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Anais do SITED Seminário Internacional de Texto Enunciação e Discurso Porto Alegre RS setembro de 2010 Núcleo de Estudos do Discurso Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul A ENUNCIAÇÃO E OS NÍVEIS DA ANÁLISE LINGUÍSTICA Valdir do Nascimento Flores1 Introdução Este trabalho defende que a abordagem linguísticoenunciativa não se limita a um determinado nível da língua mas perpassa todo o estudo da língua Centrase a argumentação na definição das unidades de análise de acordo com Émile Benveniste em Os níveis da análise lingüística texto de 1964 Segundo esse texto cada unidade de análise é definida simultaneamente em função de sua distribuição dentre as de mesmo nível e de sua integração em nível superior Na sequência deste trabalho enfatizamos essa relação distribuiçãointegração que consideramos de fronteira designandoa como transversalidade enunciativa a qual se caracteriza por permitir ver a língua como um todo atravessado pelas marcas da enunciação O conceito é ilustrado com a análise dos pronomes ditos pessoais e da distinção entre nãopessoa e pessoa proposta por Benveniste no texto Estrutura das relações de pessoa no verbo texto publicado em 1946 Nele enfatizamos as correlações de pessoalidade que opõe as pessoas eutu à nãopessoa ele e de subjetividade interior à precedente que opõe eu a tu Uma observação preliminar para falar em enunciação O conceito de enunciação no contexto dos trabalhos de Émile Benveniste é amplo não diretivo e principalmente caracterizado por uma nãounicidade Isso se deve à impossibilidade de se afirmar que os textos de Benveniste comumente atribuídos à chamada teoria da enunciação formam um conjunto homogêneo Cada um foi produzido em momento diferente e as relações que podem haver entre eles não são nem de linearidade nem de homogeneidade Com isso estamos querendo dizer algo que facilmente poderia passar por uma obviedade mas que nem sempre é lembrado quando o que está em questão é a teoria enunciativa benvenistiana os textos de Benveniste não podem ser lidos como se fossem contemporâneos um do outro Isso decorre do fato de o autor não ter proposto uma teoria enunciativa tal como hoje em dia atribuímos a ele Se lermos com atenção os Problemas de lingüística geral em momento algum encontramos o sintagma teoria da enunciação nem mesmo um objetivo explícito de formular tal teoria A teoria enunciativa atribuída a Benveniste cuja unicidade é propagada em livros e manuais de linguística é mais uma construção feita a posteriori pelos leitores dos textos do que propriamente uma intenção explícita de Benveniste A consequência disso é que os textos também não podem ser comparados entre si ao menos não de uma maneira que ignore a singularidade teóricometodológica que cada texto carrega Em síntese cada texto de Benveniste dedicado ao estudo da enunciação propõe categorias de análise teoriza sobre elas e desenvolve as análises dentro desses limites propostos Logo não podem ser tomados como se constituíssem um conjunto coeso de proposições teóricometodológicas Pensamos ser indicadora de 1 Professor do Instituto de Letras da UFRGS Doutor em Letras bolsista PQCNPq Email valdirnfyahoocombr 396 Anais do SITED Seminário Internacional de Texto Enunciação e Discurso Porto Alegre RS setembro de 2010 Núcleo de Estudos do Discurso Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul leitura redutora da teoria benvenistiana quando não equivocada a simples passagem de um texto a outro sem a explicitação das mudanças implicadas em tal passagem Assim parecenos mais adequado considerar no mínimo alguns pontos norteadores da leitura da teoria enunciativa de Benveniste Primeiramente é necessário selecionar um corpus teórico de referência Em outras palavras as noções os conceitos os termos as definições e as relações desses entre si precisam ser contextualizadas em um corpus teórico Por exemplo a distinção pessoanão pessoa é formulada num conjunto de artigos voltados ao estudo do verbo e do pronome produzidos em sua maioria nas décadas de quarenta e cinquenta do século XX sendo menos comum sua presença em textos da década de sessenta Encontramos essa distinção em Estrutura das relações de pessoa no verbo de 1946 As relações de tempo no verbo francês de 1959 A natureza dos pronomes de 1956 Da subjetividade na linguagem de 1958 e em Estrutura da língua estrutura da sociedade de 1968 A consequência da instauração de um ponto de vista de leitura que considere um corpus textual de referência é que estariam excluídos desse corpus textos como O aparelho formal da enunciação de 1970 por exemplo Em segundo lugar cada texto deve ser lido inicialmente em sua imanência Qualquer comparação entre os textos precisa ser uma decorrência do entendimento do que cada texto desenvolve do ponto de vista teóricometodológico Por exemplo a análise do verbo proposta em Da subjetividade na linguagem de 1958 não é a mesma que a proposta em 1970 em O aparelho formal da enunciação No primeiro a análise do verbo contribui para ilustrar alguns efeitos da mudança de perspectiva que a subjetividade pode introduzir Benveniste 1988 p290 Assim A enunciação identificase com o próprio ato Essa condição porém não se dá no sentido do verbo é a subjetividade do discurso que a torna possível Pode verse a diferença substituindose je jure por il jure Enquanto je jure é um compromisso il jure é apenas uma descrição no mesmo plano de il court il fume ele corre ele fuma Vêse aqui em condições próprias dessas expressões que o mesmo verbo segundo seja assumido por um sujeito ou esteja colocado fora da pessoa toma um valor diferente É uma conseqüência do fato de que a própria instância de discurso que contém o verbo apresenta o ato ao mesmo tempo em que fundamenta o sujeito Assim o ato é cumprido pela instância e enunciação do seu nome que é jurar ao mesmo em que o sujeito é apresentado pela instância de enunciação do seu indicador que é eu Benveniste 1988 p292293 No segundo texto no O Aparelho formal da enunciação a análise do verbo está ligada às outras marcas da enunciação as que são menos evidentes menos categorizáveis Observemos organizamse aqui todos os tipos de modalidades formais uns pertencentes aos verbos como os modos optativo subjuntivo que enunciam atitudes do enunciador do ângulo daquilo que enuncia expectativa desejo apreensão Benveniste 1989 p87 A partir disso a seguir falaremos mais detidamente na noção de enunciação para em seguida relacionála aos níveis da análise linguística 397 Anais do SITED Seminário Internacional de Texto Enunciação e Discurso Porto Alegre RS setembro de 2010 Núcleo de Estudos do Discurso Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul A enunciação Em função do que dissemos acima é fácil deduzir que há mais de um conceito de enunciação nos textos de Benveniste E realmente há basta uma vista dolhos em O aparelho formal da enunciação por exemplo para vermos que ali há várias noções de enunciação aspecto fônico aspecto da semantização aspecto do quadro formal etc Então qual conceito utilizaremos aqui e por quais motivos Em resposta diríamos que o critério de seleção devese ao propósito que temos com este trabalho qual seja defender que a abordagem enunciativa de linha benvenistiana não se limita a um determinado nível da língua mas atravessa todo o estudo da língua isto é a enunciação está presente em todos os níveis da análise linguística Ora se esse é o nosso intuito então parece que o conceito de enunciação no qual devemos nos ancorar deve ser aquele que está formulado mais proximamente ao texto Os níveis da análise lingüística de 1964 texto em que Benveniste teoriza diretamente a análise linguística na sua relação com os níveis da língua O termo enunciação não aparece em Os níveis da análise lingüística no entanto Benveniste teoriza nesse texto sobre algo que é muito próximo do que ele virá a chamar de enunciação no texto de 1970 dedicado especificamente ao tema Tratase da noção de frase Frase é mais um dos termos utilizados por Benveniste que devem nos encher de desconfiança Apesar de ser um termo de largo uso na terminologia linguístico gramatical na teoria benvenistiana ele não tem sentido próximo ao que tem quando utilizada no âmbito dos estudos gramaticais Há nesse texto um primeiro sentido de frase o sentido proposicional Benveniste utiliza frase em Os níveis da análise lingüística em um primeiro momento para falar do caráter distintivo entre todos inerente à frase de ser um predicado Benveniste 1988 p137 Segundo ele Todos os outros caracteres que se podem reconhecerlhe são secundários com relação a esse O número de signos que entram numa frase é indiferente sabemos que um único signo basta para constituir um predicado Igualmente a presença de um sujeito junto de um predicado não é indispensável o termo predicativo da proposição bastase a si mesmo uma vez que é em realidade o determinante do sujeito A sintaxe da proposição não é mais que o código gramatical que lhe organiza a disposição As entonações na sua variedade não têm valor universal e continuam a ser de apreciação subjetiva Só o caráter predicativo da proposição pode assim valer como critério Situaremos a proposição ao nível categoremático Benveniste 1988 p137138 Desse uso de frase não nos ocuparemos aqui Interessanos o segundo uso do termo À frase nesse texto é atribuído outra noção ligada a uma dupla propriedade Qual é essa dupla propriedade De um lado a frase é vista como uma unidade discreta um segmento de discurso A frase é uma unidade na medida em que é um segmento de discurso Benveniste 1988 p139 por outro lado a frase é vista como atualização como a língua em ação A frase criação indefinida variedade sem limite é a própria 398 Anais do SITED Seminário Internacional de Texto Enunciação e Discurso Porto Alegre RS setembro de 2010 Núcleo de Estudos do Discurso Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul vida da linguagem em ação Benveniste 1988 p139 consequentemente ela passa a ser vista como particular Vemos nessa dupla propriedade da frase a condição que a toma analisável para o próprio locutor a começar pela aprendizagem que ele faz do discurso quando aprende a falar e pelo exercício incessante da sua atividade de linguagem em todas as situações Benveniste 1988 p140 grifo nosso Benveniste ao definir frase simultaneamente na dimensão da língua em ação e na dimensão de segmento do discurso produz outro entendimento de frase já que nela introduz o sentido e a referência A frase é uma unidade na medida em que é um segmento de discurso e não na medida em que poderia ser distintiva com relação a outras unidades do mesmo nível o que ela não é corno vimos É porém uma unidade completa que traz ao mesmo tempo sentido e referência sentido porque é enformada de significação e referência porque se refere a uma determinada situação Os que se comunicam têm justamente isto em comum uma certa referência de situação sem a qual a comunicação como tal não se opera sendo inteligível o sentido mas permanecendo desconhecida a referência Benveniste 1988 p139140 grifo nosso Esse duplo entendimento de frase como predicação e como segmento do discurso na dimensão da língua em ação permite a Benveniste afirmar a existência de duas linguísticas e os termos da passagem de uma à outra Eis aí verdadeiramente dois universos diferentes embora abarquem a mesma realidade e possibilitem duas lingüísticas diferentes embora os seus caminhos se cruzem a todo instante Há de um lado a língua conjunto de signos formais destacados pelos procedimentos rigorosos escalonados por classes combinados em estruturas e em sistemas de outro a manifestação da língua na comunicação viva Benveniste 1988 p139 Isso posto cabe indagar que entendimento de enunciação decorre da dupla propriedade da frase A frase tem a dupla propriedade de ao mesmo tempo ser uma unidade do discurso com sentido e referência Essa propriedade da frase é relativa aos interlocutores É no discurso atualizado em frases que a língua se forma e se configura Benveniste 1988 p140 A frase tem um papel na atualização da língua em discurso Nesse sentido frase não é muito distante do que será colocado sob a denominação de enunciação em A semiologia da língua a língua se manifesta pela enunciação que contém referência a uma situação dada falar é sempre falarde Benveniste 1989 p63 A seguir falaremos sobre a relação entre a enunciação e os níveis da análise linguística 399 Anais do SITED Seminário Internacional de Texto Enunciação e Discurso Porto Alegre RS setembro de 2010 Núcleo de Estudos do Discurso Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Os níveis da análise linguística Émile Benveniste no texto Os níveis da análise lingüística de 1964 considera que a noção de nível é essencial na determinação do procedimento de análise porque somente ela é capaz de fazer justiça à natureza articulada da linguagem e ao caráter discreto dos seus elementos Benveniste centrase na definição das unidades de análise propondo que cada unidade de análise é definida em função de sua integração noutra unidade de um nível superior Assim as unidades de um determinado nível se distribuem nesse nível e são chamadas de unidades constituintes desse nível as quais por sua vez somente podem ser assim definidas se simultaneamente forem também unidades integrantes de um nível superior A capacidade de integração em um nível superior diz respeito ao sentido a capacidade de distribuição em um mesmo nível como constituinte diz respeito à forma O que Benveniste chama de nível da análise linguística então não é o que comumente se encontra na linguística geral sob determinados rótulos a fonologia a sintaxe a morfologia etc Para Benveniste um nível se define em função das relações distribucionais e integrativas que suas unidades têm Logo haveria sempre relações que entendemos ser de fronteira entre os planos da língua Como é abordada a enunciação nessa proposta Falaremos nisso a seguir A transversalidade enunciativa enunciação e níveis da análise Nesse item pensamos em propor uma forma de ver a enunciação com relação à noção de nível de análise explicitada sumariamente acima Para isso partimos de um a priori o estudo da anunciação não se limita a certos mecanismos da língua mas compreende a língua na sua totalidade Qualquer fenômeno linguístico de qualquer nível sintático morfológico fonológico etc pode ser abordado desde o ponto de vista da enunciação Assim os níveis da análise linguística têm estatuto diferenciado quando estamos analisando a língua pelo viés enunciativo Primeiro porque Benveniste concebeos formados por unidades que estão em relação de distribuição e integração de forma e sentido portanto em uma organização que consideramos ser de fronteira Segundo porque a enunciação tal como a definimos acima é relacionada à dupla propriedade da frase Os níveis estão numa interrelação muito singular para criar sentido e referência Denominamos esse mecanismo de interrelação entre os níveis de transversalidade enunciativa A transversalidade enunciativa é o nome que damos à nossa proposta de análise da enunciação Vejamos abaixo um exemplo de transversalidade enunciativa tirado dos textos do próprio Benveniste Tratase da análise presente em Estrutura das relações de pessoa no verbo de 1946 que permite distinguir as correlações de pessoalidade que opõe as pessoas eutu à nãopessoa ele e as de subjetividade interior à precedente que opõe eu a tu Antes porém cabe uma ressalva Benveniste nunca utilizou o termo transversalidade enunciativa para nomear suas análises Transversalidade enunciativa é um termo que cunhamos com base em Benveniste para identificar nossa forma de ver a enunciação nos níveis da análise linguística Nunca é demais ratificar tratase de uma leitura nossa e não de uma proposta de Benveniste 400 Anais do SITED Seminário Internacional de Texto Enunciação e Discurso Porto Alegre RS setembro de 2010 Núcleo de Estudos do Discurso Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Em Estrutura das relações de pessoa no verbo texto publicado em 1946 Benveniste faz a seguinte consideração as expressões da pessoa verbal são no seu conjunto organizadas por duas correlações constantes 1 Correlação de personalidade que opõe as pessoas eutu à nãopessoa ele 2 Correlação de subjetividade interior à precedente e opondo eu a tu Retomemos o essencial da reflexão de Benveniste nesse texto2 A teoria da pessoa verbal se dá sobre a base das oposições que diferenciam as pessoas a Nas duas primeiras pessoas há ao mesmo tempo uma pessoa implicada e um discurso sobre essa pessoa Eu designa aquele que fala e implica ao mesmo tempo um enunciado sobre o eu dizendo eu não posso deixar de falar de mim Na segunda pessoa tu é necessariamente designado por eu e não pode ser pensado fora de uma situação proposta a partir do eu e ao mesmo tempo eu enuncia algo como um predicado de tu b Da terceira pessoa porém um predicado é bem enunciado somente fora do eutu essa forma é assim exceptuada da relação pela qual eu e tu se especificam Daí ser questionável a legitimidade dessa forma como pessoa A forma dita de terceira pessoa comporta realmente uma indicação de enunciado sobre alguém ou alguma coisa mas não referida a uma pessoa específica O elemento variável e propriamente pessoal dessas denominações falta aqui A terceira pessoa não é uma pessoa é inclusive a forma verbal que tem por função exprimir a nãopessoa Resumo eu e tu são pessoa ele é nãopessoa Eis a correlação de pessoalidade Porém se eu e tu caracterizamse pela marca de pessoa isso não significa que sejam de mesma natureza sentese bem que por sua vez se opõem um ao outro no interior da categoria que constituem por um traço cuja natureza lingüística é preciso definir p254 c Há uma oposição entre a pessoaeu e a pessoa nãoeu O que diferencia eu de tu é em primeiro lugar o fato de ser no caso de eu interior ao enunciado e exterior a tu mas exterior de maneira que não suprime a realidade humana do diálogo eu é sempre transcendente com relação a tu Quando saio de mim para estabelecer uma relação viva com um ser encontro ou proponho necessariamente um tu que é fora de mim a única pessoa imaginável Resumo interioridade e transcendência pertencem particularmente ao eu e se invertem em tu Poderseá então definir o tu como a pessoa não subjetiva em face da pessoa subjetiva que eu representa Eis a correlação de subjetividade Conclusão essas duas pessoas se oporão juntas à forma de nãopessoa 2 As partes em itálico são retiradas ipsis litteris do referido artigo 401 Anais do SITED Seminário Internacional de Texto Enunciação e Discurso Porto Alegre RS setembro de 2010 Núcleo de Estudos do Discurso Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Considerações finais A partir dessa análise é possível considerar que a enunciação é um ponto de vista da análise um ponto de vista que incide em cada um dos níveis separadamente eou em interrelação Assim a enunciação é em nossa perspectiva sempre transversal e nunca linear Esse é seu lugar metodológico Parecenos que é dessa forma que Benveniste consegue estabelecer a distinção entre correlação de pessoalidade e correlação de subjetividade Sua análise coloca os níveis lexical pragmático e sintático em interrelação simultaneamente na enunciação A transversalidade enunciativa releva de uma interrelação entre os níveis canonicamente considerados pela linguística clássica sem se reduzir a eles Referências BENVENISTE Émile Problemas de lingüística geral I Campinas Pontes 1988 BENVENISTE Émile Problemas de lingüística geral II Campinas Pontes 1989 402 Enunciado em PaulMichel Foucault Prof Me Aureir A Brito Linguística II Filósofo francês PaulMichel Foucault Nascido em 15101926 Poitiers França Morreu em 25061984 Paris França Nascido em uma família tradicional de médicos Michel Foucault frustrou as expectativas de seu pai cirurgião e professor de anatomia em Poitiers ao interessarse por história e filosofia Apoiado pela mãe Anna Malapert mudouse para Paris em 1945 e antes de conseguir ingressar na École Normale da rue dŽUlm foi aluno do filósofo Jean Hyppolite que lhe apresentou à obra de Hegel Quem é Em 1946 conseguiu entrar na École Normale Seu temperamento fechado o fez uma pessoa solitária agressiva e irônica Em 1948 após uma tentativa de suicídio iniciou um tratamento psiquiátrico Em contato com a psicologia a psiquiatria e a psicanálise leu Platão Hegel Marx Nietzsche Husserl Heidegger Freud Bachelard Lacan e outros aprofundandose em Kant embora criticasse a noção do sujeito enquanto mediador e referência de todas as coisas já que para ele o homem é produto das práticas discursivas Dois anos depois Foucault se licenciou em Filosofia na Sorbonne e no ano seguinte formouse em Psicologia Em 1950 entrou para o Partido Comunista Francês mas afastouse devido a divergências doutrinárias No ano de 1952 cursou o Instituto de Psychologie e obteve diploma de Psicologia Patológica No mesmo ano tornouse assistente na Universidade de Lille Foucault lecionou psicologia e filosofia em diversas universidades na Alemanha na Suécia na Tunísia nos Estados Unidos e em outras Escreveu para diversos jornais e trabalhou durante muito tempo como psicólogo em hospitais psiquiátricos e prisões Michel Foucault Em Defesa da Sociedade Michel Foucault Estratégia Poder Saber Nascimento da Clínica Michel Foucault A HERMENÊUTICA DO SUJEITO Michel Foucault O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS Michel Foucault Arqueologia da Ciência e História dos Sistemas de Pensamento Michel Foucault Problematizações de Si Nos Poderes Negativos e Positivos Michel Foucault OS ANORMAIS Viajou o mundo fazendo conferências Em 1955 mudouse para Suécia onde conheceu Dumézil Este contato foi importante para a evolução do pensamento de Foucault Conviveu com intelectuais importantes como JeanPaul Sartre Jean Genet Canguilhem Gilles Deleuze MerlauPonty Henri Ey Lacan Binswanger etc Aos 28 anos publicou Doença Mental e Psicologia 1954 mas foi com História da Loucura 1961 sua tese de doutorado na Sorbone que ele se firmou como filósofo embora preferisse ser chamado de arqueólogo dedicado à reconstituição do que mais profundo existe numa cultura arqueólogo do silêncio imposto ao louco da visão médica O Nascimento da Clínica 1963 das ciências humanas As Palavras e as Coisas 1966 do saber em geral A Arqueologia do Saber 1969 Esteve no Brasil em 1965 para conferência à convite de Gerard Lebrun seu aluno na rue dUlm em 1954 Em 1971 ele assumiu a cadeira de Jean Hyppolite na disciplina História dos Sistemas de Pensamento A aula inaugural foi A Ordem do discurso A obra seguinte Vigiar e Punir é um amplo estudo sobre a disciplina na sociedade moderna para ele uma técnica de produção de corpos dóceis Foucault analisou os processos disciplinares empregados nas prisões considerandoos exemplos da imposição às pessoas e padrões normais de conduta estabelecida pelas ciências sociais A partir desse trabalho explicitouse a noção de que as formas de pensamento são também relações de poder que implicam a coerção e imposição Em seus escritos sobre medicina Foucault criticou a psiquiatria e a psicanálise tradicionais Deixou inacabado seu mais ambicioso projeto História da Sexualidade que pretendia mostrar como a sociedade ocidental faz do sexo um instrumento de poder não por meio da repressão mas da expressão O primeiro dos seis volumes anunciados foi publicado em 1976 sob o título A Vontade de Saber Em 1984 pouco antes de morrer publicou outros dois volumes da História da Sexualidade O Uso dos Prazeres que analisa a sexualidade na Grécia Antiga e O Cuidado de Si que trata da Roma Antiga Foucault teve vários contatos com diversos movimentos políticos Engajouse nas disputas políticas nas Guerras do Irã e da Turquia O Japão é também um local de discussão para Foucault Várias vezes esteve no Brasil onde realizou conferências e firmou amizades Foi no Brasil que pronunciou as importantes conferências sobre A Verdade e as Formas Jurídicas na PUC do Rio de Janeiro Os Estados Unidos atraíram Foucault em função do apoio à liberdade intelectual e em função de São Francisco cidade onde Foucault pôde vivenciar algumas experiências marcantes em sua vida pessoal no que diz respeito à sua homossexualidade Berkeley tornouse um pólo de contato entre Foucault e os Estados Unidos Em 25 junho de 1984 em função de complicadores provocados pela AIDS Foucault morreu aos 57 anos em plena produção intelectual Qual foi o objeto de minha pesquisa E estava em meus propósitos descrever o quê Enunciados Ora tive o cuidado de não dar uma definição preliminar de enunciado 1969 p 90 A arqueologia do saberMichel Foucault tradução de Luiz Felipe Baeta Neves 7ed Rio de Janeiro Forense Universitária 2008 A significação tão flutuante da palavra discurso creio terlhe multiplicado os sentidos ora domínio geral de todos os enunciados ora grupo individualizável de enunciados ora prática regulamentada dando conta de um certo número de enunciados 1969 p 90 Eis portanto a tarefa atual ver se é mesmo do enunciado que se trata na análise das formações discursivas De nada adiantaria alegar contra essa equivalência que alguns enunciados podem ser compostos fora da forma canônica sujeitoligaçãopredicado por um simples sintagma nominal Este homem ou por um advérbio Perfeitamente ou por um pronome pessoal Você 1969 p 92 Será preciso finalmente admitir que o enunciado não pode ter caráter próprio e que não é suscetível de definição adequada É evidente que os enunciados não existem no sentido em que uma língua existe e com ela um conjunto de signos definidos por seus traços oposicionais e suas regras de utilização a língua na verdade jamais se apresenta em si mesma e em sua totalidade Se não houvesse enunciados a língua não existiria mas nenhum enunciado é indispensável à existência da língua Língua e enunciado não estão no mesmo nível de existência e não podemos dizer que há enunciados como dizemos que há línguas Mas basta então que os signos de uma língua constituam um enunciado O enunciado portanto não existe nem do mesmo modo que a língua nem do mesmo modo que objetos quaisquer apresentados à percepção O enunciado não é uma unidade do mesmo gênero da frase proposição ou ato de linguagem não se apóia nos mesmos critérios mas não é tampouco uma unidade como um objeto material poderia ser tendo seus limites e sua independência Ninguém ouviu e é verdade que ninguém ouviu são indiscerníveis do ponto de vista lógico e não podem ser consideradas como duas proposições diferentesibid p91 No entanto Não se podem encontrar em um mesmo lugar no plano do discurso nem pertencer exatamente ao mesmo grupo de enunciados Nos dois casos tratase da mesma estrutura proposicional mas de caracteres enunciativos bastante distintos ibid O enunciado seria então uma Proposição Proposição Podese na verdade ter dois enunciados perfeitamente distintos que se referem a agrupamentos discursivos bem diferentes onde não se encontra mais que uma proposição suscetível de um único e mesmo valor obedecendo a um único e mesmo conjunto de leis de construção e admitindo as mesmas possibilidades de utilização ibid p 91 O enunciado seria uma Frase Os gramáticos reconhecem enquanto frases sentenças que tenham sido formadas de forma independente mesmo que tenham sido obtidas por uma série de transformações O contexto Ex Você Perfeitamente Este homem Enunciados independentes Frase Os gramáticos atribuem o status de frases aceitáveis a conjuntos de elementos linguísticos que não foram corretamente construídos contanto que sejam interpretáveis atribuem em compensação o status de frases gramaticais a conjuntos interpretáveis contanto que tenham sido corretamente formados Diz que podemse equivaler sim frase e enunciado porém não se pode totalizar enunciado somente como frase ibid p 92 Frase A forma qual se organiza o dicionário também pode ser considerado um enunciado Amare amo amas amat 0 1 2 3 4 5 6 7 8 1x no mês 1x p semana 3x p semana 7x p semana Vezes que o sujeito vai à Igreja Céu Inferno Exemplo de Enunciado sem frase Gráfico Frase À partir do gráfico temos a seguinte leitura possível À medida que os FIÉS vão à Igreja MAIS CHANCES têm de ir pro CÉU E ao mesmo tempo À medida que os FIÉIS não vão à Igreja MAIS CHANES têm de ir pro INFERNO Ou ainda À medida que os FIÉS não vão à Igreja MENOS CHANCES têm de ir pro CÉU Também podemos ter À medida que os FIÉIS vão à Igreja MENOS CHANES têm de ir pro INFERNO Frase O enunciado se dá através de vários gêneros textuais Não só uma estrutura gramaticalmente considerada Uma árvore genealógica um livro contábil as estimativas de um balanço comercial são enunciados ibid O enunciado seria um Speech ActAto ilocutório A atividade ilocucional ato ilocutório seria o conjunto de atos cumpridos convencionalmente pelo exercício da fala incluindo ai a afirmação GUIMARÃES p 39 Ato ilocutório ordem promessa juramento prece contrato Ex Declaro iniciada a reunião Speech ActAto ilocutório O ato ilocutório é o que se produziu pelo próprio fato de ter sido enunciado e precisamente esse enunciado e nenhum outro em circunstâncias bem determinadas ibid p94 Foucault considera Condições de Produção e o que acarreta a partir do Ato ilocutório Enquanto fora produzido como ocorreu Onde Porque Que efeitos surtiram Speech ActAto ilocutório Diante disso Foucault critica os analistas por não considerar as condições de produção Logo que se considera suas condições de produção o ato ilocutório é formado por vários enunciados Ex preces Speech ActAto ilocutório Podese então supor que a individualização dos enunciados depende dos mesmos critérios que a demarcação dos atos de formulação cada ato tomaria corpo em um enunciado e cada enunciado seria internamente habitado por um desses atos Existiriam um pelo outro e em uma exata reciprocidadeibid p94 Sobre o Enunciado encontramos enunciados sem estrutura proposicional legítima encontramos enunciados onde não se pode reconhecer nenhuma frase encontramos mais enunciados do que os speech acts que podemos isolar como se o enunciado fosse mais tênue menos carregado de determinações menos fortemente estruturado mais onipresente também que todas essas figuras como se seus caracteres fossem em número menor e menos difíceis de serem reunidos mas como se por isso mesmo ele recusasse toda possibilidade de descrição ibid p95 Sobre o Enunciado não se requer uma construção linguística regular para formar um enunciado esse pode ser constituído de uma série de probabilidade mínima Ex Teclado de computador QWERTY Sobre o Enunciado ele é indispensável para que se possa dizer se há ou não frase proposição ato de linguagem e para que se possa dizer se a frase está correta ou aceitável ou interpretável se a proposição é legítima e bem constituída se o ato está de acordo com os requisitos e se foi inteiramente realizado Sobre o Enunciado é que ele não é em si mesmo uma unidade mas sim uma função que cruza um domínio de estruturas e de unidades possíveis e que faz com que apareçam com conteúdos concretos no tempo e no espaço Sobre o Enunciado O enunciado não é pois uma estrutura isto é um conjunto de relações entre elementos variáveis autorizando assim um número talvez infinito de modelos concretos é uma função de existência que pertence exclusivamente aos signos e a partir da qual se pode decidir em seguida pela análise ou pela intuição se eles fazem sentido ou não segundo que regra se sucedem ou se justapõem de que são signos e que espécie de ato se encontra realizado por sua formulação oral ou escrita O Enunciado Seria desta maneira um signo discursado Algo que quando proferido remete a sua materialidade O enunciado seria assim um signo exposto em determinado tempo e espaço que terá sua interpretação e estrutura comprometida segundo a visão de quem o toma para si em seu significado O Enunciado Mas o signo pode estar exposto de forma arbitrária ou não para um determinado eventosujeito e outro não É aquilo que toma significado e é usado para discursar em favor de um sujeitoinstituição para validar algo implícito no discurso O Enunciado Mas a medida que o enunciado vai sendo recopiado produz outros enunciados pois muda o tempo e espaço já que quando se diz algo duas vezes não terá o mesmo sentido Mudase o tempo Referências Bibliográficas Foucault Michel A arqueologia do saber tradução de Luiz Felipe Baeta Neves 7 ed Rio de Janeiro Forense Universitária 7 ed 2008 GUIMARÃES Eduardo Os Limites Do Sentido um estudo histórico e enunciativo da linguagem Campinas SP Pontes 2 edição 2002 U lb tl t Pro Farls Michaele O U C A U L T M ic h e l A o rd e m d o d is c u rs o 0 9 1 9 5 2 1111111111111111111111111111 MICHEL FOUCAULT A ORDEM DO DISCURSO AuLA INAUGURAL NO COLLEGE DE FRANCE PRiNUNCIADA EMZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 2 DE DEZEMBRO DE 1970 Tradução Laura Fraga de Almeida Sampaio IL O S Ó F IC A S I 0 1 1 1 1 1 d o lis u rs o 11c J 11 fiO 1 1111 r S I lic o s o b re rTSRQPONMLKJIHGFEDCBA ta c q tu Morltaln u lo X X J 109 J vTSRQPONMLKJIHGFEDCBA fD DOACAO DATA f R lüulo riginal I c m lr e d u d is c o u r s L e ç o n in a u g u r a le a u C o lle g e d e F r a n c e p lo llo llc é e le 2 d é c e m b r e 1 9 7 0 rancine Fruchaud e Denys Foucault Paris Publicado na França por Éditions Gallimard Paris 1971 Ed ição de texto M a r c o s J o s é M a r c io n io Indicação editorial P r o J a Dr S a lm a T a n n u s M u c h a Edições Loyola Ru 1822 n 347 Ipiranga 04216000 São Paulo SP C ixa Postal 42335 4299970 São Paulo SP I ne Oll 69141922 lax 011 634275 lZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA lo rn e page wwwecoforgbrloyolI c mail loyolaihmnet Iodo os direitos reservados Nenhuma parte desta o h lll pode ser reproduzida ou transmitida por qual qUI forma eJou quaisquer meios eletrônico ou me nlco incluindo fotocópia e gravação ou arquivada 1 1 1 qualquer sistema ou banco de dados sem perrnis llu cs dia da Editora lilN 855013592 l dição abril de 1996 t 1111 LOYOLA São Paulo Brasil 1996 G ostaria de me insinuar subrepticia mente no discurso que devo pro nunciar hoje e nos que deverei pronunciar aqui talvez durante anos Ao Invés de to mar a palavra gostaria de ser envolvido por ela e levado bem além de todo começo possível Gostaria de perceber que no mo mento de falar uma voz sem nome me pre cedia há muito tempo bastaria então que eu encadeasse prosseguisse a frase me alo jasse sem ser percebido em seus interstí cios como se ela me houvesse dado um sinal mantendose por um instante sus pensa Não haveria portanto começo e em Nota do Editor Por motivo de horário certas pas agens foram encurtadas e modificadas na leitura Essas pas agens foram aqui reproduzidas na íntegra v zZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA d r aquele de quem parte o discurso u ria antes ao acaso de seu desenrolar uma treita lacuna o ponto de seu desapa r imento possível Gostaria de ter atrás de mim tendo tomado a palavra há muito tempo dupli ando de antemão tudo o que vou dizer uma voz que dissesse É preciso continuar eu não posso continuar é preciso continuar é preciso pronunciar palavras enquanto as há é preciso dizêIas até que elas me en contrem até que me digam estranho castigo estranha falta é preciso continuar talvez já tenha acontecido talvez já me te nham dito talvez me tenham levado ao li miar de minha história diante da porta que abre sobre minha história eu me surpre nderia se ela se abrisse ponde de modo irônico pois que torna os começos solenes cercaos de um círculo de atenção e de silêncio e lhes impõe formas ritualizadas como para sinalizáIas à dis tância o desejo diz Eu não queria ter de entrar nesta ordem arriscada do discurso não queria ter de me haver com o que tem de categórico e decisivo gostaria que fosse ao meu redor como uma tranparência cal ma profunda indefinidamente aberta em que os outros respondessem à minha ex pectativa e de onde as verdades se elevas sem uma a uma eu não teria senão de me deixar levar nela e por ela como um des troço feliz E a instituição responde Você não tem por que temer começar estamos todos aí para lhe mostrar que o discurso está na ordem das leis que há muito tempo se cuida de sua aparição que lhe foi prepa rado um lugar que o honra mas o desarma e que se lhe ocorre ter algum poder é de nós só de nós que ele lhe advém Mas pode ser que essa instituição e esse desejo não sejam outra coisa senão dua r Existe em muita gente penso eu um I ejo semelhante de não ter de começar U I1 1 íesejo de se encontrar logo de entrada do utro lado do discurso sem ter de con s i I rar do exterior o que ele poderia ter de ill ru la r de terrível talvez de maléfico A aspir ão tão comum a instituição res 7 p lizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA opostas a uma mesma inquietação inqui ração diante do que é o discurso em u realidade material de coisa pronunciada u escrita inquietação diante dessa existên ia transitória destinada a se apagar sem dú vida mas segundo uma duração que não nos pertence inquietação de sentir sob essa atividade todavia cotidiana e cinzenta po deres e perigos que mal se imagina inquie tação de supor lutas vitórias ferimentos dominações servidões através de tantas pa lavras cujo uso há tanto tempo reduziu as asperidades Mas o que há enfim de tão perigoso no fato de as pessoas falarem e de seus dis ursos proliferarem indefinidamente Onde final está o perigo Eis a hipótese que gostaria de apresen tar ta noite para fixar o lugar ou tal v e z teatro muito provisório do traba lh o qu faço suponho que em toda socie du lc a produção do discurso é ao mesmo 8 tempo controlada selecionada organizada e redistribuída por certo número de proce dimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos dominar seu aconteci mento aleatório esquivar sua pesada e te mível materialidade Em uma sociedade como a nossa co nhecemos é certo procedimentos deTSRQPONMLKJIHGFEDCBA e x c lu s ã o O mais evidente o mais familiar tam bém é a in te r d iç ã o Sabese bem que não se tem o direito de dizer tudo que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância que qualquer um enfim não pode falar de qual quer coisa Tabu do objeto ritual da cir cunstância direito privilegiado ou exclusi vo do sujeito que fala temos aí o jogo de três tipos de interdições que se cruzam se reforçam ou se compensam formando uma grade complexa que não cessa de se modi ficar Notaria apenas que em nossos dias as regiões onde a grade é mais cerrada onde os buracos negros se multiplicam são as regiões da sexualidade e as da política como se o discurso longe de ser esse e ementa transparente ou neutro no qual a sexualida 9 10ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA n nem importância não podendo testemunhar na justiça não podendo autenticar um ato ou um contrato não podendo nem mesmo no sacrifício da missa permitir a transubs tanciação e fazer do pão um corpo pode ocorrer também em contrapartida que se lhe atribua por oposição a todas as outras estranhos poderes o de dizer uma verdade escondida o de pronunciar o futuro o de enxergar com toda ingenuidade aquilo que a sabedoria dos outros não porre perceber É curioso constatar que durante séculos na Europa palavra do louco não era ouvida ou então se era ouvida era escutada como uma palavra de verdade Ou caía no nada rejeitada tão logo proferida ou então neia se decifrava uma razão ingênua ou astuciosa uma razão mais razoável do que a das pes soas razoáveis De qualquer modo excluída ou secretamente investida pela razão no sen tido restrito ela não existia Era através de suas palavras que se reconhecia a loucura do louco elas eram o lugar onde se exercia a separação mas não eram nunca recolhidas nem escutadas Jamais antes do fim do sécu lo XVIII um médico teve a idéia de sab r o 11 de se desarma e a política se pacifica fosse um dos lugares onde elas exercem de modo privilegiado alguns de seus mais temíveis poderes Por mais que o discurso seja apa rentemente bem pouca coisa as interdições que o atingem revelam logo rapidamente sua ligação com o desejo e com o poder Nisto não há nada de espantoso visto que o discurso como a psicanálise nos mos trou não é simplesmente aquilo que manifesta ou oculta o desejo é também aquilo que é o objeto do desejo e visto que isto a história não cessa de nos ensinar o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de domi nação mas aquilo por que pelo que se luta o poder do qual nos queremos apoderar Existe em nossa sociedade outro prin ípio de exclusão não mais a interdição ma uma separação e uma rejeição Penso na posição razão e loucura Desde a alta ld d Média o louco é aquele cujo discurso 11 o J de circular como o dos outros pode o OlT r que sua palavra seja considerada 1111 n o eja acolhida não tendo verdade trazer ou desesperadamente reter suas po bres palavras basta pensar em tudo isto para supor que a separação longe de estar apa gada se exerce de outro modo segundo linhas distintas por meio de novas institui ções e com efeitos que não são de modo algum os mesmos E mesmo que o papel do médico não fosse senão prestar ouvido a uma palavra enfim livre é sempre na ma nutenção da cesura que a escuta se exerce Escuta de um discurso que é investido pelo desejo e que se crê para sua maior exaltação ou maior angústia carregado de terríveis poderes Se é necessário o silên cio da razão para curar os monstros basta que o silêncio esteja alerta e eis que a se paração permanece Talvez seja arriscado considerar a opo sição do verdadeiro e do falso como um terceiro sistema de exclusão ao lado daque les de que acabo de falar Como se poderia razoavelmente comparar a força da verdade com separações como aquelas separações que de saída são arbitrárias ou que ao menos se organizam em tomo de contingências his 12 13 que era dito como era dito por que era dito nessa palavra que contudo fazia a diferença Todo este imenso discurso do louco retomava ao ruído a palavra só lhe era dada simbolica mente no teatro onde ele se apresentava desarmado e reconciliado visto que represen tava aí o papel de verdade mascarada Dirseá que hoje tudo isso acabou ou está em vias de desaparecer que a palavra do louco não está mais do outro lado da separação que ela não é mais nula e não aceita que ao contrário ela nos leva à es preita que nós aí buscamos um sentido ou o esboço ou as ruínas de uma obra e que chegamos a surpreendêIa essa palavra do louco naquilo que nós mesmos articula mos no distúrbio minúsculo por onde aqui lo que dizemos nos escapa Mas tanta aten ção não prova que a velha separação não voga mais basta pensar em todo o aparato de saber mediante o qual deciframos essa palavra basta pensar em toda a rede deZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA in lituições que permite a alguém médi O p icanalista escutar essa palavra e que pcrrnit ao mesmo tempo ao paciente vir tóricas que não são apenas modificáveis mas stão em perpétuo deslocamento que são su tentadas por todo um sistema de institui ções que as impõem e reconduzem enfim que não se exercem sem pressão nem sem ao menos uma parte de violência Certamente se nos situamos no nível de uma proposição no interior de um dis curso a separação entre o verdadeiro e o falso não é nem arbitrária nem modificável nem institucional nem violenta Mas se nos situamos em outra escala se levanta mos a questão de saber qual foi qual é constantemente através de nossos discur sos essa vontade de verdade que atravessou tantos séculos de nossa história ou qual é em sua forma muito geral o tipo de sepa ração que rege nossa vontade de saber en tão é talvez algo como um sistema de ex clusão sistema histórico institucionalmen te constrangedor que vemos desenharse Separação historicamente constituída 111 certeza Porque ainda nos poetas gre g 5 do século VI o discurso verdadeiro ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA n o 5 ntido forte e valorizado do termo 14 o discurso verdadeiro pelo qual se tinha res peito e terror aquele ao qual era preciso submeterse porque ele reinava era o dis curso pronunciado por quem de direito e conforme o ritual requerido era o discurso que pronunciava a justiça e atribuía a cada qual sua parte era o discurso que profeti zando o futuro não somente anunciava o que ia se passar mas contribuía para a sua realização suscitava a adesão dos homens e se tramava assim com o destino Ora eis que um século mais tarde a verdade a mais elevada já não residia mais no queTSRQPONMLKJIHGFEDCBA e r a o discurso ou no que ele fa z ia mas residia no que ele d iz ia chegou um dia em que a verdade se deslocou do ato ritualizado efi caz e justo de enunciação para o próprio enunciado para seu sentido sua forma seu objeto sua relação a sua referência Entre Hesíodo e Platão uma certa divisão se esta beleceu separando o discurso verdadeiro e o discurso falso separação nova visto que doravante o discurso verdadeiro não é mais o discurso precioso e desejável visto que não é mais o discurso ligado ao exercício do poder O sofista é enxotado 15 Essa divisão histórica deu sem dúvida sua forma geral à nossa vontade de saber Mas não cessou contudo de se deslocar as grandes mutações científicas podem talvez ser lidas às vezes como conseqüências de uma descoberta mas podem também ser lidas como a aparição de novas formas na vontade de verdade Há sem dúvida uma vontade de verdade no século XIX que não coincide nem pelas formas que põe emjogo nem pelos domínios de objeto aos quais se dirige nem pelas técnicas sobre as quais se apóia com a vontade de saber que caracte riza a cultura clássica Voltemos um pouco atrás por volta do século XVI e do século XVII na Inglaterra sobretudo apareceu uma vontade de saber que antecipandose a seus conteúdos atuais desenhava planos de objetos possíveis observáveis mensurá veis classificáveis uma vontade de saber que impunha ao sujeito cognoscente e de c rta forma antes de qualquer experiência rta posíçao certo olhar e certa função v r em vez de ler verificar em vez de coZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 1 1 1 ntar uma vontade de saber que pres r vi e de um modo mais geral do que 16 qaluer instrumento determin d tecrnco do qual d a o o nível nheci evenam Investirse os co imentos para se f Tud rem ven icáveis e úteis o se passa como divisão platônica se a partir da grande a vontade de d d vesse sua própria história que n a edtl verdades que constran em e a as nos de obi g história dos pla etos a conhecer história da f çoes e posições do s un tória dos in sujeito cognoscente his vestlmentos materiaí mstrumentais do h aIS tecrncos con ecimento Ora essa vontade de verdad outros sistemas de 1 e como os exc usao apói um s Iase sobre uporte mstltucional e o f ao mesmo tem p re orçada e recond d tcnjunto detiacoo c aro como o sistema d r da edição das bibli os IVroS iotecas co des de sábios out mo as socieda Mas ela é també rora os laboratórios hoje em recond uzida fundamente sem d ü id mais pro UVI a pelo d o saber é r d mo o como ap ica o em uma sociedad e valorizado distributd e como modo atribuído Re dOrepartido e de certo cor emos título simbóli aqUI apenas a ICO o velho princípio grego 17 19 que a aritmética pode bem ser o assunto das cidades democráticas pois ela ensina as relações de igualdade mas somente a geome tria deve ser ensinada nas oligarquias pois demonstra as proporções na desigualdade Enfim creio que essa vontade de ver dade assim apoiada sobre um suporte e uma dístríbuição institucional tende a exercer sobre os outros discursos estou sempre falando de nossa sociedade uma espécie de pressão e como que um poder de coer ção Penso na maneira como a literatura ocidental teve de buscar apoio durante sé culos no natural no verossímil na sinceri dade na ciência também em suma no discurso verdadeiro Penso igualmente na maneira como as práticas econômicas co dificadas como preceitos ou receitas even tualmente como moral procuraram desde século XVI fundamentarse racionalizar e justificarse a partir de uma teoria das riqu zas e da produção penso ainda na 111 n ira como um conjunto tão prescritivo quant o sistema penal procurou seus su porte u sua justificaçãO primeiro é certo 18 em uma teoria do direito depois a partir do século XIX em um saber sociológico psicológico médico psiquiátrico como se a própria palavra ckl lei não pudesse mais ser autorizada em nossa sociedade senão por um discurso de verdade Dos três grandes sistemas de exclusão que atingem o discurso a palavra proibida a segregação da loucura e a vontade de verdade foi do terceiro que falei mais lon gamente É que há séculos os primeiros não cessaram de orientarse em sua direção é que cada vez mais o terceiro procura reto maIos por sua própria conta para ao mes mo tempo modificálos e fundamenralosZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA é que se os dois primeiros não cessam de se tornar mais frágeis mais incertos na medida em que são agora atravessados pela vontade de verdade esta em contrapartída não cessa de se reforçar de se tornar mais profunda e mais incontornável E contudo é dela sem dúvida que menos se fala Como se para nós a vontade de verdade e suas peripécias fossem masca radas pela própria verdade em seu desenro 20zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 21 lar necessário E a razão disso é talvez esta é que se o discurso verdadeiro não é mais com efeito desde os gregos aquele que res ponde ao desejo ou aquele que exerce o poder na vontade de verdade na vontade de dizer esse discurso verdadeiro o que está em jogo senão o desejo e o poder O dis curso verdadeiro que a necessidade de sua forma liberta do desejo e libera do poder não pode reconhecer a vontade de verdade que o atravessa e a vontade de verdade essa que se impõe a nós há bastante tempo é tal que a verdade que ela quer não pode deixar de mascaráIa Assim só aparece aos nossos olhos uma verdade que seria riqueza fecundidade for ça doce e insidiosamente universaL E igno ramos em contrapartida a vontade de ver dade como prodigiosa maquinaria destina da a excluir todos aqueles que ponto por ponto em nossa história procuraram con tornar essa vontade de verdade e recolocá la em questão contra a verdade lá justaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA m me onde a verdade assume a tarefa de i LlS Iilícar a interdição e definir a loucura todos aqueles de Nietzsche a Artaud e a Bataille devem agora nos servir de sinais altivos sem dúvida para o trabalho de todo dia Existem evidentemente muitos outros procedimentos de controle e de delimitação do discurso Aqueles de que falei até agora se exercem de certo modo doexterior fun cionam como sistemas de exclusão concer nem sem dúvida à parte do discurso que põe em jogo o poder e o desejo Podese creio eu isolar outro grupo de procedimentos Procedimentos internos visto que são os discursos eles mesmos que exercem seu próprio controle procedimen tos que funcionam sobretudo a título de princípios de classificação de ordenação de distribuição como se se tratasse desta vez de submeter outra dimensão do discurso a do acontecimento e do acaso Em primeiro lugar o comentário Su ponho mas sem ter muita certeza que nã há sociedade onde não existam narrativas maiores que se contam se repetem e se fazem variar fórmulas textos conjuntos ritualizados de discursos que se narram conforme circunstâncias bem determinadas coisas ditas uma vez e que se conservam porque nelas se imagina haver algo como um segredo ou uma riqueza Em suma podese supor que há muito regularmente nas sociedades uma espécie de desnivela mento entre os discursos os discursos que se dizem no correr dos dias e das trocas e que passam com o ato mesmo que os pronunciou e os discursos que estão na origem de certo número de atos novos de fala que os retomam os transformam ou falam deles ou seja os discursos que inde finidamente para além de sua formulaçãoTSRQPONMLKJIHGFEDCBA s ã o d ito s permanecem ditos e estão ainda por dizer Nós os conhecemos em nosso istema de cultura são os textos religiosos ou jurídicos são também esses textos eu rio os quando se considera o seu estatuto que chamamos de literários em certaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 1 1 1 lida textos científicos É certo que esse deslocamento não é estável nem constante nem absoluto Não há de um lado a categoria dada uma vez por todas dos discursos fundamentais ou criadores e de outro a massa daqueles que repetem losam e comentam Muitos tex tos maiores se confundem e desaparecem e por vezes comentários vêm tomar o pri meiro lugar Mas embora seus pontos de aplicação possam mudar a função perma nece e o princípio de um deslocamento encontrase sem cessar reposto em jogo O desaparecimento radical desse desnivelamen to não pode nunca ser senão um jogo uto pia ou angústia Jogo à moda de Borges de um comentário que não será outra coisa senão a reaparição palavra por palavra mas desta vez solene e esperada daquilo que ele comenta jogo ainda de uma crítica que falaria até o infinito de uma obra que não existe Sonho lírico de um discurso que renasce em cada um de seus pontos abso lutamente novo e inocente e que reaparece sem cessar em todo frescor a partir das coisas dos sentimentos ou dos pensamen tos Angústia daquele doente de J anet para 22 23 24 e texto segundo desempenha dois papéis que são solidários Por um lado permite cons truir e indefinidamente novos discursos o fato de o texto primeiro pairar acima sua permanência seu estatuto de discurso sem pre reatualizável o sentido múltiplo ou oculto de que passa por ser detentor a reticência e a riqueza essenciais que lhe atribuímos tudo isso funda uma possibili dade aberta de falar Mas por outro lado o comentário não tem outro papel sejam quais forem as técnicas empregadas senão o de dizerTSRQPONMLKJIHGFEDCBA e n fim o que estava articulado silencio samente no te x to p r im e ir o Deve conforme um paradoxo que ele desloca sempre mas ao qual não escapa nunca dizer pela pri meira vez aquilo que entretanto já havia sido dito e repetir incansavelmente aquilo que no entanto não havia jamais sido dito A repetição indefinida dos comentários é trabalhada do interior pelo sonho de uma repetição disfarçada em seu horizonte não há talvez nada além daquilo que já havia em seu ponto de partida a simples recita ção O comentário conjura o acaso do discur so fazendolhe sua parte permitelhe diz r quem o menor enunciado era como pala vra de Evangelho encerrando inesgotáveis tesouros de sentido e merecendo ser indefi nidamente relançado recomeçado comen tado Quando eu penso dizia ele logo que lia ou escutava quando penso nesta frase que vai partir para a eternidade e que eu talvez ainda não tenha compreendido ple namente 25 Mas quem não vê que se trata aí cada vez de anular um dos termos da relação e não de suprimir a relação ela mesma Rela ção que não cessa de se modificar através do tempo relação que toma em uma época dada formas múltiplas e divergentes a exegese jurídica é muito diferente e isto há bastante tempo do comentário religioso uma mesma e única obra literária pode dar lugar simultaneamente a tipos de discurso bem distintos a O d is s é ia como texto pri meiro é repetida na mesma época na tra dução de Bérard em infindáveis explicações de texto no U ly s s e s de joyce Por ora gostaria de me limitar a indi car que no que se chama globalmente um mentário o desnível entre texto primeiro algo além do texto mesmo mas com a con dição de que o texto mesmo seja dito e de certo modo realizado A multiplicidade aber ta o acaso são transferidos pelo princípio do comentário daquilo que arriscaria de ser dito para o número a forma a máscara a circunstância da repetição O novo não está no que é dito mas no acontecimento de sua volta Creio que existe outro princípio de rarefação de um discurso que é até certo ponto complementar ao primeiro Tratase do autor O autor não entendido é claro como o indivíduo falante que pronunciou ou escreveu um texto mas o autor como princípio de agrupamento do discurso como unidade e origem de suas significações como foco de sua coerência Esse princípio não voga em toda parte nem de modo cons tante existem ao nosso redor muitos dis cursos que circulam sem receber seu senti do ou sua eficácia de um au tor ao qual se riam atribuídos conversas cotidianas logo apagadas decretos ou contratos que preci sam de signatários mas não de autor recei tas técnicas transmitidas no anonimato Mas nos domínios em que a atribuição a um autor é de regra literatura filosofia ciên cia vêse bem que ela não desempenha sempre o mesmo papel na ordem do dis curso científico a atribuição a um autor era na Idade Média indispensável pois era um indicador de verdade Uma proposição era considerada como recebendo de seu autor seu valor científico Desde o século XVII esta função não cessou de se enfraquecer no discurso científico o autor só funciona para dar um nome a um teorema um efei to um exemplo uma síndrome Em con trapartida na ordem do discurso literário e a partir da mesma época a função do autor não cessou de se reforçar todas as narrati vas todos os poemas todos os dramas ou comédias que se deixava circular na Idade Média no anonimato ao menos relativo eis que agora se lhes pergunta e exigem que respondam de onde vêm quem os escre veu pedese que o autor preste contas da unidade de texto posta sob seu nome pede selhe que revele ou ao menos sustente o 26 27 2 8zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA um texto no horizonte do qual paira uma obra possível retoma por sua conta a fun ção do autor aquilo que ele escreve e o que não escreve aquilo que desenha mesmo a título de rascunho provisório como esboço da obra e o que deixa vai cair como con versas cotidianas Todo este jogo de dife renças é prescrito pela função do autor tal como a recebe de sua época ou tal como ele por sua vez a modifica Pois embora possa modificar a imagem tradicional que se faz de um autor será a partir de uma nova posição do autor que recortará em tudo o que poderia ter dito em tudo o que diz todos os dias a todo momento o perfil ainda trêmulo de sua obra sentido oculto que os atravessa pedeselhe que os articule com sua vida pessoal e suas experiências vividas com a história real que os viu nascer O autor é aquele que dá à inquietante linguagem da ficção suas uni dades seus nós de coerência sua inserção no real Bem sei que me vão dizer Mas você fala aqui do autor tal como a crítica o rein venta após o fato consumado quando so breveio a morte e não resta senão uma massa confusa de escritos ininteligíveis é preciso então repor um pouco de ordem em tudo isso imaginar um projeto uma coerência uma ternática que se pede à consciência ou à vida de um autor na verdade talvez um pouco fictício Mas isso não impede que ele tenha existido esse autor real esse homem que irrompe em meio a todas as palavras usadas trazendo nelas seu gênio ou sua desordem Seria absurdo negar é claro a existên cia do indivíduo que escreve e inventa Mas penso que ao menos desde uma certa época o indivíduo que se põe a escrever O comentário limitava o acaso do dis curso pelo jogo de umaTSRQPONMLKJIHGFEDCBA id e n tid a d e que teria a forma da r e p e tiç ã o e do m e s m o O princí pio do autor limita esse mesmo acaso pelo jogo de uma id e n tid a d e que tem a forma da in d iv id u a lid a d e e do e u 29 Seria preciso reconhecer também no que se denomina não as ciências mas as disci plinas outro princípio de limitação Prin 31 30 Mas há mais e há mais sem dúvida para que haja menos uma disciplina nãoTSRQPONMLKJIHGFEDCBA e a soma de tudo o que pode ser dito de verdadeiro sobre alguma coisa não é nem mesmo o conjunto de tudo o que pode ser aceito a propósito de um mesmo dado em virtude de um princípio de coerência ou de sistematicidade A medicina não é consti tuída de tudo o que se pode dizer de verda deiro sobre a doença a botânica não pode ser definida pela soma de todas as verdades que concernem às plantas Há para isso duas razões primeiro a botânica ou a me dicina como qualquer outra disciplina são feitas tanto de erros como de verdades erZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA ros que não são resíduos ou corpos estra nhos mas que têm funções positivas uma eficácia histórica um papel muitas vezes indissociável daquele das verdades Mas além disso para que uma proposição per tença à botânica ou à patologia é preciso que ela responda a condições em um sen tido mais estritas e mais complexas do que a pura e simples verdade em todo caso a cípio este também relativo e móvel Princí pio que permite construir mas conforme um jogo restrito A organização das disciplinas se opõe tanto ao princípio do comentário como ao do autor Ao do autor visto que uma disci plina se define por um domínio de objetos um conjunto de métodos um corpus de proposições consideradas verdadeiras um jogo de regras e de definições de técnicas e de instrumentos tudo isto constitui uma espécie de sistema anõnimo à disposição de quem quer ou pode servirse dele sem que seu sentido ou sua validade estejam ligados a quem sucedeu ser seu inventor Mas o princípio da disciplina se opõe também ao do comentário em uma disciplina diferente mente do comentário o que é suposto no ponto de partida não é um sentido que pre cisa ser redescoberto nem urna identidade que deve ser repetida é aquilo que é requerido para a construção de novos enunciados Para que haja disciplina é preciso pois que haja possibilidade de formular e de formular in definidamente proposições novas IIzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA condições diferentes Ela precisa dirigirse a um plano de objetos determinado a partir do fim do século XVII por exemplo para que uma proposição fosse botânica era preciso que ela dissesse respeito à estrutura visível da planta ao sistema de suas seme lhanças próximas ou longínquas ou à mecâ nica de seus fluidos e essa proposição não podia mais conservar como ainda era o caso no século XVI seus valores simbólicos ou o conjunto das virtudes ou propriedades que lhe eram atribuídas na antigüidade Mas sem pertencer a uma disciplina uma pro posição deve utilizar instrumentos ccncei tuais ou técnicas de um tipo bem definido a partir do século XIX uma proposição não era mais médica ela caía fora da medici na e adquiria valor de fantasma individual ou de crendice popular se pusesse em jogo noções a uma só vez metafóricas qualitati vas e substanciais como as de engasgo de líquidos esquentados ou de sólidos resseca dos ela podia e devia recorrer em contra partida a noções tão igualmente metafóri cas mas construídas sobre outro modelo funcional e fisiológico era a irritação aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA I Ir inflamação ou a degenerescência dos teci dos Há mais ainda para pertencer a uma disciplina uma proposição deve poder ins creverse em certo horizonte teórico basta lembrar que a busca da língua primitiva tema perfeitamente aceito até o século XVIII era na segunda metade do século XIX su ficiente para precipitar qualquer discurso não digo no erro mas na quimera e na divagação na pura e simples monstruosida de lingüística No interior de seus limites cada disci plina reconhece proposições verdadeiras e falsas mas ela repele para fora de suas margens toda uma teratologia do saber O exterior de uma ciência é mais e menos povoado do que se crê certamente há a experiência imediata os temas imaginários que carregam e reconduzem sem cessar cren ças sem memória mas talvez não haja erros em sentido estrito porque o erro só pode surgir e ser decidido no interior de uma prática definida em contrapartida rondam monstros cuja forma muda com a história do saber Em resumo uma proposição deve 32 33 des estatísticas Novo objeto que pede no vos instrumentos conceituais e novos fun damentos teóricos Mendel dizia a verdade mas não estava no verdadeiro do discurso biológico de sua época não era segundo tais regras que se constituíam objetos e conceitos biológicos foi preciso toda uma mudança de escala o desdobramento de todo um novo plano de objetos na biologia para que Mendel entrasse no verdadeiro e suas proposições aparecessem então em boa parte exatas Mendel era um monstro verdadeiro o que fazia com que a ciência não pudesse falar nele enquanto Schleiden por exemplo uns trinta anos antes negando em pleno século XIX a sexualidade vegetal mas conforme as regras do discurso biológico não formu lava senão um erro disciplinadoZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA É sempre possível dizer o verdadeiro no espaço de uma exterioridade selvagem mas não nos encontramos no verdadeiro senão obedecendo às regras de uma polí cia discursiva que devemos reativar em cada um de nossos discursos 34 091952 35 preencher exigências complexas e pesadas para poder pertencer ao conjunto de uma disciplina antes de poder ser declarada verdadeira ou falsa deve encontrarse como diria M Canguilhem no verdadeiro Muitas vezes se perguntou como os botânicos ou os biólogos do século XIX puderam não ver que o que Mendel dizia era verdade Acontece que Mendel falava de objetos empregava métodos situavase num horizonte teórico estranhos à biologia de sua época Sem dúvida Naudin antes dele sustentara a tese de que os traços hereditá rios eram descontínuos entretanto embora esse princípio fosse novo ou estranho po dia fazer parte ao menos a título de enigma do discurso biológico Mendel entretanto constitui o traço hereditário como objeto biológico absolutamente novo graças a uma filtragem que jamais havia sido utilizada até então ele o destaca da espécie e também do sexo que o transmite e o domínio onde o observa é a série indefini damente aberta das gerações na qual o tra ço hereditário aparece segundo regularida A disciplina é um princípio de controle da produção do discurso Ela lhe fixa os limites pelo jogo de uma identidade que tem a forma de uma reatualização permanente das regra Tcms o hábito de ver na Iecundídade de um autor na mulnplícidade dos comen tário no de envolvimento de uma discipli na como que recursos infinitos para a cria ção dos discursos Pode ser mas não deixam de ser princípios de coerção e é provável que não se possa explicar seu papel positi vo e multiplicado r se não se levar em con sideração sua função restritiva e coercitiva 37 Creio que existe um terceiro grupo de procedimentos que permitem o controle dos discursos Desta vez não se trata de domi nar os poderes que eles têm nem de conju rar os acasos de sua aparição tratase de determinar as condições de seu funciona mento de impor aos indivíduos que os pronunciam certo número de regras e assim de não perrmnr que todo mundo tenha acesso a eles Rarefação desta vez dos su jeitos que falam ninguém entrará na ordem do discurso se não satisfizer a certas exi gências ou se não for de início qualificado para Iazêlo Mais precisamente nem todas as regiões do discurso são igualmente aber tas e penetráveis algumas são altamente proibidas diferenciadas e diferenciantes enquanto outras parecem quase abertas a todos os ventos e postas sem restrição pré via à disposição de cada sujeito que fala Gostaria de recordar sobre este tema uma anedota tão bela que se teme seja verdadeira Ela reduz a uma só figura todas as coerções do discurso as que limitam seus poderes as que dominam suas aparições aleatórias as que selecionam os sujeitos que falam No início do século XVII o xogum ouvira dizer que a superioridade dos euro peus em termos de navegação comércio política arte militar deviase a seus co nhecimentos de matemática Desejou apo derarse de saber tão precioso Como lhe haviam falado de um marinheiro inglês que 36 possuía o segredo desses discursos maravi lhosos ele o fez vir a seu palácio e aí o reteve A sós com ele tomou lições Apren deu a matemática De fato manteve o po der e teve uma longa velhice Foi no século XIX que houve matemáticos japoneses Mas a anedota não termina aí tem sua versão européia A história conta com efeito que aquele marinheiro inglês Wil Adams fora um autodidata um carpinteiro que por ter trabalhado em um estaleiro naval aprende ra a geometria Devese ver nesta narrativa a expressão de um dos grandes mitos da cultura européia Ao saber monopolizado e secreto da tirania oriental a Europa oporia a comunicação universal do conhecimento a troca indefinida e livre dos discursos Ora é certo que este tema não resiste ao exame A troca e a comunicação são fi guras positivas que atuam no interior de sistemas complexos de restrição e sem dúvida não poderiam funcionar sem estes A forma mais superficial e mais visível des ses sistemas de restrição é constituída pelo que se pode agrupar sob o nome de ritual 38 o ritual define a qualificação que devem possuir os indivíduos que falam e que no jogo de um diálogo da interrogação da recitação devem ocupar determinada posi ção e formular determinado tipo de enun ciados define os gestos os comportamen tos as circunstâncias e todo o conjunto de signos que devem acompanhar o discurso fixa enfim a eficácia suposta ou imposta das palavras seu efeito sobre aqueles aos quais se dirigem os limites de seu valor de coerção Os discursos religiosos judiciários terapêuticos e em parte também políticos não podem ser dissociados dessa prática de um ritual que determina para os sujeitos que falam ao mesmo tempo propriedades singulares e papéis preestabelecidos Com forma de funcionar parcialmente distinta há as sociedades de discurso cuja função é conservar ou produzir discursos mas para Iazêlos circular em um espaço fechado distribuílos somente segundo re gras estritas sem que seus detentores sejam despossuídos por essa distribuição Um desses modelos arcaicos nos é dado pelos 39 grupos de rapsodos que possuíam o conhe cimento dos poemas a recitar ou eventual mente a fazer variar e a transformar mas esse conhecimento embora tivesse por fi nalidade uma recitação de caráter ritual era protegido defendido e conservado em um grupo determinado pelos exercícios de memória muitas vezes bem complexos que implicava sua aprendízagei fazia estar ao mesmo tempo em um grupo e em um se gredo que a recitação manifestava mas não divulgava entre a palavra e a escuta os papéis não podiam ser trocadosZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA É certo que não mais existem tais so ciedades de discurso com esse jogo ambí guo de segredo e de divulgação Mas que ninguém se deixe enganar mesmo na or dem do discurso verdadeiro mesmo na or dem do discurso publicado e livre de qual quer ritual se exercem ainda formas de apropriação de segredo e de nãopermuta bilidade É bem possível que o ato de escre ver tal como está hoje institucionalizado no livro no sistema de edição e no persona gem do escritor tenha lugar em uma so 40 ciedade de discurso difusa talvez mas certamente coercitiva A diferença do escri tor sem cessar oposta por ele mesmo à ati vidade de qualquer outro sujeito que fala ou escreve o caráter intransitivo que em presta a seu discurso a Singularidade fun damental que atribui há muito tempo à escritura a dissimetria afirmada entre a criação e qualquer outra prática do siste ma lingüís tic o tudo isto manifesta na for mulação e tende aliás a reconduzír no jogo das práticas a existência de certa socieda de do discurso Mas existem ainda muitas outras que funcionam de outra maneira conforme outro regime de exclusividade e de divulgação lembremos o segredo técnico ou científico as formas de difusão e de circu lação do discurso médico os que se apro priam do discurso econômico ou político À primeira vista as doutrinas reli giosas políticas filosóficas constituem o inverso de uma sociedade de discurso nesta o número dos indivíduos que fala vam mesmo se não fosse fixado tendia a ser limitado e só entre eles o discurso po 41 dia circular e ser transmitido A doutrina ao contrário tende a difundirse e é pela partilha de um só e mesmo conjunto de discursos que indivíduos tão numerosos quanto se queira imaginar definem sua pertença recíproca Aparentemente a única condição requerida é o reconhecimento das mesmas verdades e a aceitação de certa re gra mais ou menos flexível de confor midade com os discursos validados se fos sem apenas isto as doutrinas não seriam tão diferentes das disciplinas científicas e o controle discursivo trataria somente da for ma ou do conteúdo do enunciado não do sujeito que fala Ora a pertença doutrinária questiona ao mesmo tempo o enunciado e o sujeito que fala e um através do outro Questiona o sujeito que fala através e a partir do enunciado como provam os procedimen tos de exclusão e os mecanismos de rejei ção que entram em jogo quando um sujeito que fala formula um ou vários enunciados inassimiláveis a heresia e a ortodoxia não derivam de um exagero fanático dos meca nismos doutrinários elas lhes pertencem fundamentalmente Mas inversamente a 42 doutrina questiona os enunciados a partir dos sujeitos que falam na medida em que a dou trina vale sempre como o sinal a manifestação e o instrumento de uma per tença prévia pertença de classe de status social ou de raça de nacionalidade ou de interesse de luta de revolta de resistência ou de aceitação A doutrina liga os indiví duos a certos tipos de enunciação e lhes proíbe conseqüentemente todos os outros mas ela se serve em contrapartida de cer tos tipos de enunciação para ligar indiví duos entre si e diferenciáIas por isso mes mo de todos os outros A doutrina realiza uma dupla sujeição dos sujeitos que falam aos discursos e dos discursos ao grupo ao menos virtual dos indivíduos que falam Enfim em escala muito mais ampla é preciso reconhecer grandes planos no que poderíamos denominar a apropriação social dos discursos Sabese que a educação em bora seja de direito o instrumento graças ao qual todo indivíduo em uma sociedade como a nossa pode ter acesso a qualquer tipo de discurso segue em sua distribuiZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 4 3 do discurso com seus poderes e seus sabe res Que é uma escritura a dos escrito res senão um sistema semelhante de su jeição que toma formas um pouco diferen tes mas cujos grandes planos são análogos Não constituiriam o sistema judiciário o sistema institucional da medicina eles tam bém sob certos aspectos ao menos tais sistemas de sujeição do discurso 44 45 ção no que permite e no que impede as linhas que estão marcadas pela distância pelas oposições e lutas sociais Todo siste ma de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos com os saberes e os poderes que eles trazem consigo Bem sei que é muito abstrato separar como acabo de fazer os rituais da palavra as sociedades do discurso os grupos dou trinários e as apropriações sociais A maior parte do tempo eles se ligam uns aos ou tros e constituem espécies de grandes edifí cios que garantem a distribuição dos sujei tos que falam nos diferentes tipos de dis curso e a apropriação dos discursos por certas categorias de sujeitos Digamos em uma palavra que são esses os grandes pro cedimentos de sujeição do discurso O que é afinal um sistema de ensino senão uma ritualização da palavra senão uma qualifi cação e uma fixação dos papéis para os sujeitos que falam senão a constituição de um grupo doutrinário ao menos difuso senão uma distribuição e uma apropriação Eu me pergunto se certo número de temas da filosofia não vieram responder a esses jogos de limitações e de exclusões e talvez também reforcalos Responderlhes em primeiro lugar pro pondo uma verdade ideal como lei do dis curso e uma racionalidade imanente como princípio de seu desenvolvimento recondu zindo também uma ética do conhecimento que só promete a verdade ao próprio desejo da verdade e somente ao poder de pensáIa Reforçalos em seguida por uma de negação que recai desta vez sobre a realida de específica do discurso em geral Desde que foram excluídos os jogos e o comércio dos sofistas desde que seus paradoxos foram amordaçados com maior ou menor segurança parece que o pensa mento ocidental tomou cuidado para que o discurso ocupasse o menor lugar possível entre o pensamento e a palavra parece que tomou cuidado para que o discurso apare cesse apenas como um certo aporte entre pensar e falar seria um pensamento reves tido de seus signos e tornado visível pelas palavras ou inversamente seriam as estru turas mesmas da língua postas em jogo e produzindo um efeito de sentido Esta antiquíssima elisão da realidade do discurso no pensamento filosófico tomou muitas formas no decorrer da história Nós a reencontramos bem recentemente sob a for ma de vários temas que nos são familiares Seria possível que o tema do sujeito fundante permitisse elidir a realidade do 46 discurso O sujeito fundante com efeito está encarregado de animar diretamente com suas intenções as formas vazias da língua é ele que atravessando a espessura ou a inércia das coisas vazias reapreende na in tuição o sentido que aí se encontra deposi tado é ele igualmente que para além do tempo funda horizontes de significações que a história não terá senão de explicitar em seguida e onde as proposições as ciências os conjuntos dedutivos encontrarão afinal seu fundamento Na sua relação co o sen tido o sujeito fundador dispõe de signos marcas traços letras Mas para manifestá los não precisa passar pela instância sin gular do discurso O tema que corresponde a este o tema da experiência originária desempenha um papel análogo Supõe que no nível da expe riência antes mesmo que tenha podido re tomarse na forma de umTSRQPONMLKJIHGFEDCBA c o g ito significa õ s anteriores de certa forma já ditas per orreriam o mundo dispondoo ao re dor de nós e abrindoo logo de início a uma espécie de reconhecimento primitivo 47 48 49zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA insensivelmente discurso manifestando o segredo de sua própria essência O discurso nada mais é do que a reverberação de uma verdade nascendo diante de seus próprios olhos e quando tudo pode enfim tomar a forma do discurso quando tudo pode ser dito e o discurso pode ser dito a propósito de tudo isso se dá porque todas as coisas tendo manifestado e intercambiado seu sen tido podem voltar à interioridade silencio sa da consciência de si Assim uma cumplicidade primeira com o mundo fundaria para nós a possibilidade de falar dele nele de designáIo e nomeáIo de julgalo e de conhecêlo finalmente sob a forma da verdade Se o discurso existe o que pode ser então em sua legitimidade senão uma discreta leitura As coisas mur muram de antemão um sentido que nossa linguagem precisa apenas fazer manifestar se e esta linguagem desde seu projeto mais rudimentar nos falaria já de um ser do qual seria como a nervura O tema da mediação universal é ainda creio eu uma maneira de elidir a realidade do discurso Isto apesar da aparência Pois parece à primeira vista que ao encontrar em toda parte o movimento de um logos que eleva as singularidades até o conceito e que permite à consciência imediata desen volver finalmente toda a racionalidade do mundo é o discurso ele próprio que se si tua no centro da especulação Mas este logos na verdade não é senão um discurso já pronunciado ou antes são as coisas mes mas e os acontecimentos que se tornam Quer seja portanto em uma filosofia do sujeito fundante quer em uma filosofia da experiência originária ou em uma filoso fia da mediação universal o discurso nada mais é do que um jogo de escritura no primeiro caso de leitura no segundo de troca no terceiro e essa troca essa leitura e essa escritura jamais põem em jogo senão os signos O discurso se anula assim em sua realidade inscrevendose na ordem do significan te Que civilização aparentemente teria sido mais respeitosa com o discurso do que a nossa Onde teria sido mais e melhor honrado Onde aparentemente teria sido mais radicalmente libertado de suas coer ções e universalizado Ora pareceme que sob esta aparente veneração do discurso sob essa aparente logofilia escondese uma es pécie de temor Tudo se passa como se in terdições supressões fronteiras e limites tivessem sido dispostos de modo a domi nar ao menos em parte a grande prolifera ção do discurso De modo a que sua rique za fosse aliviada de sua parte mais perigosa e que sua desordem fosse organizada segun do figuras que esquivassem o mais incon trolavel tudo se passa como se tivessem querido apagar até as marcas de sua irrupção nosjogos do pensamento e da língua Há sem dúvida em nossa sociedade e imagi no em todas as outras mas segundo um perfil e facetas diferentes uma profunda logo fobia uma espécie de temor surdo des ses acontecimentos dessa massa de coisas ditas do surgir de todos esses enunciados de tudo o que possa haver aí de violento de descontínuo de combativo de desordem também e de perigoso desse grande zum bido incessante e desordenado do discurso E se quisermos não digo apagar esse temor mas analisalo em suas condições seu jogo e seus efeitos é preciso creio optar por três decisões às quais nosso pensamen to resiste um pouco hoje em dia e que correspondem aos três grupos de funções que acabo de evocar questionar nossa von tade de verdade restituir ao discurso seu caráter de acontecimento suspender enfim a soberania do significante 50 51 Tais são as tarefas ou antes alguns dos temas que regem o trabalho que gostaria de realizar aqui nos próximos anos Podemse perceber de imediato certas exigências de método que implicam Primeiramente um princípio deTSRQPONMLKJIHGFEDCBA in v e r são lá onde segundo a tradição cremos reconhecer a fonte dos discursos o princí pio de sua expansão e de sua continuidade nesss figuras que parecem desempenhar um papel positivo como a do autor da discipli na da vontade de verdade é preciso reco nhecer ao contrário o jogo negativo de um recorte e de uma rarefação do discurso Mas uma vez descobertos esses princí pios de rarefação uma vez que se deixe de considerálos como instância fundamental e criadora o que se descobre por baixo deles Deverseia admitir a plenitude vir tual de um mundo de discursos ininter ruptos É aqui que se faz necessário fazer intervir outros princípios de método Um princípio deTSRQPONMLKJIHGFEDCBA d e s c o n tin u id a d e o fato de haver sistemas de rarefação não quer dizer que por baixo deles e para além deles reine um grande discurso ilimitado contínuo e silencioso que fosse por eles reprimido e recalcado e que nós tivéssemos por missão descobrir restituindolhe enfim a palavra Não se deve imaginar percorrendo o mun do e entrelaçandose em todas as suas for mas e acontecimentos um nãodito ou um impensado que se deveria enfim articular ou pensar Os discursos devem ser tratados como práticas descontínuas que se cruzam 52 por vezes mas também se ignoram ou se excluem Um princípio de e s p e c ific id a d e não transformar o discurso em um jogo de sig nificações prévias não imaginar queZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 0 mundo nos apresenta uma face legível que teríamos de decifrar apenas ele não é cúm plice de nosso conhecimento não há provi dência prédiscursiva que o disponha a nosso favor Devese conceber o discurso como uma violência que fazemos às coisas como uma prática que lhes impomos em todo o caso e é nesta prática que os acon tecimentos do discurso encontram o princí pio de sua regularidade Quarta regra a da e x te r io r id a d e não passar do discurso para o seu núcleo inte rior e escondido para o âmago de um pen samento ou de uma significação que se manifestariam nele mas a partir do pró prio discurso de sua aparição e de sua re gularidade passar às suas condições exter nas de possibilidade àquilo que dá lugar à série aleatória desses acontecimentos e fixa suas fronteiras 53 Quatro noções devem servir portanto de princípio regulador para a análise a noção de acontecimento a de série a de regularidade a de condição de possibilida de Vemos que se opõem termo a termo o acontecimento à criação a série à unidade a regularidade à originalidade e a condição de possibilidade à significação Estas quatro últimas noções significação originalidade unidade criação de modo geral domina ram a história tradicional das idéias onde de comum acordo se procurava o ponto da criação a unidade de uma obra de uma época ou de um tema a marca da origina lidade individual e o tesouro indefinido das significações ocultas Acrescentarei apenas duas observações Uma concerne à história Atribuise muitas vezes à história contemporãnea ter suspen dido os privilégios concedidos outrora ao acontecimento singular e ter feito aparecer as estruturas de longa duração É verdade Não estou certo contudo de que o traba lho dos historiadores tenha sido realizado precisamente nessa direção Ou melhor não 54 penso que haja como que uma razão inver sa entre a contextualização do acontecimen to e a análise da longa duração Parece ao contrário que foi por estreitar ao extremo o acontecimento por levar o poder de resolu ção da análise histórica até as mercuriais às atas notariais aos registros paroquiais aos arquivos portuários seguidos ano a ano semana a semana que se viu desenhar para além das batalhas dos decretos das dinas tias ou das assembléias fenômenos maciços de alcance secular ou plurissecular A histó ria como praticada hoje não se desvia dos acontecimentos ao contrário alarga sem cessar o campo dos mesmos neles desco bre sem cessar novas camadas mais super ficiais ou mais profundas isola sempre no vos conjuntos onde eles são às vezes nu merosos densos e intercambiáveis às ve zes raros e decisivos das variações cotidia nas de preço chegase às inflações secula res Mas o importante é que a história não considera um elemento sem definir a série da qual ele faz parte sem especificar o modo de análise da qual esta depende sem procu 55 57zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA rar conhecer a regularidade dos fenômenos e os limites de probabilidade de sua emer gência sem interrogarse sobre as variações as inflexôes e a configuração da curva sem querer determinar as condiçôes das quais dependem Certamente a história há muito tempo não procura mais compreender os acontecimentos por um jogo de causas e efeitos na unidade informe de um grande devír vagamente homogêneo ou rigidamente hierarquizado mas não é para reencontrar estruturas anteriores estranhas hostis ao acontecimentoZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA É para estabelecer as séries diversas entrecruzadas divergentes muitas vezes mas não autônomas que permitem circunscrever o lugar do acontecimento as margens de sua contingência as condi ções de sua aparição As noções fundamentais que se impõem agora não são mais as da consciência e da continuidade com os problemas que lhes são correlatos da liberdade e da causalida de não são também as do signo e da estru tura São as do acontecimento e da série com o jogo de noçôes que lhes são ligadas regularidade casualidade descontínuidade dependência transformação é por esse con junto que essa análise dos discursos sobre a qual estou pensando se articula não certa mente com a temática tradicional que os filósofos de ontem tomam ainda como a história viva mas com o trabalho efetivo dos historiadores 56 Mas é por aí que esta análise suscita problemas filosóficos ou teóricos realmente assustadores Se os discursos devem ser tra tados antes como conjuntos de aconteci mentos discursivos que estatuto convém dar a esta noção de acontecimento que foi tão raramente levada em consideração pelos fi lósofos Certamente o acontecimento não é nem substância nem acidente nem qualida de nem processo o acontecimento não é da ordem dos corpos Entretanto ele não é imaterial é sempre no âmbito da materiali dade gue ele se efetiva que é efeito ele possui seu lugar e consiste na relação coe xistência dispersão recorte acumulação seleção de elementos materiais não é o ato nem a propriedade de um corpo produzse 58 uma teoria das sistematicidades descontínuas Enfim se é verdade que essas séries discursivas e descontínuas têm cada uma entre certos limites sua regularidade sem dúvida não é menos possível estabele cer entre os elementos que as constituem nexos de causalidade mecânica ou de ne cessidade idealZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA É preciso aceitar introduzir a casualidade como categoria na produção dos acontecimentos Aí também se faz sen tir a ausência de uma teoria qblepermita pen sar as relações do acaso e do pensamento De sorte que o tênue deslocamento que se propõe praticar na história das idéias e que consiste em tratar não das representa ções que pode haver por trás dos discursos mas dos discursos como séries regulares e distintas de acontecimentos este tênue des locamento temo reconhecer nele como que uma pequena e talvez odiosa engrenagem que permite introduzir na raiz mesma do pensamento oTSRQPONMLKJIHGFEDCBA a c a s o o d e s c o n tín u o e a m a te r ia lid a d e Tríplice perigo que certa forma de história procura conjurar narrando o desenrolar contínuo de uma necessidade 59 I li como efeito de e em uma dispersão mate rial Digamos que a filosofia do aconteci mento deveria avançar na direção parado xal à primeira vista de um materialismo do incorporal Por outro lado se os acontecimentos discursivos devem ser tratados como séries homogêneas mas descontínuas umas em relação às outras que estatuto convém dar a esse descontínuo Não se trata bem en tendido nem da sucessão dos instantes do tempo nem da pluralidade dos diversos sujeitos pensantes tratase de cesuras que rompem o instante e dispersam o sujeito em uma pluralidade de posições e de fun ções possíveis Tal descontinuidade golpeia e invalida as menores unidades tradicional mente reconhecidas ou as mais facilmente contestadas o instante e o sujeito E por debaixo deles independentemente deles é preciso conceber entre essas séries descon tínuas relações que não são da ordem da sucessão ou da simultaneidade em uma ou várias consciência é preciso elaborar fora das filosofias do sujeito e do tempo 60zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 61 ideal Três noções que deveriam permitir ligar à prática dos historiadores a história dos sistemas de pensamento Três direções que o trabalho de elaboração teórica deverá seguir foram suas condições de aparição de cres cimento de variação O conjunto crítico primeiro Um primei ro grupo de análises poderia versar sobre o que designei como funções de exclusão Acon teceume outrora estudar uma e por um pe ríodo determinado tratavase da separação entre loucura e razão na época clássica Mais tarde poderíamos procurar analisar um siste ma de interdição de linguagem o que con cerne à sexualidade desde o século XVI até o século XIX tratarseia de ver não semZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA dúvida como ele progressivamente e feliz mente se apagou mas como se deslocou e se rearticulou a partir de uma prática da confissão em que as condutas proibidas eram nomeadas classificadas hierarquizadas e da maneira a mais explícita até a aparição ini cialmente bem tímida bem retardada da temática sexual na medicina e na psiquiatria do século XIX não são estes senão marcos um pouco simbólicos ainda m a s se pode desde já apostar que as escansões não são aquelas que se crê e que as interdições não ocuparam sempre o lugar que se imagina Seguindo esses princípios e referindo me a esse horizonte as análises que me proponho fazer se dispõem segundo dois conjuntos De uma parte o conjunto críti co que põe em prática o princípio da in versão procurar cercar as formas da exclu são da limitação da apropriação de que falava há pouco mostrar como se forma ram para responder a que necessidades como se modificaram e se deslocaram que força exerceram efetivamente em que me dida foram contornadas De outra parte o conjunto genealógíco que põe em prática os três outros princípios como se forma ram através apesar ou com o apoio desses sistemas de coerção séries de discursos qual foi a norma específica de cada uma e quais 63 62zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA grandes atos fundadores da ciência moder na a formação de uma sociedade industrial e a ideologia positivista que a acompanha Três cortes na morfologia de nossa vontade de saber três etapas de nosso filisteísmo Gostaria também de retomar a mesma questão mas sob um ângulo bem diferente medir o efeito de um discurso com preten são científica discurso médico psiquiá trico discurso sociológico também so bre o conjunto de práticas e de discursos prescritivos que o sistema penal constituiZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA É o estudo das perícias psiquiátricas e de seu papel na penalidade que servirá de pon to de partida e de material básico para esta análise É ainda nesta perspectiva crítica mas em outro nível que se deveria fazer a aná lise dos procedimentos de limitação dos discursos dentre os quais designei há pou co o princípio do autor o do comentário e o da disciplina Nesta perspectiva se pode conceber um certo número de estudos Pen so por exemplo em uma análise que ver sasse sobre a história da medicina do século De imediato é ao terceiro sistema de exclusão que gostaria de me ater Vou encarálo de duas maneiras Por um lado gostaria de tentar perceber como se reali zou mas também como se repetiu se reconduziu se deslocou essa escolha da verdade no interior da qual nos encontra mos mas que renovamos continuamente Situarrneei primeiro na época da sofística e de seu início com Sócrates ou ao menos com a filosofia platônica para ver como o discurso eficaz o discurso ritual carregado de poderes e de perigos ordenouse aos poucos em uma separação entre discurso verdadeiro e discurso falso Em seguida vou situarme na passagem do século XVI para o XVII na época em que apareceu princi palmente na Inglaterra uma ciência do olhar da observação da verificação uma certa filosofia natural inseparável sem dú vida do surgimento de novas estruturas po líticas inseparável também da ideologia re ligiosa nova forma por certo da vontade de saber Enfim o terceiro ponto de refe rência será o início do século XIX com os 64zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA XVI ao século XIX Não se trataria de assi nalar as descobertas feitas ou os conceitos elaborados mas de detectar na construção do discurso médico mas também em toda a instituição que o sustenta transmite e reforça como funcionaram os princípios do autor do comentário e da disciplina procurar saber como vigorou o princípio do grande autor Hipócrates Galeno é certo mas também Paracelso Sydenham ou Boerhaave como se exerceu em pleno sé culo XIX a prática do aforismo e do co mentário como aos poucos foi substituída pela prática do caso da coleta de casos da aprendizagem clínica a partir de um caso concreto conforme que modelo afinal a medicina procurou constituirse como dis ciplina apoiandose primeiramente na his tória natural em seguida na anatomia e na biologia Poderíamos também considerar a ma neira pela qual a crítica e a história literá rias nos séculos XVIII e XIX constituíram o personagem do autor e a figura da obra utilizando modificando e deslocando os procedimentos da exegese religiosa dacrí tica bíblica da hagiografia das vidas his tóricas ou lendárias da autobiografia e das memórias Será preciso também um dia estudar o papel que Freud desempenha no saber psicanalítico muito diferente sem dúvida do papel de Newton na física e de todos os fundadores de disciplina muito diferente também do que pode desempenhar um autor no campo do discutso filosófico mesmo que estivesse como Kant na ori gem de outra maneira de filosofar Eis portanto alguns projetos para o aspecto crítico da tarefa para a análise das instâncias de controle discursivo Quanto ao aspecto genealógico este conceme à for mação efetiva dos discursos quer no inte rior dos limites do controle quer no exte rior quer a maior parte das vezes de um lado e de outro da delimitação A crítica analisa os processos de rarefaçâo mas tam bém de reagrupamento e de unificação dos discursos a genealogia estuda sua formação ao mesmo tempo dispersa descontínua e 65 regular Na verdade estas duas tarefas não são nunca inteiramente separáveis não há de um lado as formas da rejeição da exclu são do reagrupamento ou da atribuição e de outro em nível mais profundo o surgi mento espontâneo dos discursos que logo antes ou depois de sua manifestação são submetidos à seleção e ao controle A for mação regular do discurso pode integrar sob certas condições e até certo ponto os procedimentos do controle é o que se pas sa por exemplo quando uma disciplina toma forma e estatuto de discurso científi co e inversamente as figuras do controle podem tomar corpo no interior de uma formação discursiva assim a crítica literá ria como discurso constitutivo do autor de sorte que toda tarefa crítica pondo em questão as instâncias do controle deve ana lisar ao mesmo tempo as regularidades dis cursivas através das quais elas se formam e toda descrição genealógica deve levar em conta os limites que interferem nas forma ções reais Entre o empreendimento crítico e o empreendimento genealogico a diferen 66 ça não é tanto de objeto ou de domínio mas sim de ponto de ataque de perspec tiva e de delimitação Há pouco eu evocava um estudo possí vel o das interdições que atingem o discur so da sexualidade Seria difícil e abstrato em todo caso empreender esse estudo sem analisar ao mesmo tempo os conjuntos dos discursos literários religiosos ou éticos biológicos e médicos jurídicos igualmente nos quais se trata da sexualidade nos quais esta se acha nomeada descrita metaforizada explicada julgada Estamos muito longe de haver constituído um discurso unitário e regular da sexualidade talvez não chegue mos nunca a isso e quem sabe não esteja mos indo nessa direção Pouco importa As interdições não têm a mesma forma e não interferem do mesmo modo no discurso li terário e no da medicina no da psiquiatria e no da direção de consciência E inversa mente essas diferentes regularidades discur ivas não reforçam não contornam ou não I locam os interditos da mesma maneira tudo só poderá ser feito portanto con 67 68zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 69 forme pluralidades de senes nas quais in terfiram interditos que ao menos em parte sejam diferentes em cada uma delas Poderíamos considerar também as sé ries de discursos que nos séculos XVII e XVIII referemse à riqueza e à pobreza à moeda à produção ao comércio Tratase então de conjuntos de enunciados muito heterogêneos formulados pelos ricos e pe los pobres pelos sábios e pelos ignorantes protestantes ou católicos oficiais do rei co merciantes ou moralistas Cada qual tem sua forma de regularidade e igualmente seus sistemas de coerção Nenhum deles prefi gura exatamente essa outra forma de regu laridade discursiva que tomará forma de uma disciplina e chamarseá análise das rique zas depois economia políticaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA É contu do a partir deles que uma nova regularida de se formou retomando ou excluindo justificando ou descartando alguns dos seus enunciados Podese pensar também em um estu do que trataria dos discursos sobre a here ditariedade tais como podem ser encontra dos repartidos e disperses até o início do século XX em meio a disciplinas observa ções técnicas e receitas diversas seria pre ciso mostrar então mediante que jogo de articulação essas séries se recompuseram finalmente na figura epistemologicamente coerente e reconhecida pela instituição da genética Esse é o trabalho que acaba de ser feito por François Jacob com um brilho e uma ciência inigualáveis Assim as descrições críticas e as des crições genealógicas devem alternarse apoiarse umas nas outras e se completa rem A parte crítica da análise ligase aos sistemas de recobrimento do discurso pro cura detectar destacar esses princípios de ordenamento de exclusão de rarefação do discurso Digamos jogando com as pala vras que ela pratica uma desenvoltura aplicada A parte genealógica da análise se detém em contrapartida nas séries da for mação efetiva do discurso procura apreendê 10 em seu poder de afirmação e por aí ru ndo não um poder que se oporia ao pod r de negar mas o poder de constituir domínios de objetos a propósito dos quais se poderia afirmar ou negar proposições verdadeiras ou falsas Chamemos de positi vidades esses domínios de objetos e diga mos para jogar uma segunda vez com as palavras que se o estilo crítico é o da de senvoltura estudiosa o humor genealógico será o de um positivismo feliz Em todo caso uma coisa ao menos deve ser sublinhada a análise do discurso assim entendida não desvenda a universalidade de um sentido ela mostra à luz do dia o jogo da rarefação imposta com um poder fundamental de afirmação Rarefação e afir mação rarefação enfim da afirmação e não generosidade contínua do sentido e não mo narquia do significante E agora os que têm lacunas de voca bulário que digam se isso lhes soar melhor que isto é estruturalismo Sei bem que não poderia empreender estas pesquisas cujo esboço tentei apresen 70 tarlhes se não tivesse para deles me valer modelos e apoios Creio que devo muito a M Dumézil pois foi ele que me incentivou ao trabalho em uma idade em que eu ainda acreditava que escrever é um prazer Mas devo muito também a sua obra que me perdoe se afastei de seu sentido ou desviei de seu rigor esses textos que são seus e que nos dominam hoje foi ele que me ensinou a analisar a economia interna de um discur so de modo totalmente diferente dos méto dos de exegese tradicional ou do formalis mo lingüístico foi ele que me ensinou a detectar de um discurso ao outro pelo jogo das comparações o sistema das correlações funcionais foi ele que me ensinou como descrever as transformações de um discurso e as relações com a instituição Se eu quis aplicar tal método a discursos totalmente diferentes das narrativas lendárias ou míti cas esta idéia me ocorreu sem dúvida pelo fato de eu ter diante dos olhos os trabalhos dos historiadores das ciências e sobretudo de M Canguilhem é a ele que devo o fato de ter compreendido que a história da ciên 71 cia não se acha presa necessariamente à alternativa crônica das descobertas ou des crições das idéias e opiniões que cercam a ciência do lado de sua gênese indecisa ou do lado de suas origens exteriores mas que se podia se devia fazer a história da ciência como de um conjunto ao mesmo tempo coerente e transformável de modelos teóri cos e de instrumentos conceituais Penso no entanto que minha dívida em grande parte é para corn jean Hyppolite Bem sei que sua obra se coloca aos olhos de muitos sob o reinado de Hegel e que toda a nossa época seja pela lógica ou pela epistemologia seja por Marx ou por Nietzs che procura escapar de Hegel e o que pro curei dizer há pouco a propósito do discur so é bem infiel ao lagos hegeliano Mas escapar realmente de Hegel supõe apreciar exatamente o quanto custa separar se dele supõe saber até onde Hegel insidio samente talvez aproximouse de nós supõe saber naquilo que nos permite pensar contra Hegel o que ainda é hegeliano e medir em que nosso recurso contra ele é ainda talvezZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 7 2 l um ardil que ele nos opõe ao termo do qual nos espera imóvel e em outro lugar Ora se somos muitos os devedores de Jean Hyppolite é porque infatigavelmente ele percorreu para nós e antes de nós esse caminho através do qual nos afastamos de Hegel tomamos distância e através do qual nos encontramos de volta a ele mas de outra maneira logo em seguida obrigados a deixá 10 novamente Em primeiro lugar Jean Hyppolite teve o cuidado de tornar presente essa grande sombra um pouco fantasmagórica de Hegel que rondava desde o século XIX e com a qual nos batíamos obscuramente Foi por meio de uma tradução da Fenomenologia do Espírito que ele deu a Hegel essa presen ça e a prova de que Hegel ele próprio está bem presente nesse texto francês é que aconteceu aos alemães consultaremno para compreender melhor aquilo que por um ins tante ao menos se tornava a versão alemã Ora Jean Hyppolite procurou e percor reu todas as saídas desse texto como se sua 7 3 74zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA inquietação fosse podese ainda filosofar lá onde Hegel não é mais possível Pode ain da existir uma filosofia que não seja hege liana O que é nãohegeliano em nosso pensamento é necessariamente nãofilosófi co E o que é antífilosófico é forçosamen te nãohegeliano Ainda que não procuras se fazer apenas a descrição histórica e meticulosa dessa presença de Hegel que nos havia dado queria fazer dela um esque ma de experiência da modernidade é pos sível pensar à maneira hegeliana as ciên cias a história a política e o sofrimento de cada dia e queria inversamente fazer de nossa modernidade o teste do hegelianismo e assim da filosofia Para ele a referência a Hegel era o lugar de uma experiência de um enfrentamento em que não tinha nunca a certeza de que a filosofia sairia vitoriosa Não se servia do sistema hegeliano como de um universo tranqüilizador via ali o risco extremo assumido pela filosofia Daí creio eu os deslocamentos que ele operou não digo no interior da filosofia hegeliana mas sobre ela e sobre a filosofia tal como Hegel a concebia daí também toda uma inversão de temas Em vez de conce ber a filosofia como a totalidade enfim ca paz de se pensar e de se apreender no movimento do conceito Jean Hyppolite fa zia dela o fundo de um horizonte infinito uma tarefa sem término sempre a postos sua filosofia nunca estava prestes a acabar se Tarefa sem fim tarefa sempre recome çada portanto condenada à forma e ao pa radoxo da repetição a filosofia como pen samento inacessível da totalidade era para J ean Hyppolite aquilo que poderia haver de repetível na extrema irregularidade da ex periência aquilo que se dá e se esconde como questão sem cessar retomada na vida na morte na memória assim o tema hegeliano da perfeição na consciência de si ele o transformava em um tema da interro gação repetitiva Mas visto que ela era re petição a filosofia não era ulterior ao con ceito ela não precisava dar continuidade ao edifício da abstração devia sempre manter se retirada romper com suas generalidades adquiridas e recolocarse em contato com a 75 nãofilosofia devia aproximarse o mais pos sível não daquilo que a encerra mas do que a precede do que ainda não despertou para sua inquietação devia retomar para pensá Ias não para reduziIas a singularidade da história as racionalidades regionais da ciên cia a profundidade da memória na cons ciência aparece assim o tema de uma filo sofia presente inquieta móvel em toda sua linha de contato com a nãofilosofia não existindo senão por ela contudo e revelan do o sentido que essa nãofilosofia tem para nós Ora se ela existe nesse contato repeti do com a nãofilosofia o que é o começo da filosofia Já está lá secretamente presente no que não é ela começando a formularse a meiavoz no murmúrio das coisas Mas então o discurso filosófico não tem mais talvez razão de ser ou então deve ela começar sobre uma base ao mesmo tempo arbitrária e absoluta Vêse substituirse assim o tema hegeliano do movimento pró prio ao imediato pelo tema do fundamento do discurso filosófico e de sua estrutura formalZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 7 6 Finalmente último deslocamento que Jean Hyppolite operou na filosofia hegelia na se a filosofia deve começar como discur so absoluto o que acontece com a história e o que é esse começo que se inicia com um indivíduo singular em uma sociedade em uma classe social e em meio às lutas Estes cinco deslocamentos conduzin do ao limite extremo da filosofia hegeliana fazendoa passar sem dúvida para o outro lado de seus próprios limites convocam alternativamente as grandes figuras maio res da filosofia moderna que Jean Hyppolite não cessou de confrontar com Hegel Marx com as questões da história Fichte com o problema do começo absoluto da filosofia Bergson com o tema do contato com o não filosófico Kierkegaard com o problema da repetição e da verdade Husserl com o tema da filosofia como tarefa infinita ligada à história de nossa racionalidade E além dessas figuras filosóficas percebemos todos os domínios de saber que Jean Hyppolite invocava ao redor de suas próprias ques tões a psicanálise com a estranha lógica do 7 7 78zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 79 desejo as matemáticas e a formalização do discurso a teoria da informação e sua apli cação na análise do vivente enfim todos os domínios a partir dos quais se pode colocar a questão de uma lógica e de uma existên cia que não cessam de atar e desatar seus laços Penso que essa obra articulada em al guns grandes livros mas investida ainda mais em pesquisas no ensino em uma aten ção perpétua em um alerta e uma genero sidade de todos os dias em uma responsa bilidade aparentemente administrativa e pedagógica quer dizer na realidade dupla mente política cruzou formulou os pro blemas os mais fundamentais de nossa épo ca Somos muitos os seus infinitamente devedoresZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA É porque tomei dele sem dúvida o sentido e a possibilidade do que faço é porque muitas vezes ele me esclareceu quan do eu tentava às cegas que eu quis situar meu trabalho sob seu signo e terminar evo candoo a apresentação de meus projetos É em sua direção em direção a essa falta em que experimento ao mesmo tempo sua ausência e minha própria carência que se cruzam as questões que me coloco agora Visto que lhe devo tanto compreendo que a escolha que vocês fizeram convidan dome a ensinar aqui é em boa parte uma homenagem que lhe prestaram soulhes profundamente reconhecido pela honra que me dispensaram mas não lhes sou menos grato pelo que cabe a ele nesta escolha Se não me sinto à altura de sucedêIa sei em contrapartida que se essa felicidade nos fosse dada eu seria esta tarde encorajado por sua indulgência E compreendo melhor porque eu sen tia tanta dificuldade em começar há pouco Sei bem agora qual era a voz que eu gos taria que me precedesse me carregasse me convidasse a falar e habitasse meu próprio discurso Sei o que havia de tão temível em tomar a palavra pois eu a tomava neste lugar de onde o ouvi e onde ele não mais está para escutarme O ensino tradicional de língua portuguesa frequentemente se baseia em abordagens estruturalistas que privilegiam a análise gramatical e a normatização linguística No entanto as reflexões de Benveniste e Foucault sobre o enunciado levantam questões pertinentes que desafiam essa perspectiva convencional Nesse contexto cabe questionar qual é a contribuição desses teóricos para repensarmos o ensino tradicional de língua portuguesa Nossa tese consiste em afirmar que as reflexões de Benveniste e Foucault sobre o enunciado oferecem contribuições relevantes para repensarmos o ensino tradicional de língua portuguesa Esses teóricos nos convidam a transcender abordagens puramente estruturalistas e normativas incentivando uma visão mais dinâmica e crítica da linguagem Argumentaremos essa tese destacando duas principais contribuições a perspectiva enunciativa de Benveniste que enfatiza a importância da contextualização e da interação social na produção de sentido e a análise foucaultiana do poder presente nos discursos e práticas linguísticas que nos leva a questionar hierarquias e normas impostas pela linguagem Primeiramente as reflexões de Benveniste sobre a enunciação nos convidam a considerar a linguagem como uma atividade situada e socialmente construída Sua abordagem destaca a importância do contexto e da interação na produção de sentido desafiando a visão tradicional que separa a linguagem em componentes isolados e estáticos Ao incorporarmos essa perspectiva enunciativa ao ensino de língua portuguesa podemos promover uma compreensão mais profunda e contextualizada da linguagem incentivando os alunos a refletirem sobre como os significados são construídos em diferentes contextos comunicativos Além disso as análises de Foucault sobre o enunciado nos convidam a problematizar o poder presente nos discursos e práticas linguísticas Para Foucault a linguagem não é apenas uma ferramenta de comunicação mas também uma forma de exercício de poder e controle social Ao trazer essa perspectiva para o ensino de língua portuguesa podemos incentivar os alunos a questionarem as normas linguísticas impostas pela sociedade e a refletirem criticamente sobre como a linguagem pode ser usada para reproduzir ou contestar relações de poder Dessarte as reflexões de Benveniste e Foucault sobre o enunciado oferecem contribuições fundamentais para repensarmos o ensino tradicional de língua portuguesa Ao incorporarmos a perspectiva enunciativa de Benveniste e a análise do poder linguístico de Foucault em nossas práticas pedagógicas podemos promover uma educação linguística mais contextualizada crítica e emancipatória Dessa forma estaremos preparando os alunos não apenas para compreenderem a linguagem mas também para serem agentes ativos na transformação dos discursos e práticas sociais
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Anais do SITED Seminário Internacional de Texto Enunciação e Discurso Porto Alegre RS setembro de 2010 Núcleo de Estudos do Discurso Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul A ENUNCIAÇÃO E OS NÍVEIS DA ANÁLISE LINGUÍSTICA Valdir do Nascimento Flores1 Introdução Este trabalho defende que a abordagem linguísticoenunciativa não se limita a um determinado nível da língua mas perpassa todo o estudo da língua Centrase a argumentação na definição das unidades de análise de acordo com Émile Benveniste em Os níveis da análise lingüística texto de 1964 Segundo esse texto cada unidade de análise é definida simultaneamente em função de sua distribuição dentre as de mesmo nível e de sua integração em nível superior Na sequência deste trabalho enfatizamos essa relação distribuiçãointegração que consideramos de fronteira designandoa como transversalidade enunciativa a qual se caracteriza por permitir ver a língua como um todo atravessado pelas marcas da enunciação O conceito é ilustrado com a análise dos pronomes ditos pessoais e da distinção entre nãopessoa e pessoa proposta por Benveniste no texto Estrutura das relações de pessoa no verbo texto publicado em 1946 Nele enfatizamos as correlações de pessoalidade que opõe as pessoas eutu à nãopessoa ele e de subjetividade interior à precedente que opõe eu a tu Uma observação preliminar para falar em enunciação O conceito de enunciação no contexto dos trabalhos de Émile Benveniste é amplo não diretivo e principalmente caracterizado por uma nãounicidade Isso se deve à impossibilidade de se afirmar que os textos de Benveniste comumente atribuídos à chamada teoria da enunciação formam um conjunto homogêneo Cada um foi produzido em momento diferente e as relações que podem haver entre eles não são nem de linearidade nem de homogeneidade Com isso estamos querendo dizer algo que facilmente poderia passar por uma obviedade mas que nem sempre é lembrado quando o que está em questão é a teoria enunciativa benvenistiana os textos de Benveniste não podem ser lidos como se fossem contemporâneos um do outro Isso decorre do fato de o autor não ter proposto uma teoria enunciativa tal como hoje em dia atribuímos a ele Se lermos com atenção os Problemas de lingüística geral em momento algum encontramos o sintagma teoria da enunciação nem mesmo um objetivo explícito de formular tal teoria A teoria enunciativa atribuída a Benveniste cuja unicidade é propagada em livros e manuais de linguística é mais uma construção feita a posteriori pelos leitores dos textos do que propriamente uma intenção explícita de Benveniste A consequência disso é que os textos também não podem ser comparados entre si ao menos não de uma maneira que ignore a singularidade teóricometodológica que cada texto carrega Em síntese cada texto de Benveniste dedicado ao estudo da enunciação propõe categorias de análise teoriza sobre elas e desenvolve as análises dentro desses limites propostos Logo não podem ser tomados como se constituíssem um conjunto coeso de proposições teóricometodológicas Pensamos ser indicadora de 1 Professor do Instituto de Letras da UFRGS Doutor em Letras bolsista PQCNPq Email valdirnfyahoocombr 396 Anais do SITED Seminário Internacional de Texto Enunciação e Discurso Porto Alegre RS setembro de 2010 Núcleo de Estudos do Discurso Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul leitura redutora da teoria benvenistiana quando não equivocada a simples passagem de um texto a outro sem a explicitação das mudanças implicadas em tal passagem Assim parecenos mais adequado considerar no mínimo alguns pontos norteadores da leitura da teoria enunciativa de Benveniste Primeiramente é necessário selecionar um corpus teórico de referência Em outras palavras as noções os conceitos os termos as definições e as relações desses entre si precisam ser contextualizadas em um corpus teórico Por exemplo a distinção pessoanão pessoa é formulada num conjunto de artigos voltados ao estudo do verbo e do pronome produzidos em sua maioria nas décadas de quarenta e cinquenta do século XX sendo menos comum sua presença em textos da década de sessenta Encontramos essa distinção em Estrutura das relações de pessoa no verbo de 1946 As relações de tempo no verbo francês de 1959 A natureza dos pronomes de 1956 Da subjetividade na linguagem de 1958 e em Estrutura da língua estrutura da sociedade de 1968 A consequência da instauração de um ponto de vista de leitura que considere um corpus textual de referência é que estariam excluídos desse corpus textos como O aparelho formal da enunciação de 1970 por exemplo Em segundo lugar cada texto deve ser lido inicialmente em sua imanência Qualquer comparação entre os textos precisa ser uma decorrência do entendimento do que cada texto desenvolve do ponto de vista teóricometodológico Por exemplo a análise do verbo proposta em Da subjetividade na linguagem de 1958 não é a mesma que a proposta em 1970 em O aparelho formal da enunciação No primeiro a análise do verbo contribui para ilustrar alguns efeitos da mudança de perspectiva que a subjetividade pode introduzir Benveniste 1988 p290 Assim A enunciação identificase com o próprio ato Essa condição porém não se dá no sentido do verbo é a subjetividade do discurso que a torna possível Pode verse a diferença substituindose je jure por il jure Enquanto je jure é um compromisso il jure é apenas uma descrição no mesmo plano de il court il fume ele corre ele fuma Vêse aqui em condições próprias dessas expressões que o mesmo verbo segundo seja assumido por um sujeito ou esteja colocado fora da pessoa toma um valor diferente É uma conseqüência do fato de que a própria instância de discurso que contém o verbo apresenta o ato ao mesmo tempo em que fundamenta o sujeito Assim o ato é cumprido pela instância e enunciação do seu nome que é jurar ao mesmo em que o sujeito é apresentado pela instância de enunciação do seu indicador que é eu Benveniste 1988 p292293 No segundo texto no O Aparelho formal da enunciação a análise do verbo está ligada às outras marcas da enunciação as que são menos evidentes menos categorizáveis Observemos organizamse aqui todos os tipos de modalidades formais uns pertencentes aos verbos como os modos optativo subjuntivo que enunciam atitudes do enunciador do ângulo daquilo que enuncia expectativa desejo apreensão Benveniste 1989 p87 A partir disso a seguir falaremos mais detidamente na noção de enunciação para em seguida relacionála aos níveis da análise linguística 397 Anais do SITED Seminário Internacional de Texto Enunciação e Discurso Porto Alegre RS setembro de 2010 Núcleo de Estudos do Discurso Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul A enunciação Em função do que dissemos acima é fácil deduzir que há mais de um conceito de enunciação nos textos de Benveniste E realmente há basta uma vista dolhos em O aparelho formal da enunciação por exemplo para vermos que ali há várias noções de enunciação aspecto fônico aspecto da semantização aspecto do quadro formal etc Então qual conceito utilizaremos aqui e por quais motivos Em resposta diríamos que o critério de seleção devese ao propósito que temos com este trabalho qual seja defender que a abordagem enunciativa de linha benvenistiana não se limita a um determinado nível da língua mas atravessa todo o estudo da língua isto é a enunciação está presente em todos os níveis da análise linguística Ora se esse é o nosso intuito então parece que o conceito de enunciação no qual devemos nos ancorar deve ser aquele que está formulado mais proximamente ao texto Os níveis da análise lingüística de 1964 texto em que Benveniste teoriza diretamente a análise linguística na sua relação com os níveis da língua O termo enunciação não aparece em Os níveis da análise lingüística no entanto Benveniste teoriza nesse texto sobre algo que é muito próximo do que ele virá a chamar de enunciação no texto de 1970 dedicado especificamente ao tema Tratase da noção de frase Frase é mais um dos termos utilizados por Benveniste que devem nos encher de desconfiança Apesar de ser um termo de largo uso na terminologia linguístico gramatical na teoria benvenistiana ele não tem sentido próximo ao que tem quando utilizada no âmbito dos estudos gramaticais Há nesse texto um primeiro sentido de frase o sentido proposicional Benveniste utiliza frase em Os níveis da análise lingüística em um primeiro momento para falar do caráter distintivo entre todos inerente à frase de ser um predicado Benveniste 1988 p137 Segundo ele Todos os outros caracteres que se podem reconhecerlhe são secundários com relação a esse O número de signos que entram numa frase é indiferente sabemos que um único signo basta para constituir um predicado Igualmente a presença de um sujeito junto de um predicado não é indispensável o termo predicativo da proposição bastase a si mesmo uma vez que é em realidade o determinante do sujeito A sintaxe da proposição não é mais que o código gramatical que lhe organiza a disposição As entonações na sua variedade não têm valor universal e continuam a ser de apreciação subjetiva Só o caráter predicativo da proposição pode assim valer como critério Situaremos a proposição ao nível categoremático Benveniste 1988 p137138 Desse uso de frase não nos ocuparemos aqui Interessanos o segundo uso do termo À frase nesse texto é atribuído outra noção ligada a uma dupla propriedade Qual é essa dupla propriedade De um lado a frase é vista como uma unidade discreta um segmento de discurso A frase é uma unidade na medida em que é um segmento de discurso Benveniste 1988 p139 por outro lado a frase é vista como atualização como a língua em ação A frase criação indefinida variedade sem limite é a própria 398 Anais do SITED Seminário Internacional de Texto Enunciação e Discurso Porto Alegre RS setembro de 2010 Núcleo de Estudos do Discurso Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul vida da linguagem em ação Benveniste 1988 p139 consequentemente ela passa a ser vista como particular Vemos nessa dupla propriedade da frase a condição que a toma analisável para o próprio locutor a começar pela aprendizagem que ele faz do discurso quando aprende a falar e pelo exercício incessante da sua atividade de linguagem em todas as situações Benveniste 1988 p140 grifo nosso Benveniste ao definir frase simultaneamente na dimensão da língua em ação e na dimensão de segmento do discurso produz outro entendimento de frase já que nela introduz o sentido e a referência A frase é uma unidade na medida em que é um segmento de discurso e não na medida em que poderia ser distintiva com relação a outras unidades do mesmo nível o que ela não é corno vimos É porém uma unidade completa que traz ao mesmo tempo sentido e referência sentido porque é enformada de significação e referência porque se refere a uma determinada situação Os que se comunicam têm justamente isto em comum uma certa referência de situação sem a qual a comunicação como tal não se opera sendo inteligível o sentido mas permanecendo desconhecida a referência Benveniste 1988 p139140 grifo nosso Esse duplo entendimento de frase como predicação e como segmento do discurso na dimensão da língua em ação permite a Benveniste afirmar a existência de duas linguísticas e os termos da passagem de uma à outra Eis aí verdadeiramente dois universos diferentes embora abarquem a mesma realidade e possibilitem duas lingüísticas diferentes embora os seus caminhos se cruzem a todo instante Há de um lado a língua conjunto de signos formais destacados pelos procedimentos rigorosos escalonados por classes combinados em estruturas e em sistemas de outro a manifestação da língua na comunicação viva Benveniste 1988 p139 Isso posto cabe indagar que entendimento de enunciação decorre da dupla propriedade da frase A frase tem a dupla propriedade de ao mesmo tempo ser uma unidade do discurso com sentido e referência Essa propriedade da frase é relativa aos interlocutores É no discurso atualizado em frases que a língua se forma e se configura Benveniste 1988 p140 A frase tem um papel na atualização da língua em discurso Nesse sentido frase não é muito distante do que será colocado sob a denominação de enunciação em A semiologia da língua a língua se manifesta pela enunciação que contém referência a uma situação dada falar é sempre falarde Benveniste 1989 p63 A seguir falaremos sobre a relação entre a enunciação e os níveis da análise linguística 399 Anais do SITED Seminário Internacional de Texto Enunciação e Discurso Porto Alegre RS setembro de 2010 Núcleo de Estudos do Discurso Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Os níveis da análise linguística Émile Benveniste no texto Os níveis da análise lingüística de 1964 considera que a noção de nível é essencial na determinação do procedimento de análise porque somente ela é capaz de fazer justiça à natureza articulada da linguagem e ao caráter discreto dos seus elementos Benveniste centrase na definição das unidades de análise propondo que cada unidade de análise é definida em função de sua integração noutra unidade de um nível superior Assim as unidades de um determinado nível se distribuem nesse nível e são chamadas de unidades constituintes desse nível as quais por sua vez somente podem ser assim definidas se simultaneamente forem também unidades integrantes de um nível superior A capacidade de integração em um nível superior diz respeito ao sentido a capacidade de distribuição em um mesmo nível como constituinte diz respeito à forma O que Benveniste chama de nível da análise linguística então não é o que comumente se encontra na linguística geral sob determinados rótulos a fonologia a sintaxe a morfologia etc Para Benveniste um nível se define em função das relações distribucionais e integrativas que suas unidades têm Logo haveria sempre relações que entendemos ser de fronteira entre os planos da língua Como é abordada a enunciação nessa proposta Falaremos nisso a seguir A transversalidade enunciativa enunciação e níveis da análise Nesse item pensamos em propor uma forma de ver a enunciação com relação à noção de nível de análise explicitada sumariamente acima Para isso partimos de um a priori o estudo da anunciação não se limita a certos mecanismos da língua mas compreende a língua na sua totalidade Qualquer fenômeno linguístico de qualquer nível sintático morfológico fonológico etc pode ser abordado desde o ponto de vista da enunciação Assim os níveis da análise linguística têm estatuto diferenciado quando estamos analisando a língua pelo viés enunciativo Primeiro porque Benveniste concebeos formados por unidades que estão em relação de distribuição e integração de forma e sentido portanto em uma organização que consideramos ser de fronteira Segundo porque a enunciação tal como a definimos acima é relacionada à dupla propriedade da frase Os níveis estão numa interrelação muito singular para criar sentido e referência Denominamos esse mecanismo de interrelação entre os níveis de transversalidade enunciativa A transversalidade enunciativa é o nome que damos à nossa proposta de análise da enunciação Vejamos abaixo um exemplo de transversalidade enunciativa tirado dos textos do próprio Benveniste Tratase da análise presente em Estrutura das relações de pessoa no verbo de 1946 que permite distinguir as correlações de pessoalidade que opõe as pessoas eutu à nãopessoa ele e as de subjetividade interior à precedente que opõe eu a tu Antes porém cabe uma ressalva Benveniste nunca utilizou o termo transversalidade enunciativa para nomear suas análises Transversalidade enunciativa é um termo que cunhamos com base em Benveniste para identificar nossa forma de ver a enunciação nos níveis da análise linguística Nunca é demais ratificar tratase de uma leitura nossa e não de uma proposta de Benveniste 400 Anais do SITED Seminário Internacional de Texto Enunciação e Discurso Porto Alegre RS setembro de 2010 Núcleo de Estudos do Discurso Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Em Estrutura das relações de pessoa no verbo texto publicado em 1946 Benveniste faz a seguinte consideração as expressões da pessoa verbal são no seu conjunto organizadas por duas correlações constantes 1 Correlação de personalidade que opõe as pessoas eutu à nãopessoa ele 2 Correlação de subjetividade interior à precedente e opondo eu a tu Retomemos o essencial da reflexão de Benveniste nesse texto2 A teoria da pessoa verbal se dá sobre a base das oposições que diferenciam as pessoas a Nas duas primeiras pessoas há ao mesmo tempo uma pessoa implicada e um discurso sobre essa pessoa Eu designa aquele que fala e implica ao mesmo tempo um enunciado sobre o eu dizendo eu não posso deixar de falar de mim Na segunda pessoa tu é necessariamente designado por eu e não pode ser pensado fora de uma situação proposta a partir do eu e ao mesmo tempo eu enuncia algo como um predicado de tu b Da terceira pessoa porém um predicado é bem enunciado somente fora do eutu essa forma é assim exceptuada da relação pela qual eu e tu se especificam Daí ser questionável a legitimidade dessa forma como pessoa A forma dita de terceira pessoa comporta realmente uma indicação de enunciado sobre alguém ou alguma coisa mas não referida a uma pessoa específica O elemento variável e propriamente pessoal dessas denominações falta aqui A terceira pessoa não é uma pessoa é inclusive a forma verbal que tem por função exprimir a nãopessoa Resumo eu e tu são pessoa ele é nãopessoa Eis a correlação de pessoalidade Porém se eu e tu caracterizamse pela marca de pessoa isso não significa que sejam de mesma natureza sentese bem que por sua vez se opõem um ao outro no interior da categoria que constituem por um traço cuja natureza lingüística é preciso definir p254 c Há uma oposição entre a pessoaeu e a pessoa nãoeu O que diferencia eu de tu é em primeiro lugar o fato de ser no caso de eu interior ao enunciado e exterior a tu mas exterior de maneira que não suprime a realidade humana do diálogo eu é sempre transcendente com relação a tu Quando saio de mim para estabelecer uma relação viva com um ser encontro ou proponho necessariamente um tu que é fora de mim a única pessoa imaginável Resumo interioridade e transcendência pertencem particularmente ao eu e se invertem em tu Poderseá então definir o tu como a pessoa não subjetiva em face da pessoa subjetiva que eu representa Eis a correlação de subjetividade Conclusão essas duas pessoas se oporão juntas à forma de nãopessoa 2 As partes em itálico são retiradas ipsis litteris do referido artigo 401 Anais do SITED Seminário Internacional de Texto Enunciação e Discurso Porto Alegre RS setembro de 2010 Núcleo de Estudos do Discurso Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Considerações finais A partir dessa análise é possível considerar que a enunciação é um ponto de vista da análise um ponto de vista que incide em cada um dos níveis separadamente eou em interrelação Assim a enunciação é em nossa perspectiva sempre transversal e nunca linear Esse é seu lugar metodológico Parecenos que é dessa forma que Benveniste consegue estabelecer a distinção entre correlação de pessoalidade e correlação de subjetividade Sua análise coloca os níveis lexical pragmático e sintático em interrelação simultaneamente na enunciação A transversalidade enunciativa releva de uma interrelação entre os níveis canonicamente considerados pela linguística clássica sem se reduzir a eles Referências BENVENISTE Émile Problemas de lingüística geral I Campinas Pontes 1988 BENVENISTE Émile Problemas de lingüística geral II Campinas Pontes 1989 402 Enunciado em PaulMichel Foucault Prof Me Aureir A Brito Linguística II Filósofo francês PaulMichel Foucault Nascido em 15101926 Poitiers França Morreu em 25061984 Paris França Nascido em uma família tradicional de médicos Michel Foucault frustrou as expectativas de seu pai cirurgião e professor de anatomia em Poitiers ao interessarse por história e filosofia Apoiado pela mãe Anna Malapert mudouse para Paris em 1945 e antes de conseguir ingressar na École Normale da rue dŽUlm foi aluno do filósofo Jean Hyppolite que lhe apresentou à obra de Hegel Quem é Em 1946 conseguiu entrar na École Normale Seu temperamento fechado o fez uma pessoa solitária agressiva e irônica Em 1948 após uma tentativa de suicídio iniciou um tratamento psiquiátrico Em contato com a psicologia a psiquiatria e a psicanálise leu Platão Hegel Marx Nietzsche Husserl Heidegger Freud Bachelard Lacan e outros aprofundandose em Kant embora criticasse a noção do sujeito enquanto mediador e referência de todas as coisas já que para ele o homem é produto das práticas discursivas Dois anos depois Foucault se licenciou em Filosofia na Sorbonne e no ano seguinte formouse em Psicologia Em 1950 entrou para o Partido Comunista Francês mas afastouse devido a divergências doutrinárias No ano de 1952 cursou o Instituto de Psychologie e obteve diploma de Psicologia Patológica No mesmo ano tornouse assistente na Universidade de Lille Foucault lecionou psicologia e filosofia em diversas universidades na Alemanha na Suécia na Tunísia nos Estados Unidos e em outras Escreveu para diversos jornais e trabalhou durante muito tempo como psicólogo em hospitais psiquiátricos e prisões Michel Foucault Em Defesa da Sociedade Michel Foucault Estratégia Poder Saber Nascimento da Clínica Michel Foucault A HERMENÊUTICA DO SUJEITO Michel Foucault O GOVERNO DE SI E DOS OUTROS Michel Foucault Arqueologia da Ciência e História dos Sistemas de Pensamento Michel Foucault Problematizações de Si Nos Poderes Negativos e Positivos Michel Foucault OS ANORMAIS Viajou o mundo fazendo conferências Em 1955 mudouse para Suécia onde conheceu Dumézil Este contato foi importante para a evolução do pensamento de Foucault Conviveu com intelectuais importantes como JeanPaul Sartre Jean Genet Canguilhem Gilles Deleuze MerlauPonty Henri Ey Lacan Binswanger etc Aos 28 anos publicou Doença Mental e Psicologia 1954 mas foi com História da Loucura 1961 sua tese de doutorado na Sorbone que ele se firmou como filósofo embora preferisse ser chamado de arqueólogo dedicado à reconstituição do que mais profundo existe numa cultura arqueólogo do silêncio imposto ao louco da visão médica O Nascimento da Clínica 1963 das ciências humanas As Palavras e as Coisas 1966 do saber em geral A Arqueologia do Saber 1969 Esteve no Brasil em 1965 para conferência à convite de Gerard Lebrun seu aluno na rue dUlm em 1954 Em 1971 ele assumiu a cadeira de Jean Hyppolite na disciplina História dos Sistemas de Pensamento A aula inaugural foi A Ordem do discurso A obra seguinte Vigiar e Punir é um amplo estudo sobre a disciplina na sociedade moderna para ele uma técnica de produção de corpos dóceis Foucault analisou os processos disciplinares empregados nas prisões considerandoos exemplos da imposição às pessoas e padrões normais de conduta estabelecida pelas ciências sociais A partir desse trabalho explicitouse a noção de que as formas de pensamento são também relações de poder que implicam a coerção e imposição Em seus escritos sobre medicina Foucault criticou a psiquiatria e a psicanálise tradicionais Deixou inacabado seu mais ambicioso projeto História da Sexualidade que pretendia mostrar como a sociedade ocidental faz do sexo um instrumento de poder não por meio da repressão mas da expressão O primeiro dos seis volumes anunciados foi publicado em 1976 sob o título A Vontade de Saber Em 1984 pouco antes de morrer publicou outros dois volumes da História da Sexualidade O Uso dos Prazeres que analisa a sexualidade na Grécia Antiga e O Cuidado de Si que trata da Roma Antiga Foucault teve vários contatos com diversos movimentos políticos Engajouse nas disputas políticas nas Guerras do Irã e da Turquia O Japão é também um local de discussão para Foucault Várias vezes esteve no Brasil onde realizou conferências e firmou amizades Foi no Brasil que pronunciou as importantes conferências sobre A Verdade e as Formas Jurídicas na PUC do Rio de Janeiro Os Estados Unidos atraíram Foucault em função do apoio à liberdade intelectual e em função de São Francisco cidade onde Foucault pôde vivenciar algumas experiências marcantes em sua vida pessoal no que diz respeito à sua homossexualidade Berkeley tornouse um pólo de contato entre Foucault e os Estados Unidos Em 25 junho de 1984 em função de complicadores provocados pela AIDS Foucault morreu aos 57 anos em plena produção intelectual Qual foi o objeto de minha pesquisa E estava em meus propósitos descrever o quê Enunciados Ora tive o cuidado de não dar uma definição preliminar de enunciado 1969 p 90 A arqueologia do saberMichel Foucault tradução de Luiz Felipe Baeta Neves 7ed Rio de Janeiro Forense Universitária 2008 A significação tão flutuante da palavra discurso creio terlhe multiplicado os sentidos ora domínio geral de todos os enunciados ora grupo individualizável de enunciados ora prática regulamentada dando conta de um certo número de enunciados 1969 p 90 Eis portanto a tarefa atual ver se é mesmo do enunciado que se trata na análise das formações discursivas De nada adiantaria alegar contra essa equivalência que alguns enunciados podem ser compostos fora da forma canônica sujeitoligaçãopredicado por um simples sintagma nominal Este homem ou por um advérbio Perfeitamente ou por um pronome pessoal Você 1969 p 92 Será preciso finalmente admitir que o enunciado não pode ter caráter próprio e que não é suscetível de definição adequada É evidente que os enunciados não existem no sentido em que uma língua existe e com ela um conjunto de signos definidos por seus traços oposicionais e suas regras de utilização a língua na verdade jamais se apresenta em si mesma e em sua totalidade Se não houvesse enunciados a língua não existiria mas nenhum enunciado é indispensável à existência da língua Língua e enunciado não estão no mesmo nível de existência e não podemos dizer que há enunciados como dizemos que há línguas Mas basta então que os signos de uma língua constituam um enunciado O enunciado portanto não existe nem do mesmo modo que a língua nem do mesmo modo que objetos quaisquer apresentados à percepção O enunciado não é uma unidade do mesmo gênero da frase proposição ou ato de linguagem não se apóia nos mesmos critérios mas não é tampouco uma unidade como um objeto material poderia ser tendo seus limites e sua independência Ninguém ouviu e é verdade que ninguém ouviu são indiscerníveis do ponto de vista lógico e não podem ser consideradas como duas proposições diferentesibid p91 No entanto Não se podem encontrar em um mesmo lugar no plano do discurso nem pertencer exatamente ao mesmo grupo de enunciados Nos dois casos tratase da mesma estrutura proposicional mas de caracteres enunciativos bastante distintos ibid O enunciado seria então uma Proposição Proposição Podese na verdade ter dois enunciados perfeitamente distintos que se referem a agrupamentos discursivos bem diferentes onde não se encontra mais que uma proposição suscetível de um único e mesmo valor obedecendo a um único e mesmo conjunto de leis de construção e admitindo as mesmas possibilidades de utilização ibid p 91 O enunciado seria uma Frase Os gramáticos reconhecem enquanto frases sentenças que tenham sido formadas de forma independente mesmo que tenham sido obtidas por uma série de transformações O contexto Ex Você Perfeitamente Este homem Enunciados independentes Frase Os gramáticos atribuem o status de frases aceitáveis a conjuntos de elementos linguísticos que não foram corretamente construídos contanto que sejam interpretáveis atribuem em compensação o status de frases gramaticais a conjuntos interpretáveis contanto que tenham sido corretamente formados Diz que podemse equivaler sim frase e enunciado porém não se pode totalizar enunciado somente como frase ibid p 92 Frase A forma qual se organiza o dicionário também pode ser considerado um enunciado Amare amo amas amat 0 1 2 3 4 5 6 7 8 1x no mês 1x p semana 3x p semana 7x p semana Vezes que o sujeito vai à Igreja Céu Inferno Exemplo de Enunciado sem frase Gráfico Frase À partir do gráfico temos a seguinte leitura possível À medida que os FIÉS vão à Igreja MAIS CHANCES têm de ir pro CÉU E ao mesmo tempo À medida que os FIÉIS não vão à Igreja MAIS CHANES têm de ir pro INFERNO Ou ainda À medida que os FIÉS não vão à Igreja MENOS CHANCES têm de ir pro CÉU Também podemos ter À medida que os FIÉIS vão à Igreja MENOS CHANES têm de ir pro INFERNO Frase O enunciado se dá através de vários gêneros textuais Não só uma estrutura gramaticalmente considerada Uma árvore genealógica um livro contábil as estimativas de um balanço comercial são enunciados ibid O enunciado seria um Speech ActAto ilocutório A atividade ilocucional ato ilocutório seria o conjunto de atos cumpridos convencionalmente pelo exercício da fala incluindo ai a afirmação GUIMARÃES p 39 Ato ilocutório ordem promessa juramento prece contrato Ex Declaro iniciada a reunião Speech ActAto ilocutório O ato ilocutório é o que se produziu pelo próprio fato de ter sido enunciado e precisamente esse enunciado e nenhum outro em circunstâncias bem determinadas ibid p94 Foucault considera Condições de Produção e o que acarreta a partir do Ato ilocutório Enquanto fora produzido como ocorreu Onde Porque Que efeitos surtiram Speech ActAto ilocutório Diante disso Foucault critica os analistas por não considerar as condições de produção Logo que se considera suas condições de produção o ato ilocutório é formado por vários enunciados Ex preces Speech ActAto ilocutório Podese então supor que a individualização dos enunciados depende dos mesmos critérios que a demarcação dos atos de formulação cada ato tomaria corpo em um enunciado e cada enunciado seria internamente habitado por um desses atos Existiriam um pelo outro e em uma exata reciprocidadeibid p94 Sobre o Enunciado encontramos enunciados sem estrutura proposicional legítima encontramos enunciados onde não se pode reconhecer nenhuma frase encontramos mais enunciados do que os speech acts que podemos isolar como se o enunciado fosse mais tênue menos carregado de determinações menos fortemente estruturado mais onipresente também que todas essas figuras como se seus caracteres fossem em número menor e menos difíceis de serem reunidos mas como se por isso mesmo ele recusasse toda possibilidade de descrição ibid p95 Sobre o Enunciado não se requer uma construção linguística regular para formar um enunciado esse pode ser constituído de uma série de probabilidade mínima Ex Teclado de computador QWERTY Sobre o Enunciado ele é indispensável para que se possa dizer se há ou não frase proposição ato de linguagem e para que se possa dizer se a frase está correta ou aceitável ou interpretável se a proposição é legítima e bem constituída se o ato está de acordo com os requisitos e se foi inteiramente realizado Sobre o Enunciado é que ele não é em si mesmo uma unidade mas sim uma função que cruza um domínio de estruturas e de unidades possíveis e que faz com que apareçam com conteúdos concretos no tempo e no espaço Sobre o Enunciado O enunciado não é pois uma estrutura isto é um conjunto de relações entre elementos variáveis autorizando assim um número talvez infinito de modelos concretos é uma função de existência que pertence exclusivamente aos signos e a partir da qual se pode decidir em seguida pela análise ou pela intuição se eles fazem sentido ou não segundo que regra se sucedem ou se justapõem de que são signos e que espécie de ato se encontra realizado por sua formulação oral ou escrita O Enunciado Seria desta maneira um signo discursado Algo que quando proferido remete a sua materialidade O enunciado seria assim um signo exposto em determinado tempo e espaço que terá sua interpretação e estrutura comprometida segundo a visão de quem o toma para si em seu significado O Enunciado Mas o signo pode estar exposto de forma arbitrária ou não para um determinado eventosujeito e outro não É aquilo que toma significado e é usado para discursar em favor de um sujeitoinstituição para validar algo implícito no discurso O Enunciado Mas a medida que o enunciado vai sendo recopiado produz outros enunciados pois muda o tempo e espaço já que quando se diz algo duas vezes não terá o mesmo sentido Mudase o tempo Referências Bibliográficas Foucault Michel A arqueologia do saber tradução de Luiz Felipe Baeta Neves 7 ed Rio de Janeiro Forense Universitária 7 ed 2008 GUIMARÃES Eduardo Os Limites Do Sentido um estudo histórico e enunciativo da linguagem Campinas SP Pontes 2 edição 2002 U lb tl t Pro Farls Michaele O U C A U L T M ic h e l A o rd e m d o d is c u rs o 0 9 1 9 5 2 1111111111111111111111111111 MICHEL FOUCAULT A ORDEM DO DISCURSO AuLA INAUGURAL NO COLLEGE DE FRANCE PRiNUNCIADA EMZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 2 DE DEZEMBRO DE 1970 Tradução Laura Fraga de Almeida Sampaio IL O S Ó F IC A S I 0 1 1 1 1 1 d o lis u rs o 11c J 11 fiO 1 1111 r S I lic o s o b re rTSRQPONMLKJIHGFEDCBA ta c q tu Morltaln u lo X X J 109 J vTSRQPONMLKJIHGFEDCBA fD DOACAO DATA f R lüulo riginal I c m lr e d u d is c o u r s L e ç o n in a u g u r a le a u C o lle g e d e F r a n c e p lo llo llc é e le 2 d é c e m b r e 1 9 7 0 rancine Fruchaud e Denys Foucault Paris Publicado na França por Éditions Gallimard Paris 1971 Ed ição de texto M a r c o s J o s é M a r c io n io Indicação editorial P r o J a Dr S a lm a T a n n u s M u c h a Edições Loyola Ru 1822 n 347 Ipiranga 04216000 São Paulo SP C ixa Postal 42335 4299970 São Paulo SP I ne Oll 69141922 lax 011 634275 lZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA lo rn e page wwwecoforgbrloyolI c mail loyolaihmnet Iodo os direitos reservados Nenhuma parte desta o h lll pode ser reproduzida ou transmitida por qual qUI forma eJou quaisquer meios eletrônico ou me nlco incluindo fotocópia e gravação ou arquivada 1 1 1 qualquer sistema ou banco de dados sem perrnis llu cs dia da Editora lilN 855013592 l dição abril de 1996 t 1111 LOYOLA São Paulo Brasil 1996 G ostaria de me insinuar subrepticia mente no discurso que devo pro nunciar hoje e nos que deverei pronunciar aqui talvez durante anos Ao Invés de to mar a palavra gostaria de ser envolvido por ela e levado bem além de todo começo possível Gostaria de perceber que no mo mento de falar uma voz sem nome me pre cedia há muito tempo bastaria então que eu encadeasse prosseguisse a frase me alo jasse sem ser percebido em seus interstí cios como se ela me houvesse dado um sinal mantendose por um instante sus pensa Não haveria portanto começo e em Nota do Editor Por motivo de horário certas pas agens foram encurtadas e modificadas na leitura Essas pas agens foram aqui reproduzidas na íntegra v zZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA d r aquele de quem parte o discurso u ria antes ao acaso de seu desenrolar uma treita lacuna o ponto de seu desapa r imento possível Gostaria de ter atrás de mim tendo tomado a palavra há muito tempo dupli ando de antemão tudo o que vou dizer uma voz que dissesse É preciso continuar eu não posso continuar é preciso continuar é preciso pronunciar palavras enquanto as há é preciso dizêIas até que elas me en contrem até que me digam estranho castigo estranha falta é preciso continuar talvez já tenha acontecido talvez já me te nham dito talvez me tenham levado ao li miar de minha história diante da porta que abre sobre minha história eu me surpre nderia se ela se abrisse ponde de modo irônico pois que torna os começos solenes cercaos de um círculo de atenção e de silêncio e lhes impõe formas ritualizadas como para sinalizáIas à dis tância o desejo diz Eu não queria ter de entrar nesta ordem arriscada do discurso não queria ter de me haver com o que tem de categórico e decisivo gostaria que fosse ao meu redor como uma tranparência cal ma profunda indefinidamente aberta em que os outros respondessem à minha ex pectativa e de onde as verdades se elevas sem uma a uma eu não teria senão de me deixar levar nela e por ela como um des troço feliz E a instituição responde Você não tem por que temer começar estamos todos aí para lhe mostrar que o discurso está na ordem das leis que há muito tempo se cuida de sua aparição que lhe foi prepa rado um lugar que o honra mas o desarma e que se lhe ocorre ter algum poder é de nós só de nós que ele lhe advém Mas pode ser que essa instituição e esse desejo não sejam outra coisa senão dua r Existe em muita gente penso eu um I ejo semelhante de não ter de começar U I1 1 íesejo de se encontrar logo de entrada do utro lado do discurso sem ter de con s i I rar do exterior o que ele poderia ter de ill ru la r de terrível talvez de maléfico A aspir ão tão comum a instituição res 7 p lizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA opostas a uma mesma inquietação inqui ração diante do que é o discurso em u realidade material de coisa pronunciada u escrita inquietação diante dessa existên ia transitória destinada a se apagar sem dú vida mas segundo uma duração que não nos pertence inquietação de sentir sob essa atividade todavia cotidiana e cinzenta po deres e perigos que mal se imagina inquie tação de supor lutas vitórias ferimentos dominações servidões através de tantas pa lavras cujo uso há tanto tempo reduziu as asperidades Mas o que há enfim de tão perigoso no fato de as pessoas falarem e de seus dis ursos proliferarem indefinidamente Onde final está o perigo Eis a hipótese que gostaria de apresen tar ta noite para fixar o lugar ou tal v e z teatro muito provisório do traba lh o qu faço suponho que em toda socie du lc a produção do discurso é ao mesmo 8 tempo controlada selecionada organizada e redistribuída por certo número de proce dimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos dominar seu aconteci mento aleatório esquivar sua pesada e te mível materialidade Em uma sociedade como a nossa co nhecemos é certo procedimentos deTSRQPONMLKJIHGFEDCBA e x c lu s ã o O mais evidente o mais familiar tam bém é a in te r d iç ã o Sabese bem que não se tem o direito de dizer tudo que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância que qualquer um enfim não pode falar de qual quer coisa Tabu do objeto ritual da cir cunstância direito privilegiado ou exclusi vo do sujeito que fala temos aí o jogo de três tipos de interdições que se cruzam se reforçam ou se compensam formando uma grade complexa que não cessa de se modi ficar Notaria apenas que em nossos dias as regiões onde a grade é mais cerrada onde os buracos negros se multiplicam são as regiões da sexualidade e as da política como se o discurso longe de ser esse e ementa transparente ou neutro no qual a sexualida 9 10ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA n nem importância não podendo testemunhar na justiça não podendo autenticar um ato ou um contrato não podendo nem mesmo no sacrifício da missa permitir a transubs tanciação e fazer do pão um corpo pode ocorrer também em contrapartida que se lhe atribua por oposição a todas as outras estranhos poderes o de dizer uma verdade escondida o de pronunciar o futuro o de enxergar com toda ingenuidade aquilo que a sabedoria dos outros não porre perceber É curioso constatar que durante séculos na Europa palavra do louco não era ouvida ou então se era ouvida era escutada como uma palavra de verdade Ou caía no nada rejeitada tão logo proferida ou então neia se decifrava uma razão ingênua ou astuciosa uma razão mais razoável do que a das pes soas razoáveis De qualquer modo excluída ou secretamente investida pela razão no sen tido restrito ela não existia Era através de suas palavras que se reconhecia a loucura do louco elas eram o lugar onde se exercia a separação mas não eram nunca recolhidas nem escutadas Jamais antes do fim do sécu lo XVIII um médico teve a idéia de sab r o 11 de se desarma e a política se pacifica fosse um dos lugares onde elas exercem de modo privilegiado alguns de seus mais temíveis poderes Por mais que o discurso seja apa rentemente bem pouca coisa as interdições que o atingem revelam logo rapidamente sua ligação com o desejo e com o poder Nisto não há nada de espantoso visto que o discurso como a psicanálise nos mos trou não é simplesmente aquilo que manifesta ou oculta o desejo é também aquilo que é o objeto do desejo e visto que isto a história não cessa de nos ensinar o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de domi nação mas aquilo por que pelo que se luta o poder do qual nos queremos apoderar Existe em nossa sociedade outro prin ípio de exclusão não mais a interdição ma uma separação e uma rejeição Penso na posição razão e loucura Desde a alta ld d Média o louco é aquele cujo discurso 11 o J de circular como o dos outros pode o OlT r que sua palavra seja considerada 1111 n o eja acolhida não tendo verdade trazer ou desesperadamente reter suas po bres palavras basta pensar em tudo isto para supor que a separação longe de estar apa gada se exerce de outro modo segundo linhas distintas por meio de novas institui ções e com efeitos que não são de modo algum os mesmos E mesmo que o papel do médico não fosse senão prestar ouvido a uma palavra enfim livre é sempre na ma nutenção da cesura que a escuta se exerce Escuta de um discurso que é investido pelo desejo e que se crê para sua maior exaltação ou maior angústia carregado de terríveis poderes Se é necessário o silên cio da razão para curar os monstros basta que o silêncio esteja alerta e eis que a se paração permanece Talvez seja arriscado considerar a opo sição do verdadeiro e do falso como um terceiro sistema de exclusão ao lado daque les de que acabo de falar Como se poderia razoavelmente comparar a força da verdade com separações como aquelas separações que de saída são arbitrárias ou que ao menos se organizam em tomo de contingências his 12 13 que era dito como era dito por que era dito nessa palavra que contudo fazia a diferença Todo este imenso discurso do louco retomava ao ruído a palavra só lhe era dada simbolica mente no teatro onde ele se apresentava desarmado e reconciliado visto que represen tava aí o papel de verdade mascarada Dirseá que hoje tudo isso acabou ou está em vias de desaparecer que a palavra do louco não está mais do outro lado da separação que ela não é mais nula e não aceita que ao contrário ela nos leva à es preita que nós aí buscamos um sentido ou o esboço ou as ruínas de uma obra e que chegamos a surpreendêIa essa palavra do louco naquilo que nós mesmos articula mos no distúrbio minúsculo por onde aqui lo que dizemos nos escapa Mas tanta aten ção não prova que a velha separação não voga mais basta pensar em todo o aparato de saber mediante o qual deciframos essa palavra basta pensar em toda a rede deZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA in lituições que permite a alguém médi O p icanalista escutar essa palavra e que pcrrnit ao mesmo tempo ao paciente vir tóricas que não são apenas modificáveis mas stão em perpétuo deslocamento que são su tentadas por todo um sistema de institui ções que as impõem e reconduzem enfim que não se exercem sem pressão nem sem ao menos uma parte de violência Certamente se nos situamos no nível de uma proposição no interior de um dis curso a separação entre o verdadeiro e o falso não é nem arbitrária nem modificável nem institucional nem violenta Mas se nos situamos em outra escala se levanta mos a questão de saber qual foi qual é constantemente através de nossos discur sos essa vontade de verdade que atravessou tantos séculos de nossa história ou qual é em sua forma muito geral o tipo de sepa ração que rege nossa vontade de saber en tão é talvez algo como um sistema de ex clusão sistema histórico institucionalmen te constrangedor que vemos desenharse Separação historicamente constituída 111 certeza Porque ainda nos poetas gre g 5 do século VI o discurso verdadeiro ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA n o 5 ntido forte e valorizado do termo 14 o discurso verdadeiro pelo qual se tinha res peito e terror aquele ao qual era preciso submeterse porque ele reinava era o dis curso pronunciado por quem de direito e conforme o ritual requerido era o discurso que pronunciava a justiça e atribuía a cada qual sua parte era o discurso que profeti zando o futuro não somente anunciava o que ia se passar mas contribuía para a sua realização suscitava a adesão dos homens e se tramava assim com o destino Ora eis que um século mais tarde a verdade a mais elevada já não residia mais no queTSRQPONMLKJIHGFEDCBA e r a o discurso ou no que ele fa z ia mas residia no que ele d iz ia chegou um dia em que a verdade se deslocou do ato ritualizado efi caz e justo de enunciação para o próprio enunciado para seu sentido sua forma seu objeto sua relação a sua referência Entre Hesíodo e Platão uma certa divisão se esta beleceu separando o discurso verdadeiro e o discurso falso separação nova visto que doravante o discurso verdadeiro não é mais o discurso precioso e desejável visto que não é mais o discurso ligado ao exercício do poder O sofista é enxotado 15 Essa divisão histórica deu sem dúvida sua forma geral à nossa vontade de saber Mas não cessou contudo de se deslocar as grandes mutações científicas podem talvez ser lidas às vezes como conseqüências de uma descoberta mas podem também ser lidas como a aparição de novas formas na vontade de verdade Há sem dúvida uma vontade de verdade no século XIX que não coincide nem pelas formas que põe emjogo nem pelos domínios de objeto aos quais se dirige nem pelas técnicas sobre as quais se apóia com a vontade de saber que caracte riza a cultura clássica Voltemos um pouco atrás por volta do século XVI e do século XVII na Inglaterra sobretudo apareceu uma vontade de saber que antecipandose a seus conteúdos atuais desenhava planos de objetos possíveis observáveis mensurá veis classificáveis uma vontade de saber que impunha ao sujeito cognoscente e de c rta forma antes de qualquer experiência rta posíçao certo olhar e certa função v r em vez de ler verificar em vez de coZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 1 1 1 ntar uma vontade de saber que pres r vi e de um modo mais geral do que 16 qaluer instrumento determin d tecrnco do qual d a o o nível nheci evenam Investirse os co imentos para se f Tud rem ven icáveis e úteis o se passa como divisão platônica se a partir da grande a vontade de d d vesse sua própria história que n a edtl verdades que constran em e a as nos de obi g história dos pla etos a conhecer história da f çoes e posições do s un tória dos in sujeito cognoscente his vestlmentos materiaí mstrumentais do h aIS tecrncos con ecimento Ora essa vontade de verdad outros sistemas de 1 e como os exc usao apói um s Iase sobre uporte mstltucional e o f ao mesmo tem p re orçada e recond d tcnjunto detiacoo c aro como o sistema d r da edição das bibli os IVroS iotecas co des de sábios out mo as socieda Mas ela é també rora os laboratórios hoje em recond uzida fundamente sem d ü id mais pro UVI a pelo d o saber é r d mo o como ap ica o em uma sociedad e valorizado distributd e como modo atribuído Re dOrepartido e de certo cor emos título simbóli aqUI apenas a ICO o velho princípio grego 17 19 que a aritmética pode bem ser o assunto das cidades democráticas pois ela ensina as relações de igualdade mas somente a geome tria deve ser ensinada nas oligarquias pois demonstra as proporções na desigualdade Enfim creio que essa vontade de ver dade assim apoiada sobre um suporte e uma dístríbuição institucional tende a exercer sobre os outros discursos estou sempre falando de nossa sociedade uma espécie de pressão e como que um poder de coer ção Penso na maneira como a literatura ocidental teve de buscar apoio durante sé culos no natural no verossímil na sinceri dade na ciência também em suma no discurso verdadeiro Penso igualmente na maneira como as práticas econômicas co dificadas como preceitos ou receitas even tualmente como moral procuraram desde século XVI fundamentarse racionalizar e justificarse a partir de uma teoria das riqu zas e da produção penso ainda na 111 n ira como um conjunto tão prescritivo quant o sistema penal procurou seus su porte u sua justificaçãO primeiro é certo 18 em uma teoria do direito depois a partir do século XIX em um saber sociológico psicológico médico psiquiátrico como se a própria palavra ckl lei não pudesse mais ser autorizada em nossa sociedade senão por um discurso de verdade Dos três grandes sistemas de exclusão que atingem o discurso a palavra proibida a segregação da loucura e a vontade de verdade foi do terceiro que falei mais lon gamente É que há séculos os primeiros não cessaram de orientarse em sua direção é que cada vez mais o terceiro procura reto maIos por sua própria conta para ao mes mo tempo modificálos e fundamenralosZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA é que se os dois primeiros não cessam de se tornar mais frágeis mais incertos na medida em que são agora atravessados pela vontade de verdade esta em contrapartída não cessa de se reforçar de se tornar mais profunda e mais incontornável E contudo é dela sem dúvida que menos se fala Como se para nós a vontade de verdade e suas peripécias fossem masca radas pela própria verdade em seu desenro 20zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 21 lar necessário E a razão disso é talvez esta é que se o discurso verdadeiro não é mais com efeito desde os gregos aquele que res ponde ao desejo ou aquele que exerce o poder na vontade de verdade na vontade de dizer esse discurso verdadeiro o que está em jogo senão o desejo e o poder O dis curso verdadeiro que a necessidade de sua forma liberta do desejo e libera do poder não pode reconhecer a vontade de verdade que o atravessa e a vontade de verdade essa que se impõe a nós há bastante tempo é tal que a verdade que ela quer não pode deixar de mascaráIa Assim só aparece aos nossos olhos uma verdade que seria riqueza fecundidade for ça doce e insidiosamente universaL E igno ramos em contrapartida a vontade de ver dade como prodigiosa maquinaria destina da a excluir todos aqueles que ponto por ponto em nossa história procuraram con tornar essa vontade de verdade e recolocá la em questão contra a verdade lá justaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA m me onde a verdade assume a tarefa de i LlS Iilícar a interdição e definir a loucura todos aqueles de Nietzsche a Artaud e a Bataille devem agora nos servir de sinais altivos sem dúvida para o trabalho de todo dia Existem evidentemente muitos outros procedimentos de controle e de delimitação do discurso Aqueles de que falei até agora se exercem de certo modo doexterior fun cionam como sistemas de exclusão concer nem sem dúvida à parte do discurso que põe em jogo o poder e o desejo Podese creio eu isolar outro grupo de procedimentos Procedimentos internos visto que são os discursos eles mesmos que exercem seu próprio controle procedimen tos que funcionam sobretudo a título de princípios de classificação de ordenação de distribuição como se se tratasse desta vez de submeter outra dimensão do discurso a do acontecimento e do acaso Em primeiro lugar o comentário Su ponho mas sem ter muita certeza que nã há sociedade onde não existam narrativas maiores que se contam se repetem e se fazem variar fórmulas textos conjuntos ritualizados de discursos que se narram conforme circunstâncias bem determinadas coisas ditas uma vez e que se conservam porque nelas se imagina haver algo como um segredo ou uma riqueza Em suma podese supor que há muito regularmente nas sociedades uma espécie de desnivela mento entre os discursos os discursos que se dizem no correr dos dias e das trocas e que passam com o ato mesmo que os pronunciou e os discursos que estão na origem de certo número de atos novos de fala que os retomam os transformam ou falam deles ou seja os discursos que inde finidamente para além de sua formulaçãoTSRQPONMLKJIHGFEDCBA s ã o d ito s permanecem ditos e estão ainda por dizer Nós os conhecemos em nosso istema de cultura são os textos religiosos ou jurídicos são também esses textos eu rio os quando se considera o seu estatuto que chamamos de literários em certaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 1 1 1 lida textos científicos É certo que esse deslocamento não é estável nem constante nem absoluto Não há de um lado a categoria dada uma vez por todas dos discursos fundamentais ou criadores e de outro a massa daqueles que repetem losam e comentam Muitos tex tos maiores se confundem e desaparecem e por vezes comentários vêm tomar o pri meiro lugar Mas embora seus pontos de aplicação possam mudar a função perma nece e o princípio de um deslocamento encontrase sem cessar reposto em jogo O desaparecimento radical desse desnivelamen to não pode nunca ser senão um jogo uto pia ou angústia Jogo à moda de Borges de um comentário que não será outra coisa senão a reaparição palavra por palavra mas desta vez solene e esperada daquilo que ele comenta jogo ainda de uma crítica que falaria até o infinito de uma obra que não existe Sonho lírico de um discurso que renasce em cada um de seus pontos abso lutamente novo e inocente e que reaparece sem cessar em todo frescor a partir das coisas dos sentimentos ou dos pensamen tos Angústia daquele doente de J anet para 22 23 24 e texto segundo desempenha dois papéis que são solidários Por um lado permite cons truir e indefinidamente novos discursos o fato de o texto primeiro pairar acima sua permanência seu estatuto de discurso sem pre reatualizável o sentido múltiplo ou oculto de que passa por ser detentor a reticência e a riqueza essenciais que lhe atribuímos tudo isso funda uma possibili dade aberta de falar Mas por outro lado o comentário não tem outro papel sejam quais forem as técnicas empregadas senão o de dizerTSRQPONMLKJIHGFEDCBA e n fim o que estava articulado silencio samente no te x to p r im e ir o Deve conforme um paradoxo que ele desloca sempre mas ao qual não escapa nunca dizer pela pri meira vez aquilo que entretanto já havia sido dito e repetir incansavelmente aquilo que no entanto não havia jamais sido dito A repetição indefinida dos comentários é trabalhada do interior pelo sonho de uma repetição disfarçada em seu horizonte não há talvez nada além daquilo que já havia em seu ponto de partida a simples recita ção O comentário conjura o acaso do discur so fazendolhe sua parte permitelhe diz r quem o menor enunciado era como pala vra de Evangelho encerrando inesgotáveis tesouros de sentido e merecendo ser indefi nidamente relançado recomeçado comen tado Quando eu penso dizia ele logo que lia ou escutava quando penso nesta frase que vai partir para a eternidade e que eu talvez ainda não tenha compreendido ple namente 25 Mas quem não vê que se trata aí cada vez de anular um dos termos da relação e não de suprimir a relação ela mesma Rela ção que não cessa de se modificar através do tempo relação que toma em uma época dada formas múltiplas e divergentes a exegese jurídica é muito diferente e isto há bastante tempo do comentário religioso uma mesma e única obra literária pode dar lugar simultaneamente a tipos de discurso bem distintos a O d is s é ia como texto pri meiro é repetida na mesma época na tra dução de Bérard em infindáveis explicações de texto no U ly s s e s de joyce Por ora gostaria de me limitar a indi car que no que se chama globalmente um mentário o desnível entre texto primeiro algo além do texto mesmo mas com a con dição de que o texto mesmo seja dito e de certo modo realizado A multiplicidade aber ta o acaso são transferidos pelo princípio do comentário daquilo que arriscaria de ser dito para o número a forma a máscara a circunstância da repetição O novo não está no que é dito mas no acontecimento de sua volta Creio que existe outro princípio de rarefação de um discurso que é até certo ponto complementar ao primeiro Tratase do autor O autor não entendido é claro como o indivíduo falante que pronunciou ou escreveu um texto mas o autor como princípio de agrupamento do discurso como unidade e origem de suas significações como foco de sua coerência Esse princípio não voga em toda parte nem de modo cons tante existem ao nosso redor muitos dis cursos que circulam sem receber seu senti do ou sua eficácia de um au tor ao qual se riam atribuídos conversas cotidianas logo apagadas decretos ou contratos que preci sam de signatários mas não de autor recei tas técnicas transmitidas no anonimato Mas nos domínios em que a atribuição a um autor é de regra literatura filosofia ciên cia vêse bem que ela não desempenha sempre o mesmo papel na ordem do dis curso científico a atribuição a um autor era na Idade Média indispensável pois era um indicador de verdade Uma proposição era considerada como recebendo de seu autor seu valor científico Desde o século XVII esta função não cessou de se enfraquecer no discurso científico o autor só funciona para dar um nome a um teorema um efei to um exemplo uma síndrome Em con trapartida na ordem do discurso literário e a partir da mesma época a função do autor não cessou de se reforçar todas as narrati vas todos os poemas todos os dramas ou comédias que se deixava circular na Idade Média no anonimato ao menos relativo eis que agora se lhes pergunta e exigem que respondam de onde vêm quem os escre veu pedese que o autor preste contas da unidade de texto posta sob seu nome pede selhe que revele ou ao menos sustente o 26 27 2 8zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA um texto no horizonte do qual paira uma obra possível retoma por sua conta a fun ção do autor aquilo que ele escreve e o que não escreve aquilo que desenha mesmo a título de rascunho provisório como esboço da obra e o que deixa vai cair como con versas cotidianas Todo este jogo de dife renças é prescrito pela função do autor tal como a recebe de sua época ou tal como ele por sua vez a modifica Pois embora possa modificar a imagem tradicional que se faz de um autor será a partir de uma nova posição do autor que recortará em tudo o que poderia ter dito em tudo o que diz todos os dias a todo momento o perfil ainda trêmulo de sua obra sentido oculto que os atravessa pedeselhe que os articule com sua vida pessoal e suas experiências vividas com a história real que os viu nascer O autor é aquele que dá à inquietante linguagem da ficção suas uni dades seus nós de coerência sua inserção no real Bem sei que me vão dizer Mas você fala aqui do autor tal como a crítica o rein venta após o fato consumado quando so breveio a morte e não resta senão uma massa confusa de escritos ininteligíveis é preciso então repor um pouco de ordem em tudo isso imaginar um projeto uma coerência uma ternática que se pede à consciência ou à vida de um autor na verdade talvez um pouco fictício Mas isso não impede que ele tenha existido esse autor real esse homem que irrompe em meio a todas as palavras usadas trazendo nelas seu gênio ou sua desordem Seria absurdo negar é claro a existên cia do indivíduo que escreve e inventa Mas penso que ao menos desde uma certa época o indivíduo que se põe a escrever O comentário limitava o acaso do dis curso pelo jogo de umaTSRQPONMLKJIHGFEDCBA id e n tid a d e que teria a forma da r e p e tiç ã o e do m e s m o O princí pio do autor limita esse mesmo acaso pelo jogo de uma id e n tid a d e que tem a forma da in d iv id u a lid a d e e do e u 29 Seria preciso reconhecer também no que se denomina não as ciências mas as disci plinas outro princípio de limitação Prin 31 30 Mas há mais e há mais sem dúvida para que haja menos uma disciplina nãoTSRQPONMLKJIHGFEDCBA e a soma de tudo o que pode ser dito de verdadeiro sobre alguma coisa não é nem mesmo o conjunto de tudo o que pode ser aceito a propósito de um mesmo dado em virtude de um princípio de coerência ou de sistematicidade A medicina não é consti tuída de tudo o que se pode dizer de verda deiro sobre a doença a botânica não pode ser definida pela soma de todas as verdades que concernem às plantas Há para isso duas razões primeiro a botânica ou a me dicina como qualquer outra disciplina são feitas tanto de erros como de verdades erZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA ros que não são resíduos ou corpos estra nhos mas que têm funções positivas uma eficácia histórica um papel muitas vezes indissociável daquele das verdades Mas além disso para que uma proposição per tença à botânica ou à patologia é preciso que ela responda a condições em um sen tido mais estritas e mais complexas do que a pura e simples verdade em todo caso a cípio este também relativo e móvel Princí pio que permite construir mas conforme um jogo restrito A organização das disciplinas se opõe tanto ao princípio do comentário como ao do autor Ao do autor visto que uma disci plina se define por um domínio de objetos um conjunto de métodos um corpus de proposições consideradas verdadeiras um jogo de regras e de definições de técnicas e de instrumentos tudo isto constitui uma espécie de sistema anõnimo à disposição de quem quer ou pode servirse dele sem que seu sentido ou sua validade estejam ligados a quem sucedeu ser seu inventor Mas o princípio da disciplina se opõe também ao do comentário em uma disciplina diferente mente do comentário o que é suposto no ponto de partida não é um sentido que pre cisa ser redescoberto nem urna identidade que deve ser repetida é aquilo que é requerido para a construção de novos enunciados Para que haja disciplina é preciso pois que haja possibilidade de formular e de formular in definidamente proposições novas IIzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA condições diferentes Ela precisa dirigirse a um plano de objetos determinado a partir do fim do século XVII por exemplo para que uma proposição fosse botânica era preciso que ela dissesse respeito à estrutura visível da planta ao sistema de suas seme lhanças próximas ou longínquas ou à mecâ nica de seus fluidos e essa proposição não podia mais conservar como ainda era o caso no século XVI seus valores simbólicos ou o conjunto das virtudes ou propriedades que lhe eram atribuídas na antigüidade Mas sem pertencer a uma disciplina uma pro posição deve utilizar instrumentos ccncei tuais ou técnicas de um tipo bem definido a partir do século XIX uma proposição não era mais médica ela caía fora da medici na e adquiria valor de fantasma individual ou de crendice popular se pusesse em jogo noções a uma só vez metafóricas qualitati vas e substanciais como as de engasgo de líquidos esquentados ou de sólidos resseca dos ela podia e devia recorrer em contra partida a noções tão igualmente metafóri cas mas construídas sobre outro modelo funcional e fisiológico era a irritação aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA I Ir inflamação ou a degenerescência dos teci dos Há mais ainda para pertencer a uma disciplina uma proposição deve poder ins creverse em certo horizonte teórico basta lembrar que a busca da língua primitiva tema perfeitamente aceito até o século XVIII era na segunda metade do século XIX su ficiente para precipitar qualquer discurso não digo no erro mas na quimera e na divagação na pura e simples monstruosida de lingüística No interior de seus limites cada disci plina reconhece proposições verdadeiras e falsas mas ela repele para fora de suas margens toda uma teratologia do saber O exterior de uma ciência é mais e menos povoado do que se crê certamente há a experiência imediata os temas imaginários que carregam e reconduzem sem cessar cren ças sem memória mas talvez não haja erros em sentido estrito porque o erro só pode surgir e ser decidido no interior de uma prática definida em contrapartida rondam monstros cuja forma muda com a história do saber Em resumo uma proposição deve 32 33 des estatísticas Novo objeto que pede no vos instrumentos conceituais e novos fun damentos teóricos Mendel dizia a verdade mas não estava no verdadeiro do discurso biológico de sua época não era segundo tais regras que se constituíam objetos e conceitos biológicos foi preciso toda uma mudança de escala o desdobramento de todo um novo plano de objetos na biologia para que Mendel entrasse no verdadeiro e suas proposições aparecessem então em boa parte exatas Mendel era um monstro verdadeiro o que fazia com que a ciência não pudesse falar nele enquanto Schleiden por exemplo uns trinta anos antes negando em pleno século XIX a sexualidade vegetal mas conforme as regras do discurso biológico não formu lava senão um erro disciplinadoZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA É sempre possível dizer o verdadeiro no espaço de uma exterioridade selvagem mas não nos encontramos no verdadeiro senão obedecendo às regras de uma polí cia discursiva que devemos reativar em cada um de nossos discursos 34 091952 35 preencher exigências complexas e pesadas para poder pertencer ao conjunto de uma disciplina antes de poder ser declarada verdadeira ou falsa deve encontrarse como diria M Canguilhem no verdadeiro Muitas vezes se perguntou como os botânicos ou os biólogos do século XIX puderam não ver que o que Mendel dizia era verdade Acontece que Mendel falava de objetos empregava métodos situavase num horizonte teórico estranhos à biologia de sua época Sem dúvida Naudin antes dele sustentara a tese de que os traços hereditá rios eram descontínuos entretanto embora esse princípio fosse novo ou estranho po dia fazer parte ao menos a título de enigma do discurso biológico Mendel entretanto constitui o traço hereditário como objeto biológico absolutamente novo graças a uma filtragem que jamais havia sido utilizada até então ele o destaca da espécie e também do sexo que o transmite e o domínio onde o observa é a série indefini damente aberta das gerações na qual o tra ço hereditário aparece segundo regularida A disciplina é um princípio de controle da produção do discurso Ela lhe fixa os limites pelo jogo de uma identidade que tem a forma de uma reatualização permanente das regra Tcms o hábito de ver na Iecundídade de um autor na mulnplícidade dos comen tário no de envolvimento de uma discipli na como que recursos infinitos para a cria ção dos discursos Pode ser mas não deixam de ser princípios de coerção e é provável que não se possa explicar seu papel positi vo e multiplicado r se não se levar em con sideração sua função restritiva e coercitiva 37 Creio que existe um terceiro grupo de procedimentos que permitem o controle dos discursos Desta vez não se trata de domi nar os poderes que eles têm nem de conju rar os acasos de sua aparição tratase de determinar as condições de seu funciona mento de impor aos indivíduos que os pronunciam certo número de regras e assim de não perrmnr que todo mundo tenha acesso a eles Rarefação desta vez dos su jeitos que falam ninguém entrará na ordem do discurso se não satisfizer a certas exi gências ou se não for de início qualificado para Iazêlo Mais precisamente nem todas as regiões do discurso são igualmente aber tas e penetráveis algumas são altamente proibidas diferenciadas e diferenciantes enquanto outras parecem quase abertas a todos os ventos e postas sem restrição pré via à disposição de cada sujeito que fala Gostaria de recordar sobre este tema uma anedota tão bela que se teme seja verdadeira Ela reduz a uma só figura todas as coerções do discurso as que limitam seus poderes as que dominam suas aparições aleatórias as que selecionam os sujeitos que falam No início do século XVII o xogum ouvira dizer que a superioridade dos euro peus em termos de navegação comércio política arte militar deviase a seus co nhecimentos de matemática Desejou apo derarse de saber tão precioso Como lhe haviam falado de um marinheiro inglês que 36 possuía o segredo desses discursos maravi lhosos ele o fez vir a seu palácio e aí o reteve A sós com ele tomou lições Apren deu a matemática De fato manteve o po der e teve uma longa velhice Foi no século XIX que houve matemáticos japoneses Mas a anedota não termina aí tem sua versão européia A história conta com efeito que aquele marinheiro inglês Wil Adams fora um autodidata um carpinteiro que por ter trabalhado em um estaleiro naval aprende ra a geometria Devese ver nesta narrativa a expressão de um dos grandes mitos da cultura européia Ao saber monopolizado e secreto da tirania oriental a Europa oporia a comunicação universal do conhecimento a troca indefinida e livre dos discursos Ora é certo que este tema não resiste ao exame A troca e a comunicação são fi guras positivas que atuam no interior de sistemas complexos de restrição e sem dúvida não poderiam funcionar sem estes A forma mais superficial e mais visível des ses sistemas de restrição é constituída pelo que se pode agrupar sob o nome de ritual 38 o ritual define a qualificação que devem possuir os indivíduos que falam e que no jogo de um diálogo da interrogação da recitação devem ocupar determinada posi ção e formular determinado tipo de enun ciados define os gestos os comportamen tos as circunstâncias e todo o conjunto de signos que devem acompanhar o discurso fixa enfim a eficácia suposta ou imposta das palavras seu efeito sobre aqueles aos quais se dirigem os limites de seu valor de coerção Os discursos religiosos judiciários terapêuticos e em parte também políticos não podem ser dissociados dessa prática de um ritual que determina para os sujeitos que falam ao mesmo tempo propriedades singulares e papéis preestabelecidos Com forma de funcionar parcialmente distinta há as sociedades de discurso cuja função é conservar ou produzir discursos mas para Iazêlos circular em um espaço fechado distribuílos somente segundo re gras estritas sem que seus detentores sejam despossuídos por essa distribuição Um desses modelos arcaicos nos é dado pelos 39 grupos de rapsodos que possuíam o conhe cimento dos poemas a recitar ou eventual mente a fazer variar e a transformar mas esse conhecimento embora tivesse por fi nalidade uma recitação de caráter ritual era protegido defendido e conservado em um grupo determinado pelos exercícios de memória muitas vezes bem complexos que implicava sua aprendízagei fazia estar ao mesmo tempo em um grupo e em um se gredo que a recitação manifestava mas não divulgava entre a palavra e a escuta os papéis não podiam ser trocadosZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA É certo que não mais existem tais so ciedades de discurso com esse jogo ambí guo de segredo e de divulgação Mas que ninguém se deixe enganar mesmo na or dem do discurso verdadeiro mesmo na or dem do discurso publicado e livre de qual quer ritual se exercem ainda formas de apropriação de segredo e de nãopermuta bilidade É bem possível que o ato de escre ver tal como está hoje institucionalizado no livro no sistema de edição e no persona gem do escritor tenha lugar em uma so 40 ciedade de discurso difusa talvez mas certamente coercitiva A diferença do escri tor sem cessar oposta por ele mesmo à ati vidade de qualquer outro sujeito que fala ou escreve o caráter intransitivo que em presta a seu discurso a Singularidade fun damental que atribui há muito tempo à escritura a dissimetria afirmada entre a criação e qualquer outra prática do siste ma lingüís tic o tudo isto manifesta na for mulação e tende aliás a reconduzír no jogo das práticas a existência de certa socieda de do discurso Mas existem ainda muitas outras que funcionam de outra maneira conforme outro regime de exclusividade e de divulgação lembremos o segredo técnico ou científico as formas de difusão e de circu lação do discurso médico os que se apro priam do discurso econômico ou político À primeira vista as doutrinas reli giosas políticas filosóficas constituem o inverso de uma sociedade de discurso nesta o número dos indivíduos que fala vam mesmo se não fosse fixado tendia a ser limitado e só entre eles o discurso po 41 dia circular e ser transmitido A doutrina ao contrário tende a difundirse e é pela partilha de um só e mesmo conjunto de discursos que indivíduos tão numerosos quanto se queira imaginar definem sua pertença recíproca Aparentemente a única condição requerida é o reconhecimento das mesmas verdades e a aceitação de certa re gra mais ou menos flexível de confor midade com os discursos validados se fos sem apenas isto as doutrinas não seriam tão diferentes das disciplinas científicas e o controle discursivo trataria somente da for ma ou do conteúdo do enunciado não do sujeito que fala Ora a pertença doutrinária questiona ao mesmo tempo o enunciado e o sujeito que fala e um através do outro Questiona o sujeito que fala através e a partir do enunciado como provam os procedimen tos de exclusão e os mecanismos de rejei ção que entram em jogo quando um sujeito que fala formula um ou vários enunciados inassimiláveis a heresia e a ortodoxia não derivam de um exagero fanático dos meca nismos doutrinários elas lhes pertencem fundamentalmente Mas inversamente a 42 doutrina questiona os enunciados a partir dos sujeitos que falam na medida em que a dou trina vale sempre como o sinal a manifestação e o instrumento de uma per tença prévia pertença de classe de status social ou de raça de nacionalidade ou de interesse de luta de revolta de resistência ou de aceitação A doutrina liga os indiví duos a certos tipos de enunciação e lhes proíbe conseqüentemente todos os outros mas ela se serve em contrapartida de cer tos tipos de enunciação para ligar indiví duos entre si e diferenciáIas por isso mes mo de todos os outros A doutrina realiza uma dupla sujeição dos sujeitos que falam aos discursos e dos discursos ao grupo ao menos virtual dos indivíduos que falam Enfim em escala muito mais ampla é preciso reconhecer grandes planos no que poderíamos denominar a apropriação social dos discursos Sabese que a educação em bora seja de direito o instrumento graças ao qual todo indivíduo em uma sociedade como a nossa pode ter acesso a qualquer tipo de discurso segue em sua distribuiZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 4 3 do discurso com seus poderes e seus sabe res Que é uma escritura a dos escrito res senão um sistema semelhante de su jeição que toma formas um pouco diferen tes mas cujos grandes planos são análogos Não constituiriam o sistema judiciário o sistema institucional da medicina eles tam bém sob certos aspectos ao menos tais sistemas de sujeição do discurso 44 45 ção no que permite e no que impede as linhas que estão marcadas pela distância pelas oposições e lutas sociais Todo siste ma de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos com os saberes e os poderes que eles trazem consigo Bem sei que é muito abstrato separar como acabo de fazer os rituais da palavra as sociedades do discurso os grupos dou trinários e as apropriações sociais A maior parte do tempo eles se ligam uns aos ou tros e constituem espécies de grandes edifí cios que garantem a distribuição dos sujei tos que falam nos diferentes tipos de dis curso e a apropriação dos discursos por certas categorias de sujeitos Digamos em uma palavra que são esses os grandes pro cedimentos de sujeição do discurso O que é afinal um sistema de ensino senão uma ritualização da palavra senão uma qualifi cação e uma fixação dos papéis para os sujeitos que falam senão a constituição de um grupo doutrinário ao menos difuso senão uma distribuição e uma apropriação Eu me pergunto se certo número de temas da filosofia não vieram responder a esses jogos de limitações e de exclusões e talvez também reforcalos Responderlhes em primeiro lugar pro pondo uma verdade ideal como lei do dis curso e uma racionalidade imanente como princípio de seu desenvolvimento recondu zindo também uma ética do conhecimento que só promete a verdade ao próprio desejo da verdade e somente ao poder de pensáIa Reforçalos em seguida por uma de negação que recai desta vez sobre a realida de específica do discurso em geral Desde que foram excluídos os jogos e o comércio dos sofistas desde que seus paradoxos foram amordaçados com maior ou menor segurança parece que o pensa mento ocidental tomou cuidado para que o discurso ocupasse o menor lugar possível entre o pensamento e a palavra parece que tomou cuidado para que o discurso apare cesse apenas como um certo aporte entre pensar e falar seria um pensamento reves tido de seus signos e tornado visível pelas palavras ou inversamente seriam as estru turas mesmas da língua postas em jogo e produzindo um efeito de sentido Esta antiquíssima elisão da realidade do discurso no pensamento filosófico tomou muitas formas no decorrer da história Nós a reencontramos bem recentemente sob a for ma de vários temas que nos são familiares Seria possível que o tema do sujeito fundante permitisse elidir a realidade do 46 discurso O sujeito fundante com efeito está encarregado de animar diretamente com suas intenções as formas vazias da língua é ele que atravessando a espessura ou a inércia das coisas vazias reapreende na in tuição o sentido que aí se encontra deposi tado é ele igualmente que para além do tempo funda horizontes de significações que a história não terá senão de explicitar em seguida e onde as proposições as ciências os conjuntos dedutivos encontrarão afinal seu fundamento Na sua relação co o sen tido o sujeito fundador dispõe de signos marcas traços letras Mas para manifestá los não precisa passar pela instância sin gular do discurso O tema que corresponde a este o tema da experiência originária desempenha um papel análogo Supõe que no nível da expe riência antes mesmo que tenha podido re tomarse na forma de umTSRQPONMLKJIHGFEDCBA c o g ito significa õ s anteriores de certa forma já ditas per orreriam o mundo dispondoo ao re dor de nós e abrindoo logo de início a uma espécie de reconhecimento primitivo 47 48 49zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA insensivelmente discurso manifestando o segredo de sua própria essência O discurso nada mais é do que a reverberação de uma verdade nascendo diante de seus próprios olhos e quando tudo pode enfim tomar a forma do discurso quando tudo pode ser dito e o discurso pode ser dito a propósito de tudo isso se dá porque todas as coisas tendo manifestado e intercambiado seu sen tido podem voltar à interioridade silencio sa da consciência de si Assim uma cumplicidade primeira com o mundo fundaria para nós a possibilidade de falar dele nele de designáIo e nomeáIo de julgalo e de conhecêlo finalmente sob a forma da verdade Se o discurso existe o que pode ser então em sua legitimidade senão uma discreta leitura As coisas mur muram de antemão um sentido que nossa linguagem precisa apenas fazer manifestar se e esta linguagem desde seu projeto mais rudimentar nos falaria já de um ser do qual seria como a nervura O tema da mediação universal é ainda creio eu uma maneira de elidir a realidade do discurso Isto apesar da aparência Pois parece à primeira vista que ao encontrar em toda parte o movimento de um logos que eleva as singularidades até o conceito e que permite à consciência imediata desen volver finalmente toda a racionalidade do mundo é o discurso ele próprio que se si tua no centro da especulação Mas este logos na verdade não é senão um discurso já pronunciado ou antes são as coisas mes mas e os acontecimentos que se tornam Quer seja portanto em uma filosofia do sujeito fundante quer em uma filosofia da experiência originária ou em uma filoso fia da mediação universal o discurso nada mais é do que um jogo de escritura no primeiro caso de leitura no segundo de troca no terceiro e essa troca essa leitura e essa escritura jamais põem em jogo senão os signos O discurso se anula assim em sua realidade inscrevendose na ordem do significan te Que civilização aparentemente teria sido mais respeitosa com o discurso do que a nossa Onde teria sido mais e melhor honrado Onde aparentemente teria sido mais radicalmente libertado de suas coer ções e universalizado Ora pareceme que sob esta aparente veneração do discurso sob essa aparente logofilia escondese uma es pécie de temor Tudo se passa como se in terdições supressões fronteiras e limites tivessem sido dispostos de modo a domi nar ao menos em parte a grande prolifera ção do discurso De modo a que sua rique za fosse aliviada de sua parte mais perigosa e que sua desordem fosse organizada segun do figuras que esquivassem o mais incon trolavel tudo se passa como se tivessem querido apagar até as marcas de sua irrupção nosjogos do pensamento e da língua Há sem dúvida em nossa sociedade e imagi no em todas as outras mas segundo um perfil e facetas diferentes uma profunda logo fobia uma espécie de temor surdo des ses acontecimentos dessa massa de coisas ditas do surgir de todos esses enunciados de tudo o que possa haver aí de violento de descontínuo de combativo de desordem também e de perigoso desse grande zum bido incessante e desordenado do discurso E se quisermos não digo apagar esse temor mas analisalo em suas condições seu jogo e seus efeitos é preciso creio optar por três decisões às quais nosso pensamen to resiste um pouco hoje em dia e que correspondem aos três grupos de funções que acabo de evocar questionar nossa von tade de verdade restituir ao discurso seu caráter de acontecimento suspender enfim a soberania do significante 50 51 Tais são as tarefas ou antes alguns dos temas que regem o trabalho que gostaria de realizar aqui nos próximos anos Podemse perceber de imediato certas exigências de método que implicam Primeiramente um princípio deTSRQPONMLKJIHGFEDCBA in v e r são lá onde segundo a tradição cremos reconhecer a fonte dos discursos o princí pio de sua expansão e de sua continuidade nesss figuras que parecem desempenhar um papel positivo como a do autor da discipli na da vontade de verdade é preciso reco nhecer ao contrário o jogo negativo de um recorte e de uma rarefação do discurso Mas uma vez descobertos esses princí pios de rarefação uma vez que se deixe de considerálos como instância fundamental e criadora o que se descobre por baixo deles Deverseia admitir a plenitude vir tual de um mundo de discursos ininter ruptos É aqui que se faz necessário fazer intervir outros princípios de método Um princípio deTSRQPONMLKJIHGFEDCBA d e s c o n tin u id a d e o fato de haver sistemas de rarefação não quer dizer que por baixo deles e para além deles reine um grande discurso ilimitado contínuo e silencioso que fosse por eles reprimido e recalcado e que nós tivéssemos por missão descobrir restituindolhe enfim a palavra Não se deve imaginar percorrendo o mun do e entrelaçandose em todas as suas for mas e acontecimentos um nãodito ou um impensado que se deveria enfim articular ou pensar Os discursos devem ser tratados como práticas descontínuas que se cruzam 52 por vezes mas também se ignoram ou se excluem Um princípio de e s p e c ific id a d e não transformar o discurso em um jogo de sig nificações prévias não imaginar queZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 0 mundo nos apresenta uma face legível que teríamos de decifrar apenas ele não é cúm plice de nosso conhecimento não há provi dência prédiscursiva que o disponha a nosso favor Devese conceber o discurso como uma violência que fazemos às coisas como uma prática que lhes impomos em todo o caso e é nesta prática que os acon tecimentos do discurso encontram o princí pio de sua regularidade Quarta regra a da e x te r io r id a d e não passar do discurso para o seu núcleo inte rior e escondido para o âmago de um pen samento ou de uma significação que se manifestariam nele mas a partir do pró prio discurso de sua aparição e de sua re gularidade passar às suas condições exter nas de possibilidade àquilo que dá lugar à série aleatória desses acontecimentos e fixa suas fronteiras 53 Quatro noções devem servir portanto de princípio regulador para a análise a noção de acontecimento a de série a de regularidade a de condição de possibilida de Vemos que se opõem termo a termo o acontecimento à criação a série à unidade a regularidade à originalidade e a condição de possibilidade à significação Estas quatro últimas noções significação originalidade unidade criação de modo geral domina ram a história tradicional das idéias onde de comum acordo se procurava o ponto da criação a unidade de uma obra de uma época ou de um tema a marca da origina lidade individual e o tesouro indefinido das significações ocultas Acrescentarei apenas duas observações Uma concerne à história Atribuise muitas vezes à história contemporãnea ter suspen dido os privilégios concedidos outrora ao acontecimento singular e ter feito aparecer as estruturas de longa duração É verdade Não estou certo contudo de que o traba lho dos historiadores tenha sido realizado precisamente nessa direção Ou melhor não 54 penso que haja como que uma razão inver sa entre a contextualização do acontecimen to e a análise da longa duração Parece ao contrário que foi por estreitar ao extremo o acontecimento por levar o poder de resolu ção da análise histórica até as mercuriais às atas notariais aos registros paroquiais aos arquivos portuários seguidos ano a ano semana a semana que se viu desenhar para além das batalhas dos decretos das dinas tias ou das assembléias fenômenos maciços de alcance secular ou plurissecular A histó ria como praticada hoje não se desvia dos acontecimentos ao contrário alarga sem cessar o campo dos mesmos neles desco bre sem cessar novas camadas mais super ficiais ou mais profundas isola sempre no vos conjuntos onde eles são às vezes nu merosos densos e intercambiáveis às ve zes raros e decisivos das variações cotidia nas de preço chegase às inflações secula res Mas o importante é que a história não considera um elemento sem definir a série da qual ele faz parte sem especificar o modo de análise da qual esta depende sem procu 55 57zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA rar conhecer a regularidade dos fenômenos e os limites de probabilidade de sua emer gência sem interrogarse sobre as variações as inflexôes e a configuração da curva sem querer determinar as condiçôes das quais dependem Certamente a história há muito tempo não procura mais compreender os acontecimentos por um jogo de causas e efeitos na unidade informe de um grande devír vagamente homogêneo ou rigidamente hierarquizado mas não é para reencontrar estruturas anteriores estranhas hostis ao acontecimentoZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA É para estabelecer as séries diversas entrecruzadas divergentes muitas vezes mas não autônomas que permitem circunscrever o lugar do acontecimento as margens de sua contingência as condi ções de sua aparição As noções fundamentais que se impõem agora não são mais as da consciência e da continuidade com os problemas que lhes são correlatos da liberdade e da causalida de não são também as do signo e da estru tura São as do acontecimento e da série com o jogo de noçôes que lhes são ligadas regularidade casualidade descontínuidade dependência transformação é por esse con junto que essa análise dos discursos sobre a qual estou pensando se articula não certa mente com a temática tradicional que os filósofos de ontem tomam ainda como a história viva mas com o trabalho efetivo dos historiadores 56 Mas é por aí que esta análise suscita problemas filosóficos ou teóricos realmente assustadores Se os discursos devem ser tra tados antes como conjuntos de aconteci mentos discursivos que estatuto convém dar a esta noção de acontecimento que foi tão raramente levada em consideração pelos fi lósofos Certamente o acontecimento não é nem substância nem acidente nem qualida de nem processo o acontecimento não é da ordem dos corpos Entretanto ele não é imaterial é sempre no âmbito da materiali dade gue ele se efetiva que é efeito ele possui seu lugar e consiste na relação coe xistência dispersão recorte acumulação seleção de elementos materiais não é o ato nem a propriedade de um corpo produzse 58 uma teoria das sistematicidades descontínuas Enfim se é verdade que essas séries discursivas e descontínuas têm cada uma entre certos limites sua regularidade sem dúvida não é menos possível estabele cer entre os elementos que as constituem nexos de causalidade mecânica ou de ne cessidade idealZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA É preciso aceitar introduzir a casualidade como categoria na produção dos acontecimentos Aí também se faz sen tir a ausência de uma teoria qblepermita pen sar as relações do acaso e do pensamento De sorte que o tênue deslocamento que se propõe praticar na história das idéias e que consiste em tratar não das representa ções que pode haver por trás dos discursos mas dos discursos como séries regulares e distintas de acontecimentos este tênue des locamento temo reconhecer nele como que uma pequena e talvez odiosa engrenagem que permite introduzir na raiz mesma do pensamento oTSRQPONMLKJIHGFEDCBA a c a s o o d e s c o n tín u o e a m a te r ia lid a d e Tríplice perigo que certa forma de história procura conjurar narrando o desenrolar contínuo de uma necessidade 59 I li como efeito de e em uma dispersão mate rial Digamos que a filosofia do aconteci mento deveria avançar na direção parado xal à primeira vista de um materialismo do incorporal Por outro lado se os acontecimentos discursivos devem ser tratados como séries homogêneas mas descontínuas umas em relação às outras que estatuto convém dar a esse descontínuo Não se trata bem en tendido nem da sucessão dos instantes do tempo nem da pluralidade dos diversos sujeitos pensantes tratase de cesuras que rompem o instante e dispersam o sujeito em uma pluralidade de posições e de fun ções possíveis Tal descontinuidade golpeia e invalida as menores unidades tradicional mente reconhecidas ou as mais facilmente contestadas o instante e o sujeito E por debaixo deles independentemente deles é preciso conceber entre essas séries descon tínuas relações que não são da ordem da sucessão ou da simultaneidade em uma ou várias consciência é preciso elaborar fora das filosofias do sujeito e do tempo 60zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 61 ideal Três noções que deveriam permitir ligar à prática dos historiadores a história dos sistemas de pensamento Três direções que o trabalho de elaboração teórica deverá seguir foram suas condições de aparição de cres cimento de variação O conjunto crítico primeiro Um primei ro grupo de análises poderia versar sobre o que designei como funções de exclusão Acon teceume outrora estudar uma e por um pe ríodo determinado tratavase da separação entre loucura e razão na época clássica Mais tarde poderíamos procurar analisar um siste ma de interdição de linguagem o que con cerne à sexualidade desde o século XVI até o século XIX tratarseia de ver não semZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA dúvida como ele progressivamente e feliz mente se apagou mas como se deslocou e se rearticulou a partir de uma prática da confissão em que as condutas proibidas eram nomeadas classificadas hierarquizadas e da maneira a mais explícita até a aparição ini cialmente bem tímida bem retardada da temática sexual na medicina e na psiquiatria do século XIX não são estes senão marcos um pouco simbólicos ainda m a s se pode desde já apostar que as escansões não são aquelas que se crê e que as interdições não ocuparam sempre o lugar que se imagina Seguindo esses princípios e referindo me a esse horizonte as análises que me proponho fazer se dispõem segundo dois conjuntos De uma parte o conjunto críti co que põe em prática o princípio da in versão procurar cercar as formas da exclu são da limitação da apropriação de que falava há pouco mostrar como se forma ram para responder a que necessidades como se modificaram e se deslocaram que força exerceram efetivamente em que me dida foram contornadas De outra parte o conjunto genealógíco que põe em prática os três outros princípios como se forma ram através apesar ou com o apoio desses sistemas de coerção séries de discursos qual foi a norma específica de cada uma e quais 63 62zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA grandes atos fundadores da ciência moder na a formação de uma sociedade industrial e a ideologia positivista que a acompanha Três cortes na morfologia de nossa vontade de saber três etapas de nosso filisteísmo Gostaria também de retomar a mesma questão mas sob um ângulo bem diferente medir o efeito de um discurso com preten são científica discurso médico psiquiá trico discurso sociológico também so bre o conjunto de práticas e de discursos prescritivos que o sistema penal constituiZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA É o estudo das perícias psiquiátricas e de seu papel na penalidade que servirá de pon to de partida e de material básico para esta análise É ainda nesta perspectiva crítica mas em outro nível que se deveria fazer a aná lise dos procedimentos de limitação dos discursos dentre os quais designei há pou co o princípio do autor o do comentário e o da disciplina Nesta perspectiva se pode conceber um certo número de estudos Pen so por exemplo em uma análise que ver sasse sobre a história da medicina do século De imediato é ao terceiro sistema de exclusão que gostaria de me ater Vou encarálo de duas maneiras Por um lado gostaria de tentar perceber como se reali zou mas também como se repetiu se reconduziu se deslocou essa escolha da verdade no interior da qual nos encontra mos mas que renovamos continuamente Situarrneei primeiro na época da sofística e de seu início com Sócrates ou ao menos com a filosofia platônica para ver como o discurso eficaz o discurso ritual carregado de poderes e de perigos ordenouse aos poucos em uma separação entre discurso verdadeiro e discurso falso Em seguida vou situarme na passagem do século XVI para o XVII na época em que apareceu princi palmente na Inglaterra uma ciência do olhar da observação da verificação uma certa filosofia natural inseparável sem dú vida do surgimento de novas estruturas po líticas inseparável também da ideologia re ligiosa nova forma por certo da vontade de saber Enfim o terceiro ponto de refe rência será o início do século XIX com os 64zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA XVI ao século XIX Não se trataria de assi nalar as descobertas feitas ou os conceitos elaborados mas de detectar na construção do discurso médico mas também em toda a instituição que o sustenta transmite e reforça como funcionaram os princípios do autor do comentário e da disciplina procurar saber como vigorou o princípio do grande autor Hipócrates Galeno é certo mas também Paracelso Sydenham ou Boerhaave como se exerceu em pleno sé culo XIX a prática do aforismo e do co mentário como aos poucos foi substituída pela prática do caso da coleta de casos da aprendizagem clínica a partir de um caso concreto conforme que modelo afinal a medicina procurou constituirse como dis ciplina apoiandose primeiramente na his tória natural em seguida na anatomia e na biologia Poderíamos também considerar a ma neira pela qual a crítica e a história literá rias nos séculos XVIII e XIX constituíram o personagem do autor e a figura da obra utilizando modificando e deslocando os procedimentos da exegese religiosa dacrí tica bíblica da hagiografia das vidas his tóricas ou lendárias da autobiografia e das memórias Será preciso também um dia estudar o papel que Freud desempenha no saber psicanalítico muito diferente sem dúvida do papel de Newton na física e de todos os fundadores de disciplina muito diferente também do que pode desempenhar um autor no campo do discutso filosófico mesmo que estivesse como Kant na ori gem de outra maneira de filosofar Eis portanto alguns projetos para o aspecto crítico da tarefa para a análise das instâncias de controle discursivo Quanto ao aspecto genealógico este conceme à for mação efetiva dos discursos quer no inte rior dos limites do controle quer no exte rior quer a maior parte das vezes de um lado e de outro da delimitação A crítica analisa os processos de rarefaçâo mas tam bém de reagrupamento e de unificação dos discursos a genealogia estuda sua formação ao mesmo tempo dispersa descontínua e 65 regular Na verdade estas duas tarefas não são nunca inteiramente separáveis não há de um lado as formas da rejeição da exclu são do reagrupamento ou da atribuição e de outro em nível mais profundo o surgi mento espontâneo dos discursos que logo antes ou depois de sua manifestação são submetidos à seleção e ao controle A for mação regular do discurso pode integrar sob certas condições e até certo ponto os procedimentos do controle é o que se pas sa por exemplo quando uma disciplina toma forma e estatuto de discurso científi co e inversamente as figuras do controle podem tomar corpo no interior de uma formação discursiva assim a crítica literá ria como discurso constitutivo do autor de sorte que toda tarefa crítica pondo em questão as instâncias do controle deve ana lisar ao mesmo tempo as regularidades dis cursivas através das quais elas se formam e toda descrição genealógica deve levar em conta os limites que interferem nas forma ções reais Entre o empreendimento crítico e o empreendimento genealogico a diferen 66 ça não é tanto de objeto ou de domínio mas sim de ponto de ataque de perspec tiva e de delimitação Há pouco eu evocava um estudo possí vel o das interdições que atingem o discur so da sexualidade Seria difícil e abstrato em todo caso empreender esse estudo sem analisar ao mesmo tempo os conjuntos dos discursos literários religiosos ou éticos biológicos e médicos jurídicos igualmente nos quais se trata da sexualidade nos quais esta se acha nomeada descrita metaforizada explicada julgada Estamos muito longe de haver constituído um discurso unitário e regular da sexualidade talvez não chegue mos nunca a isso e quem sabe não esteja mos indo nessa direção Pouco importa As interdições não têm a mesma forma e não interferem do mesmo modo no discurso li terário e no da medicina no da psiquiatria e no da direção de consciência E inversa mente essas diferentes regularidades discur ivas não reforçam não contornam ou não I locam os interditos da mesma maneira tudo só poderá ser feito portanto con 67 68zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 69 forme pluralidades de senes nas quais in terfiram interditos que ao menos em parte sejam diferentes em cada uma delas Poderíamos considerar também as sé ries de discursos que nos séculos XVII e XVIII referemse à riqueza e à pobreza à moeda à produção ao comércio Tratase então de conjuntos de enunciados muito heterogêneos formulados pelos ricos e pe los pobres pelos sábios e pelos ignorantes protestantes ou católicos oficiais do rei co merciantes ou moralistas Cada qual tem sua forma de regularidade e igualmente seus sistemas de coerção Nenhum deles prefi gura exatamente essa outra forma de regu laridade discursiva que tomará forma de uma disciplina e chamarseá análise das rique zas depois economia políticaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA É contu do a partir deles que uma nova regularida de se formou retomando ou excluindo justificando ou descartando alguns dos seus enunciados Podese pensar também em um estu do que trataria dos discursos sobre a here ditariedade tais como podem ser encontra dos repartidos e disperses até o início do século XX em meio a disciplinas observa ções técnicas e receitas diversas seria pre ciso mostrar então mediante que jogo de articulação essas séries se recompuseram finalmente na figura epistemologicamente coerente e reconhecida pela instituição da genética Esse é o trabalho que acaba de ser feito por François Jacob com um brilho e uma ciência inigualáveis Assim as descrições críticas e as des crições genealógicas devem alternarse apoiarse umas nas outras e se completa rem A parte crítica da análise ligase aos sistemas de recobrimento do discurso pro cura detectar destacar esses princípios de ordenamento de exclusão de rarefação do discurso Digamos jogando com as pala vras que ela pratica uma desenvoltura aplicada A parte genealógica da análise se detém em contrapartida nas séries da for mação efetiva do discurso procura apreendê 10 em seu poder de afirmação e por aí ru ndo não um poder que se oporia ao pod r de negar mas o poder de constituir domínios de objetos a propósito dos quais se poderia afirmar ou negar proposições verdadeiras ou falsas Chamemos de positi vidades esses domínios de objetos e diga mos para jogar uma segunda vez com as palavras que se o estilo crítico é o da de senvoltura estudiosa o humor genealógico será o de um positivismo feliz Em todo caso uma coisa ao menos deve ser sublinhada a análise do discurso assim entendida não desvenda a universalidade de um sentido ela mostra à luz do dia o jogo da rarefação imposta com um poder fundamental de afirmação Rarefação e afir mação rarefação enfim da afirmação e não generosidade contínua do sentido e não mo narquia do significante E agora os que têm lacunas de voca bulário que digam se isso lhes soar melhor que isto é estruturalismo Sei bem que não poderia empreender estas pesquisas cujo esboço tentei apresen 70 tarlhes se não tivesse para deles me valer modelos e apoios Creio que devo muito a M Dumézil pois foi ele que me incentivou ao trabalho em uma idade em que eu ainda acreditava que escrever é um prazer Mas devo muito também a sua obra que me perdoe se afastei de seu sentido ou desviei de seu rigor esses textos que são seus e que nos dominam hoje foi ele que me ensinou a analisar a economia interna de um discur so de modo totalmente diferente dos méto dos de exegese tradicional ou do formalis mo lingüístico foi ele que me ensinou a detectar de um discurso ao outro pelo jogo das comparações o sistema das correlações funcionais foi ele que me ensinou como descrever as transformações de um discurso e as relações com a instituição Se eu quis aplicar tal método a discursos totalmente diferentes das narrativas lendárias ou míti cas esta idéia me ocorreu sem dúvida pelo fato de eu ter diante dos olhos os trabalhos dos historiadores das ciências e sobretudo de M Canguilhem é a ele que devo o fato de ter compreendido que a história da ciên 71 cia não se acha presa necessariamente à alternativa crônica das descobertas ou des crições das idéias e opiniões que cercam a ciência do lado de sua gênese indecisa ou do lado de suas origens exteriores mas que se podia se devia fazer a história da ciência como de um conjunto ao mesmo tempo coerente e transformável de modelos teóri cos e de instrumentos conceituais Penso no entanto que minha dívida em grande parte é para corn jean Hyppolite Bem sei que sua obra se coloca aos olhos de muitos sob o reinado de Hegel e que toda a nossa época seja pela lógica ou pela epistemologia seja por Marx ou por Nietzs che procura escapar de Hegel e o que pro curei dizer há pouco a propósito do discur so é bem infiel ao lagos hegeliano Mas escapar realmente de Hegel supõe apreciar exatamente o quanto custa separar se dele supõe saber até onde Hegel insidio samente talvez aproximouse de nós supõe saber naquilo que nos permite pensar contra Hegel o que ainda é hegeliano e medir em que nosso recurso contra ele é ainda talvezZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 7 2 l um ardil que ele nos opõe ao termo do qual nos espera imóvel e em outro lugar Ora se somos muitos os devedores de Jean Hyppolite é porque infatigavelmente ele percorreu para nós e antes de nós esse caminho através do qual nos afastamos de Hegel tomamos distância e através do qual nos encontramos de volta a ele mas de outra maneira logo em seguida obrigados a deixá 10 novamente Em primeiro lugar Jean Hyppolite teve o cuidado de tornar presente essa grande sombra um pouco fantasmagórica de Hegel que rondava desde o século XIX e com a qual nos batíamos obscuramente Foi por meio de uma tradução da Fenomenologia do Espírito que ele deu a Hegel essa presen ça e a prova de que Hegel ele próprio está bem presente nesse texto francês é que aconteceu aos alemães consultaremno para compreender melhor aquilo que por um ins tante ao menos se tornava a versão alemã Ora Jean Hyppolite procurou e percor reu todas as saídas desse texto como se sua 7 3 74zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA inquietação fosse podese ainda filosofar lá onde Hegel não é mais possível Pode ain da existir uma filosofia que não seja hege liana O que é nãohegeliano em nosso pensamento é necessariamente nãofilosófi co E o que é antífilosófico é forçosamen te nãohegeliano Ainda que não procuras se fazer apenas a descrição histórica e meticulosa dessa presença de Hegel que nos havia dado queria fazer dela um esque ma de experiência da modernidade é pos sível pensar à maneira hegeliana as ciên cias a história a política e o sofrimento de cada dia e queria inversamente fazer de nossa modernidade o teste do hegelianismo e assim da filosofia Para ele a referência a Hegel era o lugar de uma experiência de um enfrentamento em que não tinha nunca a certeza de que a filosofia sairia vitoriosa Não se servia do sistema hegeliano como de um universo tranqüilizador via ali o risco extremo assumido pela filosofia Daí creio eu os deslocamentos que ele operou não digo no interior da filosofia hegeliana mas sobre ela e sobre a filosofia tal como Hegel a concebia daí também toda uma inversão de temas Em vez de conce ber a filosofia como a totalidade enfim ca paz de se pensar e de se apreender no movimento do conceito Jean Hyppolite fa zia dela o fundo de um horizonte infinito uma tarefa sem término sempre a postos sua filosofia nunca estava prestes a acabar se Tarefa sem fim tarefa sempre recome çada portanto condenada à forma e ao pa radoxo da repetição a filosofia como pen samento inacessível da totalidade era para J ean Hyppolite aquilo que poderia haver de repetível na extrema irregularidade da ex periência aquilo que se dá e se esconde como questão sem cessar retomada na vida na morte na memória assim o tema hegeliano da perfeição na consciência de si ele o transformava em um tema da interro gação repetitiva Mas visto que ela era re petição a filosofia não era ulterior ao con ceito ela não precisava dar continuidade ao edifício da abstração devia sempre manter se retirada romper com suas generalidades adquiridas e recolocarse em contato com a 75 nãofilosofia devia aproximarse o mais pos sível não daquilo que a encerra mas do que a precede do que ainda não despertou para sua inquietação devia retomar para pensá Ias não para reduziIas a singularidade da história as racionalidades regionais da ciên cia a profundidade da memória na cons ciência aparece assim o tema de uma filo sofia presente inquieta móvel em toda sua linha de contato com a nãofilosofia não existindo senão por ela contudo e revelan do o sentido que essa nãofilosofia tem para nós Ora se ela existe nesse contato repeti do com a nãofilosofia o que é o começo da filosofia Já está lá secretamente presente no que não é ela começando a formularse a meiavoz no murmúrio das coisas Mas então o discurso filosófico não tem mais talvez razão de ser ou então deve ela começar sobre uma base ao mesmo tempo arbitrária e absoluta Vêse substituirse assim o tema hegeliano do movimento pró prio ao imediato pelo tema do fundamento do discurso filosófico e de sua estrutura formalZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 7 6 Finalmente último deslocamento que Jean Hyppolite operou na filosofia hegelia na se a filosofia deve começar como discur so absoluto o que acontece com a história e o que é esse começo que se inicia com um indivíduo singular em uma sociedade em uma classe social e em meio às lutas Estes cinco deslocamentos conduzin do ao limite extremo da filosofia hegeliana fazendoa passar sem dúvida para o outro lado de seus próprios limites convocam alternativamente as grandes figuras maio res da filosofia moderna que Jean Hyppolite não cessou de confrontar com Hegel Marx com as questões da história Fichte com o problema do começo absoluto da filosofia Bergson com o tema do contato com o não filosófico Kierkegaard com o problema da repetição e da verdade Husserl com o tema da filosofia como tarefa infinita ligada à história de nossa racionalidade E além dessas figuras filosóficas percebemos todos os domínios de saber que Jean Hyppolite invocava ao redor de suas próprias ques tões a psicanálise com a estranha lógica do 7 7 78zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 79 desejo as matemáticas e a formalização do discurso a teoria da informação e sua apli cação na análise do vivente enfim todos os domínios a partir dos quais se pode colocar a questão de uma lógica e de uma existên cia que não cessam de atar e desatar seus laços Penso que essa obra articulada em al guns grandes livros mas investida ainda mais em pesquisas no ensino em uma aten ção perpétua em um alerta e uma genero sidade de todos os dias em uma responsa bilidade aparentemente administrativa e pedagógica quer dizer na realidade dupla mente política cruzou formulou os pro blemas os mais fundamentais de nossa épo ca Somos muitos os seus infinitamente devedoresZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA É porque tomei dele sem dúvida o sentido e a possibilidade do que faço é porque muitas vezes ele me esclareceu quan do eu tentava às cegas que eu quis situar meu trabalho sob seu signo e terminar evo candoo a apresentação de meus projetos É em sua direção em direção a essa falta em que experimento ao mesmo tempo sua ausência e minha própria carência que se cruzam as questões que me coloco agora Visto que lhe devo tanto compreendo que a escolha que vocês fizeram convidan dome a ensinar aqui é em boa parte uma homenagem que lhe prestaram soulhes profundamente reconhecido pela honra que me dispensaram mas não lhes sou menos grato pelo que cabe a ele nesta escolha Se não me sinto à altura de sucedêIa sei em contrapartida que se essa felicidade nos fosse dada eu seria esta tarde encorajado por sua indulgência E compreendo melhor porque eu sen tia tanta dificuldade em começar há pouco Sei bem agora qual era a voz que eu gos taria que me precedesse me carregasse me convidasse a falar e habitasse meu próprio discurso Sei o que havia de tão temível em tomar a palavra pois eu a tomava neste lugar de onde o ouvi e onde ele não mais está para escutarme O ensino tradicional de língua portuguesa frequentemente se baseia em abordagens estruturalistas que privilegiam a análise gramatical e a normatização linguística No entanto as reflexões de Benveniste e Foucault sobre o enunciado levantam questões pertinentes que desafiam essa perspectiva convencional Nesse contexto cabe questionar qual é a contribuição desses teóricos para repensarmos o ensino tradicional de língua portuguesa Nossa tese consiste em afirmar que as reflexões de Benveniste e Foucault sobre o enunciado oferecem contribuições relevantes para repensarmos o ensino tradicional de língua portuguesa Esses teóricos nos convidam a transcender abordagens puramente estruturalistas e normativas incentivando uma visão mais dinâmica e crítica da linguagem Argumentaremos essa tese destacando duas principais contribuições a perspectiva enunciativa de Benveniste que enfatiza a importância da contextualização e da interação social na produção de sentido e a análise foucaultiana do poder presente nos discursos e práticas linguísticas que nos leva a questionar hierarquias e normas impostas pela linguagem Primeiramente as reflexões de Benveniste sobre a enunciação nos convidam a considerar a linguagem como uma atividade situada e socialmente construída Sua abordagem destaca a importância do contexto e da interação na produção de sentido desafiando a visão tradicional que separa a linguagem em componentes isolados e estáticos Ao incorporarmos essa perspectiva enunciativa ao ensino de língua portuguesa podemos promover uma compreensão mais profunda e contextualizada da linguagem incentivando os alunos a refletirem sobre como os significados são construídos em diferentes contextos comunicativos Além disso as análises de Foucault sobre o enunciado nos convidam a problematizar o poder presente nos discursos e práticas linguísticas Para Foucault a linguagem não é apenas uma ferramenta de comunicação mas também uma forma de exercício de poder e controle social Ao trazer essa perspectiva para o ensino de língua portuguesa podemos incentivar os alunos a questionarem as normas linguísticas impostas pela sociedade e a refletirem criticamente sobre como a linguagem pode ser usada para reproduzir ou contestar relações de poder Dessarte as reflexões de Benveniste e Foucault sobre o enunciado oferecem contribuições fundamentais para repensarmos o ensino tradicional de língua portuguesa Ao incorporarmos a perspectiva enunciativa de Benveniste e a análise do poder linguístico de Foucault em nossas práticas pedagógicas podemos promover uma educação linguística mais contextualizada crítica e emancipatória Dessa forma estaremos preparando os alunos não apenas para compreenderem a linguagem mas também para serem agentes ativos na transformação dos discursos e práticas sociais