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85 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Capítulo III Recuperação de empresas solução jurídica para a crise econômicofinanceira da empresa I Legislação falimentar e a administração da crise econômica da empresa Não é de agora que o Direito Falimentar sofre agudos questionamentos É consenso entre os estudiosos do assunto que não mais pode prosperar a feição eminentemente liquidatária da falência que se orienta precipuamente para a satisfação dos credores do empresário às custas da arrecadação e venda de seu patrimônio É ponto pacífico aceito e consagrado universalmente que o legislador deve inspirarse na elaboração das novas regras do Direito Concursal em normas de direito público e pôr de lado o caráter privatístico que sempre o dominou abandonando a idéia de que insolvente o devedor cumpre executar e liquidar o seu patrimônio para satisfazer os direitos e interesses dos credores57 As conclusões sobre a importante função social cumprida pelas empresas privadas acarretaram também a atenção para com suas eventuais crises econômicas e a necessidade de sua preservação quando ainda viável 57 LOBO Jorge Direito Concursal 2a edição Ed Forense Rio de Janeiro 2000 Pg 19 86 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Neste contexto tornase finalidade da legislação falimentar facilitar a recuperação dos empresários ou sociedades empresárias em dificuldades financeiras circunstanciais resguardando assim os postos de trabalho criados e os demais interesses que gravitam em torno do organismo econômico58 O Decreto Lei n 7661 de 1945 que por longo período regulou a falência e as concordatas no direito brasileiro obviamente não se mostrava dada a sua antiguidade adequado a estes novos paradigmas Por consequência diferentes propostas de reforma da legislação falimentar brasileira foram elaboradas e apresentadas Dentre estas destacouse o Projeto de Lei n 71 de 2003 PL n 4376 de 1993 na Câmara dos Deputados que aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente da República converteuse na Lei n 11101 de 09 de fevereiro de 2005 A alteração nas normas falimentares brasileiras veio em boa hora dada a já lembrada antiguidade e inadequação do DecretoLei n 766145 face à busca pela reabilitação da empresa em dificuldades Entre várias significativas modificações a então nova legislação concursal introduziu os institutos da recuperação judicial e extrajudicial de empresas elaborados sob a premissa da preservação da unidade econômica em dificuldades momentâneas 58 ABRÃO Nelson Curso de Direito Falimentar 4a edição Ed Revista dos Tribunais São Paulo 1993 Pg 25 87 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Em se tratando da falência o principal elemento orientador da Lei n 1110105 está na celeridade na condução da falência e no pagamento dos credores art 75 parágrafo único Assim tentase evitar que o procedimento falimentar se torne um amontoado de atos processuais infinitos no tempo e destinados a arrecadar um patrimônio cada vez mais dilacerado em seu valor e que antes de servir para saldar que seja uma parte dos débitos do falido mal se presta a custear as próprias despesas com a administração da massa falida É indispensável que se liquide rapidamente o patrimônio do falido de modo a otimizar suas forças no pagamento dos credores e aumentar a confiança no procedimento falimentar e no fornecimento de capital59 Quando por outro lado se pode e deve recuperar uma empresa a celeridade expressamente consagrada pelo citado art 75 ganha outra aplicação reduzir o tempo e o custo que os agentes econômicos envolvidos no procedimento recuperatório terão que gastar para ajustarem suas condutas A Lei n 1110105 visa retirar os possíveis obstáculos à livre transação entre os interessados para que se enxergarem na manutenção da atividade produtiva a 59 Não se trata de uma constatação original Pelo contrário constituise em reivindicação antiga Neste sentido vejase o que diz por exemplo Trajano de Miranda Valverde VALVERDE Trajano de Miranda Comentários à Lei de Falência Vol III Rio de Janeiro Edição Revista Forense 1948 pgs 277278 88 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA maximização de seus interesses privados possam fazêlo da forma mais eficiente Além deste há diversos pontos merecedores de atenção na reforma da regulação da falência e recuperação de empresas implementada pela Lei n 111012005 1 Incentivo a acordos extrajudiciais préfalimentares Os direitos protegidos pelo Direito de Empresa são eminentemente disponíveis dado o seu caráter patrimonial Deste modo há que se abrir às partes diretamente envolvidas com a empresa credores trabalhadores e empresário em dificuldades a possibilidade de fixarem formas alternativas à falência para a satisfação de seus interesses A previsão da modalidade extrajudicial de recuperação da empresa no texto da Lei n 1110105 art 161 a 167 é neste sentido elogiável É possível a partir de então que o empresário em apuros financeiros estabeleça com seus credores de forma direta e extrajudicial plano para reabilitação da empresa em crise60 A mudança revelase especialmente significativa quando se observa o art 2o III do agora revogado Dec Lei n 766145 Segundo esta norma reputavase falido o devedor que convocasse seus credores para extrajudicialmente lhes propor qualquer forma de remissão ou dilação no prazo para pagamento de seus direitos 60 Passados mais de dez anos de vigência da Lei n 1110105 temse entretanto que o instituto da recuperação extrajudicial não alcançou a esperada utilização o que muito decorre podese mesmo afirmar das limitações legais impostas aos seus efeitos sobre as dívidas do empresário 89 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Esta nova diretriz resguarda a sobrevivência da unidade produtiva e beneficia tanto o titular da empresa em dificuldades que poderá manterse afastado do instituto falimentar quanto os próprios credores que encontram assim maior viabilidade e celeridade no recebimento ainda que parcial de seus créditos 2 Incentivo ao uso de modos de reorganização societária como formas de absorção do organismo econômico em dificuldades fusão cisão incorporação alienação de controle ou mesmo desapropriação do capital social É satisfatória a acolhida pelo art 50 da Lei n 1110105 da cisão fusão incorporação transferência de controle e outros meios de reestruturação societária e empresarial como instrumentos jurídicos de recuperação da empresa O extenso e detalhado elenco de providências suscetíveis de serem empregadas na tentativa de retomada da empresa em crise não se esgota porém na estipulação de formas de reestruturação societária Ao contrário o exemplificativo rol do art 50 da Lei n 1110105 apresenta outras alternativas igualmente interessantes como alterações no quadro de sócios ou nos órgãos de administração da sociedade trespasse e a possibilidade de alienação de ativos esta última outrora tratada como ato falimentar art 2o do Dec Lei n 766145 3 previsão de organismos extrajudiciais especializados no acompanhamento da recuperação da empresa 90 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Uma das grandes dificuldades enfrentadas ao se cogitar sobre instrumentos de recuperação judicial de empresários em situação de apuros financeiros está na inviabilidade de se exigir que o juízo falimentar possa acompanhar ou mesmo substituir em determinados casos de maneira eficaz os administradores da sociedade Em face desta constatação é positiva a referência a pessoas ou organismos extrajudiciais de acompanhamento ou intervenção nas condições de administrador judicial ou gestor judicial respectivamente nos negócios dos empresários e sociedades empresárias em recuperação Tais profissionais preferencialmente ligados à Administração Economia Contabilidade e Direito art 21 da Lei n 1110105 se prestarão a fornecer sempre sob a supervisão do Poder Judiciário e dos próprios credores a mão de obra qualificada a acompanhar ou substituir os administradores ou titulares da empresa em recuperação 4 maior atenção aos interesses e à vontade dos credores do empresário em recuperação judicial O crédito é para todos os empresários elemento de fundamental importância para o bom exercício da empresa É certamente mais difícil que uma atividade empresarial se torne bemsucedida dispondo apenas do capital oriundo das contribuições efetuadas pelos sócios e abdicando da possibilidade de contar com recursos patrimoniais alheios dentre os quais se destacam as instituições financeiras Os direitos dos credores são invariavelmente comprometidos pela crise econômicofinanceira da 91 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA empresa Para os credores em geral a entrada da empresa em tribunal a suscitar o regime de recuperação representa logo à partida o conhecimento de que os respectivos créditos serão reformulados leiase sacrificados Mesmo que a empresa seja declarada falida acontecerá a mesma modificação de valores os créditos em circunstâncias normais serão rateados Perante esta factualidade mais ou menos prevista a luta do credor no processo de recuperação da empresa será a de perder o menos possível e de certa forma poder contrariar a reformulação em vista com esquemas de pagamento mais atraentes e menos radicais possíveis61 Justificase sob estes fundamentos a submissão do plano de recuperação da empresa à Assembleia Geral de Credores a quem cumpre a decisão sobre sua aprovação ou não art 35 a da Lei n 1110105 A recuperação de empresas não será imposta exclusivamente pelo Poder Judiciário como se dava com a antiga concordata do Dec Lei n 766145 Ao contrário apoiada em nítida feição contratual a recuperação judicial da empresa não se efetiva sem o consentimento dos credores do empresário que venha a requerêla Se o crédito é necessário ao empresário superavitário em suas atividades o que dizer então daquele que enfrenta dificuldades temporárias na gestão do empreendimento e busca reerguerse 61 DUARTE Henrique Vaz Questões sobre Recuperação e Falência 2a edição Coimbra Ed Almedina 2003 Pg 59 92 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Deste modo é essencial propiciar aos empresários em crise econômica a obtenção de novos financiamentos algo que se afigurava sob a égide do Decreto Lei n 766145 bastante complexo Considerese a situação do antigo concordatário a carga negativa que decorria deste status jurídico é evidente comprometendo de forma quase definitiva a possibilidade de obtenção de novas linhas de financiamento Adequado sob este prisma o disposto pelo art 67 da Lei n 111012005 que ampara e privilegia os fornecedores de crédito ao empresário em recuperação judicial Art 67 Os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperação judicial inclusive aqueles relativos a despesas com fornecedores de bens ou serviços e contratos de mútuo serão considerados extraconcursais em caso de decretação de falência respeitada no que couber a ordem estabelecida no art 83 desta Lei 5 necessidade de elaboração de plano de recuperação da empresa em dificuldade econômico financeira Para que se justifique a aplicação de formas de restauração da empresa é indispensável que a mesma se mostre viável tanto sob o ponto de vista econômico quanto gerencial Deste modo é louvável a fixação de mecanismos rígidos para a apuração da viabilidade tanto das estratégias para superar a crise quanto da própria empresa ambos requisitos a serem efetivados pela 93 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA apresentação de plano fundamentado de recuperação do empreendimento art 53 da Lei n 111012005 Um eficiente instrumento para análise da viabilidade econômica da empresa exercida é o principal subsídio que terão os credores e o Poder Judiciário na hora de avaliar a solução a ser dada à crise financeira pela qual passe o empresário II O instituto da recuperação judicial de empresas e sua caracterização à luz da legislação brasileira O instituto da recuperação de empresas tanto sob a forma judicial quanto extrajudicial representa a solução legalmente estipulada para tentar manter em funcionamento as empresas em dificuldades econômico financeiras temporárias e por meio desta medida assegurar os empregos existentes e os interesses de terceiros como credores consumidores e o próprio Fisco A Lei n 1110105 é expressa neste sentido quando estabelece em seu artigo 47 que A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômicofinanceira do devedor a fim de permitir a manutenção da fonte produtora do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores 94 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA promovendo assim a preservação da empresa sua função social e o estímulo à atividade econômica Tratase de uma série de atos praticados sob a supervisão judicial e destinados a reestruturar e manter em funcionamento a empresa em dificuldades econômico financeiras temporárias Não cabe ao Poder Judiciário a tarefa de reestruturar a atividade do empresário individual ou sociedade empresária em crise Cumprelhe somente acompanhar e reger a aplicação à sociedade empresária em crise econômicofinanceira de uma série de procedimentos legalmente previstos como formas de viabilizar a retomada econômica da unidade produtiva O instituto da falência incide para desativar o empresário incapaz de exercer devidamente a atividade empresarial Para o Direito todas as atividades empresariais são exercidas com o intuito de lucro ganho pecuniário que será alcançado por meio da prática organizada da atividade de produção ou distribuição de bens ou da prestação organizada de serviços Por outro lado a organização dos fatores de produção para o exercício de tal gênero de atividades não é como salientado garantia de que seu titular efetivamente alcançará o lucro que procura O risco de insucesso financeiro é inerente à empresa e nesta hipótese cabe ao empresário e apenas a ele responder patrimonialmente pelo fracasso Neste sentido é oportuno o alerta de Fábio Ulhôa Coelho em última análise como os principais agentes econômicos acabam repassando aos seus respectivos 95 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA preços as taxas de riscos associados à recuperação judicial ou extrajudicial do devedor o ônus da reorganização das empresas no Brasil recai na sociedade brasileira como um todo62 Se a pessoa física ou jurídica que se dedique profissionalmente à empresa obtém seguidos prejuízos financeiros em sua atividade não se justifica sua permanência no mercado uma vez que pode dentre outros efeitos comprometer com seu inadimplemento a gestão financeira de seus credores e fornecedores além de abalar a confiança depositada pelos provedores de crédito e demais recursos produtivos nos empresários Mesmo que seja vista como o lado oculto da economia que só interessará evidenciar para efeitos estatísticos ou mediáticos a empresa falida no meio econômico actual não representará elemento disfuncional caracterizandose mais por ser parte integrante do conjunto a qualificarse já como um input necessário ao sistema vigente nos termos da máxima de Lavoisier de que na natureza nada se cria nada se perde tudo se transforma63 A falência é portanto um caminho possível para todo aquele que exerce a atividade empresarial e em consequência a manutenção de empresas que se 62 COELHO Fábio Ulhôa Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas 12ª edição São Paulo Revista dos Tribunais 2017 Pg 127 63 DUARTE Henrique Vaz Questões sobre Recuperação e Falência 2a edição Coimbra Ed Almedina 2004 p 20 96 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA mostrem de fato economicamente inviáveis também é desaconselhada Este perigo é por exemplo apontado por críticos da legislação norteamericana que a consideram demasiado protetiva com empresas muitas vezes já esgotadas em seu potencial lucrativo Embora as leis de falência na maior parte existam para proteger os credores muitos críticos reclamam que as leis atuais não estão fazendo o que tinham intenção de fazer Antes de 1978 a maioria das falências terminava rapidamente na liquidação Então o Congresso reformulou as leis dando às empresas mais oportunidade para ficarem vivas sob as premissas de que isto era melhor para os administradores empregados credores e acionistas Antes da reforma 90 dos pedidos do Capítulo 11 referente à reorganização da empresa em crise eram liquidados mas agora essa porcentagem é menos que 80 e o tempo médio entre o pedido e a liquidação quase tem dobrado Na verdade as grandes empresas de capital aberto com habilidade para contratar ajuda legal de alto preço podem evitar ao menos atrasar a liquidação com frequência às custas dos credores e acionistas64 O exercício da empresa implica em dificuldades e obstáculos de diferentes ordens A luta constante pela conquista de novos mercados e pela manutenção da clientela contra os assédios da concorrência o gerenciamento da mão de obra dos empregados e prestadores de 64 BRIGHAM Eugene F GAPENSKI Louis C EHRHARDT Michael C Administração Financeira Teoria e Prática São Paulo Ed Atlas 2001 Pg 930 97 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA serviços em geral as corriqueiras divergências entre os sócios da sociedade empresária as exigências burocráticas a carga tributária e o inadimplemento dos devedores são apenas algumas das questões enfrentadas quotidianamente por empresários sócios e administradores Juntamente com estes problemas a sociedade empresária e o empresário convivem também com um que aparece via de regra dentre os mais áridos o pagamento das obrigações pecuniárias assumidas A empresa tomada em seu aspecto dinâmico é um conjunto de negócios jurídicos praticados em massa e que colocam o empresário por consequência ora como credor ora como devedor em inúmeras situações O antigo Decreto Lei n 766145 preocupavase eminentemente com as dificuldades que o empresário viesse a ter para honrar suas obrigações pecuniárias Ao disciplinar juridicamente a crise econômica da empresa aquela legislação não cuidou de outras adversidades inerentes ao exercício deste gênero de atividades Assim só se encontrava insolvente para fins falimentares o empresário que não pagasse devidamente seus credores O empresário que estivesse por exemplo diante de percalços para expandir a sua atividade administrar o conflito entre seus sócios ou atender às novas exigências do consumidor não se inseria na hipótese aqui tratada Podese afirmar entretanto que esta outra ordem de embaraços enfrentada pelo empresário vai acabar resultando em queda no seu faturamento e via de consequência 98 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA problemas no pagamento de suas dívidas O não cumprimento das obrigações pecuniárias assumidas foi por assim dizer o sintoma que o legislador tomou como referência para diagnosticar que um determinado empresário se encontrava em dificuldades econômicas A deficiência de que é acometido o empresário que cessa seus pagamentos pode ser de diferentes origens ligadas repetese à divergência entre seus sócios incapacidade gerencial mão de obra desqualificada falta de competitividade dos produtos ou serviços oferecidos retração do mercado consumidor pelo aparecimento de novos produtos excessiva carga tributária grande número de exigências burocráticas pacotes econômicos ou mesmo o intuito fraudulento Um empresário pode deixar de pagar os seus débitos tanto porque deliberadamente pretende fraudar seus credores como pela circunstância de passar por adversidades gerenciais ligadas por exemplo à sucessão no comando da sociedade Em ambos os casos o sintoma é o mesmo cessação de pagamento mas a causa deste indício é diferente O instituto da recuperação de empresas deve incidir apenas sobre aqueles empresários cuja causa da cessação de pagamentos seja por assim dizer sanável No regime da Lei n 1110105 é necessário perquirir em cada caso sobre a causa da cessação de pagamentos pelo empresáriodevedor Se tal fator se afigura perene encaminhase para o fechamento da unidade produtiva e liquidação de seus bens retirando 99 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA do mercado a empresa contaminada e preservando na medida do possível os legítimos interesses dos credores Se por outro lado a circunstância geradora da cessação de pagamento puder ser interrompida restaurandose o superávit econômico do empresário deve incidir o instituto em análise O papel do Poder Judiciário e dos credores na recuperação de empresas vai além de constatar o indício da crise empresarial falta de pagamento das obrigações pecuniárias É indispensável apurar qual a causa deste sinal e a partir daí decretar o encerramento da empresa ou sua tentativa de recuperação III Insolvência e recuperação de empresas sob uma perspectiva econômica A empresa é sob a perspectiva dinâmica um conjunto de relações jurídicas contratuais que se estabelecem com o propósito de agrupar os fatores produtivos e orientálos à produção ou distribuição de bens ou para a prestação de serviços com o intuito de gerar lucro para seu titular o empresário A partir da premissa de que os atores econômicos racionalmente buscam as opções de conduta que maximizem seus interesses é possível concluir que o empresário somente se dedicará à empresa se os custos que ela acarreta sejam de produção oportunidade ou de 100 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA transação forem menores que seus ganhos compreendidos aqui exclusivamente pelo sentido monetário da palavra Sob a perspectiva do empresário a empresa somente justifica sua existência se estiver apta a gerar o lucro por ele legitimamente buscado e esperado Em seu importantíssimo trabalho intitulado The nature of the firm A natureza da Empresa em tradução livre Ronald Coase salienta que a existência da empresa só se fundamenta se as transações relações jurídicas contratuais que a constituem e a fazem funcionar se realizam a um preço menor do que se forem efetuadas de maneira descentralizada O empresário só se sente economicamente incentivado ao exercício da empresa se esta representar a forma mais eficiente de praticar a atividade de finalidade lucrativa por ele pretendida Em meu artigo The nature of the firm eu argui que apesar de que a produção possa ser levada adiante de maneira completamente descentralizada por intermédio de contratos entre indivíduos o fato de haver um custo para concluir estas transações significa que empresas surgirão para organizar o que de outra forma seriam transações de mercado sempre que seus custos forem menores que levar adiante tais transações através do mercado65 Tomese um exemplo simples um fabricante de móveis pode se dedicar a esta atividade por intermédio da organização dos fatores de produção em seu nome e por 65 In my article on The nature of the firm I argued that although production could be 101 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA sua conta e risco Vai exercer sua atividade de finalidade lucrativa por meio da empresa Agrupa o capital e o trabalho próprios e alheios na organização de seu estabelecimento e assume nesta hipótese a condição de empresário Entretanto se este profissional perceber que terá ao final do mês maiores ganhos se optar por oferecer seus serviços ao mercado em casa e de forma isolada e economicamente descentralizada ele não terá mais incentivo para se dedicar à atividade empresarial Assim o empresário titular da empresa somente encontra incentivo para exercêla se ela ainda estiver em condições de proporcionar entre as diferentes formas pelas quais pode praticar sua atividade profissional a melhor relação entre os ganhos e os custos de produção oportunidade e de transação A existência da empresa é explicada a partir da compreensão do mecanismo de preços a organização empresarial dos fatores de produção é mais barata e mais lucrativa para o empresário titular da empresa do que qualquer outra forma de produção ou distribuição de bens ou serviços disponível O limite para o tamanho de uma empresa é atingido aonde os seus custos de organizar uma carried out in a completely decentralize way by means of contracts between individuals the fact that it costs something to enter into these transactions means that firms will emerge to organize what would otherwise be market transactions whenever their costs were less than the costs of carrying out the transactions through the market COASE Ronald The Firm The Market and the Law Chicago and London The University of Chicago Press 1990 Pg 7 Tradução livre 102 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA transação se tornam iguais aos custos de levar esta transação adiante através do mercado66 O instituto da recuperação judicial ou extrajudicial da unidade empresarial pressupõe que o empresário ainda considere que o exercício da empresa esteja apto a conferir lhe maiores ganhos do que qualquer outro modo ou tipo de atividade com finalidade lucrativa que possa vir a exercer É inócuo pensar que a legislação embora eivada da concepção publicista em torno da função social da empresa conseguirá assegurar a manutenção da unidade produtiva se o seu titular não perceber nela a melhor opção de otimização de seus ganhos O instituto da recuperação da empresa está essencialmente atrelado aos incentivos econômicos que o empresário racionalmente encontra para pretender manterse nesta condição Não há como tornar efetiva a recuperação da empresa sem levar em conta o interesse privado do empresário Por outro lado de nada adianta o titular da empresa considerála o mais eficiente instrumento de maximização de seus ganhos se diante de sua eventual crise econômico financeira o mesmo raciocínio não for feito pelos demais grupos de interesses envolvidos com a organização econômica Em uma situação de crise econômicofinanceira o empresário não mais conseguirá manter em funcionamento 66 The limit to the size of the firm is set where it costs of organizing a transaction become equal to the cost of carrying it out through the market COASE Ronald The Firm The Market and The Law ob cit p 7 103 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA a atividade empresarial se não contar com o esforço conjunto dos demais envolvidos Estes grupos de interesses organizados por sua vez somente se sentirão compelidos à recuperação da empresa se também vislumbrarem na manutenção dela a escolha mais eficiente para si próprios Assim como se constata que para o empresário o incentivo ao exercício da empresa encontrase no fato de que as transações realizadas por seu intermédio são menos custosas e mais lucrativas que se feitas de outro modo é preciso determinar o que justifica a existência da empresa para todos os demais grupos de interesses a ela ligados Neste ponto cumpre então apontar quem são estes grupos de interesses organizados em torno e a partir da empresa e quais são os incentivos econômicos que motivam seu relacionamento com o empresário e que podem levá los a orientar sua conduta no sentido da manutenção do organismo empresarial em crise econômicofinanceira A empresa é sob uma perspectiva estática a organização dos fatores de produção e sob o ponto de vista dinâmico as relações jurídicas que se estabelecem para agrupar e orientar tais fatores Por consequência os sujeitos de Direito que viabilizam a empresa com os diferentes insumos ou fatores produtivos indispensáveis à sua existência e funcionamento constituem núcleos com interesses comuns organizados a partir e em torno da empresa Os empregados e demais prestadores de mãode obra fornecedores do fator trabalho representam um 104 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA núcleo de indivíduos organizados e com interesses comuns em torno da empresa pois o incentivo que encontram para a ela se vincularem está no salário que recebem pela força de trabalho que fornecem A empresa fundamenta sua existência para eles enquanto continuar sendo a fonte da qual extraem o seu salário Constatação similar se obtém quando são analisados os provedores do fator capital como as instituições financeiras que têm no recebimento dos juros e demais tipos de encargos cobrados pelos valores emprestados o incentivo não apenas para se relacionarem jurídica e economicamente com o empresário mas também para pretender a manutenção da empresa Para os provedores de capital cujos ganhos estão na remuneração pelo dinheiro cedido a empresa justifica sua presença enquanto puder lhes recompensar por meio de juros e demais encargos pelo uso do capital tomado O mesmo ocorre com os fornecedores de tecnologia e matériasprimas que só o fazem em função dos preços que cobram do empresário para abastecerlhe com os insumos que produzem ou distribuem A empresa é sob sua perspectiva destes fornecedores um consumidor das matériasprimas e tecnologia que oferecem É este o incentivo econômico que os conduz a transacionar juridicamente com o empresário ou sociedade empresária A preservação da empresa organização dos fatores produtivos para a produção ou distribuição de bens ou de 105 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA serviços está necessariamente vinculada quando diante de uma crise econômicofinanceira aos incentivos que os fornecedores de cada um destes diversos fatores produtivos encontram na hora de fazerem suas escolhas A empresa só existe se puder contar com o capital trabalho matériasprimas e tecnologia E só haverá o suprimento destes insumos se os seus provedores se encontrarem economicamente incentivados a fazêlo O limite da recuperação judicial ou extrajudicial de uma empresa está no ponto em que para cada um dos grupos de interesses a ela vinculados incluído aí os próprios titulares a busca por sua manutenção seja economicamente mais onerosa que o seu fechamento e liquidação pelo processo falimentar Não se pode ou deve esperar que os citados grupos de interesses envolvidos no processo recuperatório abdiquem dos proveitos privados advindos da liquidação da empresa em crise se estes forem mais eficientes aos seus objetivos para simplesmente atender a um interesse público na manutenção do empreendimento empresarial A restauração da empresa que passa por uma crise econômicofinanceira somente será eficiente e portanto viável se todos estes grupos de interesses organizados vislumbrarem na manutenção da unidade produtiva o modo mais eficiente de maximizarem seus interesses O credor somente orientará sua conduta no sentido da recuperação da unidade empresarial se perceber que esta é se comparada ao fechamento do empreendimento 106 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA e recebimento de seus direitos em um concurso com os demais credores do falido a escolha mais eficiente Credores são menos interessados em salvar empresas se houver ativos para satisfazer suas reivindicações Se existirem ativos credores vão se empenhar em apoderarse deles e provavelmente irão apresentar uma liquidação em pedaços Quando uma empresa está experimentando apenas um distúrbio financeiro entretanto o pagamento total dos créditos resultantes do estado de insolvência serão maximizados se a empresa continuar Salvar uma empresa todavia vai muitas vezes requerer aos credores que coordenem seus esforços de cobrança e os custos de coordenação são às vezes altos 67 A recuperação de uma empresa notase demanda o esforço conjunto de todos que a ela estejam vinculados Além disso acarreta os custos inerentes à transação É preciso desta forma coordenar tais necessidades e custos com a maximização de ganhos obviamente considerada pelos envolvidos no procedimento recuperatório 67 Creditors are less interesed in saving firms than in whether assets exist to satisfy their claims If assets exist creditors will attempt to seize them and this likely will yield a piecemeal liquidation When a firm is experiencing only financial distress however the creditors total insolvency state payoff would be maximized were the firm continues Saving a firm though will often require creditors to coordinate their collection efforts and coordination costs sometimes are high SCHWARTZ Alan A Normative Theory of Business Bankruptcy Yale Law School Center for Law Economics and Public Policy Research Paper n 305 Pg 3 Tradução livre 107 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA IV O comportamento estratégico dos grupos de interesses em uma recuperação de empresas São vários os trabalhos de estudiosos especialmente norteamericanos que se dedicam à análise da crise econômicofinanceira de uma empresa valendose principalmente de considerações embasadas na eficiência econômica das diversas soluções e alternativas legalmente elencadas68 Para isso é metodologicamente adequado adotar um modelo que permita simplificar a realidade analisada e ao mesmo tempo propor hipóteses que possam explicar sua estrutura e efeitos A empresa se constitui a partir da mútua transação contratual entre o empresário e os fornecedores dos diferentes fatores de produção necessários à sua existência Os provedores de cada um dos fatores produtivos por sua vez podem ser teoricamente agrupados em núcleos a partir da série de interesses comuns que têm na existência e manutenção da empresa Esta interação entre estes diferentes núcleos de interesses promovida pelo empresário para a produção ou distribuição de bens ou de serviços se torna ainda mais evidente quando a empresa passa por uma crise 68 BAIRD Douglas G The Elements of Bankruptcy 3th ed Chicago Foundation Press 2003 BEBCHUK L A GUZMAN A T An Economic Analysis of Transnational Bankruptcies Journal of Law and Economics Vol XLII Chicago October 1999 SCHWARTZ Alan A Normative Theory of Business Bankruptcy ob cit 108 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA econômicofinanceira e ainda que temporariamente vê se incapacitada de remunerar integralmente todos os seus fornecedores de insumos Impossibilitado de pagar a todos os provedores dos fatores de produção o empresário deve se pretende manter a empresa reestruturar as relações jurídicas que constituiu Por outro lado em situações de crise econômica da empresa os diferentes núcleos de interesses agregados em torno dela sabem que a remuneração que legitimamente esperam e que os incentiva a interagir com a organização empresarial depende não somente da sua relação com o empresário mas também das transações e decisões levadas adiante entre este empresário e os demais núcleos de interesses organizados A empresa é um feixe de relações contratuais em que cada contratante encontra na prestação do outro o incentivo para manter o vínculo jurídico Quando está economicamente abalada a empresa exige dos grupos de interesses comuns agregados pelo empresário maior atenção e racionalidade na otimização de seus próprios ganhos afetados que estão pela temporária crise do devedor Ciente da quantidade de situações nas quais o atendimento dos legítimos interesses particulares de determinados agentes econômicos está atrelado não somente às suas próprias ações mas igualmente aos atos de outrem a Economia dedica boa parte de seus estudos ao tema 109 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Trata do assunto sob termos como análises de conflito teoria das decisões interativas ou análise de comportamentos estratégicos Porém a expressão Teoria dos Jogos é indubitavelmente a mais utilizada para denominar estes estudos O campo de aplicação da Teoria dos Jogos é atualmente vastíssimo69 mas sua utilização pelo Direito ainda é incipiente e em muito se torna particularmente difícil ao jurista dada a invariável utilização de conhecimentos matemáticos avançados Isto entretanto não impede valiosas contribuições desta aplicação O Direito frequentemente confronta situações nas quais há alguns tomadores de decisão e na qual a ação otimizadora a ser tomada por uma pessoa depende do que outro ator escolhe Estas situações são como jogos em que as pessoas devem decidir sob uma estratégia Uma estratégia é um plano de ação que responde às reações dos outros A Teoria dos Jogos lida com qualquer situação na qual estratégia é importante A Teoria dos Jogos vai consequentemente realçar nosso entendimento de algumas importantes normas e instituições70 69 Sobre o tema vejase por exemplo o seguinte trabalho SHUBIK Martin Game Theory some observations Yale School of Management Working Paper Series B n 132 July 2000 70 The law frequently confronts situations in which there are few decisionmakers and in which the optimal action for one person to take depends on what another actor chooses These situations are like games in that people must decide upon a strategy A strategy is a plan for acting that responds to the reaction of others Game theory deals with any situation in which strategy is important Game theory will consequently enhance our understanding of some legal rules and institutions COOTER Robert ULEN Thomas Law Economics ob cit Pg 38 Tradução livre 110 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Para que se possa compreender à luz da Teoria dos Jogos como se portam e também como devem atuar os agentes econômicos vinculados a uma empresa em crise econômicofinanceira é necessário estabelecer os elementos do modelo econômico qual é o jogo quem são os jogadores qual é o ganho esperado por eles quais são as opções de estratégias disponíveis para cada um e por fim quais os efeitos que as diferentes estratégias de ação podem promover para o alcance de seus próprios ganhos e dos demais envolvidos Em se tratando do objeto deste estudo temse que a crise econômicofinanceira da empresa é uma situação social envolvendo dois ou mais agentes jogo e que obrigatoriamente coloca todos os grupos de interesses a ela vinculados jogadores diante da necessidade de decidir entre apoiar ou não o plano de recuperação estratégias Aderir ao plano de recuperação é uma estratégia que será adotada pelos abarcados pela empresa em função dos proveitos que cada um deles vislumbrar nesta estratégia Os esperados ganhos de cada um destes envolvidos são por sua vez exatamente os incentivos que os levaram a transacionar com a empresa ou seja os provedores dos diferentes fatores de produção apoiarão o plano de recuperação da empresa se esta for a estratégia que lhes proporcione a mais eficiente remuneração pelos insumos que oferecem Deste modo a viabilização da recuperação da empresa está atrelada a que os fornecedores de cada um 111 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA dos fatores produtivos e também o empresário tenham na estratégia de apoiar o plano de recuperação a mais eficiente escolha como meio de atingir os seus próprios objetivos sejam eles o lucro o retorno do capital emprestado a manutenção dos posto de trabalho ou o pagamento das matériasprimas fornecidas71 Cada jogador por sua vez somente pode tomar a decisão estratégica mais eficiente a partir da quantidade de informações que obtenha sobre o jogo em que está envolvido as possíveis escolhas suas e dos demais participantes e os ganhos potenciais de cada estratégia É por isso que a recuperação de uma empresa se apoia também sobre a transparência e maior veracidade possível das informações sobre a situação patrimonial e financeira do devedor É somente conhecendo a realidade econômica do empresário que os credores e demais envolvidos na recuperação terão subsídios para decidir racionalmente Importante lembrar entretanto que a recuperação de uma empresa não é um jogo de soma zero ou seja não é uma conjuntura em que as perdas de um participante são necessariamente os ganhos do outro72 Ao contrário o plano de recuperação precisa demonstrar que todos os jogadores podem maximizar seus ganhos se colaborarem uns com os 71 We not only act rationally and do the best we can given our preferences but we also believe that others act rationally as well and do the best they can given their preferences BAIRD Douglas G GERTNER Robert H PICKER Randal C Game Theory and Law Chicago Harvard University Press 2003 Pg 12 Tradução livre 72 Se um participante recebe mais o outro recebe menos Jogos como esses são chamados jogos de soma zero STIGLITZ Joseph E WALSH Carl E Introdução à Economia ob cit Pg 326 112 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA outros Tratase de uma modalidade de cooperative game jogo cooperativo O conceito de cooperação é importante na teoria dos jogos mas é um tanto quanto sutil O termo cooperar significa agir em conjunto com um propósito comum Nós devemos supor que para uma coalizão de dois ou mais indivíduos agir em conjunto com um propósito comum os indivíduos terão que deixar de lado suas funções de utilidade separadas e criar algo completamente novo uma função de utilidade coletiva para determinar seu comportamento coletivo73 É necessário convencer os provedores de capital de que embora e a princípio a melhor solução para o recebimento de seus créditos possa ser o fechamento do empreendimento a aposta na sua recuperação vai levar lhes à apuração de um valor maior no futuro caso todos os demais grupos de interesses envolvidos com a empresa jogadores também colaborem Da mesma forma com os fornecedores de matérias primas ou tecnologia Eles devem estar cientes de que abrir mão de algum valor ou direito que tenham contra o empresário em crise pode ser a escolha mais eficiente se houver a perspectiva de que com a recuperação da empresa 73 The concept of cooperation is important in game theory but is somewhat subtle The term cooperate means act together with a common purpose We might suppose that for a coalition of two or more individuals to act together with a common purpose the individuals would have to set aside their separate utility functions and create something completely new a collective utility function for determining their collective behavior MYERSON Roger B Game Theory Analysis of Conflict Cambridge Massachussets Harvard University Press 1997 Pg 370 Tradução livre 113 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA possam manter o parceiro empresarial e transações contratuais futuras Os sócios da sociedade empresária por sua vez precisam se assegurar de que lhes é economicamente mais eficiente abdicar por um tempo do lucro que os incentiva em prol da remuneração aos outros fatores de produção da sobrevivência da empresa e principalmente do potencial lucrativo que ela ainda apresenta Já aos provedores do fator trabalho o plano de recuperação deve evidenciar que a escolha que melhor atende ao seu objetivo de manter os empregos e os salários pode ser declinar de alguns direitos e verbas trabalhistas mesmo que isto ocorra para atender outros fatores de produção Por outro lado analisar a recuperação da empresa como um tipo de jogo cooperativo apresenta uma relevante particularidade já aqui evidenciada Isto porque tratase de um jogo no qual se envolvem mais de dois participantes que por sua vez tendem a se organizar em grupos em função dos interesses comuns Os estudiosos denominam tais jogos cooperativos de coalitional games jogos de coalizão Um jogo de coalizão é um modelo de interação entre tomadores de decisão que se foca no comportamento de grupos de jogadores Nós chamamos cada grupo de jogadores de coalizão e a coalizão de todos os jogadores de grande coalizão74 74 A coalitional game is a model of interacting decisionmakers that focuses on the behavior of group of players We call each group of players a coalition and the coalition of all the players the grand coalition OSBORNE Martin J An Introduction to 114 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA No procedimento recuperatório cada um dos fornecedores de um determinado insumo tem interesses que são comuns aos demais provedores daquele fator produtivo Desta forma a estratégia para a maximização dos ganhos de cada agente econômico do grupo é a mesma dos demais integrantes Assim cada conjunto composto pelos fornecedores de cada um dos fatores de produção é uma coalizão a interferir sobre a decisão de se apoiar ou não a recuperação da empresa A legislação brasileira reforça ainda mais este caráter de alianças ou coalizões entre cada conjunto de provedores da empresa ao atrelar a aprovação do plano à sua aceitação pela maioria e não por todos os componentes das diferentes classes de credores Assim o plano prevalece se é eficiente aos anseios dos grupos de credores e mesmo que contrarie os interesses de alguns deles O que importa são as estratégias e interesses da coalizão e não de cada um dos seus membros Da soma das decisões de cada uma das coalizões resulta a grande coalizão que esperase revele a opção por aprovar o plano de recuperação da empresa Qual ação nós devemos esperar que a grande coalizão escolha Nós procuramos uma ação compatível com as pressões impostas pelas oportunidades de cada coalizão em vez de simplesmente por aquelas dos jogadores individuais Nós Game Theory New York Oxford Oxford University Press 2004 Pg 239 Tradução livre 115 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA definimos que uma ação da grande coalizão seja estável se nenhuma coalizão possa romper e escolher uma conduta que todos os seus membros preferem 75 Negligenciar qualquer um dos grupos de interesses citados ou submetêlos ao império de algum dos outros implica na não colaboração do núcleo prejudicado com o plano e o comprometimento dos esforços para a restauração da empresa Por outro lado se os diferentes núcleos de agentes econômicos reunidos em torno da empresa em crise jogadores não tiverem razões racionais para acreditar que o esforço conjunto e a concessão a curto prazo pode propiciarlhes no futuro uma solução melhor para seus ganhos particulares eles vão e devem decidir pelo fechamento da unidade produtiva esta sim provandose ineficiente na produção o distribuição de bens e serviços 75 Which action may we expect the grand coalition to choose We seek an action compatible with the pressures imposed by the opportunities of each coalition rather than simply those of individual players We define an action of the grand coalition to be stable if no coalition can break away and choose an action that all its members prefer OSBORNE Martin J An Introduction to Game Theory ob cit Pg 243 Tradução livre 116 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA O filme Uma mente brilhante é a cinebiografia do economista americano John Forbes Nash cuja contribuição para a aplicação da Teoria dos Jogos às relações econômicas é reconhecida como fundamental O filme narra de forma bastante didática algumas hipóteses de aplicação da teoria inclusive em seus modelos cooperativos A Beautiful Mind Direção Ron Howard Produção Dreamworks EUA 2002 Se há uma consideração basilar em matéria de jogos é a de que os jogadores irão procurar dentre as possíveis condutas a que melhor atenda a seus objetivos Tratase da denominada estratégia estritamente dominante Um jogador vai escolher a estratégia estritamente dominante sempre que possível e não escolherá qualquer estratégia que seja estritamente dominada por outra Este é o mais obrigatório preceito de toda a teoria dos jogos76 76 A player will choose a strictly dominant strategy whenever possible and will not choose any strategy that is strictly dominate by another This is the most compelling precept in all game theory BAIRD Douglas G GERTNER Robert H PICKER Randal C Game Theory and Law ob cit p 12 Tradução livre 117 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Mesmo em se tratando de um jogo cooperativo somente é possível efetivarse a recuperação de uma empresa apesar de toda a preocupação com sua função social quando esta for a melhor escolha de maximização dos ganhos de todos aqueles diretamente envolvidos no procedimento É o que salienta Roger B Myerson citando as conclusões de John Nash sobre o tema Ele Nash arguiu que ações cooperativas são o resultado de algum processo de barganha entre jogadores cooperativos e nesse processo de barganha devese esperar que cada jogador se comporte de acordo com alguma estratégia de barganha que satisfaça o mesmo critério de maximização das utilidades pessoais que em qualquer outra situação de jogo77 Porém a legislação falimentar inegável variável econômica potencialmente modificadora do modelo elaborado tem o poder de incentivar com suas normas que os diferentes grupos de interesses em torno do organismo empresarial tomem as condutas que a um só tempo maximizarão os ganhos de todos e de cada um deles A legislação deve enfim criar incentivos aos jogadores para que eles tenham na colaboração mútua e no apoio ao plano a estratégia estritamente dominante 77 He Nash argued that cooperative actions are the result of some process of bargaining among the cooperating players and in this barganining process each player should be expected to behave according to some bargaining strategy that satisfies the same personal utilitymaximization criterion as in any other game situation MYERSON Roger B Game Theory Analysis of Conflict ob cit Pg 370 Tradução livre 118 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA V Limites à eficiência da recuperação judicial de empresas A descrença que pairava sobre o Dec Lei n 766145 e mais especificamente sobre as modalidades de concordata ali disciplinadas chegou a tal ponto que Rubens Requião afirmou o fato é que a reação coletiva em face da concordata a identifica vulgarmente como um instrumento de burla e de desonestidade a serviço de empresários inescrupulosos e sagazes78 Assim a edição da Lei n 1110105 se efetuou sob um clima de expectativa entre os empresários e seus credores curiosidade por parte de advogados juízes e promotores ligados à área e porque não dizer entusiasmo por parte do governo e congressistas que confiam e afirmam a possibilidade do novo texto legal restabelecer a credibilidade há muito perdida pelos institutos da falência e concordatas Uma observação um pouco mais cuidadosa que seja faz concluir porém que não se deve esperar que a legislação seja por si só capaz de modificar significativamente a administração judicial da crise econômicofinanceira de empresários Há fortes razões para esta afirmação 78 REQUIÃO Rubens Curso de Direito Falimentar Vol II 13a edição São Paulo Ed Saraiva 1992 Pg 5 119 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA A primeira delas diz respeito à experiência estrangeira com institutos similares à nossa recuperação de empresas que disciplinada na forma judicial ou extrajudicial é a pedra fundamental da Lei n 1110105 Mesmo a legislação norteamericana fonte inspiradora dos regimes falimentares de países economicamente fortes como Reino Unido França Alemanha e Japão não escapa a agudas críticas dos estudiosos79 Também na Itália80 cuja legislação é tida como outra importante referência no tema Espanha81 e Portugal82 é generalizada a frustração dos juristas em torno do assunto o que demonstra a impossibilidade de se modificar tal realidade social por mera alteração nas normas que a disciplinam e sem a adoção conjunta de medidas de caráter mais profundo e estrutural Como destacado o instituto da recuperação de empresas visa propiciar a superação de crise econômico financeira que temporária e circunstancialmente atinja determinado empresário 79 HART Oliver Different approaches to bankruptcy Harvard Institute of Economic Research September 2000 Pgs 78 Disponível em htttpwwwssrncombr Acesso em 21 jul 2017 Tradução livre 80 SATTA Salvatore Diritto Fallimentare Padova Cedam 1990 pg 191 e segs FERRARA Francesco Il Fallimento 3a ed Milano Giuffrè 1959 n XXI 81CURBELO Jorge López Concepto y naturaleza del convenio em la suspension de pagos Barcelona Ed Bosch 2000 Pg 73 82 DUARTE Henrique Vaz Questões sobre Recuperação e Falência ob Cit Pg 1415 120 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Assim situações que levam a maior comprometimento da empresa não poderão ser satisfatoriamente enfrentadas apenas pelo instituto em análise Nestas hipóteses apenas outras medidas muito mais agudas serão realmente efetivas É o que salienta Oliver Hart É importante reconhecer que a reforma da falência não deve ser vista isoladamente é preciso combinar isto com alterações legais e outras reformas ex o treinamento de juízes o desenvolvimento da governança corporativa e o fortalecimento dos direitos dos investidores e possivelmente até mesmo mudanças no sistema financeiro internacional83 O poder da legislação recuperatória da empresa deve ser ainda mais relativizado se voltada a atenção para o Brasil A seguir são apresentados três perfis de empresários cujas empresas apresentamse de tal forma comprometidas que podese afirmar não serão alcançadas pelo regime jurídico recuperatório Cuidese inicialmente daqueles casos em que a crise econômicofinanceira da empresa é resultado da conduta deliberadamente fraudulenta de seus titulares sócios controladores ou administradores O meio empresarial assim como qualquer outro ramo de atividades é composto por bons e maus profissionais 83 It is important to recognize that bankruptcy reform should not be seen in isolation it may be necessary to combine it with legal and others reforms eg the training of judges improvements in corporate governance and the strengthening of investors rights and possibly even changes in the international financial system HART Oliver Different approaches to bankruptcy ob Cit Pg 12Tradução livre 121 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Portanto nele convivem indivíduos que procuram exercer suas atividades dentro dos padrões da ética e da legalidade e aqueles que se dedicam à empresa de forma abusiva causando dolosamente prejuízos financeiros a terceiros com quem venham a negociar e via de consequência à credibilidade da generalidade dos empresários A respeito das insolvências provocadas por condutas fraudulentas vale questionar Justificase recuperar um empreendimento vitimado pela máfe de seus titulares A resposta negativa parece sem dúvidas a mais adequada tanto sob a perspectiva da eficiência econômica quanto da justiça Cabe ao legislador estipular e principalmente cumpre ao Judiciário sancionar rigorosamente as condutas fraudulentas através de institutos como a desconsideração da personalidade jurídica a responsabilização civil de administradores e controladores de sociedades a responsabilização pessoal de sócios face à irregularidade das sociedades e assim por diante Um rigoroso sistema punitivo da fraude e da má fé no meio empresarial é quem mais pode contribuir para afastar pessoas desonestas Por outro lado é forçoso reconhecer que em uma economia cada vez mais competitiva e avançada tecnologicamente o desempenho do empresário principalmente de pequeno porte depende e muito da qualificação técnica e competência pessoal de seus sócios e gestores84 84 Quem dirige deve sempre administrar conduzir e melhorar o que já existe e se 122 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Constatase que no Brasil a grande maioria dos integrantes de micro e pequenos empreendimentos não dispõem nem da devida preparação profissional nem de anterior experiência85 É inócuo o instituto da recuperação judicial ou extrajudicial de empresas constituídas eou geridas por pessoas sem a devida capacitação pessoal e profissional A inviabilidade econômica daquelas empresas decorre não de uma crise circunstancial e sanável mas sim de fatores estruturais e endêmicos ligados que são à falta de qualificação profissional eou gerencial do empresário São circunstâncias que certamente não têm como característica a temporariedade que justifica e fundamenta a recuperação prevista na nova lei É preciso compreender que às pessoas sem formação técnica ou profissional para serem empresários devem ser dadas outras e mais adequadas oportunidades de trabalho Sujeitar pessoas como este perfil às diuturnas dificuldades do exercício da empresa por conta própria sem proporcionarlhes a devida preparação é fingir que se conhece Ele precisa ser também empreendedor Deve transferir recursos das áreas que apresentem resultados baixos ou decrescentes para áreas que apresentem resultados elevados ou crescentes Deve descartarse do passado e tornar obsoleto aquilo que já exista e se conheça Deve criar o amanhã DRUCKER Peter Introdução à Administração 3a edição São Paulo Ed ThompsonPioneira 1998 Pg 39 85 Em pesquisa feita à época da entrada em vigor da Lei n 1110105 pela revista Pequenas Empresas Grandes Negócios Ed Globo Rio de Janeiro Maio de 2005 pg 1214 viase que no Brasil apenas 14 dos empreendedores frequentaram a universidade o que colocava o Brasil muito distante de países como Estados Unidos e Austrália onde tal porcentagem era superior a 58 Também alarmante que segundo tal publicação 30 dos empresários nacionais não tinham sequer concluído o ensino fundamental 123 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA está dando opções a uma massa de trabalhadores que não foram devidamente absorvidos pelo mercado de trabalho Há ainda outro grupo de empresários para o qual é preciso chamar a atenção ao se abordar o instituto da recuperação de empresas É representado por empresários de pequeno e médio porte que embora tecnicamente bem capacitados para o exercício de sua empresa e norteados pela boafé na prática de seus negócios são levados à situação de crise econômica por fatores que escapam à sua ingerência como por exemplo uma excessiva carga tributária ou de encargos trabalhistas altas taxas de juros cobradas por instituições financeiras fornecedoras de capital e as possíveis flutuações na situação econômica do país ou na política econômica estatal De que adianta o instituto da recuperação de empresas nesta hipótese É eficiente investir tempo e dinheiro na ajuda ao empresário qualificado e de boa fé a reerguerse de uma crise sem darlhe em contrapartida condições de tornar permanente seu sucesso empresarial Também aqui se percebe que em muito pouco contribui o instituto da recuperação da empresa o que certamente está refletido no pequeno índice de seu sucesso no direito estrangeiro 124 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Capítulo IV Do Requerimento e Processamento da Recuperação Judicial de Empresas I Requisitos especiais exigidos do empresário Todo empresário ou sociedade empresária encontra se conforme estipulado pelo art 1º da Lei n 1110105 sujeito à falência ainda que esteja exercendo irregularmente suas atividades Já para a obtenção da recuperação judicial o devedor precisa comprovar além de sua condição de empresário o preenchimento dos requisitos fixados pelo art 48 da Lei n 1110105 De Rembrandt a Michael Jackson gênios das artes que conheceram a insolvência A situação econômica de insolvência é inerente a qualquer pessoa física ou jurídica independentemente de suas atividades profissionais Qualquer sujeito de Direito pode apresentar uma situação de patrimônio deficitário 125 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Celebridades do meio esportivo ou artístico têm suas vidas pessoais naturalmente mais expostas e acabam se tornando notórios os casos de insolvência de pessoas ligadas a essas atividades São por exemplo os casos do excampeão mundial de boxe Mike Tyson do falecido cantor Michael Jackson do ator Nicholas Cage ou mesmo do famoso pintor holandês Rembrandt Importante lembrar entretanto que nenhuma destas pessoas estaria no direito brasileiro sujeito à falência ou à recuperação judicial Não porque se tratam todas de pessoas físicas mas porque como já foi aqui demonstrado os institutos da falência e da recuperação de empresa somente são aplicáveis a pessoas que se enquadrem como empresários na forma do art 966 caput do Código Civil I exercício regular da atividade há mais de 2 dois anos A realidade econômica brasileira mostra que os empresários individuais e as sociedades empresárias nem sempre operam com o devido cumprimento de todas as exigências legais atinentes à sua regular constituição e funcionamento 126 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Não é difícil constatar que a existência de organismos societários com deficiências de tal ordem acarreta via de regra sérias dificuldades àqueles que eventualmente necessitem de demandálos judicialmente ocasionando evidente desprestígio tanto ao instituto da pessoa jurídica e à prestação jurisdicional quanto aos demais empresários que acabam encontrando maiores obstáculos para a conclusão de negócios com terceiros receosos quanto ao futuro adimplemento das obrigações firmadas O ordenamento jurídico brasileiro prevê uma série de requisitos a serem respeitados por aqueles que pretendam unir seus recursos e esforços para a constituição de uma sociedade personificada Para a constituição ou nascimento da pessoa jurídica é necessária a conjunção de três requisitos a vontade humana criadora a observância das condições legais de sua formação e a liceidade de seus propósitos86 A Lei 1110105 destaca para fins de admissão ou não do empresário à recuperação judicial uma condição legal de formação comum a toda e qualquer sociedade personificada Tratase da necessidade de registro e constante atualização dos seus atos constitutivos A cargo das Juntas Comerciais no caso das sociedades empresárias ou dos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Jurídicas o registro do contrato ou dos estatutos sociais é providência essencial para a constituição válida 86 PEREIRA Caio Mário da Silva Instituições de Direito Civil vol I 3ª edição Rio de Janeiro Ed Forense 1992 P 200 127 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA das sociedades sendo também o ato responsável pela personificação destes sujeitos de direito art 985 do Código Civil Somente adquire personalidade jurídica autônoma em relação à de seus sócios a sociedade cujos atos constitutivos estejam devidamente arquivados na Junta Comercial ou como prefere o Código Civil de 2002 Órgão Público de Registro de Empresas Mercantis e atividades afins Ressaltese porém que a obrigação das sociedades empresárias em relação ao Registro Público de Empresas Mercantis não se esgota por aí Devem também ser levados a arquivamento na Junta Comercial qualquer ato que altere dissolva ou extinga a sociedade empresária art 32 II da Lei n 8934 de 15 de dezembro de 1994 Somese ainda a esta obrigação a referente à manutenção e devido preenchimento dos livros contábeis obrigatórios e demonstrações financeiras art 1179 do Código Civil e se terá a definição de empresário regular Empresário ou sociedade empresária regular é aquele que cumpre todos os requisitos e exigências legais fixados para a validade de sua constituição funcionamento ou extinção requisitos estes referentes aos documentos que deve manter arquivados no órgão público de registro de empresas mercantis e aos livros e demonstrações contábeis cuja elaboração e manutenção lhe é obrigatória A recuperação de empresas como a antiga concordata exige que o empresário que a tenha requerido 128 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA esteja cumprindo rigorosamente todas as exigências legais atinentes à sua constituição e funcionamento pois inadmissível que a legislação permita o instituto da recuperação àquele agente econômico que de alguma forma encontrase inadimplente com suas obrigações no Registro Público de Empresas Mercantis ou em relação à sua escrituração contábil Ainda exige o art 48 que o empresário requerente da recuperação judicial tenha pelo menos 2 dois anos de exercício regular de sua atividade Um empresário ou sociedade empresária que em menos de dois anos de atividade já se revele necessitado de recuperação judicial não é no entender do legislador um empresário viável economicamente A precoce necessidade de recuperação denota aos olhos da lei que o empresário se apresenta economicamente inviável por problemas de ordem estrutural inatacáveis por meio do procedimento judicial ora comentado II Não ser falido ou caso o tenha sido que suas responsabilidades decorrentes de tal situação estejam declaradas por sentença transitada em julgado extintas III Não ter obtido para si a concessão de recuperação judicial nos últimos 5 cinco anos contados da data em que venha a requerer tal benefício IV Não ter se submetido ao plano de recuperação judicial especificamente estipulado para microempresas e empresas de pequeno porte nos últimos 5 cinco anos 129 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA contados da data em que formule o requerimento de recuperação judicial V Se a requerente é sociedade empresária que os seus administradores e sócios controladores não tenham sofrido anterior condenação por qualquer dos crimes previstos pelo texto da Lei n 1110105 art 168 a 178 A mesma exigência se aplica por óbvio à pessoa do empresário individual ou a quem tenha instituído Empresa Individual de Responsabilidade Limitada Estas quatro exigências do artigo 48 se referem não à regularidade jurídica do empresário ou sociedade empresária já aludida no caput mas a sinais exteriores de sua viabilidade econômica itens II a IV ou da credibilidade pessoal de seus administradores e controladores item V O empresário ou a sociedade empresária não pode abusar do benefício da recuperação judicial Este instituto é uma tentativa de remediar e amainar a crise econômica da empresa mas exatamente por esta função deve ser empregado com cautela Se o empresário precisa recorrer em intervalos de tempo muito pequenos à recuperação judicial significa que sua crise financeira não é temporária ou circunstancial Demonstra ao contrário tratarse de organização econômica inviável à qual deve ser destinado o encerramento de suas operações e não o esforço de credores empregados Poder Judiciário e demais envolvidos no procedimento de recuperação 130 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA O mesmo raciocínio se aplica até com mais fundamento ao falido A falência é resultado da inviabilidade econômica da empresa e o empresário somente pode recorrer à recuperação judicial após solucionadas todas as suas responsabilidades pessoais e patrimoniais decorrentes de anterior falência Vale ainda concluir que a Lei n 1110105 não abarca modalidade de recuperação suspensiva da falência em moldes análogos ao que se tinha com base no agora revogado Dec Lei n 766145 em relação à concordata VI Diz o art 198 da Lei n 1110105 que não poderá requerer a recuperação judicial ou extrajudicial aquele empresário ou sociedade empresária que por disposição constante de legislação específica em vigor fosse proibido de requerer concordata A antiga concordata assim como a recuperação judicial ou extrajudicial de empresas era destinada a empresários em grave crise financeira Era uma nítida consequência deste estado de dificuldade econômica Há entretanto determinados tipos de atividades que por sua natureza não podem ser satisfatoriamente exercidas por empresários que demonstrem qualquer tipo de fragilidade em sua situação financeira patrimonial ou econômica É o caso por exemplo das instituições financeiras corretoras de títulos de valores e de câmbio e demais sociedades sujeitas ao regime de intervenção e liquidação 131 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA extrajudicial pelo Banco Central do Brasil atualmente regido pela Lei n 6024 de 13 de março de 1974 Também se enquadram nesta proibição as companhias seguradoras por força do art 69 do Regulamento do DecretoLei n 73 de 21 de novembro de 1966 editado com o Decreto n 64459 de 13 de maio de 1967 Embora não haja disposição legal expressa neste sentido a doutrina salientava também a impossibilidade de sociedade em conta de participação requerer concordata Sendo essas sociedades destituídas de personalidade jurídica não poderão impetrar o favor legal Se um dos pressupostos do direito de pedir a concordata é o de a sociedade ter seus atos constitutivos registrados no Registro de Comércio a sua inexistência como no caso dessas sociedades em conta de participação impede a concessão do benefício87 Já que impedidas de requerer concordata as sociedades em conta de participação não poderão pleitear recuperação judicial ou extrajudicial Se como salienta Rubens Requião o motivo pelo qual a sociedade em conta de participação não podia obter a concordata era a falta de personalidade jurídica devese igualmente afirmar que também as Sociedades em Comum disciplinadas pelos art 986 a 990 do Código Civil de 2002 estão dada a expressa falta de personalidade jurídica 87 REQUIÃO Rubens Curso de Direito Falimentar Vol II 15a ed São Paulo Ed Saraiva 1993 P 18 132 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA alheias à possibilidade de pleitearem a recuperação judicial ou extrajudicial de suas atividades Chama a atenção o caso das companhias aéreas A Lei n 7565 de 19 de dezembro de 1986 o Código Brasileiro de Aeronáutica veda a concordata às sociedades que tenham por objeto a exploração de serviços aéreos de qualquer natureza ou de infraestrutura aeronáutica Já o art 199 da Lei n 1110105 estabelece uma exceção da exceção ao dispor que as companhias aéreas ou de infraestrutura aeronáutica embora proibidas de requerer concordata têm garantido o direito a requererem a recuperação judicial ou extrajudicial Ainda no que se refere à recuperação das companhias aéreas é vedada pelo par 1º do art 199 a suspensão no curso do procedimento recuperatório o exercício dos direitos derivados dos contratos de locação ou arrendamento de aeronaves ou suas partes II Competência do juízo Diz o texto do art 3o da Lei n 1110105 Art 3º É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil 133 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Esta norma praticamente repete o caput do art 7o do antigo Dec Lei n 766145 que tratava da competência jurisdicional para conhecer de pedidos de falência contra os comerciantes88 Muito já se discutiu sobre o significado do termo principal estabelecimento utilizado tanto pelo art 7o do Dec Lei n 766145 quanto pelo art 3o da Lei n 111010589 Legalmente o termo estabelecimento é definido como todo complexo de bens organizado para exercício da empresa por empresário ou por sociedade empresária art 1142 do Código Civil Este termo pode entretanto ser tomado em sentido estrito identificandose neste caso com cada uma das unidades produtivas constituídas e utilizadas por um mesmo empresário ou sociedade empresária90 A partir daí temse que o termo principal estabelecimento poderia ser entendido como aquele indicado nos estatutos ou contrato social como o local em que estivesse sediada a sociedade empresária A unidade produtiva eleita pelo contrato ou estatutos sociais como 88 Art 7o caput do Dec Lei n 766145 É competente para declarar a falência o juiz em cuja jurisdição o devedor tem o seu principal estabelecimento ou casa filial de outra situada fora do Brasil 89 A respeito das diferentes interpretações apresentadas na vigência do Dec Lei n 766145 para o termo em questão vale remeter ao vasto estudo de Waldemar Ferreira FERREIRA Waldemar Tratado de Direito Comercial Vol 14 São Paulo Edição Saraiva 1965 P182 e seg 90 PIMENTA Eduardo Goulart O Estabelecimento In RODRIGUES Frederico Viana org Direito de Empresa no Novo Código Civil Rio de Janeiro Forense 2004 P 101 134 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA sede da sociedade empresária seria então segundo este critério considerada seu principal estabelecimento Este não foi entretanto o caminho adotado pela doutrina e pela jurisprudência Com razão considerouse que para a otimização do procedimento concursal o juízo falimentar deveria ser aquele cuja jurisdição fosse no local onde o empresário falido concentrasse o maior número de operações mercantis e por consequência de credores empregados contratos e bens Deste modo a doutrina e a jurisprudência brasileira pacificaram a noção econômica de principal estabelecimento bem explicada pela decisão abaixo transcrita COMPETÊNCIA FALÊNCIA Local a ser considerado aquele em que a empresa centraliza de fato suas atividades prevalecendo sobre o que consta do estatuto inteligência do art 7o caput da Lei de Falência O principal estabelecimento não é aquele a que os estatutos da sociedade conferem o título de principal mas o que de forma concretamente o corpo vivo o centro vital das principais atividades comerciais do devedor a sede ou núcleo dos negócios em sua palpitante vivência material BRASIL Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo RT 731281 Portanto a homologação da recuperação extrajudicial a concessão de recuperação judicial ou a decretação da falência é de competência exclusiva do juízo em que o empresáriodevedor tenha o centro de suas 135 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA atividades empresariais correspondente ao maior número de operações negociais credores empregados e bens III A unidade e universalidade do juízo da falência ou recuperação da empresa A ideia do concurso de credores advém da impossibilidade patrimonial do devedor para arcar com todas as obrigações por ele assumidas Já que o devedor não consegue pagar integralmente a todos os seus credores tornase necessário agrupar e hierarquizar aqueles conforme a natureza do crédito de cada um estabelecendo o que na falência se conhece pelo termo massa falida subjetiva O concurso de credores também pressupõe por outro lado a arrecadação de todo o patrimônio do devedor com o objetivo de rateálo entre seus credores já então organizados segundo o critério acima Entretanto para que se possa viabilizar tais objetivos é indispensável que a congregação de credores e o patrimônio do devedor fiquem sob ingerência de uma única autoridade judicial O concurso de credores pressupõe necessariamente que todos eles possam e devam se sujeitar paralelamente à arrecadação do patrimônio do devedor a uma única autoridade judicial que terá sob sua supervisão e poder decisório toda a massa de interesses ligados ao insolvente 136 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA A unidade do juízo falimentar é corolário deste princípio concursal Unidade vem de único de exclusivo Há apenas um juiz competente para a falência ou recuperação de uma empresa com exceção das ações que disposição expressa de lei manda correrem em juízo privativo ou especial todas as demais ações contra a massa falida devem ser propostas perante o juiz da falência ainda que existam outros juízes com igual jurisdição e idêntica competência para conhecer e julgar os processos de falência De três ou quatro juízes com as mesmas atribuições um só firmou a competência para processar e julgar determinada falência tornandose pois o juízo indivisível impartível infracionável Nele se instala a sede legal da administração da falência Perante ele por conseguintemente devem ser formuladas as ações contra a massa A competência dos demais juízes na mesma jurisdição é absorvida pelo primeiro que julgou o pedido91 Portanto o princípio da unidade do juízo é fundamental e indissociável em qualquer situação de concurso de credores sendo a falência e recuperação de empresas sem dúvida os seus exemplos mais evidentes Também a universalidade é atributo essencialmente ligado a qualquer modalidade de concurso de credores Se o juízo é único no sentido de que não repartirá sua competência como outros de iguais atribuições legais a 91 VALVERDE Trajano de Miranda Comentários à Lei de Falências Vol I Rio de Janeiro Revista Forense 1948 P 8788 137 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA partir da distribuição do pedido deve por outro lado ter habilitação e autorização legal para apreciar todo e qualquer tipo de questionamentos que se tenham contra o devedor insolvente Todos os interessados devem acorrer ao juízo falimentar abandonando os caminhos naturais para exigirem seus direitos e indo participar do concurso judicial Sendo a falência procedimento concursal são óbvias a unidade e universalidade do juízo Unidade no sentido de que nele devem ser decididas todas as questões que interessem à massa falida Universalidade significa que todos os credores ficam sujeitos à vis attractiva do juízo falimentar a ele devendo acorrer92 O juízo falimentar é universal porque tem competência para analisar e julgar quaisquer tipos de demandas ou interesses envolvendo o devedor insolvente A unidade significa que entre diferentes juízes com igual competência jurisdicional apenas um terá a atribuição de gerir a falência ou a recuperação da empresa Assim é válido afirmar que a unidade do juízo falimentar tem por referência os órgãos judiciais entre si A unidade e indivisibilidade é um atributo do juízo falimentar ou recuperatório que se manifesta deste juízo em relação ao outros órgãos judiciais com iguais atribuições de competência encontrando expressa admissão no texto do art 7o 8º da Lei n 1110105 que dispõe A distribuição do pedido de falência ou de recuperação judicial previne a 92 ABRÃO Nelson Curso de Direito Falimentar ob cit P 69 138 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA jurisdição para qualquer outro pedido de recuperação judicial ou de falência relativo ao mesmo devedor Já a universalidade significa que todos os credores ou interessados no patrimônio do devedor insolvente têm que independentemente da natureza do direito discutido acorrer ao juízo falimentarrecuperatório abdicando das vias jurisdicionais antes previstas para o exercício de seus direitos A universalidade do juízo é atributo que se refere e manifesta em relação aos credores do empresário devedor Ambos porém são corolários naturais do instituto do concurso de credores em qualquer de suas modalidades São igualmente presentes e exigidos nas hipóteses de falência e recuperação judicial ou extrajudicial de empresas Há entretanto importantes exceções aos princípios da unidade e da universalidade do juízo falimentar A primeira delas encontrase no art 7o referente aos créditos e ações de natureza trabalhista Dada a existência da Justiça do Trabalho criada exatamente face às peculiaridades na aplicação da legislação referente a questões empregatícias opta a Lei n1110105 por retirar tais discussões judiciais do âmbito do juízo da falência ou recuperação de empresas A seguinte afirmação de Fábio Ulhôa Coelho resume o tratamento que as ações e créditos trabalhistas recebiam da jurisprudência com base no Dec Lei n 766145 O crédito trabalhista segundo o entendimento tradicional da doutrina e da jurisprudência deve ser apurado na Justiça do Trabalho em função de sua competência constitucional Constituição Federal art 114 mas uma vez transitada em 139 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA julgado a sentença condenatória o empregado deve habilitar o seu crédito no processo de falência tendo em vista o caráter universal do juízo falimentar nesse sentido RTJ 1221164 Recentemente contudo observamse na Justiça do Trabalho sinais de alteração desse entendimento processandose nela tanto a reclamação quanto a execução trabalhista93 A atual legislação falimentar e recuperatória disciplina a questão em seu artigo 6o e estabelece que as ações de natureza trabalhista movidas contra o empresário falido ou em recuperação judicial deverão tramitar normalmente na Justiça do Trabalho até que se tenha por apurado o respectivo crédito par 2o Quantificado o montante devido ao empregado cumprelhe requerer sua inscrição no quadrogeral de credores do processo concursal ou recuperatório e não mais o caminho da execução no próprio juízo trabalhista Retirase dos credores de natureza trabalhista assim a possibilidade de receberem seus créditos sem participarem do concurso Em casos de recuperação judicial da empresa a exigência de inscrição no quadrogeral de credores somente prevalece pelo prazo de 180 cento e oitenta dias em que estão suspensas a generalidade das demandas e execuções judiciais contra o empresário devedor art6o Após este prazo o empregado torna a poder executar seus direitos trabalhistas na própria justiça especializada 93 COELHO Fábio Ulhôa Código Comercial e Legislação Complementar Anotados à Luz do Novo Código Civil 5a edição São Paulo Editora Saraiva 2002 Pg 291 140 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA caso outra solução não tenha sido prevista pelo plano de recuperação apresentado pelo devedor e aprovado segundo as formalidades legais Outra importante exceção aos princípios da unidade e universalidade do juízo falimentar e recuperatório diz respeito às ações em que a empresa falida ou em recuperação judicial seja autora Não deve o réu em processo movido pelo empresário ou sociedade empresária em recuperação ou falida sujeitarse a um ônus processual advindo de mudança na condição do autor e desta forma ver transferida para o juízo falimentar a discussão judicial que tramitava em seu domicílio principalmente se considerado que o juízo concursal está naturalmente já assoberbado com outros interesses do devedor falido ou em recuperação Também as execuções fiscais propostas contra o empresário requerente da recuperação escapam à universalidade do juízo recuperatório uma vez que não são atingidas pela suspensão prevista no art 6o da Lei n 1110105 e por isso continuam tramitando normalmente em seu juízo original 141 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA IV O requerimento da recuperação judicial Se preencher todos os requisitos do art 48 da Lei n 1110105 o empresário poderá postular no juízo competente art 3o a sua recuperação judicial Esta faculdade se aplica mesmo que contra ele já haja um pedido de falência desde que nesta hipótese postule a recuperação no prazo para contestar tal pedido art 95 Em se tratando de sociedade empresária este pedido é realizado pelos administradores da sociedade e será precedido de aprovação pelos sócios reunidos em assembleia geral ou reunião Nas Sociedades Limitadas o art 1071 VIII do Código Civil condiciona o pedido de concordata a prévia deliberação pela assembleia ou reunião de sócios A Lei n 1110105 não mais disciplina o instituto da concordata tendoo substituído pela recuperação de empresa Não há porém razão para negar vigência à citada norma do Código Civil dada a similitude de objetivos não de métodos entre a concordata e a recuperação judicial Concluase também por outro lado que assim como a concordata a recuperação judicial ou extrajudicial da empresa acarreta sérias modificações no interior da sociedade empresária e em suas relações com terceiros Lógico portanto que a requisição pelos administradores deste favor legal seja precedida da aprovação pela assembleia ou reunião de sócios 142 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Deste modo os administradores de uma Sociedade Limitada poderão requerer a sua recuperação judicial desde que autorizados por votos correspondentes à maioria absoluta das quotas sociais reunidas em assembleia ou reunião regularmente convocada e instalada art 1071 cc art 1076 do Código Civil A questão não é diferente nas Sociedades Anônimas O art 122 n IX da Lei n 6 40476 estipula como matéria de competência privativa da assembleia geral de acionistas a aprovação ou não de requerimento de falência ou de concordata em nome da sociedade Vale lembrar também que tanto na Sociedade Anônima art 122 par único da Lei n 6 40476 quanto na Sociedade Limitada art 1 071 par 4o está prevista a possibilidade de em caso de urgência os administradores requererem a concordata leiase recuperação judicial sem a anterior aprovação pelos sócios Esta aprovação poderá ser neste caso obtida após o ajuizamento do pedido Desta forma quando a crise financeira pela qual esteja passando a sociedade seja de tal monta que os procedimentos necessários à obtenção da autorização dos sócios possam inviabilizar o sucesso da recuperação os próprios administradores da sociedade estão aptos a decidir e requerer o benefício No caso do empresário individual caberá a ele o direito de requerer a recuperação de sua empresa ou em caso de seu falecimento ao cônjuge sobrevivente herdeiros inventariante ou sócio remanescente art 48 par único 143 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Passando à análise da petição inicial da recuperação judicial resta lembrar antes que uma vez deferido o processamento do benefício o devedor somente poderá desistir do pedido se a assembleiageral de credores concordar art 52 par 4 Além da observância aos requisitos gerais exigidos pela legislação processual civil para a regularidade de uma petição inicial a peça deverá ser instruída com a série de documentos estipulados pelo art 51 da Lei n 11 10105 São documentos que visam apresentar ao Poder Judiciário a situação econômica e financeira do empresário devedor o valor dos débitos e a quantidade de seus credores além do número de empregados vinculados ao empreendimento Subsídios que permitirão ao juiz e aos credores avaliar a viabilidade ou não de aplicarse no caso a recuperação judicial Assim devem acompanhar a petição inicial da recuperação judicial I Exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico financeira No capítulo III foi dito quando tratada a caracterização da recuperação judicial ou extrajudicial da empresa que a sua incidência não mais se apoia sobre os meros sinais exteriores de insolvência patrimonial com os quais lidava a antiga legislação não pagamento de dívida líquida certa e exigívelatos falimentares mas demanda um exame profundo tanto da situação econômicofinanceira do 144 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA devedor quanto das causas que o conduziram à situação de crise Assim o empresário devedor ao pleitear sua recuperação em juízo deve elencar na petição inicial os motivos pelos quais considera encontrarse àquela altura em situação de apuros econômicofinanceiros Há diferentes fatores que podem levar o empresário à necessidade de obtenção da recuperação judicial ou extrajudicial94 1 Fatores de origem interior ou endógena estão ligados à estrutura interna da sociedade empresária eou aos fatores de produção por ela empregados Por estrutura interna da sociedade entendase a composição do seu quadro de sócios e de sua organização administrativa Os sócios são os principais provedores do fator de produção capital e os administradores que muitas vezes são os próprios sócios são responsáveis pelo fator de produção organização Fatores de origem interna são deste modo circunstâncias que comprometem a composição ou o relacionamento entre os sócios o bom desempenho das atribuições administrativas da sociedade ou a otimização da produção e distribuição de bens ou serviços O comprometimento econômicofinanceiro da sociedade decorre do mal funcionamento de sua própria organização 94 LOBO Jorge Direito Concursal 2a ed Rio de Janeiro Forense 1998 145 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA São exemplos de fatores de origem interior que levam ao comprometimento econômicofinanceiro de uma empresa divergências entre os sócios falecimento do sócio controladormajoritário crise na sucessão do controle empresarial por falta de interesse ou capacidade técnica dos herdeiros dos sócios controladores falta de capacidade técnica dos administradores da sociedade capital insuficiente para o bom exercício da empresa violação de legislação ambiental trabalhista ou tributária acarretando multas e outras sanções pecuniárias despreparo da mão de obra da sociedade matériaprima sem qualidade tecnologia obsoleta 2 Fatores de origem exterior ou exógena Não é difícil perceber que em várias hipóteses a sociedade e a empresa por ela exercida são levadas à situação de crise econômicofinanceira por circunstâncias que escapam ao poder dos sócios administradores empregados e demais envolvidos com a atividade empresarial São fatores ligados à situação econômica eou social geral do local onde exercem sua atividade ou têm negócios a realizar a atos do Poder Público ou de outras entidades com as quais se relacionam sem porém terem qualquer influência ou controle sobre elas 146 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA É mesmo possível citar exemplos de situações ligadas à própria conjuntura econômica internacional que não raro podem ter devastador efeito sobre as finanças de empresas São algumas hipóteses de fatores exógenos capazes de impactar na estrutura financeira e patrimonial do empresário ou sociedade empresária diminuição geral no poder aquisitivo dos consumidores aumento na concorrência pelo crescimento do número de empresas no setor aumento excessivo na tributação aumento dos encargos de natureza trabalhista ou previdenciária aumento das taxas de juros cobradas pelo mercado planos econômicos que comprometem o faturamento por meio de confiscos ou tabelamentos variações cambiais abruptas e inesperadas dificuldades no recebimento de créditos pela morosidade dos processos judiciais índices de crescimento geral da economia do país aumento nos índices de inflação política monetária e fiscal praticada pelo Poder Público pouca oferta de financiamentos Embora seja possível classificar as circunstâncias causadoras da crise econômicofinanceira da empresa devese levar em conta que a princípio não tem ela qualquer 147 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA influência sobre a viabilidade ou não do requerimento da recuperação judicial Assim para concessão ou não do benefício da recuperação a legislação não distingue se as causas da crise estão ligadas a fatores internos ou externos bem como se decorrem ou não de culpa por parte dos sócios administradores ou qualquer outro agente econômico vinculado à atividade A reportagem abaixo ilustra bem como diferentes fatores podem afetar um empreendimento que se mostrava bem sucedido Como a falência da Blockbuster tornou a Netflix a maior empresa de mídia do mundo Por Isabella Carvalho Há cerca de vinte anos acessar um acervo físico e escolher um filme em uma locadora fazia parte da rotina dos apaixonados por cinema Naquela época um icônico nome dominava as ruas do mundo todo Blockbuster A empresa nasceu em 1985 em Dallas Seu fundador David Cook abriu a primeira unidade com um estoque de 8 mil fitas VHS para oferecer aos clientes um serviço de aluguel de filmes e games 148 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA A empresa foi criada em um cenário promissor onde os reprodutores de videocassetes se tornavam cada vez mais comuns nas casas das famílias americanas Além disso Cook usou a tecnologia a seu favor O empreendedor equipou sua loja com um sistema de computadores que usavam um scanner de código de barras para ler os principais dados de cada fita alugada calculando os valores Em dois anos de atuação no mercado a Blockbuster já era uma rede com 19 lojas em operação A partir daí Cook investiu ainda mais na experiência dos clientes transformando as unidades da Blockbuster em big stores ou seja grandes lojas com atendimento exclusivo variedade de títulos e venda de produtos complementares aos filmes O negócio deslanchou e em pouco tempo se tornou uma marca relevante nos Estados Unidos Foi então que em 1987 Cook vendeu a empresa para o milionário Wayne Huizenga Sob a liderança de Huizenga a Blockbuster começou um plano de expansão internacional colocando em prática uma estratégia de aquisições Ao longo dos anos a companhia comprou redes de lojas como Erols Sound Warehouse Music Plus e Super Club Retail Entertainment Em 1988 se tornou a principal cadeia de vídeos da América com cerca de 400 lojas No início dos anos 90 a Blockbuster abriu sua milésima unidade Já em 1994 foi adquirida pela gigante da mídia Viacom por US 84 bilhões atingindo a marca de 4500 lojas abertas Alguns anos depois em 1999 a companhia foi eleita a 13ª marca mais conhecida dos Estados Unidos em uma lista de duas mil empresas Em paralelo ao grande sucesso da Blockbuster nascia a Netflix A empresa foi criada em 1997 por Marc Randolph Reed Hastings e Mitch Lowe como um serviço de entregas de DVDs pelo correio Na época os empreendedores entenderam que as fitas 149 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA VHS eram frágeis demais para serem despachadas aos clientes oferecendo uma opção menor mais leve e totalmente inovadora para a época A proposta era simples no início os usuários alugavam em um site os títulos por preços separados Alguns meses depois a empresa lançou um sistema de assinaturas Por um valor mensal de US 2199 os consumidores tinham acesso a diversos filmes sem cobrança de multas ou data fixa para entrega Os títulos eram entregues diretamente no endereço escolhido Para colocar em prática esse novo modelo de assinaturas a Netflix refez a engenharia de seu site e adaptou seu software Em apenas um ano o negócio faturou US 1 milhão Em 1999 chegou a US 5 milhões de faturamento Apesar do crescimento a empresa ainda era instável financeiramente Em 2000 Randolph e Hastings se reuniram com John Antioco CEO da Blockbuster Os executivos dicutiram uma possível compra da Netflix pela atual líder mundial no ramo de aluguel de filmes O valor oferecido foi de US 50 milhões O acordo foi recusado por Antioco No mesmo ano a Blockbuster continou crescendo e acumulou mais de 7 mil lojas físicas abertas Já a Netflix registrava 420 mil assinantes em seu serviço de entregas Mesmo sem ter sido adquirida a empresa continuou se desenvolvendo Em 2002 as ações da Netflix começaram a crescer e foram negociadas na NASDAQ bolsa de valores de Nova York Além disso seu número de assinantes saltou para 600 mil Com uma expansão acelerada a empresa atingiu em 2004 US 500 milhões de faturamento Um ano depois o número de assinantes chegou a 42 milhões Enquanto isso a Blockbuster ainda registrava receitas bilionárias Em 2004 a companhia faturou US 6 bilhões Além disso chegou ao auge atingindo 9 mil unidades espalhadas por 9 países No mesmo ano e com algum tempo de atraso entrou 150 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA no mercado de locação online para concorrer com a Netflix Por US 1999 por mês os clientes alugavam quantos filmes quisessem Porém na visão da empresa a experiência de ir em lojas físicas ainda tinha o seu valor Foi em 2007 que a Netflix tomou uma decisão que mudaria o mercado A empresa abandonou o serviço de aluguel de DVDs e lançou sua própria plataforma de streaming Nela os assinantes poderiam assistir séries e filmes instantaneamente no computador A partir daí a empresa teve um crescimento consistente a cada ano Em contrapartida a Blockbuster passou a perder mercado Desde 2008 a receita da companhia despencou assim como o número de lojas Em 2010 enquanto a Netflix registrava 16 milhões de assinantes e uma receita de US 2 bilhões a Blockbuster declarava falência No mesmo ano a empresa entrou com um pedido de recuperação judicial no Tribunal de Falências dos Estados Unidos para lidar com cerca de US 1 bilhão em dívidas Em 2011 foi leiloada à emissora Dish Network operadora de TV por assinatura por US 320 milhões Dois anos depois em 2013 a Blockbuster anunciou o fechamento de suas 300 lojas restantes nos Estados Unidos descontinuando o aluguel de filmes nas unidades físicas e na plataforma online Esta não é uma decisão fácil mas o consumidor agora opta claramente por ferramentas de distribuição digital de entretenimento em vídeo disse Joseph Clayton CEO da Dish em um comunicado Hoje apenas uma loja continua aberta em Bend uma pequena cidade nos Estados Unidos A unidade franqueada em 2000 se tornou peça rara e possui vários anos de contrato com a Dish Depois de se tornar referência mundial na indústria de filmes a Blockbuster fechou suas portas A companhia que se concentrava em aumentar seu número de lojas e crescer ainda 151 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA mais no modelo convencional de locação de vídeos não construiu uma estratégia para competir com seus novos concorrentes Por outro lado a Netflix repensou seu modelo tradicional para a Era Digital Em 2007 seus fundadores perceberam que o consumo de filmes já não era mais o mesmo e decidiu acompanhar esse novo cenário readaptando sua estratégia Para isso transformaram seu negócio incorporando tecnologias e novas práticas focadas no cliente A partir daí a empresa investiu em uma infraestrutura digital e em um sistema de recomendações baseadas no comportamento dos usuários Além disso construiu uma cultura datadriven baseada em dados e times focados em marketing operações finanças ciência e analytics Além da aposta em tecnologia o modelo de gestão da companhia também passou por grandes mudanças se tornando referência no mundo todo A capacidade de se adaptar e se reinventar se tornou um dos principais pilares da empresa Além disso a companhia focou em uma gestão horizontal sem hierarquia e com mais autonomia aos funcionários A busca pela excelência e o lema liberdade com responsabilidade tem gerado grandes resultados Em 2018 a empresa atingiu um importante marco se tornou a companhia de mídia mais valiosa do mundo ultrapassando a Disney por um dia Enquanto a gigante do streaming foi avaliada em US 1523 bilhões na bolsa a Walt Disney Company chegou a US 1517 bilhões Hoje a Netflix já registra 172 milhões de assinantes e possui um valor de mercado de US 167 bilhões Além disso se destacou por suas produções próprias se juntando a grandes nomes da indústria cinematográfica com 15 indicações ao Oscar Depois de se reinventar algumas vezes a Netflix se prepara para alcançar novos objetivos Em entrevista à Exame 152 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Mitch Lowe um dos fundadores traçou um cenário sobre o mais provável futuro da companhia A Netflix poderá seguir na produção de conteúdos baseados em outra plataforma o Youtube O foco Acompanhar mais uma vez a mudança no perfil do consumidor As pessoas têm cada vez menos espaço de atenção é difícil se concentrar em um filme de duas horas Ao mesmo tempo elas querem que os personagens se desenvolvam É por isso que vamos ter produtos com episódios cada vez mais curtos O sucesso de vídeos no YouTube mostra que as pessoas na verdade querem episódios de 10 20 ou 30 minutos que você possa juntar afirmou o executivoAlém disso segundo estimativa da empresa norte americana BMO Capital Markets a companhia pretende investir cerca de US 18 bilhões em produção de conteúdos neste ano um aumento de US 2 bilhões em relação a 2019 Nos próximos anos esse valor pode chegar a US 26 bilhões Disponível em httpswwwstartsecomnoticiastartupsfalenciablockbuster netflix Site consultado em 03082020 153 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA II Demontrações contábeis relativas aos 3 três últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido elaboradas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de a balanço patrimonial b demonstração de resultados acumulados c demonstração do resultado desde o último exercício social d relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção Já foi dito em comentário ao art 48 da Lei n 1110105 que apenas os empresários e sociedades empresárias regulares podem pleitear a recuperação judicial ou extrajudicial Também foi salientado que a regularidade do empresário está vinculada ao integral cumprimento das obrigações legalmente estabelecidas para ele Neste sentido tanto as Sociedades Anônimas quanto as Sociedades Limitadas estão obrigadas a ter e manter devidamente escriturados os seus livros e documentos contábeis obrigatórios art 1179 do Código Civil O fato do dispositivo legal ora comentado não fazer referência expressa aos livros contábeis exigidos pelo Código Civil pela Lei das Sociedades Anônimas ou pela legislação especial não exonera o empresário deste ônus Deste modo devem acompanhar a petição inicial da recuperação todos os livros e documentos contábeis exigidos por lei do empresário ou sociedade empresária 154 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA requerente sob pena de inadmissibilidade do pedido de recuperação dada a irregularidade do requerente e consequente descumprimento do requisito previsto pelo citado art 48 I O Livro Diário é o único livro obrigatório exigido da generalidade dos empresários e sociedades empresárias art 1180 do Código Civil sendo por isso doutrinariamente denominado Livro Obrigatório Comum Além deste há também os que se conhece por Livros Obrigatórios Especiais Tratase de modalidades obrigatórias para determinados tipos de empresários conforme pratiquem ou não algum tipo de negócio jurídico ou se estruturem como Sociedades Anônimas São os melhores exemplos o Livro de Registro de Duplicatas art 19 da Lei n 547468 exigido do empresário ou sociedade empresária que emita tais documentos e os elencados pelo art 100 da Lei n 640476 obrigatórios para as Sociedades Anônimas Por fim existem também vários exemplos de Livros Contábeis obrigatórios não em função da legislação empresarial mas por força de dispositivo referente a outros ramos jurídicos sendo por esta característica conhecidos por Livros obrigatórios não empresariais São por exemplo os livros de interesse fiscal exigidos pela legislação tributária como o Livro de Entrada e Saída de Mercadorias os Livros de Registro de Apuração de ICMS de Registro de Apuração de IPI e o Livro de Registro de Inventário 155 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Há ainda nesta mesma categoria os livros contábeis obrigatórios por exigência da legislação trabalhista eou previdenciária como o Livro de Registro de Empregados Vale notar que as demonstrações contábeis referidas pelo artigo 51 da Lei n 1110105 já são requisitos indispensáveis à regularidade das sociedades empresárias Isso significa que independentemente da exigência constante deste artigo a Sociedade Anônima art 176 da Lei n 640476 ou a Sociedade Limitada art 1179 do Código Civil já precisariam dispor das demonstrações contábeis aqui referidas sob pena de configuraremse irregulares e terem impossibilitado o requerimento de recuperação95 A forma pela qual são preparados e mantidos os registros livros e demonstrações contábeis são conhecidos internacionalmente pelo termo General Accepted Accounting Principles GAAP expressão traduzível por princípios contábeis geralmente aceitos Tal padronização advém do Conselho de Padrões de Contabilidade Financeira Financial Accounting Standards Board FASB Exercício social por sua vez é o período de 12 doze meses na vida de uma sociedade empresária Lei n 640476 art 175 A cada doze meses a sociedade empresária completa um exercício social O início e o término do exercício social não necessariamente coincidem com o início e o término do ano civil Entretanto é mais comum e recomendável principalmente por razões de ordem tributária estipularse 95 As microempresas e empresas de pequeno porte que por lei têm sua 156 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA nos atos constitutivos da sociedade que seu exercício social coincidirá com o ano civil Necessário então abordar cada uma destas modalidades de demonstrações contábeis e de sua utilidade como forma de análise da viabilidade econômicofinanceira do empresário requerente da recuperação judicial O Balanço Patrimonial é uma apresentação em forma contábil da situação dos bens direitos e obrigações dos quais seja titular o empresário ou sociedade empresária É uma fotografia de seu patrimônio de modo a propiciar àquele venha a ter com ele contato a compreensão da relação entre o valor dos créditos bens móveis imóveis e incorpóreos do empresário por um lado o chamado ativo patrimonial e suas obrigações e débitos por outro o passivo patrimonial Assim se o ativo patrimonial composto em essência pelos bens e direitos do empresário for maior que o passivo patrimonial referente às suas obrigações podese constatar que o patrimônio do empresário está superavitário Ele possui bens e direitos suficientes para honrar todas as suas obrigações No caso contrário em que o passivo patrimonial é superior ao ativo temse que o patrimônio do empresário encontrase deficitário uma vez que seus débitos não podem no momento ser integralmente pagos mesmo que às custas de todos os seus bens e direitos escrituração contábil simplificada não serão aqui tratadas pois a forma pela qual implementam sua recuperação judicial encontrase disposta de forma específica e especial 157 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA O art 178 da Lei n 640476 deixa clara esta função do Balanço Patrimonial ao estipular que ele se presta a facilitar o conhecimento e a análise da situação financeira da companhia Também o art 1188 do Código Civil é taxativo ao estabelecer para o balanço patrimonial a função de exprimir com fidelidade e clareza a real situação da empresa A Lei n 1110105 exige também a Demonstração do Resultado do Exercício como modalidade de demonstração contábil a acompanhar a petição inicial da recuperação Denominada Balanço de Resultado Econômico ou Demonstração da Conta de Lucros e Perdas pelo art 1189 do Código Civil e pelo art 186 da Lei n640476 esta demonstração contábil se propõe a fornecer uma visão dinâmica da atividade empresarial analisada O objetivo da Demonstração do Resultado do Exercício é exprimir não a relação entre ativo e passivo patrimonial mas aquela existente entre lucros e despesas apurados no exercício social Com este documento se verifica qual foi o resultado econômico da empresa no último exercício social Quanto ela arrecadou e o quanto gastou Essa demonstração indica a eficiência global do empreendimento e permite que se analisem os resultados e o retorno resultante dos investimentos realizado É uma demonstração mais dinâmica do que o balanço patrimonial96 96 ARAÚJO Adriana Maria Procópio de ASSAF Alexandre Introdução à Contabilidade São Paulo Ed Atlas 2004 P 32 158 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA A demonstração do resultado referese à relação entre faturamento total despesas e lucros num determinado espaço de tempo Procura exprimir em um período temporal preestabelecido quais foram os ganhos totais do empresário seu faturamento quanto ele gastou com o exercício da empresa gastos e se ao término o primeiro superou o segundo houve lucro ou o contrário houve prejuízo e em quanto foi esta diferença A demonstração de resultados fornece um resumo financeiro dos resultados operacionais da empresa As mais comuns são as demonstrações que cobrem o período de um ano encerrado em uma data específica em geral em um ciclo financeiro de 12 meses ou ano fiscal concluído em uma data diferente de 31 de dezembro97 O Balanço Patrimonial é um importante subsídio quando se pretende analisar a viabilidade econômica de uma empresa Mas as informações que contém podem levar a equivocadas conclusões sobre a questão Um empresário pode por exemplo ter um balanço patrimonial superavitário mas estar em franca decadência de produtividade eou lucratividade Assim embora ele continue apresentando um ativo patrimonial maior que o seu passivo há que se concluir que a empresa por ele exercida tende ao insucesso Por outro lado um empresário pode estar em situação de patrimônio deficitário por razões outras que não 97 GITMAN Lawrence J MADURA Jeff Administração Financeira Uma abordagem gerencial São Paulo Pearson Addison Wesley 2003 P 186 159 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA o seu insucesso empresarial Muitas atividades empresariais hoje são especialmente no ramo de serviços exercidas sem grande concentração de bens móveis ou imóveis o que certamente se reflete no valor monetário de seus ativos Entretanto tais atividades podem ser extremamente lucrativas contribuindo para uma perspectiva favorável quanto à viabilidade do negócio eventualmente comprometido por obrigações que se não podem ser garantidas pelos bens e direitos do empresário têm grande potencial de no seu vencimento serem honradas pelos lucros futuros do empreendimento É por isso que as informações contábeis sobre a viabilidade econômica de um empresário não podem se esgotar na análise do Balanço Patrimonial Por fim o artigo 51 da Lei n 1110105 faz referência ao relatório gerencial de fluxo de Caixa cuja importância como subsídio para o cálculo do chamado valor da empresa é fundamental98 Tratase aqui da chamada Demonstração de Fluxo de Caixa que procura explicitar também em formato contábil qual a origem e o valor de todos os recursos financeiros que passaram a compor o patrimônio do empresário e também qual foi a destinação dada a todos os recursos financeiros que deixaram o patrimônio deste mesmo empresário Têmse deste modo uma visão de como e onde o empresário vem obtendo recursos financeiros receita e de 98 COPELAND Tom KOLLER Tim MURRIN Jack Avaliação de Empresas Valuation calculando e gerenciando o valor das empresas 3 ed São Paulo Pearson Makron Books P 76 e seg 160 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA onde vem empregandoos despesas Só assim se pode procurar otimizar as fontes de receita e minimizar as causas de despesas Podese também com a Demonstração de Fluxo de Caixa apurarse a diferença entre o que o empresário esperava faturar e gastar expressa pelo Balanço De Resultado Econômico e o que ele efetivamente faturou e gastou constante desta demonstração contábil A soma destas três demonstrações contábeis busca permitir saber se o empresário tem mais ou menos bens e direitos do que obrigações Balanço Patrimonial obteve lucro ou prejuízo no último exercício social Balanço de Resultado Econômico e ao longo dos anos anteriores de onde vem como ganha e para onde vão como gasta os recursos financeiros que possui Demonstração de Fluxo de Caixa III a relação nominal completa dos credores inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar com a indicação do endereço de cada um a natureza a classificação e o valor atualizado do crédito discriminando sua origem o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente IV a relação integral dos empregados em que constem as respectivas funções salários indenizações e outras parcelas a que têm direito com o correspondente mês de competência e a discriminação dos valores pendentes de pagamento 161 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA V certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores Os documentos exigidos pelo item V do art 51 da Lei n 1110105 têm por escopo comprovar a regularidade da sociedade empresária quanto à sua obrigação perante o Registro Público de Empresas Mercantis Além disso estes documentos permitem ao juízo conhecer os sócios da sociedade empresária bem como a responsabilidade de cada um deles pelos débitos da pessoa jurídica e sua participação no capital social Propicia também saber como está estruturada a administração da sociedade e quem é ou são as pessoas que no momento encontramse exercendo funções administrativas VI a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor Há algumas espécies de obrigações que uma vez assumidas por uma sociedade empresária são por lei garantidas pelo patrimônio de seus sócios ou administradores mesmo quando se tratar de sociedades com responsabilidade limitada para seus integrantes É por exemplo o caso das obrigações decorrentes de infração à lei tributária art 135 do Código Tributário Nacional e por danos cometidos nas relações de consumo art 28 do Código de Defesa do Consumidor Outro objetivo desta exigência é minimizar a possibilidade de que a recuperação de empresas seja 162 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA concedida a uma sociedade empresária cujos sócios ou administradores tenham agido fraudulentamente VII os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade inclusive em fundos de investimento ou em bolsas de valores emitidos pelas respectivas instituições financeiras Tratase de mais um documento exigido para que seja possível avaliar a real condição financeira da sociedade ou do empresário requerente da recuperação judicial É por outro lado um documento que acaba por atestar de certo modo a veracidade das informações contábeis prestadas VIII certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial IX a relação subscrita pelo devedor de todas as ações judiciais em que este figure como parte inclusive as de natureza trabalhista com a estimativa dos respectivos valores demandados São documentos que conferem a noção de quantos credores do empresário já se encontram sem o devido pagamento de suas obrigações e além disso já decidiram tomar medidas judiciais ou extrajudiciais para o recebimento de seus direitos 163 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA V Processamento do pedido de recuperação judicial Uma vez em ordem a petição inicial e os documentos que devem instruíla o juiz no ato que defere o processamento do pedido de recuperação vai também nomear o administrador judicial ordenar a suspensão de todas as ações e execuções contra o devedor art 6o da Lei 1110105 a intimação do Ministério Público e a comunicação às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento Neste mesmo ato o juiz determinará que o empresário devedor está dispensado da apresentação de certidões negativas para o exercício regular de suas atividades Esta dispensa perdurará até que o plano de recuperação judicial seja submetido às regras de aprovação art 57 Tal dispensa porém inexplicavelmente não se aplica para fins de contratação com o Poder Público inclusive por óbvio para participação em licitações ou para o recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios Esta exceção contraria frontalmente a própria ideia de recuperação de empresas Como salientado o procedimento de recuperação é feito com a colaboração de interesses intra e extraempresariais De estranhar que o Poder Público imponha aos particulares a negociação com o devedor sem a apresentação de certidões negativas mas concomitantemente recusese 164 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA a aceitar este mesmo devedor como possível contratante e lhe retire o direito a benefícios ou incentivos de ordem fiscal Cabe ao devedor a partir do momento em que o juiz recebe a petição inicial e determina o processamento de seu pedido de recuperação a obrigação de prestar contas mensalmente ao juízo por todo o tempo em que transcorrer a recuperação judicial Em caso de inobservância desta determinação os administradores da sociedade empresária devem ser destituídos Ainda dentro das providências judiciais tomadas quando do recebimento da petição inicial da recuperação e deferimento de seu processamento está a prevista pelo par 1o do art 52 Tratase da publicação em órgão oficial de imprensa de edital destinado em essência aos credores nominados pelo empresário requerente da recuperação advertindo lhes dos prazos para habilitação dos créditos art 7º 1º e para objeção ao plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor
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85 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Capítulo III Recuperação de empresas solução jurídica para a crise econômicofinanceira da empresa I Legislação falimentar e a administração da crise econômica da empresa Não é de agora que o Direito Falimentar sofre agudos questionamentos É consenso entre os estudiosos do assunto que não mais pode prosperar a feição eminentemente liquidatária da falência que se orienta precipuamente para a satisfação dos credores do empresário às custas da arrecadação e venda de seu patrimônio É ponto pacífico aceito e consagrado universalmente que o legislador deve inspirarse na elaboração das novas regras do Direito Concursal em normas de direito público e pôr de lado o caráter privatístico que sempre o dominou abandonando a idéia de que insolvente o devedor cumpre executar e liquidar o seu patrimônio para satisfazer os direitos e interesses dos credores57 As conclusões sobre a importante função social cumprida pelas empresas privadas acarretaram também a atenção para com suas eventuais crises econômicas e a necessidade de sua preservação quando ainda viável 57 LOBO Jorge Direito Concursal 2a edição Ed Forense Rio de Janeiro 2000 Pg 19 86 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Neste contexto tornase finalidade da legislação falimentar facilitar a recuperação dos empresários ou sociedades empresárias em dificuldades financeiras circunstanciais resguardando assim os postos de trabalho criados e os demais interesses que gravitam em torno do organismo econômico58 O Decreto Lei n 7661 de 1945 que por longo período regulou a falência e as concordatas no direito brasileiro obviamente não se mostrava dada a sua antiguidade adequado a estes novos paradigmas Por consequência diferentes propostas de reforma da legislação falimentar brasileira foram elaboradas e apresentadas Dentre estas destacouse o Projeto de Lei n 71 de 2003 PL n 4376 de 1993 na Câmara dos Deputados que aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente da República converteuse na Lei n 11101 de 09 de fevereiro de 2005 A alteração nas normas falimentares brasileiras veio em boa hora dada a já lembrada antiguidade e inadequação do DecretoLei n 766145 face à busca pela reabilitação da empresa em dificuldades Entre várias significativas modificações a então nova legislação concursal introduziu os institutos da recuperação judicial e extrajudicial de empresas elaborados sob a premissa da preservação da unidade econômica em dificuldades momentâneas 58 ABRÃO Nelson Curso de Direito Falimentar 4a edição Ed Revista dos Tribunais São Paulo 1993 Pg 25 87 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Em se tratando da falência o principal elemento orientador da Lei n 1110105 está na celeridade na condução da falência e no pagamento dos credores art 75 parágrafo único Assim tentase evitar que o procedimento falimentar se torne um amontoado de atos processuais infinitos no tempo e destinados a arrecadar um patrimônio cada vez mais dilacerado em seu valor e que antes de servir para saldar que seja uma parte dos débitos do falido mal se presta a custear as próprias despesas com a administração da massa falida É indispensável que se liquide rapidamente o patrimônio do falido de modo a otimizar suas forças no pagamento dos credores e aumentar a confiança no procedimento falimentar e no fornecimento de capital59 Quando por outro lado se pode e deve recuperar uma empresa a celeridade expressamente consagrada pelo citado art 75 ganha outra aplicação reduzir o tempo e o custo que os agentes econômicos envolvidos no procedimento recuperatório terão que gastar para ajustarem suas condutas A Lei n 1110105 visa retirar os possíveis obstáculos à livre transação entre os interessados para que se enxergarem na manutenção da atividade produtiva a 59 Não se trata de uma constatação original Pelo contrário constituise em reivindicação antiga Neste sentido vejase o que diz por exemplo Trajano de Miranda Valverde VALVERDE Trajano de Miranda Comentários à Lei de Falência Vol III Rio de Janeiro Edição Revista Forense 1948 pgs 277278 88 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA maximização de seus interesses privados possam fazêlo da forma mais eficiente Além deste há diversos pontos merecedores de atenção na reforma da regulação da falência e recuperação de empresas implementada pela Lei n 111012005 1 Incentivo a acordos extrajudiciais préfalimentares Os direitos protegidos pelo Direito de Empresa são eminentemente disponíveis dado o seu caráter patrimonial Deste modo há que se abrir às partes diretamente envolvidas com a empresa credores trabalhadores e empresário em dificuldades a possibilidade de fixarem formas alternativas à falência para a satisfação de seus interesses A previsão da modalidade extrajudicial de recuperação da empresa no texto da Lei n 1110105 art 161 a 167 é neste sentido elogiável É possível a partir de então que o empresário em apuros financeiros estabeleça com seus credores de forma direta e extrajudicial plano para reabilitação da empresa em crise60 A mudança revelase especialmente significativa quando se observa o art 2o III do agora revogado Dec Lei n 766145 Segundo esta norma reputavase falido o devedor que convocasse seus credores para extrajudicialmente lhes propor qualquer forma de remissão ou dilação no prazo para pagamento de seus direitos 60 Passados mais de dez anos de vigência da Lei n 1110105 temse entretanto que o instituto da recuperação extrajudicial não alcançou a esperada utilização o que muito decorre podese mesmo afirmar das limitações legais impostas aos seus efeitos sobre as dívidas do empresário 89 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Esta nova diretriz resguarda a sobrevivência da unidade produtiva e beneficia tanto o titular da empresa em dificuldades que poderá manterse afastado do instituto falimentar quanto os próprios credores que encontram assim maior viabilidade e celeridade no recebimento ainda que parcial de seus créditos 2 Incentivo ao uso de modos de reorganização societária como formas de absorção do organismo econômico em dificuldades fusão cisão incorporação alienação de controle ou mesmo desapropriação do capital social É satisfatória a acolhida pelo art 50 da Lei n 1110105 da cisão fusão incorporação transferência de controle e outros meios de reestruturação societária e empresarial como instrumentos jurídicos de recuperação da empresa O extenso e detalhado elenco de providências suscetíveis de serem empregadas na tentativa de retomada da empresa em crise não se esgota porém na estipulação de formas de reestruturação societária Ao contrário o exemplificativo rol do art 50 da Lei n 1110105 apresenta outras alternativas igualmente interessantes como alterações no quadro de sócios ou nos órgãos de administração da sociedade trespasse e a possibilidade de alienação de ativos esta última outrora tratada como ato falimentar art 2o do Dec Lei n 766145 3 previsão de organismos extrajudiciais especializados no acompanhamento da recuperação da empresa 90 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Uma das grandes dificuldades enfrentadas ao se cogitar sobre instrumentos de recuperação judicial de empresários em situação de apuros financeiros está na inviabilidade de se exigir que o juízo falimentar possa acompanhar ou mesmo substituir em determinados casos de maneira eficaz os administradores da sociedade Em face desta constatação é positiva a referência a pessoas ou organismos extrajudiciais de acompanhamento ou intervenção nas condições de administrador judicial ou gestor judicial respectivamente nos negócios dos empresários e sociedades empresárias em recuperação Tais profissionais preferencialmente ligados à Administração Economia Contabilidade e Direito art 21 da Lei n 1110105 se prestarão a fornecer sempre sob a supervisão do Poder Judiciário e dos próprios credores a mão de obra qualificada a acompanhar ou substituir os administradores ou titulares da empresa em recuperação 4 maior atenção aos interesses e à vontade dos credores do empresário em recuperação judicial O crédito é para todos os empresários elemento de fundamental importância para o bom exercício da empresa É certamente mais difícil que uma atividade empresarial se torne bemsucedida dispondo apenas do capital oriundo das contribuições efetuadas pelos sócios e abdicando da possibilidade de contar com recursos patrimoniais alheios dentre os quais se destacam as instituições financeiras Os direitos dos credores são invariavelmente comprometidos pela crise econômicofinanceira da 91 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA empresa Para os credores em geral a entrada da empresa em tribunal a suscitar o regime de recuperação representa logo à partida o conhecimento de que os respectivos créditos serão reformulados leiase sacrificados Mesmo que a empresa seja declarada falida acontecerá a mesma modificação de valores os créditos em circunstâncias normais serão rateados Perante esta factualidade mais ou menos prevista a luta do credor no processo de recuperação da empresa será a de perder o menos possível e de certa forma poder contrariar a reformulação em vista com esquemas de pagamento mais atraentes e menos radicais possíveis61 Justificase sob estes fundamentos a submissão do plano de recuperação da empresa à Assembleia Geral de Credores a quem cumpre a decisão sobre sua aprovação ou não art 35 a da Lei n 1110105 A recuperação de empresas não será imposta exclusivamente pelo Poder Judiciário como se dava com a antiga concordata do Dec Lei n 766145 Ao contrário apoiada em nítida feição contratual a recuperação judicial da empresa não se efetiva sem o consentimento dos credores do empresário que venha a requerêla Se o crédito é necessário ao empresário superavitário em suas atividades o que dizer então daquele que enfrenta dificuldades temporárias na gestão do empreendimento e busca reerguerse 61 DUARTE Henrique Vaz Questões sobre Recuperação e Falência 2a edição Coimbra Ed Almedina 2003 Pg 59 92 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Deste modo é essencial propiciar aos empresários em crise econômica a obtenção de novos financiamentos algo que se afigurava sob a égide do Decreto Lei n 766145 bastante complexo Considerese a situação do antigo concordatário a carga negativa que decorria deste status jurídico é evidente comprometendo de forma quase definitiva a possibilidade de obtenção de novas linhas de financiamento Adequado sob este prisma o disposto pelo art 67 da Lei n 111012005 que ampara e privilegia os fornecedores de crédito ao empresário em recuperação judicial Art 67 Os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperação judicial inclusive aqueles relativos a despesas com fornecedores de bens ou serviços e contratos de mútuo serão considerados extraconcursais em caso de decretação de falência respeitada no que couber a ordem estabelecida no art 83 desta Lei 5 necessidade de elaboração de plano de recuperação da empresa em dificuldade econômico financeira Para que se justifique a aplicação de formas de restauração da empresa é indispensável que a mesma se mostre viável tanto sob o ponto de vista econômico quanto gerencial Deste modo é louvável a fixação de mecanismos rígidos para a apuração da viabilidade tanto das estratégias para superar a crise quanto da própria empresa ambos requisitos a serem efetivados pela 93 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA apresentação de plano fundamentado de recuperação do empreendimento art 53 da Lei n 111012005 Um eficiente instrumento para análise da viabilidade econômica da empresa exercida é o principal subsídio que terão os credores e o Poder Judiciário na hora de avaliar a solução a ser dada à crise financeira pela qual passe o empresário II O instituto da recuperação judicial de empresas e sua caracterização à luz da legislação brasileira O instituto da recuperação de empresas tanto sob a forma judicial quanto extrajudicial representa a solução legalmente estipulada para tentar manter em funcionamento as empresas em dificuldades econômico financeiras temporárias e por meio desta medida assegurar os empregos existentes e os interesses de terceiros como credores consumidores e o próprio Fisco A Lei n 1110105 é expressa neste sentido quando estabelece em seu artigo 47 que A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômicofinanceira do devedor a fim de permitir a manutenção da fonte produtora do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores 94 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA promovendo assim a preservação da empresa sua função social e o estímulo à atividade econômica Tratase de uma série de atos praticados sob a supervisão judicial e destinados a reestruturar e manter em funcionamento a empresa em dificuldades econômico financeiras temporárias Não cabe ao Poder Judiciário a tarefa de reestruturar a atividade do empresário individual ou sociedade empresária em crise Cumprelhe somente acompanhar e reger a aplicação à sociedade empresária em crise econômicofinanceira de uma série de procedimentos legalmente previstos como formas de viabilizar a retomada econômica da unidade produtiva O instituto da falência incide para desativar o empresário incapaz de exercer devidamente a atividade empresarial Para o Direito todas as atividades empresariais são exercidas com o intuito de lucro ganho pecuniário que será alcançado por meio da prática organizada da atividade de produção ou distribuição de bens ou da prestação organizada de serviços Por outro lado a organização dos fatores de produção para o exercício de tal gênero de atividades não é como salientado garantia de que seu titular efetivamente alcançará o lucro que procura O risco de insucesso financeiro é inerente à empresa e nesta hipótese cabe ao empresário e apenas a ele responder patrimonialmente pelo fracasso Neste sentido é oportuno o alerta de Fábio Ulhôa Coelho em última análise como os principais agentes econômicos acabam repassando aos seus respectivos 95 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA preços as taxas de riscos associados à recuperação judicial ou extrajudicial do devedor o ônus da reorganização das empresas no Brasil recai na sociedade brasileira como um todo62 Se a pessoa física ou jurídica que se dedique profissionalmente à empresa obtém seguidos prejuízos financeiros em sua atividade não se justifica sua permanência no mercado uma vez que pode dentre outros efeitos comprometer com seu inadimplemento a gestão financeira de seus credores e fornecedores além de abalar a confiança depositada pelos provedores de crédito e demais recursos produtivos nos empresários Mesmo que seja vista como o lado oculto da economia que só interessará evidenciar para efeitos estatísticos ou mediáticos a empresa falida no meio econômico actual não representará elemento disfuncional caracterizandose mais por ser parte integrante do conjunto a qualificarse já como um input necessário ao sistema vigente nos termos da máxima de Lavoisier de que na natureza nada se cria nada se perde tudo se transforma63 A falência é portanto um caminho possível para todo aquele que exerce a atividade empresarial e em consequência a manutenção de empresas que se 62 COELHO Fábio Ulhôa Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas 12ª edição São Paulo Revista dos Tribunais 2017 Pg 127 63 DUARTE Henrique Vaz Questões sobre Recuperação e Falência 2a edição Coimbra Ed Almedina 2004 p 20 96 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA mostrem de fato economicamente inviáveis também é desaconselhada Este perigo é por exemplo apontado por críticos da legislação norteamericana que a consideram demasiado protetiva com empresas muitas vezes já esgotadas em seu potencial lucrativo Embora as leis de falência na maior parte existam para proteger os credores muitos críticos reclamam que as leis atuais não estão fazendo o que tinham intenção de fazer Antes de 1978 a maioria das falências terminava rapidamente na liquidação Então o Congresso reformulou as leis dando às empresas mais oportunidade para ficarem vivas sob as premissas de que isto era melhor para os administradores empregados credores e acionistas Antes da reforma 90 dos pedidos do Capítulo 11 referente à reorganização da empresa em crise eram liquidados mas agora essa porcentagem é menos que 80 e o tempo médio entre o pedido e a liquidação quase tem dobrado Na verdade as grandes empresas de capital aberto com habilidade para contratar ajuda legal de alto preço podem evitar ao menos atrasar a liquidação com frequência às custas dos credores e acionistas64 O exercício da empresa implica em dificuldades e obstáculos de diferentes ordens A luta constante pela conquista de novos mercados e pela manutenção da clientela contra os assédios da concorrência o gerenciamento da mão de obra dos empregados e prestadores de 64 BRIGHAM Eugene F GAPENSKI Louis C EHRHARDT Michael C Administração Financeira Teoria e Prática São Paulo Ed Atlas 2001 Pg 930 97 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA serviços em geral as corriqueiras divergências entre os sócios da sociedade empresária as exigências burocráticas a carga tributária e o inadimplemento dos devedores são apenas algumas das questões enfrentadas quotidianamente por empresários sócios e administradores Juntamente com estes problemas a sociedade empresária e o empresário convivem também com um que aparece via de regra dentre os mais áridos o pagamento das obrigações pecuniárias assumidas A empresa tomada em seu aspecto dinâmico é um conjunto de negócios jurídicos praticados em massa e que colocam o empresário por consequência ora como credor ora como devedor em inúmeras situações O antigo Decreto Lei n 766145 preocupavase eminentemente com as dificuldades que o empresário viesse a ter para honrar suas obrigações pecuniárias Ao disciplinar juridicamente a crise econômica da empresa aquela legislação não cuidou de outras adversidades inerentes ao exercício deste gênero de atividades Assim só se encontrava insolvente para fins falimentares o empresário que não pagasse devidamente seus credores O empresário que estivesse por exemplo diante de percalços para expandir a sua atividade administrar o conflito entre seus sócios ou atender às novas exigências do consumidor não se inseria na hipótese aqui tratada Podese afirmar entretanto que esta outra ordem de embaraços enfrentada pelo empresário vai acabar resultando em queda no seu faturamento e via de consequência 98 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA problemas no pagamento de suas dívidas O não cumprimento das obrigações pecuniárias assumidas foi por assim dizer o sintoma que o legislador tomou como referência para diagnosticar que um determinado empresário se encontrava em dificuldades econômicas A deficiência de que é acometido o empresário que cessa seus pagamentos pode ser de diferentes origens ligadas repetese à divergência entre seus sócios incapacidade gerencial mão de obra desqualificada falta de competitividade dos produtos ou serviços oferecidos retração do mercado consumidor pelo aparecimento de novos produtos excessiva carga tributária grande número de exigências burocráticas pacotes econômicos ou mesmo o intuito fraudulento Um empresário pode deixar de pagar os seus débitos tanto porque deliberadamente pretende fraudar seus credores como pela circunstância de passar por adversidades gerenciais ligadas por exemplo à sucessão no comando da sociedade Em ambos os casos o sintoma é o mesmo cessação de pagamento mas a causa deste indício é diferente O instituto da recuperação de empresas deve incidir apenas sobre aqueles empresários cuja causa da cessação de pagamentos seja por assim dizer sanável No regime da Lei n 1110105 é necessário perquirir em cada caso sobre a causa da cessação de pagamentos pelo empresáriodevedor Se tal fator se afigura perene encaminhase para o fechamento da unidade produtiva e liquidação de seus bens retirando 99 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA do mercado a empresa contaminada e preservando na medida do possível os legítimos interesses dos credores Se por outro lado a circunstância geradora da cessação de pagamento puder ser interrompida restaurandose o superávit econômico do empresário deve incidir o instituto em análise O papel do Poder Judiciário e dos credores na recuperação de empresas vai além de constatar o indício da crise empresarial falta de pagamento das obrigações pecuniárias É indispensável apurar qual a causa deste sinal e a partir daí decretar o encerramento da empresa ou sua tentativa de recuperação III Insolvência e recuperação de empresas sob uma perspectiva econômica A empresa é sob a perspectiva dinâmica um conjunto de relações jurídicas contratuais que se estabelecem com o propósito de agrupar os fatores produtivos e orientálos à produção ou distribuição de bens ou para a prestação de serviços com o intuito de gerar lucro para seu titular o empresário A partir da premissa de que os atores econômicos racionalmente buscam as opções de conduta que maximizem seus interesses é possível concluir que o empresário somente se dedicará à empresa se os custos que ela acarreta sejam de produção oportunidade ou de 100 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA transação forem menores que seus ganhos compreendidos aqui exclusivamente pelo sentido monetário da palavra Sob a perspectiva do empresário a empresa somente justifica sua existência se estiver apta a gerar o lucro por ele legitimamente buscado e esperado Em seu importantíssimo trabalho intitulado The nature of the firm A natureza da Empresa em tradução livre Ronald Coase salienta que a existência da empresa só se fundamenta se as transações relações jurídicas contratuais que a constituem e a fazem funcionar se realizam a um preço menor do que se forem efetuadas de maneira descentralizada O empresário só se sente economicamente incentivado ao exercício da empresa se esta representar a forma mais eficiente de praticar a atividade de finalidade lucrativa por ele pretendida Em meu artigo The nature of the firm eu argui que apesar de que a produção possa ser levada adiante de maneira completamente descentralizada por intermédio de contratos entre indivíduos o fato de haver um custo para concluir estas transações significa que empresas surgirão para organizar o que de outra forma seriam transações de mercado sempre que seus custos forem menores que levar adiante tais transações através do mercado65 Tomese um exemplo simples um fabricante de móveis pode se dedicar a esta atividade por intermédio da organização dos fatores de produção em seu nome e por 65 In my article on The nature of the firm I argued that although production could be 101 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA sua conta e risco Vai exercer sua atividade de finalidade lucrativa por meio da empresa Agrupa o capital e o trabalho próprios e alheios na organização de seu estabelecimento e assume nesta hipótese a condição de empresário Entretanto se este profissional perceber que terá ao final do mês maiores ganhos se optar por oferecer seus serviços ao mercado em casa e de forma isolada e economicamente descentralizada ele não terá mais incentivo para se dedicar à atividade empresarial Assim o empresário titular da empresa somente encontra incentivo para exercêla se ela ainda estiver em condições de proporcionar entre as diferentes formas pelas quais pode praticar sua atividade profissional a melhor relação entre os ganhos e os custos de produção oportunidade e de transação A existência da empresa é explicada a partir da compreensão do mecanismo de preços a organização empresarial dos fatores de produção é mais barata e mais lucrativa para o empresário titular da empresa do que qualquer outra forma de produção ou distribuição de bens ou serviços disponível O limite para o tamanho de uma empresa é atingido aonde os seus custos de organizar uma carried out in a completely decentralize way by means of contracts between individuals the fact that it costs something to enter into these transactions means that firms will emerge to organize what would otherwise be market transactions whenever their costs were less than the costs of carrying out the transactions through the market COASE Ronald The Firm The Market and the Law Chicago and London The University of Chicago Press 1990 Pg 7 Tradução livre 102 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA transação se tornam iguais aos custos de levar esta transação adiante através do mercado66 O instituto da recuperação judicial ou extrajudicial da unidade empresarial pressupõe que o empresário ainda considere que o exercício da empresa esteja apto a conferir lhe maiores ganhos do que qualquer outro modo ou tipo de atividade com finalidade lucrativa que possa vir a exercer É inócuo pensar que a legislação embora eivada da concepção publicista em torno da função social da empresa conseguirá assegurar a manutenção da unidade produtiva se o seu titular não perceber nela a melhor opção de otimização de seus ganhos O instituto da recuperação da empresa está essencialmente atrelado aos incentivos econômicos que o empresário racionalmente encontra para pretender manterse nesta condição Não há como tornar efetiva a recuperação da empresa sem levar em conta o interesse privado do empresário Por outro lado de nada adianta o titular da empresa considerála o mais eficiente instrumento de maximização de seus ganhos se diante de sua eventual crise econômico financeira o mesmo raciocínio não for feito pelos demais grupos de interesses envolvidos com a organização econômica Em uma situação de crise econômicofinanceira o empresário não mais conseguirá manter em funcionamento 66 The limit to the size of the firm is set where it costs of organizing a transaction become equal to the cost of carrying it out through the market COASE Ronald The Firm The Market and The Law ob cit p 7 103 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA a atividade empresarial se não contar com o esforço conjunto dos demais envolvidos Estes grupos de interesses organizados por sua vez somente se sentirão compelidos à recuperação da empresa se também vislumbrarem na manutenção dela a escolha mais eficiente para si próprios Assim como se constata que para o empresário o incentivo ao exercício da empresa encontrase no fato de que as transações realizadas por seu intermédio são menos custosas e mais lucrativas que se feitas de outro modo é preciso determinar o que justifica a existência da empresa para todos os demais grupos de interesses a ela ligados Neste ponto cumpre então apontar quem são estes grupos de interesses organizados em torno e a partir da empresa e quais são os incentivos econômicos que motivam seu relacionamento com o empresário e que podem levá los a orientar sua conduta no sentido da manutenção do organismo empresarial em crise econômicofinanceira A empresa é sob uma perspectiva estática a organização dos fatores de produção e sob o ponto de vista dinâmico as relações jurídicas que se estabelecem para agrupar e orientar tais fatores Por consequência os sujeitos de Direito que viabilizam a empresa com os diferentes insumos ou fatores produtivos indispensáveis à sua existência e funcionamento constituem núcleos com interesses comuns organizados a partir e em torno da empresa Os empregados e demais prestadores de mãode obra fornecedores do fator trabalho representam um 104 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA núcleo de indivíduos organizados e com interesses comuns em torno da empresa pois o incentivo que encontram para a ela se vincularem está no salário que recebem pela força de trabalho que fornecem A empresa fundamenta sua existência para eles enquanto continuar sendo a fonte da qual extraem o seu salário Constatação similar se obtém quando são analisados os provedores do fator capital como as instituições financeiras que têm no recebimento dos juros e demais tipos de encargos cobrados pelos valores emprestados o incentivo não apenas para se relacionarem jurídica e economicamente com o empresário mas também para pretender a manutenção da empresa Para os provedores de capital cujos ganhos estão na remuneração pelo dinheiro cedido a empresa justifica sua presença enquanto puder lhes recompensar por meio de juros e demais encargos pelo uso do capital tomado O mesmo ocorre com os fornecedores de tecnologia e matériasprimas que só o fazem em função dos preços que cobram do empresário para abastecerlhe com os insumos que produzem ou distribuem A empresa é sob sua perspectiva destes fornecedores um consumidor das matériasprimas e tecnologia que oferecem É este o incentivo econômico que os conduz a transacionar juridicamente com o empresário ou sociedade empresária A preservação da empresa organização dos fatores produtivos para a produção ou distribuição de bens ou de 105 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA serviços está necessariamente vinculada quando diante de uma crise econômicofinanceira aos incentivos que os fornecedores de cada um destes diversos fatores produtivos encontram na hora de fazerem suas escolhas A empresa só existe se puder contar com o capital trabalho matériasprimas e tecnologia E só haverá o suprimento destes insumos se os seus provedores se encontrarem economicamente incentivados a fazêlo O limite da recuperação judicial ou extrajudicial de uma empresa está no ponto em que para cada um dos grupos de interesses a ela vinculados incluído aí os próprios titulares a busca por sua manutenção seja economicamente mais onerosa que o seu fechamento e liquidação pelo processo falimentar Não se pode ou deve esperar que os citados grupos de interesses envolvidos no processo recuperatório abdiquem dos proveitos privados advindos da liquidação da empresa em crise se estes forem mais eficientes aos seus objetivos para simplesmente atender a um interesse público na manutenção do empreendimento empresarial A restauração da empresa que passa por uma crise econômicofinanceira somente será eficiente e portanto viável se todos estes grupos de interesses organizados vislumbrarem na manutenção da unidade produtiva o modo mais eficiente de maximizarem seus interesses O credor somente orientará sua conduta no sentido da recuperação da unidade empresarial se perceber que esta é se comparada ao fechamento do empreendimento 106 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA e recebimento de seus direitos em um concurso com os demais credores do falido a escolha mais eficiente Credores são menos interessados em salvar empresas se houver ativos para satisfazer suas reivindicações Se existirem ativos credores vão se empenhar em apoderarse deles e provavelmente irão apresentar uma liquidação em pedaços Quando uma empresa está experimentando apenas um distúrbio financeiro entretanto o pagamento total dos créditos resultantes do estado de insolvência serão maximizados se a empresa continuar Salvar uma empresa todavia vai muitas vezes requerer aos credores que coordenem seus esforços de cobrança e os custos de coordenação são às vezes altos 67 A recuperação de uma empresa notase demanda o esforço conjunto de todos que a ela estejam vinculados Além disso acarreta os custos inerentes à transação É preciso desta forma coordenar tais necessidades e custos com a maximização de ganhos obviamente considerada pelos envolvidos no procedimento recuperatório 67 Creditors are less interesed in saving firms than in whether assets exist to satisfy their claims If assets exist creditors will attempt to seize them and this likely will yield a piecemeal liquidation When a firm is experiencing only financial distress however the creditors total insolvency state payoff would be maximized were the firm continues Saving a firm though will often require creditors to coordinate their collection efforts and coordination costs sometimes are high SCHWARTZ Alan A Normative Theory of Business Bankruptcy Yale Law School Center for Law Economics and Public Policy Research Paper n 305 Pg 3 Tradução livre 107 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA IV O comportamento estratégico dos grupos de interesses em uma recuperação de empresas São vários os trabalhos de estudiosos especialmente norteamericanos que se dedicam à análise da crise econômicofinanceira de uma empresa valendose principalmente de considerações embasadas na eficiência econômica das diversas soluções e alternativas legalmente elencadas68 Para isso é metodologicamente adequado adotar um modelo que permita simplificar a realidade analisada e ao mesmo tempo propor hipóteses que possam explicar sua estrutura e efeitos A empresa se constitui a partir da mútua transação contratual entre o empresário e os fornecedores dos diferentes fatores de produção necessários à sua existência Os provedores de cada um dos fatores produtivos por sua vez podem ser teoricamente agrupados em núcleos a partir da série de interesses comuns que têm na existência e manutenção da empresa Esta interação entre estes diferentes núcleos de interesses promovida pelo empresário para a produção ou distribuição de bens ou de serviços se torna ainda mais evidente quando a empresa passa por uma crise 68 BAIRD Douglas G The Elements of Bankruptcy 3th ed Chicago Foundation Press 2003 BEBCHUK L A GUZMAN A T An Economic Analysis of Transnational Bankruptcies Journal of Law and Economics Vol XLII Chicago October 1999 SCHWARTZ Alan A Normative Theory of Business Bankruptcy ob cit 108 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA econômicofinanceira e ainda que temporariamente vê se incapacitada de remunerar integralmente todos os seus fornecedores de insumos Impossibilitado de pagar a todos os provedores dos fatores de produção o empresário deve se pretende manter a empresa reestruturar as relações jurídicas que constituiu Por outro lado em situações de crise econômica da empresa os diferentes núcleos de interesses agregados em torno dela sabem que a remuneração que legitimamente esperam e que os incentiva a interagir com a organização empresarial depende não somente da sua relação com o empresário mas também das transações e decisões levadas adiante entre este empresário e os demais núcleos de interesses organizados A empresa é um feixe de relações contratuais em que cada contratante encontra na prestação do outro o incentivo para manter o vínculo jurídico Quando está economicamente abalada a empresa exige dos grupos de interesses comuns agregados pelo empresário maior atenção e racionalidade na otimização de seus próprios ganhos afetados que estão pela temporária crise do devedor Ciente da quantidade de situações nas quais o atendimento dos legítimos interesses particulares de determinados agentes econômicos está atrelado não somente às suas próprias ações mas igualmente aos atos de outrem a Economia dedica boa parte de seus estudos ao tema 109 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Trata do assunto sob termos como análises de conflito teoria das decisões interativas ou análise de comportamentos estratégicos Porém a expressão Teoria dos Jogos é indubitavelmente a mais utilizada para denominar estes estudos O campo de aplicação da Teoria dos Jogos é atualmente vastíssimo69 mas sua utilização pelo Direito ainda é incipiente e em muito se torna particularmente difícil ao jurista dada a invariável utilização de conhecimentos matemáticos avançados Isto entretanto não impede valiosas contribuições desta aplicação O Direito frequentemente confronta situações nas quais há alguns tomadores de decisão e na qual a ação otimizadora a ser tomada por uma pessoa depende do que outro ator escolhe Estas situações são como jogos em que as pessoas devem decidir sob uma estratégia Uma estratégia é um plano de ação que responde às reações dos outros A Teoria dos Jogos lida com qualquer situação na qual estratégia é importante A Teoria dos Jogos vai consequentemente realçar nosso entendimento de algumas importantes normas e instituições70 69 Sobre o tema vejase por exemplo o seguinte trabalho SHUBIK Martin Game Theory some observations Yale School of Management Working Paper Series B n 132 July 2000 70 The law frequently confronts situations in which there are few decisionmakers and in which the optimal action for one person to take depends on what another actor chooses These situations are like games in that people must decide upon a strategy A strategy is a plan for acting that responds to the reaction of others Game theory deals with any situation in which strategy is important Game theory will consequently enhance our understanding of some legal rules and institutions COOTER Robert ULEN Thomas Law Economics ob cit Pg 38 Tradução livre 110 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Para que se possa compreender à luz da Teoria dos Jogos como se portam e também como devem atuar os agentes econômicos vinculados a uma empresa em crise econômicofinanceira é necessário estabelecer os elementos do modelo econômico qual é o jogo quem são os jogadores qual é o ganho esperado por eles quais são as opções de estratégias disponíveis para cada um e por fim quais os efeitos que as diferentes estratégias de ação podem promover para o alcance de seus próprios ganhos e dos demais envolvidos Em se tratando do objeto deste estudo temse que a crise econômicofinanceira da empresa é uma situação social envolvendo dois ou mais agentes jogo e que obrigatoriamente coloca todos os grupos de interesses a ela vinculados jogadores diante da necessidade de decidir entre apoiar ou não o plano de recuperação estratégias Aderir ao plano de recuperação é uma estratégia que será adotada pelos abarcados pela empresa em função dos proveitos que cada um deles vislumbrar nesta estratégia Os esperados ganhos de cada um destes envolvidos são por sua vez exatamente os incentivos que os levaram a transacionar com a empresa ou seja os provedores dos diferentes fatores de produção apoiarão o plano de recuperação da empresa se esta for a estratégia que lhes proporcione a mais eficiente remuneração pelos insumos que oferecem Deste modo a viabilização da recuperação da empresa está atrelada a que os fornecedores de cada um 111 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA dos fatores produtivos e também o empresário tenham na estratégia de apoiar o plano de recuperação a mais eficiente escolha como meio de atingir os seus próprios objetivos sejam eles o lucro o retorno do capital emprestado a manutenção dos posto de trabalho ou o pagamento das matériasprimas fornecidas71 Cada jogador por sua vez somente pode tomar a decisão estratégica mais eficiente a partir da quantidade de informações que obtenha sobre o jogo em que está envolvido as possíveis escolhas suas e dos demais participantes e os ganhos potenciais de cada estratégia É por isso que a recuperação de uma empresa se apoia também sobre a transparência e maior veracidade possível das informações sobre a situação patrimonial e financeira do devedor É somente conhecendo a realidade econômica do empresário que os credores e demais envolvidos na recuperação terão subsídios para decidir racionalmente Importante lembrar entretanto que a recuperação de uma empresa não é um jogo de soma zero ou seja não é uma conjuntura em que as perdas de um participante são necessariamente os ganhos do outro72 Ao contrário o plano de recuperação precisa demonstrar que todos os jogadores podem maximizar seus ganhos se colaborarem uns com os 71 We not only act rationally and do the best we can given our preferences but we also believe that others act rationally as well and do the best they can given their preferences BAIRD Douglas G GERTNER Robert H PICKER Randal C Game Theory and Law Chicago Harvard University Press 2003 Pg 12 Tradução livre 72 Se um participante recebe mais o outro recebe menos Jogos como esses são chamados jogos de soma zero STIGLITZ Joseph E WALSH Carl E Introdução à Economia ob cit Pg 326 112 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA outros Tratase de uma modalidade de cooperative game jogo cooperativo O conceito de cooperação é importante na teoria dos jogos mas é um tanto quanto sutil O termo cooperar significa agir em conjunto com um propósito comum Nós devemos supor que para uma coalizão de dois ou mais indivíduos agir em conjunto com um propósito comum os indivíduos terão que deixar de lado suas funções de utilidade separadas e criar algo completamente novo uma função de utilidade coletiva para determinar seu comportamento coletivo73 É necessário convencer os provedores de capital de que embora e a princípio a melhor solução para o recebimento de seus créditos possa ser o fechamento do empreendimento a aposta na sua recuperação vai levar lhes à apuração de um valor maior no futuro caso todos os demais grupos de interesses envolvidos com a empresa jogadores também colaborem Da mesma forma com os fornecedores de matérias primas ou tecnologia Eles devem estar cientes de que abrir mão de algum valor ou direito que tenham contra o empresário em crise pode ser a escolha mais eficiente se houver a perspectiva de que com a recuperação da empresa 73 The concept of cooperation is important in game theory but is somewhat subtle The term cooperate means act together with a common purpose We might suppose that for a coalition of two or more individuals to act together with a common purpose the individuals would have to set aside their separate utility functions and create something completely new a collective utility function for determining their collective behavior MYERSON Roger B Game Theory Analysis of Conflict Cambridge Massachussets Harvard University Press 1997 Pg 370 Tradução livre 113 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA possam manter o parceiro empresarial e transações contratuais futuras Os sócios da sociedade empresária por sua vez precisam se assegurar de que lhes é economicamente mais eficiente abdicar por um tempo do lucro que os incentiva em prol da remuneração aos outros fatores de produção da sobrevivência da empresa e principalmente do potencial lucrativo que ela ainda apresenta Já aos provedores do fator trabalho o plano de recuperação deve evidenciar que a escolha que melhor atende ao seu objetivo de manter os empregos e os salários pode ser declinar de alguns direitos e verbas trabalhistas mesmo que isto ocorra para atender outros fatores de produção Por outro lado analisar a recuperação da empresa como um tipo de jogo cooperativo apresenta uma relevante particularidade já aqui evidenciada Isto porque tratase de um jogo no qual se envolvem mais de dois participantes que por sua vez tendem a se organizar em grupos em função dos interesses comuns Os estudiosos denominam tais jogos cooperativos de coalitional games jogos de coalizão Um jogo de coalizão é um modelo de interação entre tomadores de decisão que se foca no comportamento de grupos de jogadores Nós chamamos cada grupo de jogadores de coalizão e a coalizão de todos os jogadores de grande coalizão74 74 A coalitional game is a model of interacting decisionmakers that focuses on the behavior of group of players We call each group of players a coalition and the coalition of all the players the grand coalition OSBORNE Martin J An Introduction to 114 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA No procedimento recuperatório cada um dos fornecedores de um determinado insumo tem interesses que são comuns aos demais provedores daquele fator produtivo Desta forma a estratégia para a maximização dos ganhos de cada agente econômico do grupo é a mesma dos demais integrantes Assim cada conjunto composto pelos fornecedores de cada um dos fatores de produção é uma coalizão a interferir sobre a decisão de se apoiar ou não a recuperação da empresa A legislação brasileira reforça ainda mais este caráter de alianças ou coalizões entre cada conjunto de provedores da empresa ao atrelar a aprovação do plano à sua aceitação pela maioria e não por todos os componentes das diferentes classes de credores Assim o plano prevalece se é eficiente aos anseios dos grupos de credores e mesmo que contrarie os interesses de alguns deles O que importa são as estratégias e interesses da coalizão e não de cada um dos seus membros Da soma das decisões de cada uma das coalizões resulta a grande coalizão que esperase revele a opção por aprovar o plano de recuperação da empresa Qual ação nós devemos esperar que a grande coalizão escolha Nós procuramos uma ação compatível com as pressões impostas pelas oportunidades de cada coalizão em vez de simplesmente por aquelas dos jogadores individuais Nós Game Theory New York Oxford Oxford University Press 2004 Pg 239 Tradução livre 115 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA definimos que uma ação da grande coalizão seja estável se nenhuma coalizão possa romper e escolher uma conduta que todos os seus membros preferem 75 Negligenciar qualquer um dos grupos de interesses citados ou submetêlos ao império de algum dos outros implica na não colaboração do núcleo prejudicado com o plano e o comprometimento dos esforços para a restauração da empresa Por outro lado se os diferentes núcleos de agentes econômicos reunidos em torno da empresa em crise jogadores não tiverem razões racionais para acreditar que o esforço conjunto e a concessão a curto prazo pode propiciarlhes no futuro uma solução melhor para seus ganhos particulares eles vão e devem decidir pelo fechamento da unidade produtiva esta sim provandose ineficiente na produção o distribuição de bens e serviços 75 Which action may we expect the grand coalition to choose We seek an action compatible with the pressures imposed by the opportunities of each coalition rather than simply those of individual players We define an action of the grand coalition to be stable if no coalition can break away and choose an action that all its members prefer OSBORNE Martin J An Introduction to Game Theory ob cit Pg 243 Tradução livre 116 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA O filme Uma mente brilhante é a cinebiografia do economista americano John Forbes Nash cuja contribuição para a aplicação da Teoria dos Jogos às relações econômicas é reconhecida como fundamental O filme narra de forma bastante didática algumas hipóteses de aplicação da teoria inclusive em seus modelos cooperativos A Beautiful Mind Direção Ron Howard Produção Dreamworks EUA 2002 Se há uma consideração basilar em matéria de jogos é a de que os jogadores irão procurar dentre as possíveis condutas a que melhor atenda a seus objetivos Tratase da denominada estratégia estritamente dominante Um jogador vai escolher a estratégia estritamente dominante sempre que possível e não escolherá qualquer estratégia que seja estritamente dominada por outra Este é o mais obrigatório preceito de toda a teoria dos jogos76 76 A player will choose a strictly dominant strategy whenever possible and will not choose any strategy that is strictly dominate by another This is the most compelling precept in all game theory BAIRD Douglas G GERTNER Robert H PICKER Randal C Game Theory and Law ob cit p 12 Tradução livre 117 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Mesmo em se tratando de um jogo cooperativo somente é possível efetivarse a recuperação de uma empresa apesar de toda a preocupação com sua função social quando esta for a melhor escolha de maximização dos ganhos de todos aqueles diretamente envolvidos no procedimento É o que salienta Roger B Myerson citando as conclusões de John Nash sobre o tema Ele Nash arguiu que ações cooperativas são o resultado de algum processo de barganha entre jogadores cooperativos e nesse processo de barganha devese esperar que cada jogador se comporte de acordo com alguma estratégia de barganha que satisfaça o mesmo critério de maximização das utilidades pessoais que em qualquer outra situação de jogo77 Porém a legislação falimentar inegável variável econômica potencialmente modificadora do modelo elaborado tem o poder de incentivar com suas normas que os diferentes grupos de interesses em torno do organismo empresarial tomem as condutas que a um só tempo maximizarão os ganhos de todos e de cada um deles A legislação deve enfim criar incentivos aos jogadores para que eles tenham na colaboração mútua e no apoio ao plano a estratégia estritamente dominante 77 He Nash argued that cooperative actions are the result of some process of bargaining among the cooperating players and in this barganining process each player should be expected to behave according to some bargaining strategy that satisfies the same personal utilitymaximization criterion as in any other game situation MYERSON Roger B Game Theory Analysis of Conflict ob cit Pg 370 Tradução livre 118 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA V Limites à eficiência da recuperação judicial de empresas A descrença que pairava sobre o Dec Lei n 766145 e mais especificamente sobre as modalidades de concordata ali disciplinadas chegou a tal ponto que Rubens Requião afirmou o fato é que a reação coletiva em face da concordata a identifica vulgarmente como um instrumento de burla e de desonestidade a serviço de empresários inescrupulosos e sagazes78 Assim a edição da Lei n 1110105 se efetuou sob um clima de expectativa entre os empresários e seus credores curiosidade por parte de advogados juízes e promotores ligados à área e porque não dizer entusiasmo por parte do governo e congressistas que confiam e afirmam a possibilidade do novo texto legal restabelecer a credibilidade há muito perdida pelos institutos da falência e concordatas Uma observação um pouco mais cuidadosa que seja faz concluir porém que não se deve esperar que a legislação seja por si só capaz de modificar significativamente a administração judicial da crise econômicofinanceira de empresários Há fortes razões para esta afirmação 78 REQUIÃO Rubens Curso de Direito Falimentar Vol II 13a edição São Paulo Ed Saraiva 1992 Pg 5 119 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA A primeira delas diz respeito à experiência estrangeira com institutos similares à nossa recuperação de empresas que disciplinada na forma judicial ou extrajudicial é a pedra fundamental da Lei n 1110105 Mesmo a legislação norteamericana fonte inspiradora dos regimes falimentares de países economicamente fortes como Reino Unido França Alemanha e Japão não escapa a agudas críticas dos estudiosos79 Também na Itália80 cuja legislação é tida como outra importante referência no tema Espanha81 e Portugal82 é generalizada a frustração dos juristas em torno do assunto o que demonstra a impossibilidade de se modificar tal realidade social por mera alteração nas normas que a disciplinam e sem a adoção conjunta de medidas de caráter mais profundo e estrutural Como destacado o instituto da recuperação de empresas visa propiciar a superação de crise econômico financeira que temporária e circunstancialmente atinja determinado empresário 79 HART Oliver Different approaches to bankruptcy Harvard Institute of Economic Research September 2000 Pgs 78 Disponível em htttpwwwssrncombr Acesso em 21 jul 2017 Tradução livre 80 SATTA Salvatore Diritto Fallimentare Padova Cedam 1990 pg 191 e segs FERRARA Francesco Il Fallimento 3a ed Milano Giuffrè 1959 n XXI 81CURBELO Jorge López Concepto y naturaleza del convenio em la suspension de pagos Barcelona Ed Bosch 2000 Pg 73 82 DUARTE Henrique Vaz Questões sobre Recuperação e Falência ob Cit Pg 1415 120 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Assim situações que levam a maior comprometimento da empresa não poderão ser satisfatoriamente enfrentadas apenas pelo instituto em análise Nestas hipóteses apenas outras medidas muito mais agudas serão realmente efetivas É o que salienta Oliver Hart É importante reconhecer que a reforma da falência não deve ser vista isoladamente é preciso combinar isto com alterações legais e outras reformas ex o treinamento de juízes o desenvolvimento da governança corporativa e o fortalecimento dos direitos dos investidores e possivelmente até mesmo mudanças no sistema financeiro internacional83 O poder da legislação recuperatória da empresa deve ser ainda mais relativizado se voltada a atenção para o Brasil A seguir são apresentados três perfis de empresários cujas empresas apresentamse de tal forma comprometidas que podese afirmar não serão alcançadas pelo regime jurídico recuperatório Cuidese inicialmente daqueles casos em que a crise econômicofinanceira da empresa é resultado da conduta deliberadamente fraudulenta de seus titulares sócios controladores ou administradores O meio empresarial assim como qualquer outro ramo de atividades é composto por bons e maus profissionais 83 It is important to recognize that bankruptcy reform should not be seen in isolation it may be necessary to combine it with legal and others reforms eg the training of judges improvements in corporate governance and the strengthening of investors rights and possibly even changes in the international financial system HART Oliver Different approaches to bankruptcy ob Cit Pg 12Tradução livre 121 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Portanto nele convivem indivíduos que procuram exercer suas atividades dentro dos padrões da ética e da legalidade e aqueles que se dedicam à empresa de forma abusiva causando dolosamente prejuízos financeiros a terceiros com quem venham a negociar e via de consequência à credibilidade da generalidade dos empresários A respeito das insolvências provocadas por condutas fraudulentas vale questionar Justificase recuperar um empreendimento vitimado pela máfe de seus titulares A resposta negativa parece sem dúvidas a mais adequada tanto sob a perspectiva da eficiência econômica quanto da justiça Cabe ao legislador estipular e principalmente cumpre ao Judiciário sancionar rigorosamente as condutas fraudulentas através de institutos como a desconsideração da personalidade jurídica a responsabilização civil de administradores e controladores de sociedades a responsabilização pessoal de sócios face à irregularidade das sociedades e assim por diante Um rigoroso sistema punitivo da fraude e da má fé no meio empresarial é quem mais pode contribuir para afastar pessoas desonestas Por outro lado é forçoso reconhecer que em uma economia cada vez mais competitiva e avançada tecnologicamente o desempenho do empresário principalmente de pequeno porte depende e muito da qualificação técnica e competência pessoal de seus sócios e gestores84 84 Quem dirige deve sempre administrar conduzir e melhorar o que já existe e se 122 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Constatase que no Brasil a grande maioria dos integrantes de micro e pequenos empreendimentos não dispõem nem da devida preparação profissional nem de anterior experiência85 É inócuo o instituto da recuperação judicial ou extrajudicial de empresas constituídas eou geridas por pessoas sem a devida capacitação pessoal e profissional A inviabilidade econômica daquelas empresas decorre não de uma crise circunstancial e sanável mas sim de fatores estruturais e endêmicos ligados que são à falta de qualificação profissional eou gerencial do empresário São circunstâncias que certamente não têm como característica a temporariedade que justifica e fundamenta a recuperação prevista na nova lei É preciso compreender que às pessoas sem formação técnica ou profissional para serem empresários devem ser dadas outras e mais adequadas oportunidades de trabalho Sujeitar pessoas como este perfil às diuturnas dificuldades do exercício da empresa por conta própria sem proporcionarlhes a devida preparação é fingir que se conhece Ele precisa ser também empreendedor Deve transferir recursos das áreas que apresentem resultados baixos ou decrescentes para áreas que apresentem resultados elevados ou crescentes Deve descartarse do passado e tornar obsoleto aquilo que já exista e se conheça Deve criar o amanhã DRUCKER Peter Introdução à Administração 3a edição São Paulo Ed ThompsonPioneira 1998 Pg 39 85 Em pesquisa feita à época da entrada em vigor da Lei n 1110105 pela revista Pequenas Empresas Grandes Negócios Ed Globo Rio de Janeiro Maio de 2005 pg 1214 viase que no Brasil apenas 14 dos empreendedores frequentaram a universidade o que colocava o Brasil muito distante de países como Estados Unidos e Austrália onde tal porcentagem era superior a 58 Também alarmante que segundo tal publicação 30 dos empresários nacionais não tinham sequer concluído o ensino fundamental 123 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA está dando opções a uma massa de trabalhadores que não foram devidamente absorvidos pelo mercado de trabalho Há ainda outro grupo de empresários para o qual é preciso chamar a atenção ao se abordar o instituto da recuperação de empresas É representado por empresários de pequeno e médio porte que embora tecnicamente bem capacitados para o exercício de sua empresa e norteados pela boafé na prática de seus negócios são levados à situação de crise econômica por fatores que escapam à sua ingerência como por exemplo uma excessiva carga tributária ou de encargos trabalhistas altas taxas de juros cobradas por instituições financeiras fornecedoras de capital e as possíveis flutuações na situação econômica do país ou na política econômica estatal De que adianta o instituto da recuperação de empresas nesta hipótese É eficiente investir tempo e dinheiro na ajuda ao empresário qualificado e de boa fé a reerguerse de uma crise sem darlhe em contrapartida condições de tornar permanente seu sucesso empresarial Também aqui se percebe que em muito pouco contribui o instituto da recuperação da empresa o que certamente está refletido no pequeno índice de seu sucesso no direito estrangeiro 124 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Capítulo IV Do Requerimento e Processamento da Recuperação Judicial de Empresas I Requisitos especiais exigidos do empresário Todo empresário ou sociedade empresária encontra se conforme estipulado pelo art 1º da Lei n 1110105 sujeito à falência ainda que esteja exercendo irregularmente suas atividades Já para a obtenção da recuperação judicial o devedor precisa comprovar além de sua condição de empresário o preenchimento dos requisitos fixados pelo art 48 da Lei n 1110105 De Rembrandt a Michael Jackson gênios das artes que conheceram a insolvência A situação econômica de insolvência é inerente a qualquer pessoa física ou jurídica independentemente de suas atividades profissionais Qualquer sujeito de Direito pode apresentar uma situação de patrimônio deficitário 125 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Celebridades do meio esportivo ou artístico têm suas vidas pessoais naturalmente mais expostas e acabam se tornando notórios os casos de insolvência de pessoas ligadas a essas atividades São por exemplo os casos do excampeão mundial de boxe Mike Tyson do falecido cantor Michael Jackson do ator Nicholas Cage ou mesmo do famoso pintor holandês Rembrandt Importante lembrar entretanto que nenhuma destas pessoas estaria no direito brasileiro sujeito à falência ou à recuperação judicial Não porque se tratam todas de pessoas físicas mas porque como já foi aqui demonstrado os institutos da falência e da recuperação de empresa somente são aplicáveis a pessoas que se enquadrem como empresários na forma do art 966 caput do Código Civil I exercício regular da atividade há mais de 2 dois anos A realidade econômica brasileira mostra que os empresários individuais e as sociedades empresárias nem sempre operam com o devido cumprimento de todas as exigências legais atinentes à sua regular constituição e funcionamento 126 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Não é difícil constatar que a existência de organismos societários com deficiências de tal ordem acarreta via de regra sérias dificuldades àqueles que eventualmente necessitem de demandálos judicialmente ocasionando evidente desprestígio tanto ao instituto da pessoa jurídica e à prestação jurisdicional quanto aos demais empresários que acabam encontrando maiores obstáculos para a conclusão de negócios com terceiros receosos quanto ao futuro adimplemento das obrigações firmadas O ordenamento jurídico brasileiro prevê uma série de requisitos a serem respeitados por aqueles que pretendam unir seus recursos e esforços para a constituição de uma sociedade personificada Para a constituição ou nascimento da pessoa jurídica é necessária a conjunção de três requisitos a vontade humana criadora a observância das condições legais de sua formação e a liceidade de seus propósitos86 A Lei 1110105 destaca para fins de admissão ou não do empresário à recuperação judicial uma condição legal de formação comum a toda e qualquer sociedade personificada Tratase da necessidade de registro e constante atualização dos seus atos constitutivos A cargo das Juntas Comerciais no caso das sociedades empresárias ou dos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Jurídicas o registro do contrato ou dos estatutos sociais é providência essencial para a constituição válida 86 PEREIRA Caio Mário da Silva Instituições de Direito Civil vol I 3ª edição Rio de Janeiro Ed Forense 1992 P 200 127 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA das sociedades sendo também o ato responsável pela personificação destes sujeitos de direito art 985 do Código Civil Somente adquire personalidade jurídica autônoma em relação à de seus sócios a sociedade cujos atos constitutivos estejam devidamente arquivados na Junta Comercial ou como prefere o Código Civil de 2002 Órgão Público de Registro de Empresas Mercantis e atividades afins Ressaltese porém que a obrigação das sociedades empresárias em relação ao Registro Público de Empresas Mercantis não se esgota por aí Devem também ser levados a arquivamento na Junta Comercial qualquer ato que altere dissolva ou extinga a sociedade empresária art 32 II da Lei n 8934 de 15 de dezembro de 1994 Somese ainda a esta obrigação a referente à manutenção e devido preenchimento dos livros contábeis obrigatórios e demonstrações financeiras art 1179 do Código Civil e se terá a definição de empresário regular Empresário ou sociedade empresária regular é aquele que cumpre todos os requisitos e exigências legais fixados para a validade de sua constituição funcionamento ou extinção requisitos estes referentes aos documentos que deve manter arquivados no órgão público de registro de empresas mercantis e aos livros e demonstrações contábeis cuja elaboração e manutenção lhe é obrigatória A recuperação de empresas como a antiga concordata exige que o empresário que a tenha requerido 128 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA esteja cumprindo rigorosamente todas as exigências legais atinentes à sua constituição e funcionamento pois inadmissível que a legislação permita o instituto da recuperação àquele agente econômico que de alguma forma encontrase inadimplente com suas obrigações no Registro Público de Empresas Mercantis ou em relação à sua escrituração contábil Ainda exige o art 48 que o empresário requerente da recuperação judicial tenha pelo menos 2 dois anos de exercício regular de sua atividade Um empresário ou sociedade empresária que em menos de dois anos de atividade já se revele necessitado de recuperação judicial não é no entender do legislador um empresário viável economicamente A precoce necessidade de recuperação denota aos olhos da lei que o empresário se apresenta economicamente inviável por problemas de ordem estrutural inatacáveis por meio do procedimento judicial ora comentado II Não ser falido ou caso o tenha sido que suas responsabilidades decorrentes de tal situação estejam declaradas por sentença transitada em julgado extintas III Não ter obtido para si a concessão de recuperação judicial nos últimos 5 cinco anos contados da data em que venha a requerer tal benefício IV Não ter se submetido ao plano de recuperação judicial especificamente estipulado para microempresas e empresas de pequeno porte nos últimos 5 cinco anos 129 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA contados da data em que formule o requerimento de recuperação judicial V Se a requerente é sociedade empresária que os seus administradores e sócios controladores não tenham sofrido anterior condenação por qualquer dos crimes previstos pelo texto da Lei n 1110105 art 168 a 178 A mesma exigência se aplica por óbvio à pessoa do empresário individual ou a quem tenha instituído Empresa Individual de Responsabilidade Limitada Estas quatro exigências do artigo 48 se referem não à regularidade jurídica do empresário ou sociedade empresária já aludida no caput mas a sinais exteriores de sua viabilidade econômica itens II a IV ou da credibilidade pessoal de seus administradores e controladores item V O empresário ou a sociedade empresária não pode abusar do benefício da recuperação judicial Este instituto é uma tentativa de remediar e amainar a crise econômica da empresa mas exatamente por esta função deve ser empregado com cautela Se o empresário precisa recorrer em intervalos de tempo muito pequenos à recuperação judicial significa que sua crise financeira não é temporária ou circunstancial Demonstra ao contrário tratarse de organização econômica inviável à qual deve ser destinado o encerramento de suas operações e não o esforço de credores empregados Poder Judiciário e demais envolvidos no procedimento de recuperação 130 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA O mesmo raciocínio se aplica até com mais fundamento ao falido A falência é resultado da inviabilidade econômica da empresa e o empresário somente pode recorrer à recuperação judicial após solucionadas todas as suas responsabilidades pessoais e patrimoniais decorrentes de anterior falência Vale ainda concluir que a Lei n 1110105 não abarca modalidade de recuperação suspensiva da falência em moldes análogos ao que se tinha com base no agora revogado Dec Lei n 766145 em relação à concordata VI Diz o art 198 da Lei n 1110105 que não poderá requerer a recuperação judicial ou extrajudicial aquele empresário ou sociedade empresária que por disposição constante de legislação específica em vigor fosse proibido de requerer concordata A antiga concordata assim como a recuperação judicial ou extrajudicial de empresas era destinada a empresários em grave crise financeira Era uma nítida consequência deste estado de dificuldade econômica Há entretanto determinados tipos de atividades que por sua natureza não podem ser satisfatoriamente exercidas por empresários que demonstrem qualquer tipo de fragilidade em sua situação financeira patrimonial ou econômica É o caso por exemplo das instituições financeiras corretoras de títulos de valores e de câmbio e demais sociedades sujeitas ao regime de intervenção e liquidação 131 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA extrajudicial pelo Banco Central do Brasil atualmente regido pela Lei n 6024 de 13 de março de 1974 Também se enquadram nesta proibição as companhias seguradoras por força do art 69 do Regulamento do DecretoLei n 73 de 21 de novembro de 1966 editado com o Decreto n 64459 de 13 de maio de 1967 Embora não haja disposição legal expressa neste sentido a doutrina salientava também a impossibilidade de sociedade em conta de participação requerer concordata Sendo essas sociedades destituídas de personalidade jurídica não poderão impetrar o favor legal Se um dos pressupostos do direito de pedir a concordata é o de a sociedade ter seus atos constitutivos registrados no Registro de Comércio a sua inexistência como no caso dessas sociedades em conta de participação impede a concessão do benefício87 Já que impedidas de requerer concordata as sociedades em conta de participação não poderão pleitear recuperação judicial ou extrajudicial Se como salienta Rubens Requião o motivo pelo qual a sociedade em conta de participação não podia obter a concordata era a falta de personalidade jurídica devese igualmente afirmar que também as Sociedades em Comum disciplinadas pelos art 986 a 990 do Código Civil de 2002 estão dada a expressa falta de personalidade jurídica 87 REQUIÃO Rubens Curso de Direito Falimentar Vol II 15a ed São Paulo Ed Saraiva 1993 P 18 132 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA alheias à possibilidade de pleitearem a recuperação judicial ou extrajudicial de suas atividades Chama a atenção o caso das companhias aéreas A Lei n 7565 de 19 de dezembro de 1986 o Código Brasileiro de Aeronáutica veda a concordata às sociedades que tenham por objeto a exploração de serviços aéreos de qualquer natureza ou de infraestrutura aeronáutica Já o art 199 da Lei n 1110105 estabelece uma exceção da exceção ao dispor que as companhias aéreas ou de infraestrutura aeronáutica embora proibidas de requerer concordata têm garantido o direito a requererem a recuperação judicial ou extrajudicial Ainda no que se refere à recuperação das companhias aéreas é vedada pelo par 1º do art 199 a suspensão no curso do procedimento recuperatório o exercício dos direitos derivados dos contratos de locação ou arrendamento de aeronaves ou suas partes II Competência do juízo Diz o texto do art 3o da Lei n 1110105 Art 3º É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil 133 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Esta norma praticamente repete o caput do art 7o do antigo Dec Lei n 766145 que tratava da competência jurisdicional para conhecer de pedidos de falência contra os comerciantes88 Muito já se discutiu sobre o significado do termo principal estabelecimento utilizado tanto pelo art 7o do Dec Lei n 766145 quanto pelo art 3o da Lei n 111010589 Legalmente o termo estabelecimento é definido como todo complexo de bens organizado para exercício da empresa por empresário ou por sociedade empresária art 1142 do Código Civil Este termo pode entretanto ser tomado em sentido estrito identificandose neste caso com cada uma das unidades produtivas constituídas e utilizadas por um mesmo empresário ou sociedade empresária90 A partir daí temse que o termo principal estabelecimento poderia ser entendido como aquele indicado nos estatutos ou contrato social como o local em que estivesse sediada a sociedade empresária A unidade produtiva eleita pelo contrato ou estatutos sociais como 88 Art 7o caput do Dec Lei n 766145 É competente para declarar a falência o juiz em cuja jurisdição o devedor tem o seu principal estabelecimento ou casa filial de outra situada fora do Brasil 89 A respeito das diferentes interpretações apresentadas na vigência do Dec Lei n 766145 para o termo em questão vale remeter ao vasto estudo de Waldemar Ferreira FERREIRA Waldemar Tratado de Direito Comercial Vol 14 São Paulo Edição Saraiva 1965 P182 e seg 90 PIMENTA Eduardo Goulart O Estabelecimento In RODRIGUES Frederico Viana org Direito de Empresa no Novo Código Civil Rio de Janeiro Forense 2004 P 101 134 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA sede da sociedade empresária seria então segundo este critério considerada seu principal estabelecimento Este não foi entretanto o caminho adotado pela doutrina e pela jurisprudência Com razão considerouse que para a otimização do procedimento concursal o juízo falimentar deveria ser aquele cuja jurisdição fosse no local onde o empresário falido concentrasse o maior número de operações mercantis e por consequência de credores empregados contratos e bens Deste modo a doutrina e a jurisprudência brasileira pacificaram a noção econômica de principal estabelecimento bem explicada pela decisão abaixo transcrita COMPETÊNCIA FALÊNCIA Local a ser considerado aquele em que a empresa centraliza de fato suas atividades prevalecendo sobre o que consta do estatuto inteligência do art 7o caput da Lei de Falência O principal estabelecimento não é aquele a que os estatutos da sociedade conferem o título de principal mas o que de forma concretamente o corpo vivo o centro vital das principais atividades comerciais do devedor a sede ou núcleo dos negócios em sua palpitante vivência material BRASIL Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo RT 731281 Portanto a homologação da recuperação extrajudicial a concessão de recuperação judicial ou a decretação da falência é de competência exclusiva do juízo em que o empresáriodevedor tenha o centro de suas 135 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA atividades empresariais correspondente ao maior número de operações negociais credores empregados e bens III A unidade e universalidade do juízo da falência ou recuperação da empresa A ideia do concurso de credores advém da impossibilidade patrimonial do devedor para arcar com todas as obrigações por ele assumidas Já que o devedor não consegue pagar integralmente a todos os seus credores tornase necessário agrupar e hierarquizar aqueles conforme a natureza do crédito de cada um estabelecendo o que na falência se conhece pelo termo massa falida subjetiva O concurso de credores também pressupõe por outro lado a arrecadação de todo o patrimônio do devedor com o objetivo de rateálo entre seus credores já então organizados segundo o critério acima Entretanto para que se possa viabilizar tais objetivos é indispensável que a congregação de credores e o patrimônio do devedor fiquem sob ingerência de uma única autoridade judicial O concurso de credores pressupõe necessariamente que todos eles possam e devam se sujeitar paralelamente à arrecadação do patrimônio do devedor a uma única autoridade judicial que terá sob sua supervisão e poder decisório toda a massa de interesses ligados ao insolvente 136 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA A unidade do juízo falimentar é corolário deste princípio concursal Unidade vem de único de exclusivo Há apenas um juiz competente para a falência ou recuperação de uma empresa com exceção das ações que disposição expressa de lei manda correrem em juízo privativo ou especial todas as demais ações contra a massa falida devem ser propostas perante o juiz da falência ainda que existam outros juízes com igual jurisdição e idêntica competência para conhecer e julgar os processos de falência De três ou quatro juízes com as mesmas atribuições um só firmou a competência para processar e julgar determinada falência tornandose pois o juízo indivisível impartível infracionável Nele se instala a sede legal da administração da falência Perante ele por conseguintemente devem ser formuladas as ações contra a massa A competência dos demais juízes na mesma jurisdição é absorvida pelo primeiro que julgou o pedido91 Portanto o princípio da unidade do juízo é fundamental e indissociável em qualquer situação de concurso de credores sendo a falência e recuperação de empresas sem dúvida os seus exemplos mais evidentes Também a universalidade é atributo essencialmente ligado a qualquer modalidade de concurso de credores Se o juízo é único no sentido de que não repartirá sua competência como outros de iguais atribuições legais a 91 VALVERDE Trajano de Miranda Comentários à Lei de Falências Vol I Rio de Janeiro Revista Forense 1948 P 8788 137 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA partir da distribuição do pedido deve por outro lado ter habilitação e autorização legal para apreciar todo e qualquer tipo de questionamentos que se tenham contra o devedor insolvente Todos os interessados devem acorrer ao juízo falimentar abandonando os caminhos naturais para exigirem seus direitos e indo participar do concurso judicial Sendo a falência procedimento concursal são óbvias a unidade e universalidade do juízo Unidade no sentido de que nele devem ser decididas todas as questões que interessem à massa falida Universalidade significa que todos os credores ficam sujeitos à vis attractiva do juízo falimentar a ele devendo acorrer92 O juízo falimentar é universal porque tem competência para analisar e julgar quaisquer tipos de demandas ou interesses envolvendo o devedor insolvente A unidade significa que entre diferentes juízes com igual competência jurisdicional apenas um terá a atribuição de gerir a falência ou a recuperação da empresa Assim é válido afirmar que a unidade do juízo falimentar tem por referência os órgãos judiciais entre si A unidade e indivisibilidade é um atributo do juízo falimentar ou recuperatório que se manifesta deste juízo em relação ao outros órgãos judiciais com iguais atribuições de competência encontrando expressa admissão no texto do art 7o 8º da Lei n 1110105 que dispõe A distribuição do pedido de falência ou de recuperação judicial previne a 92 ABRÃO Nelson Curso de Direito Falimentar ob cit P 69 138 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA jurisdição para qualquer outro pedido de recuperação judicial ou de falência relativo ao mesmo devedor Já a universalidade significa que todos os credores ou interessados no patrimônio do devedor insolvente têm que independentemente da natureza do direito discutido acorrer ao juízo falimentarrecuperatório abdicando das vias jurisdicionais antes previstas para o exercício de seus direitos A universalidade do juízo é atributo que se refere e manifesta em relação aos credores do empresário devedor Ambos porém são corolários naturais do instituto do concurso de credores em qualquer de suas modalidades São igualmente presentes e exigidos nas hipóteses de falência e recuperação judicial ou extrajudicial de empresas Há entretanto importantes exceções aos princípios da unidade e da universalidade do juízo falimentar A primeira delas encontrase no art 7o referente aos créditos e ações de natureza trabalhista Dada a existência da Justiça do Trabalho criada exatamente face às peculiaridades na aplicação da legislação referente a questões empregatícias opta a Lei n1110105 por retirar tais discussões judiciais do âmbito do juízo da falência ou recuperação de empresas A seguinte afirmação de Fábio Ulhôa Coelho resume o tratamento que as ações e créditos trabalhistas recebiam da jurisprudência com base no Dec Lei n 766145 O crédito trabalhista segundo o entendimento tradicional da doutrina e da jurisprudência deve ser apurado na Justiça do Trabalho em função de sua competência constitucional Constituição Federal art 114 mas uma vez transitada em 139 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA julgado a sentença condenatória o empregado deve habilitar o seu crédito no processo de falência tendo em vista o caráter universal do juízo falimentar nesse sentido RTJ 1221164 Recentemente contudo observamse na Justiça do Trabalho sinais de alteração desse entendimento processandose nela tanto a reclamação quanto a execução trabalhista93 A atual legislação falimentar e recuperatória disciplina a questão em seu artigo 6o e estabelece que as ações de natureza trabalhista movidas contra o empresário falido ou em recuperação judicial deverão tramitar normalmente na Justiça do Trabalho até que se tenha por apurado o respectivo crédito par 2o Quantificado o montante devido ao empregado cumprelhe requerer sua inscrição no quadrogeral de credores do processo concursal ou recuperatório e não mais o caminho da execução no próprio juízo trabalhista Retirase dos credores de natureza trabalhista assim a possibilidade de receberem seus créditos sem participarem do concurso Em casos de recuperação judicial da empresa a exigência de inscrição no quadrogeral de credores somente prevalece pelo prazo de 180 cento e oitenta dias em que estão suspensas a generalidade das demandas e execuções judiciais contra o empresário devedor art6o Após este prazo o empregado torna a poder executar seus direitos trabalhistas na própria justiça especializada 93 COELHO Fábio Ulhôa Código Comercial e Legislação Complementar Anotados à Luz do Novo Código Civil 5a edição São Paulo Editora Saraiva 2002 Pg 291 140 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA caso outra solução não tenha sido prevista pelo plano de recuperação apresentado pelo devedor e aprovado segundo as formalidades legais Outra importante exceção aos princípios da unidade e universalidade do juízo falimentar e recuperatório diz respeito às ações em que a empresa falida ou em recuperação judicial seja autora Não deve o réu em processo movido pelo empresário ou sociedade empresária em recuperação ou falida sujeitarse a um ônus processual advindo de mudança na condição do autor e desta forma ver transferida para o juízo falimentar a discussão judicial que tramitava em seu domicílio principalmente se considerado que o juízo concursal está naturalmente já assoberbado com outros interesses do devedor falido ou em recuperação Também as execuções fiscais propostas contra o empresário requerente da recuperação escapam à universalidade do juízo recuperatório uma vez que não são atingidas pela suspensão prevista no art 6o da Lei n 1110105 e por isso continuam tramitando normalmente em seu juízo original 141 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA IV O requerimento da recuperação judicial Se preencher todos os requisitos do art 48 da Lei n 1110105 o empresário poderá postular no juízo competente art 3o a sua recuperação judicial Esta faculdade se aplica mesmo que contra ele já haja um pedido de falência desde que nesta hipótese postule a recuperação no prazo para contestar tal pedido art 95 Em se tratando de sociedade empresária este pedido é realizado pelos administradores da sociedade e será precedido de aprovação pelos sócios reunidos em assembleia geral ou reunião Nas Sociedades Limitadas o art 1071 VIII do Código Civil condiciona o pedido de concordata a prévia deliberação pela assembleia ou reunião de sócios A Lei n 1110105 não mais disciplina o instituto da concordata tendoo substituído pela recuperação de empresa Não há porém razão para negar vigência à citada norma do Código Civil dada a similitude de objetivos não de métodos entre a concordata e a recuperação judicial Concluase também por outro lado que assim como a concordata a recuperação judicial ou extrajudicial da empresa acarreta sérias modificações no interior da sociedade empresária e em suas relações com terceiros Lógico portanto que a requisição pelos administradores deste favor legal seja precedida da aprovação pela assembleia ou reunião de sócios 142 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Deste modo os administradores de uma Sociedade Limitada poderão requerer a sua recuperação judicial desde que autorizados por votos correspondentes à maioria absoluta das quotas sociais reunidas em assembleia ou reunião regularmente convocada e instalada art 1071 cc art 1076 do Código Civil A questão não é diferente nas Sociedades Anônimas O art 122 n IX da Lei n 6 40476 estipula como matéria de competência privativa da assembleia geral de acionistas a aprovação ou não de requerimento de falência ou de concordata em nome da sociedade Vale lembrar também que tanto na Sociedade Anônima art 122 par único da Lei n 6 40476 quanto na Sociedade Limitada art 1 071 par 4o está prevista a possibilidade de em caso de urgência os administradores requererem a concordata leiase recuperação judicial sem a anterior aprovação pelos sócios Esta aprovação poderá ser neste caso obtida após o ajuizamento do pedido Desta forma quando a crise financeira pela qual esteja passando a sociedade seja de tal monta que os procedimentos necessários à obtenção da autorização dos sócios possam inviabilizar o sucesso da recuperação os próprios administradores da sociedade estão aptos a decidir e requerer o benefício No caso do empresário individual caberá a ele o direito de requerer a recuperação de sua empresa ou em caso de seu falecimento ao cônjuge sobrevivente herdeiros inventariante ou sócio remanescente art 48 par único 143 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Passando à análise da petição inicial da recuperação judicial resta lembrar antes que uma vez deferido o processamento do benefício o devedor somente poderá desistir do pedido se a assembleiageral de credores concordar art 52 par 4 Além da observância aos requisitos gerais exigidos pela legislação processual civil para a regularidade de uma petição inicial a peça deverá ser instruída com a série de documentos estipulados pelo art 51 da Lei n 11 10105 São documentos que visam apresentar ao Poder Judiciário a situação econômica e financeira do empresário devedor o valor dos débitos e a quantidade de seus credores além do número de empregados vinculados ao empreendimento Subsídios que permitirão ao juiz e aos credores avaliar a viabilidade ou não de aplicarse no caso a recuperação judicial Assim devem acompanhar a petição inicial da recuperação judicial I Exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico financeira No capítulo III foi dito quando tratada a caracterização da recuperação judicial ou extrajudicial da empresa que a sua incidência não mais se apoia sobre os meros sinais exteriores de insolvência patrimonial com os quais lidava a antiga legislação não pagamento de dívida líquida certa e exigívelatos falimentares mas demanda um exame profundo tanto da situação econômicofinanceira do 144 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA devedor quanto das causas que o conduziram à situação de crise Assim o empresário devedor ao pleitear sua recuperação em juízo deve elencar na petição inicial os motivos pelos quais considera encontrarse àquela altura em situação de apuros econômicofinanceiros Há diferentes fatores que podem levar o empresário à necessidade de obtenção da recuperação judicial ou extrajudicial94 1 Fatores de origem interior ou endógena estão ligados à estrutura interna da sociedade empresária eou aos fatores de produção por ela empregados Por estrutura interna da sociedade entendase a composição do seu quadro de sócios e de sua organização administrativa Os sócios são os principais provedores do fator de produção capital e os administradores que muitas vezes são os próprios sócios são responsáveis pelo fator de produção organização Fatores de origem interna são deste modo circunstâncias que comprometem a composição ou o relacionamento entre os sócios o bom desempenho das atribuições administrativas da sociedade ou a otimização da produção e distribuição de bens ou serviços O comprometimento econômicofinanceiro da sociedade decorre do mal funcionamento de sua própria organização 94 LOBO Jorge Direito Concursal 2a ed Rio de Janeiro Forense 1998 145 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA São exemplos de fatores de origem interior que levam ao comprometimento econômicofinanceiro de uma empresa divergências entre os sócios falecimento do sócio controladormajoritário crise na sucessão do controle empresarial por falta de interesse ou capacidade técnica dos herdeiros dos sócios controladores falta de capacidade técnica dos administradores da sociedade capital insuficiente para o bom exercício da empresa violação de legislação ambiental trabalhista ou tributária acarretando multas e outras sanções pecuniárias despreparo da mão de obra da sociedade matériaprima sem qualidade tecnologia obsoleta 2 Fatores de origem exterior ou exógena Não é difícil perceber que em várias hipóteses a sociedade e a empresa por ela exercida são levadas à situação de crise econômicofinanceira por circunstâncias que escapam ao poder dos sócios administradores empregados e demais envolvidos com a atividade empresarial São fatores ligados à situação econômica eou social geral do local onde exercem sua atividade ou têm negócios a realizar a atos do Poder Público ou de outras entidades com as quais se relacionam sem porém terem qualquer influência ou controle sobre elas 146 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA É mesmo possível citar exemplos de situações ligadas à própria conjuntura econômica internacional que não raro podem ter devastador efeito sobre as finanças de empresas São algumas hipóteses de fatores exógenos capazes de impactar na estrutura financeira e patrimonial do empresário ou sociedade empresária diminuição geral no poder aquisitivo dos consumidores aumento na concorrência pelo crescimento do número de empresas no setor aumento excessivo na tributação aumento dos encargos de natureza trabalhista ou previdenciária aumento das taxas de juros cobradas pelo mercado planos econômicos que comprometem o faturamento por meio de confiscos ou tabelamentos variações cambiais abruptas e inesperadas dificuldades no recebimento de créditos pela morosidade dos processos judiciais índices de crescimento geral da economia do país aumento nos índices de inflação política monetária e fiscal praticada pelo Poder Público pouca oferta de financiamentos Embora seja possível classificar as circunstâncias causadoras da crise econômicofinanceira da empresa devese levar em conta que a princípio não tem ela qualquer 147 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA influência sobre a viabilidade ou não do requerimento da recuperação judicial Assim para concessão ou não do benefício da recuperação a legislação não distingue se as causas da crise estão ligadas a fatores internos ou externos bem como se decorrem ou não de culpa por parte dos sócios administradores ou qualquer outro agente econômico vinculado à atividade A reportagem abaixo ilustra bem como diferentes fatores podem afetar um empreendimento que se mostrava bem sucedido Como a falência da Blockbuster tornou a Netflix a maior empresa de mídia do mundo Por Isabella Carvalho Há cerca de vinte anos acessar um acervo físico e escolher um filme em uma locadora fazia parte da rotina dos apaixonados por cinema Naquela época um icônico nome dominava as ruas do mundo todo Blockbuster A empresa nasceu em 1985 em Dallas Seu fundador David Cook abriu a primeira unidade com um estoque de 8 mil fitas VHS para oferecer aos clientes um serviço de aluguel de filmes e games 148 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA A empresa foi criada em um cenário promissor onde os reprodutores de videocassetes se tornavam cada vez mais comuns nas casas das famílias americanas Além disso Cook usou a tecnologia a seu favor O empreendedor equipou sua loja com um sistema de computadores que usavam um scanner de código de barras para ler os principais dados de cada fita alugada calculando os valores Em dois anos de atuação no mercado a Blockbuster já era uma rede com 19 lojas em operação A partir daí Cook investiu ainda mais na experiência dos clientes transformando as unidades da Blockbuster em big stores ou seja grandes lojas com atendimento exclusivo variedade de títulos e venda de produtos complementares aos filmes O negócio deslanchou e em pouco tempo se tornou uma marca relevante nos Estados Unidos Foi então que em 1987 Cook vendeu a empresa para o milionário Wayne Huizenga Sob a liderança de Huizenga a Blockbuster começou um plano de expansão internacional colocando em prática uma estratégia de aquisições Ao longo dos anos a companhia comprou redes de lojas como Erols Sound Warehouse Music Plus e Super Club Retail Entertainment Em 1988 se tornou a principal cadeia de vídeos da América com cerca de 400 lojas No início dos anos 90 a Blockbuster abriu sua milésima unidade Já em 1994 foi adquirida pela gigante da mídia Viacom por US 84 bilhões atingindo a marca de 4500 lojas abertas Alguns anos depois em 1999 a companhia foi eleita a 13ª marca mais conhecida dos Estados Unidos em uma lista de duas mil empresas Em paralelo ao grande sucesso da Blockbuster nascia a Netflix A empresa foi criada em 1997 por Marc Randolph Reed Hastings e Mitch Lowe como um serviço de entregas de DVDs pelo correio Na época os empreendedores entenderam que as fitas 149 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA VHS eram frágeis demais para serem despachadas aos clientes oferecendo uma opção menor mais leve e totalmente inovadora para a época A proposta era simples no início os usuários alugavam em um site os títulos por preços separados Alguns meses depois a empresa lançou um sistema de assinaturas Por um valor mensal de US 2199 os consumidores tinham acesso a diversos filmes sem cobrança de multas ou data fixa para entrega Os títulos eram entregues diretamente no endereço escolhido Para colocar em prática esse novo modelo de assinaturas a Netflix refez a engenharia de seu site e adaptou seu software Em apenas um ano o negócio faturou US 1 milhão Em 1999 chegou a US 5 milhões de faturamento Apesar do crescimento a empresa ainda era instável financeiramente Em 2000 Randolph e Hastings se reuniram com John Antioco CEO da Blockbuster Os executivos dicutiram uma possível compra da Netflix pela atual líder mundial no ramo de aluguel de filmes O valor oferecido foi de US 50 milhões O acordo foi recusado por Antioco No mesmo ano a Blockbuster continou crescendo e acumulou mais de 7 mil lojas físicas abertas Já a Netflix registrava 420 mil assinantes em seu serviço de entregas Mesmo sem ter sido adquirida a empresa continuou se desenvolvendo Em 2002 as ações da Netflix começaram a crescer e foram negociadas na NASDAQ bolsa de valores de Nova York Além disso seu número de assinantes saltou para 600 mil Com uma expansão acelerada a empresa atingiu em 2004 US 500 milhões de faturamento Um ano depois o número de assinantes chegou a 42 milhões Enquanto isso a Blockbuster ainda registrava receitas bilionárias Em 2004 a companhia faturou US 6 bilhões Além disso chegou ao auge atingindo 9 mil unidades espalhadas por 9 países No mesmo ano e com algum tempo de atraso entrou 150 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA no mercado de locação online para concorrer com a Netflix Por US 1999 por mês os clientes alugavam quantos filmes quisessem Porém na visão da empresa a experiência de ir em lojas físicas ainda tinha o seu valor Foi em 2007 que a Netflix tomou uma decisão que mudaria o mercado A empresa abandonou o serviço de aluguel de DVDs e lançou sua própria plataforma de streaming Nela os assinantes poderiam assistir séries e filmes instantaneamente no computador A partir daí a empresa teve um crescimento consistente a cada ano Em contrapartida a Blockbuster passou a perder mercado Desde 2008 a receita da companhia despencou assim como o número de lojas Em 2010 enquanto a Netflix registrava 16 milhões de assinantes e uma receita de US 2 bilhões a Blockbuster declarava falência No mesmo ano a empresa entrou com um pedido de recuperação judicial no Tribunal de Falências dos Estados Unidos para lidar com cerca de US 1 bilhão em dívidas Em 2011 foi leiloada à emissora Dish Network operadora de TV por assinatura por US 320 milhões Dois anos depois em 2013 a Blockbuster anunciou o fechamento de suas 300 lojas restantes nos Estados Unidos descontinuando o aluguel de filmes nas unidades físicas e na plataforma online Esta não é uma decisão fácil mas o consumidor agora opta claramente por ferramentas de distribuição digital de entretenimento em vídeo disse Joseph Clayton CEO da Dish em um comunicado Hoje apenas uma loja continua aberta em Bend uma pequena cidade nos Estados Unidos A unidade franqueada em 2000 se tornou peça rara e possui vários anos de contrato com a Dish Depois de se tornar referência mundial na indústria de filmes a Blockbuster fechou suas portas A companhia que se concentrava em aumentar seu número de lojas e crescer ainda 151 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA mais no modelo convencional de locação de vídeos não construiu uma estratégia para competir com seus novos concorrentes Por outro lado a Netflix repensou seu modelo tradicional para a Era Digital Em 2007 seus fundadores perceberam que o consumo de filmes já não era mais o mesmo e decidiu acompanhar esse novo cenário readaptando sua estratégia Para isso transformaram seu negócio incorporando tecnologias e novas práticas focadas no cliente A partir daí a empresa investiu em uma infraestrutura digital e em um sistema de recomendações baseadas no comportamento dos usuários Além disso construiu uma cultura datadriven baseada em dados e times focados em marketing operações finanças ciência e analytics Além da aposta em tecnologia o modelo de gestão da companhia também passou por grandes mudanças se tornando referência no mundo todo A capacidade de se adaptar e se reinventar se tornou um dos principais pilares da empresa Além disso a companhia focou em uma gestão horizontal sem hierarquia e com mais autonomia aos funcionários A busca pela excelência e o lema liberdade com responsabilidade tem gerado grandes resultados Em 2018 a empresa atingiu um importante marco se tornou a companhia de mídia mais valiosa do mundo ultrapassando a Disney por um dia Enquanto a gigante do streaming foi avaliada em US 1523 bilhões na bolsa a Walt Disney Company chegou a US 1517 bilhões Hoje a Netflix já registra 172 milhões de assinantes e possui um valor de mercado de US 167 bilhões Além disso se destacou por suas produções próprias se juntando a grandes nomes da indústria cinematográfica com 15 indicações ao Oscar Depois de se reinventar algumas vezes a Netflix se prepara para alcançar novos objetivos Em entrevista à Exame 152 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Mitch Lowe um dos fundadores traçou um cenário sobre o mais provável futuro da companhia A Netflix poderá seguir na produção de conteúdos baseados em outra plataforma o Youtube O foco Acompanhar mais uma vez a mudança no perfil do consumidor As pessoas têm cada vez menos espaço de atenção é difícil se concentrar em um filme de duas horas Ao mesmo tempo elas querem que os personagens se desenvolvam É por isso que vamos ter produtos com episódios cada vez mais curtos O sucesso de vídeos no YouTube mostra que as pessoas na verdade querem episódios de 10 20 ou 30 minutos que você possa juntar afirmou o executivoAlém disso segundo estimativa da empresa norte americana BMO Capital Markets a companhia pretende investir cerca de US 18 bilhões em produção de conteúdos neste ano um aumento de US 2 bilhões em relação a 2019 Nos próximos anos esse valor pode chegar a US 26 bilhões Disponível em httpswwwstartsecomnoticiastartupsfalenciablockbuster netflix Site consultado em 03082020 153 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA II Demontrações contábeis relativas aos 3 três últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido elaboradas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de a balanço patrimonial b demonstração de resultados acumulados c demonstração do resultado desde o último exercício social d relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção Já foi dito em comentário ao art 48 da Lei n 1110105 que apenas os empresários e sociedades empresárias regulares podem pleitear a recuperação judicial ou extrajudicial Também foi salientado que a regularidade do empresário está vinculada ao integral cumprimento das obrigações legalmente estabelecidas para ele Neste sentido tanto as Sociedades Anônimas quanto as Sociedades Limitadas estão obrigadas a ter e manter devidamente escriturados os seus livros e documentos contábeis obrigatórios art 1179 do Código Civil O fato do dispositivo legal ora comentado não fazer referência expressa aos livros contábeis exigidos pelo Código Civil pela Lei das Sociedades Anônimas ou pela legislação especial não exonera o empresário deste ônus Deste modo devem acompanhar a petição inicial da recuperação todos os livros e documentos contábeis exigidos por lei do empresário ou sociedade empresária 154 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA requerente sob pena de inadmissibilidade do pedido de recuperação dada a irregularidade do requerente e consequente descumprimento do requisito previsto pelo citado art 48 I O Livro Diário é o único livro obrigatório exigido da generalidade dos empresários e sociedades empresárias art 1180 do Código Civil sendo por isso doutrinariamente denominado Livro Obrigatório Comum Além deste há também os que se conhece por Livros Obrigatórios Especiais Tratase de modalidades obrigatórias para determinados tipos de empresários conforme pratiquem ou não algum tipo de negócio jurídico ou se estruturem como Sociedades Anônimas São os melhores exemplos o Livro de Registro de Duplicatas art 19 da Lei n 547468 exigido do empresário ou sociedade empresária que emita tais documentos e os elencados pelo art 100 da Lei n 640476 obrigatórios para as Sociedades Anônimas Por fim existem também vários exemplos de Livros Contábeis obrigatórios não em função da legislação empresarial mas por força de dispositivo referente a outros ramos jurídicos sendo por esta característica conhecidos por Livros obrigatórios não empresariais São por exemplo os livros de interesse fiscal exigidos pela legislação tributária como o Livro de Entrada e Saída de Mercadorias os Livros de Registro de Apuração de ICMS de Registro de Apuração de IPI e o Livro de Registro de Inventário 155 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA Há ainda nesta mesma categoria os livros contábeis obrigatórios por exigência da legislação trabalhista eou previdenciária como o Livro de Registro de Empregados Vale notar que as demonstrações contábeis referidas pelo artigo 51 da Lei n 1110105 já são requisitos indispensáveis à regularidade das sociedades empresárias Isso significa que independentemente da exigência constante deste artigo a Sociedade Anônima art 176 da Lei n 640476 ou a Sociedade Limitada art 1179 do Código Civil já precisariam dispor das demonstrações contábeis aqui referidas sob pena de configuraremse irregulares e terem impossibilitado o requerimento de recuperação95 A forma pela qual são preparados e mantidos os registros livros e demonstrações contábeis são conhecidos internacionalmente pelo termo General Accepted Accounting Principles GAAP expressão traduzível por princípios contábeis geralmente aceitos Tal padronização advém do Conselho de Padrões de Contabilidade Financeira Financial Accounting Standards Board FASB Exercício social por sua vez é o período de 12 doze meses na vida de uma sociedade empresária Lei n 640476 art 175 A cada doze meses a sociedade empresária completa um exercício social O início e o término do exercício social não necessariamente coincidem com o início e o término do ano civil Entretanto é mais comum e recomendável principalmente por razões de ordem tributária estipularse 95 As microempresas e empresas de pequeno porte que por lei têm sua 156 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA nos atos constitutivos da sociedade que seu exercício social coincidirá com o ano civil Necessário então abordar cada uma destas modalidades de demonstrações contábeis e de sua utilidade como forma de análise da viabilidade econômicofinanceira do empresário requerente da recuperação judicial O Balanço Patrimonial é uma apresentação em forma contábil da situação dos bens direitos e obrigações dos quais seja titular o empresário ou sociedade empresária É uma fotografia de seu patrimônio de modo a propiciar àquele venha a ter com ele contato a compreensão da relação entre o valor dos créditos bens móveis imóveis e incorpóreos do empresário por um lado o chamado ativo patrimonial e suas obrigações e débitos por outro o passivo patrimonial Assim se o ativo patrimonial composto em essência pelos bens e direitos do empresário for maior que o passivo patrimonial referente às suas obrigações podese constatar que o patrimônio do empresário está superavitário Ele possui bens e direitos suficientes para honrar todas as suas obrigações No caso contrário em que o passivo patrimonial é superior ao ativo temse que o patrimônio do empresário encontrase deficitário uma vez que seus débitos não podem no momento ser integralmente pagos mesmo que às custas de todos os seus bens e direitos escrituração contábil simplificada não serão aqui tratadas pois a forma pela qual implementam sua recuperação judicial encontrase disposta de forma específica e especial 157 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA O art 178 da Lei n 640476 deixa clara esta função do Balanço Patrimonial ao estipular que ele se presta a facilitar o conhecimento e a análise da situação financeira da companhia Também o art 1188 do Código Civil é taxativo ao estabelecer para o balanço patrimonial a função de exprimir com fidelidade e clareza a real situação da empresa A Lei n 1110105 exige também a Demonstração do Resultado do Exercício como modalidade de demonstração contábil a acompanhar a petição inicial da recuperação Denominada Balanço de Resultado Econômico ou Demonstração da Conta de Lucros e Perdas pelo art 1189 do Código Civil e pelo art 186 da Lei n640476 esta demonstração contábil se propõe a fornecer uma visão dinâmica da atividade empresarial analisada O objetivo da Demonstração do Resultado do Exercício é exprimir não a relação entre ativo e passivo patrimonial mas aquela existente entre lucros e despesas apurados no exercício social Com este documento se verifica qual foi o resultado econômico da empresa no último exercício social Quanto ela arrecadou e o quanto gastou Essa demonstração indica a eficiência global do empreendimento e permite que se analisem os resultados e o retorno resultante dos investimentos realizado É uma demonstração mais dinâmica do que o balanço patrimonial96 96 ARAÚJO Adriana Maria Procópio de ASSAF Alexandre Introdução à Contabilidade São Paulo Ed Atlas 2004 P 32 158 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA A demonstração do resultado referese à relação entre faturamento total despesas e lucros num determinado espaço de tempo Procura exprimir em um período temporal preestabelecido quais foram os ganhos totais do empresário seu faturamento quanto ele gastou com o exercício da empresa gastos e se ao término o primeiro superou o segundo houve lucro ou o contrário houve prejuízo e em quanto foi esta diferença A demonstração de resultados fornece um resumo financeiro dos resultados operacionais da empresa As mais comuns são as demonstrações que cobrem o período de um ano encerrado em uma data específica em geral em um ciclo financeiro de 12 meses ou ano fiscal concluído em uma data diferente de 31 de dezembro97 O Balanço Patrimonial é um importante subsídio quando se pretende analisar a viabilidade econômica de uma empresa Mas as informações que contém podem levar a equivocadas conclusões sobre a questão Um empresário pode por exemplo ter um balanço patrimonial superavitário mas estar em franca decadência de produtividade eou lucratividade Assim embora ele continue apresentando um ativo patrimonial maior que o seu passivo há que se concluir que a empresa por ele exercida tende ao insucesso Por outro lado um empresário pode estar em situação de patrimônio deficitário por razões outras que não 97 GITMAN Lawrence J MADURA Jeff Administração Financeira Uma abordagem gerencial São Paulo Pearson Addison Wesley 2003 P 186 159 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA o seu insucesso empresarial Muitas atividades empresariais hoje são especialmente no ramo de serviços exercidas sem grande concentração de bens móveis ou imóveis o que certamente se reflete no valor monetário de seus ativos Entretanto tais atividades podem ser extremamente lucrativas contribuindo para uma perspectiva favorável quanto à viabilidade do negócio eventualmente comprometido por obrigações que se não podem ser garantidas pelos bens e direitos do empresário têm grande potencial de no seu vencimento serem honradas pelos lucros futuros do empreendimento É por isso que as informações contábeis sobre a viabilidade econômica de um empresário não podem se esgotar na análise do Balanço Patrimonial Por fim o artigo 51 da Lei n 1110105 faz referência ao relatório gerencial de fluxo de Caixa cuja importância como subsídio para o cálculo do chamado valor da empresa é fundamental98 Tratase aqui da chamada Demonstração de Fluxo de Caixa que procura explicitar também em formato contábil qual a origem e o valor de todos os recursos financeiros que passaram a compor o patrimônio do empresário e também qual foi a destinação dada a todos os recursos financeiros que deixaram o patrimônio deste mesmo empresário Têmse deste modo uma visão de como e onde o empresário vem obtendo recursos financeiros receita e de 98 COPELAND Tom KOLLER Tim MURRIN Jack Avaliação de Empresas Valuation calculando e gerenciando o valor das empresas 3 ed São Paulo Pearson Makron Books P 76 e seg 160 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA onde vem empregandoos despesas Só assim se pode procurar otimizar as fontes de receita e minimizar as causas de despesas Podese também com a Demonstração de Fluxo de Caixa apurarse a diferença entre o que o empresário esperava faturar e gastar expressa pelo Balanço De Resultado Econômico e o que ele efetivamente faturou e gastou constante desta demonstração contábil A soma destas três demonstrações contábeis busca permitir saber se o empresário tem mais ou menos bens e direitos do que obrigações Balanço Patrimonial obteve lucro ou prejuízo no último exercício social Balanço de Resultado Econômico e ao longo dos anos anteriores de onde vem como ganha e para onde vão como gasta os recursos financeiros que possui Demonstração de Fluxo de Caixa III a relação nominal completa dos credores inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar com a indicação do endereço de cada um a natureza a classificação e o valor atualizado do crédito discriminando sua origem o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente IV a relação integral dos empregados em que constem as respectivas funções salários indenizações e outras parcelas a que têm direito com o correspondente mês de competência e a discriminação dos valores pendentes de pagamento 161 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA V certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores Os documentos exigidos pelo item V do art 51 da Lei n 1110105 têm por escopo comprovar a regularidade da sociedade empresária quanto à sua obrigação perante o Registro Público de Empresas Mercantis Além disso estes documentos permitem ao juízo conhecer os sócios da sociedade empresária bem como a responsabilidade de cada um deles pelos débitos da pessoa jurídica e sua participação no capital social Propicia também saber como está estruturada a administração da sociedade e quem é ou são as pessoas que no momento encontramse exercendo funções administrativas VI a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor Há algumas espécies de obrigações que uma vez assumidas por uma sociedade empresária são por lei garantidas pelo patrimônio de seus sócios ou administradores mesmo quando se tratar de sociedades com responsabilidade limitada para seus integrantes É por exemplo o caso das obrigações decorrentes de infração à lei tributária art 135 do Código Tributário Nacional e por danos cometidos nas relações de consumo art 28 do Código de Defesa do Consumidor Outro objetivo desta exigência é minimizar a possibilidade de que a recuperação de empresas seja 162 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA concedida a uma sociedade empresária cujos sócios ou administradores tenham agido fraudulentamente VII os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade inclusive em fundos de investimento ou em bolsas de valores emitidos pelas respectivas instituições financeiras Tratase de mais um documento exigido para que seja possível avaliar a real condição financeira da sociedade ou do empresário requerente da recuperação judicial É por outro lado um documento que acaba por atestar de certo modo a veracidade das informações contábeis prestadas VIII certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial IX a relação subscrita pelo devedor de todas as ações judiciais em que este figure como parte inclusive as de natureza trabalhista com a estimativa dos respectivos valores demandados São documentos que conferem a noção de quantos credores do empresário já se encontram sem o devido pagamento de suas obrigações e além disso já decidiram tomar medidas judiciais ou extrajudiciais para o recebimento de seus direitos 163 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA V Processamento do pedido de recuperação judicial Uma vez em ordem a petição inicial e os documentos que devem instruíla o juiz no ato que defere o processamento do pedido de recuperação vai também nomear o administrador judicial ordenar a suspensão de todas as ações e execuções contra o devedor art 6o da Lei 1110105 a intimação do Ministério Público e a comunicação às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento Neste mesmo ato o juiz determinará que o empresário devedor está dispensado da apresentação de certidões negativas para o exercício regular de suas atividades Esta dispensa perdurará até que o plano de recuperação judicial seja submetido às regras de aprovação art 57 Tal dispensa porém inexplicavelmente não se aplica para fins de contratação com o Poder Público inclusive por óbvio para participação em licitações ou para o recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios Esta exceção contraria frontalmente a própria ideia de recuperação de empresas Como salientado o procedimento de recuperação é feito com a colaboração de interesses intra e extraempresariais De estranhar que o Poder Público imponha aos particulares a negociação com o devedor sem a apresentação de certidões negativas mas concomitantemente recusese 164 DIREITO ECONOMIA E A CRISE DA EMPRESA EDUARDO GOULART PIMENTA a aceitar este mesmo devedor como possível contratante e lhe retire o direito a benefícios ou incentivos de ordem fiscal Cabe ao devedor a partir do momento em que o juiz recebe a petição inicial e determina o processamento de seu pedido de recuperação a obrigação de prestar contas mensalmente ao juízo por todo o tempo em que transcorrer a recuperação judicial Em caso de inobservância desta determinação os administradores da sociedade empresária devem ser destituídos Ainda dentro das providências judiciais tomadas quando do recebimento da petição inicial da recuperação e deferimento de seu processamento está a prevista pelo par 1o do art 52 Tratase da publicação em órgão oficial de imprensa de edital destinado em essência aos credores nominados pelo empresário requerente da recuperação advertindo lhes dos prazos para habilitação dos créditos art 7º 1º e para objeção ao plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor