica dos 6000 anos não resiste aos seus estudos Os homens são muito mais antigos e contam a sua evolução em milhões de anos e a sua própria origem perde muito do seu 386 interesse Doravante prevalece apenas a necessidade de preservar a pureza da raça P Broca funda a Sociedade de Antropologia para estudar os cruzamentos e a suposta degenerescência dos mestiços Gobineau teme que as raças superiores combativas e conquistadoras ao misturaremse com os seus vencidos venham a degenerar e a desaparecer Ao longo do séc XIX começa a procurarse subdivisões no interior das grandes raças assim os NorteAfricanos considerados inicialmente como Brancos tornaramse uma raça à parte Ainda entre os Brancos distinguiramse as raças nórdica alpina e mediterrânica tendo cada uma as suas características próprias As diferentes teorias racistas aparecem como formas de hereditarismo concepção biológica e genética das diferenças que apresenta estas como fixas contra as quais não se pode ir e que estabelece em geral uma hierarquia de valor entre os grupos ou os indivíduos assim distinguidos Mais recentemente dirseia que se assiste a formas não já biológicas mas culturais de diferenciação de hierarquização e de rejeição Os sociólogos por seu turno procuram compreender como é que a partir dos critérios antropométricos ou culturais se chegou a criar uma hierarquia porquê e como se adere a esta concepção mais ou menos segundo as pessoas os grupos sociais os lugares ou as épocas O racismo é um aspecto do funcionamento social que se estuda como uma atitude particular e que se tentou ligar quer a personalidades particulares por exemplo a personalidade autoritária de T W Adorno quer a condições de crise quer ainda ao desejo de manter e de perpetuar a sua própria identidade B M 387 Taguieff 1988 Racionalidade A noção de racionalidade pode ser definida de várias 208 maneiras todas elas defensáveis Assim admitese por vezes que uma acção racional é a que testemunha uma adequação objectiva dos meios escolhidos relativamente aos fins prosseguidos Mas uma tal definição tem o inconveniente de ser muito estreita Tende a considerar como irracionais todas as acções que se afastam do caso simples que representa a decisão de tipo técnico a do engenheiro que constrói uma ponte e que escolhe determinado material por exemplo Uma definição mais ampla e sem dúvida mais útil para o sociólogo propõe que se considere uma acção como racional desde que possa emitirse a seu propósito um enunciado de tipo o indivíduo X tinha boas razões para fazer Y porque Esta definição tem relativamente à primeira a vantagem de poder aplicarse tanto às crenças como às acções X tinha boas razões para crer Y porque Tem além disso a vantagem de ter em conta o facto de muitas decisões ou acções poderem pela natureza das coisas ser objectivamente fundadas O caso simples do eleitor a quem se propõe que escolha entre duas políticas A e B ilustra bem este tipo de situação Geralmente ele não tem os meios para determinar com precisão o único ponto que verdadeiramente o interessa a saber os efeitos que as ditas políticas são susceptíveis de arrastar consigo ele terá pois boas razões para fixar a sua escolhe a partir de outras considerações 388 como os princípios em que se inspiram A e B ou eventualmente a sinceridade aparente dos homens que propõem A e B Embora esta definição seja ampla nem por isso traduz todas as crenças ou acções racionais Assim de uma mãe que por enervamento esbofeteia o seu filho dir seá Ela não tinha razões para esbofetear o filho mas Este comportamento é compreensível mas não é racional Quando o comportamento de outrem lhe parece estranho não vendo o observador razões para ele tende muitas vezes a interpretálo de maneira irracional como resultante de causas ou de forças que escapam ao controlo do próprio actor Assim os observadores ocidentais e mesmo certos etnólogos colocaram com frequência as práticas mágicas ao nível de superstições que se imporiam ao espírito dos primitivos As análises sociológicas mais conseguidas são muitas vezes as que conseguem mostrar que um comportamento ou uma crença que tendem a ser vistos como irracionais se explicam de facto por muito boas razões A teoria da magia de M Weber 1922a ou a de É Durkheim 1912 é exemplo clássico a este respeito R B Boudon 1988 Rede Uma empresa uma associação ou uma aldeia podem ser representadas como um conjunto de vínculos que unem entre si os membros do grupo Alguns indivíduos mantêm numerosos vínculos outros estão isolados A rede é a configuração das relações observadas A sua densidade a transitividade das relações o tamanho dos subgrupos são outras tantas propriedades desse conjunto 389 A estrutura da rede pode ser concebida como um constrangimento que actua como tal sobre os comportamentos Assim entre os operários urbanos ingleses E Bott 1957 estudou a família alargada como uma rede A mulher mantém vínculos privilegiados com a sua mãe após o casamento Consequentemente os dois esposos têm poucas actividades comuns A distribuição 209 das tarefas dentro do lar e a concepção que os cônjuges têm da familia são explicadas como consequências dessa forte integração da linhagem do lado das mulheres Esta abordagem não se limitou ao estudo do parentesco A noção de rede permite compreender porque é que uma localidade possui ou não a capacidade de agir colectivamente Galaskiewicz 1979 ou como é que um desempregado reencontra trabalho Granovetter 1973 Em vez de interpretar os comportamentos dos indivíduos a partir dos seus atributos intrínsecos sexo idade qualificação profissão a análise da rede toma como princípios a estrutura das relações nas quais esses indivíduos estão inseridos e põe a tónica nas modalidades de acesso aos recursos e às informações N H Regulação social Conjunto de pressões directas ou indirectas exercidas sobre os membros individuais ou colectivos de um grupo ou de uma sociedade para corrigir os seus desvios de comportamento de expressão ou de atitude em relação a regras e normas adoptadas pelo grupo social ou 390 pela sociedade considerada A regulação social difere da influência social pelo seu exercício consciente e deliberado exercido em nome do grupo ou da sociedade por órgãos específicos ou não específicos Com a socialização a regulação social contribui ao mesmo tempo para a manutenção flexível da estrutura social e para a sua adaptação BP L Comte 1826 Ross 1901 Landis 1939 Lécuyer 1967 Relações humanas movimento das Constituído nos Estados Unidos da América nos anos 30 à volta da personalidade de E Mayo o movimento das relações humanas conserva o seu impacte até cerca de 1950 Tal como a organização científica do trabalho OCT que se propõe suplantar o movimento das relações humanas é um esforço para analisar as relações de trabalho nas empresas e no termo dessas análises para reformálas É tal como a OCT indissociavelmente ideológico e científico Lécuyer 1988 O seu interesse principal reside actualmente na deslocação da análise para conceitos que designam objectos então novos Completou assim a OCT mais do que a suplantou e enriqueceu a sociologia Mottez 1971 Na base do movimento encontramse as experiências Hawthore conduzidas nas fábricas deste nome da Western Electric perto de Chicago de Novembro de 1924 a Fevereiro de 1933 Concebidas para resolver um problema tayloriano impacte da iluminação sobre a produção as experiências deslocamse progressivamente para a sugestão muito forte da ligação entre a satisfação no trabalho e os factores humanos 391 coesão do grupo bom entendimento com a chefia resistência à mudança F J Roethlisberger e L E Dickson 1939 B P Lécuyer 1988b A resistência à mudança é um tema favorito das relações humanas à escala de comunidades inteiras Warner 1951 1959 como a da empresa A mudança é melhor aceite pelos executantes se ela lhes for explicada por uma dinâmica de grupo De igual modo para a travagem F M Whyte 1955 retoma por sua conta as análises de F W Taylor mas completaas ao sublinhar o papel do grupo no estabelecimento de uma norma de produção que assegure o equilíbrio entre os membros um estimulante 210 colectivo seria por isso preferível Numerosas pesquisas foram consagradas no mesmo espírito às funções da direcção e à noção de moral que permite ligar o sentimento de satisfação aos comportamentos que asseguram rendimentos elevados Esses trabalhos foram integrados ao nível teórico por G C Homans 1946 1950 No fim dos anos 50 as pesquisas empíricas mostram progressivamente a estreiteza excessiva do ponto de vista das relações humanas estigmatizado a partir de 1940 por numerosas críticas que permaneceram a um nível demasiado geral Friedmann 1946 A atenção exclusiva dada aos grupos primários impede a tomada em consideração de factores estruturais indispensáveis quer à solução satisfatória dos problemas postos quer a uma definição mais satisfatória dos problemas É então a sociologia das organizações que tende a tomar posições 392 BP L Friedmann 1950 Relações profissionais Relações sociais estabelecidas à volta do trabalho assalariado acções às quais elas dão lugar conflitos negociações entabuladas por iniciativa dos assalariados dos empregadores ou das forças que eles representam sindicatos patronato poderes públicos configuração das regras que daí resultam desenvolvimento do direito social Sob a influência dos países de língua inglesa aquilo a que aí se chama relações industriais designa também um campo científico autónomo cujo objecto é distinguir sistemas nacionais e interpretar as suas diferenças As variáveis avançadas são os actores as regras de processo de fundo o contexto económico técnico político assim como o quadro ideológico em que envolvem os parceiros Dunlop 1958 Em sociologia a noção de sistema permite sublinhar os efeitos de interacção dinâmica a que dão lugar as relações profissionais Adam Reynaud 1978 Na França simultaneamente à institucionalização crescente do sindicalismo a tendência dominante é a da descentralização das relações para com a empresa Isso poderia invalidar a noção de relações profissionais atribuída a um modelo que favorecia o nível médio do ramo D SN Religião sociologia da Os trabalhos sociológicos actuais sobre a religião inspiramse em três fontes teóricas principais a dupla MarxEngels É Durkheim M Weber K Marx encara a religião como ideologia vê nela uma das 393 produções não materiais que toda a sociedade faz nascer Tal como o direito a moral as concepções políticas etc que um grupo ou uma sociedade para si cria a religião aparece necessariamente condicionada pelas relações sociais e políticas Reflexo de um mundo que tem necessidade de ilusões a religião é também a sua consciência invertida Exprime a miséria real das sociedades edificadas sobre a injustiça é também protesto em relação a essa miséria Contudo ópio do povo deve ser sujeita à crítica filosófica primeiro passo para uma crítica global da sociedade A sociologia religiosa de F Engels 1850 de carácter histórico articulase à volta do conceito de luta de classes que exerce efeitos diferenciadores no domínio religioso Sendo toda a religião disfarce de interesses de classe cada classe tem a sua legitimadora dos seus interesses Durkheim não se interessa pela história mas pela essência de toda a religião Para ele 211 uma religião é um sistema de crenças e de práticas relativas a coisas sagradas isto é separadas interditas crenças e práticas que unem numa mesma comunidade moral chamada Igreja todos os que a ela aderem 1912 Estamos aqui perante um fenómeno colectivo que se opõe à magia que é individual Em primeiro lugar a religião é para Durkheim administração do sagrado Encontrase assim referida ao domínio do extraquotidiano É nos grandes ajuntamentos periódicos que ritos e crenças religiosas exprimem ao máximo a sua intensidade e a sua predominância No culto o homem religioso experimenta a 394 coesão social como comunhão adora nele nos ritos e nos símbolos a sociedade que o constrange tal como ele a pode conceber lentamente como fonte de liberdade A vida quotidiana usa os sentimentos de força de coesão e o entusiasmo que os ajuntamentos culturais excepcionais criam Donde a necessidade da sua repetição periódica Assim é nos momentos de efervescência de tipo revolucionário que nascem as novas religiões quando as mais antigas se revelaram ultrapassadas Com Weber a sociologia religiosa regressa à matéria histórica e privilegia o comparatismo Isolando o processo de racionalização no cerne da modernidade como característica do Ocidente perguntase se ele não manteria relações com certas formas assumidas pelo cristianismo ocidental 1920 A partir daí impõeselhe a comparação dos cristianismos entre si e com as outras religiões Donde os seus trabalhos sobre as da China da Índia e sobre o judaísmo antigo 1921a Donde também o seu interesse pela religião como forma específica do agir social Donde ainda a interrogação que anima a sua obra quais são as religiões mais aptas a produzir uma finalização sistemática racionalização da vida quotidiana à volta da sua mensagem 1922a Por razões diversas o monaquismo e depois o protestantismo ascético puritanismo seitas foram segundo Weber os vectores privilegiados e sucessivos do processo ocidental de racionalização précapitalista O protestantismo ascético criou um tipo de homem em afinidade com o capitalismo individualismo democracia tolerância autonomia das formas do agir social etc 1920 e 1922a Weber nota que o cristianismo nisso herdeiro dos profetas de Israel desencantou o mundo antigo em seu proveito que 395 seguidamente racionalizou o agir social no Ocidente e que actualmente parece por fim vítima da sua própria dinâmica A modernidade para cuja criação contribuiu elimina a sua presença da esfera pública acantonandoo à esfera privada onde entra em concorrência com a arte os passatempos a família etc Seria o cristianismo religião da saída da religião Gauchet 1985 Perante o regresso do religioso muitos sociólogos perguntamse hoje se a modernidade se esgota verdadeiramente na secularização e no definhamento necessário da religião prognosticado por alguns Hervieu Léger 1986 J S Reprodução No vocabulário proposto originariamente por Marx 1867 um sistema está submetido a um processo de reprodução simples quando as saídas output do sistema 1 são estáveis 2 não afectam as condições de funcionamento mais precisamente a estrutura ou seja as características essenciais do sistema Assim certos sistemas económicos simples permanecem idênticos a si próprios no 212 tempo na sua estrutura e nas suas saídas Há reprodução alargada quando a estrutura do sistema se mantém estável embora as saídas do sistema sejam variáveis como no caso de um sistema agrícola cuja produção é crescente mas a estrutura estável Quando a estrutura do sistema evolui sob o efeito quer de factores externos quer de mudanças nas saídas do dito sistema falase de transformação Só sistemas 396 sociais simples e relativamente separados do seu meio ambiente podem ser duravelmente a sede de processo de reprodução R B Boudon 1973 Bourdieu Passeron 1970 Retrait A palavra retrait retreatism em inglês foi introduzida em sociologia por R K Merton 1949 para designar um tipo particular de desvio Tomemos o caso de um indivíduo que interiorizou fortemente ao mesmo tempo os valores os objectivos prescritos pela cultura e as normas que definem os meios lícitos que permitem atingir esses objectivos Se esse indivíduo falha utilizando meios lícitos nem por isso utilizará meios ilícitos em virtude dos interditos morais que fez seus Eliminará a contradição entre a valorização dos fins e a ausência de meios retirandose do jogo social rejeitando ao mesmo tempo os fins e os meios é esse o caso segundo Merton dos pedintes dos alcoólicos dos drogados ou dos doentes mentais R A Cloward e L E Ohlin 1960 prolongaram esta análise vendo no retrait marginalidade o resultado de um duplo fracasso fracasso no acesso aos meios lícitos mas também no acesso aos meios ilícitos que nem sempre estão disponíveis e devem ser objecto de uma aprendizagem cultural Esta explicação permite localizar os comportamentos de retrait marginalidade nas classes desfavorecidas ao passo que a de Merton quase só poderia aplicarse às pessoas saídas das classes médias ou superiores PH BD Besnard 1987 397 Revolução Ruptura profunda consecutiva de uma mudança rápida e violenta da ordem social e política numa sociedade Contrariamente aos golpes de Estado as revoluções não visam uma simples renovação do escol dirigente Uma importante participação popular associada a um alto grau de violência constituem com frequência as suas duas características principais Mas os movimentos colectivos que recorrem à violência não se catalogam todos na categoria de fenómenos revolucionários Para tanto seria ainda necessário que eles tivessem como objectivo uma mudança radical da ordem social e política existente Ora por muito violentas que possam ter sido as revoltas camponesas do séc XVI mantinhamse prisioneiras da tradição O mesmo acontece com os movimentos milenaristas se é possível que certos movimentos de inspiração religiosa adquiram uma dimensão revolucionária na maioria das vezes esses movimentos têm como única finalidade resistir a um desmoronamento da ordem social Enquanto desafio à ordem instituída as revoluções supõem uma profunda crise de legitimação Na teoria marxista esta dimensão cultural é dissimulada pela dimensão económica a tónica é colocada nos antagonismos de classes Pode com Tocqueville juntarse ao carácter social das revoluções uma dimensão propriamente política tratarseá 213 então de pensar os processos revolucionários na sua relação com o Estado P M Chazel 1985 Furet 1983 Hagopian 1975 Marx 398 1895 Tocqueville 1856 Rito Conjunto de actos repetitivos e codificados muitas vezes solenes de ordem verbal gestual e postural de forte carga simbólica fundados na crença na força actuante de seres ou de poderes sacros com os quais o homem tenta comunicar em ordem a obter um efeito determinado Por extensão o termo designa toda a conduta estereotipada repetitiva e compulsiva ritos de sedução no animal de submissão de marcação de um território O rito deve considerarse analiticamente 1 como sequência temporal de acções um rito sistémico total iniciação recortase em ritos sistémicos elementares purificação sacrifício cada sequência ritual comportando ritemas circumdeambulação e estes motivos sentido da giração número de voltas Muitas vezes a duração estruturada remete para uma duração estruturante a do mito ou do evento fundador que serve de paradigma à série dos ritemas 2 como conjunto de funções a situação dos actores indivíduos implorantes e poderes implorados a sua posição oficiante acólitos participantes e as suas condutas estereotipadas são teatralizadas huma espécie de drama instituído Funcionando segundo o eixo controlo dependência o rito sublinha ao mesmo tempo as relações assimétricas interindividuais a reciprocidade dos papéis e a partilha de ideais comuns 3 como estrutura teleológica dos valores numa linguagem alusiva exprimemse as escolhas primordiais de um grupo Verbalmente podem ser enunciadas aspirações a realizar e comportamentalmente são traduzidos hábitos éticos e preferências colectivas Ao conteúdo cognitivo juntase uma ressonância afectiva ligada à 399 participação à emoção à memória dos actores e espectadores 4 como meios simbólicos ordenados aos fins a realizar um lugar santuarizado um tempo definido e periódico objectos significativos estandarte pão ázimo máscara vestes atitudes punho levantado cautela são outras tantas metáforas que catalisam a imaginação e de intenção integradora 5 como sistema de comunicação em redes de permuta que comportam emissores transmissores e destinatários circulam mensagens que se inscrevem em sistemas de sinalização a partir de códigos culturalmente definidos M Mauss distingue os ritos positivos oração sacrifício etc e os negativos tabus ascese C R Cazeneuve 1971 Isambert 1979 Rivière 1988 Thomas 1975 Ritualismo Respeito exagerado pelas regras ou processos tónica excessiva colocada nos meios em detrimento dos fins Na tipologia do desvio de R K Merton 1949 o ritualismo designa a situação em que o indivíduo se conforma escrupulosamente com as normas que definem os meios lícitos da acção abandonando ao mesmo tempo os objectivos prescritos pela cultura ou pelo menos baixando os a um nível tal que as aspirações podem ser facilmente satisfeitas Esta redução do nível de aspiração é uma maneira de evitar exporse a uma situação frustrante Seria imputável segundo Merton a um tipo de socialização que põe fortemente a tónica nos imperativos morais 400 214 e particularmente espalhado na classe média PH BD Rumor Informação ou relato que se transmite oralmente e que assim se espalha Foi no decurso da Segunda Guerra Mundial nos Estados Unidos da América que o fenómeno dos rumores começou a ser seriamente estudado Investigadores registaram e estudaram os rumores então existentes descobriram alguns muito antigos nestes casos foram os folcloristas que tomaram o lugar dos psicólogos na investigação Outros rumores têm uma duração muito curta Tentouse lançar rumores a fim de ver se eles se propagavam como entre quem e porquê Cada rumor tem o seu público que avalia a verosimilhança da informação segundo a sua experiência as suas rejeições as suas aspirações as suas preocupações do momento Difundese portanto de maneira irregular na população Alguns contextos favorecemna o rumor atinge mais os quadros superiores que os operários mais os jovens que as pessoas idosas mais os meios de trabalho que os lugares privados ou de diversão Algumas experiências mostraram que o rumor se deforma ao espalharse modificandoo cada um sem se dar conta disso na maioria das vezes no sentido de estereótipos previamente existentes B M Allport Postman 1947 Kapferer 1987 Morin 1969 Rouquette 1975 401 Rural sociologia Análise dos factos sociais no campo a sociologia rural nasceu após a Segunda Guerra Mundial nos Estados Unidos da América a partir dos anos 20 de uma necessidade de conhecer melhor os agricultores Caracteriza se mais pelo seu campo de acção que por uma coloração teórica original Diversidade na unidade tal parece ser o traço essencial do mundo rural 1 diversidade dos tipos de paisagens regiões arborizadas campos abertos e das estruturas de exploração dimensão modos de exploração produções Longe de se esbaterem com a modernização dos campos estas diferenças perduram 2 unidade porque o fundamento das sociedades rurais é o mesmo em toda a parte a exploração familiar simbiose da empresa agrícola e da família camponesa orçamento único para a vida quotidiana da família e para a empresa Consequentemente as categorias da economia capitalista tais como lucro ou investimento são estranhas à mentalidade camponesa O camponês não procura o lucro a todo o custo mas produzir pelos seus próprios meios Assim contrariamente à indústria quanto mais a agricultura se mecaniza menos assalariados conta Estas características foram teorizadas de maneiras diversas tendo no entanto todas em comum o descreverem um mundo dominado económica política e culturalmente A sociologia rural empírica dedicouse a duas espécies de estudos a mudança e as monografias de aldeias Os primeiros relacionaramse primeiramente com a difusão da inovação imposta do exterior às sociedades rurais Os segundos desembocaram na única teoria global do campesinato elaborada até hoje Mendras 1967 as explorações familiares estão agrupadas em sociedades ou colectividades locais aldeias 402 incluídas como tais numa sociedade englobante nacional Só os notáveis são membros plenos de ambas as sociedades 215 A sociologia rural marxista recorre também à ideia de inclusão Para C Servolin 1972 regese por um modo de produção específica précapitalista o da pequena produção mercantil que não é destruído mas utilizado pelo capitalismo a lógica da exploração familiar permite exigir do camponês um trabalho que só seria aceite por operários mediante salários elevados Por seu turno o polaco J Tepicht 1973 elabora o conceito similar de economia camponesa Além disso após 40 anos de estudos a sociologia rural continua a ser mal denominada ela é acima de tudo sociologia dos agricultores Ora estes vãose tornando largamente minoritários nos campos A sociologia rural tem de adoptar se tal for possível uma abordagem teórica da ruralidade no seu conjunto M R Bodiguel 1986 Gervais Jollivet Tavernier 1974 Robert 1986 216 217 S 403 Sacrifício Enquanto instauração ritual e religiosa de uma relação entre dois pólos o sacrificante que pede ou provê e o poder destinatário concebido como fonte energética o sacrifício supõe como intermediário por um lado uma vítima ou uma matéria oblativa e por outro lado um sacrificador agente que executa ou dirige os ritos e eventualmente um altar considerado como acumulador de energia ou como lugar de oferenda Materialmente o sacrifício implica imolação ou abandono do objecto oferecido Espiritualizase quando reconhecimento de uma transcendência e homenagem de submissão é renúncia de um indivíduo aos seus próprios sentimentos e interesses para se oferecer ele próprio a Deus Que tenha sido inicialmente um dom interessado aos espíritos E B Tylor ou uma sobrevivência da morte dos homensdeuses J Frazer que a comunhão totémica tenha sido anterior à oblação sacrificial W R Smith eis outras tantas especulações que não podem comprovarse sobre a origem do sacrifício M Mauss 1969 e G Bataille fazem apenas uma aproximação à significação do sacrifício por meio de imagens o primeiro ao afirmar que o animal sacrificial é suposto transferir para o sacrificante a marca divina que recebeu da consagração o segundo ao supor que o sacrifício actua como a morte pelo facto de restituir um valor perdido através de um abandono desse valor A partir de casos africanos M Griaule insiste na redistribuição de energia a imolação liberta a força vital contida no sangue da vítima alimentada desse sangue a divindade faz em contrapartida beneficiar o homem de uma parte da sua força Quanto a R 404 Girard 1972 analisa o sacrifício como um esconjuro da violência para manter a ordem social pela via de um simulacro catártico Mas a variedade das formas de sacrifício desafia uma teoria unitária As diversas finalidades do sacrifício sugerem a seguinte tipologia 1 sacrifícios de expulsão de um mal purificação cura reparação esconjuro exorcismo 2 sacrifícios de propiciação pelo êxito de uma empresa 3 sacrifícios de acção de graças muitas vezes ligados aos anteriores nos sacrifícios votivos ou nas oferendas de primícias de colheitas 4 sacrifícios de sacralização de um lugar ou de um indivíduo aquando da sua iniciação C R Dieterlen et al 19761986 Van der Leeuw 1933 Saintsimonismo De 1802 a 1825 Henri de SaintSimon desenvolve uma crítica de ordem social e política afirma a inelutável regresso do sistema feudal e militar o triunfo da classe industrial e das capacidades o advento do sistema industrial organizado segundo um plano concertado Após o seu desaparecimento S A Bazard B P Enfantin rodeados de fervorosos discípulos fundaram a Escola e depois a Igreja SaintSimoniana Acentuaram a crítica económica ao denunciar segundo a sua expressão a exploração do homem pelo homem Inculpados em 1832 foram condenados no tribunal de 1ª instância Após 1850 os mais moderados dentre eles M Chevalier os irmãos Pereire participaram com sucesso no desenvolvimento do sistema bancário e na extensão dos caminhosdeferro Este movimento saintsimoniano teve influências 405 218 múltiplas sobre Auguste Comte assim como sobre Marx mas igualmente sobre as ideologias políticas e as mentalidades Historicamente a obra de SaintSimon marcou os inícios da industrialização e favoreceu o seu desenvolvimento muitas vezes considerada como fundadora das teorias socialistas a doutrina saintsimoniana constituiu mais amplamente uma primeira reflexão sobre as sociedades industriais e o seu futuro P A Ansart 1970 Charléty 1931 Perroux 1964 Durkheim 1928 Salário O salário não é apenas um rendimento monetário entregue por um empregador a um trabalhador que exerce uma actividade no quadro de uma empresa ou de uma administração durante um determinado lapso de tempo É primeiro que tudo a manifestação de uma relação social complexa Como o demonstrou M Weber o salariado supõe o trabalho livre isto é o direito que cada um tem de firmar livremente um contrato de trabalho com o possuidor dos meios materiais e financeiros de produção O trabalhador assalariado é na realidade um competidor no mercado do trabalho que não mantém vínculos de dependência pessoal com os dirigentes da empresa Pode movimentarse à sua vontade para procurar as condições mais favoráveis de emprego e de trabalho ou seja vender ou alugar a sua força de trabalho nas melhores condições possíveis A relação que mantém com o empregador é por conseguinte uma relação 406 ambivalente Por um lado tem interesse em que o dirigente da empresa possa obter lucro e assegurar assim a continuidade do emprego por outro tem interesse em que o montante do lucro não seja aumentado em detrimento dos salários É isso que explica que desde muito cedo os assalariados se tenham coligado para opor ao patronato uma força colectiva e obrigar a reconhecer que a remuneração da força de trabalho não é simplesmente um custo mas também um rendimento para um certo nível de consumo No entanto a união dos assalariados raramente é completa porque eles são na maioria das vezes concorrentes no mercado do trabalho e nem sempre têm interesses idênticos diversidade de profissões e de qualificações Esta relação entre empregadores e assalariados imprime uma dinâmica muito particular ao conjunto da sociedade Implica em primeiro lugar uma intervenção estatal para fixar e implementar regras mínimas de boa conduta de maneira que os conflitos não impeçam a cooperação Exige igualmente uma regulamentação jurídica extensiva para a protecção dos assalariados para além das relações contratuais individuais ou colectivas O Estado apresentase de facto como o garante da relação salarial e da sua reprodução alargada duração do trabalho salário mínimo determinação das grelhas de qualificação organização do mercado do trabalho indemnização e gratificação do desemprego Sêloá tanto mais quanto os sistemas de formação ganham cada vez mais importância na qualificação e na medida da força de trabalho Actualmente o salário reflecte cada vez menos um dispêndio de energia imediata e cada vez mais a retribuição de capacidades intelectuais específicas em vias de actualização 407 JM V Bartoli 1957 SCHUMPETER Joseph Alois economista austríaco Třešt Morávia 1883 Salisbury Connecticut 219 1950 Doutor da Universidade de Viena em 1906 foi ministro das Finanças no gabinete de O Bauer 19191920 depois director de um banco vienense Mas quanto ao essencial a sua carreira foi a de um economista professor da Universidade de Bona de 1925 a 1937 e depois na Harvard University até à sua morte É igualmente sociólogo Capitalisme socialisme et démocratie 1942 e historiador da economia Histoire de Lanalyse économique 1954 Desafia toda a catalogação de escola Em economia deve a sua primeira formação a E von BöhnBawerk e F von Wieser mas foi sobretudo marcado pela teoria do equilíbrio económico de L Walras Manifestou sempre um grande interesse pela tradição histórica e sociológica de W Sombart e de M Weber e sofreu particularmente o fascínio de K Marx recusando embora a teoria das classes e a ideia de autodestruição do capitalismo Reconhecelhe o mérito de ter tentado estabelecer uma teoria da evolução económica e procurado converter a teoria económica em análise histórica Em 1912 na sua Théorie de Lévolution économique Schumpeter mostrou que o motor do progresso reside na inovação definida como uma combinação nova dos factores de produção Sem ela a economia manterseia estacionária 408 e reduzirseia a um simples circuito reprodutor das condições do equilíbrio walrasiano É a inovação que cria o dinamismo e o lucro é ela que está na origem do juro e do crédito Em 1939 na sua teoria dos ciclos Schumpeter faz da inovação a causa explicativa dos ciclos económicos Três ciclos longos marcam a história do capitalismo 17871843 algodão aço máquinas fixas a vapor 18421897 caminhos deferro barcos a vapor 18971930 electricidade química automóvel Segundo Schumpeter o capitalismo é essa forma de economia à base de propriedade privada na qual a inovação é realizada por meio de empréstimos que resultam eles próprios da criação de crédito Em Capitalisme socialisme et démocratie mostra como a lógica económica do capitalismo fundada no lucro pela inovação se encontra nas nossas sociedades limitada pela lógica da democracia e contrariada por uma cultura cada vez mais hostil Contrariamente ao que Marx afirmou não é a evolução económica que condena o capitalismo mas a oposição crescente entre as exigências da economia capitalista e as da civilização à qual ele deu origem JC L Schumpeter 1929 Secularizaçãolaicização A unanimidade religiosa absoluta raramente foi a regra em qualquer país mesmo quando uma religião ou uma confissão nele dominava a vida pública e regulava a vida privada Com a Revolução Francesa a difusão da racionalidade científica e a técnica moderna a Revolução Industrial a urbanização industrial o nascimento de uma classe operária que escapa em grande parte à 409 influência das Igrejas e a laicização da vida social a relação entre religião e cultura tornouse no Ocidente cada vez mais problemática O pluralismo e a liberdade das opções religiosas individuais a indiferença religiosa e o ateísmo tornaramse elementos constitutivos da situação As instituições religiosas tradicionais tiveram de constatar a partir do séc XIX o declínio progressivo da sua influência a baixa da taxa de prática dos seus fiéis dificuldades crescentes no recrutamento do seu clero Destinadas a avaliar 220 a importância do fenómeno as sondagens de prática às quais G Le Bras e F Boulard ligaram o seu nome multiplicaramse entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o início dos anos 60 A procura de explicações científicas para o processo de descristianização registado abriu o caminho às teorias sociológicas da secularização A tónica passava assim da perda de influência constatada de uma religião descristianização para o carácter absolutamente não religioso neste sentido secular ou laico presumido constitutivo da modernidade Desde o fim do séc XIX M Weber tinha falado de um desencantamento do mundo devido à autonomização das esferas do agir social e à privatização da religião nas sociedades modernas As teorias da secularização propostas a partir dos anos 60 centravam o problema nas ideias desenvolvidas pelos clássicos da sociologia no que se refere à religião ao seu lugar e ao seu futuro nas sociedades modernas A obra de S Acquaviva 1961 prognosticando o eclipse do sagrado teve uma certa 410 retumbância As teorias de B R Wilson 1976 de D A Martin 1978 assim como as de P L Berger 1967 e de T Luckmann 1963 influenciaram igualmente a pesquisa de modo considerável Estes teóricos apresentam a secularização quer como um fenómeno de individualização da religião relativamente às instituições religiosas quer como uma adaptação da religião à modernidade quer ainda como um processo irreversível de marginalização social do religioso e das suas instituições Gauchet 1985 Em fins dos anos 70 o regresso do religioso eou do sagrado expressão infeliz forçou à reabertura de um dossier em vias de se fechar oporseão de facto modernidade e religião a ponto de não poder conceberse uma modernidade religiosa HervieuLéger 1986 É doravante a questão que se põe J S Segmentária sociedade É preciso distinguir nitidamente a segmentação social divisão de um grupo em subconjuntos separados pela sua existência e pela sua actividade e a noção de sociedade segmentária não se trata neste último caso de simples subdivisão em clãs subclãs linhagens e sublinhagens nem do simples processo de cisão em função do crescimento demográfico de deslocamentos mais ou menos importantes de querelas internas mas sim de um tipo de organização social sem governo estável recortado em segmentos e subsegmentos que se ressoldam segundo certas normas sociais para fazer face temporariamente a conflitos porque um princípio de solidariedade une esses segmentos graças à existência de uma moral e de rituais comuns A afirmação de pertença quer ao subsegmento quer ao 411 segmento quer ao conjunto varia segundo a origem das pressões exteriores Assim os segmentos A e A fundirse ão face à agressão de um membro de B que terá então como aliados os B porque a união de todos os A contra os B é requerida Mas solidariedade e hostilidade são questões de situação e de regras de pertença aos segmentos encaixados As tendências centrípetas afirmamse no perigo as tendências centrífugas na vida corrente Não mais na Córsega que entre os Nuer do Sudão estudados por E EvansPritchard 1939 a vindicta não destrói a unidade global e a solidariedade do grupo Entre os Tiv da Nigéria a organização segmentária permite a mobilização de 221 milhares de pessoas sem a ajuda de uma organização estatal C R Balandier 1967 Lombar 1972 Segregação A segregação é uma forma institucionalizada de distância social que se traduz por uma separação no espaço Essa separação ganha sentidos diferentes consoante os contextos sociais A segregação constitui o princípio de base da organização da aldeia na Índia tradicional fundada na separação absoluta das várias castas É imposta e sancionada pela lei no regime do apartheid na África do Sul justificada pelo princípio do desenvolvimento separado das várias componentes étnicas Pode ser costumeira e social por exemplo nas cidades do Magrebe na época colonial ou nas cidades americanas dos nossos dias onde os negros 412 continuam a habitar em bairros separados Taeuber Taeuber 1965 não parece neste último caso que os progressos globais da população negra sejam suficientes para atenuar ou eliminar a segregação As sociedades constituídas por populações de origens nacionais e religiosas diferentes são mais susceptíveis de conhecerem estes fenómenos de segregação Wirth 1928 Em França os bairros habitados por emigrantes incluem populações de origens variadas que se misturam com os Franceses do mesmo meio social ao passo que nos Estados Unidos país de imigração onde a consciência étnica permanece viva os bairros negros italianos ou chineses estão justapostos e separados uns dos outros Gans 1962 Williams 1964 Na sociologia crítica ou radical o conceito de segregação que em sociedades dominadas pelos valores de igualdade tem uma conotação fortemente pejorativa foi utilizado para designar toda a forma de repartição no espaço urbano mesmo não institucionalizada D S Seita vd Igreja e seita Senso comum Uma parte da tradição sociológica exerceu a sua crítica em sentido oposto ao do senso comum que assimilou a prenoções Durkheim 1895 ou a evidências imediatas e muitas vezes ilusórias Bourdieu et al 1968 P Bourdieu em particular 1980 considera o senso comum como um produto do ajustamento entre as situações e as inculcações ou hábitos que os indivíduos receberam ao longo da sua história Nesta perspectiva a sociologia tem de operar uma ruptura radical em relação ao senso comum dita 413 também corte epistemológico de maneira a descobrir relações objectivas que escapam à consciência dos agentes mas condicionam o seu comportamento O senso comum desempenha no entanto um papel essencial nas actividades sociais dado que é ele que permite às pessoas orientar as suas condutas umas em relação às outras Weber 1922b O senso comum põeem jogo um verdadeiro saber social Schütz 1971 partilhado pelos membros de uma sociedade e que lhes permite reconhecer as pessoas e as situações em função de certas características típicas como a profissão o estatuto social as finalidades e as normas de acção ligadas a funções institucionais Além disso fezse notar Garfinkel 1967 que a competência que permite ao senso comum exercer a sua sagacidade não é de uma natureza diferente da que fundamenta as análises efectuadas pelos sociólogos porquanto se trata em ambos os casos de interpretar factos sociais 222 Nesta perspectiva a sociologia não teria de corrigir os erros do senso comum mas sim de estudar as suas propriedades formais Contudo uma tal sociologia afastase fortemente dos processos do senso comum e confirma a contrario a especificidade do trabalho científico frente ao senso comum P P Sexualidade Tomado no seu sentido estrito o de numerosos sexólogos actuais o termo sexualidade designa o conjunto dos comportamentos que visam directamente o prazer erótico Mas é difícil dissociar as 414 práticas e os prazeres sexuais dos sentimentos que podem acompanhálos amor pudor ciúme etc e das representações por palavras imagens fantasmas que essas práticas essas sensações e esses sentimentos suscitam A sociologia da sexualidade tem de tomar em consideração a totalidade destes elementos O seu ponto de partida é a diversidade das atitudes e dos comportamentos sexuais diversidade no tempo na Europa Ocidental por exemplo a masturbação condenada pelos médicos no séc XVIII é em certos casos encorajada pelos sexólogos contemporâneos e diversidade no espaço os muçulmanos aceitam a poligamia simultânea ao passo que as sociedades influenciadas pelo cristianismo toleram a poligamia sucessiva isto é várias uniões livres eou casamentos ao longo de uma vida No que se refere à evolução recente e previsível dos países ditos desenvolvidos os sociólogos da sexualidade põem geralmente a tónica nas seguintes tendências 1 a proliferação dos discursos sobre a sexualidade mas igualmente das imagens qualificadas de eróticas ou de pornográficas 2 a progressão da concepção higienista da sexualidade encarada como uma técnica ou um passatempo sem risco 3 o progresso da contracepção como prática e como norma considerase que os nascimentos deveriam ser doravante desejados e programados 4 o florescimento da união livre primeiro nas jovens gerações das classes médias depois nos mais velhos e em outras camadas sociais 5 a masculinização dos comportamentos sexuais das mulheres sob o efeito do feminismo do igualitarismo democrático da extensão do trabalho assalariado feminino Um certo número de autores interrogase entretanto se a 415 liberalização sexual dos anos 60 e 70 não irá ser posta em causa na sequência do medo suscitado pelo vírus da sida Esse medo poderia nomeadamente contribuir para uma revalorização da virgindade e da fidelidade A B Ariès Béjin 1982 Balandier Béjin 1984 Garcia Guadilla 1981 Schelsky 1955 Símbolo social Segundo a etimologia grega a palavra referese ao sinal de reconhecimento de duas pessoas que possuem cada uma delas pedaços de um objecto quebrado que serve de meio de identificação Actualmente o símbolo associa um significante concreto gesto fórmula animal cor ponto cardeal a um significado geralmente abstracto e valorizado bandeira nação punho levantado protesto número 3 perfeição Diferente do do signo matemático ou linguístico que é uma convenção para uma compreensão e para operações logísticas o símbolo tem a ver com a expressão pela sua iconicidade e pela sua ressonância afectiva A acção simbólica por seu turno significa uma actividade de 223 substituição e de compensação à falta de um resultado obtido previamente Equívoco dentro de uma mesma cultura lua símbolo de fecundidade de feminidade de regime nocturno o mesmo símbolo pode ter várias dimensões política económica religiosa etc e entrar como elemento em diversos sistemas míticos e rituais Reveste significações diferentes segundo os povos elefante real na Índia poder 416 na África longevidade e segundo as circunstâncias históricas suástica cruz gamada Para É Durkheim e M Mauss os símbolos sociais dão sentido a estatutos e papéis desempenhados num cerimonial Traduzem a adesão de uma comunidade a valores que a especificam Para M Leenhardt e M Griaule é a ordem cósmica e social que uma cultura enuncia por metáfora nos seus sistemas simbólicos de mitos e de ritos Para além destes símbolos culturais C G Jung pressupõe a existência de arquétipos universais que exprimem as relações constantes entre o homem e o universo Descurando no simbolismo os seus aspectos cognitivo e objectivo S Freud encarao nomeadamente através do sonho como uma maneira de encobrir o recalcado e de operar um compromisso entre o prazer e a realidade G H Mead F de Saussure e E R Leach insistem sobretudo nos fenómenos de interacção e de comunicação que facilitam as associações simbólicas A semiologia indica a aura de sentido à volta de signos arbitrários e definidos Se o simbolismo remete por vezes para um imaginário desligado da realidade permite em outros casos a codificação de acontecimentos por meio de ritos que sãomarcadores de lugar e de identidade C R Alleau 1958 Augé 1979 Durand 1969 Eliade 1952 SIMMEL Georg filósofo e sociólogo alemão Berlim 1858 Estrasburgo 1918 Redescobrese actualmente em França a sociologia de Simmel que por duas vezes foi vítima do esquecimento primeiro por causa das reticências de É Durkheim depois em virtude da voga do estruturalismo e 417 do neomarxismo que entre 1960 e 1970 não reconheceram a legitimidade da sociologia da acção que inspira a sua obra Se a sua psicologia social pôde inspirar a escola de Chicago se os seus estudos sobre a galantaria a conversa e o segredo interessam os sociólogos da vida quotidiana o essencial do seu interesse está noutro lado Na sua opinião são as acções recíprocas que implicam necessariamente interacção com pelo menos um outro indivíduo que criam em cada indivíduo características que permaneceriam inexplicáveis se o considerássemos isoladamente Assim instaurou uma sociologia formal que abstraída dos conteúdos que têm a ver com outras ciências economia direito etc toma em conta as formas de uma socialização em vias de concretização em grupos sociais que correspondem a fins diferentes encontramse formas semelhantes forma da concorrência da hierarquia etc A sua sociologia das formas pretende graças à sua generalidade e à sua idealidade tornar inteligíveis sequências do real sem se aplicar a isso de maneira realista Não se trata pois de subsumir a vida social sob leis Entre as obras de Simmel traduzidas em francês contamse Philosophie de largent 1900 Problèmes de la philosophie de lhistoire 1892 L DG Simmel 1892 1900 1917 Simulação Técnica que permite experimentar sobre um modelo teórico 224 418 a fim de observar as consequências output de manipulações dos parâmetros de entrada do modelo input Por exemplo é possível construir vários modelos teóricos que visem explicar o funcionamento do sistema educativo a maneira como a origem social das crianças influencia sobre o seu sucesso escolar e a sua inserção profissional output e a maneira como esse funcionamento evolui sob a influência de factores económicos demográficos e políticos exteriores ao modelo input Um modelo deste tipo é necessariamente complexo se se pretender que ele traduza correctamente o conjunto das observações passadas e presentes é portanto difícil deduzir todas as implicações E então cómodo fazer virar esse modelo em computador como se se tratasse de uma maqueta da sociedade real e examinar as consequências sobre o sucesso escolar de certas decisões políticas Pode assim reconstituirse um passado hipotético que se teria passado se a III República tivesse criado um tronco comum indiferenciado para todos em vez de um ensino com dois ramos distintos ou experimentar diversos cenários para prognosticar a evolução do sistema e suas consequências sociais que se passará se se modificarem as modalidades de atribuição das bolsas de estudo quais seriam os efeitos a prazo de tal reforma tendo em conta a evolução demográfica A simulação de um modelo sociológico complexo é uma técnica muito flexível de exploração das consequências concretas de uma teoria Permite fazer previsões condicionais da forma se sobrevier tal acontecimento ou se se tomar tal decisão e se o meu modelo traduz completamente a realidade então observarseá tal resultado Esta técnica pode igualmente servir para 419 comparar entre si várias teorias relativas a um mesmo processo social JP G Sindicatos Associações privadas que representam um agrupamento de indivíduos ou de instituições encarregadas de defender os seus interesses sindicatos operários e patronais sindicatos de interesses locais O sindicalismo em França e na Europa está em crise senão mesmo em declínio O fenómeno é comummente apreciado a partir das taxas de sindicalização as taxas francesas baixaram em cerca de metade em 15 anos passando de 20 para cerca de 10 por cento Mas esta avaliação não é nem fiável nem verdadeiramente significativa do alcance da crise Mais importante é a combinação da dessindicalização com o movimento de institucionalização do sindicalismo as organizações acabam por apoiarse mais no seu eleitorado que nos seus aderentes mais no reconhecimento que o Estado lhes confere que no que lhe concedem os empregadores Por outro lado põese a questão da adaptação dos sindicatos a um salariado em evolução rápida e demasiado heterogénea para se reconhecer nos discursos unificadores herdados do passado A questão sindical dá lugar a duas orientações intelectuais diferentes Para quem privilegia o critério político o facto sindical reduzse a uma forma social contingente adaptada num dado momento da evolução do sistema democrático no contexto da III República o florescimento do sindicalismo permitiu conciliar a subida da consciência de classe e a salvaguarda da integração social De igual modo compensou os inconvenientes 420 225 individualistas do sufrágio universal ao legitimar uma concepção orgânica da representação dos interesses Rosanvallon 1988 Para quem observa o facto sindical de um ponto de vista propriamente sociológico a tónica é colocada na continuidade mais que nas rupturas além da coligação ter preexistido à organização o sindicato alimentouse na fonte das corporações do Antigo Regime A lógica sindical é em parte intangível não há acção colectiva sem afirmação de um princípio de solidariedade não há verdadeira participação na regulação produtiva sem aptidão para se manter órgão fundador de vida social Confrontadas com a crise sindical as duas teses não chegam ao mesmo prognóstico O primeiro anuncia uma reconversão radical do sindicalismo deixando de identificarse com o movimento social este é chamado a tornarse uma agência de serviços e de negociação trabalhando na redefinição das regras de abono na sociedade global Touraine 1984 A segunda aposta na existência de um futuro para um sindicalismo de movimento social na condição de este aceitar redefinir a sua identidade a partir das realidades do mundo do trabalho tal como ele é D SN Sistemas teoria dos Proposta em 1930 por L von Bertalanffy que elaborou a sua teoria geral em 1968 a noção de sistema serve para designar um objecto complexo formado por elementos distintos ligados entre si quer por relações de interacção quer por relações de interdependência 421 Tais elementos são considerados como subsistemas ou seja pertencem à mesma categoria que o conjunto de que fazem parte O sistema sendo aberto está por outro lado situado num meio com o qual está em interacção caso contrário tratase de um sistema fechado A ideia essencial é que o sistema constitui um todo de um grau de complexidade superior ao das suas partes isto é que tem propriedades próprias A teoria dos sistemas propõese ao mesmo tempo traduzir o estado do sistema num momento equilíbrio e as leis de transformação de um estado para o outro introduzindo entre outras a noção de retroacção em inglês feedback Em física mecânica termodinâmica em biologia e em cibernética a teoria dos sistemas recebeu numerosas e fecundas aplicações Actualmente o problema consiste em encarar a possibilidade de alargar este tipo de análise aos sistemas sociais que têm a particularidade de serem hipercomplexos Tentativas como a de M Crozier e a de E Friedberg 1977 ou a de A Wilden 1972 mostram que se é preciso evitar uma generalização demasiado apressada a teoria dos sistemas pode no entanto ser de uma grande utilidade na análise dos processos estratégicos Y C Sociabilidade O termo sociabilidade designa ao mesmo tempo o estado que resulta imediatamente das faculdades do homem estado de sociedade e um traço de psicologia colectiva atribuído a grupos mais ou menos alargados É esta última acepção que é introduzida nomeadamente por Mme de Genlis citada por Littré no início do séc XIX quando escreve que a temperança natural dos Franceses contribui 422 muito para essa sociabilidade que os distingue Definida por M Agulhon 1977 como a aptidão geral de uma população para viver intensamente as relações 226 públicas a sociabilidade apresenta uma série de conteúdos que o estudo dos caracteres nacionais dos temperamentos regionais e das mentalidades sociais permite especificar A nível doméstico poderseá distinguir como o propõe M Forsé 1981 uma sociabilidade interna centrada no lar e uma sociabilidade externa orientada para os amigos as relações de trabalho o meio social No entanto a sociabilidade reveste sobretudo formas nas quais sem razão não se quis ver senão as figuras da frivolidade e da futilidade mundana Com efeito para além da elaboração dos materiais necessários à vida colectiva e dos conteúdos próprios aos modos de participação social apercebemonos como pode operarse a sublimação da troca numa sociabilidade sem fins práticos e inteiramente centrada em personalidades que estão empenhadas em puras relações de reciprocidade Desta sociabilidade desligada de referências materiais G Simmel disse que ela é a forma lúdica da socialização 1918 A conversa que G de Tarde defniu como o exercício contínuo e universal da sociabilidade é uma das componentes essenciais desse jogo social traduzido pela categoria analítica de Geselligkeit mãe da delicadeza cria entre os conversadores uma igualdade fictícia mas é no fundo discriminante pelo teor dos assuntos sobre que incide Na verdade a troca de conversas num café num círculo 423 num salão etc é regulada por estratégias verbais saídas do processo de psicologização das relações sociais assinalado por N Elias Na medida em que os desníveis entre as condições se reduziram consideravelmente reforçouse a atenção à forma até tornarse um verdadeiro imperativo categórico Não é um acaso de linguagem escreve ainda Simmel se toda a sociabilidade atribui tanta importância à boa forma Os códigos de boas maneiras na época da III República exprimem essa importância assim como a preocupação de manter senão de recriar intervalos entre os grupos Tanto como os efeitos da mobilidade sobre a Geselligkeit eles manifestam a dimensão simbólica da vida colectiva o carácter convencional da existência social e a tensão entre o demasiado subjectivo e o demasiado objectivo que atravessa toda a sociabilidade B V Agulhon 1977 Socialismo O termo socialismo apareceu nos escritos de diferentes autores nos anos 1830 R Owen P Leroux para designar as doutrinas críticas relativamente ao liberalismo económico que apelam para uma organização económica que faz prevalecer o interesse geral por meio de um plano concertado A partir desta altura fortes divergências aparecem entre os socialismos qualificados de utópicos C Fourier e o socialismo que se pretende científico F Engels entre partidários de uma socialização dos meios de produção P J Proudhon e defensores da apropriação colectiva Marx entre estatistas e anarquistas Após 1870 o termo socialista é retomado por associações operárias 424 partidos políticos sindicatos operários seguidamente após 1920 para se diferenciar dos partidos comunistas O termo foi utilizado em múltiplas significações e entrou em palavras compostas radicalsocialismo socialdemocracia nacional socialismo etc em situações sociais e políticas muito diversas Sem corresponder actualmente a 227 uma definição única este termo designa uma orientação geral uma tendência a privilegiar os organismos e administrações públicas de preferência às iniciativas privadas nas relações entre o político e o económico a organização da propriedade a gestão das empresas P A Droz 19741978 Kriegel 1964 Ligou 1962 Socialização Em sentido forte socializar é transformar um indivíduo de um ser associal num ser social inculcandolhe modos de pensar de sentir de agir Uma das consequências da socialização é tornar estáveis as disposições do comportamento assim adquiridas Esta interiorização das normas e valores tem igualmente por função tornar suas as regras sociais que são por definição exteriores ao indivíduo e aumentar a solidariedade entre os membros do grupo Enquanto instrumento da regulação social permite a economia de sanções externas O grupo não tem necessidade neste sentido nem de lembrar indefinidamente ao indivíduo a existência dessas regras nem de exercer sobre ele uma coacção para que elas sejam observadas violálas gera um sentimento de culpabilidade Os estudos sobre a socialização 425 tentam pôr em evidência os processos pelos quais um indivíduo interioriza conteúdos e estruturas e analisar os efeitos desta interiorização sobre o comportamento Um dos objectivos destas pesquisas é fornecer uma solução ao problema da permanência através das gerações das culturas e subculturas específicas de certos grupos dos comportamentos de indivíduos que foram submetidos aos mesmos tipos de aprendizagem sejam eles linguísticos cognitivos políticos ou morais Estes estudos mostraram nomeadamente que existe uma forte semelhança de comportamentos políticos entre os filhos e seus pais que certos valores como o do sentido da solidariedade colectiva são mais privilegiados na classe operária que o sucesso individual que caracterizaria as classes médias Pretendeuse ver no sistema de valores interiorizado próprio da classe a que o indivíduo pertence a determinante do destino deste Com efeito esta definição da socialização supõe o primado da sociedade sobre o indivíduo o exercício de uma coacção por parte de uma autoridade considerada como legítima e um objectivo definido ao nível social Assenta além disso numa teoria rudimentar da aprendizagem como condicionamento O indivíduo é de facto pensado como um ser passivo cujo comportamento se resume a uma reprodução de esquemas adquiridos A esta visão determinista pode oporse uma concepção mais flexível que toma em consideração a relativa autonomia do indivíduo a capacidade deste para adaptar as disposições adquiridas às situações vividas e mesmo para modificar quando necessário as normas e valores interiorizados em função de certos problemas que é chamado a resolver 426 M C Bernstein 1971 Bordieu Passeron 1970 Durkheim 1922 1925 Percheron 1974 Sociedades tipos de A enumeração e a classificação das sociedades globais são uma das tarefas que os sociólogos se atribuíram desde a constituição da sua disciplina Os inventários e as tipologias que daí resultaram manifestam pela sua própria diversidade a relatividade de uma empresa que está em primeiro lugar estreitamente dependente 228 dos critérios escolhidos Além disso uma hierarquização das diferentes formas de organização social achase aí muitas vezes subreptícia ou abertamente associada A distribuição das sociedades entre diferentes tipos é solidária de qualificações tribal teocrática industrial que condensam os traços específicos respectivamente comuns a agrupamentos humanos Podemos classificar estes últimos em função do modo de ocupação do solo do volume e da densidade Distinguiremos assim as sociedades de caçadores e as de agricultores opondo o nomadismo pastoril ao tipo de vida sedentária É a partir deste ponto de vista que é o da morfologia social que É Durkheim estabeleceu os grandes tipos de estrutura social Da horda simples justaposição de indivíduos às sociedades polissegmentárias complexas passando pelo clã pelas sociedades polissegmentárias simples etc foram unidades sociais que ele combinou adiantando que as sociedades são tanto mais volumosas quanto mais avançadas A divisão do 427 trabalho forneceu a Durkheim um princípio geral de oposição entre a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica do mesmo modo que a análise do acordo social levou F Tönnies 1887 a distinguir o tipo comunitário e o tipo societário categorias fundamentais que seguidamente cruzou com as noções genéricas de relações agrupamentos e associações É igualmente qualificandoas de primitivas ou modernas de arcaicas ou desenvolvidas de tradicionais ou industriais de holistas ou individualistas que historiadores etnólogos e sociólogos distinguem os principais tipos de sociedades Estas séries de oposição assentam na tomada em consideração de variáveis diferentes Estas últimas são por exemplo essencialmente económicas na dupla tradicionalindustrial concebida a partir das mudanças consecutivas à Revolução Industrial a sua valorização corresponde portanto à do económico na sociedade moderna e é acompanhada de uma alteração dos caracteres originais das sociedades tradicionais Simples ou complexa a distribuição das sociedades em tipos distintos não chega em última análise a desligarse de um esquema evolutivo Se fica claro que o nomadismo pastoril não é inferior à vida sedentária é igualmente evidente que a corrente principal da evolução histórica vai da caça para a agricultura que traz consigo a fixação ao solo Centrada no papel determinante dos modos de produção a tipologia das sociedades globais em Marx reconduzse também a uma sucessão dialéctica de tipos sociais que vão da sociedade primitiva fundada no parentesco na apropriação colectiva do solo e das ocupações naturais caça pesca apanha à sociedade comunista sem classes A diferenciação complicase com a especificação dos modos de 428 produção escravista feudal germânica asiática capitalista socialista A questão da escolha dos critérios e dos tipos intermédios colocase igualmente a partir do momento em que se pretende classificar politicamente as sociedades Deste ponto de vista é preciso ter em conta a utilização do espaço a forma do governo e a estrutura da colectividade assim como o sistema jurídico em vigor Mas o critério fundamental será a atribuição do poder global A dupla preocupação de evitar toda a categorização prévia e de afinar ao máximo a tipologia das sociedades 229 globais levou G Gurvitch 1955 a distinguir uma enorme variedade de tipos sociais Decompôs as sociedades arcaicas em quatro espécies as sociedades históricas em seis carismáticas patriarcais feudais e as que são posteriores à Revolução Industrial dão lugar a uma longa enumeração sociedades democráticoliberais dirigistas planificadas de difícil exploração Privilegiando os sistemas de valores e as orientações fundamentais T Parsons 1966 propôs também ele uma tipologia complexa Voltamos pois à questão formulada por A Giddens a propósito da pesquisa dos princípios estruturais Quais são os níveis de abstracção que valem a pena ser distinguidos no estudo das propriedades estruturais dos sistemas sociais Para lhe responder abandonou o lado formal da tarefa para se pôr à procura de elementos situados mais perto do conteúdo empírico Definiu assim os princípios estruturais como princípios de organização das totalidades societais e mais 429 precisamente como conjunto de factores postos em jogo no alinhamento global das instituições de uma sociedade ou de um tipo de sociedade A distribuição dos tipos de sociedades em três grupos que ele propõe sociedade tribalsociedade dividida em classessociedade de classes tem o mérito de integrar um número bastante elevado de elementos distintivos sem cair na esquematização demasiado sumária nem na interminável enumeração B V Sociobiologia Este termo designa ao mesmo tempo uma teoria dos comportamentos sociais dos animais fundada na teoria da evolução a etologia e a genética das populações de que pretende ser a síntese e a sua extensão ao homem Esta distinção é importante porque o acolhimento que lhe foi feito é muito diferente se a primeira foi em geral bem aceite suscitando apenas discussões científicas normais a sua aplicação ao homem foi objecto de violentas polémicas Estes dois aspectos encontramse nas obras do seu fundador o especialista dos insectos sociais E O Wilson cuja obra principal foi publicada em 1975 Podemos tomar como ponto de partida um paradoxo a vida em sociedade implica que certos indivíduos se sacrifiquem pelos outros Se se admitir que este comportamento como todos os outros é geneticamente determinado como é que o gene que o impõe pôde manter se e portanto ter sido seleccionado uma vez que aquele que se sacrifica tem menos hipóteses de sobreviver e portanto de se reproduzir A resposta da sociobiologia é que a selecção e portanto a evolução incide de facto sobre genes e não sobre organismos A reprodução nunca é idêntica só os 430 genes se transmitem Se um indivíduo se sacrifica por parentes próximos favorece a reprodução destes e portanto a transmissão dos seus genes em particular daqueles que eles têm em comum O indivíduo pode ser altruísta mas éo para melhor permitir a perpetuação de um gene egoísta Raciocínios deste tipo permitiram à sociobiologia explicar um grande número de comportamentos sociais considerados como o produto de uma evolução cujo mecanismo principal é a evolução que incide sobre os genes e sobre as populações intervindo os indivíduos apenas como transmissores dos genes Enquanto a teoria sociobiológica incidia apenas sobre os animais foi relativamente bem aceite embora se lhe tenha oposto um certo número de objecções como o 230 facto de os genes jamais se exprimirem de maneira isolada mas sempre em interacção com outros é portanto difícil falar da tendência de um gene para reproduzirse Perguntou se também como é que um gene poderia reconhecer que um outro organismo traz um gene semelhante Mas a sociobiologia não se fica por aí pretende aplicar os mesmos raciocínios e portanto transpor a mesma concepção do determinismo genético ao homem tornandose a sociologia apenas um dos ramos da sociobiologia As hierarquias sociais os papéis masculino e feminino a homossexualidade etc são explicados pelo seu suposto papel na transmissão dos genes Como todos os hereditarismos dos quais ela é a forma mais recente a sociobiologia afirma um determinismo biológico rigoroso o 431 homem ou melhor a sociedade humana tais como os conhecemos são os produtos da evolução e portanto da selecção Os traços que observamos são os que esta conservou os que sobreviveram Subentendido é perigoso ou impossível tocar neles Neste sentido podemos interpretála como fundamentalmente conservadora e não deixou de se lhe censurar tal facto Mas o essencial das objecções está noutro lado ao fazer a transposição dos outros animais para o homem não se estará a menosprezar uma característica humana específica e essencial a cultura produto de uma função simbólica que não se encontra nos outros animais ou só neles está sob uma forma rudimentar e que permite senão libertar totalmente dos determinismos biológicos pelo menos modulálos Não se vê bem por exemplo como a preocupação de transmissão dos genes pode explicar a diversidade das culturas ou mesmo simplesmente tomálas em consideração Donde uma das censuras mais frequentemente dirigidas à sociobiologia a do etnocentrismo tomar como natureza humana os humanos da nossa sociedade ocidental actual B M Sahlins 1976 Veuille 1986 Wilson 1975 1978 Sociologia Uma grande diversidade caracteriza os objectivos e os métodos da sociologia Ela apresentase como a própria génese da disciplina a partir das tentativas de aritmética política de W Petty nos sécs XVII e XVII dos quadros descritivos de J P Süssmilch da matemática social de Condorcet Esta diversidade é também patente entre os dois precursores Montesquieu e JJ Rousseau entre a ciência recentemente criada por A Comte e a concepção que 432 dela tem É Durkheim De chofre a constituição da sociedade como objecto de análise provocou o aparecimento de múltiplos discursos sobre o carácter relativo ou mesmo artificial de enquadramentos sociais tidos até ao séc XVIII como imutáveis e garantidos pela divina Providência A sociologia crítica nomeadamente com a escola de Francoforte encontra a sua origem no processo intentado pelos filósofos das Luzes à sociedade que eles intimaram a comparecer perante o tribunal da Razão Após os abalos políticos do fim do século a Revolução Industrial teve igualmente como efeito orientar a reflexão para a reorganização geral das disposições sociais Este projecto construtivista inspirou no séc XIX especulações de toda a espécie umas ao lado da utopia como em H de SaintSimon e sobretudo C Fourier outras apoiadas por uma filosofia da história do tipo da que foi formulada 231 em 1936 por Comte na lei dos três estados A vontade de Marx de instituir uma sociedade sem classes tem igualmente a ver com esse desígnio de conjunto Podemos em última análise ligar a esta visão global do social os trabalhos de Durkheim de M Weber e de V Pareto Nas suas obras que constituem o corpus da sociologia clássica são as grandes componentes e as principais tendências da sociedade moderna que são estudadas por vias diferentes que se reúnem na integração sistemática de elementos tirados de todas as disciplinas constitutivas das ciências humanas o direito a história a economia a etnologia etc 433 Assim num contexto duplamente marcado pelo positivismo de Comte e pelo evolucionismo de H Spencer os objectivos visados a identificação de regularidades históricas o enunciado das leis da evolução ou o estabelecimento de grandes relações funcionais traduzem a preocupação de compreender o funcionamento da sociedade Diferentemente das outras ciências a sociologia não tinha de preocuparse com delimitar o seu domínio de investigação Os trabalhos que incidem sobre questões nitidamente circunscritas não têm no entanto faltado no séc XIX Ao escolher estudar a democracia na América e depois o Antigo Regime e a Revolução A de Tocqueville escapava à urgência de uma reorganização da sociedade europeia Numa direcção inteiramente diferente L A Quetelet aplicavase a introduzir o número e a medida na ciência do homem F Le Play e os seus discípulos multiplicavam as monografias sobre pequenas unidades sociais Estas pesquisas mostram bem a heterogeneidade dos quadros em que elas se inscrevem a filosofia política a sociologia quantitativa a sociografia descritiva Por razões que têm a ver com as suas orientações metodológicas ou ideológicas exerceram menos influência que as filosofias sociais e os estudos gerais da sociedade O desenvolvimento destas últimas foi acompanhado de uma exigência de positividade e de objectividade que se viu satisfeita pelo recurso às ciências físicas ou biológicas para explicar os fenómenos sociais daí derivam as metáforas mecanicistas e organicistas que abundam nas sociologias gerais Por outro lado a obsessão de afirmar a especificidade do social contra a singularidade subjectiva levou Durkheim a construir a sociologia fora de toda a referência à psicologia 434 tapando deliberadamente as vias fecundas abertas por G de Tarde para a psicologia social As vicissitudes os falsos debates indivíduosociedade e as falsas querelas qualitativoquantitativo que a sociologia conheceu nomeadamente na França devem relacionarse com essas orientações primeiras Devem sem dúvida ser tomadas em consideração como fez P Lazarsfeld as variações nacionais das acções sociológicas assim como os constrangimentos institucionais e materiais a que estas últimas estão sujeitas Mas notase em toda a parte uma partilha entre sociologia crítica e sociologia empírica filosofia social e sociografia pontos de vista especulativos e trabalhos descritivos Também por todo o lado ensaios e pesquisas distinguemse pelo nível privilegiado macrossociológico ou microssociológico o tipo de observação escolhido a natureza dos indicadores retidos Por todo o lado enfim o recorte quer horizontal por exemplo a sociologia urbana quer vertical por 232 exemplo a mobilidade social do terreno do sociólogo deu lugar a estudos especializados sem que desapareça a procura de uma teoria geral como testemunham T Parsons e G Gurvitch etc Numa época em que os media difundem informações que dão a cada indivíduo a ilusão de conhecer a sociedade em que vive uma dupla advertência histórica e metodológica sobre o que é a sociologia se impõe Começou com a recapitulação dos contributos anteriores que integram as contribuições a que não se tinha prestado suficiente atenção as de Tarde de G Simmel de G Mosca 435 por exemplo e com a implementação de princípios explicativos claramente definidos como os do individualismo metodológico conceptualizado por R Boudon B V Sociologismo Este termo designa não sem intenção pejorativa um modo de interpretação sociológica que atribui à sociedade um poder explicativo total na análise das condutas humanas Foi utilizado contra É Durkheim e os durkheimianos para denunciar os excessos de um preconceito metodológico que visa sistematicamente explicar os elementos pelo conjunto O sociologismo aparentase pois com o realismo totalitário oposto por J Piaget tanto ao individualismo atomista como ao interaccionismo relativista que credita à estrutura social o que é recusado ao indivíduo O individualismo metodológico é de algum modo a sua crítica B V Sociometria Embora esta palavra tenha em princípio uma significação muito geral medida do social acabou por identificarse com as técnicas elaboradas por J L Moreno 1934 para captar e medir as relações interpessoais dentro de um grupo O teste sociométrico consiste em perguntar a cada membro de um grupo restrito e natural formado por pessoas que já se conhecem com que outros membros do grupo desejaria associarse ou não associarse para determinada actividade ou em determinada situação O apuramento desta sondagem permite conhecer em função do volume das escolhas feitas ou recebidas e da sua 436 reciprocidade o estatuto de cada membro do grupo identificar os líderes ou estrelas sociométricas os isolados ou os excluídos fazer aparecer pares escolhas ou rejeições recíprocas tríades cadeias cliques que são subgrupos dentro de um grupo O conjunto destas relações e destas configurações pode ser representado num sociograma que permite visualizar a estrutura das relações afectivas dentro do grupo e ter uma ideia da sua coesão Na esteira de Moreno o inquérito sociométrico foi alargado à percepção por cada indivíduo das escolhas ou rejeições emitidas pelos outros membros do grupo e mesmo das suas expectativas de escolha PH BD Solidariedade políticas de As políticas de solidariedade podem ser definidas como o conjunto das acções públicas que exprimem e regulam a solidariedade social entendida como designando o estado pelo qual os membros de uma sociedade têm obrigações uns para com os outros e cada um para com todos Esta noção fundase portanto na verificação de uma interdependência de facto e nas obrigações que daí decorrem As políticas de solidariedade que dependem assim do Estado e dos seus diferentes segmentos só puderam 233 constituirse uma vez as solidariedades curtas familiares religiosas corporativas dissociadas pela industrialização e pela urbanização David 1982 Apoiamse numa reformulação da noção de solidariedade que implica uma 437 nova concepção da sociedade concebida como entidade solidária Autores do fim do séc XIX tais como É Durkheim 1893 ou L Bourgeois 1899 contribuíram muito particularmente a níveis distintos na elaboração dos fundamentos teóricos destas políticas O primeiro introduz a noção de solidariedade social orgânica oposta à de solidariedade mecânica ou por similitudes cuja manifestação mais visível é um novo tipo de regras jurídicas que promulgam sanções restitutivas e não já repressivas O segundo enuncia a doutrina do solidarismo que conferirá a sua legitimidade à legislação social do início do nosso século Cada um destes autores elabora à sua maneira a noção de solidariedade social colocandoa em relação com o Estado e o Direito Esta noção de solidariedade foi posta em acção graças à mediação da técnica de seguros Ewald 1986 Esta última vai permitir substituir o conceito de risco aos de responsabilidade e de falta os únicos inscritos na visão liberal de uma sociedade em que o indivíduo é considerado como a entidade primeira livre e responsável Assim as políticas de solidariedade pela instauração das políticas de seguro social depois de Segurança Social vão permitir ultrapassar a antinomia que existia entre por um lado os mecanismos do mercado próprios do liberalismo e suas consequências inigualitárias e por outro lado os valores de igualdade que estão na base da democracia Jobert 1985 O campo destas políticas de solidariedade não vai deixar de alargarse Foram primeiro concebidas como políticas de reparação dos riscos sociais reservadas a uma classe social definida por um fundo de recursos os Seguros Sociais e depois virão a ser mais tarde definidas como uma cobertura geral dos riscos à escala nacional que encarnará a 438 Segurança Social Por fim verificarseá que o exercício da solidariedade não pode ser reduzido a uma simples distribuição ex post de prestações reparadoras e que o tratamento dos riscos sociais implica em particular acções ex ante destinadas a diminuir as probabilidades de realização do risco A partir daí as políticas de solidariedade vão englobar uma multiplicidade de dispositivos de políticas sociais As políticas de solidariedade não se reduzem actualmente à distribuição de prestações aos segurados põem em jogo um feixe de processos multiformes de redistribuição e de regulação AM G SOMBART Werner economista alemão Ermsleben distr de Halle 1863 Berlim 1941 Sombart estudou direito economia história e filosofia antes de ensinar na Universidade de Breslau e depois na de Berlim Foi influenciado por G Schmoller e por M Weber por É Bernstein e por K Marx que ele tanto corrige como prolonga Em 1896 publicou Le Socialisme et le mouvement social ao XIXe siècle A obra contém vivas críticas do socialismo em geral e do marxismo em particular conheceu um grande sucesso e foi traduzido em 24 línguas O interesse principal de Sombart incidia nas origens no sentido e no futuro do capitalismo como o testemunha a sua obra Le Capitalisme moderne 1902 assim como Les Juifs et la vie économique 234 1911 ou em 1913 Le Bourgeois contribution à lhistoire 439 morale et intellectuelle de lhomme économique moderne As duas últimas obras alimentaram uma polémica com Weber porque Sombart em oposição à tese expressa em LÉthique protestante et lesprit du capitalisme situa em Florença no fim do séc XIV a formação do espírito burguês Sombart distingue vários períodos da história do capitalismo o capitalismo primitivo o alto capitalismo o capitalismo tardio Com o tempo o capitalismo acentuou a organização e a racionalização mais que o dinamismo e o espírito burguês afirmouse em detrimento do espírito de empresa JC L Sondagem Técnica que consiste em administrar um questionário a uma amostra de indivíduos representativa de uma população mais ampla chamada populaçãomãe ou populaçãoalvo A sondagem não é pois mais do que um processo particular de inquérito Assim ainda que seja a sua forma mais habitual a sondagem de opinião é apenas uma modalidade do inquérito de opinião Por outro lado a sondagem não está reservada ao estudo da opinião Pode também por meio desta técnica procurarse validar hipóteses num estudo de motivações ou de atitudes ou procurar a distribuição de características objectivas por exemplo a posse de certos bens de equipamento Puderam formularse contra as sondagens três críticas fundamentais a sua natureza atomista que faz do indivíduo uma unidade estatística desligada do seu contexto social a impossibilidade de efectuar todos os cruzamentos de variáveis desejáveis em virtude da dimensão limitada das amostras a sua incapacidade de captar a dimensão temporal 440 dos fenómenos em razão do seu carácter instantâneo Tais obstáculos são no entanto ultrapassáveis as sondagens contextuais permitem estudar as relações recíprocas entre as características do espaço social e as variáveis individuais pela construção de planos de observações específicos podemos dotarnos dos efectivos necessários ao estudo de subpopulações que uma amostra nacional não permite analisar a técnica do painel permite a observação longitudinal de certos processos Mas estas soluções mantêmse largamente teóricas em virtude do seu custo e do seu interesse demasiado especificamente científico D D Brúlé 1988 Desabie 1966 SPENCER Herbert filósofo e sociólogo britânico Derby 1820 Brighton 1903 A obra principal de Spencer é representada pelo seu Traité de philosophie em dez volumes quatro dos quais são ocupados pelos Principes de sociologie Este contemporâneo de Marx conheceu em vida uma glória imensa Em 1854 na obra Social statics enunciou hipóteses evolucionistas que reapareceram em 1857 em LOrigine des espèces de C Darwin Muitas das ideias dos conceitos dos modelos que propôs fazem parte integrante da sociologia moderna No entanto já quase ninguém se lembra de atribuirlhe a sua paternidade Este esquecimento explicase talvez sobretudo porque Spencer foi um dos raros sociólogos liberais e um dos grandes teóricos do liberalismo Este whig estava convencido de que a sociedade industrial não pode desabrochar se o Estado se arroga funções que não lhe competem e via na evolução das sociedades do estádio militar para o 441 235 estádio industrial no refluxo dos constrangimentos que o Estado faz pesar sobre a sociedade a principal marca do progresso A sua influência junto das elites das sociedades industriais não resistiu ao crescimento contínuo do Estado nas democracias dos anos 20 aos anos mais recentes Spencer é sobretudo conhecido como um dos pioneiros da sociologia evolucionista por diferenciação e por agregação as sociedades tendem a evoluir de formas simples para formas complexas Quando a densidade social aumenta as funções sociais tendem a diferenciarse e a divisão do trabalho a desenvolverse Estes temas serão retomados por É Durkheim 1893 Mas o que impressiona no evolucionismo de Spencer é a sua grande prudência as leis da evolução apenas descrevem tendências e as circunstâncias as contingências históricas podem muito bem contradizêlas Por um lado as noções de sociedade militar e de sociedade industrial descrevem tiposideais no sentido de M Weber e encontramse em todas as épocas sociedades que se inclinam mais para um ou outro destes tipos Por fim cada sociedade comporta componentes que têm a ver com os dois tipos O evolucionismo de Spencer é muito menos rígido que o de A Comte de Durkheim ou de Marx e pelo menos tão aceitável como o de F A Hayek 1973 É que Spencer é muito sensível à complexidade dos determinismos sociais Assim um tipo de sociedade tende a gerar comportamentos individuais congruentes com esse tipo Reciprocamente os indivíduos podem desenvolver comportamentos que reforcem ou enfraqueçam o sistema 442 Mas a ligação entre comportamentos individuais e caracteres do sistema nada tem de necessário ou de mecânico R B Spencer 1873 18741875 Suicídio O suicídio era definido por É Durkheim 1897 como todo o caso de morte que resulta directa ou indirectamente de um acto positivo ou negativo levado a cabo pela própria vítima e que ela sabia de antemão dever produzir esse resultado Esta definição demarcase da acepção comum ao incluir o sacrifício do soldado que corre para uma morte certa a fim de salvar o seu regimento ou do mártir que morre pela sua fé M Halbwachs 1930 rejeitava semelhante assimilação Este género de discussão praticamente não tem alcance se se considerar que Durkheim tal como os seus continuadores utilizava estatísticas oficiais que não podiam deixar de reflectir as definições comuns do fenómeno Neste sentido não há definição do suicídio própria da sociologia a qual em contrapartida tem uma orientação particular em relação ao fenómeno O seu objectivo essencial não é perscrutar o fundo das almas para reconstituir os motivos que levam este ou aquele indivíduo a suicidarse mas utilizar as taxas de suicídio a sua frequência em tal população ou tal subpopulação como indicador social É esse o caso em Durkheim que via na taxa de suicídio de um grupo social o índice do seu estado de normalidade ou de patologia a expressão cifrada da sua felicidade média Muito antes de Durkheim os estatísticos morais designadamente A Quetelet A M Guerry E A Morselli tinhamse interessado pelo suicídio acto individual por 443 excelência que obedece no entanto a regularidades estatísticas surpreendentes Era maná para quem queria fundar a sociologia como ciência autónoma com um objecto próprio Quando empreende o seu estudo sobre o suicídio Durkheim pode pois 236 apoiarse num corpus de resultados e de saberes acumulados a que ele junta a exploração de dados franceses recentes Mas integra essas generalizações empíricas numa teoria que explica as variações da taxa de suicídio O suicídio é mais frequente nas sociedades ou grupos sociais caracterizados por uma falta ou um excesso de integração e por uma falta ou um excesso de regulação ou coacção social Voltando ao assunto trinta e três anos mais tarde Halbwachs confirmou ou rectificou os resultados de Durkheim sendo ao mesmo tempo muito crítico em relação ao seu enquadramento teórico À excepção dos trabalhos conduzidos pela escola de Chicago entre as duas guerras o livro de Durkheim continuou a inspirar os estudos sociológicos sobre o suicídio nomeadamente o de A Henry e JF Short 1954 que se ocupa das relações entre a taxa de suicídio e flutuação da conjuntura económica e o de JP Gibbs e W T Martin 1964 centrado na influência da integração social Esta tradição de pesquisa fundada no uso de estatísticas oficiais foi objecto de críticas de autores como J Douglas 1967 ou de J Baechler 1975 que defendem abordagens fenomenológicas e individualistas do suicídio com o objectivo de restabelecer o vivido se assim se pode dizer dos actos suicidários 444 PH BD Besnard 1976 1987 237 T Tabu O tabu designa um interdito sacralizado ao mesmo tempo que a qualidade daquilo que é ferido de proibição porque consagrado ou porque impuro É suposto que a sua transgressão trará consigo uma calamidade um infortúnio ou uma mancha Muitas vezes é estabelecido por pessoas de autoridade após interpretação de experiências infelizes de sonhos de visões ou de mitos Tem como função proteger o valor de certos bens e de seres frágeis submetendo ao mesmo tempo o indivíduo à lei do grupo J Frazer 19111915 distingue várias formas de tabus tais como actos incesto assassínio etc pessoas reis sacerdotes carpidores mulheres na menstruação guerreiros etc coisas armas cortantes sangue cabelos alimentos etc palavras nomes de divindades de pessoas consagradas de mortos de objectos impuros etc É Durkheim 1912 liga a noção à de mana totémico e S Freud 19121913 considerao como um constrangimento limitador do desejo regulado pela lei do pai Entre outros exemplos desenvolvidos o evitamento da sogra Para C LéviStrauss o tabu entraria nos jogos de oposição lógica que marcam a diferença e a ordem dos valores C R Douglas 1966 Makarius 1974 445 TARDE Gabriel de sociólogo francês Sarlat 1843 Paris 1904 Antes de aceder em 1900 ao Colégio de França Tarde faz uma carreira de magistrado que explica o seu interesse primordial pela criminologia 1886 Pelo primado que atribui aos factores psicológicos e sociais contribui para minar a influência que o determinismo biológico criminoso nato etc de C Lombroso e da escola italiana exerce na Europa Tarde alarga então o âmbito dos seus trabalhos ao conjunto da vida social que explica 1890 pela conjugação de duas forças fundamentais a imitação e a invenção É o jogo complexo de processos de repetição de oposição e de adaptação que explica a mudança social A tónica que Tarde coloca assim nos factores psicológicos põeno em oposição directa com É Durkheim cujo objectivo é explicar o social pelo social e faz dele um dos seus alvos favoritos Tarde é o autor de Les Lois de limitation 1890 JR T Tarde 1895 1898 Milet 1970 Taylorismo vd Organização científica do trabalho OCT Tempos livres sociologia dos Os tempos livres agrupam actividades que se distinguem das tarefas domésticas das obrigações fisiológicas sono refeições cuidados corporais ou do trabalho Os sociólogos estudam a natureza e a diversidade dos tempos livres segundo os grupos sociais Os primeiros trabalhos neste domínio devemse a T Veblen 1899 que define como classe de tempos livres a elite do seu tempo Todo o trabalho produtivo é tido por aviltante numa sociedade dominada pelos capitalistas 446 Consequentemente os tempos livres inscrevemse em todos os aspectos da vida social a começar pelo consumo Alimentos pesados e bebidas alcoólicas prolongam a digestão para além do tempo passado à mesa As excentricidades da moda e as suas variações rápidas ocupam o dia dos 238 elegantes e das elegantes A aprendizagem escolar está orientada para a conversação mundana as boas maneiras e o desporto e não para os saberes produtivos da ciência ou da técnica A sociologia dos tempos livres confundese então com o estudo do modo de vida das classes altas Para as classes trabalhadoras os tempos livres são momentos de recuperação física após o esforço do trabalho E assim que M Halbwachs 1913 interpreta o tempo que o operário consagra ao espectáculo da rua ao café e sobretudo à refeição da noite tempo forte da sua vida de família O argumento do nível de vida e a diminuição dos desníveis entre grupos sociais a instauração das férias pagas em 1936 e a grande difusão dos equipamentos audiovisuais e dos transportes individuais renovam a abordagem dos sociólogos Nos Estados Unidos da América os trabalhos incidem sobre a audição da rádio e a influência que estas novas práticas de tempos livres introduzem designadamente no consumo e nos comportamentos eleitorais Lazarsfeld et al 1944 Em França os tempos livres são analisados como uma maneira de compensar a alienação do trabalho taylorizado Assim G Friedmann escreve em 1949 Os tempos livres não são apenas tempo são a própria condição 447 de um trabalho pessoal humano Os pequenos trabalhos ou o hobby são tratados como tempos livres exemplares na medida em que a pessoa leva até ao fim a produção de um objecto A conquista dos tempos livres foi recentemente substituída pelo tema da perturbação Contrariamente ao que pensava Friedmann não basta estar privado de toda a iniciativa criadora no trabalho para dar provas disso nos tempos livres Como ocupar um dia que para retomar o termo utilizado por D Riesman 1965 está cada vez mais invadido pelos tempos livres De uma geração à outra há mais pessoas que trabalham mas a duração do trabalho de um activo diminui O dia de trabalho é menos longo e sobretudo a vida activa é mais curta A sociologia dos tempos livres transformouse na sociologia do tempo livre N H Teocracia Na história da sociologia doutrina política e social dos teóricos tradicionalistas vd tradicionalismo mais extremistas que defendem o restabelecimento da sociedade teocrática na qual a autoridade é olhada como emanando de Deus e é exercida pelos ministros do culto É a supressão da sociedade civil que é assim preconizada J de Maistre 1753 1821 distinguese sensivelmente de L de Bonald ao desejar que o papa exerça sobre todas as soberanias cristãs a supremacia comedida do poder espiritual supremo Maistre 1819 Pelo contrário Bonald embora teocrata estabelecia uma dialéctica subtil entre os dois poderes espiritual e temporal F de Lamennais 17821854 vai ainda mais longe que Maistre pois que considera que a própria noção de uma sociedade civil é absurda A encíclica Mirari Vos de 1834 448 condena o princípio teocrático mais directamente ainda que o tradicionalismo A Comte 1826 18511854 vai buscar a Maistre e a Lamennais a expressão poder espiritual mas modifica o seu sentido encarrega apenas este poder de elaborar e de propagar uma doutrina universal Podemos pois considerálo como um dos mais eminentes defensores no seio da sociologia de uma concepção atenuada da teocracia BP L 239 Bénichou 1977 Lamennais 1822 Nisbet 1966 Terrorismo Estratégia política cujo princípio assenta na utilização sistemática de actos de violência para espalhar a insegurança O terrorismo reveste formas diversas Certas teorias procuraram identificar essas formas de terrorismo com ideologias ou movimentos ao passo que com frequência o recurso ao terrorismo é apenas passageiro salvo provavelmente para os regimes totalitários Uma outra análise sublinha a fraqueza actual da causa proletariado nação à qual o terrorismo se reporta em caso de declínio durável da causa ou se a referência a ela se tornar mítica ou abstracta o terrorismo pode transformarse num fim em si Procurando criar e alimentar o medo o terrorismo mantém com os media relações complexas porque tem de dirigirse a vários públicos ao mesmo tempo PH R Sociologie du travail 1986 Michaud 1978 449 Wieviorka Wolton 1987 Tipoideal ou idealtipo O tipoideal é um modelo Embora pertença à metodologia de M Weber e nela seja intensamente utilizado o conceito encontrase em outros sociólogos particularmente em É Durkheim O tipoideal do espírito do capitalismo não é uma hipótese mas um guia para elaborar hipóteses É um conjunto de conceitos integrados indispensáveis para captar o real Enquanto modelo abstracto é um meio para captar as relações entre fenómenos concretos a sua causalidade e o seu significado Serve para recortar o real para seleccionar uma pluralidade de fenómenos isolados para ordenálos em função de um ou de vários pontos de vista O espírito do capitalismo não é uma média dos princípios ou das actividades económicas que dominaram em todas as sociedades capitalistas É um conceito genético na medida em que é o resultado de uma síntese abstractiva daquilo que é comum a vários fenómenos Se é uma utopia no sentido em que nenhuma realidade empírica lhe corresponde serve no entanto para medir a distância que separa o real daquilo que é construído logicamente Esta comparação é lógica e não axiológica Enquanto conceito heurístico o único critério que permite julgar do fundamento da sua construção e do seu uso é a sua eficácia metodológica M C Durkheim 1893 Weber 1920 1922a Tirania Em sentido amplo a tirania é uma forma de regime político em que o poder conquistado pela usurpação e apoiado na força se exerce de maneira opressiva e viola os 450 costumes tradicionais ou os interesses legítimos da população Velho termo da filosofia política é herdado do grego No sentido clássico a tirania é definida por oposição à realeza Esta é o governo de um só exercido sobre súbditos consencientes e de acordo com as leis da cidade A tirania é o governo de um só que não segue nenhuma lei mas apenas a sua vontade e se exerce sobre súbditos não consencientes O governo tirânico é portanto encarado pelos seus súbditos como ilegítimo Actualmente o termo não é de uso corrente nas ciências sociais na medida em que estas entendem demarcarse da filosofia política Se se admite tal uso é preciso marcar bem o que constitui a especificidade da tirania moderna ela exercese em nome de uma doutrina de 240 transformação social e assenta na ficção da soberania do povo A tirania moderna não requer apenas a obediência exige sinais do consentimento através nomeadamente de eleições falaciosas A forma extrema da tirania moderna é a tirania totalitária que não apenas absorve a sociedade civil no Estado mas também se esforça por eliminar toda a autonomia da consciência humana PH BN Strauss 1954 TOCQUEVILLE Charles Alexis Clérel de escritor e político francês Paris 1805 Cannes 1859 Nascido numa família aristocrática Tocqueville nunca deixou de reflectir 451 sobre a crise revolucionária aberta em 1789 e soube compreender que os séculos seguintes imporiam cada vez mais a igualização das condições Tal como A Comte analisou a passagem das sociedades tradicionais para as sociedades modernas mas mostrou que sobre a base do Estado social democrático podiam elevarse dois tipos de regime político democracia ou despotismo democrático Jovem magistrado enviado em missão à América 1831 1832 conhece um imenso sucesso a partir da publicação em 1835 da primeira metade da sua obra De la démocratie en Amérique Nos Estados Unidos viu o desenvolvimento do princípio democrático em estado puro sem entrave aristocrático e sem sequelas das lutas revolucionárias A república americana aponta o futuro à Europa A obra assenta numa análise comparativa e procura mostrar os parentescos e as diferenças da França da GrãBretanha e dos Estados Unidos na sua maneira de se tornarem sociedades democráticas Eleito deputado em 1839 publica em 1840 De la démocratie en Amérique segunda metade Actualmente é a que retém mais a atenção Descreve o tipoideal do homem democrático mostrando os efeitos da igualdade sobre as suas ideias e sentimentos Sublinha os efeitos ambíguos do individualismo e mostra o perigo de um culto excessivo do indivíduo que desembocaria num despotismo administrativo Para combater os males que nascem da igualdade preconiza uma política liberal liberdade política e liberdade de imprensa liberdades locais e liberdades de associação Na posição oposta à dos mitos jacobinos De la démocratie en Amérique apresenta a primeira teoria da democracia pluralista soberania limitada por direitos individuais garantidos e tomada em consideração da 452 pluralidade irredutível dos interesses e das ideias Membro da Comissão de Constituição de 1848 ministro dos Negócios Estrangeiros no segundo gabinete Odilon Barrot de Junho a Outubro de 1849 Tocqueville opõese ao golpe de Estado de 1851 e depois retirase da vida política para escrever LAncien Régime et la Révolution 1856 A política centralizadora dos reis está na origem das corrupções do espírito público e das divisões dos Franceses Por detrás da instabilidade política da França e na sua origem Tocqueville mostra que a estabilidade da nossa administração centralizada constitui o mais durável obstáculo à liberdade dos Franceses JC L Aron 1967 Jardin 1984 Lamberti 1983 Manent 1982 TÖNNIES Ferdinand sociólogo alemão Riep auj Oldenswort Schleswig 1855 Kiel 1936 Ferdinand Tönnies distinguiu na sua psicologia a vontade orgânica que caracteriza uma tonalidade afectiva 241 e a vontade reflexa concebida mais como um produto do pensamento Na sua sociologia a comunidade Gemeinschaft apresentase como um efeito da primeira concorrendo a segunda para o nascimento da sociedade Gesellschaft A comunidade forma de vida antiga desenvolvese a partir da família e encontra o seu lugar de eleição na aldeia ou na vila Na primeira as pessoas dedicamse à agricultura ao passo que na segunda as 453 corporações elevam os ofícios à categoria da arte dandolhes ao mesmo tempo uma conotação religiosa A economia por seu turno é estranha à procura do ganho Os laços do sangue e da amizade do costume e da fé atestam o carácter vivido da moral comunitária O progresso do urbanismo faz evoluir a comunidade para a sociedade Esta mutação produzse sob o signo de uma abstracção que se verifica no facto de cada um viver para si num estado de concorrência ao mesmo tempo social e económica A procura do lucro e o comércio deveriam a prazo levar a melhor sobre a sociedade de que são o princípio Ferdinand Tönnies descreveu estas duas formas de vida social na sua obra Communauté et société 1887 L DG Totalitarismo O totalitarismo pode ser definido como um regime político que tende à absorção da sociedade civil pelo Estado até à destruição da consciência humana O termo é relativamente recente nasceu na Itália nos anos 20 e oscilou entre sentidos mais ou menos amplos A significação aqui retida permite isolar um regime moderno irredutível às experiências anteriores aquele do qual G Orwell 1949 forneceu um retratocaricatura e que pretende transformar o homem num objecto maleável descerebrizálo pelo corte da sua consciência da realidade objectiva Nenhum autor antigo descreveu um tal mundo é algo de novo O totalitarismo resulta ao mesmo tempo da vitória durável do poder ideológico e da falência da ideologia ou seja da impossibilidade de manter a promessa da ideologia a de uma humanidade nova e reconciliada Confrontado com a realidade rebelde o poder esforçase então por corroer a 454 consciência que os homens ganham dessa realidade O totalitarismo integral nunca foi realizado e é sem dúvida irrealizável mas os regimes comunistas mais completos tendem ou tenderam a aproximarse desse modelo PH BN Kolakovski 1983 Trabalho sociologia do Aplicação da postura sociológica aos problemas da indústria e do trabalho assalariado A subdisciplina nascida nos Estados Unidos da América sob o nome de sociologia industrial foi de início uma réplica à racionalização do trabalho empreendida à volta das posições de F W Taylor e H Ford As pesquisas conduzidas por volta de 1930 pela escola dita das relações humanas puseram em evidência a importância do social e a irracionalidade do factor humano no sistema industrial Criticadas nem por isso deixaram de ser o facto fundador da sociologia do trabalho Desmarez 1986 Em França a seguir à Segunda Guerra Mundial serviram de ponto de partida aos trabalhos de G Friedmann e suscitaram dois acontecimentos fundamentais a elaboração do Traité de sociologie du travail 196162 a criação em 1959 da 242 revista Sociologie du travail cujos trinta anos de publicação revelam a diversidade dos temas abordados Entre eles há conjuntos que se evidenciam a divisão e a organização do trabalho a duração os ritmos e tempos do trabalho as questões da qualificação do salário e da formação a do emprego e do desemprego a divisão sexual do trabalho e a 455 questão do trabalho feminino a sociologia das profissões a sociologia da organização industrial estudos sobre a classe operária sobre os sindicatos e os conflitos sociais A enumeração revela que o peso da procura social suposta característica de uma sociologia inventada por engenheiros e peritos em management não é verdadeiramente hegemónico Encontramos também nela a marca das filosofias proudhoniana e marxista das grandes pesquisas do séc XIX sobre a situação da classe operária e mais em geral a de um empenhamento a favor da humanização da civilização índustrial causa para a qual G Friedmann mostrou o caminho 1950 1970 Ao lado da sociologia do trabalho desenvolveuse uma sociologia das organizações dominada pela obra de M Crozier esta deve sem dúvida muito às pesquisas conduzidas em meio industrial nos Estados Unidos Mas a sofisticação intelectual a que deu lugar impede também neste caso que se possa ver nela apenas um apêndice da procura dos actores económicos Crozier Frieberg 1977 Quais são neste domínio as tendências da investigação A que problemas sociais responde ela 1 As análises sobre o emprego e as qualificações foram renovadas no contexto da crise dos anos 70 A crise avançou por exemplo com o tema da exclusão social que estava mais ou menos esquecida A atenção incidiu sobre a segmentação do mercado do trabalho sobre a distância que separa a lógica dos mercados internos protegidos e a dos mercados externos sujeitos a todas as flutuações Paralelamente a subida regular da parte das mulheres na população activa deu lugar a trabalhos sobre o deslizar da posição social das mulheres em relação aos homens assalariados não sem 456 revelar a permanência das discriminações que a legislação se esforça aliás por reduzir 2 A inovação técnica e os seus efeitos sobre a organização produtiva suscitam numerosos trabalhos a despeito do desejo unânime de ultrapassar o determinismo tecnológico Para além dos discursos na moda os sociólogos observam a centralidade e a autonomia nova do factor humano na organização produtiva Ao fazêlo confirmam a importância dos debates suscitados pela prática das técnicas de gestão participativa não sem a si consignarem a tarefa de compreender as condições estreitas que fazem passar a mobilização dos recursos humanos do estado de slogan ao estádio de mudança real na gestão e nas relações sociais 3 Põese finalmente a questão de saber se as evoluções em curso suscitam ou não novos actores colectivos susceptíveis de confirmar o lugar do trabalho e dos trabalhadores nas representações colectivas Por exemplo haverá doravante lugar para uma sociologia da comunidade de empresa Esta questão delicada e de forte carga ideológica foi durante muito tempo uma questão interdita Ora actualmente ela encontrase no número daquelas que as permutas disciplinares puseram na ordem do dia Sociologie du travail nº 3 1986 A sociologia do trabalho procura há muito tempo as suas marcas distintivas Umas vezes confundida com a sociologia 243 geral em virtude do seu objectivo hegemónico outras vezes relegada para os confins das ciências aplicadas ou ligada à economia à história à antropologia às ciências políticas 457 anda hoje à procura de um estatuto intermédio A sociologia do trabalho encontrará o seu lugar ao interessarse pelo peso real da relação de produção no interior da sociedade Encontrará por fim o seu lugar ao clarificar a sua relação com a interdisciplinaridade virtude totémica desta disciplinaencruzilhada mas que mais que pôla em prática nos limitamos a venerar ritualmente D SN Tradição No seu sentido primeiro a tradição designa tudo o que é transmitido do passado para o presente os objectos os monumentos as crenças as práticas e as instituições Shils 1981 Mas não se trata de uma simples recorrência estatística é o valor atribuído pelas gerações presentes ao que é transmitido pelas gerações do passado que constitui a tradição O carácter normativo da tradição é a força que faz existir uma sociedade através do tempo Na maioria das vezes utilizase o termo tradição no sentido de M Weber opondo as sociedades cuja legitimidade é tradicional às sociedades modernas ou industriais cuja legitimidade é legalracional A legitimidade tradicional fundase no valor do passado enquanto tal e na autoridade do eterno ontem isto é a dos costumes santificados pela sua validade imemorial e pelo hábito enraizado no homem de respeitá los Mas os tipos de legitimidade elaborados por Weber são tiposideais na realidade nenhuma instituição e a fortiori nenhuma sociedade é inteiramente tradicional ou totalmente racional Gerth Mills 1958 A sociedade moderna comporta uma parte de tradições e de novidades inextricavelmente misturadas Eisenstadt 1973 A prática mais racional funda se nos conhecimentos acumulados pelo trabalho das 458 gerações passadas a vida industrial assenta na ciência e nas técnicas herdadas de uma tradição intelectual Certos traços característicos das sociedades tradicionais como formas de autoridade pessoal subsistem em todas as sociedades modernas Mesmo nas sociedades ou nas instituições tradicionais o valor atribuído ao passado nem por isso implica que as práticas transmitidas permaneçam imutáveis A tradição não é simples reprodução Nenhuma sociedade poderia sobreviver sem adaptar os objectos as crenças ou os modelos transmitidos pelo passado Esta transmissão traz consigo a reinterpretação das tradições por cada geração As sociedades modernas têm tendência para subestimar o papel das tradições na medida em que atribuem um valor privilegiado à inovação económica e à novidade política económica social ou cultural É por isso que as tradições sâo de bom grado associadas à irracionalidade e às superstições analisadas como travões à racionalidade da modernização e ao progresso Associados com frequência às forças progressistas os sociólogos têm por vezes também a tendência para subestimar o peso das heranças e da história e do papel que elas desempenham na vida dos grupos ou mesmo da sociedade no seu conjunto D S Tradicionalismo Corrente francesa de pensamento político e social hostil à Revolução Francesa e à filosofia das Luzes Os tradicionalistas fazem da tradição o alicerce 244 da ordem social por oposição às especulações racionais que 459 fundamentam a sociedade em construções hipotéticas tais como a ideia do contrato social Segundo os tradicionalistas os indivíduos só são plenamente eles próprios isto é seres sociais graças à sociedade que lhes é anterior superior e que os eleva à dignidade de seres humanos isto é sociais Agrupamse na escola tradicionalista chamada retrógrada por A Comte 1826 dois teóricos L de Bonald 17541840 e J de Maistre 17531821 e dois polemistas Chateaubriand 17681848 e F de Lamennais 17821854 Maistre 1821 põe sobretudo a tónica na necessidade do sofrimento dos castigos e da guerra na ordem do mundo assegurada pela Providência e no papel de um poder pontifical forte 1819 Bonald 1802 considera que a linguagem não é um produto da sociedade como o supunham os filósofos das Luzes mas um dom de Deus Daí deduz uma construção da ordem social conforme à Santa Trindade soberano ministro súbdito pai mãe filho etc Koyré 1946 Lamennais 18171822 fundamenta as crenças cristãs no consentimento universal o que lhe vale a condenação explícita de Roma Mirari Vos 1834 Como Comte bem o reconheceu os tradicionalistas foram os primeiros a formular certos temas centrais da sociologia a concepção holística da sociedade exagerada na sua origem divina a noção do indivíduo como ser essencialmente social e a do poder espiritual Para além da sua luta contra a Revolução Francesa reside actualmente aí o interesse principal dos seus trabalhos BP L Bénichou 1977 Bréchier 1932 Brunschvicg 1927 Nisbet 1966 460 Tríade Sistema social composto por três elementos indivíduos ou grupos ligados entre si por uma relação durável Aos olhos de alguns sociólogos toda a interacção social é por essência triangular Mesmo nas relações entre duas pessoas interfere a presença de um terceiro ou de um público presente ou próximo G Simmel foi o primeiro sociólogo a insistir neste ponto ao analisar as três funções do terceiro mediador tertius gaudens ou déspota As modernas pesquisas sobre as tríades centraramse nas coligações de dois contra um que têm tendência a formarse no seu seio Podemos definir oito tipos possíveis de tríade consoante a importância ou a força de cada elemento Experiências em laboratório precisaram a maneira como se estabeleciam as coligações T Caplow 1968 esforçouse por transpor este modelo de coligações para clarificar fenómenos muito diversos hierarquia nas organizações coligações parlamentares relações no seio da família e da parentela Apoiase também na noção de equilíbrio triádico formalizado por F Heider uma tríade não será viável porque estará nesses casos em desequilíbrio estrutural se compreender duas relações positivas ou três negativas PH BD Tribo organização política da A tribo é uma organização segmentária de organização social O segmento de base é uma família alargada de uma profundidade de três ou quatro gerações Cada segmento de base fundese espontaneamente com um outro num segmento de definição superior desde que se sente ameaçado Por sua vez este segmento de segundo nível fundese com um outro num terceiro nível De 461 próximo a 245 próximo toda a tribo e mesmo um grupo de tribos podem unirse num conjunto transitório para se oporem a um inimigo exterior A tribo assenta assim no princípio do confronto em cada nível de unidades de poderes aproximadamente iguais Instaurase assim um equilíbrio geral fundado em equilíbrios sucessivos que garante a todos uma certa segurança Cada nível de segmentação tem os órgãos políticos necessários para assegurar a este nível os interesses comuns Na familia um decano e um conselho de família asseguram a concórdia a gestão do património e a resolução dos diferendos Mais acima um conselho dos decanos ou dos representantes das famílias arbitram os conflitos fazem respeitar as regras comuns mobilizam as forças contra as agressões externas Ainda mais acima os órgãos deixam de ser permanentes e só são constituídos em caso de necessidade À medida que se sobe de nível em nível os conflitos são cada vez menos controlados e a guerra cada vez mais selvagem J B EvansPritchard 1940 Montagne 1930 Troca A troca entendida como movimento de intenção recíproca entre duas partes ou então cedência de um serviço ou de uma coisa como contrapartida de uma outra é a regra fundamental de toda a relação social A antropologia poderia reduzirse no dizer de C Lévi Strauss a diferentes modalidades de uma tripla troca a das 462 pessoas designadamente mulheres na base do sistema de parentesco a dos bens e serviços que fundamenta o sistema económico a das palavras e das mensagens presente dos domínios religiosos mitos e ritos e linguístico assim como no domínio político que regula o conjunto da vida cívica LéviStrauss 1949 distingue dois tipos de troca Um é restrito os homens de um grupo cedem as suas irmãs aos de um outro grupo e reciprocamente O outro é generalizado com compensação matrimonial por um dote um grupo cede uma mulher a um outro que por sua vez cederá uma mulher a um terceiro etc até que o último grupo cede uma esposa ao primeiro A troca de mensagens tem a ver com a comunicação e com a linguagem está carregada de significações e de símbolos em parte codificados e em parte dependentes das situações de emissão e de recepção A troca económica faz intervir as noções de contrapartida e de equivalência nas transferências de bens e serviços Só se verifica de maneira muito reduzida nas comunidades autosubsistentes em que as relações de produção são relações de dependência pessoal Desenvolve se com a divisão do trabalho a privatização da propriedade e a generalização do contrato Na sociedade capitalista a troca mercantil é o princípio organizador da economia No que se refere às economias ditas primitivas convém diferenciar os bens de subsistência e os bens de prestígio ainda que uma distinção menos rígida permitisse classificar os bens em categorias hierarquizadas Assim os Tiv da Nigéria não trocavam produtos do solo por gado escravos ou metal nem a fortiori por uma mulher De igual modo nem a terra nem o trabalho eram permutáveis por dinheiro Convém também situar a troca numa teoria geral do dom 463 como o propuseram F Boas B Malinowski e M Mauss No grande movimento de troca braçadeiras por colares de conchas próprio da kula das ilhas da Melanésia estudada por Malinowski 1922 bens de 246 prestígio circulam segundo ritos precisos e numa base de reciprocidade entre parceiros titulares acompanhados de transacções com ajustamentos incidindo sobre bens de consumo A troca com obrigação de entregar pelo menos tanto como se recebeu sela a aliança das comunidades Através do estudo do potlatch Boas analisa a prática do dom ostentativo potlatch A dádiva a patrulha a reciprocidade a redistribuição constituem as modalidades principais da troca não mercantil ao passo que a troca e a permuta monetária são as formas de troca mercantil A reciprocidade funciona nas sociedades agropastorais em que os dons supõem contradons quer na mesma altura quer a prazo Diferente da pura reciprocidade a redistribuição nomeadamente nas circunscrições tradicionais e nos impérios é um processo segundo o qual uma instância central reúne as prestações de bens ou de trabalho tributo imposto braçal e depois redistribuias pelos contribuintes e outros que a isso tenham direito Ao passo que a permuta circulação mercantil de bens produzidos para troca imediata segundo taxas acordadas se verifica sem intervenção de uma moeda a troca monetária faz corresponder uma oferta de bens e serviços a um pedido solvente A moeda conchas sal gado metais serve ao mesmo tempo de medida de valor de reserva de valor e de 464 meio de pagamento Quando a troca monetária não é orientada para o lucro a moeda não funciona como capital mas como meio de circulação entre as mercadorias Num mercado a revenda é operada com lucro por compradores e vendedores especializados como categorias profissionais A moeda circula nesse caso como capital Na sociedade asteca por exemplo agentes especializados os pochteca asseguravam o comércio entre os produtos das terras altas milho feijão etc e os das terras baixas costeiras tropicais cacau algodão penas de aves para os enfeites Este comércio mercantil acompanhava a circulação dos mesmos produtos sob forma de tributo ao Estado asteca Nos mercados sectoriais berberes a troca verificavase numa base exclusivamente regional entre produtos de bens complementares Mas na China tradicional redes de mercados ligavam os produtores locais à economia nacional e para além dele ao mercado mundial Se actualmente uma economia da generosidade perdura ao lado de uma economia de lucro as relações de força no comércio internacional tornam muitas vezes desigual a troca entre produtos primários do Terceiro Mundo e produtos manufacturados dos países industrializados C R 247 U Urbano urbanização urbanismo vd Cidade 465 Utilitarismo O utilitarismo é uma filosofia moral e política conceptualizada na GrãBretanha no decurso da industrialização entre o fim do séc XVIII e o do séc XIX Esta corrente de pensamento reportase a um princípio único o principio de utilidade que é o meio pelo qual devem harmonizarse os interesses privados e os interesses públicos e graças ao qual serão alcançadas tanto a felicidade individual como a prosperidade pública J Bentham estabeleceu este princípio 17801789 a partir de um sensualismo elementar e de um postulado a identidade dos interesses A sua doutrina que associa a uma não intervenção natural alguns elementos de regulamentação tem uma base psicológica o cálculo dos prazeres E atravessada por uma tensão entre a optimização dos prazeres subjectivos e a procura da maior felicidade do maior número É esta tensão que já antes pensadores como J Bentham B de Mandeville D Hume A Smith entre outros se aplicaram precisamente a reduzir O utilitarismo foi moralizado num sentido solidarista por J S Mill 1863 e depois situado numa perspectiva de racionalidade prática por H Sidgwick 1874 O utilitarismo exaltou o mérito pessoal o gosto do risco o espírito de competição Esta teoria da agregação das escolhas calculadas e do ajustamento ao mesmo tempo espontâneo e regulado dos interesses individuais viria a convergir com o evolucionismo nomeadamente pela via da concepção spenceriana da cooperação Sem romper completamente com o esquema utilitarista a sociologia submeteu os seus fundamentos a um exame muito crítico Pôs em dúvida a identidade e a harmonia dos interesses e sobretudo denunciou possíveis contradições nos 466 interesses prosseguidos por um mesmo actor social e colocou a tónica nas relações complexas mantidas pelas paixões e pelos interesses pelos valores e pelas crenças na sociedade global B V Utopia A utopia propõese transformar de maneira mais ou menos radical segundo os casos as estruturas e os valores sociais em vigor Podemos qualificar de utópicos escritos a Utopia de T More 1516 foi o primeiro de uma longa série práticas as de certos movimentos sociais sonhos toda a utopia ainda não praticada nem escrita Podemos igualmente distinguir 1 utopias absolutas em contradição com a experiência humana mais elementar são sobretudo mitos país de Abundância Fonte de Juventude etc 2 utopias relativas projectos sem precedentes históricos mas susceptíveis de realização parcial ou total o Oceana de F Bacon ou o Programa do Partido Comunista de Marx e F Engels 3 utopias negativas que prognosticam sociedades em que a mais aperfeiçoada técnica é posta ao serviço de um projecto de escravização humana Houve quem opusesse uma sociedade utópica fechada totalitária a uma sociedade aberta liberal democrática K R Popper Marx e Engels distinguiram socialismos utópicos os prémarxistas e socialismo científico K Mannheim 1929 pôs em paralelo ideologia conservadora das classes superiores e utopia progressista das classes 248 subalternas designou também uma inteligentzia sem 467 prisões como a camada social apta a produzir utopias Podemos considerar que toda a utopia critica o presente em nome de um passado arquético ou de um princípio supostamente elementar e em vista de um futuro que pende para a mudança social valorizada utopia progressiva ou denunciada utopia retrogressiva Denominamse agrupamentos voluntários utópicos os que correspondem a este modelo de funcionamento seitas ordens religiosas certos agrupamentos políticos e sindicais certas formas de comunidade e de cooperativismo etc Mais que qualquer outro membro da escola de Francoforte H Marcuse 1964 viu o futuro aberto à utopia de uma libertação humana total uma vez a técnica posta ao serviço de um projecto humanista Viria no entanto a decretar em 1968 o fim da utopia Actualmente nos escritos de J Habermas a comunicação desempenha um papel utópico J S Desroche 1975 Giannitti 1971 Ruyer 1950 Séguy 1971 249 V Valores Os valores são a expressão de princípios gerais de orientações fundamentais e primeiramente de preferências e crenças colectivas Em toda a sociedade a determinação dos objectivos efectuase a partir de uma representação do desejável e manifestase em ideais colectivos Tais valores que 468 sistematicamente ordenados se organizam numa visão do mundo aparecem muitas vezes como um dado irredutível um núcleo estável um conjunto de variáveis independentes Empreendeuse a tarefa de comparar os sistemas que os integram nas diferentes áreas culturais T Parsons 1951 distinguiu assim quatro modelos de organização caracterizados cada um deles pela preponderância de certos tipos de valores a sociedade americana por exemplo privilegia menos os valores associados à manutenção dos modelos culturais que os que estão ligados à realização achievement Mais empiricamente F R Kluckhohn e F L Strodtbeck propuseram por seu turno que se distribuíssem os sistemas de valores por meio de critérios gerais de diferenciação como a relação ao tempo à natureza etc Na sua esteira reterseá aqui a especificação dos valores em dominantes desviantes e variantes manifestando estes últimos entre as duas primeiras categorias ao mesmo tempo a latitude de que o indivíduo dispõe na escala em questão e a plasticidade do sistema em cujo seio eles se encontram distribuídos Tratandose dos valores dominantes eles foram sucessivamente no Ocidente medieval moderno e contemporâneo religiosos políticos e económicos Coube portanto à Igreja depois ao Estado e finalmente à empresa encarregarse deles controlálos impôlos Necessariamente combinados retiram no fim de contas a sua eficácia de uma tradição de que são solidários Esta última conferelhes um poder que arrasta a convicção suscita a adesão e assegura a integração Seria errado exagerar o papel dos valores na realização da coesão social é verdade que eles congregam o grupo mas também o separam Por fim a sensibilidade ao 469 que eles representam não é idêntica no conjunto do corpo social os intelectuais nomeadamente caracterizamse por uma maior atenção em relação a eles particularmente vigilante em certas ocasiões Entre as grandes sociologias clássicas a de M Weber atribui uma importância considerável aos valores tanto na constituição de uma organização económica e social como na evolução social e política Os sociólogos actualmente F Bourricaud e F Chazel em particular salientaram um deslocamento do interesse daquilo que é valorizado no duplo processo de avaliação e de valorização A noção de conflito de valores ganha nesta perspectiva um relevo novo dá disso testemunho por exemplo a análise feita por D Bell 1976 das contradições culturais do capitalismo B V Vanguardismo A noção de vanguarda é indissociável da de modernidade tal como ela foi elaborada ao longo do séc XIX A arte moderna caracterizouse pela sua vontade de ruptura com os valores sociais dominantes e com as convenções artísticas estabelecidas Num mundo concebido não já como uma natureza mas como uma história os 250 artistas instalaramse na ruptura permanente e a prioridade tornouse o critério máximo da apreciação estética Klein 1970 No espaço da alta cultura foi possível a partir de então distinguir a cultura clássica no sentido de classificada integrada no património histórico e a cultura de vanguarda 470 Esta última exigia para ser compreendida na negatividade das suas intenções um grau elevado de cumplicidade cultural eou um forte desfasamento cronológico Após 1945 este foise encurtando O mercado e os museus se não o gosto maioritário acolheram sem demora as vagas sucessivas do estilo vanguardista internacional e institucionalizaramno Esta oficialização coincidiu com o esgotamento progressivo das vanguardas arrastadas por um turbilhão mais repetitivo que inovador Na frente avançada da arte são actualmente objecto de concorrência por parte dos produtos de uma nova cultura média onde os elementos tirados da cultura popular estão lado a lado com as bases da cultura erudita Se a novidade continua a ser o critério de referência doravante ela é dissociada de uma visão linear da história Parece de facto que a moda tomou o lugar das vanguardas parêntese da história da arte R M Bell 1976 Clair 1983 VEBLEN Thorstein economista e sociólogo americano Manitowoc Wisconsin 1857 perto de Menlo Park Califórnia 1929 Autor da Théorie de la Classe de Loisir 1899 Veblen produziu uma crítica do capitalismo selvagem e especulativo da América dos anos 18801890 Essa análise mantémse pertinente para todas as sociedades que permitem realizar lucro sem fornecer trabalho produtivo Da sua concepção evolucionista da história destacase a ideia de uma interpretação desta última a partir de um feixe de instintos O instinto artesão pacífico que supõe o gosto pelo trabalho e pelo trabalho bem feito deveria concorrer em 471 última análise para o bem da humanidade Distinguese do instinto predador característico de uma sociedade de tempo livre em que a especulação desabrocha à custa da produção em que se colhe o que não se semeou O termo tempo livre não supõe nem descanso nem preguiça evoca um consumo improdutivo do tempo que exprime o desdém para com um trabalho produtivo e testemunha com ostentação a capacidade pecuniária para proporcionar a si próprio uma vida ociosa O tempo livre supõe a propriedade e a inveja que se suscita naquele que para viver tem de sujar as suas mãos é o padrão com que se mede a estima de que se é objecto Na cultura humanista isto é não prática o requinte das maneiras apontam outras tantas formas de tempo livre L DG Velhice A velhice deve ser compreendida como uma construção social produzida pelos quadros sociais perpetuamente renegociada e redefinida em função desses quadros não pode ser reduzida a uma realidade biológica feita de usuras e de incapacidades que resultam do processo contínuo da desgenerescência Cada sociedade em cada período da história reinterpreta socialmente as diferenças biológicas e cronológicas que separam os indivíduos a fim de elaborar a organização social do ciclo de vida e de atribuir papéis e estatutos sociais específicos a cada escalão de idade Os papéis e os estatutos dos velhos foram 251 flutuantes ao longo da história Minois 1987 A velhice nas sociedades préindustriais não foi sistematicamente dotada 472 de um estatuto prestigioso em virtude da valorização da sua sabedoria e da sua experiência Se o advento da sociedade industrial se traduziu sobretudo por uma degradação do estatuto social dos velhos este movimento não envolveu todas as classes sociais desta sociedade com a mesma força Podemos encontrar uma ilustração disso mesmo no facto de a entrada na velhice identificável na nossa sociedade pelo acesso ao estatuto de inactivo não se verificar na mesma idade em todas as classes sociais A perda da inserção social e a redução do sistema de funções ou mesmo a morte social intervêm mais cedo para as classes populares que para as classes superiores sendo estas últimas susceptíveis de pôr a render o conjunto dos seus recursos sociais para prolongar os seus papéis e as suas funções da idade adulta Guillemard 1971 O limiar da velhice é pois flutuante em função das sociedades e no interior de uma mesma sociedade segundo a classe a que se pertence É preciso sublinhar que o desenvolvimento dos sistemas de reforma que acompanham o florescimento da sociedade industrial levou a fazer da idade da reforma um dos limiares significativos da entrada na velhice Nestas sociedades a velhice ganhou os contornos da reforma Mas progressivamente novos recortes interiores à última etapa da vida emergiram tais como a terceira e a quarta idades que traduzem tanto o prolongamento deste período da vida na França a esperança de vida aos 60 anos é da ordem dos 20 anos INSEE 1985 como a tomada em consideração da velhice como problema social e não já como questão meramente privada e familiar Nestas condições a multiplicação das intervenções em favor da velhice levou a distinguir uma velhice dependente que tem a ver com as 473 instituições médicosociais de uma velhice autónoma que tem mais a ver com políticas de animação e de integração social Guillemard 1980 AM G Communication 1983 Violência colectiva Utilização por um conjunto de indivíduos da força física em ordem a atingir a integridade das pessoas ou dos bens Este comportamento pode ser politicamente orientado À excepção da visão apologética que dela dão F Nietzsche ou G Sorel onde ela aparece como a parteira da História a violência colectiva é geralmente marcada com o sinete da ilegitimidade É entendido que os opositores podem recorrer a outros meios de acção para se fazerem ouvir Se a violência é efectivamente susceptível de cessar a partir do momento em que se instaura o diálogo será ainda necessário que as condições estruturais de um tal diálogo estejam reunidas a violência colectiva que pode ser trazida pelos excluídos do sistema não tem como único suporte os falhados da socialização Ao apoiaremse na hipótese frustração agressão certos autores Gurr 1970 contribuíram para reforçar a impressão de irracionalidade contida no fenómeno este énos apresentado sob os traços de uma súbita explosão de cólera Outros autores contestaram a hipótese segundo a qual os indivíduos mais frustrados seriam os mais inclinados a participar em tais manifestações de violência Nesta perspectiva a irracionalidade já não pode ser o agente da violência colectiva analisando o movimento 474 252 luddita destruição das máquinas no início da era industrial alguns historiadores mostram que a violência contra os bens pode na realidade disfarçar uma estratégia relativamente racional arrematação colectiva pela via do tumulto Desligada do puro juízo moral a violência não se apresenta portanto necessariamente ao sociólogo sob o prisma de um fenómeno disfuncional P M Aron 1973 Coser 1956 Tilly 1978 253 W WEBER Max economista e sociólogo alemão Erfurt 1864 Munique 1920 Após uma tese de doutoramento sobre a história agrária romana Weber consagra ao ensino universitário apenas alguns anos Primeiramente é a sua saúde que dele o afasta seguidamente uma herança permite lhe voltarse em definitivo para a investigação Não apenas Weber domina a sociologia alemã na viragem do século mas a sua influência é ainda hoje considerável em todas as especialidades da sociologia As análises do poder e dos seus tipos de legitimidade da burocracia e das suas estruturas e funções forneceram o enquadramento conceptual e o conteúdo de numerosos capítulos da ciência política e da teoria das organizações A sua reflexão sobre a epistemologia das ciências sociais as soluções que ele propõe mantêmse actuais quer se trate da 475 especificidade das ciências sociais relativamente às ciências da natureza da elaboração dos conceitos ideaistípicos do papel da compreensão das acções humanas no trabalho do sociólogo da selecção de objectos científicos na infinidade do real graças às relações aos valores da diferença entre essas relações aos valores e os juízos de valor ou finalmente do pôr em evidência a causalidade nomeadamente através da comparação Mas o seu estudo mais célebre é LÉthique protestante et lesprit du capitalisme 1920 onde Weber demonstra que os comportamentos dos indivíduos só são inteligíveis se se tomar em consideração as suas concepções do mundo uma parte das quais é constituída pelas crenças religiosas É pois bem sem razão que se reduz por vezes a tese weberiana a uma crítica de Marx segundo a qual a religião explicaria a economia É verdade que há homologia estrutural entre o capitalismo e a ética protestante e é de facto esse ethos que caracteriza o puritano e que está ausente de todas as civilizações não ocidentais que os seus Aufsätze zur Religions soziologie 1920 puseram em evidência Para falar verdade todos os trabalhos de história social e económica de Weber são uma procura da solução para a obsidiante questão da especificidade histórica do capitalismo Será no seu magnum opus inacabado Economie et société 1922a que ele sistematizará a sua sociologia religiosa integrandoa numa sociologia geral Embora esta obra não esteja escrita more geometrico o projecto weberiano é de facto o de construir todo o edifício social a partir de elementos irredutíveis de formas complexas a partir de tipos puros Ora para Weber o átomo sociológico é o indivíduo e não as estruturas que se tem tendência a coisificar A partir das 476 acções dos indivíduos que classifica em quatro tipos racional em finalidade racional em relação a um valor afectiva tradicional Weber deduz os conceitos de relações sociais de comunidade de agrupamento etc explica as regularidades e as legitimidades Assim por síntese abstractiva progressiva constrói os tiposideais das sociologias económica política religiosa jurídica FIM 477