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José Carlos Köche Fundamentos de Metodologia Científica Teoria da ciência e iniciação à pesquisa EDITORA VOZES FUNDAMENTOS DE METODOLOGIA CIENTÍFICA Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Köche José Carlos Fundamentos de metodologia científica teoria da ciência e iniciação à pesquisa José Carlos Köche Petrópolis RJ Vozes 2011 Bibliografia ISBN 85326xxxxx Edição digital 1 Ciência Metodologia 2 Pesquisa Metodologia I Título Índices para catálogo sistemático 1 Metodologia científica 501 José Carlos Köche FUNDAMENTOS DE METODOLOGIA CIENTÍFICA Teoria da ciência e iniciação à pesquisa EDITORA VOZES Petrópolis 1997 Editora Vozes Ltda 2002 José Carlos Köche Direitos de publicação em língua portuguesa 1997 Editora Vozes Ltda Rua Frei Luís 100 25689900 Petrópolis RJ Internet httpwwwvozescombr Brasil Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma eou quaisquer meios eletrônico ou mecânico incluindo fotocópia e gravação ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora Diretor editorial Frei Antônio Moser Editores Ana Paula Santos Matos José Maria da Silva Lídio Peretti Marilac Loraine Oleniki Secretário executivo João Batista Kreuch Capa AGSR Desenv Gráfico ISBN 97885326xxxxx Edição digital Artefinal revista pelo autor Editado conforme o novo acordo ortográfico À Vanilda minha esposa Ao Felipe Rodolfo e Bruna meus filhos SUMÁRIO Lista das ilustrações 13 Apresentação à décima quarta edição 15 Apresentação à sétima edição 17 Apresentação à primeira edição 19 PRIMEIRA PARTE TEORIA DA CIÊNCIA 1 O conhecimento científico 23 11 Conhecimento do senso comum 23 111 Solução de problemas imediatos e espontaneidade 24 112 Caráter utilitarista 24 113 Subjetividade e baixo poder de crítica 25 114 Linguagem vaga e baixo poder de crítica 26 115 Desconhecimento dos limites de validade 27 12 O conhecimento científico 29 121 Busca de princípios explicativos e visão unitária da realidade 29 122 Dúvida investigação e conhecimento 29 123 Ideal da racionalidade e a verdade sintática 31 124 Ideal da objetividade e a verdade semântica 32 125 A verdade pragmática 32 126 Linguagem específica e poder de crítica 33 127 Historicidade dos critérios de cientificidade 34 128 Caráter hipotético do conhecimento científico 36 Leituras complementares 38 2 Ciência e método uma visão histórica 41 21 Ciência controle prático da natureza e domínio sobre os homens ou busca do saber 42 22 Ciência e método suas concepções 44 221 Ciência e método a visão grega 44 2211 Os présocráticos 44 2212 A abordagem platônica 45 2213 Aristóteles entendimento e experiência 46 2214 Ciência grega a visão de universo 47 222 Ciência e método a abordagem da ciência moderna 49 2221 Bacon indução e empirismo 49 2222 Galileu o experimento e a revolução científica 51 2223 Newton o método indutivo e o surgimento do positivismo 54 2224 O dogmatismo e o cientificismo da ciência moderna 57 223 A visão contemporânea de ciência e método a incerteza e a ruptura com o cientificismo 58 2231 Crítica do contexto de descoberta do método indutivoconfirmável 61 2232 Crítica do contexto de justificação validação do método indutivo 65 224 A ciência contemporânea o questionamento da possibilidade de um método 67 2241 O método científico hipotéticodedutivo 69 2242 O contexto de descoberta do método científico hipotéticodedutivo 71 2243 O contexto de justificação do método científico hipotéticodedutivo 73 2244 Ciência e nãociência como demarcar 77 225 A aplicação do método científico o estudo de um caso 80 Leituras complementares 86 3 Leis e teorias 89 31 Natureza objetivos e funções das leis e teorias 90 32 As vantagens que oferecem as teorias 96 33 O caráter hipotético das teorias 99 Leituras complementares 101 SEGUNDA PARTE PRÁTICA DA PESQUISA 4 Problemas hipóteses e variáveis 105 41 A delimitação do problema de pesquisa 106 42 A construção de hipóteses 108 43 Níveis de hipóteses 110 44 Variáveis conceituação e tipos 112 45 Conceitos e construtos 115 46 Definições empíricas dos conceitos 116 Leituras complementares 119 5 O fluxograma da pesquisa científica 121 51 Tipos de pesquisa 122 52 O fluxograma da pesquisa 126 521 Primeira etapa a preparatória 128 522 Segunda etapa a elaboração do projeto de pesquisa 133 523 Terceira etapa a execução do plano 134 524 Quarta etapa a construção do relatório de pesquisa 135 Leituras complementares 136 6 A estrutura e a apresentação dos relatórios de pesquisa 137 61 Tipos de relatórios de pesquisa científica 137 62 A estrutura dos relatórios de pesquisa científica 139 621 Elementos prétextuais 140 6211 A folha de rosto 140 6212 Folha de aprovação 142 6213 Dedicatória 142 6214 Agradecimentos 142 6215 Abstract 142 6216 Sumário 142 6217 Lista de ilustrações 142 622 Elementos textuais 144 6221 Introdução 144 6222 Desenvolvimento 145 6223 Conclusão 146 6224 Notas 147 6225 Citações 147 623 Elementos póstextuais 147 6231 Referências bibliográficas 147 6232 Apêndice 147 6233 Anexo 148 63 O artigo científico estrutura e apresentação 148 Leitura complementar 150 7 A apresentação dos relatórios de pesquisa normas e orientações 151 71 Distribuição do texto na folha 151 711 Paginação 151 712 Papel margens e espacejamento 151 713 Citações forma de apresentação 153 72 Referências bibliográficas normas de apresentação 156 721 Definições e localização 156 722 Ordem dos elementos 156 7221 Obras monográficas 157 7222 Partes de obras monográficas sem autoria especial 158 7223 Partes de obras monográficas com autoria própria 158 7224 Publicações periódicas consideradas no todo 159 7225 Parte de publicações periódicas seriados 159 7226 Artigos etc em revistas 160 7227 Artigos etc em jornais 161 7228 Acórdãos decisões e sentenças das Cortes ou Tribunais 161 7229 Leis Decretos portarias etc 162 73 Referências de fontes obtidas através de meios eletrônicos 162 74 Documento de acesso exclusivo em meio eletrônico 163 75 Referência de fontes de imagem em movimento filmes fitas de vídeo DVD e outros 164 76 Documento iconográfico 164 77 Documento cartográfico 165 78 Normas complementares e gerais de apresentação 165 781 Pontuação 166 782 Tipos e corpos 167 783 Autor 167 7831 Pessoas físicas 167 7832 Entidades coletivas 168 784 Título 168 7841 Supressões no título 169 7842 Acréscimos ao título 169 7843 Títulos de seriados 169 785 Edição 170 786 Imprenta 170 7861 Local de publicação 170 7862 Editor 170 7863 Data 171 787 Descrição física 172 7871 Número de páginas ou volumes 172 7872 Material especial 172 7873 Ilustrações 173 7874 Dimensões 173 7875 Séries e coleções 173 788 Notas especiais 173 7881 Documentos traduzidos 173 789 Lista ordenada de referências bibliográficas 174 7891 Ordenação 174 7892 Autor repetido 174 7893 Título repetido 175 7894 Remissivas 175 Referências bibliográficas 177 LISTA DAS ILUSTRAÇÕES FIGURA 1 Pensamento e realidade 30 FIGURA 2 Método científico indutivoconfirmável 56 FIGURA 3 Método científico hipotéticodedutivo 70 FIGURA 4 Limites das leis e teorias 91 FIGURA 5 Relação entre leis e teorias 97 FIGURA 6 Funções das leis e teorias 100 FIGURA 7 Relações entre as variáveis 114 FIGURA 8 Passagem dos conceitos às manifestações dos fenômenos 116 FIGURA 9 Fluxograma da pesquisa científica 127 FIGURA 10 Exemplo de folha de rosto trabalhos científicos e relatórios de pesquisa 140 FIGURA 11 Exemplo de folha de rosto anverso teses e dissertações 141 FIGURA 12 Exemplo de sumário 143 FIGURA 13 Modelo de página capitular 152 FIGURA 14 Modelo de página de continuação 153 APRESENTAÇÃO À DÉCIMA QUARTA EDIÇÃO A atribuição do rótulo sociedade do conhecimento a este final de século e início do próximo milênio devese a duas características que estão presentes de forma marcante e determinante nessa sociedade o primeiro é que o conhecimento impregnou de forma total o processo decisório e as decisões sobre as ações humanas O segundo é que esse conhecimento por sua natureza revolucionária e dinâmica desestabiliza e reconstrói de forma acelerada não apenas as decisões mas também os critérios e os parâmetros desse processo decisório A primeira das características mostra que qualquer ação que é feita ou desenvolvida pelo homem é projetada sobre uma base teórica de conhecimentos Não há mais espaços para improvisos mal pensados e mal estruturados que arriscam executar ações para ver no que dá Não é apenas a sobrevivência de um negócio que está em jogo é a sobrevivência da espécie humana do planeta Terra e da vida Desde o sucesso de um empreendimento comercial de um plano governamental com suas políticas de desenvolvimento sócioeconômico da confecção de um produto tecnológico da adoção de uma terapia que melhore a saúde física e mental humana até a discussão dos projetos de qualidade de vida do homem e do planeta o conhecimento está presente A segunda característica mostra que as decisões e o processo decisório são afetados profundamente pela velocidade acelerada com que se criam e substituem os conhecimentos Essa característica é decorrente da natureza do conhecimento e dos fatores que interferem na sua produção e avaliação A ciência é concebida hoje como um processo altamente criativo e crítico Estamos muito longe do dogmatismo e do cientificismo O conhecimento é visto como algo que está sendo continuamente revisto reconstruído Não há resultado pronto acabado Não há verdades inquestionáveis Não há procedimentos de investigação indiscutíveis Não há provas evidentes fornecidas por experimentos cruciais conclusivos A produção do conhecimento é um projeto humano que exige superação de limites do já imaginado e que se enriquece no processo crítico e polêmico que se instaura na intromissão da rede do pluralismo teórico O processo decisório das ações humanas está sendo gradativa e aceleradamente impregnado embebido desse espírito científico críticocriativo que domina a ciência contemporânea distante das concepções cientificistas e tecnicistas decorrentes do positivismo e empiricismo que ainda teimam em ter uma sobrevida Viver em uma sociedade do conhecimento requer que se esteja instrumentalizado para vivenciar esse espírito científico Esta obra tem presente esse fim principalmente junto ao aluno de cursos de graduação e pósgraduação Como fonte de instrumentalização didática ela não é um manual que prega receitas ou fórmulas mecânicas de desenvolvimento do conhecimento através de procedimentos metodológicos mágicos Esta ilusão não existe A investigação científica requer atividade imaginativa para repensar o já pensado uso da intuição e revisão teórica e crítica do já produzido através do diálogo com as teorias e investigadores e do diálogo com a natureza no sentido galileano Por isso esta obra trata da pesquisa não de forma isolada enquanto mero procedimento mas fundamentada em uma crítica epistemológica que tem como pano de fundo a história da ciência Nesse sentido ela se apresenta como uma proposta questionadora da ciência e dos seus processos de investigação Isso justifica a divisão do livro em duas partes a primeira que trata da teoria da ciência abrangendo a análise dos aspectos pertinentes à natureza do conhecimento científico da ciência do método e das teorias a segunda que aborda a prática da pesquisa com o seu planejamento e execução incluindo as questões pertinentes ao problema de investigação uso dos referenciais teóricos construção e avaliação das hipóteses projetos de pesquisa elaboração estrutura e apresentação de trabalhos científicos Esta edição totalmente reescrita revisa e amplia as edições anteriores aprofundando o questionamento de alguns aspectos pertinentes tanto à teoria da ciência quanto à prática da pesquisa José Carlos Köche janeiro de 1997 APRESENTAÇÃO À SÉTIMA EDIÇÃO O sistema educacional vigente no que tange ao espírito de ministrar os conhecimentos remonta ao século XVII Nessa época a ciência era encarada como um conjunto de conhecimentos certos e verdadeiros O conhecimento científico era o constatado e comprovado experimentalmente O progresso da ciência era visto como o acúmulo progressivo de teorias e leis que iam se superpondo umas às outras Era um progresso linear contínuo sem retorno fundamentado em verdades cada vez mais estabelecidas confirmadas definitivamente Em contrapartida o conhecimento nãocientífico era aquele sobre o qual não se poderia acumular provas que demonstrassem sua veracidade Esse conhecimento questionável duvidoso deveria ser eliminado daquilo que se chamava ciência pois a ciência não era vista como produto do espírito humano produto da imaginação criativa dos pesquisadores A ciência era produto da constatação de determinadas leis observadas e extraídas da realidade A imaginação criativa atrapalhava a correta visão da realidade e portanto deveria ser eliminada por quem quisesse ter uma atitude científica Fazer ciência era assumir uma atitude passiva de espectador da realidade O sistema educacional absorveu essa concepção de ciência e assimilou o seu dogmatismo Em relação ao conhecimento as escolas e os professores se especializaram em ser os transmissores das verdades comprovadas da ciência ou melhor em ser os pregadores das doutrinas científicas Os próprios manuais e compêndios utilizados se encarregam muitas vezes de mostrar e demonstrar as teorias científicas como um conhecimento pronto acabado inquestionável Sabemos no entanto que a ciência evoluiu Evoluiu não de uma forma linear mas sim de uma forma revolucionária quebrando o dogmatismo de suas teorias e modificando drasticamente a noção de ciência e a própria noção de verdade Dentro das reformas radicais que sofreu a ciência no início do nosso século podese destacar as explicações científicas não são um mero produto das observações empíricas mas projeções do espírito humano de sua imaginação criativa essas projeções são profundamente influenciadas pela cultura e ideologia do pesquisador não havendo portanto uma objetividade pura desvinculada da subjetividade humana o progresso científico não se faz pelo acúmulo de teorias estabelecidas mas pelo derrubamento de teorias rivais que competem entre si isto é há uma constante revolução na ciência ocasionada pela polêmica em torno das teorias a atitude científica não está em tentar comprovar teorias mas em tentar localizar os erros de suas teorias utilizando procedimentos críticos a ciência não parte da observação dos fatos mas da problematização teórica da realidade o método científico não é prescritivo mas crítico não há uma única forma de desenvolver a ciência não há um único método de investigação a verdade não é uma equivalência estática mas uma aproximação produzida por uma busca constante Apesar de a natureza da ciência ter evoluído a escola continua a ensinar conhecimentos prontos cultivando uma ciência imóvel onde os acréscimos são apenas continuação do que já estava estabelecido O professor se transformou em um auleiro transmissor de verdades estáticas Está tão enraizada essa forma de desenvolver o ensino que o próprio aluno reclama quando não recebe informações esquematizadas apontando para a resposta correta E o bom professor é aquele que consegue dar esse espetáculo de ilusionismo demonstrar como verdadeiro e imutável o saber que está em permanente revolução O objetivo desse livro não é dar conceitos simplificados sobre ciência métodos leis teorias e processos de investigação O seu objetivo é conduzir a um questionamento Seu objetivo não é o de se transformar em um manual mas o de ser um roteiro que desperte para a reflexão e crítica dos temas propostos e para a leitura e análise da bibliografia complementar Sendo a universidade a casa do saber é notório que ela seja o centro por excelência do desenvolvimento do espírito crítico científico Mas para isso devese não só estar instrumentalizado para a pesquisa mas principalmente consciente do espírito científico atual José Carlos Köche fevereiro de 1982 APRESENTAÇÃO À PRIMEIRA EDIÇÃO A compreensão atual de ciência como um processo crítico de reconstrução permanente do saber humano requer uma concepção de ensino e aprendizagem compatíveis com essa compreensão O ensino deverá ser a preparação acadêmica e exercício da busca do saber Sendo a universidade a casa do saber é notório que ela seja o centro por excelência do desenvolvimento do espírito crítico científico Mas para isso devese não só estar instrumentalizado para a pesquisa mas principalmente consciente do espírito científico atual Com esse objetivo é que se propõe neste trabalho a análise dos temas que enfocam os aspectos principais da ciência como a sua natureza as suas teorias as suas leis métodos e processos de investigação Este trabalho pretende ser apenas um roteiro que desperte para a reflexão dos temas propostos orientando para uma bibliografia complementar José Carlos Köche dezembro de 1977 PRIMEIRA PARTE TEORIA DA CIÊNCIA no text no text 1 O CONHECIMENTO CIENTÍFICO o espírito científico é essencialmente uma retificação do saber um alargamento dos quadros do conhecimento Julga seu passado histórico condenandoo Sua estrutura é a consciência de suas faltas históricas Cientificamente pensase o verdadeiro como retificação histórica de um longo erro pensase a experiência como a retificação da ilusão comum e primeira Toda a vida intelectual da ciência movese dialeticamente sobre este diferencial do conhecimento na fronteira do desconhecido A própria essência da reflexão é compreender que não se compreendera BACHELARD 1968 p 147148 O homem é um ser jogado no mundo condenado a viver a sua existência Por ser existencial tem que interpretar a si e ao mundo em que vive atribuindolhes significações Cria intelectualmente representações significativas da realidade A essas representações chamamos conhecimento O conhecimento dependendo da forma pela qual se chega a essa representação significativa pode ser em linhas gerais classificado em diversos tipos mítico ordinário artístico filosófico religioso e científico As duas formas que estão mais presentes e que mais interferem nas decisões da vida diária do homem são o conhecimento do senso comum e o científico Por isso eles serão objeto dessa análise 11 CONHECIMENTO DO SENSO COMUM A forma mais usual que o homem utiliza para interpretar a si mesmo o seu mundo e o universo como um todo produzindo interpretações significativas isto é conhecimento é a do senso comum também chamado de conhecimento ordinário comum ou empírico 111 Solução de problemas imediatos e espontaneidade Esse conhecimento surge como conseqüência da necessidade de resolver problemas imediatos que aparecem na vida prática e decorrem do contato direto com os fatos e fenômenos que vão acontecendo no diaadia percebidos principalmente através da percepção sensorial Na idade préhistórica por exemplo o homem soube fazer uso das cavernas para abrigarse das intempéries e protegerse da ameaça dos animais selvagens Progressivamente foi aprendendo a dominar a natureza inventando a roda meios mais eficazes de caça e de pesca tais como lanças redes e armadilhas canoas para navegar nos lagos e rios instrumentos para o cultivo do solo e tantos outros O uso da moeda o carro puxado por animais o uso de remédios caseiros utilizando ervas hoje classificadas como medicinais os instrumentos artesanais utilizados para a construção de moradias e para a confecção de tecidos e do vestuário a fabricação de utensílios domésticos o estabelecimento de normas e leis que regulamentavam a convivência dos indivíduos no grupo social são exemplos que demonstram como o homem evoluiu historicamente buscando e produzindo um conhe cimento útil gerado pela necessidade de produzir soluções para os seus problemas de sobrevivência O conhecimento do senso comum sendo resultado da necessidade de resolver os problemas diários não é portanto antecipadamente programado ou planejado À medida que a vida vai acontecendo ele se desenvolve seguindo a ordem natural dos acontecimentos Nele há uma tendência de manter o sujeito que o elabora como um espectador passivo da realidade atropelado pelos fatos Por isso o conhecimento do senso comum caracterizase por ser elaborado de forma espontânea e instintiva No dizer de Buzzi 1972 p 4647 é um conhecer e um representar a realidade tão colado tão solidário à própria realidade que o homem quase não se distancia dela é quase pura vida de modo que tomado isolado do processo da vida de quem o elaborou resulta incôgnruo descabido alógico É um viver sem conhecer Isso demonstra que esse conhecimento é na maioria das vezes vivencial e por isso ametódico 112 Caráter utilitarista Esse conhecimento permanece num nível superficialmente consciencial sem um aprofundamento crítico e racionalista Sendo um viver sem conhecer significa que o senso comum quando busca informações e elabora soluções para os seus problemas imediatos não especifica as razões ou fundamentos teóricos que demonstram ou justificam o seu uso possível correção ou confiabilidade por não compreender e não saber explicar as relações que há entre os fenômenos No senso comum se utiliza geralmente conhecimentos que funcionam razoavelmente bem na solução dos problemas imediatos apesar de não se compreender ou de se desconhecer as explicações a res peito de seu sucesso Esses conhecimentos pelo fato de darem certo transformamse em convicções em crenças que são repassadas de um indivíduo para o outro e de uma geração para a outra Há quanto tempo o homem usa ervas medicinais para a cura de suas doenças Usaas há séculos A marcela por exemplo é utilizada para aliviar os males do estômago digestão tosse e outros fins Se se perguntar no entanto às pessoas que a usam quais as propriedades que a marcela tem que componentes químicos estão presentes e como eles atuam no organismo que doses devem ser ingeridas que possíveis efeitos colaterais podem advir com o seu uso indiscriminado dificilmente alguém saberá responder Sabem que faz bem mas não sabem por quê O açúcar cristal utilizado para a cicatrização de ferimentos é também outro exemplo Ninguém a não ser quem tenha obtido alguma informação de fonte científica sabe dizer por que ele tem esse poder bactericida e cicatrizante altamente eficaz Na maioria dos casos as pessoas conhecem apenas os efeitos benéficos do seu uso Semelhantes a esses exemplos milhares de outros poderiam ser citados mostrando um conhecimento que valoriza a percepção sensorial fundamentado na tradição e limitado a informações pertinentes ao seu uso 113 Subjetividade e baixo poder de crítica O conhecimento do senso comum tem uma objetividade muito superficial e limitada por estar demasiadamente preso à vivência à ação e à percepção orientadas pelo interesse prático imediatista e pelas crenças pessoais Os aspectos da realidade ou dos fatos que não se enquadram dentro desse enfoque de interesse utilitário geralmente são excluídos ocasionando uma visão fragmentada e alguma vezes distorcida dessa realidade É um conhecimento que está subordinado a um envolvimento afetivo e emotivo do sujeito que o elabora permanecendo preso às propriedades individuais de cada coisa ou fenômeno quase não estabelecendo em suas interpretações relações significativas que possam existir entre eles Essas interpretações do senso comum são predeterminadas pelos interesses crenças convicções pessoais e expectativas presentes no sujeito que as elabora fazendo com que as explicações e informações produzidas tenham um forte vínculo subjetivo que estabelece relações vagas e superficiais com a realidade Dessa forma não consegue sistematicamente buscar provas e evidências que as testem criticamente No senso comum a revisão e a crítica dessas crenças acontecem apenas quando evidências espontâneas proporcionam uma correção da interpretação anterior permanecendo acrítico enquanto tal não ocorrer BUNGE 1969 p 20 O motivo mais sério portanto que faz com que o conhecimento do senso comum se torne subjetivo e inseguro é essa incapacidade de se submeter a uma crítica sistemática e isenta de interpretações sustentadas apenas nas crenças pessoais Duas são as dificuldades que geram essa incapacidade e que merecem uma análise 114 Linguagem vaga e baixo poder de crítica A primeira apontada por Nagel 1978 p 2023 se refere à indeterminação da linguagem presente no conhecimento do senso comum A linguagem utilizada no conhecimento do senso comum contém termos e conceitos vagos que não delimitam a classe de coisas ideias ou eventos designados e não designados por eles ou o que é incluído ou excluído na sua significação Os termos são utilizados por diferentes sujeitos sem haver previamente uma definição clara e consensual que especifique as condições desse uso Como é que se atribui então um conceito a um determinado fato fenômeno objeto ou ideia A significação dos conceitos no senso comum é produto de um uso individual e subjetivo espontâneo que se enriquece e se modifica gradualmente em função da convivência num determinado grupo As palavras adquirem sentidos diferenciados de acordo com as pessoas e grupos por quem forem utilizadas Não há portanto condições ou limites convencionais definidos especi ficamente para a validade de seu uso A significação dos termos fica dependente do uso em um dado momento ou contexto do nível cultural e da intenção significativa de quem os utiliza Observese por exemplo o que significa a palavra marginal no seu uso diário algumas vezes é empregada para indicar o vagabundo que não trabalha outras o moleque que fica fazendo desaforos ao vizinho outras ainda o ladrão o assaltante o viciado em tóxicos o bêbado ou o assassino Dependendo das circunstâncias de seu uso adquire uma ou outra conotação Essa vaguidade essa falta de especificidade da linguagem que dificulta a delimitação da significação dos conceitos impossibilita a realização de experimentos controlados que permitam estabelecer com clareza quais manifestações dos fatos ou fenômenos se transformam em evidências que contrariam ou que corroboram determinado juízo de uma crença uma vez que não estão explicitadas quais manifestações empíricas dos fatos ou dos fenômenos lhe são atribuídos Observese no exemplo relatado por Nagel 1968 a afirmação a água quando esfriada suficientemente se torna sólida No senso comum a palavra água tem um significado muito amplo Podese indicar dependendo do contexto e uso a água da chuva do mar dos rios o orvalho o líquido de uma fruta o suor que escorre pela testa e genericamente outros líquidos que aparecerem com identificação indefinida Além disso o termo suficientemente é impreciso nos limites de sua significação e quantificação empírica Até quantos graus centígrados deverá chegar o esfriamento da água para ser considerado suficiente 2 0 15 ou 50 O enunciado acima portanto não especifica com precisão nem o que se entende por água e nem a quantificação do grau de esfriamento que deverá apresentar A que tipo de teste e em que condições de testagem deve ser submetido esse enunciado para fornecer informações empíricas que sirvam para lhe atribuir valor de falsidade ou de veracidade Qualquer que seja o resultado da testagem jamais haverá respostas falseadoras dos dados empíricos porque sempre se poderá afirmar que ainda não foi esfriada suficientemente No senso comum portanto a vaguidade da linguagem utilizada1 conduz a um baixo poder de discriminação entre os confirmadores e os falseadores potenciais de seus enunciados Tornase assim difícil quase impossível o controle e a avaliação experimental A utilização por cada indivíduo dessa linguagem vaga com significações imprecisas e arbitrárias e atreladas ao seu uso cultural resulta em outra grande dificuldade que reforça o caráter subjetivo do senso comum a da impossibilidade de diálogo crítico que avalia o valor das convicções subjetivas e que proporciona o caminho para o consenso A ausência de um acordo que dê uma significação comum à linguagem utilizada não permite que os interlocutores saibam se estão ou não se referindo ao mesmo objeto quando dialogam mantendoos num permanente isolamento subjetivo A objetividade no entanto requer retomando a sua definição kantiana a possibilidade de um enunciado submeterse a uma discussão crítica de proporcionar o controle racional mútuo A objetividade deve oferecer ao sujeito a oportunidade de desvencilharse da convicção subjetiva expondoa à crítica intersubjetiva POPPER 1975 p 46 em busca de um acordo consensual Isso não acontece no senso comum O poder de revisão e de crítica objetiva do senso comum portanto é muito fraco contribuindo para elevar a sua dependência das crenças e convicções pessoais restringindoo a uma subjetividade significativa Por isso pelo baixo poder de crítica que dificulta a localização de possíveis falhas as crenças do senso comum são aceitas por longos períodos de tempo e apresentam uma durabilidade e estabilidade muitas vezes superior às da própria ciência 115 Desconhecimento dos limites de validade A segunda dificuldade que demonstra a incapacidade crítica do senso comum diz respeito à inconsciência dos limites de validade das suas crenças 1 É interessante analisar a linguagem utilizada nos horóscopos O conhecimento do senso comum é útil eficaz e correto quando as informações acumuladas pela tradição aplicamse ao mesmo tipo de fatos que se repetem e se transformam em rotina e quando as condições e fatores determinantes desses fatos forem constantes Muitas vezes no senso comum apesar de se modificarem as condições determinantes de um fato continuase ingenuamente a utilizar as mesmas técnicas procedimentos e conhecimentos Esse uso indiscriminado devese ao fato de não saber distinguir e precisar os limites que circunscrevem a validade de suas crenças por desconhecer as razões que justificam tanto o êxito quanto o insucesso de sua aplicabilidade Na maioria das vezes as técnicas e as informações são utilizadas desconhecendo as razões que justificam a sua correta aplicação ou aceitação2 A eficiência e o êxito no desempenho dos conhecimentos do senso comum são elevados para aquelas situações que se repetem com um padrão regular Ficase porém sem saber explicar as causas do insucesso ao se modificarem algumas de suas circunstâncias ou condições Se analisarmos os enunciados do conhecimento do senso comum verificaremos que se referem à experiência imediata sobre fatos ou fenômenos observados3 Esse tipo de conhecimento possui grandes limitações Por ser vivencial preso a convicções pessoais e desenvolvido de forma espontânea tornase na maioria das vezes impreciso ou até mesmo incoerente Gera crenças arbitrárias com uma pluralidade de interpretações para a multiplicidade de fenômenos Essa pluralidade é fruto do viés utilitarista e imediatista voltado para assuntos e fatos de interesse prático e com validade aplicável somente às áreas de experiência rotineira O conhecimento do senso comum não proporciona uma visão global e unitária da interpretação dos fenômenos É um conhecimento fragmentado voltado à solução dos interesses pessoais limitado às convicções subjetivas com um baixo poder de crítica e por isso com tendências a ser dogmático Apesar da grande utilidade que apresenta na solução dos problemas diários ligados à sobrevivência humana ele mantém o homem como espectador demasiado passivo da realidade com um baixo poder de interferência e controle dos fenômenos 2 Observese como exemplo com que critérios ou em que circunstâncias o agricultor leigo sem conhecimento técnico utiliza o sistema de poda enxerto adubação e relação do plantio com as fases da lua Podese também constatar de que forma as pessoas a partir da tradição utilizam o açúcar cristal na cicatrização dos ferimentos e como fazem a previsão do tempo pela coloração do céu ao amanhecer ou anoitecer 3 Exemplos O chá de mel e guaco faz bem para a tosse Irá chover pois o tempo está muito úmido e o céu nublado Quando os sapos cantam coaxam no banhado chove 12 O CONHECIMENTO CIENTÍFICO 121 Busca de princípios explicativos e visão unitária da realidade O conhecimento científico surge da necessidade de o homem não assumir uma posição meramente passiva de testemunha dos fenômenos sem poder de ação ou controle dos mesmos Cabe ao homem otimizando o uso da sua racionalidade propor uma forma sistemática metódica e crítica da sua função de desvelar o mundo compreendêlo explicálo e dominálo O que impulsiona o homem em direção à ciência é a necessidade de compreender a cadeia de relações que se esconde por trás das aparências sensíveis dos objetos fatos ou fenômenos captadas pela percepção sensorial e analisadas de forma superficial subjetiva e a crítica pelo senso comum O homem quer ir além dessa forma de ver a realidade imediatamente percebida e descobrir os princípios explicativos que servem de base para a compreensão da organização classificação e ordenação da natureza em que está inserido Não é a simples organização ou classificação que caracterizam um conhecimento científico mas a organização e classificação sustentadas em princípios explicativos O catálogo de um bibliotecário como cita Nagel 1968 p 17 é um trabalho de grande valor e utilidade sem contudo poder ser chamado de ciência Através desses princípios a realidade passa a ser percebida pelos olhos da ciência não de uma forma desordenada esfacelada fragmentada como ocorre na visão subjetiva e a crítica do senso comum mas sob o enfoque de um critério orientador de um princípio explicativo que esclarece e proporciona a compreensão do tipo de relação que se estabelece entre os fatos coisas e fenômenos unificando a visão de mundo Nesse sentido o conhecimento científico é expresso sob a forma de enunciados que explicam as condições que determinam a ocorrência dos fatos e dos fenômenos relacionados a um problema tornando claros os esquemas e sistemas de dependência que existem entre suas propriedades 122 Dúvida investigação e conhecimento O conhecimento científico é um produto resultante da investigação científica Surge não apenas da necessidade de encontrar soluções para problemas de ordem prática da vida diária característica essa do conhecimento do senso comum mas do desejo de fornecer explicações sistemáticas que possam ser testadas e criticadas através de provas empíricas e da discussão intersubjetiva É produto portanto da necessidade de alcançar um conhecimento seguro Pode surgir como problema de investigação também das experiências e crenças do senso comum mesmo que muitas vezes se refira a fatos ou fenômenos que vão além da experiência vivencial imediata A investigação científica se inicia quando se descobre que os conhecimentos existentes originários quer das crenças do senso comum das religiões ou da mitologia quer das teorias filosóficas ou científicas são insuficientes e impotentes para explicar os problemas e as dúvidas que surgem A investigação científica é a construção e a busca de um saber que acontece no momento em que se reconhece a ineficácia dos conhecimentos existentes incapazes de responder de forma consistente e justificável às perguntas e dúvidas levantadas É o reconhecimento das limitações existentes no saber já estabelecido e da necessidade de produzilo para esclarecer e proporcionar a compreensão de uma dúvida Nesse sentido iniciar uma investigação científica é reconhecer a crise de um conhecimento já existente e tentar modificálo ampliálo ou substituílo criando um novo que responda à pergunta existente A investigação científica se inicia portanto a com a identificação de uma dúvida de uma pergunta que ainda não tem resposta b com o reconhecimento de que o conhecimento existente é insuficiente ou inadequado para esclarecer essa dúvida c que é necessário construir uma resposta para essa dúvida e d que ela ofereça provas de segurança e de confiabilidade que justifiquem a crença de ser uma boa resposta de preferência que seja correta4 O conhecimento científico na sua pretensão de construir uma resposta segura para responder às dúvidas existentes propõese atingir dois ideais o ideal da racionalidade e o ideal da objetividade O esquema a seguir proposto por Moles 1971 p 53 com adaptações auxiliará a compreensão desses ideais FIGURA 1 Pensamento e realidade Juízos a priori A B C D COERÊNCIA entre enunciados verdade sintática Ligação do pensamento com o real Posição da realidade a b c d CORRESPONDÊNCIA entre os enunciados e a realidade verdade semântica 4 Ver exemplos de Galileu Newton e Einstein Que problemas desencadearam as suas investigações No plano horizontal dos juízos a priori criase um encadeamento de enunciados que tendem a ser coerentes entre si dentro de um processo lógico e racional No plano vertical que liga o pensamento com a realidade buscase a correspondência desses enunciados com a realidade fenomenal O conhecimento é o produto do encadeamento desses dois planos pela oscilação cíclica do espírito entre tais juízos e a posição da realidade fenomenal MOLES 1971 p 552 123 Ideal da racionalidade e a verdade sintática O ideal da racionalidade está em atingir uma sistematização coerente do conhecimento presente em todas as suas leis e teorias O conhecimento das diferentes teorias e leis se expressa formalizado em enunciados que confrontados uns com os outros devem apresentar elevado nível de consistência lógica entre suas afirmações O princípio da nãocontradição requer que se corrija ou elimine as contradições que porventura existam entre as diferentes explicações que compõem o corpo de conhecimentos quer seja numa determinada área ou entre diferentes áreas de conhecimento A ciência no momento em que sistematiza as diferentes teorias procura unilas estabelecendo relações entre um e outro enunciado entre uma e outra lei entre uma e outra teoria entre um e outro campo da ciência de forma tal que se possa através dessa visão global perceber as possíveis inconsistências e corrigilas Essa verificação da coerência lógica entre os enunciados ou entre teorias e leis é um dos mecanismos que fornece um dos padrões de aceitação ou rejeição de uma teoria pela comunidade científica os padrões da verdade sintática Os enunciados científicos devem estar isentos de ambigüidade e de contradição lógica É uma das condições necessárias embora não suficiente Esse critério de verdade referese exclusivamente à forma da dos enunciados e serve para avaliar o acordo que existe entre as diferentes teorias utilizadas pela comunidade científica permitindo o seu diálogo intersubjetivo e possível consenso No plano sintático não se decide conclusivamente sobre a falsidade ou veracidade a respeito do conteúdo empírico de um enunciado Apenas se verifica o grau de logicidade interna ou externa que possui e até que ponto suas afirmações concordam ou discordam de outras principalmente do paradigma dominante5 5 Comparese como exemplo as divergências que há entre o modelo cosmológico geocêntrico com a Terra imóvel finito e fechado de Aristóteles o heliocêntrico com a Terra girando em torno do seu próprio eixo não fechado e finito de Galileu e o totalmente aberto com centro desconhecido sem limites e em expansão decorrente das teorias de Einstein Vejase o desacordo que há entre as concepções de tempo e espaço absolutos de Aristóteles e Galileu e a relatividade de tempo e espaço de Einstein 124 Ideal da objetividade e a verdade semântica O ideal da objetividade por sua vez pretende que as teorias científicas como modelos teóricos representativos da realidade sejam construções conceituais que representem com fidelidade o mundo real que contenham imagens dessa realidade que sejam verdadeiras evidentes impessoais passíveis de serem submetidas a testes experimentais e aceitas pela comunidade científica como provadas em sua veracidade Esse é o mecanismo utilizado para avaliar a verdade semântica A objetividade do conhecimento científico se fundamenta em dois fatores interdependentes entre si a a possibilidade de um enunciado poder ser testado através de provas fatais e b a possibilidade dessa testagem e seus resultados poderem passar pela avaliação crítica intersubjetiva feita pela comunidade científica 125 A verdade pragmática A ciência exige o confronto da teoria com os dados empíricos exige a verdade semântica como um dos mecanismos utilizados para justificar a aceitabilidade de uma teoria Esse fator por si só porém não garante a objetividade do conhecimento científico Apesar de a ciência trabalhar com dados provas fatais ela não fica isenta de erros de interpretação dessas provas Por mais que se esforce o cientista o investigador estará sempre sendo influenciado por uma ideologia por uma visão de mundo pela sua formação pelos elementos culturais e pela época em que vive Há uma expectativa que orienta a sua visão de mundo e a busca de explicações Para minimizar os possíveis erros decorrentes de uma expectativa subjetiva é que a ciência exige a intersubjetividade isto é a possibilidade de a comunidade científica ajuizar consensualmente sobre a investigação seus resultados e métodos utilizados A intersubjetividade é o terceiro mecanismo utilizado no conhecimento científico e que pro porcinoa verdade pragmática Popper 1977 p 93 nos fornece essa interpretação ao afirmar que um enunciado científico é objetivo quando alheio às crenças pessoais puder ser apresentado à crítica à discussão e puder ser intersubjetivamente submetido a teste Para ele 1975 p 46 objetivo significa que o conhecimento científico deve ser justificável independentemente de capricho pessoal uma justificativa será objetiva se puder em princípio ser submetida à prova e compreendida por todos a objetividade dos enunciados científicos reside na circunstância de eles poderem ser intersubjetivamente submetidos a teste Ao contrário do senso comum portanto o conhecimento científico não aceita a opinião ou o sentimento de convicção como fundamento para justificar a aceitação de uma afirmação Requer a possibilidade de testes experimentais e da avaliação de seus resultados poder ser feita de forma intersubjetiva Se o conhecimento permanecesse somente no plano horizontal avaliado apenas no nível da coerência lógica dos seus enunciados plano sintático estaria sujeito a se tornar alienado marginalizado de uma realidade capaz de lhe proporcionar testes empíricos para correção e distante da revisão crítica e da experiência intersubjetiva O que proporciona a consecução do ideal da objetividade é o fato de os enunciados construídos mediante hipóteses fundamentadas em teorias poderem ser contrastados com as manifestações dos fenômenos da realidade plano semântico poderem ser submetidos a testes em qualquer época e lugar e por qualquer sujeito plano pragmático Esse é o aspecto que denota a universalidade e a objetividade do conhecimento científico A investigação científica é estimulada a criar fundamentos mais sólidos para seus conhecimentos e a testar permanentemente suas hipóteses de uma forma mais rígida e severa Essa preocupação da ciência é constatada através de dois aspectos o uso de enunciados com elevado poder de discriminação de testagem e o uso de métodos de investigação o máximo confiáveis 126 Linguagem específica e poder de crítica Ao contrário do que costuma acontecer no senso comum a linguagem do conhecimento científico utiliza enunciados e conceitos com significados bem específicos e determinados A significação dos conceitos é definida à luz das teorias que servem de marcos teóricos da investigação proporcionandolhes dessa forma um sentido unívoco consensual e universal A definição dos conceitos elaborada à luz das teorias transformaos em construtos isto é em conceitos que têm uma significação unívoca convencionalmente construída e dessa forma universalmente aceita pela comunidade científica6 O uso de construtos na ciência reduzindo ao máximo a ambigüidade e vaguidade dos conceitos permite aumentar o poder de teste dos seus enunciados tornando possível prever e discriminar com maior precisão e nitidez quais manifestações empíricas devem ser observadas e aceitas como possíveis confirmadores ou falseadores potenciais numa observação ou experimento7 6 Ver capítulo 4 item 46 Definição dos conceitos 7 Podese afirmar que à medida que aumenta o grau de determinação da linguagem diminui o grau de compatibilidade com uma classe de fatos tornando os enunciados mais falseáveis mais sujeitos à refutação aumentando o seu poder de teste por outro lado à medida que diminui o grau de determinação da linguagem aumenta o grau de compatibilidade com uma classe de fatos tornando os enunciados menos falseáveis com menor poder de teste Comparese os seguintes enunciados a Choverá ou ou não choverá b Amanhã choverá c Amanhã choverá em Porto Alegre d Amanhã choverá em Porto Alegre às 14 horas e Amanhã em Porto Alegre às 14 horas choverá torrencialmente O enunciado a é impossível de ser testado pois é tautológico como permite qualquer acontecimento não proibindo coisa alguma nada poderia refutálo no nível empírico É um enunciado vazio de conteúdo informativo O enunciado e ao contrário por ser o de maior conteúdo informativo é o que mais proíbe e o que mais consegue discriminar entre as possíveis situações de sua rejeição É o que possui o maior poder de teste e o que mais interessa à ciência Os outros enunciados podem facilmente contornar situações de possível rejeição Para o c por exemplo tanto faz se chover torrencialmente ou apenas uma garoa leve se for às 8 às 14 às 15 ou 23 horas O b amplia ainda mais as situações de sua aceitação basta chover torrencialmente ou não a qualquer hora e em qualquer parte para que não seja rejeitado Conseqüentemente não é um enunciado com informações que interessaria a alguém que necessitasse saber as previsões do tempo Enunciados desse tipo não interessam à ciência 8 Ver no capítulo 2 as questões pertinentes ao método científico indução empirismo funções das teorias da imaginação e das hipóteses papel da intersubjetividade e dos testes críticos nho próprio para se chegar a esse fim diferente dos outros que necessariamente deva ser seguido pelo pesquisador para que o seu resultado seja científico Essa ideia por demais linear coloca o fazer científico como um fazer separado da vida do homem como uma atividade mecânica produto da aplicação independente de um conjunto de passos e regras rotineiras que invariavelmente conduzem a uma solução correta Se observarmos a história do fazer científico não apenas a história dos seus produtos veremos que os critérios de cientificidade estão atrelados à cultura das diferentes épocas São históricos os critérios utilizados para julgar que procedimentos são ou não corretos para serem encarados como métodos ideais Não há uma racionalidade científica abstrata autônoma que independa dos fatores culturais de cada época Observase principalmente entre os indutivistas empiristas e justificacionistas em geral a proposta de uma caricatura de método científico apresentada como uma sequência de regras prescritivas ou como um conjunto de técnicas de investigação disponíveis para serem aplicáveis a qualquer problema uma espécie de fórmula mágica e garantida de eliminar o erro e garantir a verdade Essa imagem ingênua de método científico vendida principalmente pelos positivistas é uma deturpação grosseira do processo de investigação científica Não há regras padronizadas para a descoberta científica de suas teorias como não as há para a sua justificação confirmadora que lhes garanta a veracidade Em relação à descoberta a ciência se assemelha à arte pois trabalha no nível da imaginação e da criatividade para produzir suas teorias e modelos explicativos 9 Em relação às garantias de segurança dos seus resultados a ciência se vale da crítica persistente que persegue a localização dos erros de suas hipóteses e teorias através de procedimentos rigorosos de testagem que a própria comunidade científica reavalia e aperfeiçoa constantemente O conhecimento científico se orienta conscientemente na direção da localização e eliminação do erro através da discussão objetiva intersubjetiva de suas explicações dos seus enunciados e de suas teorias Por isso na ciência a explicação será sempre provisória reconhecendo o caráter permanentemente hipotético do conhecimento científico O que se deve chamar de método científico portanto é aquele conjunto de procedimentos não padronizados adotados pelo investigador orientados por postura e atitudes críticas e adequados à natureza de cada problema investigado O que se aceita chamar de método científico é a forma crítica de produzir o conhecimento científico 36 que consiste na proposição de hipóteses bem fundamentadas e estruturadas em sua coerência teórica verdade sintática e na possibilidade de serem submetidas a uma testagem crítica severa verdade semântica avaliada pela comunidade científica verdade pragmática Como se pode constatar não há apenas um critério de verdade a ser adotado mas três o sintático o semântico e o pragmático Mesmo assim a soma dos três não é suficiente para demonstrar a verdade de um determinado enunciado e justificar a sua aceitação como um resultado inquestionável 128 Caráter hipotético do conhecimento científico O conhecimento científico portanto assim como o do senso comum embora seja mais seguro do que este último também é falível Pode o investigador por exemplo à luz do seu referencial teórico elaborar hipóteses inadequadas excluindo fatores significativos relacionados com a situaçãoproblema não planejar corretamente o processo de testagem de suas hipóteses não prever a utilização de instrumentos e técnicas de observação e de medida adequados válidos ou fidedignos não perceber provas contrárias ou ainda influenciado pela sua subjetividade que jamais é eliminada ou anulada ou levado pela precipitação e por um raciocínio incorreto extrair uma conclusão imprópria Por se reconhecer a natureza hipotética do conhecimento científico ele deve ser constantemente submetido a uma revisão crítica tanto na consistência lógica interna das suas teorias quanto na validade dos seus métodos e técnicas de investigação Historicamente percebese que isso ocorre 10 Os conhecimentos de hoje se sustentam em 37 grande parte no aperfeiçoamento na correção expansão ou substituição dos conhecimentos do passado Como afirma Bunge 1969 p 19 o conhecimento científico é aquele que é obtido pelo método científico e pode continuamente ser submetido à prova enriquecerse reformularse ou até mesmo superarse mediante o mesmo método O que se observa no conhecimento científico é uma retomada constante das teorias e problemas do passado e do presente através da crítica severa e sistemática O que distingue o conhecimento científico dos outros principalmente do senso comum não é o assunto o tema ou o problema O que o distingue é a forma especial que adota para investigar os problemas Ambos podem ter o mesmo objeto de conhecimento A atitude a postura científica que consiste em não dogmatizar os resultados das pesquisas mas tratálos como eternas hipóteses que necessitam de constante investigação e revisão crítica intersubjetiva é que torna um conhecimento objetivo e científico Ter espírito científico é estar exercendo essa constante crítica e criatividade em busca permanente da verdade propondo novas e audaciosas hipóteses e teorias e expondoas à crítica intersubjetiva O oposto ao espírito científico é o dogmático que impede a crítica por se julgar autosuficiente e clarividente na sua compreensão da realidade O conhecimento científico é pois o que é construído através de procedimentos que denotem atitude científica e que por proporcionar condições de experimentação de suas hipóteses de forma sistemática controlada e objetiva e ser exposto à crítica intersubjetiva oferece maior segurança e confiabilidade nos seus resultados e maior consciência dos limites de validade de suas teorias No final do século XIX e início deste século iniciase novamente a construção de um novo paradigma cosmológico influenciado pelos avanços das novas teorias da astrofísica As novas teorias e os instrumentos criados a partir delas mostram um universo diferente dos modelos anteriores Mostram um universo que tem um momento singular de seu nascimento o big bang que inicia a dilatação da matéria gerando o espaço e o tempo e que se apresenta em expansão permanente numa evolução e movimentos contínuos criando e recriando constantemente bilhões de galáxias com quasares pulsares buracos negros e outros tantos bilhões de estrelas Nem o nosso Sol e nem a nossa galáxia estão no seu centro e conseqüentemente a visão desse universo deixa de ser antropocêntrica Estamos no final de um século e iniciando o outro e a evolução dessas teorias nos faz perceber alguns problemas até agora sem respostas convincentes Esse universo é o único ou há outros iguais a este Para onde caminha esse universo Há um fim que orienta ou determina o seu desenvolvimento ou ele se processa ao acaso Onde está o seu centro Há outros planetas com seres semelhantes ao homem ou com outras formas de vida e de inteligência O que existia antes do big bang De onde ele vem Quem o criou Como será o seu destino ou o seu fim Qual será o futuro do homem Leituras complementares A experiência científica é portanto uma experiência que contradiz a experiência comum Aliás a experiência imediata e usual sempre guarda uma espécie de caráter tautológico desenvolvese no reino das palavras e das definições faltalhe precisamente esta perspectiva de erros retificados que caracteriza a nosso ver o pensamento científico A experiência comum não é de fato construída no máximo é feita de observações justapostas e é surpreendente que a antiga epistemologia tenha estabelecido um vínculo contínuo entre a observação e a experimentação ao passo que a experimentação deve afastarse das condições usuais da observação Como a experiência comum não é construída não poderá ser achamos nós efetivamente verificada Ela permanece um fato Não pode criar uma lei Para confirmar cientificamente a verdade é preciso enfrentála com vários e diferentes pontos de vista Pensar uma experiência é assim mostrar a coerência de um pluralismo inicial BACHELARD 1996 p 14 Uma explicação é algo sempre incompleto sempre podemos suscitar um outro porquê E esse novo porquê talvez leve a uma nova teoria que não só explique mas corrija a anterior POPPER 1977 p 139 é errônea a suposição de que o conhecimento científico seja uma espécie de conhecimentoconhecimento no sentido comum de que se eu sei que está chovendo há de ser verdade de que está chovendo de sorte que conhecimento implica verdade o que chamamos conhecimento científico é hipotético e muitas vezes não verdadeiro já para não falar em certamente verdadeiro ou provavelmente verdadeiro POPPER 1977 p 118 O que pode ser descrito como objetividade científica é baseado unicamente sobre uma tradição crítica que a despeito da resistência freqüentemente torna possível criticar um dogmatismo dominante A fim de colocálo sob outro prisma a objetividade da ciência não é uma matéria dos cientistas individuais porém mais propriamente o resultado social de sua crítica recíproca da divisão hostilamistosa de trabalho entre cientistas ou sua cooperação e também sua competição POPPER 1978 p 23 Para o cientista o conhecimento sai da ignorância como a luz sai das trevas O cientista não vê que a ignorância é um tecido de erros positivos persistentes solidários Não percebe que as trevas espirituais têm uma estrutura e que nessas condições toda experiência objetiva correta deve sempre determinar a correção do erro subjetivo Mas não é fácil destruir os erros um por um Eles são coordenados O espírito científico só se pode construir destruindo o espírito nãocientífico Muito freqüentemente o cientista se entrega a uma pedagogia fracionada ao passo que o espírito científico deveria visar a uma reforma subjetiva total Todo progresso real no pensamento científico precisa de uma conversação BACHELARD 1977 p 114 Portanto temos de escolher entre pensar e imaginar Pensar com Galileu ou imaginar com o senso comum Pois é o pensamento o pensamento puro e sem mistura e não a experiência e a percepção dos sentidos que constitui a base da nova ciência de Galileu Galilei KOYRÉ 1982 p 193 Duvido que haja uma grande diferença neste ponto entre a ciência e a arte A imaginação não é mais nem menos livre numa do que na outra Todos os grandes cientistas usaram livremente sua imaginação deixandoa chegar a conclusões absurdas Albert Einstein fazia experimentos imaginários desde rapaz e às vezes ignorava absolutamente os fatos relevantes Quando escreveu o primeiro dos seus belos ensaios sobre o movimento dos átomos não sabia que os movimentos brownianos podem ser observados em qualquer laboratório Tinha dezesseis anos quando inventou o paradoxo que resolveria dez anos mais tarde em 1905 com a teoria da relatividade e que o interessava mais do que a experiência de Albert Michelson e Edward Morley que derrubara as concepções de todos os outros físicos desde 1881 Durante toda a sua vida Einstein se divertiu em propor quebracabeças como o de Galileu sobre a queda de elevadores e a detenção da gravidade quebracabeças que contêm a essência dos problemas da relatividade geral em que ele estava trabalhando BRONOWSKI sd p 27 2 CIÊNCIA E MÉTODO UMA VISÃO HISTÓRICA será sempre questão de decisão ou de convenção saber o que deve ser denominado ciência e quem deve ser chamado cientista POPPER 1975 p 55 um discurso sobre o método científico será sempre um discurso de circunstância não descreverá uma constituição definitiva do espírito científico BACHELARD 1968 p 121 A fé nos fatos é uma característica do mundo moderno Esta fé exige como qualquer outra que o crente se incline perante o que é criado portanto ela lhe diz Inclinate perante os fatos O fato considerase como algo de absoluto que fala compulsivamente por si mesmo a experiência comparase assim a um tribunal onde se procede a um interrogatório e se emite um juízo E como todo tribunal também este se considera como uma instância objetiva Mas o domínio que sobretudo se crê estar sujeito a esta objetividade é a ciência e por isso ela é olhada como a guardiã e a descobridora da verdade HÜBNER 1993 p 37 O sábio deve organizar fazemos ciência com fatos assim como construímos uma casa com pedras mas uma acumulação de fatos não é ciência assim como não é uma casa um monte de pedras POINCARÉ 1985 p 115 A humanidade testemunhou em nosso século em dois momentos inesquecíveis a presença marcante da ciência O primeiro despertou sentimentos de orgulho o segundo o de terror e medo Jaspers 1975 p 1516 os narra e analisa O primeiro ocorreu em 1919 quando um grupo de cientistas no Hemisfério Sul durante um eclipse solar conseguiu testar com êxito uma das consequências da teoria de Einstein a de que o espaço não é reto mas encurvado em direção à concentração de massa existente Na época a teoria da relatividade especial e a da relatividade ge ral divulgadas nos periódicos científicos a partir de 1905 eram julgadas por muitos como especulações interessantes e coerentes mas destituídas de valor uma vez que além de contrariar vários princípios da física newtoniana considerada ainda como paradigma da exatidão e da certeza científica não tinha nenhuma evidência empírica favorável obtida em testes experimentais Havia ainda um descrédito em torno das teorias de Einstein No teste de 191911 porém as equipes de observação de um eclipse solar chefiadas por Eddington constataram que os raios luminosos vindos de estrelas distantes ao passarem próximos ao Sol sofriam um desvio de em média 17 em sua trajetória encurvandose em sua direção tal como havia predito Einstein Essa constatação obtida através do confronto de sucessivas fotos de estrelas tiradas durante o eclipse era uma prova favorável à teoria do espaço curvo O segundo aconteceu em 1945 no final da Segunda Guerra Mundial quando Hiroxima e Nagasáqui foram destruídas pelas bombas atômicas Embora se conhecesse teoricamente o poder destruidor que teria a liberação da energia do átomo ninguém acreditava que o homem soubesse construir um artefato que pudesse utilizála A bomba sobre Hiroxima e Nagasáqui demonstrou que o homem pode com o conhecimento científico conhecer e dominar as forças da realidade para estabelecer um controle prático sobre a natureza e sobre o próprio homem E nesse segundo momento temeu o humanidade perante o progresso da ciência O que é essa ciência que é ao mesmo tempo admirada e temida condenada e glorificada ou até mesmo transformada em mito 21 CIÊNCIA CONTROLE PRÁTICO DA NATUREZA E DOMÍNIO SOBRE OS HOMENS OU BUSCA DO SABER O leigo influenciado principalmente pelos meios de comunicação de massa concebe a ciência como a fonte milagulosa que resolve todos os problemas que a huma 11 Em 20 de maio de 1919 durante um eclipse total do Sol duas equipes de astrônomos de Greenwich e de Oxford chefiadas por Eddington uma em Sobral no Brasil e outro na Ilha do Príncipe no Golfo de Guiné fotografaram durante cinco minutos com dezenas de fotos as estrelas localizadas numa determinada região do céu Dois meses mais tarde a mesma região dessas estrelas foi visível à noite e foi fotografada com os mesmos instrumentos para confronto Em 21 de setembro de 1922 na Austrália foi feita mais uma observação semelhante obtendose um desvio de 174 Esses resultados estavam de acordo com os cálculos previstos por Einstein que afirmara que um raio luminoso vindo de uma estrela distante ao passar próximo ao Sol sofria um desvio em sua trajetória em função do encurvamento do espaço ocasionado pela massa solar nidade enfrenta quer sejam teóricos ou práticos sem mesmo distinguir o produto científico do produto técnico De fato uma das preocupações permanentes que motivam a pesquisa científica é de caráter prático conhecer as coisas os fatos os acontecimentos e fenômenos para tentar estabelecer uma previsão do rumo dos acontecimentos que cercam o homem e controlálos Com esse controle pode ele melhorar sua posição em face ao mundo e criar através do uso da tecnologia condições melhores para a vida humana A ciência é utilizada para satisfazer às necessidades humanas e como instrumento para estabelecer um controle prático sobre a natureza Somamse os benefícios auferidos pelo homem em todos os campos produzidos pela aplicação prática da descoberta científica A eletricidade a telefonia a informática o rádio a televisão a aviação as aplicações tecnológicas no campo da medicina das engenharias e das viagens espaciais o uso da genética na agricultura e na agropecuária e tantos outros relacionados à psicologia sociologia e aos mais diferentes campos do conhecimento mostram a evolução crescente do uso do conhecimento científico na vida diária do homem a tal ponto que difícilmente se desvincula a produção do conhecimento do seu benefício tecnológico e pragmático Os próprios cientistas ao justificarem seus pedidos de recursos financeiros para custear as despesas de suas investigações junto aos grupos de interesses econômicos e políticos tendem a dar demasiada ênfase à relevância dos resultados práticos auferidos pelas suas pesquisas Gradativamente o conhecimento científico toma conta das decisões e ações do homem a tal ponto que no fim do segundo e início do terceiro milênio vivemos na chamada sociedade do conhecimento A riqueza e a força bélica outrora consideradas elementos chaves e fontes do poder hoje cedem seu lugar para o conhecimento Quem tem conhecimento tem poder a força e a riqueza e o domínio sobre a natureza e sobre os outros homens Essa ênfase exagerada porém no caráter prático do uso do conhecimento científico pode proporcionar uma distorção da compreensão do que seja ciência ocultando principalmente os seus principais objetivos Nagel In Morgenbesser 1971 p 1516 é incisivo quando alerta para o perigo que essa concepção pode trazer pois o cientista acaba sendo visto como aquele homem milagreiro que é capaz de encontrar soluções infalíveis para qualquer problema humano ou da natureza Essa compreensão cientificista e reducionista é errônea e limitada A ciência não se reduz à atividade de proporcionar o controle prático sobre os fenômenos da natureza Esse poder de controle o homem o consegue por decorrência das funções e objetivos principais da atividade científica A causa principal que leva o homem a produzir ciência é a tentativa de elaborar respostas e soluções às suas dúvidas e problemas e que o levem à compreensão de si e do mundo em que vive O motivo básico que conduz a humanidade à investigação científica está em sua curiosidade intelectual na necessidade de compreender o mundo em que se insere e na de se compreender a si mesma Tão grande é essa necessidade que onde não há ciência o homem cria mitos 22 CIÊNCIA E MÉTODO SUAS CONCEPÇÕES Não existe uma única concepção de ciência Podemos dividila em períodos históricos cada um com modelos e paradigmas teóricos diferentes a respeito da concepção de mundo de ciência e de método Pretendese de uma forma mais simplificada analisar a ciência grega que abrange o período que vai do século VIII aC até o final do século XVI a ciência moderna do século XVII até o início do século XX e a ciência contemporânea que surge no início deste século até nossos dias 221 Ciência e método a visão grega Se erroneamente a ciência é encarada por muitos como um fantástico instrumento milagroso ou estarrecedor capaz de resolver todos os problemas da humanidade na Antiguidade na Grécia a partir do século VIII aC e alcançando a culminância no século IV aC conhecida como filosofia da natureza tinha como única preocupação a busca do saber a compreensão da natureza das coisas e do homem O conhecimento científico era desenvolvido pela filosofia Não havia a distinção que hoje se estabelece entre ciência e filosofia 2211 Os présocráticos A filosofia ao surgir no mundo ocidental com os filósofos présocráticos Tales de Mileto Anaximandro Pitágoras Heráclito Parmênides Empédocles Anaxágoras e Demócrito iniciou o estabelecimento gradual de uma ruptura epistemológica com a mitologia Os présocráticos começaram a substituir a concepção de mundo caótico concebido pela mitologia pela ideia de cosmos Na concepção mitológica e antropomórfica os fenômenos que aconteciam no mundo ocorriam de forma caótica pois eram desencadeados por forças espirituais e sobrenaturais comandadas pela vontade arbitrária e imprevisível dos deuses Na visão présocrática foi inserida a ideia da existência de uma ordem natural no universo despida da influência ou interferência da vontade imprevisível das divindades O universo era ordem era cosmos E ele estava ordenado por princípios arché e leis fixas e necessárias inerentes à própria natureza Seus fenômenos estavam relacionados a causas e forças naturais que podiam ser conhecidas e previstas O principal problema abordado pelos présocráticos foi o de responder se debaixo das aparências sensíveis e perenes dos fenômenos que estavam em contínua transformação existia algum princípio permanente ou realidade estável isto é se havia uma natureza uma essência eterna universal e imutável que determinava a existência das coisas O que são de que são feitas como são feitas e de onde vêm as coisas que são percebidas Essas eram as perguntas que os filósofos pretendiam responder Os présocráticos distinguiam o que pode ser percebido pelos sentidos os fenômenos as aparências mutáveis das coisas que fundamentam as opiniões a doksa e o que pode ser percebido pela inteligência o ser as essências que definem a natureza das coisas seus princípios comuns e imutáveis que fundamentam o conhecimento a ciência a filosofia O procedimento usado pelos filósofos os que desejam a sabedoria é o da especulação racional Por julgar que a experiência que utiliza o testemunho dos sentidos é fonte de erros preocuparamse em elaborar teorias racionais Segundo eles os princípios ordenadores da natureza das coisas por estarem debaixo das aparências não podiam ser percebidos pelos sentidos mas apenas pela inteligência Cabia à inteligência a tarefa de elaboração e esclarecimento da possível ordem que havia por trás da aparente desordem dos fenômenos sensíveis e perceptíveis O corte epistemológico que os filósofos présocráticos começaram a estabelecer portanto na busca de um conhecimento acerca da natureza do universo rompeu com o vínculo estabelecido com as crenças mitológicas e com as opiniões sustentadas na experiência dos sentidos Iniciaram dessa forma a escalada da história ocidental na construção do conhecimento que permaneceu por mais de 2000 anos como uma atividade filosófica racional especulativa de abertura ao inteligível na tentativa de uma compreensão racional do cosmos 2212 A abordagem platônica O outro modelo que se apresenta após os présocráticos é o platônico12 Nele o real não está na empiria nos fatos e fenômenos percebidos pelos sentidos O verdadeiro mundo platônico é o das ideias que contêm os modelos e as essências de como as aparências devem se estruturar Para Platão 4293487 aC a forma acessível aos sentidos apenas nos mostra como as coisas são mas não o que elas são 12 As concepções de Platão a respeito de opinião conhecimento dialética e ciência estão expostas principalmente nas obras Crátilo República Fédon Sofista Górgias Filebo e Fedro Os sentidos são apenas a fonte de opiniões e crenças sobre as aparências do real O que nos fornece o que são as coisas o seu verdadeiro conhecimento a ciência é a inteligência o entendimento que é o conhecimento racional intuitivo desenvolvido através da dialética intuição dos princípios universais análise e síntese concebido por Platão como um método científico racional A essência do mundo só é acessível ao entendimento pois as Ideias os modelos de todas as coisas enquanto entidades reais eternas imutáveis imateriais perfeitas e invisíveis não estão neste nosso mundo de aparências sensíveis e mutáveis mas num mundo superior e eterno Nesta interpretação platônica de desvalorização dos sentidos a percepção sensorial apenas tem a função de confundir de proporcionar as sombras da realidade que enganam ludibriam Para Platão o real é o pensado o intuído Nem a imaginação e nem a razão discursiva que são os que possibilitam trabalhar com os conceitos de número e quantidade nos proporcionam o verdadeiro conhecimento Platão destrói o valor da experiência empírica como fonte e critério de julgamento do conhecimento da verdade e valoriza a intuição racional como mecanismo para se apropriar da essência do real do Ser 2213 Aristóteles entendimento e experiência Aristóteles 384322 aC discípulo de Platão em sua Metafísica é o primeiro a suprimir o mundo platônico das ideias Para ele a ciência é produto de uma elaboração do entendimento em íntima colaboração com a experiência sensível É resultado de uma abstração indutiva das sensações provenientes dos sentidos e da iluminação do entendimento agente que abstrai as particularidades individualizadas dessas sensações e constrói a ideia universal que representa a essência da realidade Desde o século IV aC até o século XVII predominou essa concepção aristotélica de demonstração científica através de um duplo processo De acordo com Aristóteles no primeiro momento deviase iniciar pelo que vinha em primeiro lugar no conhecimento que seriam os fatos percebidos pelos sentidos13 e depois agrupar as observações pelo processo de indução em uma generalização que proporcionasse a forma universal isto é a substância a identidade inteligível e real que permanecia independente das mudanças O objetivo desse processo indutivo de abstração e da ação do entendimento agente iluminador era o de definir as formas e efetuar a passagem progressiva dos dados materiais e mutáveis para os imateriais e imutáveis O segundo momento 13 A expressão aristotélica afirma Nihil est in intellectu quod non prius fuerit in sensu Nada está no intelecto se antes não passou pelos sentidos consistia em demonstrar que os efeitos observados derivavam dessas definições isto é de um princípio mais universal que era sua causa Nenhum efeito ou atributo poderia existir se não estivesse ligado a alguma causa a alguma substância Demonstravase a causa de um efeito quando o efeito pudesse ser predito como um atributo de uma determinada substância Para Aristóteles a ciência física era uma ciência da natureza Physis significava natureza Physis era o princípio ativo a fonte intrínseca natural do comportamento de cada coisa A natureza de uma coisa era a substância que lhe era inerente o seu princípio intrínseco que determinava naturalmente o seu comportamento A natureza essencial de uma substância era determinada pela sua matéria e forma Esse processo indutivo consistia num processo de abstração a partir dos dados proporcionados pelos sentidos O método aristotélico consiste em analisar a realidade através de suas partes e princípios que podem ser observados para em seguida postular seus princípios universais expressos na forma de juízos encadeados logicamente entre si Dessa forma o modelo aristotélico propõe uma ciência episteme que produz um conhecimento que pretende ser um fiel espelho da realidade por estar sustentado no observável e pelo seu caráter de necessidade e universalidade Desenvolve um conhecimento da essência das coisas e das suas causas respondendo às perguntas o que é e por que é A ciência aristotélica manifestase com uma ciência do discurso qualitativa14 que proporciona um conhecimento universal estável certo e necessário tal qual propunham os présocráticos O conhecimento verdadeiro deve satisfazer os critérios da justificação lógica deve ser demonstrado com argumentos que sustentam a certeza e tornam evidente a sua aceitação em função da coerência lógica de suas afirmações com os princípios universalmente aceitos verdade sintática 2214 Ciência grega a visão de universo Apesar do corte epistemológico que a filosofia efetuou com a mitologia algumas analogias foram ainda mantidas principalmente as do antropomorfismo que comparava a organização do universo com a forma humana de organização 14 A ciência aristotélica descreve os fenômenos utilizando conceitos que contêm suas características empíricas Não pressupõe uma relação quantitativa entre as propriedades dos fenômenos É antimatemática pois os fatos qualitativos apenas podem ser determinados pela experiência e pela percepção sensível e não por uma abstração geométrica Observese que para Aristóteles movimento é um processo de mudança de um corpo que passa de um estado em que se encontra para outro atualização ou corrupção e não como diferentes estados inerciais de repouso ou de movimento de um mesmo corpo como pregaram posteriormente Galileu e Descartes 47 Prevaleceu na visão grega de ciência o modelo cosmológico de Aristóteles aliado às concepções da astronomia de Ptolomeu Esse universo era geocêntrico finito de forma esférica limitado às estrelas visíveis e fechado com princípios organizadores próprios tal qual um organismo vivo dotado de inteligência própria Aristóteles dividia os seres desse universo em três grandes planos de acordo com o nível de perfeição 1º O mundo físico terrestre o sublunar que está no centro do universo composto das substâncias físicas imperfeitas perecíveis sujeitas à mudança ao movimento geração e degeneração divididas em seres vivos os vegetais os animais e o homem e não vivos a matéria e a forma os quatro elementos água ar terra e fogo e os mistos 2º O mundo físico celeste o supralunar composto pelos astros e esferas celestes perfeitas Os astros são substâncias móveis eternas incorruptíveis e dotadas de formas vivas inteligentes e perfeitas girando em movimento esférico em torno da terra 3º A substância divina supraceleste eterna incorruptível imóvel destituída de matéria e situada fora do universo físico Deus Os gregos viam o mundo dotado de uma ordem e estrutura natural que governava o cosmos e que regia todos os acontecimentos na qual todo o ser adquia sentido À filosofia e à ciência cabia buscar essa ordem apreendêla compreendêla e demonstála Toda racionalidade da ciência grega estava sustentada nessa ideia que interpretava os fatos particulares mutáveis e perecíveis a partir do sentido que adquiriam como parte de um todo de uma essência universal incorruptível e eterna Na ciência grega portanto não se dá destaque ao processo de descoberta Havia um processo de demonstração de justificação dos princípios universais Conhecimento científico era o demonstrado como certo e necessário através dos argumentos lógicos O valor de uma explicação estava no seu poder argumentativo que justificava sua aceitação e plausibilidade A ciência grega era uma ciência do discurso em que não havia o tratamento do problema que desencadeia a investigação e sim a demonstração da verdade racional no plano sintático Sob esse enfoque é que nasceram e se desenvolveram a física a biologia a ética a aritmética a metafísica a estética a política a lógica a cosmologia a antropologia a medicina e tantas outras ciências A filosofia da natureza ou a ciência grega chega à Europa principalmente através dos árabes e dos cristãos Estudada pelos cristãos é adotada e ensinada nos conventos e universidades europeias Proporcionou ao Ocidente por vários séculos os fundamentos de um conhecimento racional tido como certo e seguro 48 222 Ciência e método a abordagem da ciência moderna Bacon Galileu e Newton Esses dois caminhos o platônico e o aristotélico depois de coexistirem por mais de 2000 anos foram duramente atacados a partir do século XV e principalmente no século XVII durante o Renascimento pela revolução científica moderna que introduz a experimentação científica modificando radicalmente a compreensão e concepção teórica de mundo de ciência de verdade de conhecimento e de método O conhecimento produzido segundo o modelo aristotélico manifestavase através de proposições de sujeitopredicado que expressavam os atributos qualitativos inerentes aos fenômenos observados Esta ciência qualitativa no entanto era inadequada para tratar daquelas questões que necessitavam de uma relação numérica como por exemplo a da velocidade da mudança e do movimento na física Segundo Crombie 1985 foi a partir do século XIII por influência do uso da matemática da observação e da experimentação na tecnologia latente da Idade Média que a exigência de métodos precisos de investigação e explicação no campo das ciências naturais conduziram à tentativa de uso de métodos matemáticos experimentais Essa passagem era uma mudança da teoria da ciência que culminou com a revolução científica do século XVII Opondose à ciência grega e ao dogmatismo religioso que imperava na época os renascentistas principalmente Galileu 15641642 e Bacon 15611626 rejeitaram o modelo aristotélico 2221 Bacon indução e empirismo Conforme Bacon 1979 os preconceitos de ordem religiosa filosófica ou decorrentes das crenças culturais deveriam ser abandonados pois distorciam e impediam a verdadeira visão do mundo que deveria ser resultado da interpretação da natureza Bacon 1979 p 33 criticou severamente o aristotelismo e o empirismo ingênuo A escola empírica de filosofia engendra opiniões mais disformes e monstruosas que a sofística ou racional As suas teorias não estão baseadas nas noções vulgares pois estas ainda que superficiais são de qualquer maneira universais e de alguma forma se referem a um grande número de fatos mas na estreiteza de uns poucos e obscuros experimentos O empirismo ingênuo criticou principalmente a leviandade com que os observadores se deixavam levar pelas impressões dos sentidos e concluíam generalizações utilizando indevidamente a indução indução por enumeração A experiência vulgar segundo ele conduzia a enganos 49 Após rejeitar tanto o empirismo ingênuo quanto o velho órganon de Aristóteles Bacon propôs a necessidade de se inventar um novo instrumento um método de invenção e de validação que desse maior eficácia à investigação Para ele o método silogístico e da abstração não ofereciam um conhecimento completo do universo Para isso seriam necessárias a observação sistemática e a experiência dos fenômenos e fatos naturais Cabia à experiência confirmar a verdade Somente ela seria capaz de proporcionar uma verdadeira demonstração sobre o que é verdadeiro ou falso A autoridade do conhecimento religioso e dogmático podia fazer crer porém não facultava a compreensão da natureza das coisas em que se acreditava A razão no conhecimento filosófico poderia completar a autoridade não teria porém condições de distinguir entre o verdadeiro e o falso Propôs um método que chamou de interpretação da natureza oposto aos outros que denominou de antecipações da natureza Seus passos estão sustentados na crença vigorosa que Bacon possuía de que a natureza é a grande mestra do homem Para dominála era necessário obedecêla Seu princípio fundamental afirmava que o homem deveria libertar seu intelecto dos préconceitos ídola que impediam a correta visão das formas leis que organizavam a natureza Livre da visão distorcida da realidade poderia dedicarse exaustiva metódica e sistematicamente à observação dos fenômenos O verdadeiro caminho era o da indução experimental Porém não a indução pueril da simples enumeração de alguns casos observados mas a indução sistematizada em que se deve cuidar de um sem número de coisas que nunca ocorreram a qualquer mortal procedendo às devidas rejeições e exclusões e depois então de posse dos casos negativos necessários concluir a respeito dos casos positivos p 69 Esse método se tornou conhecido como método científico e deveria ser utilizado para se atingir um conhecimento científico Para Bacon 1979 o método científico deveria seguir os seguintes passos a experimentação é a fase em que o cientista realizaria os experimentos sobre o problema investigado para poder observar e registrar metódica e sistematicamente todas as informações que pudesse coletar experimento lucífero b formulação de hipóteses fundamentadas na análise dos resultados obtidos dos diversos experimentos tentando explicar a relação causal dos fatos entre si c repetição da experimentação por outros cientistas ou em outros lugares com a finalidade de acumular dados que pudessem servir para a formulação de hipóteses experimentos frutíferos d repetição do experimento para a testagem das hipóteses procurando obter novos dados e novas evidências que as confirmassem e formulação das generalizações e leis pelas evidências obtidas depois de seguir todos os passos anteriores o cientista formularia a lei que descobrir generalizando suas explicações para todos os fenômenos da mesma espécie Bacon foi o pregador da necessidade do controle experimental Ciente das falhas da indução procurou acercarse de cuidados que oferecessem confiabilidade aos resultados Na constituição de axiomas por meio dessa indução é necessário que se proceda a um exame ou prova devese verificar se o axioma que se constitui é adequado e está na exata medida dos fatos particulares de que foi extraído se não os excede em amplitude e latitude se é confirmado com a designação de novos fatos particulares que por seu turno irão servir como uma espécie de garantia p 69 Com esse controle e repetição dos experimentos tentava Bacon impedir a formulação de generalizações que extrapolassem os limites de validade dos resultados alcançados Através desse mecanismo adotou como critério de verdade a correspondência dos enunciados com os fatos verdade semântica tentando oferecer à ciência meios de conhecer os limites de confiabilidade dos seus resultados Como dizia não é de se dar asas ao intelecto mas chumbo e peso para que lhe sejam coibidos o salto e voo p 68 Esse método no entanto não teve o mérito de atingir os objetivos a que Bacon se propunha Com ele Bacon nada produziu O que chamou de experimentos destituídos da mensuração e controle quantitativos não passaram de meras experiências Bacon não conseguiu dar o salto do qualitativo para o quantitativo como fez Galileu verdadeiro pai da revolução científica moderna No entanto foi grande a influência do empirismo e do indutivismo de Bacon sobre a vulgarização do pensamento científico moderno E também não foram poucos os cientistas que reafirmaram a ideia de que a ciência deveria fundamentarse na pura observação dos fatos e não se deixar levar por hipóteses apriorísticas para alcançar a objetividade no conhecimento E entre eles esteve Newton 2222 Galileu o experimento e a revolução científica tivas dos fatos produzidas pela experimentação O critério da verdade para a ciência moderna passaria a ser o da correspondência entre o conteúdo dos enunciados e a evidência dos fatos verdade semântica O método silogístico grego foi substituído pelo método científicoexperimental O conhecimento produzido segundo o modelo aristotélico manifestavase através de proposições de sujeitopredicado que expressavam os atributos qualitativos inerentes aos fenômenos conhecidos pela experiência e percepção sensorial Esta ciência qualitativa no entanto era inadequada para tratar daquelas questões que necessitavam de uma relação numérica como por exemplo a da velocidade da mudança e do movimento na física O responsável pela chamada revolução científica moderna foi Galileu ao introduzir a matemática e a geometria como linguagens da ciência e o teste quantitativoexperimental das suposições teóricas como o mecanismo necessário para avaliar a veracidade das hipóteses e estipular a chamada verdade científica mudando radicalmente a forma de produzir e justificar o conhecimento científico Com Galileu se estabelece a nova ruptura epistemológica que desenvolve a ideia de se traçar um caminho do fazer científico método quantitativoexperimental desvinculado do caminho do fazer filosófico empírico especulativoracional Foi através da revolução galileana como nos demonstra Koyré 1982 que começa a explosão da ciência moderna estabelecendo o corte epistemológico com a concepção de universo e de conhecimento aristotélico e iniciando um novo paradigma que culminaria com o sucesso da física newtoniana Galileu estabelece o diálogo experimental como o diálogo da razão com a realidade do homem com a natureza15 Galileu tomou como pressuposto que os fenômenos da natureza se comportavam segundo princípios que estabeleciam relações quantitativas entre eles Os movimentos dos corpos eram determinados por relações quantitativas numericamente determinadas A visão de universo de Galileu era de um mundo aberto mecânico unificado determinista geométrico e quantitativo contrária àquela concepção aristotélica de cosmos ainda impregnada pelos resquícios das crenças míticas e religiosas que apresentava um mundo qualitativo e organizado hierarquicamente em um espaço finito e fechado Caberia então à razão apresentar para essa natureza organizada geométrica e matematicamente suas perguntas inteligentes manifestadas através de hipóteses quantitativas para que ela lhe respondesse quando forçada por um 15 De acordo com Burtt 1983 p 65 no método de Galileu se destacam três etapas intuição ou resolução demonstração e experiência experimento16 Na concepção de Galileu a razão construiria uma armadilha experimental capaz de forçar a natureza a fornecer respostas concretas mensuráveis quantitativamente Essas respostas seriam utilizadas para avaliar a veracidade empírica do modelo hipotéticoquantitativo racionalmente construído A realidade poderia como resposta através de seus números dizer um sim ou um não Com este procedimento Galileu estabeleceu o domínio do diálogo científico o diálogo experimental que era o diálogo entre o homem e a natureza intermediado pelo pressuposto de que o real era geométrico e os fenômenos da realidade se comportavam de acordo com relações e princípios quantitativos Ao homem competiria com sua razão teorizar e construir a interpretação matemática do real e à natureza caberia responder se concordava ou não com o modelo sugerido A scientia o conhecer se reduzia à forma experimental de desenvolvêla como uma interrogação hipotética endereçada à natureza a respeito das relações quantitativas existentes entre as propriedades dos fenômenos e a análise de suas respostas A partir de Galileu as principais verdades defendidas pela concepção aristotélica de ciência principalmente as da física e as da cosmologia foram questionadas e rejeitadas O modelo cosmológico que afirmava ser o universo eterno geocêntrico fechado na última esfera das estrelas visíveis a olho nu finito dotado de movimentos circulares fundamentado em uma física dualista uma para explicar os movimentos terrestres dos corpos corruptos e imperfeitos e outra para os movimentos celestes dos corpos eternos e perfeitos foi posto em dúvida juntamente com a forma de produzir e justificar a validade desses conhecimentos O significado 16 Convém destacar a distinção que há entre experiência no sentido do senso comum e do empirismo aristotélico e experimento no sentido galileano apresentada por Koyré 1982 p 271300 1985 p 144 A distinção fundamental que aponta reside no tratamento teórico que é utilizado no experimento para conhecer os fatos O experimento trabalha com hipóteses isto é com elaboração teórica quantitativa a priori que orienta a observação e o questionamento dos fatos Nesse sentido a ciência é operativa com a razão assumindo uma função ativa e não passiva ou contemplativa perante os fatos Este empirismo da ciência moderna que trabalha com modelos geométricos e hipóteses a priori que se expressam em conceitos matemáticos que necessitam de medida e precisão se distingue do empirismo do modelo aristotélico que usa conceitos semiqualitativos e abertos e daquele da experiência do senso comum que caracteriza o mundo do mais ou menos A noção de experimento pressupõe a aceitação da geometrização da realidade e portanto a sua abordagem quantitativa Fazer ciência seria daí para a frente estabelecer as relações quantitativas que poderiam estar presentes por trás dos fenômenos ou dos fatos e testálas O experimento pressupunha portanto pensamento teórico elaborado aprioristicamente expresso em linguagem matemática e acrescido de teste O laboratório que Galileu utilizou para realizar aprioristicamente o seu experimento portanto foi o seu pensamento dos conceitos fundamentais da física o de repouso e movimento foram modificados17 Nem mesmo o endosso do cristianismo a essas teorias impregnadas que foram pelo dogmatismo e radicalismo religioso e teológico da época conseguiu conter a revolução científica que começava a se instaurar e a destruir as concepções anteriores O cosmos grego e o mundo qualitativo aristotélico explicado pela analogia do organismo biológico foram substituídos por uma concepção mecanicista e determinista Copérnico 14731543 Kepler 15711630 Galileu 15641642 e Newton 16421727 completam um ciclo que apresenta e consolida essa nova visão de universo construída pela ciência moderna Essa ciência elaborada por engenheiros e matemáticos parte do princípio que o universo teve um grande engenheiro e arquiteto Deus que o criou como uma máquina perfeita dotada de leis precisas que comandam seus movimentos que podem ser descobertas utilizandose procedimentos experimentais e matemáticos 2223 Newton o método indutivo e o surgimento do positivismo Foi com o surgimento desta ciência que começou a se concretizar a esperança de que o homem poderia ter finalmente o conhecimento total e fiel da realidade Foi com Galileu e posteriormente com Newton e Kant que essa esperança tomou matéria e forma A partir deste momento o homem começa a trabalhar tendo como modelo de acesso à realidade o procedimento do experimento científico que estipula critérios para julgar quando esse acesso é realmente alcançado e quando não Isto é este procedimento estipula quando o homem acessa plenamente à realidade a tal ponto de di 17 Em 1632 em Florença na Itália foi publicado o Diálogo sobre os dois maiores sistemas do mundo de Galileu Os conceitos ali emitidos principalmente o de movimento e o da geometrização do universo além de estabelecer a ruptura com a física aristotélica serviram para fundamentar as teorias dos dois maiores físicos que se seguiram a Galileu Newton com suas leis expressas nos Principios matematicos da filosofia natural e Einstein com suas teorias sobre a relatividade geral e restrita modificando a concepção de espaço e tempo De acordo com Aristóteles os corpos estariam em um estado de repouso natural O movimento de um corpo segundo a física aristotélica seria decorrente do impetus de uma força motora que deveria estar constantemente impulsionando esse corpo para não voltar ao seu estado natural de repouso Galileu modifica radicalmente essa concepção Para ele o movimento também é um estado natural estável e permanente tanto quanto o de repouso não necessitando da força impulsionadora constante O princípio da inércia pressuposto por Galileu afirma que um corpo abandonado a si mesmo permanece no estado em que estiver quer seja de movimento ou de repouso enquanto não for submetido à ação de uma força exterior qualquer zer e descrever com exatidão quantitativa como é que ela funciona e como ela se relaciona se o acesso é verdadeiro ou quando não a acessa plenamente se o acesso fornece uma imagem falsa Esse procedimento passou a se chamar método científico e obteve várias interpretações principalmente a positivista e empirista decorrente da física newtoniana expressa na obra Philosophiae Naturalis Principia Mathematica 1687 de Newton A interpretação newtoniana de método científico de acordo com Duhem 1914 era indutivista e positivista próxima à interpretação de Bacon Newton dando uma interpretação diferente à de Galileu se recusava a admitir que trabalhava com hipóteses apriorísticas No Scholium generale que está no final dos Principia Mathematica Newton 1987 p 705 afirma não aceitar nenhuma hipótese física que não possa ser extraída da experiência pela indução Afirmava que suas leis e teorias eram tiradas dos fatos sem interferência da especulação hipotética18 Isto é em física toda proposição deveria ser tirada dos fenômenos pela observação e generalizada por indução Esse seria o método ideal o experimental através do qual se poderia submeter à prova uma a uma as hipóteses científicas À ciência caberia aceitar apenas as que evidenciassem a certeza confirmada pelas provas empíricas produzidas pelo método experimental Com esse método estaria se propondo uma espécie de órganon experimental pretensamente universal que substituísse o órganon aristotélico na lógica19 O modelo popularizado de método científico o indutivoconfirmável sofrendo as influências do empirismo baconiano e da indução confirmabilista newtoniana que foi tomado como padrão e divulgado entre os diferentes campos das ciências naturais 18 Textualmente nos Principia Mathematica Newton 1686 afirma La gravedad hacia el Sol se compone de las gravedades hacia cada una de las partículas del Sol y separándose del Sol decrece exactamente en razón del cuadrado de las distancias hasta más allá de la órbita de Saturno como se evidencia por el reposo de los afelios de los planetas y hasta los últimos afelios de los cometas si semejantes afelios están en reposo Pero no he podido todavía deducir a partir de los fenómenos la razón de estas propiedades de la gravedad y yo no imagino hipótesis Pues lo que no se deduce de los fenómenos ha de ser llamado Hipótesis y las hipótesis bien metafísicas bien físicas o de cualidades ocultas o mecánicas no tienen lugar dentro de la Filosofía experimental En esta filosofía las proposiciones se deducen de los fenómenos e se convierten en generales por inducción Así la impenetrabilidad la movilidad el ímpetu de los cuerpos e las leyes de los movimientos e de la gravedad llegaron a ser esclarecidas op cit p 785 19 Tem sentido sob esse prisma o título dado por Francis Bacon à sua obra Novum Organum 1620 teorizando sobre o modelo metodológico empirista e indutivista que a ciência deveria ter FIGURA 2 Método científico indutivoconfirmável MÉTODO CIENTÍFICO INDUTIVOCONFIRMÁVEL Observação dos elementos que compõem o fenômeno Análise da relação quantitativa existente entre os elementos que compõem o fenômeno Indução de hipóteses quantitativas Teste experimental das hipóteses para a verificação confirmabilista Generalização dos resultados em lei 20 Ampère 17751836 matemático químico e físico francês discípulo do método newtoniano que constrói a teoria do eletromagnetismo em sua obra Théorie mathematique des Phénomènes électrodynamiques uniquement déduit de lexpérience afirma Newton esteve longe de pensar que a lei da gravidade universal pudesse ser inventada partindo de considerações abstratas mais ou menos plausíveis Ele estabeleceu que ela deveria ser deduzida dos fatos observados ou melhor de suas leis empíricas que como as de Kepler são resultados generalizados de um grande número de fatos Observar primeiro os fatos modificandose as circunstâncias tanto quanto possível acompanhar esse primeiro trabalho de medir com precisão para daí inferir as leis gerais independentemente de qualquer hipótese sobre a natureza das forças que produzem os fenômenos o valor matemático dessas forças isto é a fórmula que as representa tal é o caminho que Newton seguia Ele foi por todos adotado na França pelos cientistas aos quais a física deve os imensos progressos que ela fez nesses últimos tempos e foi ele que me serviu de guia em todas as minhas pesquisas sobre os fenômenos eletrodinâmicos Eu tenho consultado unicamente a experiência para estabelecer as leis desses fenômenos e deles deduzir a fórmula que pode sozinha representar as forças para as quais eles são devidos apud DUHEM 1993 p 297298 nossa tradução Esse novo paradigma de verdade e do fazer conhecimento que chegou à sua plenitude com Newton é racionalmente justificado por Kant que na sua Crítica da razão pura 1787 expõe os argumentos que fundamentam a crença nessa forma de acesso à realidade não de um acesso total do em si dos noúmena mas dos fainômena A ciência experimental newtoniana para Kant se transforma no modelo de conhecimento Segundo ele o homem constrói um conhecimento dos fenômenos captados a partir dos conceitos fundamentais a priori de tempo e espaço universais e absolutos condicionantes de toda a apreensão sensível e agregados pelas categorias intelectuais também universalmente presentes no homem A partir de Newton e Kant o conhecimento verdadeiro é dado pela ciência O pensar com a razão pura é ciência que põe o homem em contato com o real enquanto fenômeno O dogmatismo antes presente nas teorias aristotélicas divulgadas sob a proteção do cristianismo manifestase agora com intensidade no interior da própria ciência no final do século XIX motivado por esta pregação positivista do modelo científico dominante como ideal do conhecimento que não admitia outras formas válidas de se atingir o saber a não ser através do método científicoexperimental O sucesso das aplicações teóricas e práticas da física newtoniana no decorrer de três séculos gerou uma confiabilidade cega nesse tipo de ciência fazendo com que as outras áreas de conhecimento não apenas nas ciências naturais mas também das sociai s e das humanas procurassem esse ideal científico e o aplicassem para obter resultados teóricos comprovados experimentalmente Todas queriam gozar do status de cientificidade granjeado pela física Finalmente pensavase o homem havia descoberto o caminho do conhecimento certo e verdadeiro Esse caminho era o da ciência E na ciência conhecer significava experimentar medir e comprovar A ciência orientada pelo poderoso método científicoexperimental indutivo poderia chegar às verdades exatas verificadas e confirmadas pelos fatos O crescimento da ciência seria acumulativo através da superposição de verdades demonstradas pelas provas fatuais geradas pelas observações particulares e pelos experimentos Foi o início do surgimento do cientificismo isto é da crença de que o único conhecimento válido era o científico e de que tudo poderia ser conhecido pela ciência Todo o conhecimento para ter valor deveria ser verificável experimentalmente e apresentar provas confirmadoras de sua veracidade 223 A visão contemporânea de ciência e método a incerteza e a ruptura com o cientificismo É no interior da própria física no entanto que se inicia a ruptura com o dogmatismo e a certeza da ciência Um dos primeiros a denunciála foi Pierre Duhem 18611916 Para ele o cientista constrói instrumentos ferramentas suas teorias para se apropriar da realidade estabelecendo com ela um diálogo permanente A aceitação da validade dos instrumentos de observação e quantificação a seleção das observações de manifestações empíricas e sua interpretação dependem da aceitação da validade ou não dessas teorias Os critérios utilizados no fazer científico enquanto método para Duhem devem ser entendidos como condicionados historicamente São convenções articuladas no contexto históricocultural E como tal permitem a renovação e progresso das teorias revelando o caráter dinâmico da ciência e a historicidade dos princípios epistemológicos do fazer científico A análise da história da ciência permite que Duhem discorde de Newton desmistificando o positivismo calcado no empirismo e na indução do método newtoniano 21 Nesta mesma época principalmente com o advento da mecânica quântica a partir das teorias dos quanta de Max Planck 1900 com as teorias da relatividade de Einstein 22 1905 o princípio da complementaridade de Bohr 23 1913 o novo modelo de átomo idealizado por Schrödinger 1926 o princípio da incerteza de Heisenberg 24 21 As teorias de Pierre Duhem encontramse expressas fundamentalmente nas obras La théorie phisique Son objet sa structure 2 ed 1914 Paris Vrin 1993 Le systéme du monde histoire des doctrines cosmologiques de Platon à Copernic 19131959 Paris Vrin 1959 10 v Sozein ta fainomena Essai sur la notion de théorie physique de Platon à Galilée 1908 Paris Vrin 1982 22 Einstein afirma que o referencial espaçotemporal é diferente para observadores em movimentos diferentes contrariando a postura clássica que prega o valor absoluto para o espaço e tempo Isto é as longitudes e as distâncias diferem segundo o observador em questão É o mesmo que afirmar que o espaço e o tempo a distância e a duração e todas as magnitudes que delas derivam velocidade aceleração força energia não dizem relação com algo absoluto do mundo externo mas que são grandezas relativas que se modificam de acordo com a velocidade em que estiver o observador O marco de referência não está no mundo mas no observador e dele depende É o mesmo que afirmar que um valor monetário por exemplo R 10000 cem reais pode valer num lugar o equivalente a R 12000 e noutro R 8500 isto é tem um determinado valor de compra de acordo com determinados mercados 23 Bohr foi o primeiro físico a reconhecer que na física moderna não se pode aplicar simultaneamente de maneira completa para a descrição da realidade os conceitos de onda e corpúsculo localização no espaço e tempo e estado dinâmico bem definido pois são inconciliáveis e contraditórios No entanto são concepções complementares Isso significa que para se efetuar uma descrição completa dos fenômenos físicos da realidade devese utilizar alternadamente uma e outra concepção 24 O princípio da incerteza afirma É lei da natureza não podermos conhecer com exatidão o estado atual de nenhum corpúsculo Com isso Heisenberg sustenta que na observação e na experimentação encontramos apenas indeterminação imprecisão Por exemplo não é possível conhecer ao mesmo tempo e com precisão a velocidade e a posição do movimento de um elétron no interior de um átomo É impossível determinar com exatidão absoluta no mesmo momento duas quantidades conjugadas Isso não se deve à imperfeição dos instrumentos mas à própria natureza dos fenômenos A indeterminação faz parte da própria essência das partículas microcósmicas Assim é que a indeterminação essencial fundamenta a incerteza que não pode ser eliminada pelo aperfeiçoamento dos mecanismos e instrumentos de observação ou de experimentação 1927 a microfísica e outras teorias importantes na física desvaneceuse a pretensão cientificista e dogmática do determinismo e do mecanicismo A atitude dogmática da ciência moderna foi denunciada no início do século XX por De Broglie 1924 físico francês que afirma muitos cientistas modernos adotaram quase sem se aperceber disso uma certa metafísica de caráter materialista e mecanicista e a consideraram como a própria expressão da verdade científica Um dos grandes serviços prestados ao pensamento contemporâneo pela recente evolução física é o de ter arruinado esta metafísica simplista apud MOLES 1971 p 4 A principal contribuição para uma nova concepção de ciência foi dada por Einstein As suas teorias da relatividade restrita e da relatividade geral foram importantes não apenas pelo conteúdo que apresentaram mas pela forma como foram alcançadas Bacon afirmara que as ideias preconcebidas deveriam ser eliminadas da mente do investigador Einstein não as eliminou Ao contrário semelhante ao artista deu asas à sensibilidade e à imaginação Projetou subjetivamente um modelo de mundo que não fora captado registrando passivamente dados sensoriais mas influenciado por suas emoções paixão mística impulsos de sua imaginação convicções filosóficas e como ele próprio afirmou por um sentimento religioso cósmico apud THUILLIER jul 1979 p 2429 Com Einstein Bohr Heisenberg Schrödinger e tantos outros quebrouse o mito da objetividade pura isenta de influências das ideias pessoais dos pesquisadores Demonstrou que mais do que uma simples descrição da realidade a ciência é a proposta de uma interpretação O cientista se aproxima mais do artista do que do fotógrafo 25 Como consequência dessa primeira ruptura que atingiu diretamente o processo de descoberta da visão moderna de ciência aparece uma segunda contribuição de Einstein a demonstração de que por maior que seja o número de provas acumuladas em favor de uma teoria ela jamais poderá ser aceita como definitivamente confirmada Os esquemas explicativos mais sólidos podem ser substituídos por outros melhores O progresso científico então deixa de ser acumulativo para ser revolucionário E o critério até então adotado para distinguir a ciência da nãociência o da confirmabilidade obtida pelo uso do método experimental indutivo cai por terra E uma nova pergunta se coloca Que critério utilizar para demarcar e distinguir a ciência de outras formas de conhecer É possível ter um procedimento padrão um método científico para fazer ciência 25 Ver Bronowski Um sentido do futuro cap 5 sobre a Lógica da natureza sd 2231 Crítica do contexto de descoberta do método indutivoconfirmável Desde Aristóteles a indução é entendida como o argumento que passa do particular para o geral ou do singular para o universal ou ainda do conhecido para o desconhecido É grande o número de tipos de inferências indutivas existentes 26 O seguinte argumento de enumeração simples mostra essa passagem do singular para o universal O cisne 1 é branco O cisne 2 é branco O cisne 3 é branco O cisne n é branco Todos os cisnes são brancos Segundo Wright apud HEGENBERG 1976 p 174 a indução pode ser caracterizada da seguinte forma do fato de que algo é verdade relativamente a certo número de elementos de uma dada classe concluise que o mesmo será verdade relativamente a elementos desconhecidos da mesma classe Se em especial a conclusão se aplica a um número ilimitado de elementos não examinados dizse que a indução leva a uma generalização Para Hempel 1970 p 174 a indução na investigação científica ideal dos indutivistas fundamentase em quatro etapas a observação e registro de todos os fatos b análise e classificação desses fatos c derivação indutiva de generalização a partir deles d verificação adicional das generalizações A indução portanto atribui ao universal um predicado constatado aos casos particulares ampliando as conclusões do particular para o geral do conhecido para o desconhecido O que se questiona é se se pode aceitar como válida a indução como proposta de método científico Desde Bacon até Popper Carnap e outros diversos pensadores analisaram o problema O que mais chamou atenção sobre ele foi Hume 17111776 que o colocou da seguinte forma podese justificar a passagem do co26 Ver em Hegenberg Leônidas Etapas de investigação científica São Paulo EPUEditora da Universidade de São Paulo 1976 2 v p 171174 100 FIGURA 6 Funções das leis e teorias