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95 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 LINGUÍSTICA TEXTUAL E ENSINO COESÃO E COERÊNCIA NA ALFABETIZAÇÃO TEXTUAL LINGUISTICS AND TEACHING COHESION AND COHERENCE IN LITERACY Ananias Agostinho da SILVA1 Resumo Neste artigo reflito sobre como a Linguística Textual pode contribuir com o ensino e a produção de texto na alfabetização Para tanto considerando as noções de coesão e de coerência analiso textos escritos veiculados em materiais didáticos de alfabetização em atividades de leitura e textos escritos por alunos de escolas que adotam esses materiais com a intenção de demonstrar que os alunos se orientam de fato nas atividades de produção textual pelos modelos de textos que lhe são apresentados em atividades de leitura A partir das análises realizadas demonstro a importância e a necessidade de os alunos desde os anos escolares do período de alfabetização serem apresentados a textos reais pertencentes aos mais diversos gêneros de texto Palavraschave Linguística Textual Coesão Coerência Alfabetização Produção textual Abstract In this article I reflect on how Textual Linguistics can contribute to teaching and producing text in literacy Therefore considering the notions of cohesion and coherence I analyze written texts conveyed in didactic materials of literacy in reading activities and texts written by students of schools that adopt these materials with the intention of demonstrating that the students are oriented in fact in the activities of textual production by the models of texts that are presented to him in reading activities From the analyzes carried out they demonstrate the importance and necessity of the students from the school years of the literacy period being presented to real texts belonging to the most diverse textual genres Keywords Textual Linguistics Cohesion Coherence Literacy Text production Introdução Muitas correntes de estudos linguísticos modernos têm apresentado importantes contribuições para o ensino de línguas mesmo sem ser objetivo a priori de algumas delas isto é mesmo aquelas que não têm caráter aplicado ou pedagógico De fato se considerarmos por exemplo a história do ensino de língua portuguesa no Brasil veremos sem grandes esforços na incursão empreendida que muitas práticas de ensino foram abolidas e outras redirecionadas por influência das constatações de pesquisas desenvolvidas no escopo de certas correntes linguísticas Longe de querer historicizar sobre o ensino de língua portuguesa no Brasil atentando para as mudanças ocorridas nas práticas ao longo do tempo essa tarefa já tem sido realizada com maestria por outros autores como Bunzen 2009 2011 por exemplo e portanto não corresponde ao nosso objetivo neste trabalho quero apenas apontar que não fossem os estudos linguísticos modernos 1 Doutor em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN Professor Adjunto da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará UNIFESSPA Email ananiasgpetyahoocombr 96 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 a configuração atual do sistema de ensino de língua portuguesa seria absolutamente distinta totalmente limitada ainda dentre outros aspectos ao ensino da gramática da língua Não fossem por exemplo as contribuições da Linguística Textual ao ensino de língua portuguesa no Brasil devidamente reconhecidas e registradas inclusive em documentos oficiais como os Parâmetros Curriculares Nacionais o texto ainda não teria sido tomado como unidade de ensino Na verdade essa corrente de estudos linguísticos de modo particular tem contribuído consideravelmente com o ensino de língua portuguesa no Brasil O trabalho com os gêneros textuais com a produção e interpretação de textos e todos os fatores nelas envolvidos com a construção de sentidos com a oralidade hoje tão presente nas aulas de língua portuguesa possui respaldo justamente na agenda teórica da Linguística Textual de forma não restritiva evidentemente reconheço dada as contribuições de muitas outras vertentes de estudos linguísticos Tratase pois de um ramo das ciências da linguagem cujo corpo teórico tem oferecido aos professores de língua portuguesa subsídios indispensáveis ao trabalho com os recursos linguísticos textuais e discursivos necessários à aprendizagem efetiva da língua São inclusive muitos os estudos que hoje em dia atestam tais contribuições sugerindo propostas de trabalho ou mesmo aproximações necessárias entre conceitos teóricos da Linguística Textual e práticas pedagógicas de ensino de língua portuguesa principalmente nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio Por outro lado quase não encontramos trabalhos que apontem as contribuições que essa vertente linguística tem apresentado ou pode apresentar também para o trabalho com o texto na Educação Infantil e nos primeiros anos do Ensino Fundamental ou seja no período de alfabetização Possivelmente essa lacuna ou mesmo ausência de estudos decorra da crença equivocada de que alunos em fase de alfabetização não produzem textos já que supõese ainda não dominam os mecanismos linguísticos necessários à escrita de um texto Com efeito pareceme ter sido essa mesma crença que tem podado o ensino de produção de textos nos anos escolares de alfabetização e como consequência colateral dificultado ou comprometido a atividade de escrita em anos escolares posteriores e em práticas de interação social grafocêntricas Por oportuno pretendo refletir justamente sobre como a Linguística Textual pode contribuir com o ensino e a produção de texto na alfabetização Dessa maneira levando em conta as noções de coesão e de coerência analiso textos escritos veiculados em materiais didáticos de alfabetização em atividades de leitura e portanto tomados como modelos ideais a serem seguidos pelos alunos quando das atividades de produção textual Em seguida analiso textos escritos por alunos de escolas que adotam esses materiais com a intenção de demonstrar que os alunos se orientam de fato nas atividades de produção textual pelos modelos de textos que lhe são 97 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 apresentados em atividades de leitura Finalmente proponho que desde a alfabetização e principalmente nesse período os alunos precisam ser apresentados a textos reais nos quais se façam uso de diversos recursos linguísticos textuais e discursivos disponíveis para que desse modo possam também produzir textos reais coesos e coerentes ao contexto ao gênero e ao propósito comunicativo sem muitas dificuldades Antes porém situo a seguir a Linguística Textual no campo dos estudos linguísticos e discorro mesmo que de forma muito breve sobre os conceitos de texto textualidade coesão e coerência A Linguística Textual A Linguística Textual começou a se desenvolver na Europa a partir do início da década de sessenta do século passado com maior ênfase e destaque na região germânica e depois nos Estados Unidos Constituindo um campo específico dos estudos linguísticos modernos a Linguística Textual conforme contam Fávero e Koch 2012 nasce com a proposta de tomar o texto e não mais a palavra nem a frase como objeto de análise Isso porque diferentemente da palavra e da frase unidades linguísticas básicas de análise porém tomadas de maneira isolada do contexto de produção portanto não completas o texto constitui uma forma específica e completa de manifestação de linguagem O empreendimento teóricometodológico seguido pela Linguística Textual consistiu em um projeto inovador e em um amplo esforço de muitos estudiosos da linguagem da época ocupados em se afastar da influência estruturalista para tratar dos processos de produção recepção e interpretação dos textos reintegrando o sujeito e a situação de comunicação em seu escopo teórico BENTES 2006 p 16 Assim principalmente na Europa e nos Estados Unidos autores como KarlErich Heidolph Wolfdietrich Hartung Horst Isenberg Wolf Thümmel Peter Hartmann Roland Harweg János S Petöfi Wolfgang Ulrich Dressler Teun Van Dijk Siegfried J Schmidt Werner Kummer e Dieter Wunderlich dentre outros passaram a questionar a frase como unidade de análise tendo em vista as lacunas e deficiências que o trabalho com a mesma apresentava no estudo de vários fenômenos da língua como a referência e as relações entre sentenças não ligadas por conjunções por exemplo e propuseram o texto como unidade de análise Pouco tempo depois do seu surgimento já no final da década de setenta Conte 1977 afirmava ser possível falar em três momentos tipológicos distintos da Linguística Textual análise transfrástica as gramáticas de texto e as teorias de textos No primeiro momento o objetivo principal dos linguistas era estudar os tipos de relações que se estabeleciam entre os diversos 98 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 enunciados que constituem uma sequência significativa o texto Para tanto partiam pois de enunciados ou sequência de enunciados frases para o texto compreendido por Isenberg apud BENTES 2006 p 247 como uma sequência coerente de enunciados Num segundo momento o foco de atenção dos linguistas recaiu sobre a competência textual que permitia ao falante de uma língua distinguir um texto coerente de um aglomerado incoerente de frases E já que os usuários de uma língua têm esta capacidade justificase a necessidade de elaboração de gramáticas textuais cuja tarefa básica era estabelecer o sistema de regras finito e recorrente partilhado por todos os usuários de uma língua Finalmente num terceiro momento os estudiosos passaram a verificar como funcionavam os textos em uso de que modo eles se constituíam e como se dava sua compreensão Começaram pois a elaborar teorias de construção do texto concebendoo como um processo que envolve questões sociocognitivas interacionais e comunicativas Apesar de descritos de forma sequenciada esses momentos não podem ser concebidos na passagem de um para o outro a partir de uma ótica cronológica como se um tivesse ocorrido por ocasião do desaparecimento do outro O desenvolvimento da Linguística Textual na verdade não se deu de forma homogênea em todos os lugares e linear A apresentação dos momentos acima de forma sequencial devese a uma estratégia de organização aqui adotada Por outro lado porém não se pode negar que em cada um desses momentos ocorre uma reflexão voltada para o aprimoramento dos procedimentos teóricometodológicos de compreensão e de tratamento do texto Em meados da década de oitenta mais de vinte anos após o seu surgimento e desenvolvimento na Europa a Linguística Textual chega aqui no Brasil com a publicação de trabalhos de Ignácio Antônio Neiss Luiz Antônio Marcuschi e Ingedore Villaça Koch De modo geral apresentaramna como o estudo das operações linguísticas e cognitivas reguladoras e controladoras da produção construção funcionamento e recepção de textos escritos ou orais MARCUSCHI 2012 p 33 Assim sendo a Linguística Textual abrange tanto a coesão no nível dos constituintes linguísticos dos textos como a coerência conceitual no nível semântico e cognitivo e o sistema de pressuposições e implicações no nível pragmático da produção de sentido no plano das ações e intenções Ou ainda voltando aos termos de Marcuschi 2012 por um lado a Linguística Textual deve se preocupar com a organização linear dos textos ou seja o tratamento estritamente linguístico abordado no aspecto da coesão e por outro deve considerar a organização reticulada e tentacular não linear portanto dos níveis de sentido e intenções que realizam a coerência no aspecto semântico e pragmático Tratase portanto de um campo de investigação bastante amplo e multifacetado 99 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 Como se percebe apesar de ser uma disciplina um ramo da ciência Linguística de surgimento e desenvolvimento bastante recentes foram relativamente significativas as mudanças pelas quais passou a Linguística Textual Da observação de seu breve percurso histórico depreendese que de uma disciplina de inclinação primeiramente gramatical análise transfrástica gramática textual depois pragmáticodiscursiva ela transformase em uma disciplina com forte tendência sóciocognitivista KOCH 2001 p 1516 Essa passagem evidentemente implica uma nova forma de compreensão de texto de contexto e de análise O texto Ao longo da história da Linguística Textual o texto seu objeto de estudo e de análise foi concebido de formas diversas Desde o surgimento da Linguística Textual até os dias atuais foram formuladas concepções variadas para a noção de texto Em um exercício de síntese teórica Koch 2004 observou que no interior da Linguística Textual foram formuladas as seguintes concepções 1 texto como frase complexa ou signo linguístico mais alto na hierarquia do sistema linguístico concepção de base gramatical 2 texto como signo complexo concepção de base semiótica 3 texto como expansão tematicamente centrada de macroestruturas concepção de base semântica 4 texto como ato de fala complexo concepção de base pragmática 5 texto como discurso congelado como produto acabado de uma ação discursiva concepção de base discursiva 6 texto como meio específico de realização da comunicação verbal concepção de base comunicativa 7 texto como processo que mobiliza operações e processos cognitivos concepção de base cognitivista 8 texto como lugar de interação entre atores sociais e de construção interacional de sentidos concepção sóciocognitivainteracional KOCH 2004 p12 Essas concepções foram estabelecidas em um ou noutro momento da Linguística Textual e em alguns casos podem ser melhor visualizadas ou compreendidas quando são relacionadas com um dos ou com os três momentos antes descritos porém estando elas imbrincadas não se pode afirmar com grau de precisão quando uma passou a ser utilizada em detrimento da outra De todo modo essas concepções revelam o quanto a Linguística Textual tem avançado e também se mostrado passível de diálogo com outras ciências ou vertentes teóricas no sentido de compreender o seu objeto de investigação o texto em seus mais diferentes aspectos e matizes constitutivos linguísticos gramaticais semióticos semânticos pragmáticos discursivos comunicativos cognitivos e também interacionais Em resumo segundo observou Bernardino 2015 os avanços alcançados no âmbito da Linguística Textual permitiram considerar o texto dentro de suas 100 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 condições de produção encarálo como parte de atividades mais globais de comunicação e principalmente compreendêlo em seu próprio processo de planejamento verbalização e construção Ainda sobre as concepções acima apresentadas acompanhando Koch e Elias 2016 observase que da compreensão de texto como unidade mais alta do sistema linguístico ênfase nos aspectos formais e estruturais estudiosos passaram a entender o texto como unidade básica da comunicação e interação humana e dessa concepção a uma outra que focalizou o texto como resultado de uma multiplicidade de operações cognitivas interligadas até chegarem à compreensão de texto como entidade multifacetada fruto de um processo extremamente complexo de interação social e de construção social de sujeitos conhecimento e linguagem KOCH 2004 p 175 De um modo geral no Brasil é essa concepção sóciocognitivainteracional de texto que tem fundamentado as pesquisas e os estudos em Linguística Textual desenvolvidos na atualidade Ora pensar o texto como lugar de interação entre sujeitos sociais e de construção interacional de sentidos significa considerar a dimensão interacional isto é dialógica da linguagem Na verdade de acordo com Koch 2004 foi justamente o interesse por essa dimensão da linguagem que permitiu à Linguística Textual integrar ao seu escopo uma variedade de questões fundamentais as diversas formas de progressão textual a dêixis textual o processamento sociocognitivo do texto os diferentes gêneros inclusive da mídia eletrônica questões ligadas ao hipertexto a intertextualidade entre várias outras p33 Todas essas questões só podem ser estudadas e compreendidas quando se entende o texto como resultado parcial de nossa atividade comunicativa a qual envolve processos operações e estratégias que têm lugar na mente e que são postos em ação no intuito de se alcançar um propósito social em conformidade com as condições sob as quais esta atividade se realiza ou seja as situações concretas de interação social KOCH 2006 Coerência e coesão Ocupeime acima em apresentar a concepção de texto que norteia os estudos atualmente em Linguística Textual e portanto o desenvolvimento desse trabalho Porém para além de definir o texto é necessário também discutir sobre os elementos que fazem com que uma palavra uma sentença ou um conjunto delas possa ser considerado como tal Na literatura da Linguística Textual já é consenso que a textualidade corresponde ao conjunto de propriedades definidoras de um texto Um texto só será de fato um texto se tiver textualidade No geral são sete os fatores responsáveis pela textualidade de um texto qualquer isto é por fazerem com que um texto seja um todo dotado 101 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 de unidade semântica cognitiva e formal coerência coesão intencionalidade informatividade aceitabilidade situacionalidade e intertextualidade Aqui interessame apenas dois deles coerência e coesão Os demais não serão evidentemente desconsiderados mas levados em conta quando da discussão desses dois primeiros fatores Tradicionalmente os fatores de textualidade são classificados em dois grupos fatores centrados no texto coerência e coesão e fatores centrados no usuário autor e leitor os demais Entretanto discordo dessa organização porque como se verá a seguir a coerência e a coesão mas especialmente a primeira não estão centradas apenas nos textos em si como se fossem localizadas e localizáveis neles mas antes resultam também de um trabalho sociocognitivo compartilhado pelos autores e pelos leitores e mediado pelos textos Ou nos termos de Koch e Travaglia 1997 p 38 a coerência não é apenas uma característica do texto mas depende fundamentalmente da interação entre o texto aquele o produz e aquele que busca compreendêlo Entretanto não se trata de dizer que a coerência independe do texto o texto é fundamental porque apresenta pistas que orientam o leitor a calcular o sentido e estabelecer coerência para o próprio texto A noção de coerência é complexa Até ao final da década de noventa conforme observaram Koch e Travaglia 1997 nenhum dos conceitos encontrados na literatura era capaz de conter em si todos os aspectos considerados como definidores da coerência dos textos Hoje também mesmo depois de tantos avanços nas pesquisas em Linguística Textual ainda não se encontra na literatura especializada ao menos com facilidade e clareza um conceito completo que dê conta de fato da multiplicidade de facetas que recobrem a noção de coerência A coerência da origem à textualidade É ela que faz com que um texto faça sentido para os usuários de uma língua em uma dada situação comunicativa KOCH TRAVAGLIA 1997 É ela necessária para que o texto possa ser percebido por um leitor ou ouvinte como um todo dotado de sentido como uma unidade semântica de comunicação e não apenas como um aglomerado de frases e palavras É pois global e diz respeito a todos os elementos que de alguma maneira influenciam na construção dos sentidos dos textos A coerência é relativa ao contexto de interação verbal Por isso leva em conta os conhecimentos e as experiências dos interlocutores do ato comunicativo o conteúdo da mensagem a ser transmitida o propósito comunicativo o gênero selecionado a relação do texto com outros textos Do ponto de vista do autor conhecimentos os mais variados são mobilizados e ativados para que possa dizer o que pretende e ser entendido pelo seu interlocutor também do modo como pretende ou de modo semelhante ao pretendido É o exercício do princípio de cooperação o indivíduo interage com o outro da forma mais explícita e completa possível para que todos os seus enunciados possam ser corretamente interpretados Do ponto de vista do leitor conhecimentos 102 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 previamente constituídos e armazenados na memória carecem de ser ativados para que possa entender e interpretar o texto construindo sentidos para ele Nessa direção a coerência se refere também a um princípio de interpretabilidade e compreensão do texto sempre que for possível aos interlocutores construir um sentido para o texto este será para eles nessa situação de interação um texto coerente KOCH ELIAS 2012 p 189 Isto quer pois dizer que uma dada produção linguística pode ser entendida como incoerente por determinado usuário da língua ao passo que para outro pode não o ser porque no ato de recepção do texto o conhecimento de mundo do leitor exerce papel determinante na recuperação dos sentidos pretendidos pelo autor Não se trata evidentemente de centrar a coerência no leitor como já apontado acima como se se tratasse de um processo unilateral mas de ressaltar sua importância no estabelecimento da coerência de como ela depende do próprio leitor ou ouvinte do texto e de seu conhecimento de mundo e da situação de produção bem como de seu grau de domínio dos elementos linguísticos pelos quais o texto se atualiza naquele momento discursivocomunicativo KOCH TRAVAGLIA 1997 Como se percebe portanto a coerência se estabelece na dependência de uma multiplicidade de fatores de ordem linguística discursiva pragmática cognitiva e social Em um esforço de síntese Koch e Travaglia 1997 estabelecem os seguintes fatores como responsáveis pelo estabelecimento da coerência conhecimento e uso de elementos linguísticos conhecimento de mundo e o grau de compartilhamento desse conhecimento pelos autores e leitores ou ouvintes dos textos e fatores pragmáticos e interacionais tais como o contexto situacional os interlocutores em si suas crenças convicções e intenções comunicativas e a função comunicativa do texto Todos esses fatores concorrem para o estabelecimento da coerência nos textos Há além desses um outro fator determinante para a construção da coerência a coesão A coesão tem a ver com a organização dos elementos sintáticos e gramaticais em um texto Revelase através das marcas linguísticas índices formais na estrutura das sequências linguística e superficial e que se manifesta na sequência linear do texto KOCH TRAVAGLIA 1997 p 13 Halliday e Hasan 1976 entendem a coesão como um conceito semântico pois referese às relações de sentido existentes no interior do texto e o que o definem como texto Para eles a coesão ocorre quando a interpretação de alguém elemento no discurso é dependente da de outro Um pressupõe o outro no sentido de que não pode ser efetivamente decodificado a não ser por recurso ao outro HALLIDAY HASAN 1976 p 04 Noutras palavras a coesão é uma relação semântica entre um elemento do texto e algum outro elemento crucial para a sua interpretação Esclarecem no entanto que embora se trate de uma relação semântica a coesão é realizada através do sistema léxicogramatical 103 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 Ainda segundo esses autores os mecanismos de coesão podem ser classificados em cinco tipos referenciação pessoal demonstrativa comparativa substituição nominal verbal frasal elipse nominal verbal frasal conjunção aditiva adversativa causal temporal continuativa coesão lexical repetição sinonímia hiperonímia uso de nomes genéricos colocação De um modo geral a referenciação compreende os elementos da língua que não podem ser interpretados semanticamente por si mesmos mas remetem a outros itens necessários para sua interpretação A substituição ocorre quando um item é colocado no lugar de outro elemento do texto A elipse corresponde um tipo se substituição por zero um item é omitido mas é facilmente recuperável pelo contexto A conjunção estabelece relações de significados entre elementos ou orações do texto Finalmente a coesão lexical ocorre por meio dos mecanismos de reiteração repetição do mesmo item lexical ou através de sinônimos hiperônimos ou nomes genéricos e colocação uso de termos pertencentes a um mesmo campo semântico KOCH 2004 Todos esses mecanismos atuam como recursos semânticos responsáveis pelo estabelecimento de relações diversas entre itens palavras frases orações parágrafos dos textos É porque corresponde a uma relação semântica que a coesão contribui para estabelecer a coerência dos textos Tratase porém de uma contribuição apenas parcial conforme esclarece Charolles 1978 os elementos linguísticos responsáveis pela coesão ajudam a estabelecer a coerência mas não são nem suficientes nem necessários para que a coerência seja de fato estabelecida É por isso que há textos destituídos de mecanismos de coesão mas que mesmo assim ainda podem ser considerados como textos porque apresentam textualidade no nível da coerência Na verdade a simples justaposição de eventos e situações em um texto pode ativar operações que recobrem ou criam relações de coerência MARCUSCHI 1986 p 40 Por outro lado conforme observa Koch 2004 certos enunciados podem aparecer sequencialmente coesivos mas não chegam nesses casos a constituir textos porque lhes falta a coerência Assim a coerência parece ser de fato o princípio fundamental da textualidade dos textos O ensino de produção textual Como diz Koch 2000 o homem por natureza comunicase através de textos Os textos na verdade são práticas sociais em que estão sempre envolvidos seres humanos em carne e osso empenhados em solucionar problemas de toda ordem Seres que têm crenças sentimentos vontades desejos interesses ideias e ideais diversos e respeitáveis MARCUSCHI 2001 p 11 E todo esse conjunto de desejos e sentimentos são representados ou materializados por meio de textos Textos diversos produzidos sob a forma de gêneros com estruturas composicionais 104 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 conteúdos temáticos e estilos também diversificados através dos quais um sujeito interage com um outro para num processo dialéticodialógico se constituir como eu e constituir o outro como outro Sendo assim é imprescindível que o professor na escola apresente ao aluno e lhe possibilite conhecer e aprender a fazer uso dos mais variados modelos e tipos de textos e gêneros existentes para que ele possa ultrapassar a simples produção de conjuntos aleatórios de frases para distinguilas e produzilas de maneira significativa considerando a noção de unidade semântica KOCH 2006 É também por esse mesmo motivo que Geraldi 1997 considera a produção de textos orais e escritos como ponto de partida e ponto de chegada de todo o processo de ensino e de aprendizagem da língua Ora é no texto que a língua se revela em sua totalidade quer enquanto conjunto de formas e de seu reaparecimento quer enquanto discurso que remete a uma relação intersubjetiva constituída no próprio processo de enunciação marcada pela temporalidade e suas dimensões GERALDI 1997 p 135 Desse modo apenas no texto parece ser possível observar e discutir a complexidade de relações e de elementos constitutivos da língua e da linguagem e por isso deve ser a unidade básica do ensino de língua em todos os níveis de aprendizagem inclusive na alfabetização É também para esta direção que parecem apontar os Parâmetros Curriculares Nacionais PCNs quando se referem ao trabalho com o texto escrito no ensino de língua De acordo com o documento para que os alunos possam aprender a escrever precisam ter acesso à diversidade de textos escritos testemunhar a utilização que se faz da escrita em diferentes circunstâncias defrontarse com as reais questões que a escrita coloca a quem se propõe produzila arriscarse a fazer como consegue e receber ajuda de quem já sabe escrever BRASIL 1997 p 6667 As diversas situações de interação do cotidiano formais ou informais são mediatizadas por diferentes modelos de textos por diferentes gêneros Dessa forma quanto maior o repertório de textos do sujeito maiores também serão suas possibilidades de interação É nesse sentido que se defende a necessidade de trabalho na escola com textos pertencentes aos mais diversos gêneros tendo em vista a aquisição de um repertório variado de formas de texto por parte dos alunos Ensinar aos alunos a produzirem textos nessa perspectiva é muito mais do que ensinálos a escrever É possibilitálos o aprendizado de formas de interação Conforme observa Koch 1998 a produção de texto é uma atividade verbal a serviço de fins sociais portanto inserida em contextos mais complexos de atividade Toda produção se dá pois em um determinado contexto em uma situação comunicativa É ainda uma atividade intencional da qual se leva em consideração o momento e o espaço em que o autor está situado Todo texto é produzido com uma intenção para atender a um propósito comunicativo Sobretudo é uma atividade interacionista visto que os sujeitos se acham envolvidos na atividade de produção textual de maneiras diversas Com efeito a 105 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 presença do outro parece ser condição necessária para a existência do texto Todo texto é direcionado para alguém mesmo os monólogos ou textos como o diário pessoal são também produzidos para um interlocutor que nesses casos pode ser o próprio autor Por tudo isso o trabalho com a produção de textos na escola deve levar em conta textos verdadeiros no sentido de serem reais em oposição aos textos pedagogicamente fabricados escritos por autores e direcionados para leitores verdadeiros produzidos em situações comunicativas em que foram são verdadeiramente necessários Quando são trazidos para dentro da escola os textos que circulam socialmente fora dela cumprem um papel modelizador porque passam a ser concebidos como fonte de referência para os alunos principalmente quando estão em fase inicial de aprendizagem da escrita Daí o cuidado para se trabalhar com textos reais de fato porque eles passarão a compor o repertório textual dos alunos Quando em atividade de produção textual na escola ou fora dela os alunos sempre retomarão os textos a eles apresentados em atividades de leitura porque esses são arquivados em suas memórias Tratase pois de um processo cognitivo de acionamento de memórias que lhes permitem estabelecer relações intertextuais entre os textos que produzem e os textos que lhes foram apresentados num esforço para produzirem textos coerentes e coesos que atendam de fato aos propósitos comunicativos intencionados Todos esses aspectos devem ser levados em conta em todos os níveis escolares de ensino e aprendizagem da língua inclusive nos anos escolares que compreendem o período de alfabetização Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental É claro que nesse nível de ensino são encontradas muitas dificuldades no que diz respeito ao trabalho com a produção de textos atreladas à crença de que o aluno em fase de alfabetização ainda não produz textos porque não dominam a ortografia da língua não é portanto à toa que o domínio do sistema ortográfico constitua um dos principais eixos de investimento pedagógico nos anos iniciais de ensino e aprendizagem na escola Entretanto defendo aqui justamente a ideia contrária alunos em fase de alfabetização produzem textos e tendem inclusive a seguir os modelos de textos que lhes são apresentados É preciso no entanto considerar todas as dimensões que envolvem o processo de escrita de textos nesse nível de aprendizagem Por exemplo a apropriação mecânica e automática do sistema alfabético por meio da memorização de correspondências grafossonoras não é garantia suficiente para que o aluno possa produzir um texto Por outro lado mesmo que o aluno ainda não domine com maestria o sistema alfabético da língua ele pode conseguir produzir um texto Isso porque a produção de um texto não depende com exclusividade do código linguístico utilizado mas antes conforme comentado anteriormente de um conjunto de aspectos linguísticos gramaticais semióticos semânticos 106 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 pragmáticos discursivos comunicativos cognitivos e interacionais É porque se desconsideram todos esses aspectos que no final da fase de alfabetização conforme observaram Brandão e Leal 2005 muitos alunos são capazes de escrever palavras e frases isoladas com eficiência mas não conseguem escrever um bilhete simples Esses alunos decoram o código da língua e o empregam em situações mecânicas de uso situações já préfabricadas mas não conseguem ou apresentam dificuldades de colocálo em uso em situações reais Portanto a aprendizagem da escrita não deve ser entendida como um processo motor e mecânico baseado na reprodução de formas gráficas do sistema alfabético da língua mas como um processo cognitivo e linguístico Nele a produção de texto deve ser sempre vista como uma atividade situada o que implica considerar dentre outros fatores o sujeito que escreve o sujeito para quem se escreve as intenções ou objetivos que se pretende alcançar a situação imediata de produção e o contexto social e histórico em que o texto é produzido Por sua vez a alfabetização não deve ser considerada apenas em seu sentido restrito isto é como a aquisição da escrita alfabética do sistema linguístico mas como uma prática que se desenvolve dentro de um processo mais amplo de aprendizado da língua e da linguagem Não se trata apenas de ensinar os alunos a escreverem mas antes de lhes possibilitar o aprendizado de usos diversificados da língua em situações variadas de interação por meio da escrita Os textos em materiais didáticos Nos anos iniciais do Ensino Fundamental os livros didáticos adotados para o ensino da Língua Portuguesa são aprovados e distribuídos pelo Ministério da Educação por meio do Programa Nacional do Livro Didático no entanto em muitas salas de aula de alfabetização ainda se mantém a prática do uso de cartilhas ou de cadernos de caligrafia e ortografia sob o argumento de que os livros aprovados e distribuídos pelo programa exigem um nível de conhecimento ainda não dominado pelos alunos em fase de alfabetização principalmente quando se trata de alunos matriculados em escolas localizadas em cidades muito pequenas e afastadas de grandes centros urbanos e em periferias Na Educação Infantil porque não há uma política de livros didáticos o uso da cartilha de alfabetização de apostilas e de materiais didáticos avulsos é ainda mais recorrente O uso da cartilha é quase nefasto com toda a negatividade semântica que tem a palavra à aprendizagem da escrita dos alunos Ela cerceia a liberdade de aprender do aluno impondolhe um modelo estigmatizado de texto que se afasta em muito dos textos que de fato são produzidos no cotidiano Os danos ao processo de produção textual podem ter consequências durante toda a vivência do aluno 107 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 A título de ilustração apresento e analiso a seguir dois textos extraídos de cartilhas utilizadas em turmas cinco anos de Educação Infantil de uma escola que visitei em uma cidade do interior do Estado do Rio Grande do Norte Texto 01 Texto 02 A Fonte Alfabetização inteligente Fonte Vamos brincar O primeiro texto faz parte de uma sequência de textos apresentados na cartilha sobre cada letra do alfabeto Nesses textos as letras são tomadas como personagens e em torno delas se constroem pequenas narrativas No texto acima vêse uma tentativa frustrada de se construir uma narrativa com o máximo de palavras possíveis e impossíveis já que é exagerado o esforço iniciadas com a respectiva letra É isso que ocorre também em todos os outros textos da sequência na cartilha No caso específico do texto acima reproduzido é possível observar o esforço do autor em introduzir e associar palavras de campos semânticos distintos iniciadas com a letra abordada Em si essa estratégia não compromete a coerência do texto apesar de não se poder deixar de dizer de um estranhamento provocado pela associação das três palavras grafadas com letra maiúscula Há no entanto outros sérios problemas que podem ser observados no texto Em relação à coesão observase a precariedade de recursos coesivos Além da repetição do referente a letra como estratégia de reforço para a construção de rima no segundo verso e da conjunção e no último como elemento de ligação entre duas orações a única estratégia de coesão 108 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 presente no texto é a elipse Não há outra forma de retomada do referente principal ao longo de todo o texto nem a utilização de um outro elemento de coesão referencial Entretanto apesar de não explorar bem os mecanismos de coesão o que traz complicações para o texto de fato é a ausência de um nível desejável de coerência Mesmo que se alegue tratar se de narrativa pertencente ao mundo da ficção fabricada para ser cantada a realização dos eventos narrados dificulta a construção de um mundo textual possível por parte do leitor Não há relação semântica necessária entre os três eventos descritos no texto Na verdade parece que a aproximação desses eventos tem por finalidade única a construção de estruturas rítmicas favorecendo a focalização de palavras iniciadas por um mesmo som Ignorase desse modo os aspectos semânticos e pragmáticos do texto em detrimento de aspectos linguísticofonológicos Dizendo de outro modo ao estilo parnasiano aguado como disse o poeta o que parece importar é apenas a construção de rimas e que estas sejam percebidas pelos alunos Também o texto dois apresenta alguns problemas de coesão e coerência que comprometem seu funcionamento Logo na primeira linha são introduzidos dois referentes Caxuxa e um xale Esses referentes são retomados ao longo do texto por um único mecanismo de coesão lexical a repetição Há sete ocorrências de cada um dos referentes ou seja em quase todas as linhas do texto há a repetição dos referentes Ora essa estratégia que aparentemente sugere a focalização dos referentes compromete a noção de unidade do texto parecendo muito mais um conjunto de frases e orações com poucos elementos linguísticos de ligação Na quarta linha ocorre a introdução de outro referente Xexéu Neste caso há três retomadas estrutura predicativa quarta linha pronome quinta linha e repetição sexta e sétima linhas Como se percebe apesar de apresentar uma maior ocorrência de mecanismos coesivos em relação ao texto um o uso predominante e quase excessivo da repetição com finalidade pedagógica parece comprometer ao menos em parte a coesão do texto já que nem mesmo na modalidade oral da língua o falante recorre a tantas repetições de referentes Além disso pode repassar para o aluno a falsa ideia de que um texto escrito para ser bom deve usar prioritariamente a repetição como elemento de coesão Há ainda problemas de coerência relativos à construção de um mundo textual por parte do leitor a partir dos dados textuais que lhe são no caso não são fornecidos Ao final do texto o leitor ainda não consegue identificar quem de fato é a personagem Caxuxa Seria uma menina Uma bruxa inferível pela presença de elementos culturalmente associados à figura da bruxa como gato e xale por exemplo Se esta última hipótese for verdadeira seria uma bruxa boazinha Uma bruxa má Deveras a única coisa que se sabe sobre ela é que tem um xale e um gato Não há uma predicação que atribua alguma identidade à personagem diferentemente do que acontece com o gato por exemplo Além disso é possível que o leitor ainda se questione sobre qual o elemento 109 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 central do texto O xale Pela focalização do título é possível supor que sim mas outros referentes também são focalizados com a mesma intensidade no texto O título do texto poderia muito bem ser Caxuxa Em termos semânticos e de compreensão não apresentaria diferença significativa Em termos grafossonoros também não já que as duas palavras apresentam em sua composição a letra realçada no texto O que justifica portanto a escolha do título São questões difíceis de serem respondidas no caso desse texto apesar de fundamentais para garantir a compreensão por parte dos alunos No geral as cartilhas observadas apresentam uma variedade mínima de gêneros de texto dando ênfase principalmente aos chamados gêneros narrativos da tradição oral como os contos as cantigas as adivinhações e as parlendas tendência também seguida pelos livros didáticos De fato a familiaridade e o domínio da criança seja na Educação Infantil ou mesmo nos anos iniciais do Ensino Fundamental sobre certos gêneros da oralidade em especial aqueles marcados pelo ludismo pelo jogo com a linguagem e pela elaboração poética tais como contos cumulativos trava línguas acalantos fórmulas de escolha trovas parlendas adivinhas e seus similares além de narrativas de diversos matizes como contos de fadas lendas mitos fábulas causos dentre tantos outros podem ser decisivos em termos de favorecer a aprendizagem da leitura e da escrita porque esses textos mesmo sendo orais já trazem em si elementos essenciais de uma escrita Entretanto especialmente nos anos escolares de alfabetização o trabalho com esses textos não deve ser exclusivo É preciso lembrar que nesse período de escolarização os alunos quase sempre tomam os textos que lhes são apresentados como modelos Assim textos de diferentes gêneros e textos diferentes de um mesmo gênero também devem ser objetos de ensinoaprendizagem de alunos em fase de alfabetização considerando a atuação futura desses alunos em atividades sociais as mais variadas Os livros didáticos possivelmente porque passam por crivos da avaliação de especialistas e precisam seguir as normativas estipuladas em editais apresentam textos mais adequados à alfabetização dos alunos e em variedade maior quanto aos tipos de gêneros de texto Alguns problemas no entanto ainda são visualizados e por vezes podem prejudicar ou se não pouco contribuir para a formação dos alunos enquanto produtores de texto Na escola referida anteriormente observei os textos sugeridos pelo livro didático de língua portuguesa adotado em turmas de primeiro ano escolar do Ensino Fundamental Destaco a seguir pelo menos dois desses textos Texto 03 110 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 Fonte Livro didático Letramento e Alfabetização O poema de Manuel Bandeira constitui um exímio exemplo de texto poético objeto de profundas reflexões literárias e filosóficas Apesar da complexidade que lhe envolve pode ainda ser objeto de leitura e reflexão em sala de aula de alfabetização como sugere o livro didático A narrativa lúdica construída as imagens acústicas criadas que remetem aos sons produzidos por um trem em movimento a musicalidade que sugere a reprodução alegórica da cadência do trem em diferentes velocidades dentre outros elementos tornam o texto por demais atrativo para crianças em descoberta da leitura e da escrita No que diz respeito aos recursos coesivos a repetição por exemplo tanto de referentes quanto de estruturas verbais expressões nominais e mesmo versos completos bastante frequente em todo o poema não aparece como mecanismo forçoso para construção de uma rima ou focalização de um fonema ou letra que inicia as palavras Longe disso a repetição tem sim no poema um caráter icônico funcionando como estratégia estilística para 111 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 alcançar os efeitos de sentido pretendidos pelo autor Contribui portanto com a própria coerência do texto Além disso outros mecanismos coesivos estabelecem a progressão e unidade do texto como as retomadas pronominais do referente eu e as elipses antes dos verbos em primeira pessoa A coerência do texto está essencialmente atrelada ao modo como sua leitura é realizada Uma leitura desatenta ao ritmo à musicalidade ao compasso do trem que é personificado no poema pode comprometer ou pelo menos prejudicar a coerência do texto Nesse ponto é essencial o papel do professor como mediador de uma primeira leitura que dê aos alunos orientações sobre como se deve ler o poema atentando para os elementos acima apresentados Importante também é considerar as especificidades do gênero Na verdade esta pode ser uma oportunidade singular para que o professor explore com os alunos as diferenças existentes entre cada gênero textual tanto no que se refere à leitura quanto à produção não se pode ler ou escrever um poema da mesma forma que se lê ou se escreve uma notícia de jornal por exemplo Se isso acontecer a coerência do texto será prejudicada E não se trata meramente de uma afirmação metalinguística Mais que isso é um princípio de textualidade que deve ser ensinado e aprendido pelos alunos Há quem possa alegar que o texto de Manuel Bandeira é longo demais e sua leitura difícil para alunos que ainda não são alfabetizados e que portanto ainda não dominam a atividade de leitura Não enxergo a questão por uma ótica da extensão Uma questão muito mais relevante é saber se os textos trabalhados na alfabetização são textos de fato porque insisto funcionam como modelos a serem seguidos pelos alunos em suas atividades de produção escrita Reconheço é claro que certos textos muito extensos e de leitura densa precisam ser sumarizados ou mesmo adaptados caso se queira tornálos objeto de estudo nesse período escolar É o caso do texto A princesa e o sapo narrativa adaptada dos irmãos Grimm em um livro didático de primeiro ano O texto tem uma extensão de seiscentas e trinta e cinco palavras Apesar de ser coerente e apresentar recursos variados de coesão a extensão do texto pode gerar um problema na aula de leitura em sala de alfabetização principalmente quando os alunos ainda não dominarem o código linguístico Até a decodificação será comprometida porque poderá ocupar todo o tempo da aula cansar o aluno e portanto desestimulálo da leitura pelo fracasso por causa da insistência em fazêlo tentar conseguir algo inalcançável naquele momento Não se trata de dizer que esse texto não deva ser trabalhado em sala de aula de alfabetização Não estou também supondo incapacidade dos alunos e tampouco do professor O que quero dizer é que em situações como essas é preciso que o professor tenha uma cautela e um cuidado certo no tratamento dado ao texto isto é nas estratégias didáticometodológicas que serão utilizadas para o trabalho com o texto levando em conta os conhecimentos dos alunos e as habilidades já desenvolvidas Não me parece ser recomendável trabalhar com textos que possam por alguma razão colocar o aluno 112 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 frente ao fracasso ou fazêlo assim se sentir por não ter conseguido desempenhar satisfatoriamente uma atividade solicitada Não é ético da parte do professor solicitar do aluno a realização de uma tarefa que exige uma habilidade ou um conhecimento que ele ainda não domina Também não é coerente Tratase de um problema de adaptação ou de adequação de linguagem Os textos escritos pelos alunos Tenho dito ao longo desse artigo que os textos trabalhados nas salas de aula em atividades de leitura funcionam como exemplos de modelos de textos a serem seguidos pelos alunos quando são requeridos a produzirem texto em atividade escrita Por isso nas escolas visitadas solicitei das professoras alguns dos textos produzidos pelos alunos em atividades de produção textual O conjunto de textos recolhido pode ser exemplificado pelos dois textos a seguir apresentados escritos por crianças de sete anos Texto 04 Fonte Corpus do autor O comando da atividade realizado oralmente pela professora solicitava dos alunos a produção de um texto sobre o dia nacional do estudante Tratase de direção vaga pouco precisa focaliza apenas a temática a ser tratada Não acrescenta informações sobre o tipo de texto e do gênero solicitado sobre o interlocutor sobre o propósito comunicativo ou função do texto Essas informações são fundamentais porque determinam a orientação do texto do aluno Portanto quando omitidas na maioria das vezes a produção do aluno é comprometida Não é pois por acaso que a produção do aluno parece muito mais um conjunto de frases independentes do que um texto propriamente Não fosse a relação semântica promovida pelo referente estudante poderia até dizer tratarse de conjunto de frases isoladas São frases coerentes como se pode facilmente perceber porque mesmo isoladamente possuem algum sentido ainda 113 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 que pouco desenvolvido e um tanto redundante Podem ser lidas a partir de qualquer direção invertendose a ordem ou fazendo a leitura aleatoriamente Entretanto não possuem unidade semântica não constituem um todo de sentido completo não formam um texto Além disso o problema se intensifica ainda mais em razão do pouco uso de recursos de coesão lexical e referencial e da ausência de elementos de coesão sequencial unindo as frases É possível apontar apenas os casos de repetição dos referentes estudante e profissão mas sem implicar necessariamente retomadas já que os referentes funcionam de forma independente em cada frase e um caso de substituição do referente estudante pelo pronome ele Assim os recursos coesivos mobilizados são insuficientes pouco diversificados Por um lado a tentativa de produção de texto do aluno é frustrada porque não se pode dizer que as frases acima constituem um texto considerando o arranjo ou a falta de arranjo a elas atribuído Por outro a produção do aluno revela seu intento de que o texto escrito se aproxime o mais próximo possível dos modelos de textos que lhes foram apresentados nas aulas de leitura E nesse ponto ele parece ter conseguido êxito porque o material textual escrito reflete a estrutura a organização o estilo dos modelos de textos apresentados se é que esses exemplares podem ser de fato chamados de textos São muito mais arremedos de textos utilizando o termo de Brandão e Leal 2005 Exercícios de escrita nos quais se enfatiza o uso repetido de certas correspondências grafossonoras cujo resultado é a produção de textos vazios que não entretém não dão prazer nem informam ou contam algo que mereça ser contado Em muitas escolas as crianças em fase de alfabetização são expostas exclusivamente a esses tipos de textos e os apreendem como modelos para as atividades de leitura e produção É por isso que muitas delas ao concluírem a fase de alfabetização conseguem escrever ou copiar com eficiência palavras e frases quando lhes são apresentadas ou mesmo ditadas pela professora mas revelam bastante dificuldade em escrever um pequeno texto um bilhete um aviso por exemplo caso sejam solicitadas Nesses casos a concepção de escrita limitase ao aprendizado do sistema da língua do código em si E o problema é que as crianças aprendem o código mas não conseguem se comunicar por meio dele não conseguem construir representações do mundo por meio dele O aprendizado da escrita não tem funcionalidade Aprendese a escrever para transcrever o que a escola escreve para reproduzir a escrita da escola e não para produzir escrita O texto a seguir apresenta um projeto bastante diferenciado do anterior Na verdade nesse caso tratase de um texto com um projeto de dizer com uma intenção ou propósito comunicativo Tratase de um pequeno conto composto essencialmente por sequências narrativas e descritivas Texto 05 114 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 Fonte Corpus do autor O texto trata sobre a personagem Glória Apresenta um conjunto de informações sobre a personagem desde características físicopsicológicas a gostos modos de ser e costumes Mas essas informações não são apresentadas de forma aleatória assistemática ou isoladas Há toda uma organização no modo como são elencadas as características da personagem no texto primeiro suas características físicopsicológicas sociais depois seus modos de ser e gostos O texto apresenta unidade semântica é coerente Não há conflito entre as informações apresentadas Os recursos coesivos mobilizados são muito mais variados Além do da coesão referencial a substituição de referentes por pronome principalmente o pronome de terceira pessoa do singular e da elipse antes de verbos ressaltase a utilização de mecanismos de coesão sequencial muitas vezes ausentes nos textos de cartilhas Exemplo disso é a utilização das conjunções e e mas este último grafado como mais A conjunção aditiva liga orações reforçando a ideia de unidade e dá sequenciação ao texto O uso da conjunção adversativa é fundamental para introduzir outra orientação argumentativa outro ponto de vista no texto De fato é um texto que se organiza em forma de um gênero o conto ainda que os elementos constitutivos da narrativa situação inicial complicação resolução e situação final não possam ser facilmente visualizados e careçam de ser trabalhados Apesar dos problemas que ainda revela o texto acima difere em muito daquele antes apresentado Em parte a melhora apresentada justificase pelo esclarecimento da proposta de produção pelo grau de conhecimento compartilhado pela professora com o aluno O comando exibido pela professora foi claro os alunos deveriam escrever um texto sobre a personagem de uma história contada em sala de aula focalizando suas principais características Ao final os textos 115 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 seriam exibidos no mural da sala para que pudessem ser lidos por todos os colegas da turma A atividade de produção ganha significado e sentido para as crianças Além disso outro ponto importante a destacar é o conhecimento de mundo do aluno produtor do texto Possivelmente esse aluno foi já exposto a muitos outros tipos de textos para além daqueles modelos costumeiramente apresentados na escola o que fica evidenciado com a introdução da informação sobre a paralisia infantil da personagem não encontrada comumente em histórias infantis de contos de fada por exemplo Tratase possivelmente de um conhecimento reportado pela criança de outros espaços de convivência Considerações finais Ao longo desse texto defendi a necessidade de os alunos em fase de alfabetização serem apresentados a textos autênticos reais utilizados em práticas sociais nas atividades de leitura para que nas atividades de produção possam de fato produzirem textos Demonstrei que alguns materiais didáticos utilizados nessa fase de aprendizagem na escola principalmente as cartilhas para alfabetização priorizam o trabalho com textos artificiais elaborados exclusivamente com finalidade didática A opção por esse tipo de texto se é que se podem ser assim chamados revela a concepção de texto desses materiais conjunto de palavras e frases que expressam algum sentido É uma concepção limitada e problemática porque não dá conta da complexidade que recobre a noção de texto conforme apresentada nesse trabalho Além disso demonstrei também por meio de análises que quando os alunos possuem contato apenas com esse tipo de texto incorporam aquela concepção e passam a produzir textos seguindo os modelos mostrados Ora ninguém fala apenas palavras ou frases mas falase por meio de textos ainda que os textos sejam constitutivamente formados por palavras e frases O filosofo russo Mikhail Bakhtin já tinha apontado há algum tempo esse aspecto A oração enquanto tal em seu contexto não tem capacidade de determinar uma resposta adquire essa propriedade mais exatamente participa dela apenas no todo de um enunciado A oração que se torna enunciado completo adquire novas qualidades e particularidades que não pertencem à oração mas ao enunciado que não expressam a natureza da oração mas do enunciado e que achandose associadas à oração completamna até tornála um enunciado completo As pessoas não trocam orações assim como não trocam palavras numa acepção rigorosamente linguística ou combinações de palavras trocam enunciados constituídos com a ajuda de unidades da língua palavras combinações de palavras orações mesmo assim nada impede que o enunciado seja constituído de uma única oração ou de uma única palavra por assim dizer de uma única unidade da fala o que acontece sobretudo na réplica do diálogo mas não é isso que converterá uma unidade da língua numa unidade da comunicação verbal BAKHTIN 1997 p 297 116 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 É equivocada pois a ideia sugerida por cartilhas e por alguns livros didáticos de que o texto escrito é apenas uma sequência de frases aleatórias independentes sem conexão lógica e semântica necessária Nega a coesão e a coerência como princípios de textualidade Esquece que a produção de um texto é um evento uma prática sociocomunicativa Como lembra Geraldi 1997 na produção de um texto é sempre necessário inclusive na escola que o autor tenha o que dizer e uma razão para dizer que tenha um interlocutor para dizer o que precisa dizer e que se constitua enquanto sujeito que diz o que diz para quem diz e escolhe estratégias para a realização das condições para que se concretize sua produção Por isso na produção de um texto não basta juntar sílabas palavras e frases como parecem sugerir algumas cartilhas de alfabetização Muito mais que isso a produção de um texto implica um querer dizer algo para algo realizado mediante a seleção de um conjunto de escolhas linguísticas de relações diversas entre palavras e frases parágrafos sequências entre textos e textos Por outro lado quando o aluno é exposto a diferentes gêneros de texto ele consegue articular em sua produção aspectos linguísticodiscursivos os mais variados É claro que não basta expor os alunos a gêneros de textos diferentes e variados É preciso sempre mediar a atividade de produção de textos focalizando os aspectos linguísticos discursivos e sociais envolvidos na produção de um texto Nesse ponto a figura da professora é fundamental porque muitas vezes o gênero é desconhecido ou pouco usado pelo aluno e ele por si só não consegue dar conta de atentar para a finalidade os interlocutores as esferas sociais de circulação as características específicas de cada gênero Esses aspectos devem ser explorados em atividades de leitura e de produção de textos Essas atividades sempre devem ter objetivos claros E sempre devem partir do texto o texto é o ponto de partida e de chegada como propôs Geraldi 1997 Não pretendi aqui abordar aspectos fonológicos e psicogenéticos da aquisição da escrita como muitos têm feito alguns muito bem Minha intenção foi olhar para o ensino de produção textual na alfabetização a partir da Linguística Textual Quis mostrar que a Linguística Textual pode trazer significativas contribuições para o ensino de produção de textos na alfabetização ainda que tenha feito isto de maneira limitada focalizando aspectos relativos à coesão e à coerência dos textos Na verdade nesses termos esse texto é muito mais uma provocação para que professores alfabetizadores possam se inquietar mais com o ensino da escrita do texto na alfabetização buscando alternativas outras contribuições vindas de outros campos como a Linguística Textual por exemplo É um convite à busca por outras fontes por outras perspectivas por outros caminhos diferentes daqueles já percorridos por vezes cheios de pedras e espinhos E infelizmente essa expedição para a qual se convida tem de ter início na própria curiosidade dos professores 117 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 alfabetizadores com todas as suas limitações já que na maioria das vezes perspectivas como a da Linguística Textual não fazem parte do currículo de cursos de formação inicial de professores alfabetizadores sendo quase desconhecidas por eles Referências BAKHTIN M Estética da criação verbal São Paulo Martins Fontes 1997 BENTES A C Lingüística textual In MUSSALIM F BENTES A C orgs Introdução à lingüística domínios e fronteiras 6 ed São Paulo Cortez 2006 p 245285 BERNARDINO Rosângela Alves dos Santos A responsabilidade enunciativa em artigos científicos de pesquisadores iniciantes e contribuições para o ensino da produção textual na graduação 2015 271f Tese Doutorado em Estudos da Linguagem Centro de Ciências Humanas Letras e Artes Universidade Federal do Rio Grande do Norte Natal 2015 BRANDÃO A C P LEAL T F Em busca da construção de sentidos o trabalho de leitura e produção de textos na alfabetização In BRANDÃO A C P ROSA E C S Leitura e produção de textos no processo de alfabetização Belo Horizonte Autêntica 2005 BRASIL Parâmetros Curriculares Nacionais Língua Portuguesa Brasília Ministério da Educação Secretaria de Educação Fundamental 1998 BUNZEN C Dinâmicas discursivas na aula de português os usos do livro didático e projetos didáticos autorais 2009 227 f Tese Doutorado em Linguística Aplicada Universidade Estadual de Campinas Campinas 2009 A fabricação da disciplina escolar Português In Revista Diálogo Educacional Curitiba v 11 n 34 p 885911 setdez 2011 CHAROLLES M Introduction aux problèmes de la cohérence des textes In Langue Française Paris Larousse n38 1978 CONTE M E La lingüistica testuale Milano Feltrinelli Económica 1977 FÁVERO L L KOCH I G V Linguística Textual introdução 9 ed São Paulo Cortez 2012 GERALDI J W Da redação à produção de textos In GERALDI J W CITELLI B Coord Aprender e ensinar com textos de alunos São Paulo Cortez 1997 HALLIDAY M A K HASAN R Cohesion in English New York Longman 1976 KOCH I G V O texto e a construção dos sentidos 2 ed São Paulo Contexto 1998 Parte I p 3545 Linguística Textual Quo Vadis In Revista Delta edição especial 2001 Introdução à linguística textual São Paulo Martins fontes 2004 A interação pela linguagem 10 ed São Paulo Contexto 2006 TRAVAGLIA L C Texto e Coerência 5 ed São Paulo Cortez 1997 ELIAS V M Ler e compreender os sentidos do texto 3ª edição São Paulo Contexto 2012 MARCUSCHI L A Análise da Conversação São Paulo Ática 1986 Da fala para a escrita atividades de retextualização 2 ed São Paulo Cortez 2001 Linguística de texto o que é e como se faz São Paulo Parábola 2012 Chegou em 25122017 Aceito em 13012018 LOGOTIPO E NOME DA INSTITUIÇÃO DEPARTAMENTO CURSO NOME DO ALUNO RESUMO LINGUÍSTICA TEXTUAL E ENSINO COESÃO E COERÊNCIA NA ALFABETIZAÇÃO TEXTUAL DE ANANIAS AGOSTINHO DA SILVA Dezembro 2022 Ao longo do texto intitulado Linguística textual e ensino coesão e coerência na alfabetização 2018 Ananias Agostinho da Silva apresenta algumas reflexões acerca de como a Linguística Textual contribui com o ensino e a produção de texto no contexto educacional da alfabetização Para tanto o autor parte da Linguística Textual no campo dos estudos linguísticos Assim um dos primeiros aspectos abordados pelo autor é a importância das noções de coesão e de coerência pois os alunos produzem textos com base no que lhes é apresentado logo se eles recebem textos com frases avulsas e desconexas isso pode afetar seu desenvolvimento A solução apresentada por Silva 2018 p 97 nesse sentido é que desde a alfabetização se considere a aplicação de textos reais nos quais hajam recursos linguísticos textuais e discursivos de modo que os alunos aprendam a produzir textos que correspondam de fato ao propósito comunicativo Diante disso recorrendo as ideias apresentadas por Fávero e Koch 2012 o autor elucida que a prorrogativa da Linguística textual é tomar o texto e não mais a palavra nem a frase como objeto de análise Em suas próprias palavras Silva destaca que isso é fundamental porque ao contrário da palavra e da frase o texto constitui uma forma específica e completa de manifestação de linguagem SILVA 2018 p 97 Além disso é fundamental destacar que ao se referir ao trabalho com produções textuais os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais PCNs inferem que para que os alunos possam aprender a escrever eles precisam 1 ter acesso à diversidade de textos escritos 2 testemunhar a utilização que se faz da escrita em diferentes circunstâncias 3 defrontarse com as reais questões que a escrita coloca a quem se propõe produzila e 4 arriscarse a fazer como consegue e receber ajuda de quem já sabe escrever BRASIL 1997 p 6667 Logo o autor destaca que o processo de ensino de produções textuais está muito além do que ensinar a escrever afinal se trata de um ato mais amplo no qual o objetivo é possibilitar que eles aprendam diferentes formas de interação A par disso Silva destaca que Conforme observa Koch 1998 a produção de texto é uma atividade verbal a serviço de fins sociais portanto inserida em contextos mais complexos de atividade Toda produção se dá pois em um determinado contexto em uma situação comunicativa É ainda uma atividade intencional da qual se leva em consideração o momento e o espaço em que o autor está situado Todo texto é produzido com uma intenção para atender a um propósito comunicativo Sobretudo é uma atividade interacionista visto que os sujeitos se acham envolvidos na atividade de produção textual de maneiras diversas SILVA 2018 p 104 O autor então destaca a necessidade do exercício cognitivo em vez de atitudes passivas e replicações mecânicas pois a produção textual deve ser uma atividade situada considerando sobretudo quem escreve para quem escreve os objetivos a serem alcançados com a escrita a situação imediata em que se produz um texto e ainda o contexto social e histórico em que se escreve SILVA 2018 p 106 Adiante o autor analisa algumas atividades desenvolvidas por alunos da alfabetização a fim de demonstrar a importância da aplicação de diferentes gêneros textuais e de textos autênticos A par disso Silva elabora sua crítica aos modelos dispostos em cartilhas de alfabetização nas quais há trabalhos artificiais elaborados com fins didáticos ineficazes que expressam uma concepção limitada do que é de fato o texto Por fim Silva elucida que a percepção que essas cartilhas auferem em relação a ideia de texto se trata de um equívoco afinal a coesão e a coerência são princípios de textualidade que não devem ser negligenciados e a prática de produção escrita mais do que frases e palavras avulsas de fato é uma ação sociocomunicativa REFERÊNCIAS BRASIL Parâmetros Curriculares Nacionais Língua Portuguesa Brasília Ministério da Educação Secretaria de Educação Fundamental 1998 FÁVERO L L KOCH I G V Linguística Textual introdução 9 ed São Paulo Cortez 2012 KOCH I G V O texto e a construção dos sentidos 2 ed São Paulo Contexto 1998 Parte I p 3545 SILVA Ananias Agostinho Linguística textual e ensino coesão e coerência na alfabetização Claraboia v 10 p 95118 2018 D Bruneau FL Rosenthal J Herrera AD Sorrells TR Abril G Wells DM Zhao G Gamage D Otero MG Dolan ME Functional assessment of pharmacogenetic variants in DNA polymerases BioRxiv 74 2 2023 42 51
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95 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 LINGUÍSTICA TEXTUAL E ENSINO COESÃO E COERÊNCIA NA ALFABETIZAÇÃO TEXTUAL LINGUISTICS AND TEACHING COHESION AND COHERENCE IN LITERACY Ananias Agostinho da SILVA1 Resumo Neste artigo reflito sobre como a Linguística Textual pode contribuir com o ensino e a produção de texto na alfabetização Para tanto considerando as noções de coesão e de coerência analiso textos escritos veiculados em materiais didáticos de alfabetização em atividades de leitura e textos escritos por alunos de escolas que adotam esses materiais com a intenção de demonstrar que os alunos se orientam de fato nas atividades de produção textual pelos modelos de textos que lhe são apresentados em atividades de leitura A partir das análises realizadas demonstro a importância e a necessidade de os alunos desde os anos escolares do período de alfabetização serem apresentados a textos reais pertencentes aos mais diversos gêneros de texto Palavraschave Linguística Textual Coesão Coerência Alfabetização Produção textual Abstract In this article I reflect on how Textual Linguistics can contribute to teaching and producing text in literacy Therefore considering the notions of cohesion and coherence I analyze written texts conveyed in didactic materials of literacy in reading activities and texts written by students of schools that adopt these materials with the intention of demonstrating that the students are oriented in fact in the activities of textual production by the models of texts that are presented to him in reading activities From the analyzes carried out they demonstrate the importance and necessity of the students from the school years of the literacy period being presented to real texts belonging to the most diverse textual genres Keywords Textual Linguistics Cohesion Coherence Literacy Text production Introdução Muitas correntes de estudos linguísticos modernos têm apresentado importantes contribuições para o ensino de línguas mesmo sem ser objetivo a priori de algumas delas isto é mesmo aquelas que não têm caráter aplicado ou pedagógico De fato se considerarmos por exemplo a história do ensino de língua portuguesa no Brasil veremos sem grandes esforços na incursão empreendida que muitas práticas de ensino foram abolidas e outras redirecionadas por influência das constatações de pesquisas desenvolvidas no escopo de certas correntes linguísticas Longe de querer historicizar sobre o ensino de língua portuguesa no Brasil atentando para as mudanças ocorridas nas práticas ao longo do tempo essa tarefa já tem sido realizada com maestria por outros autores como Bunzen 2009 2011 por exemplo e portanto não corresponde ao nosso objetivo neste trabalho quero apenas apontar que não fossem os estudos linguísticos modernos 1 Doutor em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN Professor Adjunto da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará UNIFESSPA Email ananiasgpetyahoocombr 96 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 a configuração atual do sistema de ensino de língua portuguesa seria absolutamente distinta totalmente limitada ainda dentre outros aspectos ao ensino da gramática da língua Não fossem por exemplo as contribuições da Linguística Textual ao ensino de língua portuguesa no Brasil devidamente reconhecidas e registradas inclusive em documentos oficiais como os Parâmetros Curriculares Nacionais o texto ainda não teria sido tomado como unidade de ensino Na verdade essa corrente de estudos linguísticos de modo particular tem contribuído consideravelmente com o ensino de língua portuguesa no Brasil O trabalho com os gêneros textuais com a produção e interpretação de textos e todos os fatores nelas envolvidos com a construção de sentidos com a oralidade hoje tão presente nas aulas de língua portuguesa possui respaldo justamente na agenda teórica da Linguística Textual de forma não restritiva evidentemente reconheço dada as contribuições de muitas outras vertentes de estudos linguísticos Tratase pois de um ramo das ciências da linguagem cujo corpo teórico tem oferecido aos professores de língua portuguesa subsídios indispensáveis ao trabalho com os recursos linguísticos textuais e discursivos necessários à aprendizagem efetiva da língua São inclusive muitos os estudos que hoje em dia atestam tais contribuições sugerindo propostas de trabalho ou mesmo aproximações necessárias entre conceitos teóricos da Linguística Textual e práticas pedagógicas de ensino de língua portuguesa principalmente nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio Por outro lado quase não encontramos trabalhos que apontem as contribuições que essa vertente linguística tem apresentado ou pode apresentar também para o trabalho com o texto na Educação Infantil e nos primeiros anos do Ensino Fundamental ou seja no período de alfabetização Possivelmente essa lacuna ou mesmo ausência de estudos decorra da crença equivocada de que alunos em fase de alfabetização não produzem textos já que supõese ainda não dominam os mecanismos linguísticos necessários à escrita de um texto Com efeito pareceme ter sido essa mesma crença que tem podado o ensino de produção de textos nos anos escolares de alfabetização e como consequência colateral dificultado ou comprometido a atividade de escrita em anos escolares posteriores e em práticas de interação social grafocêntricas Por oportuno pretendo refletir justamente sobre como a Linguística Textual pode contribuir com o ensino e a produção de texto na alfabetização Dessa maneira levando em conta as noções de coesão e de coerência analiso textos escritos veiculados em materiais didáticos de alfabetização em atividades de leitura e portanto tomados como modelos ideais a serem seguidos pelos alunos quando das atividades de produção textual Em seguida analiso textos escritos por alunos de escolas que adotam esses materiais com a intenção de demonstrar que os alunos se orientam de fato nas atividades de produção textual pelos modelos de textos que lhe são 97 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 apresentados em atividades de leitura Finalmente proponho que desde a alfabetização e principalmente nesse período os alunos precisam ser apresentados a textos reais nos quais se façam uso de diversos recursos linguísticos textuais e discursivos disponíveis para que desse modo possam também produzir textos reais coesos e coerentes ao contexto ao gênero e ao propósito comunicativo sem muitas dificuldades Antes porém situo a seguir a Linguística Textual no campo dos estudos linguísticos e discorro mesmo que de forma muito breve sobre os conceitos de texto textualidade coesão e coerência A Linguística Textual A Linguística Textual começou a se desenvolver na Europa a partir do início da década de sessenta do século passado com maior ênfase e destaque na região germânica e depois nos Estados Unidos Constituindo um campo específico dos estudos linguísticos modernos a Linguística Textual conforme contam Fávero e Koch 2012 nasce com a proposta de tomar o texto e não mais a palavra nem a frase como objeto de análise Isso porque diferentemente da palavra e da frase unidades linguísticas básicas de análise porém tomadas de maneira isolada do contexto de produção portanto não completas o texto constitui uma forma específica e completa de manifestação de linguagem O empreendimento teóricometodológico seguido pela Linguística Textual consistiu em um projeto inovador e em um amplo esforço de muitos estudiosos da linguagem da época ocupados em se afastar da influência estruturalista para tratar dos processos de produção recepção e interpretação dos textos reintegrando o sujeito e a situação de comunicação em seu escopo teórico BENTES 2006 p 16 Assim principalmente na Europa e nos Estados Unidos autores como KarlErich Heidolph Wolfdietrich Hartung Horst Isenberg Wolf Thümmel Peter Hartmann Roland Harweg János S Petöfi Wolfgang Ulrich Dressler Teun Van Dijk Siegfried J Schmidt Werner Kummer e Dieter Wunderlich dentre outros passaram a questionar a frase como unidade de análise tendo em vista as lacunas e deficiências que o trabalho com a mesma apresentava no estudo de vários fenômenos da língua como a referência e as relações entre sentenças não ligadas por conjunções por exemplo e propuseram o texto como unidade de análise Pouco tempo depois do seu surgimento já no final da década de setenta Conte 1977 afirmava ser possível falar em três momentos tipológicos distintos da Linguística Textual análise transfrástica as gramáticas de texto e as teorias de textos No primeiro momento o objetivo principal dos linguistas era estudar os tipos de relações que se estabeleciam entre os diversos 98 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 enunciados que constituem uma sequência significativa o texto Para tanto partiam pois de enunciados ou sequência de enunciados frases para o texto compreendido por Isenberg apud BENTES 2006 p 247 como uma sequência coerente de enunciados Num segundo momento o foco de atenção dos linguistas recaiu sobre a competência textual que permitia ao falante de uma língua distinguir um texto coerente de um aglomerado incoerente de frases E já que os usuários de uma língua têm esta capacidade justificase a necessidade de elaboração de gramáticas textuais cuja tarefa básica era estabelecer o sistema de regras finito e recorrente partilhado por todos os usuários de uma língua Finalmente num terceiro momento os estudiosos passaram a verificar como funcionavam os textos em uso de que modo eles se constituíam e como se dava sua compreensão Começaram pois a elaborar teorias de construção do texto concebendoo como um processo que envolve questões sociocognitivas interacionais e comunicativas Apesar de descritos de forma sequenciada esses momentos não podem ser concebidos na passagem de um para o outro a partir de uma ótica cronológica como se um tivesse ocorrido por ocasião do desaparecimento do outro O desenvolvimento da Linguística Textual na verdade não se deu de forma homogênea em todos os lugares e linear A apresentação dos momentos acima de forma sequencial devese a uma estratégia de organização aqui adotada Por outro lado porém não se pode negar que em cada um desses momentos ocorre uma reflexão voltada para o aprimoramento dos procedimentos teóricometodológicos de compreensão e de tratamento do texto Em meados da década de oitenta mais de vinte anos após o seu surgimento e desenvolvimento na Europa a Linguística Textual chega aqui no Brasil com a publicação de trabalhos de Ignácio Antônio Neiss Luiz Antônio Marcuschi e Ingedore Villaça Koch De modo geral apresentaramna como o estudo das operações linguísticas e cognitivas reguladoras e controladoras da produção construção funcionamento e recepção de textos escritos ou orais MARCUSCHI 2012 p 33 Assim sendo a Linguística Textual abrange tanto a coesão no nível dos constituintes linguísticos dos textos como a coerência conceitual no nível semântico e cognitivo e o sistema de pressuposições e implicações no nível pragmático da produção de sentido no plano das ações e intenções Ou ainda voltando aos termos de Marcuschi 2012 por um lado a Linguística Textual deve se preocupar com a organização linear dos textos ou seja o tratamento estritamente linguístico abordado no aspecto da coesão e por outro deve considerar a organização reticulada e tentacular não linear portanto dos níveis de sentido e intenções que realizam a coerência no aspecto semântico e pragmático Tratase portanto de um campo de investigação bastante amplo e multifacetado 99 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 Como se percebe apesar de ser uma disciplina um ramo da ciência Linguística de surgimento e desenvolvimento bastante recentes foram relativamente significativas as mudanças pelas quais passou a Linguística Textual Da observação de seu breve percurso histórico depreendese que de uma disciplina de inclinação primeiramente gramatical análise transfrástica gramática textual depois pragmáticodiscursiva ela transformase em uma disciplina com forte tendência sóciocognitivista KOCH 2001 p 1516 Essa passagem evidentemente implica uma nova forma de compreensão de texto de contexto e de análise O texto Ao longo da história da Linguística Textual o texto seu objeto de estudo e de análise foi concebido de formas diversas Desde o surgimento da Linguística Textual até os dias atuais foram formuladas concepções variadas para a noção de texto Em um exercício de síntese teórica Koch 2004 observou que no interior da Linguística Textual foram formuladas as seguintes concepções 1 texto como frase complexa ou signo linguístico mais alto na hierarquia do sistema linguístico concepção de base gramatical 2 texto como signo complexo concepção de base semiótica 3 texto como expansão tematicamente centrada de macroestruturas concepção de base semântica 4 texto como ato de fala complexo concepção de base pragmática 5 texto como discurso congelado como produto acabado de uma ação discursiva concepção de base discursiva 6 texto como meio específico de realização da comunicação verbal concepção de base comunicativa 7 texto como processo que mobiliza operações e processos cognitivos concepção de base cognitivista 8 texto como lugar de interação entre atores sociais e de construção interacional de sentidos concepção sóciocognitivainteracional KOCH 2004 p12 Essas concepções foram estabelecidas em um ou noutro momento da Linguística Textual e em alguns casos podem ser melhor visualizadas ou compreendidas quando são relacionadas com um dos ou com os três momentos antes descritos porém estando elas imbrincadas não se pode afirmar com grau de precisão quando uma passou a ser utilizada em detrimento da outra De todo modo essas concepções revelam o quanto a Linguística Textual tem avançado e também se mostrado passível de diálogo com outras ciências ou vertentes teóricas no sentido de compreender o seu objeto de investigação o texto em seus mais diferentes aspectos e matizes constitutivos linguísticos gramaticais semióticos semânticos pragmáticos discursivos comunicativos cognitivos e também interacionais Em resumo segundo observou Bernardino 2015 os avanços alcançados no âmbito da Linguística Textual permitiram considerar o texto dentro de suas 100 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 condições de produção encarálo como parte de atividades mais globais de comunicação e principalmente compreendêlo em seu próprio processo de planejamento verbalização e construção Ainda sobre as concepções acima apresentadas acompanhando Koch e Elias 2016 observase que da compreensão de texto como unidade mais alta do sistema linguístico ênfase nos aspectos formais e estruturais estudiosos passaram a entender o texto como unidade básica da comunicação e interação humana e dessa concepção a uma outra que focalizou o texto como resultado de uma multiplicidade de operações cognitivas interligadas até chegarem à compreensão de texto como entidade multifacetada fruto de um processo extremamente complexo de interação social e de construção social de sujeitos conhecimento e linguagem KOCH 2004 p 175 De um modo geral no Brasil é essa concepção sóciocognitivainteracional de texto que tem fundamentado as pesquisas e os estudos em Linguística Textual desenvolvidos na atualidade Ora pensar o texto como lugar de interação entre sujeitos sociais e de construção interacional de sentidos significa considerar a dimensão interacional isto é dialógica da linguagem Na verdade de acordo com Koch 2004 foi justamente o interesse por essa dimensão da linguagem que permitiu à Linguística Textual integrar ao seu escopo uma variedade de questões fundamentais as diversas formas de progressão textual a dêixis textual o processamento sociocognitivo do texto os diferentes gêneros inclusive da mídia eletrônica questões ligadas ao hipertexto a intertextualidade entre várias outras p33 Todas essas questões só podem ser estudadas e compreendidas quando se entende o texto como resultado parcial de nossa atividade comunicativa a qual envolve processos operações e estratégias que têm lugar na mente e que são postos em ação no intuito de se alcançar um propósito social em conformidade com as condições sob as quais esta atividade se realiza ou seja as situações concretas de interação social KOCH 2006 Coerência e coesão Ocupeime acima em apresentar a concepção de texto que norteia os estudos atualmente em Linguística Textual e portanto o desenvolvimento desse trabalho Porém para além de definir o texto é necessário também discutir sobre os elementos que fazem com que uma palavra uma sentença ou um conjunto delas possa ser considerado como tal Na literatura da Linguística Textual já é consenso que a textualidade corresponde ao conjunto de propriedades definidoras de um texto Um texto só será de fato um texto se tiver textualidade No geral são sete os fatores responsáveis pela textualidade de um texto qualquer isto é por fazerem com que um texto seja um todo dotado 101 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 de unidade semântica cognitiva e formal coerência coesão intencionalidade informatividade aceitabilidade situacionalidade e intertextualidade Aqui interessame apenas dois deles coerência e coesão Os demais não serão evidentemente desconsiderados mas levados em conta quando da discussão desses dois primeiros fatores Tradicionalmente os fatores de textualidade são classificados em dois grupos fatores centrados no texto coerência e coesão e fatores centrados no usuário autor e leitor os demais Entretanto discordo dessa organização porque como se verá a seguir a coerência e a coesão mas especialmente a primeira não estão centradas apenas nos textos em si como se fossem localizadas e localizáveis neles mas antes resultam também de um trabalho sociocognitivo compartilhado pelos autores e pelos leitores e mediado pelos textos Ou nos termos de Koch e Travaglia 1997 p 38 a coerência não é apenas uma característica do texto mas depende fundamentalmente da interação entre o texto aquele o produz e aquele que busca compreendêlo Entretanto não se trata de dizer que a coerência independe do texto o texto é fundamental porque apresenta pistas que orientam o leitor a calcular o sentido e estabelecer coerência para o próprio texto A noção de coerência é complexa Até ao final da década de noventa conforme observaram Koch e Travaglia 1997 nenhum dos conceitos encontrados na literatura era capaz de conter em si todos os aspectos considerados como definidores da coerência dos textos Hoje também mesmo depois de tantos avanços nas pesquisas em Linguística Textual ainda não se encontra na literatura especializada ao menos com facilidade e clareza um conceito completo que dê conta de fato da multiplicidade de facetas que recobrem a noção de coerência A coerência da origem à textualidade É ela que faz com que um texto faça sentido para os usuários de uma língua em uma dada situação comunicativa KOCH TRAVAGLIA 1997 É ela necessária para que o texto possa ser percebido por um leitor ou ouvinte como um todo dotado de sentido como uma unidade semântica de comunicação e não apenas como um aglomerado de frases e palavras É pois global e diz respeito a todos os elementos que de alguma maneira influenciam na construção dos sentidos dos textos A coerência é relativa ao contexto de interação verbal Por isso leva em conta os conhecimentos e as experiências dos interlocutores do ato comunicativo o conteúdo da mensagem a ser transmitida o propósito comunicativo o gênero selecionado a relação do texto com outros textos Do ponto de vista do autor conhecimentos os mais variados são mobilizados e ativados para que possa dizer o que pretende e ser entendido pelo seu interlocutor também do modo como pretende ou de modo semelhante ao pretendido É o exercício do princípio de cooperação o indivíduo interage com o outro da forma mais explícita e completa possível para que todos os seus enunciados possam ser corretamente interpretados Do ponto de vista do leitor conhecimentos 102 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 previamente constituídos e armazenados na memória carecem de ser ativados para que possa entender e interpretar o texto construindo sentidos para ele Nessa direção a coerência se refere também a um princípio de interpretabilidade e compreensão do texto sempre que for possível aos interlocutores construir um sentido para o texto este será para eles nessa situação de interação um texto coerente KOCH ELIAS 2012 p 189 Isto quer pois dizer que uma dada produção linguística pode ser entendida como incoerente por determinado usuário da língua ao passo que para outro pode não o ser porque no ato de recepção do texto o conhecimento de mundo do leitor exerce papel determinante na recuperação dos sentidos pretendidos pelo autor Não se trata evidentemente de centrar a coerência no leitor como já apontado acima como se se tratasse de um processo unilateral mas de ressaltar sua importância no estabelecimento da coerência de como ela depende do próprio leitor ou ouvinte do texto e de seu conhecimento de mundo e da situação de produção bem como de seu grau de domínio dos elementos linguísticos pelos quais o texto se atualiza naquele momento discursivocomunicativo KOCH TRAVAGLIA 1997 Como se percebe portanto a coerência se estabelece na dependência de uma multiplicidade de fatores de ordem linguística discursiva pragmática cognitiva e social Em um esforço de síntese Koch e Travaglia 1997 estabelecem os seguintes fatores como responsáveis pelo estabelecimento da coerência conhecimento e uso de elementos linguísticos conhecimento de mundo e o grau de compartilhamento desse conhecimento pelos autores e leitores ou ouvintes dos textos e fatores pragmáticos e interacionais tais como o contexto situacional os interlocutores em si suas crenças convicções e intenções comunicativas e a função comunicativa do texto Todos esses fatores concorrem para o estabelecimento da coerência nos textos Há além desses um outro fator determinante para a construção da coerência a coesão A coesão tem a ver com a organização dos elementos sintáticos e gramaticais em um texto Revelase através das marcas linguísticas índices formais na estrutura das sequências linguística e superficial e que se manifesta na sequência linear do texto KOCH TRAVAGLIA 1997 p 13 Halliday e Hasan 1976 entendem a coesão como um conceito semântico pois referese às relações de sentido existentes no interior do texto e o que o definem como texto Para eles a coesão ocorre quando a interpretação de alguém elemento no discurso é dependente da de outro Um pressupõe o outro no sentido de que não pode ser efetivamente decodificado a não ser por recurso ao outro HALLIDAY HASAN 1976 p 04 Noutras palavras a coesão é uma relação semântica entre um elemento do texto e algum outro elemento crucial para a sua interpretação Esclarecem no entanto que embora se trate de uma relação semântica a coesão é realizada através do sistema léxicogramatical 103 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 Ainda segundo esses autores os mecanismos de coesão podem ser classificados em cinco tipos referenciação pessoal demonstrativa comparativa substituição nominal verbal frasal elipse nominal verbal frasal conjunção aditiva adversativa causal temporal continuativa coesão lexical repetição sinonímia hiperonímia uso de nomes genéricos colocação De um modo geral a referenciação compreende os elementos da língua que não podem ser interpretados semanticamente por si mesmos mas remetem a outros itens necessários para sua interpretação A substituição ocorre quando um item é colocado no lugar de outro elemento do texto A elipse corresponde um tipo se substituição por zero um item é omitido mas é facilmente recuperável pelo contexto A conjunção estabelece relações de significados entre elementos ou orações do texto Finalmente a coesão lexical ocorre por meio dos mecanismos de reiteração repetição do mesmo item lexical ou através de sinônimos hiperônimos ou nomes genéricos e colocação uso de termos pertencentes a um mesmo campo semântico KOCH 2004 Todos esses mecanismos atuam como recursos semânticos responsáveis pelo estabelecimento de relações diversas entre itens palavras frases orações parágrafos dos textos É porque corresponde a uma relação semântica que a coesão contribui para estabelecer a coerência dos textos Tratase porém de uma contribuição apenas parcial conforme esclarece Charolles 1978 os elementos linguísticos responsáveis pela coesão ajudam a estabelecer a coerência mas não são nem suficientes nem necessários para que a coerência seja de fato estabelecida É por isso que há textos destituídos de mecanismos de coesão mas que mesmo assim ainda podem ser considerados como textos porque apresentam textualidade no nível da coerência Na verdade a simples justaposição de eventos e situações em um texto pode ativar operações que recobrem ou criam relações de coerência MARCUSCHI 1986 p 40 Por outro lado conforme observa Koch 2004 certos enunciados podem aparecer sequencialmente coesivos mas não chegam nesses casos a constituir textos porque lhes falta a coerência Assim a coerência parece ser de fato o princípio fundamental da textualidade dos textos O ensino de produção textual Como diz Koch 2000 o homem por natureza comunicase através de textos Os textos na verdade são práticas sociais em que estão sempre envolvidos seres humanos em carne e osso empenhados em solucionar problemas de toda ordem Seres que têm crenças sentimentos vontades desejos interesses ideias e ideais diversos e respeitáveis MARCUSCHI 2001 p 11 E todo esse conjunto de desejos e sentimentos são representados ou materializados por meio de textos Textos diversos produzidos sob a forma de gêneros com estruturas composicionais 104 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 conteúdos temáticos e estilos também diversificados através dos quais um sujeito interage com um outro para num processo dialéticodialógico se constituir como eu e constituir o outro como outro Sendo assim é imprescindível que o professor na escola apresente ao aluno e lhe possibilite conhecer e aprender a fazer uso dos mais variados modelos e tipos de textos e gêneros existentes para que ele possa ultrapassar a simples produção de conjuntos aleatórios de frases para distinguilas e produzilas de maneira significativa considerando a noção de unidade semântica KOCH 2006 É também por esse mesmo motivo que Geraldi 1997 considera a produção de textos orais e escritos como ponto de partida e ponto de chegada de todo o processo de ensino e de aprendizagem da língua Ora é no texto que a língua se revela em sua totalidade quer enquanto conjunto de formas e de seu reaparecimento quer enquanto discurso que remete a uma relação intersubjetiva constituída no próprio processo de enunciação marcada pela temporalidade e suas dimensões GERALDI 1997 p 135 Desse modo apenas no texto parece ser possível observar e discutir a complexidade de relações e de elementos constitutivos da língua e da linguagem e por isso deve ser a unidade básica do ensino de língua em todos os níveis de aprendizagem inclusive na alfabetização É também para esta direção que parecem apontar os Parâmetros Curriculares Nacionais PCNs quando se referem ao trabalho com o texto escrito no ensino de língua De acordo com o documento para que os alunos possam aprender a escrever precisam ter acesso à diversidade de textos escritos testemunhar a utilização que se faz da escrita em diferentes circunstâncias defrontarse com as reais questões que a escrita coloca a quem se propõe produzila arriscarse a fazer como consegue e receber ajuda de quem já sabe escrever BRASIL 1997 p 6667 As diversas situações de interação do cotidiano formais ou informais são mediatizadas por diferentes modelos de textos por diferentes gêneros Dessa forma quanto maior o repertório de textos do sujeito maiores também serão suas possibilidades de interação É nesse sentido que se defende a necessidade de trabalho na escola com textos pertencentes aos mais diversos gêneros tendo em vista a aquisição de um repertório variado de formas de texto por parte dos alunos Ensinar aos alunos a produzirem textos nessa perspectiva é muito mais do que ensinálos a escrever É possibilitálos o aprendizado de formas de interação Conforme observa Koch 1998 a produção de texto é uma atividade verbal a serviço de fins sociais portanto inserida em contextos mais complexos de atividade Toda produção se dá pois em um determinado contexto em uma situação comunicativa É ainda uma atividade intencional da qual se leva em consideração o momento e o espaço em que o autor está situado Todo texto é produzido com uma intenção para atender a um propósito comunicativo Sobretudo é uma atividade interacionista visto que os sujeitos se acham envolvidos na atividade de produção textual de maneiras diversas Com efeito a 105 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 presença do outro parece ser condição necessária para a existência do texto Todo texto é direcionado para alguém mesmo os monólogos ou textos como o diário pessoal são também produzidos para um interlocutor que nesses casos pode ser o próprio autor Por tudo isso o trabalho com a produção de textos na escola deve levar em conta textos verdadeiros no sentido de serem reais em oposição aos textos pedagogicamente fabricados escritos por autores e direcionados para leitores verdadeiros produzidos em situações comunicativas em que foram são verdadeiramente necessários Quando são trazidos para dentro da escola os textos que circulam socialmente fora dela cumprem um papel modelizador porque passam a ser concebidos como fonte de referência para os alunos principalmente quando estão em fase inicial de aprendizagem da escrita Daí o cuidado para se trabalhar com textos reais de fato porque eles passarão a compor o repertório textual dos alunos Quando em atividade de produção textual na escola ou fora dela os alunos sempre retomarão os textos a eles apresentados em atividades de leitura porque esses são arquivados em suas memórias Tratase pois de um processo cognitivo de acionamento de memórias que lhes permitem estabelecer relações intertextuais entre os textos que produzem e os textos que lhes foram apresentados num esforço para produzirem textos coerentes e coesos que atendam de fato aos propósitos comunicativos intencionados Todos esses aspectos devem ser levados em conta em todos os níveis escolares de ensino e aprendizagem da língua inclusive nos anos escolares que compreendem o período de alfabetização Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental É claro que nesse nível de ensino são encontradas muitas dificuldades no que diz respeito ao trabalho com a produção de textos atreladas à crença de que o aluno em fase de alfabetização ainda não produz textos porque não dominam a ortografia da língua não é portanto à toa que o domínio do sistema ortográfico constitua um dos principais eixos de investimento pedagógico nos anos iniciais de ensino e aprendizagem na escola Entretanto defendo aqui justamente a ideia contrária alunos em fase de alfabetização produzem textos e tendem inclusive a seguir os modelos de textos que lhes são apresentados É preciso no entanto considerar todas as dimensões que envolvem o processo de escrita de textos nesse nível de aprendizagem Por exemplo a apropriação mecânica e automática do sistema alfabético por meio da memorização de correspondências grafossonoras não é garantia suficiente para que o aluno possa produzir um texto Por outro lado mesmo que o aluno ainda não domine com maestria o sistema alfabético da língua ele pode conseguir produzir um texto Isso porque a produção de um texto não depende com exclusividade do código linguístico utilizado mas antes conforme comentado anteriormente de um conjunto de aspectos linguísticos gramaticais semióticos semânticos 106 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 pragmáticos discursivos comunicativos cognitivos e interacionais É porque se desconsideram todos esses aspectos que no final da fase de alfabetização conforme observaram Brandão e Leal 2005 muitos alunos são capazes de escrever palavras e frases isoladas com eficiência mas não conseguem escrever um bilhete simples Esses alunos decoram o código da língua e o empregam em situações mecânicas de uso situações já préfabricadas mas não conseguem ou apresentam dificuldades de colocálo em uso em situações reais Portanto a aprendizagem da escrita não deve ser entendida como um processo motor e mecânico baseado na reprodução de formas gráficas do sistema alfabético da língua mas como um processo cognitivo e linguístico Nele a produção de texto deve ser sempre vista como uma atividade situada o que implica considerar dentre outros fatores o sujeito que escreve o sujeito para quem se escreve as intenções ou objetivos que se pretende alcançar a situação imediata de produção e o contexto social e histórico em que o texto é produzido Por sua vez a alfabetização não deve ser considerada apenas em seu sentido restrito isto é como a aquisição da escrita alfabética do sistema linguístico mas como uma prática que se desenvolve dentro de um processo mais amplo de aprendizado da língua e da linguagem Não se trata apenas de ensinar os alunos a escreverem mas antes de lhes possibilitar o aprendizado de usos diversificados da língua em situações variadas de interação por meio da escrita Os textos em materiais didáticos Nos anos iniciais do Ensino Fundamental os livros didáticos adotados para o ensino da Língua Portuguesa são aprovados e distribuídos pelo Ministério da Educação por meio do Programa Nacional do Livro Didático no entanto em muitas salas de aula de alfabetização ainda se mantém a prática do uso de cartilhas ou de cadernos de caligrafia e ortografia sob o argumento de que os livros aprovados e distribuídos pelo programa exigem um nível de conhecimento ainda não dominado pelos alunos em fase de alfabetização principalmente quando se trata de alunos matriculados em escolas localizadas em cidades muito pequenas e afastadas de grandes centros urbanos e em periferias Na Educação Infantil porque não há uma política de livros didáticos o uso da cartilha de alfabetização de apostilas e de materiais didáticos avulsos é ainda mais recorrente O uso da cartilha é quase nefasto com toda a negatividade semântica que tem a palavra à aprendizagem da escrita dos alunos Ela cerceia a liberdade de aprender do aluno impondolhe um modelo estigmatizado de texto que se afasta em muito dos textos que de fato são produzidos no cotidiano Os danos ao processo de produção textual podem ter consequências durante toda a vivência do aluno 107 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 A título de ilustração apresento e analiso a seguir dois textos extraídos de cartilhas utilizadas em turmas cinco anos de Educação Infantil de uma escola que visitei em uma cidade do interior do Estado do Rio Grande do Norte Texto 01 Texto 02 A Fonte Alfabetização inteligente Fonte Vamos brincar O primeiro texto faz parte de uma sequência de textos apresentados na cartilha sobre cada letra do alfabeto Nesses textos as letras são tomadas como personagens e em torno delas se constroem pequenas narrativas No texto acima vêse uma tentativa frustrada de se construir uma narrativa com o máximo de palavras possíveis e impossíveis já que é exagerado o esforço iniciadas com a respectiva letra É isso que ocorre também em todos os outros textos da sequência na cartilha No caso específico do texto acima reproduzido é possível observar o esforço do autor em introduzir e associar palavras de campos semânticos distintos iniciadas com a letra abordada Em si essa estratégia não compromete a coerência do texto apesar de não se poder deixar de dizer de um estranhamento provocado pela associação das três palavras grafadas com letra maiúscula Há no entanto outros sérios problemas que podem ser observados no texto Em relação à coesão observase a precariedade de recursos coesivos Além da repetição do referente a letra como estratégia de reforço para a construção de rima no segundo verso e da conjunção e no último como elemento de ligação entre duas orações a única estratégia de coesão 108 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 presente no texto é a elipse Não há outra forma de retomada do referente principal ao longo de todo o texto nem a utilização de um outro elemento de coesão referencial Entretanto apesar de não explorar bem os mecanismos de coesão o que traz complicações para o texto de fato é a ausência de um nível desejável de coerência Mesmo que se alegue tratar se de narrativa pertencente ao mundo da ficção fabricada para ser cantada a realização dos eventos narrados dificulta a construção de um mundo textual possível por parte do leitor Não há relação semântica necessária entre os três eventos descritos no texto Na verdade parece que a aproximação desses eventos tem por finalidade única a construção de estruturas rítmicas favorecendo a focalização de palavras iniciadas por um mesmo som Ignorase desse modo os aspectos semânticos e pragmáticos do texto em detrimento de aspectos linguísticofonológicos Dizendo de outro modo ao estilo parnasiano aguado como disse o poeta o que parece importar é apenas a construção de rimas e que estas sejam percebidas pelos alunos Também o texto dois apresenta alguns problemas de coesão e coerência que comprometem seu funcionamento Logo na primeira linha são introduzidos dois referentes Caxuxa e um xale Esses referentes são retomados ao longo do texto por um único mecanismo de coesão lexical a repetição Há sete ocorrências de cada um dos referentes ou seja em quase todas as linhas do texto há a repetição dos referentes Ora essa estratégia que aparentemente sugere a focalização dos referentes compromete a noção de unidade do texto parecendo muito mais um conjunto de frases e orações com poucos elementos linguísticos de ligação Na quarta linha ocorre a introdução de outro referente Xexéu Neste caso há três retomadas estrutura predicativa quarta linha pronome quinta linha e repetição sexta e sétima linhas Como se percebe apesar de apresentar uma maior ocorrência de mecanismos coesivos em relação ao texto um o uso predominante e quase excessivo da repetição com finalidade pedagógica parece comprometer ao menos em parte a coesão do texto já que nem mesmo na modalidade oral da língua o falante recorre a tantas repetições de referentes Além disso pode repassar para o aluno a falsa ideia de que um texto escrito para ser bom deve usar prioritariamente a repetição como elemento de coesão Há ainda problemas de coerência relativos à construção de um mundo textual por parte do leitor a partir dos dados textuais que lhe são no caso não são fornecidos Ao final do texto o leitor ainda não consegue identificar quem de fato é a personagem Caxuxa Seria uma menina Uma bruxa inferível pela presença de elementos culturalmente associados à figura da bruxa como gato e xale por exemplo Se esta última hipótese for verdadeira seria uma bruxa boazinha Uma bruxa má Deveras a única coisa que se sabe sobre ela é que tem um xale e um gato Não há uma predicação que atribua alguma identidade à personagem diferentemente do que acontece com o gato por exemplo Além disso é possível que o leitor ainda se questione sobre qual o elemento 109 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 central do texto O xale Pela focalização do título é possível supor que sim mas outros referentes também são focalizados com a mesma intensidade no texto O título do texto poderia muito bem ser Caxuxa Em termos semânticos e de compreensão não apresentaria diferença significativa Em termos grafossonoros também não já que as duas palavras apresentam em sua composição a letra realçada no texto O que justifica portanto a escolha do título São questões difíceis de serem respondidas no caso desse texto apesar de fundamentais para garantir a compreensão por parte dos alunos No geral as cartilhas observadas apresentam uma variedade mínima de gêneros de texto dando ênfase principalmente aos chamados gêneros narrativos da tradição oral como os contos as cantigas as adivinhações e as parlendas tendência também seguida pelos livros didáticos De fato a familiaridade e o domínio da criança seja na Educação Infantil ou mesmo nos anos iniciais do Ensino Fundamental sobre certos gêneros da oralidade em especial aqueles marcados pelo ludismo pelo jogo com a linguagem e pela elaboração poética tais como contos cumulativos trava línguas acalantos fórmulas de escolha trovas parlendas adivinhas e seus similares além de narrativas de diversos matizes como contos de fadas lendas mitos fábulas causos dentre tantos outros podem ser decisivos em termos de favorecer a aprendizagem da leitura e da escrita porque esses textos mesmo sendo orais já trazem em si elementos essenciais de uma escrita Entretanto especialmente nos anos escolares de alfabetização o trabalho com esses textos não deve ser exclusivo É preciso lembrar que nesse período de escolarização os alunos quase sempre tomam os textos que lhes são apresentados como modelos Assim textos de diferentes gêneros e textos diferentes de um mesmo gênero também devem ser objetos de ensinoaprendizagem de alunos em fase de alfabetização considerando a atuação futura desses alunos em atividades sociais as mais variadas Os livros didáticos possivelmente porque passam por crivos da avaliação de especialistas e precisam seguir as normativas estipuladas em editais apresentam textos mais adequados à alfabetização dos alunos e em variedade maior quanto aos tipos de gêneros de texto Alguns problemas no entanto ainda são visualizados e por vezes podem prejudicar ou se não pouco contribuir para a formação dos alunos enquanto produtores de texto Na escola referida anteriormente observei os textos sugeridos pelo livro didático de língua portuguesa adotado em turmas de primeiro ano escolar do Ensino Fundamental Destaco a seguir pelo menos dois desses textos Texto 03 110 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 Fonte Livro didático Letramento e Alfabetização O poema de Manuel Bandeira constitui um exímio exemplo de texto poético objeto de profundas reflexões literárias e filosóficas Apesar da complexidade que lhe envolve pode ainda ser objeto de leitura e reflexão em sala de aula de alfabetização como sugere o livro didático A narrativa lúdica construída as imagens acústicas criadas que remetem aos sons produzidos por um trem em movimento a musicalidade que sugere a reprodução alegórica da cadência do trem em diferentes velocidades dentre outros elementos tornam o texto por demais atrativo para crianças em descoberta da leitura e da escrita No que diz respeito aos recursos coesivos a repetição por exemplo tanto de referentes quanto de estruturas verbais expressões nominais e mesmo versos completos bastante frequente em todo o poema não aparece como mecanismo forçoso para construção de uma rima ou focalização de um fonema ou letra que inicia as palavras Longe disso a repetição tem sim no poema um caráter icônico funcionando como estratégia estilística para 111 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 alcançar os efeitos de sentido pretendidos pelo autor Contribui portanto com a própria coerência do texto Além disso outros mecanismos coesivos estabelecem a progressão e unidade do texto como as retomadas pronominais do referente eu e as elipses antes dos verbos em primeira pessoa A coerência do texto está essencialmente atrelada ao modo como sua leitura é realizada Uma leitura desatenta ao ritmo à musicalidade ao compasso do trem que é personificado no poema pode comprometer ou pelo menos prejudicar a coerência do texto Nesse ponto é essencial o papel do professor como mediador de uma primeira leitura que dê aos alunos orientações sobre como se deve ler o poema atentando para os elementos acima apresentados Importante também é considerar as especificidades do gênero Na verdade esta pode ser uma oportunidade singular para que o professor explore com os alunos as diferenças existentes entre cada gênero textual tanto no que se refere à leitura quanto à produção não se pode ler ou escrever um poema da mesma forma que se lê ou se escreve uma notícia de jornal por exemplo Se isso acontecer a coerência do texto será prejudicada E não se trata meramente de uma afirmação metalinguística Mais que isso é um princípio de textualidade que deve ser ensinado e aprendido pelos alunos Há quem possa alegar que o texto de Manuel Bandeira é longo demais e sua leitura difícil para alunos que ainda não são alfabetizados e que portanto ainda não dominam a atividade de leitura Não enxergo a questão por uma ótica da extensão Uma questão muito mais relevante é saber se os textos trabalhados na alfabetização são textos de fato porque insisto funcionam como modelos a serem seguidos pelos alunos em suas atividades de produção escrita Reconheço é claro que certos textos muito extensos e de leitura densa precisam ser sumarizados ou mesmo adaptados caso se queira tornálos objeto de estudo nesse período escolar É o caso do texto A princesa e o sapo narrativa adaptada dos irmãos Grimm em um livro didático de primeiro ano O texto tem uma extensão de seiscentas e trinta e cinco palavras Apesar de ser coerente e apresentar recursos variados de coesão a extensão do texto pode gerar um problema na aula de leitura em sala de alfabetização principalmente quando os alunos ainda não dominarem o código linguístico Até a decodificação será comprometida porque poderá ocupar todo o tempo da aula cansar o aluno e portanto desestimulálo da leitura pelo fracasso por causa da insistência em fazêlo tentar conseguir algo inalcançável naquele momento Não se trata de dizer que esse texto não deva ser trabalhado em sala de aula de alfabetização Não estou também supondo incapacidade dos alunos e tampouco do professor O que quero dizer é que em situações como essas é preciso que o professor tenha uma cautela e um cuidado certo no tratamento dado ao texto isto é nas estratégias didáticometodológicas que serão utilizadas para o trabalho com o texto levando em conta os conhecimentos dos alunos e as habilidades já desenvolvidas Não me parece ser recomendável trabalhar com textos que possam por alguma razão colocar o aluno 112 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 frente ao fracasso ou fazêlo assim se sentir por não ter conseguido desempenhar satisfatoriamente uma atividade solicitada Não é ético da parte do professor solicitar do aluno a realização de uma tarefa que exige uma habilidade ou um conhecimento que ele ainda não domina Também não é coerente Tratase de um problema de adaptação ou de adequação de linguagem Os textos escritos pelos alunos Tenho dito ao longo desse artigo que os textos trabalhados nas salas de aula em atividades de leitura funcionam como exemplos de modelos de textos a serem seguidos pelos alunos quando são requeridos a produzirem texto em atividade escrita Por isso nas escolas visitadas solicitei das professoras alguns dos textos produzidos pelos alunos em atividades de produção textual O conjunto de textos recolhido pode ser exemplificado pelos dois textos a seguir apresentados escritos por crianças de sete anos Texto 04 Fonte Corpus do autor O comando da atividade realizado oralmente pela professora solicitava dos alunos a produção de um texto sobre o dia nacional do estudante Tratase de direção vaga pouco precisa focaliza apenas a temática a ser tratada Não acrescenta informações sobre o tipo de texto e do gênero solicitado sobre o interlocutor sobre o propósito comunicativo ou função do texto Essas informações são fundamentais porque determinam a orientação do texto do aluno Portanto quando omitidas na maioria das vezes a produção do aluno é comprometida Não é pois por acaso que a produção do aluno parece muito mais um conjunto de frases independentes do que um texto propriamente Não fosse a relação semântica promovida pelo referente estudante poderia até dizer tratarse de conjunto de frases isoladas São frases coerentes como se pode facilmente perceber porque mesmo isoladamente possuem algum sentido ainda 113 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 que pouco desenvolvido e um tanto redundante Podem ser lidas a partir de qualquer direção invertendose a ordem ou fazendo a leitura aleatoriamente Entretanto não possuem unidade semântica não constituem um todo de sentido completo não formam um texto Além disso o problema se intensifica ainda mais em razão do pouco uso de recursos de coesão lexical e referencial e da ausência de elementos de coesão sequencial unindo as frases É possível apontar apenas os casos de repetição dos referentes estudante e profissão mas sem implicar necessariamente retomadas já que os referentes funcionam de forma independente em cada frase e um caso de substituição do referente estudante pelo pronome ele Assim os recursos coesivos mobilizados são insuficientes pouco diversificados Por um lado a tentativa de produção de texto do aluno é frustrada porque não se pode dizer que as frases acima constituem um texto considerando o arranjo ou a falta de arranjo a elas atribuído Por outro a produção do aluno revela seu intento de que o texto escrito se aproxime o mais próximo possível dos modelos de textos que lhes foram apresentados nas aulas de leitura E nesse ponto ele parece ter conseguido êxito porque o material textual escrito reflete a estrutura a organização o estilo dos modelos de textos apresentados se é que esses exemplares podem ser de fato chamados de textos São muito mais arremedos de textos utilizando o termo de Brandão e Leal 2005 Exercícios de escrita nos quais se enfatiza o uso repetido de certas correspondências grafossonoras cujo resultado é a produção de textos vazios que não entretém não dão prazer nem informam ou contam algo que mereça ser contado Em muitas escolas as crianças em fase de alfabetização são expostas exclusivamente a esses tipos de textos e os apreendem como modelos para as atividades de leitura e produção É por isso que muitas delas ao concluírem a fase de alfabetização conseguem escrever ou copiar com eficiência palavras e frases quando lhes são apresentadas ou mesmo ditadas pela professora mas revelam bastante dificuldade em escrever um pequeno texto um bilhete um aviso por exemplo caso sejam solicitadas Nesses casos a concepção de escrita limitase ao aprendizado do sistema da língua do código em si E o problema é que as crianças aprendem o código mas não conseguem se comunicar por meio dele não conseguem construir representações do mundo por meio dele O aprendizado da escrita não tem funcionalidade Aprendese a escrever para transcrever o que a escola escreve para reproduzir a escrita da escola e não para produzir escrita O texto a seguir apresenta um projeto bastante diferenciado do anterior Na verdade nesse caso tratase de um texto com um projeto de dizer com uma intenção ou propósito comunicativo Tratase de um pequeno conto composto essencialmente por sequências narrativas e descritivas Texto 05 114 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 Fonte Corpus do autor O texto trata sobre a personagem Glória Apresenta um conjunto de informações sobre a personagem desde características físicopsicológicas a gostos modos de ser e costumes Mas essas informações não são apresentadas de forma aleatória assistemática ou isoladas Há toda uma organização no modo como são elencadas as características da personagem no texto primeiro suas características físicopsicológicas sociais depois seus modos de ser e gostos O texto apresenta unidade semântica é coerente Não há conflito entre as informações apresentadas Os recursos coesivos mobilizados são muito mais variados Além do da coesão referencial a substituição de referentes por pronome principalmente o pronome de terceira pessoa do singular e da elipse antes de verbos ressaltase a utilização de mecanismos de coesão sequencial muitas vezes ausentes nos textos de cartilhas Exemplo disso é a utilização das conjunções e e mas este último grafado como mais A conjunção aditiva liga orações reforçando a ideia de unidade e dá sequenciação ao texto O uso da conjunção adversativa é fundamental para introduzir outra orientação argumentativa outro ponto de vista no texto De fato é um texto que se organiza em forma de um gênero o conto ainda que os elementos constitutivos da narrativa situação inicial complicação resolução e situação final não possam ser facilmente visualizados e careçam de ser trabalhados Apesar dos problemas que ainda revela o texto acima difere em muito daquele antes apresentado Em parte a melhora apresentada justificase pelo esclarecimento da proposta de produção pelo grau de conhecimento compartilhado pela professora com o aluno O comando exibido pela professora foi claro os alunos deveriam escrever um texto sobre a personagem de uma história contada em sala de aula focalizando suas principais características Ao final os textos 115 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 seriam exibidos no mural da sala para que pudessem ser lidos por todos os colegas da turma A atividade de produção ganha significado e sentido para as crianças Além disso outro ponto importante a destacar é o conhecimento de mundo do aluno produtor do texto Possivelmente esse aluno foi já exposto a muitos outros tipos de textos para além daqueles modelos costumeiramente apresentados na escola o que fica evidenciado com a introdução da informação sobre a paralisia infantil da personagem não encontrada comumente em histórias infantis de contos de fada por exemplo Tratase possivelmente de um conhecimento reportado pela criança de outros espaços de convivência Considerações finais Ao longo desse texto defendi a necessidade de os alunos em fase de alfabetização serem apresentados a textos autênticos reais utilizados em práticas sociais nas atividades de leitura para que nas atividades de produção possam de fato produzirem textos Demonstrei que alguns materiais didáticos utilizados nessa fase de aprendizagem na escola principalmente as cartilhas para alfabetização priorizam o trabalho com textos artificiais elaborados exclusivamente com finalidade didática A opção por esse tipo de texto se é que se podem ser assim chamados revela a concepção de texto desses materiais conjunto de palavras e frases que expressam algum sentido É uma concepção limitada e problemática porque não dá conta da complexidade que recobre a noção de texto conforme apresentada nesse trabalho Além disso demonstrei também por meio de análises que quando os alunos possuem contato apenas com esse tipo de texto incorporam aquela concepção e passam a produzir textos seguindo os modelos mostrados Ora ninguém fala apenas palavras ou frases mas falase por meio de textos ainda que os textos sejam constitutivamente formados por palavras e frases O filosofo russo Mikhail Bakhtin já tinha apontado há algum tempo esse aspecto A oração enquanto tal em seu contexto não tem capacidade de determinar uma resposta adquire essa propriedade mais exatamente participa dela apenas no todo de um enunciado A oração que se torna enunciado completo adquire novas qualidades e particularidades que não pertencem à oração mas ao enunciado que não expressam a natureza da oração mas do enunciado e que achandose associadas à oração completamna até tornála um enunciado completo As pessoas não trocam orações assim como não trocam palavras numa acepção rigorosamente linguística ou combinações de palavras trocam enunciados constituídos com a ajuda de unidades da língua palavras combinações de palavras orações mesmo assim nada impede que o enunciado seja constituído de uma única oração ou de uma única palavra por assim dizer de uma única unidade da fala o que acontece sobretudo na réplica do diálogo mas não é isso que converterá uma unidade da língua numa unidade da comunicação verbal BAKHTIN 1997 p 297 116 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 É equivocada pois a ideia sugerida por cartilhas e por alguns livros didáticos de que o texto escrito é apenas uma sequência de frases aleatórias independentes sem conexão lógica e semântica necessária Nega a coesão e a coerência como princípios de textualidade Esquece que a produção de um texto é um evento uma prática sociocomunicativa Como lembra Geraldi 1997 na produção de um texto é sempre necessário inclusive na escola que o autor tenha o que dizer e uma razão para dizer que tenha um interlocutor para dizer o que precisa dizer e que se constitua enquanto sujeito que diz o que diz para quem diz e escolhe estratégias para a realização das condições para que se concretize sua produção Por isso na produção de um texto não basta juntar sílabas palavras e frases como parecem sugerir algumas cartilhas de alfabetização Muito mais que isso a produção de um texto implica um querer dizer algo para algo realizado mediante a seleção de um conjunto de escolhas linguísticas de relações diversas entre palavras e frases parágrafos sequências entre textos e textos Por outro lado quando o aluno é exposto a diferentes gêneros de texto ele consegue articular em sua produção aspectos linguísticodiscursivos os mais variados É claro que não basta expor os alunos a gêneros de textos diferentes e variados É preciso sempre mediar a atividade de produção de textos focalizando os aspectos linguísticos discursivos e sociais envolvidos na produção de um texto Nesse ponto a figura da professora é fundamental porque muitas vezes o gênero é desconhecido ou pouco usado pelo aluno e ele por si só não consegue dar conta de atentar para a finalidade os interlocutores as esferas sociais de circulação as características específicas de cada gênero Esses aspectos devem ser explorados em atividades de leitura e de produção de textos Essas atividades sempre devem ter objetivos claros E sempre devem partir do texto o texto é o ponto de partida e de chegada como propôs Geraldi 1997 Não pretendi aqui abordar aspectos fonológicos e psicogenéticos da aquisição da escrita como muitos têm feito alguns muito bem Minha intenção foi olhar para o ensino de produção textual na alfabetização a partir da Linguística Textual Quis mostrar que a Linguística Textual pode trazer significativas contribuições para o ensino de produção de textos na alfabetização ainda que tenha feito isto de maneira limitada focalizando aspectos relativos à coesão e à coerência dos textos Na verdade nesses termos esse texto é muito mais uma provocação para que professores alfabetizadores possam se inquietar mais com o ensino da escrita do texto na alfabetização buscando alternativas outras contribuições vindas de outros campos como a Linguística Textual por exemplo É um convite à busca por outras fontes por outras perspectivas por outros caminhos diferentes daqueles já percorridos por vezes cheios de pedras e espinhos E infelizmente essa expedição para a qual se convida tem de ter início na própria curiosidade dos professores 117 CLARABOIA JacarezinhoPR v10 p 95118 juldez 2018 ISSN 23579234 alfabetizadores com todas as suas limitações já que na maioria das vezes perspectivas como a da Linguística Textual não fazem parte do currículo de cursos de formação inicial de professores alfabetizadores sendo quase desconhecidas por eles Referências BAKHTIN M Estética da criação verbal São Paulo Martins Fontes 1997 BENTES A C Lingüística textual In MUSSALIM F BENTES A C orgs Introdução à lingüística domínios e fronteiras 6 ed São Paulo Cortez 2006 p 245285 BERNARDINO Rosângela Alves dos Santos A responsabilidade enunciativa em artigos científicos de pesquisadores iniciantes e contribuições para o ensino da produção textual na graduação 2015 271f Tese Doutorado em Estudos da Linguagem Centro de Ciências Humanas Letras e Artes Universidade Federal do Rio Grande do Norte Natal 2015 BRANDÃO A C P LEAL T F Em busca da construção de sentidos o trabalho de leitura e produção de textos na alfabetização In BRANDÃO A C P ROSA E C S Leitura e produção de textos no processo de alfabetização Belo Horizonte Autêntica 2005 BRASIL Parâmetros Curriculares Nacionais Língua Portuguesa Brasília Ministério da Educação Secretaria de Educação Fundamental 1998 BUNZEN C Dinâmicas discursivas na aula de português os usos do livro didático e projetos didáticos autorais 2009 227 f Tese Doutorado em Linguística Aplicada Universidade Estadual de Campinas Campinas 2009 A fabricação da disciplina escolar Português In Revista Diálogo Educacional Curitiba v 11 n 34 p 885911 setdez 2011 CHAROLLES M Introduction aux problèmes de la cohérence des textes In Langue Française Paris Larousse n38 1978 CONTE M E La lingüistica testuale Milano Feltrinelli Económica 1977 FÁVERO L L KOCH I G V Linguística Textual introdução 9 ed São Paulo Cortez 2012 GERALDI J W Da redação à produção de textos In GERALDI J W CITELLI B Coord Aprender e ensinar com textos de alunos São Paulo Cortez 1997 HALLIDAY M A K HASAN R Cohesion in English New York Longman 1976 KOCH I G V O texto e a construção dos sentidos 2 ed São Paulo Contexto 1998 Parte I p 3545 Linguística Textual Quo Vadis In Revista Delta edição especial 2001 Introdução à linguística textual São Paulo Martins fontes 2004 A interação pela linguagem 10 ed São Paulo Contexto 2006 TRAVAGLIA L C Texto e Coerência 5 ed São Paulo Cortez 1997 ELIAS V M Ler e compreender os sentidos do texto 3ª edição São Paulo Contexto 2012 MARCUSCHI L A Análise da Conversação São Paulo Ática 1986 Da fala para a escrita atividades de retextualização 2 ed São Paulo Cortez 2001 Linguística de texto o que é e como se faz São Paulo Parábola 2012 Chegou em 25122017 Aceito em 13012018 LOGOTIPO E NOME DA INSTITUIÇÃO DEPARTAMENTO CURSO NOME DO ALUNO RESUMO LINGUÍSTICA TEXTUAL E ENSINO COESÃO E COERÊNCIA NA ALFABETIZAÇÃO TEXTUAL DE ANANIAS AGOSTINHO DA SILVA Dezembro 2022 Ao longo do texto intitulado Linguística textual e ensino coesão e coerência na alfabetização 2018 Ananias Agostinho da Silva apresenta algumas reflexões acerca de como a Linguística Textual contribui com o ensino e a produção de texto no contexto educacional da alfabetização Para tanto o autor parte da Linguística Textual no campo dos estudos linguísticos Assim um dos primeiros aspectos abordados pelo autor é a importância das noções de coesão e de coerência pois os alunos produzem textos com base no que lhes é apresentado logo se eles recebem textos com frases avulsas e desconexas isso pode afetar seu desenvolvimento A solução apresentada por Silva 2018 p 97 nesse sentido é que desde a alfabetização se considere a aplicação de textos reais nos quais hajam recursos linguísticos textuais e discursivos de modo que os alunos aprendam a produzir textos que correspondam de fato ao propósito comunicativo Diante disso recorrendo as ideias apresentadas por Fávero e Koch 2012 o autor elucida que a prorrogativa da Linguística textual é tomar o texto e não mais a palavra nem a frase como objeto de análise Em suas próprias palavras Silva destaca que isso é fundamental porque ao contrário da palavra e da frase o texto constitui uma forma específica e completa de manifestação de linguagem SILVA 2018 p 97 Além disso é fundamental destacar que ao se referir ao trabalho com produções textuais os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais PCNs inferem que para que os alunos possam aprender a escrever eles precisam 1 ter acesso à diversidade de textos escritos 2 testemunhar a utilização que se faz da escrita em diferentes circunstâncias 3 defrontarse com as reais questões que a escrita coloca a quem se propõe produzila e 4 arriscarse a fazer como consegue e receber ajuda de quem já sabe escrever BRASIL 1997 p 6667 Logo o autor destaca que o processo de ensino de produções textuais está muito além do que ensinar a escrever afinal se trata de um ato mais amplo no qual o objetivo é possibilitar que eles aprendam diferentes formas de interação A par disso Silva destaca que Conforme observa Koch 1998 a produção de texto é uma atividade verbal a serviço de fins sociais portanto inserida em contextos mais complexos de atividade Toda produção se dá pois em um determinado contexto em uma situação comunicativa É ainda uma atividade intencional da qual se leva em consideração o momento e o espaço em que o autor está situado Todo texto é produzido com uma intenção para atender a um propósito comunicativo Sobretudo é uma atividade interacionista visto que os sujeitos se acham envolvidos na atividade de produção textual de maneiras diversas SILVA 2018 p 104 O autor então destaca a necessidade do exercício cognitivo em vez de atitudes passivas e replicações mecânicas pois a produção textual deve ser uma atividade situada considerando sobretudo quem escreve para quem escreve os objetivos a serem alcançados com a escrita a situação imediata em que se produz um texto e ainda o contexto social e histórico em que se escreve SILVA 2018 p 106 Adiante o autor analisa algumas atividades desenvolvidas por alunos da alfabetização a fim de demonstrar a importância da aplicação de diferentes gêneros textuais e de textos autênticos A par disso Silva elabora sua crítica aos modelos dispostos em cartilhas de alfabetização nas quais há trabalhos artificiais elaborados com fins didáticos ineficazes que expressam uma concepção limitada do que é de fato o texto Por fim Silva elucida que a percepção que essas cartilhas auferem em relação a ideia de texto se trata de um equívoco afinal a coesão e a coerência são princípios de textualidade que não devem ser negligenciados e a prática de produção escrita mais do que frases e palavras avulsas de fato é uma ação sociocomunicativa REFERÊNCIAS BRASIL Parâmetros Curriculares Nacionais Língua Portuguesa Brasília Ministério da Educação Secretaria de Educação Fundamental 1998 FÁVERO L L KOCH I G V Linguística Textual introdução 9 ed São Paulo Cortez 2012 KOCH I G V O texto e a construção dos sentidos 2 ed São Paulo Contexto 1998 Parte I p 3545 SILVA Ananias Agostinho Linguística textual e ensino coesão e coerência na alfabetização Claraboia v 10 p 95118 2018 D Bruneau FL Rosenthal J Herrera AD Sorrells TR Abril G Wells DM Zhao G Gamage D Otero MG Dolan ME Functional assessment of pharmacogenetic variants in DNA polymerases BioRxiv 74 2 2023 42 51