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Ciências Políticas
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João Ubaldo Ribeiro POLÍTICA QUEM MANDA POR QUE MANDA COMO MANDA Nova Edição Revisada e Ampliada por Lucia Hipólito com o apêndice Como se vota no Brasil Nestes tempos de democratização de reavaliação dos valores e das instituições vigentes a conscientização de todas as camadas da população é uma condição prévia para a conquista e consolidação de um regime social e político mais justo Esta é a importância deste livro original concebido como um manual que como prática destinado a trabalhadores estudantes e ao povo em geral ele torna a política um assunto interessante e acessível mostrando que longe de ser apenas uma profusão de palavos e promessas ou uma disciplina acadêmica feita de intrincados jargões ela é principalmente um espaço de atuação e de consciência inerente a todo indivíduo Além de escritor de grande sucesso João Ubaldo Ribeiro é master em Administração Pública e Ciência Política pela Southern University of California e exprofessor de Política na Universidade Federal da Bahia Juntando seus conhecimentos ao seu estilo dominando pertinentemente o assunto de que trata tanto a linguagem com que o aborda ele consegue explicar os diversos fenômenos ligados à política de maneira simples e clara com didatismo e conteúdo com profundidade sem tentar impor nenhuma visão particular O objetivo e o mérito maior deste livro é nos levar a conhecer esse assunto complexo através do nosso próprio esforço de pensamento Ao longo de Política João Ubaldo Ribeiro examina os grandes temas e as questões das ciências políticas como a formação e estrutura do Estado as diferenças entre Estado e Nação as relações entre o Estado o uso da violência as classes sociais e os indivíduos as instituições e a sua legitimidade seu equilíbrio e sua dinâmica Além disso analisa os aspectos mais práticos cotidianos que a política apresenta para o cidadão comum os diferentes regimes as ditaduras e democracias os sistemas eleitorais a escolha de governantes e os partidos políticos o papel da ideologia e sua relação com as possibilidades de participação individual e coletiva Acrescenta ainda um capítulo particularmente interessante sobre Constituição e Constituintes em que esclarece tanto seus pressupostos formais e abstratos quanto os efeitos concretos sobre o conjunto da sociedade dando um enfoque histórico do caso brasileiro Por tudo isso este livro é capaz de transformar a nossa maneira de encarar a política como politicagem e a tradicional indiferença que lhe devotamos Pois esta atitude longe de ser apolítica apenas transfere para as mãos de uns poucos as decisões e direitos que podem e devem ser de todos De João Ubaldo Ribeiro leia também Setembro não tem sentido Sargento Getúlio Vencecavala e o outro povo Vila Real Viva o povo brasileiro O sorriso do lagarto Já podia da pátria filhos Sempre aos domingos Um brasileiro em Berlim O feitiço da ilha do Pavão Infantojuvenis A vinganсa de Charles Tiburone Vida e paixão de Pandora o Cruel POLÍTICA QUEM MANDA POR QUE MANDA COMO MANDA João Ubaldo Ribeiro httpgroupsbetagooglecomgroupdigitalsource de quão múltiplas são as opções 2a impressão Nova edição revista e ampliada por Lucia Hippolito com o apêndice Como se vota no Brasil 1998 by João Ubaldo Ribeiro Direitos de edição da obra em língua portuguesa adquiridos pela EDITORA NOVA FRONTEIRA SA Rua Bambina 25 Botafogo 22251050 Rio de Janeiro RJ Brasil Tel 021 5378770 Fax021 2866755 httpwwwnovafronteiracombr Equipe de Produção Regina Marques Leila Name Michelle Chao Sofia Sousa e Silva Marcio Araujo Revisão Angela Nogueira Pessôa CIPBrasil Catalogaçãonafonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros RJ R369p Ribeiro João Ubaldo 3 ed Política quem manda por que manda como manda João Ubaldo Ribeiro 3edrev por Lucia Hippolito Rio de Janeiro Nova Fronteira 1998 Apêndice 1 Ciência política I Título CDD 320 CDU 32 Para meu amigo Glauber Sumário 1 Que coisa é a Política 2 Como a Política interessa a todos e a cada um 3 O Estado 4 Estado e nação 5 Soberania 6 Estado e violência 7 O que o Estado faz 8 O Estado e o indivíduo 9 Democracias 10 Ditaduras 11 Governo e Constituição 12 Escolha de governantes 13 Sistemas eleitorais 14 Partidos políticos 15 Ideologias e a vida de todo dia 16 Quem manda como manda Conclusão Apêndice Como se vota no Brasil 1 Que coisa é a Política O termo Política em qualquer de seus usos na linguagem comum ou na linguagem dos especialistas e profissionais referese ao exercício de alguma forma de poder e naturalmente às múltiplas conseqüências desse exercício Toda maneira pela qual o poder é exercido se reveste de grande complexidade às vezes não aparente à primeira vista Por exemplo se o governo decreta um novo imposto esse ato não consiste numa decisão que vai e não volta Ao contrário a criação de um novo imposto cuja decretação constitui obviamente um ato de poder ou seja um ato político é precedida conforme o caso por uma série de outros atos em que tomam parte diversos detentores de alguma espécie de poder tais como governantes técnicos assessores grupos de interesse indivíduos ou entidades influentes e assim por diante E também se desencadeia uma interrelação entre a fonte do poder a que criou e implantou o imposto e os submetidos a esse poder os que direta ou indiretamente são afetados pelo imposto Basta pensar um pouco para ver como qualquer ato de poder é complexo e cheio de implicações E é este o terreno da Política Definir a Política apenas como algo relacionado ao poder não chega a ser satisfatório Se pensarmos bem veremos que a frase a Política tem a ver com o exercício do poder não quer dizer muita coisa principalmente porque há inúmeras dificuldades para que se saiba o que é poder Que significa ter poder Não pode ser simplesmente estar investido em algum cargo pois acontece com freqüência que os ocupantes de um cargo qualquer se submetam à vontade de outras pessoas não ocupantes de cargo algum as chamadas eminências pardas Não basta também usar expressões como carisma ou magnetismo ou poder do dinheiro pois isto tampouco explica muita coisa ou não explica coisa alguma E pior ainda o poder só pode ser visto sentido avaliado ao exercerse Para usar uma comparação fácil a situação é como a que existe antes do jogo entre um grande time de futebol e um clubezinho do interior O time grande tem poder de sobra para vencer os desconhecidos obscuros da cidade pequena Não obstante pode ocorrer que num jogo decisivo o poderoso perca Claro que não é uma coisa normal é uma exceção explicável de mil formas Mas acontece da mesma maneira que em situações equivalentes na vida social na coletividade na administração pública Ou seja é em ação que se analisa o poder É no processo na interrelação não na elaboração intelectual abstrata Antes tudo está sujeito a fatores no mais das vezes imprevisíveis Assim é também em tudo o jogo disso que chamamos vagamente de poder Portanto devemos procurar outros elementos que tornem nosso conceito de Política mais preciso Os americanos muito práticos costumam dizer que o poder é a capacidade de influenciar o comportamento das pessoas Isto ainda não explica o que vem a ser o tal poder pois apenas troca uma palavra ou outra ficamos no ar sobre o que seria essa capacidade Mas ajuda a entender que se a Política tem a ver com o poder e se o poder visa a alterar o comportamento das pessoas é evidente que o ato político possui dois aspectos que aparecem de pronto a um interesse b uma decisão Raciocinemos da seguinte forma a se alguém deseja influenciar ou modificar o comportamento das pessoas esse alguém tem um interesse que deseja ver implementado pela modificação pretendida seja ele ditado por conveniências pessoais de grupo religiosas morais etc b o objetivo configurado pelo interesse só pode ser conseguido por uma decisão que efetivamente venha a alterar o comportamento das pessoas seja esta decisão imposta consensual de maioria etc Podemos assim tornar mais confortável e manobrável nosso conceito de Política Neste caso a Política passa a ser entendida como um processo através do qual interesses são transformados em objetivos e os objetivos são conduzidos à formulação e tomada de decisões efetivas decisões que vinguem O termo poder é claro continua a ter utilidade mas já sabemos que ele é enganoso e vago O que interessa é o desenrolar do jogo acompanhado de seu resultado Em linguagem mais formal o que interessa é o processo de formulação e tomada de decisões Para trocar em miúdos tudo isto podese afirmar que a Política tem a ver com quem manda por que manda como manda Afinal mandar é decidir é conseguir aquiescência apoio ou até submissão Mas é também persuadir Não se trata como já foi dito de um processo simples e ninguém pode alegar compreendêlo integralmente apesar dos esforços dos estudiosos que há milhares de anos vêm tentando dissecálo analisálo e categorizálo Em toda sociedade desde que o mundo é mundo existem estruturas de mando Alguém de alguma forma manda em outrem normalmente uma minoria mandando na maioria Este fato está no centro da Política Agora temos condição de arrumar mais claramente nossas idéias A Política fica então vista como o estudo e a prática da canalização de interesses com a finalidade de conseguir decisões Isto já foi chamado de arte com razão Pois a Política requer um talento especial de quem a pratica uma sensibilidade especial um jeito especial uma vocação muito marcada É portanto uma arte Isto já foi chamado de ciência o que também é verdade Pois é possível sistematizar cientificamente o que se observa e infere a respeito de como os homens se conduzem em relação ao poder Não deixa de ser por outro lado um departamento da filosofia pois haverá sempre lugar para indagações filosóficas como por que alguém tem que mandar e alguém tem que obedecer o homem é mau ou será a vida em sociedade que o faz assim o homem precisa de um governo forte ou não e dezenas de outras que podem parecer banais mas têm inenarrável importância para o destino da humanidade A Política também é naturalmente uma profissão pois afinal é por meio dela que nos governamos que ordenamos nossa vida em coletividade Nenhum homem pode assumir sua humanidade fora de uma estrutura social ainda que mínima E nenhuma estrutura social pode existir sem alguma forma de processo político Assim a Política terminou por tornarse uma profissão a profissão dos que se dedicam a influenciar de diversas maneiras e em vários níveis a condução da sociedade em que vivem seja por iniciativa própria seja representando outros interesses Enfim a presença da Política em nossa existência desafia qualquer tentativa de enumeração Porque tudo pode e deve a depender do caso ser visto sob um ponto de vista político É impossível que fujamos da Política E possível obviamente que desliguemos a televisão se nos aparecer algum político dizendo algo que não estamos interessados em ouvir Isto porém não nos torna apolíticos como tanta gente gosta de falar Tornanos sim indiferentes e em última análise ajuda a que o homem que está na televisão consiga o que quer já que não nos opomos a ele O problema é que por ignorância ou apatia às vezes pensamos que estamos sendo indiferentes mas na verdade estamos fazendo o que nos convém Vimos então que a Política se preocupa nos diversos enfoques que pode ter venha ela como arte ou ciência teoria ou prática com o encaminhamento de interesses para a formulação e tornada de decisões Mas esta seca afirmação abstrata mesmo que bem compreendida será suficiente para que tenhamos uma boa idéia do que é a Política 2 Como a Política interessa a todos e a cada um As formas de exercício do poder são às vezes difíceis de pilhar Quando nos dizem que não nos é permitido no caso dos brasileiros do sexo masculino passar dos 17 anos sem nos alistarmos nas Forças Armadas é evidente que um poder se exerce sobre nós de forma bastante palpável Entretanto ao pensarmos ou agirmos de determinadas maneiras que não raro julgamos naturais ou espontâneas esse poder é menos fácil de visualizar É o que se dá por exemplo quando mantemos preconceitos contra o nosso semelhante por ser ele negro ou branco protestante ou católico ou por falar com um sotaque diferente do nosso A existência de preconceitos não é natural O homem não nasce com preconceitos ele os aprende socialmente Ao aprendêlos é claro que seu comportamento está sendo influenciado E igualmente claro por conseguinte que ele está sendo submetido a algum poder Daí raciocinarse que o preconceito racial para ficarmos somente em um dos muitos que o espírito humano infelizmente ainda abriga tem origem e funcionalidade políticas ou seja tem servido para justificar formas de exploração e dominação assumindo muitas faces de acordo com as circunstâncias O que se pretende mostrar com isso é que queiramos ou não estamos imersos num processo político que penetra todas as nossas atitudes toda a nossa maneira de ser e agir até mesmo porque a educação tanto a doméstica quanto a pública é também uma formação política Com algum esforço podemos perceber em que medida estamos submetidos e podemos atuar politicamente é óbvio para procurar alterar a situação se ela contraria o nosso interesse mesmo que seja apenas um interesse sem conteúdo material de natureza moral ou ética Cada ato nosso ou cada maneira de ver as coisas poder ser examinado à luz da concepção de Política exposta aqui às vezes com resultados chocantes se temos a sorte de ser suficientemente honestos e objetivos Quando estamos saindo para o trabalho de manhã e tomamos o trem o ônibus ou o metrô enquanto alguém em melhor situação toma um automóvel com motorista não estamos pensando em Política Quando sonhamos ficar sem fazer nada no futuro e apenas gozar a vida também não estamos pensando em Política Contudo se meditarmos um pouco veremos que para conseguir juntar nosso pédemeia é necessário uma porção de coisas muitas mais do que seria possível arrolar É necessário que tenhamos a oportunidade de nos qualificar para exercer uma ocupação É necessário que também nos seja dada a oportunidade de acesso a essa ocupação pois como sabemos nem sempre as posições são conferidas por mérito É necessário ainda para encerrar uma lista que poderia ficar longuíssima que na sociedade em que vivemos seja permitido que planejemos nossa vida que juntemos dinheiro que façamos certos investimentos até tenhamos empregados por exemplo Ora como se obtém tudo isso até mesmo ambicionar legitimamente um carro com motorista igual ao do nosso vizinho mais afortunado Tudo isso se obtém através de um processo político É um processo político que vai definir todas as condições para a acumulação do pédemeia mencionado acima Se o processo político por exemplo resulta em que não há oportunidades de educação para pessoas como nós é evidente que esse processo nos prejudica e paralelamente beneficia e privilegia outros Assim quando estamos pensando em cuidar de nossa vida apenas sendo apolíticos na verdade estamos somente com a vista curta ou então somos comodistas não achando que as coisas estão tão ruins assim para que procuremos fazer algo para mudálas Quando alguém diz como é freqüente lermos em entrevistas aos jornais que não liga para a Política está naturalmente exercendo um direito que lhe é facultado pelo sistema político em que vive Ou seja em última análise está sendo um político conservador não vê necessidade de mudanças Então não é apolítico palavra que indica ausência de Política No máximo falta lhe a consciência de seu significado e papel político significado e papel que todos têm uma coisa muito diferente Pois o apolítico não existe é somente uma maneira de falar por assim dizer A Política o jogo de poder a negociação para se obter uma decisão qualquer está em toda parte na conduta humana Quando um casal no início de seu relacionamento vai gradualmente marcando os papéis dentro do lar eu mando aqui você manda ali e assim por diante estamos diante de um miniprocesso político Da mesma forma quando os garotos de uma rua se organizam num time de futebol e vão atribuindo responsabilidades a alguns mesmo informalmente também há um miniprocesso político Entretanto não devemos levar ao exagero esta visão das coisas que aqui está servindo somente para esclarecer o que poderíamos chamar na falta de melhores palavras a essência da Política sua natureza sua dinâmica seu funcionamento Se os garotos do clube de futebol realizarem uma eleição para a diretoria de sua entidade essas eleições carecerão de um elemento que ainda precisamos acrescentar à noção de Política E que sua realização e seu resultado não interessam à sociedade como um todo pelo menos na esmagadora maioria dos casos imagináveis O elemento que falta é portanto ligado à natureza pública da Política A própria palavra Política vem de polis que significa mais ou menos cidade em grego antigo Ou seja se o Zezinho ganha a presidência do clube contra o Toninho este não é rigorosamente um fato político pois que não interessa à polis à sociedade como um todo Se discuto com minha mulher sobre a que cinema vamos hoje à noite isto não é normalmente classificável como um fato político embora se trate também do encaminhamento de interesses para a obtenção de uma decisão Não há aí como no caso dos meninos o elemento de interesse público da coletividade em seu sentido mais lato da sociedade Mas aqui é preciso que apontemos uma sutileza Certo a discussão entre marido e mulher sobre a que cinema vão não é política Mas se nessa discussão o marido acaba sempre por impor sua vontade se a mulher nunca tem direito a uma opinião se é forçada até mesmo a fingir que gosta de um filme que detesta então isto pode estar refletindo uma situação específica da mulher naquela determinada sociedade Ou seja uma situação de inferioridade social de subordinação imposta Não se trata mais de um problema exclusivamente pessoal Tratase do reflexo pessoal de um problema genérico um problema que afeta toda a sociedade pois que afeta todas ou grande número de mulheres Apesar de a solução para o problema desse casal poder vir através de saídas individuais como por exemplo uma bemsucedida revolta da mulher a solução individual não alterará a situação geral da mulher no contexto que estamos descrevendo Vêse com isso que os fatos podem adquirir significado político mesmo que originalmente não o tenham Se a mulher do exemplo dado em vez de ameaçar pessoalmente o marido decide reunir outras mulheres na mesma condição que ela para juntas utilizando meios de esclarecimento persuasão e pressão buscando a modificação do comportamento social enfim tentarem reverter a situação essa mulher estará exercendo uma atividade política Estará procurando encaminhar o processo decisório em sua coletividade no sentido de obter a consecução dos seus interesses corporificados em objetivos ou seja o estabelecimento de um relacionamento igualitário ou equânime com o lado masculino da sociedade Com isso essas mulheres poderão conseguir leis que as protejam e a lei desde o projeto à sanção não passa do fruto de um processo decisório poderão modificar a mentalidade das pessoas poderão para usarmos aquela palavrinha vaga mas útil alterar a estrutura de poder em sua sociedade Chegamos desta maneira a contornos mais nítidos em nossa conceituação de Política A Política não se ocupa de todos os processos de formulação e tomada de decisões mas somente daqueles que afetem de alguma forma o conjunto dos cidadãos A maior parte desses processos como se pode imaginar é extremamente complicada Por exemplo o processo decisório que as pessoas mais identificam com a Política são as eleições a escolha de governantes através do voto Na verdade no momento em que o povo vai às urnas para votar está aí talvez a parte menos complicada do processo Antes disso já se escolheram candidatos já houve disputas dentro dos partidos já houve propaganda já se praticaram inúmeros atos com objetivo eleitoral já entraram em jogo as percepções dos eleitores e assim por diante A Política não é pois apenas uma coisa que envolve discursos promessas eleições e como se diz freqüentemente muita sujeira Não é uma coisa distinta de nós É a condução da nossa própria existência coletiva com reflexos imediatos sobre nossa existência individual nossa prosperidade ou pobreza nossa educação ou falta de educação nossa felicidade ou infelicidade É claro que uma pessoa pode não se preocupar com a Política e os políticos Tratase de uma escolha pessoal perfeitamente respeitável Mas quando se age assim devese ter consciência das implicações pois se trata de uma atitude de passividade que sempre favorece a quem em dado momento está numa situação de mando dentro da sociedade Além disso determinadas angústias e insatisfações individuais por mais estritamente pessoais que pareçam como na história do casal que briga por causa do cinema podem ter suas raízes em fatos políticos e só politicamente serão resolvidas É também comum que se considere a Política uma atividade ou ocupação insuportável só exercida por gente de mau caráter venal mentirosa e enganadora Isto é uma grave injustiça Se pensarmos bem muitos dos grande homens que admiramos foram políticos ou são admiráveis devido precisamente às conseqüências políticas de seus atos sua atividade política enfim quer estivessem eles pensando nisto ou não Devemos lembrar que se achamos que a Política está entregue a gente ruim um pouco da culpa ou grande parte dela cabe a nós pessoas boas que não queremos nos envolver com essa atividade suja e incompreensível Não há nada de sujo intrinsecamente na atividade política Os políticos no sentido mais estreito da palavra porque no sentido mais amplo os políticos somos todos nós cidadãos mesmo que não queiramos ou saibamos são gente como nós De certa forma pouca coisa pode haver de mais nobre do que a dedicação à coletividade quando essa dedicação não é ditada por interesses pessoais ou mesquinhos mas por crenças ou ideais que mesmo erradamente tenham como objetivo o bemestar público Se achamos que os políticos são em sua maioria pouco dignos de confiança corruptos incompetentes e assim por diante devemos verificar se esta nossa opinião não se estende também a outros setores e categorias da sociedade tais como médicos mecânicos banqueiros técnicos de televisão motoristas de táxi açougueiros comerciantes advogados Pois aquilo que se costuma chamar equivocadamente de classe política nada mais é do que um grupo de pessoas surgidas dentro de nossa própria sociedade Não se trata de marcianos ou de animais com mentes e organismos diversos dos nossos Se todos eles são ruins de forma tão radical o corolário é que todos nós somos ruins já que parafraseando uma frase bíblica uma árvore boa não pode dar tantos frutos maus Se não gostamos do comportamento dos políticos e do funcionamento do sistema e não fazemos nada quanto a isso estamos sendo políticos estamos contribuindo para a perpetuação de uma situação política indesejável ou inaceitável Se queremos fazer alguma coisa para melhorar a situação também estamos sendo políticos pois a única via de ação possível neste caso é a Política Como você já deve ter percebido o objetivo deste manual não é fazer com que você decore palavras exóticas definições classificações etc O objetivo é darlhe os instrumentos iniciais para que você se capacite a pensar autonomamente sobre esses assuntos Ao contrário do que se pode achar a maioria das pessoas detesta pensar não está habituada a isto e de modo inconsciente deixa que pensem por ela Não se deve permitir que isto aconteça mesmo quando a fonte é um manual bem intencionado como este pois isto significa abdicar de parte talvez a mais importante da condição humana Sobre poucas coisas se escreveu mais neste mundo desde que o homem aprendeu a escrever do que sobre Política de uma forma ou de outra Isso mostra como o assunto é infinitamente vasto e este manual apenas fornece algumas informações básicas e dá uma idéia da riqueza da matéria política que deve ser explorada por você não só através de leituras e conversas que ampliem sua informação como através de dois instrumentos que são muito citados mas pouco usados a reflexão e a discussão Depois de cada capítulo a partir deste são sugeridos alguns pontos para reflexão e discussão não com o fito de que se chegue à verdade pois isto é muito duvidoso mas para que como foi dito acima se possa estimular o pensamento aclarar as idéias visualizar novos horizontes Os tópicos sugeridos são apenas isto sugestões que podem ser seguidas ou não é claro Não procure respostas certas para as perguntas pois não se trata de uma sabatina Procure raciocinar 1 Será que existe algum poder que só dependa de quem o exerce e nem um pouco daqueles sobre os quais é exercido A obediência é sempre uma coisa imposta mesmo que não pareça 2 Se fizermos uma lista digamos de cinco problemas que estamos enfrentando no momento é possível ver em alguns deles ou em todos eles implicações políticas 3 O pai toma todas as decisões por seus filhos adolescentes inclusive quanto a vestuário escolha da profissão etc Existe algo de político nisso 4 Uma mulher gostaria de fazer um aborto mas hesita não só porque é um ato ilegal como também porque não seria aceito pelas pessoas que ela respeita e acata Tratase de um problema político 5 Um deputado se elege passamse três anos de um mandato de quatro ele nunca faz um discurso nunca apresenta um projeto raramente aparece nas comissões e no plenário Ele é um político 6 Fulano é apenas um técnico em controle de natalidade que está procurando ensinar às famílias pobres da coletividade métodos anticonceptivos e distribuir material adequado Ele diz que seu trabalho é meramente científico e social não tem nada de político Ele tem razão 7 E tempo de murici cada um cuide de si Este velho ditado é apolítico 8 Quem manda nesta casa sou eu porque quem traz o dinheiro sou eu Isto é uma declaração política 3 O Estado Todas as sociedades são de alguma forma politicamente organizadas mesmo as mais primitivas Ou seja para não perdermos de vista nosso conceito de Política em toda sociedade há mecanismos estabelecidos através dos quais as decisões públicas são formuladas e efetivadas Na linguagem comum diríamos que toda sociedade tem alguma espécie de governo embora histórica e geograficamente a estrutura e o funcionamento desses governos variem muito Em relação a alguns deles seria necessário abandonar as nossas noções preconcebidas sobre o assunto para reconhecermos sua existência pois têm muito pouco a ver com o que chamamos hoje de governo Mas o fato é que não se pode prescindir de um mínimo de organização política Uma coletividade sem ela não seria humana mas animalesca A constatação de que há sempre um governo contudo não basta para que pensemos adequadamente sobre a questão pois é preciso que ampliemos nossa perspectiva até mesmo para que compreendamos a ação do próprio governo Talvez o caminho mais fácil seja utilizarmos um pouco de imaginação histórica Quer dizer vamos arquitetar situações que podem não ter ocorrido como as descreveremos e com certeza não ocorreram mesmo porque estaremos tendo uma visão necessariamente muito simplificada de processos históricos bastante complexos Entretanto não se trata de falsear a história mas apenas de usar o recurso da esquematização para que certos aspectos do assunto sejam entendidos de modo mais fácil Suponhamos então uma sociedade primitiva nos primórdios da história que nos servirá de modelo Chamemos esta sociedade pelo nome de UghUgh um som que aprendemos pelas histórias em quadrinhos e pelo cinema a identificar com homens muito primitivos Nos primeiros tempos de UghUgh os homens não se distinguiam muito dos outros animais pois sua tecnologia era extremamente precária Contudo a inteligência o uso da palavra e das mãos e outras vantagens biológicas já marcavam UghUgh como uma coletividade muito diferente de um grupo de macacos superiores É justo presumir que os primeiros líderes de UghUgh eram simplesmente os mais fortes que impunham sua vontade aos demais Como apesar disso mesmo os membros mais fortes não podem enfrentar todos os membros em conjunto o que aconteceu foi que os mais fortes trocavam seus privilégios por alguma forma de serventia para a comunidade liderando o combate contra inimigos humanos e animais tomando a frente em caçadas e assim por diante Mas com o correr do tempo e a chegada de avanços tecnológicos ser apenas o mais forte passou a não bastar Por exemplo se um ughughiano de inteligência e habilidade superiores inventou a primeira arma vamos dizer uma lança primitiva ou um machado de pedra é evidente que a força física já era contrabalançada por algo que a aumentava consideravelmente além de introduzir uma noção espacial nova na experiência humana a arma tornava o braço mais longo fato incompreensível e intimidador para os animais selvagens e ameaçador para o próprio homem Assim a tecnologia teve desde o começo um papel muito importante O controle da tecnologia passou a propiciar o exercício de um papel dominante nas decisões coletivas a tecnologia se igualou ao poder Quem tinha machado ou lança tinha poder De outro lado avanços tecnológicos em outras áreas que não a de armamentos relacionados por exemplo com a produção mais eficiente de alimentos e agasalhos também introduziram grandes novidades em Ugh Ugh Se no começo os ughughianos dependiam dos frutos que pudessem colher nos matos e dos animais selvagens que conseguissem capturar sua situação era bastante precária O misterioso poder estava mais concentrado na natureza pois lanças pedras e machados de pouco adiantavam contra a escassez eventual de caça ou de plantas comestíveis Aqui apenas de forma ilustrativa podese muito bem imaginar o surgimento de uma religião primitiva em UghUgh Se num dia qualquer o nascimento de uma rara criança loura coincidiu com uma mudança favorável nas condições de caça ou colheita não é impossível que desse dia em diante as crianças louras nascidas sob circunstâncias semelhantes passassem a ter uma importância política considerável em UghUgh bem como as tais circunstâncias de seu nascimento que poderiam começar a ser reproduzidas ou imitadas artificialmente uma espécie de fixação de ritos religiosos cuja origem termina por se perder no tempo Isto é uma digressão mas é útil pois além do fato de que a religião sempre esteve ligada à Política mostra também como coisas incompreensíveis na aparência podem ter tido origens perfeitamente compreensíveis O início do cultivo intencional e organizado de plantas comestíveis e do pastoreio de animais são por conseguinte avanços importantíssimos para UghUgh A coletividade se torna mais forte mais apta a resistir a crises naturais mais capaz de sobreviver e aumentar sua população mais qualificada para fortalecer sua cultura através da experiência dos velhos que antes não existiam e as tais crianças louras de que falamos podem vir a ter sua importância diminuída ou então conservada mas agora sem sentido visível para a comunidade simplesmente como uma tradição que adquiriu vida própria O poder não é só o das armas é muito mais dos que detêm a tecnologia do cultivo e do pastoreio Não é impossível até mesmo que Ugh Ugh se veja obrigada a enfrentar vizinhos predatórios que não sabendo eles mesmos criar gado ou plantar resolvam pela força pilhar o patrimônio ughughiano o que aliás pode muito bem estar na raiz do surgimento da profissão militar que existindo mesmo tais vizinhos tende a assumir grande importância em UghUgh Por seu turno os avanços tecnológicos vão gerar o que se costuma chamar de divisão social do trabalho Enquanto os ughughianos se limitavam a colher frutas silvestres e matar os animais que tivessem a infelicidade de encontrar um ughughiano armado pela frente o trabalho da comunidade e provavelmente a propriedade eram de todos conseqüência mesmo da simplicidade das tarefas desempenhadas pela coletividade Com o cultivo e o pastoreio a divisão já começa a assinalar se acrescida de novos progressos tecnológicos Por exemplo muitas das plantas domesticadas o trigo e o milho para citar duas eram em sua origem espécies rudes de grama que por uma seleção genética aos trancos e barrancos acabaram transformandose no que são hoje dependiam para seu consumo de preparação É necessário não só que se colha o trigo mas que se selecionem e se debulhem as espigas que se faça farinha e que ao fogo se produza o pão Todas essas são novas atividades que gradualmente se distribuirão por diversos setores da coletividade bem como as atividades geradas pelo pastoreio tais como o manejo do gado a matança o uso das peles a preservação da carne o aproveitamento do leite e assim por diante Muitas atividades requererão por assim dizer equipes com a tendência a se formarem grupos especiais e a se constituir alguma via muitas vezes esotérica para a transmissão do conhecimento especializado às novas gerações É importante notar que esse processo de divisão social do trabalho introduz conflitos de interesse na coletividade antes tão simples Assim para um agricultor o campo será um lugar para semear para um criador de gado um lugar para transformar em pastagem Quem se aproprie para si ou para seu grupo familiar de um pedaço de terra defendido pela força poderá explorar o trabalho de quem não tenha conseguido terra aproveitável Quem produzir trigo poderá trocálo por carne ou viceversa e o valor relativo desses bens agora transformados em mercadorias será certamente arbitrado em processo que envolverá conflitos Assim o interesse de cada um passa a não ser necessariamente como era antes o interesse de todos Na verdade há dificuldade para estabelecer qual é o interesse de toda UghUgh pois o que convém a um de seus grupos ou subgrupos internos não convirá a outro ou convirá menos Acrescentese a isso outro dado importante a possibilidade de acumulação de excedentes isto é de bens em quantidade superior à indispensável para o consumo de seu produtor o que irá marcar em profundidade o perfil socioeconômico de UghUgh através de inúmeras conseqüências facilmente inferíveis tais como a acumulação individual de riqueza e o desenvolvimento do comércio esta última uma atividade nãoprodutiva incogitável na comunidade simples da antiga UghUgh e agora inescapável Os conflitos de interesse causam tensão A tensão só pode ser resolvida através da solução do conflito O ideal seria que se conseguisse implantar um sistema através do qual esses conflitos pudessem ser resolvidos de maneira harmoniosa e pacífica através de concessões que beneficiassem todos os interessados Mas a verdade é que os conflitos de interesse se resolvem no confronto com a vitória do que dispõe de instrumentos mais eficazes para impor sua vontade quaisquer que sejam eles combinados de qualquer forma Entre os muitos e variadíssimos caminhos que a evolução de Ugh Ugh podia tomar vamos imaginar que os conflitos de terras entre pastores e agricultores chegassem a um ponto tão crítico que se declarasse uma guerra civil com a vitória dos pastores Imediatamente os pastores se organizariam para manter sua hegemonia e seus líderes seriam os líderes de toda a sociedade Os interesses prevalentes seriam os dos pastores e os conflitos seriam arbitrados também pelos pastores Os costumes e os valores tenderiam com o tempo a enobrecer a atividade do pastoreio e as com ela relacionadas como cavalgar por exemplo e a aviltar as atividades de cultivo da terra As atividades nobres poderiam ser proibidas aos cultivadores de terras o que no caso de cavalgar traria ainda a vantagem adicional de não permitir que os dominados manipulassem uma arma de combate poderosa o próprio cavalo As religiões poderiam desenvolver mitos adequados à visão de mundo dos pastores com deuses semelhantes a bois ou deuses pastores ou ainda narrativas contendo um irmão agricultor e um irmão pastor aquele vil este nobre o que aliás de certa forma ocorre com a história de Caim e Abel pois Jeová recusa a oferenda do agricultor Caim sem maiores explicações Enfim a gama de possibilidades é muito ampla como o estudo da história deixa patente Com a vitória os pastores de UghUgh resolveram o conflito básico de sua sociedade e pelo menos por enquanto se entronizaram solidamente no poder detendo o controle das decisões públicas Com o passar do tempo esta situação pode não permanecer tão clara pois os sacerdotes originados da classe dos pastores e responsáveis pela religião dos pastores mas não obstante um grupo com relativa autonomia os militares e outras tantas categorias assumem papéis que tornam obscura a relação principal dominantesdominados De qualquer forma a tendência dos vitoriosos é criar todo tipo de mecanismo para se estabilizar no poder E desta maneira a diferença entre governantes e governados estabelecida com a vitória dos pastores entra em processo de institucionalização Não é complicado entender o que vem a ser institucionalização Vamos supor que depois da vitória um dos pastores se haja tornado chefe e durante o tempo em que viveu tenha gradualmente assumido uma série de responsabilidades e tarefas importantes para seu povo Com a morte do chefe o previsível é que se indique alguém para assumir mais ou menos o mesmo papel Ou seja existe um papel social e político a ser cumprido independente da pessoa que o desempenhe A organização só se manterá se houver mais do que o chefe se houver a chefia No momento em que a chefia passa a ter existência mesmo que abstrata expressa em símbolos como o cetro e em atitudes como a deferência da sociedade independente do chefe essa chefia se torna uma instituição há um processo de institucionalização Com a institucionalização da chefia institucionalizase também o processo sucessório e surgem inúmeras outras instituições paralelas ou corolárias Para fazer uma comparação rápida com o Brasil de hoje temos instituições como a Presidência da República o Congresso Nacional as Forças Armadas os tribunais a Constituição e assim por diante A esse conjunto de instituições dáse o nome de Estado seja no Brasil ou em UghUgh Na realidade podese dizer que o Estado surge em dois passos a o estabelecimento da diferença entre governantes e governados b a institucionalização dessa diferença Onde quer que existam essas condições existirá um Estado quer ele tenha presidente rei ou chefe leis escritas ou não três Poderes ou não E o funcionamento desse Estado das suas instituições e das que lhe são acessórias ou paralelas pode ser sempre compreendido à luz da história dessa sociedade de sua estrutura social e econômica pois o Estado é sempre lógico ou seja é a decorrência lógica de uma situação social concreta As instituições estão sempre compreendidas em um arcabouço muito amplo chamado ordem jurídica quer dizer um conjunto de normas de aplicabilidade geral que regem o funcionamento da sociedade Em UghUgh mesmo muito tempo depois do estabelecimento de um Estado complexo é bem possível que as normas jurídicas o que hoje chamamos de leis fossem nãoescritas e misturadas com normas religiosas morais e outras Isto ainda existe hoje em dia mais o comum é que a ordem jurídica seja mais ou menos distinta da ordem religiosa e da moral com implicações que seria excessivamente longo examinar aqui Deve ser sempre levado em conta que o exercício de imaginação histórica que acabamos de fazer não pode ser compreendido de maneira demasiadamente literal Foi o resumo e a simplificação de processos que se desenrolaram através de milênios apenas um recurso para que se compreenda que os fatos históricos não se dão ao acaso e que existe racionalidade e funcionalidade em muitas coisas nas quais não percebemos de primeira estes elementos Temos então que com o surgimento de atividades e subseqüentemente de interesses diversos numa sociedade antes indiferenciada declaramse conflitos entre grupos de interesse Esses conflitos são resolvidos com o domínio de um grupo por outro estabelecendose uma diferença entre governantes e governados Essa diferença é institucionalizada criandose uma ordem jurídica Assim está formado em seus traços essenciais o Estado Existe Estado pois em toda sociedade política e juridicamente organizada Podese dizer ainda que o Estado é a organização política e jurídica da sociedade que muitas vezes como aprenderemos chega a confundirse com essa mesma sociedade 1 Numa certa coletividade isolada e primitiva os chefes são sempre substituídos quando morre o ocupante do cargo através de uma longa série de combates de morte entre os pretendentes Você acha que existe Estado nessa comunidade 2 Duas sociedades imperialistas Takuc e Babuc fazem freqüentes guerras contra vizinhos mais fracos Takuc mata todos os seus inimigos vencidos pois usa como escravos certas camadas de sua própria sociedade Babuc captura os vencidos e os escraviza Imagine uma história para cada uma dessas sociedades inclusive projetando seu futuro e descrevendo suas instituições 3 Você acha que as instituições religiosas de modo geral surgem antes ou depois das instituições políticas 4 Você acha que se UghUgh não tivesse o menor contato com outros povos hostis ou não a profissão militar ughughiana terminaria por institucionalizarse da mesma forma 5 Você acredita que sem absolutamente qualquer avanço tecnológico a propriedade privada surgiria em UghUgh de qualquer maneira 6 Invente uma UghUgh completa em que os agricultores tivessem triunfado sobre os pastores Quanto mais detalhes melhor 7 As nações indígenas de que você já ouviu falar são Estados 8 Na UghUgh em que os pastores ganharam é considerada uma grande humilhação para uma pessoa bem situada estar em contato direto com o chão a terra Isto explica por que os túmulos das elites dominantes são sempre de pedra muito acima do chão Isto explica por que os bichos que vivem em árvores são reverenciados Isto explica por que é um elogio chamar uma pessoa de pássaro e um insulto chamála de minhoca Isto explica por que morrer na língua ughughiana é a mesma palavra que cair 4 Estado e nação A palavra Estado tem utilização confusa especialmente para os brasileiros por causa da forma do Estado brasileiro que é a Federação dividida entre a União governo federal e os estados Assim quando se fala em Estado o brasileiro pensa em São Paulo em Minas na Bahia no Piauí Mas temos que distinguir as coisas O nosso sentido de Estado visto atrás permanece O termo estado escrito em geral com letra minúscula usado em relação a unidades da Federação deveria ser mudado para estadomembro porque todos eles fazem parte do Estado brasileiro O Brasil é um Estado da mesma maneira que os Estados Unidos a França e a Inglaterra Portugal no tempo dos Descobrimentos era um Estado como continua a ser No tempo do Império o Brasil era um Estado como eram ou são Estados a Pérsia antiga Atenas antiga a Espanha ou a Nigéria Na linguagem corrente é comum que se usem como sinônimos as palavras Estado nação país etc É preciso que esses termos sejam distintos para que não caiamos numa confusão irremediável O problema é que em muitas situações os termos são de fato sinônimos dependem da acepção em que se use a palavra Assim não temos jeito senão fazer as distinções de imediato principalmente entre Estado e nação porque país pode englobar os dois sem muitos problemas já que é uma palavra mais geográfica do que política indica mais a posição física da área sobre a qual se fala do que sua condição política Para começar devemos dizer que hoje a maioria dos países pode ser classificada como Estados nacionais mas não todos Talvez até mesmo os Estados não nacionais sejam a maioria a depender dos critérios de avaliação que se usem Pois há Estados com várias nações e há nações com vários Estados O Estado já sabemos o que é A nação pode encaixarse completa e exclusivamente dentro de um Estado mas também pode não se encaixar Isto porque a palavra nação engloba uma porção de coisas um pouco difíceis de precisar mas que todo mundo sente A nação quer dizer muitas vezes uma raça comum valores comuns hábitos comuns arte comum ou seja cultura no sentido mais amplo fazendo com que um cearense se sinta membro da mesma nação que um gaúcho e viceversa pois apesar das diferenças regionais eles têm uma comunidade forte entre si José de Alencar e Érico Veríssimo pertencem ao patrimônio afetivo cultural e histórico de ambos O mesmo não acontece por exemplo em relação a outros indivíduos que vivem muito mais perto uns dos outros do que cearenses e gaúchos como para citar um caso bascos e castelhanos Os bascos que falam sua própria língua e têm sua própria cultura estão situados na Espanha e na França o chamado País Basco e portanto são cidadãos conforme o caso do Estado espanhol ou do Estado francês Mas não são nacionais da Espanha ou da França são bascos Estão apenas submetidos à ordem jurídica da França ou da Espanha Um basco só é espanhol no sentido de que é cidadão do Estado espanhol embora muitos deles não se conformem com isso e lutem até com extrema violência pela instauração de um Estado nacional basco independente dos que agora abrigam seu povo E assim como o basco não é um nacional espanhol ou castelhano tampouco o são galegos e catalães Para os brasileiros isto é freqüentemente muito difícil de entender O Brasil é um caso comparativamente raro em que um Estado muito grande coincide com uma nação Antes do desmembramento da União Soviética para os brasileiros desavisados tudo era russo quando na verdade a Rússia é apenas uma das nações entre as muitas que compunham o antigo Estado soviético Os ucranianos e os georgianos para ficarmos apenas com nacionais de duas das quinze antigas repúblicas soviéticas eram cidadãos da URSS mas não são russos Tanto assim é que com a queda da URSS as nacionalidades tornaramse repúblicas independentes No Canadá citando um exemplo relativamente próximo de nós coexistem duas nações principais a de língua e cultura inglesas e a de língua e cultura francesas sendo que esta última já expressou algumas vezes significativas tendências separatistas O Canadá assim não é um Estado nacional como o Brasil mas um Estado binacional Há também nações politicamente divididas Até alguns anos atrás a Alemanha Oriental República Democrática Alemã era um Estado diferente da Alemanha Ocidental República Federal da Alemanha mas são ambas a mesma nação tanto que se reuniram a partir de 1991 Na realidade ao contrário do que a gente costuma pensar muitas nações européias só se constituíram em Estados recentemente até bastante depois do Brasil que é um país jovem Só em 1870 Bismarck unificou Estados diferentes mas da mesma nação alemã sob a bandeira da Alemanha a mesma coisa com que Hitler iniciou suas reivindicações territoriais na década de 1930 A razão dada era unificar sob a mesma ordem política os diversos núcleos da nação alemã em Estados como a Áustria a Polônia e a antiga Tchecoslováquia hoje a República Tcheca e a Eslováquia A Itália por sua vez era até o século passado dividida em muitos Estados Veneza Gênova Florença Sicília Nápoles Sardenha e outros antes de haver sido unificada sob o mesmo Estado italiano sob as mesmas instituições políticas em 1870 Estados como a antiga Iugoslávia a antiga Tchecoslováquia e outros da Europa Central e do Leste eram na verdade a junção de várias nações muito individualizadas como sérvios croatas montenegrinos tchecos eslovacos macedônios eslovênios e assim por diante A Nigéria é composta por nigerianos apenas no sentido político pois seu povo é dividido em inúmeras tribos no caso de africanos e índios a palavra mais usada é tribo em vez de nação embora em geral se trate da mesmíssima coisa Os diversos grupos independentes de indígenas brasileiros embora de número e influência excessivamente reduzidos para que sejam classificados como um Estado multinacional são nações em todos os sentidos nações submetidas pela força ao Estado brasileiro ao qual não têm condições de resistir Nem a nação nem o Estado como se pode deduzir necessitam para sua existência de um território fixo delimitado exclusivo A nação cigana se espalha por todo o mundo sem perder sua identidade Não existe um território cigano uma Ciganolândia Da mesma forma indivíduos dispersos por muitos países podem considerarse e ser considerados cidadãos de um mesmo Estado Assim acontece por exemplo com os chamados governos no exílio e ocorreu muitas vezes durante a Segunda Guerra Mundial em que os resistentes à ocupação nazista organizavam governos fora de seus países Essas coisas são muito importantes de se ter em mente quando tentamos compreender problemas como o dos índios brasileiros dos palestinos dos bascos dos irlandeses do Norte e de outros povos cujas lutas ocupam os noticiários de todos os dias embora muitas delas se desenrolem obscuramente em países de que raramente ouvimos falar e ainda outras sejam vistas por uma ótica deturpada pelos interesses envolvidos São também noções indispensáveis para que se compreenda a história dos povos pois do contrário grande parte dela perderá o sentido Assim por exemplo um acontecimento histórico como a Guerra dos Cem Anos é tido quase sempre por uma guerra que não acabava mais entre a França e a Inglaterra no século XIV Não pode haver nada mais falso do que isso justamente porque a França e a Inglaterra ainda não existiam como as conhecemos hoje ou seja não havia os Estados francês e inglês como existem hoje Havia inclusive senhores feudais franceses estabelecidos nas Ilhas Britânicas e senhores feudais ingleses estabelecidos em território francês havia parentes em ambos os lados enfim não se tratou propriamente de uma guerra entre França e Inglaterra mas de crises internas dentro da elite da época que vivia um momento de declínio do feudalismo e de início da afirmação do poder dos reis primórdios portanto do surgimento do Estado Moderno que substituiria os feudos e suseranias Se ignorarmos estes fatos nossa visão dos acontecimentos se perde em tolices como o ódio que sempre existiu entre franceses e ingleses e assim por diante com o resultado de que não pensamos corretamente na medida em que não avaliamos os dados pertinentes 1 Num Estado qualquer coexistem duas nações com língua religião predominante e cultura diferentes Você acha possível que este Estado seja viável bem organizado e próspero Examine várias hipóteses e procure explicitar condições negativas e positivas 2 Você acha que a guerra contra os invasores holandeses no século XVII foi uma guerra do Estado brasileiro contra o Estado holandês Se não se lembrar de certos pormenores consulte um livro qualquer de história do Brasil 3 O famoso rei Luís XIV disse certa feita O Estado sou eu Experimente explicar o que ele quis dizer com isto 4 Se as nações índias ficam no território do Estado brasileiro podese alegar que os brasileiros estão invadindo algum país quando ocupam terras dos índios 5 No Brasil os imigrantes devem ter direito à manutenção de sua língua costumes religião e cultura em geral mesmo que isto possa resultar em nos tornarmos um Estado multinacional 5 Soberania Um conceito muito útil quando se trata do Estado é o de soberania Soberania lembra soberano rei e tem origem no século XII significando a reivindicação dos reis por expandir seu poder em relação aos senhores feudais Este conceito transferiuse nos tempos contemporâneos para o Estado Ao se declarar que o Estado é soberano o que se quer dizer é que ele não se subordina a ninguém que não há poder acima dele Se o Estado não é politicamente independente claro que tampouco é soberano Os cidadãos desse Estado na verdade são cidadãos do Estado do qual aquele depende e às vezes em exemplos que são abundantes na história antiga e contemporânea não são nem isso vivendo numa espécie de limbo jurídico numa cidadania de segunda classe A soberania é um conceito político e jurídico de implicações muito ramificadas No mundo de hoje nem mesmo as potências mais fortes dispõem de uma soberania inquestionável de caráter unilateral pois a interdependência entre os diversos Estados em maior ou menor grau de uma forma ou de outra é um fato Os Estados mais fracos têm uma soberania muitíssimo relativa enfraquecida notadamente através da superioridade econômica dos mais fortes Respeitamse na maior parte dos casos as aparências Ou seja um governo não diz ao outro nomeiem tal ministro ou não vendam tal produto pelo preço que querem Mas por inúmeros canais muito fáceis de imaginar a soberania dos Estados mais fracos é violada a cada instante Acresçase a isso a existência de zonas de influência das grandes potências em que a soberania de cada Estado é subordinada às vezes pela força aos interesses das respectivas potências hegemônicas No caso da antiga União Soviética a imprensa costumava chamar os países sob sua esfera de influência de satélites no caso dos Estados Unidos os países da América Latina ainda são chamados por eles mesmos de nosso próprio quintal Discutese muito em que ponto do Estado em que componente seu estaria localizada a soberania No caso do rei Luís XIV o problema era fácil segundo ele mesmo disse com admirável concisão o rei soberano detinha a soberania ponto final Hoje em dia o problema é mais complicado pelo menos na prática Há Estados em que tanto na prática como na lei a soberania está concentrada na figura do governante ou governantes no caso por exemplo de uma junta militar Mas em qualquer caso é possível ver que a soberania não está efetivamente no governante mas em todo o esquema econômico e militar que lhe dá suporte É muito comum que em termos jurídicos a soberania seja localizada no povo a soberania popular Seria o povo que em última análise concentraria a soberania e a exerceria por meio de diversos mecanismos institucionalizados como por exemplo através de seus representantes eleitos Contudo só o exame de cada caso concreto é que dirá se o que está escrito na lei é espelhado na realidade 1 Você acha que quando o governo brasileiro impõe um regime jurídico aos índios está violando a soberania das nações indígenas 2 A Constituição brasileira lei máxima do nosso Estado a que todas as outras devem submeterse diz Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido Que quer dizer isto em termos de soberania 3 A Organização das Nações Unidas ONU não tem tido êxito na manutenção da paz e do equilíbrio entre seus membros A soberania de cada Estado está envolvida neste problema 4 Tente examinar as mudanças de soberania ocorridas no Brasil logo em seguida ao grito do Ipiranga 5 A estabilização da moeda e a conseqüente reorganização da economia brasileira representam uma afirmação de soberania do Estado Comente 6 Em certas áreas das grandes cidades os agentes do Estado coletores de lixo agentes de saúde bombeiros carteiros etc só conseguem entrar com permissão de traficantes e outros protetores da comunidade Nesses casos o Estado está perdendo soberania aqui entendida como controle sobre o território Isto acontece em sua cidade Comente o fato 6 Estado e violência O Estado representa o interesse público embora muitas vezes defenda apenas os interesses das elites das classes dominantes Os motivos de interesse realmente público são poucos e relativos no contexto político Entretanto ao menos de forma nominal e com maiores ou menores benefícios para o cidadão comum conforme o caso o Estado representa sempre o interesse público o bemestar da população Isto se expressa na ordem jurídica A ordem jurídica rege o comportamento do cidadão do próprio Estado e das relações entre o Estado e o cidadão No estado de direito a lei palavra usada aqui como sinônimo de ordem jurídica subordina povo governantes e instituições existindo mesmo certos princípios básicos inalteráveis A mudança da lei só pode ser feita sob o império da própria lei pois é a ordem jurídica que estabelece as normas para a alteração de seu próprio conteúdo Só há naturalmente uma ordem jurídica aquela vinculada ao próprio Estado O Estado não pode reconhecer uma ordem jurídica à parte pois no momento em que o fizesse incorporaria os elementos dessa ordem transformandoos em parte de si mesmo pois afinal só o Estado detém a soberania No âmbito do Estado a ordem jurídica se estende a tudo e a todos sem excluir até mesmo os cidadãos estrangeiros que estejam em seu território ou sob sua jurisdição a qualquer outro título Decorre daí que o Estado detém o monopólio das normas jurídicas A norma pode não ser obedecida mas essa desobediência não deve ser tolerada Do contrário não haveria sentido na existência da norma Do que se depreende que o Estado exerce coerção sobre tudo o que está contido na ordem jurídica Como a coerção é uma forma de violência inclusive física em muitos casos o Estado detém conseqüentemente o monopólio legítimo da violência Mesmo que meu vizinho cometa uma flagrante violação da ordem jurídica eu não posso condenálo ou encarcerálo Só quem pode é o Estado Somente o Estado em nome do interesse público qualquer que seja ele na ocasião é que pode fazer a guerra conduzir a repressão à delinqüência mesmo quando essa delinqüência consiste apenas em reivindicações populares que a lei decidiu considerar ilícitas coagir usar a violência enfim Essa violência na maior parte dos casos é apenas latente não concretamente exercida embora se possa argumentar que o indivíduo contemporâneo de tal forma se acostumou à estruturação de sua vida pela ordem jurídica que apenas não mais nota que ela o violenta a todo instante Mesmo que o Estado seja regido pela norma universal segundo a qual na órbita privada tudo o que não é proibido é permitido o indivíduo está sob a permanente pressão de não cometer até por ignorância da lei ato que seja proibido Na órbita dos que ele sabe que são proibidos ele percebe que a coerção do Estado se encontra na sanção aplicável a quem viola a norma Genericamente a violação da norma envolve uma sanção isto é medidas coercitivas contra o autor da violação que podem ir digamos de uma repreensão até a condenação ao suplício e à morte Somente a ordem jurídica o Estado pode obrigar enfim alguém ou alguma organização a fazer ou deixar de fazer alguma coisa É claro que este monopólio legítimo da violência é desafiado a todo momento não só por indivíduos como por organizações Em países como o Brasil sabemos que se trata de uma situação crônica É também óbvio que grupos ou facções que não reconhecem a legitimidade de um Estado qualquer não se vêem obrigados a respeitar a lei e o conseqüente monopólio da violência embora naturalmente as revoluções quando triunfam imponham sua própria ordem jurídica e restabeleçam o monopólio Por fim apesar de ser da própria natureza da lei que ela se aplique igualmente a tudo e a todos isto não acontece sempre como também sabem perfeitamente os brasileiros Esta situação se deve a que as contradições entre a lei e a realidade concreta ou seja entre o que está previsto de forma abstrata e o que acontece de fato nos processos decisórios são muitas vezes fortes demais Assim como se diz no Brasil a lei é igual para todos mas alguns são mais iguais que outros ou ainda a justiça e a cadeia são para os pobres Isto porém é outro problema 1 Para sentir as malhas do Estado tente elaborar uma lista do que você é obrigado a fazer todos os dias Ou mais complicado ainda uma lista do que você é obrigado a não fazer todos os dias 2 Famílias que moram num determinado lugar há gerações são de repente notificadas de que o governo vai desapropriar suas casas para ali construir um Jóquei Clube Quando as famílias protestam o Estado não aceita os protestos alegando que está agindo no interesse público Isto é justo O Estado tem razão Existem hipóteses que favoreçam ambos os lados 3 Muitas ruas das grandes cidades são guardadas por seguranças particulares pagos pelos moradores Neste caso não se estaria subtraindo soberania do Estado uma vez que ele deixa de ter o monopólio do uso legítimo da violência 4 Se você bate em sua mulher ou seu marido está havendo uma violação do monopólio da violência exercida pelo Estado Pense bem 5 E se você dá umas palmadas em seu filho 6 Você já deve ter visto em algum artigo de revista ou fonte parecida a expressão um Estado dentro do Estado Você é capaz de imaginar ou explicar o que se quer dizer com isso 7 Na sua opinião existe uma espécie de hierarquia dos interesses públicos Por exemplo um determinado Estado prioriza a manutenção da ordem Portanto subordina outro interesse público vamos dizer o de melhores salários para a maioria da população ao da ordem Como reivindicar melhores salários perturba a ordem o interesse público da manutenção da ordem não permite o atendimento de outro interesse público o de melhores salários Que é que você acha desta e de outras hipóteses fáceis de imaginar 8 Você acha que o interesse público representado pelo Estado pode justificar a aplicação de penas sanções tais como algumas até hoje praticadas garroteamento enforcamento eletrocussão amputação de membros internamento em clínicas psiquiátricas condenação ao silêncio fuzilamento esterilização açoite e outras de que talvez você já tenha ouvido falar Você acha que haveria casos especiais para a aplicação de alguma ou de todas essas penas 7 O que o Estado faz Para não complicar vamos observar logo que o Estado faz basicamente três tipos de coisas 1 elabora as leis atividade legislativa 2 administra os negócios públicos executa a lei atividade administrativa e executiva 3 aplica a lei a casos particulares atividade judicial As pessoas mais bem informadas dirão logo que este foi um jeito rebuscado de dizer que o Estado tem três Poderes o Legislativo o Executivo e o Judiciário Mas isto não é bem verdade no sentido de que nem todos os Estados mesmo os contemporâneos e desenvolvidos têm três Poderes distintos em sua estrutura Além disso dizer simplesmente Legislativo Executivo e Judiciário é uma maneira muito formal de ver as coisas bastante útil em muitas circunstâncias mas não satisfatória em nosso caso pois decidimos adotar outra perspectiva desde o início ou seja procurar visualizar os processos concretos O Estado sempre exerceu essas atividades Sempre houve alguém que formulou normas alguém que as executou e alguém que as aplicou notadamente em casos de conflitos ou problemas de interpretação A separação entre essas três atividades os tais três Poderes é mais ou menos uma novidade coisa comparativamente recente Raciocinouse que se essas três atividades ficassem concentradas numa só pessoa ou grupo de pessoas o perigo da tirania seria muito grande Se eu mesmo faço a lei eu mesmo a executo e eu mesmo a aplico é evidente que fico com um grau de arbítrio muito grande nas mãos até porque não permaneço sujeito à própria lei depois de posta em vigor já que posso modificála como desejar Assim concebeuse que as atividades do Estado constituiriam poderes independentes entre si Na prática contudo o que se vem notando é que a divisão em três Poderes não importa que recursos imaginosos se criem para garantila não basta para evitar os abusos de poder isto é excessivo predomínio nos processos decisórios para ficarmos dentro de nossa perspectiva metodológica Na verdade a separação entre os três Poderes é inevitavelmente relativa havendo grande número de pontos de contato entre eles Em segundo lugar há Estados onde os abusos de poder não são problema como a Inglaterra e não há separação entre os três Poderes E há Estados como o Brasil onde existe a separação e os abusos de poder são freqüentes Portanto a separação por si só não é sinal de que não existe tirania Há várias formas pelas quais as atividades podem ser conduzidas Por exemplo a função executiva pode ser desempenhada pelo Parlamento ou seja por uma assembléia de representantes do povo no caso dos regimes parlamentaristas Nestes pode haver um presidente repúblicas ou um rei monarquias mas o comum é que nem o presidente nem o rei exerçam papéis de grande relevância na condução da administração pública É possível também que a função executiva seja exercida por um presidente como no caso do Brasil e dos Estados Unidos cujos regimes são presidencialistas A função legislativa é normalmente desempenhada por assembléias ou parlamentos escolhidos das formas mais diversas Mas há casos em que outros poderes exercem atividades legislativas Em circunstâncias normais por exemplo cabe ao Executivo baixar regulamentos que possibilitem a execução das leis emanadas do Legislativo e o regulamento é um decreto o que equivale a uma atividade legislativa Também o Judiciário realiza atividade desse tipo quando por exemplo elabora e põe em vigor seus regimentos internos No Brasil desde a primeira Constituição republicana a de 1891 uma série de atividades legislativas é exercida pelo Executivo invadindo a seara do Legislativo Vamos ver alguns exemplos a o presidente da República tem iniciativa de projeto de lei Isto significa que o presidente pode enviar diretamente um projeto para a Câmara dos Deputados em vez de pedir a um deputado aliado que o faça b o presidente da República tem direito a veto parcial isto é ele pode vetar artigos alíneas e parágrafos de leis aprovadas pelo Congresso modificando a própria lei e portanto exercendo uma atividade legislativa c há determinados projetos de lei que são de iniciativa exclusiva do presidente da República como leis sobre aumento do funcionalismo criação de órgãos públicos efetivo das Forças Armadas etc e d o presidente pode editar medidas provisórias com força de lei que passam a vigorar imediatamente e o Congresso tem trinta dias para recusar ou aprovar É claro que passado este tempo se a medida não for apreciada o Poder Executivo tem o direito de reeditála Com isso mais de 70 do trabalho do Legislativo trata de leis que têm origem na Presidência da República Como pudemos ver há no Brasil uma certa confusão entre os poderes com o Executivo mandando muito mais que os outros dois Entre as funções do Estado a judicial apresenta uma característica peculiar só costuma exercerse quando provocada O Poder Judiciário através de qualquer de seus órgãos só se manifesta se for solicitado normalmente na forma de uma ação o que se chama na linguagem cotidiana de processo O relacionamento entre os três Poderes ou mesmo o seu estabelecimento como entidades distintas depende do direito constitucional positivo de cada Estado ou seja das normas e princípios constitucionais vigentes Em cada Estado este relacionamento apresenta particularidades mas o essencial é lembrar como a ação do Estado se equaciona e raciocinar sobre o funcionamento o sentido e as conseqüências dessa ação A maneira pela qual o Estado desempenha suas funções e a própria definição ou limitação dessas funções têm evidentemente mudado muito através da história Basta que lembremos que o Estado no mundo de hoje é gigantesco Havia países como a antiga União Soviética para citar um caso ainda recente em que o Estado assumiu praticamente toda a atividade econômica Sendo as lojas as fazendas e as fábricas do Estado podese imaginar o gigantismo da estrutura estatal soviética Mas mesmo em países como os Estados Unidos onde a norma é que a atividade econômica seja desempenhada por particulares empresas ou indivíduos a presença do Estado é muito grande de várias maneiras Quando a economia moderna começou a tomar forma em países como a Inglaterra com o advento da Revolução Industrial e a consolidação do capitalismo capitalismo por enquanto pode ser entendido apenas por seu aspecto mais genérico sistema em que a atividade econômica está majoritariamente em mãos privadas o Estado não era tão gigante assim nem se pretendia que ele fosse O aparecimento de máquinas movidas a energia não humana ou animal a produção em massa o surgimento dos assalariados a divisão social cada vez maior do trabalho tudo isso gerava uma realidade socioeconômica extremamente nova em que a tecnologia iria constantemente exigir a revisão de tudo o que era verdade antes Naquela nova realidade revolucionária em que os dominantes não eram mais os aristocratas de antigamente mas os industriais os comerciantes os banqueiros a classe que agora punha o mundo a andar por caminhos antes nunca explorados ou sequer suspeitados viuse a possibilidade de formular leis do mercado no sentido cientifico da palavra de relações constantes e previsíveis entre determinados fatos econômicos Por exemplo se um produto existia em abundância a tendência era que o preço desse produto baixasse Se ao contrário existia muita procura por esse produto e ele era escasso seu preço subiria Eis a lei da oferta e da procura este último termo é freqüentemente substituído por demanda com o mesmo significado até hoje tão invocada Além disso definiramse certos postulados sobre a natureza e o comportamento humanos tidos como necessários e imutáveis isto é necessariamente decorrentes da realidade Se havia uma atividade econômica não explorada ainda mas de rentabilidade previsível algum espírito empreendedor procuraria exercer essa atividade e com isso auferir lucros O egoísmo humano até no bom sentido se se pode falar assim o desejo de proteger seus próprios interesses a determinação de progredir tudo isso dentro do impecável funcionamento das leis econômicas dentro dos horizontes que então se abriam para o homem através da ciência e do conhecimento que então pareciam ilimitáveis iria fazer com que a sociedade a economia a Política marchassem harmoniosamente Não toquem em nada que tudo funciona por si só era como se fosse esta a palavra de ordem É bastante invocada a expressão a mão invisível do mercado que colocaria tudo em ordem Para isso era indispensável portanto que o Estado interviesse o mínimo possível não só na economia como na vida dos cidadãos Liberdade para a atividade econômica liberdade para o cidadão Esta é a essência clássica do liberalismo liberalismo econômico e liberalismo político que se identificavam eram como duas faces de uma mesma moeda Mas o liberalismo econômico não contava com seu próprio desenvolvimento e com as condições criadas pela expansão tecnológica que ele próprio teorizou justificou e possibilitou De repente para configurar apenas uma entre muitas hipóteses possíveis por uma razão ou por outra um fabricante de sapatos desejando eliminar a concorrência conseguiu enfrentar prejuízos intencionais durante vários meses vendendo sapatos abaixo do preço de custo Seu principal concorrente sem reservas para agüentar a guerra acabou em sérias dificuldades porque ninguém comprava mais os seus sapatos Em conseqüência disso o primeiro fabricante pôde adquirir o estabelecimento concorrente e conquistar uma faixa tão grande do mercado que já não havia mais sombra que lhe pudesse ser feita só quem fabricava sapatos era ele era ele quem fazia os preços e estipulava as condições de comércio Estava formado um monopólio uma das piores pragas da economia capitalista Há muito as pessoas haviam deixado de saber fazer seus próprios calçados como não sabem criar os animais que comem nem podem como não sabem nem podem tecer o pano que vestem e assim por diante dependendo inapelavelmente da divisão social do trabalho pois sem os outros morreriam Ao mesmo tempo a consolidação do Estado nacional a identificação de interesses entre setores das elites dominantes e outros fatores foram contribuindo para que se notasse às vezes muito penosamente que se o Estado não interferisse na vida econômica a situação poderia ficar fora de controle numa espécie de processo autodestrutivo Se o Estado não interviesse por exemplo para impor determinadas limitações à autoridade dos patrões sobre os empregados através de legislação trabalhista previdência social e assim por diante os conflitos tenderiam a tornarse insustentáveis A mesma coisa pode ser dita em relação aos monopólios e outras práticas de manipulação predatória do mercado De outro lado se o Estado não procurasse ingressar em empreendimentos econômicos que de pronto não interessassem à iniciativa privada as áreas para esses empreendimentos podiam ser negligenciadas prejudicando a médio ou longo prazo o bom funcionamento da economia E nada melhor que o Estado para usar o dinheiro de todos a fim de garantir a situação de alguns e conferir estabilidade ao modelo vigente É lógico que o Estado não pode permitir que as leis econômicas deixadas soltas causem problemas de magnitude insuportável como aconteceu com a Grande Depressão a partir de 1929 Por essas e outras razões de grande complexidade o Estado liberal veio a ser substituído pelo Estado intervencionista o Estado que interfere na atividade econômica e por conseqüência em todas as áreas da vida do cidadão O Estado passou a não somente regular a atividade econômica mas também a ingressar nela diretamente inclusive por meio de empresas estatais ou seja empresas em que os proprietários particulares são substituídos pelo Estado A crueza a lei da selva da economia de mercado é orientada para equilibrar o sistema para não deixar que ele se destrua Vamos dar um exemplo claro e simplificado para que tudo fique bem entendido Um Estado qualquer não possui grupos econômicos em condições de explorar atividades como a mineração certos serviços públicos a distribuição de combustíveis e outras O Estado interfere para explorar essas atividades com recursos de todos Quando essas atividades se tornam lucrativas o Estado como acontece bastante pode passálas à iniciativa privada Ou pode continuar a explorálas com objetivos sociais A verdade contudo é que o Estado representa interesses e enquanto representar os interesses X jamais vai fazer alguma coisa em benefício dos interesses Y De qualquer maneira é visível que a função onde o Estado é mais complexo é a função administrativa a função de gerência da sociedade onde está implantado As chamadas máquinas estatais adquiriram dimensões descomunais são hoje verdadeiros mamutes burocráticos que muitas vezes a própria administração pública não conhece direito como no caso do Brasil Aqui ainda isto é agravado pela prática do clientelismo dos cabides de emprego e instituições semelhantes além do paternalismo que sempre se praticou em relação à sociedade e à economia tudo sempre terminando em alguma coisa para o governo resolver Entretanto a partir da década de 1980 muitos países começaram a perceber que o Estado era na maioria das vezes um mau gerente gastador corrupto empreguista perdulário incompetente ineficiente Uma série de privilégios foi sendo atribuída às empresas do Estado cujo custo para os cidadãos como um todo que não participaram dessas empresas ficou insuportável Vários países europeus como a Inglaterra a França e a Alemanha começaram a vender suas empresas estatais ou seja a privatizar No Brasil o processo de privatização só teve início em 1990 Antes disso o Estado estava em toda parte na siderurgia na produção de energia elétrica nos transportes na produção de combustível na produção e distribuição de alimentos nas comunicações em toda parte mesmo enfim Mas o Estado brasileiro não tem conseguido cumprir suas funções básicas garantir boa escola pública para todos boas condições de atendimento na saúde pública moradia para as populações de baixa renda saneamento básico etc Por isso para garantir este atendimento mínimo das necessidades dos cidadãos o Estado brasileiro começou a se desfazer da maior parte de suas empresas num processo que ainda está longe do fim Por ironia da história hoje o liberalismo econômico que é irmão gêmeo do liberalismo político distanciouse daquele junto ao qual nasceu O liberalismo econômico puro gera iniqüidades destrói o liberalismo político depois de algum tempo O Estado ausente não pode mais ser mantido hoje o Estado precisa manter algumas atividades básicas em suas mãos e regular as atividades nas mãos da iniciativa privada para corrigir as distorções da mão invisível do mercado O problema é definir que atividades devem permanecer na mão do Estado Isto nos remete à seguinte pergunta quem dirige o Estado Quem manda 1 Que é que quer dizer o rei reina mas não governa 2 Os cinco grandes comerciantes que num país qualquer controlam todo o feijão disponível para venda como não estão satisfeitos com os preços provocam uma escassez artificial do produto pondo à venda apenas pequenos estoques Podese dizer que estes comerciantes estão violando a lei da oferta e da procura Se o governo interferir para corrigir a situação que significa isso quanto às relações entre o Estado e a economia 3 Você vê vantagens ou desvantagens em deixar o Executivo legislar à vontade Por exemplo há quem diga que assim ele adquire mais velocidade e eficiência sem ser prejudicado pela morosidade do Legislativo 4 Na Inglaterra a rainha pode nomear teoricamente qualquer membro do Parlamento que deseje para o cargo de primeiro ministro No entanto ela sempre nomeia o líder do partido que ganhou as eleições o partido majoritário Isto significa na sua opinião que o costume pode ser parte da ordem jurídica num Estado qualquer 5 Na antiga União Soviética o Estado elaborava e procurava cumprir planos econômicos numa economia inteira mente controlada pelo Estado No Brasil o Estado também elabora e procura cumprir planos econômicos numa economia em que a iniciativa privada é encorajada Procure imaginar as diferenças de significado dessa interferência estatal entre um caso e outro 6 Qual é o interesse de um Estado como o brasileiro em investir em mais saúde pública Procure pensar para além das implicações mais superficiais Faça o mesmo em relação a investimentos semelhantes como saneamento transporte educação 8 O Estado e o indivíduo O Estado é claro não existe sem as pessoas que o integram sem a sociedade onde está implantado E os relacionamentos possíveis entre o Estado e os indivíduos são como já temos idéia múltiplos e variados Mas para fins de análise é possível fazer algumas abstrações e generalizações o que quer dizer no caso imaginar um indivíduo hipotético e procurar visualizar que tipos de relacionamento esse indivíduo pode ter com o Estado Como em muitos outros aspectos da Política este também envolve importantes implicações filosóficas assim qualificadas porque abrangem indagações permanentes a respeito da condição humana Por exemplo alguém pode achar que o ser humano é um animal violento egoísta e predatório cuja natureza requer permanente controle Desta forma o Estado seria indispensável para proteger o homem de seus próprios impulsos protegêlo de si mesmo enfim Alguém pode também pensar que o homem é por natureza bom ou que tende para o bem mas as pressões da vida em comum com os outros o induzem a desenvolver características negativas o que tornaria necessária uma organização estatal para impor a ordem ainda que dentro de limites cuidadosos que não redundassem no esmagamento das liberdades do indivíduo Ainda outros podem concluir que o Estado é na realidade uma espécie de perversão da raça humana talvez até uma marca de seu atraso que todo governo é em última análise uma violência que o homem pode passar muito bem sem o Estado substituindoo por organizações mais simples que ordenem minimamente o trabalho e a vida coletiva sem a marca da autoridade caracterizadora da ação estatal Finalmente para encerrar este rosário de hipóteses que estão longe de esgotar todas as variações possíveis é bem possível que alguém considere o Estado a suprema evolução da vida humana em sociedade e que portanto o indivíduo em si não tem importância perante o Estado existindo apenas para servilo e não o contrário Podemos então concluir que há três atitudes básicas dentro das quais se encaixam todas as variantes e seus pormenores 1 o Estado existe para servir ao indivíduo e à sociedade 2 o indivíduo e a sociedade existem para servir ao Estado e 3 o Estado existe porque por enquanto não temos outro jeito mas devemos fazer tudo para abolilo pois é uma forma insuportável de tirania uma maneira de impor a vontade de alguns sobre todos e um sintoma da baixa evolução da espécie humana As teorias e as concepções em que se fundamentam essas posições são é óbvio inconciliáveis entre si O que uma tem como pressuposto verdadeiro a outra tem como falácia e viceversa É também freqüente que a teoria explicativa surja depois do estabelecimento do tipo de Estado a que se aplica Por exemplo depois de instalado no poder o ditador pode desenvolver com a ajuda sempre disponível de intelectuais que auxiliam ditadores uma vasta teoria sobre como a ditadura dele é necessária com todo o substrato filosófico sociológico e jurídico que ele julga indispensável para legitimarse Naturalmente e é o que acontece muitas vezes essa teoria podia existir antes pode não ser mais do que a reunião interesseira de pensamentos de vários estudiosos ou ainda a expressão de uma escola de pensamento antes desprestigiada ou até o produto do trabalho de um só pensador de maior relevância ou influência De qualquer maneira uma teoria por mais engenhosa que fosse nunca seria aplicada à realidade social e política se não houvesse interesses concretos aos quais ela servisse Se as conseqüências práticas da aplicação de uma teoria interessarem a alguns setores da sociedade é claro que esses setores tenderão a adotála como verdade em oposição a outras maneiras de pensar Se esses setores assumirem o controle das decisões públicas a teoria adotada por eles passará a ser a oficial Opostamente as teorias que procurem demonstrar a não validade da teoria oficial e a resultante validade de posições diametralmente diferentes interessarão às camadas da sociedade que não têm participação efetiva nos mecanismos decisórios ou que estão oprimidas pelo sistema ou ainda meramente insatisfeitas Não é incomum que essa situação se radicalize a tal ponto que até pensar ou dar opinião baseada numa teoria que não interessa ao Estado é considerado um ato antisocial por assim dizer um crime contra a sociedade uma ação subversiva o que pode gerar uma reação violenta por parte dos grupos que controlam o Estado O exposto acima não deve ser entendido como uma espécie de chave para uma compreensão mecânica e simplória da realidade sociopolítica porque as coisas não funcionam de maneira tão singela e transparente A começar pelo fato de que como veremos melhor depois é difícil que haja uma verdade social Dizer em relação à vida da sociedade isto é o certo ou isto é o bom é muito problemático e duvidoso Se nas próprias ciências exatas como a física as dúvidas sobre essa verdade já são muito grandes imaginese num terreno como a nossa vida em que mesmo quando estamos tentando ser objetivos não podemos abstrair por completo a condição de seres humanos carregados de valores símbolos e intenções Foi verdade durante muitíssimo tempo que algumas pessoas eram por natureza destinadas à escravidão E não se tratava de uma verdade marginalizada mas de algo que já teve dignidade científica já foi plenamente aceito como até constando da Ordem Divina pelos elementos mais respeitáveis das sociedades que desde que o mundo é mundo mantiveram escravos ou escolhidos entre inimigos vencidos ou buscados entre povos tecnologicamente mais atrasados feitos para a escravidão De certa forma pois o ser humano faz sua própria verdade A verdade social e política termina por redundar na interpretação dos fatos da existência humana e o intérprete é o próprio homem também personagem dos fatos interpretados A aceitação de certas verdades importa sempre na aceitação de certas outras que são seus pressupostos ou suas conseqüências e implicações Por exemplo é verdade que o Brasil não tem recursos para investir o necessário no bemestar da maioria de seu povo É também verdade que isto constitui uma contingência inevitável e que nem os próprios políticos de oposição têm podido oferecer sugestões eficazes Mas é também verdade que parte da população a minoria vive muito mais ricamente do que seria humanamente necessário e que essa vida é levada à custa da miséria da maioria Qual é a verdade Há ou não há recursos É possível ou não modificar por completo a situação Como é verdade que não existem condições para alimentar e dar trabalho aos pobres quando muitos ricos não trabalham e jogam comida fora quando é comentado abertamente que os depósitos brasileiros clandestinos no exterior sobem a várias dezenas de bilhões de dólares quando somos um dos maiores exportadores de gêneros alimentícios do mundo e ainda assim periodicamente assistimos à perda de safras por falta de infraestrutura de armazenamento e transporte além de também presenciarmos a destruição de outras tantas safras de pintos de um dia a cebolas pelos seus próprios produtores movidos por distorções no mercado Cabe a cada um de nós examinar essas verdades Cabe também apontar que o fato de uma das teorias a que aludimos anteriormente contrariar ou servir os interesses de determinados segmentos da sociedade não significa que os indivíduos pertencentes a esses segmentos percebam isso tenham consciência disso Ao contrário é muito comum que a maneira de pensar politicamente de cada pessoa seja emprestada o que aliás acontece em relação a quase tudo Uma pessoa nessa situação não vê o mundo de acordo com seus interesses mas de acordo com uma visão que lhe foi ensinada como a certa Daí a figura do escravo bonzinho do Pai Tomás do escravo que acredita que de fato algumas pessoas nasceram para a escravidão ou para servir incondicionalmente a um senhor e que ele é uma dessas pessoas Daí a figura do jagunço nordestino que mesmo pertencendo a uma classe oprimida se coloca a serviço do opressor em troca de algumas vantagens na verdade insignificantes E a máquina do Estado sob a capa do interesse coletivo em muitos casos dedica extraordinários esforços a manter essa situação a ponto de os indivíduos muitas vezes com entusiasmo perderem suas próprias vidas para defender um sistema que não é absolutamente de seu interesse como acontece nas guerras em que morrem recrutas ou voluntários miseráveis até mesmo escravos para defender ou impor um Estado que os obriga a permanecer na miséria ou na escravidão A realidade social é fácil de perceber quando estamos falando abstratamente sobre ela mas esquiva quando estamos imersos nela É sempre um pouco enganoso colocar rótulos nas coisas porque se os rótulos são adequados sob determinados pontos de vista sob outros não são Mas vamos outra vez fingir que a realidade é mais simples do que é e figurar o indivíduo hipotético de que falamos atrás em algumas situações típicas a o Estado de que Indivíduo é cidadão através de um processo mais ou menos longo e de uma liderança bem organizada se apresenta e se impõe como a própria encarnação da nacionalidade como o instrumento supremo de realização do povo Tudo portanto cai sob a ótica do Estado que não pode ser contestado já que representa a vontade geral ou o espírito do povo Não se pode pensar ou agir de forma diversa não há interesse legítimo além do interesse do Estado que orienta ou tutela todas as atividades Neste caso Indivíduo é cidadão de um Estado totalitário uma espécie de ditadura amplíssima como aconteceu na Alemanha nazista ou na Itália fascista b o Estado de que Indivíduo é cidadão não chega a ser totalitário ou seja não desenvolveu instrumentos tão extensos para o controle de todos os aspectos da sociedade Entretanto a participação do cidadão nas decisões públicas é limitada os direitos e liberdades individuais são mais ou menos restritos e há uma margem considerável de arbítrio para os ocupantes do poder Neste caso Indivíduo é cidadão de uma das muitas variantes de Estado autoritário o qual pode até nem manter um ditador vitalício mas substituílo rotineiramente por outros da mesma corriola preservando uma aparência de mudança que efetivamente não existe O exemplo aqui pode ser o Brasil mesmo entre 1964 e 1985 c o Estado de que Indivíduo é cidadão procura permitir um grande número de liberdades individuais assegurar a participação de todos em muitas decisões públicas através por exemplo de eleições referendos plebiscitos etc e da manutenção de um esquema de representatividade responsável e efetiva O Estado obedece ainda a princípios e leis que não pode modificar a não ser pela vontade popular expressa direta ou indiretamente Neste caso Indivíduo é cidadão de uma das muitas variantes do Estado democrático d Indivíduo é cidadão de qualquer um desses Estados mas não suporta a existência de autoridade sobre sua pessoa e sobre os outros abomina toda espécie de interferência sobre sua liberdade pessoal desde o pagamento de impostos até a vacinação obrigatória e em síntese identifica qualquer tipo de governo com uma forma mais ou menos insuportável de tirania Aqui Indivíduo perfilha uma das muitas formas do anarquismo Anarquia significa ausência de governo não necessariamente baderna ou confusão Neste caso Indivíduo não quer ter relacionamento com Estado nenhum não quer ser cidadão e Indivíduo finalmente é cidadão de um Estado que fez a Revolução ou seja reverteu por completo a situação anterior reformulou toda a estrutura social econômica e institucional Neste caso Indivíduo pode ser obrigado de maneira semelhante à que vigora no Estado totalitário mencionado acima a não desviar sua conduta dos padrões estabelecidos pelo esquema revolucionário pois a Revolução terá sido popular e representa os interesses da maioria Além disso pode ser que a ideologia oficial desse Estado considere o totalitarismo bem como a ausência de mecanismos formais semelhantes aos das chamadas democracias uma simples fase anterior à da verdadeira democracia que ocorreria quando depois desse período ditatorial o espírito da Revolução como que se automatizasse e a sociedade funcionasse sem a necessidade de instrumentos coercitivos e do aparato estatal como o conhecemos Ou seja esse Estado em última análise evoluiria para uma espécie de anarquia no sentido que já vimos Indivíduo neste último caso seria possivelmente cidadão de um Estado socialista submetido a uma ditadura do proletariado e mantido na convicção de que a humanidade é tão aperfeiçoável que um dia prescindirá de qualquer tipo de Estado Mas o que se alega freqüentemente é que tanto no caso do item a como no caso deste item Indivíduo estará pura e simplesmente numa ditadura só que a primeira de direita e esta de esquerda O esquema acima é incompleto e generalizador mas deve bastar para que se tenha uma compreensão inicial do assunto a ser complementada depois com outras informações Na verdade os esquemas sempre empobrecem a realidade e nada substitui o exame dos casos concretos à medida que eles nos apareçam Cada Estado enquadrável nos vários itens tem características específicas e os modelos genéricos servem apenas como pontos de referência 1 O homem vive pensando em passar os outros para trás e qualquer pessoa se não for controlada termina por impor sua vontade contra as outras inclusive pela violência Invente um Estado com base neste pressuposto 2 O povo é ignorante e primitivo e portanto precisa de uma direção permanente e esclarecida Faça a mesma coisa aqui que em relação ao caso precedente 3 Na sua opinião numa ditadura do proletariado o Estado existe para servir ao indivíduo ou o indivíduo existe para servir ao Estado 4 Você acha possível ainda que em termos muito hipotéticos uma sociedade desenvolvida onde não haja Estado Solte a imaginação 5 O governo deve ser deixado a cargo dos especialistas e o povo vai cuidando de sua vida cada qual fazendo aquilo de que entende Comente as implicações desta afirmação 6 Uns nasceram para mandar outros para obedecer Faça a mesma coisa aqui que em relação ao item anterior 7 Um indivíduo nascido em situação social e econômica ruim sem instrução ou qualificação se põe a serviço de um poderoso e passa a desfrutar de várias regalias disso decorrentes Você acha que esse indivíduo passou a pertencer à classe dominante 8 O Estado brasileiro de hoje é democrático 9 Quantos tipos diferentes de Estado o Brasil já teve até hoje Descreva cada um deles 9 Democracias No capítulo anterior fomos obrigados a falar algumas vezes em ditaduras e democracias antes de nos determos no exame destes conceitos Isto porque o assunto que estamos estudando é realmente um todo constituído de partes interdependentes e entrelaçadas em vários sentidos As divisões que se fazem são artificiais e têm apenas a finalidade de facilitar a apreensão do assunto de forma que não há critérios rígidos para o que vem antes e o que vem depois Como muitos termos em Política democracia é uma palavra extremamente ambígua Seria é claro uma piada dizer que democracia é tudo aquilo que os diversos governos dizem que é democracia mas a piada não estaria muito longe da verdade Ao mesmo tempo Estados onde o grau de liberdade e a participação dos cidadãos no processo decisório são muito diferentes entre si também se chamam a si mesmos de democracias Por exemplo não é impossível que um país onde o presidente da República seja escolhido por um pequeno grupo o Parlamento tenha atribuições muito restritas e o Judiciário seja bastante fraco se rotule de democracia como acontecia no Brasil durante a vigência do regime militar instalado em 1964 Seria esse Estado então igual a outro onde a situação fosse mais aberta e a soberania popular realmente exercida Equívocos ou mentiras desse tipo mostram que se alguém desejar saber o que é democracia e para isso arrolar os Estados que se intitulam democráticos ficará por assim dizer num mato sem cachorro O recurso adicional que vem à mente com mais facilidade é verificar se existem determinadas instituições em cada Estado observado pois tais instituições representariam um indício seguro da existência de uma democracia Contudo apesar de ajudar um pouco isto ainda não é suficiente Aliás em certas circunstâncias é perfeitamente inútil Já vimos por exemplo que a existência em lei de três Poderes separados e independentes não assegura a presença de uma democracia não assegura a prevenção dos abusos de poder nem garante a participação dos cidadãos no processo decisório público características que aprendemos desde a escola a identificar com democracia o governo do povo Isto porque uma coisa é o que está no papel outra a que na verdade acontece todos os dias Pode ocorrer até mesmo que a separação e a independência dos três Poderes não sejam claramente violadas mas os acontecimentos na órbita dos bastidores do poder são capazes de tornar toda a estrutura formal apenas uma aparência uma espécie de vitrina enganadora De outro lado como também já vimos há Estados que funcionam demos o exemplo da Inglaterra democraticamente e nos quais não há separação dos três Poderes Na verdade em qualquer regime parlamentarista democrático ou não existe uma identidade ao menos parcial entre Executivo e Legislativo Outro indício igualmente longe de ser seguro é a prática de eleições isto é da escolha de governantes pelo sufrágio popular Também aqui a diferença entre o que está no papel e o que se pratica concretamente deve ser vista com cuidado Pode haver eleições tão manipuladas das formas mais diversas com mecanismos que vão desde a compra de votos e a propaganda desleal até a adulteração de resultados que não significam senão uma encenação para dar fisionomia democrática ao regime Além disso os diversos sistemas eleitorais as qualificações exigidas de eleitores e candidatos e dezenas de outros fatores podem fazer com que as eleições se prestem muito bem a mascarar a ditadura sob a capa da democracia Do outro lado da moeda como no caso dos três Poderes é claro que pode haver democracia sem eleições ou com muito poucas eleições Isto já não é mais comum em nossos dias devido ao gigantismo do Estado e das sociedades contemporâneas mas pode se muito bem imaginar uma comunidade pequena que formule coletivamente todas as decisões públicas importantes através de uma assembléia de que participem livremente todos os cidadãos falando em seus próprios nomes Eram assim as democracias da Grécia antiga como são assim algumas pequenas coletividades contemporâneas os exemplos dados são em geral cidadezinhas do nordeste dos Estados Unidos Nova Inglaterra e algumas comunidades suíças Podese dizer por fim que haverá democracia onde exista soberania popular efetivamente exercida não importa através de que meios institucionais De novo não basta que a ordem jurídica estabeleça o princípio da soberania popular até porque não é necessário que se explicite esse princípio na lei escrita para que ele vigore Enfim o conceito de democracia é mesmo relativo embora não precisamente no sentido que quis dar a essa relatividade um dos generaispresidentes da República brasileira O que é necessário é que para avaliarmos se um determinado Estado é democrático vejamos em cada caso qual o grau de liberdade dos cidadãos qual o grau de estabilidade e vigor das instituições políticas qual o grau de participação popular nas decisões públicas qual o grau de responsabilidade do governo perante os cidadãos quais os mecanismos de controle real dos abusos de poder qual a flexibilidade das instituições básicas para atender às exigências de mudanças pacíficas derivadas da vontade popular e uma série de outros aspectos correlates Assim provavelmente chegaremos à conclusão de que existem muitas democracias nenhuma delas perfeita em função dos critérios abstratos que desenvolvamos algumas mais aproximadas deles outras mais distantes Cabe também mostrar que mesmo que esses aspectos vistos acima sejam observados com rigor há fatores econômicos e sociais que não podem deixar de ser levados em conta Por exemplo um determinado Estado pode garantir de todas as formas em sua ordem jurídica o direito de seus cidadãos direito igual para todos de obter uma educação formal gratuita desde a escola primária até a universidade Contudo se muitos cidadãos apesar desse direito garantido não podem freqüentar as escolas seja porque as exigências da sobrevivência sua e da família não permitem seja porque não podem deslocarse até os centros onde a educação é oferecida seja até mesmo porque a pobreza e conseqüentes deficiências de nutrição na infância além de parcos estímulos ambientais não lhes permitiu o desenvolvimento intelectual adequado aí é patente que a democracia existe mas não existe É possível raciocinar da mesma maneira sobre uma série de direitos como à moradia ao deslocamento físico para onde se desejar à saúde e assim por diante Por isso mesmo é importante não confundir liberdade política com democracia Finalmente há outro aspecto na verdade muito complicado mas que pode ser visto de relance aqui Todo Estado como toda organização muito grande aliás depende para a condução de seu dia adia de um grupo de pessoas relativamente pequeno governantes e administradores Vamos chamar esse pequeno grupo de elite para fins de discussão Se as elites provêm sempre das mesmas camadas sociais e econômicas também não há uma democracia cem por cento porque os cidadãos que não têm acesso aos centros de decisão ficam isolados do processo Nem sempre é uma questão diretamente econômica que provoca esse fenômeno Se chamarmos a subida às elites de mobilidade social vertical veremos que muitas vezes a ausência ou dificuldade de mobilidade vertical positiva para certos cidadãos se devem a fatores como raça aparência sexo religião hábitos origem nacional etc Durante muito tempo para citarmos um caso bastante conhecido os negros não podiam exercer funções públicas de relevância no sul dos Estados Unidos mesmo em plena vigência da democracia americana e mesmo nas cidades onde a população negra era maioria Já as mulheres são rotineiramente discriminadas em muitas sociedades democráticas Os católicos são discriminados na Irlanda do Norte os imigrantes coreanos no Japão os imigrantes turcos na Alemanha e assim por diante Enfim a multiplicidade de hipóteses em que este tipo de coisa ocorre é muito grande porque estão em jogo fatores sociais intrincados como por exemplo preconceitos arraigados que mesmo a legislação mais forte e decidida tem dificuldade em erradicar ou até em enfraquecer De qualquer maneira o estabelecimento de Estados democráticos permanece como aspiração permanente da humanidade apesar da abundância de conceitos divergentes da gravidade dos problemas enfrentados por cada sociedade dos obstáculos criados pela imensa complexidade da vida humana neste nosso planeta Já não podemos como vimos pretender a existência e funcionamento de democracias diretas ou seja de democracias em que os cidadãos todos reunidos busquem no debate e na discussão cara a cara o consenso e a realização do bem comum evitandose até mesmo a tirania da maioria um problema muito interessante das democracias que infelizmente não vamos ter espaço para examinar aqui mas que como se pode imaginar é muito importante sobretudo se consideradas as legítimas aspirações de indivíduos e grupos minoritários em determinados contextos Há cidadãos demais problemas demais tarefas demais a desempenhar Hoje procurase viabilizar a democracia representativa isto é uma forma de governo através da qual os cidadãos escolhem representantes que assumirão as responsabilidades pela condução direta dos negócios públicos As democracias representativas que à primeira vista poderiam parecer uma solução perfeita apresentam problemas difíceis a começar pelos sistemas empregados para a escolha dos representantes ou em última análise a escolha dos governantes E se superados razoavelmente os problemas da escolha dos representantes vamos encontrar ainda muitos outros como por exemplo o fenômeno por infelicidade não tão raro quanto seria de desejar da assunção de autonomia por parte dos escolhidos isto é dos representantes do povo Eles podem tentar passar como passam com freqüência a mandar no povo a agir como se sua autoridade fosse original e não derivada de uma delegação teoricamente revogável da soberania popular Estes problemas e alguns outros vamos ver rapidamente em capítulos que se seguirão 1 Tente desenvolver uma escala uma espécie de régua para medir democracias Em vez de centímetros ponha coisas que você considere importantes para avaliar se o Estado X é democrático ou não ou quão democrático ele é Invente seus próprios critérios e apliqueos a alguns Estados cujo funcionamento você conheça Se não conhecer o de nenhum invente Estados também 2 Se por acaso você tem um amigo ou colega que sem colaboração alguma sua nem dele com você fez também sua própria régua procure comparálas e discutir os critérios de cada uma E possível que o que uma régua considere democrático a outra não considere Qual é a certa 3 Os Estados Unidos são uma democracia A Rússia é uma democracia O Brasil é uma democracia O Corinthians e o Flamengo são democracias A Igreja Católica é uma democracia 4 A Xaxulândia é um Estado cuja população se compõe de dois grupos nacionais distintos os xás e os xus que falam línguas um pouco diferentes e cuja aparência física também é diferente Pela lei os xás e os xus têm os mesmos direitos inclusive quanto à ocupação de cargos públicos Contudo enquanto os xás podem candidatarse livremente os xus precisam passar primeiro por uma seleção destinada a verificar suas qualificações intelectuais morais cívicas etc Depois de passarem os xus são tratados de maneira exatamente igual à dos xás na ocupação de cargos públicos Comente isso até mesmo inventando se quiser uma história para a Xaxulândia 5 Num certo Estado existem três Poderes separados e independentes com o rei exercendo o Executivo Um dia o rei delibera fechar um parque antes público para seu uso Os prejudicados recorrem ao Judiciário que pode resolver a questão sem consultar o rei Mas o rei telefona para o presidente do Tribunal e diz Olhe aqui se vocês decidirem contra mim não posso fazer nada porque estamos numa democracia Mas se vocês decidirem contra mim nunca mais convido ninguém do Judiciário para funções oficiais congelo a liberação de verbas para o pagamento de seus salários nomeio juizes que sejam seus inimigos e não me responsabilizo pela reação dos meus militares Comente 6 Num certo Estado o Poder Judiciário é exercido por parlamentares influentes escolhidos por votos de seus pares Um dia o Poder Judiciário se vê diante de um caso que se julgado de acordo com a letra da lei prejudicará os interesses dos parlamentares Um dos juizes propõe então que se mude a letra da lei para que a solução do caso seja diferente Você está maluco dizem os outros juizes Isto pode ser feito mas se for feito como poderemos encarar a imprensa e o povo Isto não se faz Comente 7 Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido diz nossa Constituição Contudo depois de um movimento que consegue a adesão da maior parte dos cidadãos o povo exige uma certa tomada de posição que não convém ao governo naquele momento O governo diz que não pode atender ao que o povo pede inclusive porque o povo é representado pelos deputados os quais depois de muita discussão e confusão concluem que não vão endossar a reivindicação do povo E mais ainda quem insistir naquilo será considerado subversivo Comente 8 Você é livre para fazer o que quiser diz um sujeito para outro que se queixa de que o bairro onde ambos moram está ficando cada vez mais insuportável para morar devido à criminalidade e à poluição Eu mesmo vou me mudar amanhã E vai embora para a nova casa que comprou mas seu vizinho não pode fazer o mesmo porque não tem condição econômica para mudarse Comente 9 Comente Aqui todo mundo tem liberdade e oportunidade mas não tenho culpa se algumas pessoas são ignorantes maleducadas negras e sem juízo e se pagam um preço por isso 10 Ditaduras A linha limítrofe entre as democracias e as ditaduras é muito imprecisa até porque como já vimos a maior parte dos Estados tende a autodenominarse democrático ou pelo menos declararse a caminho da democracia Dificilmente o governante autocrata de um regime ditatorial chama a si mesmo de ditador ou permite que o chamem assim Contudo se voltarmos à idéia de uma escala medidora de democracias podemos imaginar que se do lado direito lado direito aqui não tem nada a ver com esquerda e direita políticas da escala estaria a democracia integral à medida que nos formos aproximando do lado esquerdo estaremos cada vez mais próximos da ditadura Para o lado direito progressivamente vamos encontrando mecanismos de participação popular de controle dos governantes de garantias e liberdades individuais e assim por diante Para o lado esquerdo esses aspectos vão desaparecendo e dando lugar a outros tais como a concentração de atribuições numa só pessoa ou numa só instituição a ausência de liberdade de opinião e pensamento a hegemonia absoluta do Estado e assim por diante De modo geral portanto podemos dizer que a ditadura se caracteriza não só pela sua visível unilateralidade as decisões vêm de cima para baixo e são impostas aos governados como pelo fechamento do processo decisório público Não é necessário que haja a figura de um só ditador para que um sistema desse tipo se caracterize pois a ditadura está na própria natureza do regime independentemente de quem se encontre no comando em determinado instante De novo aqueles indícios que foram estudados como auxiliares para diagnosticarmos uma democracia no capítulo anterior podem ser empregados observadas as mesmas restrições para as ditaduras não sendo necessário repetilos Como a ditadura por índole não admite contestação o caráter repressivo desse tipo de sistema é óbvio Suas leis são habitualmente muito severas quanto à dissidência e o crime mais sério é o de contestar o Estado de alguma forma o que pode ser rotulado de alta traição ou subversão embora muitas vezes se trate de um ato rotineiro em países democráticos e perfeitamente louvável em termos éticos humanos ou morais Já que o controle geral da informação ou seja daquilo que é dado conhecer aos cidadãos está nas mãos do Estado essa atividade repressiva se torna ainda mais fácil sendo também complementada por mecanismos de persuasão pressão e propaganda Os Estados totalitários vão mais além estendendo suas malhas sobre toda a vida do cidadão organizando sua estrutura familiar dirigindolhe estritamente a educação e a formação intelectual orientando suas atividades de trabalho e lazer criando formas de servir e desenvolver a ideologia oficial e assim por diante Não se deve pensar de forma simplista sobre as ditaduras achando que o povo submetido a ela estará sempre revoltado e pronto para na primeira oportunidade derrubála Se fosse assim não haveria fortes movimentos populares em favor da restauração da ditadura em países que se redemocratizaram Isto se deve a uma série de fatores que podemos englobar sob a designação geral de legitimação das ditaduras isto é mecanismos através dos quais ela adquire raízes entre o povo e passa mesmo a receber apoio decidido de grande parte dele Em primeiro lugar a preferência pela democracia não é tão universal quanto gostaríamos de supor Há mesmo povos que em vários momentos de sua história se inclinaram pelos chamados governos fortes porque viram neles uma tábua de salvação para evitar a instabilidade e a insegurança Isto de certa maneira ocorreu na Alemanha em fins da década de 1920 e durante a década de 1930 com a ascensão do nazismo que eclodiu em momento de grande inquietação social econômica e política A liberdade passa a ser vista em casos como esse como um valor bastante secundário diante de outros considerados mais prementes Além disso para certos temperamentos políticos e certas maneiras de pensar a democracia é um sistema excessivamente imperfeito trabalhoso prejudicial ao bom andamento da administração pública Afinal de que é que o povo entende O povo de modo geral é ignorante preguiçoso sem visão histórica busca apenas vantagens individuais quando pode Portanto o governo deve ser deixado às elites pois elas são mesmo melhores do que o comum dos mortais e sabem perfeitamente o que estão fazendo Se sabem para que deixar que uma porção de deputados parlamentares em geral líderes populares representantes de bairros ou categorias e gente assim fique metendo a colher e atrapalhando decisões que está na cara que são acertadas Por que permitir a dissidência que só vai render perturbações da ordem impedindo o caminho do país para o progresso e a estabilidade Algumas pessoas são de fato melhores do que as outras em todos os sentidos e a esses melhores devem ser entregues os destinos coletivos Para não falar em grandes homens que encarnam em si as aspirações populares Ao povo dêse comida casa e diversão na medida do possível que estaremos em paz Infelizmente esta maneira de ver as coisas que não resiste a uma discussão minimamente esclarecida é com freqüência legitimada por aqueles a quem mais prejudica ou seja os oprimidos que não percebem a total abdicação da dignidade humana por parte de quem prefere ser tratado quase como um animal de criação ou de estimação sem direito a aspirar à autonomia de pensamento desejando apenas ser alimentado confortavelmente e agradado de vez em quando pois em troca disto está disposto a servir e colaborar A feia realidade da ditadura é que mais cedo ou mais tarde pois não existem grandes homens naquele sentido quase sobrenatural ela se desmascara como o meio pelo qual um grupo preserva seus privilégios e sua dominação e utiliza o Estado para seus próprios objetivos fazendo do povo somente massa de manobra Se assim não fosse é claro que as ditaduras não cairiam mais cedo ou mais tarde vítimas dessas e de outras contradições e a contradição principal é entre o que ela é e o que ela diz que é A ditadura também se legitima através da exploração dos potenciais mais mesquinhos ou mais vulneráveis do ser humano daquilo que ele tem de mais suscetível à pressão Como alternativa para a ditadura ela oferece o medo ela desenvolve o medo nos cidadãos medo de que o futuro não seja tão previsível quanto sob um regime forte medo da mudança medo dos fantasmas que surgiriam quando a proteção fosse suspensa medo de assumir a responsabilidade pelo próprio destino Há muitas maneiras de explorar esses medos muitas capas sob as quais a exploração se esconde várias delas tão eficazes que nem se percebe o que está por baixo E existem também estímulos positivos nas ditaduras em contraposição aos estímulos negativos baseados no medo e na insegurança cujo espectro é sempre agitado diante do povo Esses estímulos positivos são criados através da falsificação da história e da elaboração de uma verdadeira mitologia Por exemplo um povo pode ser convencido e tornarse envaidecido e entusiástico de que é superior aos outros de que sua raça e cultura são os píncaros mais altos já atingidos pela humanidade O ditador porque lidera aquele povo é a suprema encarnação dessa superioridade Além disso sua figura é mostrada como superhumana ele não pensa em si só pensa no seu povo está acima das fraquezas humanas é capaz de trabalhar como ninguém trabalha é mais inteligente e hábil do que qualquer outro tem força magnética no olhar tem memória fotográfica tem cultura enciclopédica tem carisma é duro porém bondoso é um verdadeiro pai para seu povo sua coragem é inexcedível entregou sua vida à pátria e uma série de outras baboseiras do mesmo quilate que hipertrofiam o inegável talento de um homem que chegou à posição dele e disfarçam o fato de que ele e sua camarilha mandam e os outros obedecem até a morte não se permitindo a menor transgressão à ordem estabelecida A história é falsificada ou distorcida para provar os fundamentos teóricos do sistema ou até para justificar atrocidades e perseguições Demonstrase com uma série de argumentos tendenciosos que as grandes civilizações entraram em decadência ou caíram quando permitiram que não houvesse mais governos fortes ou quando traíram seus grandes homens Em conseqüência o mesmo destino sombrio ameaça o povo se não houver um governo forte Provase que a característica mais importante um dos valores mais altos de um povo é a disciplina pseudônimo de obediência cega que sem disciplina estrita nada pode ser feito Mostrase como a participação de todos nas decisões é na realidade um sintoma de fraqueza constituindose ao mesmo tempo em causa da fraqueza pois afinal as grandes potências caem quando se permite à ralé alguma voz Exaltase a humildade leiase subserviência o trabalho duro do campo e da fábrica pois na verdade os ditadores são gente simples que não fossem seus deveres para com o país prefeririam estar nos campos e nas fábricas em vez de em seus palácios entregando suas vidas abnegadamente à grandeza nacional Dáse mais valor ao esporte e ao vigor físico do que ao vigor intelectual pois a tarefa de pensar cabe à elite que entrega ao povo tudo já pensado e digerido sem o perigo das distorções advindas do pensamento independente As religiões são deturpadas usadas apenas naquilo em que fortalecem o regime execradas naquilo em que por essência o contestam E por aí vamos num rosário conhecido e com variações aqui e ali presente em todas as ditaduras Há casos também como aconteceu em grande parte da América Latina em que as ditaduras não eram tão desenvolvidas Não era necessário que assim fosse dado o atraso e miséria dos países em que se implantavam Aí a opressão apresentava uma cara ainda mais cruel entre o analfabetismo a doença a privação e a fome contrastada com a extraordinária opulência de alguns poucos Alguns Estados da América Central eram até bem pouco tempo verdadeiras fazendas particulares em que poucas famílias e seus aderentes e asseclas dominavam toda a economia e a maior parte do povo permanecia em servidão pobreza e falta de horizontes Ao contrário de demonstrar que as ditaduras têm naturezas diversas entre si isto mostra que são da mesma natureza Apenas em contextos desenvolvidos elas necessitam de um aparato mais sofisticado Onde não existe tal necessidade ela aparece de pronto tal como é a dominação implacável de alguns homens sobre muitos outros dos valores mais vis da vida humana sobre os mais nobres da exploração e espoliação sobre a convivência ética e construtiva 1 Num país qualquer um homem pobre vivia na propriedade de um homem rico Trabalhando o dia inteiro em troca de algumas propinas de um quarto para morar de roupas e sapatos usados e de outras demonstrações eventuais de generosidade por parte do proprietário esse homem devido a alterações políticas em seu país teve que empregarse pois o novo sistema não mais permitia a situação em que vivia Assim foi obrigado a procurar trabalho remunerado fixamente a construir sua casa a assumir enfim sua própria vida Esse homem hoje se queixa de que preferia o sistema antigo pois o patrão era bom e cuidava de tudo Isto significa que o antigo sistema era realmente melhor 2 É insuportável a ousadia dessa gentinha depois que instalaram a democracia não há mais respeito não há mais bons empregados Comente criando se quiser os detalhes que parecerem necessários 3 Um determinado país é governado por uma junta permanente composta de 12 membros vitalícios que tem a última palavra sobre todas as questões públicas podendo inclusive alterar leis e sentenças judiciais Entretanto a junta alega que seu regime não é uma ditadura já que ela é um órgão colegiado que decide por maioria de votos e é representativo dos diversos setores da nação Comente 4 Sabendo o que você sabe sobre ditaduras você poderia tentar classificálas de alguma forma ou seja listar tipos de ditadura 5 Quando a democracia está ameaçada o remédio é mais democracia Comente ou discorde 6 O fato inegável de que algumas pessoas são mais bem dotadas do que outras justifica as ditaduras 7 Qual é mais importante a segurança ou a liberdade Uma coisa lhe parece incompatível com a outra 8 Dizse que na Itália do tempo de Mussolini não havia liberdade mas os trens andavam no horário Que é que você acha disso 9 Você acredita na possibilidade de uma ditadura benevolente 11 Governo e Constituição Os Estados contemporâneos democráticos ou não costumam ser constitucionais isto é estão submetidos a uma lei que se sobrepõe a todas as outras e em cujo arcabouço geral a ordem jurídica se inscreve chamada normalmente de Constituição Não é necessário que a Constituição seja escrita ou esteja corporificada num documento único O que interessa é a existência de um conjunto de normas até mesmo costumeiras que subordinem todas as outras configurando também princípios gerais a que as outras hão forçosamente de conformarse Neste sentido nos países democráticos a Constituição é o verdadeiro pacto nacional ou seja o conjunto de normas sob as quais o país escolheu viver O estudo das Constituições é o objeto de um vastíssimo ramo do direito o direito constitucional de enorme complexidade Dentro dele abrese espaço para o exame de questões muito importantes até de conteúdo filosófico que um manual deste tipo não pode enfocar dado seu caráter prático e elementar Mas deve ser lembrado que poucos dos assuntos tratados aqui ficam mais empobrecidos com a simplificação do que este o que significa para quem tem maior interesse por ele a necessidade imperiosa de informação adicional na vasta bibliografia disponível Fisicamente uma Constituição como a brasileira é para a maioria das pessoas um documento intimidador de leitura difícil ou quase impossível Isso se deve além é claro de se tratar de matéria cujo perfeito entendimento requer qualificação especializada à linguagem necessariamente impessoal comum a toda lei e à arrumação técnica dos diversos dispositivos Não é indispensável que o texto constitucional seja estruturado da forma consagrada na técnica legislativa brasileira A Constituição poderia ter redação e estrutura diversas e portanto não se deve manter a impressão de que ela é uma coisa cheia de artigos e parágrafos Devese atentar sim no seu conteúdo e no seu significado De qualquer maneira não custa para ajudar a que se perca o medo de enfrentar um texto constitucional esclarecer como as Constituições brasileiras costumam ser fisicamente estruturadas As primeiras palavras da Constituição são o preâmbulo uma declaração curta que normalmente se refere à fonte de que emana a lei constitucional a Constituição vigente no Brasil menciona também a proteção de Deus Em seguida o texto vai dividido em títulos muito genéricos e abrangentes Os títulos por sua vez dividemse em capítulos e os capítulos podem dividirse em seções Os capítulos ou seções são compostos de artigos os quais também podem conter parágrafos indicados quando mais de um pelo símbolo seguido do ordinal correspondente quando só há um parágrafo o costume é escrever parágrafo único por extenso Em caso de enumeração dois recursos são usados O mais abrangente se denomina inciso e é representado por um numerai romano as seções capítulos e títulos também são mas o exame do texto mostrará que não há possibilidade de confusão O mais pormenorizado se chama alínea e é designado por uma letra minúscula em ordem alfabética A Constituição emana por definição do Poder Constituinte Tratandose de poder tão alto na pirâmide da ordem jurídica que plasmará por assim dizer toda a índole do Estado seguese a inferência de que o Poder Constituinte é inerente a quem detém a soberania Se no Brasil adotamos como princípio universal a soberania popular reside então no povo o Poder Constituinte Seria legítima por conseguinte a Constituição que fosse o resultado do exercício concreto dessa soberania através dos mecanismos de representação e participação reconhecidos E como se sabe pelo estudo de nossa história este não costuma ser o caso do Brasil que já teve diversas Constituições As Constituições podem ser de dois tipos a promulgadas quando foram votadas por uma assembléia eleita para este fim e b outorgadas quando são escritas por um ou mais juristas e impostas ao país pelo governante Nossa primeira Constituição outorgada no Primeiro Império em 1824 deveria ter sido fruto do trabalho de uma Assembléia Constituinte com representantes das então 17 províncias brasileiras Isto não quer dizer que resultaria de um processo democrático como o entendemos hoje porque se tratava de representantes de oligarquias eleitos indiretamente a que a grande massa do povo não tinha acesso até mesmo porque vivíamos em pleno regime escravocrata De qualquer forma a discussão é acadêmica porque d Pedro I dissolveu a Assembléia Constituinte e outorgou sua própria Constituição ao país cujo regime ficou definido como monárquico hereditário e constitucional representativo Inviolável e sagrado o imperador exercia ainda o Poder Moderador figura hoje inexistente que lhe conferia enorme gama de prerrogativas e atribuições tornadas mais significativas pelo fato de que cabia a ele também a chefia do Poder Executivo São ainda características interessantes da Constituição de 1824 a Câmara dos Deputados era composta por representantes eleitos para um mandato temporário e o Senado era vitalício com seus membros nomeados pelo imperador a partir de listas tríplices de eleitos a renda mínima para que se pudesse ser eleito deputado era de 200 milréis anuais líquidos e para senador 800 milréis as eleições eram indiretas e os trabalhadores não votavam pois não possuíam a renda mínima necessária para serem eleitores por isso se diz que a eleição era censitária isto é só podia ser eleitor quem possuísse uma determinada renda para ser eleito já vimos acima a renda mínima os analfabetos podiam votar porque a maioria dos proprietários rurais não era alfabetizada a religião oficial era a Católica Apostólica Romana cabendo ao imperador a nomeação dos bispos As Constituições republicanas se sucederam a partir de 1891 com a promulgação da primeira largamente inspirada em sua equivalente americana e fruto inicialmente do trabalho de uma comissão de juristas o chamado anteprojeto O projeto que resultou desse trabalho foi promulgado por decreto sujeito à aprovação de um Congresso Constituinte o que terminou por acontecer depois de um processo tumultuado Novamente a participação popular na elaboração da Constituição foi mínima As mudanças na ordem jurídica contudo foram bastante amplas a começar é claro pela extinção da monarquia e do Poder Moderador Instituiuse o sufrágio universal isto é o direito de voto para todos os cidadãos do sexo masculino maiores de 21 anos sem distinção de renda mas os analfabetos perderam o direito ao voto o mandato dos senadores se tornou temporário nove anos enquanto o dos deputados se fixou em três anos eleitos pelo voto distrital misto nos próximos capítulos examinaremos melhor isto adotouse a forma de Estado federativo que também veremos adiante com vinte estados e um distrito federal instituiuse a eleição direta em todos os níveis inclusive para presidente da República a Igreja Católica deixou de ser oficial criaramse garantias individuais amplas tais como o habeas corpus a liberdade de opinião e de imprensa o direito de reunião o sigilo de correspondência etc Contudo esses avanços padeceram ainda como padeceriam outros que viriam a seguir de um distanciamento entre a lei e a realidade o fenômeno conhecido pelos brasileiros da lei que não cola pois até hoje muitos dos princípios consagrados na Constituição de 1891 continuam a vigorar mas apenas no papel Depois da Revolução de 1930 em período muito conturbado da vida brasileira uma Assembléia Constituinte elabora e promulga em 1934 uma nova Constituição que também representou algumas mudanças tais como a extensão do direito de voto às mulheres e certos benefícios para os trabalhadores entre os quais salário mínimo férias remuneradas e indenização por demissão sem justa causa A Constituição de 1934 entretanto teve vida curta Em 10 de novembro de 1937 depois de um golpe que fechou o Congresso o Brasil recebia nova Constituição desta feita outorgada e de cunho declaradamente autoritário O presidente da República leiase ditador recebeu poderes amplíssimos desde a decretação a seu arbítrio de estado de emergência nacional com a conseqüente suspensão das liberdades públicas até a nomeação de interventores para os estados Quanto aos trabalhadores preservaramse as conquistas trabalhistas de cunho paternalista e se cerceou a liberdade sindical abolindose até mesmo o direito de greve Esse período conhecido como Estado Novo abrangeu uma ditadura opressiva e mesmo sanguinária cujo fim só chegou com o golpe de 29 de outubro de 1945 que depôs o ditador e promoveu eleições diretas para a Presidência da República e para uma Assembléia Constituinte Podese afirmar que na formação dessa Assembléia Constituinte o grau de participação popular foi bem maior que nos casos precedentes embora longe de ser tão significativo quanto devia O alto número de analfabetos as dificuldades burocráticas para votar a existência de currais eleitorais e fraudes generalizadas contribuíram de modo decisivo para tornar essa participação comparativamente reduzida A Constituição de 1946 é conhecida como liberal e muitos de seus dispositivos de feitio progressista e alicerçados em princípios avançados nunca passaram de letra morta Mas não chega a ser injusto dizerse que ela foi a mais democrática que tivemos como freqüentemente se alega A essa Constituição seguiuse a situação criada a partir de 1964 Instalado no poder o governo militar inicialmente baixou instrumentos denominados atos institucionais de que continuou a dispor mesmo depois de ter promulgado sua Constituição Ao declarar se vitorioso o movimento de 1964 em suas próprias palavras investiuse do Poder Constituinte Alicerçado nessa autoinvestidura que na verdade usurpou a soberania popular ele exerceu esse Poder Constituinte de início através dos atos institucionais Seguiramse convivendo ainda com os atos institucionais a Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969 tão extensa e restritiva que é considerada por muitos uma outra Constituição Em 1979 foram feitas novas alterações constitucionais inclusive com a revogação dos atos institucionais no que conflitassem com a Constituição Com o advento da chamada Nova República o Brasil convocou uma Assembléia Constituinte para elaborar a nova Constituição a partir de um anteprojeto preparado por uma comissão de notáveis indicada pelo Ministério da Justiça O crescente grau de conscientização política da população canalizado em grande parte por entidades associativas dos tipos mais variados aumentou muito o interesse popular pela Constituição Contudo uma conseqüência desse interesse em torno da Constituição foi a hipertrofia de sua imagem pública Pretendeuse incluir no texto constitucional uma gama de dispositivos excessivamente específicos como se do texto dependesse o atendimento direto de todo tipo de reivindicação ou aspiração Paralelamente atribuiuse à Constituição um poder que por certo nenhum texto legal consegue ter ou seja resolver todos os problemas da sociedade Por isso a chamada Constituição cidadã como passou a ser conhecida a Constituição de 88 listou mais direitos que deveres atendeu a reivindicações setoriais e regionais e de certa forma engessou o desenvolvimento brasileiro Por isso mesmo começou a ser reformada já em 1993 num processo que ainda está longe de seu fim Desprezando o trabalho da Comissão Arinos como se chamou a comissão de notáveis que redigiu o anteprojeto os constituintes votaram uma Constituição muito extensa composta de 245 artigos e mais setenta de disposições transitórias As grandes novidades da Constituição de 1988 comparada às anteriores tratam da extensão do sufrágio universal da participação popular no processo legislativo e da possibilidade de edição de medidas provisórias com força de lei pelo presidente da República A Constituição estendeu os limites do sufrágio universal tornando facultativo o voto dos analfabetos jovens entre 16 e 18 anos e idosos maiores de setenta anos Quanto à participação popular até 1988 as Constituições brasileiras contemplavam a representação mas não a participação Na representação o cidadão abre mão de sua capacidade de participar do processo legislativo em nome de alguém que o representa através do voto Já a participação é direta através de plebiscitos referendos e iniciativa popular O plebiscito é uma consulta popular sobre uma medida a ser tomada O referendo é uma consulta popular sobre alguma medida que já foi tomada Por exemplo fazse uma lei e esta é submetida à população que referenda ou não o seu texto Estas duas formas de participação popular servem para consultar a população sobre questões que não são partidárias mas da sociedade como um todo Aborto divórcio determinado tipo de imposto etc são temas típicos de consulta popular No caso brasileiro o plebiscito de 1961 para saber se a população queria continuar com o sistema parlamentarista foi um caso típico de referendo embora tenha ficado conhecido como plebiscito Já o plebiscito de 1993 sobre a forma de governo monarquia ou república e o sistema parlamentarismo ou presidencialismo a serem adotados no país foi chamado corretamente de plebiscito A iniciativa popular foi inspirada na Constituição americana Se um grupo de cidadãos quiser enviar um projeto de lei à Câmara dos Deputados poderá fazêlo sem a intermediação dos partidos políticos mas o processo não é simples o projeto de lei deve ser subscrito por no mínimo 1 do eleitorado nacional distribuído por pelo menos cinco estados com não menos de 310 dos eleitores de cada um deles Finalmente há o caso das medidas provisórias inspirado na Constituição italiana parlamentarista Com este mecanismo colocou se enorme poder nas mãos do presidente da República pois este em caso de relevância e urgência pode adotar medidas provisórias com força de lei devendo submetêlas de imediato ao Congresso Nacional Estas medidas devem ser convertidas em lei no prazo máximo de trinta dias caso contrário perdem a eficácia Mas o Poder Executivo pode reeditálas o que tem feito reiteradamente Até agora as tentativas de se limitar o número e o prazo de validade das MPs não têm obtido êxito Na verdade a existência de uma Constituição por melhor que ela seja não quer por si dizer muita coisa É uma piada corrente afirmar que se Constituição resolvesse alguma coisa a Bolívia que já teve dezenas de Constituições seria mais desenvolvida que a Suécia Enquanto os Estados Unidos país desenvolvido e democrático estão em sua primeira e única Constituição a França igualmente desenvolvida e democrática está em sua trigésima Constituição A Constituição é apenas um marco referencial um arcabouço genérico uma definição de princípios abrangentes Cabe à lei ordinária reger as questões do diaadia dentro desse arcabouço e cabe à sociedade promover os meios para cumprir os ideais corporificados no texto constitucional Uma Constituição não existe no vácuo mas em funcionamento E só funcionará se além de legítima for um texto suficientemente genérico e econômico as Constituições muito longas e detalhadas costumam historicamente ter vida curta o que não é de surpreender para acomodar o pluralismo que se pretende numa sociedade democrática e para ter o grau de flexibilidade necessário à sua sobrevivência diante de futuras alterações da realidade 1 Você acha que é possível haver um Estado democrático sem Constituição 2 Dê uma olhada em alguns textos constitucionais não só do Brasil mas de outros países Depois disso você acha que conceberia uma estrutura formal para a Constituição brasileira melhor do que a atualmente adotada 3 Imagine que você é uma espécie de reformador constitucional e escolha um dispositivo artigo seção ou capítulo da Constituição para mudálo dandolhe o conteúdo e a redação que achar melhor 4 Na sua opinião o Poder Constituinte deve residir mesmo no povo ou estaria melhor se conferido a um grupo especialmente preparado para a tarefa 5 Experimente dar uma idéia do que você entende por uma Constituição legítima 6 Você acha necessário que a Constituição brasileira contenha dispositivos mencionando especificamente os problemas da mulher do negro do índio e de outras categorias discriminadas Em caso afirmativo por quê 12 Escolha de governantes Até nas ditaduras os governantes não são eternos Há sempre portanto um processo de escolha de governantes mesmo que esta escolha seja imposta ao povo Alguns governantes como sabemos são escolhidos por hereditariedade através do estabelecimento de uma linha sucessória que pode variar de contexto para contexto Esse processo como também sabemos tem diminuído consideravelmente de importância nos dias de hoje não só porque é típico das monarquias e há poucas monarquias atualmente como porque os monarcas do nosso tempo atuam em geral em regimes parlamentaristas o que significa que o verdadeiro pólo decisório é o Parlamento do qual são membros o primeiroministro ou premier e seu gabinete o conjunto dos outros ministros Há ainda mas quase como uma relíquia assembléias escolhidas por hereditariedade como é o caso da Câmara dos Lordes na Inglaterra cuja importância também vem diminuindo a cada dia e cuja extinção é abertamente contemplada por boa parte da opinião pública Em Estados onde a religião não é separada da órbita política existem processos de escolha mais ou menos autocráticos em que a seleção se faz através da qualificação religiosa de alguns governantes como é em parte o caso do Irã atual Existem enfim os casos em que os governantes são escolhidos pela força ou seja são impostos Isto acontece em primeiro lugar nos Estados conquistados militarmente ou nos que permanecem como colônias pois se nesta última hipótese a força não é empregada de modo rotineiro ela está na raiz do processo e da manutenção do sistema Pela força igualmente é a escolha dos governantes operada através do que se costuma chamar de golpe de Estado Nos golpes de Estado o processo institucionalizado é interrompido violentamente seja durante a escolha do sucessor do governante que está ocupando o cargo seja depois que a escolha já está feita Não é necessário evidentemente que o golpe de Estado seja dado por alguém que não o próprio governante pois pode muito bem ocorrer como ocorreu no Brasil por ocasião da ditadura de Getúlio Vargas que o governante decida romper os limites estabelecidos pelas instituições e prolongar sua permanência no cargo ou perpetuála para isso concentrando em si a maior fatia possível de poder Contudo o mais comum é que o golpe seja dado por facções descontentes com a situação e com as possibilidades institucionais de que ela se venha a modificar como estas facções desejam O golpe de Estado é portanto a tomada violenta do poder por elementos internos ao país Esta violência pode assumir diversos graus chegando com freqüência à execução ou banimento dos governantes depostos Há Estados de grande instabilidade política onde a ocorrência de golpes é praticamente rotineira como tem acontecido em muitos países da América Latina Tecnicamente há um golpe toda vez que o processo institucional é quebrado de maneira violenta mesmo que a intenção dos golpistas seja preservar esse processo é o chamado golpe preventivo que aconteceu em 1955 no Brasil antes da posse do presidente Juscelino Kubitschek quando os golpistas tinham razões para crer que havia um esquema montado para impedir a posse do eleito e tomaram o poder temporariamente a fim de garantir a posse o que de fato se deu É comum que muitos golpes de Estado se intitulem a si mesmos de revolução A linha demarcatória entre a revolução e o golpe de Estado pode não ser muito clara mas de modo geral o que caracteriza as revoluções são alterações muito mais profundas do que as criadas por um golpe O golpe limitase a algumas mudanças de composição do quadro de governantes e à interferência no funcionamento normal das instituições violentadas Não existem com ele alterações sociais profundas A Revolução Russa de 1917 por exemplo foi realmente uma revolução porque modificou profundamente a sociedade e a economia onde ocorreu Da mesma forma podese falar de uma Revolução Americana e de uma Revolução Francesa ambos casos historicamente conhecidos e definidos Não há entretanto conceitos rígidos e é comum que simples golpes de Estado simples mexidas mais ou menos turbulentas dentro do mesmo esquema dominante apresentemse insistentemente como verdadeiras revoluções cabendo ao observador julgar se terá havido de fato alguma mudança fundamental Cabe também apontar a especificidade de outros processos de escolha que podemos chamar de seleção interna Acontece essa seleção interna por exemplo no Vaticano pois o papa não é só um líder religioso mas também um chefe de Estado um governante Sua sucessão é realizada através de mecanismos internos da Igreja Católica de uma forma razoavelmente conhecida por todos nós Claro que o tipo de escolha de governantes do Vaticano não esgota as possibilidades da seleção interna que existe muitas vezes disfarçada em outros contextos De certa maneira o México vem escolhendo seus presidentes através desse processo Há eleições gerais mas tem sido tal a dominância de um partido político Partido Revolucionário Institucional PRI que a escolha de seu candidato equivale para todos os efeitos à escolha daquele que será inevitavelmente eleito Recentemente o México vem dando mostras de que deseja alterar a situação com a oposição conseguindo alguns avanços Mas ainda é muito cedo para se afirmar que a escolha de seus presidentes passará a ser por uma eleição realmente democrática com igualdade de oportunidades para todos os candidatos Obviamente certos tipos de ditadura também realizam sua sucessão pelo processo de seleção interna quando o ditador e seu círculo de influência preparam seus sucessores Com diferenças entre si mais ou menos importantes e processos diversos para emprestar o que se alega ser legitimidade aos mecanismos empregados foi esse o caso do Haiti com a morte do ditador Papa Doc e a sucessão por seu filho o caso dos presidentes brasileiros nas duas décadas que se seguiram a 1964 dos dirigentes soviéticos dos presidentes argentinos antes da redemocratização e assim por diante Deixando de mencionar processos como sorteio que já teve grande importância por exemplo em certos Estados da Grécia antiga e outros de relevância marginal chegamos enfim ao sufrágio ou seja para simplificar ao modo de escolha através do voto Muitas pessoas identificam as eleições com democracia e com o predomínio da vontade da maioria mas isto não é bem assim como já tivemos idéia anteriormente e como vamos ver agora em detalhe De fato é muito difícil hoje haver democracia sem eleições pois as democracias contemporâneas de modo geral são representativas e essa representatividade se expressa através da indicação da vontade dos cidadãos qualificados para votar os eleitores Mas muita coisa depende da maneira pela qual essas eleições são equacionadas e organizadas a começar pela própria qualificação de candidatos e eleitores e a terminar pela maneira através da qual os votos são dados apurados e levados em conta para a escolha dos governantes grosso modo o que se chama sistema eleitoral É até perfeitamente possível que mesmo num sistema em que os votos sejam dados livremente e apurados sem fraudes e sem distorções mais evidentes a maioria se veja derrotada nas eleições ou seja acabe por eleger um número de representantes mais reduzido do que o da minoria Tratase de um capítulo extremamente intrincado da Política cuja análise exaustiva requereria uma verdadeira biblioteca especializada Mas isto é claro não impede que possamos ter uma idéia geral dos principais problemas envolvidos A primeira questão preliminar ao problema do sistema eleitoral é a da qualificação dos candidatos Intuitivamente seria de concluirse que todo aquele que tem o direito de votar tem o direito de elegerse Isto contudo não costuma ocorrer A depender do Estado onde se realizem as eleições o número de pessoas que podem candidatarse é sempre menor de uma forma ou de outra do que o número das que podem votar As razões para isto são inúmeras e as hipóteses possíveis quase sem limites Uma maneira simples de entender isto é lembrar os limites mínimos de idade para a ocupação de certos cargos de governantes como no Brasil senadores e presidentes da República cuja idade mínima é de 35 anos Como a idade mínima para votar é de 18 anos aos 16 anos o exercício do direito de voto já é facultativo é claro que o número de pessoas que podem candidatarse a esses cargos é de pronto inferior ao número das que podem votar Mas a idade não é o único fator limitativo As limitações à candidatura que somente às vezes se identificam com as limitações à capacidade legal de votar podem ser derivadas de raça nos Estados em que há uma raça dominante às vezes minoritária de sexo de religião de convicção ideológica de condição econômica de ocupação e assim por diante Por conseguinte o espelhamento da realidade que seria oferecido pela realização de eleições tem que começar a ser analisado a partir das limitações à candidatura Algumas vezes essas limitações podem ser superadas pela vontade do pretendente a candidato ato que entre nós é habitualmente chamado de desincompatibilização Assim em país que proíba a candidatura de militares da ativa os militares que desejem exercer cargos eletivos podem reformarse ou demitirse Em outros contextos os ocupantes de certos cargos de governante não podem candidatarse a certos outros ou candidatarse à própria sucessão Em muitos Estados algumas desincompatibilizações não são possíveis seja por motivos jurídicos seja por motivos digamos sociais Não é possível para um negro cidadão de um Estado racista deixar de ser negro e candidatarse quer o impedimento à candidatura esteja contido em lei quer seja do consenso do grupo étnico dominante Assim como não é possível em caso análogo que uma mulher deixe de ser mulher para candidatarse É possível por outro lado que um comunista impedido de candidatarse renuncie publicamente a suas convicções mas também não é improvável que ele mesmo assim enfrente problemas ou impedimentos Enfim o que se depreende de tudo isto é que a vontade popular não é inteiramente livre para a escolha dos governantes dadas essas limitações todas as quais aliás podem ser como são defendidas por argumentos de ordem diversa que cabe examinar quando apresentados Quanto aos eleitores as limitações ou restrições são também importantes Os Estados organizados de modo democrático costumam adotar o sufrágio universal Isto quer dizer que o direito de voto se estende universalmente a todos os cidadãos Contudo esta universalidade sofre limitações Distinguese habitualmente entre o sufrágio restrito aquele não estendido arbitrariamente a certas categorias de cidadãos como os negros do exemplo acima e o sufrágio universal limitado cuja conceituação é um pouco mais complicada porque o que alguns consideram meras limitações outros consideram restrições Certas limitações embora haja quem as discuta como tudo neste mundo são mais ou menos pacíficas como a que se dá por idade Já que a idade limita a capacidade do cidadão ou seja um jovem de 15 anos ainda não é um cidadão completo pois que depende da autoridade paterna é compreensível que ele não seja qualificado para votar também o que só se dará quando ele atingir a plena capacidade embora esta regra não seja universal inclusive no Brasil Mas há casos bem mais discutíveis Muitos países que nominalmente praticavam o sufrágio universal só recentemente permitiram o direito de voto às mulheres como a França por exemplo É claro que a negação do direito de voto às mulheres é uma grave restrição ao sufrágio mas era considerada apenas uma limitação à extensão do sufrágio universal No Brasil ao contrário da Índia o sufrágio só há pouco voltou a ser estendido aos analfabetos como o era já vimos aqui antes da proclamação da República Isto era no ver de muitos também uma séria restrição Como se vê é necessário que no exame dos processos de escolha de governantes também se examine com cuidado a existência dessas e outras limitações bem como de outros aspectos quase tão variados quanto permite a imaginação humana Já praticamente não se adotam nas democracias de hoje instituições como o voto censitário privilégio como já vimos dos que fossem capazes de provar certas condições econômicas podendo até mesmo haver um imposto de urna como havia até pouco tempo em alguns estados do sul dos Estados Unidos o sufrágio qualificado e o ponderado que não são rigorosamente a mesma coisa mas que em última análise atribuíam um peso especial aos votos de determinadas categorias de pessoas mais bem qualificadas por uma razão ou outra o sufrágio múltiplo e o sufrágio plural em que algumas pessoas podiam ter seu voto multiplicado ou votar na mesma eleição em várias circunscrições eleitorais e assim por diante embora possam encontrarse disfarçados debaixo de certas instituições Finalmente devem ser lembradas algumas condições en volvendo o exercício do sufrágio que afetam a liberdade na escolha dos governantes através de eleições Por exemplo para garantir a liberdade de cada eleitor no momento em que ele faz sua escolha instituiuse a prática do voto secreto Se o voto não fosse secreto e isto não acontece universalmente o eleitor estaria sujeito a pressões às quais talvez não tivesse condições de resistir Há também outra limitação a votarse em quem se quiser pois em quase todas as democracias do mundo mesmo se descontadas as limitações ou restrições à candidatura vistas atrás só os partidos políticos podem apresentar candidatos o que significa que quando os partidos são controlados por minorias e quando é difícil formar novos partidos muitos cidadãos não conseguem ter acesso concreto à candidatura embora legalmente qualificados em todos os outros aspectos Assinalese ainda que as eleições podem não ser diretas ou seja pode darse o caso em que a lei determine que os eleitores só podem votar em representantes os quais por sua vez escolhem os governantes Há vários subsistemas possíveis neste caso inclusive os que combinam eleições diretas para certos cargos com indiretas para outros É mais do que claro que as eleições indiretas afetam a representatividade da seleção já que a escolha de representantes envolve uma espécie de transferência ou delegação de soberania A soberania popular é delegada ao corpo de representantes que pode ser fiel à vontade dela ou não a depender das circunstâncias ou do tipo de instituições existentes Este problema de certa forma existe no sistema norte americano em que o presidente da República não é escolhido diretamente pelo sufrágio popular mas por um corpo de delegados a cujo cargo fica a eleição real Na esmagadora maioria dos casos os delegados votam de acordo com a vontade popular mas não são obrigados legalmente a isto e já aconteceram dois ou três episódios em que de fato o candidato vitorioso pelo voto popular foi derrotado na eleição realizada pelos delegados no colégio eleitoral Esta hipótese contudo tornase cada vez mais remota na realidade política atual dos Estados Unidos embora seja ainda perfeitamente legal Atualmente tramita no Congresso americano uma emenda constitucional acabando com o colégio eleitoral e transformando a eleição do presidente americano numa eleição realmente direta Cabe também lembrar que a existência de uma linha sucessória mesmo onde haja mecanismos para garantir a representação da vontade popular expressa por meio do sufrágio pode vir a mudar os governantes de forma não prevista pelos eleitores Por exemplo em muitos sistemas elegese um presidente da República e um vice presidente o segundo muitas vezes como uma mera conseqüência de alianças políticas feitas pelo primeiro pois ninguém espera que o vice venha a assumir o cargo E a linha sucessória além disso não pára aí No caso de morrerem num desastre tanto o presidente como o vicepresidente é claro que a escolha dos governantes a sucederemnos não será feita rigorosamente por escolha popular mas por força da linha sucessória institucionalizada No Brasil caso semelhante aconteceu com a morte inesperada de Tancredo Neves que já não tinha sido eleito pelo povo e a assunção ao poder de José Sarney pois entre nós a linha sucessória é a seguinte presidente vicepresidente presidente da Câmara dos Deputados presidente do Senado Federal e presidente do Supremo Tribunal Federal Mas o aspecto mais especializado da escolha dos governantes é a questão dos sistemas eleitorais que vamos ver no próximo capítulo 1 O movimento de 1964 no Brasil foi na sua opinião uma revolução 2 Um Estado desenvolvido enfrenta sérios problemas políticos com uma verdadeira guerra entre duas facções rivais Depois de algum tempo uma grande potência invade o país elimina os extremistas e estabelecendo um governo provisório explica à população Agora vocês elejam dentro desse sistema que estamos ensinando aqui a vocês os governantes que quiserem que nós lhes daremos posse e garantiremos o governo com nossas forças armadas Você acha que a escolha de governantes daí decorrente é por conquista ou não Se você conhece os casos recentes de El Salvador e do Afeganistão talvez seja interessante aplicar a pergunta a eles 3 Uma ditadura militar é derrubada por um golpe de Estado dado por outros militares Ao assumir o poder o novo governo declara que fez uma revolução porque não se permitirá mais que militares da ativa sejam governantes Tanto assim é acrescenta ele que de agora em diante todo militar que quiser assumir o poder terá que deixar a farda Fezse mesmo uma revolução 4 Um governo que tem como pontos básicos a reforma agrária a socialização dos bancos e a extinção gradual da livre iniciativa nas indústrias perde as eleições sucessórias para uma facção que não admite nenhum dos pontos básicos acima Antes do dia da posse dos novos governantes o governo ainda no poder anula tudo o que aconteceu Golpe diz a facção que ganhou as eleições Mentira Quem queria dar o golpe eram eles mudando tudo o que já estava estabelecido É golpe ou não é golpe 5 O presidente João Figueiredo foi escolhido por seleção interna ou por algum sistema eleitoral especial E o presidente Fernando Henrique Cardoso 6 O Vaticano é uma democracia 7 Aqui a eleição é absolutamente livre Os candidatos é que têm de passar por um exame prévio para que se verifique se têm condições de acordo com os melhores interesses do país Comente 8 E se em vez de candidatos estivesse escrito na pergunta acima eleitores 9 Um Estado resolve multiplicar o valor do voto de cada cidadão pelo número de filhos que ele tem Comente 10 O voto secreto é uma maneira de o sujeito escapar de sua responsabilidade social e até vender seu voto a vários candidatos diferentes Comente 11 Morre o presidente assume o vicepresidente No dia seguinte um general dá um golpe e diz que vai marcar novas eleições oportunamente no interesse público porque o povo não escolheu aquele presidente Comente 13 Sistemas eleitorais Basicamente existem dois tipos de sistema eleitoral o majoritário comumente chamado de voto distrital e o proporcional Estes dois sistemas pretendem responder à seguinte pergunta o que se quer como resultado de uma eleição Se o que se quer é uma eleição que gere maiorias preferese o voto distrital se o que se quer é que a eleição reflita a diversidade política econômica social e cultural existente numa sociedade preferese o voto proporcional O sistema majoritário é o que ocorre mais facilmente à imaginação e também o que parece à primeira vista mais justo racional e lógico pois o princípio que o orienta pode ser resumido de maneira bastante simples quem tem mais votos ganha Mas na prática a coisa não fica aí e há diversas complicações envolvidas algumas das quais vamos ver em seguida Antes contudo cabe lembrar dois modelos de escrutínio majoritário de aplicação muito difundida cujo entendimento nos será útil O sistema majoritário pode ser uninominal plurinominal ou por listas É uninominal quando se vota em um só nome para um só cargo É plurinominal quando se vota em mais de uma pessoa para o mesmo cargo por exemplo para duas vagas de senador É por listas quando se vota em vários nomes para um órgão qualquer composto de várias pessoas É o que chamamos de chapa nas eleições para grêmios centros acadêmicos sindicatos clubes e outras entidades A chapa por sua vez pode ser fechada ou aberta É aberta quando nomes de uma chapa podem ser combinados com nomes de outras chapas posso votar no candidato a presidente da chapa A no candidato a tesoureiro da chapa B e no candidato a secretário da chapa C Já na chapa fechada ou bloqueada o eleitor não pode compor sua própria chapa ou vota em bloco na chapa de sua escolha ou não vota em nenhuma O sistema majoritário apresenta uma desvantagem grave não permite que as minorias sejam representadas o que pode render problemas sérios Criando uma hipótese exagerada mas que serve de boa ilustração suponhamos que num país qualquer a chapa A ganha da chapa B por um milhão contra 999990 votos A diferença sendo somente de dez votos tornaria esse país muito difícil de governar com tão marcada diferença entre a realidade da opinião pública e a composição do governo Não seria justo nem prático que metade do país mandasse na outra metade a qual não teria voz alguma nos negócios públicos A metade sem representação poderia frustrarse e revoltarse Devese levar em consideração também a possibilidade teórica de que em tal sistema uma minoria relativamente pequena venha a governar a maioria traindose assim os objetivos do sistema majoritário Admitase por exemplo que concorram às eleições quatro listas disputando um total de quatro milhões de votos Se por exemplo a lista A ganhar com 1 milhão e 50 mil votos os votos das outras chapas evidentemente somarão quase o triplo dos da eleita Assim a minoria representada pela chapa A governaria a maioria representada pelas outras Ou seja basta obter a maioria simples dos votos para ganhar todos os cargos em disputa Por essas e outras razões o sistema majoritário tem que ser usado com grande cautela e em muitas circunstâncias é mesmo aconselhável que não seja empregado Não obstante podese pensar em listas abertas o que parece melhorar bastante a situação Mas somente parece porque a realidade é diferente Vamos supor um país em que houvesse cem vagas para o Parlamento e cada partido apresentasse sua lista de cem candidatos Isto quereria dizer que as áreas mais populosas do país seriam superrepresentadas e as menos populosas subrepresentadas ou até não representadas Se um sistema como este fosse adotado no Brasil por exemplo o Acre não teria deputados já que dificilmente um candidato acreano teria condições de reunir um número de votos maior do que o menos votado dos candidatos paulistas Além disso a depender das circunstâncias do país em questão as listas abertas poderiam ainda suscitar outro problema Caso houvesse um número muito grande de partidos não seria impossível que a composição do Parlamento ficasse tão fracionada entre dezenas de tendências que a obtenção do consenso ou mesmo de uma simples maioria numa votação poderia tornarse virtualmente impossível dificultando sobremaneira a ação do governo Em eleições para diretorias de entidades esse fenômeno é comum razão por que é quase universal a adoção de listas bloqueadas ou chapas fechadas eis que o funcionamento de um corpo dirigente composto por pessoas antagônicas e rivais conseqüência previsível das listas abertas será no mínimo tumultuado ou errático Muito bem então introduzamos um aperfeiçoamento Já que o Brasil é uma federação vamos dividir as listas pelos estados aproveitando a divisão política existente Neste caso haveria um conjunto de listas para cada estado conjunto este composto pelas listas individuais de cada partido concorrente Cada estado seria portanto uma circunscrição eleitoral Mas isto também requer refinamentos Em primeiro lugar se houvesse o mesmo número de deputados para cada estado a população do país como um todo estaria desigualmente representada Por exemplo havendo dez deputados para o Acre e dez para São Paulo é claro que o deputado paulista precisaria de muito mais votos para elegerse que o acreano já que o número de eleitores paulistas dividido por dez seria bem maior do que o número de eleitores acreanos dividido por dez O que quer dizer que um voto acreano valeria muito mais do que um voto paulista com evidentes e gravíssimas distorções na representação E de mais a mais onde o número de representantes é igual para todos os estados é o Senado porque o senador é um representante da federação Assim o Acre para ficarmos no exemplo tem os mesmos três senadores que São Paulo não importa a diferença populacional entre ambos Para evitar esses problemas países como a Inglaterra o Japão e os Estados Unidos por exemplo adotaram a idéia de distritos isto é pequenas circunscrições eleitorais com populações idealmente iguais Idealmente porque todos os países adotam uma certa compensação Nos Estados Unidos por exemplo é preciso compensar caso contrário estados como a Califórnia e Nova York ficariam superrepresentados e Nebraska e Arkansas ficariam subrepresentados Com a criação dos distritos o problema fica consideravelmente abrandado mas não deixam de existir problemas pois nenhum sistema eleitoral pode aspirar a ser livre de defeitos de maior ou menor gravidade Para começar é necessário uma constante vigilância quanto à composição populacional dos distritos Em alguns anos uma área densamente povoada pode passar a ter menos gente ou viceversa A autoridade eleitoral por conseguinte tem que exercer uma permanente fiscalização e providenciar a reformulação dos distritos toda vez que o censo demográfico indicar que houve alteração populacional significativa para cima ou para baixo Nos Estados Unidos por exemplo o que se faz é um processo de redistritamento nova divisão ao final de cada eleição isto é de dois em dois anos que é a duração dos mandatos dos deputados americanos Esta divisão é sempre realizada pela Assembléia Legislativa de cada um dos cinqüenta estados americanos Entretanto mesmo com a adoção dos distritos as minorias são subrepresentadas porque a tendência historicamente observável é de que o eleitorado se polarize em duas posições excluindo os chamados terceiros partidos Para ilustrar vamos supor que haja três distritos e três partidos No distrito 1 a votação para o partido A é de 2 mil para o B 1500 para o C 1200 no 2 para o A 1600 para o B 1700 e para o C também 1600 no 3 para o A novamente 2 mil para o B 1400 e para o C 1800 Como se vê aí o partido A fez dois deputados o B um e o C nenhum No entanto existem muitas pessoas que votaram no partido C mas que pelas circunstâncias do sistema não têm representação Além de com isso obterse um retrato falso da realidade com o tempo os eleitores se cansam de nunca conseguirem eleger ninguém e se aproximam do partido A ou B do que menos desgosta enfim Isto é efetivamente o que tem acontecido na maioria dos países que praticam o voto distrital onde terceiros partidos são inexpressivos engolidos pela lógica eleitoral bipartidária A existência de distritos se presta também a muitas manipulações pelo menos uma das quais deve ser sublinhada Imaginemos que num determinado país os trabalhadores votem maciçamente no partido A e os agricultores no partido B Vamos supor também que haja dois distritos contíguos num dos quais o partido A ganhe por margem folgada e no outro perca por uma margem muito pequena Se o partido A estiver no poder ele pode manipular as coisas dando uma das desculpas técnicas possíveis trocando um pedaço do território do distrito seguro onde morem trabalhadores votos certos para ele por um pedaço do distrito inseguro onde morem agricultores Basta rearranjar os limites geográficos com alguma imaginação e fazer as contas certas que o partido A em vez de ganhar num só distrito como antes passa a ganhar nos dois No primeiro dispensa apenas um pouco da folga que não chega a ser coberta pelo ingresso dos agricultores cuja saída de seu distrito original retira a pequena vantagem que lá possuía o distrito B assim como com a troca ainda chegam mais votos para o partido A Isto não é tão complicado quanto pode parecer e é também um dos aspectos mais interessantes do sistema majoritário por distritos Na França o presidente Charles de Gaulle promoveu em 1958 a divisão do país em distritos arranjados de forma tal que seu partido aumentou a votação de 4 em 1956 para 205 em 1958 enquanto os partidos de esquerda caíram de 563 em 1956 para 166 em 1958 Aliás na França pluripartidária vigora uma variante do sistema majoritário conhecida como de dois turnos Através desse sistema os candidatos precisam obter maioria absoluta metade mais um de todos os votos dados Se nenhum dos candidatos obtiver essa maioria fazse um segundo turno para o qual concorrem somente os dois primeiros colocados no turno anterior Isto é visto como um aperfeiçoamento em relação ao sistema majoritário simples porque não bloqueia a existência de terceiros ou quartos ou quintos partidos sendo portanto mais sensível ao perfil do eleitorado e mais flexível diante das alterações nas circunstâncias políticas Contudo não deixa de criar problemas especiais Um deles é que sob sua influência os partidos políticos tendem a convergir ideológica ou programaticamente Em primeiro lugar isto se deve a que a possibilidade de participação no segundo turno faz com que nenhum partido deseje alienar excessivamente os eleitores dos outros partidos Afinal os votos desses eleitores vão ser necessários caso seus partidos não concorram ao segundo turno Há portanto uma espécie de aproximação em direção ao centro uma espécie de repúdio a posições que poderiam ser consideradas extremas ou radicais Em segundo lugar e paralelamente é comum que sejam necessárias concessões e alianças com os partidos que sobraram no primeiro turno É como se um partido que sobrou dissesse a um dos dois que vão disputar o segundo turno Olhe eu não posso mais eleger meu candidato mas ainda tenho votos que são muito importantes Se você me prometer tal e tal coisa meus votos vão para você caso contrário vão para o outro E por fim a tendência centrista é efetivamente reforçada pelo sistema como podemos ver num raciocínio simplificado mas indicativo do que pode acontecer Supondo que haja um partido de esquerda um de direita e um de centro e o de direita sobre o que acontece No segundo turno os eleitores da direita vão preferir votar no centro para eles o menos ruim do que na esquerda Se sobrar o partido da esquerda a mesma coisa acontece invertida Já aí o centro conta com duas chances contra uma Se por outro lado sobrar o centro é claro que ambas as outras correntes vão procurar aproximarse dele como de certa forma procuravam antes só que sem a necessidade de concessões e alianças para ganhar seus eleitores O sistema de dois turnos introduz assim uma espécie de distorção embutida no processo político um propositado favorecimento do centro que pode ser muito útil para o Estado e para a obtenção de consensos mas permanece não obstante uma distorção Os problemas relacionados com a representação das minorias que como vimos podem ser bastante agudos sob qualquer tipo de sistema majoritário levaram à elaboração de novos esquemas destinados a superálos Foi esta a razão acrescida à extensão dos limites do sufrágio universal para o surgimento da representação proporcional sistema muito conhecido dos brasileiros pois a eleição de deputados federais e estaduais e vereadores é feita através dele No sistema de voto proporcional cada partido apresenta sua relação de candidatos e os eleitores ou votam em um candidato ou simplesmente no partido de sua escolha o chamado voto de legenda Existem três tipos de voto proporcional a por listas inteiramente abertas como é o caso do Brasil em que os eleitores votam no candidato ou no partido b por listas fechadas em que os partidos apresentam uma lista de candidatos e o eleitor vota nesta ou naquela lista partidária Ou seja só existe voto de legenda os candidatos serão eleitos por ordem de apresentação na lista e c a lista semilivre em que o eleitor pode compor sua própria lista retirando nomes de várias listas partidárias diferentes Vamos ver agora como se processa uma eleição sob o voto proporcional Em primeiro lugar é preciso conhecer os conceitos de quociente eleitoral e de número fixo essenciais para o funcionamento do sistema são expressões que designam o número necessário de votos para eleger um deputado Por exemplo no país X a legislação pode fixar este número em vamos dizer 10 mil Assim se o partido A tiver 150 mil votos elegerá 15 deputados por ordem de votação Este é o caminho para entendermos os tais votos de legenda Se por uma hipótese absurda o candidato mais votado do partido tiver 140 mil e os restantes 10 mil forem divididos pelos outros candidatos do mesmo partido o primeiro só vai precisar de 10 mil para sua eleição Os votos restantes passarão para os candidatos seguintes por ordem de votação É por isso que se diz no Brasil que um candidato muito votado é um puxador de votos para a legenda No entanto o Brasil utiliza um sistema ligeiramente diferente do número fixo que é o do quociente eleitoral que leva em conta as variações do número de habitantes e votantes do país em cada eleição Para se calcular o quociente eleitoral é indispensável em primeiro lugar que saibamos a quantos habitantes equivale um deputado Por exemplo a lei pode estabelecer que para cada 100 mil habitantes haverá um deputado Assim numa federação como a nossa o estadomembro que abrigue uma população de um milhão de habitantes terá direito a eleger dez deputados ou seja tem dez vagas a preencher na Câmara dos Deputados Procedese então à eleição Apurados os votos válidos que no caso brasileiro são os votos dados a candidatos individuais mais os dados só ao partido ficam de fora brancos e nulos dividese esse número de votos pelo número de vagas O resultado é o quociente eleitoral Tantas vezes esteja o quociente eleitoral contido na votação de cada partido tantos deputados ele elege até o limite de vagas é claro E por fim para concluir os cálculos dividese o número de votos que cada partido obteve valendo é claro os votos dados diretamente a seus candidatos e os votos dados somente à legenda pelo quociente eleitoral O resultado dessa operação recebe o nome de quociente partidário e vai indicar o número de deputados que o partido elegerá inicialmente também por ordem de votação Por exemplo no caso imaginado o partido teve 120 mil votos e o quociente eleitoral foi de 3 mil votos o quociente partidário é igual a 4 e portanto os quatro primeiros votados desse partido já estão eleitos A mesma operação é feita em relação aos votos obtidos por cada um dos partidos que concorreram excetuandose é claro aqueles que por acaso não tenham chegado a alcançar o quociente eleitoral Devemos por outro lado tornar a observar que não é necessário para que um candidato se eleja que sua votação individual alcance o quociente eleitoral Na verdade pode até ser muito inferior a depender dos votos da legenda Vamos imaginar outro exemplo exagerado o candidato W teve 70 mil votos o X 22 mil o Y 2998 e o Z apenas 2 os tradicionais dele e da mulher dele A soma é 95 mil e Y e Z se elegem arrastados pelos outros Vêse que somente W teve um número de votos superior ao quociente eleitoral que vamos fixar hipoteticamente em 22 mil votos as sobras passaram para os candidatos seguintes Contudo na vida real os números nunca são tão certinhos assim e há sempre na prática sobras ou seja vagas não preenchidas e votos não usados seja pelos partidos que não alcançaram o quociente eleitoral para eleger um deputado sequer seja pelos partidos que conseguiram alcançar o quociente e elegeram alguns deputados Para resolver isso fazse o cálculo das sobras segundo várias fórmulas possíveis No Brasil a fórmula empregada chamase das maiores médias e favorece um pouco os partidos majoritários porque o que se faz é dividir o número de votos obtidos por cada legenda pelo número de cadeiras vagas preenchidas obtidas na primeira operação mais um O partido que obtiver maior resultado nessa divisão leva a próxima vaga e assim sucessivamente até que todas as vagas se preencham Há outros métodos mas para nós é suficiente que compreendamos o que foi explicado acima porque assim ficamos sabendo o essencial sobre o funcionamento da representação proporcional Existem entretanto alguns aspectos que devem ainda ser tocados mesmo que rapidamente Em primeiro lugar como o voto proporcional foi criado tendose em mente facilitar a representação das minorias isto de fato acontece A conseqüência é a propensão para que se forme um grande número de partidos e partidos que não apresentam aquela vocação centrista vista no sistema majoritário de dois turnos Isto a depender do ponto de vista que se tome exibe facetas interessantes Uma delas é a de que as tendências políticas básicas vamos dizer esquerda e direita ficam com suas facções internas mais intransigentes menos dispostas a fazer concessões Se a representação proporcional como acontece com outros sistemas forçasse em benefício de resultados eleitorais a aglutinação dessas tendências num só ou em poucos partidos as divergências permaneceriam no âmbito interno desses partidos Como entretanto acontece o contrário essas correntes divergentes tendem a originar novos partidos pois o sistema eleitoral lhes dá uma boa chance de obter votos suficientes para eleger alguns representantes Ou seja o que acontece com a utilização do voto proporcional é que as facções e divisões das tendências básicas terminam por encontrar oportunidades concretas de constituir seus próprios partidos o que como se pode imaginar torna muito complexo o panorama político a começar pelo fato de que fica muito mais difícil que um só partido consiga uma sólida maioria parlamentar Por outro lado esta característica do voto proporcional a de fazer proliferar partidos numerosos e independentes entre si gera às vezes situações curiosas No Brasil por exemplo depois de 64 os antigos partidos foram extintos passando a haver somente dois mas o sistema eleitoral não foi alterado declarandose de certa forma uma contradição entre o sistema eleitoral e o sistema de partidos O sistema bipartidário casa melhor com um sistema eleitoral de escrutínio majoritário distrital enquanto um sistema pluripartidário casa melhor com a representação proporcional Daí o surgimento das sublegendas nada mais do que os antigos partidos disfarçados sob siglas abrangentes porque forçados pelo sistema imposto Assim um dos primeiros passos para a redemocratização foi a volta ao sistema pluripartidário que o Brasil adota até hoje A partir de suas experiências nacionais os vários países começaram a introduzir alterações no sistema eleitoral com o objetivo de atenuar seus efeitos distorsivos na representação e portanto no próprio sistema político adotando sistemas eleitorais derivados As principais alterações introduzidas no sistema proporcional têm por objetivo reforçar a estabilidade das maiorias governamentais Este processo denominase fabricação de maiorias Independentemente do sistema partidário que se esteja analisando a lei eleitoral sempre beneficia os grandes partidos Uma das formas utilizadas para reforçar as maiorias diz respeito ao mecanismo de distribuição das sobras eleitorais que passam a ser atribuídas ao partido ou coligação que obteve o maior número de votos Aliás o Brasil adotou este mecanismo até 1950 Mas a lei eleitoral votada naquele ano e repetida neste particular até hoje modificou o mecanismo passando a adotar o princípio das maiores médias Uma segunda possibilidade de correção das distorções provocadas pelo sistema eleitoral é a votação mínima também chamada de cláusula de exclusão Exigese que o partido tenha obtido no mínimo 5 ou 10 dos votos em todo o território nacional para que sua representação seja reconhecida no Parlamento Portanto mais uma vez são contemplados os maiores partidos A terceira possibilidade adota o sistema de lista incompleta a lista partidária que obteve maioria simples leva 23 das cadeiras O outro terço vai para a segunda lista mais votada Esta é a forma adotada na Argentina criando portanto um bipartidarismo de fato Entre os sistemas eleitorais mistos o mais famoso é o adotado na Alemanha onde 50 do Bundestag Parlamento é eleito pelo voto distrital em colégios uninominais por maioria absoluta portanto em dois turnos porque a Alemanha é pluripartidária e os outros 50 em eleição proporcional com listas partidárias fechadas Portanto o eleitor vota duas vezes uma no candidato distrital e a outra na lista partidária Dependendo do número de votos obtidos na eleição proporcional o partido conquista quocientes eleitorais para eleger um determinado número de representantes Deduzidos aqueles eleitos nos distritos o restante das vagas é ocupado pelos primeiros colocados na lista partidária As sobras são distribuídas aos partidos que nos distritos uninominais tiveram seus candidatos eleitos O número de deputados obtidos com as sobras partidárias é retirado dos lugares seguintes na lista partidária Dessa forma o número total de deputados do Bundestag varia ligeiramente de eleição para eleição Além disso os partidos têm de obter no mínimo 5 dos votos no total nacional ou eleger pelo menos três deputados distritais para poderem ter representação no Bundestag Abaixo apresentamos uma pequena tabela listando alguns países do mundo e seus sistemas eleitorais e partidários para você ter uma idéia Sistemas Eleitorais e Sistemas Partidários Partidos Países Sistemas eleitorais 2 Estados Unidos majoritário Reino Unido majoritário Nova Zelândia majoritáriomisto Bahamas majoritário Congo proporcional Costa do Marfim proporcional 35 Austrália majoritário Canadá majoritário Japão majoritáriomisto Austria proporcional El Salvador proporcional Honduras proporcional Indonésia proporcional Suécia proporcional Egito misto Espanha majoritário proporcional Alemanha majoritário proporcionalmisto 610 Costa Rica proporcional Guatemala proporcional Luxemburgo proporcional Rep Dominicana proporcional Islândia misto Grécia majoritário proporcional Itália majoritário proporcionalmisto Noruega majoritário proporcional França majoritário proporcional majoritário Suíça majoritário proporcional 10 Argentina proporcional Bolívia proporcional Chile proporcional Equador proporcional Finlândia proporcional Índia majoritário Rep da Irlanda proporcional Bélgica majoritário proporcional Holanda majoritário proporcional Brasil majoritário proporcional 1 Consiga os dados sobre a votação nas últimas eleições para deputados estaduais no seu estado você também terá que dispor dos elementos para o cálculo do quociente eleitoral e faça você mesmo as contas para ver quem terminou sendo eleito Qualquer maquininha de calcular quebra o galho 2 O sistema da representação proporcional é bom inclusive porque possibilita que um candidato intelectual que não tem penetração popular seja eleito pela força da legenda o que beneficia o partido e o povo Comente 3 Na sua opinião qual seria a maneira mais fácil de obter um governo eficiente para um clube um grêmio uma associação de moradores ou semelhante preferivelmente uma associação de que você participe ou possa participar fazer a eleição por listas fechadas ou abertas Pense nos governantes e nos governados tentando assumir ambos os pontos de vista em sua análise 4 Que é que você acha da utilização do sistema majoritário uninominal voto distrital para a eleição de deputados no Brasil em substituição ao sistema atualmente usado que é a representação proporcional 5 No Brasil tanto senadores quanto deputados são eleitos pelo voto direto mas os primeiros pelo sistema majoritário e os últimos pelo sistema proporcional Há um número fixo de senadores por estadomembro e um número variável de deputados de acordo com a população Experimente comentar as implicações práticas disto usando lógica e imaginação 6 Você é capaz de melhorar o sistema eleitoral brasileiro Faça o seu projeto 7 Uma das conseqüências do sistema majoritário distrital é que os deputados ficam presos aos seus distritos Ou seja não adianta eles serem bemvistos pelo resto do estado se não ficarem bem com os eleitores de seu distrito porque do contrário perdem as eleições Isto é bom ou mau 8 Um deputado deve representar as pessoas ou as idéias 9 No Brasil ainda existem muitos currais eleitorais e muitos eleitores de cabresto principalmente nas áreas rurais Levando isto em consideração comente as implicações da implantação de um sistema majoritário distrital ou mesmo misto em comparação com a representação proporcional 10 O sistema de número fixo é melhor que o sistema de quociente eleitoral 11 Neste capítulo foi dito que a maneira de aproveitar as sobras no sistema eleitoral brasileiro favorece os partidos majoritários Você concorda ou discorda 12 Este país diz um grande político a respeito do país dele é um exemplo eloqüente de distorção eleitoral Por que em verdade vos digo senhores a composição do Parlamento não reflete a composição da sociedade pois nele as verdadeiras tendências do povo não estão representadas Invente um contexto em que esse político tenha ou não razão 14 Partidos políticos No capítulo anterior falouse muito em partidos políticos embora ainda não tenhamos tido a oportunidade de discutir alguma coisa específica a respeito deles Isto não deve ter feito muita diferença porque a maior parte das pessoas tem uma idéia razoável do que é um partido político É claro que sempre houve facções divergentes em todas as sociedades e é evidente que essas facções tendiam a organizarse de uma forma ou de outra em grupos destinados a promover os interesses de seus membros Mas os partidos políticos organizados como os conhecemos hoje são um fenômeno relativamente recente Provavelmente sua origem direta se deve ao surgimento dos parlamentares e em conseqüência de grupos de interesse com forte motivação para estruturarse formalmente Daí dizem acabou saindo também o binômio esquerdadireita a oposição se sentava do lado esquerdo e a situação do lado direito da presidência da Assembléia Nacional francesa reunida logo após a Revolução Hoje em dia os partidos têm sua formação e funcionamento regidos em maior ou menor grau pelo próprio Estado constituindo assim de certa maneira parte integrante de sua estrutura Inúmeras são as definições do que seja um partido político Há aqueles que o conceituam como um grupo cujos membros pretendem agir em concerto na luta competitiva pelo poder político Partido é também definido como um grupo que formula questões amplas e apresenta candidatos a eleições Existe ainda a concepção revolucionária segundo a qual o partido é uma organização disciplinada de revolucionários profissionais voltados para a tomada do poder Finalmente a concepção mais moderna define os partidos políticos simplesmente como um grupo de pessoas com um punhado de idéias em comum que se reúnem para conquistar o poder seja pela via eleitoral seja pela via revolucionária ou golpista A união faz a força O partido político é a via natural de ação política embora longe de ser a única e na maior parte dos Estados o único caminho institucionalizado pelo qual se pode buscar formalmente o acesso ao poder Nas sociedades democráticas preservase por definição a concessão de oportunidades de manifestação e ação a todas as correntes de opinião ou seja a manutenção do pluralismo democrático A aglutinação e a promoção dessas diversas correntes é a função dos partidos políticos Eles organizam a ação política dãolhe estrutura e direcionamento procurando evitar o desperdício e a irracionalidade das meras ações individuais desconcatenadas Aqui talvez seja conveniente pensar logo numa situação que devemos ter em mente mesmo que ela não seja muito precisa e que não a mencionemos com freqüência Tratase do fato visível de que alguns partidos são o que poderíamos chamar de reivindicatórios outros são reformistas outros são revolucionários Esta classificação rudimentar e seguramente incompleta serve para que observemos que na maior parte dos Estados politicamente estáveis ou todos os partidos são do tipo reivindicatório podendo mesmo ser o único tipo permitido ou quase todos Isto significa que esses partidos constituem na verdade meros antagonistas eventuais dentro das elites dominantes que o Estado representa embora não de forma simples e mecânica Eles concordam a respeito de pontos básicos tais como a iniciativa privada por exemplo mas discordam quanto a aspectos acessórios embora às vezes cheguem a provocar crises de alguma gravidade As discordâncias podem ter uma certa permanência ou podem ser eventuais mas de qualquer forma nunca questionam de fato os fundamentos do regime razão por que este tipo de partido que não pretende alterações profundas na sociedade e nas instituições pode ser chamado de reivindicatório pois em última análise sua atividade é reivindicar Os partidos reformistas estariam a meio caminho entre os reivindicaremos e os revolucionários porque ao mesmo tempo que não pretendem alterar as linhas mestras e os fundamentos da sociedade e da economia defendem certo número de mudanças mais ou menos profundas em geral destinadas a propiciar a preservação do sistema através de concessões julgadas necessárias tanto prática quanto eticamente Por fim os partidos revolucionários muitas vezes proibidos pelo Estado pretendem exatamente o que a designação indica fazer uma revolução isto é operar uma mudança radical na economia na sociedade nas instituições Estes três tipos digamos de índole dos partidos devem ser tidos em mente não para que decoremos mais uma classificação mas para que possamos manter sempre uma perspectiva adequada em relação à natureza de cada partido político com que venhamos a lidar de alguma forma Assim por exemplo a maior parte dos partidos é o que poderíamos classificar de especializada pois tem como função quase única agregar certos grupos de interesse sob um denominador comum e procurar chegar ao poder Dos que o apóiam poucas vezes costumam pedir mais do que os votos Outros partidos contudo exigem mais No oposto da escala está o que se chama de partido totalitário ou seja um partido que demanda de quem o apóia uma conduta específica a qual se estende praticamente sobre todos os aspectos da vida direta ou indiretamente Este tipo de partido costuma fundarse sobre uma base ideológica forte e como a ideologia é uma maneira de ver o mundo quem está identificado com ele transcende o mero nível de eleitor Além disso estes partidos possuem uma visão totalizante da sociedade e do mundo ou seja não conseguem admitir a diferenciação necessariamente existente numa sociedade Como vê o mundo como um só considera tudo e todos passíveis de doutrinação quem não aceita a pregação é considerado inimigo e não adversário Há também partidos chamados comumente de diretos que são partidos por si mesmos isto é não representam nenhum grupo estruturado ou semiestruturado que lhes seja precedente Ao contrário um partido que represente um grupo desses como por exemplo um partido que englobe todos os fiéis de uma determinada religião ou todos os membros de uma entidade trabalhista será um partido indireto As classificações enfim podem ser muitas e sua utilidade é relativa O relacionamento dos indivíduos com os partidos pode darse em vários níveis Há em primeiro lugar os eleitores ou os simplesmente eleitores que na hora das eleições votam naquele partido como poderiam em situação diferente votar em outro No nível seguinte podemos arrolar os simpatizantes de várias categorias Depois viriam os aderentes nome costumeiramente dado aos membros de um partido mas que pode ser estendido aos que embora não tenham oficializado sua adesão estão mais vinculados ao partido do que o simples simpatizante Temos depois ainda pela ordem de vinculação crescente membros militantes funcionários e dirigentes A organização interna dos partidos varia de país para país conforme a legislação que os discipline No Brasil além de preceitos constitucionais há uma lei específica regendo a formação e o funcionamento dos partidos que deve ser consultada pelo interessado Portanto partido é parte e pressupõe outras partes outros partidos O sistema partidário nada mais é do que um conjunto de partidos que interagem e competem entre si pelo mercado político eleitorado A idéia de competição é por conseguinte condição determinante para a existência de um sistema partidário Sendo assim um sistema de partido único parece uma contradição em termos Mas na concepção marxista o partido é representante dos interesses de classe Por isso parecia correto que os regimes socialistas ao proclamar a ditadura do proletariado adotassem o partido único e construíssem um sistema partidário nãocompetitivo A partir daí regimes totalitários nazistas e fascistas adotaram também o partido único como expressão da totalidade do país O que era parte passou a ser o todo Além disso como vimos a democracia é encarada com desprezo por estes regimes e conseqüentemente também é desdenhada a formação livre de partidos considerada sintoma de perigosa fragmentação da sociedade Em suma os partidos únicos são produtos de fatores excepcionais como guerras revoluções depressões mundiais lutas pela independência mantendose graças ao uso inescrupuloso dos instrumentos de poder Os sistemas partidários são analisados de acordo com o número de partidos envolvidos na competição e com a dinâmica de funcionamento Assim segundo o critério numérico temos o bipartidarismo e o pluripartidarismo Aqui cabe uma observação O correto seria dizer bipartidismo e pluripartidismo porque as palavras derivamse de partido e não de partidário Mas a prática consagrou diferentemente e até quando um jornalista escreve bipartidismo o editor ou o revisor emendam para bipartidarismo Os sistemas bipartidários são aqueles em que independentemente do número de partidos existentes apenas dois têm chances legítimas e periodicamente realizadas de governar sozinhos sem necessidade de recorrer a outros partidos Portanto nem todos os sistemas bipartidários têm somente dois partidos Na Inglaterra por exemplo há três partidos com representação parlamentar mas apenas o Partido Conservador e o Partido Trabalhista têm tido chances reais de chegar ao poder Possuem sistemas bipartidários a Inglaterra a Nova Zelândia os Estados Unidos entre outros No bipartidarismo o conceitochave é a alternância no poder Nos Estados Unidos houve uma longa permanência do Partido Democrata na Presidência da República entre 1932 e 1952 com Roosevelt e Truman Mas a idéia de alternância sempre esteve embutida no sistema pois nesse período muitos membros do Partido Republicano eram eleitos tanto para os governos estaduais como para o Congresso Quando se abandona a idéia da alternância o sistema corre dois riscos sérios ou um dos partidos desaparece ou o sistema se transforma de bipartidário em sistema de partido hegemônico Já os sistemas pluripartidários são aqueles que contam com mais de dois partidos com reais chances de governar Nesse sistema a competição é muito acirrada porque o mesmo mercado político eleitorado é disputado por um número maior de partidos E também nos sistemas pluripartidários que se observa com mais freqüência a ocorrência de instabilidade política As alianças se fazem de maneira bastante variada e a indisciplina partidária pode gerar sérias disfunções no sistema Os sistemas pluripartidários podem ser pouco fragmentados com um número de partidos relevantes variando entre três e cinco partidos em média e uma distância ideológica pequena entre eles Podem também ser muito fragmentados com mais de cinco partidos e uma boa distância ideológica entre eles Quando o sistema é muito fragmentado nenhum dos partidos se aproxima da maioria absoluta no Parlamento Possuem sistemas pluripartidários os países escandinavos a Alemanha a Itália o Brasil a Holanda Portugal a Espanha entre outros Agora dependendo de sua dinâmica de funcionamento os sistemas partidários independentemente do número de partidos em competição admitem ainda o sistema de partido hegemônico e o sistema de partido predominante que à primeira vista podem ser iguais mas não são O sistema de partido hegemônico é aquele em que um único partido pode vencer sempre as eleições conquistando mais de 70 das cadeiras Um dos exemplos mais conhecidos é o PRI mexicano que está no poder desde a Revolução Mexicana e obtém sempre entre 83 e 85 das cadeiras Os presidentes da República como já vimos têm sido escolhidos invariavelmente no seio do PRI e os outros quatro partidos somados não chegam a uma fração de seu contingente em todos os níveis Isto se deve a circunstâncias históricas especiais e é um fenômeno que pode surgir em outros contextos Um outro exemplo é a Arena no Brasil entre 1965 e 1979 que sempre venceu as eleições proporcionais e majoritárias com exceção da eleição para o Senado em 1974 e das eleições no Rio de Janeiro Por isso o sistema brasileiro daquele período embora contasse com dois partidos não constituía um verdadeiro sistema bipartidário O sistema não comportava a idéia de alternância no poder o pretenso bipartidarismo era apenas uma ficção legal O sistema de partido predominante por sua vez é o sistema pluripartidário em que durante um largo período um mesmo partido conquista no Congresso um número suficiente de cadeiras para governar sozinho Este sistema é diferente do sistema de partido hegemônico porque o partido predominante apenas ganha mais e por mais tempo não ganha sempre e quase tudo A diferença percentual é importante para o funcionamento do sistema São exemplos de partidos predominantes o Partido SocialDemocrata na Noruega até 1965 o Partido do Congresso na Índia o Partido LiberalDemocrático no Japão o Partido Colorado no Uruguai Uma das funções básicas dos partidos é como vimos a escolha e apresentação de candidatos fase essencial do processo mais genérico de escolha de governantes Normalmente não há candidatos sem vinculação a um partido embora esta vinculação possa vir a ser de conveniência ou episódica Os processos mais comuns de escolha de candidatos são o que poderíamos chamar de reuniões da liderança as primárias e as convenções As reuniões de liderança seriam as realizadas pelos dirigentes e membros mais influentes do partido para deliberar sobre que candidatos apresentar Tratase naturalmente de um processo antipático e autoritário que por isso mesmo vem caindo em desuso É claro que qualquer que seja o método empregado a articulação dessas lideranças é em geral decisiva mas mesmo assim procurase abrir o processo ao menos formalmente inclusive para comprometer a massa do partido O processo mais aberto são as primárias espécie de eleição no seio do próprio partido em que idealmente todos os seus eleitores participam A primária como sabemos é amplamente empregada nos Estados Unidos para a escolha de candidatos a deputado senador governador e presidente Se pode ser qualificada de muito democrática a primária apresenta também alguns problemas inclusive a realização de uma campanha dupla a interna e a geral e o acirramento de rivalidades dentro do partido exatamente porque concorrem dois ou mais correligionários dentro de um clima muitas vezes hostil e prejudicial ao partido Além disso as despesas envolvidas e o extraordinário investimento de tempo e trabalho provocam um certo desencanto com as primárias das quais há muitos críticos nos Estados Unidos onde contudo não parece que elas estejam fadadas a cair em desuso Finalmente as convenções são reuniões de delegados das organizações regionais ou locais dos partidos que através de debates e votações selecionam candidatos ou ratificam escolhas prévias Tanto quanto os outros este processo padece de inúmeros defeitos mesmo quando combinado com as primárias como acontece nos Estados Unidos Na verdade para que um indivíduo se torne candidato de um partido qualquer que seja o cargo pretendido é necessária de acordo com as circunstâncias a combinação de inúmeras manobras e articulações parte do que chamamos às vezes de politicagem uma sucessão de atos inquantificável e não classificável exercício da arte política na falta de melhor termo Onde os partidos são solidamente estabelecidos e definidos o trabalho em suas fileiras os chamados serviços prestados ao partido são muito importantes Onde isto não ocorre os fatores são mais diversificados podendo assumir importância maior do que o partido as figuras de líderes com penetração popular como acontece muito no Brasil 1 Experimente você mesmo fazer uma ou duas classificações de partidos políticos de acordo com critérios que julgue importantes 2 Se você aceita a classificação de reivindicatórios reformistas e revolucionários se não aceita melhorea enquadre os partidos brasileiros dentro dela 3 Algumas pessoas são extremamente a favor da legalização do aborto outras extremamente contra Você acha adequada para enfrentar o problema a criação de um Partido PróAborto ou de um Partido AntiAborto 4 Você acha que o Partido dos Trabalhadores é um partido indireto 5 Com muitos partidos dificilmente um deles consegue maioria e é muito trabalhoso articular as decisões Com poucos partidos não há suficientes veículos para as diversas correntes de opinião Como você avaliaria estas hipóteses 6 O que qualquer partido pretende é conseguir usar o poder de coerção do Estado em benefício daqueles cujos interesses representa Explique e comente 7 O partido só tem sentido se seu objetivo for chegar ao poder Comente 15 Ideologias e a vida de todo dia Assim como todos nós somos políticos de uma forma ou de outra todos nós temos uma ideologia de uma forma ou de outra É claro que ideologia é uma palavra difícil e então não esperamos que a cozinheira tenha uma ideologia o porteiro do edifício tenha uma ideologia ou até nós mesmos que estamos preocupados com o feijão de cada dia tenhamos uma ideologia Isto porque devido a uma série de fatores esquecemos ou nunca aprendemos que a sistematização dos fatos feita pelos cientistas ou estudiosos não passa por mais complicada que pareça disto mesmo de sistematização dos fatos As coisas acontecem inventamos regras e métodos para estudar essas coisas damos nomes a elas vemos como elas se interrelacionam surpreendemos algumas leis aqui e ali vamos procurando entender da melhor forma possível ou aceitável Com o tempo um estudo tão aplicado começa a ser inacessível para aqueles que não se dedicaram muito a ele É por isso que não entendemos de medicina de direito ou de matemática a não ser é claro que sejamos médicos juristas ou matemáticos Quando nos dedicamos a uma área especializada do conhecimento vamos descobrindo coisas e relações entre essas coisas e relações entre as relações que nos obrigam a procurar designálas por nomes especiais facilitando o trabalho e a troca de informações sobre esse trabalho Cada nova geração que vai chegando vai herdando esse patrimônio de conceitos e palavras e vai tentando aperfeiçoálo modificálo revêlo e assim por diante Então não existe nada de intrinsecamente difícil em ideologia nada de tão especial assim Ela é simplesmente a palavra usada para descrever um fato ou conjunto de fatos que é parte integrante de nossas vidas sendo mesmo difícil conceber um ser humano que não abrigue alguma forma de pensamento ideológico Mas tudo neste mundo é complicado quando pensamos bastante Nada mais simples do que entender que ao ser riscado um fósforo se acende É o produto do atrito da lixa contra a cabeça do fósforo Mas por quê Porque a lixa gera calor ao ser atritada contra a cabeça do fósforo e este se acende Mas por quê Porque há uma mistura química na cabeça do fósforo que se incendeia quando lhe aplicam calor Mas por que se incendeia Porque tem a capacidade de fazer o combustível a tal mistura química reagir com o comburente o oxigênio do ar gerando fogo Mas por quê Porque as moléculas de oxigênio são muito ativas e se provocadas suficientemente reagem com outras moléculas Mas por quê Porque E por aí vamos numa sucessão interminável de perguntas que acabarão por nos deixar com as indagações de sempre a respeito do porquê de todas as coisas com ramificações cada vez maiores Somos obrigados a rotular todos os fenômenos que surgem das relações observadas numa busca interminável de entendimento Porque rotulamos e porque vamos ficando cada vez mais envolvidos em nossas perguntas e nossas perplexidades acabamos por dar a parecer que as coisas são os nomes que lhes damos E chegamos mesmo a achar que só quem percebe ou entende aquelas coisas são os que entendem daqueles nomes Num passo adiante chegamos a achar que aquelas coisas até só existem para quem entende dos nomes que foram inventados para elas E daí para pensarmos tanta besteira inútil o caminho é muito curto O fato é que a ideologia é uma coisa que existe como todas as outras independente do nome difícil que damos a ela A ideologia é uma maneira de pensar uma espécie de fôrma na qual moldamos o mundo E existe em cada um de nós embora depois que inventamos a palavra e ela nos ajudou a raciocinar mais claramente sobre os fatos a que se aplica ela tenha saído de nosso controle e virado uma palavra difícil que hoje designaria alguma coisa estrangeira a nós Para que entendamos o que é ideologia a maneira mais fácil é voltar à nossa estimada comunidade de UghUgh Lembremos que depois de uma série de acontecimentos em UghUgh a maneira de ver o mundo e interpretar os fatos antes comum a todos os membros da coletividade começou a mudar de acordo com a posição de cada um no sistema socioeconômico Não é necessário repetir o que já falamos mas é claro que a maneira de ver o mundo de um escravo ughughiano não seria a mesma que a de um membro da elite dominante Está aí a raiz o principal fato gerador da ideologia Mas ela vai além necessariamente porque sempre envolve uma teoria Isto acontece porque uma maneira de ver o mundo não pode deixar de ter feição globalizante de procurar encontrar uma lógica para toda a gama observável de fatos sob o risco de tornarse incoerente e insatisfatória A ideologia incorpora sempre uma teoria sobre o mundo uma explicação totalizante Não é fácil alguns dirão que é até impossível fazer uma distinção estanque entre ideologia e teoria mas no campo da Política podemos ficar sossegados Pois a Política como vimos só se faz na ação Política é ação Neste caso uma teoria que seja posta em ação concreta numa sociedade seja modificandoa seja apenas constituindo uma de suas forças assume caráter ideológico No nosso exemplo ughughiano é evidente que a maneira de pensar do dominante é uma ideologia conservadora Ela age para conter de várias formas as manifestações da contradição entre escravos e senhores Por outro lado a ideologia do escravo só pode ser reivindicatória ou revolucionária Ela não quer conservar nada quer mudar a situação Se a ideologia envolve uma teoria sobre o mundo podemos também imaginar um ou dois aspectos dessa teoria em UghUgh somente para ilustrar Por exemplo o senhor de escravos poderia desenvolver em conjunto com outros membros de sua classe a tese de que efetivamente o homem como todos os animais se destaca sobre seus semelhantes por sua superioridade quanto a características que realmente importam como força física inteligência habilidade etc Portanto a superioridade de uns sobre outros não é apenas natural como inevitável e a superioridade é demonstrada quando se vence o outro por qualquer meio A superioridade por outro lado careceria de sentido se não fosse usada em benefício dos superiores Assim escravizar os inferiores para que façam o trabalho de que os superiores não gostam e que os torna ainda mais ricos e mais superiores claro é parte da ordem natural das coisas Com isto aliás fazse um benefício muito grande aos escravos pois do contrário eles teriam simplesmente que ser exterminados E como se vê executam com perfeição seus trabalhos manuais provando sua aptidão natural para esse mister enquanto se um senhor for tentar o mesmo trabalho não conseguirá fazêlo ou o fará mal o que também corrobora a tese Enfim se continuarmos a desenvolver esta maneira de pensar não terminaremos nunca porque ela acaba por estenderse sobre todos os aspectos da vida Esta é uma maneira ideológica de pensar ver as coisas e expressarse maneira ideológica muitas vezes tão disfarçada que precisamos aguçar a sensibilidade para aprender a flagrála em nossa própria experiência cotidiana Se hoje não há de modo geral escravos como havia em UghUgh há inúmeras outras situações odiosas que também são defendidas e mostradas como necessárias como decorrência lógica dos fatos A ideologia por conseguinte está relacionada com a existência de classes sociais A noção de classe social é muito complexa e há todo um ramo da ciência da sociedade dedicado a ela e a fenômenos correlates o estudo da estratificação social Normalmente as pessoas acham que classe é a palavra adequada para designar grupos de natureza diversa como os médicos os padres os militares e assim por diante Na verdade esses grupos não são classes sociais são grupos ocupacionais Isto porque a classe social se define em termos econômicos Há muitos critérios para essa divisão mas o mais abrangente é o que coloca os grupos de indivíduos em relação à natureza da economia em que eles existem Se a economia por exemplo se baseia em que há alguns indivíduos que são proprietários dos meios de produção e outros que operam esses meios mas não os possuem aí está uma divisão clara de classes como em nossa UghUgh escravagista Ou como em nossa sociedade de hoje em que a maioria é assalariada ou desempregada e a minoria assalaria Isto entretanto não é suficiente para que tenhamos idéia de como a consciência do indivíduo seu conhecimento e seu pensar sobre o mundo são condicionados pelas circunstâncias concretas de sua existência Em primeiro lugar mesmo que admitamos que a classe social é o fator mais importante não podemos negar relevância a outros condicionantes inclusive o próprio grupo ocupacional tão confundido com classe Alguns desses grupos como o dos militares têm uma especificidade muito grande Os militares não são como vimos uma classe social um pode ser filho de banqueiro outro pode ser filho de bancário Entretanto as características de sua formação profissional e de seu trabalho a maior parte delas imposta num processo autoritário e rigidamente disciplinado lhes dão certas particularidades de comportamento e raciocínio que não podem ser ignoradas A mesma coisa acontece em maior ou menor grau com outros grupos ocupacionais Na realidade é tão vasta a gama desses condicionantes de consciência que todo um ramo da sociologia a sociologia do conhecimento se dedica a seu estudo Em segundo lugar as classes sociais e o número de denominadores comuns que nas sociedades de hoje podem unir as pessoas sob diversos critérios não são tão simples ou esquemáticos como se pode haver entendido do que se disse acima É claro que entre assalariados existe uma enorme diferença quando um deles ganha cem salários mínimos e o outro apenas um Da mesma forma um proprietário de terras pode sustentar divergências inconciliáveis com um industrial Assim mesmo achando que o esquema básico numa sociedade como a nossa é dicotômico quer dizer num sistema capitalista há essencialmente capitalistas e nãocapitalistas não podemos perder de vista o fato de que isto está longe de ser suficiente para nos fornecer todas as variáveis em jogo na formação do pensamento ideológico A assunção de uma ideologia porém não deve ser encarada como algo mecânico A educação se pensarmos com vagar tem caráter ideológico pois através dela são incutidos valores politicamente significativos Mas a educação não é dada com um olho na ideologia O processo se automatiza tornase quase insensível intangível às vezes Também não se pode esperar que pertencer a uma classe social definida determine nossa maneira de pensar e agir politicamente Isto porque como suspeitamos antes há inúmeros fatores que podem de certa forma bloquear a consciência de nossa situação e induzir a que vejamos como nossos os interesses da classe oposta O ser humano além disso não é uma máquina que reage mecanicamente da mesma forma ao mesmo comando nem um animal que funcione à base de reflexos condicionados embora haja quem pense o contrário entre os psicólogos de maneira que a formação do pensamento ideológico não é um processo singelo Finalmente também não se deve esperar que aquilo que poderíamos chamar para facilitar de ideologia básica assuma sempre a mesma aparência As ideologias básicas numa sociedade capitalista seriam a dos proprietários dos meios de produção e as dos não proprietários capitalistas e nãocapitalistas assalariadores e assalariados burgueses e proletários ou como se queira chamar os dois pólos de nosso esquema dicotômico na verdade os especialistas costumam discutir muito os conceitos designados por essas diferentes palavras mas você pode pensar neles depois se quiser tornarse um especialista Já vimos como as sociedades de hoje são excessivamente complexas para que esse esquema se revele esclarecedor em primeiro lugar Em segundo lugar podemos por exemplo dizer a respeito do nazismo e do liberalismo que são ambos a ideologia da classe dominante capitalista e podemos até nos divertir fazendo analogias entre eles Mas a verdade é que o nazismo e o liberalismo são completamente diferentes um do outro não perseguem os mesmos objetivos políticos não utilizam os mesmos métodos Ou seja precisamos sempre refinar a ideologia básica para entendermos as muitas formas que assume exercício que não é meramente acadêmico mas tem influência sobre nossa vida e nosso destino Em processo inverso podemos sempre procurar quando desejarmos fazer uma redução à ideologia básica de qualquer proposição Quando ouvimos ou lemos alguma afirmação podemos endereçar a ela umas tantas perguntas Que conseqüências concretas muitas vezes não explícitas ou mesmo ocultadas pelo autor da proposição tem a aceitação dessa maneira de pensar ou dessa opinião De que depende para ser válida A quem em última análise interessa De quem é esta verdade Será a verdade de todos Se reduzirmos bem chegaremos com freqüência a ver por trás da afirmação mesmo que o seu autor alegue ou julgue sinceramente o contrário a raiz ideológica básica a ligação com a nossa dicotomia As ideologias e as posições políticas são hoje muito vistas em termos de direita e esquerda Ao contrário do que seu uso indiscriminado pode sugerir não são conceitos claros e muitas das pessoas que os aplicam todo o tempo se chamadas a definilos com alguma precisão teriam dificuldade Não é culpa delas As palavras estão sujeitas a empregos arbitrários e abusivos de tal forma que acabam por ter seu sentido diluído ou tornado imprestável para uma comunicação adequada Há até mesmo uma chuva de acusações de direitismo e esquerdismo dentro das organizações de esquerda que só podem deixar o observador desavisado um tanto confuso Na prática o que hoje se conhece por esquerda são posições próximas ou identificadas com os que desejam a socialização da economia em última análise a abolição da propriedade privada e a estatização dos meios de produção As posições à direita seriam aquelas identificadas ou aproximadas com o contrário da proposição acima a ponto de em sua condição mais extremada pretenderem eliminar as liberdades individuais para garantir o esquema que consideram correto Tal distinção que vai quebrando o galho nos jornais e nos batepapos não resiste a uma análise um pouquinho rigorosa chegando muita gente a concluir por exemplo que não se pode chamar de esquerda o aparato dominante nos antigos países socialistas mas sim de direita tamanho o conservadorismo desses aparatos o papel opressor que o Estado muitas vezes assumiu o caráter totalitário e assim por diante Além disso como chegamos a ver o termo esquerda em Política tem tido sempre uma conotação de oposição ou contestação ao estabelecido Talvez seja possível achar uma conceituação razoável na observação de que as posições esquerdistas têm historicamente tendido a basear seus programas na crença da aperfeiçoabilidade do homem e de sua vida em sociedade Os caminhos apontados variam muito mas existe sempre a convicção de que os problemas do homem não são inerentes à sua natureza mas fruto de determinantes e condicionantes que sendo mudados também mudarão o homem O homem não é por natureza egoísta nem a vida em sociedade tem que render sempre conflitos e neuroses nem as guerras são inevitáveis nem a maioria das mazelas de nossa existência individual e coletiva faz parte da ordem natural das coisas Em contraste as posições da direita tendem a presumir que existem certas características imutáveis do homem O necessário é usar essas características para o bem comum mesmo que o bem comum possa vir a justificar privilégios pois entre as verdades da direita está a de que realmente certas coisas não têm jeito e algumas pessoas serão sempre melhores do que outras e portanto se darão melhor na vida É possível aprimorar as condições de vida de todos inclusive porque é natural para o homem querer melhorar sua vida e é também natural que depois de ter seus próprios problemas resolvidos até procure ajudar nesse aprimoramento geral Por si só o homem é basicamente egoísta e fará tudo em seu próprio benefício Se é assim e não há jeito a dar pois o homem se é aperfeiçoável só o é até certo ponto muito limitado devemos equacionar a sociedade de acordo com essas condições em soluções que podem ir da busca de um equilíbrio natural entre os elementos que essas características fazem entrar em jogo até a imposição de um governo forte ou totalitário que sob a orientação dos melhores discipline e tutele os indivíduos para seu próprio bem Os caminhos da esquerda e da direita como se sugeriu são muitos Se a noção dada acima serve para esclarecer um pouco as coisas também serve para mostrar como são mesmo relativos os conceitos de esquerda e direita como a realidade contraria os rótulos ou distorce projetos e intenções Um regime opressor não pode ser de esquerda Contudo como modificar o homem sem inicialmente impor condutas e implantar implacavelmente o novo esquema E agora será um regime desses de esquerda ou de direita Os rótulos são muito enganosos até mesmo porque qualquer um pode pegar um rótulo à vontade e pespegálo na testa sua ou dos outros Vimos isto em relação à democracia vêse isto em relação a quase tudo O que para uns é patriotismo para outros é traição e viceversa O que para uns é comunismo para outros é uma forma de fascismo Assim não nos devemos fiar nos rótulos nem nos preocupar excessivamente com eles Necessitaríamos de capítulos e mais capítulos para analisar os muitos ismos sobre os quais lemos todos os dias nos jornais Mas na verdade por mais complicados e misteriosos que eles nos pareçam já temos os instrumentos básicos para nos defender dos rótulos Para entender uma ideologia ou uma das muitas formas das ideologias básicas a primeira providência que aliás é muito útil também em outras áreas é procurar a fonte diretamente Se queremos saber o que é o socialismo devemos procurar ler o que os socialistas escrevem ou ouvir o que eles dizem não o que dizem ou escrevem deles Da mesma forma se queremos saber o que é o liberalismo devemos ler e ouvir os liberais E em relação a ambos como em relação a todos devemos prestar atenção no que eles fazem em comparação com o que dizem A cada proposição a cada colocação podemos pôr em ação os nossos instrumentos Podemos aplicar nossa técnica de redução Podemos questionar Podemos usar o conhecimento que já adquirimos pois quando o conhecimento nos faz pensar ele é cumulativo está sempre acrescentandose a si mesmo Podemos enfim não ser tiranizados nem amedrontados pelos rótulos podemos assumir cada vez mais a consciência de nós mesmos de nosso lugar na coletividade de nossas aspirações identidade e interesses legítimos Podemos mesmo chegar a ver o mundo de forma ideologicamente consciente e agir de acordo com essa consciência pois afinal somos o limite de nós mesmos A conscientização ideológica gera paixões sim Mas só podemos ser grandes se houver paixão 1 Veja se você acha alguma entrevista de um político escolhe uma ou duas afirmações importantes e faz uma redução ideológica nelas 2 Você acha que o ecologismo é em si uma ideologia 3 A verdade é esta ganha sempre o mais forte e é assim que deve ser Esta é ou pode ser uma afirmação ideológica 4 Com duas ou três boas leis eu resolveria tudo isto diz um famoso advogado A sociologia do conhecimento teria alguma coisa a dizer sobre isto 5 Os trabalhadores na indústria metalúrgica são uma classe social 6 Depois de muitos anos de trabalho ele conseguiu comprar um carro e uma casa Mudei de classe disse aos amigos Comente 7 Peguei minha herança vou me dedicar a viajar não quero nem saber de Política Há ideologia nesta afirmação 8 Meu filho não adianta remar contra a maré Na vida a gente tem é que ganhar dinheiro o resto não interessa a realidade é esta Direita ou esquerda 16 Quem manda como manda Não importa o que lhe digam quem manda é quem está levando vantagem É claro que nisto podem ser vistos vários níveis Há muitas pessoas por exemplo que se sentem mandando mas na realidade este mandar se resume à satisfação de um número restrito de desejos que elas por uma razão ou por outra consideram satisfatório O mandar como tudo mais é relativo mas o critério de levar vantagem sob qualquer sentido e em qualquer situação é suficientemente elucidativo Se do nosso ponto de vista alguém leva vantagem sobre nós mesmo que não leve vantagem sobre outros estará mandando Quando esta vantagem é evidente na tomada de decisões de qualquer tipo é que costumamos visualizar o poder mas na verdade basta que se esteja em melhor situação do que nós do nosso ponto de vista pois afinal não temos melhor critério para se estar mandando Por exemplo se alguém nos chama para limpar a fossa dele e esse alguém também vive submetido a pressões e decisões alheias esse alguém pode alegar que tanto quanto nós ele também não manda Contudo quem está limpando a fossa dele somos nós e não ele a nossa Ele pode pagar para que façamos esse serviço em lugar dele e nós estamos na posição de ter que aceitar o serviço Da mesma forma tanto uma mulher de boa posição econômica quanto a mulher que ela contrata como babá de seu filho podem ter os mesmos sofrimentos a mesma condição feminina discriminada suportar a mesma tirania masculina as mesmas inquietações da maternidade etc etc Não obstante quem é babá é uma a patroa é outra E é visível que nesta relação alguém leva clara vantagem Isto não deve ser esquecido da mesma forma que não devemos esquecer de ver todas as coisas dentro da perspectiva do que de fato acontece e não do que é dito É comum que ideologicamente se desenvolvam teses quanto à relatividade dos bens deste mundo as cargas que temos que suportar e assim por diante Metaforicamente essas cargas talvez sejam as mesmas Efetivamente não são Pois a babá além de ser mãe como a outra e em piores condições a começar pelos cuidados prénatais e pela pobreza do parto ainda é subordinada à outra Não obstante os argumentos que buscam provar o contrário são freqüentemente muito bemsucedidos e há empregadas domésticas que se consideram irmãs feministas de suas patroas embora estas não sejam obrigadas a cuidar de fraldas sujas É preciso pois ter cuidado com as analogias excessivas Reconhecer que somos irmãos é sempre suspeito quando esse reconhecer envolve de nossa parte a aceitação de contingências duras e da outra parte não envolve nada além de palavras De fato se somos humildes de nascença e formação nos sentimos melhor por não podermos sentar à mesa com nossos patrões porque não gostamos mesmo daqueles refinamentos de rico Os refinamentos podem não ser bons em si mas não devemos esquecer que não nos sentimos bem com eles porque não fomos criados para isso não porque tenhamos uma incapacidade congênita para apreciar coisas refinadas E se achamos que estamos melhor em nossa vida modesta e privada de tantas coisas que os ricos consideram essenciais e sem as quais não podem viver devemos lembrar que com isso estamos tendo a opinião mais conveniente para os que mandam que conseguiram fazer nossa cabeça com eficácia O valor do luxo do supérfluo do suntuário e mesmo do conforto excessivo é de fato muito discutível mas são Francisco de Assis exemplo clássico de abnegação e desapego aos bens materiais renunciou a tudo aquilo numa opção consciente O pobre e o despossuído não renunciam não agem em função de valores mais altos voluntariamente escolhidos Com eles não se trata de uma renúncia de uma abdicação tratase de um ato forçado que não tem a dignidade a liberdade e a força da abdicação Dizer estas coisas não valem nada muito melhor é a autenticidade só tem sentido quando podemos renunciar por nós mesmos a elas Tanto assim que os ricos não costumam renunciar riqueza nem a essas coisas sem valor Ao pobre portanto é negada a dignidade de renunciar Ele é obrigado a mergulhar na pobreza de nascença e a se convencer de que assim está melhor Não significa isto evidentemente que a situação ideal da vida é a riqueza principalmente à custa da pobreza alheia nem que tenhamos que colocar os valores materiais na frente de nossas preocupações O que devemos é procurar evitar que nos retirem opções que nos cerceiem a plena liberdade humana que nos impeçam a plena realização do nosso potencial que nos impinjam convicções que não tenhamos escolha senão aceitar O que consideramos uma sociedade justa pode variar muito É afinal uma questão profundamente ideológica Mas nossa visão de uma sociedade justa não pode ser imposta sobretudo quando quem procura impornos essa visão se encontra numa situação claramente melhor que a nossa mesmo que deseje nos convencer de que está em situação igual ou pior Nada impede que aceitemos determinados valores segundo nossa escolha Mas temos que estar conscientes dessa escolha fazêla de forma plenamente voluntária e isto envolve conhecer bem as opções possíveis e não deixar que nos impinjam uma verdade ideológica sob a capa de uma verdade incontestável Como vimos o monopólio da coerção jaz nominalmente no Estado Por esta razão se ambiciona a conquista de posições dentro da estrutura do Estado pretendese conquistar o governo para usar dentro das limitações inevitáveis o poder decisório e coercitivo do Estado com a finalidade de satisfazer interesses ou realizar aquilo que se considera certo É claro que se é o Estado que detém a posição formal de poder é necessário que vejamos como temos aprendido a ver quem está por trás do Estado quem ele representa basicamente Como dissemos acima quem manda é quem está levando vantagem Não é difícil inferir a quem o Estado serve basta ver quem está mais bem servido dentro da so ciedade Quem está mais bem servido é quem está mandando não importa o que lhe expliquem em contrário É óbvio que você já viu que explicar o contrário faz parte do esquema de dominação Quem se beneficia mais é quem está mandando qualquer que seja a razão para isso e mesmo que quem esteja mandando não exerça posição alguma na estrutura formal do Estado Na estrutura do Estado devemos observar ainda o surgimento de um fenômeno contemporâneo que vem pondo em risco até mesmo a representatividade popular nas democracias Tratase da diferença cada vez mais ampla entre quem detém a autoridade para as decisões e quem detém o conhecimento indispensável para tomálas ou quem apenas como acontece muito é tido como detentor daquele conhecimento Por exemplo o presidente da República de um país presidencialista contemporâneo não pode dominar nem uma fração mínima de todo o conhecimento de que necessitaria para tomar decisões que vão desde aspectos complexos da política econômica até questões de saúde pública ou energia nuclear Em conseqüência ele é obrigado cada vez mais a confiar nos assessores consultores e técnicos O resultado disso é que o controle das decisões públicas cada vez mais foge dos funcionários eleitos cada vez mais perde a representatividade Isto é inclusive grandemente fomentado pela convicção quase religiosa de que só os especialistas entendem realmente dos diversos assuntos quando esta é uma crença bastante discutível em vários níveis Chegamos até a acreditar que a ciência e a técnica mesmo no campo social são absolutamente neutras aideológicas Mas isto não é verdade Também as proposições técnicas podem ser submetidas àquelas perguntinhas que vimos no capítulo sobre ideologia Também elas muitas vezes não passam de colocações fortemente ideológicas mascaradas sob a capa de uma verdade científica e muito ciosa das prerrogativas que isso lhe dá Daí o fenômeno da tecnocracia do governo dos técnicos e dos especialistas dos que sabem o que é melhor para todos Na realidade se a complexidade da ciência e da tecnologia contemporâneas nos coloca muito na dependência desses especialistas essa dependência não é nem pode ser total e absoluta A ciência e a tecnologia não são algo acima do homem mas algo do homem Não são infalíveis são muitas vezes e de várias formas francamente ideológicas e no momento em que assumem potencialidade política são do interesse e da responsabilidade de todos a que vão afetar Por esta razão o controle da informação e a utilização da ciência e da tecnologia em lugar de serem entregues sem restrições aos especialistas hão de ser postos sob a supervisão da sociedade supervisão evidentemente adequada à liberdade de investigação científica Quando a ciência passa a ter significado e aplicação políticos ela interessa a todos não importa quanto os detentores da verdade estrilem Para encerrar devemos observar que as formas pelas quais somos mandados e as formas pelas quais as ideologias dominantes nos são impostas não se resumem como podemos pensar à propaganda pelo menos no sentido estrito da palavra Na verdade grande parte dos condicionantes e determinantes de nossa conduta está em tudo na linguagem nos hábitos na tradição nas formas de convívio social na escola nas aspirações que aprendemos a desenvolver como se fossem realmente nossas A dominação mais forte e mais difícil de vencer até mesmo porque é comum que não a queiramos vencer é a que se faz pela cabeça Quando a nossa cabeça não tem autonomia quando mesmo que não notemos pensam por nós aí estamos dominados seja pelo esquema interno a nosso próprio país seja por economias e culturas que o colonizam seja por ambos como geralmente é o caso A resistência contra essa dominação quando ela realmente nos toma conta da cabeça é muito difícil inclusive porque pensamos que somos nós que estamos a decidir em vez de um esquema préfabricado que internalizamos Isto se percebe bem em situações simples como quando concluímos que a realização plena de um jovem praticando o esporte da moda não é realização plena coisa nenhuma mas a conseqüência prevista de um processo de marketing em que ele foi colhido Quando entretanto esse processo é mais fundo a ponto de o confundirmos com nossa própria identidade nossa maneira de ser aí a luta é mais difícil e só pela consciência política e pela produção cultural livre e autônoma conseguiremos coletivamente vencer 1 Eu sou um verdadeiro escravo queixase o homem de negócios chegando ao trabalho cedo e encontrando a faxineira Eu também responde a faxineira Comente 2 Tente catalogar quem na sua opinião manda na sociedade brasileira 3 Acima de tudo somos mulheres diz a patroa rica à empregada Se fosse você a empregada concordaria 4 O homem mais feliz é o que não tem camisa Comente 5 Você acha que o Brasil está ficando cada vez mais uma tecnocracia Achando ou não você acha isso bom 6 Na sua opinião a televisão é apenas um divertimento ou também faz a cabeça Ou principalmente faz a cabeça Conclusão Tudo ou quase tudo que você leu neste livrinho pode ser visto por um ângulo diverso ou mesmo vivamente contestado É isto mesmo Também este livro tem um significado ideológico Se não pretendeu fazer pregação mas ensinar com tanta honestidade quanto humanamente possível igualmente não se preocupou em querer ser ou parecer neutro e objetivo Como você observou nenhum livro foi citado nenhum autor mencionado Mas é claro que tudo o que foi exposto aqui é uma síntese bem simplificada do muito que já se escreveu e pensou sobre todos esses assuntos E também é claro que com estas noções elementares esperamos apenas que você esteja mais bem informado do que estava antes e portanto mais capaz de fazer suas próprias escolhas não só quanto ao que leu aqui mas quanto ao que lerá depois e principalmente quanto àquilo em que acreditará Somente através da consciência política podemos aspirar à dignidade humana e à integral condição de cidadão Boa sorte Apêndice Como se vota no Brasil No Brasil votase desde os tempos da Colônia De lá para cá o processo eleitoral brasileiro sofreu uma série de alterações seja quanto à natureza do sufrágio censitário ou universal à qualidade do voto a descoberto ou secreto ou mesmo quanto à forma de eleição indireta ou direta Durante a Colônia eleições indiretas escolhiam os representantes à Câmara Municipal também chamada de Assembléia dos Homens Bons O voto era censitário no caso limitado aos possuidores de uma renda igual ou superior a 25 quintais 15 t de mandioca Os eleitores eram apenas os homens livres do sexo masculino alfabetizados ou não Mesmo a Assembléia Constituinte de 1823 que marca a transição para o Império foi eleita por representantes que por sua vez tinham sido escolhidos através de declaração oral dos eleitores O voto além de ser a descoberto ainda era dado de viva voz Durante o Império as regras permaneceram inalteradas até 1855 quando foi adotado o voto distrital primeiro em colégios uninominais era eleito um deputado por distrito em 1860 os colégios passaram a ser plurinominais elegendose três deputados por distrito Mas as eleições continuavam indiretas Quanto ao Senado o eleitor votava em três nomes e os três mais votados eram encaminhados ao imperador que escolhia um O cargo de senador era vitalício e o número de senadores era metade do número de deputados Em 1881 oito anos antes da proclamação da República a Lei Saraiva elaborada por um gabinete conservador introduziu importantes modificações no processo eleitoral Foi determinado o realistamento eleitoral e instituído o título de eleitor as eleições passaram a ser diretas exceto as municipais O sistema eleitoral permaneceu distrital embora os colégios tenham voltado a ser uninominais assim como permaneceram os mesmos os limites do sufrágio voto censitário e eleitorado composto por homens livres alfabetizados ou não maiores de 21 anos os casados e de 25 anos os solteiros A Constituição de 1891 instituiu novas regras que vigorariam durante toda a República Velha 18891930 Eleições diretas em todos os níveis e sufrágio universal mas com limitações ficavam de fora analfabetos que perderam o direito ao voto mulheres mendigos praças de pré e clero regular A República Velha manteve o voto distrital restabelecendo os colégios plurinominais com distritos de três deputados com lista incompleta o eleitor votava em dois nomes Em 1904 a Lei Rosa e Silva aumentou o número de representantes por distrito para cinco Cada eleitor podia votar em quatro nomes mas podia também votar quatro vezes no mesmo candidato voto cumulativo O mandato dos senadores foi fixado em nove anos renovando se um terço a cada três anos Eram três senadores por estado Os estados também passaram a contar com Senados cujos titulares eram eleitos da mesma maneira O voto era facultativo e a descoberto No dia da eleição o eleitor levava duas cédulas e as assinava diante da mesa eleitoral Os mesários conferiam e datavam as cédulas colocandoas em envelopes Um era depositado na urna e o outro era devolvido ao eleitor como comprovante da votação A mesa apurava os votos e lavrava as atas forjando resultados na maioria das vezes através das famosas atas falsas as eleições da República Velha ficaram conhecidas como eleições a bicodepena Entretanto não bastava ser eleito muitas vezes através de fraude Na ausência de uma Justiça Eleitoral funcionava no Senado a Comissão de Verificação de Poderes que ratificava ou não a eleição de deputados e senadores Firmemente controlada pela elite governista a comissão impedia que a oposição tivesse sua eleição reconhecida era o mecanismo conhecido como degola Assim o voto secreto a moralização das eleições o fim do bicode pena e a criação de uma instância autônoma para administrar as eleições constituíram importantes bandeiras da Revolução de 30 Após a vitória da revolução o Código Eleitoral de 1932 instituiu o voto secreto e obrigatório criou a Justiça Eleitoral o Tribunal Superior Eleitoral e os TREs e consagrou o sufrágio universal Acompanhando a extensão do sufrágio o sistema eleitoral deixou de ser majoritário distrital e passou a ser proporcional assim permanecendo até hoje Mas o sufrágio universal ainda continha limitações Embora mulheres e religiosos tivessem conquistado o direito ao voto o código ainda excluía analfabetos mendigos e praças de pré Todas estas inovações foram mantidas pela Constituição de 1934 que diminuiu o número de senadores para dois por estado extinguiu os Senados estaduais e fixou o mandato em oito anos renovandose a metade a cada quatro anos Na Assembléia Constituinte de 1946 a questão do voto do analfabeto gerou enorme polêmica mas venceu o argumento da UDN partido de bases essencialmente urbanas de que a exclusão dos analfabetos do eleitorado contribuiria para acelerar o processo de alfabetização da população Na verdade este argumento escondia um outro tão ou mais importante o principal rival da UDN o PSD tinha bases solidamente fincadas no interior Dessa forma a Constituição de 46 excluiu os analfabetos do eleitorado O Senado Federal passou a contar com três senadores por estado e pelo distrito federal com mandatos de oito anos renovando um e dois terços a cada quatro anos A Constituição de 67 manteve a exclusão dos analfabetos O alargamento dos limites do sufrágio só viria a acontecer na Constituição de 88 tornando o voto facultativo para analfabetos maiores de setenta anos e jovens entre 16 e 18 anos No caso dos militares só ficaram excluídos os recrutas durante a prestação do serviço militar obrigatório Quanto aos instrumentos de votação título de eleitor e cédulas eleitorais suas alterações foram bem menores O título de eleitor criado em 1881 não sofreu alterações substantivas até 1956 com a entrada em vigor da Lei n 2084 de 121153 que obrigava a introdução do retrato do eleitor no título O realistamento eleitoral diminuiu drasticamente o número de eleitores fantasmas mortos crianças eleitores cadastrados em mais de um município resultando numa diminuição do eleitorado da ordem de 87 em 1954 eram 15104604 eleitores e em 1958 passaram a ser 13780244 Para a Constituinte de 8788 a Justiça Eleitoral determinou um novo alistamento a informatização de seus serviços aumentou os instrumentos de controle e eliminou a necessidade de retrato no título de eleitor As cédulas eleitorais por sua vez eram individuais e confeccionadas pelo candidato ou pelo próprio eleitor era o chamado voto marmita porque o eleitor já trazia praticamente pronto de casa o envelope onde estavam as cédulas dos seus candidatos Entre 1945 e 1964 continuaram individuais exceto para a eleição presidencial que passou a contar com uma cédula única a partir de 1955 porém distribuídas pelos partidos políticos Só a partir de 1964 é que a Justiça Eleitoral passou a se responsabilizar pela elaboração e distribuição das cédulas de votação A forma de eleição evoluiu desde a Colônia no sentido da adoção das eleições diretas para todos os níveis a partir da Constituição de 1891 Entretanto como parte integrante da autonomia política estadual alguns estados decidiram que os prefeitos de suas capitais seriam nomeados Este sistema foi mantido até o final da década de 1950 Durante o período autoritário 196485 as principais eleições voltaram a ser indiretas A partir do Ato Institucional n 2 de 271065 passaram a ser indiretas as eleições para presidente da República governadores de estado e prefeitos das capitais das estâncias hidrominerais e dos municípios considerados de segurança nacional aí incluídas algumas cidades históricas Em 1977 o Pacote de Abril baixado pelo governo do general Geisel criou a figura do senador biônico ao determinar que um terço dos senadores seria escolhido em eleição indireta pelas assembléias legislativas juntamente com o governador O retorno às eleições diretas foi gradativo Em 1982 governadores e senadores passaram a ser eleitos diretamente Em 1985 foi a vez dos prefeitos de capitais de estâncias hidrominerais e de municípios de segurança nacional Finalmente em 1989 o presidente da República voltou a ser escolhido em eleições diretas Este livro foi impresso na cidade de Guarulhos em abril de 2000 pela Lis Gráfica e Editora Ltda para a Editora Nova Fronteira O tipo usado no texto foi Garamond 12154 Os fotolitos de capa e de miolo foram feitos pela Madina Artes Gráficas Ltda O papel do miolo é chambril 75 gm2 e o da capa cartão supremo 250 gm2 Não encontrando este livro nas livrarias pedir pelo reembolso postal à EDITORA NOVA FRONTEIRA SA Rua Bambina 25 Botafogo 22251050 Rio de Janeiro RJ httpgroupsbetagooglecomgroupViciadosemLivros httpgroupsbetagooglecomgroupdigitalsource
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João Ubaldo Ribeiro POLÍTICA QUEM MANDA POR QUE MANDA COMO MANDA Nova Edição Revisada e Ampliada por Lucia Hipólito com o apêndice Como se vota no Brasil Nestes tempos de democratização de reavaliação dos valores e das instituições vigentes a conscientização de todas as camadas da população é uma condição prévia para a conquista e consolidação de um regime social e político mais justo Esta é a importância deste livro original concebido como um manual que como prática destinado a trabalhadores estudantes e ao povo em geral ele torna a política um assunto interessante e acessível mostrando que longe de ser apenas uma profusão de palavos e promessas ou uma disciplina acadêmica feita de intrincados jargões ela é principalmente um espaço de atuação e de consciência inerente a todo indivíduo Além de escritor de grande sucesso João Ubaldo Ribeiro é master em Administração Pública e Ciência Política pela Southern University of California e exprofessor de Política na Universidade Federal da Bahia Juntando seus conhecimentos ao seu estilo dominando pertinentemente o assunto de que trata tanto a linguagem com que o aborda ele consegue explicar os diversos fenômenos ligados à política de maneira simples e clara com didatismo e conteúdo com profundidade sem tentar impor nenhuma visão particular O objetivo e o mérito maior deste livro é nos levar a conhecer esse assunto complexo através do nosso próprio esforço de pensamento Ao longo de Política João Ubaldo Ribeiro examina os grandes temas e as questões das ciências políticas como a formação e estrutura do Estado as diferenças entre Estado e Nação as relações entre o Estado o uso da violência as classes sociais e os indivíduos as instituições e a sua legitimidade seu equilíbrio e sua dinâmica Além disso analisa os aspectos mais práticos cotidianos que a política apresenta para o cidadão comum os diferentes regimes as ditaduras e democracias os sistemas eleitorais a escolha de governantes e os partidos políticos o papel da ideologia e sua relação com as possibilidades de participação individual e coletiva Acrescenta ainda um capítulo particularmente interessante sobre Constituição e Constituintes em que esclarece tanto seus pressupostos formais e abstratos quanto os efeitos concretos sobre o conjunto da sociedade dando um enfoque histórico do caso brasileiro Por tudo isso este livro é capaz de transformar a nossa maneira de encarar a política como politicagem e a tradicional indiferença que lhe devotamos Pois esta atitude longe de ser apolítica apenas transfere para as mãos de uns poucos as decisões e direitos que podem e devem ser de todos De João Ubaldo Ribeiro leia também Setembro não tem sentido Sargento Getúlio Vencecavala e o outro povo Vila Real Viva o povo brasileiro O sorriso do lagarto Já podia da pátria filhos Sempre aos domingos Um brasileiro em Berlim O feitiço da ilha do Pavão Infantojuvenis A vinganсa de Charles Tiburone Vida e paixão de Pandora o Cruel POLÍTICA QUEM MANDA POR QUE MANDA COMO MANDA João Ubaldo Ribeiro httpgroupsbetagooglecomgroupdigitalsource de quão múltiplas são as opções 2a impressão Nova edição revista e ampliada por Lucia Hippolito com o apêndice Como se vota no Brasil 1998 by João Ubaldo Ribeiro Direitos de edição da obra em língua portuguesa adquiridos pela EDITORA NOVA FRONTEIRA SA Rua Bambina 25 Botafogo 22251050 Rio de Janeiro RJ Brasil Tel 021 5378770 Fax021 2866755 httpwwwnovafronteiracombr Equipe de Produção Regina Marques Leila Name Michelle Chao Sofia Sousa e Silva Marcio Araujo Revisão Angela Nogueira Pessôa CIPBrasil Catalogaçãonafonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros RJ R369p Ribeiro João Ubaldo 3 ed Política quem manda por que manda como manda João Ubaldo Ribeiro 3edrev por Lucia Hippolito Rio de Janeiro Nova Fronteira 1998 Apêndice 1 Ciência política I Título CDD 320 CDU 32 Para meu amigo Glauber Sumário 1 Que coisa é a Política 2 Como a Política interessa a todos e a cada um 3 O Estado 4 Estado e nação 5 Soberania 6 Estado e violência 7 O que o Estado faz 8 O Estado e o indivíduo 9 Democracias 10 Ditaduras 11 Governo e Constituição 12 Escolha de governantes 13 Sistemas eleitorais 14 Partidos políticos 15 Ideologias e a vida de todo dia 16 Quem manda como manda Conclusão Apêndice Como se vota no Brasil 1 Que coisa é a Política O termo Política em qualquer de seus usos na linguagem comum ou na linguagem dos especialistas e profissionais referese ao exercício de alguma forma de poder e naturalmente às múltiplas conseqüências desse exercício Toda maneira pela qual o poder é exercido se reveste de grande complexidade às vezes não aparente à primeira vista Por exemplo se o governo decreta um novo imposto esse ato não consiste numa decisão que vai e não volta Ao contrário a criação de um novo imposto cuja decretação constitui obviamente um ato de poder ou seja um ato político é precedida conforme o caso por uma série de outros atos em que tomam parte diversos detentores de alguma espécie de poder tais como governantes técnicos assessores grupos de interesse indivíduos ou entidades influentes e assim por diante E também se desencadeia uma interrelação entre a fonte do poder a que criou e implantou o imposto e os submetidos a esse poder os que direta ou indiretamente são afetados pelo imposto Basta pensar um pouco para ver como qualquer ato de poder é complexo e cheio de implicações E é este o terreno da Política Definir a Política apenas como algo relacionado ao poder não chega a ser satisfatório Se pensarmos bem veremos que a frase a Política tem a ver com o exercício do poder não quer dizer muita coisa principalmente porque há inúmeras dificuldades para que se saiba o que é poder Que significa ter poder Não pode ser simplesmente estar investido em algum cargo pois acontece com freqüência que os ocupantes de um cargo qualquer se submetam à vontade de outras pessoas não ocupantes de cargo algum as chamadas eminências pardas Não basta também usar expressões como carisma ou magnetismo ou poder do dinheiro pois isto tampouco explica muita coisa ou não explica coisa alguma E pior ainda o poder só pode ser visto sentido avaliado ao exercerse Para usar uma comparação fácil a situação é como a que existe antes do jogo entre um grande time de futebol e um clubezinho do interior O time grande tem poder de sobra para vencer os desconhecidos obscuros da cidade pequena Não obstante pode ocorrer que num jogo decisivo o poderoso perca Claro que não é uma coisa normal é uma exceção explicável de mil formas Mas acontece da mesma maneira que em situações equivalentes na vida social na coletividade na administração pública Ou seja é em ação que se analisa o poder É no processo na interrelação não na elaboração intelectual abstrata Antes tudo está sujeito a fatores no mais das vezes imprevisíveis Assim é também em tudo o jogo disso que chamamos vagamente de poder Portanto devemos procurar outros elementos que tornem nosso conceito de Política mais preciso Os americanos muito práticos costumam dizer que o poder é a capacidade de influenciar o comportamento das pessoas Isto ainda não explica o que vem a ser o tal poder pois apenas troca uma palavra ou outra ficamos no ar sobre o que seria essa capacidade Mas ajuda a entender que se a Política tem a ver com o poder e se o poder visa a alterar o comportamento das pessoas é evidente que o ato político possui dois aspectos que aparecem de pronto a um interesse b uma decisão Raciocinemos da seguinte forma a se alguém deseja influenciar ou modificar o comportamento das pessoas esse alguém tem um interesse que deseja ver implementado pela modificação pretendida seja ele ditado por conveniências pessoais de grupo religiosas morais etc b o objetivo configurado pelo interesse só pode ser conseguido por uma decisão que efetivamente venha a alterar o comportamento das pessoas seja esta decisão imposta consensual de maioria etc Podemos assim tornar mais confortável e manobrável nosso conceito de Política Neste caso a Política passa a ser entendida como um processo através do qual interesses são transformados em objetivos e os objetivos são conduzidos à formulação e tomada de decisões efetivas decisões que vinguem O termo poder é claro continua a ter utilidade mas já sabemos que ele é enganoso e vago O que interessa é o desenrolar do jogo acompanhado de seu resultado Em linguagem mais formal o que interessa é o processo de formulação e tomada de decisões Para trocar em miúdos tudo isto podese afirmar que a Política tem a ver com quem manda por que manda como manda Afinal mandar é decidir é conseguir aquiescência apoio ou até submissão Mas é também persuadir Não se trata como já foi dito de um processo simples e ninguém pode alegar compreendêlo integralmente apesar dos esforços dos estudiosos que há milhares de anos vêm tentando dissecálo analisálo e categorizálo Em toda sociedade desde que o mundo é mundo existem estruturas de mando Alguém de alguma forma manda em outrem normalmente uma minoria mandando na maioria Este fato está no centro da Política Agora temos condição de arrumar mais claramente nossas idéias A Política fica então vista como o estudo e a prática da canalização de interesses com a finalidade de conseguir decisões Isto já foi chamado de arte com razão Pois a Política requer um talento especial de quem a pratica uma sensibilidade especial um jeito especial uma vocação muito marcada É portanto uma arte Isto já foi chamado de ciência o que também é verdade Pois é possível sistematizar cientificamente o que se observa e infere a respeito de como os homens se conduzem em relação ao poder Não deixa de ser por outro lado um departamento da filosofia pois haverá sempre lugar para indagações filosóficas como por que alguém tem que mandar e alguém tem que obedecer o homem é mau ou será a vida em sociedade que o faz assim o homem precisa de um governo forte ou não e dezenas de outras que podem parecer banais mas têm inenarrável importância para o destino da humanidade A Política também é naturalmente uma profissão pois afinal é por meio dela que nos governamos que ordenamos nossa vida em coletividade Nenhum homem pode assumir sua humanidade fora de uma estrutura social ainda que mínima E nenhuma estrutura social pode existir sem alguma forma de processo político Assim a Política terminou por tornarse uma profissão a profissão dos que se dedicam a influenciar de diversas maneiras e em vários níveis a condução da sociedade em que vivem seja por iniciativa própria seja representando outros interesses Enfim a presença da Política em nossa existência desafia qualquer tentativa de enumeração Porque tudo pode e deve a depender do caso ser visto sob um ponto de vista político É impossível que fujamos da Política E possível obviamente que desliguemos a televisão se nos aparecer algum político dizendo algo que não estamos interessados em ouvir Isto porém não nos torna apolíticos como tanta gente gosta de falar Tornanos sim indiferentes e em última análise ajuda a que o homem que está na televisão consiga o que quer já que não nos opomos a ele O problema é que por ignorância ou apatia às vezes pensamos que estamos sendo indiferentes mas na verdade estamos fazendo o que nos convém Vimos então que a Política se preocupa nos diversos enfoques que pode ter venha ela como arte ou ciência teoria ou prática com o encaminhamento de interesses para a formulação e tornada de decisões Mas esta seca afirmação abstrata mesmo que bem compreendida será suficiente para que tenhamos uma boa idéia do que é a Política 2 Como a Política interessa a todos e a cada um As formas de exercício do poder são às vezes difíceis de pilhar Quando nos dizem que não nos é permitido no caso dos brasileiros do sexo masculino passar dos 17 anos sem nos alistarmos nas Forças Armadas é evidente que um poder se exerce sobre nós de forma bastante palpável Entretanto ao pensarmos ou agirmos de determinadas maneiras que não raro julgamos naturais ou espontâneas esse poder é menos fácil de visualizar É o que se dá por exemplo quando mantemos preconceitos contra o nosso semelhante por ser ele negro ou branco protestante ou católico ou por falar com um sotaque diferente do nosso A existência de preconceitos não é natural O homem não nasce com preconceitos ele os aprende socialmente Ao aprendêlos é claro que seu comportamento está sendo influenciado E igualmente claro por conseguinte que ele está sendo submetido a algum poder Daí raciocinarse que o preconceito racial para ficarmos somente em um dos muitos que o espírito humano infelizmente ainda abriga tem origem e funcionalidade políticas ou seja tem servido para justificar formas de exploração e dominação assumindo muitas faces de acordo com as circunstâncias O que se pretende mostrar com isso é que queiramos ou não estamos imersos num processo político que penetra todas as nossas atitudes toda a nossa maneira de ser e agir até mesmo porque a educação tanto a doméstica quanto a pública é também uma formação política Com algum esforço podemos perceber em que medida estamos submetidos e podemos atuar politicamente é óbvio para procurar alterar a situação se ela contraria o nosso interesse mesmo que seja apenas um interesse sem conteúdo material de natureza moral ou ética Cada ato nosso ou cada maneira de ver as coisas poder ser examinado à luz da concepção de Política exposta aqui às vezes com resultados chocantes se temos a sorte de ser suficientemente honestos e objetivos Quando estamos saindo para o trabalho de manhã e tomamos o trem o ônibus ou o metrô enquanto alguém em melhor situação toma um automóvel com motorista não estamos pensando em Política Quando sonhamos ficar sem fazer nada no futuro e apenas gozar a vida também não estamos pensando em Política Contudo se meditarmos um pouco veremos que para conseguir juntar nosso pédemeia é necessário uma porção de coisas muitas mais do que seria possível arrolar É necessário que tenhamos a oportunidade de nos qualificar para exercer uma ocupação É necessário que também nos seja dada a oportunidade de acesso a essa ocupação pois como sabemos nem sempre as posições são conferidas por mérito É necessário ainda para encerrar uma lista que poderia ficar longuíssima que na sociedade em que vivemos seja permitido que planejemos nossa vida que juntemos dinheiro que façamos certos investimentos até tenhamos empregados por exemplo Ora como se obtém tudo isso até mesmo ambicionar legitimamente um carro com motorista igual ao do nosso vizinho mais afortunado Tudo isso se obtém através de um processo político É um processo político que vai definir todas as condições para a acumulação do pédemeia mencionado acima Se o processo político por exemplo resulta em que não há oportunidades de educação para pessoas como nós é evidente que esse processo nos prejudica e paralelamente beneficia e privilegia outros Assim quando estamos pensando em cuidar de nossa vida apenas sendo apolíticos na verdade estamos somente com a vista curta ou então somos comodistas não achando que as coisas estão tão ruins assim para que procuremos fazer algo para mudálas Quando alguém diz como é freqüente lermos em entrevistas aos jornais que não liga para a Política está naturalmente exercendo um direito que lhe é facultado pelo sistema político em que vive Ou seja em última análise está sendo um político conservador não vê necessidade de mudanças Então não é apolítico palavra que indica ausência de Política No máximo falta lhe a consciência de seu significado e papel político significado e papel que todos têm uma coisa muito diferente Pois o apolítico não existe é somente uma maneira de falar por assim dizer A Política o jogo de poder a negociação para se obter uma decisão qualquer está em toda parte na conduta humana Quando um casal no início de seu relacionamento vai gradualmente marcando os papéis dentro do lar eu mando aqui você manda ali e assim por diante estamos diante de um miniprocesso político Da mesma forma quando os garotos de uma rua se organizam num time de futebol e vão atribuindo responsabilidades a alguns mesmo informalmente também há um miniprocesso político Entretanto não devemos levar ao exagero esta visão das coisas que aqui está servindo somente para esclarecer o que poderíamos chamar na falta de melhores palavras a essência da Política sua natureza sua dinâmica seu funcionamento Se os garotos do clube de futebol realizarem uma eleição para a diretoria de sua entidade essas eleições carecerão de um elemento que ainda precisamos acrescentar à noção de Política E que sua realização e seu resultado não interessam à sociedade como um todo pelo menos na esmagadora maioria dos casos imagináveis O elemento que falta é portanto ligado à natureza pública da Política A própria palavra Política vem de polis que significa mais ou menos cidade em grego antigo Ou seja se o Zezinho ganha a presidência do clube contra o Toninho este não é rigorosamente um fato político pois que não interessa à polis à sociedade como um todo Se discuto com minha mulher sobre a que cinema vamos hoje à noite isto não é normalmente classificável como um fato político embora se trate também do encaminhamento de interesses para a obtenção de uma decisão Não há aí como no caso dos meninos o elemento de interesse público da coletividade em seu sentido mais lato da sociedade Mas aqui é preciso que apontemos uma sutileza Certo a discussão entre marido e mulher sobre a que cinema vão não é política Mas se nessa discussão o marido acaba sempre por impor sua vontade se a mulher nunca tem direito a uma opinião se é forçada até mesmo a fingir que gosta de um filme que detesta então isto pode estar refletindo uma situação específica da mulher naquela determinada sociedade Ou seja uma situação de inferioridade social de subordinação imposta Não se trata mais de um problema exclusivamente pessoal Tratase do reflexo pessoal de um problema genérico um problema que afeta toda a sociedade pois que afeta todas ou grande número de mulheres Apesar de a solução para o problema desse casal poder vir através de saídas individuais como por exemplo uma bemsucedida revolta da mulher a solução individual não alterará a situação geral da mulher no contexto que estamos descrevendo Vêse com isso que os fatos podem adquirir significado político mesmo que originalmente não o tenham Se a mulher do exemplo dado em vez de ameaçar pessoalmente o marido decide reunir outras mulheres na mesma condição que ela para juntas utilizando meios de esclarecimento persuasão e pressão buscando a modificação do comportamento social enfim tentarem reverter a situação essa mulher estará exercendo uma atividade política Estará procurando encaminhar o processo decisório em sua coletividade no sentido de obter a consecução dos seus interesses corporificados em objetivos ou seja o estabelecimento de um relacionamento igualitário ou equânime com o lado masculino da sociedade Com isso essas mulheres poderão conseguir leis que as protejam e a lei desde o projeto à sanção não passa do fruto de um processo decisório poderão modificar a mentalidade das pessoas poderão para usarmos aquela palavrinha vaga mas útil alterar a estrutura de poder em sua sociedade Chegamos desta maneira a contornos mais nítidos em nossa conceituação de Política A Política não se ocupa de todos os processos de formulação e tomada de decisões mas somente daqueles que afetem de alguma forma o conjunto dos cidadãos A maior parte desses processos como se pode imaginar é extremamente complicada Por exemplo o processo decisório que as pessoas mais identificam com a Política são as eleições a escolha de governantes através do voto Na verdade no momento em que o povo vai às urnas para votar está aí talvez a parte menos complicada do processo Antes disso já se escolheram candidatos já houve disputas dentro dos partidos já houve propaganda já se praticaram inúmeros atos com objetivo eleitoral já entraram em jogo as percepções dos eleitores e assim por diante A Política não é pois apenas uma coisa que envolve discursos promessas eleições e como se diz freqüentemente muita sujeira Não é uma coisa distinta de nós É a condução da nossa própria existência coletiva com reflexos imediatos sobre nossa existência individual nossa prosperidade ou pobreza nossa educação ou falta de educação nossa felicidade ou infelicidade É claro que uma pessoa pode não se preocupar com a Política e os políticos Tratase de uma escolha pessoal perfeitamente respeitável Mas quando se age assim devese ter consciência das implicações pois se trata de uma atitude de passividade que sempre favorece a quem em dado momento está numa situação de mando dentro da sociedade Além disso determinadas angústias e insatisfações individuais por mais estritamente pessoais que pareçam como na história do casal que briga por causa do cinema podem ter suas raízes em fatos políticos e só politicamente serão resolvidas É também comum que se considere a Política uma atividade ou ocupação insuportável só exercida por gente de mau caráter venal mentirosa e enganadora Isto é uma grave injustiça Se pensarmos bem muitos dos grande homens que admiramos foram políticos ou são admiráveis devido precisamente às conseqüências políticas de seus atos sua atividade política enfim quer estivessem eles pensando nisto ou não Devemos lembrar que se achamos que a Política está entregue a gente ruim um pouco da culpa ou grande parte dela cabe a nós pessoas boas que não queremos nos envolver com essa atividade suja e incompreensível Não há nada de sujo intrinsecamente na atividade política Os políticos no sentido mais estreito da palavra porque no sentido mais amplo os políticos somos todos nós cidadãos mesmo que não queiramos ou saibamos são gente como nós De certa forma pouca coisa pode haver de mais nobre do que a dedicação à coletividade quando essa dedicação não é ditada por interesses pessoais ou mesquinhos mas por crenças ou ideais que mesmo erradamente tenham como objetivo o bemestar público Se achamos que os políticos são em sua maioria pouco dignos de confiança corruptos incompetentes e assim por diante devemos verificar se esta nossa opinião não se estende também a outros setores e categorias da sociedade tais como médicos mecânicos banqueiros técnicos de televisão motoristas de táxi açougueiros comerciantes advogados Pois aquilo que se costuma chamar equivocadamente de classe política nada mais é do que um grupo de pessoas surgidas dentro de nossa própria sociedade Não se trata de marcianos ou de animais com mentes e organismos diversos dos nossos Se todos eles são ruins de forma tão radical o corolário é que todos nós somos ruins já que parafraseando uma frase bíblica uma árvore boa não pode dar tantos frutos maus Se não gostamos do comportamento dos políticos e do funcionamento do sistema e não fazemos nada quanto a isso estamos sendo políticos estamos contribuindo para a perpetuação de uma situação política indesejável ou inaceitável Se queremos fazer alguma coisa para melhorar a situação também estamos sendo políticos pois a única via de ação possível neste caso é a Política Como você já deve ter percebido o objetivo deste manual não é fazer com que você decore palavras exóticas definições classificações etc O objetivo é darlhe os instrumentos iniciais para que você se capacite a pensar autonomamente sobre esses assuntos Ao contrário do que se pode achar a maioria das pessoas detesta pensar não está habituada a isto e de modo inconsciente deixa que pensem por ela Não se deve permitir que isto aconteça mesmo quando a fonte é um manual bem intencionado como este pois isto significa abdicar de parte talvez a mais importante da condição humana Sobre poucas coisas se escreveu mais neste mundo desde que o homem aprendeu a escrever do que sobre Política de uma forma ou de outra Isso mostra como o assunto é infinitamente vasto e este manual apenas fornece algumas informações básicas e dá uma idéia da riqueza da matéria política que deve ser explorada por você não só através de leituras e conversas que ampliem sua informação como através de dois instrumentos que são muito citados mas pouco usados a reflexão e a discussão Depois de cada capítulo a partir deste são sugeridos alguns pontos para reflexão e discussão não com o fito de que se chegue à verdade pois isto é muito duvidoso mas para que como foi dito acima se possa estimular o pensamento aclarar as idéias visualizar novos horizontes Os tópicos sugeridos são apenas isto sugestões que podem ser seguidas ou não é claro Não procure respostas certas para as perguntas pois não se trata de uma sabatina Procure raciocinar 1 Será que existe algum poder que só dependa de quem o exerce e nem um pouco daqueles sobre os quais é exercido A obediência é sempre uma coisa imposta mesmo que não pareça 2 Se fizermos uma lista digamos de cinco problemas que estamos enfrentando no momento é possível ver em alguns deles ou em todos eles implicações políticas 3 O pai toma todas as decisões por seus filhos adolescentes inclusive quanto a vestuário escolha da profissão etc Existe algo de político nisso 4 Uma mulher gostaria de fazer um aborto mas hesita não só porque é um ato ilegal como também porque não seria aceito pelas pessoas que ela respeita e acata Tratase de um problema político 5 Um deputado se elege passamse três anos de um mandato de quatro ele nunca faz um discurso nunca apresenta um projeto raramente aparece nas comissões e no plenário Ele é um político 6 Fulano é apenas um técnico em controle de natalidade que está procurando ensinar às famílias pobres da coletividade métodos anticonceptivos e distribuir material adequado Ele diz que seu trabalho é meramente científico e social não tem nada de político Ele tem razão 7 E tempo de murici cada um cuide de si Este velho ditado é apolítico 8 Quem manda nesta casa sou eu porque quem traz o dinheiro sou eu Isto é uma declaração política 3 O Estado Todas as sociedades são de alguma forma politicamente organizadas mesmo as mais primitivas Ou seja para não perdermos de vista nosso conceito de Política em toda sociedade há mecanismos estabelecidos através dos quais as decisões públicas são formuladas e efetivadas Na linguagem comum diríamos que toda sociedade tem alguma espécie de governo embora histórica e geograficamente a estrutura e o funcionamento desses governos variem muito Em relação a alguns deles seria necessário abandonar as nossas noções preconcebidas sobre o assunto para reconhecermos sua existência pois têm muito pouco a ver com o que chamamos hoje de governo Mas o fato é que não se pode prescindir de um mínimo de organização política Uma coletividade sem ela não seria humana mas animalesca A constatação de que há sempre um governo contudo não basta para que pensemos adequadamente sobre a questão pois é preciso que ampliemos nossa perspectiva até mesmo para que compreendamos a ação do próprio governo Talvez o caminho mais fácil seja utilizarmos um pouco de imaginação histórica Quer dizer vamos arquitetar situações que podem não ter ocorrido como as descreveremos e com certeza não ocorreram mesmo porque estaremos tendo uma visão necessariamente muito simplificada de processos históricos bastante complexos Entretanto não se trata de falsear a história mas apenas de usar o recurso da esquematização para que certos aspectos do assunto sejam entendidos de modo mais fácil Suponhamos então uma sociedade primitiva nos primórdios da história que nos servirá de modelo Chamemos esta sociedade pelo nome de UghUgh um som que aprendemos pelas histórias em quadrinhos e pelo cinema a identificar com homens muito primitivos Nos primeiros tempos de UghUgh os homens não se distinguiam muito dos outros animais pois sua tecnologia era extremamente precária Contudo a inteligência o uso da palavra e das mãos e outras vantagens biológicas já marcavam UghUgh como uma coletividade muito diferente de um grupo de macacos superiores É justo presumir que os primeiros líderes de UghUgh eram simplesmente os mais fortes que impunham sua vontade aos demais Como apesar disso mesmo os membros mais fortes não podem enfrentar todos os membros em conjunto o que aconteceu foi que os mais fortes trocavam seus privilégios por alguma forma de serventia para a comunidade liderando o combate contra inimigos humanos e animais tomando a frente em caçadas e assim por diante Mas com o correr do tempo e a chegada de avanços tecnológicos ser apenas o mais forte passou a não bastar Por exemplo se um ughughiano de inteligência e habilidade superiores inventou a primeira arma vamos dizer uma lança primitiva ou um machado de pedra é evidente que a força física já era contrabalançada por algo que a aumentava consideravelmente além de introduzir uma noção espacial nova na experiência humana a arma tornava o braço mais longo fato incompreensível e intimidador para os animais selvagens e ameaçador para o próprio homem Assim a tecnologia teve desde o começo um papel muito importante O controle da tecnologia passou a propiciar o exercício de um papel dominante nas decisões coletivas a tecnologia se igualou ao poder Quem tinha machado ou lança tinha poder De outro lado avanços tecnológicos em outras áreas que não a de armamentos relacionados por exemplo com a produção mais eficiente de alimentos e agasalhos também introduziram grandes novidades em Ugh Ugh Se no começo os ughughianos dependiam dos frutos que pudessem colher nos matos e dos animais selvagens que conseguissem capturar sua situação era bastante precária O misterioso poder estava mais concentrado na natureza pois lanças pedras e machados de pouco adiantavam contra a escassez eventual de caça ou de plantas comestíveis Aqui apenas de forma ilustrativa podese muito bem imaginar o surgimento de uma religião primitiva em UghUgh Se num dia qualquer o nascimento de uma rara criança loura coincidiu com uma mudança favorável nas condições de caça ou colheita não é impossível que desse dia em diante as crianças louras nascidas sob circunstâncias semelhantes passassem a ter uma importância política considerável em UghUgh bem como as tais circunstâncias de seu nascimento que poderiam começar a ser reproduzidas ou imitadas artificialmente uma espécie de fixação de ritos religiosos cuja origem termina por se perder no tempo Isto é uma digressão mas é útil pois além do fato de que a religião sempre esteve ligada à Política mostra também como coisas incompreensíveis na aparência podem ter tido origens perfeitamente compreensíveis O início do cultivo intencional e organizado de plantas comestíveis e do pastoreio de animais são por conseguinte avanços importantíssimos para UghUgh A coletividade se torna mais forte mais apta a resistir a crises naturais mais capaz de sobreviver e aumentar sua população mais qualificada para fortalecer sua cultura através da experiência dos velhos que antes não existiam e as tais crianças louras de que falamos podem vir a ter sua importância diminuída ou então conservada mas agora sem sentido visível para a comunidade simplesmente como uma tradição que adquiriu vida própria O poder não é só o das armas é muito mais dos que detêm a tecnologia do cultivo e do pastoreio Não é impossível até mesmo que Ugh Ugh se veja obrigada a enfrentar vizinhos predatórios que não sabendo eles mesmos criar gado ou plantar resolvam pela força pilhar o patrimônio ughughiano o que aliás pode muito bem estar na raiz do surgimento da profissão militar que existindo mesmo tais vizinhos tende a assumir grande importância em UghUgh Por seu turno os avanços tecnológicos vão gerar o que se costuma chamar de divisão social do trabalho Enquanto os ughughianos se limitavam a colher frutas silvestres e matar os animais que tivessem a infelicidade de encontrar um ughughiano armado pela frente o trabalho da comunidade e provavelmente a propriedade eram de todos conseqüência mesmo da simplicidade das tarefas desempenhadas pela coletividade Com o cultivo e o pastoreio a divisão já começa a assinalar se acrescida de novos progressos tecnológicos Por exemplo muitas das plantas domesticadas o trigo e o milho para citar duas eram em sua origem espécies rudes de grama que por uma seleção genética aos trancos e barrancos acabaram transformandose no que são hoje dependiam para seu consumo de preparação É necessário não só que se colha o trigo mas que se selecionem e se debulhem as espigas que se faça farinha e que ao fogo se produza o pão Todas essas são novas atividades que gradualmente se distribuirão por diversos setores da coletividade bem como as atividades geradas pelo pastoreio tais como o manejo do gado a matança o uso das peles a preservação da carne o aproveitamento do leite e assim por diante Muitas atividades requererão por assim dizer equipes com a tendência a se formarem grupos especiais e a se constituir alguma via muitas vezes esotérica para a transmissão do conhecimento especializado às novas gerações É importante notar que esse processo de divisão social do trabalho introduz conflitos de interesse na coletividade antes tão simples Assim para um agricultor o campo será um lugar para semear para um criador de gado um lugar para transformar em pastagem Quem se aproprie para si ou para seu grupo familiar de um pedaço de terra defendido pela força poderá explorar o trabalho de quem não tenha conseguido terra aproveitável Quem produzir trigo poderá trocálo por carne ou viceversa e o valor relativo desses bens agora transformados em mercadorias será certamente arbitrado em processo que envolverá conflitos Assim o interesse de cada um passa a não ser necessariamente como era antes o interesse de todos Na verdade há dificuldade para estabelecer qual é o interesse de toda UghUgh pois o que convém a um de seus grupos ou subgrupos internos não convirá a outro ou convirá menos Acrescentese a isso outro dado importante a possibilidade de acumulação de excedentes isto é de bens em quantidade superior à indispensável para o consumo de seu produtor o que irá marcar em profundidade o perfil socioeconômico de UghUgh através de inúmeras conseqüências facilmente inferíveis tais como a acumulação individual de riqueza e o desenvolvimento do comércio esta última uma atividade nãoprodutiva incogitável na comunidade simples da antiga UghUgh e agora inescapável Os conflitos de interesse causam tensão A tensão só pode ser resolvida através da solução do conflito O ideal seria que se conseguisse implantar um sistema através do qual esses conflitos pudessem ser resolvidos de maneira harmoniosa e pacífica através de concessões que beneficiassem todos os interessados Mas a verdade é que os conflitos de interesse se resolvem no confronto com a vitória do que dispõe de instrumentos mais eficazes para impor sua vontade quaisquer que sejam eles combinados de qualquer forma Entre os muitos e variadíssimos caminhos que a evolução de Ugh Ugh podia tomar vamos imaginar que os conflitos de terras entre pastores e agricultores chegassem a um ponto tão crítico que se declarasse uma guerra civil com a vitória dos pastores Imediatamente os pastores se organizariam para manter sua hegemonia e seus líderes seriam os líderes de toda a sociedade Os interesses prevalentes seriam os dos pastores e os conflitos seriam arbitrados também pelos pastores Os costumes e os valores tenderiam com o tempo a enobrecer a atividade do pastoreio e as com ela relacionadas como cavalgar por exemplo e a aviltar as atividades de cultivo da terra As atividades nobres poderiam ser proibidas aos cultivadores de terras o que no caso de cavalgar traria ainda a vantagem adicional de não permitir que os dominados manipulassem uma arma de combate poderosa o próprio cavalo As religiões poderiam desenvolver mitos adequados à visão de mundo dos pastores com deuses semelhantes a bois ou deuses pastores ou ainda narrativas contendo um irmão agricultor e um irmão pastor aquele vil este nobre o que aliás de certa forma ocorre com a história de Caim e Abel pois Jeová recusa a oferenda do agricultor Caim sem maiores explicações Enfim a gama de possibilidades é muito ampla como o estudo da história deixa patente Com a vitória os pastores de UghUgh resolveram o conflito básico de sua sociedade e pelo menos por enquanto se entronizaram solidamente no poder detendo o controle das decisões públicas Com o passar do tempo esta situação pode não permanecer tão clara pois os sacerdotes originados da classe dos pastores e responsáveis pela religião dos pastores mas não obstante um grupo com relativa autonomia os militares e outras tantas categorias assumem papéis que tornam obscura a relação principal dominantesdominados De qualquer forma a tendência dos vitoriosos é criar todo tipo de mecanismo para se estabilizar no poder E desta maneira a diferença entre governantes e governados estabelecida com a vitória dos pastores entra em processo de institucionalização Não é complicado entender o que vem a ser institucionalização Vamos supor que depois da vitória um dos pastores se haja tornado chefe e durante o tempo em que viveu tenha gradualmente assumido uma série de responsabilidades e tarefas importantes para seu povo Com a morte do chefe o previsível é que se indique alguém para assumir mais ou menos o mesmo papel Ou seja existe um papel social e político a ser cumprido independente da pessoa que o desempenhe A organização só se manterá se houver mais do que o chefe se houver a chefia No momento em que a chefia passa a ter existência mesmo que abstrata expressa em símbolos como o cetro e em atitudes como a deferência da sociedade independente do chefe essa chefia se torna uma instituição há um processo de institucionalização Com a institucionalização da chefia institucionalizase também o processo sucessório e surgem inúmeras outras instituições paralelas ou corolárias Para fazer uma comparação rápida com o Brasil de hoje temos instituições como a Presidência da República o Congresso Nacional as Forças Armadas os tribunais a Constituição e assim por diante A esse conjunto de instituições dáse o nome de Estado seja no Brasil ou em UghUgh Na realidade podese dizer que o Estado surge em dois passos a o estabelecimento da diferença entre governantes e governados b a institucionalização dessa diferença Onde quer que existam essas condições existirá um Estado quer ele tenha presidente rei ou chefe leis escritas ou não três Poderes ou não E o funcionamento desse Estado das suas instituições e das que lhe são acessórias ou paralelas pode ser sempre compreendido à luz da história dessa sociedade de sua estrutura social e econômica pois o Estado é sempre lógico ou seja é a decorrência lógica de uma situação social concreta As instituições estão sempre compreendidas em um arcabouço muito amplo chamado ordem jurídica quer dizer um conjunto de normas de aplicabilidade geral que regem o funcionamento da sociedade Em UghUgh mesmo muito tempo depois do estabelecimento de um Estado complexo é bem possível que as normas jurídicas o que hoje chamamos de leis fossem nãoescritas e misturadas com normas religiosas morais e outras Isto ainda existe hoje em dia mais o comum é que a ordem jurídica seja mais ou menos distinta da ordem religiosa e da moral com implicações que seria excessivamente longo examinar aqui Deve ser sempre levado em conta que o exercício de imaginação histórica que acabamos de fazer não pode ser compreendido de maneira demasiadamente literal Foi o resumo e a simplificação de processos que se desenrolaram através de milênios apenas um recurso para que se compreenda que os fatos históricos não se dão ao acaso e que existe racionalidade e funcionalidade em muitas coisas nas quais não percebemos de primeira estes elementos Temos então que com o surgimento de atividades e subseqüentemente de interesses diversos numa sociedade antes indiferenciada declaramse conflitos entre grupos de interesse Esses conflitos são resolvidos com o domínio de um grupo por outro estabelecendose uma diferença entre governantes e governados Essa diferença é institucionalizada criandose uma ordem jurídica Assim está formado em seus traços essenciais o Estado Existe Estado pois em toda sociedade política e juridicamente organizada Podese dizer ainda que o Estado é a organização política e jurídica da sociedade que muitas vezes como aprenderemos chega a confundirse com essa mesma sociedade 1 Numa certa coletividade isolada e primitiva os chefes são sempre substituídos quando morre o ocupante do cargo através de uma longa série de combates de morte entre os pretendentes Você acha que existe Estado nessa comunidade 2 Duas sociedades imperialistas Takuc e Babuc fazem freqüentes guerras contra vizinhos mais fracos Takuc mata todos os seus inimigos vencidos pois usa como escravos certas camadas de sua própria sociedade Babuc captura os vencidos e os escraviza Imagine uma história para cada uma dessas sociedades inclusive projetando seu futuro e descrevendo suas instituições 3 Você acha que as instituições religiosas de modo geral surgem antes ou depois das instituições políticas 4 Você acha que se UghUgh não tivesse o menor contato com outros povos hostis ou não a profissão militar ughughiana terminaria por institucionalizarse da mesma forma 5 Você acredita que sem absolutamente qualquer avanço tecnológico a propriedade privada surgiria em UghUgh de qualquer maneira 6 Invente uma UghUgh completa em que os agricultores tivessem triunfado sobre os pastores Quanto mais detalhes melhor 7 As nações indígenas de que você já ouviu falar são Estados 8 Na UghUgh em que os pastores ganharam é considerada uma grande humilhação para uma pessoa bem situada estar em contato direto com o chão a terra Isto explica por que os túmulos das elites dominantes são sempre de pedra muito acima do chão Isto explica por que os bichos que vivem em árvores são reverenciados Isto explica por que é um elogio chamar uma pessoa de pássaro e um insulto chamála de minhoca Isto explica por que morrer na língua ughughiana é a mesma palavra que cair 4 Estado e nação A palavra Estado tem utilização confusa especialmente para os brasileiros por causa da forma do Estado brasileiro que é a Federação dividida entre a União governo federal e os estados Assim quando se fala em Estado o brasileiro pensa em São Paulo em Minas na Bahia no Piauí Mas temos que distinguir as coisas O nosso sentido de Estado visto atrás permanece O termo estado escrito em geral com letra minúscula usado em relação a unidades da Federação deveria ser mudado para estadomembro porque todos eles fazem parte do Estado brasileiro O Brasil é um Estado da mesma maneira que os Estados Unidos a França e a Inglaterra Portugal no tempo dos Descobrimentos era um Estado como continua a ser No tempo do Império o Brasil era um Estado como eram ou são Estados a Pérsia antiga Atenas antiga a Espanha ou a Nigéria Na linguagem corrente é comum que se usem como sinônimos as palavras Estado nação país etc É preciso que esses termos sejam distintos para que não caiamos numa confusão irremediável O problema é que em muitas situações os termos são de fato sinônimos dependem da acepção em que se use a palavra Assim não temos jeito senão fazer as distinções de imediato principalmente entre Estado e nação porque país pode englobar os dois sem muitos problemas já que é uma palavra mais geográfica do que política indica mais a posição física da área sobre a qual se fala do que sua condição política Para começar devemos dizer que hoje a maioria dos países pode ser classificada como Estados nacionais mas não todos Talvez até mesmo os Estados não nacionais sejam a maioria a depender dos critérios de avaliação que se usem Pois há Estados com várias nações e há nações com vários Estados O Estado já sabemos o que é A nação pode encaixarse completa e exclusivamente dentro de um Estado mas também pode não se encaixar Isto porque a palavra nação engloba uma porção de coisas um pouco difíceis de precisar mas que todo mundo sente A nação quer dizer muitas vezes uma raça comum valores comuns hábitos comuns arte comum ou seja cultura no sentido mais amplo fazendo com que um cearense se sinta membro da mesma nação que um gaúcho e viceversa pois apesar das diferenças regionais eles têm uma comunidade forte entre si José de Alencar e Érico Veríssimo pertencem ao patrimônio afetivo cultural e histórico de ambos O mesmo não acontece por exemplo em relação a outros indivíduos que vivem muito mais perto uns dos outros do que cearenses e gaúchos como para citar um caso bascos e castelhanos Os bascos que falam sua própria língua e têm sua própria cultura estão situados na Espanha e na França o chamado País Basco e portanto são cidadãos conforme o caso do Estado espanhol ou do Estado francês Mas não são nacionais da Espanha ou da França são bascos Estão apenas submetidos à ordem jurídica da França ou da Espanha Um basco só é espanhol no sentido de que é cidadão do Estado espanhol embora muitos deles não se conformem com isso e lutem até com extrema violência pela instauração de um Estado nacional basco independente dos que agora abrigam seu povo E assim como o basco não é um nacional espanhol ou castelhano tampouco o são galegos e catalães Para os brasileiros isto é freqüentemente muito difícil de entender O Brasil é um caso comparativamente raro em que um Estado muito grande coincide com uma nação Antes do desmembramento da União Soviética para os brasileiros desavisados tudo era russo quando na verdade a Rússia é apenas uma das nações entre as muitas que compunham o antigo Estado soviético Os ucranianos e os georgianos para ficarmos apenas com nacionais de duas das quinze antigas repúblicas soviéticas eram cidadãos da URSS mas não são russos Tanto assim é que com a queda da URSS as nacionalidades tornaramse repúblicas independentes No Canadá citando um exemplo relativamente próximo de nós coexistem duas nações principais a de língua e cultura inglesas e a de língua e cultura francesas sendo que esta última já expressou algumas vezes significativas tendências separatistas O Canadá assim não é um Estado nacional como o Brasil mas um Estado binacional Há também nações politicamente divididas Até alguns anos atrás a Alemanha Oriental República Democrática Alemã era um Estado diferente da Alemanha Ocidental República Federal da Alemanha mas são ambas a mesma nação tanto que se reuniram a partir de 1991 Na realidade ao contrário do que a gente costuma pensar muitas nações européias só se constituíram em Estados recentemente até bastante depois do Brasil que é um país jovem Só em 1870 Bismarck unificou Estados diferentes mas da mesma nação alemã sob a bandeira da Alemanha a mesma coisa com que Hitler iniciou suas reivindicações territoriais na década de 1930 A razão dada era unificar sob a mesma ordem política os diversos núcleos da nação alemã em Estados como a Áustria a Polônia e a antiga Tchecoslováquia hoje a República Tcheca e a Eslováquia A Itália por sua vez era até o século passado dividida em muitos Estados Veneza Gênova Florença Sicília Nápoles Sardenha e outros antes de haver sido unificada sob o mesmo Estado italiano sob as mesmas instituições políticas em 1870 Estados como a antiga Iugoslávia a antiga Tchecoslováquia e outros da Europa Central e do Leste eram na verdade a junção de várias nações muito individualizadas como sérvios croatas montenegrinos tchecos eslovacos macedônios eslovênios e assim por diante A Nigéria é composta por nigerianos apenas no sentido político pois seu povo é dividido em inúmeras tribos no caso de africanos e índios a palavra mais usada é tribo em vez de nação embora em geral se trate da mesmíssima coisa Os diversos grupos independentes de indígenas brasileiros embora de número e influência excessivamente reduzidos para que sejam classificados como um Estado multinacional são nações em todos os sentidos nações submetidas pela força ao Estado brasileiro ao qual não têm condições de resistir Nem a nação nem o Estado como se pode deduzir necessitam para sua existência de um território fixo delimitado exclusivo A nação cigana se espalha por todo o mundo sem perder sua identidade Não existe um território cigano uma Ciganolândia Da mesma forma indivíduos dispersos por muitos países podem considerarse e ser considerados cidadãos de um mesmo Estado Assim acontece por exemplo com os chamados governos no exílio e ocorreu muitas vezes durante a Segunda Guerra Mundial em que os resistentes à ocupação nazista organizavam governos fora de seus países Essas coisas são muito importantes de se ter em mente quando tentamos compreender problemas como o dos índios brasileiros dos palestinos dos bascos dos irlandeses do Norte e de outros povos cujas lutas ocupam os noticiários de todos os dias embora muitas delas se desenrolem obscuramente em países de que raramente ouvimos falar e ainda outras sejam vistas por uma ótica deturpada pelos interesses envolvidos São também noções indispensáveis para que se compreenda a história dos povos pois do contrário grande parte dela perderá o sentido Assim por exemplo um acontecimento histórico como a Guerra dos Cem Anos é tido quase sempre por uma guerra que não acabava mais entre a França e a Inglaterra no século XIV Não pode haver nada mais falso do que isso justamente porque a França e a Inglaterra ainda não existiam como as conhecemos hoje ou seja não havia os Estados francês e inglês como existem hoje Havia inclusive senhores feudais franceses estabelecidos nas Ilhas Britânicas e senhores feudais ingleses estabelecidos em território francês havia parentes em ambos os lados enfim não se tratou propriamente de uma guerra entre França e Inglaterra mas de crises internas dentro da elite da época que vivia um momento de declínio do feudalismo e de início da afirmação do poder dos reis primórdios portanto do surgimento do Estado Moderno que substituiria os feudos e suseranias Se ignorarmos estes fatos nossa visão dos acontecimentos se perde em tolices como o ódio que sempre existiu entre franceses e ingleses e assim por diante com o resultado de que não pensamos corretamente na medida em que não avaliamos os dados pertinentes 1 Num Estado qualquer coexistem duas nações com língua religião predominante e cultura diferentes Você acha possível que este Estado seja viável bem organizado e próspero Examine várias hipóteses e procure explicitar condições negativas e positivas 2 Você acha que a guerra contra os invasores holandeses no século XVII foi uma guerra do Estado brasileiro contra o Estado holandês Se não se lembrar de certos pormenores consulte um livro qualquer de história do Brasil 3 O famoso rei Luís XIV disse certa feita O Estado sou eu Experimente explicar o que ele quis dizer com isto 4 Se as nações índias ficam no território do Estado brasileiro podese alegar que os brasileiros estão invadindo algum país quando ocupam terras dos índios 5 No Brasil os imigrantes devem ter direito à manutenção de sua língua costumes religião e cultura em geral mesmo que isto possa resultar em nos tornarmos um Estado multinacional 5 Soberania Um conceito muito útil quando se trata do Estado é o de soberania Soberania lembra soberano rei e tem origem no século XII significando a reivindicação dos reis por expandir seu poder em relação aos senhores feudais Este conceito transferiuse nos tempos contemporâneos para o Estado Ao se declarar que o Estado é soberano o que se quer dizer é que ele não se subordina a ninguém que não há poder acima dele Se o Estado não é politicamente independente claro que tampouco é soberano Os cidadãos desse Estado na verdade são cidadãos do Estado do qual aquele depende e às vezes em exemplos que são abundantes na história antiga e contemporânea não são nem isso vivendo numa espécie de limbo jurídico numa cidadania de segunda classe A soberania é um conceito político e jurídico de implicações muito ramificadas No mundo de hoje nem mesmo as potências mais fortes dispõem de uma soberania inquestionável de caráter unilateral pois a interdependência entre os diversos Estados em maior ou menor grau de uma forma ou de outra é um fato Os Estados mais fracos têm uma soberania muitíssimo relativa enfraquecida notadamente através da superioridade econômica dos mais fortes Respeitamse na maior parte dos casos as aparências Ou seja um governo não diz ao outro nomeiem tal ministro ou não vendam tal produto pelo preço que querem Mas por inúmeros canais muito fáceis de imaginar a soberania dos Estados mais fracos é violada a cada instante Acresçase a isso a existência de zonas de influência das grandes potências em que a soberania de cada Estado é subordinada às vezes pela força aos interesses das respectivas potências hegemônicas No caso da antiga União Soviética a imprensa costumava chamar os países sob sua esfera de influência de satélites no caso dos Estados Unidos os países da América Latina ainda são chamados por eles mesmos de nosso próprio quintal Discutese muito em que ponto do Estado em que componente seu estaria localizada a soberania No caso do rei Luís XIV o problema era fácil segundo ele mesmo disse com admirável concisão o rei soberano detinha a soberania ponto final Hoje em dia o problema é mais complicado pelo menos na prática Há Estados em que tanto na prática como na lei a soberania está concentrada na figura do governante ou governantes no caso por exemplo de uma junta militar Mas em qualquer caso é possível ver que a soberania não está efetivamente no governante mas em todo o esquema econômico e militar que lhe dá suporte É muito comum que em termos jurídicos a soberania seja localizada no povo a soberania popular Seria o povo que em última análise concentraria a soberania e a exerceria por meio de diversos mecanismos institucionalizados como por exemplo através de seus representantes eleitos Contudo só o exame de cada caso concreto é que dirá se o que está escrito na lei é espelhado na realidade 1 Você acha que quando o governo brasileiro impõe um regime jurídico aos índios está violando a soberania das nações indígenas 2 A Constituição brasileira lei máxima do nosso Estado a que todas as outras devem submeterse diz Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido Que quer dizer isto em termos de soberania 3 A Organização das Nações Unidas ONU não tem tido êxito na manutenção da paz e do equilíbrio entre seus membros A soberania de cada Estado está envolvida neste problema 4 Tente examinar as mudanças de soberania ocorridas no Brasil logo em seguida ao grito do Ipiranga 5 A estabilização da moeda e a conseqüente reorganização da economia brasileira representam uma afirmação de soberania do Estado Comente 6 Em certas áreas das grandes cidades os agentes do Estado coletores de lixo agentes de saúde bombeiros carteiros etc só conseguem entrar com permissão de traficantes e outros protetores da comunidade Nesses casos o Estado está perdendo soberania aqui entendida como controle sobre o território Isto acontece em sua cidade Comente o fato 6 Estado e violência O Estado representa o interesse público embora muitas vezes defenda apenas os interesses das elites das classes dominantes Os motivos de interesse realmente público são poucos e relativos no contexto político Entretanto ao menos de forma nominal e com maiores ou menores benefícios para o cidadão comum conforme o caso o Estado representa sempre o interesse público o bemestar da população Isto se expressa na ordem jurídica A ordem jurídica rege o comportamento do cidadão do próprio Estado e das relações entre o Estado e o cidadão No estado de direito a lei palavra usada aqui como sinônimo de ordem jurídica subordina povo governantes e instituições existindo mesmo certos princípios básicos inalteráveis A mudança da lei só pode ser feita sob o império da própria lei pois é a ordem jurídica que estabelece as normas para a alteração de seu próprio conteúdo Só há naturalmente uma ordem jurídica aquela vinculada ao próprio Estado O Estado não pode reconhecer uma ordem jurídica à parte pois no momento em que o fizesse incorporaria os elementos dessa ordem transformandoos em parte de si mesmo pois afinal só o Estado detém a soberania No âmbito do Estado a ordem jurídica se estende a tudo e a todos sem excluir até mesmo os cidadãos estrangeiros que estejam em seu território ou sob sua jurisdição a qualquer outro título Decorre daí que o Estado detém o monopólio das normas jurídicas A norma pode não ser obedecida mas essa desobediência não deve ser tolerada Do contrário não haveria sentido na existência da norma Do que se depreende que o Estado exerce coerção sobre tudo o que está contido na ordem jurídica Como a coerção é uma forma de violência inclusive física em muitos casos o Estado detém conseqüentemente o monopólio legítimo da violência Mesmo que meu vizinho cometa uma flagrante violação da ordem jurídica eu não posso condenálo ou encarcerálo Só quem pode é o Estado Somente o Estado em nome do interesse público qualquer que seja ele na ocasião é que pode fazer a guerra conduzir a repressão à delinqüência mesmo quando essa delinqüência consiste apenas em reivindicações populares que a lei decidiu considerar ilícitas coagir usar a violência enfim Essa violência na maior parte dos casos é apenas latente não concretamente exercida embora se possa argumentar que o indivíduo contemporâneo de tal forma se acostumou à estruturação de sua vida pela ordem jurídica que apenas não mais nota que ela o violenta a todo instante Mesmo que o Estado seja regido pela norma universal segundo a qual na órbita privada tudo o que não é proibido é permitido o indivíduo está sob a permanente pressão de não cometer até por ignorância da lei ato que seja proibido Na órbita dos que ele sabe que são proibidos ele percebe que a coerção do Estado se encontra na sanção aplicável a quem viola a norma Genericamente a violação da norma envolve uma sanção isto é medidas coercitivas contra o autor da violação que podem ir digamos de uma repreensão até a condenação ao suplício e à morte Somente a ordem jurídica o Estado pode obrigar enfim alguém ou alguma organização a fazer ou deixar de fazer alguma coisa É claro que este monopólio legítimo da violência é desafiado a todo momento não só por indivíduos como por organizações Em países como o Brasil sabemos que se trata de uma situação crônica É também óbvio que grupos ou facções que não reconhecem a legitimidade de um Estado qualquer não se vêem obrigados a respeitar a lei e o conseqüente monopólio da violência embora naturalmente as revoluções quando triunfam imponham sua própria ordem jurídica e restabeleçam o monopólio Por fim apesar de ser da própria natureza da lei que ela se aplique igualmente a tudo e a todos isto não acontece sempre como também sabem perfeitamente os brasileiros Esta situação se deve a que as contradições entre a lei e a realidade concreta ou seja entre o que está previsto de forma abstrata e o que acontece de fato nos processos decisórios são muitas vezes fortes demais Assim como se diz no Brasil a lei é igual para todos mas alguns são mais iguais que outros ou ainda a justiça e a cadeia são para os pobres Isto porém é outro problema 1 Para sentir as malhas do Estado tente elaborar uma lista do que você é obrigado a fazer todos os dias Ou mais complicado ainda uma lista do que você é obrigado a não fazer todos os dias 2 Famílias que moram num determinado lugar há gerações são de repente notificadas de que o governo vai desapropriar suas casas para ali construir um Jóquei Clube Quando as famílias protestam o Estado não aceita os protestos alegando que está agindo no interesse público Isto é justo O Estado tem razão Existem hipóteses que favoreçam ambos os lados 3 Muitas ruas das grandes cidades são guardadas por seguranças particulares pagos pelos moradores Neste caso não se estaria subtraindo soberania do Estado uma vez que ele deixa de ter o monopólio do uso legítimo da violência 4 Se você bate em sua mulher ou seu marido está havendo uma violação do monopólio da violência exercida pelo Estado Pense bem 5 E se você dá umas palmadas em seu filho 6 Você já deve ter visto em algum artigo de revista ou fonte parecida a expressão um Estado dentro do Estado Você é capaz de imaginar ou explicar o que se quer dizer com isso 7 Na sua opinião existe uma espécie de hierarquia dos interesses públicos Por exemplo um determinado Estado prioriza a manutenção da ordem Portanto subordina outro interesse público vamos dizer o de melhores salários para a maioria da população ao da ordem Como reivindicar melhores salários perturba a ordem o interesse público da manutenção da ordem não permite o atendimento de outro interesse público o de melhores salários Que é que você acha desta e de outras hipóteses fáceis de imaginar 8 Você acha que o interesse público representado pelo Estado pode justificar a aplicação de penas sanções tais como algumas até hoje praticadas garroteamento enforcamento eletrocussão amputação de membros internamento em clínicas psiquiátricas condenação ao silêncio fuzilamento esterilização açoite e outras de que talvez você já tenha ouvido falar Você acha que haveria casos especiais para a aplicação de alguma ou de todas essas penas 7 O que o Estado faz Para não complicar vamos observar logo que o Estado faz basicamente três tipos de coisas 1 elabora as leis atividade legislativa 2 administra os negócios públicos executa a lei atividade administrativa e executiva 3 aplica a lei a casos particulares atividade judicial As pessoas mais bem informadas dirão logo que este foi um jeito rebuscado de dizer que o Estado tem três Poderes o Legislativo o Executivo e o Judiciário Mas isto não é bem verdade no sentido de que nem todos os Estados mesmo os contemporâneos e desenvolvidos têm três Poderes distintos em sua estrutura Além disso dizer simplesmente Legislativo Executivo e Judiciário é uma maneira muito formal de ver as coisas bastante útil em muitas circunstâncias mas não satisfatória em nosso caso pois decidimos adotar outra perspectiva desde o início ou seja procurar visualizar os processos concretos O Estado sempre exerceu essas atividades Sempre houve alguém que formulou normas alguém que as executou e alguém que as aplicou notadamente em casos de conflitos ou problemas de interpretação A separação entre essas três atividades os tais três Poderes é mais ou menos uma novidade coisa comparativamente recente Raciocinouse que se essas três atividades ficassem concentradas numa só pessoa ou grupo de pessoas o perigo da tirania seria muito grande Se eu mesmo faço a lei eu mesmo a executo e eu mesmo a aplico é evidente que fico com um grau de arbítrio muito grande nas mãos até porque não permaneço sujeito à própria lei depois de posta em vigor já que posso modificála como desejar Assim concebeuse que as atividades do Estado constituiriam poderes independentes entre si Na prática contudo o que se vem notando é que a divisão em três Poderes não importa que recursos imaginosos se criem para garantila não basta para evitar os abusos de poder isto é excessivo predomínio nos processos decisórios para ficarmos dentro de nossa perspectiva metodológica Na verdade a separação entre os três Poderes é inevitavelmente relativa havendo grande número de pontos de contato entre eles Em segundo lugar há Estados onde os abusos de poder não são problema como a Inglaterra e não há separação entre os três Poderes E há Estados como o Brasil onde existe a separação e os abusos de poder são freqüentes Portanto a separação por si só não é sinal de que não existe tirania Há várias formas pelas quais as atividades podem ser conduzidas Por exemplo a função executiva pode ser desempenhada pelo Parlamento ou seja por uma assembléia de representantes do povo no caso dos regimes parlamentaristas Nestes pode haver um presidente repúblicas ou um rei monarquias mas o comum é que nem o presidente nem o rei exerçam papéis de grande relevância na condução da administração pública É possível também que a função executiva seja exercida por um presidente como no caso do Brasil e dos Estados Unidos cujos regimes são presidencialistas A função legislativa é normalmente desempenhada por assembléias ou parlamentos escolhidos das formas mais diversas Mas há casos em que outros poderes exercem atividades legislativas Em circunstâncias normais por exemplo cabe ao Executivo baixar regulamentos que possibilitem a execução das leis emanadas do Legislativo e o regulamento é um decreto o que equivale a uma atividade legislativa Também o Judiciário realiza atividade desse tipo quando por exemplo elabora e põe em vigor seus regimentos internos No Brasil desde a primeira Constituição republicana a de 1891 uma série de atividades legislativas é exercida pelo Executivo invadindo a seara do Legislativo Vamos ver alguns exemplos a o presidente da República tem iniciativa de projeto de lei Isto significa que o presidente pode enviar diretamente um projeto para a Câmara dos Deputados em vez de pedir a um deputado aliado que o faça b o presidente da República tem direito a veto parcial isto é ele pode vetar artigos alíneas e parágrafos de leis aprovadas pelo Congresso modificando a própria lei e portanto exercendo uma atividade legislativa c há determinados projetos de lei que são de iniciativa exclusiva do presidente da República como leis sobre aumento do funcionalismo criação de órgãos públicos efetivo das Forças Armadas etc e d o presidente pode editar medidas provisórias com força de lei que passam a vigorar imediatamente e o Congresso tem trinta dias para recusar ou aprovar É claro que passado este tempo se a medida não for apreciada o Poder Executivo tem o direito de reeditála Com isso mais de 70 do trabalho do Legislativo trata de leis que têm origem na Presidência da República Como pudemos ver há no Brasil uma certa confusão entre os poderes com o Executivo mandando muito mais que os outros dois Entre as funções do Estado a judicial apresenta uma característica peculiar só costuma exercerse quando provocada O Poder Judiciário através de qualquer de seus órgãos só se manifesta se for solicitado normalmente na forma de uma ação o que se chama na linguagem cotidiana de processo O relacionamento entre os três Poderes ou mesmo o seu estabelecimento como entidades distintas depende do direito constitucional positivo de cada Estado ou seja das normas e princípios constitucionais vigentes Em cada Estado este relacionamento apresenta particularidades mas o essencial é lembrar como a ação do Estado se equaciona e raciocinar sobre o funcionamento o sentido e as conseqüências dessa ação A maneira pela qual o Estado desempenha suas funções e a própria definição ou limitação dessas funções têm evidentemente mudado muito através da história Basta que lembremos que o Estado no mundo de hoje é gigantesco Havia países como a antiga União Soviética para citar um caso ainda recente em que o Estado assumiu praticamente toda a atividade econômica Sendo as lojas as fazendas e as fábricas do Estado podese imaginar o gigantismo da estrutura estatal soviética Mas mesmo em países como os Estados Unidos onde a norma é que a atividade econômica seja desempenhada por particulares empresas ou indivíduos a presença do Estado é muito grande de várias maneiras Quando a economia moderna começou a tomar forma em países como a Inglaterra com o advento da Revolução Industrial e a consolidação do capitalismo capitalismo por enquanto pode ser entendido apenas por seu aspecto mais genérico sistema em que a atividade econômica está majoritariamente em mãos privadas o Estado não era tão gigante assim nem se pretendia que ele fosse O aparecimento de máquinas movidas a energia não humana ou animal a produção em massa o surgimento dos assalariados a divisão social cada vez maior do trabalho tudo isso gerava uma realidade socioeconômica extremamente nova em que a tecnologia iria constantemente exigir a revisão de tudo o que era verdade antes Naquela nova realidade revolucionária em que os dominantes não eram mais os aristocratas de antigamente mas os industriais os comerciantes os banqueiros a classe que agora punha o mundo a andar por caminhos antes nunca explorados ou sequer suspeitados viuse a possibilidade de formular leis do mercado no sentido cientifico da palavra de relações constantes e previsíveis entre determinados fatos econômicos Por exemplo se um produto existia em abundância a tendência era que o preço desse produto baixasse Se ao contrário existia muita procura por esse produto e ele era escasso seu preço subiria Eis a lei da oferta e da procura este último termo é freqüentemente substituído por demanda com o mesmo significado até hoje tão invocada Além disso definiramse certos postulados sobre a natureza e o comportamento humanos tidos como necessários e imutáveis isto é necessariamente decorrentes da realidade Se havia uma atividade econômica não explorada ainda mas de rentabilidade previsível algum espírito empreendedor procuraria exercer essa atividade e com isso auferir lucros O egoísmo humano até no bom sentido se se pode falar assim o desejo de proteger seus próprios interesses a determinação de progredir tudo isso dentro do impecável funcionamento das leis econômicas dentro dos horizontes que então se abriam para o homem através da ciência e do conhecimento que então pareciam ilimitáveis iria fazer com que a sociedade a economia a Política marchassem harmoniosamente Não toquem em nada que tudo funciona por si só era como se fosse esta a palavra de ordem É bastante invocada a expressão a mão invisível do mercado que colocaria tudo em ordem Para isso era indispensável portanto que o Estado interviesse o mínimo possível não só na economia como na vida dos cidadãos Liberdade para a atividade econômica liberdade para o cidadão Esta é a essência clássica do liberalismo liberalismo econômico e liberalismo político que se identificavam eram como duas faces de uma mesma moeda Mas o liberalismo econômico não contava com seu próprio desenvolvimento e com as condições criadas pela expansão tecnológica que ele próprio teorizou justificou e possibilitou De repente para configurar apenas uma entre muitas hipóteses possíveis por uma razão ou por outra um fabricante de sapatos desejando eliminar a concorrência conseguiu enfrentar prejuízos intencionais durante vários meses vendendo sapatos abaixo do preço de custo Seu principal concorrente sem reservas para agüentar a guerra acabou em sérias dificuldades porque ninguém comprava mais os seus sapatos Em conseqüência disso o primeiro fabricante pôde adquirir o estabelecimento concorrente e conquistar uma faixa tão grande do mercado que já não havia mais sombra que lhe pudesse ser feita só quem fabricava sapatos era ele era ele quem fazia os preços e estipulava as condições de comércio Estava formado um monopólio uma das piores pragas da economia capitalista Há muito as pessoas haviam deixado de saber fazer seus próprios calçados como não sabem criar os animais que comem nem podem como não sabem nem podem tecer o pano que vestem e assim por diante dependendo inapelavelmente da divisão social do trabalho pois sem os outros morreriam Ao mesmo tempo a consolidação do Estado nacional a identificação de interesses entre setores das elites dominantes e outros fatores foram contribuindo para que se notasse às vezes muito penosamente que se o Estado não interferisse na vida econômica a situação poderia ficar fora de controle numa espécie de processo autodestrutivo Se o Estado não interviesse por exemplo para impor determinadas limitações à autoridade dos patrões sobre os empregados através de legislação trabalhista previdência social e assim por diante os conflitos tenderiam a tornarse insustentáveis A mesma coisa pode ser dita em relação aos monopólios e outras práticas de manipulação predatória do mercado De outro lado se o Estado não procurasse ingressar em empreendimentos econômicos que de pronto não interessassem à iniciativa privada as áreas para esses empreendimentos podiam ser negligenciadas prejudicando a médio ou longo prazo o bom funcionamento da economia E nada melhor que o Estado para usar o dinheiro de todos a fim de garantir a situação de alguns e conferir estabilidade ao modelo vigente É lógico que o Estado não pode permitir que as leis econômicas deixadas soltas causem problemas de magnitude insuportável como aconteceu com a Grande Depressão a partir de 1929 Por essas e outras razões de grande complexidade o Estado liberal veio a ser substituído pelo Estado intervencionista o Estado que interfere na atividade econômica e por conseqüência em todas as áreas da vida do cidadão O Estado passou a não somente regular a atividade econômica mas também a ingressar nela diretamente inclusive por meio de empresas estatais ou seja empresas em que os proprietários particulares são substituídos pelo Estado A crueza a lei da selva da economia de mercado é orientada para equilibrar o sistema para não deixar que ele se destrua Vamos dar um exemplo claro e simplificado para que tudo fique bem entendido Um Estado qualquer não possui grupos econômicos em condições de explorar atividades como a mineração certos serviços públicos a distribuição de combustíveis e outras O Estado interfere para explorar essas atividades com recursos de todos Quando essas atividades se tornam lucrativas o Estado como acontece bastante pode passálas à iniciativa privada Ou pode continuar a explorálas com objetivos sociais A verdade contudo é que o Estado representa interesses e enquanto representar os interesses X jamais vai fazer alguma coisa em benefício dos interesses Y De qualquer maneira é visível que a função onde o Estado é mais complexo é a função administrativa a função de gerência da sociedade onde está implantado As chamadas máquinas estatais adquiriram dimensões descomunais são hoje verdadeiros mamutes burocráticos que muitas vezes a própria administração pública não conhece direito como no caso do Brasil Aqui ainda isto é agravado pela prática do clientelismo dos cabides de emprego e instituições semelhantes além do paternalismo que sempre se praticou em relação à sociedade e à economia tudo sempre terminando em alguma coisa para o governo resolver Entretanto a partir da década de 1980 muitos países começaram a perceber que o Estado era na maioria das vezes um mau gerente gastador corrupto empreguista perdulário incompetente ineficiente Uma série de privilégios foi sendo atribuída às empresas do Estado cujo custo para os cidadãos como um todo que não participaram dessas empresas ficou insuportável Vários países europeus como a Inglaterra a França e a Alemanha começaram a vender suas empresas estatais ou seja a privatizar No Brasil o processo de privatização só teve início em 1990 Antes disso o Estado estava em toda parte na siderurgia na produção de energia elétrica nos transportes na produção de combustível na produção e distribuição de alimentos nas comunicações em toda parte mesmo enfim Mas o Estado brasileiro não tem conseguido cumprir suas funções básicas garantir boa escola pública para todos boas condições de atendimento na saúde pública moradia para as populações de baixa renda saneamento básico etc Por isso para garantir este atendimento mínimo das necessidades dos cidadãos o Estado brasileiro começou a se desfazer da maior parte de suas empresas num processo que ainda está longe do fim Por ironia da história hoje o liberalismo econômico que é irmão gêmeo do liberalismo político distanciouse daquele junto ao qual nasceu O liberalismo econômico puro gera iniqüidades destrói o liberalismo político depois de algum tempo O Estado ausente não pode mais ser mantido hoje o Estado precisa manter algumas atividades básicas em suas mãos e regular as atividades nas mãos da iniciativa privada para corrigir as distorções da mão invisível do mercado O problema é definir que atividades devem permanecer na mão do Estado Isto nos remete à seguinte pergunta quem dirige o Estado Quem manda 1 Que é que quer dizer o rei reina mas não governa 2 Os cinco grandes comerciantes que num país qualquer controlam todo o feijão disponível para venda como não estão satisfeitos com os preços provocam uma escassez artificial do produto pondo à venda apenas pequenos estoques Podese dizer que estes comerciantes estão violando a lei da oferta e da procura Se o governo interferir para corrigir a situação que significa isso quanto às relações entre o Estado e a economia 3 Você vê vantagens ou desvantagens em deixar o Executivo legislar à vontade Por exemplo há quem diga que assim ele adquire mais velocidade e eficiência sem ser prejudicado pela morosidade do Legislativo 4 Na Inglaterra a rainha pode nomear teoricamente qualquer membro do Parlamento que deseje para o cargo de primeiro ministro No entanto ela sempre nomeia o líder do partido que ganhou as eleições o partido majoritário Isto significa na sua opinião que o costume pode ser parte da ordem jurídica num Estado qualquer 5 Na antiga União Soviética o Estado elaborava e procurava cumprir planos econômicos numa economia inteira mente controlada pelo Estado No Brasil o Estado também elabora e procura cumprir planos econômicos numa economia em que a iniciativa privada é encorajada Procure imaginar as diferenças de significado dessa interferência estatal entre um caso e outro 6 Qual é o interesse de um Estado como o brasileiro em investir em mais saúde pública Procure pensar para além das implicações mais superficiais Faça o mesmo em relação a investimentos semelhantes como saneamento transporte educação 8 O Estado e o indivíduo O Estado é claro não existe sem as pessoas que o integram sem a sociedade onde está implantado E os relacionamentos possíveis entre o Estado e os indivíduos são como já temos idéia múltiplos e variados Mas para fins de análise é possível fazer algumas abstrações e generalizações o que quer dizer no caso imaginar um indivíduo hipotético e procurar visualizar que tipos de relacionamento esse indivíduo pode ter com o Estado Como em muitos outros aspectos da Política este também envolve importantes implicações filosóficas assim qualificadas porque abrangem indagações permanentes a respeito da condição humana Por exemplo alguém pode achar que o ser humano é um animal violento egoísta e predatório cuja natureza requer permanente controle Desta forma o Estado seria indispensável para proteger o homem de seus próprios impulsos protegêlo de si mesmo enfim Alguém pode também pensar que o homem é por natureza bom ou que tende para o bem mas as pressões da vida em comum com os outros o induzem a desenvolver características negativas o que tornaria necessária uma organização estatal para impor a ordem ainda que dentro de limites cuidadosos que não redundassem no esmagamento das liberdades do indivíduo Ainda outros podem concluir que o Estado é na realidade uma espécie de perversão da raça humana talvez até uma marca de seu atraso que todo governo é em última análise uma violência que o homem pode passar muito bem sem o Estado substituindoo por organizações mais simples que ordenem minimamente o trabalho e a vida coletiva sem a marca da autoridade caracterizadora da ação estatal Finalmente para encerrar este rosário de hipóteses que estão longe de esgotar todas as variações possíveis é bem possível que alguém considere o Estado a suprema evolução da vida humana em sociedade e que portanto o indivíduo em si não tem importância perante o Estado existindo apenas para servilo e não o contrário Podemos então concluir que há três atitudes básicas dentro das quais se encaixam todas as variantes e seus pormenores 1 o Estado existe para servir ao indivíduo e à sociedade 2 o indivíduo e a sociedade existem para servir ao Estado e 3 o Estado existe porque por enquanto não temos outro jeito mas devemos fazer tudo para abolilo pois é uma forma insuportável de tirania uma maneira de impor a vontade de alguns sobre todos e um sintoma da baixa evolução da espécie humana As teorias e as concepções em que se fundamentam essas posições são é óbvio inconciliáveis entre si O que uma tem como pressuposto verdadeiro a outra tem como falácia e viceversa É também freqüente que a teoria explicativa surja depois do estabelecimento do tipo de Estado a que se aplica Por exemplo depois de instalado no poder o ditador pode desenvolver com a ajuda sempre disponível de intelectuais que auxiliam ditadores uma vasta teoria sobre como a ditadura dele é necessária com todo o substrato filosófico sociológico e jurídico que ele julga indispensável para legitimarse Naturalmente e é o que acontece muitas vezes essa teoria podia existir antes pode não ser mais do que a reunião interesseira de pensamentos de vários estudiosos ou ainda a expressão de uma escola de pensamento antes desprestigiada ou até o produto do trabalho de um só pensador de maior relevância ou influência De qualquer maneira uma teoria por mais engenhosa que fosse nunca seria aplicada à realidade social e política se não houvesse interesses concretos aos quais ela servisse Se as conseqüências práticas da aplicação de uma teoria interessarem a alguns setores da sociedade é claro que esses setores tenderão a adotála como verdade em oposição a outras maneiras de pensar Se esses setores assumirem o controle das decisões públicas a teoria adotada por eles passará a ser a oficial Opostamente as teorias que procurem demonstrar a não validade da teoria oficial e a resultante validade de posições diametralmente diferentes interessarão às camadas da sociedade que não têm participação efetiva nos mecanismos decisórios ou que estão oprimidas pelo sistema ou ainda meramente insatisfeitas Não é incomum que essa situação se radicalize a tal ponto que até pensar ou dar opinião baseada numa teoria que não interessa ao Estado é considerado um ato antisocial por assim dizer um crime contra a sociedade uma ação subversiva o que pode gerar uma reação violenta por parte dos grupos que controlam o Estado O exposto acima não deve ser entendido como uma espécie de chave para uma compreensão mecânica e simplória da realidade sociopolítica porque as coisas não funcionam de maneira tão singela e transparente A começar pelo fato de que como veremos melhor depois é difícil que haja uma verdade social Dizer em relação à vida da sociedade isto é o certo ou isto é o bom é muito problemático e duvidoso Se nas próprias ciências exatas como a física as dúvidas sobre essa verdade já são muito grandes imaginese num terreno como a nossa vida em que mesmo quando estamos tentando ser objetivos não podemos abstrair por completo a condição de seres humanos carregados de valores símbolos e intenções Foi verdade durante muitíssimo tempo que algumas pessoas eram por natureza destinadas à escravidão E não se tratava de uma verdade marginalizada mas de algo que já teve dignidade científica já foi plenamente aceito como até constando da Ordem Divina pelos elementos mais respeitáveis das sociedades que desde que o mundo é mundo mantiveram escravos ou escolhidos entre inimigos vencidos ou buscados entre povos tecnologicamente mais atrasados feitos para a escravidão De certa forma pois o ser humano faz sua própria verdade A verdade social e política termina por redundar na interpretação dos fatos da existência humana e o intérprete é o próprio homem também personagem dos fatos interpretados A aceitação de certas verdades importa sempre na aceitação de certas outras que são seus pressupostos ou suas conseqüências e implicações Por exemplo é verdade que o Brasil não tem recursos para investir o necessário no bemestar da maioria de seu povo É também verdade que isto constitui uma contingência inevitável e que nem os próprios políticos de oposição têm podido oferecer sugestões eficazes Mas é também verdade que parte da população a minoria vive muito mais ricamente do que seria humanamente necessário e que essa vida é levada à custa da miséria da maioria Qual é a verdade Há ou não há recursos É possível ou não modificar por completo a situação Como é verdade que não existem condições para alimentar e dar trabalho aos pobres quando muitos ricos não trabalham e jogam comida fora quando é comentado abertamente que os depósitos brasileiros clandestinos no exterior sobem a várias dezenas de bilhões de dólares quando somos um dos maiores exportadores de gêneros alimentícios do mundo e ainda assim periodicamente assistimos à perda de safras por falta de infraestrutura de armazenamento e transporte além de também presenciarmos a destruição de outras tantas safras de pintos de um dia a cebolas pelos seus próprios produtores movidos por distorções no mercado Cabe a cada um de nós examinar essas verdades Cabe também apontar que o fato de uma das teorias a que aludimos anteriormente contrariar ou servir os interesses de determinados segmentos da sociedade não significa que os indivíduos pertencentes a esses segmentos percebam isso tenham consciência disso Ao contrário é muito comum que a maneira de pensar politicamente de cada pessoa seja emprestada o que aliás acontece em relação a quase tudo Uma pessoa nessa situação não vê o mundo de acordo com seus interesses mas de acordo com uma visão que lhe foi ensinada como a certa Daí a figura do escravo bonzinho do Pai Tomás do escravo que acredita que de fato algumas pessoas nasceram para a escravidão ou para servir incondicionalmente a um senhor e que ele é uma dessas pessoas Daí a figura do jagunço nordestino que mesmo pertencendo a uma classe oprimida se coloca a serviço do opressor em troca de algumas vantagens na verdade insignificantes E a máquina do Estado sob a capa do interesse coletivo em muitos casos dedica extraordinários esforços a manter essa situação a ponto de os indivíduos muitas vezes com entusiasmo perderem suas próprias vidas para defender um sistema que não é absolutamente de seu interesse como acontece nas guerras em que morrem recrutas ou voluntários miseráveis até mesmo escravos para defender ou impor um Estado que os obriga a permanecer na miséria ou na escravidão A realidade social é fácil de perceber quando estamos falando abstratamente sobre ela mas esquiva quando estamos imersos nela É sempre um pouco enganoso colocar rótulos nas coisas porque se os rótulos são adequados sob determinados pontos de vista sob outros não são Mas vamos outra vez fingir que a realidade é mais simples do que é e figurar o indivíduo hipotético de que falamos atrás em algumas situações típicas a o Estado de que Indivíduo é cidadão através de um processo mais ou menos longo e de uma liderança bem organizada se apresenta e se impõe como a própria encarnação da nacionalidade como o instrumento supremo de realização do povo Tudo portanto cai sob a ótica do Estado que não pode ser contestado já que representa a vontade geral ou o espírito do povo Não se pode pensar ou agir de forma diversa não há interesse legítimo além do interesse do Estado que orienta ou tutela todas as atividades Neste caso Indivíduo é cidadão de um Estado totalitário uma espécie de ditadura amplíssima como aconteceu na Alemanha nazista ou na Itália fascista b o Estado de que Indivíduo é cidadão não chega a ser totalitário ou seja não desenvolveu instrumentos tão extensos para o controle de todos os aspectos da sociedade Entretanto a participação do cidadão nas decisões públicas é limitada os direitos e liberdades individuais são mais ou menos restritos e há uma margem considerável de arbítrio para os ocupantes do poder Neste caso Indivíduo é cidadão de uma das muitas variantes de Estado autoritário o qual pode até nem manter um ditador vitalício mas substituílo rotineiramente por outros da mesma corriola preservando uma aparência de mudança que efetivamente não existe O exemplo aqui pode ser o Brasil mesmo entre 1964 e 1985 c o Estado de que Indivíduo é cidadão procura permitir um grande número de liberdades individuais assegurar a participação de todos em muitas decisões públicas através por exemplo de eleições referendos plebiscitos etc e da manutenção de um esquema de representatividade responsável e efetiva O Estado obedece ainda a princípios e leis que não pode modificar a não ser pela vontade popular expressa direta ou indiretamente Neste caso Indivíduo é cidadão de uma das muitas variantes do Estado democrático d Indivíduo é cidadão de qualquer um desses Estados mas não suporta a existência de autoridade sobre sua pessoa e sobre os outros abomina toda espécie de interferência sobre sua liberdade pessoal desde o pagamento de impostos até a vacinação obrigatória e em síntese identifica qualquer tipo de governo com uma forma mais ou menos insuportável de tirania Aqui Indivíduo perfilha uma das muitas formas do anarquismo Anarquia significa ausência de governo não necessariamente baderna ou confusão Neste caso Indivíduo não quer ter relacionamento com Estado nenhum não quer ser cidadão e Indivíduo finalmente é cidadão de um Estado que fez a Revolução ou seja reverteu por completo a situação anterior reformulou toda a estrutura social econômica e institucional Neste caso Indivíduo pode ser obrigado de maneira semelhante à que vigora no Estado totalitário mencionado acima a não desviar sua conduta dos padrões estabelecidos pelo esquema revolucionário pois a Revolução terá sido popular e representa os interesses da maioria Além disso pode ser que a ideologia oficial desse Estado considere o totalitarismo bem como a ausência de mecanismos formais semelhantes aos das chamadas democracias uma simples fase anterior à da verdadeira democracia que ocorreria quando depois desse período ditatorial o espírito da Revolução como que se automatizasse e a sociedade funcionasse sem a necessidade de instrumentos coercitivos e do aparato estatal como o conhecemos Ou seja esse Estado em última análise evoluiria para uma espécie de anarquia no sentido que já vimos Indivíduo neste último caso seria possivelmente cidadão de um Estado socialista submetido a uma ditadura do proletariado e mantido na convicção de que a humanidade é tão aperfeiçoável que um dia prescindirá de qualquer tipo de Estado Mas o que se alega freqüentemente é que tanto no caso do item a como no caso deste item Indivíduo estará pura e simplesmente numa ditadura só que a primeira de direita e esta de esquerda O esquema acima é incompleto e generalizador mas deve bastar para que se tenha uma compreensão inicial do assunto a ser complementada depois com outras informações Na verdade os esquemas sempre empobrecem a realidade e nada substitui o exame dos casos concretos à medida que eles nos apareçam Cada Estado enquadrável nos vários itens tem características específicas e os modelos genéricos servem apenas como pontos de referência 1 O homem vive pensando em passar os outros para trás e qualquer pessoa se não for controlada termina por impor sua vontade contra as outras inclusive pela violência Invente um Estado com base neste pressuposto 2 O povo é ignorante e primitivo e portanto precisa de uma direção permanente e esclarecida Faça a mesma coisa aqui que em relação ao caso precedente 3 Na sua opinião numa ditadura do proletariado o Estado existe para servir ao indivíduo ou o indivíduo existe para servir ao Estado 4 Você acha possível ainda que em termos muito hipotéticos uma sociedade desenvolvida onde não haja Estado Solte a imaginação 5 O governo deve ser deixado a cargo dos especialistas e o povo vai cuidando de sua vida cada qual fazendo aquilo de que entende Comente as implicações desta afirmação 6 Uns nasceram para mandar outros para obedecer Faça a mesma coisa aqui que em relação ao item anterior 7 Um indivíduo nascido em situação social e econômica ruim sem instrução ou qualificação se põe a serviço de um poderoso e passa a desfrutar de várias regalias disso decorrentes Você acha que esse indivíduo passou a pertencer à classe dominante 8 O Estado brasileiro de hoje é democrático 9 Quantos tipos diferentes de Estado o Brasil já teve até hoje Descreva cada um deles 9 Democracias No capítulo anterior fomos obrigados a falar algumas vezes em ditaduras e democracias antes de nos determos no exame destes conceitos Isto porque o assunto que estamos estudando é realmente um todo constituído de partes interdependentes e entrelaçadas em vários sentidos As divisões que se fazem são artificiais e têm apenas a finalidade de facilitar a apreensão do assunto de forma que não há critérios rígidos para o que vem antes e o que vem depois Como muitos termos em Política democracia é uma palavra extremamente ambígua Seria é claro uma piada dizer que democracia é tudo aquilo que os diversos governos dizem que é democracia mas a piada não estaria muito longe da verdade Ao mesmo tempo Estados onde o grau de liberdade e a participação dos cidadãos no processo decisório são muito diferentes entre si também se chamam a si mesmos de democracias Por exemplo não é impossível que um país onde o presidente da República seja escolhido por um pequeno grupo o Parlamento tenha atribuições muito restritas e o Judiciário seja bastante fraco se rotule de democracia como acontecia no Brasil durante a vigência do regime militar instalado em 1964 Seria esse Estado então igual a outro onde a situação fosse mais aberta e a soberania popular realmente exercida Equívocos ou mentiras desse tipo mostram que se alguém desejar saber o que é democracia e para isso arrolar os Estados que se intitulam democráticos ficará por assim dizer num mato sem cachorro O recurso adicional que vem à mente com mais facilidade é verificar se existem determinadas instituições em cada Estado observado pois tais instituições representariam um indício seguro da existência de uma democracia Contudo apesar de ajudar um pouco isto ainda não é suficiente Aliás em certas circunstâncias é perfeitamente inútil Já vimos por exemplo que a existência em lei de três Poderes separados e independentes não assegura a presença de uma democracia não assegura a prevenção dos abusos de poder nem garante a participação dos cidadãos no processo decisório público características que aprendemos desde a escola a identificar com democracia o governo do povo Isto porque uma coisa é o que está no papel outra a que na verdade acontece todos os dias Pode ocorrer até mesmo que a separação e a independência dos três Poderes não sejam claramente violadas mas os acontecimentos na órbita dos bastidores do poder são capazes de tornar toda a estrutura formal apenas uma aparência uma espécie de vitrina enganadora De outro lado como também já vimos há Estados que funcionam demos o exemplo da Inglaterra democraticamente e nos quais não há separação dos três Poderes Na verdade em qualquer regime parlamentarista democrático ou não existe uma identidade ao menos parcial entre Executivo e Legislativo Outro indício igualmente longe de ser seguro é a prática de eleições isto é da escolha de governantes pelo sufrágio popular Também aqui a diferença entre o que está no papel e o que se pratica concretamente deve ser vista com cuidado Pode haver eleições tão manipuladas das formas mais diversas com mecanismos que vão desde a compra de votos e a propaganda desleal até a adulteração de resultados que não significam senão uma encenação para dar fisionomia democrática ao regime Além disso os diversos sistemas eleitorais as qualificações exigidas de eleitores e candidatos e dezenas de outros fatores podem fazer com que as eleições se prestem muito bem a mascarar a ditadura sob a capa da democracia Do outro lado da moeda como no caso dos três Poderes é claro que pode haver democracia sem eleições ou com muito poucas eleições Isto já não é mais comum em nossos dias devido ao gigantismo do Estado e das sociedades contemporâneas mas pode se muito bem imaginar uma comunidade pequena que formule coletivamente todas as decisões públicas importantes através de uma assembléia de que participem livremente todos os cidadãos falando em seus próprios nomes Eram assim as democracias da Grécia antiga como são assim algumas pequenas coletividades contemporâneas os exemplos dados são em geral cidadezinhas do nordeste dos Estados Unidos Nova Inglaterra e algumas comunidades suíças Podese dizer por fim que haverá democracia onde exista soberania popular efetivamente exercida não importa através de que meios institucionais De novo não basta que a ordem jurídica estabeleça o princípio da soberania popular até porque não é necessário que se explicite esse princípio na lei escrita para que ele vigore Enfim o conceito de democracia é mesmo relativo embora não precisamente no sentido que quis dar a essa relatividade um dos generaispresidentes da República brasileira O que é necessário é que para avaliarmos se um determinado Estado é democrático vejamos em cada caso qual o grau de liberdade dos cidadãos qual o grau de estabilidade e vigor das instituições políticas qual o grau de participação popular nas decisões públicas qual o grau de responsabilidade do governo perante os cidadãos quais os mecanismos de controle real dos abusos de poder qual a flexibilidade das instituições básicas para atender às exigências de mudanças pacíficas derivadas da vontade popular e uma série de outros aspectos correlates Assim provavelmente chegaremos à conclusão de que existem muitas democracias nenhuma delas perfeita em função dos critérios abstratos que desenvolvamos algumas mais aproximadas deles outras mais distantes Cabe também mostrar que mesmo que esses aspectos vistos acima sejam observados com rigor há fatores econômicos e sociais que não podem deixar de ser levados em conta Por exemplo um determinado Estado pode garantir de todas as formas em sua ordem jurídica o direito de seus cidadãos direito igual para todos de obter uma educação formal gratuita desde a escola primária até a universidade Contudo se muitos cidadãos apesar desse direito garantido não podem freqüentar as escolas seja porque as exigências da sobrevivência sua e da família não permitem seja porque não podem deslocarse até os centros onde a educação é oferecida seja até mesmo porque a pobreza e conseqüentes deficiências de nutrição na infância além de parcos estímulos ambientais não lhes permitiu o desenvolvimento intelectual adequado aí é patente que a democracia existe mas não existe É possível raciocinar da mesma maneira sobre uma série de direitos como à moradia ao deslocamento físico para onde se desejar à saúde e assim por diante Por isso mesmo é importante não confundir liberdade política com democracia Finalmente há outro aspecto na verdade muito complicado mas que pode ser visto de relance aqui Todo Estado como toda organização muito grande aliás depende para a condução de seu dia adia de um grupo de pessoas relativamente pequeno governantes e administradores Vamos chamar esse pequeno grupo de elite para fins de discussão Se as elites provêm sempre das mesmas camadas sociais e econômicas também não há uma democracia cem por cento porque os cidadãos que não têm acesso aos centros de decisão ficam isolados do processo Nem sempre é uma questão diretamente econômica que provoca esse fenômeno Se chamarmos a subida às elites de mobilidade social vertical veremos que muitas vezes a ausência ou dificuldade de mobilidade vertical positiva para certos cidadãos se devem a fatores como raça aparência sexo religião hábitos origem nacional etc Durante muito tempo para citarmos um caso bastante conhecido os negros não podiam exercer funções públicas de relevância no sul dos Estados Unidos mesmo em plena vigência da democracia americana e mesmo nas cidades onde a população negra era maioria Já as mulheres são rotineiramente discriminadas em muitas sociedades democráticas Os católicos são discriminados na Irlanda do Norte os imigrantes coreanos no Japão os imigrantes turcos na Alemanha e assim por diante Enfim a multiplicidade de hipóteses em que este tipo de coisa ocorre é muito grande porque estão em jogo fatores sociais intrincados como por exemplo preconceitos arraigados que mesmo a legislação mais forte e decidida tem dificuldade em erradicar ou até em enfraquecer De qualquer maneira o estabelecimento de Estados democráticos permanece como aspiração permanente da humanidade apesar da abundância de conceitos divergentes da gravidade dos problemas enfrentados por cada sociedade dos obstáculos criados pela imensa complexidade da vida humana neste nosso planeta Já não podemos como vimos pretender a existência e funcionamento de democracias diretas ou seja de democracias em que os cidadãos todos reunidos busquem no debate e na discussão cara a cara o consenso e a realização do bem comum evitandose até mesmo a tirania da maioria um problema muito interessante das democracias que infelizmente não vamos ter espaço para examinar aqui mas que como se pode imaginar é muito importante sobretudo se consideradas as legítimas aspirações de indivíduos e grupos minoritários em determinados contextos Há cidadãos demais problemas demais tarefas demais a desempenhar Hoje procurase viabilizar a democracia representativa isto é uma forma de governo através da qual os cidadãos escolhem representantes que assumirão as responsabilidades pela condução direta dos negócios públicos As democracias representativas que à primeira vista poderiam parecer uma solução perfeita apresentam problemas difíceis a começar pelos sistemas empregados para a escolha dos representantes ou em última análise a escolha dos governantes E se superados razoavelmente os problemas da escolha dos representantes vamos encontrar ainda muitos outros como por exemplo o fenômeno por infelicidade não tão raro quanto seria de desejar da assunção de autonomia por parte dos escolhidos isto é dos representantes do povo Eles podem tentar passar como passam com freqüência a mandar no povo a agir como se sua autoridade fosse original e não derivada de uma delegação teoricamente revogável da soberania popular Estes problemas e alguns outros vamos ver rapidamente em capítulos que se seguirão 1 Tente desenvolver uma escala uma espécie de régua para medir democracias Em vez de centímetros ponha coisas que você considere importantes para avaliar se o Estado X é democrático ou não ou quão democrático ele é Invente seus próprios critérios e apliqueos a alguns Estados cujo funcionamento você conheça Se não conhecer o de nenhum invente Estados também 2 Se por acaso você tem um amigo ou colega que sem colaboração alguma sua nem dele com você fez também sua própria régua procure comparálas e discutir os critérios de cada uma E possível que o que uma régua considere democrático a outra não considere Qual é a certa 3 Os Estados Unidos são uma democracia A Rússia é uma democracia O Brasil é uma democracia O Corinthians e o Flamengo são democracias A Igreja Católica é uma democracia 4 A Xaxulândia é um Estado cuja população se compõe de dois grupos nacionais distintos os xás e os xus que falam línguas um pouco diferentes e cuja aparência física também é diferente Pela lei os xás e os xus têm os mesmos direitos inclusive quanto à ocupação de cargos públicos Contudo enquanto os xás podem candidatarse livremente os xus precisam passar primeiro por uma seleção destinada a verificar suas qualificações intelectuais morais cívicas etc Depois de passarem os xus são tratados de maneira exatamente igual à dos xás na ocupação de cargos públicos Comente isso até mesmo inventando se quiser uma história para a Xaxulândia 5 Num certo Estado existem três Poderes separados e independentes com o rei exercendo o Executivo Um dia o rei delibera fechar um parque antes público para seu uso Os prejudicados recorrem ao Judiciário que pode resolver a questão sem consultar o rei Mas o rei telefona para o presidente do Tribunal e diz Olhe aqui se vocês decidirem contra mim não posso fazer nada porque estamos numa democracia Mas se vocês decidirem contra mim nunca mais convido ninguém do Judiciário para funções oficiais congelo a liberação de verbas para o pagamento de seus salários nomeio juizes que sejam seus inimigos e não me responsabilizo pela reação dos meus militares Comente 6 Num certo Estado o Poder Judiciário é exercido por parlamentares influentes escolhidos por votos de seus pares Um dia o Poder Judiciário se vê diante de um caso que se julgado de acordo com a letra da lei prejudicará os interesses dos parlamentares Um dos juizes propõe então que se mude a letra da lei para que a solução do caso seja diferente Você está maluco dizem os outros juizes Isto pode ser feito mas se for feito como poderemos encarar a imprensa e o povo Isto não se faz Comente 7 Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido diz nossa Constituição Contudo depois de um movimento que consegue a adesão da maior parte dos cidadãos o povo exige uma certa tomada de posição que não convém ao governo naquele momento O governo diz que não pode atender ao que o povo pede inclusive porque o povo é representado pelos deputados os quais depois de muita discussão e confusão concluem que não vão endossar a reivindicação do povo E mais ainda quem insistir naquilo será considerado subversivo Comente 8 Você é livre para fazer o que quiser diz um sujeito para outro que se queixa de que o bairro onde ambos moram está ficando cada vez mais insuportável para morar devido à criminalidade e à poluição Eu mesmo vou me mudar amanhã E vai embora para a nova casa que comprou mas seu vizinho não pode fazer o mesmo porque não tem condição econômica para mudarse Comente 9 Comente Aqui todo mundo tem liberdade e oportunidade mas não tenho culpa se algumas pessoas são ignorantes maleducadas negras e sem juízo e se pagam um preço por isso 10 Ditaduras A linha limítrofe entre as democracias e as ditaduras é muito imprecisa até porque como já vimos a maior parte dos Estados tende a autodenominarse democrático ou pelo menos declararse a caminho da democracia Dificilmente o governante autocrata de um regime ditatorial chama a si mesmo de ditador ou permite que o chamem assim Contudo se voltarmos à idéia de uma escala medidora de democracias podemos imaginar que se do lado direito lado direito aqui não tem nada a ver com esquerda e direita políticas da escala estaria a democracia integral à medida que nos formos aproximando do lado esquerdo estaremos cada vez mais próximos da ditadura Para o lado direito progressivamente vamos encontrando mecanismos de participação popular de controle dos governantes de garantias e liberdades individuais e assim por diante Para o lado esquerdo esses aspectos vão desaparecendo e dando lugar a outros tais como a concentração de atribuições numa só pessoa ou numa só instituição a ausência de liberdade de opinião e pensamento a hegemonia absoluta do Estado e assim por diante De modo geral portanto podemos dizer que a ditadura se caracteriza não só pela sua visível unilateralidade as decisões vêm de cima para baixo e são impostas aos governados como pelo fechamento do processo decisório público Não é necessário que haja a figura de um só ditador para que um sistema desse tipo se caracterize pois a ditadura está na própria natureza do regime independentemente de quem se encontre no comando em determinado instante De novo aqueles indícios que foram estudados como auxiliares para diagnosticarmos uma democracia no capítulo anterior podem ser empregados observadas as mesmas restrições para as ditaduras não sendo necessário repetilos Como a ditadura por índole não admite contestação o caráter repressivo desse tipo de sistema é óbvio Suas leis são habitualmente muito severas quanto à dissidência e o crime mais sério é o de contestar o Estado de alguma forma o que pode ser rotulado de alta traição ou subversão embora muitas vezes se trate de um ato rotineiro em países democráticos e perfeitamente louvável em termos éticos humanos ou morais Já que o controle geral da informação ou seja daquilo que é dado conhecer aos cidadãos está nas mãos do Estado essa atividade repressiva se torna ainda mais fácil sendo também complementada por mecanismos de persuasão pressão e propaganda Os Estados totalitários vão mais além estendendo suas malhas sobre toda a vida do cidadão organizando sua estrutura familiar dirigindolhe estritamente a educação e a formação intelectual orientando suas atividades de trabalho e lazer criando formas de servir e desenvolver a ideologia oficial e assim por diante Não se deve pensar de forma simplista sobre as ditaduras achando que o povo submetido a ela estará sempre revoltado e pronto para na primeira oportunidade derrubála Se fosse assim não haveria fortes movimentos populares em favor da restauração da ditadura em países que se redemocratizaram Isto se deve a uma série de fatores que podemos englobar sob a designação geral de legitimação das ditaduras isto é mecanismos através dos quais ela adquire raízes entre o povo e passa mesmo a receber apoio decidido de grande parte dele Em primeiro lugar a preferência pela democracia não é tão universal quanto gostaríamos de supor Há mesmo povos que em vários momentos de sua história se inclinaram pelos chamados governos fortes porque viram neles uma tábua de salvação para evitar a instabilidade e a insegurança Isto de certa maneira ocorreu na Alemanha em fins da década de 1920 e durante a década de 1930 com a ascensão do nazismo que eclodiu em momento de grande inquietação social econômica e política A liberdade passa a ser vista em casos como esse como um valor bastante secundário diante de outros considerados mais prementes Além disso para certos temperamentos políticos e certas maneiras de pensar a democracia é um sistema excessivamente imperfeito trabalhoso prejudicial ao bom andamento da administração pública Afinal de que é que o povo entende O povo de modo geral é ignorante preguiçoso sem visão histórica busca apenas vantagens individuais quando pode Portanto o governo deve ser deixado às elites pois elas são mesmo melhores do que o comum dos mortais e sabem perfeitamente o que estão fazendo Se sabem para que deixar que uma porção de deputados parlamentares em geral líderes populares representantes de bairros ou categorias e gente assim fique metendo a colher e atrapalhando decisões que está na cara que são acertadas Por que permitir a dissidência que só vai render perturbações da ordem impedindo o caminho do país para o progresso e a estabilidade Algumas pessoas são de fato melhores do que as outras em todos os sentidos e a esses melhores devem ser entregues os destinos coletivos Para não falar em grandes homens que encarnam em si as aspirações populares Ao povo dêse comida casa e diversão na medida do possível que estaremos em paz Infelizmente esta maneira de ver as coisas que não resiste a uma discussão minimamente esclarecida é com freqüência legitimada por aqueles a quem mais prejudica ou seja os oprimidos que não percebem a total abdicação da dignidade humana por parte de quem prefere ser tratado quase como um animal de criação ou de estimação sem direito a aspirar à autonomia de pensamento desejando apenas ser alimentado confortavelmente e agradado de vez em quando pois em troca disto está disposto a servir e colaborar A feia realidade da ditadura é que mais cedo ou mais tarde pois não existem grandes homens naquele sentido quase sobrenatural ela se desmascara como o meio pelo qual um grupo preserva seus privilégios e sua dominação e utiliza o Estado para seus próprios objetivos fazendo do povo somente massa de manobra Se assim não fosse é claro que as ditaduras não cairiam mais cedo ou mais tarde vítimas dessas e de outras contradições e a contradição principal é entre o que ela é e o que ela diz que é A ditadura também se legitima através da exploração dos potenciais mais mesquinhos ou mais vulneráveis do ser humano daquilo que ele tem de mais suscetível à pressão Como alternativa para a ditadura ela oferece o medo ela desenvolve o medo nos cidadãos medo de que o futuro não seja tão previsível quanto sob um regime forte medo da mudança medo dos fantasmas que surgiriam quando a proteção fosse suspensa medo de assumir a responsabilidade pelo próprio destino Há muitas maneiras de explorar esses medos muitas capas sob as quais a exploração se esconde várias delas tão eficazes que nem se percebe o que está por baixo E existem também estímulos positivos nas ditaduras em contraposição aos estímulos negativos baseados no medo e na insegurança cujo espectro é sempre agitado diante do povo Esses estímulos positivos são criados através da falsificação da história e da elaboração de uma verdadeira mitologia Por exemplo um povo pode ser convencido e tornarse envaidecido e entusiástico de que é superior aos outros de que sua raça e cultura são os píncaros mais altos já atingidos pela humanidade O ditador porque lidera aquele povo é a suprema encarnação dessa superioridade Além disso sua figura é mostrada como superhumana ele não pensa em si só pensa no seu povo está acima das fraquezas humanas é capaz de trabalhar como ninguém trabalha é mais inteligente e hábil do que qualquer outro tem força magnética no olhar tem memória fotográfica tem cultura enciclopédica tem carisma é duro porém bondoso é um verdadeiro pai para seu povo sua coragem é inexcedível entregou sua vida à pátria e uma série de outras baboseiras do mesmo quilate que hipertrofiam o inegável talento de um homem que chegou à posição dele e disfarçam o fato de que ele e sua camarilha mandam e os outros obedecem até a morte não se permitindo a menor transgressão à ordem estabelecida A história é falsificada ou distorcida para provar os fundamentos teóricos do sistema ou até para justificar atrocidades e perseguições Demonstrase com uma série de argumentos tendenciosos que as grandes civilizações entraram em decadência ou caíram quando permitiram que não houvesse mais governos fortes ou quando traíram seus grandes homens Em conseqüência o mesmo destino sombrio ameaça o povo se não houver um governo forte Provase que a característica mais importante um dos valores mais altos de um povo é a disciplina pseudônimo de obediência cega que sem disciplina estrita nada pode ser feito Mostrase como a participação de todos nas decisões é na realidade um sintoma de fraqueza constituindose ao mesmo tempo em causa da fraqueza pois afinal as grandes potências caem quando se permite à ralé alguma voz Exaltase a humildade leiase subserviência o trabalho duro do campo e da fábrica pois na verdade os ditadores são gente simples que não fossem seus deveres para com o país prefeririam estar nos campos e nas fábricas em vez de em seus palácios entregando suas vidas abnegadamente à grandeza nacional Dáse mais valor ao esporte e ao vigor físico do que ao vigor intelectual pois a tarefa de pensar cabe à elite que entrega ao povo tudo já pensado e digerido sem o perigo das distorções advindas do pensamento independente As religiões são deturpadas usadas apenas naquilo em que fortalecem o regime execradas naquilo em que por essência o contestam E por aí vamos num rosário conhecido e com variações aqui e ali presente em todas as ditaduras Há casos também como aconteceu em grande parte da América Latina em que as ditaduras não eram tão desenvolvidas Não era necessário que assim fosse dado o atraso e miséria dos países em que se implantavam Aí a opressão apresentava uma cara ainda mais cruel entre o analfabetismo a doença a privação e a fome contrastada com a extraordinária opulência de alguns poucos Alguns Estados da América Central eram até bem pouco tempo verdadeiras fazendas particulares em que poucas famílias e seus aderentes e asseclas dominavam toda a economia e a maior parte do povo permanecia em servidão pobreza e falta de horizontes Ao contrário de demonstrar que as ditaduras têm naturezas diversas entre si isto mostra que são da mesma natureza Apenas em contextos desenvolvidos elas necessitam de um aparato mais sofisticado Onde não existe tal necessidade ela aparece de pronto tal como é a dominação implacável de alguns homens sobre muitos outros dos valores mais vis da vida humana sobre os mais nobres da exploração e espoliação sobre a convivência ética e construtiva 1 Num país qualquer um homem pobre vivia na propriedade de um homem rico Trabalhando o dia inteiro em troca de algumas propinas de um quarto para morar de roupas e sapatos usados e de outras demonstrações eventuais de generosidade por parte do proprietário esse homem devido a alterações políticas em seu país teve que empregarse pois o novo sistema não mais permitia a situação em que vivia Assim foi obrigado a procurar trabalho remunerado fixamente a construir sua casa a assumir enfim sua própria vida Esse homem hoje se queixa de que preferia o sistema antigo pois o patrão era bom e cuidava de tudo Isto significa que o antigo sistema era realmente melhor 2 É insuportável a ousadia dessa gentinha depois que instalaram a democracia não há mais respeito não há mais bons empregados Comente criando se quiser os detalhes que parecerem necessários 3 Um determinado país é governado por uma junta permanente composta de 12 membros vitalícios que tem a última palavra sobre todas as questões públicas podendo inclusive alterar leis e sentenças judiciais Entretanto a junta alega que seu regime não é uma ditadura já que ela é um órgão colegiado que decide por maioria de votos e é representativo dos diversos setores da nação Comente 4 Sabendo o que você sabe sobre ditaduras você poderia tentar classificálas de alguma forma ou seja listar tipos de ditadura 5 Quando a democracia está ameaçada o remédio é mais democracia Comente ou discorde 6 O fato inegável de que algumas pessoas são mais bem dotadas do que outras justifica as ditaduras 7 Qual é mais importante a segurança ou a liberdade Uma coisa lhe parece incompatível com a outra 8 Dizse que na Itália do tempo de Mussolini não havia liberdade mas os trens andavam no horário Que é que você acha disso 9 Você acredita na possibilidade de uma ditadura benevolente 11 Governo e Constituição Os Estados contemporâneos democráticos ou não costumam ser constitucionais isto é estão submetidos a uma lei que se sobrepõe a todas as outras e em cujo arcabouço geral a ordem jurídica se inscreve chamada normalmente de Constituição Não é necessário que a Constituição seja escrita ou esteja corporificada num documento único O que interessa é a existência de um conjunto de normas até mesmo costumeiras que subordinem todas as outras configurando também princípios gerais a que as outras hão forçosamente de conformarse Neste sentido nos países democráticos a Constituição é o verdadeiro pacto nacional ou seja o conjunto de normas sob as quais o país escolheu viver O estudo das Constituições é o objeto de um vastíssimo ramo do direito o direito constitucional de enorme complexidade Dentro dele abrese espaço para o exame de questões muito importantes até de conteúdo filosófico que um manual deste tipo não pode enfocar dado seu caráter prático e elementar Mas deve ser lembrado que poucos dos assuntos tratados aqui ficam mais empobrecidos com a simplificação do que este o que significa para quem tem maior interesse por ele a necessidade imperiosa de informação adicional na vasta bibliografia disponível Fisicamente uma Constituição como a brasileira é para a maioria das pessoas um documento intimidador de leitura difícil ou quase impossível Isso se deve além é claro de se tratar de matéria cujo perfeito entendimento requer qualificação especializada à linguagem necessariamente impessoal comum a toda lei e à arrumação técnica dos diversos dispositivos Não é indispensável que o texto constitucional seja estruturado da forma consagrada na técnica legislativa brasileira A Constituição poderia ter redação e estrutura diversas e portanto não se deve manter a impressão de que ela é uma coisa cheia de artigos e parágrafos Devese atentar sim no seu conteúdo e no seu significado De qualquer maneira não custa para ajudar a que se perca o medo de enfrentar um texto constitucional esclarecer como as Constituições brasileiras costumam ser fisicamente estruturadas As primeiras palavras da Constituição são o preâmbulo uma declaração curta que normalmente se refere à fonte de que emana a lei constitucional a Constituição vigente no Brasil menciona também a proteção de Deus Em seguida o texto vai dividido em títulos muito genéricos e abrangentes Os títulos por sua vez dividemse em capítulos e os capítulos podem dividirse em seções Os capítulos ou seções são compostos de artigos os quais também podem conter parágrafos indicados quando mais de um pelo símbolo seguido do ordinal correspondente quando só há um parágrafo o costume é escrever parágrafo único por extenso Em caso de enumeração dois recursos são usados O mais abrangente se denomina inciso e é representado por um numerai romano as seções capítulos e títulos também são mas o exame do texto mostrará que não há possibilidade de confusão O mais pormenorizado se chama alínea e é designado por uma letra minúscula em ordem alfabética A Constituição emana por definição do Poder Constituinte Tratandose de poder tão alto na pirâmide da ordem jurídica que plasmará por assim dizer toda a índole do Estado seguese a inferência de que o Poder Constituinte é inerente a quem detém a soberania Se no Brasil adotamos como princípio universal a soberania popular reside então no povo o Poder Constituinte Seria legítima por conseguinte a Constituição que fosse o resultado do exercício concreto dessa soberania através dos mecanismos de representação e participação reconhecidos E como se sabe pelo estudo de nossa história este não costuma ser o caso do Brasil que já teve diversas Constituições As Constituições podem ser de dois tipos a promulgadas quando foram votadas por uma assembléia eleita para este fim e b outorgadas quando são escritas por um ou mais juristas e impostas ao país pelo governante Nossa primeira Constituição outorgada no Primeiro Império em 1824 deveria ter sido fruto do trabalho de uma Assembléia Constituinte com representantes das então 17 províncias brasileiras Isto não quer dizer que resultaria de um processo democrático como o entendemos hoje porque se tratava de representantes de oligarquias eleitos indiretamente a que a grande massa do povo não tinha acesso até mesmo porque vivíamos em pleno regime escravocrata De qualquer forma a discussão é acadêmica porque d Pedro I dissolveu a Assembléia Constituinte e outorgou sua própria Constituição ao país cujo regime ficou definido como monárquico hereditário e constitucional representativo Inviolável e sagrado o imperador exercia ainda o Poder Moderador figura hoje inexistente que lhe conferia enorme gama de prerrogativas e atribuições tornadas mais significativas pelo fato de que cabia a ele também a chefia do Poder Executivo São ainda características interessantes da Constituição de 1824 a Câmara dos Deputados era composta por representantes eleitos para um mandato temporário e o Senado era vitalício com seus membros nomeados pelo imperador a partir de listas tríplices de eleitos a renda mínima para que se pudesse ser eleito deputado era de 200 milréis anuais líquidos e para senador 800 milréis as eleições eram indiretas e os trabalhadores não votavam pois não possuíam a renda mínima necessária para serem eleitores por isso se diz que a eleição era censitária isto é só podia ser eleitor quem possuísse uma determinada renda para ser eleito já vimos acima a renda mínima os analfabetos podiam votar porque a maioria dos proprietários rurais não era alfabetizada a religião oficial era a Católica Apostólica Romana cabendo ao imperador a nomeação dos bispos As Constituições republicanas se sucederam a partir de 1891 com a promulgação da primeira largamente inspirada em sua equivalente americana e fruto inicialmente do trabalho de uma comissão de juristas o chamado anteprojeto O projeto que resultou desse trabalho foi promulgado por decreto sujeito à aprovação de um Congresso Constituinte o que terminou por acontecer depois de um processo tumultuado Novamente a participação popular na elaboração da Constituição foi mínima As mudanças na ordem jurídica contudo foram bastante amplas a começar é claro pela extinção da monarquia e do Poder Moderador Instituiuse o sufrágio universal isto é o direito de voto para todos os cidadãos do sexo masculino maiores de 21 anos sem distinção de renda mas os analfabetos perderam o direito ao voto o mandato dos senadores se tornou temporário nove anos enquanto o dos deputados se fixou em três anos eleitos pelo voto distrital misto nos próximos capítulos examinaremos melhor isto adotouse a forma de Estado federativo que também veremos adiante com vinte estados e um distrito federal instituiuse a eleição direta em todos os níveis inclusive para presidente da República a Igreja Católica deixou de ser oficial criaramse garantias individuais amplas tais como o habeas corpus a liberdade de opinião e de imprensa o direito de reunião o sigilo de correspondência etc Contudo esses avanços padeceram ainda como padeceriam outros que viriam a seguir de um distanciamento entre a lei e a realidade o fenômeno conhecido pelos brasileiros da lei que não cola pois até hoje muitos dos princípios consagrados na Constituição de 1891 continuam a vigorar mas apenas no papel Depois da Revolução de 1930 em período muito conturbado da vida brasileira uma Assembléia Constituinte elabora e promulga em 1934 uma nova Constituição que também representou algumas mudanças tais como a extensão do direito de voto às mulheres e certos benefícios para os trabalhadores entre os quais salário mínimo férias remuneradas e indenização por demissão sem justa causa A Constituição de 1934 entretanto teve vida curta Em 10 de novembro de 1937 depois de um golpe que fechou o Congresso o Brasil recebia nova Constituição desta feita outorgada e de cunho declaradamente autoritário O presidente da República leiase ditador recebeu poderes amplíssimos desde a decretação a seu arbítrio de estado de emergência nacional com a conseqüente suspensão das liberdades públicas até a nomeação de interventores para os estados Quanto aos trabalhadores preservaramse as conquistas trabalhistas de cunho paternalista e se cerceou a liberdade sindical abolindose até mesmo o direito de greve Esse período conhecido como Estado Novo abrangeu uma ditadura opressiva e mesmo sanguinária cujo fim só chegou com o golpe de 29 de outubro de 1945 que depôs o ditador e promoveu eleições diretas para a Presidência da República e para uma Assembléia Constituinte Podese afirmar que na formação dessa Assembléia Constituinte o grau de participação popular foi bem maior que nos casos precedentes embora longe de ser tão significativo quanto devia O alto número de analfabetos as dificuldades burocráticas para votar a existência de currais eleitorais e fraudes generalizadas contribuíram de modo decisivo para tornar essa participação comparativamente reduzida A Constituição de 1946 é conhecida como liberal e muitos de seus dispositivos de feitio progressista e alicerçados em princípios avançados nunca passaram de letra morta Mas não chega a ser injusto dizerse que ela foi a mais democrática que tivemos como freqüentemente se alega A essa Constituição seguiuse a situação criada a partir de 1964 Instalado no poder o governo militar inicialmente baixou instrumentos denominados atos institucionais de que continuou a dispor mesmo depois de ter promulgado sua Constituição Ao declarar se vitorioso o movimento de 1964 em suas próprias palavras investiuse do Poder Constituinte Alicerçado nessa autoinvestidura que na verdade usurpou a soberania popular ele exerceu esse Poder Constituinte de início através dos atos institucionais Seguiramse convivendo ainda com os atos institucionais a Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969 tão extensa e restritiva que é considerada por muitos uma outra Constituição Em 1979 foram feitas novas alterações constitucionais inclusive com a revogação dos atos institucionais no que conflitassem com a Constituição Com o advento da chamada Nova República o Brasil convocou uma Assembléia Constituinte para elaborar a nova Constituição a partir de um anteprojeto preparado por uma comissão de notáveis indicada pelo Ministério da Justiça O crescente grau de conscientização política da população canalizado em grande parte por entidades associativas dos tipos mais variados aumentou muito o interesse popular pela Constituição Contudo uma conseqüência desse interesse em torno da Constituição foi a hipertrofia de sua imagem pública Pretendeuse incluir no texto constitucional uma gama de dispositivos excessivamente específicos como se do texto dependesse o atendimento direto de todo tipo de reivindicação ou aspiração Paralelamente atribuiuse à Constituição um poder que por certo nenhum texto legal consegue ter ou seja resolver todos os problemas da sociedade Por isso a chamada Constituição cidadã como passou a ser conhecida a Constituição de 88 listou mais direitos que deveres atendeu a reivindicações setoriais e regionais e de certa forma engessou o desenvolvimento brasileiro Por isso mesmo começou a ser reformada já em 1993 num processo que ainda está longe de seu fim Desprezando o trabalho da Comissão Arinos como se chamou a comissão de notáveis que redigiu o anteprojeto os constituintes votaram uma Constituição muito extensa composta de 245 artigos e mais setenta de disposições transitórias As grandes novidades da Constituição de 1988 comparada às anteriores tratam da extensão do sufrágio universal da participação popular no processo legislativo e da possibilidade de edição de medidas provisórias com força de lei pelo presidente da República A Constituição estendeu os limites do sufrágio universal tornando facultativo o voto dos analfabetos jovens entre 16 e 18 anos e idosos maiores de setenta anos Quanto à participação popular até 1988 as Constituições brasileiras contemplavam a representação mas não a participação Na representação o cidadão abre mão de sua capacidade de participar do processo legislativo em nome de alguém que o representa através do voto Já a participação é direta através de plebiscitos referendos e iniciativa popular O plebiscito é uma consulta popular sobre uma medida a ser tomada O referendo é uma consulta popular sobre alguma medida que já foi tomada Por exemplo fazse uma lei e esta é submetida à população que referenda ou não o seu texto Estas duas formas de participação popular servem para consultar a população sobre questões que não são partidárias mas da sociedade como um todo Aborto divórcio determinado tipo de imposto etc são temas típicos de consulta popular No caso brasileiro o plebiscito de 1961 para saber se a população queria continuar com o sistema parlamentarista foi um caso típico de referendo embora tenha ficado conhecido como plebiscito Já o plebiscito de 1993 sobre a forma de governo monarquia ou república e o sistema parlamentarismo ou presidencialismo a serem adotados no país foi chamado corretamente de plebiscito A iniciativa popular foi inspirada na Constituição americana Se um grupo de cidadãos quiser enviar um projeto de lei à Câmara dos Deputados poderá fazêlo sem a intermediação dos partidos políticos mas o processo não é simples o projeto de lei deve ser subscrito por no mínimo 1 do eleitorado nacional distribuído por pelo menos cinco estados com não menos de 310 dos eleitores de cada um deles Finalmente há o caso das medidas provisórias inspirado na Constituição italiana parlamentarista Com este mecanismo colocou se enorme poder nas mãos do presidente da República pois este em caso de relevância e urgência pode adotar medidas provisórias com força de lei devendo submetêlas de imediato ao Congresso Nacional Estas medidas devem ser convertidas em lei no prazo máximo de trinta dias caso contrário perdem a eficácia Mas o Poder Executivo pode reeditálas o que tem feito reiteradamente Até agora as tentativas de se limitar o número e o prazo de validade das MPs não têm obtido êxito Na verdade a existência de uma Constituição por melhor que ela seja não quer por si dizer muita coisa É uma piada corrente afirmar que se Constituição resolvesse alguma coisa a Bolívia que já teve dezenas de Constituições seria mais desenvolvida que a Suécia Enquanto os Estados Unidos país desenvolvido e democrático estão em sua primeira e única Constituição a França igualmente desenvolvida e democrática está em sua trigésima Constituição A Constituição é apenas um marco referencial um arcabouço genérico uma definição de princípios abrangentes Cabe à lei ordinária reger as questões do diaadia dentro desse arcabouço e cabe à sociedade promover os meios para cumprir os ideais corporificados no texto constitucional Uma Constituição não existe no vácuo mas em funcionamento E só funcionará se além de legítima for um texto suficientemente genérico e econômico as Constituições muito longas e detalhadas costumam historicamente ter vida curta o que não é de surpreender para acomodar o pluralismo que se pretende numa sociedade democrática e para ter o grau de flexibilidade necessário à sua sobrevivência diante de futuras alterações da realidade 1 Você acha que é possível haver um Estado democrático sem Constituição 2 Dê uma olhada em alguns textos constitucionais não só do Brasil mas de outros países Depois disso você acha que conceberia uma estrutura formal para a Constituição brasileira melhor do que a atualmente adotada 3 Imagine que você é uma espécie de reformador constitucional e escolha um dispositivo artigo seção ou capítulo da Constituição para mudálo dandolhe o conteúdo e a redação que achar melhor 4 Na sua opinião o Poder Constituinte deve residir mesmo no povo ou estaria melhor se conferido a um grupo especialmente preparado para a tarefa 5 Experimente dar uma idéia do que você entende por uma Constituição legítima 6 Você acha necessário que a Constituição brasileira contenha dispositivos mencionando especificamente os problemas da mulher do negro do índio e de outras categorias discriminadas Em caso afirmativo por quê 12 Escolha de governantes Até nas ditaduras os governantes não são eternos Há sempre portanto um processo de escolha de governantes mesmo que esta escolha seja imposta ao povo Alguns governantes como sabemos são escolhidos por hereditariedade através do estabelecimento de uma linha sucessória que pode variar de contexto para contexto Esse processo como também sabemos tem diminuído consideravelmente de importância nos dias de hoje não só porque é típico das monarquias e há poucas monarquias atualmente como porque os monarcas do nosso tempo atuam em geral em regimes parlamentaristas o que significa que o verdadeiro pólo decisório é o Parlamento do qual são membros o primeiroministro ou premier e seu gabinete o conjunto dos outros ministros Há ainda mas quase como uma relíquia assembléias escolhidas por hereditariedade como é o caso da Câmara dos Lordes na Inglaterra cuja importância também vem diminuindo a cada dia e cuja extinção é abertamente contemplada por boa parte da opinião pública Em Estados onde a religião não é separada da órbita política existem processos de escolha mais ou menos autocráticos em que a seleção se faz através da qualificação religiosa de alguns governantes como é em parte o caso do Irã atual Existem enfim os casos em que os governantes são escolhidos pela força ou seja são impostos Isto acontece em primeiro lugar nos Estados conquistados militarmente ou nos que permanecem como colônias pois se nesta última hipótese a força não é empregada de modo rotineiro ela está na raiz do processo e da manutenção do sistema Pela força igualmente é a escolha dos governantes operada através do que se costuma chamar de golpe de Estado Nos golpes de Estado o processo institucionalizado é interrompido violentamente seja durante a escolha do sucessor do governante que está ocupando o cargo seja depois que a escolha já está feita Não é necessário evidentemente que o golpe de Estado seja dado por alguém que não o próprio governante pois pode muito bem ocorrer como ocorreu no Brasil por ocasião da ditadura de Getúlio Vargas que o governante decida romper os limites estabelecidos pelas instituições e prolongar sua permanência no cargo ou perpetuála para isso concentrando em si a maior fatia possível de poder Contudo o mais comum é que o golpe seja dado por facções descontentes com a situação e com as possibilidades institucionais de que ela se venha a modificar como estas facções desejam O golpe de Estado é portanto a tomada violenta do poder por elementos internos ao país Esta violência pode assumir diversos graus chegando com freqüência à execução ou banimento dos governantes depostos Há Estados de grande instabilidade política onde a ocorrência de golpes é praticamente rotineira como tem acontecido em muitos países da América Latina Tecnicamente há um golpe toda vez que o processo institucional é quebrado de maneira violenta mesmo que a intenção dos golpistas seja preservar esse processo é o chamado golpe preventivo que aconteceu em 1955 no Brasil antes da posse do presidente Juscelino Kubitschek quando os golpistas tinham razões para crer que havia um esquema montado para impedir a posse do eleito e tomaram o poder temporariamente a fim de garantir a posse o que de fato se deu É comum que muitos golpes de Estado se intitulem a si mesmos de revolução A linha demarcatória entre a revolução e o golpe de Estado pode não ser muito clara mas de modo geral o que caracteriza as revoluções são alterações muito mais profundas do que as criadas por um golpe O golpe limitase a algumas mudanças de composição do quadro de governantes e à interferência no funcionamento normal das instituições violentadas Não existem com ele alterações sociais profundas A Revolução Russa de 1917 por exemplo foi realmente uma revolução porque modificou profundamente a sociedade e a economia onde ocorreu Da mesma forma podese falar de uma Revolução Americana e de uma Revolução Francesa ambos casos historicamente conhecidos e definidos Não há entretanto conceitos rígidos e é comum que simples golpes de Estado simples mexidas mais ou menos turbulentas dentro do mesmo esquema dominante apresentemse insistentemente como verdadeiras revoluções cabendo ao observador julgar se terá havido de fato alguma mudança fundamental Cabe também apontar a especificidade de outros processos de escolha que podemos chamar de seleção interna Acontece essa seleção interna por exemplo no Vaticano pois o papa não é só um líder religioso mas também um chefe de Estado um governante Sua sucessão é realizada através de mecanismos internos da Igreja Católica de uma forma razoavelmente conhecida por todos nós Claro que o tipo de escolha de governantes do Vaticano não esgota as possibilidades da seleção interna que existe muitas vezes disfarçada em outros contextos De certa maneira o México vem escolhendo seus presidentes através desse processo Há eleições gerais mas tem sido tal a dominância de um partido político Partido Revolucionário Institucional PRI que a escolha de seu candidato equivale para todos os efeitos à escolha daquele que será inevitavelmente eleito Recentemente o México vem dando mostras de que deseja alterar a situação com a oposição conseguindo alguns avanços Mas ainda é muito cedo para se afirmar que a escolha de seus presidentes passará a ser por uma eleição realmente democrática com igualdade de oportunidades para todos os candidatos Obviamente certos tipos de ditadura também realizam sua sucessão pelo processo de seleção interna quando o ditador e seu círculo de influência preparam seus sucessores Com diferenças entre si mais ou menos importantes e processos diversos para emprestar o que se alega ser legitimidade aos mecanismos empregados foi esse o caso do Haiti com a morte do ditador Papa Doc e a sucessão por seu filho o caso dos presidentes brasileiros nas duas décadas que se seguiram a 1964 dos dirigentes soviéticos dos presidentes argentinos antes da redemocratização e assim por diante Deixando de mencionar processos como sorteio que já teve grande importância por exemplo em certos Estados da Grécia antiga e outros de relevância marginal chegamos enfim ao sufrágio ou seja para simplificar ao modo de escolha através do voto Muitas pessoas identificam as eleições com democracia e com o predomínio da vontade da maioria mas isto não é bem assim como já tivemos idéia anteriormente e como vamos ver agora em detalhe De fato é muito difícil hoje haver democracia sem eleições pois as democracias contemporâneas de modo geral são representativas e essa representatividade se expressa através da indicação da vontade dos cidadãos qualificados para votar os eleitores Mas muita coisa depende da maneira pela qual essas eleições são equacionadas e organizadas a começar pela própria qualificação de candidatos e eleitores e a terminar pela maneira através da qual os votos são dados apurados e levados em conta para a escolha dos governantes grosso modo o que se chama sistema eleitoral É até perfeitamente possível que mesmo num sistema em que os votos sejam dados livremente e apurados sem fraudes e sem distorções mais evidentes a maioria se veja derrotada nas eleições ou seja acabe por eleger um número de representantes mais reduzido do que o da minoria Tratase de um capítulo extremamente intrincado da Política cuja análise exaustiva requereria uma verdadeira biblioteca especializada Mas isto é claro não impede que possamos ter uma idéia geral dos principais problemas envolvidos A primeira questão preliminar ao problema do sistema eleitoral é a da qualificação dos candidatos Intuitivamente seria de concluirse que todo aquele que tem o direito de votar tem o direito de elegerse Isto contudo não costuma ocorrer A depender do Estado onde se realizem as eleições o número de pessoas que podem candidatarse é sempre menor de uma forma ou de outra do que o número das que podem votar As razões para isto são inúmeras e as hipóteses possíveis quase sem limites Uma maneira simples de entender isto é lembrar os limites mínimos de idade para a ocupação de certos cargos de governantes como no Brasil senadores e presidentes da República cuja idade mínima é de 35 anos Como a idade mínima para votar é de 18 anos aos 16 anos o exercício do direito de voto já é facultativo é claro que o número de pessoas que podem candidatarse a esses cargos é de pronto inferior ao número das que podem votar Mas a idade não é o único fator limitativo As limitações à candidatura que somente às vezes se identificam com as limitações à capacidade legal de votar podem ser derivadas de raça nos Estados em que há uma raça dominante às vezes minoritária de sexo de religião de convicção ideológica de condição econômica de ocupação e assim por diante Por conseguinte o espelhamento da realidade que seria oferecido pela realização de eleições tem que começar a ser analisado a partir das limitações à candidatura Algumas vezes essas limitações podem ser superadas pela vontade do pretendente a candidato ato que entre nós é habitualmente chamado de desincompatibilização Assim em país que proíba a candidatura de militares da ativa os militares que desejem exercer cargos eletivos podem reformarse ou demitirse Em outros contextos os ocupantes de certos cargos de governante não podem candidatarse a certos outros ou candidatarse à própria sucessão Em muitos Estados algumas desincompatibilizações não são possíveis seja por motivos jurídicos seja por motivos digamos sociais Não é possível para um negro cidadão de um Estado racista deixar de ser negro e candidatarse quer o impedimento à candidatura esteja contido em lei quer seja do consenso do grupo étnico dominante Assim como não é possível em caso análogo que uma mulher deixe de ser mulher para candidatarse É possível por outro lado que um comunista impedido de candidatarse renuncie publicamente a suas convicções mas também não é improvável que ele mesmo assim enfrente problemas ou impedimentos Enfim o que se depreende de tudo isto é que a vontade popular não é inteiramente livre para a escolha dos governantes dadas essas limitações todas as quais aliás podem ser como são defendidas por argumentos de ordem diversa que cabe examinar quando apresentados Quanto aos eleitores as limitações ou restrições são também importantes Os Estados organizados de modo democrático costumam adotar o sufrágio universal Isto quer dizer que o direito de voto se estende universalmente a todos os cidadãos Contudo esta universalidade sofre limitações Distinguese habitualmente entre o sufrágio restrito aquele não estendido arbitrariamente a certas categorias de cidadãos como os negros do exemplo acima e o sufrágio universal limitado cuja conceituação é um pouco mais complicada porque o que alguns consideram meras limitações outros consideram restrições Certas limitações embora haja quem as discuta como tudo neste mundo são mais ou menos pacíficas como a que se dá por idade Já que a idade limita a capacidade do cidadão ou seja um jovem de 15 anos ainda não é um cidadão completo pois que depende da autoridade paterna é compreensível que ele não seja qualificado para votar também o que só se dará quando ele atingir a plena capacidade embora esta regra não seja universal inclusive no Brasil Mas há casos bem mais discutíveis Muitos países que nominalmente praticavam o sufrágio universal só recentemente permitiram o direito de voto às mulheres como a França por exemplo É claro que a negação do direito de voto às mulheres é uma grave restrição ao sufrágio mas era considerada apenas uma limitação à extensão do sufrágio universal No Brasil ao contrário da Índia o sufrágio só há pouco voltou a ser estendido aos analfabetos como o era já vimos aqui antes da proclamação da República Isto era no ver de muitos também uma séria restrição Como se vê é necessário que no exame dos processos de escolha de governantes também se examine com cuidado a existência dessas e outras limitações bem como de outros aspectos quase tão variados quanto permite a imaginação humana Já praticamente não se adotam nas democracias de hoje instituições como o voto censitário privilégio como já vimos dos que fossem capazes de provar certas condições econômicas podendo até mesmo haver um imposto de urna como havia até pouco tempo em alguns estados do sul dos Estados Unidos o sufrágio qualificado e o ponderado que não são rigorosamente a mesma coisa mas que em última análise atribuíam um peso especial aos votos de determinadas categorias de pessoas mais bem qualificadas por uma razão ou outra o sufrágio múltiplo e o sufrágio plural em que algumas pessoas podiam ter seu voto multiplicado ou votar na mesma eleição em várias circunscrições eleitorais e assim por diante embora possam encontrarse disfarçados debaixo de certas instituições Finalmente devem ser lembradas algumas condições en volvendo o exercício do sufrágio que afetam a liberdade na escolha dos governantes através de eleições Por exemplo para garantir a liberdade de cada eleitor no momento em que ele faz sua escolha instituiuse a prática do voto secreto Se o voto não fosse secreto e isto não acontece universalmente o eleitor estaria sujeito a pressões às quais talvez não tivesse condições de resistir Há também outra limitação a votarse em quem se quiser pois em quase todas as democracias do mundo mesmo se descontadas as limitações ou restrições à candidatura vistas atrás só os partidos políticos podem apresentar candidatos o que significa que quando os partidos são controlados por minorias e quando é difícil formar novos partidos muitos cidadãos não conseguem ter acesso concreto à candidatura embora legalmente qualificados em todos os outros aspectos Assinalese ainda que as eleições podem não ser diretas ou seja pode darse o caso em que a lei determine que os eleitores só podem votar em representantes os quais por sua vez escolhem os governantes Há vários subsistemas possíveis neste caso inclusive os que combinam eleições diretas para certos cargos com indiretas para outros É mais do que claro que as eleições indiretas afetam a representatividade da seleção já que a escolha de representantes envolve uma espécie de transferência ou delegação de soberania A soberania popular é delegada ao corpo de representantes que pode ser fiel à vontade dela ou não a depender das circunstâncias ou do tipo de instituições existentes Este problema de certa forma existe no sistema norte americano em que o presidente da República não é escolhido diretamente pelo sufrágio popular mas por um corpo de delegados a cujo cargo fica a eleição real Na esmagadora maioria dos casos os delegados votam de acordo com a vontade popular mas não são obrigados legalmente a isto e já aconteceram dois ou três episódios em que de fato o candidato vitorioso pelo voto popular foi derrotado na eleição realizada pelos delegados no colégio eleitoral Esta hipótese contudo tornase cada vez mais remota na realidade política atual dos Estados Unidos embora seja ainda perfeitamente legal Atualmente tramita no Congresso americano uma emenda constitucional acabando com o colégio eleitoral e transformando a eleição do presidente americano numa eleição realmente direta Cabe também lembrar que a existência de uma linha sucessória mesmo onde haja mecanismos para garantir a representação da vontade popular expressa por meio do sufrágio pode vir a mudar os governantes de forma não prevista pelos eleitores Por exemplo em muitos sistemas elegese um presidente da República e um vice presidente o segundo muitas vezes como uma mera conseqüência de alianças políticas feitas pelo primeiro pois ninguém espera que o vice venha a assumir o cargo E a linha sucessória além disso não pára aí No caso de morrerem num desastre tanto o presidente como o vicepresidente é claro que a escolha dos governantes a sucederemnos não será feita rigorosamente por escolha popular mas por força da linha sucessória institucionalizada No Brasil caso semelhante aconteceu com a morte inesperada de Tancredo Neves que já não tinha sido eleito pelo povo e a assunção ao poder de José Sarney pois entre nós a linha sucessória é a seguinte presidente vicepresidente presidente da Câmara dos Deputados presidente do Senado Federal e presidente do Supremo Tribunal Federal Mas o aspecto mais especializado da escolha dos governantes é a questão dos sistemas eleitorais que vamos ver no próximo capítulo 1 O movimento de 1964 no Brasil foi na sua opinião uma revolução 2 Um Estado desenvolvido enfrenta sérios problemas políticos com uma verdadeira guerra entre duas facções rivais Depois de algum tempo uma grande potência invade o país elimina os extremistas e estabelecendo um governo provisório explica à população Agora vocês elejam dentro desse sistema que estamos ensinando aqui a vocês os governantes que quiserem que nós lhes daremos posse e garantiremos o governo com nossas forças armadas Você acha que a escolha de governantes daí decorrente é por conquista ou não Se você conhece os casos recentes de El Salvador e do Afeganistão talvez seja interessante aplicar a pergunta a eles 3 Uma ditadura militar é derrubada por um golpe de Estado dado por outros militares Ao assumir o poder o novo governo declara que fez uma revolução porque não se permitirá mais que militares da ativa sejam governantes Tanto assim é acrescenta ele que de agora em diante todo militar que quiser assumir o poder terá que deixar a farda Fezse mesmo uma revolução 4 Um governo que tem como pontos básicos a reforma agrária a socialização dos bancos e a extinção gradual da livre iniciativa nas indústrias perde as eleições sucessórias para uma facção que não admite nenhum dos pontos básicos acima Antes do dia da posse dos novos governantes o governo ainda no poder anula tudo o que aconteceu Golpe diz a facção que ganhou as eleições Mentira Quem queria dar o golpe eram eles mudando tudo o que já estava estabelecido É golpe ou não é golpe 5 O presidente João Figueiredo foi escolhido por seleção interna ou por algum sistema eleitoral especial E o presidente Fernando Henrique Cardoso 6 O Vaticano é uma democracia 7 Aqui a eleição é absolutamente livre Os candidatos é que têm de passar por um exame prévio para que se verifique se têm condições de acordo com os melhores interesses do país Comente 8 E se em vez de candidatos estivesse escrito na pergunta acima eleitores 9 Um Estado resolve multiplicar o valor do voto de cada cidadão pelo número de filhos que ele tem Comente 10 O voto secreto é uma maneira de o sujeito escapar de sua responsabilidade social e até vender seu voto a vários candidatos diferentes Comente 11 Morre o presidente assume o vicepresidente No dia seguinte um general dá um golpe e diz que vai marcar novas eleições oportunamente no interesse público porque o povo não escolheu aquele presidente Comente 13 Sistemas eleitorais Basicamente existem dois tipos de sistema eleitoral o majoritário comumente chamado de voto distrital e o proporcional Estes dois sistemas pretendem responder à seguinte pergunta o que se quer como resultado de uma eleição Se o que se quer é uma eleição que gere maiorias preferese o voto distrital se o que se quer é que a eleição reflita a diversidade política econômica social e cultural existente numa sociedade preferese o voto proporcional O sistema majoritário é o que ocorre mais facilmente à imaginação e também o que parece à primeira vista mais justo racional e lógico pois o princípio que o orienta pode ser resumido de maneira bastante simples quem tem mais votos ganha Mas na prática a coisa não fica aí e há diversas complicações envolvidas algumas das quais vamos ver em seguida Antes contudo cabe lembrar dois modelos de escrutínio majoritário de aplicação muito difundida cujo entendimento nos será útil O sistema majoritário pode ser uninominal plurinominal ou por listas É uninominal quando se vota em um só nome para um só cargo É plurinominal quando se vota em mais de uma pessoa para o mesmo cargo por exemplo para duas vagas de senador É por listas quando se vota em vários nomes para um órgão qualquer composto de várias pessoas É o que chamamos de chapa nas eleições para grêmios centros acadêmicos sindicatos clubes e outras entidades A chapa por sua vez pode ser fechada ou aberta É aberta quando nomes de uma chapa podem ser combinados com nomes de outras chapas posso votar no candidato a presidente da chapa A no candidato a tesoureiro da chapa B e no candidato a secretário da chapa C Já na chapa fechada ou bloqueada o eleitor não pode compor sua própria chapa ou vota em bloco na chapa de sua escolha ou não vota em nenhuma O sistema majoritário apresenta uma desvantagem grave não permite que as minorias sejam representadas o que pode render problemas sérios Criando uma hipótese exagerada mas que serve de boa ilustração suponhamos que num país qualquer a chapa A ganha da chapa B por um milhão contra 999990 votos A diferença sendo somente de dez votos tornaria esse país muito difícil de governar com tão marcada diferença entre a realidade da opinião pública e a composição do governo Não seria justo nem prático que metade do país mandasse na outra metade a qual não teria voz alguma nos negócios públicos A metade sem representação poderia frustrarse e revoltarse Devese levar em consideração também a possibilidade teórica de que em tal sistema uma minoria relativamente pequena venha a governar a maioria traindose assim os objetivos do sistema majoritário Admitase por exemplo que concorram às eleições quatro listas disputando um total de quatro milhões de votos Se por exemplo a lista A ganhar com 1 milhão e 50 mil votos os votos das outras chapas evidentemente somarão quase o triplo dos da eleita Assim a minoria representada pela chapa A governaria a maioria representada pelas outras Ou seja basta obter a maioria simples dos votos para ganhar todos os cargos em disputa Por essas e outras razões o sistema majoritário tem que ser usado com grande cautela e em muitas circunstâncias é mesmo aconselhável que não seja empregado Não obstante podese pensar em listas abertas o que parece melhorar bastante a situação Mas somente parece porque a realidade é diferente Vamos supor um país em que houvesse cem vagas para o Parlamento e cada partido apresentasse sua lista de cem candidatos Isto quereria dizer que as áreas mais populosas do país seriam superrepresentadas e as menos populosas subrepresentadas ou até não representadas Se um sistema como este fosse adotado no Brasil por exemplo o Acre não teria deputados já que dificilmente um candidato acreano teria condições de reunir um número de votos maior do que o menos votado dos candidatos paulistas Além disso a depender das circunstâncias do país em questão as listas abertas poderiam ainda suscitar outro problema Caso houvesse um número muito grande de partidos não seria impossível que a composição do Parlamento ficasse tão fracionada entre dezenas de tendências que a obtenção do consenso ou mesmo de uma simples maioria numa votação poderia tornarse virtualmente impossível dificultando sobremaneira a ação do governo Em eleições para diretorias de entidades esse fenômeno é comum razão por que é quase universal a adoção de listas bloqueadas ou chapas fechadas eis que o funcionamento de um corpo dirigente composto por pessoas antagônicas e rivais conseqüência previsível das listas abertas será no mínimo tumultuado ou errático Muito bem então introduzamos um aperfeiçoamento Já que o Brasil é uma federação vamos dividir as listas pelos estados aproveitando a divisão política existente Neste caso haveria um conjunto de listas para cada estado conjunto este composto pelas listas individuais de cada partido concorrente Cada estado seria portanto uma circunscrição eleitoral Mas isto também requer refinamentos Em primeiro lugar se houvesse o mesmo número de deputados para cada estado a população do país como um todo estaria desigualmente representada Por exemplo havendo dez deputados para o Acre e dez para São Paulo é claro que o deputado paulista precisaria de muito mais votos para elegerse que o acreano já que o número de eleitores paulistas dividido por dez seria bem maior do que o número de eleitores acreanos dividido por dez O que quer dizer que um voto acreano valeria muito mais do que um voto paulista com evidentes e gravíssimas distorções na representação E de mais a mais onde o número de representantes é igual para todos os estados é o Senado porque o senador é um representante da federação Assim o Acre para ficarmos no exemplo tem os mesmos três senadores que São Paulo não importa a diferença populacional entre ambos Para evitar esses problemas países como a Inglaterra o Japão e os Estados Unidos por exemplo adotaram a idéia de distritos isto é pequenas circunscrições eleitorais com populações idealmente iguais Idealmente porque todos os países adotam uma certa compensação Nos Estados Unidos por exemplo é preciso compensar caso contrário estados como a Califórnia e Nova York ficariam superrepresentados e Nebraska e Arkansas ficariam subrepresentados Com a criação dos distritos o problema fica consideravelmente abrandado mas não deixam de existir problemas pois nenhum sistema eleitoral pode aspirar a ser livre de defeitos de maior ou menor gravidade Para começar é necessário uma constante vigilância quanto à composição populacional dos distritos Em alguns anos uma área densamente povoada pode passar a ter menos gente ou viceversa A autoridade eleitoral por conseguinte tem que exercer uma permanente fiscalização e providenciar a reformulação dos distritos toda vez que o censo demográfico indicar que houve alteração populacional significativa para cima ou para baixo Nos Estados Unidos por exemplo o que se faz é um processo de redistritamento nova divisão ao final de cada eleição isto é de dois em dois anos que é a duração dos mandatos dos deputados americanos Esta divisão é sempre realizada pela Assembléia Legislativa de cada um dos cinqüenta estados americanos Entretanto mesmo com a adoção dos distritos as minorias são subrepresentadas porque a tendência historicamente observável é de que o eleitorado se polarize em duas posições excluindo os chamados terceiros partidos Para ilustrar vamos supor que haja três distritos e três partidos No distrito 1 a votação para o partido A é de 2 mil para o B 1500 para o C 1200 no 2 para o A 1600 para o B 1700 e para o C também 1600 no 3 para o A novamente 2 mil para o B 1400 e para o C 1800 Como se vê aí o partido A fez dois deputados o B um e o C nenhum No entanto existem muitas pessoas que votaram no partido C mas que pelas circunstâncias do sistema não têm representação Além de com isso obterse um retrato falso da realidade com o tempo os eleitores se cansam de nunca conseguirem eleger ninguém e se aproximam do partido A ou B do que menos desgosta enfim Isto é efetivamente o que tem acontecido na maioria dos países que praticam o voto distrital onde terceiros partidos são inexpressivos engolidos pela lógica eleitoral bipartidária A existência de distritos se presta também a muitas manipulações pelo menos uma das quais deve ser sublinhada Imaginemos que num determinado país os trabalhadores votem maciçamente no partido A e os agricultores no partido B Vamos supor também que haja dois distritos contíguos num dos quais o partido A ganhe por margem folgada e no outro perca por uma margem muito pequena Se o partido A estiver no poder ele pode manipular as coisas dando uma das desculpas técnicas possíveis trocando um pedaço do território do distrito seguro onde morem trabalhadores votos certos para ele por um pedaço do distrito inseguro onde morem agricultores Basta rearranjar os limites geográficos com alguma imaginação e fazer as contas certas que o partido A em vez de ganhar num só distrito como antes passa a ganhar nos dois No primeiro dispensa apenas um pouco da folga que não chega a ser coberta pelo ingresso dos agricultores cuja saída de seu distrito original retira a pequena vantagem que lá possuía o distrito B assim como com a troca ainda chegam mais votos para o partido A Isto não é tão complicado quanto pode parecer e é também um dos aspectos mais interessantes do sistema majoritário por distritos Na França o presidente Charles de Gaulle promoveu em 1958 a divisão do país em distritos arranjados de forma tal que seu partido aumentou a votação de 4 em 1956 para 205 em 1958 enquanto os partidos de esquerda caíram de 563 em 1956 para 166 em 1958 Aliás na França pluripartidária vigora uma variante do sistema majoritário conhecida como de dois turnos Através desse sistema os candidatos precisam obter maioria absoluta metade mais um de todos os votos dados Se nenhum dos candidatos obtiver essa maioria fazse um segundo turno para o qual concorrem somente os dois primeiros colocados no turno anterior Isto é visto como um aperfeiçoamento em relação ao sistema majoritário simples porque não bloqueia a existência de terceiros ou quartos ou quintos partidos sendo portanto mais sensível ao perfil do eleitorado e mais flexível diante das alterações nas circunstâncias políticas Contudo não deixa de criar problemas especiais Um deles é que sob sua influência os partidos políticos tendem a convergir ideológica ou programaticamente Em primeiro lugar isto se deve a que a possibilidade de participação no segundo turno faz com que nenhum partido deseje alienar excessivamente os eleitores dos outros partidos Afinal os votos desses eleitores vão ser necessários caso seus partidos não concorram ao segundo turno Há portanto uma espécie de aproximação em direção ao centro uma espécie de repúdio a posições que poderiam ser consideradas extremas ou radicais Em segundo lugar e paralelamente é comum que sejam necessárias concessões e alianças com os partidos que sobraram no primeiro turno É como se um partido que sobrou dissesse a um dos dois que vão disputar o segundo turno Olhe eu não posso mais eleger meu candidato mas ainda tenho votos que são muito importantes Se você me prometer tal e tal coisa meus votos vão para você caso contrário vão para o outro E por fim a tendência centrista é efetivamente reforçada pelo sistema como podemos ver num raciocínio simplificado mas indicativo do que pode acontecer Supondo que haja um partido de esquerda um de direita e um de centro e o de direita sobre o que acontece No segundo turno os eleitores da direita vão preferir votar no centro para eles o menos ruim do que na esquerda Se sobrar o partido da esquerda a mesma coisa acontece invertida Já aí o centro conta com duas chances contra uma Se por outro lado sobrar o centro é claro que ambas as outras correntes vão procurar aproximarse dele como de certa forma procuravam antes só que sem a necessidade de concessões e alianças para ganhar seus eleitores O sistema de dois turnos introduz assim uma espécie de distorção embutida no processo político um propositado favorecimento do centro que pode ser muito útil para o Estado e para a obtenção de consensos mas permanece não obstante uma distorção Os problemas relacionados com a representação das minorias que como vimos podem ser bastante agudos sob qualquer tipo de sistema majoritário levaram à elaboração de novos esquemas destinados a superálos Foi esta a razão acrescida à extensão dos limites do sufrágio universal para o surgimento da representação proporcional sistema muito conhecido dos brasileiros pois a eleição de deputados federais e estaduais e vereadores é feita através dele No sistema de voto proporcional cada partido apresenta sua relação de candidatos e os eleitores ou votam em um candidato ou simplesmente no partido de sua escolha o chamado voto de legenda Existem três tipos de voto proporcional a por listas inteiramente abertas como é o caso do Brasil em que os eleitores votam no candidato ou no partido b por listas fechadas em que os partidos apresentam uma lista de candidatos e o eleitor vota nesta ou naquela lista partidária Ou seja só existe voto de legenda os candidatos serão eleitos por ordem de apresentação na lista e c a lista semilivre em que o eleitor pode compor sua própria lista retirando nomes de várias listas partidárias diferentes Vamos ver agora como se processa uma eleição sob o voto proporcional Em primeiro lugar é preciso conhecer os conceitos de quociente eleitoral e de número fixo essenciais para o funcionamento do sistema são expressões que designam o número necessário de votos para eleger um deputado Por exemplo no país X a legislação pode fixar este número em vamos dizer 10 mil Assim se o partido A tiver 150 mil votos elegerá 15 deputados por ordem de votação Este é o caminho para entendermos os tais votos de legenda Se por uma hipótese absurda o candidato mais votado do partido tiver 140 mil e os restantes 10 mil forem divididos pelos outros candidatos do mesmo partido o primeiro só vai precisar de 10 mil para sua eleição Os votos restantes passarão para os candidatos seguintes por ordem de votação É por isso que se diz no Brasil que um candidato muito votado é um puxador de votos para a legenda No entanto o Brasil utiliza um sistema ligeiramente diferente do número fixo que é o do quociente eleitoral que leva em conta as variações do número de habitantes e votantes do país em cada eleição Para se calcular o quociente eleitoral é indispensável em primeiro lugar que saibamos a quantos habitantes equivale um deputado Por exemplo a lei pode estabelecer que para cada 100 mil habitantes haverá um deputado Assim numa federação como a nossa o estadomembro que abrigue uma população de um milhão de habitantes terá direito a eleger dez deputados ou seja tem dez vagas a preencher na Câmara dos Deputados Procedese então à eleição Apurados os votos válidos que no caso brasileiro são os votos dados a candidatos individuais mais os dados só ao partido ficam de fora brancos e nulos dividese esse número de votos pelo número de vagas O resultado é o quociente eleitoral Tantas vezes esteja o quociente eleitoral contido na votação de cada partido tantos deputados ele elege até o limite de vagas é claro E por fim para concluir os cálculos dividese o número de votos que cada partido obteve valendo é claro os votos dados diretamente a seus candidatos e os votos dados somente à legenda pelo quociente eleitoral O resultado dessa operação recebe o nome de quociente partidário e vai indicar o número de deputados que o partido elegerá inicialmente também por ordem de votação Por exemplo no caso imaginado o partido teve 120 mil votos e o quociente eleitoral foi de 3 mil votos o quociente partidário é igual a 4 e portanto os quatro primeiros votados desse partido já estão eleitos A mesma operação é feita em relação aos votos obtidos por cada um dos partidos que concorreram excetuandose é claro aqueles que por acaso não tenham chegado a alcançar o quociente eleitoral Devemos por outro lado tornar a observar que não é necessário para que um candidato se eleja que sua votação individual alcance o quociente eleitoral Na verdade pode até ser muito inferior a depender dos votos da legenda Vamos imaginar outro exemplo exagerado o candidato W teve 70 mil votos o X 22 mil o Y 2998 e o Z apenas 2 os tradicionais dele e da mulher dele A soma é 95 mil e Y e Z se elegem arrastados pelos outros Vêse que somente W teve um número de votos superior ao quociente eleitoral que vamos fixar hipoteticamente em 22 mil votos as sobras passaram para os candidatos seguintes Contudo na vida real os números nunca são tão certinhos assim e há sempre na prática sobras ou seja vagas não preenchidas e votos não usados seja pelos partidos que não alcançaram o quociente eleitoral para eleger um deputado sequer seja pelos partidos que conseguiram alcançar o quociente e elegeram alguns deputados Para resolver isso fazse o cálculo das sobras segundo várias fórmulas possíveis No Brasil a fórmula empregada chamase das maiores médias e favorece um pouco os partidos majoritários porque o que se faz é dividir o número de votos obtidos por cada legenda pelo número de cadeiras vagas preenchidas obtidas na primeira operação mais um O partido que obtiver maior resultado nessa divisão leva a próxima vaga e assim sucessivamente até que todas as vagas se preencham Há outros métodos mas para nós é suficiente que compreendamos o que foi explicado acima porque assim ficamos sabendo o essencial sobre o funcionamento da representação proporcional Existem entretanto alguns aspectos que devem ainda ser tocados mesmo que rapidamente Em primeiro lugar como o voto proporcional foi criado tendose em mente facilitar a representação das minorias isto de fato acontece A conseqüência é a propensão para que se forme um grande número de partidos e partidos que não apresentam aquela vocação centrista vista no sistema majoritário de dois turnos Isto a depender do ponto de vista que se tome exibe facetas interessantes Uma delas é a de que as tendências políticas básicas vamos dizer esquerda e direita ficam com suas facções internas mais intransigentes menos dispostas a fazer concessões Se a representação proporcional como acontece com outros sistemas forçasse em benefício de resultados eleitorais a aglutinação dessas tendências num só ou em poucos partidos as divergências permaneceriam no âmbito interno desses partidos Como entretanto acontece o contrário essas correntes divergentes tendem a originar novos partidos pois o sistema eleitoral lhes dá uma boa chance de obter votos suficientes para eleger alguns representantes Ou seja o que acontece com a utilização do voto proporcional é que as facções e divisões das tendências básicas terminam por encontrar oportunidades concretas de constituir seus próprios partidos o que como se pode imaginar torna muito complexo o panorama político a começar pelo fato de que fica muito mais difícil que um só partido consiga uma sólida maioria parlamentar Por outro lado esta característica do voto proporcional a de fazer proliferar partidos numerosos e independentes entre si gera às vezes situações curiosas No Brasil por exemplo depois de 64 os antigos partidos foram extintos passando a haver somente dois mas o sistema eleitoral não foi alterado declarandose de certa forma uma contradição entre o sistema eleitoral e o sistema de partidos O sistema bipartidário casa melhor com um sistema eleitoral de escrutínio majoritário distrital enquanto um sistema pluripartidário casa melhor com a representação proporcional Daí o surgimento das sublegendas nada mais do que os antigos partidos disfarçados sob siglas abrangentes porque forçados pelo sistema imposto Assim um dos primeiros passos para a redemocratização foi a volta ao sistema pluripartidário que o Brasil adota até hoje A partir de suas experiências nacionais os vários países começaram a introduzir alterações no sistema eleitoral com o objetivo de atenuar seus efeitos distorsivos na representação e portanto no próprio sistema político adotando sistemas eleitorais derivados As principais alterações introduzidas no sistema proporcional têm por objetivo reforçar a estabilidade das maiorias governamentais Este processo denominase fabricação de maiorias Independentemente do sistema partidário que se esteja analisando a lei eleitoral sempre beneficia os grandes partidos Uma das formas utilizadas para reforçar as maiorias diz respeito ao mecanismo de distribuição das sobras eleitorais que passam a ser atribuídas ao partido ou coligação que obteve o maior número de votos Aliás o Brasil adotou este mecanismo até 1950 Mas a lei eleitoral votada naquele ano e repetida neste particular até hoje modificou o mecanismo passando a adotar o princípio das maiores médias Uma segunda possibilidade de correção das distorções provocadas pelo sistema eleitoral é a votação mínima também chamada de cláusula de exclusão Exigese que o partido tenha obtido no mínimo 5 ou 10 dos votos em todo o território nacional para que sua representação seja reconhecida no Parlamento Portanto mais uma vez são contemplados os maiores partidos A terceira possibilidade adota o sistema de lista incompleta a lista partidária que obteve maioria simples leva 23 das cadeiras O outro terço vai para a segunda lista mais votada Esta é a forma adotada na Argentina criando portanto um bipartidarismo de fato Entre os sistemas eleitorais mistos o mais famoso é o adotado na Alemanha onde 50 do Bundestag Parlamento é eleito pelo voto distrital em colégios uninominais por maioria absoluta portanto em dois turnos porque a Alemanha é pluripartidária e os outros 50 em eleição proporcional com listas partidárias fechadas Portanto o eleitor vota duas vezes uma no candidato distrital e a outra na lista partidária Dependendo do número de votos obtidos na eleição proporcional o partido conquista quocientes eleitorais para eleger um determinado número de representantes Deduzidos aqueles eleitos nos distritos o restante das vagas é ocupado pelos primeiros colocados na lista partidária As sobras são distribuídas aos partidos que nos distritos uninominais tiveram seus candidatos eleitos O número de deputados obtidos com as sobras partidárias é retirado dos lugares seguintes na lista partidária Dessa forma o número total de deputados do Bundestag varia ligeiramente de eleição para eleição Além disso os partidos têm de obter no mínimo 5 dos votos no total nacional ou eleger pelo menos três deputados distritais para poderem ter representação no Bundestag Abaixo apresentamos uma pequena tabela listando alguns países do mundo e seus sistemas eleitorais e partidários para você ter uma idéia Sistemas Eleitorais e Sistemas Partidários Partidos Países Sistemas eleitorais 2 Estados Unidos majoritário Reino Unido majoritário Nova Zelândia majoritáriomisto Bahamas majoritário Congo proporcional Costa do Marfim proporcional 35 Austrália majoritário Canadá majoritário Japão majoritáriomisto Austria proporcional El Salvador proporcional Honduras proporcional Indonésia proporcional Suécia proporcional Egito misto Espanha majoritário proporcional Alemanha majoritário proporcionalmisto 610 Costa Rica proporcional Guatemala proporcional Luxemburgo proporcional Rep Dominicana proporcional Islândia misto Grécia majoritário proporcional Itália majoritário proporcionalmisto Noruega majoritário proporcional França majoritário proporcional majoritário Suíça majoritário proporcional 10 Argentina proporcional Bolívia proporcional Chile proporcional Equador proporcional Finlândia proporcional Índia majoritário Rep da Irlanda proporcional Bélgica majoritário proporcional Holanda majoritário proporcional Brasil majoritário proporcional 1 Consiga os dados sobre a votação nas últimas eleições para deputados estaduais no seu estado você também terá que dispor dos elementos para o cálculo do quociente eleitoral e faça você mesmo as contas para ver quem terminou sendo eleito Qualquer maquininha de calcular quebra o galho 2 O sistema da representação proporcional é bom inclusive porque possibilita que um candidato intelectual que não tem penetração popular seja eleito pela força da legenda o que beneficia o partido e o povo Comente 3 Na sua opinião qual seria a maneira mais fácil de obter um governo eficiente para um clube um grêmio uma associação de moradores ou semelhante preferivelmente uma associação de que você participe ou possa participar fazer a eleição por listas fechadas ou abertas Pense nos governantes e nos governados tentando assumir ambos os pontos de vista em sua análise 4 Que é que você acha da utilização do sistema majoritário uninominal voto distrital para a eleição de deputados no Brasil em substituição ao sistema atualmente usado que é a representação proporcional 5 No Brasil tanto senadores quanto deputados são eleitos pelo voto direto mas os primeiros pelo sistema majoritário e os últimos pelo sistema proporcional Há um número fixo de senadores por estadomembro e um número variável de deputados de acordo com a população Experimente comentar as implicações práticas disto usando lógica e imaginação 6 Você é capaz de melhorar o sistema eleitoral brasileiro Faça o seu projeto 7 Uma das conseqüências do sistema majoritário distrital é que os deputados ficam presos aos seus distritos Ou seja não adianta eles serem bemvistos pelo resto do estado se não ficarem bem com os eleitores de seu distrito porque do contrário perdem as eleições Isto é bom ou mau 8 Um deputado deve representar as pessoas ou as idéias 9 No Brasil ainda existem muitos currais eleitorais e muitos eleitores de cabresto principalmente nas áreas rurais Levando isto em consideração comente as implicações da implantação de um sistema majoritário distrital ou mesmo misto em comparação com a representação proporcional 10 O sistema de número fixo é melhor que o sistema de quociente eleitoral 11 Neste capítulo foi dito que a maneira de aproveitar as sobras no sistema eleitoral brasileiro favorece os partidos majoritários Você concorda ou discorda 12 Este país diz um grande político a respeito do país dele é um exemplo eloqüente de distorção eleitoral Por que em verdade vos digo senhores a composição do Parlamento não reflete a composição da sociedade pois nele as verdadeiras tendências do povo não estão representadas Invente um contexto em que esse político tenha ou não razão 14 Partidos políticos No capítulo anterior falouse muito em partidos políticos embora ainda não tenhamos tido a oportunidade de discutir alguma coisa específica a respeito deles Isto não deve ter feito muita diferença porque a maior parte das pessoas tem uma idéia razoável do que é um partido político É claro que sempre houve facções divergentes em todas as sociedades e é evidente que essas facções tendiam a organizarse de uma forma ou de outra em grupos destinados a promover os interesses de seus membros Mas os partidos políticos organizados como os conhecemos hoje são um fenômeno relativamente recente Provavelmente sua origem direta se deve ao surgimento dos parlamentares e em conseqüência de grupos de interesse com forte motivação para estruturarse formalmente Daí dizem acabou saindo também o binômio esquerdadireita a oposição se sentava do lado esquerdo e a situação do lado direito da presidência da Assembléia Nacional francesa reunida logo após a Revolução Hoje em dia os partidos têm sua formação e funcionamento regidos em maior ou menor grau pelo próprio Estado constituindo assim de certa maneira parte integrante de sua estrutura Inúmeras são as definições do que seja um partido político Há aqueles que o conceituam como um grupo cujos membros pretendem agir em concerto na luta competitiva pelo poder político Partido é também definido como um grupo que formula questões amplas e apresenta candidatos a eleições Existe ainda a concepção revolucionária segundo a qual o partido é uma organização disciplinada de revolucionários profissionais voltados para a tomada do poder Finalmente a concepção mais moderna define os partidos políticos simplesmente como um grupo de pessoas com um punhado de idéias em comum que se reúnem para conquistar o poder seja pela via eleitoral seja pela via revolucionária ou golpista A união faz a força O partido político é a via natural de ação política embora longe de ser a única e na maior parte dos Estados o único caminho institucionalizado pelo qual se pode buscar formalmente o acesso ao poder Nas sociedades democráticas preservase por definição a concessão de oportunidades de manifestação e ação a todas as correntes de opinião ou seja a manutenção do pluralismo democrático A aglutinação e a promoção dessas diversas correntes é a função dos partidos políticos Eles organizam a ação política dãolhe estrutura e direcionamento procurando evitar o desperdício e a irracionalidade das meras ações individuais desconcatenadas Aqui talvez seja conveniente pensar logo numa situação que devemos ter em mente mesmo que ela não seja muito precisa e que não a mencionemos com freqüência Tratase do fato visível de que alguns partidos são o que poderíamos chamar de reivindicatórios outros são reformistas outros são revolucionários Esta classificação rudimentar e seguramente incompleta serve para que observemos que na maior parte dos Estados politicamente estáveis ou todos os partidos são do tipo reivindicatório podendo mesmo ser o único tipo permitido ou quase todos Isto significa que esses partidos constituem na verdade meros antagonistas eventuais dentro das elites dominantes que o Estado representa embora não de forma simples e mecânica Eles concordam a respeito de pontos básicos tais como a iniciativa privada por exemplo mas discordam quanto a aspectos acessórios embora às vezes cheguem a provocar crises de alguma gravidade As discordâncias podem ter uma certa permanência ou podem ser eventuais mas de qualquer forma nunca questionam de fato os fundamentos do regime razão por que este tipo de partido que não pretende alterações profundas na sociedade e nas instituições pode ser chamado de reivindicatório pois em última análise sua atividade é reivindicar Os partidos reformistas estariam a meio caminho entre os reivindicaremos e os revolucionários porque ao mesmo tempo que não pretendem alterar as linhas mestras e os fundamentos da sociedade e da economia defendem certo número de mudanças mais ou menos profundas em geral destinadas a propiciar a preservação do sistema através de concessões julgadas necessárias tanto prática quanto eticamente Por fim os partidos revolucionários muitas vezes proibidos pelo Estado pretendem exatamente o que a designação indica fazer uma revolução isto é operar uma mudança radical na economia na sociedade nas instituições Estes três tipos digamos de índole dos partidos devem ser tidos em mente não para que decoremos mais uma classificação mas para que possamos manter sempre uma perspectiva adequada em relação à natureza de cada partido político com que venhamos a lidar de alguma forma Assim por exemplo a maior parte dos partidos é o que poderíamos classificar de especializada pois tem como função quase única agregar certos grupos de interesse sob um denominador comum e procurar chegar ao poder Dos que o apóiam poucas vezes costumam pedir mais do que os votos Outros partidos contudo exigem mais No oposto da escala está o que se chama de partido totalitário ou seja um partido que demanda de quem o apóia uma conduta específica a qual se estende praticamente sobre todos os aspectos da vida direta ou indiretamente Este tipo de partido costuma fundarse sobre uma base ideológica forte e como a ideologia é uma maneira de ver o mundo quem está identificado com ele transcende o mero nível de eleitor Além disso estes partidos possuem uma visão totalizante da sociedade e do mundo ou seja não conseguem admitir a diferenciação necessariamente existente numa sociedade Como vê o mundo como um só considera tudo e todos passíveis de doutrinação quem não aceita a pregação é considerado inimigo e não adversário Há também partidos chamados comumente de diretos que são partidos por si mesmos isto é não representam nenhum grupo estruturado ou semiestruturado que lhes seja precedente Ao contrário um partido que represente um grupo desses como por exemplo um partido que englobe todos os fiéis de uma determinada religião ou todos os membros de uma entidade trabalhista será um partido indireto As classificações enfim podem ser muitas e sua utilidade é relativa O relacionamento dos indivíduos com os partidos pode darse em vários níveis Há em primeiro lugar os eleitores ou os simplesmente eleitores que na hora das eleições votam naquele partido como poderiam em situação diferente votar em outro No nível seguinte podemos arrolar os simpatizantes de várias categorias Depois viriam os aderentes nome costumeiramente dado aos membros de um partido mas que pode ser estendido aos que embora não tenham oficializado sua adesão estão mais vinculados ao partido do que o simples simpatizante Temos depois ainda pela ordem de vinculação crescente membros militantes funcionários e dirigentes A organização interna dos partidos varia de país para país conforme a legislação que os discipline No Brasil além de preceitos constitucionais há uma lei específica regendo a formação e o funcionamento dos partidos que deve ser consultada pelo interessado Portanto partido é parte e pressupõe outras partes outros partidos O sistema partidário nada mais é do que um conjunto de partidos que interagem e competem entre si pelo mercado político eleitorado A idéia de competição é por conseguinte condição determinante para a existência de um sistema partidário Sendo assim um sistema de partido único parece uma contradição em termos Mas na concepção marxista o partido é representante dos interesses de classe Por isso parecia correto que os regimes socialistas ao proclamar a ditadura do proletariado adotassem o partido único e construíssem um sistema partidário nãocompetitivo A partir daí regimes totalitários nazistas e fascistas adotaram também o partido único como expressão da totalidade do país O que era parte passou a ser o todo Além disso como vimos a democracia é encarada com desprezo por estes regimes e conseqüentemente também é desdenhada a formação livre de partidos considerada sintoma de perigosa fragmentação da sociedade Em suma os partidos únicos são produtos de fatores excepcionais como guerras revoluções depressões mundiais lutas pela independência mantendose graças ao uso inescrupuloso dos instrumentos de poder Os sistemas partidários são analisados de acordo com o número de partidos envolvidos na competição e com a dinâmica de funcionamento Assim segundo o critério numérico temos o bipartidarismo e o pluripartidarismo Aqui cabe uma observação O correto seria dizer bipartidismo e pluripartidismo porque as palavras derivamse de partido e não de partidário Mas a prática consagrou diferentemente e até quando um jornalista escreve bipartidismo o editor ou o revisor emendam para bipartidarismo Os sistemas bipartidários são aqueles em que independentemente do número de partidos existentes apenas dois têm chances legítimas e periodicamente realizadas de governar sozinhos sem necessidade de recorrer a outros partidos Portanto nem todos os sistemas bipartidários têm somente dois partidos Na Inglaterra por exemplo há três partidos com representação parlamentar mas apenas o Partido Conservador e o Partido Trabalhista têm tido chances reais de chegar ao poder Possuem sistemas bipartidários a Inglaterra a Nova Zelândia os Estados Unidos entre outros No bipartidarismo o conceitochave é a alternância no poder Nos Estados Unidos houve uma longa permanência do Partido Democrata na Presidência da República entre 1932 e 1952 com Roosevelt e Truman Mas a idéia de alternância sempre esteve embutida no sistema pois nesse período muitos membros do Partido Republicano eram eleitos tanto para os governos estaduais como para o Congresso Quando se abandona a idéia da alternância o sistema corre dois riscos sérios ou um dos partidos desaparece ou o sistema se transforma de bipartidário em sistema de partido hegemônico Já os sistemas pluripartidários são aqueles que contam com mais de dois partidos com reais chances de governar Nesse sistema a competição é muito acirrada porque o mesmo mercado político eleitorado é disputado por um número maior de partidos E também nos sistemas pluripartidários que se observa com mais freqüência a ocorrência de instabilidade política As alianças se fazem de maneira bastante variada e a indisciplina partidária pode gerar sérias disfunções no sistema Os sistemas pluripartidários podem ser pouco fragmentados com um número de partidos relevantes variando entre três e cinco partidos em média e uma distância ideológica pequena entre eles Podem também ser muito fragmentados com mais de cinco partidos e uma boa distância ideológica entre eles Quando o sistema é muito fragmentado nenhum dos partidos se aproxima da maioria absoluta no Parlamento Possuem sistemas pluripartidários os países escandinavos a Alemanha a Itália o Brasil a Holanda Portugal a Espanha entre outros Agora dependendo de sua dinâmica de funcionamento os sistemas partidários independentemente do número de partidos em competição admitem ainda o sistema de partido hegemônico e o sistema de partido predominante que à primeira vista podem ser iguais mas não são O sistema de partido hegemônico é aquele em que um único partido pode vencer sempre as eleições conquistando mais de 70 das cadeiras Um dos exemplos mais conhecidos é o PRI mexicano que está no poder desde a Revolução Mexicana e obtém sempre entre 83 e 85 das cadeiras Os presidentes da República como já vimos têm sido escolhidos invariavelmente no seio do PRI e os outros quatro partidos somados não chegam a uma fração de seu contingente em todos os níveis Isto se deve a circunstâncias históricas especiais e é um fenômeno que pode surgir em outros contextos Um outro exemplo é a Arena no Brasil entre 1965 e 1979 que sempre venceu as eleições proporcionais e majoritárias com exceção da eleição para o Senado em 1974 e das eleições no Rio de Janeiro Por isso o sistema brasileiro daquele período embora contasse com dois partidos não constituía um verdadeiro sistema bipartidário O sistema não comportava a idéia de alternância no poder o pretenso bipartidarismo era apenas uma ficção legal O sistema de partido predominante por sua vez é o sistema pluripartidário em que durante um largo período um mesmo partido conquista no Congresso um número suficiente de cadeiras para governar sozinho Este sistema é diferente do sistema de partido hegemônico porque o partido predominante apenas ganha mais e por mais tempo não ganha sempre e quase tudo A diferença percentual é importante para o funcionamento do sistema São exemplos de partidos predominantes o Partido SocialDemocrata na Noruega até 1965 o Partido do Congresso na Índia o Partido LiberalDemocrático no Japão o Partido Colorado no Uruguai Uma das funções básicas dos partidos é como vimos a escolha e apresentação de candidatos fase essencial do processo mais genérico de escolha de governantes Normalmente não há candidatos sem vinculação a um partido embora esta vinculação possa vir a ser de conveniência ou episódica Os processos mais comuns de escolha de candidatos são o que poderíamos chamar de reuniões da liderança as primárias e as convenções As reuniões de liderança seriam as realizadas pelos dirigentes e membros mais influentes do partido para deliberar sobre que candidatos apresentar Tratase naturalmente de um processo antipático e autoritário que por isso mesmo vem caindo em desuso É claro que qualquer que seja o método empregado a articulação dessas lideranças é em geral decisiva mas mesmo assim procurase abrir o processo ao menos formalmente inclusive para comprometer a massa do partido O processo mais aberto são as primárias espécie de eleição no seio do próprio partido em que idealmente todos os seus eleitores participam A primária como sabemos é amplamente empregada nos Estados Unidos para a escolha de candidatos a deputado senador governador e presidente Se pode ser qualificada de muito democrática a primária apresenta também alguns problemas inclusive a realização de uma campanha dupla a interna e a geral e o acirramento de rivalidades dentro do partido exatamente porque concorrem dois ou mais correligionários dentro de um clima muitas vezes hostil e prejudicial ao partido Além disso as despesas envolvidas e o extraordinário investimento de tempo e trabalho provocam um certo desencanto com as primárias das quais há muitos críticos nos Estados Unidos onde contudo não parece que elas estejam fadadas a cair em desuso Finalmente as convenções são reuniões de delegados das organizações regionais ou locais dos partidos que através de debates e votações selecionam candidatos ou ratificam escolhas prévias Tanto quanto os outros este processo padece de inúmeros defeitos mesmo quando combinado com as primárias como acontece nos Estados Unidos Na verdade para que um indivíduo se torne candidato de um partido qualquer que seja o cargo pretendido é necessária de acordo com as circunstâncias a combinação de inúmeras manobras e articulações parte do que chamamos às vezes de politicagem uma sucessão de atos inquantificável e não classificável exercício da arte política na falta de melhor termo Onde os partidos são solidamente estabelecidos e definidos o trabalho em suas fileiras os chamados serviços prestados ao partido são muito importantes Onde isto não ocorre os fatores são mais diversificados podendo assumir importância maior do que o partido as figuras de líderes com penetração popular como acontece muito no Brasil 1 Experimente você mesmo fazer uma ou duas classificações de partidos políticos de acordo com critérios que julgue importantes 2 Se você aceita a classificação de reivindicatórios reformistas e revolucionários se não aceita melhorea enquadre os partidos brasileiros dentro dela 3 Algumas pessoas são extremamente a favor da legalização do aborto outras extremamente contra Você acha adequada para enfrentar o problema a criação de um Partido PróAborto ou de um Partido AntiAborto 4 Você acha que o Partido dos Trabalhadores é um partido indireto 5 Com muitos partidos dificilmente um deles consegue maioria e é muito trabalhoso articular as decisões Com poucos partidos não há suficientes veículos para as diversas correntes de opinião Como você avaliaria estas hipóteses 6 O que qualquer partido pretende é conseguir usar o poder de coerção do Estado em benefício daqueles cujos interesses representa Explique e comente 7 O partido só tem sentido se seu objetivo for chegar ao poder Comente 15 Ideologias e a vida de todo dia Assim como todos nós somos políticos de uma forma ou de outra todos nós temos uma ideologia de uma forma ou de outra É claro que ideologia é uma palavra difícil e então não esperamos que a cozinheira tenha uma ideologia o porteiro do edifício tenha uma ideologia ou até nós mesmos que estamos preocupados com o feijão de cada dia tenhamos uma ideologia Isto porque devido a uma série de fatores esquecemos ou nunca aprendemos que a sistematização dos fatos feita pelos cientistas ou estudiosos não passa por mais complicada que pareça disto mesmo de sistematização dos fatos As coisas acontecem inventamos regras e métodos para estudar essas coisas damos nomes a elas vemos como elas se interrelacionam surpreendemos algumas leis aqui e ali vamos procurando entender da melhor forma possível ou aceitável Com o tempo um estudo tão aplicado começa a ser inacessível para aqueles que não se dedicaram muito a ele É por isso que não entendemos de medicina de direito ou de matemática a não ser é claro que sejamos médicos juristas ou matemáticos Quando nos dedicamos a uma área especializada do conhecimento vamos descobrindo coisas e relações entre essas coisas e relações entre as relações que nos obrigam a procurar designálas por nomes especiais facilitando o trabalho e a troca de informações sobre esse trabalho Cada nova geração que vai chegando vai herdando esse patrimônio de conceitos e palavras e vai tentando aperfeiçoálo modificálo revêlo e assim por diante Então não existe nada de intrinsecamente difícil em ideologia nada de tão especial assim Ela é simplesmente a palavra usada para descrever um fato ou conjunto de fatos que é parte integrante de nossas vidas sendo mesmo difícil conceber um ser humano que não abrigue alguma forma de pensamento ideológico Mas tudo neste mundo é complicado quando pensamos bastante Nada mais simples do que entender que ao ser riscado um fósforo se acende É o produto do atrito da lixa contra a cabeça do fósforo Mas por quê Porque a lixa gera calor ao ser atritada contra a cabeça do fósforo e este se acende Mas por quê Porque há uma mistura química na cabeça do fósforo que se incendeia quando lhe aplicam calor Mas por que se incendeia Porque tem a capacidade de fazer o combustível a tal mistura química reagir com o comburente o oxigênio do ar gerando fogo Mas por quê Porque as moléculas de oxigênio são muito ativas e se provocadas suficientemente reagem com outras moléculas Mas por quê Porque E por aí vamos numa sucessão interminável de perguntas que acabarão por nos deixar com as indagações de sempre a respeito do porquê de todas as coisas com ramificações cada vez maiores Somos obrigados a rotular todos os fenômenos que surgem das relações observadas numa busca interminável de entendimento Porque rotulamos e porque vamos ficando cada vez mais envolvidos em nossas perguntas e nossas perplexidades acabamos por dar a parecer que as coisas são os nomes que lhes damos E chegamos mesmo a achar que só quem percebe ou entende aquelas coisas são os que entendem daqueles nomes Num passo adiante chegamos a achar que aquelas coisas até só existem para quem entende dos nomes que foram inventados para elas E daí para pensarmos tanta besteira inútil o caminho é muito curto O fato é que a ideologia é uma coisa que existe como todas as outras independente do nome difícil que damos a ela A ideologia é uma maneira de pensar uma espécie de fôrma na qual moldamos o mundo E existe em cada um de nós embora depois que inventamos a palavra e ela nos ajudou a raciocinar mais claramente sobre os fatos a que se aplica ela tenha saído de nosso controle e virado uma palavra difícil que hoje designaria alguma coisa estrangeira a nós Para que entendamos o que é ideologia a maneira mais fácil é voltar à nossa estimada comunidade de UghUgh Lembremos que depois de uma série de acontecimentos em UghUgh a maneira de ver o mundo e interpretar os fatos antes comum a todos os membros da coletividade começou a mudar de acordo com a posição de cada um no sistema socioeconômico Não é necessário repetir o que já falamos mas é claro que a maneira de ver o mundo de um escravo ughughiano não seria a mesma que a de um membro da elite dominante Está aí a raiz o principal fato gerador da ideologia Mas ela vai além necessariamente porque sempre envolve uma teoria Isto acontece porque uma maneira de ver o mundo não pode deixar de ter feição globalizante de procurar encontrar uma lógica para toda a gama observável de fatos sob o risco de tornarse incoerente e insatisfatória A ideologia incorpora sempre uma teoria sobre o mundo uma explicação totalizante Não é fácil alguns dirão que é até impossível fazer uma distinção estanque entre ideologia e teoria mas no campo da Política podemos ficar sossegados Pois a Política como vimos só se faz na ação Política é ação Neste caso uma teoria que seja posta em ação concreta numa sociedade seja modificandoa seja apenas constituindo uma de suas forças assume caráter ideológico No nosso exemplo ughughiano é evidente que a maneira de pensar do dominante é uma ideologia conservadora Ela age para conter de várias formas as manifestações da contradição entre escravos e senhores Por outro lado a ideologia do escravo só pode ser reivindicatória ou revolucionária Ela não quer conservar nada quer mudar a situação Se a ideologia envolve uma teoria sobre o mundo podemos também imaginar um ou dois aspectos dessa teoria em UghUgh somente para ilustrar Por exemplo o senhor de escravos poderia desenvolver em conjunto com outros membros de sua classe a tese de que efetivamente o homem como todos os animais se destaca sobre seus semelhantes por sua superioridade quanto a características que realmente importam como força física inteligência habilidade etc Portanto a superioridade de uns sobre outros não é apenas natural como inevitável e a superioridade é demonstrada quando se vence o outro por qualquer meio A superioridade por outro lado careceria de sentido se não fosse usada em benefício dos superiores Assim escravizar os inferiores para que façam o trabalho de que os superiores não gostam e que os torna ainda mais ricos e mais superiores claro é parte da ordem natural das coisas Com isto aliás fazse um benefício muito grande aos escravos pois do contrário eles teriam simplesmente que ser exterminados E como se vê executam com perfeição seus trabalhos manuais provando sua aptidão natural para esse mister enquanto se um senhor for tentar o mesmo trabalho não conseguirá fazêlo ou o fará mal o que também corrobora a tese Enfim se continuarmos a desenvolver esta maneira de pensar não terminaremos nunca porque ela acaba por estenderse sobre todos os aspectos da vida Esta é uma maneira ideológica de pensar ver as coisas e expressarse maneira ideológica muitas vezes tão disfarçada que precisamos aguçar a sensibilidade para aprender a flagrála em nossa própria experiência cotidiana Se hoje não há de modo geral escravos como havia em UghUgh há inúmeras outras situações odiosas que também são defendidas e mostradas como necessárias como decorrência lógica dos fatos A ideologia por conseguinte está relacionada com a existência de classes sociais A noção de classe social é muito complexa e há todo um ramo da ciência da sociedade dedicado a ela e a fenômenos correlates o estudo da estratificação social Normalmente as pessoas acham que classe é a palavra adequada para designar grupos de natureza diversa como os médicos os padres os militares e assim por diante Na verdade esses grupos não são classes sociais são grupos ocupacionais Isto porque a classe social se define em termos econômicos Há muitos critérios para essa divisão mas o mais abrangente é o que coloca os grupos de indivíduos em relação à natureza da economia em que eles existem Se a economia por exemplo se baseia em que há alguns indivíduos que são proprietários dos meios de produção e outros que operam esses meios mas não os possuem aí está uma divisão clara de classes como em nossa UghUgh escravagista Ou como em nossa sociedade de hoje em que a maioria é assalariada ou desempregada e a minoria assalaria Isto entretanto não é suficiente para que tenhamos idéia de como a consciência do indivíduo seu conhecimento e seu pensar sobre o mundo são condicionados pelas circunstâncias concretas de sua existência Em primeiro lugar mesmo que admitamos que a classe social é o fator mais importante não podemos negar relevância a outros condicionantes inclusive o próprio grupo ocupacional tão confundido com classe Alguns desses grupos como o dos militares têm uma especificidade muito grande Os militares não são como vimos uma classe social um pode ser filho de banqueiro outro pode ser filho de bancário Entretanto as características de sua formação profissional e de seu trabalho a maior parte delas imposta num processo autoritário e rigidamente disciplinado lhes dão certas particularidades de comportamento e raciocínio que não podem ser ignoradas A mesma coisa acontece em maior ou menor grau com outros grupos ocupacionais Na realidade é tão vasta a gama desses condicionantes de consciência que todo um ramo da sociologia a sociologia do conhecimento se dedica a seu estudo Em segundo lugar as classes sociais e o número de denominadores comuns que nas sociedades de hoje podem unir as pessoas sob diversos critérios não são tão simples ou esquemáticos como se pode haver entendido do que se disse acima É claro que entre assalariados existe uma enorme diferença quando um deles ganha cem salários mínimos e o outro apenas um Da mesma forma um proprietário de terras pode sustentar divergências inconciliáveis com um industrial Assim mesmo achando que o esquema básico numa sociedade como a nossa é dicotômico quer dizer num sistema capitalista há essencialmente capitalistas e nãocapitalistas não podemos perder de vista o fato de que isto está longe de ser suficiente para nos fornecer todas as variáveis em jogo na formação do pensamento ideológico A assunção de uma ideologia porém não deve ser encarada como algo mecânico A educação se pensarmos com vagar tem caráter ideológico pois através dela são incutidos valores politicamente significativos Mas a educação não é dada com um olho na ideologia O processo se automatiza tornase quase insensível intangível às vezes Também não se pode esperar que pertencer a uma classe social definida determine nossa maneira de pensar e agir politicamente Isto porque como suspeitamos antes há inúmeros fatores que podem de certa forma bloquear a consciência de nossa situação e induzir a que vejamos como nossos os interesses da classe oposta O ser humano além disso não é uma máquina que reage mecanicamente da mesma forma ao mesmo comando nem um animal que funcione à base de reflexos condicionados embora haja quem pense o contrário entre os psicólogos de maneira que a formação do pensamento ideológico não é um processo singelo Finalmente também não se deve esperar que aquilo que poderíamos chamar para facilitar de ideologia básica assuma sempre a mesma aparência As ideologias básicas numa sociedade capitalista seriam a dos proprietários dos meios de produção e as dos não proprietários capitalistas e nãocapitalistas assalariadores e assalariados burgueses e proletários ou como se queira chamar os dois pólos de nosso esquema dicotômico na verdade os especialistas costumam discutir muito os conceitos designados por essas diferentes palavras mas você pode pensar neles depois se quiser tornarse um especialista Já vimos como as sociedades de hoje são excessivamente complexas para que esse esquema se revele esclarecedor em primeiro lugar Em segundo lugar podemos por exemplo dizer a respeito do nazismo e do liberalismo que são ambos a ideologia da classe dominante capitalista e podemos até nos divertir fazendo analogias entre eles Mas a verdade é que o nazismo e o liberalismo são completamente diferentes um do outro não perseguem os mesmos objetivos políticos não utilizam os mesmos métodos Ou seja precisamos sempre refinar a ideologia básica para entendermos as muitas formas que assume exercício que não é meramente acadêmico mas tem influência sobre nossa vida e nosso destino Em processo inverso podemos sempre procurar quando desejarmos fazer uma redução à ideologia básica de qualquer proposição Quando ouvimos ou lemos alguma afirmação podemos endereçar a ela umas tantas perguntas Que conseqüências concretas muitas vezes não explícitas ou mesmo ocultadas pelo autor da proposição tem a aceitação dessa maneira de pensar ou dessa opinião De que depende para ser válida A quem em última análise interessa De quem é esta verdade Será a verdade de todos Se reduzirmos bem chegaremos com freqüência a ver por trás da afirmação mesmo que o seu autor alegue ou julgue sinceramente o contrário a raiz ideológica básica a ligação com a nossa dicotomia As ideologias e as posições políticas são hoje muito vistas em termos de direita e esquerda Ao contrário do que seu uso indiscriminado pode sugerir não são conceitos claros e muitas das pessoas que os aplicam todo o tempo se chamadas a definilos com alguma precisão teriam dificuldade Não é culpa delas As palavras estão sujeitas a empregos arbitrários e abusivos de tal forma que acabam por ter seu sentido diluído ou tornado imprestável para uma comunicação adequada Há até mesmo uma chuva de acusações de direitismo e esquerdismo dentro das organizações de esquerda que só podem deixar o observador desavisado um tanto confuso Na prática o que hoje se conhece por esquerda são posições próximas ou identificadas com os que desejam a socialização da economia em última análise a abolição da propriedade privada e a estatização dos meios de produção As posições à direita seriam aquelas identificadas ou aproximadas com o contrário da proposição acima a ponto de em sua condição mais extremada pretenderem eliminar as liberdades individuais para garantir o esquema que consideram correto Tal distinção que vai quebrando o galho nos jornais e nos batepapos não resiste a uma análise um pouquinho rigorosa chegando muita gente a concluir por exemplo que não se pode chamar de esquerda o aparato dominante nos antigos países socialistas mas sim de direita tamanho o conservadorismo desses aparatos o papel opressor que o Estado muitas vezes assumiu o caráter totalitário e assim por diante Além disso como chegamos a ver o termo esquerda em Política tem tido sempre uma conotação de oposição ou contestação ao estabelecido Talvez seja possível achar uma conceituação razoável na observação de que as posições esquerdistas têm historicamente tendido a basear seus programas na crença da aperfeiçoabilidade do homem e de sua vida em sociedade Os caminhos apontados variam muito mas existe sempre a convicção de que os problemas do homem não são inerentes à sua natureza mas fruto de determinantes e condicionantes que sendo mudados também mudarão o homem O homem não é por natureza egoísta nem a vida em sociedade tem que render sempre conflitos e neuroses nem as guerras são inevitáveis nem a maioria das mazelas de nossa existência individual e coletiva faz parte da ordem natural das coisas Em contraste as posições da direita tendem a presumir que existem certas características imutáveis do homem O necessário é usar essas características para o bem comum mesmo que o bem comum possa vir a justificar privilégios pois entre as verdades da direita está a de que realmente certas coisas não têm jeito e algumas pessoas serão sempre melhores do que outras e portanto se darão melhor na vida É possível aprimorar as condições de vida de todos inclusive porque é natural para o homem querer melhorar sua vida e é também natural que depois de ter seus próprios problemas resolvidos até procure ajudar nesse aprimoramento geral Por si só o homem é basicamente egoísta e fará tudo em seu próprio benefício Se é assim e não há jeito a dar pois o homem se é aperfeiçoável só o é até certo ponto muito limitado devemos equacionar a sociedade de acordo com essas condições em soluções que podem ir da busca de um equilíbrio natural entre os elementos que essas características fazem entrar em jogo até a imposição de um governo forte ou totalitário que sob a orientação dos melhores discipline e tutele os indivíduos para seu próprio bem Os caminhos da esquerda e da direita como se sugeriu são muitos Se a noção dada acima serve para esclarecer um pouco as coisas também serve para mostrar como são mesmo relativos os conceitos de esquerda e direita como a realidade contraria os rótulos ou distorce projetos e intenções Um regime opressor não pode ser de esquerda Contudo como modificar o homem sem inicialmente impor condutas e implantar implacavelmente o novo esquema E agora será um regime desses de esquerda ou de direita Os rótulos são muito enganosos até mesmo porque qualquer um pode pegar um rótulo à vontade e pespegálo na testa sua ou dos outros Vimos isto em relação à democracia vêse isto em relação a quase tudo O que para uns é patriotismo para outros é traição e viceversa O que para uns é comunismo para outros é uma forma de fascismo Assim não nos devemos fiar nos rótulos nem nos preocupar excessivamente com eles Necessitaríamos de capítulos e mais capítulos para analisar os muitos ismos sobre os quais lemos todos os dias nos jornais Mas na verdade por mais complicados e misteriosos que eles nos pareçam já temos os instrumentos básicos para nos defender dos rótulos Para entender uma ideologia ou uma das muitas formas das ideologias básicas a primeira providência que aliás é muito útil também em outras áreas é procurar a fonte diretamente Se queremos saber o que é o socialismo devemos procurar ler o que os socialistas escrevem ou ouvir o que eles dizem não o que dizem ou escrevem deles Da mesma forma se queremos saber o que é o liberalismo devemos ler e ouvir os liberais E em relação a ambos como em relação a todos devemos prestar atenção no que eles fazem em comparação com o que dizem A cada proposição a cada colocação podemos pôr em ação os nossos instrumentos Podemos aplicar nossa técnica de redução Podemos questionar Podemos usar o conhecimento que já adquirimos pois quando o conhecimento nos faz pensar ele é cumulativo está sempre acrescentandose a si mesmo Podemos enfim não ser tiranizados nem amedrontados pelos rótulos podemos assumir cada vez mais a consciência de nós mesmos de nosso lugar na coletividade de nossas aspirações identidade e interesses legítimos Podemos mesmo chegar a ver o mundo de forma ideologicamente consciente e agir de acordo com essa consciência pois afinal somos o limite de nós mesmos A conscientização ideológica gera paixões sim Mas só podemos ser grandes se houver paixão 1 Veja se você acha alguma entrevista de um político escolhe uma ou duas afirmações importantes e faz uma redução ideológica nelas 2 Você acha que o ecologismo é em si uma ideologia 3 A verdade é esta ganha sempre o mais forte e é assim que deve ser Esta é ou pode ser uma afirmação ideológica 4 Com duas ou três boas leis eu resolveria tudo isto diz um famoso advogado A sociologia do conhecimento teria alguma coisa a dizer sobre isto 5 Os trabalhadores na indústria metalúrgica são uma classe social 6 Depois de muitos anos de trabalho ele conseguiu comprar um carro e uma casa Mudei de classe disse aos amigos Comente 7 Peguei minha herança vou me dedicar a viajar não quero nem saber de Política Há ideologia nesta afirmação 8 Meu filho não adianta remar contra a maré Na vida a gente tem é que ganhar dinheiro o resto não interessa a realidade é esta Direita ou esquerda 16 Quem manda como manda Não importa o que lhe digam quem manda é quem está levando vantagem É claro que nisto podem ser vistos vários níveis Há muitas pessoas por exemplo que se sentem mandando mas na realidade este mandar se resume à satisfação de um número restrito de desejos que elas por uma razão ou por outra consideram satisfatório O mandar como tudo mais é relativo mas o critério de levar vantagem sob qualquer sentido e em qualquer situação é suficientemente elucidativo Se do nosso ponto de vista alguém leva vantagem sobre nós mesmo que não leve vantagem sobre outros estará mandando Quando esta vantagem é evidente na tomada de decisões de qualquer tipo é que costumamos visualizar o poder mas na verdade basta que se esteja em melhor situação do que nós do nosso ponto de vista pois afinal não temos melhor critério para se estar mandando Por exemplo se alguém nos chama para limpar a fossa dele e esse alguém também vive submetido a pressões e decisões alheias esse alguém pode alegar que tanto quanto nós ele também não manda Contudo quem está limpando a fossa dele somos nós e não ele a nossa Ele pode pagar para que façamos esse serviço em lugar dele e nós estamos na posição de ter que aceitar o serviço Da mesma forma tanto uma mulher de boa posição econômica quanto a mulher que ela contrata como babá de seu filho podem ter os mesmos sofrimentos a mesma condição feminina discriminada suportar a mesma tirania masculina as mesmas inquietações da maternidade etc etc Não obstante quem é babá é uma a patroa é outra E é visível que nesta relação alguém leva clara vantagem Isto não deve ser esquecido da mesma forma que não devemos esquecer de ver todas as coisas dentro da perspectiva do que de fato acontece e não do que é dito É comum que ideologicamente se desenvolvam teses quanto à relatividade dos bens deste mundo as cargas que temos que suportar e assim por diante Metaforicamente essas cargas talvez sejam as mesmas Efetivamente não são Pois a babá além de ser mãe como a outra e em piores condições a começar pelos cuidados prénatais e pela pobreza do parto ainda é subordinada à outra Não obstante os argumentos que buscam provar o contrário são freqüentemente muito bemsucedidos e há empregadas domésticas que se consideram irmãs feministas de suas patroas embora estas não sejam obrigadas a cuidar de fraldas sujas É preciso pois ter cuidado com as analogias excessivas Reconhecer que somos irmãos é sempre suspeito quando esse reconhecer envolve de nossa parte a aceitação de contingências duras e da outra parte não envolve nada além de palavras De fato se somos humildes de nascença e formação nos sentimos melhor por não podermos sentar à mesa com nossos patrões porque não gostamos mesmo daqueles refinamentos de rico Os refinamentos podem não ser bons em si mas não devemos esquecer que não nos sentimos bem com eles porque não fomos criados para isso não porque tenhamos uma incapacidade congênita para apreciar coisas refinadas E se achamos que estamos melhor em nossa vida modesta e privada de tantas coisas que os ricos consideram essenciais e sem as quais não podem viver devemos lembrar que com isso estamos tendo a opinião mais conveniente para os que mandam que conseguiram fazer nossa cabeça com eficácia O valor do luxo do supérfluo do suntuário e mesmo do conforto excessivo é de fato muito discutível mas são Francisco de Assis exemplo clássico de abnegação e desapego aos bens materiais renunciou a tudo aquilo numa opção consciente O pobre e o despossuído não renunciam não agem em função de valores mais altos voluntariamente escolhidos Com eles não se trata de uma renúncia de uma abdicação tratase de um ato forçado que não tem a dignidade a liberdade e a força da abdicação Dizer estas coisas não valem nada muito melhor é a autenticidade só tem sentido quando podemos renunciar por nós mesmos a elas Tanto assim que os ricos não costumam renunciar riqueza nem a essas coisas sem valor Ao pobre portanto é negada a dignidade de renunciar Ele é obrigado a mergulhar na pobreza de nascença e a se convencer de que assim está melhor Não significa isto evidentemente que a situação ideal da vida é a riqueza principalmente à custa da pobreza alheia nem que tenhamos que colocar os valores materiais na frente de nossas preocupações O que devemos é procurar evitar que nos retirem opções que nos cerceiem a plena liberdade humana que nos impeçam a plena realização do nosso potencial que nos impinjam convicções que não tenhamos escolha senão aceitar O que consideramos uma sociedade justa pode variar muito É afinal uma questão profundamente ideológica Mas nossa visão de uma sociedade justa não pode ser imposta sobretudo quando quem procura impornos essa visão se encontra numa situação claramente melhor que a nossa mesmo que deseje nos convencer de que está em situação igual ou pior Nada impede que aceitemos determinados valores segundo nossa escolha Mas temos que estar conscientes dessa escolha fazêla de forma plenamente voluntária e isto envolve conhecer bem as opções possíveis e não deixar que nos impinjam uma verdade ideológica sob a capa de uma verdade incontestável Como vimos o monopólio da coerção jaz nominalmente no Estado Por esta razão se ambiciona a conquista de posições dentro da estrutura do Estado pretendese conquistar o governo para usar dentro das limitações inevitáveis o poder decisório e coercitivo do Estado com a finalidade de satisfazer interesses ou realizar aquilo que se considera certo É claro que se é o Estado que detém a posição formal de poder é necessário que vejamos como temos aprendido a ver quem está por trás do Estado quem ele representa basicamente Como dissemos acima quem manda é quem está levando vantagem Não é difícil inferir a quem o Estado serve basta ver quem está mais bem servido dentro da so ciedade Quem está mais bem servido é quem está mandando não importa o que lhe expliquem em contrário É óbvio que você já viu que explicar o contrário faz parte do esquema de dominação Quem se beneficia mais é quem está mandando qualquer que seja a razão para isso e mesmo que quem esteja mandando não exerça posição alguma na estrutura formal do Estado Na estrutura do Estado devemos observar ainda o surgimento de um fenômeno contemporâneo que vem pondo em risco até mesmo a representatividade popular nas democracias Tratase da diferença cada vez mais ampla entre quem detém a autoridade para as decisões e quem detém o conhecimento indispensável para tomálas ou quem apenas como acontece muito é tido como detentor daquele conhecimento Por exemplo o presidente da República de um país presidencialista contemporâneo não pode dominar nem uma fração mínima de todo o conhecimento de que necessitaria para tomar decisões que vão desde aspectos complexos da política econômica até questões de saúde pública ou energia nuclear Em conseqüência ele é obrigado cada vez mais a confiar nos assessores consultores e técnicos O resultado disso é que o controle das decisões públicas cada vez mais foge dos funcionários eleitos cada vez mais perde a representatividade Isto é inclusive grandemente fomentado pela convicção quase religiosa de que só os especialistas entendem realmente dos diversos assuntos quando esta é uma crença bastante discutível em vários níveis Chegamos até a acreditar que a ciência e a técnica mesmo no campo social são absolutamente neutras aideológicas Mas isto não é verdade Também as proposições técnicas podem ser submetidas àquelas perguntinhas que vimos no capítulo sobre ideologia Também elas muitas vezes não passam de colocações fortemente ideológicas mascaradas sob a capa de uma verdade científica e muito ciosa das prerrogativas que isso lhe dá Daí o fenômeno da tecnocracia do governo dos técnicos e dos especialistas dos que sabem o que é melhor para todos Na realidade se a complexidade da ciência e da tecnologia contemporâneas nos coloca muito na dependência desses especialistas essa dependência não é nem pode ser total e absoluta A ciência e a tecnologia não são algo acima do homem mas algo do homem Não são infalíveis são muitas vezes e de várias formas francamente ideológicas e no momento em que assumem potencialidade política são do interesse e da responsabilidade de todos a que vão afetar Por esta razão o controle da informação e a utilização da ciência e da tecnologia em lugar de serem entregues sem restrições aos especialistas hão de ser postos sob a supervisão da sociedade supervisão evidentemente adequada à liberdade de investigação científica Quando a ciência passa a ter significado e aplicação políticos ela interessa a todos não importa quanto os detentores da verdade estrilem Para encerrar devemos observar que as formas pelas quais somos mandados e as formas pelas quais as ideologias dominantes nos são impostas não se resumem como podemos pensar à propaganda pelo menos no sentido estrito da palavra Na verdade grande parte dos condicionantes e determinantes de nossa conduta está em tudo na linguagem nos hábitos na tradição nas formas de convívio social na escola nas aspirações que aprendemos a desenvolver como se fossem realmente nossas A dominação mais forte e mais difícil de vencer até mesmo porque é comum que não a queiramos vencer é a que se faz pela cabeça Quando a nossa cabeça não tem autonomia quando mesmo que não notemos pensam por nós aí estamos dominados seja pelo esquema interno a nosso próprio país seja por economias e culturas que o colonizam seja por ambos como geralmente é o caso A resistência contra essa dominação quando ela realmente nos toma conta da cabeça é muito difícil inclusive porque pensamos que somos nós que estamos a decidir em vez de um esquema préfabricado que internalizamos Isto se percebe bem em situações simples como quando concluímos que a realização plena de um jovem praticando o esporte da moda não é realização plena coisa nenhuma mas a conseqüência prevista de um processo de marketing em que ele foi colhido Quando entretanto esse processo é mais fundo a ponto de o confundirmos com nossa própria identidade nossa maneira de ser aí a luta é mais difícil e só pela consciência política e pela produção cultural livre e autônoma conseguiremos coletivamente vencer 1 Eu sou um verdadeiro escravo queixase o homem de negócios chegando ao trabalho cedo e encontrando a faxineira Eu também responde a faxineira Comente 2 Tente catalogar quem na sua opinião manda na sociedade brasileira 3 Acima de tudo somos mulheres diz a patroa rica à empregada Se fosse você a empregada concordaria 4 O homem mais feliz é o que não tem camisa Comente 5 Você acha que o Brasil está ficando cada vez mais uma tecnocracia Achando ou não você acha isso bom 6 Na sua opinião a televisão é apenas um divertimento ou também faz a cabeça Ou principalmente faz a cabeça Conclusão Tudo ou quase tudo que você leu neste livrinho pode ser visto por um ângulo diverso ou mesmo vivamente contestado É isto mesmo Também este livro tem um significado ideológico Se não pretendeu fazer pregação mas ensinar com tanta honestidade quanto humanamente possível igualmente não se preocupou em querer ser ou parecer neutro e objetivo Como você observou nenhum livro foi citado nenhum autor mencionado Mas é claro que tudo o que foi exposto aqui é uma síntese bem simplificada do muito que já se escreveu e pensou sobre todos esses assuntos E também é claro que com estas noções elementares esperamos apenas que você esteja mais bem informado do que estava antes e portanto mais capaz de fazer suas próprias escolhas não só quanto ao que leu aqui mas quanto ao que lerá depois e principalmente quanto àquilo em que acreditará Somente através da consciência política podemos aspirar à dignidade humana e à integral condição de cidadão Boa sorte Apêndice Como se vota no Brasil No Brasil votase desde os tempos da Colônia De lá para cá o processo eleitoral brasileiro sofreu uma série de alterações seja quanto à natureza do sufrágio censitário ou universal à qualidade do voto a descoberto ou secreto ou mesmo quanto à forma de eleição indireta ou direta Durante a Colônia eleições indiretas escolhiam os representantes à Câmara Municipal também chamada de Assembléia dos Homens Bons O voto era censitário no caso limitado aos possuidores de uma renda igual ou superior a 25 quintais 15 t de mandioca Os eleitores eram apenas os homens livres do sexo masculino alfabetizados ou não Mesmo a Assembléia Constituinte de 1823 que marca a transição para o Império foi eleita por representantes que por sua vez tinham sido escolhidos através de declaração oral dos eleitores O voto além de ser a descoberto ainda era dado de viva voz Durante o Império as regras permaneceram inalteradas até 1855 quando foi adotado o voto distrital primeiro em colégios uninominais era eleito um deputado por distrito em 1860 os colégios passaram a ser plurinominais elegendose três deputados por distrito Mas as eleições continuavam indiretas Quanto ao Senado o eleitor votava em três nomes e os três mais votados eram encaminhados ao imperador que escolhia um O cargo de senador era vitalício e o número de senadores era metade do número de deputados Em 1881 oito anos antes da proclamação da República a Lei Saraiva elaborada por um gabinete conservador introduziu importantes modificações no processo eleitoral Foi determinado o realistamento eleitoral e instituído o título de eleitor as eleições passaram a ser diretas exceto as municipais O sistema eleitoral permaneceu distrital embora os colégios tenham voltado a ser uninominais assim como permaneceram os mesmos os limites do sufrágio voto censitário e eleitorado composto por homens livres alfabetizados ou não maiores de 21 anos os casados e de 25 anos os solteiros A Constituição de 1891 instituiu novas regras que vigorariam durante toda a República Velha 18891930 Eleições diretas em todos os níveis e sufrágio universal mas com limitações ficavam de fora analfabetos que perderam o direito ao voto mulheres mendigos praças de pré e clero regular A República Velha manteve o voto distrital restabelecendo os colégios plurinominais com distritos de três deputados com lista incompleta o eleitor votava em dois nomes Em 1904 a Lei Rosa e Silva aumentou o número de representantes por distrito para cinco Cada eleitor podia votar em quatro nomes mas podia também votar quatro vezes no mesmo candidato voto cumulativo O mandato dos senadores foi fixado em nove anos renovando se um terço a cada três anos Eram três senadores por estado Os estados também passaram a contar com Senados cujos titulares eram eleitos da mesma maneira O voto era facultativo e a descoberto No dia da eleição o eleitor levava duas cédulas e as assinava diante da mesa eleitoral Os mesários conferiam e datavam as cédulas colocandoas em envelopes Um era depositado na urna e o outro era devolvido ao eleitor como comprovante da votação A mesa apurava os votos e lavrava as atas forjando resultados na maioria das vezes através das famosas atas falsas as eleições da República Velha ficaram conhecidas como eleições a bicodepena Entretanto não bastava ser eleito muitas vezes através de fraude Na ausência de uma Justiça Eleitoral funcionava no Senado a Comissão de Verificação de Poderes que ratificava ou não a eleição de deputados e senadores Firmemente controlada pela elite governista a comissão impedia que a oposição tivesse sua eleição reconhecida era o mecanismo conhecido como degola Assim o voto secreto a moralização das eleições o fim do bicode pena e a criação de uma instância autônoma para administrar as eleições constituíram importantes bandeiras da Revolução de 30 Após a vitória da revolução o Código Eleitoral de 1932 instituiu o voto secreto e obrigatório criou a Justiça Eleitoral o Tribunal Superior Eleitoral e os TREs e consagrou o sufrágio universal Acompanhando a extensão do sufrágio o sistema eleitoral deixou de ser majoritário distrital e passou a ser proporcional assim permanecendo até hoje Mas o sufrágio universal ainda continha limitações Embora mulheres e religiosos tivessem conquistado o direito ao voto o código ainda excluía analfabetos mendigos e praças de pré Todas estas inovações foram mantidas pela Constituição de 1934 que diminuiu o número de senadores para dois por estado extinguiu os Senados estaduais e fixou o mandato em oito anos renovandose a metade a cada quatro anos Na Assembléia Constituinte de 1946 a questão do voto do analfabeto gerou enorme polêmica mas venceu o argumento da UDN partido de bases essencialmente urbanas de que a exclusão dos analfabetos do eleitorado contribuiria para acelerar o processo de alfabetização da população Na verdade este argumento escondia um outro tão ou mais importante o principal rival da UDN o PSD tinha bases solidamente fincadas no interior Dessa forma a Constituição de 46 excluiu os analfabetos do eleitorado O Senado Federal passou a contar com três senadores por estado e pelo distrito federal com mandatos de oito anos renovando um e dois terços a cada quatro anos A Constituição de 67 manteve a exclusão dos analfabetos O alargamento dos limites do sufrágio só viria a acontecer na Constituição de 88 tornando o voto facultativo para analfabetos maiores de setenta anos e jovens entre 16 e 18 anos No caso dos militares só ficaram excluídos os recrutas durante a prestação do serviço militar obrigatório Quanto aos instrumentos de votação título de eleitor e cédulas eleitorais suas alterações foram bem menores O título de eleitor criado em 1881 não sofreu alterações substantivas até 1956 com a entrada em vigor da Lei n 2084 de 121153 que obrigava a introdução do retrato do eleitor no título O realistamento eleitoral diminuiu drasticamente o número de eleitores fantasmas mortos crianças eleitores cadastrados em mais de um município resultando numa diminuição do eleitorado da ordem de 87 em 1954 eram 15104604 eleitores e em 1958 passaram a ser 13780244 Para a Constituinte de 8788 a Justiça Eleitoral determinou um novo alistamento a informatização de seus serviços aumentou os instrumentos de controle e eliminou a necessidade de retrato no título de eleitor As cédulas eleitorais por sua vez eram individuais e confeccionadas pelo candidato ou pelo próprio eleitor era o chamado voto marmita porque o eleitor já trazia praticamente pronto de casa o envelope onde estavam as cédulas dos seus candidatos Entre 1945 e 1964 continuaram individuais exceto para a eleição presidencial que passou a contar com uma cédula única a partir de 1955 porém distribuídas pelos partidos políticos Só a partir de 1964 é que a Justiça Eleitoral passou a se responsabilizar pela elaboração e distribuição das cédulas de votação A forma de eleição evoluiu desde a Colônia no sentido da adoção das eleições diretas para todos os níveis a partir da Constituição de 1891 Entretanto como parte integrante da autonomia política estadual alguns estados decidiram que os prefeitos de suas capitais seriam nomeados Este sistema foi mantido até o final da década de 1950 Durante o período autoritário 196485 as principais eleições voltaram a ser indiretas A partir do Ato Institucional n 2 de 271065 passaram a ser indiretas as eleições para presidente da República governadores de estado e prefeitos das capitais das estâncias hidrominerais e dos municípios considerados de segurança nacional aí incluídas algumas cidades históricas Em 1977 o Pacote de Abril baixado pelo governo do general Geisel criou a figura do senador biônico ao determinar que um terço dos senadores seria escolhido em eleição indireta pelas assembléias legislativas juntamente com o governador O retorno às eleições diretas foi gradativo Em 1982 governadores e senadores passaram a ser eleitos diretamente Em 1985 foi a vez dos prefeitos de capitais de estâncias hidrominerais e de municípios de segurança nacional Finalmente em 1989 o presidente da República voltou a ser escolhido em eleições diretas Este livro foi impresso na cidade de Guarulhos em abril de 2000 pela Lis Gráfica e Editora Ltda para a Editora Nova Fronteira O tipo usado no texto foi Garamond 12154 Os fotolitos de capa e de miolo foram feitos pela Madina Artes Gráficas Ltda O papel do miolo é chambril 75 gm2 e o da capa cartão supremo 250 gm2 Não encontrando este livro nas livrarias pedir pelo reembolso postal à EDITORA NOVA FRONTEIRA SA Rua Bambina 25 Botafogo 22251050 Rio de Janeiro RJ httpgroupsbetagooglecomgroupViciadosemLivros httpgroupsbetagooglecomgroupdigitalsource