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ATIVIDADE INTEGRADORA COMUM I HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA PROFESSOR Dr Carlos Herold Junior ATIVIDADE 2 Coordenadora de Conteúdo Mara Cecilia Rafael Lopes Projeto Gráfico José Jhonny Coelho Editoração Humberto Garcia da Silva Designer Educacional Ana Claudia Salvadego Qualidade Textual Hellyery Agda Revisão Textual Danielle Loddi Pedro Afons Barth Ilustração Bruno Pardinho Fotos Shutterstock C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ Núcleo de Educação a Distância JUNIOR Carlos Herold Atividade Integradora Comum I História da Educação Física Carlos Herold Junior Maringá PRUnicesumar 2023 192 p Graduação em Educação Física EaD 1 Educação Física 2 Corpo na História 3 Práticas Corporais 4EaD I Título CDD 22ª Ed 7011 CIP NBR 12899 AACR2 NEAD Núcleo de Educação a Distância Av Guedner 1610 Bloco 4 Jd Aclimação Cep 87050900 Maringá Paraná wwwunicesumaredubr 0800 600 6360 DIREÇÃO UNICESUMAR Reitor Wilson de Matos Silva ViceReitor Wilson de Matos Silva Filho PróReitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva PróReitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff James Prestes Tiago Stachon Diretoria de Graduação e Pósgraduação Kátia Coelho Diretoria de Cursos Híbridos Fabricio Ricardo Lazilha Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Diretoria de Design Educacional Paula R dos Santos Ferreira Head de Graduação Marcia de Souza Head de Metodologias Ativas Thuinie MVilela Daros Head de Recursos Digitais e Multimídia Fernanda S de Oliveira Mello Gerência de Planejamento Jislaine C da Silva Gerência de Design Educacional Guilherme G Leal Clauman Gerência de Tecnologia Educacional Marcio A Wecker Gerência de Produção Digital e Recursos Educacionais Digitais Diogo R Garcia Supervisora de Produção Digital Daniele Correia Supervisora de Design Educacional e Curadoria Indiara Beltrame Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio para todos os cidadãos A busca por tecnologia informação conhecimento de qualidade novas habilidades para liderança e solução de problemas com eficiência tornouse uma questão de sobrevivência no mundo do trabalho Cada um de nós tem uma grande responsabilidade as escolhas que fizermos por nós e pelos nossos fará grande diferença no futuro Com essa visão o Centro Universitário Cesumar assume o compromisso de democratizar o conhecimento por meio de alta tecnologia e contribuir para o futuro dos brasileiros No cumprimento de sua missão promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária o Centro Universitário Cesumar busca a integração do ensinopesquisaextensão com as demandas institucionais e sociais a realização de uma prática acadêmica que contribua para o desenvolvimento da consciência social e política e por fim a democratização do conhecimento acadêmico com a articulação e a integração com a sociedade Diante disso o Centro Universitário Cesumar almeja ser reconhecida como uma instituição universitária de referência regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente aquisição de competências institucionais para o desenvolvimento de linhas de pesquisa consolidação da extensão universitária qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância bemestar e satisfação da comunidade interna qualidade da gestão acadêmica e administrativa compromisso social de inclusão processos de cooperação e parceria com o mundo do trabalho como também pelo compromisso e relacionamento permanente com os egressos incentivando a educação continuada Wilson Matos da Silva Reitor da Unicesumar boasvindas Prezadoa Acadêmicoa bemvindoa à Comunidade do Conhecimento Essa é a característica principal pela qual a Unicesumar tem sido conhecida pelos nossos alunos professores e pela nossa sociedade Porém é importante destacar aqui que não estamos falando mais daquele conhecimento estático repetitivo local e elitizado mas de um conhecimento dinâmico renovável em minutos atemporal global democratizado transformado pelas tecnologias digitais e virtuais De fato as tecnologias de informação e comunicação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas lugares informações da educação por meio da conectividade via internet do acesso wireless em diferentes lugares e da mobilidade dos celulares As redes sociais os sites blogs e os tablets aceleraram a informação e a produção do conhecimento que não reconhece mais fuso horário e atravessa oceanos em segundos A apropriação dessa nova forma de conhecer transformouse hoje em um dos principais fatores de agregação de valor de superação das desigualdades propagação de trabalho qualificado e de bemestar Logo como agente social convido você a saber cada vez mais a conhecer entender selecionar e usar a tecnologia que temos e que está disponível Da mesma forma que a imprensa de Gutenberg modificou toda uma cultura e forma de conhecer as tecnologias atuais e suas novas ferramentas equipamentos e aplicações estão mudando a nossa cultura e transformando a todos nós Então priorizar o conhecimento hoje por meio da Educação a Distância EAD significa possibilitar o contato com ambientes cativantes ricos em informações e interatividade É um processo desafiador que ao mesmo tempo abrirá as portas para melhores oportunidades Como já disse Sócrates a vida sem desafios não vale a pena ser vivida É isso que a EAD da Unicesumar se propõe a fazer Willian V K de Matos Silva PróReitor da Unicesumar EaD Seja bemvindoa caroa acadêmicoa Você está iniciando um processo de transformação pois quando investimos em nossa formação seja ela pessoal ou profissional nos transformamos e consequentemente transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos De que forma o fazemos Criando oportunidades eou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância oa acompanhará durante todo este processo pois conforme Freire 1996 Os homens se educam juntos na transformação do mundo Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontramse integrados à proposta pedagógica contribuindo no processo educacional complementando sua formação profissional desenvolvendo competências e habilidades e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade de maneira a inserilo no mercado de trabalho Ou seja estes materiais têm como principal objetivo provocar uma aproximação entre você e o conteúdo desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessários para a sua formação pessoal e profissional Portanto nossa distância nesse processo de crescimento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita Ou seja acesse regularmente o AVA Ambiente Virtual de Aprendizagem interaja nos fóruns e enquetes assista às aulas ao vivo e participe das discussões Além disso lembrese que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliáloa em seu processo de aprendizagem possibilitandolhe trilhar com tranquilidade e segurança sua trajetória acadêmica boasvindas Débora do Nascimento Leite Diretoria de Design Educacional Janes Fidélis Tomelin PróReitor de Ensino de EAD Kátia Solange Coelho Diretoria de Graduação e Pósgraduação Leonardo Spaine Diretoria de Permanência Professor Doutor Carlos Herold Junior PósDoutorado em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina UFSC2011 PósDoutorado em Educação pela Universidade Federal do Paraná UFPR2009 Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Paraná UFPR2006 Mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Maringá UEM2000 Graduação em Educação Física pela Universidade Estadual de Maringá UEM1995 Profissionalmente atua como professor universitário desde o ano de 1999 quando ingressou no Departamento de Pedagogia da Universidade Estadual do CentroOeste UNICENTRO Guarapuava Em 2013 passou a trabalhar no Departamento de Educação Física da Uni versidade Estadual de Maringá UEM e hoje leciona as disciplinas de Didática em Educação Física Lutas e Análise dos Dados Qualitativos em Educação Física Para informações mais detalhadas sobre sua atuação profissional pesquisas e publicações acesse seu currículo disponível no endereço a seguir httplattescnpqbr9723444517016722 apresentação do material Atividade Integradora Comum I História da Educação Física Carlos Herold Junior Caroa alunoa ao escolhermos determinada profissão tomamos uma importante decisão Tal decisão gera muitas consequências dizendo muito do que já somos e sobretudo muito daquilo que seremos em muitas dimensões de nossa vida para além da dimensão profissional Ao folhear este livro sobre a História da Educação Física você indica a escolha por conhecer de um modo mais aprofundado um universo ligado ao ensino das variadas práticas corporais e de seu ensino Digo mais aprofundado pois para muitos de nós não faltam recordações nem conhecimentos sobre a natureza do envolvimento com essas práticas nas escolas e fora delas nós brincamos joga mos treinamos Adultos preocupamonos com nossa saúde com nossa aparência ou apenas nos divertimos com essas atividades Enfim é muito improvável que alguém na condição de iniciar qualquer curso universitário não possua algum conhecimento sobre as atividades associadas ao universo das práticas corporais É a história delas que estudaremos Antes de entrarmos na reflexão sobre essa história é importante você ter claro que as diferentes disciplinas do curso proporcionam variados olhares sobre o conjunto de atividades citadas anteriormente e as perspectivas de trabalho com elas Sabemos que quando olhamos algo de um lugar vemos algumas coisas mais claramente enquanto outras são totalmente negligenciadas ou têm sua visão atrapalhada por alguma coisa que se interpõe entre nosso olhar e aquilo que queremos ver Quando optamos por estudar o universo das práticas corporais e sua presença na escola por meio de um viés histórico é importante reconhecer que isso nos trará a condição de olhar a es cola as práticas corporais os professores e os alunos nas aulas de aula de educação física de um modo mais complexo Enxergaremos coisas que não eram percebidas antes Com este estudo espero que você passe a verificar que nas milhares de aulas de educação física nas quais professores e alunos se relacionam todos os dias país afora em uma sucessão de fatos problemas e expectativas do dia a dia escolar há uma história a ser estudada conhecida e produzida Uma história percebida como lupa como um telescópio a capacitar seu olhar para enxergar atentamente tanto as nuances quanto os horizontes mais amplos Com essas lentes que você saiba da existência de um caminho percorrido por professores e alunos de outras épocas que levou até o contexto em que vivemos o qual merece ser alvo da atenção daqueles que darão vida a essa história daqui para frente Demonstrar as vantagens de se conhecer a histó ria da educação física não deve secundarizar o re conhecimento de que esse olhar não consegue ver tudo e muito do que se vê na reconstrução desse caminho não tem a clareza que gostaríamos Talvez você experimente durante a rica gama de disciplinas que serão oferecidas em seu curso que conhecer as coisas de uma forma mais clara também produz escuridões No caso da história da educação física será mostrado que embora ela tenha ajudado todo um campo do conhecimento a se conhecer melhor e propor alternativas a alguns de seus problemas ela constantemente tem suas observações refeitas da mesma maneira que tem a importância de seu olhar questionada Espero mostrar que o valor do estudo da história da educação física também acontece por evidenciar que as competências as experiências e a sabedoria acumuladas com o passar do tempo de vem ser sempre regradas limitadas continuamente postas em dúvida Dúvidas que aumentam na mesma proporção de uma curiosa avidez e certamente cul tiválas nos dará a capacidade de encontrar não ape nas soluções mas novos problemas novos desafios e limites Sem esse cultivo intelectual as aulas educação física continuarão apenas a ser aquilo que são para quem não estuda tal campo crianças e jovens indo para a quadra e voltando para a sala de aula depois de jogarem bola ou suarem a camisa Admirar belezas e se espantar com absurdos insuspeitos para muitos olhos é a condição à qual aspira este livro sobre a História da Educação Física Essa intenção de estudar a história da educação física será composta de cinco unidades Na primeira explico algumas características da análise histórica e busco aprofundar as considerações sobre a importância desse estudo no curso Na segunda unidade veremos que em diferentes períodos homens e mulheres entendiam e sentiam diferentemente seu corpo e o corpo dos outros Na unidade III o foco é práticas corporais A próxima unidade evidencia diferentes modos como muitas das práticas corporais ainda hoje existentes surgiram e eram avaliadas sendo estudada também sua importância no lazer na cultura e na educação Na quarta unidade veremos que embora a educação o corpo e as práti cas corporais tenham raízes profundas na história da humanidade a escola e a disciplina de educação física são invenções mais recentes e são elas no processo de sua construção que iremos entender Focaremos esse processo também no contexto brasileiro na última uni dade Acredito que com o apoio dessa trajetória você perceberá e entenderá muito daquilo que experimentou como aluno da educação básica e aquilo que poderá fazer como professora de educação física Ótimos estudos apresentação do material sumário UNIDADE I O CONHECIMENTO HISTÓRICO E O PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA 16 Tem história em um curso de educação física 19 A importância do conhecimento histórico para o professor de educação física 28 O que se estuda na história da educação física 33 Como se produz o conhecimento histórico sobre a educação física 38 A história da educação física também tem uma história 43 Considerações Finais 46 Referências 49 Gabarito UNIDADE II PENSANDO O CORPO NA HISTÓRIA 54 O corpo não é apenas sua anatomia 61 A filosofia começa e continuano corpo 67 Eu tenho um corpo ou sou um corpo Os muitos eus e os muitos corpos que existiram na história 73 Os ódios e os amores devotados ao corpo na história 78 Prazeres e deveres no cuidado com o corpo 82 Considerações Finais 87 Referências 88 Gabarito sumário UNIDADE III OLHANDO HISTORICAMENTE AS PRÁTICAS CORPORAIS 94 As muitas práticas corporais 98 A ginástica 102 Os jogos 106 O esporte 110 As lutas e as artes marciais 115 Considerações Finais 119 Referências 121 Gabarito UNIDADE IV EDUCAR É EDUCAR O CORPO A ESCOLA E A EDUCAÇÃO FÍSICA 126 Educação corporal e educação física escolar 131 Educar o corpo na escola para quê 135 A educação física escolar tornarse escolar 139 As ciências da educação o corpo e a educação física o longo século XX 142 O corpo tem lugar na escola 146 Considerações Finais 150 Referências 151 Gabarito sumário UNIDADE V A EDUCAÇÃO FÍSICA NA HISTÓRIA DA ESCOLA BRASILEIRA 156 Escola e educação física na passagem ao século XX muitos pensamen tos e uma realidade 162 Discutindo a presença das práticas corporais na escola brasileira plurali dade de modelos 168 Formando professores de educação física o que fica dessa história 175 Os caminhos até nós como a educação física escolar se tornou o que é 179 Educação física e escola pensando futuros ao pensarmos passados 184 Considerações Finais 189 Referências 191 Gabarito Professor Dr Carlos Herold Junior Plano de Estudo A seguir apresentamse os tópicos que você estudará nesta unidade Tem história em um curso de educação física A importância do conhecimento histórico para o professor de educação física O que se estuda na história da educação física Como se produz o conhecimento histórico sobre a educação física A história da educação física também tem uma história Objetivos de Aprendizagem Sublinhar que a formação profissional em educação física possui uma história Evidenciar a importância de se estudar história em um curso de educação física Estudar os principais assuntos abordados quando se estuda a história da educação física Ponderar as possibilidades e as dificuldades na produção do conhecimento histórico em educação física Analisar a história da produção do conhecimento histórico em educação física O CONHECIMENTO HISTÓRICO E O PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA unidade I INTRODUÇÃO A ssim como conhecemos pela prática muitas das atividades corporais e muito de seu ensino na escola por termos sido alunos também temos alguma familiaridade com o ato de começar estudando algum assunto abordando sua história O hábito tem o seu valor afinal como ocorre em todos os hábitos que possuímos ele caracterizase por ser um automatismo que nos liberta para pensarmos em coisas mais interessantes O que faremos nesta unidade todavia é nos preocuparmos menos com o que compraremos no mercado e mais com a caminhada que até lá nos leva Ou seja o alvo das reflexões nos próximos tópicos é a caminhada histórica que realizaremos nas próximas unidades pensando na sucessão de seus pas sos na velocidade desses passos e nos cuidados que devemos ter para chegar onde queremos sem muitos tropeços e desvios no caminho Nosso destino final é enchermos a nossa sacola com tudo aquilo que precisamos para pensar nas práticas corporais e na educação física escolar historicamente Realizar essa postura intelectual de pensar os passos de um tipo de reflexão antes de se abordar o conteúdo da própria reflexão é algo bastan te importante embora demande algum zelo e esforço Do mesmo modo que a caminhada fica um pouco mais lenta quando deliberamos a su cessão dos gestos que nos levam à frente analisar a análise histórica demandará algumas voltas alguns passos para trás algumas paradas que podem gerar impaciência aos mais apressados Entretanto depois de fei ta a reflexão sobre o até então automático gesto de saber o aconteceu iniciaremos o estudo da história em melhores condições para se apreciar a beleza os detalhes e as lacunas da história que será analisada coisas que não víamos devido à pressa com que caminhávamos Realizar a promessa de pensar as características de uma determinada forma e de encarar os assuntos educacionais passa pela busca de algumas respostas quais as ra zões e as maneiras de se estudar história em um curso de educação física Bons estudos unidade II ATIVIDADE 16 Caroa alunoa quando vemos as diferentes ins tituições de ensino superior divulgarem seus cur sos de educação física comumente essa divulgação é associada a imagens de acadêmicos jogando ou praticando algum tipo de atividade corporal sob a supervisão de um professor É compreensível que assim seja pois de fato durante um curso de educação física são momentos bastante relevantes aqueles em que executamos e passamos a conhe cer diferentes formas de movimentação corporal Mesmo que não seja essa a intenção desses atos pu blicitários é corriqueiro o espanto de alguns aca dêmicos quando se deparam com outra rotina Em alguns gerase alguma surpresa o fato de que ao lado da tão divulgada e apreciada prática de ativi dades os cursos de educação física possuam tam bém uma grande quantidade de disciplinas cujo empenho manifestase na forma de leitura e reda ção de textos na participação de aulas expositivas e discussões sobre variados temas Para alguns acadêmicos todavia isso não é uma surpresa Afinal muitos procuram os cursos de edu cação física devido à grande experiência prática que possuem nos variados campos das atividades cor porais e por isso ansiosamente aguardam e cor retamente cobram um curso com uma boa carga horária de conteúdos científicos e culturais que in crementem sua formação Na atualidade de forma geral os cursos atendem a essa demanda colocando em suas matrizes curriculares disciplinas de dife rentes áreas do conhecimento Entretanto apesar da variedade de áreas de conhecimento presentes nas matrizes curriculares dos cursos de educação físi ca é comum se caracterizarem por uma maior vi sibilidade e presença de disciplinas cuja vinculação acadêmica encontrase nas ciências biológicas e da TEM HISTÓRIA EM UM CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA EDUCAÇÃO FÍSICA 17 saúde Fisiologia anatomia bioquímica nutrição biomecânica entre outros são importantes campos de estudo que historicamente têm marcado o ramo de educação física Há boas e justas razões para isso e elas poderão ser entendidas mais a frente nes te livro Por ora essa constatação deve apenas nos ajudar a marcar que ladeando essas disciplinas de cunho biológico as disciplinas vinculadas aos cam pos da pedagogia e das ciências humanas e sociais da filosofia e da história também se fazem presentes embora não sejam por elas que um curso de educa ção física seja reconhecido Sublinho que a presença dessas últimas disciplinas nas matrizes curriculares não é algo que passou a acontecer apenas nos últi mos anos Desde o início dos processos sistemáticos de formação profissional no campo da educação fí sica no Brasil a partir de 1920 é possível verificar a presença de disciplinas que abordavam a história Porém a história ocupava um lugar menor e gozava de um prestígio intermediário já que embora fosse teórica era nãomédica MELO 1999 p 22 Temos então uma situação bastante curiosa ao ingressarmos em um curso de educação física tomamos contato com algumas tradições Mencio nei duas a que o reduz às práticas corporais e uma outra que enxerga o curso de educação física como relacionado ao campo das ciências biológicas Digo curiosa pois nenhuma dessas tradições é equivo cada por elas mesmas Elas têm sua importância na formação dos professores de educação física e não precisam ser assumidas como erradas ou até men tirosas A tentativa daqueles que têm pesquisado a formação profissional de educação física e daqueles que nela ingressam é refletir sobre as razões dessa realidade se manifestar com tais tradições visando encontrar espaços para que essa formação se apri more incorporando outras matrizes disciplinares para serem estudadas e conhecidas por todos Essa tentativa vem sendo feita de modo mais in tenso nos últimos 30 ou 40 anos no campo da educa ção física e entre outras coisas redundou na publi cação de um documento que direciona ou que guia as instituições de ensino superior quando elas criam cursos de educação física Tratase da Resolução nº 07 do Conselho Nacional de Educação de 2004 Ela institui as diretrizes curriculares nacionais para os cursos de educação física BRASIL 2004 Impor tante para a reflexão desse tópico é o que lemos no artigo 4 do documento e que nos ajuda a entender o fato de você estar folheando as primeiras páginas de um livro sobre história da educação física O curso de graduação em Educação Física de verá assegurar uma formação generalista hu manista e crítica qualificadora da intervenção acadêmicoprofissional fundamentada no ri gor científico na reflexão filosófica e na condu ta ética BRASIL 2004 p 1 Tão importante quanto o parágrafo que acabo de citar é o primeiro inciso desse mesmo parágrafo Nele se endossa a necessidade das duas tradições menciona das anteriormente se conjugarem a um outro conjun to de reflexões pautadas em conhecimentos advindos das ciência humanas da filosofia e da história O graduado em Educação Física deverá estar qualificado para analisar criticamente a reali dade social para nela intervir acadêmica e pro fissionalmente por meio das diferentes mani festações e expressões do movimento humano visando a formação a ampliação e o enrique cimento cultural das pessoas para aumentar as possibilidades de adoção de um estilo de vida fi sicamente ativo e saudável BRASIL 2004 p 1 ATIVIDADE 18 Interessante verificarmos que esse dever ser de um curso de educação física ao lado de enfatizar o rigor científico prioriza também uma formação gene ralista humanista e crítica sustentada na reflexão filosófica e na conduta ética BRASIL 2004 p 1 Caminhando para o mesmo sentido vemos no ar tigo 6 das mesmas diretrizes serem mencionadas com petências de natureza políticosocial e éticomoral em igual pé de igualdade com as competências técnico profissionais e científicas Nessa análise elas formam a concepção nuclear do projeto pedagógico de formação do graduado em educação física BRASIL 2004 p 2 Tudo isso deve ser mantido a sua frente sobre tudo se for considerado que você está iniciando sua informação Durante sua trajetória no curso é im portante não perder de vista que o rigor científico é um dos componentes que se materializam no veio fortemente biologizante das matrizes curriculares dos cursos de educação física Sendo ele um traço muito valioso desses cursos o fomento de uma formação crítica que capacite aos acadêmicos refletirem filo soficamente e eticamente suas problemáticas forma tivas também o é Isso demanda a presença de outras formas de reflexão Nesse caso as que se vinculam às ciências humanas sociais e históricas No documen to que está servindo de base a estas reflexões essas outras formas de reflexão realizamse na matriz cur ricular quando ela aborda a dimensão do conheci mento que trata a relação serhumano e sociedade BRASIL 2004 p 3 Essas considerações evidenciam que você escolheu um campo profissional que está se submetendo a um processo de ampliação de suas práticas formativas Apesar de algumas antigas práti cas ainda estarem presentes muitas delas por terem ainda seu valor a elas agregamse outras concepções Por meio delas realizase a defesa de que os futuros professores de educação física devem ser formados com um olhar mais matizado e mais competente para visualizar coisas que antes não eram tomadas como importantes Um olhar que dê condições de pensar a relação serhumano e sociedade para além das for mas usuais ou cotidianas que temos feito por estar mos vivos e sermos inteligentes e que continuarão a ser feitas quando pensarmos em outras dimensões da vida social para a qual não somos sistematicamente formados Por esse motivo o estudo atento também em um curso de educação física de disciplinas que possuam relação com a sociologia antropologia filo sofia e história Por esse motivo a resposta à pergunta que intitula este item é sim tem história no curso de educação física E você aprenderá um pouco mais so bre as características deste estudo nos itens seguintes EDUCAÇÃO FÍSICA 19 Na atualidade o vocábulo conhecimento tem sido alvo de grande atenção Quando falamos conheci mento dificilmente a ele associamos ideias negati vas problemas ou perda de tempo É o contrário que ocorre é muito corrente o raciocínio que atribui ao conhecimento a possibilidade de solução de todos os nossos problemas sociais Essa crença geralmen te associa unilateralmente o conhecimento a co nhecimento científico Do mesmo modo como ocorre com muitos as suntos não podemos simplesmente descartar a as sertiva atribuindo a ela o resultado de um delírio O que há algum tempo se concorda é a necessidade de relativizarmos o peso dessa defesa da ciência como condição única de superação de muitas limitações sociais verificando outras variáveis as políticas e as éticas por exemplo igualmente importantes para a análise e superação de desafios sociais econômicos e morais A quem defende esse tipo de posicionamen to uma justificativa para tanto é o fato de que uma postura menos ufanista em relação à produção e di fusão do conhecimento científico possibilitaria uma postura intelectual mais atenta à complexidade não apenas sobre os assuntos que se quer conhecidos mas sobre a nossa capacidade e limites de conhecer essas mesmas coisas A IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO HISTÓRICO PARA O PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA ATIVIDADE 20 A quem se dedica à produção e difusão do conhe cimento histórico essas questões são de fundamental importância Em primeiro lugar atribuir à produção e à difusão do conhecimento científico a possibilida de de uma evolução social caracteriza como impor tante apenas o conhecimento diretamente útil Em segundo lugar essa utilidade é constantemente en tendida como mensurável captada matematicamen te deixando de lado contradições valorativas sociais e políticas tomadas assim como subjetivas não relevantes e até geradoras de dificuldades ao conhe cimento exato daquilo que nos aflige Aos historia dores e aos estudiosos da história da educação física tratamse de posicionamentos que geram muita difi culdade sobretudo pelo fato de essa ótica deixar bas tante difícil a resposta às seguintes indagações para que serve a história Qual a utilidade da história para o enfrentamento dos problemas atuais Qual o valor da história para quem trabalhará como professor de educação física Historiadores de um modo geral e pesquisadores e professores de história da educação física têm se ocupado dessas questões Vamos então analisar algumas tentativas de respondêlas Para pensarmos de forma mais atenta na ques tão da utilidade e da objetividade do conhecimento histórico um caminho interessante é voltar nossa atenção para uma obra de grande valor no campo da história Apologia da História de March Bloch 2001 Quando fazemos uma apologia fazemos não apenas a defesa ou o elogio de algo mas fazemos isso de uma forma apaixonada intensa March Bloch fez isso enquanto estava preso pelo exército alemão no contexto da II Guerra Mundial O livro se inicia de um modo bastante ilustrativo para o começo de um curso de graduação que tem sua atenção voltada para um campo de atuação relativamente distante das inquietações de um historiador Inicia Bloch Papai então me explica para que serve a his tória Assim um garoto de quem gosto muito interrogava há poucos anos um pai historiador Alguns provavelmente julgarão sua formu lação ingênua Pareceme ao contrário mais que pertinente O problema que ela coloca com a incisiva objetividade dessa idade implacável não é nada menos do que a da legitimidade da história Eis portanto o historiador chamado a prestar contas BLOCH 2001 p 41 Bloch então passa a construir algumas reflexões iniciandoas pela constatação de que a história exer ce uma atração muito forte nas pessoas Com efeito para além dos esforços acadêmicos feitos nas uni versidades mas muito relacionadas ao que nelas é produzido há uma enormidade de livros sobre fa tos personalidades curiosidades extraídas dos mais diferentes tempos Mas o historiador francês não perde a paciência e reconhece que uma ciência nos parecerá sempre ter algo de incompleto se não nos ajudar cedo ou tarde a viver melhor BLOCH 2001 p 45 Essa ajuda é proporcionada pelo conhe cimento produzido pelo historiador considerando o como uma possibilidade como um esforço para conhecer melhor BLOCH 2001 p 46 Nesse esforço porém Bloch não desconsidera que a história é uma ciência na infância BLOCH 2001 p 47 Essa advertência não deve ser tomada como um reconhecimento de que quando a vida adulta chegar ela poderá conhecer todas as problemáticas que hoje ou ainda nos anos em que escreveu Bloch são desespe radamente refratárias a um conhecimento racional BLOCH 2001 p 47 Dito de outro modo é impor tante reconhecer que a possibilidade de pensarmos melhor a nós mesmos e por isso assumir a utilidade da história não leva à necessidade de os historiadores tomarem seu conhecimento como um conhecimento menor ou menos científico Afinal se toda ciência to EDUCAÇÃO FÍSICA 21 mada isoladamente não significa senão um fragmento do universal rumo ao conhecimento BLOCH 2001 p 50 o conhecimento histórico é importante é útil justa mente por produzir um conhecimento que assim como a criança questiona todos os assuntos concernentes aos seres humanos em sociedade com a mesma postura implacável com a mesma curiosidade de um rapazo la BLOCH 2001 p 43 Por isso Bloch faz sua Apolo gia que pode ser sintetizada na passagem a seguir Não sentimos mais a obrigação de buscar impor a todos os objetos do conhecimento um mode lo intelectual uniforme inspirado nas ciências da natureza física uma vez que até nelas esse gabarito deixou de ser integralmente aplicado Não sabemos ainda muito bem o que um dia serão as ciências do homem Sabemos que para existirem mesmo continuando evidentemen te a obedecer às regras fundamentais da razão não precisarão renunciar à sua originalidade nem ter vergonha dela BLOCH 2001 p 49 Vamos nos atentar para a relevância dessa afirmação para se pensar nas possibilidades do conhecimento histórico em um curso de educação física Em primei ro lugar Bloch 2001 nos evidencia que aos estudar mos dimensões da vida societária a precisão comu mente associada à ciência não é nem possível e nem desejável Ele afirma inclusive que nem nos limites das ciências que se aproximam do tradicional cânone das ciências exatas e das ciências biológicas isso já não vinha acontecendo em sua época Ao observar isso para o campo da história e com isso justificar sua importância intelectual para se evitar o horror das responsabilidades BLOCH 2001 p 46 ou seja para se querer impactar positivamente a vida que se vive Bloch gera outro impacto para quem pensa na formação em educação física mais um estímulo para se reconhecer que as já citadas tradições formativas no campo da educação física aproximadas às tais ciências exatas e biológicas podem ser entendidas e superadas naquilo em que elas são limitadas Trazer para a educação física os perpétuos arrependimen tos do conhecimento histórico e dos historiadores será um passo gigantesco para todos aqueles cien tistas historiadores e professores de educação física possam de maneira mais segura orientar racional mente seus esforços BLOCH 2001 p 49 Perpetuamente arrependerse do conhecimento que produz ou seja justificar renovadamente a rele vância e o limite da reflexão histórica é uma postura muito rica necessária e recorrente nos pesquisadores da história da educação física Em muitas oportuni dades eles se voltam a essa questão estimulandonos e com certeza buscando estímulos para eles mesmos na tarefa de orientar racionalmente seus esforços BLOCH 2001 p 49 Melo 1999 ao introduzir um livro ao qual recorreremos com frequência no desen volvimento de nossas reflexões endossa o valor da reflexão sobre a importância da história quando pen sada em curso de formação inicial em educação física Por que temos que estudar história em um cur so de graduação em Educação Física É possível que esta pergunta já tenha sido diversas vezes pronunciada entre alguns estudantes e profes sores dos diversos cursos superiores ligados à formação do professor de Educação Física es palhados pelo Brasil Afinal em que o estudo da história estaria a contribuir na formação do futuro professor Haveria realmente espaço e necessidade de uma disciplina específica para estudos dessa natureza MELO 1999 p 19 Treze anos depois que foram publicadas essas dú vidas outra pesquisadora que será bastante citada neste livro Goellner 2012 redigiu um texto com a mesma característica argumentar a importância ATIVIDADE 22 sobre a história da educação física na formação dos futuros professores deste campo Compreensível é que o mesmo tom problematizador que lemos no texto de Melo 1999 também marque o artigo de Goellner 2012 já no seu início Por que estudar História no curso de formação em Educação Física Que aplicabilidade o co nhecimento histórico tem na atuação cotidiana dos seus professores e professoras Com tantas informações disponibilizadas pelas novas tec nologias de informação porque é necessário ler autores clássicos da área Se a Educação Física é uma área voltada para a saúde a performance e a educação corporal de crianças jovens e adul tos o que interessa o conhecimento histórico GOELLNER 2012 p 37 A estratégia que adoto para evidenciar a importân cia de estudarmos história da educação física nas páginas que se seguem é inspirada nesses pesquisa dores Ao compreendermos a razão das perguntas que os alunos na sua implacável objetividade nos colocam damos a ela sua importância As perguntas são repetidas é posto em evidência que elas são jus tas mas igualmente a dúvida colocada explicita um desconhecimento a ser encarado qual seja as carac terísticas e a importância de estudarmos história Em primeiro lugar vale sinalizar essas hesita ções de todos aqueles que começam a estudar a his tória de alguma coisa quando têm mais interesse no alguma coisa e não no história explicase pela persistência de uma concepção de história bastante simplificada Essa simplificação na maioria dos ca sos persiste no avanço dos anos escolares e talvez justamente por esse avanço essa concepção simplis ta tenha lançado raízes tão profundas no entendi mento de muitos Lee 2006 ao estudar a maneira como alunos da educação básica e do ensino médio entendem o passado enxerga algumas característi cas que acredito nos ajudam a entender a recorrên cia dos questionamentos apresentados anteriormen te pelos pesquisadores da história da educação física Em primeiro lugar Lee 2006 nota que é comum a compreensão de que o passado é como uma pai sagem distante atrás de nós simplesmente fora do alcance fixa e eterna LEE 2000 p 137 Por isso o único conhecimento possível desse tempo distante só se alcança via testemunhas Isso acaba por levar à concepção de que estudar e aprender história redu zirseia à absorção de testemunhos fidedignos tra zidos pelo professor e pelos livros utilizados por ele Muitos estudantes então operam com um con junto de ideias que funcionam bem na vida co tidiana mas que tornam a história impossível Porque há um passado permanente somente uma consideração verdadeira pode ser feita O passado consiste de eventos testemunháveis então as afirmações dos historiadores sobre o que aconteceu são como depoimentos de tes temunhos de segunda mão LEE 2006 p 139 Contrariamente a essas concepções Lee 2006 evi dencia que o passado não é imutável Na realidade as visões sobre ele são constantemente alteradas ge rando um processo contínuo de revisão de questio namento de verdades e reelaboração de explicações Nesse sentido o conhecimento histórico não deve ria ser assumido como cópia do passado como algo resolvido de uma vez por todas Hobsbawn 2007 nos ajuda a entender como isso é possível Mesmo que não possamos deixar de verificar que muitas das coisas hoje são como são devido ao passado que ti veram o raciocínio oposto também é verdadeiro o conhecimento que temos do passado é dependente dos problemas e das condições que temos no pre sente Isso é dito pelo historiador da seguinte forma EDUCAÇÃO FÍSICA 23 O homem era a chave para a anatomia do ma caco Claro que não se trata de um procedimen to antihistórico Implica que o passado não pode ser entendido exclusiva ou primordial mente em seus próprios termos não só porque ele é parte de um processo histórico mas tam bém porque somente esse processo histórico nos capacitou a analisar e compreender coisas relativas a esse processo e ao passado HOBS BAWN 2007 p 173 Essas considerações evidenciam de modo bastante interessante que ao estudarmos história a todo mo mento o modo como esse conhecimento é produzido é trazido à baila Lee 2006 ao fazer o diagnóstico que apresentei anteriormente também verifica que naquelas concepções de passado que inviabilizam uma concepção de literacia histórica a pergun ta como sabemos simplesmente não surge LEE 2006 p 137 Ora voltamos à característica que dá à história no entender de Bloch 2001 ao mesmo tempo seu limite e seu potencial Não por acaso essa relação entre conhecimento histórico e como esse conhecimento histórico é produzido é algo que também aparece nas justificativas dadas por Melo 1999 e Goellner 2012 quando justificam a his tória da educação física como reflexão valiosa aos futuros professores Para Melo 1999 p 26 o estudo da história da educação possibilita a quem pensa no assunto a possibilidade de aprender a compreender histo ricamente um problema Mas o que isso significa Significa muitas coisas algumas delas enfatizadas de modo persuasivo pelo autor Em primeiro lugar ao estudarmos o passado de algum fenômeno assunto ou campo profissional podemos pensar no fato de aquelas pessoas terem feito escolhas algumas difí ceis entre as possibilidades que para eles existiam Além disso podemos entender que muitas das pos sibilidades a serem escolhidas existiam por serem resultantes por serem consequências de escolhas anteriormente feitas Dito de outro modo compre endemos que o que temos atualmente foi construí do e não fruto exclusivo do acaso tampouco estava escrito em um livro dos destinos MELO 1999 p 24 Exemplificando essa utilidade da história da educação física imagine pensar na seguinte proble mática a partir de quando as aulas de educação fí sica na escola passaram a ser tão relacionadas com as quatro modalidades desportivas como muitos de nós conhecemos Pensar historicamente nessa ques tão remetenos a olhar para momentos em que isso não acontecia para momentos em que as obvie dades e os erros eram outros com o objetivo de captar uma realidade deixando de existir em nome de outra Nessa transformação não apenas as esco lhas dos professores são importantes mas o valores sociais que passaram a vigorar configurações polí ticoideológicas que ganharam espaço incrementos tecnológicos surgimento de novas práticas que fo ram abraçadas por muitas pessoas Para resumir pensar historicamente é a ca pacidade de pensar os assuntos que nos interessam como construções humanas no tempo É a capacida de de verificar que as pessoas que existiram antes de nós e que trabalharam com questões semelhantes às nossas encontraram soluções para os mesmos pro blemas viram problemas onde hoje vemos soluções Ou que viram problemas onde hoje não vemos nada que indique a existência de algo que inacreditavel mente deu muita dor de cabeça em outros momen tos De algum modo estudar história se torna uma espécie de laboratório onde se ponderam as possi bilidades e os limites humanos em fazer seus gestos e pensamentos produzirem os resultados esperados Como eles lidaram com isso Como eu lido com ATIVIDADE 24 isso Por que eles se ocupavam com aquilo ou Por que eles não perdiam tempo com que algo que nos ocupa tratamse de questões que fazemos a todo tempo quando estudamos história Goellner 2012 p 37 segue um caminho se melhante quando afirma que a História contri bui para conhecer o presente e a nós mesmos Ela aprofunda alguns dos pontos que elenquei quando apresentei as justificativas de Melo 1999 sobre as razões de estudarmos a história da educação física Goellner 2012 lista uma série de questionamentos que você não dever perder de vista ao ler esta e as unidades subsequentes Como então formar profissionais sem sensibi lizálos para a percepção de que tudo tem his tória inclusive o corpo e sua movimentação Como qualificálos a atuar no campo da saúde do esporte da educação e do lazer sem que te nham condições de entender que os discursos e as práticas que circulam no entorno desses campos não foram sempre os mesmos e que são constantemente modificados e ressignificados GOELLNER 2012 p 37 Nas próprias perguntas já temos importantes in dícios para que possamos sensibilizar os alunos dos cursos de graduação a estudar história GO ELLNER 2012 p 37 oferecendo respostas e portanto justificativas a esse estudo A autora vai ao encontro do posicionamento de Melo 1999 quando defende que a grande utilidade e tam bém a grande beleza de estudarmos história é o fato de abordarmos as intenções os problemas e as ações das pessoas que viveram em outros tem pos Também concordam entre si os autores que quando fazemos isso ao mesmo tempo em que co nhecemos um outro contexto damos um passo importantíssimo para conhecermos o contexto em que vivemos e isso por outra razão que não ape nas pelo fato de agirmos e pensarmos em circuns tâncias com valores e raciocínios que herdamos como tradição daqueles que nos antecederam Conhecemos melhor o nosso contexto quando estudamos história pois só a estudamos quando nos colocamos questões a serem respondidas Es sas questões surgem devido aos desafios que en frentamos em nosso cotidiano Elas surgem pois percebemos nossa hesitação no modo de abordar problemas importantes que atrapalham as ações que tínhamos planejado levandonos ao esforço de entender melhor a situação Esse melhor entendimento é necessário su blinhar não se refere apenas ao entendimento que devemos ter na hora de tomarmos nossas decisões profissionais na escola por exemplo Pensar histori camente impacta o entendimento da nossa própria forma de pensar nossas problemáticas gerando con sequências muito valiosas ao campo da pesquisa que existe prioritariamente no Brasil na universidade Taborda de Oliveira 2015 ao criticar a forma im ponente com que a tradição do olhar biologizante existe na educação física e moldar um modo corren te e único de se pensar em nossas questões aponta a reflexão histórica como fundamental para superar esse limite Vamos ler uma das passagens onde o au tor faz isso veementemente Parece claro que reconhecer a dimensão histó rica desse processo poderia significar um abalo nas estruturas autorreferentes que sustentam a partilha do conhecimento do campo da educa ção física o que redundaria no reconhecimento da legitimidade dos outros para auferir recur sos poder e lugares de profissionalização Ou seja abririase uma fratura na corporação que seria obrigada a admitir a multiplicidade de EDUCAÇÃO FÍSICA 25 possibilidades de produção do conhecimento os múltiplos regimes de verdade que convivem na ambiência acadêmica e a necessidade de es tabelecimento de uma atitude dialógica menos prepotente e mais colaborativa no plano das investigações em e sobre a educação física no Brasil Ora as regularidades históricas venham de onde vier não são atemporais e invariáveis e são pautadas em disputas por status recursos e poder profissional algo subliminarmente mas nunca publicamente reconhecido TABORDA DE OLIVEIRA 2015 p 213 Desejo que você note caroa alunoa que estu dar os assuntos da educação física historicamente impacta ao mesmo tempo em que resulta na ne cessidade de entendermos nossos hábitos intelec tuais Muitos desses hábitos podem seguir em fren te Outros deverão ser deixados para trás Temos aqui um exemplo da situação mais comum quando estudamos história aprendese que as coisas nem sempre foram do jeito que são Elas foram constru ídas e por isso podem ser mudadas aperfeiçoadas ou abandonadas Se essa percepção do modo como o estudo do passado traz resultados ao presente é fundamental igualmente importante é o raciocínio inverso che gamos a um ponto em que poderíamos afirmar que é o presente que explica o passado Se a afirmação não inviabiliza o entendimento mais corriqueiro mas ainda válido de que estudamos história para conhe cer os caminhos que nos trouxeram até aquilo que hoje somos a assertiva acrescenta mais uma vez a problemática da produção do conhecimento históri co em nosso estudo muito do que vemos no passado explicase por aquilo que vivemos no presente Nesse ponto três exemplos ajudarão você a en tender melhor tal ideia Nos dias de hoje um cam po de estudo histórico muito interessante e impor tante é o campo que se detém na investigação sobre a história das mulheres Interessante notar que esse campo de estudos desenvolvese de modo parale lo às mudanças sociais econômicas e políticas que deram existência ao processo e à luta das mulheres pela vida em um mundo mais igualitário em todos os aspectos Até então eram comuns os estudos históricos que afirmavam que em muitas dimen sões da vida social ou em quase todas a presença feminina tinha sido desprezível ou que muitos dos valores e práticas atribuídos a homens e a mulheres eram uma herança longínqua da história O incô modo gerado pelas lutas a necessidade de melhor se aparelhar a elas entendendo contra o que se lu tava e como poderseia afinal ser construído um mundo em que as mulheres por exemplo pudes sem sentir mais ambição pela carreira profissional e menos pelo destino da maternidade fez com que muitas análises históricas surgissem mostrando que muitas das coisas que assumimos como natu rais no que diz respeito aos lugares até então ocu pados pelas mulheres longe de serem uma obra do acaso ou da natureza foram uma construção histó rica Emblemático dessa consequência é o livro de Elisabeth Badinter cujo título já explicita o modo como uma determinada parte do passado da his tória feminina passou a ser vista de outro modo Um amor conquistado o mito do amor materno BADINTER 1985 Um segundo exemplo pode ser encontrado quando pensamos no surgimento de toda uma es pecialidade do estudo histórico voltada à educação A história da educação passou a agregar uma maior quantidade de pessoas interessadas nela justamente no momento em que a sociedade durante o século XIX e início do século XX assistiu ao fenômeno co nhecido como escolarização da sociedade Ou seja ATIVIDADE 26 por motivos que você entenderá mais a frente na quele período a escola passou a ser o espaço educa cional preponderante em termos sociais e culturais De início tratase aí de algo bastante complicado de entender haja vista que para nós é difícil imaginar um momento em que a escola não fosse obrigatória que não fosse pensada para todos os membros da sociedade e que até mesmo não fosse voltada igual mente aos meninos e às meninas Todavia o que nos interessa agora é verificar que os esforços para fazer a escola ser frequentada por todas as crianças en contraram muitos problemas e muitas resistências Não foi fácil igualmente gerar um ambiente peda gógico propício ao aprendizado em um contexto em que muitas crianças da mesma idade estivessem reu nidas em torno de um único professor Justamente quando esses problemas afligiam as sociedades na realização de seus planejamentos educacionais mui tas pessoas buscaram entender o contexto educa cional historicamente Compreenda que apesar de ser algo contraintuitivo buscar entender o passado quando o presente se mostra pleno em desafios não é tergiversar o que deve ser feito Ou seja se se tra tar de um problema que nos garanta algum tempo nessa ótica um bom modo de atacálo seria olhálo indiretamente voltando os olhos para outro lugar mas mantendo o pensamento e o coração naquilo que devo e quero fazer imediatamente O terceiro exemplo ilustra de forma bastante clara o modo como problemas imediatos estão na cabeça do historiador A década de 1980 foi o período em que o cam po da educação física iniciou uma reflexão sobre sua estrutura acadêmica e sobretudo sobre as justifica tivas que explicavam sua presença na escola Em um processo conhecido na área como Crise da Educa ção Física MEDINA 1983 professores de educa ção física e pesquisadores buscaram entender e pro por novos objetivos para guiar a ação pedagógica do professor de educação física na escola A efervescência foi grande materializada na pu blicação de livros e de artigos bem como no surgi mento de numerosos eventos em que se discutiam a questão De um modo geral havia um sentimento de grande insatisfação por parte de muitos professo res de educação física ao constatarem que na esco la a disciplina tinha se transformado no ensino e na prática de esportes sobretudo as já citadas quatro modalidades coletivas A insatisfação sustentavase na incapacidade deste cenário em fornecer justifica tivas pedagógicas afinadas à estrutura escolar para que a sociedade passasse a perceber de forma clara que a educação física assim como os outros compo nentes curriculares tinha autonomia pedagógica BRACHT 1992 Valter Bracht 1992 foi um dos principais interlocutores nesse debate Essa impor tância podemos perceber na veemência com que ele se expressava ao diagnosticar um dos fundamentos da crise da educação física Mais uma vez a Educação Física assume os códigos de uma outra instituição e de tal for ma que temos então não o esporte da esco la e sim o esporte na escola o que indica sua subordinação aos códigossentido da institui ção esportiva O esporte na escola é um braço prolongado da própria instituição esportiva Os códigos da instituição esportiva podem ser resumidos em princípio do rendimento atléticodesportivo competição comparação de rendimentos e recordes regulamentação rígida sucesso esportivo e sinônimo de vitó ria racionalização de meios e técnicas O que pode ser observado é a transplantação reflexa destes códigos do esporte para a Educação Fí sica BRACHT 1992 p 22 EDUCAÇÃO FÍSICA 27 A citação em sua integralidade é muito importante para tudo o que aconteceu no campo da educação física escolar desde então Mas para a discussão que estamos fazendo sobre a importância da história da educação física sugiro que você preste especial aten ção às palavras Mais uma vez Note que elas in dicam um processo de continuidade de repetição de algo que já vinha acontecendo há um bom tempo A expressão denota que o autor está clamando a neces sidade de uma mudança de uma ruptura com uma situação avaliada como indesejável a ser superada Essas primeiras palavras são sinais bastante eviden tes da forma como aqueles professores pensavam as urgências que enfrentavam na hora de explicar a importância da educação física escolar eles busca vam no passado na história da ação pedagógica dos professores de educação física que tinham vivido as décadas anteriores fundamentos para se explicar o conjunto de problemas contra os quais lutavam No texto de Bracht 1992 que estamos analisando em muitas passagens explicitase essa postura de des crever um presente a ser mudado por aquilo que ele carrega das tradições herdadas Na citação a seguir quando o autor fala sobre a educação física na histó ria salta aos olhos o fato de ele buscar exprimir uma realidade que se empenhava em mudar Mas não somente os métodos ginásticos de ins piração militar foram principalmente nas qua tro primeiras décadas de nosso século levados à escola como também os próprios instrutores ou aplicadores dos métodos Ora a prepara ção militar inclui historicamente a exercitação corporal com o objetivo do desenvolvimento da aptidão física e do que se convencionou cha mar de formação do caráter autodisciplina hábitos higiênicos capacidade de suportar a dor coragem respeito à hierarquia BRACHT 1992 p 20 Dizendo de outra maneira é muito interessante para as reflexões deste livro que justamente em um momento em que se buscava respostas a de safios do tempo em que se vivia os professores de educação física lançaram seus olhares ao passado buscando condições privilegiadas para pensarem em suas questões Tratavase com certeza de uma estratégia intelectual que não visava apenas bus car algo a ser refutado no presente tomada como plena de vícios e erros Buscavase com essa postu ra perspectivar uma presença acadêmica e escolar que possibilitasse a condição de evidenciar que a ação profissional e pedagógica dos professores de educação física era consciente de suas possibilida des e de suas limitações De forma resumida esse esforço ao mesmo tempo foi causa e resultado do importante conjunto de estudos históricos no campo da educação física do esporte e do lazer que começaram a surgir Esses estudos foram tão importantes que vamos nos debruçar sobre eles daqui a algumas páginas Graças a esse conjunto de estudos você lê este livro sobre a história da educação física Entendida a importância de se estudar a história de forma geral e da educação física de modo par ticular sugiro que pensemos em uma questão pri mordial nisso tudo o que estudamos quando estu damos história da educação física ATIVIDADE 28 Se os professores de história a exemplo de Bloch 2001 sentemse um pouco embaraçados na hora responderem Para que serve a história uma questão cuja mistura de obviedade de complexi dade causa algum espanto nos estudantes quando começam a construir uma reflexão de matiz histó rico O que estudar quando estudamos história ou no caso deste livro O que se estuda na história da educação física Assim como foi feito no item anterior antes de responder a questão em sua totalidade sugiro que olhemos para o modo como os historiadores pen sam nessa problemática a partir dos desafios que enfrentam na hora de responderem dúvidas tão importantes como esta Do mesmo modo também Bloch 2001 nos apoiará nessa reflexão Para res pondermos a pergunta sobre o conteúdo que se es tudaaprende nos cursos de história leiamos alguns O QUE SE ESTUDA NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA EDUCAÇÃO FÍSICA 29 momentos de Apologia da História em que o his toriador francês nos mostra o objeto da história o objeto da história é por natureza o homem Digamos melhor os homens Mais que o singu lar favorável à abstração o plural que é modo gramatical da relatividade convém a uma ciên cia da diversidade Por trás do grandes vestígios sensíveis da paisagem artefatos ou máquinas por trás dos escritos aparentemente mais insípi dos e as instituições aparentemente mais desliga das daqueles que a criaram são os homens que a história quer capturar Quem não conseguir isso será apenas no máximo um serviçal da erudi ção Já o bom historiador se parece com o ogro da lenda Onde fareja carne humana sabe que ali está a sua caça BLOCH 2001 p 54 Não satisfeito com essa definição mais à frente o au tor complementa a definição afirmando que a histó ria se trata de uma ciência dos homens no tempo BLOCH 2001 p 55 ATIVIDADE 30 Há algumas coisas a serem bem entendidas na reflexão anterior Acredito que você tenha notado que Bloch 2001 usa o plural de homem homens pois ele afirma que estudar história é necessidade estudar a diversidade Quando ele nos mostra que o olhar do historiador quer ver por trás dos objetos dos escritos das instituições enfim para onde se di rige o olhar entendese a presença humana nesses artefatos Além disso Bloch 2001 cuida de adver tir que essa busca pelas intenções realizações pro blemas hesitações e belezas da humanidade dos ho mens se dá atrelada à ideia de que tudo isso existe no tempo ou seja foram artefatos construídos em um determinado momento e que em outros momentos foram transformados extintos ou abandonados Ao pensar em um gesto nobre ou maléfico importante ou banal para o historiador ele só julgará ter pres tado conta disso depois de ter fixado com precisão seu momento na curva dos destinos tanto do homem que foi seu herói como da civilização que teve como atmosfera BLOCH 2001 p 55 Se assim como o ogro o historiador vai atrás da carne humana que lhe interessa diferentemente do assombroso animal ele tenta avaliar as razões que levaram as vítimas a estarem onde estão Sem buscar esse conhecimento relativo aos motivos que podem explicar a presen ça ou a ausência humana nessa floresta do tempo aquele que se aventura a estudar história tornase apenas um serviçal da erudição BLOCH 2001 p 54 um útil antiquário BLOCH 2001 p 66 Em bora mantenha alguma utilidade esse serviçal esse antiquário apaixonado por datas e eventos come morativos esquece que o frêmito da vida humana que exige um duríssimo esforço de imaginação para ser restituído aos velhos textos é aqui diretamente perceptível a nossos sentidos BLOCH 2001 p 66 Ao virar as costas para o frêmito da vida humana agirseá mais sensatamente renunciando ao de his toriador BLOCH 2011 p 66 Vou sublinhar o ponto que vejo como central neste momento embora estejamos acostumados a encarar o estudo da história como sinônimo de da tas descrição de sequência de eventos nomes de líderes políticos e religiosos embora essas informa ções sejam importantes para muitas coisas quando estudamos um determinado tempo elas são ape nas uma pequena parte daquilo que podemos saber quando nos debruçamos e consumimos esforços e tempo para estudar um determinado período Bloch 2001 nos ajuda a entender que o objeto do estudo da história é a busca pela compreensão dos esforços envidados pela humanidade ao se fazer com pode res e fraquezas na mesma medida com que eles nos constituem Ou seja são homens e mulheres que rendo conhecer homens e mulheres igualmente hu manos mas que manifestavam essa humanidade de formas diferentes por viverem em outras florestas ou em outros tempos E ainda mais importante que isso é o modo como essa questão de valor intelectual relacionase com o aqui e agora não apenas da so ciedade na qual nos inserimos mas no que você e eu somos hoje A beleza e a clareza com as quais Bloch 2001 registra esse pensamento é algo remarcável Na verdade conscientemente ou não é sem pre as nossas experiências cotidianas que para nuançálas onde se deve atribuímos matizes novos em última análise os elementos que nos servem para reconstituir o passado os pró prios nomes que usamos a fim de caracterizar os estados de alma desaparecidos as formas evanescidas que sentido teriam para nós se não houvéssemos antes visto homens viverem Vale mais cem vezes substituir essa impregna ção instintiva por uma observação voluntária e controlada BLOCH 2001 p 66 EDUCAÇÃO FÍSICA 31 É importante repetir que tanto a redação deste li vro quando a sua leitura é uma tentativa de cola borar na valorização dessa impregnação instintiva que nos leva a querer conhecer o passado desde que nos percebemos como seres humanos Toda via tratase de se buscar uma maneira que nos capacite a fazêlo por meio de uma observação voluntária e controlada ou seja lendo e pesqui sando sistematicamente historiadores que versam sobre dimensões da tal humanidade do homem que nos interessam Em nosso caso sabemos que o interesse está calcado em investigarmos a educação física histo ricamente Então conforme o que foi discutido an teriormente é importante que você tenha claro que na imensidão de assuntos a serem estudados pelos historiadores este livro e os estudos de história da educação física abarcam uma parcela bem específica da vida social e cultural Antes de seguir em frente uma lembrança deve ser feita O título deste livro história da edu cação física foi dado em razão de ser esse o título da disciplina na qual você irá estudálo Porém é crucial que não se perca de vista o termo educa ção física tem uma acepção larga para englobar práticas que recebem outras denominações Para ilustrarmos os assuntos que são estudados sobre a denominação história da educação física lanço mão da existência de um evento específico dedi cado a esse estudo Tratase do Congresso Brasileiro de História do Esporte Lazer e Educação Física No ano de 2016 sua décima quarta edição aconteceu em Campinas e teve como tema central Esporte e a Educação na História Quando os eventos aca dêmicos acontecem eles reúnem pesquisadores de uma determinada área do conhecimento para debaterem temas ao mesmo tempo específicos mas que possam interessar a todos os especialistas de algum modo No caso da história da educação física o tema Esporte e Educação na História norteia a preferência por determinados tipos de trabalhos e estudos que se aproximem daquilo que é o alvo da discussão do congresso Para que a co munidade de pesquisadores professores e alunos tenha ciência do eixo reflexivo das discussões é redigida uma apresentação que oferece uma des crição e explicação do assunto e de sua relevância para o avanço da pesquisa Convido você a ler um trecho dessa apresentação para que possamos dis cutila nos parágrafos seguintes O tema eleito concebe a Educação como um conjunto de processos culturais amplos que implicam conhecimento e prática dos usos e costumes de uma sociedade tendo como fi nalidade introduzir indivíduos e grupos em distintas esferas da vida pública Não se trata aqui exclusivamente da educação realizada no interior da instituição escolar com seus programas atividades e procedimentos pró prios ritmos e tempos arquiteturas mobiliá rio e tudo o que compõe sua rica cultura ma terial mesmo que tudo isso possa ser também objeto da delimitação temática deste evento Tratase aqui de problematizar e historicizar o lugar do Esporte da Educação Física e do Lazer na configuração constituição e efeti va realização de distintos amplos e extensos processos educativos escolares ou não que constituem as modernas sociedades Nesta perspectiva poderíamos afirmar que o espor te a educação física e o lazer educam pois ao criarem regras e comportamentos comuns usos comuns do corpo induzindo indivíduos a cuidarem de si e nesse movimento a prote geremse de suas próprias forças e impulsos contribuem para a assegurar a vida em socie dade e as trocas entre as gerações XVI CHE LEF 2016 online1 ATIVIDADE 32 Em primeiro lugar observe que ao proporem o tema Esporte e Educação na História os organi zadores veem essa temática como algo valioso tan to na atualidade quando em diferentes momentos do passado Nesse caso esperase receber estudos que focalizem essa relação em outros períodos que não o nosso em diferentes lugares e com a atenção voltada a diferentes aspectos Quais deles segundo a apresentação do evento É sublinhado que edu cação não será entendida como algo que acontece apenas na escola embora a educação que lá ocorre ra não seja posta de lado Essa advertência é impor tante Afinal boa parte do estímulo que se oferece à prática dos esportes não se sustenta nos benefí cios formativos que eles providenciam às crianças e aos jovens Quais eram esses benefícios em outras épocas Quem divulgava esses benefícios e como essa divulgação ocorria Quais consequências que essa busca gerava na forma como as pessoas se rela cionavam com seu corpo e com o corpo dos outros Nessa relação nessa prática educativa e recreativa quais eram os objetos as roupas e lugares em que os grupos se reuniam para realizar essas atividades De que modo os diferentes governos em diferentes níveis federal estadual e municipal estimularam determinadas práticas e barraram outras tantas No final das contas poderíamos perguntar de que forma pensar e praticar o esporte educacionalmen te possibilitou condições fundamentais para que as diferentes sociedades nas quais esses pensamentos e práticas existiram reproduzamse ou se transfor mem Acredito que esse rol de questões constru ído a partir de um importante evento na área de educação física possa ter deixado alguma clareza sobre a grande variedade e importância dos temas que podem ser discutidos em um curso de história da educação física Você verá que a estrutura das unidades seguintes a esta primeira foi construída com muitos desses questionamentos postos como se fossem mapas para os caminhos que percorro Se estudar aspectos históricos relativos aos esportes e ao lazer é um dos momentos marcantes no curso de formação inicial em educação física o mesmo vale dizer para a educação física na educação básica Em todas as regulamentações e diretrizes curriculares do componente curricular educação física ensinar os alunos a pensarem historicamente os esportes a ginástica os jogos as lutas a dança e o lazer é defendido como uma das principais colaborações dos professores de educação física à educação das crianças e jovens Esse é um aspecto muito interessante dos cursos de formação de professores ao mesmo tempo em que você amplia seus ho rizontes conhecendo dimensões da realidade até então desapercebidas é necessário não esquecer que essa ampliação cultural deverá capacitar os licenciandos para processarem esse conhecimento transformandoo em temas de ensino para o seu trabalho como professor nas escolas Fonte o autor baseado em Unesp DARIDO 2016 online2 SAIBA MAIS EDUCAÇÃO FÍSICA 33 Caroa alunoa se temos muitos questionamen tos é justo almejar que se inicie a construção de res postas para eles Tudo aquilo que você lerá e pensará neste livro sobre a história da educação física é o re sultado de pesquisas realizadas há algumas décadas Essas pesquisas produziram e produzem a gama de conhecimentos e de novos questionamentos que como vimos anteriormente são responsáveis por nos proporcionar olhares renovados não apenas so bre o passado de um campo profissional mas para os desafios que ele enfrenta em sua atualidade O que faremos neste tópico é refletir sobre al gumas questões básicas relativas à produção do conhecimento histórico Para mantermos o hábito analítico que adotei neste livro inicialmente va mos verificar como essa produção do conhecimento ocorre no campo mais amplo da história pois é par tir dele que boa parte da pesquisa histórica que hoje existe vem se pautando Feito isso voltase a estudar a educação física e o conhecimento histórico que hoje é produzido nesse campo COMO SE PRODUZ CONHECIMENTO HISTÓRICO SOBRE A EDUCAÇÃO FÍSICA ATIVIDADE 34 Vimos há alguns parágrafos que os historia dores reconhecem que a beleza e a importância do conhecimento que produzem são justificadas pelo fato de se reportarem à ação dos homens no tempo Essa vinculação a uma determinada temporalidade lança como desafio as condições existentes para que um conjunto de ações pensamentos ou eventos seja narrado de um modo a produzir um conhecimen to que possibilite aos consumidores desse conheci mento alguma segurança sobre aquilo que leem e ensinam no caso dos professores Paul Veyne é au tor de um livro chamado Como se escreve a histó ria VEYNE 1998 Embora ele fale que a história é uma narrativa verídica é importante ter claro que entre essa narrativa e a experiência que se teve de um determinado ato ou evento há uma grande distância Ou seja a esperança de se ter uma nar rativa totalmente fidedigna ao objeto da narração é algo já assumido como horizonte inalcançável por parte de quem escreve história Veyne 1998 toma como exemplo a Batalha de Waterloo para mostrar que no bojo desse evento as percepções sobre os in contáveis gestos sobre os momentos mais decisivos e relacionados ao desfecho da derrota ou da vitória há um abismo compreensível entre a experiência e a reflexão sobre a experiência vivida por todos os envolvidos Explicando esse ponto de outro modo a experiência dos diferentes atores que deram vida à batalha em questão é dificilmente alcançada em sua plenitude por qualquer reflexão a ser feita so bre ela mesmo que essa reflexão ocorresse imedia tamente após a batalha ter acontecido Um soldado raso um general um civil alguém que teve um ente querido morto ou um familiar que vê seu parente retornando para casa depois dos confrontos cada uma dessas pessoas teria uma percepção uma sen sação diferente Isso nos faz perceber que a história pode ser narrada em primeira ou na terceira pessoa VEYNE 1998 p 18 Dito de outro modo as expe riências são diferentes e obviamente a reflexão so bre elas será muito diversa gerando assim narrativas díspares Ainda assim essa miríade de olhares é fun damental para que possamos conceber a Batalha de Waterloo ou qualquer outra coisa na história como existente e cognoscível Ora ainda assim fica a dúvida disso devese concluir que produzir uma narrativa verídica é algo impossível levandonos a ver nesses esforços de pesquisa dos historiadores um mero mosaico de opiniões Mesmo que essa compreensão seja recor rente o que leva muitos a criticarem ainda mais a história como campo do conhecimento produzir co nhecimento histórico é um ato intelectual diferente da criação literária embora seja a ela relacionada A literatura que assim como a história consegue fazer com que um século caiba em uma página VEY NE 1998 p 18 também lida com a dificuldade de retratar interessantemente um determinado tempo Todavia se na literatura a defasagem que sempre separa a experiência vivida da reflexão sobre a narra tiva gera experiências estéticas interessantes para o historiador a clareza desse distanciamento gera a salutar descoberta de um limite VEYNE 1998 p 18 Em uma passagem bastante esclarecedora sobre o fato desse limite não ser um desqualificador desse conhecimento lemos O campo da história é pois inteiramente inde terminado com uma única exceção é preciso que tudo o que nele se inclua tenha realmente acontecido Quanto ao resto que a textura do campo seja cerrada ou rala completa ou lacu nar não importa uma página da Revolução Francesa tem uma trama suficientemente cer rada para que a lógica dos acontecimentos seja quase completamente compreensível e para EDUCAÇÃO FÍSICA 35 que um Maquiavel ou Trotsky tivesse podido tirar dela toda uma arte da política no entan to uma página de história do Antigo Oriente que se reduz a uns poucos dados cronológicos e contém tudo o que se sabe de um ou dois impé rios dos quais só restou o nome ainda assim é história VEYNE 1998 p 25 Essa insegurança essa lida cotidiana com um pen samento exposto ao seu limite impede que o his toriador conheça o passado diretamente mas o co nheça apenas por pequenas partes que lhe chegam do tempo estudado que ele tem acesso Para narrar o passado o historiador depende de documentos produzidos no contexto estudado a fornecerlhe in dícios que o permitam exercer sua reflexão apoiado na concretude disso que se chama de fontes pri márias A história é em essência conhecimento por meio de documentos VEYNE 1998 p 18 Todavia é importante que a produção desse conhe cimento não trate apenas de encontrar uma grande quantidade de documentos sobre um determinado assunto é necessário o historiador colocar esses do cumentos para dialogarem entre si exercendo sua capacidade de questionálos dandolhes condições de tornar uma temática compreensível ao leitor Você deve prestar atenção ao fato de que pro duzir conhecimento histórico é um diálogo entre a capacidade do historiador em formular perguntas perspicazes e buscar documentos para construir respostas a partir dos documentos que encontrar É essa capacidade que gera uma superfície tranquili zadora da narrativa VEYNE 1998 p 26 levando os leitores e verem nesse conhecimento de natureza lacunar um verdadeiro reflexo No campo dos estudos históricos produzidos na educação física Melo 1999 p 42 identifica a ne cessidade dos pesquisadores pautaremse em pres supostos que afastem as narrativas históricas dos es tudos excessivamente descritivos e da carência de evidências documentais Como resultado os ana listas da história da educação física se preocuparam com o fato de muitos dos estudos produzidos até a década 1980 serem escritos de um modo distanciado dos procedimentos e cuidados metodológicos Esses cuidados podem ser sumarizados nas ponderações feitas a partir da reflexão de Veyne 1998 Assumese que advertências como as feitas por Melo 1999 levaram os estudos históricos do campo da educação física a experimentarem uma renovação historiográfica TABORDA DE OLI VEIRA 2007 p 117 Porém Taborda de Oliveira 2007 não poupa críticas a esse movimento notan do que mesmo existindo em um contexto atento e com um olhar mais voltado à renovação dos modos de se abordar a história bem como de seus objetos de estudo existe paralelamente permanência dos marcos políticos econômicos ou intelectuais da da tação TABORDA DE OLIVEIRA 2007 p 123 De qualquer modo em que pese essas advertên cias e críticas sempre necessárias a todos que pro duzem conhecimento é importante reconhecer que hoje há uma produção historiográfica interessante rica e variada no campo da educação física supe rando os tradicionais escritos que primavam apenas pela listagem de nomes datas eventos eou sua re lação com os marcos políticos império república etc do mundo sóciohistórico que circunda os fe nômenos estudados Para termos uma ideia da riqueza da reflexão his tórica atinente à educação física e às práticas corpo rais proponho que olhemos mais proximamente o conteúdo e o funcionamento dos Centros de Memó ria voltados ao esporte e à educação física existentes no país Tratamse de instituições que recebem or ATIVIDADE 36 ganizam classificam e disponibilizam o acesso a do cumentos relacionados a um determinado tema para pesquisadores Nesse caso tratamse de documentos importantes para a construção de análises históricas sobre questões valiosas à educação física Em 2013 o Centro de Memória da Educação Física do Esporte e do Lazer CEMEF da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG organizou uma coletânea LINHA LES NASCIMENTO 2013 onde se pode ter uma ideia dos tipos de documentos que lá estão e conse quentemente do teor das pesquisas tendo por base o conjunto documental sob a guarda da instituição Os arquivos pessoais doados por professores que trabalharam na Escola de Educação Física da UFMG e também por exalunos da instituição é um con junto documental bastante variado Em primeiro lu gar registrase que são documentos doados muitas vezes por familiares dos professores Os itens que compõem esse acervo são variados tratamse de li vros correspondências planos de aula fotografias certificados etc Além da curiosidade gerada por tais documentos há o impacto de eles terem sido ge rados no fomento de problemáticas a serem investi gadas Linhales Cunha e Fonseca 2013 sublinham o que pode ser analisado nesses vestígios ponderan do questões suscitadas aos pesquisadores durante o procedimento de organização do acervo os arquivos pessoais constituem também significações reveladoras de laços e vínculos sociais redes de pertencimento e formação das quais os indivíduos fizeram parte Ou seja o modo como cada uma marca seu percurso próprio e ao mesmo tempo desvenda ele mentos que compõem uma história social da Educação Física LINHALES CUNHA FONSECA 2013 p 73 Quando falamos em documentos dificilmente imaginaríamos que os objetos também são assumi dos como tais Associamos documentos à escrita ao texto O acervo de objetos do CEMEFUFMG é composto em sua maioria por instrumentos científicos de toda natureza relacionados à medi ção de variadas grandezas associadas ao esporte e ao exercício Ao nos confrontarmos com esse tipo documental a dúvida que surge é relativa ao que fazer com ele em termos analíticos perspectivando os modos com os quais se pode construir análises históricas Para tanto o seguinte esclarecimento é importante é necessário pensar no alargamento do rol documental refletindo sobre a constru ção mais equilibrada de fontes A análise fei ta aqui permitiu fazer a relação entre o ins trumento e a constituição de conhecimentos relacionados à Antropologia Medicina His tória Natural e Educação Física Aqui não se trata de dar preponderância ou não ao docu mento escrito mas entender a cultura mate rial tridimensional como um manancial que pode nos dar informações não acessíveis por fontes escritas e concebêlas dentro de um intercâmbio recíproco entre as duas possibi lidade de obtenção de informação GOMES BRAGHINI 2013 p 97 Igualmente importantes na hora de acessarmos outras temporalidades que não a nossa são as fo tografias No CEMEFUFMG há 1622 fotografias disponíveis para consulta MORENO SEGAN TINI 2013 p 112 Contrariando um determi nado senso comum que enxerga nas fotografias um retrato fiel de um outro tempo os historia dores que pesquisam temas relacionados à educa ção física ao esporte e ao lazer buscam verificar EDUCAÇÃO FÍSICA 37 nas fotos não apenas aquilo que eles diretamente mostram mas outros detalhes como o enquadra mento escolhido pelo fotógrafo o arranjo dos fo tografados as razões que levaram à fotografia em questão bem como os diferentes modos com que as pessoas executavam esse ato de legar à poste ridade um registro de um fato de um evento ou de uma pessoa As autoras explicitam o potencial analítico gerado pelas fotografias quando ao con cluírem suas reflexões ponderam o valor desse documento Fotografias ampliam nosso olhar para facetas dos processos educacionais recaídos sobre o corpo percebidos nas maneiras de vestir nos gestos nas práticas autorizadas no que fica de fora da imagem Através da fotografia po demse captar as maneiras como o corpo se apresenta nos espaços destinados às práticas corporais os modos autorizados do corpo estar presente nas instituições de ensino da Educação Física O potencial das fotografias está também em decifrar os discursos subli minares às imagens eugênicos civilizadores modernos cívicos higiênicos MORENO SEGANTINI 2013 p 114 Seguindo esse trajeto de ampliação daquilo que ser ve de apoio documental aos estudiosos da história da educação física os registros de filmagens apre sentamse como outra possibilidade importante De modo comparável ao que ocorre com a fotografia na análise desse material o pesquisador deverá se ater ao contexto em que foi produzido o material o público a quem estava voltado bem como as potencialidades técnicas existentes e efetivamente usadas na produ ção das imagens Por conta dessa razão o filme pode tornarse um documento para a pesquisa histórica na medida em que articula ao contexto histórico e social que o produziu um conjunto de elementos intrínsecos à própria expressão cinematográfica KURNIS apud FREITAS LINHALES 2013 p 117 Outras formas de documentos têm sido uti lizadas pelos pesquisadores Jornais cinema e entrevistas com pessoas que viveram no contex to que se quer estudar são exemplos da varieda de documental encontrada pelos historiadores e que alimentam suas pesquisas Desse ponto de vista quem vai estudar história da educa ção física do lazer e do esporte ao interessarse pela multifacetada capacidade humana de criar transformar e dar significado às práticas corpo rais aos prazeres corporais e ao cuidado com o corpo necessita de meios que permitam que essa reflexão aconteça Essa noção ampliada de documento FARIA FILHO VIDAL PAULILO 2004 é algo já reco nhecido como fundamental aos historiadores de todos os campos e igualmente pelos historiado res que voltam sua atenção às problemáticas da educação física Entretanto esse ampliação nem sempre foi assumida como necessária ou possível Isso porque hoje o que se pratica como procedi mento incontornável de produção do conheci mento é o resultado do questionamento de uma determinada tradição construída por gerações de professores de educação física interessados e re datores e livros da educação física Para finalizar este tópico convido você a conhecer um pouco dessa tradição Afinal você já percebeu que dar um passo para trás é uma atitude sábia para quem pretende ir para frente ATIVIDADE 38 Ao propor a importância de entendermos nossos desafios historicamente somos então levados ao estudo de um conhecimento que já vem sendo elaborado por pessoas que viveram e pensaram antes que estivéssemos em condições de o fazer No caso do conteúdo deste livro sobre a história da educação física muitas das informações e das reflexões que estão aqui e que você lê e lerá nas próximas páginas são resultado de um acúmulo e também de sucessivas mudanças na forma como o conhecimento histórico foi elaborado e divul gado no interior de nosso campo Resumindo o ponto com o qual encerro esta unidade a histó ria da educação física também é uma história que desde o início do século XX até a atualidade mu dou o modo com o qual o conhecimento históri co foi produzido e divulgado sobre o campo da educação física dos esportes e do lazer e tem ex perimentado mudanças em seus procedimentos e concepções Ter conhecimento sobre esse pro cesso de mudança o que esse conhecimento era e deixou de ser é o grande objetivo deste momento Com ele compreenderemos que pensar histo ricamente implica aplicar esse pensamento aos esforços investigativos na hora em que eles pro duzem sua narrativa verídica VEYNE 1998 A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA TAMBÉM TEM UMA HISTÓRIA EDUCAÇÃO FÍSICA 39 Faremos essa reflexão buscando mais uma vez o apoio das análises feitas por Melo 1999 Nessas análises a história da educação pode ser vista a partir de características intelectuais agru padas em quatro fases A primeira fase compreende as primeiras dé cadas do século XX Não havia naquele momento uma produção bibliográfica sistemática em torno da questão O grande ímpeto que levou aos poucos li vros existentes sobre esse olhar histórico em relação à educação física foi o de trazer informações relati vas ao seu passado sem a preocupação em fazer essa retomada com a busca por documentos ou por qual quer outro procedimento sistematizado de pesquisa Melo 1999 embora cite outros livros relacionados à história do esporte sublinha que característicos desse primeiro momento foram os livros de Lauren tino Lopes Bonorino intitulado Histórico da Edu cação Física e também as análises espalhadas nos escritos de Fernando de Azevedo De acordo com Melo 1999 p 35 é possível verificar nesse conjun to de reflexões da primeira fase perspectivas histo riográficas de seu tempo a saber o fato de aquelas reflexões se apoiarem em marcos cronológicos ex ternos à educação física em que por exemplo esta era pensada a partir do regime político vigente im pério república etc Somase a esse traço a ênfase na positividade das informações com um objetivo memorialista de reunir nomes e datas marcantes no que tange às práticas corporais e a educação por elas obtida Sobre essa fase afirma Melo 1999 Os autores no entanto não pareciam querer defender ou provar nada mas simplesmente guardar fatos e datas para que não se perdes sem no tempo De fato este tipo de obra ligada à história dos esportes escrita por não acadêmicos e sem outra preocupação do que o resguardo de informações até hoje pode ser encontrada inclusive com características seme lhantes às de então MELO 1999 p 35 Para ilustrar a forma como a história era abordada nessa fase vale a pena nos determos à obra A poesia do corpo ou a gymnastica escolar sua história e seu valor publicada em 1915 e escrita por Fernando de Azevedo Verificase que no título a história recebe uma grande atenção embora no livro os aponta mentos efetivamente históricos resumamse a sete páginas das 215 que possui a obra Nas páginas em que fala da gymnastica através do tempo Azeve do 1915 p 24 inicia uma exposição com a história egípcia passando pela China Grécia Roma Idade Média e Renascimento O autor estuda o desenvol vimento de métodos ginásticos no século XVIII e XIX para afirmar que no momento em que ele vi via a gymnastica era na prática uma das maiores aspirações como na teoria um dos problemas mais estudados na idade contemporânea AZEVEDO 1915 p 30 É fundamental que seja compreendido que a ida a outras civilizações serviu para endossar aquilo que Azevedo via como verdade em sua época deixandonos a vívida impressão que o uso da histó ria teve o objetivo de endossar algo que ele queria ar gumentar como incontestável o valor da ginástica O marco utilizado para definir a existência de uma segunda fase na produção historiográfica da educação física é a obra de Inezil Penna Marinho 19151985 A quantidade de livros textos artigos produzida por Marinho bem como a qualidade teó rica de suas reflexões o colocam não apenas como o maior estudioso da história da educação física e do esporte no Brasil MELO 1999 p 35 mas como um de seus maiores intelectuais DALBEN 2011 p 59 Nos últimos anos a trajetória de Inezil Penna Marinho tem recebido bastante atenção de pesqui ATIVIDADE 40 sadores interessados no desenvolvimento histórico da educação física em virtude da sua prolífica atua ção como professor escritor e pesquisador com foco dirigido à cultura física No que diz respeito à análise histórica realizada por Marinho Melo 1999 nota que pela primeira vez a pesquisa em história sobre a educação física assumiu a característica de não ser mera compila dora de reflexões ou opiniões de terceiros Marinho empreendeu uma rotina de levantamento de docu mentos rotina essa bastante aproximada ao que se presumia ser a produção do conhecimento histórico sustentada no levantamento de fatos datas nomes sem a preocupação de análise crítica do material encontrado MELO 1999 p 36 A existência de uma reflexão historiográfica bastante aprimorada em Inezil Penna Marinho podemos verificar em um discurso por ele pronunciado publicado em 1958 onde o professor preocupase com a relação entre ensino e pesquisa na formação dos professores de educação física O importante do estudo da história não é a memorização dos fatos e datas não é a fixação daquilo que os compêndios formalizaram e al gumas vezes até padronizaram Como profes sor de história desejo suscitar em meus alunos o interesse que os leve à investigação dos fatos ao aproveitamento das experiências por outros po vos a interpretação dos dados oferecidos à sua razão MARINHO apud MELO 1999 p 38 Perceba que os objetivos desta primeira unidade são ecos daquilo que dizia Marinho na década de 1950 Afinal o que ele está pensando na citação anterior Ele estava bastante preocupado com a importância da história na formação dos alunos Para isso ao mesmo tempo em que é ponderada a preocupação com o ensino dessa especialidade ele manifesta uma concepção de história e de conhecimento que sus tentava os levantamentos e as pesquisa que fazia A terceira fase demarcada por Melo 1999 é a que passou a existir na década de 1980 e que teve grande representatividade no livro Educação Física no Brasil a história que não se conta escrito por Lino Castellani Filho e publicado em 1988 O pró prio título do livro deixa entrever um dos objetivos de Castellani Filho 1988 discutir problemáticas que não foram discutidas até aquele momento nos estudos históricos sobre a educação física O interes se maior do autor era demonstrar o modo como a história da educação física brasileira esteve alinhada aos interesses econômicos e políticos das classes do minantes em uma abordagem que se caracterizava como marxista e repudiava a tentativa de se fazer uma análise que não assumisse a luta política como norte da ação dos professores de educação física Não há como deixar de reconhecer que esse livro exerceu grande influência no momento em que foi publicado e nas décadas seguintes o que foi ajuda do por ter sido publicado em momento de grande intensidade das discussões que buscavam pensar o EDUCAÇÃO FÍSICA 41 papel da educação física na sociedade e sobretudo na escola Isso coloca em evidência mais uma vez o modo como a busca pela história não é uma atitude desinteressada inócua a quem deve tomar decisões imediatamente Melo 1999 muito embora reconheça esse va lor não deixa de criticar a obra de Castellani Filho 1988 Em que pese Castellani Filho 1988 ter significado uma importante mudança de enfoque MELO 1999 p 39 ao se estudar o modo como o livro composto em termos de metodologia do trabalho de pesquisa histórica verificouse que a adoção de uma perspectiva marxista não significou uma ruptura com o modo tradicional de produzir história no campo da educação física Melo 1999 é contundente quando elabora sua crítica afirmando A periodização continua a se submeter a especi ficidades exteriores ao objeto além de referen darem uma impressão de continuidade e line aridade sempre tão presente em todas as fases anteriores a história é entendida como respon sável por explicar linearmente o presente fato agravado por uma compreensão que parte do presente com hipóteses traçadas já basicamente confirmadas o que praticamente faz forjar no passado os elementos necessários para provar a hipótese inicial a exasperação da crítica ao ca ráter documentalfactual das obras anteriores findou por muitas vezes no dispensar de dados fatos e nomes tão importantes em qualquer es tudo historiográfico MELO 1999 p 39 Essas críticas feitas à terceira fase já sinalizam as características da produção historiográfica existen te no campo da educação física desde então Melo 1999 não fala em uma quarta fase mas penso que poderíamos enxergar no conjunto de estudos pro duzidos na atualidade uma tentativa de superar os problemas metodológicos observados Tratase de um desafio ainda em curso que tem contado com a aproximação dos pesquisadores de nosso campo aos debates existentes no campo da história De al gum modo a tentativa que fiz nas reflexões desen volvidas nesta unidade existem por conta de meus esforços em acompanhar essas mudanças Tratase de um empenho que avalio ser pleno de resultados interessantes para colaborar na continuidade das pesquisas que objetivam entender as práticas cor porais e a educação que nelas se baseia a partir de uma ótica histórica A Educação Física tem sido utilizada politica mente como uma arma a serviço de projetos que nem sempre apontam na direção das conquistas de melhores condições existen ciais para todos de verdadeira democracia política social e econômica João Paulo S Medina REFLITA 42 considerações finais P rezadoa alunoa nesta primeira unidade propus uma caminhada mais lenta para pensarmos mais detidamente nas características da reflexão histórica voltada à educação física e aos esportes Eliminar os automatismos desse gesto de querer saber o passado das coisas tão corriqueiro e por isso mesmo desconhecido dá a ele um potencial que antes não era notado Embora o curso de educação física para alguns se relacione à prática de atividades corporais ou ao estudo de anatomia e fisiologia nele também se coloca como necessidade estudarmos a história dos desafios científicos e profis sionais enfrentados por professores que viveram e atuaram antes de nós Nessa simples atitude de voltar nossa atenção para outras épocas há cui dados e reflexões que buscam justificar a relevância de o conhecimento histó rico continuar a ser produzido e ensinado Produzido por pesquisadores que são formados para tanto ensinado por professores que também recebem uma formação específica para isso todos lidando com uma forma de pensamen to plena de fragilidades mesmo assim e justamente por essa possibilidade de gerar vários olhares sobre o mesmo objeto muito significativo para o enten dimento não apenas do passado mas de nós mesmos O desafio de lidar com a característica lacunar do conhecimento histórico levou ao desenvolvimento de procedimentos de pesquisa histórica que hoje são adotados também por professores de educação física Você viu que o estudo da história da educação física também tem uma história sendo uma atitude intelectual que vem nos acompanhando com o passar do anos e submetendose a mudanças importan tes Perceba que mudança e transformação são palavraschave em um campo intelectual normalmente despreciado por se acreditar que ele lide com algo pronto acabado morto enterrado de uma vez por todas Não é isso não é Por essa razão há bastante coisa a ser estudada nessa história 43 atividades de estudo 1 A partir das reflexões desenvolvidas nesta unidade como justificar a im portância de se estudar história em um curso de educação física 2 Pondere algumas características do conhecimento histórico 3 Qual a importância dos documentos para a pesquisa histórica 4 Diferencie as quatro fases da produção historiográfica no campo da edu cação física 5 A partir da leitura da apresentação redigida por Medina ao livro Educação Física no Brasil a história que não se conta especifique o modo como a história é vista por Castellani Filho 1988 44 LEITURA COMPLEMENTAR Discussões sobre o documento na produção historio gráfica são tema de muitas publicações de trabalhos apresentados em eventos científicos num esforço claro de compreensão sobre a pluralidade dos documentos disponíveis para a pesquisa histórica suas característi cas possibilidades de exploração acessibilidade entre outros aspectos Utilizemos a clássica estratégia da consulta aos dicionários Segundo o Dicionário Aurélio documento significa qualquer base de conhecimento fi xada materialmente e disposta de maneira que se possa utilizar para consulta estudo prova etc sendo também escritura destinada a comprovar um fato Já fonte apre senta vários significados aquilo que origina ou produz origem causa Também procedência proveniência ori gem E ainda que fornece informação sobre determina do tema Quanto a testemunho significa depoimento prova testemunha mas também indício vestígio Embora haja pontos em comum em todas essas de finições podese ver como elas não têm exatamente o mesmo significado estando contudo profundamente relacionadas ao uso que delas e das coisas que indi cam os historiadores Cada vez mais nitidamente a produção historiográfica fundamentase pesadamen te nos documentos nas fontes que fornecem informa ção Menos na busca da prova e mais da construção de sentidos a partir dos indícios e de maneira desejável ancorada em algum instrumento de análises de caráter mais conceitual Mas algo preocupa num cenário que costumo chamar de entusiasmo pelos documentos A clareza cada vez maior acerca dos procedimentos da pesquisa histórica o relativo vigor com que se exige a atenção a esses procedimentos sobretudo na formação acadêmica dos pesquisadores a crescente organização dos arquivos e a disponibilização cada vez mais ampla de documentos conforme o avanço das tecnologias são elementos que ajudam a alçar essa matériaprima qua se que à condição do conhecimento histórico propria mente dito temos visto uma grande concentração de esforços sobre os documentos que nem sempre se faz acompanhar de equivalente análise e de construções explicativas e relacionais Fonte Lima e Fonseca 2013 p1922 45 material complementar Educação Física humanas Marco Paulo Stigger Editora Autores Associados Ano 2015 Sinopse tratase de uma coletânea em que pesquisadores do campo da educação física brasileira evidenciam a importância das ciências humanas tanto na formação inicial de professores quanto na pesquisa de diferentes temas relacionados às práticas corporais e à educação física escolar Comentário ao ler os capítulos do livro além da importância de se es tudar filosofia sociologia antropologia e história nos curso de educação física você perceberá que a existência desses estudos lida com a luta por maior espaço acadêmico nas instituições de ensino superior Narradores de Javé Ano 2004 Sinopse um pequeno vilarejo tem seu sossegado dia a dia revolucionado quando os moradores recebem a notícia que deverão se mudar pois o lugar em que vivem será inundado para a construção de uma represa Para evitar esse desfecho a única alternativa era mostrar a importância histórica da vila Em torno da construção dessa situação o enredo do filme se desenrola Comentário embora não trata especificamente sobre um tema da histó ria da educação física ao assistir o filme você poderá pensar na importân cia e nas dificuldades enfrentadas no momento em que se quer escrever uma narrativa histórica O Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte realiza o Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte a cada dois anos Acesse o link a seguir e conheça os anais dos eventos organizados a partir de 2005 Em cada um dos eventos há os trabalhos do Grupo Temático de Trabalho GTTs Memórias da Educação Física do Esporte em que há um bom número de trabalhos e pesquisas de variados temas da história concernente aos assuntos deste livro Link httpwwwcbceorgbranaisphp 46 referências AZEVEDO F de A poesia do corpo ou a gymnastica escolar sua história e seu valor Belo Horizonte Imprensa Official do Estado de Minas 1915 BADINTER E Um amor conquistado o mito do amor materno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1985 BLOCH M Apologia da história Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 BRACHT V Educação Física a busca da autonomia pedagógica In Educação Física e aprendizagem social Porto Alegre Magister 1992 p 1532 BRASIL Resolução nº 07 de 31 de março de 2004 Conselho Nacional de Edu cação Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física em nível superior de graduação plena Câmara de Educação Superior BrasíliaDF Câmara de Educação Superior 2004 CASTELLANI FILHO L Educação física no Brasil a história que não se conta CampinasSP Papirus 1988 DALBEN A Inezil Penna Marinho formação de um intelectual da educação física Movimento Porto Alegre v 17 n 1 p 5976 janmar 2011 FARIA FILHO L M de VIDAL D PAULILO A A cultura escolar como cate goria de análise e como campo de investigação na história da educação brasileira Educação e Pesquisa São Paulo v 30 n 1 p 139160 janabr 2004 FREITAS J V LINHALES M A Imagens em movimento metodologia de tra balho desenvolvida no acervo fílmico do CEMEFUFMG In LINHALES Meily Assbú NASCIMENTO A Organizando arquivos produzindo nexos a experi ência de um Centro de Memória Belo Horizonte Fino Traço 2013 p 117136 GOELLNER S V A importância do conhecimento na formação de professores de educação física e a desconstrução da história no singular Revista Kinesis Santa MariaRS v 30 n 1 p 3755 jan jun 2012 GOMES A C V BRAGHINI K M Z Potencialidades de pesquisa em história das ciências a partir do acervo de objetos do CEMEFUFMG In LINHALES M A NASCIMENTO A Organizando arquivos produzindo nexos a experiência de um Centro de Memória Belo Horizonte Fino Traço 2013 p 85102 47 referências HOBSBAWN E Sobre história 2 ed São Paulo Companhia das Letras 2007 LEE P Em direção a um conceito de literacia histórica Educar em Revista Curi tiba número especial p 131150 2006 LIMA E FONSECA T N de História memória e documentos In LINHALES M A NASCIMENTO A Organizando arquivos produzindo nexos a expe riência de um Centro de Memória Belo Horizonte Fino Traço 2013 p 1527 LINHALES M A NASCIMENTO A Organizando arquivos produzindo ne xos a experiência de um Centro de Memória Belo Horizonte Fino Traço 2013 LINHALES MA CUNHA L B da FONSECA D F M Os arquivos pessoais do CEMEFUFMG memórias de si memórias da educação física In LINHA LES M A NASCIMENTO A Organizando arquivos produzindo nexos a ex periência de um Centro de Memória Belo Horizonte Fino Traço 2013 p 7184 MEDINA J P S A educação física cuida do corpoe mente CampinasSP Papirus 1983 MELO V A de História da Educação e do Esporte no Brasil panorama e pers pectivas São Paulo Ibrasa 1999 MORENO A SEGANTINI V C Sobre fotografias da coleção à fonte In LI NHALES M A NASCIMENTO A Organizando arquivos produzindo nexos a experiência de um Centro de Memória Belo Horizonte Fino Traço 2013 p 103116 TABORDA DE OLIVEIRA M A O que a história da educação tem a dizer sobre o campo da educação física e o seus contornos atuais In STIGGER M P Org Educação Física Humanas CampinasSP Autores Associados 2015 p 203 216 Renovação historiográfica na educação física brasileira In SOARES C Org Pesquisas sobre o corpo ciências humanas e educação CampinasSP Autores Associados Fapesp 2007 p117138 VEYNE P M Como se escreve a história Foucault revoluciona a história 4 ed Brasília Universidade de Brasília 1998 48 referências 1 Em httpwwwfefunicampbrfefchelef2016 Acesso em 27 Jun 2016 2 Em httpwwwacervodigitalunespbrbitstream12345678941549101d19t03pdf Acesso em 06 out 2016 Referências OnLine 49 gabarito 1 Estudar história da educação física do esporte e do lazer é relevante pois permitenos apreender de modo mais atento as relações ações e valores profissionais com as necessidades e as contradições da sociedade de um determinado tempo 2 O conhecimento histórico caracterizase pela impossibilidade de ser livre de lacunas e totalmente isento de influências socioculturais de quem o produz Esses traços por sua vez dão a esse conhecimento sua importân cia afinal ele realiza em si mesmo a condição de ponderar o que podemos e o não podemos conhecer sobre nós mesmos 3 É a partir dos documentos produzidos em determinada época que pode mos acessála e pensála Nesse sentido a pesquisa histórica consiste na busca e na análise crítica dos diferentes tipos de documentos que nos per mitem costurar reflexões sobre diferentes aspectos da vida social e cultu ral de outros tempos que não o nosso 4 A partir da análise de Melo 1999 a história da educação física é compos ta por quatro momentos No primeiro tratouse de redigir apontamentos históricos a partir de comentários extraídos de livros de filosofia sobre tudo No segundo caracterizado pela ação de Inezil Penna Marinho pas souse a acumular informações buscadas em fontes primárias reunidas linearmente em uma linha do tempo A terceira marcouse pela influência do marxismo em uma leitura da realidade de característica marxista que segundarizou o levantamento documental na construção das reflexões Por fim a última fase é caracterizada pela aproximação dos historiadores da educação às discussões teóricometodológicas existentes no campo da história 5 Considerando a apresentação de Medina no livro de Castellani Filho 1988 vemos que este busca na história a demonstração de que por trás de cada aula de educação física realizase um amplo processo de reprodução das desigualdades sociais e injustiças políticas características incontornáveis do capitalismo Professor Dr Carlos Herold Junior Plano de Estudo A seguir apresentamse os tópicos que você estudará nesta unidade O corpo não é apenas sua anatomia A filosofia começa e continuano corpo Eu tenho um corpo ou sou um corpo Os muitos eus e os muitos corpos que existiram na história Os ódios e os amores devotados ao corpo na história Prazeres e deveres no cuidado com o corpo Objetivos de Aprendizagem Pensar na atribuição de valores culturais ao corpo Sublinhar a importância do corpo em muitas questões filosóficas Analisar diferentes modos de perceber o próprio corpo na história Estudar variadas visões dirigidas ao corpo em diferentes períodos históricos Avaliar percepções conflitantes em relação à corporeidade em outras épocas PENSANDO O CORPO NA HISTÓRIA INTRODUÇÃO C aroa alunoa não há muitas dificuldades em perceber que cursos de educação física dão bastante atenção ao cor po Afinal se fizermos o esforço de lembrar de alguns anún cios sobre os outros cursos em muitas deles são mostrados pessoas conversando sentadas à frente de um computador desenhando misturando substâncias lendo livros em bibliotecas cuidando de plantas etc Obviamente em todas essas imagens vemos corpos Quero apenas sublinhar a diferença no que diz respeito ao envolvimento corporal nessa diferença entendemos em algumas imagens que certas pessoas es tão pensando enquanto outras estão apenas movimentandose Isso pode ser ainda mais facilmente percebido na escola Nela os lu gares os tempos e os modos alternadamente voltam a atenção ora ao pensamento ora ao corpo conforme boa parte das rotinas que carac terizam essa instituição Sabemos que o corpo ocupa um lugar mere ce atenção ou seja tem alguma importância Todavia esse valor deve ser pensado pois ele se realiza na alternância entre momentos corporais e momentos mentais Olhemos historicamente o corpo A percepção atenta ao corpo é tão arraigada em nosso cotidiano que aparentemente ela não deveria gerar o trabalho de entendêla para além de vivêla Nesta unidade ao estudar o corpo na história pretendo convencer você a pensar o contrário Teremos como ponto de partida um duplo en tendimento em primeiro lugar esse valor atribuído ao corpo no mundo contemporâneo não está isento de contradições e limites no que tange à consideração da dimensão corpórea dos homens e das mulheres Em se gundo lugar a partir do conjunto dessas contradições que hoje vivemos em relação a nossa condição corporal podese verificar na história que em muitos aspectos o corpo recebeu diferentes olhares e mobilizou va riadas práticas com modos e intensidade também dessemelhantes Bons estudos ATIVIDADE 54 O CORPO NÃO É APENAS SUA ANATOMIA EDUCAÇÃO FÍSICA 55 Faço a você uma advertência a afirmação de haver muitas outras coisas no corpo além de sua própria anatomia pode soar um tanto quanto estranha E isso não apenas pelo fato de percebermos o corpo dos outros e o nosso próprio pela forma geral que eles têm Percepção essa que também se constrói em olhares que buscam detalhes ou partes que tiramos da integralidade corporal para uma gama variada de interesses Do mesmo modo que digo ser alguém bonito ou bonita consigo dizer que alguém tem uma pele bonita belas mãos um cabelo deslumbrante ou qualquer outra parte não tão atraente Será percebida alguma estranheza na crença de o corpo ser mais que sua anatomia sobretudo quando você começar a estudálo sistematicamente no de correr de seu curso Lembrese que esse estudo é um dos pontos mais característicos dos cursos de edu cação física não apenas hoje mas também em sua história Com certeza a sensação que muitos aca dêmicos tinham e ainda têm quando mergulham no fascinante mundo dos estudos anatômicos é a de um espanto com a quantidade de detalhes passíveis de reflexão e de denominação presentes em qualquer parte do corpo que venha a ser estudada Para piorar ou deixar a surpresa ainda mais arrebatadora sem pre nos chega aos ouvidos que em outros cursos da área de saúde a carga horária e o detalhamento dos estudos nesse campo são ainda maiores Se falamos em anatomia é inevitável não pen sarmos na importância e na energia que consumi mos para entender o funcionamento do conjunto de nossos órgãos Folhear os atlas de anatomia mais detalhados só não proporciona mais momen tos de reconhecimento de nossa ignorância do que aqueles que experimentamos quando entramos nos meandros da fisiologia humana A imensidão do território intelectual a ser conquistado confor me vamos pensando na integração dos diferentes sistemas que compõem nosso organismo aumenta proporcionalmente o prazer que sentimos ao per ceber que os esforços dos nossos estudos vão nos capacitando a entender cada vez mais sobre cada gesto que executamos Reitero o que já pensamos mesmo os limi tes anatômicos do corpo já fizeram muita tinta ser consumida em milhares e milhares de páginas Se deixarmos nossas aulas de anatomia e fisiologia das universidades e entrarmos em consultórios médicos fisioterápicos nos consultórios de nutricionistas e fonoaudiológicos veremos em cada uma dessas es pecialidades bem como em suas subespecialidades que o volume de informação fica cada vez maior Se assumirmos que cada uma dessas áreas e de suas ramificações elabora procedimentos para lidar com diferentes aspectos e problemas que dizem respeito a nossa anatomia e nossa fisiologia de fato conclui remos que entender o corpo humano como célula tecidos órgãos e o arranjo desses elementos a gerar algum funcionamento já é algo bastante razoável para dizer o mínimo Essa sucessão de espantos causados pela gigan tesca quantidade de informações pautase na ideia de que o corpo é algo natural dotado de forças e li mites naturais Por serem mecanismos estáveis e in variáveis nos humanos excetuandose em casos atí picos eles tornam concreta a ideia de uma natureza humana cuja anatomia é a mais visível das provas Não é a únicas pois há aquelas provas que não ve mos Afinal mesmo aquilo que chamamos de ins tinto é também assumido como natural Eles não são detectáveis nas formas dos corpos mas em mui tas coisas que fazemos com ele ao lado de nossas necessidades vitais como comer beber não sentir frio ou calor a reprodução há o medo a raiva a ATIVIDADE 56 tristeza a dor enfim uma gama de sensações assu midas como universais e incontornáveis bastando estar vivo para fazêlas ou sentilas Em que pese todas essas considerações apontem para elementos que já dão ao corpo a condição de ser um assunto intrigante e extenso em sua própria natureza sabe mos que há algum tempo nem mesmo essa natureza é assumida como imutável expandindo ainda mais os limites anatômicos Kuper 1996 pergunta se hoje somos todos darwinianos referindose à importância da teoria elaborada por Charles Darwin A pergunta denota que apesar do caráter controverso na teoria para muitos ela pode ser considerada uma das maiores realizações intelectuais da humanidade Dos nu merosos impactos gerados pelas ideias de Darwin um dos principais é a concepção de que a nature za humana não nasceu pronta por ser resultante de um processo evolutivo Da teoria da evolução das espécies depreendese uma determinada pers pectiva histórica de que até a variedade de espécies surge como resultado de um processo aleatório de construção Interessante notar que ao apoiar essa impactante constatação Darwin reconhece que Man still bears in his bodily frame the indelible stamp of his lowly origin DARWIN apud KUPER 1996 p 4 Com isso Darwin não afirma uma dis solução da ideia de uma natureza anatômica Pelo contrário ele a fortalece por afirmar que essa nossa anatomia e as das demais espécies não possuem li mites tão claros Mesmo no âmbito dos limites cor porais as consequências para o nosso entendimen to corporal e daquilo que nos faz seres humanos é grande conforme afirma um importante estudioso da história de nossa espécie Evidenciar que os seres humanos têm sua vida e adaptações prefiguradas e paralelas a dos animais está na base da dúvida sobre a re alidade do limite moral que nos separam das feras A grande questão é saber se tememos ou aceitamos a dissolução dessa fronteira KING DON 2003 p 33 Você percebeu que já estamos dando um olhar mais histórico àquilo que assumíamos como imutável o nosso corpo Há muitas controvérsias e debates sobre isso Um aprofundamento em tal assunto es capa ao objetivo deste livro A utilidade de mencio nálo é outra evidenciar que a abordagem históri ca que fazemos no âmbito dos cursos de educação física é mais aproximada do estudo das maneiras como esses limites anatômicos são vistos utili zados entendidos e percebidos pelas pessoas em diferentes épocas EDUCAÇÃO FÍSICA 57 Essa delimitação é importante para separarmos a nossa abordagem histórica da importante abordagem evolucionista Mesmo reconhecendo que esses nos sos atuais limites têm apenas 35000 anos e que ain da estejam em um lento silencioso mas incontrolável processo de adaptação eou evolução não são eles que nos ocuparão Para nós é mais importante verificar que uma história do corpo é uma história que busca entender no passado o modo como nossa natureza gerou reflexões acusações e práticas em alguns casos muito diferentes das nossas Dito de outra maneira nós temos a mesma estrutura corporal que tiveram os antigos gregos os medievais os homens modernos e os nossos avós Entretanto em cada uma dessas épo cas do ponto de vista dos sentimentos gerados e per cebidos por essa estrutura bem como do valor social dado para ela poderíamos dizer que houve muitos outros corpos e muitos outros olhares para ele Para ilustrarmos que muitos dos olhares que hoje damos ao corpo não existiram desde sempre vale a pena voltarmos nossa atenção para o proces so de construção de um modo de conceber o corpo que possibilitou a gigantesca quantidade de infor mações que hoje temos sobre ele estudar anatomia ensinar anatomia produzir o conhecimento relativo a nossa anatomia apesar de sua óbvia importância para a história da medicina para a atualidade e conforme já vimos para os cursos de formação em educação física são práticas que têm apenas quatro ou cinco séculos Parece muito mas lembrese dos já citados 35000 anos de vida do homo sapiens além das muitas outras sociedades e épocas que simples mente ignoraram esse tipo de abordagem anatômica do corpo Podemos começar a entender que um dos fatos mais marcantes para percebermos que o corpo tem mais do que sua anatomia é justamente enten der como surge o estudo dessas formas É possível perceber em nosso cotidiano alguns dos elementos que marcaram o processo de surgi mento e desenvolvimento dos estudos sobre a ana tomia nos séculos XVI e XVII Para muitos acadê micos que iniciam seus estudos em cursos da área de ciências da saúde as primeiras aulas de anatomia não são momentos de grande tranquilidade ou de um despertar do conhecimento científico Frequen temente testemunhase o desajeito o medo o nojo e a resistência dos acadêmicos não apenas ao cheiro dos laboratórios mas à presença dos cadáveres e ao seu manuseio Não pretendo explicar ou justificar essas sensações mas elas são importantes para a nossa reflexão em dois pontos grosso modo fre quentemente esses acadêmicos e essas acadêmicas sentem algum desconforto com as aulas de anato mia ou pela abjeção gerada pelo corpo sem vida pela textura das diferentes partes expostas ou en tão a resistência tem uma característica mais reli giosa ou sentimental um constrangimento por se mexer naqueles corpos humanos postos em condi ção de objetos manipuláveis situação essa sentida como oposta à humanidade Mesmo para quem tem menos sensibilidade é difícil não se pegar dando azo a reflexões como essas Todavia não se questiona nos dia de hoje a re levância desses espaços formativos que são os la boratórios de anatomia É inconcebível qualquer profissional sair de sua formação inicial em nível superior sem conhecimentos importantes sobre as diferentes estruturas corporais Se somarmos a isso as regulamentações existentes para possibilitar que cadáveres estejam disponíveis para esse estudo ATIVIDADE 58 verificamos que os estudos de anatomia são parte constituinte de nosso cotidiano Convidolhe a pensar o processo histórico que levou a essa naturalidade a essa quase necessidade que temos de conhecer o corpo de forma detalhada A ideia é verificarmos que não apenas a possibilida de de profissionais acessarem visualmente o inte rior corporal mas o fato de muitas tecnologias de imagem com as quais médicos e pacientes podem visualizar o que acontece lá dentro são resultan tes de um imenso conjunto de esforços que tocam o surgimento de um panorama cultural e científico nos séculos XV e XVI O que eu proponho a você é prestar atenção às modificações socioculturais que existiram nesse momento que tornaram possível realizável e necessário o gesto de olhar o corpo em seus detalhes Insisto essas modificações podem ser tomadas como o indício de que uma outra forma de entender o corpo humano estava nascendo e que ela teve impactos profundos não apenas nos desdobra mentos médicocientíficos dos séculos seguintes mas do mesmo modo na maneira como os homens e as mulheres passaram a ver sua humanidade Durante esse período da história ocidental a sociedade europeia vivia um intenso momento de transição Em vários pontos de vista muitos setores da sociedade questionavam opiniões instituições outros setores defendiam estruturas sociais polí ticas e religiosas tradicionais gerando assim um grande debate em torno dos rumos da sociedade Se isso não é muito diferente do que ocorre em todos os outros momentos da história é algo reconhecido a grande intensidade e velocidade com que essa dis cussão passou a existir no processo conhecido como transição da sociedade feudal à sociedade capitalis ta Tratamse de transformações gestadas e nascidas no curso de cinco ou seis séculos mas que conhece ram suas consequências mais marcantes a partir dos séculos XV e XVI consolidandose no XVII e XVIII As mudanças econômicas e políticas que foram se processando na estrutura feudal da sociedade eu ropeia e o surgimento de uma nova forma de orga nização social ao mesmo tempo estimularam e fo ram estimuladas por uma nova concepção relativa à humanidade dos homens e das mulheres Essa nova concepção reposicionou a percepção humana sobre si mesma em muitos aspectos O primeiro deles que vale a pena ser considera do é que paulatinamente foi tomando força e vo lume uma grande atenção às capacidades humanas de pensar e entender a si mesmo e o mundo a sua volta A herança intelectual típica da idade média pautada na desconfiança dessas capacidades e na sua subjugação em relação à autoridade da Igreja Cató lica foi se tornando alvo de críticas Interessante ve rificarmos que uma mudança tão radical possa ter ocorrido Com efeito a postura intelectual de pensar mais e mais aprofundadamente sobre todos os as pectos da vida além de ter desabrochado foi algo que aconteceu com uma qualidade bem diferente da EDUCAÇÃO FÍSICA 59 que então existia tratouse de revisitar a tradição in telectual existente e dominante nos últimos dez sé culos em nome de uma outra postura Essa postura advogava o grande potencial existente em cada ser humano para entender e perguntar potencial com o qual homens e mulheres tinham sido agraciados por Deus Note você que de uma postura intelec tual menos ativa justificada na autoridade de Deus a sociedade a partir dos séculos XIII e XIV vai se tornando mais simpática a uma postura oposta jus tificando as capacidades para tanto como presentes que nos foram dados por Deus Embora esse pro cesso não tenha ocorrido de um modo tranquilo ou rápido foi se consolidando de uma maneira a rela cionar a vida humana não à aceitação passiva de um pensamento consolidado pela tradição mas a um pensamento que deveria ser justificado pela razão e por sua adequação aos fatos Muito relacionado a esse despontar de uma postura intelectual que busca eliminar as autori dades religiosas e o teocentrismo a elas ligado é importante ter claro que igualmente fundamen tal foi o despontar de um processo de individu alização em que as pessoas passaram a discernir limites mais claros entre sua individualidade e as demais pessoas e instituições com as quais se re lacionavam Para nós é algo bizarro imaginar que em alguns momentos essa percepção possa não ter existido mas conforme a sociedade avançava rumo ao mundo moderno do capitalismo assistiuse ao florescimento de um sentimento mais claro sobre si mesmo em que minhas características são toma das como aquilo que me tornam único e especial perante todo o resto do mundo Digno de nota é o modo como essas duas gran des novidades se alimentam Se de um lado percebo e enalteço a capacidade humana de pensar os pro blemas e as belezas do mundo de um modo autô nomo e cada vez mais aprofundado paralelamente a consideração dessa capacidade vai reforçando o apreço que tenho por mim mesmo É compreensí vel pois de algum modo os limites do mundo são resultantes desse olhar e desse pensamento que nada deixam intocados O inverso também é verdadeiro a admiração que cada indivíduo passa a ter por si mesmo e a defesa de que essa admiração é um tra ço tipicamente humano torna a busca por conheci mento algo relacionado a própria felicidade a pro dução de uma vida mais plena assim percebida no gozo dessas capacidades O caminho que levou esse conjunto de transfor mações culturais a uma nova percepção corporal não foi reto livre de debates idas e vindas Todavia chegou onde hoje estamos nosso corpo é visto escrutinado comparado dissecado em seus mínimos detalhes Um teórico dos estudos sobre corpo David Le Breton 2003a nos explica que o processo que levou ao homem anatomizado foi de grande importância em um duplo aspecto levar à riqueza e amplitude do conhecimento corporal as quais fiz menção anterior ATIVIDADE 60 mente além de ter contribuído para uma das postu ras filosóficas mais relevantes para o desenvolvimen to da ciência a saber a distinção feita entre o corpo e a pessoa humana LE BRETON 2003a p 46 Isso também foi fundamental para que o conhecimento anatômico se aprofundasse em ritmo aceleradíssimo Para entender essa relação é necessário conside rar que no início da idade moderna essa separação entre pessoa e corpo não havia Essa inexistência gerava muito constrangimento na possibilidade de considerar que no corpo morto a pessoa não esta va mais lá Ou seja os limites demarcados pela pele não seriam nessa ótica rompidos sem proporcio nar grandes choques morais e religiosos Le Breton 2003a é claro quando afirma Com os anatomis tas o corpo deixa de se esgotar na significação da presença humana O corpo é posto entre parênte ses dissociado do homem ele é estudado ele mes mo como uma realidade autônoma LE BRETON 2003a p 48 Por essa razão os primeiros anato mistas foram considerados iconoclastas Afinal o choque dos dogmas cristãos produzido pela lâmina do bisturi chegava ao ponto religioso central abrir o que agora passa a ser considerado um cadáver algo sem vida condenado a desaparecer inviabilizava um dos pontos de apoio da ideia de ressurreição Deixar o corpo em pedaços é destruir a integridade humana é arriscarse a comprometer a perspectiva da ressureição LE BRETON 2003a p 48 Outra passagem das reflexões de Le Breton vale a pena ser lida para você dimensionar a revolução cultural a que estava sendo submetido o corpo humano com o desenvolvimento do olhar anatômico Os anatomistas partem para a conquista do segredo da carne indiferentes às tradições às proibições relativamente livres no que con cerne à religião eles penetram no microcosmo com a mesma independência de espírito que Galileu ao invocar um traço matemática no espaço milenar da Revelação LE BRETON 2003a p 53 Dito de outra maneira o lugar do homem no uni verso estava sendo reformulado pelos avanços no conhecimento do muito grande sobre o planeta o universo etc O mesmo espírito científico invadia o espaço do muito pequeno penetrando cada vez mais fundo nos nossos tecidos corporais para conhe cêlos oferecendoos à vista de todos O milagre de Deus passou a ser abordado pelos anatomistas em um processo que colocou a materialidade corporal exposta ato possível pelas mudanças socioculturais então experimentadas Mudanças que fizeram o cor po receber outra atenção e desempenhar papéis so cietários antes inexistentes Por essa razão a análise histórica com a perspicácia da análise anatômica demonstra que atribuímos aos olhares que damos ao corpo muitos significados EDUCAÇÃO FÍSICA 61 A FILOSOFIA COMEÇA E CONTINUA NO CORPO ATIVIDADE 62 Superada um pouco da surpresa de se estudar histó ria em um curso de educação física podemos mer gulhar de uma forma mais plena na reflexão sobre o processo histórico que de alguma forma sustenta aquele sentimento inicial de espanto Ou seja por que facilmente entendemos que há uma separação entre movimentarse corporalmente e o pensamen to que fazemos sobre esses movimentos Você lembra que fiz menção às propagandas so bre cursos de educação física no início da primeira unidade Foi visto também que é até concebível para muitos entender cientificamente diversos aspectos das práticas corporais e do trato profissional com elas O espectro de especialidades científicas que lançam luzes à fisiologia humana no momento em que executamos diversas atividades é amplo Além disso pesquisadores dessas áreas aprofundam cada vez mais o conhecimento que se tem da quase tota lidade corpórea do homem Muitas pesquisas foram feitas desde os primeiros anatomistas nos séculos XV e XVI Diversas áreas biomédicas floresceram estu dos bioquímicos levaram a drogas mais precisas e eficientes na ação de numerosos problemas de saúde que nos afligem Ou seja compreendemos que se há uma dimensão intelectual com presença marcante no campo da educação física essa é a dimensão que ex plica o funcionamento corporal O que nos interessa agora é pensarmos que essa reflexão científica sobre o corpo e seus movimentos assentase na necessidade de assumir que há uma reflexão sobre o corpo que o entende como objeto como algo a ser conhecido Uma reflexão que o trata como um assunto do pen samento por ser muito diferente desse mesmo pensa mento Tratase de uma obviedade Talvez não Nos itens anteriores tem sido feita a tentativa de evidenciar que outros campos intelectuais são in contornáveis na formação profissional em educação física Pensar historicamente é a ação que demarca um desses campos Além disso vimos que ela é uma reflexão que evidencia a historicidade de pratica mente tudo que normalmente é assumido como não possuidor de história Ou para ficarmos no âm bito do corpo algo possuidor de uma história redu zida ao processo de evolução de uma natureza tal como nos explica Charles Darwin Ao se assumir que o corpo também tem uma história ligada aos modo como ele é percebido uma das primeiras questões que deve nos chamar a atenção é a seguinte a clara separação entre movi mentarse e pensar que se manifesta no modo como concebemos o que vem a ser pensamento corpo e suas relações ocupou pensadores em outras épocas e ainda inquieta muitos estudiosos Para olharmos essa questão mais proximamente vamos adotar o procedimento que sustenta este livro vamos pensá la historicamente Se a problemática é a relação entre o corpo e o pensamento acredito valer a pena estudarmos o processo de surgimento da filosofia que ocorreu na sociedade grega em volta dos séculos V e IV aC Normalmente assumimos os estudos em filosofia como algo demasiadamente distante dos proble mas práticos e concretos Não é incomum termos uma imagem negativa dos filósofos como pessoas alheias à realidade em que vivem apegadas que são ao mundo das ideias Essa desconsideração da filosofia deve ser questionada caso você queira en tender os assuntos concernentes à educação física EDUCAÇÃO FÍSICA 63 Em primeiro lugar é importante você ter claro que o surgimento da filosofia na Grécia Clássica não deve nos fazer esquecer que a sociedade grega re cebia influências de muitas outras culturas que ao seu modo pensavam em suas problemáticas a partir de suas próprias condições Fundamental nesse pro cesso de surgimento de uma nova forma de pensar racional por excelência e que dá à Grécia o tão ci tado status de Berço da Civilização Ocidental foi o fato de a filosofia ser uma nova postura perante a vida individual e social gestada a partir de transfor mações históricas tocantes à sociedade à economia à percepção que os gregos tinham deles mesmos e sobretudo à política Esse último aspecto deve ser mantido muito pró ximo na hora de você pensar as razões que levaram ao surgimento da reflexão filosófica A consideração do aspecto político da questão não deve ser subes timado O desenvolvimento da pólis como forma social da sociedade que cria a filosofia colocou em questão a necessidade de se pensar no aspecto fun damental de toda sociedade política o uso do diá logo para deliberação dos rumos da cidade Parece algo trivial mas não é Em sociedades não políticas esse elemento discutido das decisões não se faz sen tir Na política as decisões são pensadas e tomadas a partir da capacidade argumentativa dos cidadãos Interessante verificar o modo como essa necessidade atinente à condução dos assuntos concretos da vida comunitária colocou como necessidade e possibili dade uma reflexão que levasse a sociedade a tomar boas decisões livremente adotadas depois da delibe ração dos partícipes Para atingir essa necessidade de bem pensar os rumos da cidade foi imprescindível a nascente fi losofia ponderar a relação dos cidadãos com as leis com a formação dos futuros cidadãos as possibili dades de comportamentos corretos e do sentido a ser dado à vida por esses comportamentos Nessa avaliação entender o modo como diferentes senti mentos e capacidades humanas se relacionavam e se opunham foi um passo incontornável Nesse ponto o processo de nascimento da filosofia traz elementos bastante interessantes para pensarmos o corpo e seu relacionamento com as demais capacidades huma nas sobretudo o pensamento racional Como nos ensinam Braunstein e Pépin 1999 p 13 a maneira como os gregos pensaram o corpo depende estrei tamente do seu sistema de pensamento fundado na noção de racionalidade e harmonia Para o alcance dessa racionalidade o corpo é visto apenas como um instrumento Ele é o que deve ser superado para que a alma alcance a verdade que se busca nos deba tes filosóficos e políticos Se o corpo constitui um problema para os fi lósofos gregos é porque lhes apareceu como a soma de uma longa e difícil luta entre dois prin cípios um em relação com a racionalidade o inteligível porque material o outro em relação com o sensível por estar ligado ao mundo além O corpo definiuse como uma dualidade cor poalma do mesmo modo que a humanidade se divide em filósofo e não filósofo o homem vive pelo espírito e o que vive pelos sentidos Só a alma retém a sua atenção detentora do conhecimento único só ela pode levar à verdade ao não esquecimento BRAUSTEIN PÉPIN 1999 p 21 ATIVIDADE 64 Essa nascente dualidade por sua vez não deve ser concebida como uma simples relação de desprezo em relação ao corpo algo que foi muito marcante nos séculos que se sucederam à construção do do mínio da Igreja Católica e que se consolidou a partir do século IV dC É interessante observar que di ferentemente do que ocorrera durante a Idade Mé dia a Antiguidade Clássica sustentouse em uma complementaridade mais do que sobre a oposição do inteligível e do sensível BRAUSTEIN PÉPIN 1999 p 23 Com efeito entendemos que o lugar do corpo e sua relação com o pensamento não é fácil Platão em um de seus diálogos afirma que o corpo é o túmulo da alma Mesmo assim há elementos na história grega que nos permitem afir mar um relacionamento entre elementos estéticos eróticos e intelectuais A verdadeira sabedoria traduzida pela beleza residia mais uma vez no equilíbrio da persona lidade A maneira como os gregos percebiam esse equilíbrio transparece na importância que davam ao Eros cujo sentido de amor se estende bem para lá do desejo físico para in cluir também a paixão intelectual e espiritual BRAUSTEIN PÉPIN 1999 p 25 Para apreendermos a importância do pensamento que lemos na citação lembremonos da profusão de corpos belos que nos vêm à mente quando pensa mos na estatuária feita pelos gregos e na importân cia que possuía o corpo nu para a sociedade grega Nudez cuja exibição era privilégio dos cidadãos que tinham seus corpos treinados no ginásio por meio de práticas que estudaremos na próxima unidade De qualquer modo perceba que o dito berço da civilização traz em si elementos que nos fazem pensar na relevância da dimensão intelectiva e cor pórea do homem A dificuldade é entender como essas dimensões são consideradas em diferentes mo mentos sem esquecer que em uma mesma realidade pode haver modos diferenciados de avaliar o corpo Há alguns anos isso me fez analisar a presença do corpo na história grega enxergando nela uma con traposição entre a necessidade do cultivo intelectu al imprescindível ao mundo político e o elogio da força e da aparência física como traços constituintes de uma sociedade agonística e guerreira Ao reali zar tal análise marquei essa contraposição deixan do superlativas duas partes corporais de um lado a língua grande de quem fala argumenta e elabora seu argumento por meio da retórica e de outro o ombro largo que simboliza a força dos atletas e dos guerreiros como figuras elogiadas na estrutura so ciocultural grega Xenófanes vivendo no período de 540 a 470 aC explicita um registro elucidativo da desconfiança que a valorização do corpo gerava em parte dos gregos Não é justo preferir a força à verdadeira sabedo ria Se há na cidade um bom pugilista ou um bom atleta distinguido no Pentatlon na luta ou na cor rida que é a mais importante das provas atléticas nas competições entre os homens nem por isto estará por ele melhor governada XENÓFANES apud HEROLD JUNIOR 2007 p 100 EDUCAÇÃO FÍSICA 65 A intenção é fazer que fique claro para você queri doa alunoa que o nascimento de uma sociedade política baseada na reflexão e argumentação racio nal dos problemas da pólis colocou em evidência a dimensão corporal do homem Esse destaque se deu pela negação dessa dimensão em nome da in teligência e do discurso do mesmo modo que levou muitos a defenderem como incontornável e neces sária a reflexão sobre o corpo para se aprimorar a capacidade de se conhecer a verdade e tomar boas decisões conectadas a aspectos estéticos e eróticos da vida Desse ponto de vista a sociedade grega clás sica é um alvo de reflexões muito importante para pensarmos na história do corpo e das práticas edu cacionais a ele associadas No momento em que as bases intelectuais ocidentais se formavam podemos ver nesse mesmo processo de formação que o corpo fornecia muitos dos motivos que levaram à emprei tada filosófica e política Mais uma vez Braustein e Pépin 1999 nos explicam o valor que possuía o corpo para os gregos Daí decorre o conceito do corpo humano onde a própria ideia de desmesura está exclu ída porque mais do que qualquer defeito ela se opunha ao ideal de harmonia matemática e de disciplina do indivíduo Os gregos con denavamna no plano moral tanto como a temiam no plano A desmesura chocavaos política moral e esteticamente Assim ter um corpo belo um corpo são depende antes de mais nada de uma profunda serenidade em perfeita correspondência com a harmonia do universo Sem dúvida que é porque o cos mos se apresenta como um conjunto de cor pos produto de uma actividade humana ou da natureza que a ordem e a organização devem trazer estabilidade e coesão O corpo humano é a reprodução orgânica desse conjunto Por extensão podemos dizer que o corpo políti co são é aquele cujos corpos constituintes se completam funcionam e se reúnem perfei tamente sem nenhuma disfunção BRAUS TEIN PÉPIN 1999 p 18 Essa longa citação ajuda você a compreender o fato de que na construção do imenso e belo edi fício artístico filosófico e político da sociedade grega o corpo humano ofereceu motivos relevan tes para o entendimento da concatenação e das rupturas existentes entre o homem a natureza e a sociedade Como integrar esses três âmbitos foi o que levou ao nascimento da filosofia É a partir do corpo que ela nasce Sem as dúvidas provocadas pelas mudanças corporais pelas vontades que por elas sentimos pela percepção do mundo que temos por intermédio de suas estruturas o pensamento não teria ampliado os horizontes do modo como ocorreu a partir do século V aC Como poderiam dizer Braunstein e Pépin 1999 esses horizontes extrapolaram em muito os limites do corpo hu mano Mas a força e o ímpeto para esse rompimen to enraizamse no corpo Por isso as belas obras do pensamento começam e terminam nos contornos corporais que sabemos constroemse não apenas em sua anatomia mas nos modos como os perce bemos Entender esses modos é o que podemos considerar como meio do estudo da história ATIVIDADE 66 Estudar historicamente o corpo é uma pos tura que não deixa intocada nem mesmo uma de nossas mais certas percepções as diferenças anatômicas que nos capacitam a afirmar a existências dos sexos Thomas Laqueur 2001 ao falar sobre a invenção do sexo explica que até o século XVIII não havia a concepção que afirmava haver uma diferença entre homens e mulheres Até então assumiase que as mulheres seriam aquelas que teriam ficado no meio do ca minho do processo de desenvolvimento que levava ao desenvolvimento total do ser humano materializado na conformação anatômica masculina Nesse ponto tam bém o desenvolvimento da anatomia da medicina e da obstetrícia foi fundamental para afirmar que homens e mulheres são diferentes Há que se reconhecer a posi tividade dessa constatação Todavia não deve ser posto de lado que ela fortaleceu muitos discursos pseudocientíficos a atri buir às mulheres uma condição natural ligada à maternidade Tudo isso endossa a constatação de que o entendimento que se tem sobre o corpo é histórico e não pode ser reduzido ao aspecto científico Afinal nesse aspecto também penetram muitas compreensões culturais e políticas que ca racterizam uma determinada sociedade que vê e avalia o corpo humano a partir dessas compreensões Fonte o autor baseado em Laqueur 2001 SAIBA MAIS EDUCAÇÃO FÍSICA 67 EU TENHO UM CORPO OU SOU UM CORPO OS MUITOS EUS E OS MUITOS CORPOS QUE EXISTIRAM NA HISTÓRIA ATIVIDADE 68 Caroa alunoa nos itens anteriores foram abordados alguns pontos para nos ajudar a en tender diferentes modos com os quais o corpo foi visto avaliado e percebido em outros momentos da história Tão acostumados que estamos a lidar com o nosso corpo que assumi a necessidade de fazer um esforço para tentar entender essa obvie dade deixando de enxergar nela algo inevitável ou existente desde sempre O primeiro passo foi percebermos que nem mesmo a natureza corporal está imune à passagem do tempo afinal até essa natureza é resultante de um processo de adaptação e transformação disso que hoje somos em termos corpóreos O segundo passo dado quase simultaneamente ao primeiro foi percebermos que ao olharmos corpos perce bemos coisas que não se reduzem ao dado visto apesar de nele se apoiarem Ou seja o modo como avaliamos sentimos desejo ou repulsa por deter minados corpos objetos e atitudes é dependente dos valores sociais culturais e políticos vigentes em um mesmo momento e compartilhados por todos que dão vida ao convívio social palco onde a aten ção ao corpo ocorre Além dessas constatações foi abordada outra obviedade evidenciando que historicamente os li mites assumidos como inquestionáveis podem ser problematizados ao estudarmos um pouco da so ciedade grega vimos que o reconhecimento normal mente atribuído às conquistas culturais artísticas e intelectuais não deve ser visto como o resultado de uma negação à dimensão corpórea dos homens e das mulheres O contrário é que foi defendido com o intuito de entender que a oposição entre as ideias e o corpo entre o ideal e o real entre o abstrato e o concreto longe de ser uma diminuição da relevância do corpo em relação à mente é resultante de uma complexa sinergia Complexa pois ela é um dos pontos que ainda vêm exigindo grande atenção de muitos cientistas e filósofos embora cotidianamen te a mencionada conexão não seja assumida como existente ou importante Nesse item continuaremos a aprofundar nossa reflexão sobre o corpo na história pensando outra obviedade buscando entendêla em seu processo de construção Muito relacionada à separação entre o mundo das ideias e do corpo é a separação entre o eu e o corpo É esta separação que nos permite dizer que temos um corpo ou eu gosto do meu corpo Mais uma vez vale a advertência tratam se de usos cristalizados no cotidiano e com quais resolvemos muitos problemas do dia a dia O que se quer é entender isso que tanto fazemos ou essas expressões que tanto dizemos pondo em destaque que elas foram construídas em outros momentos históricos e que foram importantes para a supera ção de muitas posturas filosóficas e culturais não mais condizentes com o mundo que então nascia Nos próximos parágrafos vamos ver como o cor po passou a ser objeto de uma determinada forma de pensamento a partir dos séculos XV e XVI que marcam o início da idade moderna De algum modo já comentamos sobre esse pe ríodo da história quando falamos do florescimento da anatomia Com efeito o fato de uma determina da sociedade passar a enxergar como necessário e normal dissecar cadáveres é um indício importante para nos ajudar a entender a separação entre o eu a subjetividade a sensação de ser uma pessoa de um lado e a materialidade corporal do outro Quando estudamos história acostumamo nos a entender as sociedades em constante pro cesso de mudança e transformação Mudanças que ocorrem ora mais rapidamente ora mais len EDUCAÇÃO FÍSICA 69 tamente mas perceptíveis em todas as épocas e lugares Entretanto é tranquilamente aceito que o processo de transição do feudalismo ao capitalis mo aconteceu em um ritmo e uma profundidade que fizeram muitos aspectos da vida societária tornaremse muito diferentes do que eram nos séculos precedentes Nos séculos XV XVI e XVII surgiram novas ma neiras de se entender praticamente tudo Passouse a advogar uma nova forma de se pensar a nature za a política a religião a educação e obviamente a composição do próprio homem Na conjunção des sas novas posturas perante a vida que marcaram o surgimento da modernidade uma nova maneira de se entender o corpo surgiu Vimos que na Grécia a tensão entre corpo e pen samento existia mas o mencionado tensionamento considerava uma certa estética da vida em que essa separação era dificilmente vivenciada Estudamos que essa consideração da sinergia das dimensões humanas não era tranquila ou inquestionável mas marcou aquele momento histórico De um modo diferente em muitos aspectos al guma inseparabilidade entre corpo e reflexão tam bém pode ser vista no homem medieval A impor tância do corpo visto como fonte dos pecados e a tentativa de diminuílo reprimilo e subjugálo à fé cristã não deixava de lado a importância dessa di mensão corpórea do homem nos ritos eclesiásticos Afinal assumiase que era por meio do corpo con trolado que a fé poderia se manifestar e se ampliar explicitando uma assunção de que o cristão não se separava de seu corpo no seu longo e difícil cami nho que levava até a religação com Deus Para o me dieval religarse a Deus passava pelo esforço diário de desligarse dos pecados causados pelas vontades pela tentação associada à carne Sublinho a grande diferença que existiu no modo como os gregos da Antiguidade Clássica e os medievais experimentaram seus corpos Mas es culpir estátuas de belos corpos admirar com olhar cheio de desejo um corpo nu ou castigar o próprio corpo ou queimar transgressores em espetáculos sob um determinado ponto de vista é a mesma coi sa enxergar no corpo o locus de realização daquilo que os outros e nós somos Eles eram seus corpos Os corpos eram eles Com a crise dos valores típicos do mundo feudal assistimos a transformações sóciohistóricas que le varam ao capitalismo Forjouse um outro conjunto de posturas de mentalidades e de visões de mundo que começaram por construir nossa capacidade de nos pensarmos como diferentes ou como proprie tários de um objeto o corpo Com essa capacidade o corpo deixa de caracterizar a particularidade de cada indivíduo bem como sua vinculação à huma nidade caracterização essa que passou a ser privilé gio do pensamento e da razão Vamos pensar e entender como essa separação se tornou possível como ela se relacionou com ou tros aspectos da vida sociocultural dos séculos XVI e XVII bem como o impacto que ela gerou nas ques tões culturais e educacionais tanto interessam futu ros professores de educação física Um elemento importante para nos ajudar a en tender as transformações que nos interessam nesse momento foi pautado nas críticas à autoridade da Igreja sobretudo quando esta tentava explicar as grandes questões atinentes à natureza e ao homem e sua relação com Deus Essa autoridade que estava sendo cada vez mais criticada fazia suas afirmações defendia suas verdades a partir de uma determina da tradição tomada como inquestionável como não suscetível de crítica Isso evidentemente inviabili ATIVIDADE 70 zava qualquer possibilidade de se construir expli cações diferentes mais satisfatórias a quem não se contentava com a maneira de se explicar a natureza e o lugar do homem nela No interior da afirmação dessa antiga autorida de foi se fortalecendo a defesa de outros modos de se conhecer e pensar as problemáticas a serem conhe cidas Essa novidade apoiavase na crença de que as afirmações eram feitas por meio de uma autoridade carência de evidências empíricas observáveis Além disso passouse a advogar que o conhecimento não deveria se adequar a qualquer tipo de tradição mas que deveria espelhar a natureza independentemen te das preferências de quem elaborava as explica ções De fato uma das principais críticas feitas ao modo de conhecer que existiu antes do advento da ciência moderna foi sua parcialidade sua incapaci dade de gerar afirmações inquestionáveis exatas e produtoras de consequências benéficas justamente pela imprecisão com que eram feitas Perceba o nascimento da ciência entendida como uma forma de conhecimento que produziu numerosas consequências justamente pelo modo como passou a ser produzida baseada na experi mentação e no método Fundamentais nessa cons trução foram os pensamentos de Francis Bacon 1984 e René Descartes 1979 Na construção da ciência moderna foi necessário fazerse frente àque les que diziam ser o suficiente um bom argumento Bacon 1984 contrapunha essa posição afirmando O intelecto deixado a si mesmo na mente sóbria paciente e grave sobretudo se não está impedida pelas doutrinas recebidas tenta algo na outra via na verdadeira mas com escasso proveito Porque o intelecto não regulado e sem apoio é irregular e de todo inábil para superar a obscuridade das coisas BACON 1984 1620 p 17 Essa desconfiança do intelecto humano levou à bus ca de instrumentos que potencializassem a capaci dade humana de ver e entender aquilo que queria A citação seguinte é bastante conhecida no campo da filosofia por ilustrar a forma como o caminho que levou ao método científico foi se pavimentando E se nos acusam de arrogantes cumprenos observar que isso seria verdadeiro de alguém que pretendesse traçar uma linha reta ou um círculo melhor que algum outro servindose apenas da segurança das mãos e do bom gol pe de vista No caso haveria uma comparação de capacidade Mas se alguém afirma poder traçar uma linha mais reta e um círculo mais perfeito servindose da régua e do compasso em comparação a alguém que faça uso apenas das mãos e da vista esse com certeza não seria um jactancioso O que ora dizemos não se re fere somente aos nossos primeiros esforços e tentativas mas também aos dos que se segui ram com os mesmos propósitos Pois o nosso método de descoberta das ciências quase que iguala os engenhos e não deixa muita margem à excelência individual pois tudo submete a regras rígidas e demonstrações BACON 1984 1620 p 83 É possível notar que o traço distintivo da ciência como forma de conhecimento era o fato de ela ser produzida por meio de instrumentos por meio de métodos que diminuíam as influências das fra gilidades humanas que impediam a elaboração de conclusões claras e distintas como defendia Descartes 1979 Este aliás redigiu o Discurso do Método para demonstrar que havia encontra do um procedimento que o dava a segurança de usar em tudo minha razão se não perfeitamente ao menos o melhor que eu pudesse DESCAR TES 1979 1637 p 40 Nesse raciocínio a perfei EDUCAÇÃO FÍSICA 71 ção no uso da razão não existia pois como afirma o próprio Descartes em outro trabalho de grande importância na história da filosofia ocidental a razão existe unida a um corpo que não deixa de atrapalhála no momento em que ela realiza opera ções para descobrir o que deseja Por esse motivo o nascimento do método científico colocou o corpo em um lugar de bastante suspeição conforme nos ajudar a pensar Valter Bracht Nas teorias do conhecimento da modernidade que têm sua expressão máxima no chamado método científico a ciência moderna o cor po ou a dimensão corpórea do homem aparece como um elemento perturbador que precisa ser controlado pelo estabelecimento de um proce dimento rigoroso BRACHT 1999 p 71 Para que a reflexão evidencie a forma como um novo entendimento se faz sobre nosso corpo note que está em jogo a capacidade de bem conhecer mos as coisas Esse esforço não é novidade no sé culo XVI mas o modo como o problema fora re solvido é o que nos interessa Descartes 1979 nas Meditações reconhece que o problema tocava em uma tradicional maneira de se entender o que são os homens e o que eles poderiam conhecer é quase impossível desfazerse tão prontamente de uma antiga opinião DESCARTES 1979 1641 p 98 Mas qual seria a nova opinião a ser abra çada por Descartes só concebemos os corpos pela faculdade de entender em nós existente e não pela imagina ção e nem pelos sentidos e que não os conhe cemos de os ver ou de tocálos mas somente por concebêlos pelo pensamento reconheço que nada há mais fácil de conhecer do que meu espírito DESCARTES 1979 1641 p 98 Para o filósofo é essa capacidade racional que dife rencia o homem de qualquer outra coisa existente além de ser ela a portadora daquilo que me diferen cia dos outros homens de um modo significativo Afinal quando olho para as outras pessoas perce bo diferenças entre nossos corpos mas esses sem a faculdade de entender são res extensa DESCAR TES 1979 são objetos como são as pedras as ár vores e os outros animais Esse modo de entender a presença corporal do homem levará à concepção do corpomáquina que será desenvolvida nos sé culos posteriores mas encontra em Descartes e no processo de florescimento da ciência moderna seu momento fundador Temos assim uma sociedade que nascia que propunha uma nova forma de conhecimento que pretende instrumentalizar o entendimento humano com um método que diminui a influência do cor pomáquina no momento em que faço aquilo que me distingue como ser humano pensar Compre endese por esse raciocínio a razão da dissecação anatômica por nós abordada há algumas páginas expandirse nesse mesmo momento o cadáver não mais possuidor daquilo que nos faz humanos o en tendimento a razão pode ser dissecado fracionado aberto exposto tocado sem qualquer constrangi mento Aquilo fez parte de uma pessoa e em cima da bancada para ser estudado tem o mesmo estatuto de uma planta ou de qualquer outro objeto a ser co nhecido pela experimentação científica Os impactos disso para a ciência foram sabida mente gigantescos O mesmo ocorreu para as práti cas educacionais falar em uma educação física ao lado de uma educação intelectual tornouse algo mais fácil Além disso conforme o conhecimento anatômico se expandia a parte corporal da educação foi recebendo defensores na mesma medida em que ATIVIDADE 72 se entendeu de forma científica os diferentes pro cessos existentes e necessários para a manutenção da vida Manipular essas variáveis seja por meio de corridas ou por meio de cirurgias tornouse possí vel em um momento em que as sociedades foram as sumindo como importante que os indivíduos entre outras coisas deveriam cuidar de seus corpos E essa decisão foi racionalmente tomada por um novo eu a partir de dados científicos que foram se acu mulando A forma como nos percebemos donos de nossos corpos foi primordial para que tenhamos nas escolas um momento dedicado à educação física Essa percepção dualista sobre o homem desde o século XVII tem sido objeto de numerosos e in tensos debates entre filósofos e cientistas A posição cartesiana de que nosso corpo é apenas uma máqui na e como tal deve ser conhecida recebeu muitas críticas e ainda tem sido refutada de muitas formas De qualquer modo observase que essa concepção do corpomáquina e de que podemos conhecer apenas seu funcionamento deu ao campo da edu cação física muitas de suas características sobretu do na construção das matrizes disciplinares prefe rencialmente estudadas nos variados processos de formação Por esse motivo focalizar o corpo sob um ponto de vista histórico proporciona condições para entender muito daquilo que você encontrará no cur so e no exercício da profissão EDUCAÇÃO FÍSICA 73 Ao desnaturalizar a forma como concebemos o cor po humano percebemos muitas questões e proble mas além dos meramente biológicos anatômicos e fisiológicos Conforme ficou claro nos itens ante riores embora esses problemas atinentes à natureza do corpo já ofereçam desafios complexos a todos aqueles que querem estudálo essa complexidade não nos deve levar a esquecer que a tal materialida de formada por células e tecidos agregamse modos muito variados de entendêla Entender esses modos é um dos objetivos mais interessantes a serem alcan çados por uma reflexão que tematize a história da educação física A necessidade de fazermos esse esforço analí tico para vermos no corpo coisas que extrapolem sua anatomia já é compreendida por você Afinal desde o florescimento da ciência moderna e seus princípios metodológicos pautados na experimen tação e no reconhecimento da diferença entre o pensamento e a extensão entre a razão e o corpo a forma preponderante de conhecermos o corpo é a avaliação cuidadosa dessa máquina Como toda máquina o corpo deve ser desmontado em suas menores partes as quais devem ser vistas medidas isoladas em seu funcionamento Enfim a ciência anatômica proporcionou uma fonte mui OS ÓDIOS E OS AMORES DEVOTADOS AO CORPO NA HISTÓRIA ATIVIDADE 74 to rica de conhecimento que sabidamente levou a muitas possibilidades médicas impensáveis em sociedades nas quais o corpo e a razão eram inse paráveis Por isso ao analisar a matriz curricular de seu curso a importante ênfase biologizante dos cursos de educação será compreendida por você enquanto uma construção histórica que traz para os dias de hoje o processo de construção da pró pria ciência e seu olhar matematizante ao corpo e à educação que dele se ocupa Se a alternância entre momentos históricos nos quais o eu e o corpo não se diferenciavam com momentos em que se pode afirmar que tenho um corpo trouxe consequências científicas e filosóficas de primeira ordem há uma outra maneira de olhar mos o corpo para além da sua anatomia que também foi e ainda é muito relevante em termos históricos Seja como elemento constituinte da humanidade ou como objeto a ser conhecido pela razão que escruti na um objeto em diferentes sociedades de diferen tes épocas ora alternaramse ora combinaramse ódios e amores dispensados ao corpo Por ódios e amores refirome a variadas maneiras de enxergar em nossa materialidade corporal ou algo a ser cui dado ou algo a ser desprezado Antes de analisarmos a questão historica mente sublinho a necessidade de pensarmos na combinação entre diferentes formas de valorizar o corpo na história O modo mais usual é enten dermos sentimentos opostos sobre o corpo como pertencentes a momentos diferentes Nesse racio cínio a uma época que tivesse devotado grande devoção ao corpo sucederia outra em que o cor po teria sido apenas odiado ou desqualificado As análises que fizemos nos itens anteriores aliás de alguma maneira deixam entrever a necessida de de evitarmos tal postura A Grécia Clássica por exemplo é vista por alguns estudiosos como o momento em que a razão filosófica teria feito sua aparição pela anulação da dimensão corpórea Para outros teria sido aquela sociedade o tempo que possuiu um horizonte ainda não alcançado no que diz respeito à educação física Essa ambiguidade pode ser vista também em um período da história normalmente associado à depreciação corporal a Idade Média Le Goff e Truong 2010 ao estudarem o corpo nesse mo mento da história da humanidade fazemnos per ceber a maneira contraditória com o que o corpo era percebido E isso sem esquecermos que esta mos falando de um momento em que as questões religiosas tinham grande relevância na organiza ção da sociedade No seio dessas questões aborda das a partir de uma perspectiva cristãcatólica o corpo era tomado como fonte dos pecados contra os quais deveria lutar o devoto em seu caminho rumo à correta adoração de seu Deus Todavia mostram os historiadores não podemos tomar os discursos religiosos como as únicas fontes de com preensão de um determinado ódio ao corpo Eles nos mostram que durante toda a Idade Média ao lado de discursos e práticas que denegriam a nos sa carne havia uma vida cotidiana em que essa mesma carne era desfrutada pelos cristãos de um modo mais intenso do que aquele que presumiría mos ser se nos ativéssemos apenas aos pensamen tos que atribuíam energias pecaminosas às vonta des que surgem do corpo O mesmo pode ser dito em relação ao avanço da ciência moderna e dos desdobramentos da ciên cia anatômica A atenção dedicada ao cadáver dis secado zelosa e habilmente pelo anatomista é um indicativo de uma diminuição ou de uma elevação do lugar do corpo na vida social Tanto para os gre EDUCAÇÃO FÍSICA 75 gos quando para os modernos a resposta é ambígua Sobre a problemática do corpo no início da época moderna Herold Junior 2004 afirma Momento de liberação ou valorização Essa assertiva ser vista com suspeita permitindo verificar que nos albores da idade moderna o corpo foi alvo também de uma vigilância de um esquadrinhamento de um controle não vivenciados pelos medievos HEROLD JU NIOR 2004 p 222 A ambiguidade em relação ao corpo que leva a ava liações e considerações contrastantes a ele é uma questão que tem ocupado muitos filósofos há um bom tempo Se tenho me esforçado em demonstrar que na história do pensamento filosófico o lugar do corpo é ambíguo não podemos esquecer que con tra ele levantaramse muitas vozes ocasionando em muitas suspeitas contra o corpo Emblemático nesse sentido foi o que discutimos sobre o desen volvimento da ciência moderna Bracht 1999 nos ajudou a perceber que ênfase da nascente ciência no concreto no mensurável ela se construiu com uma desconfiança muito grande sobre aquilo que perce bemos pelo nosso corpo Essa percepção por sua vez levou a numerosas e importantes defesas sobre o papel do corpo na cons trução de todas as nossas conquistas culturais in telectuais e artísticas Nesse sentido alguns autores e ideias elaboradas no século XIX são importantes para pensarmos na existência de uma reflexão que dê ao corpo uma importância diferente daquela que é dada pelo olhar anatômico Um dos pensadores mais controversos da histó ria filosófica foi Karl Marx Entre muitas questões tocadas por sua reflexão está a valorizada feita por Marx no que tange ao trabalho Para ele era essa atividade esse fazer o ponto mais importante para entendermos muitos impasses filosóficos que há séculos incomodavam os pensadores e políticos Ao explicar a sociedade capitalista pela luta de clas ses que se desenrola no campo produtivo da riqueza necessária à sobrevivência da sociedade Marx de fende que é o trabalho o ato caracterizador da hu manidade do homem Desse ponto de vista filoso fia política artes educação momentos dedicados ao mundo das ideias são práticas sociais depen dentes da inescapável necessidade de atender ao que ele chama de primeiro ato histórico ATIVIDADE 76 Para viver precisase antes de tudo de comida bebida moradia vestimenta e algumas coisas mais O primeiro ato histórico é pois a reprodu ção dos meios para a satisfação dessas necessida des a produção da própria vida material e este é sem dúvida um ato histórico uma condição fun damental de toda a história que ainda hoje assim como há milênios tem de ser cumprida diaria mente a cada hora simplesmente para manter os homens vivos MARX ENGELS 2007 p 33 Note que há nessa reflexão construída por Marx um componente muito próximo e consequente do desenvolvimento científico moderno A saber uma tentativa de dar aos fatos e não às ideias ou ao que pensamos sobre os fatos elementos primordiais para entendermos o mundo social construído socialmen te por homens e mulheres E nesse sentido a atenção que hoje damos ao corpo é uma resultante dessa ten tativa É o que tento deixar claro quando afirmo que Os autores do Manifesto do Partido Comunis ta estão mostrando que a prática o concreto o corporal a reprodução da existência enfim to das as coisas vistas como baixas ou irrelevantes para o mundo celestial da reflexão filosófica e do pensamento em geral devem ser conside radas para explicar variadas dimensões da vida social Sem esquecer diferenças metodológicas e temáticas existentes não haveria semelhanças de grande calibre entre essas intenções do mar xismo e o esforço dos estudiosos do corpo em mostrar sua importância para vida hodierna e histórica das diferentes sociedades HEROLD JUNIOR 2009 p 219 Outra ponderação filosófica importante para pen sarmos nos lugares ocupados pelo corpo humano na história encontramos em Friedrich Nietzsche Ela borando um dos pensamentos mais inquietantes da filosofia ocidental esse filósofo colocou o corpo em um lugar central no conjunto de suas ideias Afinal ao fazer a crítica a todas as pretensões metafísicas que passaram a existir desde a antiguidade grega Nietzsche 2012 viu no conjunto dessas pretensões o ódio a que tenho me referido ao falar sobre o cor po na história Em um de seus livros mais lidos As sim falava Zaratustra há um capítulo cujo título é Dos que desprezam o corpo Nietzsche tece suas críticas à filosofia evidenciando a importância do corpo da seguinte forma Aos que desprezam o corpo quero dizer a mi nha opinião O que devem fazer não é mudar de preceito mas simplesmente despediremse do seu próprio corpo e por conseguinte fica rem mudos Eu sou corpo e alma assim fala a criança E por que se não há de falar como as crianças Mas o que está desperto e aten to diz Tudo é corpo e nada mais a alma é apenas nome de qualquer coisa do corpo O corpo é uma razão em ponto grande uma multiplicidade com um só sentido uma guer ra e uma paz um rebanho e um pastor NIET ZSCHE 2012 p 43 Tratase de uma afirmação contundente que pre tende ter o efeito de colocar em destaque algo visto EDUCAÇÃO FÍSICA 77 como habitualmente posto em segundo ou até ter ceiro lugar Entretanto essa luta entre posicionar algo em posição primária ou secundária na pior das hipóteses é um endosso daquilo que se procura esconder Por essa razão em meados do século XX Adorno e Horkheimer 1985 p 215 afirmaram Sob a história conhecida da Europa corre subter rânea uma outra história Eles diagnosticam na história da civilização o lugar dos instintos e pai xões humanas que manifestase no interesse pelo corpo que eles caracterizam pela díade amoró dio Foi essa caracterização que levou à estrutura da reflexão deste item Afinal ela tem uma impor tância inegável na hora de entendermos o corpo tanto em sua história quanto na atualidade na qual vivemos e pensamos Os dois filósofos alemães viveram em uma so ciedade em que o corpo já contava com uma gama de práticas e olhares que assumiram como necessá rios os cuidados que levaram o século XX a viven ciar uma revolução somática JENSEN 2013 Ou seja Adorno e Horkheimer conseguiram captar que na história os diferentes modos com que se pensa e se percebe o corpo são ambíguos Essa ambiguidade é também perceptível em contextos muito preocu pados com o corpo e suas práticas tal como é nosso próprio contexto Em ponderações que nos ajudam a pensar nossas atuais dificuldades de entender mos o lugar do corpo em diferentes esferas sociais Adorno e Horkheimer 1985 p 217 reconhecem Na civilização ocidental e provavelmente em toda a civilização o corpo é tabu objeto de atração e re pulsão Nessa reflexão o já mencionado interesse pelo corpo é resultado do autorebaixamento do homem ao corpus ao cadáver tornandoo obje to de dominação de matéria bruta ADORNO HORKHEIMER 1985 p 217 algo que já vimos como paralelo à ampliação da capacidade científica de entender o corpo A sociedade na qual vivemos ainda é passível de ser pensada por essa tensão entre amor e ódio no que diz respeito ao corpo Conseguiríamos depois dessas análises afirmar que a mencionada revolu ção somática na qual passamos a viver no século XX é uma expressão de interesse pelo corpo final mente liberada a atenção sempre dada a ele pelos desprezadores do corpo criticados por Nietzsche Por outro lado o cultivo do corpo tão alardeado em nosso cotidiano já não seria um indício de que passamos a vêlo como relevante para a constru ção de uma vida com mais significado Reconhecer essa ambiguidade na ausência de respostas con tundentes para ela já é um avanço Ao lidar com tal ambiguidade conhecer um pouco da história relacionada ao corpo é um dos procedimentos que nos possibilitam perspectivar uma lida mais clara com os dilemas que emanam do fato de ao mesmo tempo termos e sermos corpo ATIVIDADE 78 Depreendese da leitura dos quatro tópicos ante riores a importância que o corpo possuiu e possui em termos individuais e sociais Mesmo que em alguns momentos o corpo seja avaliado negati vamente não se colocou em questão a necessi dade de nos ocuparmos dele Aliás foi um dos pontos que recebeu maior atenção das reflexões anteriores o fato de discursos desqualificadores em relação ao corpo não significarem que ele era irrelevante para a sociedade onde esses discursos foram produzidos A julgar pelo mundo no qual vivemos pare ce ser muito distante a existência de pensamentos e práticas que busquem diminuir o valor do corpo naquilo que somos A sociedade contemporânea é reconhecida por muitos analistas como uma épo ca que dá ao corpo à sua saúde e à sua aparência uma grande atenção Le Breton 2003b reconhece que na atualidade o corpo se transformou naquilo que eram as ideias as posições políticas e filosófi cas reconhecese mais facilmente a pessoa como portadora e veiculadora de valores e signos sociais muito mais por sua composição corporal e menos sobre o que ela fala de si mesma Se você lembrar que a ciência moderna caracterizouse por separar o homem de seu corpo é inevitável a constatação de estarmos em muitos aspectos corrigindo o erro de Descartes DAMÁSIO 2012 PRAZERES E DEVERES NO CUIDADO COM O CORPO EDUCAÇÃO FÍSICA 79 Com efeito no mundo atual não apenas os remé dios os cremes as vitaminas e outros artefatos farma cológicos ou médicos estão à disposição das pessoas Há todo um conjunto de práticas terapêuticas massa gens meditações práticas corporais alternativas que buscam realizar plenamente todas as possibilidades corpóreas alcançando algo que Adorno e Horkhei mer 1985 p 218 afirmavam não ser possível Não se pode mais reconverter o corpo físico Körper no corpo vivo Leib Os dois filósofos alemães que pensavam na sociedade nas décadas de 1940 e 1950 já adiantam um impasse que nos ajuda a considerar a presença e a importância do corpo no mundo atual Ao verificarem acertadamente o peso da ciência na forma como o corpo é posto em uma espécie de pe destal nas relações cotidianas mais uma vez a tensão amoródio em relação ao corpo é perceptível e defini da por eles por uma ânsia mensuradora que seguin do os passos da ciência moderna quantifica a exis tência e o modo como experimentamos nosso corpo Ela a busca pela saúde transformou o passeio em movimento e os alimentos em calorias de maneira análoga à significação da floresta viva na língua inglesa e francesa pelo mesmo nome que significa também madeira Com as taxas de mortalidade a sociedade degrada a vida a um processo químico ADORNO HORKHEI MER 1985 p 219 Perceba que nessas críticas ao modo como o corpo vinha sendo valorizado está explícita a constatação de que a importância dada ao corpo não significa necessariamente o alcance de um estado de supera ção das históricas subjugações as quais foram postas o corpo seus movimentos e suas sensações Por outro lado a adesão das pessoas a esses cuidados eviden ciam que essas observações críticas feitas também por outros analistas depois de Adorno e Horkheimer 1985 não têm impedido que se busquem os pra zeres oriundos dos cuidados ao corpo Mesmo que eles se tornem uma espécie de dever uma obrigação gerando por sua vez muita ansiedade e frustração Uma sensação muito comum quando nos depa ramos com algumas das dificuldades que essa cen tralidade do corpo proporciona é nos esforçarmos para verificar o processo de construção do conjunto de valores conhecimentos e práticas associadas ao cuidado corporal Do que vimos até agora podese inferir a facilidade com que encontraríamos outras épocas bastante recuadas homens e mulheres bus cando meios para adequar seus corpos aos padrões de beleza reinantes no mundo em que viviam No item anterior fiz menção ao que Jensen 2013 chama de revolução somática Ele estudou especificamente a sociedade alemã nas décadas de 1920 e 1930 para perceber que em muitas dimen sões sociais daquela sociedade a valorização do corpo se devia não apenas à expansão de práticas corporais praticantes e organizações burocráticas que se organizavam como federações e assemelha dos Ele notou também o aumento da quantida de de pessoas interessadas em assistir aos variados eventos desportivos que passaram a acontecer Ou tra conclusão muito interessante do livro de Jensen 2013 foi notar que que a expansão de variadas modalidades desportivas e do público consumidor dessas práticas foi possível ao mesmo tempo em que possibilitou uma nova forma de se relacionar com o corpo Por isso ele enxerga uma revolução somática na qual ver corpos bonitos atléticos bronzeados do mesmo modo que ambicionar ter corpo com essas características impulsionou a expansão de um estilo de vida ativo ligado ao cultivo de valências físicas e da aparência corporal ATIVIDADE 80 Vale notar um impacto muito relevante propor cionado pela expansão desse olhar atento ao corpo ele foi absorvido tanto por homens quando por mu lheres Jensen 2013 nos explica que na sociedade alemã essa ascensão do corpo a um lugar de destaque subverteu alguns papéis tradicionalmente atribuídos aos homens e às mulheres Aos homens que antes se interessavam apenas pelo cultivo da força e da resis tência emblematizadas na ética guerreira agregou se a preocupação com a aparência corporal passível de ser admirada pela harmonia pelos músculos tra balhados sem menção a qualquer utilidade prática para a força conquistada em horas dedicadas ao trei namento Se a ligação masculina com a força é uma continuidade do que já existia do ponto de vista da histórica construção de gênero perceba que a inquie tação estética até então atribuída às mulheres passou a fazer parte do horizonte cotidiano dos homens Algo semelhante ocorre com as mulheres Con forme uma nova sensibilidade corporal ia sendo cons truída aumentou o número de mulheres realizando práticas corporais anteriormente assumidas apenas por homens Consequentemente a imagem de uma mulher mais musculosa mais bronzeada ativa e pre ocupada também com sua performance foi paulati namente tornandose algo menos raro de ser visto É importante não perdermos de vista que nessas trans formações que homens e mulheres iam experimen tando e realizando houve discursos que buscavam normatizar o que seria o ideal corporal para homens e mulheres Essas normativas mantiveram sua impor tância mas quando o assunto foi o usufruto que pode ser proporcionado pelo corpo esses discursos regula dores tiveram seus poderes limitados e as pessoas en contravam maneiras de apropriaremse de seus corpos com o fito de construir sua identidade E é essa a gran de questão que vai sendo colocada ao longo do século XX a identidade das pessoas vai dependendo cada vez mais daquilo que sentiam e faziam com seus corpos O mesmo processo de valorização do corpo e dos cuidados associados a ele também podem ser visto no Brasil desde as primeiras décadas do século XX Sevcenko 2012 p 576 ao estudar desdobramen tos históricos observáveis no Rio de Janeiro nos anos de 1920 observa a existência de uma nova ética do corpo em ação Chamou a atenção do historiador que uma certa propensão à atividade e à exibição do corpo tivessem passado a compor traços mais carac terísticos da sociedade carioca Entre outras razões essa visibilidade do corpo o levou a ver nos anos em questão a existência de uma capital radiante em que se inaugurava uma nova forma de vida O cuidado com corpo e a concretização dessa nova ética corporal foi muito estimulada pelas mudanças no vestuário Soares 2011 diagnosti ca o nascimento de uma nova percepção corporal pelo modo com que as pessoas passaram a valorizar determinadas roupas em detrimento de outras Im portante nesse raciocínio foi a primazia do conforto elegância e eficiência pontos que foram muito co nectados com o nascimento de um estilo desportivo de ser com roupas práticas corporais e olhares inte ressados para tudo isso Viviase anos bastante férteis na composição de uma nova sensibilidade urbana acolhedora de uma diver sidade e intensidade de práticas corporais que afirmam e confirmam outros comportamentos outros gestos em outras palavras novas manei ras de viver SOARES 2011 p 3 Nessa fertilidade de cuidados sobre o corpo e o que nele tocava o raciocínio médicohigiênico foi im portante Fundamental na realização desse raciocí nio foi a justificativa de que as roupas deveriam ser EDUCAÇÃO FÍSICA 81 mais leves deixar mais partes do corpo expostas ao sol tudo com o objetivo de aproximálo de uma na tureza afastada também pelo peso dos antigos ves tuários Nesse sentido é importante reconhecer a existência de uma educação do corpo e dos compor tamentos associado ao modo de vestirse SOARES 2011 p 22 A defesa do conforto do bemestar e da leveza ao se vestir fortalecia estimulada pela ne cessidade de dar liberdade aos movimentos deixar a pele respirar Em suma perceba que no conjunto desses posicionamentos os cuidados do corpo avo lumavamse impactando desde visões de mundo até nossos pequenos gestos do dia a dia como se vestir Vale a pena registrar que paralelamente ao surgi mento dessas inquietações concernentes à roupa houve toda um defesa da importância da água do sol da natu reza enfim assumida como fonte de saúde e bem estar corporais É das primeiras décadas do século XX o de senvolvimento do hábito de ir à praia banharse no sol curtir a areia ou seja essa ideia de comunhão com uma determinada paisagem cultural algo ainda hoje muito defendido e percebido por muitos de nós que dava seus primeiros sinais O fortalecimento dessas práticas as sociadas a novos hábitos vestimentares forjou no início do século XX a mencionada revolução somática JEN SEN 2013 também na sociedade brasileira Isso podemos constatar na forma como diversas práticas de embelezamento foram adotadas por mu lheres mas também por homens desde esse perío do SantAnna 2014 estudou a história da beleza no Brasil Tratase de uma inquietação existente em outras sociedade e outras épocas mas que ganhou intensidade incomparável no momento que estamos estudando justamente pela forma como o corpo passou a ser visto socialmente Emblemática dessa nova visão é a relevância que passou a ter o embele zamento como nos explica autora a transformação do embelezamento em gê nero de primeira necessidade marcou profun damente o século Foi quando ornamentarse deixou de ser um gesto moralmente suspeito ou típico de uma minoria mundana para se transfor mar em direito de pobres e ricos jovens e idosos Misturado ao milenar sonho de rejuvenescer o embelezamento virou uma prova de amor por si mesmo e pela vida não somente um dever mas um merecido prazer não simplesmente um tru que para ser amado mas uma técnica para se sen tir adequado limpo e decente E ainda a história do embelezamento habita zonas do imaginário ligadas à minar vontade de se livrar da doença e escapar da morte Tratase portanto de um tema revelador das maneiras de lidar com coisas con sideradas tão supérfluas quanto essenciais tanto belas quanto feias SANTANNA 2014 p 16 É imperativo atentarse para o peso de algumas pa lavras na longa citação anterior O que passou a ser o corpo a partir do século XX Um direito um amor por si mesmo um dever um merecido prazer Supérfluo Sim Mas essencial também É difícil deixar de enxergar nessa história do corpo a construção de um longo caminho que chega até nós até você e à nossa decisão de estudarmos mais detalhadamente os assuntos que nos interessam em um curso de educação física Para os senhores da Grécia e do feudalismo a relação com o corpo ainda era determinada pela habilidade e destreza pessoal como con dição da dominação O cuidado com o corpo tinha ingenuamente uma finalidade social O kalos kagathos o belo e bom só em parte era uma aparência Theodor Adorno e Max Horkheimer REFLITA 82 considerações finais Prezadoa alunoa o corpo é um dos principais objetos de análise quando pen samos em muitos aspectos da vida cultural social e política A intimidade com que nos relacionamos com o nosso próprio corpo e com o corpo dos outros coloca alguns desafios quando ambicionamos pensar esse conjunto de relações Como pensar algo tão pessoal tão íntimo de um modo a conseguir estabelecer um diálogo interessante e produtor de novos entendimen tos partilhados com vistas a esclarecer assuntos e resolver problemas que afligem uma época Dito de outro modo como é possível uma história do corpo Esse desafio não tem impedido muitos historiadores de se ocuparem da questão O empenho desses historiadores como você já sabe sustentase no fato de o corpo ser uma questão de grande importância nos dias de hoje gerando o ímpeto de pensála em outras épocas Realizar esse ímpeto ir àqueles que muito escreveram sobre muitas coisas e perceber que o corpo era uma de suas preocupações a ladear outras é um ato muito interessante para percebermos a historicidade do corpo superando a re corrente visão que o associa a uma imutável natureza Esta unidade pretende ter evidenciado alguns resultados que podemos extrair de tal reflexão As diferentes maneiras de valorizarmos ou odiarmos o corpo pensálo como inextricavelmente ligado às conquistas espirituais da humanidade ou posto como obstáculo a essas conquistas partícipe das variadas formas com que homens e mulheres entende ramse a si mesmo em outras sociedades geradora de práticas voltadas ao seu cuidado enfim estudar o corpo sob um ponto de vista histórico é um esforço relevante sobretudo para quem pretende atuar profissionalmente com aspectos pedagógicos ligados às igualmente numerosas práticas voltadas a esses cuidados É para algumas dessas práticas que voltaremos nossa atenção na próxima unidade 83 atividades de estudo 1 Relacione o desenvolvimento da ciência moderna com o modo com que o corpo passou a ser visto 2 Ao analisar a sociedade grega clássica como podemos pensar de modo relacional o nascimento da filosofia e a história do corpo 3 Qual é o incremento intelectual proporcionado pelos estudos históricos sobre o corpo 4 De que modo o interesse pelo corpo que vemos na história é marcado pela tensão entre amor e ódio como dizem Adorno e Horkheimer 1985 5 Como podemos enxergar a tensão anteriormente mencionada nos varia dos procedimentos voltados ao cuidado com o corpo 84 LEITURA COMPLEMENTAR A HISTÓRIA E OS MODELOS DE CORPO 1 As três faces do corpo Inúmeras são as maneiras de se referir ao corpo e de habitáIo inúmeras são as ma neiras de representáIo e de lhe dar forma é a dispersão desses indícios possíveis que impressiona inicialmente Um olhar mais profundo revela como a diversidade dos terri tórios do corpo é abundante no seio de cada cultura e de cada época a competência do ortopedista não é comparável à do artista do mesmo modo que a prática do esportista não é a do mímico ou do ator Mecânica energia expressão e sensibilidade se repartem numa multiplicidade de corpos cada qual em sua singularidade com seus saberes seus imaginários seus domínios até mesmo seus objetos É necessário medir essa abundân cia de referências corporais essa variedade que proíbe agrupáIas em uma mesma dis ciplina científica ou mesmo darIhes uma coerência e uma unidade a priori Podemse distinguir pelo menos três grandes faces da existência corporal todas possuem seus próprios investimentos e singularidades e é claro sua própria história A primeira é a do princípio da eficácia recursos técnicos que o corpo retira da mecânica e dos sistemas orgânicos ou seja a sua capacidade de ação sobre os objetos Podese pensar aqui nas habilidades dos trabalhadores manuais e nos procedimentos físicos quotidianos como também nos saberes e nas práticas colocadas em jogo para a manutenção do corpo o aumento de sua resistência ou de seu poder saúde higiene ou mesmo treinamentos corporais variados A segunda destas faces é a do princípio de propriedade posse pelo corpo de um espaço e nele de um território totalmente pessoal ou seja apropriação do ser no mais íntimo de si nos limites de sua dimensão biológica Imaginemse portanto as representações das fronteiras corporais daquilo que recobre o corpo as muralhas da intimidade ou ainda os lugares a partir dos quais se definem as violências e os atentados físicos Esta face mostrase de suma importância pois suas variantes históricas revelam deslocamentos de sensibilidade que se referem não somente à relação com o outro mas também para consigo mesmo A terceira face é a do princípio de identidade manifestação pelo corpo de uma interiorização ou de um pertencimento que designa o sujeito ou seja o recurso de mensagens e de trocas a partir de sinais e de expressões de natureza física Podese pensar aqui os recursos expressivos a emissão de mensagens a emergência de um sentido voluntário ou involuntário Nesta terceira face podese pen sar ainda nas manifestações de prazer e de dor reforçando a ancoragem do sujeito 85 LEITURA COMPLEMENTAR 2 O corpo e o objeto Estas três faces demonstram o quanto a história do corpo pode revelarse hetero gênea mobilizar objetos muitas vezes diferentes até mesmo inconciliáveis É mais em direção à prudência epistemológica e metodológica que ela deveria então con duzir Esta história porém poderia tornarse mais legítima ao captar um objeto com precisão objeto que outras abordagens tiveram dificuldade em apreender objeto que revela aquilo que não existiria a não ser no momento e no lugar em que é captado Mostrar por exemplo com Le Goff 1967 p 440 que a civiliza ção medieval é a civilização do gesto é abrir um campo de reflexão sem limites a respeito dos modos de sociabilidade em via de solidificação e de diferenciação assinalando ao mesmo tempo os obstáculos e as inovações que implicam o lugar ainda muito marginal da escrita é dar uma densidade inédita às modalidades in teiramente corporais dos juramentos e dos contratos das solenidades remarcáveis ou dos usos muito quotidianos é ler esta tentativa antiga de inscrever no corpo um código ainda à procura das suas transposições em signos escritos A partir deste único enunciado um espaço difuso de práticas e de gestualidades anódinas tor nase bruscamente relevante para acentuar a originalidade da sociedade da qual surgem No limite a Idade Média existe diferentemente quando se leva em con sideração estas inscrições corporais que a importância logo mais central da es crita permitirá deslocar O corpo dentro deste quadro preciso de um intercâmbio específico e relacional tornouse assim um objeto suscetível de esclarecer um mundo Abundantes são os exemplos desses objetos corporais que foram se tor nando objetos elucidativos de uma época e de uma sociedade O investimento na construção de uma história do corpo consiste tanto em recenseálos quanto em explorálos Contudo é necessário às vezes saber tornar complexas as repre sentações e desconfiar de nossos próprios esquemas representativos aqueles de homens e mulheres que pertencem à sociedade de hoje Fonte Vigarello 2003 p 2223 86 material complementar Anatomias uma história cultural do corpo humano Hugh AlderseyWilliams Editora Record Ano 2016 Sinopse a partir de exemplos tirados da literatura filosofia e his tória o autor aborda como as visões sobre o corpo humano são devedoras do tempo em que foram criadas Na segunda parte o autor estuda partes e órgãos específicos cruzando de modo esclarecedor conhecimentos oriundos da anatomia e fisiologia com os conhecimentos das ciências humanas filosofia e história Na Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos está dis ponível o acesso a muitas páginas do livro De corporis humani fabrica 1543 de Andre Vesálio 15141564 A obra é fundante no desenvolvimento do conhecimento anatômico que como vi mos marcou o nascimento de um grande interesse pelo corpo Ainda assim observe que nos desenho o corpo aparece em con texto ou seja localizado no espaço sinalizando que o processo de objetificação científica ou de isolamento da variável ainda estava em curso Acesse confira Link httpscebnlmnihgovprojttpvesaliusgalleryhtm Gattaca Ano 1997 Sinopse tratase de uma ficção científica em que o poder con trolador da ciência faz frente às fragilidades corporais humanas Essa força científica é desafiada justamente por essas fragili dades Afinal são elas que deixam entreabertas as portas para aquela sociedade se tornar mais humana 87 referências ADORNO T HORKHEIMER M Dialética do es clarecimento Rio de Janeiro Jorge Zahar 1985 BACON F Novum organum ou as verdadeiras in dicações acerca da interpretação da natureza 3 ed São Paulo Abril Cultural 1984 BRACHT V A constituição das teorias pedagógi cas da educação física Cadernos do CEDES UNI CAMP CampinasSP v 19 n 48 p 6988 1999 BRAUSTEIN F PÉPIN F O lugar do corpo na cul tura ocidental Lisboa Instituto Piaget 1999 DAMASIO A O erro de Descartes emoção razão e o cérebro humano 12 ed São Paulo Companhia das Letras 2012 DESCARTES R Discurso do Método Meditações Objeções e Respostas As Paixões da Alma Cartas 2ed São Paulo Abril Cultural 1979 HEROLD JUNIOR C Corpo educação e hominiza ção possibilidades de análise a partir do materialis mo histórico Educere et Educare Impresso Cas cavelPR v 4 n 7 p 203221 janjun 2009 Corpo pensamento educacional e práxis a teoria e a prática da Educação Física nos albores da modernidade Acta Scientiarum Human and Social Sciences MaringáPR v 26 n 2 p 221230 juldez 2004 Ombros largos x língua grande os pro jetos de educação do corpo nas transformações da antiguidade grega Publicatio UEPG Ciências Hu manas Ciências Sociais Aplicadas Linguística Le tras e Artes Impresso Ponta GrossaPR v 15 n 2 p 95103 2007 JENSEN E N Body by Weimar athletes gender and German modernity New York Oxford Univer sity Press 2013 KINGDON J Lowly origin where when and why our ancestors first stood up Oxford Princeton Uni versity Press 2003 KUPER D The chosen primate human nature and cultural diversity Harvard Harvard University Press 1996 LAQUEUR T W Inventando o sexo corpo e gêne ro dos gregos a Freud Rio de Janeiro Relume Du mará 2001 LE BRETON D Anthropologie du corps et moder nité Paris Presses Universitaires de France 2003a Adeus ao corpo CampinasSP Papirus 2003b LE GOFF J TRUONG N Uma história do corpo na Idade Média 2 ed Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2010 MARX K ENGELS F A ideologia alemã São Pau lo Boitempo 2007 NIETZSCHE F Assim falava Zaratustra Rio de Ja neiro Nova Fronteira 2012 SANTANNA D B História da beleza no Brasil São Paulo Contexto 2014 SEVCENKO N A capital irradiante técnica ritmos e ritos do Rio In Org História da vida privada no Brasil República da Belle Époque à Era do Rádio 2 ed São Paulo Companhia das Letras 2012 p 513620 SOARES C L As roupas nas práticas corporais e esportivas a educação do corpo entre o conforto a elegância e a eficiência 19201940 CampinasSP Autores Associados 2011 VIGARELLO G A história e os modelos de corpo Proposições CampinasSP v 14 n 241 p2129 maioago 2003 WILLIAMS H A Anatomias uma história cultural do corpo humano Rio de Janeiro Record 2016 88 gabarito 1 O desenvolvimento da ciência moderna pautado na primazia do méto do científico e na identificação da razão como traço distintivo do homem possibilitou que o corpo fosse tratado como máquina à semelhança dos outros animais 2 Ao romperem com as explicações míticas até então predominantes os gregos construíram uma reflexão racional que tematizou e se sustentou nos sentimentos enraizados no corpo 3 Ao estudarmos a história do corpo podemos perceber que nossa dimen são corpórea não se reduz a uma natureza anatômica mas compreende os modos como a percebemos e a pensamos Esses modos foram diferen tes em outros períodos da história Estudálos é uma maneira de entender o corpo como o percebemos hoje 4 Adorno e Horkheimer 1985 diagnosticam que na história das civilizações o corpo sempre fora uma questão Mesmo em períodos nos quais o corpo foi cuidado com grande atenção é possível verificar o incômodo gerado pelo corpo que sempre fragiliza nossa intenção de controlálo racional mente 5 Se tomarmos o século XX como exemplo o lugar central ocupado pelo cor po e seu cuidado sinaliza uma tentativa mais intensa de controlar as vonta des e sentimentos que emanam do corpo Se isso foi um elemento impor tante para uma fruição não existente em outros momentos também se experimenta um certo malestar gerado pelo controle sobre o corpo que se amplia na mesma proporção de novas técnicas produtos e prescrições UNIDADE III Professor Dr Carlos Herold Junior Plano de Estudo A seguir apresentamse os tópicos que você estudará nesta unidade As muitas práticas corporais A ginástica Os jogos O esporte As lutas e as artes marciais Objetivos de Aprendizagem Refletir historicamente sobre a grande variedade de práticas corporais Avaliar questões históricas em torno do desenvolvimento da ginástica Pensar na importância do lúdico na história da sociedade contemporânea Entender a historicidade da importância do fenômeno desportivo Abordar problemáticas relativas à formação das lutas e artes marciais OLHANDO HISTORICAMENTE AS PRÁTICAS CORPORAIS unidade III INTRODUÇÃO N a trajetória até aqui percorrida você percebeu caroa alu noa em primeiro lugar que o conhecimento histórico tem uma relação muito próxima com a realidade atual Essa constatação foi evidenciada em sua importância pois ela si naliza que os esforços analíticos dos historiadores da educação física não são empreitadas de quem não está disposto a resolver os muitos problemas imediatos que nos afligem Ficou explícito que o contrário é o correto a nossa área enveredou pelo caminho das abordagens históricas devido às urgências que passaram a incomodar os professores de educação lá no iní cio da década de 1980 e que de algum modo ainda são nossos incômodos No segundo passo que juntos demos na ampliação de nosso olhar histórico para as problemáticas profissionais da educação física colocou se em destaque que o corpo humano também existe e existiu historica mente Pensamos nos modos como essa mesma natureza e as percepções em relação a ela vão se transformando com o passar do tempo Nessa ótica até a tão comum oposição entre pensamento e corpo pode ser pro blematizada Vêse o valor da história para nos ajudar a entender que tra ços aparentemente óbvios da vida individual e social nem sempre foram assim considerados Também no segundo passo coisas que atribuímos como traços do presente foram evidenciadas como igualmente perten centes a outras épocas Viver corporalmente é algo que nos acompanha há mais de um século Sabendo que boa parte da atuação profissional e pedagógica em edu cação física ocorre em torno da ação pedagógico com esportes exercí cios ginásticas lutas jogos e dança é oportuno voltarmos nossa atenção a essas práticas Com isso a pretensão é entendermos como tais práticas passaram a existir e contaram com o empenho de muitas pessoas em praticálas e de outras tantas em ensinálas e divulgálas por conta de variados benefícios a serem conquistados por meio delas Bons estudos ATIVIDADE 94 A ntes de considerarmos a história de práticas corporais abordadas pelo tra balho profissional e pedagógico em educação física é necessário termos alguma clareza sobre o assunto Além disso é im portante sabermos aquilo que não será abordado nesse estudo Desse ponto de vista um esforço mui to recorrente nos empreendimentos científicos de forma geral e naqueles que são feitos no campo da história e da história da educação física é estabelecer limites os mais definidos possíveis entre aquilo que compõe o nosso assunto e aquilo que fica de fora ou que extrapola o alcance da nossa atenção AS MUITAS PRÁTICAS CORPORAIS Interessante verificar que esse esforço em saber aquilo que nos interessa em termos históricos tem uma relação muito próxima com conhecer os nossos interesses no mundo atual Você se lembra que esse foi um ponto muito enfatizado na primeira unidade pensar historicamente só é possível por pensarmos o mundo no qual vivemos Essa ênfase será útil a você na análise que proponho logo a seguir Para iniciar o estudo de uma história das práticas corporais pro ponho uma questão dentre as muitas práticas cor porais existentes o que explica que algumas sejam estudadas em um livro sobre história da educação física e outras não EDUCAÇÃO FÍSICA 95 A questão é aparentemente ingênua mas tem sua importância Sobretudo se você considerar que na unidade anterior estudamos que os próprios en tendimentos sobre o que é corpo o que é pensa mento a relação entre eles mudam com o passar do tempo O mesmo ocorre com os cuidados que devotamos ao corpo com as práticas que adotamos para moldálo a determinados projetos sociais cul turais e religioso enfim a natureza corpórea tem sua história marcada por uma tensão entre mudan ça e permanência Mudanças e permanências rela tivas aos modos como aquilo que fazemos com os nossos corpos é visto e avaliado de modos discre pantes em um mesmo período histórico Como re sultado ambicionar estudar a história da educação física elegendo conhecer historicamente as práticas corporais deixa de ser algo óbvio E deixou de ser óbvio porque a complexidade da questão foi perce bida por professores que têm buscado pensála na atualidade Vamos estudar um pouco dessas tenta tivas de estabelecer limites Em um processo que será estudado em outros momentos do curso a partir de 1980 muitos pro fessores de educação física passaram a se debater para definir as razões que justificavam sua presen ça na escola A intensidade dos questionamentos foi tanta que acabou recebendo a denominação de crise da educação física um modo de se referir à constatação de que não havia muito acordo sobre o que seria o assunto a ser abordado pelos profes sores de educação física na escola A resposta até então aceita sem maiores problemas o esporte passou a não mais contar com a unanimidade que possuía Argumentavase que essa ênfase esportiva era sentida em outros lugares da sociedade e que na escola a presença dessa prática corporal não de veria se dar sem questionamentos Nessa reflexão Bracht 1992 constatou que a educação física não possuía autonomia pedagógica afinal o professor de educação física tinha seus saberes códigos e procedimentos ditados pelas instituições despor tivas e não pela pedagogia pela didática pela edu cação em suma Somandose ao empenho dos professores em fazerem frente a essa situação delimitar o conheci mento caracterizador da relevância pedagógica da educação física aglutinou energias Um dos resul tados mais visíveis desses esforços foi pensar esses limites em torno do passou a ser conhecido como cultura corporal Tendo como fonte as práticas produzidas socialmente nessa óptica defendiase a existência de uma seleção de conteúdos da educa ção física SOARES 1992 p 63 Resultante da se leção é a cultura corporal que ao ser composta por esportes jogos ginásticas danças e lutas teria a pretensão de possibilitar ao aluno da escola pública entender a realidade social interpretan doa e explicandoa a partir dos seus interes ses de classe social Isso quer dizer que cabe à escola promover a apreensão da prática social SOARES 1992 p 63 Nessa discussão é importante ser percebido que ao tentarem encontrar justificativas pedagógicas para a presença da educação física na escola os espor tes jogos ginásticas danças e lutas passaram a ser considerados práticas sociais expressão corporal como linguagem SOARES 1992 p 62 A grande questão dessa luta para se definir o conteúdo a ser abordado pelos professores de edu cação física mais uma vez davase na tentativa de superar o paradigma biológico anatômico fisioló ATIVIDADE 96 gico e reduzido à técnica desportiva Já ficou claro que é difícil essa tensão não ser mencionada nas dis cussões sobre a história da educação física Aliás foi a explicitação desse embate que levou ao estímulo para pesquisála historicamente enxergandoa em realidades que não apenas a nossa De qualquer maneira essa busca conceitual em relação ao ser da educação física se mostrou como um luta política e epistemológica relacionada aos modos como entendemos e ensinamos assuntos concernentes ao corpo ao movimento corporal existente em alguns contextos Digo em alguns contextos pois nem todos os movimentos corporais foram assumidos como interessantes ou abordáveis pelos professores de educação física No ano de 2002 aconteceu na cidade de Na tal o I Colóquio Brasileiro sobre Epistemologia e Educação Física Ao lado de ser um evento importante por evidenciar a forma como as dis cussões filosóficas também são empreendidas no campo da educação física dele resultou um livro intitulado Epistemologia saberes e práticas da educação NOBREGA 2006 Obviamente um debate muito recorrente no evento foi a relação entre os saberes das ciências de matriz biológica e os saberes das ciências de cunho humanístico histórico e filosófico E muito dependente desse debate dois capítulos do livro versam sobre as dificuldades em determinar o objeto de conhe cimento da educação física Um deles intitulase Educação Física e critérios de organização do conhecimento MELO 2006 Depois de per guntarse Corporeidade cultura corporal cul tura de movimento ou cultura corporal de movi mento MELO 2006 p 107 o autor endossa a problemática que tenho tratado neste item escre vendo o seguinte Observamos que nas últimas décadas a Educa ção Física tem sido alvo de reflexões filosóficas pedagógicas sociológicas conceituais entre outras que têm proporcionado grandes avan ços no sentido de delinear novas intervenções pedagógicas bem como no fato de situálas como área acadêmica a partir de definições de seu objeto de estudo MELO 2006 p 107 Chamo sua atenção para palavras importantes na citação como delinear novas intervenções peda gógicas e também situálas como área acadêmica Elas evidenciam que socializar conhecimento na es cola e produzir conhecimento na universidade são processos diferentes porém interligados Para Melo 2006 a clareza dessa ligação a ser providenciada pelas reflexões filosóficas pedagógicas sociológicas e históricas é fundamental para as definições relati vas ao objeto estudo perseguido pela pergunta ela borada por ele apresentada imediatamente anterior Bracht 2006 também toma a mesma pergunta como trampolim de suas reflexões Para o autor o esforço a ser executado sobre a questão é romper os limites da conotação biológiconaturalista enxer gando a educação física em sua necessária vincula ção com a cultura BRACHT 2006 p 97 Por essa razão continua o autor a melhor forma de nominar e caracterizar o objeto dessa prática social que vimos chaman do de Educação Física é tomála como uma forma de intervenção pedagógica a partir e com diferentes práticas corporais de movimen to BRACHT 2006 p 97 Sabendo que o termo práticas corporais de movi mento ainda deixaria espaços para ambiguidades Bracht 2006 p 98 esclarece que se tratam de práti cas realizadas no mundo do não trabalho excluin EDUCAÇÃO FÍSICA 97 do portanto aquelas ligadas diretamente ao traba lho e à reprodução O que está em jogo nessa construção político conceitual é de um lado ampliar o entendimento de prática corpo e práticas corporais englobando dimensões sociais culturais e históricas Interes sante que depois de ampliar esse entendimento o resultado é especificar limitar deixar de fora prá ticas corporais de movimento que não seriam utilizadas na intervenção pedagógica em educa ção física Silva e Damiani 2005 ao tomarem as práticas corporais como um item de pesquisa e de intervenção e demonstrarem sua preferência por conceituar o conteúdo da educação física como prática corporal em detrimento à atividade fí sica também demonstram o peso desse processo duplo de ampliaçãodelimitação do entendimento para pensarmos o fazer pedagógico dos profes sores de educação física Ao colocarem suas ex pectativas formativas as autoras proporcionam condições interessantes para que possamos pro ceder à análise histórica de práticas que em di ferentes épocas mesmo sem total consciência de seus participantes e divulgadores geraram uma experiência educativa Essa experiência é tomada como característica das práticas corporais a serem estudadas nos próximos itens pois elas de algum modo realizariam mais intensamente perspecti vas educacionais valiosas para a sociedade Esse valor se concretizaria na possibilidade dessas prá ticas de fomentarem significados mais legítimos na vida de quem as executa por meio do desenvol vimento de uma necessária percepção da alterida de daqueles com quem se divide de muitas for mas os tempos e os espaços durante a execução dessas mesmas práticas Dito de outro modo as práticas corporais entendidas seriam meios im prescindíveis para nos aproximarmos ao mesmo tempo dos outros e de nós mesmos Ao estudar as práticas corporais que propo mos nos próximos itens concretizamos na abor dagem histórica inquietações que levam profes sores contemporâneos a olharem para a prática social e caracterizarem a cultura corporal de movimento como uma cultura formada por gi nástica esporte jogos lutas e dança É com essa compreensão que entre as muitas práticas cor porais priorizamos os elementos anteriores fo calizandoos como práticas sociais como agluti nadoras de avaliações percepções e perspectivas educacionais existentes em diferentes épocas Ao focarmos essas avaliações percepções e perspectivas pretendese romper com um procedimento analítico muito comum quando se fala em história das práticas anteriormente listadas não serão o foco do estudo o nome de atletas a mudança de uma técnica esportiva a outra ou listagem de competições e resulta dos obtidos pelo Brasil Enfim ao tomarmos a ginástica o esporte a luta a dança e os jo gos como objetos de análise histórica conside randoos como práticas corporais o objetivo é proporcionar condições para se entender o modo como essas práticas foram ganhando a importância que hoje possuem na vida de mui tas pessoas no valor econômico e cultural que em torno delas se avolumam e sobretudo en tender a maneira como a prática de cada uma delas em diferentes épocas veiculou valores e projetos sociopolíticos que foram importantes à construção das sociedades nas quais existi ram bem como são importantes para a exis tência de possibilidades pedagógicas para a educação física na escola A GINÁSTICA EDUCAÇÃO FÍSICA 99 É compreensível que muitos procurem os cursos de educação física visando se capacitarem para trabalharem nas academias de ginástica Afinal em um passeio pelo centro e pelos subúrbios das cidades grandes médias e pequenas é muito di fícil não passarmos em frente de uma O mais co mum é vermos várias As modalidades de ginástica que nelas encon tramos são variadas Com música apenas com apa relhos com pesos mais agitadas mais tranquilas a expansão de academias de ginástica evidenciam o modo como o exercitar o corpo separando al ternadamente as partes exercitadas ganhou uma imensa popularidade Ou seja a adesão à essas práticas denota parcializar o trabalho muscular as valências físicas a serem trabalhadas enfim pensar o corpo como se ele fosse uma máquina é uma es pécie de sabedoria que paira o dia a dia das aca dêmicas Com isso não estou secundarizando que muita desinformação incorreção abuso de drogas e outras coisas vis não sejam feitas em nome do corpo perfeito Mas como vimos na unidade anterior esse culto ao corpo que acontece nesses templos busca concretizar o olhar esquadrinhador e parcializador da ciência em relação ao corpo humano Nesse sen tido tanto as ginásticas que vemos hoje existirem nas academias quanto as variadas modalidades es portivas ginásticas são práticas que exemplificam de modo muito claro a maneira como o olhar cien tífico em relação ao corpo tem uma importância muito grande no mundo atual Entretanto essa quase obviedade nem sempre foi assim percebida Ela foi construída em um processo bastante interessante de ser estudado Afinal ao nos debruçarmos nesse estudo mais uma vez temos a possibilidade de perceber um fato corriqueiro em sua complexidade enxergando nos automatismos que simbolizam sua importância o resultado de um movimento histórico que evidenciou a importância do corpo das práticas corporais e da reflexão sobre elas para a sociedade Há algumas páginas você verificou como o nascimento do mundo moderno em que a ciência floresceu como forma de conhecimento e o capita lismo como modo de produção implicou um novo olhar para o corpo Estudamos que esse novo olhar sobre o corpo não foi um elemento isolado ou se cundário ao nascimento de uma sociedade que fazia frente ao dogmatismo da sociedade feudal Tratavase de uma verdadeira revolução social em que novos entendimentos sobre sociedade os seres humanos as instituições e sobre o corpo estavam nascendo Esse processo foi descrito como mani festo no desenvolvimento da prática anatômica elemento central e ao mesmo tempo resultante do método científico Interessante verificar que foi muito relevante nessa colocação do corpo humano como um dos pontos de apoio da transformação que acontecia um olhar atento à forma como os gregos da épo ca clássica concebiam a dimensão corpórea do ho mem Eram comuns os escritores dos séculos XVI XVIII e XVIII defenderem o valor do corpo em vá rias dimensões da vida societária justificando que essa importância era reconhecida pelos gregos É no nascimento do mundo moderno que educação física se torna uma expressão a ganhar cada vez mais notoriedade Para citar um exemplo um fi lósofo tão importante no mundo moderno como John Locke 16321704 ao escrever uma obra chamada Alguns pensamentos sobre a educação 1693 2012 inicia sua reflexão falando sobre a saúde em parágrafos onde as referências ao mundo grego são frequentes ATIVIDADE 100 O termo ginástica vem de um verbo grego que diferentemente do que aconteceu no mundo mo derno e do que acontece ainda hoje não significa modalidade ou modalidades O verbo em ques tão significava algo mais próximo de treinamento preparação para um esforço Preparação essa feita com o corpo nu gymnos Essa transformação con ceitual aparentemente sem importância diz muito da força da ginástica do mundo atual do mesmo modo que nos ajuda a pensar na grande distância entre o mundo moderno e o mundo grego no que tange ao corpo Em primeiro lugar é preciso enfatizar que o termo educação física não existia na língua grega A palavra grega para corpo é soma o que deveria levar esse olhar ao mundo grego por parte dos mo dernos mais proximamente a uma educação so mática Physis de onde veio a conotação moderna de educação física como nos ensina Silva 2001 p 28 para os gregos significava uma identida de uma irmandade entre todos seres para quem a vida em comunidade era fundamental Para ci mentar essa afinidade comunitária política e ética à physis o treinamento feito com o corpo nu era fundamental É com tal perspectiva que é necessário perceber o incentivo à ginástica pois a prática corporal nunca é realizada apenas com a finalidade de fortalecer o corpo e não aparece em separado da música assim como da filosofia e da política SILVA 2001 p 30 Muito diferente é a situação do mundo moderno e da sua educação física Silva 2001 p 30 pondera É necessário diferenciar esta concepção ontológica clássica daquele dualismo que se verá explicitar em Descartes e que caracteriza o olhar científico que vê no corpo algo a ser escrutinado pelo espírito pelo olhar científico Olhar esse que será fundamental no isolamento de variáveis como o bom funciona mento da máquina do organismo assumidos como importantes para a sociedade e para os indivíduos mas tomados como diferentes e não constituintes da razão humana que constrói a vida em sociedade a linguagem as artes etc É essa forma de entender o corpo que será fun damental na criação da ginástica tal como se passou a entendêla a partir do século XVIII Se essa visão cientificista foi ganhando força a partir do século XVI é importante não desconsiderar que ela não foi se impondo de forma tranquila ou sem enfrentar resistências Afinal o desencantamento do mundo foi um processo lento difícil e que implicava na re construção de olhares algo dificilmente executável no espaço temporal de poucas gerações Isso é parti cularmente verdadeiro no que diz respeito ao modo como as pessoas percebiam seus corpos e as ativida des que com ele faziam A ambição civilizatória que vai sendo fortaleci da com a expansão desse olhar científico em relação ao corpo é instrumentalizálo conhecendoo cada vez mais eliminando qualquer prática ou qualquer representação que impedisse a maximização de suas forças Soares 2002 define de um modo bastante claro o perfil do mundo que estava se descortinando na modernidade Para o ideário burguês que se desejou universal tudo teria utilidade nada podia ou devia ser desinteressado e a finalidade suprema das ações se concentrava no lucro Até nas exercitações físicas descobriuse um valor que se relaciona va com a produção quer na indústria quer na quantidade de filhos para servir ao capital e à pátria SOARES 2002 p 58 EDUCAÇÃO FÍSICA 101 Enquadrar os ritmos existências na forma de vida urbana e industrial encontrou resistência Do pon to de vista corporal fizeram frente à disciplina necessária para a instauração desse novo mundo hábitos e práticas que iam de encontro à serieda de e ao cálculo os quais eram submetidos ao coti diano dos séculos XVII e XVIII Soares 2002 ao pensar no desenvolvimento da nova ética corporal baseada na ciência verifica que qualquer prática marcada pelo lúdico pela inutilidade pela alegria e pelo excesso contrariava o olhar burguês que se lançava sobre o corpo O que estava em jogo era a possibilidade de adequar as práticas corporais ao ideal utilitário que se fortalecia A desqualificação de práticas circenses e acrobáticas operouse na consideração dessas práticas expurgandoas por meio da ciência de tudo o que pudesse compro meter a civilização que se colocava Ora aquela agilidade demonstrada pelos acro batas e funâmbulos haveria de ser útil Era preciso pensála fora daquele universo que ao olhar burguês se mostrava desregrado ocioso e quase imoral em que nascera Os acrobatas e funâmbulos eram a má consciência o irracio nal dos círculos científicos que elegiam a gi nástica científica como prática corporal capaz de contribuir na formação do corpo civilizado SOARES 2002 p 59 A importância da ginástica justificase pela possibi lidade de ser tomada como prática corporal guiada pela racionalidade da ciência Foi a ginástica que durante os séculos XVIII e XIX concretizou a con sideração científica sustentada na dicotomia entre res pensante e res extensa Foi a ginástica a prática que inaugura no mundo moderno a possibilidade de uma educação do físico distante da educação somática que existiu na Grécia e foi superada pela expansão da ciência Foi esta com suas medidas a determinar intensidades ritmos e amplitudes que sustentou a expansão das diferentes escolas ginásti cas que surgem Ciência e técnica como formas específicas de saber determinarão os ângulos corretos de cada alavanca que possui o corpo visto como máquina indicarão o quanto de força é pre ciso imprimir para um impulso e um salto quais as partes do corpo totalmente esqua drinhado são mais resistentes As atividades corporais então paulatinamente são classi ficadas analisadas e meticulosamente rede senhadas pelas mãos dos homens de ciência SOARES 2002 p 59 Langlade e Langlade 1970 nos ajudam a en xergar o modo como esse esquadrinhamento do corpo que está na gênese e no desenvolvimento da ginástica manifestouse em diferentes escolas de ginástica Elas passaram a ganhar notoriedade a partir do final do século XVIII dando existên cia ao movimento ginástico europeu Eles falam em escola alemã escola sueca e escola francesa como as mais representativas aquelas que aglu tinaram professores e participantes em torno de uma prática corporal que foi certamente uma das responsáveis por muito do que hoje vemos sobre a atenção que se dá ao corpo em diferentes aspectos da vida social ATIVIDADE 102 OS JOGOS Do mesmo modo como ocorreu com as outras prá ticas corporais estudadas neste livro ao se apresen tar uma abordagem histórica dos jogos serão busca dos modos variados de conceber ou entender o que eram os jogos e a importância que eles tinham em outros períodos da história Não seria possível neste livro estudarmos a história dos diferentes objetos e das muitas práticas caracterizadas como lúdicas Diferentemente do que acontece com termos tais como esporte lutas ou ginástica quando estu damos o jogo devemos especificar aquilo de que precisamente se trata ou alternativamente devemos reconhecer a variedade de coisas que podem ser abordadas pelo tal termo Tanto um caminho como o outro apresenta possibilidades e dificuldades No campo da educação física escolar uma das obras que mais impactaram a consideração dos jo gos como importantes a esse componente curricular foi o livro Educação de Corpo Inteiro publicado por João Batista Freire em 1994 Ele inicia o item EDUCAÇÃO FÍSICA 103 quatro da obra afirmando Existe muita confusão a respeito dos termos brinquedo brincadeira jogo e esporte As definições dessas palavras em nossa lín gua pouco as diferenciam FREIRE 1994 p 116 Com efeito você se lembra de que uma das imagens por mim usadas pela introduzir o conteúdo deste li vro foi a narração de acadêmicos jogando Naquela acepção jogo confundese com a situação com petitiva gerada pela disputa em uma modalidade desportiva Todavia como nos esclarece Kishimoto 2015 para pensarmos na importância do jogo na história da infância e da educação é necessário sa bermos que há diferenças entre brinquedo jogo e brincadeira Em primeiro lugar devemos manter à nossa frente a pluralidade de fatos que podem ser deno minados de jogos ou estarem ao termo relacionados Denominamse jogos situações como dis putar uma partida de xadrez um gato que empurra uma bola de lã um tabuleiro com piões e uma criança que brinca com boneca Na partida de xadrez há regras externas que orientam as ações de cada jogador tais ações dependem também da estratégia do adver sário Entretanto nunca se tem a certeza do lance que será dado em cada passo do jogo Esse tipo de jogo serve para entreter amigos em momentos de lazer situação na qual pre domina o prazer a vontade de cada um parti cipar livremente da partida Em disputa entre profissionais dois parceiros não jogam pelo prazer ou pela vontade de fazer mas são obri gados por circunstâncias como o trabalho ou a competição esportiva Nesse caso podese chamalo de jogo KISHIMOTO 2015 p 1 Para deixar a situação ainda mais complexa e passí vel de uma reflexão cuidadosa é que aos confusos limites entre atividades levando ao emprego de um mesmo termo para diferentes práticas ou o empre go de um termo a muitas práticas há a questão de saber a quem ou a qual faixa etária identificamos a existência do jogo Voltando ainda mais uma vez à imagem dos acadêmicos de educação física que jogam é fundamental não esquecermos que essa tradicional imagem publicitária associada aos cur sos de educação física em alguns momentos causa algum incômodo essas imagens deixam transpare cer que no curso não se estuda não se trabalha não se faz coisas sérias apenas brincamos passamos o tempo Nesse olhar esses acadêmicos seriam menos qualificados que os acadêmicos dos outros cursos pois aqui ainda estaríamos a fazer coisas que fazía mos quando éramos crianças em uma imagem que atribui uma caráter pueril ou seja fácil descompro missado light aos cursos de educação física Nesse ponto algumas reflexões de característica histórica podem nos ajudar a pensar nessa situação de uma forma mais complexa Em primeiro lugar essa desconsideração em relação ao lúdico é deve dora de uma tradição social que se construiu base ada na valorização do pragmático e do cálculo em que homens e mulheres são vistos como caracteri zados pela razão pelo trabalho e pelo pensamento abstrato De algum modo você já acompanhou o processo de construção dessa sociedade quando foi abordado o desenvolvimento da ciência e o im pacto que ela teve nas formas como a sociedade passou a pensar em si mesma e também na natu reza Por outro lado o século XX em seus desdo bramentos históricos nazismos bombas atômicas problemas ecológicos terrorismo evidencia que a avaliação racionalizante das capacidades humanas não encontra respaldo na realidade passível de ser observada na história daquilo que Eric Hobsbawn 1998 chamou de longo século XX ATIVIDADE 104 Em segundo lugar há todo um conjunto de análises culturais históricas e filosóficas que bus cam evidenciar o lugar da dimensão lúdica do jogo na construção dos laços sociais que em últi ma instância dão existência à vida em sociedade Nesse sentido bastante eloquente é o livro de Johan Huizinga 18721945 Homo ludens HUIZIN GA 2010 publicado em 1936 Já no início do seu prefácio podemos ler Em época mais otimista que a atual nossa es pécie recebeu a designação de homo sapiens Com o passar do tempo acabamos por com preender que afinal de contas não somos tão racionais quanto a ingenuidade e o culto da razão do século XVIII nos fizeram supor e passou a ser de moda designar nossa espécie como homo faber Embora faber não seja uma definição do ser humano tão adequada como sapiens ela é contudo ainda menos apropria da que esta visto poder servir para designar grande número de animais Mas existe uma terceira função que é verificada tanto na vida humana como na animal e é tão importante como o raciocínio e o fabrico de objetos o jogo Creio que depois de homo faber e talvez ao mesmo nível do homo sapiens a expressão homo ludens merece um lugar em nossa no menclatura HUIZINGA 2010 p 1 Peço que você dê mais um pouco de atenção a esse ponto o livro do qual a passagem foi retirada foi es crito no final da década de 1930 um dos momentos mais dramáticos da história humana que desem bocou na morte de milhões de pessoas Huizinga 2010 enxerga no jogo na dimensão lúdica das re lações o traço mais marcante da humanidade mais que pensar lembremos da ciência e da filosofia mais que fazer lembremos do trabalho da grande indústria e economia que se internacionalizava é pelo jogo que a civilização surge e se desenvolve HUIZINGA 2010 p 1 Como podemos caracteri zar esse elemento tão importante Kishimoto 2015 ao estudar o pensamento de Huizinga 2010 define o jogo da seguinte maneira o prazer demonstrado pelo jogador o ca ráter nãosério da ação a liberdade do jogo e sua separação dos fenômenos do cotidiano a existência de regras o caráter fictício ou repre sentativo e a limitação do jogo no tempo e no espaço KISHIMOTO 2015 p 4 Essas considerações nos ajudam a pensar a impor tância do jogo enquanto um artefato educacional Embora não se deva perder de vista que o brin quedo tem sempre como referência a criança e não se confunde com a miríade de significado que o termo jogo assume KISHIMOTO 2015 p 8 é possível verificar que a crescente importância do jogo no meio educacional se deu pelo surgimento da noção de infância e pela valorização das práti cas corporais como elementos educacionais Nes se particular não é irrelevante o fato de em mui EDUCAÇÃO FÍSICA 105 tas línguas inglesa francesa e alemãtalvez haja outras o verbo para brincar e jogar ser o mesmo play jouer spielen Se voltarmos os olhos para o nascimento da so ciedade moderna nos séculos XV XVI e XVII no tamos que o prazer do jogador passou a ser algo a ser gerado pelos professores no momento de realizar seus ensinamentos Para termos um exemplo ilus trativo desse elogio do prazer no momento em que se ensinaaprende voltemos os olhos para Coménio 15921670 considerado o pai da didática que em 1638 escreveu o seguinte O processo seguro e excelente de instituir em todas as comunidades de qualquer reino cris tão cidades e aldeias escolas tais que toda a juventude de um e de outro sexo sem excetu ar ninguém em arte alguma possa ser forma da nos estudos educadas nos bons costumes impregnada de piedade e desta maneira possa ser nos anos da puberdade instruída em tudo o que diz respeito à vida presente e à futura com economia de tempo e de fadiga com agrado e com solidez COMÉNIO 1985 p 43 Compreendese desse modo que a ideia de ensi nar com agrado esteve relacionada ao fato de se defender que os professores guiados por uma di dática deveriam ensinar o que desejassem captan do uma determinada natureza infantil que passava a ser avaliada fundamental à educação e inextri cavelmente ligada ao prazer ao jogo e ao corpo Elogios à liberdade de brincar aos folguedos in fantis marcaram muitos pensadores que tentaram dar à educação uma característica mais moderna tentativa essa que culminou na obra Emílio ou da Educação de JeanJacques Rousseau 1992 pu blicada em 1758 Lembrese que é no século XVIII que a ginás tica ganhou espaço pela racionalização da movi mentação corporal Apesar de toda importância que essa racionalização angariou no século XIX a ela foram feitas muitas críticas principalmente quando aplicada às crianças Nos livros de história são comuns fotos de crianças enfileiradas fazendo movimento sincronizados com expressões sérias compenetradas Mesmo com todas as tentativas de divulgar os ambientes educacionais como organi zados essas fotos evidenciam todo um trabalho pedagógico de docilização das crianças Postura avaliada como educativa por parte de alguns peda gogos Mas na virada do século XX muitas críticas à ginástica e ao seu caráter demasiadamente siste mático foram se avolumando até o momento em que estudiosos passaram a endossar o valor de re conhecer nos espaços educacionais as brincadeiras infantis do mesmo modo que o esporte tanto um quanto o outro carregados de ludicidade já vista como extremamente valiosa na realização de proje tos educacionais São essas algumas das razões que nos fazem verificar a posição ocupada pelos jogos no campo da educação física ATIVIDADE 106 O ESPORTE Abordar historicamente o esporte é uma oportuni dade interessante para verificarmos a maneira como a validade da história no incremento de nossa capa cidade de pensar o que nos interessa hoje reside na possibilidade de ela nos fazer estranhar algo com o qual estamos inegavelmente acostumados A presença do esporte em nossa sociedade nos dias de hoje é algo facilmente perceptível Pensemos na importância que possuem os eventos desportivos Essa importância tem várias faces que nos fazem en xergar no esporte um elemento incontornável para entendermos o mundo contemporâneo Vigarello 2002 diz que o esporte incarna caricaturalmen te a imagem do tempo atual Por esse motivo mais que qualquer outra prática o esporte revela nossas sociedades VIGARELLO 2002 p 10 O fascínio gerado por eventos como a Copa do Mundo de Futebol ou os Jogos Olímpicos eviden ciam que essa prática corporal consegue mobilizar pessoas do mundo inteiro tocando países possui dores de variadas estruturas sociais e culturais So ares e Vaz 2009 advertem que a importância des ses eventos manifestase no empenho dos países em participarem ou sediarem essas competições Ao lado da corrupção gerada nas votações em que se escolhem as cidadessede os autores sublinham uma espécie de mercado internacional de atletas de alto nível em que atletas são naturalizados em outra nacionalidade para viabializar a participação desses países nos jogos Os autores citam o exemplo de jogadores de vôlei de praia brasileiros que se tornaram cidadãos da Geórgia para disputarem os jogos por lá mesmo sem nunca terem ido ao país que representavam SOARES VAZ 2009 p 482 Tenistas chineses corredores quenianos e jogado res de futebol brasileiros são outros exemplos que nos permitem perceber a maneira como a partici pação desses eventos é importantes O curioso nes se processo é o caráter globalizado desse mercado servindo para fortalecer o sentimento nacional dos países que buscam esses novos cidadãos Soares e Vaz 2009 mostram que as instâncias organiza cionais desses eventos têm alguma consciência da importância do esporte no fomento de sentimen EDUCAÇÃO FÍSICA 107 tos nacionalistas sendo esses sentimentos um dos estímulos à globalização do esporte por sua vez Com efeito quando assistimos às disputas é muito difícil dissociarmos a paixão que se sente do país que é representado pelo atleta em ação Se a importância do esporte enquanto um ele mento forjador de pertencimentos nacionais não é menosprezado a importância econômica dessa prá tica transcende os contratos estabelecidos entre pa íses e atletas que são escolhidos para participarem do jogos Refirome ao mundo econômico que se desenvolve em torno das competições Esse universo econômico pode ser vislumbrado fa cilmente no fato de a produção e comercialização de roupas equipamentos alimentos e uma quase infinida de de bens consumidos terem como apelo um certo esti lo esportivo É fácil notar a visibilidade que possuem as diferentes marcas de produtos esportivos que disputam entre si o gigantesco mercado que se constrói em torno da performance dos atletas Esses transformamse em agentes publicitários de camisetas calçados agasalhos vitaminas aparelhos eletrônicos produtos de beleza gerando uma riqueza que não era existente até o fim do século XIX O século XX testemunhou o surgimen to de um grande mercado proporcionado pela atração que o esporte fomentou em escala planetária Outro modo de enxergamos o quão valioso é o esporte é a relação que se estabelece entre os eventos desportivos e sua transmissão Em primeiro lugar devemos perceber o papel que os avanços tecnológi cos tiveram na popularização do esporte que em sua configuração moderna já nasceu em um momento capaz de capturar imagens e veiculálas Um exemplo muito ilustrativo desse fato é a importância de Olym pia filme dirigido por Leni Riefensthal em 1936 e en comendado por Hitler Ao assistirmos ao filme ficam evidenciados muitos dos enquadramentos que ainda hoje são utilizados pela transmissão de imagens de jo gos e competições criando um cânone estético que indubitavelmente foi fundamental para que o esporte se tornasse o que é Por conta de tudo isso um dos momentos mais importantes dos megaeventos é o di reito de imagem o direito de transmitir as contendas e analisálas nos programas esportivos por meio de re petições em diferentes velocidades dos lances e joga das mais importantes para o resultado que se obteve Soares e Vaz 2009 sintetizam o processo que analisei anteriormente em um questionamento que evidencia o lugar do esporte na sociedade contemporânea A estrutura tecnológica satélite internet trans portes aéreos etc possibilitou novas compres sões de tempo e espaço formando novas estru turas de relações virtuais e desterritorializadas que por sua vez configuram novas subjetivida des em nosso tempo Nessa direção o esporte moderno ou qualquer outro bem simbólico não poderia deixar de ser afetado por esse processo Partindo desse princípio perguntamos como o esporte moderno que foi instituído estrutural mente a partir da configuração dos Estadosna ção e auxiliou a fixar formas de subjetivação em torno das identidades nacionais está se adap tando aos processos de globalização em curso SOARES VAZ 2009 p 489 Outro meio de averiguarmos a imponência com a qual o esporte toca a vida das sociedades contem porâneas é por meio de seus impactos nos proces sos de construção de subjetividades Levar a vida na esportiva tornouse há algum tempo um sinal de sabedoria colocando o esporte como uma prática formativa em vários sentidos O mais óbvio é a ma neira como os atletas se tornaram modelos a serem alcançados pelas crianças e jovens Comumente são divulgadas iniciativas educacionais que têm no esporte seu ponto de apoio vendo nele a condição ATIVIDADE 108 para o desenvolvimento de muitas capacidades in telectuais morais e sociais São frequentes por isso narrativas em que a vida de atleta marcada por de monstrações de superação coragem e respeito às regras e aos companheiros ou concorrentes que embalam as expectativas não apenas das crianças e jovens mas de pais educadores e políticos Não há como separarmos a importância políti coeconômica do esporte de sua relevância forma tiva de subjetividades no mundo atual Todavia se quisermos entender o processo histórico que levou o esporte a se tornar um dos elementos característicos de nossa sociedade a separação é necessária Ao fa zermos essa separação constataremos que o esporte deve muito de sua força às expectativas educacio nais que aglutinou no século XIX e início do XX Nesse sentido Mascarenhas 2009 deixa claro que para entendermos a história dos esportes a princi pal questão não é a sucessão e ou criação de diferen tes práticas desportivas mas é a investigação do que passou a fazer essas práticas serem desportivas di ferenciandoas assim das práticas então existentes Essa diferenciação entre outras coisas é marcada por características que definem o que Mascarenhas 2009 chama de campo desportivo que pode ser resumidamente assim descrito a Organizase em forma de clubes federações confederações e outras entidades locais nacio nais e internacionais b Possui um calendário próprio já não mais sendo praticado estrita mente de acordo com outros tempos sociais c Envolve um corpo técnico especializado cada vez maior treinadores físicos dirigentes gesto res psicólogos médicos entre muitos outros d Gera um enorme mercado ao seu redor que extrapola até mesmo o que a princípio poderia ser considerado específico da prática esportiva MASCARENHAS 2009 p 513 A análise de Mascarenhas 2009 nos ajuda a deline ar características do tal mundo esportivo marcado então pela mobilização de muitas pessoas em tor no não apenas do consumo esportivo propriamente dito mas também em torno da sua realização prá tica Isso engloba desde o atleta e seu treinador pas sando pelos responsáveis técnicos em transmitilos comentálos e ensinálos chegando até empresários que lucram fortunas no seu patrocínio e na divulga ção de seus produtos atrelados à imagem da vitória Desse modo pensar historicamente o espor te significa responder a uma questão colocada por Pierre Bourdieu 2002 p 173 em 1978 Como podemos ser esportivos Ao buscar respondêla ele pondera ser necessário primeiramente questio nar as condições históricas e sociais de possibilidade desse fenômeno social que nós aceitamos bem facil mente como se ele fosse óbvio o esporte moderno BOURDIEU 2002 p 174 Um movimento analítico muito importante e igualmente difícil aos pesquisadores do campo da história é buscar delimitar no processo de cons trução de qualquer fenômeno pontos de ruptura e de continuidade na relação entre algo que existia e algo que passou a existir No caso do esporte Melo 2010 nos explica que a palavra sport já era usada na Inglaterra desde o século XV mas com sentidos diferentes aos do esporte moderno Inicialmente no idioma francês o vocábulo se relacionava à diver são sendo que apenas no século XVI sport passou a ser correlato de jogo que envolve atividade física MELO 2010 p 84 associandose a uma prerroga tiva aristocrática apenas no século XVIII Mas é no século XIX que o sport conhece um mo mento de grande importância para sua expansão E isso se dá pela vinculação da ideia de diversão com movimento corporal com a percepção de que ele seria EDUCAÇÃO FÍSICA 109 uma prática de grande utilidade para educar e for mar os jovens das elites que ocupariam os espaços de liderança no Império Inglês MELO 2010 p 91 Ou seja o esporte moderno se diferenciou das práticas e jogos populares pela explícita vinculação da movi mentação corporal com projetos formativos sociocul turais e políticos Essa afirmação também é devedora das análises de Bourdieu 2002 Ele afirma que Parece indiscutível que a passagem do jogo ao esporte propriamente dito tenha se efetivado nas grandes escolas reservadas às elites da socieda de burguesa nas public schools inglesas onde os filhos da aristocracia ou da grande burguesia apropriaramse de um bom número de jogos populares ou seja vulgares e os submeteram a uma mudança transformandoos em exercícios corporais BOURDIEU 2002 p 177 Com isso essas práticas tornamse sport agora concebido como uma escola de coragem e de viri lidade BOURDIEU 2002 p 179 A importância desse processo é imensa para o assunto que estamos discutindo Afinal podemos enxergálo em mui tas realidades inclusive no Brasil Em que pese as necessárias advertências contra a consideração que avalia o nascimento do esporte como um fenômeno globalizado SOARES VAZ 2009 não há como ne gar que esse processo de esportivização da sociedade tocou muitas realidades diferentes entre si em ques tões culturais e religiosas mas que viram no esporte uma prática importante em muitos aspectos Destes aspectos a análise aqui feita endossa uma predomi nância das preocupações educacionais O mesmo ocorre no Brasil A expansão dos es portes ocorreu de um modo intenso sobretudo no fim do século XIX e primeiras décadas do século XX Linhales 2009 p 341 ao estudar a história esportiva no início do século XX constata que a popularização do esporte e sua extensão às massas puseram em relevo as preocupações com a mocida de e a infância Quais práticas encarnavam esse conjunto de valores Melo 2010 nos mostra que foram Ru gby Boxe Remo passando pelo desenvolvimento dos esportes coletivos e culminando no fato de se ter inventado o país do futebol HELAL SOARES LOVISOLO 2001 que deram início ao que pode ríamos chamar de esportivização da sociedade De qualquer modo no momento em que ser esportivo dava seus primeiros passos o discurso educacional preponderava sobre o espetáculo Não é a isso que assistimos atualmente não é Se de um lado o nascimento da sociedade e a importância que ela deu à análise científica do corpo foram fatos importantíssimos para o surgimento de discursos e ideias favoráveis à adesão de práticas corporais é na vira da do século XX que essas práticas passam a ocupar um lugar de inegável destaque Competições esportivas tornaramse mais frequentes estudos sobre a importância de variadas formas de ginástica buscavam convencer as pessoas a abraçarem uma vida com mais movimento Fundamental nessa revolução somática JENSEN 2013 foi a cons trução de um olhar mais atento ao que se chamou de natureza aproximar o homem da natureza e distanciálo das artificialidades do mundo urbano fez com que exposições ao sol banhos de mar roupas mais curtas e suar a camisa passassem a compor o pano rama comportamental moderno das grandes cidades no mundo e no Brasil nas primeiras décadas do século XX Fonte o autor baseado em Soares 2016 SAIBA MAIS ATIVIDADE 110 No campo da educação física há alguns anos tem sido feita a tentativa para melhor captar a impor tância cultural esportiva e pedagógica das artes marciais Os desafios para o sucesso no alcance desse objetivo são grandes considerando a imen sa quantidade de práticas e estilos dentro de uma mesma modalidade Além dessa dificuldade nem um pouco ne gligenciável há o fato de muitas dessas práticas serem também esportes e terem uma organização burocrática abrangente e participante em eventos esportivos em escala mundial Mas não é apenas pela presença em jogos olímpicos que as lutas têm AS LUTAS E AS ARTES MARCIAIS conquistado bastante visibilidade mas pela pu jança econômica construída em torno das dispu tas de Artes Marciais Mistas MMA associadas à marca Ultimate Fighting Championship UFC massivamente consumidas em escala mundial Awi 2012 mostra que a UFC se tornou uma marca que agrega mais valor que outras marcas esportivas extremamente relevantes como a Liga de Futebol Americano NFL e a Liga America na de Basquete NBA Os números são impres sionantes Seus eventos chegam pela televisão a seiscentos milhões de lares em 145 países e em 22 idiomas AWI 2012 p 20 EDUCAÇÃO FÍSICA 111 Foi visto no tópico anterior que percebemos como o desenvolvimento histórico do esporte es teve ligado à promoção da movimentação corporal com finalidades formativas Foi nesse processo que a palavra sport deixou de se associar a diversão pas sando a ter uma conotação ligada ao fomento de ca racterísticas morais a serem desenvolvidas por meio de diferentes práticas Vimos também que com o desenvolvimento do esporte em todo o século XX e sua transformação em um espetáculo altamente ren tável e mobilizador de subjetividades esse caráter ainda permanece um tanto quanto presente mas de forma bem menos característica e marcante como a que ocorrera no início nas primeiras décadas do século XX Hoje é razoável um garoto ou uma garo ta iniciar a prática em determinada modalidade am bicionando se tornar tão famosoa quanto algum de seus ídolos embora muitos deles tenham muita fama e um longo histórico de problemas pessoais e até criminais Esse processo também passa a acontecer na atua lidade das lutas e artes marciais se pensarmos na po pularidade dos eventos de MMA Ainda assim mes mo com essa popularidade e essa identificação de pessoas que procuram academias para construírem a condição de se espelharem em seus ídolos midiá ticos frequentemente possuidores de inquestionável competência técnica ladeada por questionável índo le a associação das artes marciais e das lutas com o cultivo do equilíbrio da disciplina do respeito e da tranquilidade é algo notório Essa notoriedade é facil mente constatável quando pais alunos e professores falam sobre a prática que abraçaram remetendoa a uma tradição filosófica antiga longínqua dando uma aura de respeito e profundidade que não consegui mos encontrar quando se fala do futebol do voleibol da natação ou de qualquer outra modalidade O maior trunfo do MMA está concentrado no que ele tem de mais simples É o esporte que mais se aproxima de uma briga real Dois caras dentro de uma jaula sem armas com o mínimo de equipamentos Está acima de barreiras cul turais e linguísticas AWI 2012 p 21 Outro meio que nos fez ter bastante contato com o mundo das lutas e das artes marciais foi o cinema Sobretudo com a popularização de filmes de kun gfu e de figuras emblemáticas como Bruce Lee Desde a década de 1970 as narrativas envolvendo alunos professores lutadores e atletas de artes mar ciais tornaramse uma dos produtos da cultura pop mais característicos do mundo contemporâneo Di ferentemente do que ocorre nos dias de hoje o vín culo dessa narrativa não se dava apenas pelo esporte embora competições de artes marciais e lutas sejam o palco para o desfile do guerreiro e suas qualidades técnicas e sobretudo morais Além disso mesmo que o tal guerreiro em muitos filmes materialize esse espírito em lutas de boxe outro traço inegável dessas produções era a veiculação de uma certa liga ção entre artes marciais e o mundo oriental Nessa vinculação história religião e a cultura de diferen tes povos do oriente foram instrumentais na ligação dessas práticas corporais com a construção da obe diência da disciplina da concentração e da precisão Minha intenção é que você perceba que ao abor darmos a história das lutas e das artes marciais li damos com um conjunto imenso de práticas que assim como o esporte beneficiouse da expansão técnica dos meios de comunicação Além disso são práticas que também tiveram sua amplitude aumen tada pela expansão do esporte confundindose com ele em muitos momentos Por outro lado há que se reparar em alguns traços que particularizam as lutas e as artes marciais em relação ao esporte ATIVIDADE 112 E é sobre isso que eu gostaria de chamar sua aten ção como podemos entender esse vínculo mais es treito entre as lutas e as artes marciais com aspectos educativos Se esse vínculo entre lutas artes marciais e fomento de variadas virtudes é importante por quais razões essas práticas estão distantes da escola se comparadas ao futebol voleibol basquetebol e ou tros esportes que dão às aulas de educação seus prin cipais ou pelo menos mais recorrentes conteúdos Neste momento há muitas pesquisas aconte cendo para determinar as razões que explicariam o fato de práticas corporais tão aproximadas de aspectos formativos terem dificuldade de serem também práticas escolares E isso sem nos esque cermos da forte presença cultural que essas práticas possuem em muitas sociedades desde 1970 em um processo que hoje alcança um patamar de reconhe cimento que possivelmente nunca tenha sido ima ginado como possível Para pensarmos historicamente esse conjunto de problemática que cerca a expansão da relevância das lutas e das artes marciais vamos retomar o pensa mento de Felipe Awi 2012 p 21 citado anterior mente Ele explica que o sucesso do MMA justifica se por ele se aproximar da briga real desenrolada entre homens dentro de uma jaula sem armas Ou seja se em todos os esportes a ideia de embate de luta é metafórica ao abordarmos as artes marciais a luta a briga a contenda tornase real Nesse sentido é interessante observarmos o nome dado a esse conjunto de modalidades em que a luta corporal é momento maior de sua importân cia o nome do deus da guerra na mitologia romana Aliás Marte diferentemente de Ares deus da guer ra na mitologia grega era admirado pela nobreza e justiça das guerras que fazia acontecer Já Ares está mais ligado à guerra bestial que aconteceria pela expressa vontade de ver o sangue correr pela satis fação de quem promovia o ferimento ou a morte de seu inimigo E isso levanta mais outra questão como podem práticas associadas à guerra mesmo que as justas inspiradas por Marte terem conotação edu cacional e formativa O relacionamento entre guerra e educação é algo que tem ocupado a reflexão feita em diferentes sociedades O nosso hábito de pensar nos países do oriente quando ouvimos falar em artes marciais di ficulta visualizar que no ocidente a marcialidade tem sido uma questão Afirmandoa em sua neces sidade ou a negando como algo prejudicial e estú pido é importante lembrar que a Ilíada de Homero obra primicial na história da literatura ocidental é uma narrativa guerreira em que a bravura e justiça dos personagens realizamse na guerra Igualmente relevante que apenas alguns decênios à frente do pe ríodo no qual se acredita que Homero tenha com posto seus poemas outra obra muito importante O trabalho e os dias de Hesíodo tenha refutado a guerra em nome do trabalho A questão que subjaz esse debate é saber o papel a ser desempenhado pela guerra e pelo guerreiro no difícil relacionamento entre o trabalho e o trabalhador que produz a rique za a ser conquistada ou reconquistada pelo braço forte do guerreiro Ehrenreich 2000 depois de estudar as expli cações normalmente dadas ao fato dos homens lu tarem entre si e estudar o século XX um dos mais sangrentos da história constata No século XX a guerra e a disposição para a guerra tão integrada ao sentimento nacionalista tinha se tornado a forma unificadora de Estados oferecendo aos homens um sentimento transcendental EHRENREICH 2000 p 25 Para nos fazer enxergar a presença da guerra em nossa história e no nosso cotidiano Ehrenreich EDUCAÇÃO FÍSICA 113 2000 p 25 diz Hoje até em tempo de paz o as pecto religioso da guerra se manifesta em toda parte A relevância da guerra em nossa história não deixou intocadas as questões formativas Afinal em diferentes períodos existiram elites guerreiras EHRENREICH 2000 que forneceram modelos pedagógicos a serem alcançados sobretudo pelos meninos levandoos a suportarem ritos de pas sagem que os fizessem sentir capazes de enfren tar os perigos Enxergandose como uma estir pe guerreiros e esforços formativos para formar guerreiros encontraram práticas e justificativas que ajudaram a sacralizar a guerra o menino tor nado guerreiro e seus professores consideraram a guerra como uma empreitada heroica e até reli giosa EHRENREICH 2000 p 157 Embora os problemas e os sofrimentos gerados pelos combates embora o incremento tecnológico a dispensar de modo crescente a necessidade de for mação específica para soldados embora a potência dos armamentos tornasse a guerra cada vez mais mortífera a guerra tornase na virada do século XX um grande artefato pedagógico O raciocínio é relativamente simples em um mundo que dispensa o esforço físico para a sobrevivência seja no traba lho seja na guerra é por essa última que as virtu des serão transmitidas à juventude William James 2012 em 1910 ao buscar um equivalente moral da guerra disse o seguinte Nós devemos fazer com que novas energias e coragem deem continuidade à virilidade a qual a guerra tão fervorosamente se apega As vir tudes marciais devem ser um permanente ci mento intrepidez aversão à moleza abnegação do interesse privado obediência ao comando devem continuar a ser a rocha sobre a qual as nações se constróem JAMES 2012 sp Essa defesa da moral da guerra vem de um filósofo que via nela um anacronismo cravado no mundo já industrializado e urbano do início do século XX Não é possível dizer que essa importância da guerra e dos exércitos não tenha causado discor dâncias e oposições mas formar o guerreiro se tornou um motivo catalisador de muitos discursos educacionais Muitos deles aproximados à educa ção física Muitos deles fundamentais para o de senvolvimento das artes marciais modernas e sua expansão mundo Quando falamos em artes marciais modernas pensamos na transformação operada sobre um con junto de práticas com finalidades concretas em situ ações de combate Essa transformação aproximou o cultivo de diferentes técnicas ao cultivo de diferen tes caminhos praticamente pelo fato de o culto a guerra ser portador de virtudes marciais visíveis e relevante não nos campos de batalha mas no dia a dia de uma sociedade moderna Para ilustrar esse processo o exemplo japonês é um caso esclarecedor Na última metade do século XIX a sociedade japonesa passou por mudanças culturais econômicas e políticas que construíram uma nação aproximada e conectada ao processo de expansão militarista e imperialista das potenciais ca pitalistas europeias e americanas Isso fez com que aquela sociedade impusesse seus valores e suas prática corporais a um inten so processo de revisão Afinal muitas delas não eram mais condizentes com o novo mundo que se descortinava à medida que o país se abria às pres sões econômica políticas e militares do ocidente A modernização do exército que além de tornar irrelevante a presença dos antigos samurais aliada à modernização do sistema político e econômico fez com que muitas novas práticas educacionais ATIVIDADE 114 fossem vistas como necessárias A expansão da es colarização obrigatória ao lado de práticas educa tivas preocupadas com a higiene do corpo influen ciaram fortemente o surgimento do budo ou seja o desenvolvimento de um conjunto de valores que viam na guerra uma inspiração para formar o novo homem japonês De meras técnicas jutsu surgiram caminhos dô em que práticas corporais foram ressignificadas com visões altamente peda gogizantes A importância de Jigoro Kano nessa ressignificação é indiscutível abrindo caminho não apenas para o ingresso do Judô nas escolas japone sas mas para sua expansão por todo o mundo já no início do século XX A importância de Kano para essa expansão das artes marciais reside no fato de ele ter submetido antigas técnicas guerreiras a um processamen to pedagógico e científico tornandoas passíveis de serem adjetivadas de educacionais científicas provedoras de um desenvolvimento harmônico de suas práticas Tudo isso somado aos frutos morais a serem colhidos por meio de uma prática siste mática metodizada Ora estudaremos na próxi ma unidade que discursos como esse também es tavam presentes em muitos educadores europeus e americanos que defendiam a importância de determinadas práticas corporais na escola Des se ponto de vista verifique que o nosso hábito de vermos exclusividade oriental o fomento das artes marciais pode ser problematizado oriente e oci dente parecem preocuparse com questões socio políticas semelhantes todas elas dando às práticas corporais grande valor As práticas corporais sempre fazem parte do patrimônio cultural de um povo sendo importantes ferramentas na construção de identidades de classe de gênero de etnia ligadas à construção da ideia de nação Mary Del Priore e Victor Andrade de Melo REFLITA 115 considerações finais Prezadoa alunoa a grande quantidade de práticas corporais hoje existente bem como aquelas que existiram em diferentes períodos da história é um grande desafio analítico quando se pretende conhecer o seu passado Nesta unidade você verificou que ao lado dessa dificuldade nem um pouco negligenciável possibilidades de estudo bem interessantes se abrem e a movi mentação corporal típica de cada uma dessas atividades agregamse modos de ver perceber e avaliar cada uma dessas práticas Poderíamos dizer que são esses modos que explicam o fato de determinadas práticas serem abordadas por deter minados profissionais e não por outros Nas reflexões desenvolvidas nesta unidade a ideia de que o campo da educa ção física lida com o que ficou conhecido como cultura corporal foi importante A relevância desse conceito reside justamente na possibilidade que ele abre para estudarmos os esportes as lutas as ginásticas os jogos e a dança como práticas apenas existentes se conectadas aos contextos históricos em que passaram a exis tir e que sobretudo foram praticadas e percebidas por diferentes classes sociais e tempos também variados Um traço importante na sucessão dessas percepções é o fato de que a essas práticas frequentemente atrelaramse discursos que atri buíram a elas valores formativos a serem colhidos por quem as pratica Interessa para nós a dificuldade de verificar nos momentos em que se pensa essas práticas reflexões que defendam ou tenham defendido a adesão a elas simplesmente pelo prazer que elas proporcionam É recorrente os praticantes tornarem pública sua adesão a uma modalidade pelas transformações intelectuais e morais que elas proporcionam em quem as abraça Essa característica impactou fortemente um conjunto imenso de discussões sobre a possibilidade dessas práticas acontecerem no contexto escolar A história do componente curricular de educação física é devedora desse traço É essa história que estudaremos na próxima unidade 116 atividades de estudo 1 Pondere os conceitos que nos ajudam a pensar o campo de ação profissio nal em torno das ações que fazemos corporalmente 2 Qual a característica histórica que estimulou a expansão do esporte na virada do século XX 3 Analise a principal característica das diferentes escolas ginásticas que as fizeram ter grande destaque durante o século XIX e início do XX 4 Qual é o problema da comum oposição entre oriente x ocidente quando pensamos o desenvolvimento e a expansão das artes marciais 5 O que faz do jogo um elemento valioso para pensarmos a cultura 117 LEITURA COMPLEMENTAR Se no início do século XIX a sistematização e especialização de certos discursos e práti cas sobre a educação dos corpos foi um assunto menor e relativamente insignificante no final desse século o panorama mudou dramaticamente Nenhum ator social ousou rechaçar a necessidade do exercício físico para os meninos meninas jovens adul tos e anciões A criação do homo gymnasticus foi caracterizado delineado escul pido como um corpo esforçado eficiente dócil obediente aplicado ativo seguro de cidido forte vigoroso voluntarioso energético aseado útil racional simétrico destro patriota e são Todas essas características não apenas se converteram em qualidades e normas de acção a se alcançar produzindo um fenômeno homo gymnasticus O meio predileto para sua concretização foi o exercício físico que impunha aos corpos tarefas repetitivas diferenciadas e graduadas com o fim de maximizar a economia do movimento seu ritmo e suas intensidades Para além de algumas resistências o homo gymnasticus dominou a cena corporal e se ergueu como um dos efeitos mo dernos melhor pensado de uma forma cada vez mais complexa de administrar os cor pos Essa invenção moderna exalou fortes doses de modernidade criando a partir da autoafirmação de sua suposta normalidade a existência de uma alteridade repre sentada por corpos indesejáveis e imperfeitos tanto em sua forma e aparência como em seus desejos e comportamentos Dessa maneira os corpo indolentes preguiçosos ineficientes desobedientes indecisos débeis doentes frágeis passivos apáticos te merosos covardes inúteis improdutivos pusilânimes afeminados para os meninos mais ou menos masculinizados para as meninas irracionais assimétricos deformes corpos mais ou menos altos mais ou menos baixos mais ou menos gordos mais ou menos fracos antipatriotas sujos e enfermos foram considerados o limite simbólico e material daquilo que não se podia franquear Aqueles corpos que resistiram ao ideal ficcional representado pelo homo gymnasticus tiveram que conviver com o padeci mento e foram automaticamente convertidos em corpos estigmatizados rechaçados e considerados como anormais e perigosos De fato foram classificados como corpos enfermos e inclusive muitas vezes patologizados Fonte Scharagrodsky 2011 p 1718 118 material complementar História do Esporte no Brasil Autor Mary Del Priore e Victor Andrade de Melo Editora Editora da Unesp Ano 2009 Sinopse tratase de uma coletânea que apresenta 17 capítulos que focalizam o desenvolvimento do esporte no Brasil abor dandoo a partir do século XIX até a atualidade A página do Museu do Futebol é muito valiosa pela variedade de informações imagens vídeos e exposições virtuais que lá são organizadas Conforme lemos na reflexão de Del Priore e Melo 2009 o futebol é a história brasileira da mesma forma que a história brasileira é o futebol Acesse e confira Link httpwwwmuseudofutebolorgbr Olympia Ano 1938 Sinopse documentário dirigido por Leni Riefenstahl 1902 2003 sobre os Jogos Olímpicos de 1936 sediados em Berlim O filme se notabilizou por ser o primeiro feito sobre os jogos criando modos de percepção da transmissão desportiva hoje comuns Além disso fica explícita a ligação do que se assiste ao momento político da Alemanha já sob a égide de Adolph Hitler 119 referências AWI F Filho teu não foge à luta como os lutadores brasileiros transformaram o MMA em um fenômeno mundial Rio de Janeiro Intrínseca 2012 BRACHT V Aprendizagem social e Educação Física Porto Alegre Magister 1992 Corporeidade cultura corporal cultura de movimento ou cultura cor poral de movimento In NOBREGA T P Epistemologia saberes e práticas da educação física João Pessoa Editora Universitária UFPB 2006 p 97106 BOURDIEU P Comment peuton être sportif In Questions de sociologie Pa ris Les Éditions de Minuit 2002 p173195 COMÉNIO J A Didactica magna 3 ed Lisboa Fundação Calouste Gul benkian 1985 DEL PRIORE M MELO V A de Orgs História do Esporte no Brasil São Paulo Editora da Unesp 2009 EHRENREICH B Ritos de Sangue um estudo sobre as origens da guerra Rio de Janeiro Record 2000 FREIRE J B Educação de corpo inteiro teoria e prática da educação física 4 ed São Paulo Scipione 1994 HELAL R SOARES A J G LOVISOLO H A invenção do país do futebol mídia raça e idolatria Rio de Janeiro Mauad 2001 HOBSBAWM E J Sobre história ensaios São Paulo Companhia das Letras 1998 HUIZINGA J Homo ludens o jogo como elemento da cultura 6 ed São Paulo Perspectiva 2010 JAMES W The moral equivalent of war Charles Rivers Editors 2012 Versão Kobo KISHIMOTO T M O jogo e a educação infantil São Paulo Cengage Learning 2015 LANGLADE A LANGLADE N R de Teoria general de la gimansia Buenos Aires Editorial Stadium 1970 LINHALES M A Esporte e escola astúcias na energização do caráter dos bra sileiros In DEL PRIORE M MELO V A de Orgs História do Esporte no 120 referências Brasil São Paulo Editora da Unesp 2009 p 331358 LOCK J Alguns pensamentos sobre a educação Coimbra Portugal Almedina 2012 MASCARENHAS G Globalização e espetáculo o Brasil dos megaeventos es portivos In In DEL PRIORE M MELO V A de Orgs História do Esporte no Brasil São Paulo Editora da Unesp 2009 p 505534 MELO V A de Esporte e lazer conceitos Rio de Janeiro Apicuri 2010 MELO J P de Educação física e critérios de organização do conhecimento In NOBREGA T P Epistemologia saberes e práticas da educação física João Pes soa Editora Universitária UFPB 2006 p 107134 NOBREGA T P Epistemologia saberes e práticas da educação física João Pes soa Editora Universitária UFPB 2006 ROUSSEAU J Emílio ou da Educação Rio de Janeiro Bertrand 1992 SCHARAGRODSKY P A Org La invención del homo gymnasticus frag mentos históricos sobre a educación en los cuerpos en movimiento en Occidente Buenos Aires Prometeo Libros 2011 SILVA A M DAMIANI I R Práticas corporais gênese de um movimento investigativo em Educação Física Florianópolis Nauemblu Ciência e Arte 2005 SILVA AM A natureza da Physis humana indicadores para o estudo da cor poreidade In SOARES C L Org Corpo e história CampinasSP Autores Associados 2001 p 2542 SOARES A J VAZ A F Esporte globalização e negócios o Brasil dos dias de hoje In DEL PRIORE M MELO V A de Orgs História do Esporte no Bra sil São Paulo Editora da Unesp 2009 p 481504 SOARES C L Metodologia do Ensino de Educação Física São Paulo Cortez 1992 Imagens da educação no corpo 2 ed revista CampinasSP Autores Associados 2002 SOARES C L org Uma educação para a natureza a vida ao ar livre o corpo e a ordem urbana CampinasSP Autores Associados 2016 VIGARELLO G Du jeu ancien au show sportif la naissance dun mythe Paris Éditions du Seuil 2002 121 gabarito 1 Prática corporal é um desses conceitos na medida em que se delimita o vasto leque de ações humanas que envolvem a dimensão corpórea redu zindoa aos jogos esporte lutas ginástica e dança O fato de essas práti cas não se reduzirem ao elemento gestual mas englobarem valores e in tencionalidades levanos a enxergálas como cultura corporal o segundo conceito fundamental para entendermos a educação física historicamente 2 Importante na expansão do esporte foi relacionálo com perspectivas e projetos educacionais Desse modo o sport deixou de ser apenas diverti mento significado original do termo 3 A ginástica realizou em suas práticas o olhar cientificizante de dividir quantificar e parcializar a movimentação corporal Com isso a ginástica se tornou uma prática corporal representativa da ideia de que se pode con trolar a natureza corpórea do mesmo modo que a ciência poderia controle a natureza de uma forma geral 4 Mesmo que não desconsideremos peculiaridades entre a cultura marcial existente em cada região do mundo a oposição oriente x ocidente secun dariza que ginástica esporte e artes marciais em suas conotações moder nas têm origens motivos e desenvolvimentos semelhantes 5 Tratase de sua característica desinteressada livre e não sistematizada a cruzar culturas e fundamental na construção de relações sociais que dão origens a sociedades muito diferentes entre si Ou seja nessa ótica o jogo seria uma elemento presente em vários tempos e lugares ao mesmo tem po moldado pelas particularidades dos diferentes arranjos sociais existen tes em outras épocas Professor Dr Carlos Herold Junior Plano de Estudo A seguir apresentamse os tópicos que você estudará nesta unidade Educação corporal e educação física escolar Educar o corpo na escola para quê A educação física escolar tornarse escolar As ciências da educação o corpo e a educação física o longo século XX O corpo tem lugar na escola Objetivos de Aprendizagem Diferenciar educação corporal e o componente curricular educação física Verificar o modo como a educação tem o corpo como o principal meio e fim Estudar as transformações históricas que levaram à escolarização das práticas corporais Analisar a importância que o corpo passou a ter na ciência educacional durante o século XX Ponderar a ausênciapresença do corpo nas estruturas educacionais contemporâneas EDUCAR É EDUCAR O CORPO A ESCOLA E A EDUCAÇÃO FÍSICA unidade IV INTRODUÇÃO C aroa alunoa chegamos à unidade IV de nosso passeio pela história da educação física Ela abordará as problemá ticos que discutimos nas unidades anteriores estudandoas em sua dimensão explicitamente pedagógica Digo que tra taremos as dimensões explicitamente pedagógicas afinal observe que em todas as unidades anteriores mesmo que não tenhamos falado dire tamente da escola ou da educação alguma pedagogia esteve presente na unidade quando vimos as justificativas para o estudo da história não é fácil percebermos nos teóricos uma postura que busca nos convencer so bre a importância desse estudo Na unidade II ao abordamos a história sobre as diferentes visões sobre o corpo não foi corrente a oscilação entre visões que buscam ensinar as virtudes e os defeitos dessa dimensão hu mana guiandonos na forma de agir com os outros e conosco mesmos Na abordagem de apenas algumas práticas corporais no meio da imensa variedade das que existem feita na unidade III não ficou claro que boa parte dessas práticas ganhou importância social e cultural devido aos apelos formativos que a elas foram atribuídos Essa ligação do universo da cultura corporal com inquietações educa cionais tem um momento bastante rico no fomento de reflexões quando estudamos os processos que levaram toda essa importância formativa do corpo e das práticas corporais para o interior da escola Por isso o objetivo central dessa unidade é refletir sobre esses processos relacionando as trans formações históricas ligadas ao corpo e às práticas corporais com transfor mações que aconteciam nas estruturas educacionais formais Não é mera coincidência que um momento privilegiado para essa reflexão compreenda o século XVIII XIX e as primeiras décadas do século XX Nesses duzentos trezentos anos a escola assumiu um importância que não possuía nos sécu los anteriores Mostraremos que na construção dessa importância a esco larização das práticas corporais desempenhou papéis não negligenciáveis Vamos à escola Bons estudos ATIVIDADE 126 Olhando para a realidade da qual participamos na atualidade percebemos sem dificuldades a presença de várias ações formativas sobre o cor po Isso acontece tanto fora da escola quanto no interior dessa instituição Fora dela a profusão de discursos e práticas sobre a saúde sobre a forma como nosso bemestar relacionase à forma como vemos os outros colocou a dimensão corporal em um lugar bastante valorizado comparandose com outros tempos Da mesma maneira assumimos com natura lidade o fato da paisagem escolar ser formada não apenas por livros salas de aula e os materiais que a formam cadeiras quadros computadores etc mas por quadras espaços abertos materiais esporti vos e crianças se movimentando Tal naturalidade com esses dois momentos to davia não nos deve fazer esquecer que problemas relacionados a eles também existem Há críticos que enxergam na atenção dada ao corpo um exagero um sinal de decadência moral e política da atualidade Nessa ótica o individualismo e a irresponsabilidade ética poderiam ser explicados pelo culto ao corpo que em casos extremos leva à problemas psicológi cos bastante visíveis na atualidade A situação no mundo escolar também não é isenta de problemas Embora a naturalidade ante riormente observada aconteça as críticas à educação física que existe no mundo escolar são igualmente abundantes criticase a educação física escolar por ela ser apenas um passa tempo algo sem importân cia por outro lado ela também é negativamente ob EDUCAÇÃO CORPORAL E EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR EDUCAÇÃO FÍSICA 127 servada por não realizar possibilidades formativas por não abranger outras práticas que não sejam as modalidades esportivas coletivas Muitos professores de educação física são vistos como não professores afinal não ensinariam nada apenas como rolar bola Esse rápido panorama do mundo atual tem sua história Ou seja ao mesmo tempo em que ele é uma continuidade de ideias e procedimentos criados em outras épocas é marcado por características que o particularizam Muitas coisas acontecem nesses dois âmbitos o da educação corporal e o da educação física escolar por vivermos neste mundo aqui e agora Por isso voltamos a um ponto bastante subli nhado neste livro tanto para entendermos o que nos liga ao passado quanto aquilo que nos separa dele é fundamental A análise histórica é fundamental Para tanto atente ao fato de que consideramos educação corporal e educação física escolar como coisas diferentes mesmo que estejam muito relacionadas tanto na atualidade quanto na história A educação corporal é toda e qualquer atitude que tomamos em relação ao corpo visando adequá lo moldálo deixandoo apto para realizar deter minadas ações ou atender a variadas expectativas Nem sempre essa educação realizase com procedi mentos pedagógicos explícitos e intencionais acon tecendo no bojo de nossas relações sociais ora de modo imperceptível ora de modo mais agressivo e traumático Exemplos que ilustram essa dimensão educacional são numerosos pensemos no empenho social colocado nos processos que levam as crianças a se tornarem meninos ou meninas Desde a esco lha das roupas do jeito com que conversamos com essas crianças dos brinquedos com os quais as pre senteamos das expectativas que nelas depositamos Muitas vezes essa educação não ocorre de forma irrefletida afinal já não ouvimos falar de muito so frimento quando se obriga ou se agride meninos e meninas que agem que se vestem ou falam de um modo que foge ao rumo dito normal das coisas Outro exemplo a evidenciar o cotidiano trabalho de educação corporal que acontece com todos nós ao mesmo tempo em que nós impetramos a quem se relaciona conosco diz respeito ao modo como usamos o volume da nossa voz e a maneira como nos locomovemos em lugares com muitas pessoas para citar apenas duas situações Como aprendemos o modo e a intensidade com a qual conversamos com os outros Quando fazemos isso nosso olhar não deve ser de determinadas maneiras para evitar mos ou a sensação de sermos desatentos se olha mos para outros lugares durante a conversa ou a percepção de termos segundas intenções se olhamos fixamente nos olhos de nosso interlocutor Tudo isso acontece em nossa vida cotidiana e obviamente adentra a escola Nessa perspectiva a educação corporal sempre esteve presente nas dife rentes estruturas educacionais formais que existiram na história Todavia ao lado dessa prática formativa necessariamente corporal existiram outras práticas ATIVIDADE 128 que sistemática e detidamente se ocuparam com os corpos das crianças e dos jovens em instituições es pecificamente criadas para realizar a educação das novas gerações Entender esse ponto é incontorná vel mas para isso alguns cuidados são necessários São cuidados importantes pois ao lado de diferentes reconhecimentos que as épocas atribuíram ao cor po unemse expectativas educacionais instituições a serem criadas para realizar essas expectativas e so bretudo o fato de essas instituições serem pensadas e realizadas para determinadas classes sociais em detrimento de outras Para entender historicamen te esse processo vamos estudar três momentos da educação corporal da vida cotidiana nos quais fo ram pensadas práticas e instituições formais para se educar o corpo infantil e juvenil O primeiro desses momentos é a já mencionada atenção dada ao corpo na Antiguidade Grega A pa lavra Escola derivase de skholé que em grego rela cionase com o tempo livre do trabalho necessário para o cultivo das habilidades necessárias ao cida dão Fundamentais nessa formação foram ginásios e as palestras locais específicos nos quais a juventude grega se educava e se exercitava Andrónikos 2004 p 42 observa que desde os períodos mais recuados da história grega antiga chegando até Esparta e Ate nas Para o heleno antigo o corpo humano tinha uma importância extraordinária e para atingir o seu desenvolvimento máximo harmonia e funcio namento efetivo ele o treinava obstinada e sistema ticamente desde a mais tenra infância O autor fala em heleno antigo mas deve ser ob servado que nessa categoria enquadravase apenas parcela reduzida daquelas sociedades Afinal É preciso salientar também que todo o sistema educacional de Atenas exigia gastos conside ráveis Por esse motivo apenas as classes mais abastadas tinham condições de arcar com a for mação completa dos jovens ANDRÓNIKOS 2004 p 66 Menos pela característica de ser voltada a uma re duzida parcela dos helenos e mais pelas rotinas e lugares em que acontecia essa educação corporal sistemática que vemos na Grécia Antiga distancia se muito da educação física escolar que hoje vemos Além disso a derivação de nossa instituição escolar da skholé grega não deve fazer com que esqueçamos que institucionalmente a educação grega era muito diferente da que passou a existir nos séculos XIX e XX de nossa era Antes de abordar o que aconteceu nos sécu lo XIX e XX vamos nos deter um pouco em outro momento histórico pleno em desdobramentos para a história da educação corporal institucionalizada vamos estudar pensamentos práticas e instituições Já estudamos um pouco desse momento nas unida des anteriores É nesse momento que a ciência mo derna se desenvolve dando ao corpo uma grande consideração pautada no que chamamos de olhar anatômico Nas páginas anteriores também foi dito ter sido nesse momento que as crianças passaram a ser vistas de uma maneira diferenciada em um pro cesso que impactou enormemente a educação Não é à toa que a partir dos séculos XVI e XVII mui tos livros sobre educação passaram a ser escritos e publicados endossando a ideia de que a sociedade que então nascia era assumida como fruto de uma educação racional EDUCAÇÃO FÍSICA 129 Nesse momento da história as instituições educacionais com características mais aproximada disso que entendemos por escola passaram a exis tir A expansão dos colégios na Europa é um fato marcante Dentre eles os Colégios Jesuítas mere cem destaque Embora esses colégios representem de algum modo uma modernidade que nascia não é neles que a educação corporal sistemática tem seu lugar mais visível É no âmbito familiar extra escolar que muitas práticas e atividades corporais passaram a ser defendidas como fundamentais à educação da juventude Tomemos como exemplo dessa situação o também já mencionado livro Al guns pensamentos sobre a educação escrito por John Locke 16321704 em 1693 2012 O livro se inicia com um capítulo sobre a saúde em que são descritos cuidados que vão desde a alimenta ção passando pelo uso das roupas e chegando à necessidade de exercícios natação e procedimen tos relativos à higiene Sem eles avaliava o filósofo o jovem cavalheiro não conseguiria ser formado para um lugar de excelência no mundo Esse lugar para Locke 1693 2012 relacionavase muito fortemente com a manutenção e ampliação das ri quezas que o jovem receberia de sua família Por isso essa forma educacional não era pensada para aqueles que não teriam a skholé tempo livre ne cessária para tanto Ou seja educar sistematica mente o corpo era também nesse momento uma prerrogativa de classe Afinal aos filhos dos traba lhadores a educação aconteceria no trabalho pro dutivo junto com os pais No momento em que o capitalismo nascia podemos ver nesse traço a rea lização clara da condição proletária ser possuidor apenas de sua prole Essa tendência de valorizar a educação corporal sistemática para uma determinada classe social vai se alterar apenas no século XIX e no início do sécu lo XX É um momento de muitas mudanças sociais oriundas principalmente do processo de crise e ex pansão planetária das relações socioeconômicas ca pitalistas Do ponto de vista da história educacional dois fenômenos nos são muito valiosos em primeiro lugar o imenso conjunto de debates que acontece ram em vários países do mundo sobre a necessidade de uma educação pública laica universal e obriga tória Ou seja pela primeira vez na história educa cional não sem problemas retrocessos e resultados diferentes que podemos observar em muitos países as estruturas educacionais sobretudo a escola tor namse passíveis de serem frequentadas também pelos filhos daqueles que não possuíam a skholé o tempo livre necessário para serem alvos de uma educação sistemática O segundo fenômeno muito dependente do primeiro é o que Faria Filho 2003 chama de escolarização do social que podemos en tender da seguinte maneira O processo e a paula tina produção de referências sociais tendo a escola ou a forma escolar de socialização e transmissão do conhecimento como eixo articulador de seus sen tidos e significados FARIA FILHO 2003 p 78 Dito de outro modo estamos vendo nesse período da história educacional a produção da centralidade que passou a ter o mundo escolar na educação das crianças Centralidade essa sustentada na ideia de obrigatoriedade educacional legalmente instituída e voltada a todas as crianças da sociedade Esse processo que aqui descrevo em suas ge neralidades aconteceu com diferentes ritmos e re sultados em variados países do mundo em todos os ATIVIDADE 130 continentes Ao lado do processo que fez com que a escola se tornasse potencialmente acessível a muitas pessoas que antes a ela não tinha acesso é importan te verificar que para a realização dessa imensa tarefa de ampliação a escola se transformou pedagogica mente arquitetonicamente na composição de seus profissionais assumindo uma feição bastante pare cida com a que testemunhamos hoje Se você se lembrar que boa parte das práticas corporais estavam assistindo a uma expansão no mesmo período conforme vimos na unidade an terior é fácil compreendermos no interior desses dois processos a expansão da escola e a expansão da cultura physica que muitos esforços acontece ram para inserir na escola práticas avaliadas como importantes na realização de ambições educacio nais Grosso modo é isso que nos permite dizer que no mesmo momento em que as sociedades se escolarizam a escola também começa a adotar prá ticas pedagógicas que com o passar dos anos aglu tinaramse na formação do que hoje conhecemos como educação física escolar No conjunto de mudanças pedagógicas experimentadas no momento de expansão da escola para todos e da inclusão de práticas corporais como educação física em seu interior uma mudança na composição do aluno impactou não apenas o funcionamento da escola mas muita coisa que acontecia fora dela conforme a escola pública laica gratuita e obrigatória ganhava espaço nas sociedades o dia a dia escolar passou a acontecer com meninos e meninas dividindo o mesmo espaço Além da novidade daquilo que o século XIX chama de educação promíscua palavra que possuía conotação diferente da conotação atual há que ser sublinhado que a relevância da educação feminina também conheceu grande impulso Nessa educação feminina que passava a ser alvo de grande inquietação o papel das práticas corporais como elemento educativo também foi uma problemática abordada Não dá para negar que muitas justificativas para essas práticas educacionais ancoravamse no fortalecimento dos tradicionais papéis sociais que atrelavam a mulher ao âmbito do lar e da maternidade Todavia não se duvida que naquele momento essa democratização da educação exerceu muitos impactos nos avanços que hoje temos em relação à igualdade efetiva entre homens e mulheres Fonte o autor baseado em Antonovicz e Herold Junior 2012 SAIBA MAIS EDUCAÇÃO FÍSICA 131 As transformações históricas e pedagógicas que aconteceram e que levaram a escola a ser um direi to de todos foram profundas e intensas Igualmente importantes foram essas transformações para pos sibilitarem que no interior dessa nova instituição práticas corporais tivessem espaço tempo e pessoas habilitadas para conduzilas Dito de outra manei ra existiram bons motivos que podem nos ajudar a entender a energia despendida por vários países em empreender essas mudanças dando à educação corporal sistemática dentro da escola para a toda sociedade o seu impulso inicial Impulso esse que vale a pena repetir redundou nas aulas de educa ção física que hoje temos em nossas escolas Herold EDUCAR O CORPO NA ESCOLA PARA QUÊ Junior 2006 aborda essa mesma problemática afirmando o seguinte de pensada inicialmente para a educação privada dos filhos das famílias abastadas a educação do corpo foi amplamente divul gada e efetivada na escola pública do século XIX Mas essa mudança de uma educação física doméstica para uma efetivada em um espaço público não se deu de forma evoluti va Foi preciso a existência de condições his tóricas determinadas para que se instaurasse um longo e acirrado debate sobre a extensão das práticas corporais de uma forma universal HEROLD JUNIOR 2006 p 44 ATIVIDADE 132 Deve ficar bastante claro a você caroa alunoa que estamos lidando com um momento muito im portante da história educacional Conforme vimos nos parágrafos anteriores nem a educação formal nem as práticas formativas sistemáticas atinen tes ao corpo eram pensadas e voltadas a todos os membros da sociedade Com o nascimento da sociedade moderna nos séculos XV e XVI sob a égide do capitalismo ao mesmo tempo em que o fosso econômico entre classes sociais se ampliou do ponto de vista político operaramse transfor mações que levaram a várias lutas pela construção de Estados representativos baseados na igualdade política entre cidadãos A Revolução Francesa de 1789 é o eventochave desse processo Para a concretização desse Estado a educação a ser ministrada para todos os cidadãos tornouse um ponto bastante discutido Foi assumido que a igual dade política em um mundo de desigualdade econô mica não seria possível sem uma educação política que possibilitasse as condições intelectuais e morais necessárias para a coesão desse novo estado de coi sas difícil de ser mantido pelas tensões sociais que se ampliavam Interessante verificarmos que nessa luta por construir as justificativas e as estruturas educacio nais capazes de absorver também os filhos das clas ses trabalhadoras o corpo tornouse um assunto importante e assim visto como necessariamente educável nas estruturas institucionais que se expan diam Considerar o corpo como objeto de uma edu cação sistemática pode ser entendido se olharmos o panorama cultural do século XIX e compreen dermos alguns desdobramentos que explicam esse olhar pedagógico para o corpo Em primeiro lugar vale observar que a situ ação social gerada pelo desenvolvimento do ca pitalismo industrial criou bastante preocupação De um lado as revoluções industriais que acon teceram no fim do século XVIII e início do sé culo XIX ao mesmo tempo em que ampliaram a produção de riqueza levaram a uma degradação corporal da classe trabalhadora Para uma socie dade que se construiu ao redor da dignidade do trabalho a situação de miséria e de aviltamento dos trabalhadores tornouse uma problemática Somase a essa questão o processo de urbaniza ção experimentado nos países centrais do capita lismo gerando aglomerações que tornaram essas constatações ainda mais gritantes Sobretudo se for levado em conta que em vários países pres sões pelo voto universal estavam sendo vencedo ras gerando muita insegurança nas classes domi nantes Como educar integralmente esse novo cidadão considerado cheio de vícios doenças e sentimentos que poderiam levar à destruição so cial Repare que políticos burguesia e demais es tratos sociais participantes das estruturas de po EDUCAÇÃO FÍSICA 133 der daquele tempo possuíam uma visão bastante negativa de trabalhadores camponeses e de todos aqueles que ficavam à margem das promessas de fartura do mundo industrial Ao lado dessas importantes variáveis históri cas sociopolíticas devem ser mencionadas ques tões que tocaram a criação de novas visões sobre o corpo que vinham de desdobramento de desco bertas científicas que aconteceram no século XIX Mesmo que não tenha sido a intenção de Darwin sua teoria sobre a origem e a evolução das espé cies impactou posições simpáticas à ideia de edu car corpos sistematicamente Afinal se os fracos ficam no meio do caminho tratavase de cultivar fortalecer aperfeiçoar criar condições de sobre vivência que tornassem um povo mais capaz que outro Esse ideário conhecido como darwinismo social fundamenta explicações que buscavam ofe recer entendimentos sobre as diferenças entre clas ses sociais entre países entre culturas dando ao corpo uma centralidade inegável na hora de justifi car privilégios socioeconômicos e políticos assim como as vias legítimas para ascender à possibilida de de gozálos A partir do corpo e por meio dele chegarseia a uma sociedade mais pacífica no que tange aos conflitos internos e a um país mais pu jante e capaz de conquistar inimigos incapazes de fazer frente a um corpo social robusto e educado Interessante verificarmos que uma das principais obras educacionais escritas nesse momento foi composta por Herbert Spencer 18201903 um dos responsáveis pela divulgação do darwinismo social A obra em questão é Da educação intellec tual moral e physica de 1863 Depois de criticar que ainda no seu tempo muitos ocupavamse mais da saúde de seus animais do que da própria ele se referia aos nobres e endinheirados possuidores de belos animais o autor afirma que a primei ra condição da prosperidade nacional é que a na ção seja constituída de bons animais SPENCER 1886 p 205 O trocadilho é interessante pois ele queria lembrar ao seus contemporâneos que é pela educação physica que desenvolveríamos as forças depositadas em nossa natureza corpórea em nossa animalidade Por isso entendemos seu pensamento quando afirma de um modo que se tornou corren te aos defensores da educação corporal praticada dentro da escola o seguinte Tornase pois de uma importancia particular o educar as crianças de modo que não só estejam aptas para sustentar a luta intelectual que as espera mas que possam também suportar fisi camente a excessiva fadiga a que serão subme tidas SPENCER 1886 p 206 Para Spencer 1886 p 206 educar fisicamente era colocar a escola de acordo com as verdades da ci ência moderna Nas partes finais de seu livro lemos ATIVIDADE 134 outra ponderação que nos faz captar um pouco da atmosfera pedagógica e cultural que estava pavi mentando o caminho que levou algumas práticas corporais para dentro da escola Os que na preocupação exclusiva de desen volver o espírito descuram os interesses do corpo não se lembram de que o bom êxito neste mundo depende mais da energia do que dos conhecimentos adquiridos e de que arruinar a constituição com o excesso de trabalho intelectual é ir procurar a própria derrota A vontade forte a infatigável ativi dade devidas ao vigor físico compensam em grande latitude até as importantes lacunas da educação e quando se reúnem a esta cultura suficiente que é possível obter sem sacrificar a saúde asseguram a quem as possui uma vi tória fácil sobre os concorrentes enfraqueci dos por um excesso de estudo muito embora eles fossem prodígios de ciência SPENCER 1886 p 263 Mesmo que o autor apresente suas ideias de um modo a nos fazer perceber que havia uma luta con tra posicionamentos contrários ou seja havia aque les que pensassem serem as práticas corporais algo inútil é necessário destacar que posturas semelhan tes a de Spencer caracterizaram o período que esta mos analisando século XIX e início do XX Quando estudamos história é importante perce ber que cada realidade apresenta nuances e particulari dades que são fundamentais para a construção de um panorama explicativo acurado Todavia tão importan te quanto essa consideração é fundamental você não perder a visão de totalidade de um processo que acon teceu em vários países de um modo interessantemente similar Scharagdrosky 2011 na apresentação de sua obra verifica que os capítulos que formam a coletânea por ele organizada abordam em 15 países as práticas saberes e discursos que possibili taram a emergência da educação física escolar e das demais formas de educação corporal li gadas a ela ginásticas exercícios físico ativos jogos esportes colônias escolares excursões etc SCHARAGDROSKY 2011 p 15 Dito de outra maneira você deve se esforçar para perceber que está estudando um período em que muitas realidades culturais e econômicas diferentes entre si estavam muito empenhadas em levar à esco la rotinas educacionais que tivessem o corpo como foco principal EDUCAÇÃO FÍSICA 135 Caroa alunoa já vimos nas páginas anteriores que a expressão educação física foi uma novidade se considerarmos a presença das práticas corporais na cultura grega antiga Se concepções da antiguida de tivessem permanecido intocadas no decorrer dos séculos educação somática seria algo bem mais aproximada do athleta grego Educação física é uma expressão em que o termo física adjetiva ou qualifica a educação No mundo moderno que passou a existir depois dos séculos XV XVI e XVII vimos que o corpo passou a ser identificado como a natureza circun dante tornandose objeto passível de ser medido mensurado então cognoscível por meio da quan tificação da realidade CROSBY 1999 Diferente do intelecto e da moral dimensões humanas que foram tomados como não abordáveis pela ciência o corpo passou a ser alvo assim de uma edu cação específica a educação física Um registro importante da utilização dessa expressão encon tramos no também já mencionado livro de John Locke sobre a educação Esses esclarecimentos são importantes pois es tamos estudando nesta unidade os processos que le varam essa educação a educação física para dentro da escola Ou seja é necessário você saber que em bora esteja reconstruindo a trajetória que nos traz até as aulas do componente curricular da educação básica chamado educação física no século XIX e até as primeiras décadas do século XX essa educação se fazia presente e conhecida pelo denominação da prática que concretizava essa educação No caso que A EDUCAÇÃO FÍSICA TORNASE ESCOLAR ATIVIDADE 136 estamos focalizando a ginástica foi a prática que em diferentes lugares passou a povoar os currículos da nascente escola de massas O ingresso da ginástica ao mundo escolar acon teceu por uma série de motivos que devem ser pon derados para se verificar que isso não aconteceu de forma óbvia sem discussão e sem desentendimen tos Afinal se no século XIX já havia um grande número de práticas e maneiras de se relacionar com ela para efetivar a existência da dita educação física na escola o esforço foi pedagogizar ou seja analisar as práticas disponíveis e verificar quais delas seriam passíveis de aproveitamento no mundo escolar que se transformava e se expandia Nesse ponto vou pedir para que abramos um parêntese Voltarei a falar sobre essa pedagogização das práticas corporais depois de pensar com você as transformações pedagógicas que aconteciam no mundo escolar mundo esse que recebeu em seu in terior a educação física Se havia escolas antes dos séculos XIX e XX é somente a partir desses séculos que a escola assu me características que lembram bastante a escola que todos nós conhecemos Em primeiro lugar com a educação tendo sido alçada à condição de direito e obrigação de todos a quantidade e a organização das escolas mudaram imensamente No que diz respeito à quantidade é fácil perce ber que os poucos colégios existentes até então para os filhos daqueles que tinham condição de pagar por uma educação formal eram insuficientes para receber também os filhos da classe trabalhadora Iniciouse em vários países nos anos oitocentos e novecentos a construção dos sistemas nacionais de ensino Cada país que tinha colocado a educação como direito de seus cidadãos e como obrigação do Estado viuse na necessidade de criar escolas e organizálas para que as crianças a partir de uma determinada idade passassem a frequentálas O au mento na quantidade de alunos e de escolas colocou a problemática relativa ao número de professores capazes de suprir a demanda por educação que pas sou a existir no período Se a necessidade de formar professores estimularam a ampliação das escolas normais outros processos colaboraram para abor dar esse problema Um exemplo muito interessante e capaz de nos fazer perceber um traço muito visível das escolas na atualidade é o que se conhece como feminização do corpo docente por meio da qual um número cada vez maior de mulheres passou a se ocupar da atividade docente das escolas Outra mudança que penso ser interessante abor dar nesse parêntese que abri anteriormente é o de senvolvimento da seriação escolar Até os séculos XVIII e XIX as escolas funcionavam sem a conhe cida divisão de seus alunos por faixas etárias seme lhantes por séries A adoção desse procedimento casase ao contexto de ampliação da demanda por educação escolar estipulando uma incontornável necessidade de organizar da forma mais racional possível o aluno para se promover a necessária efici ência a uma instituição custeada pelos cofres públi cos e tornada mais complexa pelo afluxo de crianças oriundas de espaços familiares muito distantes do mundo letrado A seriação de fato possibilitou uma maior orga nização do cotidiano escolar Ela leva ao surgimento da ideia de classe que vai galgando paulatinamente níveis mais aprofundados de conhecimento Mas a seriação e a criação desse ambiente social chamado classe também trouxeram novos problemas Proble mas metodológicos pois a reunião de crianças de EDUCAÇÃO FÍSICA 137 mesma idade possibilitou um ensino simultâneo em que o professor ensina o mesmo conteúdo a to das as crianças ao mesmo tempo Ora sabemos que nem todos aprendem nos mesmos ritmos e com a mesma intensidade Além disso a reunião de crian ças da mesma idade gerou o desafio de o professor ser mais interessante do que o colega ao lado Esse conjunto de mudanças levou à necessidade de uma profissionalização docente se entendermos nessa expressão muito em voga na atualidade o fato de os professores passarem a necessitar de um conjunto de conhecimentos para viabilizar o ensino ao lado do conhecimento do assunto a ser ensinado Aten ção vamos fechar o parêntese neste ponto e voltar a falar sobre o fato de a educação corporal sistemática tornarse escolar A escola transformouse para atender à necessi dade de escolarizar a todos No interior dessas trans formações o ingresso das práticas corporais com fi nalidade educacional é um traço marcante Repare uma coisa importante a prática de uma educação física nasce no mesmo momento da escola pensada como uma instituição educacional a ser frequentada pelos filhos oriundos de todas as classes sociais Do mesmo modo que a escola teve que se trans formar para tornar essa ideia concreta a educação a ser obtida por meio de práticas corporais no interior da escola foi alvo de muitas reflexões pedagógicas A necessidade dessas reflexões davase pois ao longo da história de muitas épocas diferentes Ve mos que no cotidiano de muitas classes sociais havia práticas corporais que existiam com os mais varia dos objetivos Lazer e divertimentos eram os princi pais o que podia ser visto tanto nas classes econo micamente abastadas quanto nas classes que viviam de seu trabalho Em cima dessa cultura de práticas corporais se deu a discussão sobre as maneiras com as quais de veria acontecer a educação corporal no interior da escola de massas O principal problema para realizar essa intenção era verificar quais dessas práticas eram educativas e quais existiam apenas para o deleite imediato de seus praticantes por exemplo aque las que chamavam a atenção por suas acrobacias e performances Bruhns 1999 mostra que no século XIX as demonstrações de características circenses tornaramse muito criticadas A crítica justificavase pelo olhar pedagógico que via nesses usos do corpo feitos pelos acrobatas um desvirtuamento uma es pécie de aberração exibicionista que nada agregava à formação física moral e intelectual de seus pratican tes Fundamental nessa análise é o fato de esses exi bicionistas sustentaremse economicamente dessas demonstrações ou seja eram trabalhadores Outro alvo de crítica por parte daqueles que pen savam na inclusão das práticas corporais no interior da escola era o chamado atletismo Essa denomina ção pejorativa era dada a toda prática de assumir um caráter meramente competitivo levando pessoas e grupos a reuniremse para assistirem aos embates para seu mero entretenimento Note que no século XIX e início do século XIX a imagem do atleta como portador de virtudes ainda não existia O que esta va sendo buscado era uma abordagem educativa às práticas corporais abordagem essa que deveria ser descolada de qualquer utilidade prática imediata Ou seja não era uma técnica a ser ensinada pelo ob jetivo de se fazer algo mais rápido ou executar um movimento mais difícil ou bonito A questão a ser respondida era determinada prática corporal é ca paz de colaborar na educação dos cidadãos Estudar essa questão me levou a concluir o seguinte ATIVIDADE 138 A dimensão corporal da educação deveria ser adjetivada como educação física diferente das práticas corporais arraigadas que afeitas a um individualismo e sensualismo desagregadores eram concebidas como instrução física HE ROLD JUNIOR 2005 p 244 Estava em jogo a oposição entre instrução física x educação física sendo essa a preferida por parte de teóricos e pedagogos que pensavam a educação que deveria acontecer dentro das escolas É muito interessante verificarmos o modo como as práticas corporais passaram a ser alvo da discussão educa cional Se verificarmos que no mesmo período con forme estudamos na unidade anterior a ginástica e o esporte estavam se desenvolvendo com conotações aproximadas à ciência e à educação constatase um processo em que muitas das práticas corporais e da adesão a elas que hoje assistimos em nosso cotidia no foram se costurando como um grande projeto educacional que visava a instauração de um projeto de coesão social que via a possibilidade de a escola educar o corpo infantil e educar por meio do corpo infantil Nesse prisma o corpo explicitamente dei xa de ser uma preocupação individual para se tornar alvo de inquietação pública política Para subsidiar esse pensamento peçolhe que leia uma das conclu sões às quais chego em outro estudo A crença na educação formativa do cidadão como panacéia social está expressa na impor tância educativa atribuída por esses educado res às atividades corporais tanto na formação desse homem se aplicada corretamente ou na destruição social caso os preceitos a serem adotados não o sejam pelo crivo educativo Longe de uma mera preocupação com o de senvolvimento da aptidão física e com aspec tos higiênicos e eugênicos as atividades físicas foram pensadas em sua importância educa cional A atividade pela atividade ou somente para aumento da força e flexibilidade era ao contrário aquilo que deveria ser rechaçado As práticas corporais foram consideradas e colo cadas no interior da nascente escola pública pelo reconhecimento cabal da sua relevância na formação do cidadão do indivíduo respon sável também em seus comportamentos e pen samentos Havia por parte dos proponentes da Educação Física um projeto social tendo em vista os fatos e suas consequências O corpo e sua educação escolar foram componentes de extrema relevância desse projeto sóciohistóri co HEROLD JUNIOR 2004 p 174 Como resultado dessas considerações de caracte rística pedagógica feitas pelos envolvidos nos de bates que então ocorriam verificase que a práti ca corporal que mais se aproximou dessa ambição de educar fisicamente foi a ginástica Discutiuse bastante quais das variadas escolas ginásticas pro porcionavam a educação mais próxima do que se ambicionava mas a possibilidade de dividir con trolar e medir os movimentos foi fundamental para dar a essa prática o adjetivo de racional educativa sendo por meio dela que inicialmente a educação física existiu nas escolas E essa existência materia lizouse inclusive na denominação gymnastica era o modo com que se reconhecia que em determi nada instituição existia uma educação física racio nalmente colocada para proporcionar a formação integral do cidadão EDUCAÇÃO FÍSICA 139 Para aqueles que se interessam em conhecer desdo bramentos históricos do mundo contemporâneo o historiador inglês Eric Hobsbawm é fundamen tal Em sua numerosa e importante obra há o livro chamado Era dos Extremos HOBSBAWN 1994 Nela o historiador avalia o século XX por ele cha mado de longo Longo pela intensidade e profundi dade das mudanças pelo drama de suas guerras e sobretudo por muitos de nossos problemas e mo dos de enxergar as realidades sociopolítica e cultural gestadas nesse momento Para você que está aprendendo a pensar no cam po pedagógico e profissional da educação física o século XX também possui uma quantidade imensa de variáveis que devem ser conhecidas nos impactos que elas possuem para muitas situações e contextos profissionais comuns no campo da educação física Em primeiro lugar vale observar que na vira da do século XX o processo de escolarização social FARIA FILHO et al 2004 se ampliou e em esca la planetária fez com que o acesso à escola se uni versalizasse Obviamente nesse ponto é importante não esquecermos que ainda há países ou localidades para quem os benefícios do mundo escolar estão muito distantes Ainda assim é fácil encontrarmos dados mostrando que realizar a ideia de educação como um direito de todos e um dever do Estado é algo concreto Uma realidade que sinaliza a centra lidade que a escola passou a ter para os processos formativos do mundo contemporâneo E não se es queça essa centralidade não se deu sem embates discordâncias e resistências Para termos uma ideia dessas dificuldades é valioso considerar que nas primeiras décadas nas quais enviar as crianças para AS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO O CORPO E A EDUCAÇÃO FÍSICA O LONGO SÉCULO XX ATIVIDADE 140 a escola se tornou uma obrigação para pais muitos recusavamse a enviar seus filhos para elas Muitos acreditavam que a educação era prerrogativa priva da muitos defendiam que uma escola laica era algo abominável para as concepções cristãs e havia aque les que pensavam que a educação escolar não deve ria ser oferecida aos trabalhadores E isso não era uma consideração apenas das classes dominantes mas uma posição corrente em muitos lares nos quais os pais empregavam seus filhos no trabalho produti vo Dito de outra maneira o aprendizado necessário para tornar a ida à escola um hábito e uma possi bilidade concreta foi longo penoso com direito a retrocessos e críticas Mesmo assim ele aconteceu Paralelamente a essas dificuldades de caracte rísticas mais políticas e ideológicas fundamental para tal situação foi o enfrentamento das dificulda des pedagógicas geradas pela frequência massiva de crianças Do ponto de vista pedagógico vimos que a escola se transforma para tornar o novo dia a dia es colar possível Nessa transformação vale sublinhar a formação e a ampliação de uma reflexão sistemática de pesquisa científica sobre os problemas e as possi bilidades da escola popular Os desafios gerados pela nova realidade educa cional no mundo construído nos século XIX e XX levou ao florescimento das Ciências da Educação Tratamse de especialidades científicas que passaram a se ocupar dos problemas e da inovação do contexto escolar com vistas a realizar uma ambição didática que remonta ao século XVII de Comênio ensinar mais melhor mais rapidamente e com prazer A necessidade dessa reflexão se fez sentir pois passadas as primeiras décadas de escolarização obri gatória o painel pintado por aqueles que avaliavam o mundo escolar não era animador As escolas pas saram a ser vistas como enfadonhas amedrontado ras incompetentes na tarefa de bem ensinar e educar Seus professores foram questionados sobre a correção e seus procedimentos e os assuntos ensinados toma dos como irrelevantes do ponto de vista educacional Os móveis os materiais as instalações nas quais fun cionava a escola parece não ter havido dimensão do mundo escolar que tenha ficado sem receber o olhar reprovador Esse olhar se fazia fortalecer pela recor rência com que dados foram produzidos demons trando dificuldades estruturais experimentadas por muitos países que buscaram universalizar a educação Estudos em psicologia da educação filosofia da educação sociologia da educação história da edu cação didática e biologia educacional surgiram e ganharam espaços em universidades e em centros de pesquisa indicando que a questão educacional se tornara algo muito relevante para o enfrentamento e entendimento dos problemas sociais que então exis tiam ou passaram existir O público escolar passou a ser alvo de investiga ções cada mais vez mais detalhadas O que se busca va era entender melhor os alunos para fornecerlhes uma educação que em seus procedimentos fosse menos empírica e cientificamente embasada Exem plificando o resultado desse empenho temos os estu dos de Stanley Hall 18461926 explicando o com portamento adolescente Jean Piaget 18961980 na década de 1930 já iniciava a sua importantíssima obra ao explicar como se desenvolvem intelectualmente as crianças em seus diferentes estágios Pierre Bovet 18781965 produzia elementos muitos importantes para constatar que as crianças tinham na competi ção e nas disputas e lutas entre si não um elementos de indisciplina ou um traço a ser educado mas uma característica incontornável da natureza infantil a ser aproveitada pela escola para melhor ensinálas e edu cálas de um modo a vencer os complexos desafios EDUCAÇÃO FÍSICA 141 formativos que se impunham no mundo escolar e só por meio dele poderiam ser encarados Esse conjunto de estudos científicos produzidos direta ou indiretamente ligados ao campo educa cional levaram à formação de críticas e proposições que visaram dar à escola uma nova característica A força desse empenho foi tanta que estudiosos o denominam de movimento renovador de esco lanovismo de escola nova Note que todas essas denominações claramente laudatórias ou elogiosas foram produzidas no calor das críticas às estruturas escolares existentes adjetivadas de escola tradicio nal aquela que ensinava uma prática destituída de qualquer embasamento científico mais profundo Embora essa visão possa ser problematizada pelo fato de se sustentar em embates pedagógicos mar cados pela polarização de visões diferentes do que deveria ser a instituição escolar foi ela que ganhou notoriedade e impactou modos de entender a edu cação vista como necessária à nova escola Fechando o foco na questão específica da edu cação corporal sistemática existente na escola esse conjunto de reflexões políticas pedagógicas e cien tíficas impactou enormemente a educação física Com o desenvolvimento de análises psicológicas re lativas à natureza infantil e aos modos corretos de se relacionar a ela assistese a uma grande valorização de práticas até então pejorativamente adjetivadas de infantis O jogo e a brincadeira antes vistos apenas como meros passatempos ausentes de qualquer in tencionalidade pedagógica passaram a ocupar uma inegável centralidade pedagógica não apenas na educação física mas na pedagogia de forma geral Na pedagogia de forma geral pois o ensino passou a ser considerado como mais efetivo se abarcasse o lúdico a experiência infantil autêntica A educação pelo menos nos livros dos estudiosos influenciados pelo escolanovismo ganhou uma característica mais prática com as crianças fazendo objetos manipu landoos colorindoos conversando sobre eles A ambição pedagógica era afastar a escola das rotinas tradicionais em que um professor fazia sua palestra para crianças imobilizadas em suas cadeiras No campo específico da educação física que acon tecia nas escolas essa nova consideração pedagógica levou a uma crítica ao predomínio da ginástica como prática formativa O caráter medido ritmado con trolado externamente por um professor que apenas impunha formas de movimentação paulatinamente recebeu outra avaliação De exemplo maior do cará ter educativo que poderia ter a movimentação cor poral passouse a crítica à distância entre essa prá tica e os anseios dos jovens e das crianças Em seu lugar os jogos e esporte No que diz respeito aos jogos lembrese que quando falamos sobre eles na unidade anterior fiz menção a Johan Huizinga e ao livro Homo Ludens Ou seja essa valorização do jogo não vinha apenas do campo pedagógico e es colar No que diz respeito ao esporte é interessante o fato de uma prática ganhar espaço social de forma tão acelerada passando de uma forma cultural local e socialmente específica de uma classe ganhando ares de possibilidade educacional Essa possibilidade no caso da educação física marcoua de modo profun do se considerarmos a maneira como ela se tornou quase que sinônimo de aulas de educação física Aqui tem um ponto muito interessante para verificarmos a importância de estudarmos a história da educação física note que está se construindo um traço pedagó gico das aulas de educação física que na atualidade se configura em um dos grandes desafios desse compo nente curricular Você aprenderá durante o curso que o esporte não é e não deve ser o único conteúdo das aulas que vier a ministrar nas escolas ATIVIDADE 142 Conforme os problemas pedagógicos da educação física escolar na atualidade venham a ser estudados por você será fácil perceber que muitas dificuldades encontradas pelos professores de educação física no desenvolvimento de seu trabalho são explicadas pela posição secundária do corpo e de sua educação se comparadas à preocupação que temos para ensinar o conteúdo da maioria dos outros componentes con ceituais por excelência É uma explicação intrigante se considerarmos que ela deixa entrever que a escola não reconhece plenamente as práticas corporais na escola não dandolhes o espaço que defendemos elas deveriam ter Um exemplo bastante elucidativo desse posicionamento podemos ler em um livro que exerceu e ainda exerce em minha avaliação grande influência no campo da educação física escolar Tra tase do já mencionado Educação de corpo inteiro de João Batista Freire No início do livro ele diz O CORPO TEM LUGAR NA ESCOLA EDUCAÇÃO FÍSICA 143 Às vezes falta visão ao sistema escolar às vezes faltam escrúpulos É difícil explicar a imobili dade a que são submetidas as crianças quando entram na escola Mesmo se fosse possível pro var e não é que uma pessoa aprende melhor quando está imóvel e em silêncio isso não po deria ser imposto desde o primeiro dia de aula de forma subida e violente Dá para imaginar o que representa para uma criança que passou sete anos se movimentando ser subitamente amarrada e amordaçada para como se diz aprender o que é para ela uma linguagem às vezes totalmente estranha A linguagem da imobilidade e do silêncio Seria o mesmo que pegar um professor idoso que há muito deixou de praticar atividades físicas a não ser as mais triviais e obrigálo a correr por alguns quilô metros em ritmo acelerado A violência seria idêntica O interessante é que nós professores não suportamos a mobilidade da criança mas queremos que ela suporte nossa imobilidade FREIRE 1994 p 12 É explícita e contundente a crítica feita por Freire 1994 não apenas à escola enquanto uma institui ção que não conhece aqueles que são o seu principal alvo mas críticas aos professores e a sua ignorância que imporiam a violência da imobilidade às crian ças Nessa ótica crianças corpo e movimento são colocados como sinônimos reverberando ideias pe dagógicas que você já verificou serem características da nova escola e defendidas por todo o século XX posicionandose contra a escola tradicional Fica fácil perceber também que ainda nos dias de hoje essa nova escola parece não ter se concretizado se considerarmos as palavras de Freire 1994 Antes disso temos a percepção de que é o ensino tradicio nal que prevalece se considerarmos as ácidas críticas do excerto lido Embora a citação anterior deixe entrever uma resposta negativa à questão com a qual finalizo esta unidade ou seja o corpo não tem lugar na escola avalio como interessante pensála sob uma perspec tiva histórica Esse procedimento relativiza a contun dência da negatividade apontada com a eloquência do exemplo anterior Por outro lado uma resposta positiva será mostrada como um opção duvidosa Com efeito mesmo com a necessidade de tomarmos decisões e oferecermos respostas aos problemas que nos afligem o zelo de quem pensa nas coisas com muito cuidado obriga o analista a esperar um pouco mais para pronunciar seus vereditos Como você pôde perceber nos itens anteriores a intensidade dos debates sobre a inclusão das práticas corporais na escola nos faz entender que é apenas a partir do século XIX que a educação física ganha um espaço importante nas estruturas escolares Ex plorando ainda um pouco mais o que foi dito sobre tudo no item anterior sublinho que as defesas sobre a pedagogização das práticas corporais não foram vozes unânimes no cenário educacional Havia de fato uma grande desconfiança não apenas sobre a valia da escola a ser oferecida para todos os mem bros da sociedade mas duvidavase sobre a neces sidade de trazer para seu interior o cuidado com a natureza corporal ATIVIDADE 144 Sabemos que na época clássica da antiguidade grega skholé era o tempo livre considerado como valioso para um aprimoramento do cidadão que se sustentava não apenas na relevante capacidade argu mentativa mas também na dimensão estética e atlé tica do corpo treinado Importante nessa reflexão é o fato de a escola tomada como um lugar específico de formação da infância e da juventude a partir da ida de média ter se transformado em um lugar em que a dimensão intelectual ganhou proeminência Essa ênfase na educação intelectual continuou a marcar as escolas que existiam na época moderna apesar da existência de muitos filósofos que advogassem a importância da educação física Lembremos aqui a já citada ênfase de John Locke na questão Todavia a ênfase dada pelo filósofo inglês à educação física era voltada à educação que acontecia no seio fami liar e não a que tinha lugar nos colégios nos séculos XVII Por essa razão é muito marcante e relevante para nós o que aconteceu no século XIX e XX tanto em termos pedagógicos que dizem respeito não ape nas às transformações ocorridas na escola quanto no que diz respeito às transformações que levaram à institucionalização da educação física por meio da presença da ginástica na escola A relevância das transformações que levaram à presença da educação física como prática escolar não deve nos levar a pensar que o corpo é abordado na escola apenas por meio disso que hoje chamamos de componente curricular Por essa razão a minha insistência em construir um entendimento no qual você queridoa alunoa saiba diferenciar educa ção corporal de educação física Se a educação física entendida como lugar e espaço de práticas voltadas sistematicamente ao esporte passou a ser pensada para todos e todas apenas no século XIX a educação corporal exis tiu na educação de todas as outras épocas e socie dades Essa afirmação vale inclusive para aqueles que defendiam a irrelevância do corpo o seu cará ter pecaminosolibidinal ou mesmo para aqueles que ao constatarem que a força e a resistência cor poral não eram mais necessárias à sobrevivência do homem cuidavam apenas do desenvolvimento da inteligência Isso podemos ver claramente não em discursos educacionais mas em estratégias dis ciplinadoras que caracterizam a rotina não apenas da escola atual mas das escolas em outras épocas e da educação que também ocorre fora delas Desse ponto de vista a educação corporal é algo sempre presente e muito eficaz para o alcance de muitos resultados educativos Essas reflexões são importantes para esboçarmos respostas à questão que intitula esta parte da unida de Afinal elas nos sinalizam que o corpo sempre es teve presente ou sempre teve espaço e tempos a ele EDUCAÇÃO FÍSICA 145 dedicados Mas o estudo do que estava acontecendo na escola e a presença que o corpo passou a ter nela a partir do século XIX colocou um elemento históri co novo e revolucionário ele inaugura um momento em que educação corporal e educação física escolar ladeiamse em um tempo em que tanto a escola quanto as práticas corporais ganharam muita aten ção e esforços sociopolíticos envidados por muitos setores sociais e educacionais para efetivarem sua importância Efetivação essa que se mostrou plena em dificuldades durante a história do longo século XX São elas que explicam desconfianças em relação ao poder da escola quando as práticas corporais das crianças e dos jovens são pensadas pedagogicamen te Mesmo que a luta encampada por Freire 1994 deva ser posta em perspectiva história para se com preender que ela nasce junto com a própria escola popular e foi por ela suas características possibilita das devemos reconhecer que a história nos mostra que essa luta por definirmos o espaço das práticas corporais na escola e na educação de forma geral é de inegável valor para que a escola e os demais espa ços educacionais sejam valorizadas sobretudo pelos alunos que a frequentam Deve ser observado que à escola em nível mun dial tem se dirigido muitas críticas que frequente mente dão conta de sua defasagem em relação ao mundo que se descortinou no início do século XXI em relação à presença massiva de novas tecnologias que subvertem modos rotineiros de se lidar com o conhecimento a ser transmitido Do mesmo modo as práticas corporais o lazer a saúde e o bemes tar individual e social das pessoas têm se costurado como elementos muito dependentes entre si Enten der como esses elementos que colocam o corpo no centro da atenção do mundo contemporâneo rela cionamse com o futuro e o passado da instituição escolar é uma reflexão da qual não podem fugir os professores de educação física Nunca é demais re petir a coragem para pensála tem no estudo da his tória uma de suas principais fontes Essa escola que nasceu e se expandiu nos séculos XVIII e XIX construiu em seu interior as bases pedagógicas do que hoje conhecemos como educação física escolar REFLITA 146 considerações finais P rezadoa alunoa chegamos ao final da penúltima unidade deste li vro percebendo que corpo práticas corporais objetivos educacionais e instituições educacionais possuem uma relação passível de ser in vestigada e entendida historicamente Consoante ao ímpeto que me leva a escrevêlo e você a procurar um curso superior de educação física que lhe possibilitou lêlo mais uma vez nossos olhares se voltam para o que a história das práticas corporais da educação corporal e da educação física escolar realizaram de um modo que tem caracterizado nossas reflexões Partimos de problemas pedagógicos e culturais enfrentados por nós nos dias de hoje indo a um determinado tempo distante do nosso cronologicamente e percebemos na tensão entre diferenças e semelhanças entre outros contextos e o nosso que muitos assuntos aparentemente simples e não enigmáticos mudam de feição Afinal se a importância da escola é algo que muitos não questionam e outros afirmam simplesmente não existir as análises evidenciam que devemos verificar que essa importância nem sempre existiu e do mesmo modo afirmar sua inutilidade no tempo é abrir mão de pensála atentamente como fizeram aqueles que a criaram nos séculos XVIII XIX e início do século XX O mesmo pode ser dito em respeito à presença das práticas corporais na roti na escolar se de um lado hoje muitos duvidam do valor e do potencial pedagó gico das aulas de educação física vimos que essas dúvidas também existiram no momento em que foram construídas as bases que formam o conjunto de proce dimentos didáticos os assuntos e os professores que dão vida a esse componente curricular na escola A relevância dessa discussão pode ser atestada pelo fato de ela ter existido praticamente em todos os países do mundo que encontravamse em condição sóciohistórica de escolarizar seus cidadãos Abordada a generalidade desse pro cesso caminhamos para o encerramento de nosso passeio histórico pela educa ção física focalizando de um modo mais detalhado como a construção da edu cação física escolar foi discutida e quais os desafios que ela enfrentou no contexto brasileiro 147 atividades de estudo 1 Diferencie educação corporal de educação física escolar 2 De que maneira as práticas corporais passaram a ser avaliadas no século XIX 3 Especifique as características que fazem a escola que surgiu nos século XVIII XIX e XX ser diferente das configurações escolares precedentes 4 A escolarização da sociedade que ocorreu na virada do século XX teve qual impacto para a história da educação física 5 Ao falarmos do período em que estudamos qual o cuidado que devemos ter ao falar de educação física na escola 148 LEITURA COMPLEMENTAR Parecenos haver uma dimensão ainda pouco explora da nos estudos históricos relativos ao processo de es colarização primária ou elementar Tratase daquilo que chamamos de educação do corpo uma das marcas mais tangíveis da difusão mundial da educação primária entre as décadas finais do século XIX e as primeiras décadas do século XX Para sua realização contribuíram discursos dispositivos práticas e saberes distintos em seu conte údo e origem Em trabalhos recentes diferentes autores têm procurado lançar luzes sobre essa temática e têm mostrado como os estudos sobre a história da educação do corpo se encontram entrelaçados a outras temáticas ou problemas de pesquisa tais como a educação dos sentidos e das sensibilidades os rituais disciplinares as prescrições científicas etc desdobramentos que fazem do corpo o lugar que abriga rejeita recebe devolve si lencia ou anuncia a abundância de encontros com a na tureza e com a cultura realizados pelos sujeitos Para dimensionar o olhar sobre tais peculiaridades bas ta nos remetermos às preocupações com a definição de espaços e tempos apropriados ao projeto de escolariza ção ao conjunto de formulações que refletiram sobre a higiene a saúde o cansaço ou o divertimento dos escola res à disposição dos chamados utensis materiais e equi pamentos básicos necessários para o fazer cotidiano nas escolas aos debates sobre os efeitos formativos da aplicação de castigos corporais ou sua impropriedade à retórica da necessidade de disciplinar comportamentos infantis e ao desenvolvimento de diferentes rotinas e rituais Por certo todos esses elementos deram ênfase e visibilidade às dimensões de um projeto de formação moral intelectual e não só corporal Nos propósitos deste trabalho abordamos prioritariamente o lento en gendramento de algumas disciplinas escolares e outras práticas educativas realizadas na escola e em seu entor no algumas com impressionante permanência Tendo a educação do corpo como escopo básico essas disci plinas e práticas delinearam um verdadeiro projeto de intervenção cultural Se esse projeto cultural comporta permanências com porta também deslocamentos Se ocorreram variações no trato pedagógico com os corpos infantis tanto nos discursos quanto nas práticas houve também a consoli dação de uma ideia de civilidade que se fortalecia a insti tuição de um ordenamento cultural capaz de afirmar que é possível e necessário educar as crianças e seus corpos Temos aqui regras básicas que continuam a influenciar Tratase de algo que funda baliza e expressa sentidos da história da educação na medida em que se repete e se modifica São regras que se manifestarão nas proposi ções pedagógicas que no Brasil ganharam relevo no fim do século XIX e na primeira metade do século XX Fonte Taborda de Oliveira e Linhales 2011 p 389 149 material complementar A educação física e a criação dos sistemas nacionais de ensino Carlos Herold Junior e Zélia Leonel Editora EDUEM Ano 2010 Sinopse tratase de uma versão de dissertação de mestrado Muitas das reflexões desenvolvidas nesta unidade são estuda das no livro de forma mais detalhada Tarja Branca Ano 2014 Sinopse tratase de um documentário que explora a importân cia do lúdico na vida de crianças e adultos Comentário não fala diretamente da escola e da educação física mas nos ajuda a pensar parte relevante de discursos e práticas que foram divulgados durante todo o século sobre a importância da educação em reconhecer características inatas à infância e à juventude Nessa natureza o jogo e o brinquedo são vistos como essencialmente corporais Na página do Centro de Referência Mário Covas há muitas infor mações vídeos e revistas sobre a educação de um modo geral e também sobre a história da educação Acesse e confira Link httpwwwcrmariocovasspgovbr 150 referências ANDRÓNIKOS M O papel do atletismo na edu cação dos jovens In YALOURIS N Os jogos olímpicos na Grécia Antiga Olímpia Antiga e os Jogos Olímpicos São Paulo Odysseus 2004 p 3968 ANTONOVICZ S HEROLD JUNIOR C O cor po da docência a mulher e a constituição do ensino normal em Guarapuava 19301960 1 ed Curitiba Edunicentro Fundação Araucária 2012 BRUHNS H T O corpo parceiro e o corpo adver sário CampinasSP Papirus 1999 CROSBY A W A mensuração da realidade São Paulo Editora da Unesp 1999 FARIA FILHO L M de et al A cultura escolar como categoria de análise e como campo de investi gação na história da educação brasileira Educação e Pesquisa São Paulo v 30 n 1 p 139159 janabr 2004 O processo de escolarização em Minas Ge rais questões teóricometodológicas e perspectivas de pesquisa In VEIGA C G e FONSECA T N de L e Orgs História e historiografia da educa ção no Brasil Belo Horizonte Autêntica 2003 p 77 97 FREIRE J B Educação de corpo de inteiro teoria e prática da educação física São Paulo Scipione 1994 HEROLD JUNIOR C A educação física no pensa mento educacional moderno no contexto francês do século XVIII Analecta UNICENTRO Guarapua vaPR v 7 p 4355 2006 Da instrução à educação do corpo o caráter público da educação física e a luta pela moderniza ção do Brasil no século XIX 18801925 Educar em Revista Curitiba n 25 p 237255 2005 A educação física na crise do capitalismo no século XIX Teoria e Prática da Educação Maringá PR v 7 n 2 p 163172 2004 HOBSBAWM E A era dos extremos São Paulo Companhia das Letras 1994 LOCK J Alguns pensamentos sobre a educação Coimbra Portugal Almedina 2012 SCHARAGRODSKY P Org La invención del homo gymnasticus fragmentos históricos sobre la educación de los cuerpos em movimento em occi dente Buenos Aires Prometeo Libros 2011 SPENCER H Da educação intellectual moral e phy sica Lisboa Empreza Litteraria Fluminense 1886 TABORDA DE OLIVEIRA M A LINHALES M A Pensar a educação do corpo na e para a escola in dícios no debate educacional brasileiro 18821927 Revista Brasileira de Educação Rio de Janeiro v16 n 47 p 389408 maioago 2011 151 gabarito 1 Educação corporal referese a processos que acontecem em toda a vida cotidiana e que impactam a nossa maneira de pensar perceber e usar nosso corpo Já a educação física escolar denomina práticas pedagógicas específicas executadas na escola a serem feitas sobre e por meio do corpo 2 As práticas corporais foram pensadas a partir de seu potencial pedagógico a ser aproveitado na escola 3 A escola que passou a existir nesse momento foi pensada como instituição a ser frequentada por todos os filhos das diferentes classes sociais então existentes Para isso acontecer a instituição escolar se reorganizou pas sando a funcionar em espaços específicos seriando seus alunos e deman dando novas abordagens metodológicas por parte de seus professores 4 Foi no processo de escolarização da sociedade que as práticas corporais passaram a ter lugar no interior das escolas Essa presença foi fundamen tal para o processo de expansão das práticas corporais em geral voltadas ao lazer à saúde e à competição esportiva 5 No período compreendido pelos séculos XVIII XIX e início do século XX a presença das práticas corporais na escola não se dava pela denominação educação física e sim mais comumente pela denominação de ginástica Nesse período o termo educação física referiase apenas à necessidade de educar o corpo e por meio do corpo Professor Dr Carlos Herold Junior Plano de Estudo A seguir apresentamse os tópicos que você estudará nesta unidade Escola e educação física na passagem ao século XX muitos pensamentos e uma realidade Discutindo a presença das práticas corporais na escola brasileira pluralidade de modelos Formando professores de educação física o que fica dessa história Os caminhos até nós como a educação física escolar se tornou o que é Educação física e escola pensando futuros ao pensarmos passados Objetivos de Aprendizagem Discutir a importância educacional das práticas corporais na educação brasileira no século XIX e início do século XX Verificar as configurações pedagógicas que deram vida à educação física à luz da escolarização ocorrida no Brasil Avaliar a história das práticas e instituições voltadas à formação de professores de educação física para atuarem na educação básica Estudar as alterações legais e pedagógicas que existiram na educação física brasileira durante o século XX Ponderar desafios contemporâneos a serem enfrentados pela educação física escolar brasileira A EDUCAÇÃO FÍSICA NA HISTÓRIA DA ESCOLA BRASILEIRA unidade V INTRODUÇÃO C aroa alunoa daremos o último dos passos de nossa caminha da pela história da educação física A essa altura do trajeto acre dito que você já tenha percebido muitos detalhes na paisagem antes desconhecidos Afinal até este momento discutimos a im portância do conhecimento história e sua riqueza na formação de professo res de educação Na unidade II vimos que o nosso corpo é alvo de diferentes olhares valorizandoo ou diminuindoo conforme a época que estudamos e a classe social cujas ideias e representações estudamos O mesmo ocorre com as práticas corporais para as quais um olhar histórico possibilita a verifica ção de que sobre elas muitas coisas importantes em termos sociopolíticos têm sido pensadas Foi estudado igualmente que tamanho valor fez com que boa parte das instituições educacionais e práticas pedagógicas fossem deve doras dos modos como a corporeidade infantil e juvenil fora avaliada ora como condição ora como problema para o alcance de objetivos educacionais Por tudo isso este último passo certamente será influenciado pelo conhecimento construído na trajetória até aqui caminhada Apesar da sensação de um esforço despendido deixar o passeio mais pesado na me dida que se avança a experiência obtida pelo que passou e a curiosidade por ver o fim deste primeiro caminho percorrido no campo da história da educação física dará energias extras para abordarmos nesta unidade V a escolarização das práticas corporais na história educacional brasi leira Como o processo que estudamos na unidade IV analiticamente pautado na generalidade de pensamentos fatos e instituições passíveis de serem encontradas em boa parte do mundo nos século XIX e XX materializouse no Brasil De que maneira particularidades históricas de nosso país influenciaram ou foram influenciadas pelas discussões educa cionais que aqui ocorreram no período que estamos analisando Ajeite confortavelmente a bagagem acumulada até aqui respire fun do e aperte o passo para conhecermos a importância da educação física escolar na história educacional do Brasil Bons estudos unidade V ATIVIDADE 156 ESCOLA E EDUCAÇÃO FÍSICA NA PASSAGEM AO SÉCULO XX MUITOS PENSAMENTOS E UMA REALIDADE EDUCAÇÃO FÍSICA 157 Para construir um entendimento sobre os papéis e os diferentes níveis de importância que teve a educa ção física na escola brasileira sugiro que você reflita comigo um pouco da história educacional de nosso país Penso ser válido esse pequeno desvio pois ao voltarmos à nossa rota teremos condições de per corrêla de um modo mais certo compreendendo boa parte de suas curvas sinuosas dos trechos mais acidentados e do destino ao qual ela nos leva Para isso uma postura muito importante a ser cultivada é a ponderação sobre o valor que possuiu a educação na história brasileira É muito comum quando se quer explicar os problemas que hoje exis tem atribuir aos políticos aos pedagogos e demais autoridades ligadas ao mundo educacional do pas sado a culpa por aquilo contra o que nós sabiamen te lutamos com pleno conhecimento de causa O tom um tanto quanto irônico dessa afirmação não duvida das nossas dificuldades educacionais hoje existentes muito menos do denodo com que muitas pessoas tentam superálas nos seus respectivos cam pos de atuação O tom irônico dirigese a uma visão simplificada da história educacional Visão essa que comumente afirma que a educação não teria rece bido a importância que deveria o que nessa ótica teria levado ao fato de termos professores desprepa rados escolas mal equipadas políticas educacionais pouco exitosas etc Ao olharmos a história da educacional brasi leira deparamonos com questões bastante impor tante sendo debatidas divergências agudas sobre os rumos a serem tomados pela escola lutas intensas sobre a ampliação do direito educacional e de seu apoio por parte do Estado do mesmo modo que é possível encontrar aqueles que sem negar a impor tância da educação vão defendêla como uma prer rogativa privada das famílias vendo como prejudi cial a interferência política no seu interior Não deve ser esquecida na ponderação sobre a história educacional no Brasil a marcante presença da Igreja Católica como agente educacional inicia da com a atuação da Companhia de Jesus e depois da expulsão dessa ordem em 1759 com a ação de outras congregações e irmandades Mas foi com a expulsão da companhia que uma determinada ação do Estado pôde ser vista na realidade brasi leira Inicialmente ela foi marcada pela criação das Aulas Régias por parte do Marquês de Pombal To davia foi com a proclamação da Independência do Brasil em 1822 que temos um marco importante para pensarmos na expansão da educação na socie dade brasileira ATIVIDADE 158 Avolumamse ali efetivamente um conjunto de discussões e decisões sobre o papel da educação na construção de um país que clamava pela liberdade ao romper o pacto colonial mas que continuou a con viver com o trabalho escravo até 1888 De qualquer modo estava aberta a problemática de construir uma nação de dar azo a um sentimento nacional que ape sar de forte o suficiente para estimular a ruptura com Portugal ainda não possuía a pujança necessária para fazer frente aos desafios impostos pelo que era neces sário ao país para se integrar à economia e à política internacional de um modo independente Em termos educacionais essa preocupação ma nifestouse em 1827 na criação da primeira regu lamentação brasileira especificamente educacional que estipulou ser a educação um direito dos cida dãos Vale observar que essa cidadania não era uma prerrogativa de boa parte daqueles que aqui habita vam no século XIX Não apenas pelo fato de parce la relevante desses brasileiros serem escravos mas também pelo fato de haver critérios econômicos que possibilitassem a condição política de cidadão Atentese à complexidade dessa situação Mesmo que essa condição tenha diminuído em muito o alcance de qualquer discussão educacional por limitar o número de possuidores dos tais direi tos educacionais as limitações materiais para a ex pansão da escola impediam que mesmo os cidadãos tivessem escolas em número suficiente para atender às suas necessidades culturais e econômicas Esses limites materiais da educação brasileira iam sendo constatados na igual medida de preocu pações sobre o que eram e sobre o que deveriam ser os brasileiros Paralelamente ao esforço educacio nal de abordar essa dúvida a preocupação higiêni ca foi importante É isso que nos diz Soares 1994 quando afirma No Brasil por volta da segunda década do sé culo XIX já em momento posterior à conquis ta de sua independência é desencadeado um vigoroso projeto de eugenização da população brasileira Este projeto se coloca como pos sibilidade de alteração de um quadro onde a metade da população do Brasil era constituída de escravos negros índice que permanece até por volta de 1850 quando para uma popula ção de 5520000 pessoas livres encontramse 2500000 negros SOARES 1994 p 89 Soares 1994 fala de uma pedagogia higiênica exis tente no Brasil durante o século enfatizando que essa inquietação nos anos que se seguiram à Pro clamação da Independência reduziram a família de elite agrária num primeiro momento e a família burguesa citadina num segundo SOARES 1994 p 91 Essa situação vai se alterar apenas com os desdobramentos da história cultural política e eco nômica brasileira que levaram a sociedade a ques tionar a viabilidade do trabalho escravo e a estrutu ra política imperial levando ao fato de o discurso normativo e disciplinador da higiene se estender à toda população ou seja quando o trabalho assala riado se torna preponderante SOARES 1994 p 91 Podemos pensar na necessidade de ampliação desse discurso disciplinador analisandoo e tendo como anteparo as discussões levadas à cabo sobre a abolição da escravatura A partir da década de 1860 a problemática ficou cada vez mais evidente impac tando a questão educacional de um modo mais dire to Ao ser avaliada a situação econômica e educacio nal do país passouse a atribuir à educação a tarefa de formar o novo tipo de trabalhador para assegurar que a passagem se desse de forma gradual e segura evitandose eventuais prejuízos aos proprietários de terras e de escravos que dominavam a economia do país SAVIANI 2007 p 159 EDUCAÇÃO FÍSICA 159 Explorando ainda um pouco mais o desenho do contexto educacional brasileiro ao lado dessas ques tões culturais e econômicas que estimulavam uma atenção à ampliação da oferta educacional temos também a conjuntura política O questionamento à ordem imperial a passagem a uma ordem repu blicana a formação de cidadãos brasileiros a partir de exescravos e também de imigrantes sobretudo europeus fizeram com que as questões educacio nais tivessem sua relevância aumentada aglutinan do ideias propostas e também os desafios a serem superados por contexto econômico dependente dos países capitalistas centrais Nesse sentido o papel atribuído à educação es colar era criar uma unidade nacional em torno da qual cada indivíduo que havia abandonado sua antiga relação de dependência seja com a natureza pródiga ou com o seu senhor fosse mobilizado a trabalhar mais em nome do pro gresso da nação acreditavase na escola para formar essa alma nacional que levaria ao grau de modernização alcançado pelos países centrais SCHELBAUER 1998 p 137 Esse conjunto de debates e problemáticas erigido no desenvolvimento da história brasileira durante o século XIX deu à questão da educação física uma importância palpável Tanto para a questão produ tiva relacionada ao trabalho passando pela obser vância higiênica das famílias chegando à formação da incipiente nacionalidade republicana é possível perceber que ao lado da reivindicação de mais es colas que realizassem a possibilidade de todos terem nela lugar havia a reivindicação de se educar fisi camente a população Ao lermos os artigos livros documentos e imagens produzidas nesse contexto a percepção de o corpo individual ganhar uma impor tância sociopolítica no Brasil é algo que nos faz ver o esforço da sociedade brasileira em se escolarizar E ao fazêlo a educação corporal e sua escolariza ção foram partes inerentes no processo Nesse ponto é importante voltarmos à discussão que aborda de um lado a presença da educação corporal na so ciedade e na escola diferenciandoa dos processos específicos que chamaríamos de educação física Fa lando em primeiro lugar dos processos mais amplos Fonte Família e Escravos no Brasil CHAMBERLAIN 1822 online2 ATIVIDADE 160 e retomando advertências feitas na unidade anterior Taborda de Oliveira et al 2003 fazem uma explica ção que é importante você considerar para entender de um modo mais aprofundado a crescente presença do corpo nas estruturas escolares que não sem difi culdades ampliavase em práticas corporais escolares estamos nos referindo a um conjunto de manifesta ções intraescolares que indicam ou podem indicar as formas como foi concebida ao lon go do tempo a escolarização e o seu papel na formação humana Essas práticas podem bem estar assentadas na organização do tempo e do espaço escolares por exemplo na dispo sição das cadeiras no mobiliário na definição de espaços de acordo com funções específi cas como na própria manifestação corporal dos agentes escolares punições gestualidade etc e chegando às manifestações corporais autônomas ou tuteladas dos alunos brinca deiras formas de comportamento atividades etc Portanto as práticas corporais escolares incluem e superam aquelas práticas ou ativi dades afeitas apenas à Educação Física TA BORDA DE OLIVEIRA et al 2003 p 7 Taborda de Oliveira et al 2003 ao fazerem essa identificação oferecem elementos para que pen semos na relevância do corpo e dos diferentes procedimentos educacionais a ele voltados para o contexto brasileiro de então Por conta disso o corpo sua educação e sua escolarização ocuparam intelectuais e políticos atuantes naquele momen to As defesas em relação à educação corporal e sua presença sistemática escolar era apresentada como uma espécie de verdade inquestionável HE ROLD JUNIOR 2005 Rui Barbosa foi um dos intelectuais e políticos com grande envolvimento na questão educacional da juventude e que possuía um vasto leque de informações sobre o que esta va sendo discutido em várias parte do mundo em termos pedagógicos Em uma de suas passagens mais conhecidas escrita em 1882 ao falar sobre a educação física pondera Não pretendemos for mar acrobatas nem Hércules mas desenvolver na criança o quantum necessário ao equilíbrio da vida humana a felicidade da alma a preservação da pá tria e a dignidade da espécie BARBOSA apud HEROLD JUNIOR 2005 p 245 Fonte Rui Barbosa DIAZ 1923 online3 EDUCAÇÃO FÍSICA 161 Outro modo de enxergarmos a maneira como a questão da educação física foi ganhando espaço nas últimas décadas do século XIX é analisar os anais do Congresso de Instrução que aconteceria no Rio de Janeiro em 1883 A reunião acabou por não acontecer muito embora as teses que seriam apresentadas tenham sido publicadas Nele profes sores políticos e outros grupos ligados ao mundo educacional reuniriamse para verificarem o modo como a educação estava sendo encarada e quais as mudanças avaliadas como importantes Um dos congressistas ao escrever sobre a educação física é claro na apresentação de justificativas que a toma vam como um elemento incontornável do período em termos pedagógicos A tendência que esta a criança tem para oporse à quietação é uma força latente que a natureza faz atuar em seu organismo com o fim de auxiliar o desentorpecimento o de sembaraço o crescimento harmônico e simul tâneo de todas as suas faculdades physicas e não physicas e a natureza não consente que se infrinjam impunemente suas leis Se qui sermos sopear aquela força condenando a puerícia à imobilidade a natureza vingase vingase também a meninada CONGRESSO DE INSTRUCÇÃO apud HEROLD JUNIOR 2005 p 251 Ao lermos apenas algumas das numerosas manifes tações em defesa da educação física na escola a ser frequentada por todos os cidadãos temse a im pressão de que estamos lidando com um fato am plamente aceito por parte de toda a sociedade e que teria sido implantado imediatamente naquele mo mento Porém não é esse o cenário mesmo com as defesas da escola e da educação física em seu inte rior a concretização plena desse ideário passou a acontecer de um modo mais visível apenas a par tir de 1930 Até os anos 30 prevaleceram diferen tes procedimentos sobre a educação física escolar procedimentos esses criados individualmente em cada Estado imprimindo a essa dimensão educa cional uma variedade de práticas e rotinas muito longe portanto da ambicionada unidade em tor no de uma verdade inquestionável Fernando de Azevedo sd em uma reedição de uma obra ini cialmente publicada em 1915 teceu um panorama que nos faz pensar nos problemas enfrentados pela educação física escolar Um dos mais salutares temas de meditação que se antolham aos poderes públicos e educadores preocupados com os problemas a cuja solução se ligam os efeitos benéficos ou prejudiciais dum sistema educativo é o estado da cultura física em nossas escolas em geral e o modo como no Brasil é administrada a educação fí sica Realmente é difícil encontrar um país em que esteja menos vulgarizada a noção do ver dadeiro papel que compete à educação física AZEVEDO 1971 p 149 É importante verificar nessa citação o problema da cultura física não a cultura física em si mas a pe dagogização de sua prática na instituição escolar Para ajudar você a entender essa problemática é importante levar em conta que a questão não re sidia apenas no estado da cultura física mas na forma como a educação pública obrigatória lai ca e gratuita vinha se construindo no Brasil No próximo item vamos analisar mais detidamente alguns detalhes dessa construção atentandonos para o modo como o desenvolvimento histórico educacional brasileiro delimitou algumas caracte rísticas e possibilidades da expansão da educação física escolar ATIVIDADE 162 Caroa alunoa quando estudamos os fenôme nos que nos interessam sob um ponto de vista histórico um dos desafios é realizar uma ponde ração precisa sobre a presença das deliberações individuais no âmbito da coletividade em que elas existem do mesmo modo que se quer saber como uma determinada coletividade ou conjunto de va lores sociais compartilhados levam os indivíduos a pensarem e a agirem de determinadas maneiras e não de outras DISCUTINDO A PRESENÇA DAS PRÁTICAS CORPORAIS NA ESCOLA BRASILEIRA PLURALIDADE DE MODELOS Fonte Escola Municipal Ada Sant Anna da Silveira WIKIMEDIA COMMONS 1927 online4 No caso da história da educação física essa re flexão tem seu valor pois um dos grandes objeti vos de estudála é verificar que o corpo as práticas corporais e a educação que delas surge são passíveis de serem entendidas por terem acontecido em um determinado momento possuidor de valores socio culturais políticos e econômicos diferentes da épo ca em que vivemos Todavia para acessálos e co nhecêlos obtendo assim condições para entender melhor o assunto que estudamos é fundamental nos EDUCAÇÃO FÍSICA 163 do de Azevedo fundou uma tradição explicativa que atribui ao referido ato o fato de o Estado brasileiro ter dificuldades que ainda existem em assumir a educação como direito de todos e de providenciar as condições materiais e pedagógicas para realizálo Para ele o referido ato foi uma das maiores aber rações na evolução política imperial AZEVEDO 1971 p 574 A assim chamada aberração levou à seguinte situação O Ensino público estava condenado a não ter organização quebradas como foram as suas articulações e paralisado o centro diretor na cional donde se devia propagar às instituições escolares dos vários graus uma política de educação e a que competir coordenar num sistema as forças e instituições civilizadoras esparsas pelo território nacional AZEVEDO 1971 p 574 A força dessas ideias e a penetração retórica de Fernando de Azevedo na abertura de um caminho explicativo para os limites educacionais brasileiros porém devem ser consideradas com atenção Afi nal como diz Saviani 2008 p 129 não se pode atribuir ao Ato Adicional a responsabilidade pela não realização das aspirações educacionais no sécu lo XX Essa tendência frequente na historiografia educacional SAVIANI 2008 p 129 deveria le var em conta as particularidades sociais políticas e econômicas do momento em que o ato foi institu ído particularidades essas que deixaram de existir nos anos finais do século XIX e início do XX De qualquer modo ficou a cargo das Assembleias Pro vinciais no Império e das Assembleias Legislativas nas primeiras décadas da República lidar com a crescente constatação dos problemas e das possibili dades educacionais pensadas como uma necessida de de um país independente economicamente inte atermos ao pensamento de alguns personagens que desempenharam papel fundamental na história que nos interessa Esse é o caso de Fernando de Azevedo Ao lado da grande relevância desse educador paulista para a história educacional brasileira como um todo para a educação física e sua inserção na escola seu pensamento e sua análise do contexto brasileiro foram fundamentais A obra que citamos anteriormente foi resultado de um concurso por ele prestado para uma vaga de professor de educação física em Belo Horizonte Mesmo não tendo sido aprovado a obra ficou como a primeira e uma das mais contundentes análises empreendidas sobre o assunto no momento em que foi escrita assim como continua a ser há cem anos considerando que o concurso mencionado aconteceu em 1915 No item anterior você percebeu que apesar das defesas em relação à importância da educação físi ca escolar ser apresentada como uma verdade cien tífica inquestionável na ordem dos assuntos sociais e políticos do Brasil no fim do século XIX e início do século XX os analistas da questão entre eles Rui Barbosa e Fernando de Azevedo avaliavam que aquelas defesas não teriam produzido os resultados esperados É importante não perder de vista que aos problemas relativos a essa questão específica da educação física somavamse problemas estruturais da educação brasileira Ao explicar esse conjunto de desafios e problemas educacionais um fator foi posto em destaque uma determinação do ato adi cional à constituição de 1823 ato esse publicado em 1834 em que o governo central desobrigou se de cuidar das escolas primárias e secundárias transferindo essa incumbência para os governos provinciais SAVIANI 2008 p 129 Ao avaliar a história educacional brasileira e seus problemas nos anos de 1920 e 1930 Fernan ATIVIDADE 164 grado ao capitalismo internacional e com aspirações políticas liberais Foram essas transformações que possibilitaram a sociedade do período a ver na ques tão educacional um ponto de reflexão necessário o que podemos observar mais uma vez pelo tom da crítica de Fernando de Azevedo A educação teria de arrastarse através de todo o século XIX inorganizada anárquica incessan temente desagregada Entre o ensino primário e o secundário não há pontes ou articulações são dois mundos que se orientam cada um na sua direção As escolas de primeiras letras como as instituições de ensino médio em geral ancora das na rotina AZEVEDO 1971 p 576 Com esse pensamento é necessário provocar ou tro em que isso nos ajuda a entender a história da educação física na escola que existiu no final do sé culo XIX e início do XX Resposta mesmo com a constante lamentação de que a educação física não recebia a importância que deveria ao estudarmos a história da educação das diferentes provínciasEs tados brasileiros notamos esforços que evidenciam um processo crescente de escolarização das práticas corporais Mesmo sem a unidade nacional pretendi da por Azevedo e sem a força que essa escolarização poderia ter caso tivesse sido uniformizada por uma ação que minimizasse impossibilidades regionais para sua concretização suposições essas que devem ser questionadas à medida que estudamos um perí odo histórico buscando nele suas necessidades sem projetarmos para outras épocas as nossas próprias necessidades a problemática da educação física escolar foi sendo abordada de forma cada vez mais regular produzindo com isso uma variedade de modelos e justificativas pedagógicas que acabavam por se unir em um ponto fundamental cada Estado a seu modo reconhecia a importância formativa a ser atribuída à pedagogização das práticas corporais Para ilustrar esse processo variado de escolari zação das práticas corporais sugiro conhecermos alguns desdobramentos desse assunto em alguns Es tados brasileiros Tarcísio Mauro Vago 2010 estudou a história da educação e educação física mineira Ao fazêlo ele nota que a decadência do ciclo econômico base ado na exploração do ouro demandou uma mudan ça do eixo econômico e cultural que se deslocou da cidade de Ouro Preto para a capital mineira Belo Horizonte Essa mudança provocou muitas outras no cotidiano de um pacato arraial que se tornou uma vitrina para a República VAGO 2010 p 16 A vida social política e econômica que acontecia no novo regime fez com que muitos setores sociais pen sassem a respeito das mudanças necessárias para a realização da assim vista incontornável ambição civilizatória a ser assumida pela escola Nessa ótica ela deveria receber as crianças pobres e fazer delas cidadãos VAGO 2010 p 19 Fonte Modestino Gonçalves WIKIMEDIA COMMONS 1906 online5 EDUCAÇÃO FÍSICA 165 No conjunto dessas transformações em 1906 foi decretada uma reforma do ensino primário que colocou os Grupos Escolares como instituições escolares centrais de um novo contexto que deu à educação a ser oferecida pela escola o eixo central dos variados processos formativos até então prer rogativa das famílias Mas os problemas logo se fizeram sentir apesar das justificativas para as mu danças focarem as classes populares como princi pais beneficiárias não foram as crianças pobres as principais frequentadoras dessas instituições mo delares Perceba que se trata de um problema bas tante sério considerando que o discurso político que justificou a passagem ao modelo republicano pautavase na ideia de ampliação da cidadania e de igualdade Ou seja apesar de a nova cultura esco lar ser vista como construtora dessa igualdade de oportunidades justamente ela evidenciava em seu dia a dia as contradições de uma igualdade política cimentada em um mundo de grandes disparidades sociais e econômicas Outro problema observado por Vago 2010 ao lado dessa característica excludente da forma escolar que se impunha era o fato de ela não ser aceita com tranquilidade por pais alunos e os próprios profes sores Vago 2010 explica com bastante clareza os problemas gerados pela obrigatoriedade escolar no contexto mineiro no início do século XX Ora se muitos pais não estavam enviando seus filhos à escola é porque não estavam convencidos da necessidade dela ou mais especificamente da necessidade de conheci mento que ela veiculava para os afazeres mais imediatos das famílias As famílias tinham dificuldade de liberar os meninos que atua vam como mão de obra na lavoura seja em pequenas propriedades da família seja como empregados em outras propriedades porque desse trabalho dependia certo equilíbrio em suas despesas No caso das meninas era difí cil não têlas como ajudantes nas tarefas do mésticas VAGO 2010 p 26 Perceba que nessa afirmação temos elementos his tóricos bastante significativos para refletirmos sobre as dificuldades enfrentadas pela expansão do mun do educacional formal elementos que vão além da falta de vontade política comumente atribuída aos que viveram em um determinado passado para re alizar aquilo que nós queríamos que eles fizessem De qualquer maneira em que pese essas dificulda des a sociedade mineira se escolarizou nesse perí odo fazendo com que a escola se tornasse a grande detentora de uma necessária prioridade mudar há bitos arraigados esparramar a ciência para susten tar a moralidade algo a ser feito em um cotidiano escolar em que o corpo dos alunos foi colocado no centro das práticas escolares com o objetivo de constituílo ou reconstituílo racionalmente VAGO 2010 p 28 Com o desenrolar dessas mudanças que deram à escola centralidade peçolhe que se atente à im portância que teve o corpo na expansão do mun do escolar Vago 2010 retoma a necessidade de diferenciarmos a educação corporal materializada da necessária educação physica que era vista como importante à escola e que não deveria se restringir a um único momento específico das práticas pe dagógicas tal como uma disciplina escolar Toda via o pesquisador mineiro nos adverte que foi na escolarização da sociedade mineira que pudemos enxergar o nascimento de uma disciplina escolar VAGO 2010 p 30 o que é analisado por ele da seguinte maneira ATIVIDADE 166 O aparecimento dessa nova forma escolar foi de fato determinante para a constituição pau latina da Ginástica como disciplina do progra ma de ensino A Gymnastica foi produzida como um dispositivo central para a pretendida educação physica das crianças Sua inserção nas práticas de escolas primárias de Belo Horizon te fundamentouse dentre outras razões na crença em suas possibilidades de transformar os corpos das crianças representados como raquíticos débeis fracos em desejados corpos sadios belos robustos e fortes Esperavase dela uma participação decisiva no processo de cons tituição de corpos infantis VAGO 2010 p 31 Se focalizarmos a escolarização da ginástica como momento fundante de uma disciplina escolar temos no estado do Paraná um cenário parecido apesar de suas particularidades O contexto paranaense enfren tou assim como o mineiro a necessidade de adap tarse aos novos rumos políticos e à urgência de inte grar sua economia à modernização Nesses embates a educação foi uma problemática recorrente fazendo com que o Paraná também envidasse esforços para escolarizar sua sociedade Como em muitos outros estados fez isso lutando contra limites materiais com preensíveis a um contexto marcado por constantes pressões oriundas da ampliação da demanda escolar Putcha 2007 ao estudar a escolarização da gi nástica no contexto paranaense do início do século XX observa que de 1882 a 1921 em documentos legais tocantes ao ensino regulamentos de instru ção pública portarias códigos de ensino e progra mas de ensino apenas 1 de 11 documentos não mencionam a ginástica como elemento a ser pra ticado nas escolas do Paraná PUTCHA 2007 p 52 Ao concluir seu estudo oferece mais uma base para percebermos a maneira como o nascimento da escola moderna e as bases da educação física es colar foram importantes uma para a outra A partir das reformas efetuadas na instrução pública primária paranaense localizamos um processo de afirmação da gymnastica princi palmente em decorrência da implantação do ensino seriado Além do tempo espaço con teúdos métodos e objetivos que foram con siderados ao longo das reformas anteriores com a implementação do ensino seriado e como advento dos grupos escolares esta pas sou a contar com um instrutor exclusivo A possibilidade de reunir os alunos de diferen tes séries para que juntos pudessem realizar os exercícios gymnasticos só foi possível com este tipo de organização do ensino primário PUTCHA 2007 p 103 Dos dois exemplos estudados acima Paraná e Minas Gerais evidenciamse o fato de em dife rentes estados brasileiros a forma escolar pautada nos Grupos Escolares caracterizarem a necessida de de as sociedades se escolarizarem Além disso notamos que em todas elas o corpo individual dos alunos tornouse uma preocupação pública esti mulando não apenas práticas de educação corpo ral que abordaram a corporalidade infantil de for ma indireta construção de espaços mais amplos móveis escolares uso de uniformes etc mas principalmente a criação de um momento espe cífico de educar o corpo dos alunos a educação physica passava lentamente e dependente de par ticularidades de cada região em que era debatida e criada a ser entendida vista e praticada como disciplina escolar Como tornar a educação e a educação física questões passíveis de serem pensadas sistemicamen te gerando uniformidade de planejamento e execu ção em todo o país Qual o papel do estado na de terminação dos direitos e dos deveres educacionais gerais assim como os atinentes à educação física EDUCAÇÃO FÍSICA 167 Durante a década de 1920 e 1930 isso foi bastante discutido paralelamente à expansão da escola or ganizada no âmbito da realidade de cada um dos estados Isso mudará e gerará impactos impor tantes para a educação física escolar Mas antes de abordar a criação de um sistema nacional de ensi no que também organizaria a educação corporal sistemática a ser realizada pela escola brasileira vamos abordar outra questão diretamente impac tada pelo fato de as práticas corporais e sua escola rização no período que estamos estudando darem seus passos Brasil a fora vamos nos deter na for ma como a maior exigência de professores levou à construção das primeiras estruturas e instituições formativas desses profissionais ATIVIDADE 168 Para todos nós na atualidade não são necessárias muitas reflexões sobre a importância de buscarmos uma formação acadêmica para atuarmos em pro fissões ligadas à educação e à saúde Quando é to mada a decisão sobre o trabalho em qualquer um desses campos automaticamente iniciamos a busca por um curso em nível superior Durante os estudos são ensinadas não apenas questões técnicas relativas FORMANDO PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA O QUE FICA DESSA HISTÓRIA Fonte Minerva UFRJ WIKIMEDIA COMMON 2010 online6 à profissão escolhida mas dimensões éticas sociais e históricas de um determinado grupo profissional Aliás é o que estamos fazendo neste momento des de o início deste livro No caso da educação física como campo de atuação o raciocínio básico que justifica a necessidade de uma formação profissio nal sistematizada e publicamente reconhecida por meio do recebimento de um diploma é o fato de se assumir que o trabalho pedagógico recreativo es portivo assim como o trabalho ligado à busca por mais qualidade de vida por meio das práticas cor porais demanda cuidados e procedimentos que não se aprendem apenas repetindo aquilo que é feito por outros atuantes da áreas Além disso ao ingressar no ensino superior em educação física você verá caso ainda não tenha percebido que os professores possuem diferentes especialidades construídas em uma sequência de estudos realizada após sua graduação em nível de especialização mestrado e doutorado Para tanto além de aprofundarem seu próprio conhecimento absorvendo a bagagem intelectual produzida sobre aquilo que lhes interessa esses professores ao obje tivarem formar novos profissionais também produ ziram novos conhecimentos ao concluírem os dife rentes níveis de sua formação pósgraduada Esses EDUCAÇÃO FÍSICA 169 realidades culturais diferenciadas entre si mas que ao pensarem nas ginásticas nos jogos nas lutas e nos esportes atribuíram significados socioculturais e educacionais para endossar e justificar publica mente aquilo que faziam corporalmente Defesas sobre a importância do aprimoramento da higiene sobre o aperfeiçoamento de uma raça sobre o for talecimento da virilidade e a redefinição da femi nilidade foram alguns dos elementos que fizeram muitas pessoas estudarem e pesquisarem as formas corretas de se praticar aqueles elementos bem como descrever os resultados a serem obtidos por uma prática racional Essa racionalidade encontrou na ciência seu grande suporte enfatizando que os re sultados benéficos que se esperava alcançar apenas seriam alcançados se praticantes e aqueles que ini ciavamensinavamcoordenavam as seções em que isso ocorria tivessem sólida formação conhecimentos foram e são avaliados discutidos e igualmente são utilizados por outros cientistas em seus próprios trabalhos de pesquisa Dizendo tudo isso de um modo mais direto a educação física hoje é um campo profissional e um campo acadê mico bastante regulamentado com suas tradições e exigências Elas devem ser atendidas por aqueles que ambicionam trabalhar ou pesquisar assuntos atinen tes a ela Mesmo que existam problemas e debates intensos sobre a solidez das bases dessa formação profissional e da produção de conhecimento elabo rado pelo conjunto desses professorespesquisado res deve ser notado o avanço que isso significou tomando como parâmetro o empenho e o caminho percorrido para se construir essa grande e comple xa estrutura profissional e científica da qual você se aproximou desde que iniciou seu curso de gradua ção em educação física Esses esclarecimentos servem para enfatizar a importância do que faremos nas próximas páginas desenvolveremos uma reflexão sobre a trajetória que trouxe essa condição até nós Vamos estudar alguns pontos desse caminho para que sejam percebidos alguns momentos da construção desse edifício pro fissional e acadêmico que é a área de educação física Inicialmente para pensarmos em alguns ele mentos da história da formação profissional em edu cação física deve ser considerado que a necessidade dessa formação se deu em um momento em que se cruzaram três ordens de problemáticas formativas Em primeiro lugar já vimos que no século XIX e nas primeiras décadas do século XX houve uma grande expansão de práticas corporais Vimos tam bém que essas práticas foram absorvidas por muitas Fonte Brasil Copa América 1919 WIKIMEDIA COMMON 1919 online7 ATIVIDADE 170 Consequentemente surgiram estudos cien tíficos sobre o movimento humano que eram elaborados e publicados em forma de livros A demanda para o consumo desse tipo de estudo só aumentava no início do século XX No Bra sil Sevcenko 2012 observa no Rio de Janeiro uma ética do corpo e da ação em que as pessoas assumiam a ginástica e cada vez mais o espor te como práticas importantes em seu dia a dia É compreensível que em tal contexto com pesso as ensinando as modalidades que passavam a ser cada vez mais buscadas levantouse a questão de saber quem eram essas pessoas que ensinavam essa nova ética baseada na exercitação corporal Além disso inquietante também foi a dúvida so bre o que elas deveriam saber para lidar com os desafios que seriam tão importantes de serem vencidos a julgar pelo impacto que eles teriam na formação de uma nação forte Ao lado do florescimento da importância da cultura physica em boa parte do Brasil nos anos 1920 importante para o desenvolvimento de prá ticas e instituições formativas relacionadas à edu cação física foi a expansão do mundo escolar Foi estudado no tópico anterior que isso acontecia em muitos estados brasileiros da mesma maneira que foi visto que no interior dessa escola a ginás tica foi vista como necessária para a realização do novo ideário educativo a ser concretizado não apenas para as famílias da elite mas principal mente para os filhos das classes trabalhadoras Essa realidade fez com que os estados brasileiros que expandiam sua rede escolar o que faziam na maioria dos casos com grandes dificuldades e com um ritmo menor do que o desejado dis cutissem soluções para suprirem as escolas que surgiam com um professorado capaz de resolver a contento os novos desafios que se impunham Saviani 2008 endossa essa reflexão afirmando A partir do século XIX a necessidade de universalizar a instrução elementar condu ziu à organização dos sistemas nacionais de ensino Estes concebidos como um conjun to amplo constituído por grande número de escolas organizadas segundo um mesmo pa drão viramse diante do problema de formar professores também em grande de escala para atuar nas referidas escolas SAVIANI 2008 p 08 No século XIX e nas primeiras décadas do sécu lo XX os primeiros passos dados no sentido de uma formação de professores eram dados prio Fonte Pavilhão WIKIMEDIA COMMONS 1907 online8 EDUCAÇÃO FÍSICA 171 ritariamente nas escolas normais de nível secun dário Conforme os problemas educacionais se ampliaram infelizmente em um ritmo maior que a ampliação das escolas existentes ainda assim a formação de professores foi se tornando uma problemática cada vez mais discutida A partir da década de 1930 a formação em nível secundário foi considerada como insuficiente para as novas exigências pedagógicas levando a um amplo pro cesso de discussão e medidas que criaram o es paço acadêmico dos estudos educacionais SA VIANI 2008 p 18 colocando a formação dos professores que atuariam na educação básica para o interior das universidades A terceira ordem de problemática formativa diz respeito justamente às universidades Dife rentemente do que ocorreram com os países de colonização espanhola no Brasil o desenvolvi mento do ensino superior aconteceu e se acele rou tardiamente Apenas na década de 1930 que a base da estrutura universitária se instaura e em seu interior a formação de professores tanto os professores em geral quanto os professores de educação física No caso dos professores de outras disciplinas escolares Saviani 2008 demonstra a existência de muitos debates sobre o lugar da edu cação no ensino superior As incertezas sobre essa localização davase pelas tensões entre defensores de uma formação do professorado mais aproxi mada às especificidades educacionais integrando formação teórica e formação profissional voltadas às exigências pedagógicas em que a produção do conhecimento acontecesse paralelamente e imbri cadamente com os desafios didáticos e metodoló gicos da escola e os defensores de uma formação meramente profissionalizante do professorado fazendo Saviani 2008 constatar que neste úl timo caso separase o profissional do cientista SAVIANI 2008 p 39 Para verificarmos as di ficuldades existentes na história educacional bra sileira foi essa última opção a que foi prevalente nos embates políticopedagógicos que existiram na Era Vargas lançando com isso as primeiras bases da formação superior para professores da educação básica ajudandonos a entender alguns dos desafios que ainda hoje existem Vistas as três ordens de problemáticas apre sentadas para que você compreenda a trajetória da formação profissional em educação física pas semos então a estudála em alguns pontos Com a expansão das práticas corporais e o conjunto de discursos a justificar a adesão a essa prática mesmo em um contexto em que não ha via um profissional disponível algumas pessoas se incumbiram dessa nova tarefa que surgia Es sas pessoas encontravam nas instituições então disponíveis seu estímulo e os modelos a serem seguidos para tornarem real a importância da educação physica No fim do século XIX e início do século XX essas instituições que tinham na educação physica um ponto de grande interesse eram o exército e as faculdades de medicina Melo 1996 p 25 afirma que ao lado da ênfase prática dada à formação dos militares as faculdades de medicina oferecia o aporte teórico da cultura physica através das teses que eram defendidas no interior sobre a saúde a importância dos exercí cios corporais em seu fomento ATIVIDADE 172 Se a produção de discursos sobre a importância das práticas corporais para a saúde e para a mo ralidade da população era fundamental por sua vez ela não era algo feito apenas pelos médicos Era feita pelos médicos a sustentação científica dos impactos fisiológicos das práticas porém a ques tão educacional e formativa a ser influenciada pela educação physica ocorria por meio da escrita e fala de políticos e pedagogos De um modo muito visí vel a importância higiênica e eugênica das práticas corporais reverberava em toda sociedade e provi nha de várias origens Todavia a condução prática dessas atividades sua organização e propagação cotidiana foi assu mida indiscutivelmente pelos militares Castella ni Filho 1988 lembranos que a Academia Real Militar passou a existir no Brasil já em 1810 Em 1860 o método alemão de ginástica foi introduzi do no país Melo 1996 observa que em 1881 é nomeado como primeiro professor de ginástica da Escola Normal do Rio de Janeiro o Capitão Ata liba Fernandes Embora desde 1905 se falasse da necessidade de se criar escolas civis de educação física foram as escolas militares que se instalavam Em 1909 foi fundada a Escola de Educação Física da Força Policial na década de 1920 no Rio de Ja neiro o Centro Militar de Educação Física CAS TELLANI FILHO 1988 Castellani Filho 1988 mostra que o Centro Mi litar de Educação Física foi importante Afinal ele tinha como objetivo adotar novos métodos de edu cação física Foi por intermédio desse centro que em 1929 em um curso provisório os primeiros civis receberam formação em educação física concre tizando a presença marcante dos militares na for mação dos primeiros professores civis de Educação Física em nosso meio CASTELLANI FILHO 1988 p 34 Importante nessa narrativa é você con siderar que foi desse Centro que se originou a Es cola de Educação Física do Exército em 1933 cuja regulamentação permitia a frequência de civis Ou seja formar professores de educação física e ser pro fessor de educação física remetia a um perfil atitudi nal muito próximo da autoridade de um sargento a comandar seus soldados Entretanto os problemas ainda continuavam pela falta de professores qualificados para atender à demanda por educação física que vinha tanto de clu bes quanto das escolas que lembrese expandiam se em número Em 1938 foi oferecido um curso de emergência para diminuir essa carência consoli dando uma atmosfera favorável da Escola Nacional de Educação Física e Desportos na Universidade do Brasil que em 1965 tornouse a Universidade Fede ral do Rio de Janeiro Feita essa exposição vamos tentar costurar uma unidade em todo esse conjunto de fatos e institui ções para que tenhamos o cerne da problemática com a qual iniciase a formação de professores de educação na história educacional brasileira Para tanto sublinho algo que já foi menciona do nas páginas e unidades anteriores as primeiras décadas do século XX caracterizamse pela colo cação da educação obrigatória e da educação física em um lugar de destaque se considerados períodos históricos anteriores Além disso passou a exis EDUCAÇÃO FÍSICA 173 tir maior demanda tanto de professores em geral quanto de técnicos especialistas e professores de educação física O fato de a escola e da educação física serem con sideradas como desafios importantes para a história educacional brasileira não deve nos fazer esquecer que no relacionamento entre esses dois campos de ação embora relacionados em muitos aspectos ha via alguns elementos que os afastavam Ficou explícita a relação entre a expansão da educação física e o exército Essa relação todavia era alvo de alguma desconfiança dos meios educa cionais que participavam ativamente dos debates e das instituições que gerenciam a expansão da edu cação pública no Brasil Cito como exemplo o po sicionamento da Associação Brasileira de Educação ABE fundada em 1922 e com grande papel nos debates educacionais de então Na virada da déca da de 30 a ABE posicionouse contra a presença do Exército na determinação de um método de educa ção física afirmando ser esse um problema educa tivo CASTELLANI FILHO 1988 p 75 que não seria da alçada dos militares O fato de a ABE ver na problemática da educação algo importante pode ser percebido em sua iniciativa de organizar um de seus concorridos Congressos Brasileiros de Educação o de 1935 tendo como tema a educação física Com efeito é importante ponderar que havia não apenas no Brasil mas em muitos lugares do mundo uma tentativa de separar a escola da caserna Essa presença militar nos meios educacionais foi alvo de muitas críticas Se a presença dos militares era historicamente importante no mundo educacional ela era mais incômoda quando consideramos a edu cação física brasileira O fato de os professores de educação física serem formados em escolas do exér cito além da presença dos militares nas primeiras escolas civis de formação em educação física con tribuiu entre outras coisas para que a formação do professorado em geral trilhasse caminhos diferentes da formação dos professores de educação física Também pesava na construção dessa diferença entre a formação de professores e a formação de pro fessores de educação física e influência médica na divulgação dos conhecimentos relativos aos avanços da fisiologia e biomecânica a serem aplicados aos futuros professores A prevalência dos conhecimen tos de característica biomédica nos currículos dos primeiros cursos apoiavase em uma consideração científica que dava ao corpo a conotação de má quina a ser medida e desmontada retomando in fluências sentidas desde o processo de nascimento e consolidação da ciência anatômica Com isso os professores de educação física ao serem formados recebiam grande carga de conhecimentos dessa ma triz científica sendo que a formação em questões pedagógicas era bem mais reduzida contando com pequenos número de disciplinas e uma carga horá ria amplamente inferior se comparada com a que era despendida com biologia bioquímica e fisiologia Essas considerações têm sua importância pois elas nos ajudam a pensar historicamente uma constante percepção que existe na escola sobre os professores de educação física Enquanto os outros professores seriam de fato professores por terem algo a ensinar um conhecimento a transmitir os ATIVIDADE 174 professores de educação física não seriam profes sores plenos nesse tradicional sentido da docência Os professores de educação física são tomados como conhecedores do corpo humano responsáveis por colocarem as crianças para se mexerem mas não aprenderem Do ponto de vista histórico o processo de for mação de professores em geral e dos professores de educação física em particular teve alguns dis tanciamentos Sobre isso Melo 1996 p 31 nos lembra um fato interessante na década de 1930 a educação física era a única disciplina que possuía uma seção especial no Ministério da Educação e Saúde O que é algo interessante pelo reconheci mento que dava a esse nascente campo é o endos so de uma visão mecanicista de corpo e de saúde que afastava os professores de educação do traba lho diretamente pedagógico no também nascente mundo escolar Afinal por outro lado quando foi criada a Faculdade Nacional de Filosofia apenas a área de educação ficou de fora de seu campo de abrangência que compreendia todas as outras li cenciaturas Dito de outra maneira em seus pri meiros momentos a formação de professores de educação física passou ao largo dos conhecimen tos pedagógicos necessários à ação pedagógica Desse ponto de vista nosso ingresso no mundo escolar foi menos como professores e mais como uma mistura de sargentomédico a dar ordens e a fazer prescrições de movimento Ou seja ao se relacionar com os alunos essa consideração da educação física escolar como atividade do corpo demandava o conhecimento anátomofisiológico do movimento em questão e autoridade que se manifestava no comando e na contagem do ritmo Ora mesmo com os problemas observados por Saviani 2008 na formação dos professores em geral conhecimentos pedagógicos então existen tes eram bem mais complexos que esses transmiti dos aos professores das demais disciplinas Para concluir este tópico ao responder a pergun ta título dele o que fica dessa formação sublinho que essa ida aos primeiros processos de formação profissional em educação física evidencia um dos desafios que hoje enfrentamos formar professores de educação física integrados aos saberes aos proce dimentos e aos objetivos da educação básica brasilei ra E para tanto pedagogia psicologia da educação didática políticas públicas educacionais filosofia da educação ehistória da educação e educação física são tão importantes quanto os também necessários conhecimentos a serem obtidos com os estudos a se rem feitos nas disciplinas da área de saúde EDUCAÇÃO FÍSICA 175 OS CAMINHOS ATÉ NÓS COMO A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR SE TORNOU O QUE É Fonte Revolução de 1930 JANSSON 1930 online9 Nos itens anteriores foram estudados dois elemen tos que avalio fundamentais para conhecermos a história da educação física no Brasil 1 as ideias e as ações que levaram as práticas corporais para o interior da escola tanto a educação do corpo presente no dia a dia escolar quanto a disciplina escolar o componente curricular para utilizarmos uma linguagem da atualidade Além desse ponto foi focalizada a 2 base das discussões e das pri meiras instituições que se ocuparam de pensar e formar os primeiros profissionais para atuarem com a educação física ATIVIDADE 176 O que busco agora é levar você a refletir sobre al gumas consequências disso que foi abordado Sugiro que pensemos nos caminhos que se abriram nas dé cadas seguintes e que chegaram à realidade na qual vivemos hoje Os dois pontos estudados anteriormente a es colarização da educação física e o início de uma for mação profissional sistemática em educação física foram impactados pelo mesmo processo nas déca das que se seguiram à de 1930 no interior do pro cesso de complexificação econômica baseada na in tegração ou dependência econômica brasileira ao capital internacional a educação e a educação física deixaram de ser assuntos regionalizados tornando se alvo de regulamentações nacionais válidas em todo o país Chamo sua atenção para essa mudança mesmo que ela tenha acontecido no âmbito políti co gerando a sensação de que concretamente nada mudou essa passagem da reflexão educacional dos estados para a União é fundamental Ela impacta a possibilidade de direitos serem debatidos e efetiva dos nos diferentes instrumentos legais que regem a educação sendo crucial sobretudo para os filhos daqueles que não podem pagar escolas particulares Vamos visualizar esse processo ligado à educa ção física verificando como ela foi tratada em um conjunto importante de dispositivos constitucionais e de regulamentações específicas que a abordaram depois de 1930 Castellani Filho 1988 lembranos que na Constituição de 1934 não houve uma menção ex plícita à educação física Entretanto a necessidade de estimular a educação higiênica CASTELLANI FILHO 1988 p 81 foi citada Todavia nas discus sões sobre o Plano Nacional de Educação previsto pela Constituição de 1934 a educação física é de fendida como parte necessária do sistema escolar BELTRAMI 2006 p 45 Em 1937 temos o Estado Novo instaurado por Vargas No mesmo dia em que ocorre o golpe de Estado 10 de novembro de 1937 uma nova cons tituição é outorgada Na constituição de 1937 em seu artigo 131 definese a educação física como obrigatória em todas as escolas primárias normais e secundárias BELTRAMI 2006 p 81 o que foi regulamentado pelo DecretoLei 2072 de 1940 No artigo 4 o decreto à educação física é colocado como um elemento fundamental no fortalecimen to da saúde a ser conseguido por meio de ginástica e esportes adequados às condições de cada sexo BELTRAMI 2006 p 91 Com o fim do Estado Novo em 1945 iniciou se a discussão para uma nova constituição Com a promulgação da Constituição de 1946 abriuse o processo de discussão das Leis de Diretrizes e Bases aprovada em 1961 Nela a educação física é men cionada no artigo 22 que foi regulamentado pelo Decreto 58130 de 1966 Essa regulamentação deve ser sublinhada pois é a primeira regulamentação com alcance nacional para determinar os objetivos e como deveriam funcionar as aulas de educação fí sica No artigo 1 do referido documento vemos o alcance do decreto Art1 A educação física prática educati va tornada obrigatória pelo art 22 da Lei de Diretrizes e Bases para os alunos dos cursos primário e médio até a idade de 18 anos tem por objetivo aproveitar e dirigir as forças do indivíduo físicas morais intelectuais e so ciais de maneira a utilizálas na sua totali dade e neutralizar na medida do possível as condições do educando e do meio BRASIL apud BELTRAMI 2006 p 65 EDUCAÇÃO FÍSICA 177 Não deve ser perdido de vista que tal regulamenta ção tem importância em um cenário histórico em que o estado teve grandes dificuldades de assumir responsabilidades educacionais Todavia colocar a educação física escolar como obrigatória de modo uniforme a todo o país teve pouca ressonância prática levando Beltrami 2006 a fazer a seguinte análise depois de mostrar os esforços havidos na década de 1960 para se instaurar legalmente a obri gatoriedade da educação física Ainda permaneciam os problemas quanto às condições materiais e quanto aos recursos hu manos qualificados De qualquer forma de acordo com os defensores da educação física no sistema escolar esse quando ainda não era satisfatório porque não havia critério para fis calização e não havia um organismo com po deres para tal Os mentores e profissionais da educação física buscavam um espaço de poder e este só poderia acontecer a partir de uma or ganismo forte respaldado por um Estado Forte BELTRAMI 2006 p 66 No momento em que essas regulamentações sobre a educação física eram criadas a sociedade brasileira já vivia no regime de ditadura militar Em 1969 o Ato Institucional nº 5 tirou direitos políticos e liber dades civis caracterizando a linha dura do regime que existiu até o início da década de 1980 Foi na vigência desse ato que foi publicado o DecretoLei nº 705 de 1969 colocando a educação física como obrigatória em todos os níveis da educação brasi leira inclusive no ensino superior Esse decreto foi regulamento pelo Decreto nº 69450 de 1971 De acordo com Beltrami com esse decreto se encerra uma etapa significativa da implantação da Educação Física no sistema escolar BELTRAMI 2006 p 83 No âmbito da formação de professores em 1969 o Conselho Federal de Educação publica a resolução nº 69 que instituiu o currículo mí nimo dos cursos de educação física Por currí culo mínimo deve ser compreendida uma lista de disciplinas e suas respectivas cargas horárias que deveriam estar presentes em todos os cursos RangelBetti e Betti 1996 chamam o currículo que passou a prevalecer nesse momento de tra dicionalesportivo por eles descrito da seguinte maneira Há separação entre teoria e prática Teoria é o conteúdo apresentado na sala de aula qual quer que seja ele prática é a atividade na piscina quadra pista etc A ênfase teórica se dá nas disciplinas da área biológicapsicoló gica fisiologia biologia psicologia etc Este modelo iniciouse ao final da década de 60 e consolidouse na década de 70 acompanhan do a expansão dos cursos superiores em Edu cação Física no Brasil e a esportivização da Educação Física RANGELBETTI BETTI 1996 p 10 Mesmo com as mudanças provocadas pela reso lução do Conselho Federal de Educação nº 03 de 1987 que criou a formação em educação física em bacharelado e extinguiu o currículo mínimo vale reconhecer que é de 2004 uma resolução do Conselho Nacional de Educação Resolução nº 7 importante para pensarmos tanto na história da educação física quanto em sua configuração na atualidade Esse documento já foi citado na pri meira unidade deste livro Ele sinaliza uma rup tura com a tradição por nós estudada quando por exemplo lemos alguns de seus artigos ATIVIDADE 178 Art 4º O curso de graduação em Educação Fí sica deverá assegurar uma formação generalis ta humanista e crítica qualificadora da inter venção acadêmicoprofissional fundamentada no rigor científico na reflexão filosófica e na conduta ética 1º O graduado em Educação Física deverá estar qualificado para analisar cri ticamente a realidade social para nela intervir acadêmica e profissionalmente por meio das diferentes manifestações e expressões do movi mento humano visando a formação a amplia ção e o enriquecimento cultural das pessoas para aumentar as possibilidades de adoção de um estilo de vida fisicamente ativo e saudável 2º O Professor da Educação Básica licencia tura plena em Educação Física deverá estar qualificado para a docência deste componente curricular na educação básica tendo como re ferência a legislação própria do Conselho Na cional de Educação bem como as orientações específicas para esta formação tratadas nesta Resolução BRASIL 2004 p 1 Ao ler esses artigos e se lembrar da constante menção feita à prevalência da matriz esportiva e biologizante na educação física sugiro que pense na ruptura por mim sinalizada há algumas linhas Essa ruptura che ga por meio dos caminhos percorridos pelo conjun to de discussões sobre a presença da educação física na escola e a formação de professores para realiza rem essa tarefa Para pensar a forma como isso nos impacta na atualidade vamos para a última parte do livro ponderando então os horizontes que se abrem e as barreiras que se interpõem entre nós e aquilo que queremos alcançar EDUCAÇÃO FÍSICA 179 EDUCAÇÃO FÍSICA E ESCOLA PENSANDO FUTUROS AO PENSARMOS PASSADOS A história da educação física escolar confunde se com a história da escola como a conhecemos Vimos que a escolarização se deu ao lado da es colarização das práticas corporais Por isso ao estudar esse processo no contexto brasileiro foi necessário relacionar a história das perspectivas e dos desafios enfrentados pela expansão da escola em nosso país Uma das maiores dificuldades na expansão tanto da escola quanto da educação física em seu interior foi o longo caminho percorrido lenta mente até termos essas duas instituições coloca das como obrigatórias para todos os brasileiros e brasileiras Interessante verificar que isso se deu mesmo com uma grande quantidade de políticos pensadores e intelectuais colocando como inques ATIVIDADE 180 tionáveis tanto a escola quanto a importância dela educar fisicamente Ao lado desse longo processo concretização ins titucional mais geral a escolarização da educação física enfrentou outros desafios como uma prática defendida pelo seu potencial moralizante educativo higienizador como uma disciplina escolar avaliada como fundamental para a realização de qualquer ambição educativa sempre tem enfrentado a resis tência de várias ordens para ser encarada como uma disciplina escolar igual às outras Essa dúvida foi sendo construída como impor tante para muitas gerações de professores de edu cação física Durante as décadas de 1980 e 1990 essa problemática atingiu um nível de inquietude agudo gerando um processo de questionamentos e proposições pedagógicas que acabou nominado de crise da educação física Tentando sintetizar a intensidade desse período histórico para a edu cação física poderíamos entendêlo como uma tentativa de se encontrar justificativas pedagogi camente viáveis para explicar a importância dos professores de educação física na escola Se for lembrado o caminho histórico que percorremos esse esforço não existiu em outros períodos o que houve foram afirmações que sempre consideravam a educação física possuidora de uma importância inquestionável Um dos pontos centrais da problemática a partir de 1980 era tornar o professor de educação física de fato professor deixandoo de relacionálo com ou tros perfis profissionais que lhe foram sendo atribuí dos no decorrer da história por nós estudada Valter Bracht 1992 em um dos textos mais importantes dessa reflexão levada a cabo por toda nossa área ou campo profissional sintetiza um dos horizontes que passaram a ser buscados Os professores não operam a diferenciação dos papéis de treinador e professor em parte por que a própria Educação Física não tendo auto nomia ou identidade pedagógica não fornece um referencial um conjunto fundamentado e institucionalizado de expectativas de compor tamento Isto é a própria definição do papel do professor de Educação Física inexiste BRA CHT 1992 p 23 Lembrese que uma das consequências de todo esse debate foi a incursão de pesquisadores no campo da educação das ciências humanas da filosofia e da história O livro que você está lendo é uma resultan te daquelas inquietações de professores que ao pen sarem o papel da educação física na escola amplia ram o leque de áreas de conhecimento a subsidiar encaminhamentos para a intervenção em diferentes espaços sobretudo na escola Certamente a crise da educação física influen ciou o modo como a educação física foi disposta na Lei de Diretrizes e Bases LDB 9394 de 1996 No Artigo 26 que versa sobre os currículos da educa ção básica há o Inciso 3 no qual lemos A educação física integrada à proposta pedagógica da escola é componente curricular obrigatório da educação básica BRASIL 1996 sp Atentese para a importância dessa determinação legal à luz dos es tudos históricos que fizemos pela primeira vez na história da educação física escolar ela é considera da como um componente curricular assim como os outros componentes trabalhados na educação bási ca A educação física com isso deixa de ser assumi da pela maior regulamentação educacional do país EDUCAÇÃO FÍSICA 181 como uma atividade como uma recreação ou um meio para desenvolver valências físicas ou psicomo toras Pela LDB 939496 a educação física tratase de um conjunto de estudos que aborda um determi nado conhecimento para a formação cidadã e pro dutiva dos alunos Paralelamente ao desenvolvimento desse avan ço legal obtido para a educação física escolar fo ram elaboradas propostas para a organização do trabalho pedagógico dos professores de educação física nas escolas visando realizar essa nova con dição Essas propostas desde o final da década de 1980 e durante a década de 1990 ficaram co nhecidas como tendências da educação física ou abordagens pedagógicas da educação física Não estudaremos essas tendências individualmente neste momento pois elas serão alvo de reflexão em outras disciplinas do curso Todavia sobre essas abordagens neste mo mento creio que possa ser considerado o seguinte apesar da relevância desse conjunto de debates de investigações propostas e avanços legais apesar do empenho com que se tem lutado para efetivar uma educação física escolar que se afaste da tra dição médica militar e desportiva que marcou as práticas desse componente curricular na história os problemas persistem Ao avaliarem a realidade pedagógica das aulas de educação física a partir de meados dos anos 2000 alguns estudos têm veri ficado que esse grande edifício intelectual e legal da educação física que surgiu depois de sua notó ria crise ainda não teria impactado o cotidiano de alunos e professores Caparroz e Bracht 2007 ao fazerem essa constatação iniciam um artigo nar rando a seguinte situação Temos nos deparado com frequência cada vez maior com depoimentos e ou indagações sobre como realizar e organizar o trabalho docente em educação física na escola Exalu nos da licenciatura apontam dificuldades em relação ao trabalho que desenvolvem Recen temente para citar um exemplo uma profes sora exaluna do curso de educação física oferecido por nossa instituição comentava sobre a prova de um concurso público para seleção de professores de educação física di zendo que havia ido muito bem e que estava feliz por tal mas que ao mesmo tempo es tava preocupada com a materialização da sua prática pedagógica Em seus dizeres Eu sei tudo o que caiu no concurso em relação às abordagens mas não sei como concretizar isso na minha prática pedagógica na escola CAPARROZ BRACHT 2007 p 22 Como explicar essa situação Não bastaria aos pro fessores conhecerem as abordagens e terem o respal do de uma lei que equaliza a educação física aos de mais componentes curriculares para que ministrem boas aulas Será que a crise da educação física ainda não passou apesar de quase 40 anos de debates so bre o seu papel na escola Para deixar a busca por respostas a essas ques tões ainda mais intrigante apontase que uma das maiores fontes de dificuldades para concretizar as propostas existentes vem não apenas de muitos professores de educação física mas dos próprios alunos e dirigentes educacionais que imersos em uma tradição sobre o que é a educação física na escola repudiam qualquer intencionalidade peda gógica que não seja relacionada ao esporte prin cipalmente às modalidades coletivas comumente praticadas ATIVIDADE 182 Deve ainda ser considerado que em nosso con texto essas novas dificuldades da educação física acontecem em um momento que apresenta algu mas rupturas com os períodos por nós estudados Em primeiro lugar hoje temos ampliado de uma forma inigualável a importância cultural econô mica recreativa e social do esporte e das práticas corporais Embora os dados relativos ao sedenta rismo mundial ainda preocupem os cuidados com o corpo e a presença do corpo na definição daquilo que as pessoas pensam delas mesmas e dos outros supera em muito a ética da ação diagnosticada por Sevcenko 2012 nas primeiras décadas do sé culo XX Ou seja na atualidade a tal ética se tornou um imperativo uma obrigação Ao lado dessa constatação verificamos que a escola não conta com a mesma adesão Se a escola se expande na sociedade brasileira carregando mui tas promessas políticas econômicas e civilizatórias nela depositadas essas esperanças perderam força Tornaramse comuns as críticas ao descompasso da escola em relação ao mundo contemporâneo sua incapacidade de formar a juventude que nasceu di gital levando também grande descrença sobre a importância e a autoridade dos professores na cons trução de uma sociedade do conhecimento Durante as reflexões que fizemos insisti na ne cessidade de entrelaçar a escola e a educação física escolar para explicálas mutuamente no processo de desenvolvimento histórico de suas práticas e das lutas que as levaram a se tornarem direito de todos os cidadãos e cidadãs Por quais razões esses direi tos hoje têm dificuldades de serem vistos como tais Por que são eles tomados como obrigações que pararam no tempo e não oferecem razões para justi ficar sua imposição O que explica o fato de a educa ção física escolar ter dificuldade de transformar suas práticas apesar de o corpo e seus cuidados serem assuntos cotidianamente debatidos por pessoas de diferentes idades e classes sociais Se eu tivesse essas respostas eu não hesitaria em escrever mais alguns parágrafos para oferecêlas a você caroa alunoa Não as tenho Que elas estimulem você a continuar seus estudos A mim elas me dão força para pesqui sar e ensinar história da educação física Uma consequência positiva da crise da educa ção física foi a ampliação do leque de assuntos a serem trabalhados nas aulas de educação física É corriqueira a nossa memória sobre as aulas de educação física na escola limi taremse ao ensino ou mais precisamen te à prática de futebol handebol voleibol e basquetebol Na década de 1990 ganhou força a expressão cultura corporal que foi assumida como conceito a definir o conjunto de assuntos a serem abordados pedagogi camente pelo professor de educação físi ca Diferentemente do que vimos em nossa abordagem história buscouse construir um trabalho pedagógico que não se prendesse a um grupo de práticas como ocorrera com a ginástica no início do século XX e com o esporte depois da década de 1960 Ao lado do esporte e da ginástica as lutas a dança os jogos foram outros elementos que entraram no horizonte pedagógico dos professores no momento de preparar e efetivar suas aulas Fonte o autor baseado em Soares 1992 SAIBA MAIS EDUCAÇÃO FÍSICA 183 muitas vezes a cultura escolar restringe o entendimento da educação do corpo à realiza ção de movimentos mecânicos e repetitivos reduzindo as aulas de Educação Física à ativi dade catártica ou meramente complementar a outras disciplinas Marcus Aurélio Taborda de Oliveira Luciane Paiva Alves de Oliveira e Alexandre Fernandez Vaz REFLITA 184 considerações finais P rezadoa alunoa nesta unidade voltamos as lentes da abordagem histórica para as diferentes problemáticas que envolveram a constru ção de muitos elementos que possibilitaram aquilo que é a nossa prin cipal preocupação em um curso de licenciatura em educação física professores alunos conteúdos espaços e tempos dedicados às aulas de educação física dentro do sistema nacional de ensino no Brasil Um dos pontos bastante enfatizados foi o processo que possibilitou o fato de essa estrutura ser coordenada nacionalmente gerando assim umsistema válido para todos os estados Importante verificar nessa análise que impulsos impor tantes à educação física aconteceram em momentos ditatoriais de nossa histó ria política notadamente durante o Estado Novo de Vargas e a Ditadura Militar deflagrada em 1964 Mas não apenas isso você também teve a oportunidade de notar que como resultado da Constituição da 1988 a LDB 9394 de 1996 pela primeira vez na história educacional brasileira fez com que a presença da educa ção física na escola se justificasse pelo fato de ela ser educacionalmente relevante e não por formar o homem forte a mulher saudável o futuro soldado ou trans formar o país em potência olímpica Tratamse de perfis recorrentemente colo cados como objetivos à educação física e que a afastaram do trabalho pedagógico realizado pelos outros componentes curriculares Por fim depois de analisada essa trajetória você pôde perceber que os desa fios ainda existem Embora se considerarmos a formação dos futuros professores e a inserção legal da educação física no âmbito da educação brasileira muitos avanços foram conquistados problemas didáticos e pedagógicos persistem como fazer com que no cotidiano escolar uma educação física se integre na proposta pedagógica da escola efetivamente e não apenas legalmente Mais uma vez como fizemos frequentemente neste livro encerramos um conjunto de reflexões histó ricas com condições de fazer perguntas importantes Esta questão em particular acompanhará você durante toda sua jornada formativa neste curso 185 atividades de estudo 1 Do ponto de vista político caracterize a maneira como aconteceram as primeiras ações para escolarizar a educação física no Brasil 2 As primeiras escolas destinadas a formarem professores de educação de senvolveramse em um processo paralelo a quais outras duas instituições educacionais 3 Pondere a importância do exército e a das faculdades de medicina na ex pansão da educação física brasileira 4 O que significou para a história da educação física no Brasil a LDB 9394 de 1996 5 Considerando a história que foi estudada bem como desdobramentos políticopedagógicos do presente comente os desafios a serem vencidos pela educação física escolar 186 LEITURA COMPLEMENTAR A Educação Física EF como disciplina escolar passa por um processo de transformação do qual todos somos se não protagonistas espectadores Alguns há mais tempo outros menos convivemos com um processo de trans formação que consideramos sem precedentes na histó ria desta atividade pedagógica Processo ao qual enten demos não se tem prestado a suficiente atenção Parece possível afirmar que em linhas gerais o século XX pre senciou nas sociedades ocidentais a consolidação da EF na escola sustentada no conhecimento médicobiológico e orientada pela ideia de que sua função principal era a promoção da saúde articulada discursivamente como uma ideia genérica de educação integral do homem no sentido do desenvolvimento de todas as suas potencia lidades Nesse caminho e de forma mais intensa a partir da metade do século passado a EF estabeleceu uma relação simbiótica com o esporte por meio da qual esse fenômeno em sua forma institucionalizada aca bou sendo praticamente hegemônico nas aulas de EF A tal ponto de no senso comum ser plenamente possí vel confundir EF escolar com prática esportiva Esse processo que ficou conhecido como a esportivização da EF escolar e que foi hegemônico durante várias décadas passou a ser questionado no transcurso dos anos de 1980 a partir daquilo que ficou conhecido como movi mento renovador da EF brasileira Movimento este que impulsionou mudanças em diversas dimensões de nossa área Particularmente no que respeita ao campo educacional questionouse o paradigma de aptidão física e esportiva que sustentava de forma extensiva as práticas pedagó gicas da EF nos pátios escolares Sem poder neste tex to alongar essa descrição podemos apontar que entre outras iniciativas o movimento renovador entendeu que uma das ações necessárias para transformar a EF seria elevála à condição de disciplina escolar tirandoa da categoria de mera atividade Em outras palavras é da mão do movimento renovador que se coloca talvez pela primeira vez um conjunto de questões que não faziam parte das preocupações da tra dição desta área e que balizam as teorias pedagógicas quando buscam legitimar um componente curricular num projeto educacional Questões como Por que esta disciplina deve compor o currículo da escola Quais são seus objetivos Quais são seus conteúdos Como são sistematizados os conteúdos ao longo dos diferentes níveis de ensino Como esses conteúdos devem ser ensinados Como avaliar seu ensino Nesse contexto parece lógico perguntar o que significou a incorporação desses questionamentos teóricopeda gógicos para o campo das preocupações e do fazer da EF Segundo nossa percepção a inclusão dessas preocu pações na área imprimiu uma mudança de tal magnitu de que é possível comparar esse fenômeno a um ponto de inflexão na qual a trajetória da EF faz uma quebra de finitiva com sua tradição legitimadora É dizer que aquilo que nos sustentava como área no plano da legitimidade autoatribuída ruiu e não temos como voltar atrás como esquecer essa inflexão Fonte González e Fensterseifer 2009 p1011 187 material complementar Metodologia do Ensino da Educação Física Carmen Lúcia Soares et al Editora Cortez Ano 1992 Sinopse publicado em 1992 o livro aproxima o ensino da edu cação física da abordagem históricocrítica Nas reflexões o con ceito de cultura corporal tornase estruturante para o que os autores entendem ser o objetivo da educação física escolar Isso é feito a partir de uma consideração do que ela foi na história educacional brasileira Comentário muitas das reflexões desenvolvidas por mim apoiamse nas ideias contidas no livro sugerido Mais conhecido como Coletivo de Autores a obra impactou não apenas cursos de licenciatura em todo o país mas muitas das regulamenta ções legais que foram elaboradas sobretudo diretrizes curricu lares nacionais e estaduais Educação Proibida Ano 2012 Sinopse relata experiências inovadoras tendo como pano de fundo críticas à estrutura escolar tal como existe hoje e que passou a existir a partir do século XIX Comentário o documentário não fala especificamente sobre a educação física muito menos foca o contexto brasileiro Mas ele é interessante por permitir visualizar a maneira como a escola é hoje criticada Se a educação física brasileira tem lutado para estar dentro da escola de uma forma pedagogicamente legíti ma a que se atentar que essa escola para a qual tentamos ter a tal legitimidade tem sido ela também considerada como não legítima para o tempo no qual vivemos 188 material complementar O endereço a seguir levará você ao Centro de Memória do Es porte da Escola de Educação Física CEME da UFRGS Nele há grande quantidade de informações sobre a história do esporte da educação física e do lazer Além disso há livros publicados pelo CEME com acesso gratuito Confira Link httpwwwufrgsbrcemesite 189 referências AZEVEDO F de A cultura brasileira 5 ed São Paulo Melhoramentos Editora da USP 1971 Da educação física 3 ed São Paulo Edi ções Melhoramentos sd BELTRAMI D M A educação física na políti ca educacional do Brasil pós64 MaringáPR EDUEM 2006 BRACHT V Educação Física a busca da autonomia pedagógica In Educação Física e aprendizagem so cial Porto Alegre Magister 1992 p1532 BRASIL Lei nº 9394 Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional BrasíliaDF 20 de dezembro de 1996 Resolução nº 7 da Câmara de Ensino Su perior do Conselho Federal de Educação Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física em nível superior de graduação plena BrasíliaDF 31 de março de 2004 CAPARROZ F E BRACHT V O tempo e o lugar de uma didática da educação física Revista Brasilei ra de Ciências do Esporte Florianópolis v 28 n 2 p 2137 jan 2007 CASTELLANI FILHO L Educação física no Brasil uma história que não se conta CampinasSP Papi rus 1988 GONZÁLEZ F J FENSTERSEIFER P E Entre o não mais e o ainda não pensando saídas do não lugar da EF Escolar II Cadernos de Formação RBCE Curitiba v 1 n 1 p 924 set 2009 HEROLD JUNIOR C Da instrução à educação do corpo o caráter público da educação física e a luta pela modernização do Brasil no século XIX 18801925 Educar em Revista Curitiba v 25 p 237255 2005 MELO V A Escola nacional de educação física em desportos uma possível história 1996 207 f Disser tação Mestrado em Educação Física Programa de PósGraduação em Educação Física Universidade Es tadual de Campinas UNICAMP CampinasSP 1996 PUTCHA D R A formação do homem forte edu cação física e gymnastica no ensino público primário paranaense 18821924 2007 126 f Dissertação Mestrado em Educação Programa de PósGradu ação em Educação Universidade Federal do Paraná Curitiba 2007 RANGELBETTI I C A BETTI M Novas pers pectivas na formação profissional em Educação Físi ca Motriz v 17 n 1 p 1015 jun 1996 SAVIANI D A pedagogia no Brasil CampinasSP Autores Associados 2008 História das ideias pedagógicas no Brasil CampinasSP Autores Associados 2007 SCHELBAUER A R Ideias que não se realizam o debate sobre a educação do povo no Brasil de 1870 a 1914 MaringáPR EDUEM 1998 SEVCENKO N A capital irradiante técnica ritmos e ritos do Rio In SEVCENKO N Org História da vida privada no Brasil República da Belle Épo que à Era do Rádio 2 ed São Paulo Companhia das Letras 2012 p 513620 SOARES C L Educação física raízes europeias e Brasil CampinasSP Autores Associados 1994 Org Metodologia do ensino da educação física São Paulo Cortez 1992 TABORDA DE OLIVEIRA M A et al Fontes para o estudo histórico das práticas corporais esco lares e da constituição da educação física escolar no Estado do Paraná Revista Brasileira de Ciências do Esporte Campinas v 25 n 1 p145158 set 2003 TABORDA DE OLIVEIRA MA OLIVEIRA L P A de VAZ A F Sobre a corporalidade e a escolari zação contribuições para a reorientação das práticas escolares da disciplina de educação física Pensar a Prática v 11 n 3 p 203318 setdez 2008 VAGO T M Histórias de educação física na escola Belo Horizonte Mazza 2010 190 referências Referências OnLine 1 Em httpscommonswikimediaorgwikiFileLuizaMarchioroealunosjpguselangp tbr Acesso em 17 out 2016 2 Em httpscommonswikimediaorgwikiFileFamiliaeescravosBrasil1822jpguse langptbr Acesso em 17 out 2016 3 Em httpscommonswikimediaorgwikiFileRuiBarbosajpguselangptbr Acesso em 17 out 2016 4 httpscommonswikimediaorgwikiFileEMAda3jpguselangptbr Acesso em 17 out 2016 5 Em httpscommonswikimediaorgwikiFileEmmodestinogonC3A7alvesjpguse langptbr Acesso em 17 out 2016 6 Em httpscommonswikimediaorgwikiFileMinervaUFRJjpguselangptbr Acesso em 17 out 2016 7 Em httpscommonswikimediaorgwikiFileBrazilCopaAmerica1919jpguselangpt br Acesso em 17 out 2016 8 Em httpscommonswikimediaorgwikiFilePavilhC3A3oderegatasnaAveni daBeiraMarjpguselangptbr Acesso em 17 out 2016 9 Em httpscommonswikimediaorgwikiFileRevoluC3A7C3A3ode1930jpg Acesso em 17 out 2016 191 gabarito 1 As primeiras iniciativas de escolarização da educação física foram feitas no âmbito dos estados brasileiros 2 Paralelamente à expansão da escola e à criação das primeiras universida des as primeiras escolas de educação física foram criadas para atenderem à crescente demanda de professores qualificados 3 Das faculdades de medicina vieram as justificativas teóricas sobre a impor tância da educação física para a saúde da população Do exército vieram os procedimentos e primeiros responsáveis por realizarem o valor dos di ferentes métodos de ginástica para seus praticantes 4 Significou a passagem da educação física escolar antes entendida como mera atividade corporal à condição de componente curricular da educa ção básica em situação de igualdade pedagógica com os demais compo nentes 5 Apesar dos avanços legais e pedagógicos que assistimos nas últimas déca das na história da educação física escolar constatase que a situação do componente no cotidiano escolar ainda se mantém relativamente inalte rado Ou seja as aulas continuam a se basear no predomínio esportivo e na falta de intencionalidade pedagógica de muitos professores muitos dos quais não conseguem efetivar as diferentes proposições pedagógicas que aprenderam em sua formação inicial ATIVIDADE 192 conclusão geral Caroa alunoa ao chegar ao final deste livro lem brolhe que minha expectativa é ter colaborado para mostrar uma pequena parte do valor que o estudo da história da educação física pode ter Um valor que não se justifica apenas na utilidade que ela possui em iluminar problemas da atualidade muitas vezes nem identificados como tais mas igualmente im portante por nos possibilitar conhecer a história de nossa sociedade e de outras verificando e estudando a educação e as práticas corporais em outras épocas Para isso demos cinco passos em cada uma das unidades deste livro 1 conhecemos as particula ridades do conhecimento histórico 2 pensamos o corpo humano como historicamente percebido cui dado e educado 3 vimos que às diferentes práticas corporais ligamse valores formativos de diferentes ordens 4 por essa razão a escolarização das socie dades contemporâneas se caracterizou pela presença da educação física no interior da escola 5 o mes mo ocorrendo no Brasil em um processo que se deu durante o século XX culminando no fato de a edu cação física se tornar um componente curricular da educação básica Ao encerrarmos algumas das unidades muitas dúvidas ficavam resultantes das reflexões que foram feitas E essa é uma grande contribuição do estudo da história da educação física a você Na continuida de de seu curso na sucessão de disciplinas e discus sões das quais participar lembrese que ao produzir conhecimento histórico e ao estudar a história de qualquer dimensão da vida social lidamos com um conhecimento ao mesmo tempo exigente cativan te e tateante Ele demanda cuidado ao se buscar e apresentar conclusões mesmo depois de uma aten ção meticulosa que damos por um bom período de tempo apenas àquilo de que gostamos muito Mas também é um conhecimento que gera um delicioso ímpeto para saber mais sobre o que nos interessa criando com isso novos interesses Que a leitura deste livro tenha feito você experi mentar um pouco dessa atenção e desse ímpeto De minha parte redigilo acalentando essa possibilida de foi um grande prazer
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ATIVIDADE INTEGRADORA COMUM I HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA PROFESSOR Dr Carlos Herold Junior ATIVIDADE 2 Coordenadora de Conteúdo Mara Cecilia Rafael Lopes Projeto Gráfico José Jhonny Coelho Editoração Humberto Garcia da Silva Designer Educacional Ana Claudia Salvadego Qualidade Textual Hellyery Agda Revisão Textual Danielle Loddi Pedro Afons Barth Ilustração Bruno Pardinho Fotos Shutterstock C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ Núcleo de Educação a Distância JUNIOR Carlos Herold Atividade Integradora Comum I História da Educação Física Carlos Herold Junior Maringá PRUnicesumar 2023 192 p Graduação em Educação Física EaD 1 Educação Física 2 Corpo na História 3 Práticas Corporais 4EaD I Título CDD 22ª Ed 7011 CIP NBR 12899 AACR2 NEAD Núcleo de Educação a Distância Av Guedner 1610 Bloco 4 Jd Aclimação Cep 87050900 Maringá Paraná wwwunicesumaredubr 0800 600 6360 DIREÇÃO UNICESUMAR Reitor Wilson de Matos Silva ViceReitor Wilson de Matos Silva Filho PróReitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva PróReitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff James Prestes Tiago Stachon Diretoria de Graduação e Pósgraduação Kátia Coelho Diretoria de Cursos Híbridos Fabricio Ricardo Lazilha Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Diretoria de Design Educacional Paula R dos Santos Ferreira Head de Graduação Marcia de Souza Head de Metodologias Ativas Thuinie MVilela Daros Head de Recursos Digitais e Multimídia Fernanda S de Oliveira Mello Gerência de Planejamento Jislaine C da Silva Gerência de Design Educacional Guilherme G Leal Clauman Gerência de Tecnologia Educacional Marcio A Wecker Gerência de Produção Digital e Recursos Educacionais Digitais Diogo R Garcia Supervisora de Produção Digital Daniele Correia Supervisora de Design Educacional e Curadoria Indiara Beltrame Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio para todos os cidadãos A busca por tecnologia informação conhecimento de qualidade novas habilidades para liderança e solução de problemas com eficiência tornouse uma questão de sobrevivência no mundo do trabalho Cada um de nós tem uma grande responsabilidade as escolhas que fizermos por nós e pelos nossos fará grande diferença no futuro Com essa visão o Centro Universitário Cesumar assume o compromisso de democratizar o conhecimento por meio de alta tecnologia e contribuir para o futuro dos brasileiros No cumprimento de sua missão promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária o Centro Universitário Cesumar busca a integração do ensinopesquisaextensão com as demandas institucionais e sociais a realização de uma prática acadêmica que contribua para o desenvolvimento da consciência social e política e por fim a democratização do conhecimento acadêmico com a articulação e a integração com a sociedade Diante disso o Centro Universitário Cesumar almeja ser reconhecida como uma instituição universitária de referência regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente aquisição de competências institucionais para o desenvolvimento de linhas de pesquisa consolidação da extensão universitária qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância bemestar e satisfação da comunidade interna qualidade da gestão acadêmica e administrativa compromisso social de inclusão processos de cooperação e parceria com o mundo do trabalho como também pelo compromisso e relacionamento permanente com os egressos incentivando a educação continuada Wilson Matos da Silva Reitor da Unicesumar boasvindas Prezadoa Acadêmicoa bemvindoa à Comunidade do Conhecimento Essa é a característica principal pela qual a Unicesumar tem sido conhecida pelos nossos alunos professores e pela nossa sociedade Porém é importante destacar aqui que não estamos falando mais daquele conhecimento estático repetitivo local e elitizado mas de um conhecimento dinâmico renovável em minutos atemporal global democratizado transformado pelas tecnologias digitais e virtuais De fato as tecnologias de informação e comunicação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas lugares informações da educação por meio da conectividade via internet do acesso wireless em diferentes lugares e da mobilidade dos celulares As redes sociais os sites blogs e os tablets aceleraram a informação e a produção do conhecimento que não reconhece mais fuso horário e atravessa oceanos em segundos A apropriação dessa nova forma de conhecer transformouse hoje em um dos principais fatores de agregação de valor de superação das desigualdades propagação de trabalho qualificado e de bemestar Logo como agente social convido você a saber cada vez mais a conhecer entender selecionar e usar a tecnologia que temos e que está disponível Da mesma forma que a imprensa de Gutenberg modificou toda uma cultura e forma de conhecer as tecnologias atuais e suas novas ferramentas equipamentos e aplicações estão mudando a nossa cultura e transformando a todos nós Então priorizar o conhecimento hoje por meio da Educação a Distância EAD significa possibilitar o contato com ambientes cativantes ricos em informações e interatividade É um processo desafiador que ao mesmo tempo abrirá as portas para melhores oportunidades Como já disse Sócrates a vida sem desafios não vale a pena ser vivida É isso que a EAD da Unicesumar se propõe a fazer Willian V K de Matos Silva PróReitor da Unicesumar EaD Seja bemvindoa caroa acadêmicoa Você está iniciando um processo de transformação pois quando investimos em nossa formação seja ela pessoal ou profissional nos transformamos e consequentemente transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos De que forma o fazemos Criando oportunidades eou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância oa acompanhará durante todo este processo pois conforme Freire 1996 Os homens se educam juntos na transformação do mundo Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontramse integrados à proposta pedagógica contribuindo no processo educacional complementando sua formação profissional desenvolvendo competências e habilidades e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade de maneira a inserilo no mercado de trabalho Ou seja estes materiais têm como principal objetivo provocar uma aproximação entre você e o conteúdo desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessários para a sua formação pessoal e profissional Portanto nossa distância nesse processo de crescimento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita Ou seja acesse regularmente o AVA Ambiente Virtual de Aprendizagem interaja nos fóruns e enquetes assista às aulas ao vivo e participe das discussões Além disso lembrese que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliáloa em seu processo de aprendizagem possibilitandolhe trilhar com tranquilidade e segurança sua trajetória acadêmica boasvindas Débora do Nascimento Leite Diretoria de Design Educacional Janes Fidélis Tomelin PróReitor de Ensino de EAD Kátia Solange Coelho Diretoria de Graduação e Pósgraduação Leonardo Spaine Diretoria de Permanência Professor Doutor Carlos Herold Junior PósDoutorado em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina UFSC2011 PósDoutorado em Educação pela Universidade Federal do Paraná UFPR2009 Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Paraná UFPR2006 Mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Maringá UEM2000 Graduação em Educação Física pela Universidade Estadual de Maringá UEM1995 Profissionalmente atua como professor universitário desde o ano de 1999 quando ingressou no Departamento de Pedagogia da Universidade Estadual do CentroOeste UNICENTRO Guarapuava Em 2013 passou a trabalhar no Departamento de Educação Física da Uni versidade Estadual de Maringá UEM e hoje leciona as disciplinas de Didática em Educação Física Lutas e Análise dos Dados Qualitativos em Educação Física Para informações mais detalhadas sobre sua atuação profissional pesquisas e publicações acesse seu currículo disponível no endereço a seguir httplattescnpqbr9723444517016722 apresentação do material Atividade Integradora Comum I História da Educação Física Carlos Herold Junior Caroa alunoa ao escolhermos determinada profissão tomamos uma importante decisão Tal decisão gera muitas consequências dizendo muito do que já somos e sobretudo muito daquilo que seremos em muitas dimensões de nossa vida para além da dimensão profissional Ao folhear este livro sobre a História da Educação Física você indica a escolha por conhecer de um modo mais aprofundado um universo ligado ao ensino das variadas práticas corporais e de seu ensino Digo mais aprofundado pois para muitos de nós não faltam recordações nem conhecimentos sobre a natureza do envolvimento com essas práticas nas escolas e fora delas nós brincamos joga mos treinamos Adultos preocupamonos com nossa saúde com nossa aparência ou apenas nos divertimos com essas atividades Enfim é muito improvável que alguém na condição de iniciar qualquer curso universitário não possua algum conhecimento sobre as atividades associadas ao universo das práticas corporais É a história delas que estudaremos Antes de entrarmos na reflexão sobre essa história é importante você ter claro que as diferentes disciplinas do curso proporcionam variados olhares sobre o conjunto de atividades citadas anteriormente e as perspectivas de trabalho com elas Sabemos que quando olhamos algo de um lugar vemos algumas coisas mais claramente enquanto outras são totalmente negligenciadas ou têm sua visão atrapalhada por alguma coisa que se interpõe entre nosso olhar e aquilo que queremos ver Quando optamos por estudar o universo das práticas corporais e sua presença na escola por meio de um viés histórico é importante reconhecer que isso nos trará a condição de olhar a es cola as práticas corporais os professores e os alunos nas aulas de aula de educação física de um modo mais complexo Enxergaremos coisas que não eram percebidas antes Com este estudo espero que você passe a verificar que nas milhares de aulas de educação física nas quais professores e alunos se relacionam todos os dias país afora em uma sucessão de fatos problemas e expectativas do dia a dia escolar há uma história a ser estudada conhecida e produzida Uma história percebida como lupa como um telescópio a capacitar seu olhar para enxergar atentamente tanto as nuances quanto os horizontes mais amplos Com essas lentes que você saiba da existência de um caminho percorrido por professores e alunos de outras épocas que levou até o contexto em que vivemos o qual merece ser alvo da atenção daqueles que darão vida a essa história daqui para frente Demonstrar as vantagens de se conhecer a histó ria da educação física não deve secundarizar o re conhecimento de que esse olhar não consegue ver tudo e muito do que se vê na reconstrução desse caminho não tem a clareza que gostaríamos Talvez você experimente durante a rica gama de disciplinas que serão oferecidas em seu curso que conhecer as coisas de uma forma mais clara também produz escuridões No caso da história da educação física será mostrado que embora ela tenha ajudado todo um campo do conhecimento a se conhecer melhor e propor alternativas a alguns de seus problemas ela constantemente tem suas observações refeitas da mesma maneira que tem a importância de seu olhar questionada Espero mostrar que o valor do estudo da história da educação física também acontece por evidenciar que as competências as experiências e a sabedoria acumuladas com o passar do tempo de vem ser sempre regradas limitadas continuamente postas em dúvida Dúvidas que aumentam na mesma proporção de uma curiosa avidez e certamente cul tiválas nos dará a capacidade de encontrar não ape nas soluções mas novos problemas novos desafios e limites Sem esse cultivo intelectual as aulas educação física continuarão apenas a ser aquilo que são para quem não estuda tal campo crianças e jovens indo para a quadra e voltando para a sala de aula depois de jogarem bola ou suarem a camisa Admirar belezas e se espantar com absurdos insuspeitos para muitos olhos é a condição à qual aspira este livro sobre a História da Educação Física Essa intenção de estudar a história da educação física será composta de cinco unidades Na primeira explico algumas características da análise histórica e busco aprofundar as considerações sobre a importância desse estudo no curso Na segunda unidade veremos que em diferentes períodos homens e mulheres entendiam e sentiam diferentemente seu corpo e o corpo dos outros Na unidade III o foco é práticas corporais A próxima unidade evidencia diferentes modos como muitas das práticas corporais ainda hoje existentes surgiram e eram avaliadas sendo estudada também sua importância no lazer na cultura e na educação Na quarta unidade veremos que embora a educação o corpo e as práti cas corporais tenham raízes profundas na história da humanidade a escola e a disciplina de educação física são invenções mais recentes e são elas no processo de sua construção que iremos entender Focaremos esse processo também no contexto brasileiro na última uni dade Acredito que com o apoio dessa trajetória você perceberá e entenderá muito daquilo que experimentou como aluno da educação básica e aquilo que poderá fazer como professora de educação física Ótimos estudos apresentação do material sumário UNIDADE I O CONHECIMENTO HISTÓRICO E O PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA 16 Tem história em um curso de educação física 19 A importância do conhecimento histórico para o professor de educação física 28 O que se estuda na história da educação física 33 Como se produz o conhecimento histórico sobre a educação física 38 A história da educação física também tem uma história 43 Considerações Finais 46 Referências 49 Gabarito UNIDADE II PENSANDO O CORPO NA HISTÓRIA 54 O corpo não é apenas sua anatomia 61 A filosofia começa e continuano corpo 67 Eu tenho um corpo ou sou um corpo Os muitos eus e os muitos corpos que existiram na história 73 Os ódios e os amores devotados ao corpo na história 78 Prazeres e deveres no cuidado com o corpo 82 Considerações Finais 87 Referências 88 Gabarito sumário UNIDADE III OLHANDO HISTORICAMENTE AS PRÁTICAS CORPORAIS 94 As muitas práticas corporais 98 A ginástica 102 Os jogos 106 O esporte 110 As lutas e as artes marciais 115 Considerações Finais 119 Referências 121 Gabarito UNIDADE IV EDUCAR É EDUCAR O CORPO A ESCOLA E A EDUCAÇÃO FÍSICA 126 Educação corporal e educação física escolar 131 Educar o corpo na escola para quê 135 A educação física escolar tornarse escolar 139 As ciências da educação o corpo e a educação física o longo século XX 142 O corpo tem lugar na escola 146 Considerações Finais 150 Referências 151 Gabarito sumário UNIDADE V A EDUCAÇÃO FÍSICA NA HISTÓRIA DA ESCOLA BRASILEIRA 156 Escola e educação física na passagem ao século XX muitos pensamen tos e uma realidade 162 Discutindo a presença das práticas corporais na escola brasileira plurali dade de modelos 168 Formando professores de educação física o que fica dessa história 175 Os caminhos até nós como a educação física escolar se tornou o que é 179 Educação física e escola pensando futuros ao pensarmos passados 184 Considerações Finais 189 Referências 191 Gabarito Professor Dr Carlos Herold Junior Plano de Estudo A seguir apresentamse os tópicos que você estudará nesta unidade Tem história em um curso de educação física A importância do conhecimento histórico para o professor de educação física O que se estuda na história da educação física Como se produz o conhecimento histórico sobre a educação física A história da educação física também tem uma história Objetivos de Aprendizagem Sublinhar que a formação profissional em educação física possui uma história Evidenciar a importância de se estudar história em um curso de educação física Estudar os principais assuntos abordados quando se estuda a história da educação física Ponderar as possibilidades e as dificuldades na produção do conhecimento histórico em educação física Analisar a história da produção do conhecimento histórico em educação física O CONHECIMENTO HISTÓRICO E O PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA unidade I INTRODUÇÃO A ssim como conhecemos pela prática muitas das atividades corporais e muito de seu ensino na escola por termos sido alunos também temos alguma familiaridade com o ato de começar estudando algum assunto abordando sua história O hábito tem o seu valor afinal como ocorre em todos os hábitos que possuímos ele caracterizase por ser um automatismo que nos liberta para pensarmos em coisas mais interessantes O que faremos nesta unidade todavia é nos preocuparmos menos com o que compraremos no mercado e mais com a caminhada que até lá nos leva Ou seja o alvo das reflexões nos próximos tópicos é a caminhada histórica que realizaremos nas próximas unidades pensando na sucessão de seus pas sos na velocidade desses passos e nos cuidados que devemos ter para chegar onde queremos sem muitos tropeços e desvios no caminho Nosso destino final é enchermos a nossa sacola com tudo aquilo que precisamos para pensar nas práticas corporais e na educação física escolar historicamente Realizar essa postura intelectual de pensar os passos de um tipo de reflexão antes de se abordar o conteúdo da própria reflexão é algo bastan te importante embora demande algum zelo e esforço Do mesmo modo que a caminhada fica um pouco mais lenta quando deliberamos a su cessão dos gestos que nos levam à frente analisar a análise histórica demandará algumas voltas alguns passos para trás algumas paradas que podem gerar impaciência aos mais apressados Entretanto depois de fei ta a reflexão sobre o até então automático gesto de saber o aconteceu iniciaremos o estudo da história em melhores condições para se apreciar a beleza os detalhes e as lacunas da história que será analisada coisas que não víamos devido à pressa com que caminhávamos Realizar a promessa de pensar as características de uma determinada forma e de encarar os assuntos educacionais passa pela busca de algumas respostas quais as ra zões e as maneiras de se estudar história em um curso de educação física Bons estudos unidade II ATIVIDADE 16 Caroa alunoa quando vemos as diferentes ins tituições de ensino superior divulgarem seus cur sos de educação física comumente essa divulgação é associada a imagens de acadêmicos jogando ou praticando algum tipo de atividade corporal sob a supervisão de um professor É compreensível que assim seja pois de fato durante um curso de educação física são momentos bastante relevantes aqueles em que executamos e passamos a conhe cer diferentes formas de movimentação corporal Mesmo que não seja essa a intenção desses atos pu blicitários é corriqueiro o espanto de alguns aca dêmicos quando se deparam com outra rotina Em alguns gerase alguma surpresa o fato de que ao lado da tão divulgada e apreciada prática de ativi dades os cursos de educação física possuam tam bém uma grande quantidade de disciplinas cujo empenho manifestase na forma de leitura e reda ção de textos na participação de aulas expositivas e discussões sobre variados temas Para alguns acadêmicos todavia isso não é uma surpresa Afinal muitos procuram os cursos de edu cação física devido à grande experiência prática que possuem nos variados campos das atividades cor porais e por isso ansiosamente aguardam e cor retamente cobram um curso com uma boa carga horária de conteúdos científicos e culturais que in crementem sua formação Na atualidade de forma geral os cursos atendem a essa demanda colocando em suas matrizes curriculares disciplinas de dife rentes áreas do conhecimento Entretanto apesar da variedade de áreas de conhecimento presentes nas matrizes curriculares dos cursos de educação físi ca é comum se caracterizarem por uma maior vi sibilidade e presença de disciplinas cuja vinculação acadêmica encontrase nas ciências biológicas e da TEM HISTÓRIA EM UM CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA EDUCAÇÃO FÍSICA 17 saúde Fisiologia anatomia bioquímica nutrição biomecânica entre outros são importantes campos de estudo que historicamente têm marcado o ramo de educação física Há boas e justas razões para isso e elas poderão ser entendidas mais a frente nes te livro Por ora essa constatação deve apenas nos ajudar a marcar que ladeando essas disciplinas de cunho biológico as disciplinas vinculadas aos cam pos da pedagogia e das ciências humanas e sociais da filosofia e da história também se fazem presentes embora não sejam por elas que um curso de educa ção física seja reconhecido Sublinho que a presença dessas últimas disciplinas nas matrizes curriculares não é algo que passou a acontecer apenas nos últi mos anos Desde o início dos processos sistemáticos de formação profissional no campo da educação fí sica no Brasil a partir de 1920 é possível verificar a presença de disciplinas que abordavam a história Porém a história ocupava um lugar menor e gozava de um prestígio intermediário já que embora fosse teórica era nãomédica MELO 1999 p 22 Temos então uma situação bastante curiosa ao ingressarmos em um curso de educação física tomamos contato com algumas tradições Mencio nei duas a que o reduz às práticas corporais e uma outra que enxerga o curso de educação física como relacionado ao campo das ciências biológicas Digo curiosa pois nenhuma dessas tradições é equivo cada por elas mesmas Elas têm sua importância na formação dos professores de educação física e não precisam ser assumidas como erradas ou até men tirosas A tentativa daqueles que têm pesquisado a formação profissional de educação física e daqueles que nela ingressam é refletir sobre as razões dessa realidade se manifestar com tais tradições visando encontrar espaços para que essa formação se apri more incorporando outras matrizes disciplinares para serem estudadas e conhecidas por todos Essa tentativa vem sendo feita de modo mais in tenso nos últimos 30 ou 40 anos no campo da educa ção física e entre outras coisas redundou na publi cação de um documento que direciona ou que guia as instituições de ensino superior quando elas criam cursos de educação física Tratase da Resolução nº 07 do Conselho Nacional de Educação de 2004 Ela institui as diretrizes curriculares nacionais para os cursos de educação física BRASIL 2004 Impor tante para a reflexão desse tópico é o que lemos no artigo 4 do documento e que nos ajuda a entender o fato de você estar folheando as primeiras páginas de um livro sobre história da educação física O curso de graduação em Educação Física de verá assegurar uma formação generalista hu manista e crítica qualificadora da intervenção acadêmicoprofissional fundamentada no ri gor científico na reflexão filosófica e na condu ta ética BRASIL 2004 p 1 Tão importante quanto o parágrafo que acabo de citar é o primeiro inciso desse mesmo parágrafo Nele se endossa a necessidade das duas tradições menciona das anteriormente se conjugarem a um outro conjun to de reflexões pautadas em conhecimentos advindos das ciência humanas da filosofia e da história O graduado em Educação Física deverá estar qualificado para analisar criticamente a reali dade social para nela intervir acadêmica e pro fissionalmente por meio das diferentes mani festações e expressões do movimento humano visando a formação a ampliação e o enrique cimento cultural das pessoas para aumentar as possibilidades de adoção de um estilo de vida fi sicamente ativo e saudável BRASIL 2004 p 1 ATIVIDADE 18 Interessante verificarmos que esse dever ser de um curso de educação física ao lado de enfatizar o rigor científico prioriza também uma formação gene ralista humanista e crítica sustentada na reflexão filosófica e na conduta ética BRASIL 2004 p 1 Caminhando para o mesmo sentido vemos no ar tigo 6 das mesmas diretrizes serem mencionadas com petências de natureza políticosocial e éticomoral em igual pé de igualdade com as competências técnico profissionais e científicas Nessa análise elas formam a concepção nuclear do projeto pedagógico de formação do graduado em educação física BRASIL 2004 p 2 Tudo isso deve ser mantido a sua frente sobre tudo se for considerado que você está iniciando sua informação Durante sua trajetória no curso é im portante não perder de vista que o rigor científico é um dos componentes que se materializam no veio fortemente biologizante das matrizes curriculares dos cursos de educação física Sendo ele um traço muito valioso desses cursos o fomento de uma formação crítica que capacite aos acadêmicos refletirem filo soficamente e eticamente suas problemáticas forma tivas também o é Isso demanda a presença de outras formas de reflexão Nesse caso as que se vinculam às ciências humanas sociais e históricas No documen to que está servindo de base a estas reflexões essas outras formas de reflexão realizamse na matriz cur ricular quando ela aborda a dimensão do conheci mento que trata a relação serhumano e sociedade BRASIL 2004 p 3 Essas considerações evidenciam que você escolheu um campo profissional que está se submetendo a um processo de ampliação de suas práticas formativas Apesar de algumas antigas práti cas ainda estarem presentes muitas delas por terem ainda seu valor a elas agregamse outras concepções Por meio delas realizase a defesa de que os futuros professores de educação física devem ser formados com um olhar mais matizado e mais competente para visualizar coisas que antes não eram tomadas como importantes Um olhar que dê condições de pensar a relação serhumano e sociedade para além das for mas usuais ou cotidianas que temos feito por estar mos vivos e sermos inteligentes e que continuarão a ser feitas quando pensarmos em outras dimensões da vida social para a qual não somos sistematicamente formados Por esse motivo o estudo atento também em um curso de educação física de disciplinas que possuam relação com a sociologia antropologia filo sofia e história Por esse motivo a resposta à pergunta que intitula este item é sim tem história no curso de educação física E você aprenderá um pouco mais so bre as características deste estudo nos itens seguintes EDUCAÇÃO FÍSICA 19 Na atualidade o vocábulo conhecimento tem sido alvo de grande atenção Quando falamos conheci mento dificilmente a ele associamos ideias negati vas problemas ou perda de tempo É o contrário que ocorre é muito corrente o raciocínio que atribui ao conhecimento a possibilidade de solução de todos os nossos problemas sociais Essa crença geralmen te associa unilateralmente o conhecimento a co nhecimento científico Do mesmo modo como ocorre com muitos as suntos não podemos simplesmente descartar a as sertiva atribuindo a ela o resultado de um delírio O que há algum tempo se concorda é a necessidade de relativizarmos o peso dessa defesa da ciência como condição única de superação de muitas limitações sociais verificando outras variáveis as políticas e as éticas por exemplo igualmente importantes para a análise e superação de desafios sociais econômicos e morais A quem defende esse tipo de posicionamen to uma justificativa para tanto é o fato de que uma postura menos ufanista em relação à produção e di fusão do conhecimento científico possibilitaria uma postura intelectual mais atenta à complexidade não apenas sobre os assuntos que se quer conhecidos mas sobre a nossa capacidade e limites de conhecer essas mesmas coisas A IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO HISTÓRICO PARA O PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA ATIVIDADE 20 A quem se dedica à produção e difusão do conhe cimento histórico essas questões são de fundamental importância Em primeiro lugar atribuir à produção e à difusão do conhecimento científico a possibilida de de uma evolução social caracteriza como impor tante apenas o conhecimento diretamente útil Em segundo lugar essa utilidade é constantemente en tendida como mensurável captada matematicamen te deixando de lado contradições valorativas sociais e políticas tomadas assim como subjetivas não relevantes e até geradoras de dificuldades ao conhe cimento exato daquilo que nos aflige Aos historia dores e aos estudiosos da história da educação física tratamse de posicionamentos que geram muita difi culdade sobretudo pelo fato de essa ótica deixar bas tante difícil a resposta às seguintes indagações para que serve a história Qual a utilidade da história para o enfrentamento dos problemas atuais Qual o valor da história para quem trabalhará como professor de educação física Historiadores de um modo geral e pesquisadores e professores de história da educação física têm se ocupado dessas questões Vamos então analisar algumas tentativas de respondêlas Para pensarmos de forma mais atenta na ques tão da utilidade e da objetividade do conhecimento histórico um caminho interessante é voltar nossa atenção para uma obra de grande valor no campo da história Apologia da História de March Bloch 2001 Quando fazemos uma apologia fazemos não apenas a defesa ou o elogio de algo mas fazemos isso de uma forma apaixonada intensa March Bloch fez isso enquanto estava preso pelo exército alemão no contexto da II Guerra Mundial O livro se inicia de um modo bastante ilustrativo para o começo de um curso de graduação que tem sua atenção voltada para um campo de atuação relativamente distante das inquietações de um historiador Inicia Bloch Papai então me explica para que serve a his tória Assim um garoto de quem gosto muito interrogava há poucos anos um pai historiador Alguns provavelmente julgarão sua formu lação ingênua Pareceme ao contrário mais que pertinente O problema que ela coloca com a incisiva objetividade dessa idade implacável não é nada menos do que a da legitimidade da história Eis portanto o historiador chamado a prestar contas BLOCH 2001 p 41 Bloch então passa a construir algumas reflexões iniciandoas pela constatação de que a história exer ce uma atração muito forte nas pessoas Com efeito para além dos esforços acadêmicos feitos nas uni versidades mas muito relacionadas ao que nelas é produzido há uma enormidade de livros sobre fa tos personalidades curiosidades extraídas dos mais diferentes tempos Mas o historiador francês não perde a paciência e reconhece que uma ciência nos parecerá sempre ter algo de incompleto se não nos ajudar cedo ou tarde a viver melhor BLOCH 2001 p 45 Essa ajuda é proporcionada pelo conhe cimento produzido pelo historiador considerando o como uma possibilidade como um esforço para conhecer melhor BLOCH 2001 p 46 Nesse esforço porém Bloch não desconsidera que a história é uma ciência na infância BLOCH 2001 p 47 Essa advertência não deve ser tomada como um reconhecimento de que quando a vida adulta chegar ela poderá conhecer todas as problemáticas que hoje ou ainda nos anos em que escreveu Bloch são desespe radamente refratárias a um conhecimento racional BLOCH 2001 p 47 Dito de outro modo é impor tante reconhecer que a possibilidade de pensarmos melhor a nós mesmos e por isso assumir a utilidade da história não leva à necessidade de os historiadores tomarem seu conhecimento como um conhecimento menor ou menos científico Afinal se toda ciência to EDUCAÇÃO FÍSICA 21 mada isoladamente não significa senão um fragmento do universal rumo ao conhecimento BLOCH 2001 p 50 o conhecimento histórico é importante é útil justa mente por produzir um conhecimento que assim como a criança questiona todos os assuntos concernentes aos seres humanos em sociedade com a mesma postura implacável com a mesma curiosidade de um rapazo la BLOCH 2001 p 43 Por isso Bloch faz sua Apolo gia que pode ser sintetizada na passagem a seguir Não sentimos mais a obrigação de buscar impor a todos os objetos do conhecimento um mode lo intelectual uniforme inspirado nas ciências da natureza física uma vez que até nelas esse gabarito deixou de ser integralmente aplicado Não sabemos ainda muito bem o que um dia serão as ciências do homem Sabemos que para existirem mesmo continuando evidentemen te a obedecer às regras fundamentais da razão não precisarão renunciar à sua originalidade nem ter vergonha dela BLOCH 2001 p 49 Vamos nos atentar para a relevância dessa afirmação para se pensar nas possibilidades do conhecimento histórico em um curso de educação física Em primei ro lugar Bloch 2001 nos evidencia que aos estudar mos dimensões da vida societária a precisão comu mente associada à ciência não é nem possível e nem desejável Ele afirma inclusive que nem nos limites das ciências que se aproximam do tradicional cânone das ciências exatas e das ciências biológicas isso já não vinha acontecendo em sua época Ao observar isso para o campo da história e com isso justificar sua importância intelectual para se evitar o horror das responsabilidades BLOCH 2001 p 46 ou seja para se querer impactar positivamente a vida que se vive Bloch gera outro impacto para quem pensa na formação em educação física mais um estímulo para se reconhecer que as já citadas tradições formativas no campo da educação física aproximadas às tais ciências exatas e biológicas podem ser entendidas e superadas naquilo em que elas são limitadas Trazer para a educação física os perpétuos arrependimen tos do conhecimento histórico e dos historiadores será um passo gigantesco para todos aqueles cien tistas historiadores e professores de educação física possam de maneira mais segura orientar racional mente seus esforços BLOCH 2001 p 49 Perpetuamente arrependerse do conhecimento que produz ou seja justificar renovadamente a rele vância e o limite da reflexão histórica é uma postura muito rica necessária e recorrente nos pesquisadores da história da educação física Em muitas oportuni dades eles se voltam a essa questão estimulandonos e com certeza buscando estímulos para eles mesmos na tarefa de orientar racionalmente seus esforços BLOCH 2001 p 49 Melo 1999 ao introduzir um livro ao qual recorreremos com frequência no desen volvimento de nossas reflexões endossa o valor da reflexão sobre a importância da história quando pen sada em curso de formação inicial em educação física Por que temos que estudar história em um cur so de graduação em Educação Física É possível que esta pergunta já tenha sido diversas vezes pronunciada entre alguns estudantes e profes sores dos diversos cursos superiores ligados à formação do professor de Educação Física es palhados pelo Brasil Afinal em que o estudo da história estaria a contribuir na formação do futuro professor Haveria realmente espaço e necessidade de uma disciplina específica para estudos dessa natureza MELO 1999 p 19 Treze anos depois que foram publicadas essas dú vidas outra pesquisadora que será bastante citada neste livro Goellner 2012 redigiu um texto com a mesma característica argumentar a importância ATIVIDADE 22 sobre a história da educação física na formação dos futuros professores deste campo Compreensível é que o mesmo tom problematizador que lemos no texto de Melo 1999 também marque o artigo de Goellner 2012 já no seu início Por que estudar História no curso de formação em Educação Física Que aplicabilidade o co nhecimento histórico tem na atuação cotidiana dos seus professores e professoras Com tantas informações disponibilizadas pelas novas tec nologias de informação porque é necessário ler autores clássicos da área Se a Educação Física é uma área voltada para a saúde a performance e a educação corporal de crianças jovens e adul tos o que interessa o conhecimento histórico GOELLNER 2012 p 37 A estratégia que adoto para evidenciar a importân cia de estudarmos história da educação física nas páginas que se seguem é inspirada nesses pesquisa dores Ao compreendermos a razão das perguntas que os alunos na sua implacável objetividade nos colocam damos a ela sua importância As perguntas são repetidas é posto em evidência que elas são jus tas mas igualmente a dúvida colocada explicita um desconhecimento a ser encarado qual seja as carac terísticas e a importância de estudarmos história Em primeiro lugar vale sinalizar essas hesita ções de todos aqueles que começam a estudar a his tória de alguma coisa quando têm mais interesse no alguma coisa e não no história explicase pela persistência de uma concepção de história bastante simplificada Essa simplificação na maioria dos ca sos persiste no avanço dos anos escolares e talvez justamente por esse avanço essa concepção simplis ta tenha lançado raízes tão profundas no entendi mento de muitos Lee 2006 ao estudar a maneira como alunos da educação básica e do ensino médio entendem o passado enxerga algumas característi cas que acredito nos ajudam a entender a recorrên cia dos questionamentos apresentados anteriormen te pelos pesquisadores da história da educação física Em primeiro lugar Lee 2006 nota que é comum a compreensão de que o passado é como uma pai sagem distante atrás de nós simplesmente fora do alcance fixa e eterna LEE 2000 p 137 Por isso o único conhecimento possível desse tempo distante só se alcança via testemunhas Isso acaba por levar à concepção de que estudar e aprender história redu zirseia à absorção de testemunhos fidedignos tra zidos pelo professor e pelos livros utilizados por ele Muitos estudantes então operam com um con junto de ideias que funcionam bem na vida co tidiana mas que tornam a história impossível Porque há um passado permanente somente uma consideração verdadeira pode ser feita O passado consiste de eventos testemunháveis então as afirmações dos historiadores sobre o que aconteceu são como depoimentos de tes temunhos de segunda mão LEE 2006 p 139 Contrariamente a essas concepções Lee 2006 evi dencia que o passado não é imutável Na realidade as visões sobre ele são constantemente alteradas ge rando um processo contínuo de revisão de questio namento de verdades e reelaboração de explicações Nesse sentido o conhecimento histórico não deve ria ser assumido como cópia do passado como algo resolvido de uma vez por todas Hobsbawn 2007 nos ajuda a entender como isso é possível Mesmo que não possamos deixar de verificar que muitas das coisas hoje são como são devido ao passado que ti veram o raciocínio oposto também é verdadeiro o conhecimento que temos do passado é dependente dos problemas e das condições que temos no pre sente Isso é dito pelo historiador da seguinte forma EDUCAÇÃO FÍSICA 23 O homem era a chave para a anatomia do ma caco Claro que não se trata de um procedimen to antihistórico Implica que o passado não pode ser entendido exclusiva ou primordial mente em seus próprios termos não só porque ele é parte de um processo histórico mas tam bém porque somente esse processo histórico nos capacitou a analisar e compreender coisas relativas a esse processo e ao passado HOBS BAWN 2007 p 173 Essas considerações evidenciam de modo bastante interessante que ao estudarmos história a todo mo mento o modo como esse conhecimento é produzido é trazido à baila Lee 2006 ao fazer o diagnóstico que apresentei anteriormente também verifica que naquelas concepções de passado que inviabilizam uma concepção de literacia histórica a pergun ta como sabemos simplesmente não surge LEE 2006 p 137 Ora voltamos à característica que dá à história no entender de Bloch 2001 ao mesmo tempo seu limite e seu potencial Não por acaso essa relação entre conhecimento histórico e como esse conhecimento histórico é produzido é algo que também aparece nas justificativas dadas por Melo 1999 e Goellner 2012 quando justificam a his tória da educação física como reflexão valiosa aos futuros professores Para Melo 1999 p 26 o estudo da história da educação possibilita a quem pensa no assunto a possibilidade de aprender a compreender histo ricamente um problema Mas o que isso significa Significa muitas coisas algumas delas enfatizadas de modo persuasivo pelo autor Em primeiro lugar ao estudarmos o passado de algum fenômeno assunto ou campo profissional podemos pensar no fato de aquelas pessoas terem feito escolhas algumas difí ceis entre as possibilidades que para eles existiam Além disso podemos entender que muitas das pos sibilidades a serem escolhidas existiam por serem resultantes por serem consequências de escolhas anteriormente feitas Dito de outro modo compre endemos que o que temos atualmente foi construí do e não fruto exclusivo do acaso tampouco estava escrito em um livro dos destinos MELO 1999 p 24 Exemplificando essa utilidade da história da educação física imagine pensar na seguinte proble mática a partir de quando as aulas de educação fí sica na escola passaram a ser tão relacionadas com as quatro modalidades desportivas como muitos de nós conhecemos Pensar historicamente nessa ques tão remetenos a olhar para momentos em que isso não acontecia para momentos em que as obvie dades e os erros eram outros com o objetivo de captar uma realidade deixando de existir em nome de outra Nessa transformação não apenas as esco lhas dos professores são importantes mas o valores sociais que passaram a vigorar configurações polí ticoideológicas que ganharam espaço incrementos tecnológicos surgimento de novas práticas que fo ram abraçadas por muitas pessoas Para resumir pensar historicamente é a ca pacidade de pensar os assuntos que nos interessam como construções humanas no tempo É a capacida de de verificar que as pessoas que existiram antes de nós e que trabalharam com questões semelhantes às nossas encontraram soluções para os mesmos pro blemas viram problemas onde hoje vemos soluções Ou que viram problemas onde hoje não vemos nada que indique a existência de algo que inacreditavel mente deu muita dor de cabeça em outros momen tos De algum modo estudar história se torna uma espécie de laboratório onde se ponderam as possi bilidades e os limites humanos em fazer seus gestos e pensamentos produzirem os resultados esperados Como eles lidaram com isso Como eu lido com ATIVIDADE 24 isso Por que eles se ocupavam com aquilo ou Por que eles não perdiam tempo com que algo que nos ocupa tratamse de questões que fazemos a todo tempo quando estudamos história Goellner 2012 p 37 segue um caminho se melhante quando afirma que a História contri bui para conhecer o presente e a nós mesmos Ela aprofunda alguns dos pontos que elenquei quando apresentei as justificativas de Melo 1999 sobre as razões de estudarmos a história da educação física Goellner 2012 lista uma série de questionamentos que você não dever perder de vista ao ler esta e as unidades subsequentes Como então formar profissionais sem sensibi lizálos para a percepção de que tudo tem his tória inclusive o corpo e sua movimentação Como qualificálos a atuar no campo da saúde do esporte da educação e do lazer sem que te nham condições de entender que os discursos e as práticas que circulam no entorno desses campos não foram sempre os mesmos e que são constantemente modificados e ressignificados GOELLNER 2012 p 37 Nas próprias perguntas já temos importantes in dícios para que possamos sensibilizar os alunos dos cursos de graduação a estudar história GO ELLNER 2012 p 37 oferecendo respostas e portanto justificativas a esse estudo A autora vai ao encontro do posicionamento de Melo 1999 quando defende que a grande utilidade e tam bém a grande beleza de estudarmos história é o fato de abordarmos as intenções os problemas e as ações das pessoas que viveram em outros tem pos Também concordam entre si os autores que quando fazemos isso ao mesmo tempo em que co nhecemos um outro contexto damos um passo importantíssimo para conhecermos o contexto em que vivemos e isso por outra razão que não ape nas pelo fato de agirmos e pensarmos em circuns tâncias com valores e raciocínios que herdamos como tradição daqueles que nos antecederam Conhecemos melhor o nosso contexto quando estudamos história pois só a estudamos quando nos colocamos questões a serem respondidas Es sas questões surgem devido aos desafios que en frentamos em nosso cotidiano Elas surgem pois percebemos nossa hesitação no modo de abordar problemas importantes que atrapalham as ações que tínhamos planejado levandonos ao esforço de entender melhor a situação Esse melhor entendimento é necessário su blinhar não se refere apenas ao entendimento que devemos ter na hora de tomarmos nossas decisões profissionais na escola por exemplo Pensar histori camente impacta o entendimento da nossa própria forma de pensar nossas problemáticas gerando con sequências muito valiosas ao campo da pesquisa que existe prioritariamente no Brasil na universidade Taborda de Oliveira 2015 ao criticar a forma im ponente com que a tradição do olhar biologizante existe na educação física e moldar um modo corren te e único de se pensar em nossas questões aponta a reflexão histórica como fundamental para superar esse limite Vamos ler uma das passagens onde o au tor faz isso veementemente Parece claro que reconhecer a dimensão histó rica desse processo poderia significar um abalo nas estruturas autorreferentes que sustentam a partilha do conhecimento do campo da educa ção física o que redundaria no reconhecimento da legitimidade dos outros para auferir recur sos poder e lugares de profissionalização Ou seja abririase uma fratura na corporação que seria obrigada a admitir a multiplicidade de EDUCAÇÃO FÍSICA 25 possibilidades de produção do conhecimento os múltiplos regimes de verdade que convivem na ambiência acadêmica e a necessidade de es tabelecimento de uma atitude dialógica menos prepotente e mais colaborativa no plano das investigações em e sobre a educação física no Brasil Ora as regularidades históricas venham de onde vier não são atemporais e invariáveis e são pautadas em disputas por status recursos e poder profissional algo subliminarmente mas nunca publicamente reconhecido TABORDA DE OLIVEIRA 2015 p 213 Desejo que você note caroa alunoa que estu dar os assuntos da educação física historicamente impacta ao mesmo tempo em que resulta na ne cessidade de entendermos nossos hábitos intelec tuais Muitos desses hábitos podem seguir em fren te Outros deverão ser deixados para trás Temos aqui um exemplo da situação mais comum quando estudamos história aprendese que as coisas nem sempre foram do jeito que são Elas foram constru ídas e por isso podem ser mudadas aperfeiçoadas ou abandonadas Se essa percepção do modo como o estudo do passado traz resultados ao presente é fundamental igualmente importante é o raciocínio inverso che gamos a um ponto em que poderíamos afirmar que é o presente que explica o passado Se a afirmação não inviabiliza o entendimento mais corriqueiro mas ainda válido de que estudamos história para conhe cer os caminhos que nos trouxeram até aquilo que hoje somos a assertiva acrescenta mais uma vez a problemática da produção do conhecimento históri co em nosso estudo muito do que vemos no passado explicase por aquilo que vivemos no presente Nesse ponto três exemplos ajudarão você a en tender melhor tal ideia Nos dias de hoje um cam po de estudo histórico muito interessante e impor tante é o campo que se detém na investigação sobre a história das mulheres Interessante notar que esse campo de estudos desenvolvese de modo parale lo às mudanças sociais econômicas e políticas que deram existência ao processo e à luta das mulheres pela vida em um mundo mais igualitário em todos os aspectos Até então eram comuns os estudos históricos que afirmavam que em muitas dimen sões da vida social ou em quase todas a presença feminina tinha sido desprezível ou que muitos dos valores e práticas atribuídos a homens e a mulheres eram uma herança longínqua da história O incô modo gerado pelas lutas a necessidade de melhor se aparelhar a elas entendendo contra o que se lu tava e como poderseia afinal ser construído um mundo em que as mulheres por exemplo pudes sem sentir mais ambição pela carreira profissional e menos pelo destino da maternidade fez com que muitas análises históricas surgissem mostrando que muitas das coisas que assumimos como natu rais no que diz respeito aos lugares até então ocu pados pelas mulheres longe de serem uma obra do acaso ou da natureza foram uma construção histó rica Emblemático dessa consequência é o livro de Elisabeth Badinter cujo título já explicita o modo como uma determinada parte do passado da his tória feminina passou a ser vista de outro modo Um amor conquistado o mito do amor materno BADINTER 1985 Um segundo exemplo pode ser encontrado quando pensamos no surgimento de toda uma es pecialidade do estudo histórico voltada à educação A história da educação passou a agregar uma maior quantidade de pessoas interessadas nela justamente no momento em que a sociedade durante o século XIX e início do século XX assistiu ao fenômeno co nhecido como escolarização da sociedade Ou seja ATIVIDADE 26 por motivos que você entenderá mais a frente na quele período a escola passou a ser o espaço educa cional preponderante em termos sociais e culturais De início tratase aí de algo bastante complicado de entender haja vista que para nós é difícil imaginar um momento em que a escola não fosse obrigatória que não fosse pensada para todos os membros da sociedade e que até mesmo não fosse voltada igual mente aos meninos e às meninas Todavia o que nos interessa agora é verificar que os esforços para fazer a escola ser frequentada por todas as crianças en contraram muitos problemas e muitas resistências Não foi fácil igualmente gerar um ambiente peda gógico propício ao aprendizado em um contexto em que muitas crianças da mesma idade estivessem reu nidas em torno de um único professor Justamente quando esses problemas afligiam as sociedades na realização de seus planejamentos educacionais mui tas pessoas buscaram entender o contexto educa cional historicamente Compreenda que apesar de ser algo contraintuitivo buscar entender o passado quando o presente se mostra pleno em desafios não é tergiversar o que deve ser feito Ou seja se se tra tar de um problema que nos garanta algum tempo nessa ótica um bom modo de atacálo seria olhálo indiretamente voltando os olhos para outro lugar mas mantendo o pensamento e o coração naquilo que devo e quero fazer imediatamente O terceiro exemplo ilustra de forma bastante clara o modo como problemas imediatos estão na cabeça do historiador A década de 1980 foi o período em que o cam po da educação física iniciou uma reflexão sobre sua estrutura acadêmica e sobretudo sobre as justifica tivas que explicavam sua presença na escola Em um processo conhecido na área como Crise da Educa ção Física MEDINA 1983 professores de educa ção física e pesquisadores buscaram entender e pro por novos objetivos para guiar a ação pedagógica do professor de educação física na escola A efervescência foi grande materializada na pu blicação de livros e de artigos bem como no surgi mento de numerosos eventos em que se discutiam a questão De um modo geral havia um sentimento de grande insatisfação por parte de muitos professo res de educação física ao constatarem que na esco la a disciplina tinha se transformado no ensino e na prática de esportes sobretudo as já citadas quatro modalidades coletivas A insatisfação sustentavase na incapacidade deste cenário em fornecer justifica tivas pedagógicas afinadas à estrutura escolar para que a sociedade passasse a perceber de forma clara que a educação física assim como os outros compo nentes curriculares tinha autonomia pedagógica BRACHT 1992 Valter Bracht 1992 foi um dos principais interlocutores nesse debate Essa impor tância podemos perceber na veemência com que ele se expressava ao diagnosticar um dos fundamentos da crise da educação física Mais uma vez a Educação Física assume os códigos de uma outra instituição e de tal for ma que temos então não o esporte da esco la e sim o esporte na escola o que indica sua subordinação aos códigossentido da institui ção esportiva O esporte na escola é um braço prolongado da própria instituição esportiva Os códigos da instituição esportiva podem ser resumidos em princípio do rendimento atléticodesportivo competição comparação de rendimentos e recordes regulamentação rígida sucesso esportivo e sinônimo de vitó ria racionalização de meios e técnicas O que pode ser observado é a transplantação reflexa destes códigos do esporte para a Educação Fí sica BRACHT 1992 p 22 EDUCAÇÃO FÍSICA 27 A citação em sua integralidade é muito importante para tudo o que aconteceu no campo da educação física escolar desde então Mas para a discussão que estamos fazendo sobre a importância da história da educação física sugiro que você preste especial aten ção às palavras Mais uma vez Note que elas in dicam um processo de continuidade de repetição de algo que já vinha acontecendo há um bom tempo A expressão denota que o autor está clamando a neces sidade de uma mudança de uma ruptura com uma situação avaliada como indesejável a ser superada Essas primeiras palavras são sinais bastante eviden tes da forma como aqueles professores pensavam as urgências que enfrentavam na hora de explicar a importância da educação física escolar eles busca vam no passado na história da ação pedagógica dos professores de educação física que tinham vivido as décadas anteriores fundamentos para se explicar o conjunto de problemas contra os quais lutavam No texto de Bracht 1992 que estamos analisando em muitas passagens explicitase essa postura de des crever um presente a ser mudado por aquilo que ele carrega das tradições herdadas Na citação a seguir quando o autor fala sobre a educação física na histó ria salta aos olhos o fato de ele buscar exprimir uma realidade que se empenhava em mudar Mas não somente os métodos ginásticos de ins piração militar foram principalmente nas qua tro primeiras décadas de nosso século levados à escola como também os próprios instrutores ou aplicadores dos métodos Ora a prepara ção militar inclui historicamente a exercitação corporal com o objetivo do desenvolvimento da aptidão física e do que se convencionou cha mar de formação do caráter autodisciplina hábitos higiênicos capacidade de suportar a dor coragem respeito à hierarquia BRACHT 1992 p 20 Dizendo de outra maneira é muito interessante para as reflexões deste livro que justamente em um momento em que se buscava respostas a de safios do tempo em que se vivia os professores de educação física lançaram seus olhares ao passado buscando condições privilegiadas para pensarem em suas questões Tratavase com certeza de uma estratégia intelectual que não visava apenas bus car algo a ser refutado no presente tomada como plena de vícios e erros Buscavase com essa postu ra perspectivar uma presença acadêmica e escolar que possibilitasse a condição de evidenciar que a ação profissional e pedagógica dos professores de educação física era consciente de suas possibilida des e de suas limitações De forma resumida esse esforço ao mesmo tempo foi causa e resultado do importante conjunto de estudos históricos no campo da educação física do esporte e do lazer que começaram a surgir Esses estudos foram tão importantes que vamos nos debruçar sobre eles daqui a algumas páginas Graças a esse conjunto de estudos você lê este livro sobre a história da educação física Entendida a importância de se estudar a história de forma geral e da educação física de modo par ticular sugiro que pensemos em uma questão pri mordial nisso tudo o que estudamos quando estu damos história da educação física ATIVIDADE 28 Se os professores de história a exemplo de Bloch 2001 sentemse um pouco embaraçados na hora responderem Para que serve a história uma questão cuja mistura de obviedade de complexi dade causa algum espanto nos estudantes quando começam a construir uma reflexão de matiz histó rico O que estudar quando estudamos história ou no caso deste livro O que se estuda na história da educação física Assim como foi feito no item anterior antes de responder a questão em sua totalidade sugiro que olhemos para o modo como os historiadores pen sam nessa problemática a partir dos desafios que enfrentam na hora de responderem dúvidas tão importantes como esta Do mesmo modo também Bloch 2001 nos apoiará nessa reflexão Para res pondermos a pergunta sobre o conteúdo que se es tudaaprende nos cursos de história leiamos alguns O QUE SE ESTUDA NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA EDUCAÇÃO FÍSICA 29 momentos de Apologia da História em que o his toriador francês nos mostra o objeto da história o objeto da história é por natureza o homem Digamos melhor os homens Mais que o singu lar favorável à abstração o plural que é modo gramatical da relatividade convém a uma ciên cia da diversidade Por trás do grandes vestígios sensíveis da paisagem artefatos ou máquinas por trás dos escritos aparentemente mais insípi dos e as instituições aparentemente mais desliga das daqueles que a criaram são os homens que a história quer capturar Quem não conseguir isso será apenas no máximo um serviçal da erudi ção Já o bom historiador se parece com o ogro da lenda Onde fareja carne humana sabe que ali está a sua caça BLOCH 2001 p 54 Não satisfeito com essa definição mais à frente o au tor complementa a definição afirmando que a histó ria se trata de uma ciência dos homens no tempo BLOCH 2001 p 55 ATIVIDADE 30 Há algumas coisas a serem bem entendidas na reflexão anterior Acredito que você tenha notado que Bloch 2001 usa o plural de homem homens pois ele afirma que estudar história é necessidade estudar a diversidade Quando ele nos mostra que o olhar do historiador quer ver por trás dos objetos dos escritos das instituições enfim para onde se di rige o olhar entendese a presença humana nesses artefatos Além disso Bloch 2001 cuida de adver tir que essa busca pelas intenções realizações pro blemas hesitações e belezas da humanidade dos ho mens se dá atrelada à ideia de que tudo isso existe no tempo ou seja foram artefatos construídos em um determinado momento e que em outros momentos foram transformados extintos ou abandonados Ao pensar em um gesto nobre ou maléfico importante ou banal para o historiador ele só julgará ter pres tado conta disso depois de ter fixado com precisão seu momento na curva dos destinos tanto do homem que foi seu herói como da civilização que teve como atmosfera BLOCH 2001 p 55 Se assim como o ogro o historiador vai atrás da carne humana que lhe interessa diferentemente do assombroso animal ele tenta avaliar as razões que levaram as vítimas a estarem onde estão Sem buscar esse conhecimento relativo aos motivos que podem explicar a presen ça ou a ausência humana nessa floresta do tempo aquele que se aventura a estudar história tornase apenas um serviçal da erudição BLOCH 2001 p 54 um útil antiquário BLOCH 2001 p 66 Em bora mantenha alguma utilidade esse serviçal esse antiquário apaixonado por datas e eventos come morativos esquece que o frêmito da vida humana que exige um duríssimo esforço de imaginação para ser restituído aos velhos textos é aqui diretamente perceptível a nossos sentidos BLOCH 2001 p 66 Ao virar as costas para o frêmito da vida humana agirseá mais sensatamente renunciando ao de his toriador BLOCH 2011 p 66 Vou sublinhar o ponto que vejo como central neste momento embora estejamos acostumados a encarar o estudo da história como sinônimo de da tas descrição de sequência de eventos nomes de líderes políticos e religiosos embora essas informa ções sejam importantes para muitas coisas quando estudamos um determinado tempo elas são ape nas uma pequena parte daquilo que podemos saber quando nos debruçamos e consumimos esforços e tempo para estudar um determinado período Bloch 2001 nos ajuda a entender que o objeto do estudo da história é a busca pela compreensão dos esforços envidados pela humanidade ao se fazer com pode res e fraquezas na mesma medida com que eles nos constituem Ou seja são homens e mulheres que rendo conhecer homens e mulheres igualmente hu manos mas que manifestavam essa humanidade de formas diferentes por viverem em outras florestas ou em outros tempos E ainda mais importante que isso é o modo como essa questão de valor intelectual relacionase com o aqui e agora não apenas da so ciedade na qual nos inserimos mas no que você e eu somos hoje A beleza e a clareza com as quais Bloch 2001 registra esse pensamento é algo remarcável Na verdade conscientemente ou não é sem pre as nossas experiências cotidianas que para nuançálas onde se deve atribuímos matizes novos em última análise os elementos que nos servem para reconstituir o passado os pró prios nomes que usamos a fim de caracterizar os estados de alma desaparecidos as formas evanescidas que sentido teriam para nós se não houvéssemos antes visto homens viverem Vale mais cem vezes substituir essa impregna ção instintiva por uma observação voluntária e controlada BLOCH 2001 p 66 EDUCAÇÃO FÍSICA 31 É importante repetir que tanto a redação deste li vro quando a sua leitura é uma tentativa de cola borar na valorização dessa impregnação instintiva que nos leva a querer conhecer o passado desde que nos percebemos como seres humanos Toda via tratase de se buscar uma maneira que nos capacite a fazêlo por meio de uma observação voluntária e controlada ou seja lendo e pesqui sando sistematicamente historiadores que versam sobre dimensões da tal humanidade do homem que nos interessam Em nosso caso sabemos que o interesse está calcado em investigarmos a educação física histo ricamente Então conforme o que foi discutido an teriormente é importante que você tenha claro que na imensidão de assuntos a serem estudados pelos historiadores este livro e os estudos de história da educação física abarcam uma parcela bem específica da vida social e cultural Antes de seguir em frente uma lembrança deve ser feita O título deste livro história da edu cação física foi dado em razão de ser esse o título da disciplina na qual você irá estudálo Porém é crucial que não se perca de vista o termo educa ção física tem uma acepção larga para englobar práticas que recebem outras denominações Para ilustrarmos os assuntos que são estudados sobre a denominação história da educação física lanço mão da existência de um evento específico dedi cado a esse estudo Tratase do Congresso Brasileiro de História do Esporte Lazer e Educação Física No ano de 2016 sua décima quarta edição aconteceu em Campinas e teve como tema central Esporte e a Educação na História Quando os eventos aca dêmicos acontecem eles reúnem pesquisadores de uma determinada área do conhecimento para debaterem temas ao mesmo tempo específicos mas que possam interessar a todos os especialistas de algum modo No caso da história da educação física o tema Esporte e Educação na História norteia a preferência por determinados tipos de trabalhos e estudos que se aproximem daquilo que é o alvo da discussão do congresso Para que a co munidade de pesquisadores professores e alunos tenha ciência do eixo reflexivo das discussões é redigida uma apresentação que oferece uma des crição e explicação do assunto e de sua relevância para o avanço da pesquisa Convido você a ler um trecho dessa apresentação para que possamos dis cutila nos parágrafos seguintes O tema eleito concebe a Educação como um conjunto de processos culturais amplos que implicam conhecimento e prática dos usos e costumes de uma sociedade tendo como fi nalidade introduzir indivíduos e grupos em distintas esferas da vida pública Não se trata aqui exclusivamente da educação realizada no interior da instituição escolar com seus programas atividades e procedimentos pró prios ritmos e tempos arquiteturas mobiliá rio e tudo o que compõe sua rica cultura ma terial mesmo que tudo isso possa ser também objeto da delimitação temática deste evento Tratase aqui de problematizar e historicizar o lugar do Esporte da Educação Física e do Lazer na configuração constituição e efeti va realização de distintos amplos e extensos processos educativos escolares ou não que constituem as modernas sociedades Nesta perspectiva poderíamos afirmar que o espor te a educação física e o lazer educam pois ao criarem regras e comportamentos comuns usos comuns do corpo induzindo indivíduos a cuidarem de si e nesse movimento a prote geremse de suas próprias forças e impulsos contribuem para a assegurar a vida em socie dade e as trocas entre as gerações XVI CHE LEF 2016 online1 ATIVIDADE 32 Em primeiro lugar observe que ao proporem o tema Esporte e Educação na História os organi zadores veem essa temática como algo valioso tan to na atualidade quando em diferentes momentos do passado Nesse caso esperase receber estudos que focalizem essa relação em outros períodos que não o nosso em diferentes lugares e com a atenção voltada a diferentes aspectos Quais deles segundo a apresentação do evento É sublinhado que edu cação não será entendida como algo que acontece apenas na escola embora a educação que lá ocorre ra não seja posta de lado Essa advertência é impor tante Afinal boa parte do estímulo que se oferece à prática dos esportes não se sustenta nos benefí cios formativos que eles providenciam às crianças e aos jovens Quais eram esses benefícios em outras épocas Quem divulgava esses benefícios e como essa divulgação ocorria Quais consequências que essa busca gerava na forma como as pessoas se rela cionavam com seu corpo e com o corpo dos outros Nessa relação nessa prática educativa e recreativa quais eram os objetos as roupas e lugares em que os grupos se reuniam para realizar essas atividades De que modo os diferentes governos em diferentes níveis federal estadual e municipal estimularam determinadas práticas e barraram outras tantas No final das contas poderíamos perguntar de que forma pensar e praticar o esporte educacionalmen te possibilitou condições fundamentais para que as diferentes sociedades nas quais esses pensamentos e práticas existiram reproduzamse ou se transfor mem Acredito que esse rol de questões constru ído a partir de um importante evento na área de educação física possa ter deixado alguma clareza sobre a grande variedade e importância dos temas que podem ser discutidos em um curso de história da educação física Você verá que a estrutura das unidades seguintes a esta primeira foi construída com muitos desses questionamentos postos como se fossem mapas para os caminhos que percorro Se estudar aspectos históricos relativos aos esportes e ao lazer é um dos momentos marcantes no curso de formação inicial em educação física o mesmo vale dizer para a educação física na educação básica Em todas as regulamentações e diretrizes curriculares do componente curricular educação física ensinar os alunos a pensarem historicamente os esportes a ginástica os jogos as lutas a dança e o lazer é defendido como uma das principais colaborações dos professores de educação física à educação das crianças e jovens Esse é um aspecto muito interessante dos cursos de formação de professores ao mesmo tempo em que você amplia seus ho rizontes conhecendo dimensões da realidade até então desapercebidas é necessário não esquecer que essa ampliação cultural deverá capacitar os licenciandos para processarem esse conhecimento transformandoo em temas de ensino para o seu trabalho como professor nas escolas Fonte o autor baseado em Unesp DARIDO 2016 online2 SAIBA MAIS EDUCAÇÃO FÍSICA 33 Caroa alunoa se temos muitos questionamen tos é justo almejar que se inicie a construção de res postas para eles Tudo aquilo que você lerá e pensará neste livro sobre a história da educação física é o re sultado de pesquisas realizadas há algumas décadas Essas pesquisas produziram e produzem a gama de conhecimentos e de novos questionamentos que como vimos anteriormente são responsáveis por nos proporcionar olhares renovados não apenas so bre o passado de um campo profissional mas para os desafios que ele enfrenta em sua atualidade O que faremos neste tópico é refletir sobre al gumas questões básicas relativas à produção do conhecimento histórico Para mantermos o hábito analítico que adotei neste livro inicialmente va mos verificar como essa produção do conhecimento ocorre no campo mais amplo da história pois é par tir dele que boa parte da pesquisa histórica que hoje existe vem se pautando Feito isso voltase a estudar a educação física e o conhecimento histórico que hoje é produzido nesse campo COMO SE PRODUZ CONHECIMENTO HISTÓRICO SOBRE A EDUCAÇÃO FÍSICA ATIVIDADE 34 Vimos há alguns parágrafos que os historia dores reconhecem que a beleza e a importância do conhecimento que produzem são justificadas pelo fato de se reportarem à ação dos homens no tempo Essa vinculação a uma determinada temporalidade lança como desafio as condições existentes para que um conjunto de ações pensamentos ou eventos seja narrado de um modo a produzir um conhecimen to que possibilite aos consumidores desse conheci mento alguma segurança sobre aquilo que leem e ensinam no caso dos professores Paul Veyne é au tor de um livro chamado Como se escreve a histó ria VEYNE 1998 Embora ele fale que a história é uma narrativa verídica é importante ter claro que entre essa narrativa e a experiência que se teve de um determinado ato ou evento há uma grande distância Ou seja a esperança de se ter uma nar rativa totalmente fidedigna ao objeto da narração é algo já assumido como horizonte inalcançável por parte de quem escreve história Veyne 1998 toma como exemplo a Batalha de Waterloo para mostrar que no bojo desse evento as percepções sobre os in contáveis gestos sobre os momentos mais decisivos e relacionados ao desfecho da derrota ou da vitória há um abismo compreensível entre a experiência e a reflexão sobre a experiência vivida por todos os envolvidos Explicando esse ponto de outro modo a experiência dos diferentes atores que deram vida à batalha em questão é dificilmente alcançada em sua plenitude por qualquer reflexão a ser feita so bre ela mesmo que essa reflexão ocorresse imedia tamente após a batalha ter acontecido Um soldado raso um general um civil alguém que teve um ente querido morto ou um familiar que vê seu parente retornando para casa depois dos confrontos cada uma dessas pessoas teria uma percepção uma sen sação diferente Isso nos faz perceber que a história pode ser narrada em primeira ou na terceira pessoa VEYNE 1998 p 18 Dito de outro modo as expe riências são diferentes e obviamente a reflexão so bre elas será muito diversa gerando assim narrativas díspares Ainda assim essa miríade de olhares é fun damental para que possamos conceber a Batalha de Waterloo ou qualquer outra coisa na história como existente e cognoscível Ora ainda assim fica a dúvida disso devese concluir que produzir uma narrativa verídica é algo impossível levandonos a ver nesses esforços de pesquisa dos historiadores um mero mosaico de opiniões Mesmo que essa compreensão seja recor rente o que leva muitos a criticarem ainda mais a história como campo do conhecimento produzir co nhecimento histórico é um ato intelectual diferente da criação literária embora seja a ela relacionada A literatura que assim como a história consegue fazer com que um século caiba em uma página VEY NE 1998 p 18 também lida com a dificuldade de retratar interessantemente um determinado tempo Todavia se na literatura a defasagem que sempre separa a experiência vivida da reflexão sobre a narra tiva gera experiências estéticas interessantes para o historiador a clareza desse distanciamento gera a salutar descoberta de um limite VEYNE 1998 p 18 Em uma passagem bastante esclarecedora sobre o fato desse limite não ser um desqualificador desse conhecimento lemos O campo da história é pois inteiramente inde terminado com uma única exceção é preciso que tudo o que nele se inclua tenha realmente acontecido Quanto ao resto que a textura do campo seja cerrada ou rala completa ou lacu nar não importa uma página da Revolução Francesa tem uma trama suficientemente cer rada para que a lógica dos acontecimentos seja quase completamente compreensível e para EDUCAÇÃO FÍSICA 35 que um Maquiavel ou Trotsky tivesse podido tirar dela toda uma arte da política no entan to uma página de história do Antigo Oriente que se reduz a uns poucos dados cronológicos e contém tudo o que se sabe de um ou dois impé rios dos quais só restou o nome ainda assim é história VEYNE 1998 p 25 Essa insegurança essa lida cotidiana com um pen samento exposto ao seu limite impede que o his toriador conheça o passado diretamente mas o co nheça apenas por pequenas partes que lhe chegam do tempo estudado que ele tem acesso Para narrar o passado o historiador depende de documentos produzidos no contexto estudado a fornecerlhe in dícios que o permitam exercer sua reflexão apoiado na concretude disso que se chama de fontes pri márias A história é em essência conhecimento por meio de documentos VEYNE 1998 p 18 Todavia é importante que a produção desse conhe cimento não trate apenas de encontrar uma grande quantidade de documentos sobre um determinado assunto é necessário o historiador colocar esses do cumentos para dialogarem entre si exercendo sua capacidade de questionálos dandolhes condições de tornar uma temática compreensível ao leitor Você deve prestar atenção ao fato de que pro duzir conhecimento histórico é um diálogo entre a capacidade do historiador em formular perguntas perspicazes e buscar documentos para construir respostas a partir dos documentos que encontrar É essa capacidade que gera uma superfície tranquili zadora da narrativa VEYNE 1998 p 26 levando os leitores e verem nesse conhecimento de natureza lacunar um verdadeiro reflexo No campo dos estudos históricos produzidos na educação física Melo 1999 p 42 identifica a ne cessidade dos pesquisadores pautaremse em pres supostos que afastem as narrativas históricas dos es tudos excessivamente descritivos e da carência de evidências documentais Como resultado os ana listas da história da educação física se preocuparam com o fato de muitos dos estudos produzidos até a década 1980 serem escritos de um modo distanciado dos procedimentos e cuidados metodológicos Esses cuidados podem ser sumarizados nas ponderações feitas a partir da reflexão de Veyne 1998 Assumese que advertências como as feitas por Melo 1999 levaram os estudos históricos do campo da educação física a experimentarem uma renovação historiográfica TABORDA DE OLI VEIRA 2007 p 117 Porém Taborda de Oliveira 2007 não poupa críticas a esse movimento notan do que mesmo existindo em um contexto atento e com um olhar mais voltado à renovação dos modos de se abordar a história bem como de seus objetos de estudo existe paralelamente permanência dos marcos políticos econômicos ou intelectuais da da tação TABORDA DE OLIVEIRA 2007 p 123 De qualquer modo em que pese essas advertên cias e críticas sempre necessárias a todos que pro duzem conhecimento é importante reconhecer que hoje há uma produção historiográfica interessante rica e variada no campo da educação física supe rando os tradicionais escritos que primavam apenas pela listagem de nomes datas eventos eou sua re lação com os marcos políticos império república etc do mundo sóciohistórico que circunda os fe nômenos estudados Para termos uma ideia da riqueza da reflexão his tórica atinente à educação física e às práticas corpo rais proponho que olhemos mais proximamente o conteúdo e o funcionamento dos Centros de Memó ria voltados ao esporte e à educação física existentes no país Tratamse de instituições que recebem or ATIVIDADE 36 ganizam classificam e disponibilizam o acesso a do cumentos relacionados a um determinado tema para pesquisadores Nesse caso tratamse de documentos importantes para a construção de análises históricas sobre questões valiosas à educação física Em 2013 o Centro de Memória da Educação Física do Esporte e do Lazer CEMEF da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG organizou uma coletânea LINHA LES NASCIMENTO 2013 onde se pode ter uma ideia dos tipos de documentos que lá estão e conse quentemente do teor das pesquisas tendo por base o conjunto documental sob a guarda da instituição Os arquivos pessoais doados por professores que trabalharam na Escola de Educação Física da UFMG e também por exalunos da instituição é um con junto documental bastante variado Em primeiro lu gar registrase que são documentos doados muitas vezes por familiares dos professores Os itens que compõem esse acervo são variados tratamse de li vros correspondências planos de aula fotografias certificados etc Além da curiosidade gerada por tais documentos há o impacto de eles terem sido ge rados no fomento de problemáticas a serem investi gadas Linhales Cunha e Fonseca 2013 sublinham o que pode ser analisado nesses vestígios ponderan do questões suscitadas aos pesquisadores durante o procedimento de organização do acervo os arquivos pessoais constituem também significações reveladoras de laços e vínculos sociais redes de pertencimento e formação das quais os indivíduos fizeram parte Ou seja o modo como cada uma marca seu percurso próprio e ao mesmo tempo desvenda ele mentos que compõem uma história social da Educação Física LINHALES CUNHA FONSECA 2013 p 73 Quando falamos em documentos dificilmente imaginaríamos que os objetos também são assumi dos como tais Associamos documentos à escrita ao texto O acervo de objetos do CEMEFUFMG é composto em sua maioria por instrumentos científicos de toda natureza relacionados à medi ção de variadas grandezas associadas ao esporte e ao exercício Ao nos confrontarmos com esse tipo documental a dúvida que surge é relativa ao que fazer com ele em termos analíticos perspectivando os modos com os quais se pode construir análises históricas Para tanto o seguinte esclarecimento é importante é necessário pensar no alargamento do rol documental refletindo sobre a constru ção mais equilibrada de fontes A análise fei ta aqui permitiu fazer a relação entre o ins trumento e a constituição de conhecimentos relacionados à Antropologia Medicina His tória Natural e Educação Física Aqui não se trata de dar preponderância ou não ao docu mento escrito mas entender a cultura mate rial tridimensional como um manancial que pode nos dar informações não acessíveis por fontes escritas e concebêlas dentro de um intercâmbio recíproco entre as duas possibi lidade de obtenção de informação GOMES BRAGHINI 2013 p 97 Igualmente importantes na hora de acessarmos outras temporalidades que não a nossa são as fo tografias No CEMEFUFMG há 1622 fotografias disponíveis para consulta MORENO SEGAN TINI 2013 p 112 Contrariando um determi nado senso comum que enxerga nas fotografias um retrato fiel de um outro tempo os historia dores que pesquisam temas relacionados à educa ção física ao esporte e ao lazer buscam verificar EDUCAÇÃO FÍSICA 37 nas fotos não apenas aquilo que eles diretamente mostram mas outros detalhes como o enquadra mento escolhido pelo fotógrafo o arranjo dos fo tografados as razões que levaram à fotografia em questão bem como os diferentes modos com que as pessoas executavam esse ato de legar à poste ridade um registro de um fato de um evento ou de uma pessoa As autoras explicitam o potencial analítico gerado pelas fotografias quando ao con cluírem suas reflexões ponderam o valor desse documento Fotografias ampliam nosso olhar para facetas dos processos educacionais recaídos sobre o corpo percebidos nas maneiras de vestir nos gestos nas práticas autorizadas no que fica de fora da imagem Através da fotografia po demse captar as maneiras como o corpo se apresenta nos espaços destinados às práticas corporais os modos autorizados do corpo estar presente nas instituições de ensino da Educação Física O potencial das fotografias está também em decifrar os discursos subli minares às imagens eugênicos civilizadores modernos cívicos higiênicos MORENO SEGANTINI 2013 p 114 Seguindo esse trajeto de ampliação daquilo que ser ve de apoio documental aos estudiosos da história da educação física os registros de filmagens apre sentamse como outra possibilidade importante De modo comparável ao que ocorre com a fotografia na análise desse material o pesquisador deverá se ater ao contexto em que foi produzido o material o público a quem estava voltado bem como as potencialidades técnicas existentes e efetivamente usadas na produ ção das imagens Por conta dessa razão o filme pode tornarse um documento para a pesquisa histórica na medida em que articula ao contexto histórico e social que o produziu um conjunto de elementos intrínsecos à própria expressão cinematográfica KURNIS apud FREITAS LINHALES 2013 p 117 Outras formas de documentos têm sido uti lizadas pelos pesquisadores Jornais cinema e entrevistas com pessoas que viveram no contex to que se quer estudar são exemplos da varieda de documental encontrada pelos historiadores e que alimentam suas pesquisas Desse ponto de vista quem vai estudar história da educa ção física do lazer e do esporte ao interessarse pela multifacetada capacidade humana de criar transformar e dar significado às práticas corpo rais aos prazeres corporais e ao cuidado com o corpo necessita de meios que permitam que essa reflexão aconteça Essa noção ampliada de documento FARIA FILHO VIDAL PAULILO 2004 é algo já reco nhecido como fundamental aos historiadores de todos os campos e igualmente pelos historiado res que voltam sua atenção às problemáticas da educação física Entretanto esse ampliação nem sempre foi assumida como necessária ou possível Isso porque hoje o que se pratica como procedi mento incontornável de produção do conheci mento é o resultado do questionamento de uma determinada tradição construída por gerações de professores de educação física interessados e re datores e livros da educação física Para finalizar este tópico convido você a conhecer um pouco dessa tradição Afinal você já percebeu que dar um passo para trás é uma atitude sábia para quem pretende ir para frente ATIVIDADE 38 Ao propor a importância de entendermos nossos desafios historicamente somos então levados ao estudo de um conhecimento que já vem sendo elaborado por pessoas que viveram e pensaram antes que estivéssemos em condições de o fazer No caso do conteúdo deste livro sobre a história da educação física muitas das informações e das reflexões que estão aqui e que você lê e lerá nas próximas páginas são resultado de um acúmulo e também de sucessivas mudanças na forma como o conhecimento histórico foi elaborado e divul gado no interior de nosso campo Resumindo o ponto com o qual encerro esta unidade a histó ria da educação física também é uma história que desde o início do século XX até a atualidade mu dou o modo com o qual o conhecimento históri co foi produzido e divulgado sobre o campo da educação física dos esportes e do lazer e tem ex perimentado mudanças em seus procedimentos e concepções Ter conhecimento sobre esse pro cesso de mudança o que esse conhecimento era e deixou de ser é o grande objetivo deste momento Com ele compreenderemos que pensar histo ricamente implica aplicar esse pensamento aos esforços investigativos na hora em que eles pro duzem sua narrativa verídica VEYNE 1998 A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA TAMBÉM TEM UMA HISTÓRIA EDUCAÇÃO FÍSICA 39 Faremos essa reflexão buscando mais uma vez o apoio das análises feitas por Melo 1999 Nessas análises a história da educação pode ser vista a partir de características intelectuais agru padas em quatro fases A primeira fase compreende as primeiras dé cadas do século XX Não havia naquele momento uma produção bibliográfica sistemática em torno da questão O grande ímpeto que levou aos poucos li vros existentes sobre esse olhar histórico em relação à educação física foi o de trazer informações relati vas ao seu passado sem a preocupação em fazer essa retomada com a busca por documentos ou por qual quer outro procedimento sistematizado de pesquisa Melo 1999 embora cite outros livros relacionados à história do esporte sublinha que característicos desse primeiro momento foram os livros de Lauren tino Lopes Bonorino intitulado Histórico da Edu cação Física e também as análises espalhadas nos escritos de Fernando de Azevedo De acordo com Melo 1999 p 35 é possível verificar nesse conjun to de reflexões da primeira fase perspectivas histo riográficas de seu tempo a saber o fato de aquelas reflexões se apoiarem em marcos cronológicos ex ternos à educação física em que por exemplo esta era pensada a partir do regime político vigente im pério república etc Somase a esse traço a ênfase na positividade das informações com um objetivo memorialista de reunir nomes e datas marcantes no que tange às práticas corporais e a educação por elas obtida Sobre essa fase afirma Melo 1999 Os autores no entanto não pareciam querer defender ou provar nada mas simplesmente guardar fatos e datas para que não se perdes sem no tempo De fato este tipo de obra ligada à história dos esportes escrita por não acadêmicos e sem outra preocupação do que o resguardo de informações até hoje pode ser encontrada inclusive com características seme lhantes às de então MELO 1999 p 35 Para ilustrar a forma como a história era abordada nessa fase vale a pena nos determos à obra A poesia do corpo ou a gymnastica escolar sua história e seu valor publicada em 1915 e escrita por Fernando de Azevedo Verificase que no título a história recebe uma grande atenção embora no livro os aponta mentos efetivamente históricos resumamse a sete páginas das 215 que possui a obra Nas páginas em que fala da gymnastica através do tempo Azeve do 1915 p 24 inicia uma exposição com a história egípcia passando pela China Grécia Roma Idade Média e Renascimento O autor estuda o desenvol vimento de métodos ginásticos no século XVIII e XIX para afirmar que no momento em que ele vi via a gymnastica era na prática uma das maiores aspirações como na teoria um dos problemas mais estudados na idade contemporânea AZEVEDO 1915 p 30 É fundamental que seja compreendido que a ida a outras civilizações serviu para endossar aquilo que Azevedo via como verdade em sua época deixandonos a vívida impressão que o uso da histó ria teve o objetivo de endossar algo que ele queria ar gumentar como incontestável o valor da ginástica O marco utilizado para definir a existência de uma segunda fase na produção historiográfica da educação física é a obra de Inezil Penna Marinho 19151985 A quantidade de livros textos artigos produzida por Marinho bem como a qualidade teó rica de suas reflexões o colocam não apenas como o maior estudioso da história da educação física e do esporte no Brasil MELO 1999 p 35 mas como um de seus maiores intelectuais DALBEN 2011 p 59 Nos últimos anos a trajetória de Inezil Penna Marinho tem recebido bastante atenção de pesqui ATIVIDADE 40 sadores interessados no desenvolvimento histórico da educação física em virtude da sua prolífica atua ção como professor escritor e pesquisador com foco dirigido à cultura física No que diz respeito à análise histórica realizada por Marinho Melo 1999 nota que pela primeira vez a pesquisa em história sobre a educação física assumiu a característica de não ser mera compila dora de reflexões ou opiniões de terceiros Marinho empreendeu uma rotina de levantamento de docu mentos rotina essa bastante aproximada ao que se presumia ser a produção do conhecimento histórico sustentada no levantamento de fatos datas nomes sem a preocupação de análise crítica do material encontrado MELO 1999 p 36 A existência de uma reflexão historiográfica bastante aprimorada em Inezil Penna Marinho podemos verificar em um discurso por ele pronunciado publicado em 1958 onde o professor preocupase com a relação entre ensino e pesquisa na formação dos professores de educação física O importante do estudo da história não é a memorização dos fatos e datas não é a fixação daquilo que os compêndios formalizaram e al gumas vezes até padronizaram Como profes sor de história desejo suscitar em meus alunos o interesse que os leve à investigação dos fatos ao aproveitamento das experiências por outros po vos a interpretação dos dados oferecidos à sua razão MARINHO apud MELO 1999 p 38 Perceba que os objetivos desta primeira unidade são ecos daquilo que dizia Marinho na década de 1950 Afinal o que ele está pensando na citação anterior Ele estava bastante preocupado com a importância da história na formação dos alunos Para isso ao mesmo tempo em que é ponderada a preocupação com o ensino dessa especialidade ele manifesta uma concepção de história e de conhecimento que sus tentava os levantamentos e as pesquisa que fazia A terceira fase demarcada por Melo 1999 é a que passou a existir na década de 1980 e que teve grande representatividade no livro Educação Física no Brasil a história que não se conta escrito por Lino Castellani Filho e publicado em 1988 O pró prio título do livro deixa entrever um dos objetivos de Castellani Filho 1988 discutir problemáticas que não foram discutidas até aquele momento nos estudos históricos sobre a educação física O interes se maior do autor era demonstrar o modo como a história da educação física brasileira esteve alinhada aos interesses econômicos e políticos das classes do minantes em uma abordagem que se caracterizava como marxista e repudiava a tentativa de se fazer uma análise que não assumisse a luta política como norte da ação dos professores de educação física Não há como deixar de reconhecer que esse livro exerceu grande influência no momento em que foi publicado e nas décadas seguintes o que foi ajuda do por ter sido publicado em momento de grande intensidade das discussões que buscavam pensar o EDUCAÇÃO FÍSICA 41 papel da educação física na sociedade e sobretudo na escola Isso coloca em evidência mais uma vez o modo como a busca pela história não é uma atitude desinteressada inócua a quem deve tomar decisões imediatamente Melo 1999 muito embora reconheça esse va lor não deixa de criticar a obra de Castellani Filho 1988 Em que pese Castellani Filho 1988 ter significado uma importante mudança de enfoque MELO 1999 p 39 ao se estudar o modo como o livro composto em termos de metodologia do trabalho de pesquisa histórica verificouse que a adoção de uma perspectiva marxista não significou uma ruptura com o modo tradicional de produzir história no campo da educação física Melo 1999 é contundente quando elabora sua crítica afirmando A periodização continua a se submeter a especi ficidades exteriores ao objeto além de referen darem uma impressão de continuidade e line aridade sempre tão presente em todas as fases anteriores a história é entendida como respon sável por explicar linearmente o presente fato agravado por uma compreensão que parte do presente com hipóteses traçadas já basicamente confirmadas o que praticamente faz forjar no passado os elementos necessários para provar a hipótese inicial a exasperação da crítica ao ca ráter documentalfactual das obras anteriores findou por muitas vezes no dispensar de dados fatos e nomes tão importantes em qualquer es tudo historiográfico MELO 1999 p 39 Essas críticas feitas à terceira fase já sinalizam as características da produção historiográfica existen te no campo da educação física desde então Melo 1999 não fala em uma quarta fase mas penso que poderíamos enxergar no conjunto de estudos pro duzidos na atualidade uma tentativa de superar os problemas metodológicos observados Tratase de um desafio ainda em curso que tem contado com a aproximação dos pesquisadores de nosso campo aos debates existentes no campo da história De al gum modo a tentativa que fiz nas reflexões desen volvidas nesta unidade existem por conta de meus esforços em acompanhar essas mudanças Tratase de um empenho que avalio ser pleno de resultados interessantes para colaborar na continuidade das pesquisas que objetivam entender as práticas cor porais e a educação que nelas se baseia a partir de uma ótica histórica A Educação Física tem sido utilizada politica mente como uma arma a serviço de projetos que nem sempre apontam na direção das conquistas de melhores condições existen ciais para todos de verdadeira democracia política social e econômica João Paulo S Medina REFLITA 42 considerações finais P rezadoa alunoa nesta primeira unidade propus uma caminhada mais lenta para pensarmos mais detidamente nas características da reflexão histórica voltada à educação física e aos esportes Eliminar os automatismos desse gesto de querer saber o passado das coisas tão corriqueiro e por isso mesmo desconhecido dá a ele um potencial que antes não era notado Embora o curso de educação física para alguns se relacione à prática de atividades corporais ou ao estudo de anatomia e fisiologia nele também se coloca como necessidade estudarmos a história dos desafios científicos e profis sionais enfrentados por professores que viveram e atuaram antes de nós Nessa simples atitude de voltar nossa atenção para outras épocas há cui dados e reflexões que buscam justificar a relevância de o conhecimento histó rico continuar a ser produzido e ensinado Produzido por pesquisadores que são formados para tanto ensinado por professores que também recebem uma formação específica para isso todos lidando com uma forma de pensamen to plena de fragilidades mesmo assim e justamente por essa possibilidade de gerar vários olhares sobre o mesmo objeto muito significativo para o enten dimento não apenas do passado mas de nós mesmos O desafio de lidar com a característica lacunar do conhecimento histórico levou ao desenvolvimento de procedimentos de pesquisa histórica que hoje são adotados também por professores de educação física Você viu que o estudo da história da educação física também tem uma história sendo uma atitude intelectual que vem nos acompanhando com o passar do anos e submetendose a mudanças importan tes Perceba que mudança e transformação são palavraschave em um campo intelectual normalmente despreciado por se acreditar que ele lide com algo pronto acabado morto enterrado de uma vez por todas Não é isso não é Por essa razão há bastante coisa a ser estudada nessa história 43 atividades de estudo 1 A partir das reflexões desenvolvidas nesta unidade como justificar a im portância de se estudar história em um curso de educação física 2 Pondere algumas características do conhecimento histórico 3 Qual a importância dos documentos para a pesquisa histórica 4 Diferencie as quatro fases da produção historiográfica no campo da edu cação física 5 A partir da leitura da apresentação redigida por Medina ao livro Educação Física no Brasil a história que não se conta especifique o modo como a história é vista por Castellani Filho 1988 44 LEITURA COMPLEMENTAR Discussões sobre o documento na produção historio gráfica são tema de muitas publicações de trabalhos apresentados em eventos científicos num esforço claro de compreensão sobre a pluralidade dos documentos disponíveis para a pesquisa histórica suas característi cas possibilidades de exploração acessibilidade entre outros aspectos Utilizemos a clássica estratégia da consulta aos dicionários Segundo o Dicionário Aurélio documento significa qualquer base de conhecimento fi xada materialmente e disposta de maneira que se possa utilizar para consulta estudo prova etc sendo também escritura destinada a comprovar um fato Já fonte apre senta vários significados aquilo que origina ou produz origem causa Também procedência proveniência ori gem E ainda que fornece informação sobre determina do tema Quanto a testemunho significa depoimento prova testemunha mas também indício vestígio Embora haja pontos em comum em todas essas de finições podese ver como elas não têm exatamente o mesmo significado estando contudo profundamente relacionadas ao uso que delas e das coisas que indi cam os historiadores Cada vez mais nitidamente a produção historiográfica fundamentase pesadamen te nos documentos nas fontes que fornecem informa ção Menos na busca da prova e mais da construção de sentidos a partir dos indícios e de maneira desejável ancorada em algum instrumento de análises de caráter mais conceitual Mas algo preocupa num cenário que costumo chamar de entusiasmo pelos documentos A clareza cada vez maior acerca dos procedimentos da pesquisa histórica o relativo vigor com que se exige a atenção a esses procedimentos sobretudo na formação acadêmica dos pesquisadores a crescente organização dos arquivos e a disponibilização cada vez mais ampla de documentos conforme o avanço das tecnologias são elementos que ajudam a alçar essa matériaprima qua se que à condição do conhecimento histórico propria mente dito temos visto uma grande concentração de esforços sobre os documentos que nem sempre se faz acompanhar de equivalente análise e de construções explicativas e relacionais Fonte Lima e Fonseca 2013 p1922 45 material complementar Educação Física humanas Marco Paulo Stigger Editora Autores Associados Ano 2015 Sinopse tratase de uma coletânea em que pesquisadores do campo da educação física brasileira evidenciam a importância das ciências humanas tanto na formação inicial de professores quanto na pesquisa de diferentes temas relacionados às práticas corporais e à educação física escolar Comentário ao ler os capítulos do livro além da importância de se es tudar filosofia sociologia antropologia e história nos curso de educação física você perceberá que a existência desses estudos lida com a luta por maior espaço acadêmico nas instituições de ensino superior Narradores de Javé Ano 2004 Sinopse um pequeno vilarejo tem seu sossegado dia a dia revolucionado quando os moradores recebem a notícia que deverão se mudar pois o lugar em que vivem será inundado para a construção de uma represa Para evitar esse desfecho a única alternativa era mostrar a importância histórica da vila Em torno da construção dessa situação o enredo do filme se desenrola Comentário embora não trata especificamente sobre um tema da histó ria da educação física ao assistir o filme você poderá pensar na importân cia e nas dificuldades enfrentadas no momento em que se quer escrever uma narrativa histórica O Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte realiza o Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte a cada dois anos Acesse o link a seguir e conheça os anais dos eventos organizados a partir de 2005 Em cada um dos eventos há os trabalhos do Grupo Temático de Trabalho GTTs Memórias da Educação Física do Esporte em que há um bom número de trabalhos e pesquisas de variados temas da história concernente aos assuntos deste livro Link httpwwwcbceorgbranaisphp 46 referências AZEVEDO F de A poesia do corpo ou a gymnastica escolar sua história e seu valor Belo Horizonte Imprensa Official do Estado de Minas 1915 BADINTER E Um amor conquistado o mito do amor materno Rio de Janeiro Nova Fronteira 1985 BLOCH M Apologia da história Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 BRACHT V Educação Física a busca da autonomia pedagógica In Educação Física e aprendizagem social Porto Alegre Magister 1992 p 1532 BRASIL Resolução nº 07 de 31 de março de 2004 Conselho Nacional de Edu cação Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física em nível superior de graduação plena Câmara de Educação Superior BrasíliaDF Câmara de Educação Superior 2004 CASTELLANI FILHO L Educação física no Brasil a história que não se conta CampinasSP Papirus 1988 DALBEN A Inezil Penna Marinho formação de um intelectual da educação física Movimento Porto Alegre v 17 n 1 p 5976 janmar 2011 FARIA FILHO L M de VIDAL D PAULILO A A cultura escolar como cate goria de análise e como campo de investigação na história da educação brasileira Educação e Pesquisa São Paulo v 30 n 1 p 139160 janabr 2004 FREITAS J V LINHALES M A Imagens em movimento metodologia de tra balho desenvolvida no acervo fílmico do CEMEFUFMG In LINHALES Meily Assbú NASCIMENTO A Organizando arquivos produzindo nexos a experi ência de um Centro de Memória Belo Horizonte Fino Traço 2013 p 117136 GOELLNER S V A importância do conhecimento na formação de professores de educação física e a desconstrução da história no singular Revista Kinesis Santa MariaRS v 30 n 1 p 3755 jan jun 2012 GOMES A C V BRAGHINI K M Z Potencialidades de pesquisa em história das ciências a partir do acervo de objetos do CEMEFUFMG In LINHALES M A NASCIMENTO A Organizando arquivos produzindo nexos a experiência de um Centro de Memória Belo Horizonte Fino Traço 2013 p 85102 47 referências HOBSBAWN E Sobre história 2 ed São Paulo Companhia das Letras 2007 LEE P Em direção a um conceito de literacia histórica Educar em Revista Curi tiba número especial p 131150 2006 LIMA E FONSECA T N de História memória e documentos In LINHALES M A NASCIMENTO A Organizando arquivos produzindo nexos a expe riência de um Centro de Memória Belo Horizonte Fino Traço 2013 p 1527 LINHALES M A NASCIMENTO A Organizando arquivos produzindo ne xos a experiência de um Centro de Memória Belo Horizonte Fino Traço 2013 LINHALES MA CUNHA L B da FONSECA D F M Os arquivos pessoais do CEMEFUFMG memórias de si memórias da educação física In LINHA LES M A NASCIMENTO A Organizando arquivos produzindo nexos a ex periência de um Centro de Memória Belo Horizonte Fino Traço 2013 p 7184 MEDINA J P S A educação física cuida do corpoe mente CampinasSP Papirus 1983 MELO V A de História da Educação e do Esporte no Brasil panorama e pers pectivas São Paulo Ibrasa 1999 MORENO A SEGANTINI V C Sobre fotografias da coleção à fonte In LI NHALES M A NASCIMENTO A Organizando arquivos produzindo nexos a experiência de um Centro de Memória Belo Horizonte Fino Traço 2013 p 103116 TABORDA DE OLIVEIRA M A O que a história da educação tem a dizer sobre o campo da educação física e o seus contornos atuais In STIGGER M P Org Educação Física Humanas CampinasSP Autores Associados 2015 p 203 216 Renovação historiográfica na educação física brasileira In SOARES C Org Pesquisas sobre o corpo ciências humanas e educação CampinasSP Autores Associados Fapesp 2007 p117138 VEYNE P M Como se escreve a história Foucault revoluciona a história 4 ed Brasília Universidade de Brasília 1998 48 referências 1 Em httpwwwfefunicampbrfefchelef2016 Acesso em 27 Jun 2016 2 Em httpwwwacervodigitalunespbrbitstream12345678941549101d19t03pdf Acesso em 06 out 2016 Referências OnLine 49 gabarito 1 Estudar história da educação física do esporte e do lazer é relevante pois permitenos apreender de modo mais atento as relações ações e valores profissionais com as necessidades e as contradições da sociedade de um determinado tempo 2 O conhecimento histórico caracterizase pela impossibilidade de ser livre de lacunas e totalmente isento de influências socioculturais de quem o produz Esses traços por sua vez dão a esse conhecimento sua importân cia afinal ele realiza em si mesmo a condição de ponderar o que podemos e o não podemos conhecer sobre nós mesmos 3 É a partir dos documentos produzidos em determinada época que pode mos acessála e pensála Nesse sentido a pesquisa histórica consiste na busca e na análise crítica dos diferentes tipos de documentos que nos per mitem costurar reflexões sobre diferentes aspectos da vida social e cultu ral de outros tempos que não o nosso 4 A partir da análise de Melo 1999 a história da educação física é compos ta por quatro momentos No primeiro tratouse de redigir apontamentos históricos a partir de comentários extraídos de livros de filosofia sobre tudo No segundo caracterizado pela ação de Inezil Penna Marinho pas souse a acumular informações buscadas em fontes primárias reunidas linearmente em uma linha do tempo A terceira marcouse pela influência do marxismo em uma leitura da realidade de característica marxista que segundarizou o levantamento documental na construção das reflexões Por fim a última fase é caracterizada pela aproximação dos historiadores da educação às discussões teóricometodológicas existentes no campo da história 5 Considerando a apresentação de Medina no livro de Castellani Filho 1988 vemos que este busca na história a demonstração de que por trás de cada aula de educação física realizase um amplo processo de reprodução das desigualdades sociais e injustiças políticas características incontornáveis do capitalismo Professor Dr Carlos Herold Junior Plano de Estudo A seguir apresentamse os tópicos que você estudará nesta unidade O corpo não é apenas sua anatomia A filosofia começa e continuano corpo Eu tenho um corpo ou sou um corpo Os muitos eus e os muitos corpos que existiram na história Os ódios e os amores devotados ao corpo na história Prazeres e deveres no cuidado com o corpo Objetivos de Aprendizagem Pensar na atribuição de valores culturais ao corpo Sublinhar a importância do corpo em muitas questões filosóficas Analisar diferentes modos de perceber o próprio corpo na história Estudar variadas visões dirigidas ao corpo em diferentes períodos históricos Avaliar percepções conflitantes em relação à corporeidade em outras épocas PENSANDO O CORPO NA HISTÓRIA INTRODUÇÃO C aroa alunoa não há muitas dificuldades em perceber que cursos de educação física dão bastante atenção ao cor po Afinal se fizermos o esforço de lembrar de alguns anún cios sobre os outros cursos em muitas deles são mostrados pessoas conversando sentadas à frente de um computador desenhando misturando substâncias lendo livros em bibliotecas cuidando de plantas etc Obviamente em todas essas imagens vemos corpos Quero apenas sublinhar a diferença no que diz respeito ao envolvimento corporal nessa diferença entendemos em algumas imagens que certas pessoas es tão pensando enquanto outras estão apenas movimentandose Isso pode ser ainda mais facilmente percebido na escola Nela os lu gares os tempos e os modos alternadamente voltam a atenção ora ao pensamento ora ao corpo conforme boa parte das rotinas que carac terizam essa instituição Sabemos que o corpo ocupa um lugar mere ce atenção ou seja tem alguma importância Todavia esse valor deve ser pensado pois ele se realiza na alternância entre momentos corporais e momentos mentais Olhemos historicamente o corpo A percepção atenta ao corpo é tão arraigada em nosso cotidiano que aparentemente ela não deveria gerar o trabalho de entendêla para além de vivêla Nesta unidade ao estudar o corpo na história pretendo convencer você a pensar o contrário Teremos como ponto de partida um duplo en tendimento em primeiro lugar esse valor atribuído ao corpo no mundo contemporâneo não está isento de contradições e limites no que tange à consideração da dimensão corpórea dos homens e das mulheres Em se gundo lugar a partir do conjunto dessas contradições que hoje vivemos em relação a nossa condição corporal podese verificar na história que em muitos aspectos o corpo recebeu diferentes olhares e mobilizou va riadas práticas com modos e intensidade também dessemelhantes Bons estudos ATIVIDADE 54 O CORPO NÃO É APENAS SUA ANATOMIA EDUCAÇÃO FÍSICA 55 Faço a você uma advertência a afirmação de haver muitas outras coisas no corpo além de sua própria anatomia pode soar um tanto quanto estranha E isso não apenas pelo fato de percebermos o corpo dos outros e o nosso próprio pela forma geral que eles têm Percepção essa que também se constrói em olhares que buscam detalhes ou partes que tiramos da integralidade corporal para uma gama variada de interesses Do mesmo modo que digo ser alguém bonito ou bonita consigo dizer que alguém tem uma pele bonita belas mãos um cabelo deslumbrante ou qualquer outra parte não tão atraente Será percebida alguma estranheza na crença de o corpo ser mais que sua anatomia sobretudo quando você começar a estudálo sistematicamente no de correr de seu curso Lembrese que esse estudo é um dos pontos mais característicos dos cursos de edu cação física não apenas hoje mas também em sua história Com certeza a sensação que muitos aca dêmicos tinham e ainda têm quando mergulham no fascinante mundo dos estudos anatômicos é a de um espanto com a quantidade de detalhes passíveis de reflexão e de denominação presentes em qualquer parte do corpo que venha a ser estudada Para piorar ou deixar a surpresa ainda mais arrebatadora sem pre nos chega aos ouvidos que em outros cursos da área de saúde a carga horária e o detalhamento dos estudos nesse campo são ainda maiores Se falamos em anatomia é inevitável não pen sarmos na importância e na energia que consumi mos para entender o funcionamento do conjunto de nossos órgãos Folhear os atlas de anatomia mais detalhados só não proporciona mais momen tos de reconhecimento de nossa ignorância do que aqueles que experimentamos quando entramos nos meandros da fisiologia humana A imensidão do território intelectual a ser conquistado confor me vamos pensando na integração dos diferentes sistemas que compõem nosso organismo aumenta proporcionalmente o prazer que sentimos ao per ceber que os esforços dos nossos estudos vão nos capacitando a entender cada vez mais sobre cada gesto que executamos Reitero o que já pensamos mesmo os limi tes anatômicos do corpo já fizeram muita tinta ser consumida em milhares e milhares de páginas Se deixarmos nossas aulas de anatomia e fisiologia das universidades e entrarmos em consultórios médicos fisioterápicos nos consultórios de nutricionistas e fonoaudiológicos veremos em cada uma dessas es pecialidades bem como em suas subespecialidades que o volume de informação fica cada vez maior Se assumirmos que cada uma dessas áreas e de suas ramificações elabora procedimentos para lidar com diferentes aspectos e problemas que dizem respeito a nossa anatomia e nossa fisiologia de fato conclui remos que entender o corpo humano como célula tecidos órgãos e o arranjo desses elementos a gerar algum funcionamento já é algo bastante razoável para dizer o mínimo Essa sucessão de espantos causados pela gigan tesca quantidade de informações pautase na ideia de que o corpo é algo natural dotado de forças e li mites naturais Por serem mecanismos estáveis e in variáveis nos humanos excetuandose em casos atí picos eles tornam concreta a ideia de uma natureza humana cuja anatomia é a mais visível das provas Não é a únicas pois há aquelas provas que não ve mos Afinal mesmo aquilo que chamamos de ins tinto é também assumido como natural Eles não são detectáveis nas formas dos corpos mas em mui tas coisas que fazemos com ele ao lado de nossas necessidades vitais como comer beber não sentir frio ou calor a reprodução há o medo a raiva a ATIVIDADE 56 tristeza a dor enfim uma gama de sensações assu midas como universais e incontornáveis bastando estar vivo para fazêlas ou sentilas Em que pese todas essas considerações apontem para elementos que já dão ao corpo a condição de ser um assunto intrigante e extenso em sua própria natureza sabe mos que há algum tempo nem mesmo essa natureza é assumida como imutável expandindo ainda mais os limites anatômicos Kuper 1996 pergunta se hoje somos todos darwinianos referindose à importância da teoria elaborada por Charles Darwin A pergunta denota que apesar do caráter controverso na teoria para muitos ela pode ser considerada uma das maiores realizações intelectuais da humanidade Dos nu merosos impactos gerados pelas ideias de Darwin um dos principais é a concepção de que a nature za humana não nasceu pronta por ser resultante de um processo evolutivo Da teoria da evolução das espécies depreendese uma determinada pers pectiva histórica de que até a variedade de espécies surge como resultado de um processo aleatório de construção Interessante notar que ao apoiar essa impactante constatação Darwin reconhece que Man still bears in his bodily frame the indelible stamp of his lowly origin DARWIN apud KUPER 1996 p 4 Com isso Darwin não afirma uma dis solução da ideia de uma natureza anatômica Pelo contrário ele a fortalece por afirmar que essa nossa anatomia e as das demais espécies não possuem li mites tão claros Mesmo no âmbito dos limites cor porais as consequências para o nosso entendimen to corporal e daquilo que nos faz seres humanos é grande conforme afirma um importante estudioso da história de nossa espécie Evidenciar que os seres humanos têm sua vida e adaptações prefiguradas e paralelas a dos animais está na base da dúvida sobre a re alidade do limite moral que nos separam das feras A grande questão é saber se tememos ou aceitamos a dissolução dessa fronteira KING DON 2003 p 33 Você percebeu que já estamos dando um olhar mais histórico àquilo que assumíamos como imutável o nosso corpo Há muitas controvérsias e debates sobre isso Um aprofundamento em tal assunto es capa ao objetivo deste livro A utilidade de mencio nálo é outra evidenciar que a abordagem históri ca que fazemos no âmbito dos cursos de educação física é mais aproximada do estudo das maneiras como esses limites anatômicos são vistos utili zados entendidos e percebidos pelas pessoas em diferentes épocas EDUCAÇÃO FÍSICA 57 Essa delimitação é importante para separarmos a nossa abordagem histórica da importante abordagem evolucionista Mesmo reconhecendo que esses nos sos atuais limites têm apenas 35000 anos e que ain da estejam em um lento silencioso mas incontrolável processo de adaptação eou evolução não são eles que nos ocuparão Para nós é mais importante verificar que uma história do corpo é uma história que busca entender no passado o modo como nossa natureza gerou reflexões acusações e práticas em alguns casos muito diferentes das nossas Dito de outra maneira nós temos a mesma estrutura corporal que tiveram os antigos gregos os medievais os homens modernos e os nossos avós Entretanto em cada uma dessas épo cas do ponto de vista dos sentimentos gerados e per cebidos por essa estrutura bem como do valor social dado para ela poderíamos dizer que houve muitos outros corpos e muitos outros olhares para ele Para ilustrarmos que muitos dos olhares que hoje damos ao corpo não existiram desde sempre vale a pena voltarmos nossa atenção para o proces so de construção de um modo de conceber o corpo que possibilitou a gigantesca quantidade de infor mações que hoje temos sobre ele estudar anatomia ensinar anatomia produzir o conhecimento relativo a nossa anatomia apesar de sua óbvia importância para a história da medicina para a atualidade e conforme já vimos para os cursos de formação em educação física são práticas que têm apenas quatro ou cinco séculos Parece muito mas lembrese dos já citados 35000 anos de vida do homo sapiens além das muitas outras sociedades e épocas que simples mente ignoraram esse tipo de abordagem anatômica do corpo Podemos começar a entender que um dos fatos mais marcantes para percebermos que o corpo tem mais do que sua anatomia é justamente enten der como surge o estudo dessas formas É possível perceber em nosso cotidiano alguns dos elementos que marcaram o processo de surgi mento e desenvolvimento dos estudos sobre a ana tomia nos séculos XVI e XVII Para muitos acadê micos que iniciam seus estudos em cursos da área de ciências da saúde as primeiras aulas de anatomia não são momentos de grande tranquilidade ou de um despertar do conhecimento científico Frequen temente testemunhase o desajeito o medo o nojo e a resistência dos acadêmicos não apenas ao cheiro dos laboratórios mas à presença dos cadáveres e ao seu manuseio Não pretendo explicar ou justificar essas sensações mas elas são importantes para a nossa reflexão em dois pontos grosso modo fre quentemente esses acadêmicos e essas acadêmicas sentem algum desconforto com as aulas de anato mia ou pela abjeção gerada pelo corpo sem vida pela textura das diferentes partes expostas ou en tão a resistência tem uma característica mais reli giosa ou sentimental um constrangimento por se mexer naqueles corpos humanos postos em condi ção de objetos manipuláveis situação essa sentida como oposta à humanidade Mesmo para quem tem menos sensibilidade é difícil não se pegar dando azo a reflexões como essas Todavia não se questiona nos dia de hoje a re levância desses espaços formativos que são os la boratórios de anatomia É inconcebível qualquer profissional sair de sua formação inicial em nível superior sem conhecimentos importantes sobre as diferentes estruturas corporais Se somarmos a isso as regulamentações existentes para possibilitar que cadáveres estejam disponíveis para esse estudo ATIVIDADE 58 verificamos que os estudos de anatomia são parte constituinte de nosso cotidiano Convidolhe a pensar o processo histórico que levou a essa naturalidade a essa quase necessidade que temos de conhecer o corpo de forma detalhada A ideia é verificarmos que não apenas a possibilida de de profissionais acessarem visualmente o inte rior corporal mas o fato de muitas tecnologias de imagem com as quais médicos e pacientes podem visualizar o que acontece lá dentro são resultan tes de um imenso conjunto de esforços que tocam o surgimento de um panorama cultural e científico nos séculos XV e XVI O que eu proponho a você é prestar atenção às modificações socioculturais que existiram nesse momento que tornaram possível realizável e necessário o gesto de olhar o corpo em seus detalhes Insisto essas modificações podem ser tomadas como o indício de que uma outra forma de entender o corpo humano estava nascendo e que ela teve impactos profundos não apenas nos desdobra mentos médicocientíficos dos séculos seguintes mas do mesmo modo na maneira como os homens e as mulheres passaram a ver sua humanidade Durante esse período da história ocidental a sociedade europeia vivia um intenso momento de transição Em vários pontos de vista muitos setores da sociedade questionavam opiniões instituições outros setores defendiam estruturas sociais polí ticas e religiosas tradicionais gerando assim um grande debate em torno dos rumos da sociedade Se isso não é muito diferente do que ocorre em todos os outros momentos da história é algo reconhecido a grande intensidade e velocidade com que essa dis cussão passou a existir no processo conhecido como transição da sociedade feudal à sociedade capitalis ta Tratamse de transformações gestadas e nascidas no curso de cinco ou seis séculos mas que conhece ram suas consequências mais marcantes a partir dos séculos XV e XVI consolidandose no XVII e XVIII As mudanças econômicas e políticas que foram se processando na estrutura feudal da sociedade eu ropeia e o surgimento de uma nova forma de orga nização social ao mesmo tempo estimularam e fo ram estimuladas por uma nova concepção relativa à humanidade dos homens e das mulheres Essa nova concepção reposicionou a percepção humana sobre si mesma em muitos aspectos O primeiro deles que vale a pena ser considera do é que paulatinamente foi tomando força e vo lume uma grande atenção às capacidades humanas de pensar e entender a si mesmo e o mundo a sua volta A herança intelectual típica da idade média pautada na desconfiança dessas capacidades e na sua subjugação em relação à autoridade da Igreja Cató lica foi se tornando alvo de críticas Interessante ve rificarmos que uma mudança tão radical possa ter ocorrido Com efeito a postura intelectual de pensar mais e mais aprofundadamente sobre todos os as pectos da vida além de ter desabrochado foi algo que aconteceu com uma qualidade bem diferente da EDUCAÇÃO FÍSICA 59 que então existia tratouse de revisitar a tradição in telectual existente e dominante nos últimos dez sé culos em nome de uma outra postura Essa postura advogava o grande potencial existente em cada ser humano para entender e perguntar potencial com o qual homens e mulheres tinham sido agraciados por Deus Note você que de uma postura intelec tual menos ativa justificada na autoridade de Deus a sociedade a partir dos séculos XIII e XIV vai se tornando mais simpática a uma postura oposta jus tificando as capacidades para tanto como presentes que nos foram dados por Deus Embora esse pro cesso não tenha ocorrido de um modo tranquilo ou rápido foi se consolidando de uma maneira a rela cionar a vida humana não à aceitação passiva de um pensamento consolidado pela tradição mas a um pensamento que deveria ser justificado pela razão e por sua adequação aos fatos Muito relacionado a esse despontar de uma postura intelectual que busca eliminar as autori dades religiosas e o teocentrismo a elas ligado é importante ter claro que igualmente fundamen tal foi o despontar de um processo de individu alização em que as pessoas passaram a discernir limites mais claros entre sua individualidade e as demais pessoas e instituições com as quais se re lacionavam Para nós é algo bizarro imaginar que em alguns momentos essa percepção possa não ter existido mas conforme a sociedade avançava rumo ao mundo moderno do capitalismo assistiuse ao florescimento de um sentimento mais claro sobre si mesmo em que minhas características são toma das como aquilo que me tornam único e especial perante todo o resto do mundo Digno de nota é o modo como essas duas gran des novidades se alimentam Se de um lado percebo e enalteço a capacidade humana de pensar os pro blemas e as belezas do mundo de um modo autô nomo e cada vez mais aprofundado paralelamente a consideração dessa capacidade vai reforçando o apreço que tenho por mim mesmo É compreensí vel pois de algum modo os limites do mundo são resultantes desse olhar e desse pensamento que nada deixam intocados O inverso também é verdadeiro a admiração que cada indivíduo passa a ter por si mesmo e a defesa de que essa admiração é um tra ço tipicamente humano torna a busca por conheci mento algo relacionado a própria felicidade a pro dução de uma vida mais plena assim percebida no gozo dessas capacidades O caminho que levou esse conjunto de transfor mações culturais a uma nova percepção corporal não foi reto livre de debates idas e vindas Todavia chegou onde hoje estamos nosso corpo é visto escrutinado comparado dissecado em seus mínimos detalhes Um teórico dos estudos sobre corpo David Le Breton 2003a nos explica que o processo que levou ao homem anatomizado foi de grande importância em um duplo aspecto levar à riqueza e amplitude do conhecimento corporal as quais fiz menção anterior ATIVIDADE 60 mente além de ter contribuído para uma das postu ras filosóficas mais relevantes para o desenvolvimen to da ciência a saber a distinção feita entre o corpo e a pessoa humana LE BRETON 2003a p 46 Isso também foi fundamental para que o conhecimento anatômico se aprofundasse em ritmo aceleradíssimo Para entender essa relação é necessário conside rar que no início da idade moderna essa separação entre pessoa e corpo não havia Essa inexistência gerava muito constrangimento na possibilidade de considerar que no corpo morto a pessoa não esta va mais lá Ou seja os limites demarcados pela pele não seriam nessa ótica rompidos sem proporcio nar grandes choques morais e religiosos Le Breton 2003a é claro quando afirma Com os anatomis tas o corpo deixa de se esgotar na significação da presença humana O corpo é posto entre parênte ses dissociado do homem ele é estudado ele mes mo como uma realidade autônoma LE BRETON 2003a p 48 Por essa razão os primeiros anato mistas foram considerados iconoclastas Afinal o choque dos dogmas cristãos produzido pela lâmina do bisturi chegava ao ponto religioso central abrir o que agora passa a ser considerado um cadáver algo sem vida condenado a desaparecer inviabilizava um dos pontos de apoio da ideia de ressurreição Deixar o corpo em pedaços é destruir a integridade humana é arriscarse a comprometer a perspectiva da ressureição LE BRETON 2003a p 48 Outra passagem das reflexões de Le Breton vale a pena ser lida para você dimensionar a revolução cultural a que estava sendo submetido o corpo humano com o desenvolvimento do olhar anatômico Os anatomistas partem para a conquista do segredo da carne indiferentes às tradições às proibições relativamente livres no que con cerne à religião eles penetram no microcosmo com a mesma independência de espírito que Galileu ao invocar um traço matemática no espaço milenar da Revelação LE BRETON 2003a p 53 Dito de outra maneira o lugar do homem no uni verso estava sendo reformulado pelos avanços no conhecimento do muito grande sobre o planeta o universo etc O mesmo espírito científico invadia o espaço do muito pequeno penetrando cada vez mais fundo nos nossos tecidos corporais para conhe cêlos oferecendoos à vista de todos O milagre de Deus passou a ser abordado pelos anatomistas em um processo que colocou a materialidade corporal exposta ato possível pelas mudanças socioculturais então experimentadas Mudanças que fizeram o cor po receber outra atenção e desempenhar papéis so cietários antes inexistentes Por essa razão a análise histórica com a perspicácia da análise anatômica demonstra que atribuímos aos olhares que damos ao corpo muitos significados EDUCAÇÃO FÍSICA 61 A FILOSOFIA COMEÇA E CONTINUA NO CORPO ATIVIDADE 62 Superada um pouco da surpresa de se estudar histó ria em um curso de educação física podemos mer gulhar de uma forma mais plena na reflexão sobre o processo histórico que de alguma forma sustenta aquele sentimento inicial de espanto Ou seja por que facilmente entendemos que há uma separação entre movimentarse corporalmente e o pensamen to que fazemos sobre esses movimentos Você lembra que fiz menção às propagandas so bre cursos de educação física no início da primeira unidade Foi visto também que é até concebível para muitos entender cientificamente diversos aspectos das práticas corporais e do trato profissional com elas O espectro de especialidades científicas que lançam luzes à fisiologia humana no momento em que executamos diversas atividades é amplo Além disso pesquisadores dessas áreas aprofundam cada vez mais o conhecimento que se tem da quase tota lidade corpórea do homem Muitas pesquisas foram feitas desde os primeiros anatomistas nos séculos XV e XVI Diversas áreas biomédicas floresceram estu dos bioquímicos levaram a drogas mais precisas e eficientes na ação de numerosos problemas de saúde que nos afligem Ou seja compreendemos que se há uma dimensão intelectual com presença marcante no campo da educação física essa é a dimensão que ex plica o funcionamento corporal O que nos interessa agora é pensarmos que essa reflexão científica sobre o corpo e seus movimentos assentase na necessidade de assumir que há uma reflexão sobre o corpo que o entende como objeto como algo a ser conhecido Uma reflexão que o trata como um assunto do pen samento por ser muito diferente desse mesmo pensa mento Tratase de uma obviedade Talvez não Nos itens anteriores tem sido feita a tentativa de evidenciar que outros campos intelectuais são in contornáveis na formação profissional em educação física Pensar historicamente é a ação que demarca um desses campos Além disso vimos que ela é uma reflexão que evidencia a historicidade de pratica mente tudo que normalmente é assumido como não possuidor de história Ou para ficarmos no âm bito do corpo algo possuidor de uma história redu zida ao processo de evolução de uma natureza tal como nos explica Charles Darwin Ao se assumir que o corpo também tem uma história ligada aos modo como ele é percebido uma das primeiras questões que deve nos chamar a atenção é a seguinte a clara separação entre movi mentarse e pensar que se manifesta no modo como concebemos o que vem a ser pensamento corpo e suas relações ocupou pensadores em outras épocas e ainda inquieta muitos estudiosos Para olharmos essa questão mais proximamente vamos adotar o procedimento que sustenta este livro vamos pensá la historicamente Se a problemática é a relação entre o corpo e o pensamento acredito valer a pena estudarmos o processo de surgimento da filosofia que ocorreu na sociedade grega em volta dos séculos V e IV aC Normalmente assumimos os estudos em filosofia como algo demasiadamente distante dos proble mas práticos e concretos Não é incomum termos uma imagem negativa dos filósofos como pessoas alheias à realidade em que vivem apegadas que são ao mundo das ideias Essa desconsideração da filosofia deve ser questionada caso você queira en tender os assuntos concernentes à educação física EDUCAÇÃO FÍSICA 63 Em primeiro lugar é importante você ter claro que o surgimento da filosofia na Grécia Clássica não deve nos fazer esquecer que a sociedade grega re cebia influências de muitas outras culturas que ao seu modo pensavam em suas problemáticas a partir de suas próprias condições Fundamental nesse pro cesso de surgimento de uma nova forma de pensar racional por excelência e que dá à Grécia o tão ci tado status de Berço da Civilização Ocidental foi o fato de a filosofia ser uma nova postura perante a vida individual e social gestada a partir de transfor mações históricas tocantes à sociedade à economia à percepção que os gregos tinham deles mesmos e sobretudo à política Esse último aspecto deve ser mantido muito pró ximo na hora de você pensar as razões que levaram ao surgimento da reflexão filosófica A consideração do aspecto político da questão não deve ser subes timado O desenvolvimento da pólis como forma social da sociedade que cria a filosofia colocou em questão a necessidade de se pensar no aspecto fun damental de toda sociedade política o uso do diá logo para deliberação dos rumos da cidade Parece algo trivial mas não é Em sociedades não políticas esse elemento discutido das decisões não se faz sen tir Na política as decisões são pensadas e tomadas a partir da capacidade argumentativa dos cidadãos Interessante verificar o modo como essa necessidade atinente à condução dos assuntos concretos da vida comunitária colocou como necessidade e possibili dade uma reflexão que levasse a sociedade a tomar boas decisões livremente adotadas depois da delibe ração dos partícipes Para atingir essa necessidade de bem pensar os rumos da cidade foi imprescindível a nascente fi losofia ponderar a relação dos cidadãos com as leis com a formação dos futuros cidadãos as possibili dades de comportamentos corretos e do sentido a ser dado à vida por esses comportamentos Nessa avaliação entender o modo como diferentes senti mentos e capacidades humanas se relacionavam e se opunham foi um passo incontornável Nesse ponto o processo de nascimento da filosofia traz elementos bastante interessantes para pensarmos o corpo e seu relacionamento com as demais capacidades huma nas sobretudo o pensamento racional Como nos ensinam Braunstein e Pépin 1999 p 13 a maneira como os gregos pensaram o corpo depende estrei tamente do seu sistema de pensamento fundado na noção de racionalidade e harmonia Para o alcance dessa racionalidade o corpo é visto apenas como um instrumento Ele é o que deve ser superado para que a alma alcance a verdade que se busca nos deba tes filosóficos e políticos Se o corpo constitui um problema para os fi lósofos gregos é porque lhes apareceu como a soma de uma longa e difícil luta entre dois prin cípios um em relação com a racionalidade o inteligível porque material o outro em relação com o sensível por estar ligado ao mundo além O corpo definiuse como uma dualidade cor poalma do mesmo modo que a humanidade se divide em filósofo e não filósofo o homem vive pelo espírito e o que vive pelos sentidos Só a alma retém a sua atenção detentora do conhecimento único só ela pode levar à verdade ao não esquecimento BRAUSTEIN PÉPIN 1999 p 21 ATIVIDADE 64 Essa nascente dualidade por sua vez não deve ser concebida como uma simples relação de desprezo em relação ao corpo algo que foi muito marcante nos séculos que se sucederam à construção do do mínio da Igreja Católica e que se consolidou a partir do século IV dC É interessante observar que di ferentemente do que ocorrera durante a Idade Mé dia a Antiguidade Clássica sustentouse em uma complementaridade mais do que sobre a oposição do inteligível e do sensível BRAUSTEIN PÉPIN 1999 p 23 Com efeito entendemos que o lugar do corpo e sua relação com o pensamento não é fácil Platão em um de seus diálogos afirma que o corpo é o túmulo da alma Mesmo assim há elementos na história grega que nos permitem afir mar um relacionamento entre elementos estéticos eróticos e intelectuais A verdadeira sabedoria traduzida pela beleza residia mais uma vez no equilíbrio da persona lidade A maneira como os gregos percebiam esse equilíbrio transparece na importância que davam ao Eros cujo sentido de amor se estende bem para lá do desejo físico para in cluir também a paixão intelectual e espiritual BRAUSTEIN PÉPIN 1999 p 25 Para apreendermos a importância do pensamento que lemos na citação lembremonos da profusão de corpos belos que nos vêm à mente quando pensa mos na estatuária feita pelos gregos e na importân cia que possuía o corpo nu para a sociedade grega Nudez cuja exibição era privilégio dos cidadãos que tinham seus corpos treinados no ginásio por meio de práticas que estudaremos na próxima unidade De qualquer modo perceba que o dito berço da civilização traz em si elementos que nos fazem pensar na relevância da dimensão intelectiva e cor pórea do homem A dificuldade é entender como essas dimensões são consideradas em diferentes mo mentos sem esquecer que em uma mesma realidade pode haver modos diferenciados de avaliar o corpo Há alguns anos isso me fez analisar a presença do corpo na história grega enxergando nela uma con traposição entre a necessidade do cultivo intelectu al imprescindível ao mundo político e o elogio da força e da aparência física como traços constituintes de uma sociedade agonística e guerreira Ao reali zar tal análise marquei essa contraposição deixan do superlativas duas partes corporais de um lado a língua grande de quem fala argumenta e elabora seu argumento por meio da retórica e de outro o ombro largo que simboliza a força dos atletas e dos guerreiros como figuras elogiadas na estrutura so ciocultural grega Xenófanes vivendo no período de 540 a 470 aC explicita um registro elucidativo da desconfiança que a valorização do corpo gerava em parte dos gregos Não é justo preferir a força à verdadeira sabedo ria Se há na cidade um bom pugilista ou um bom atleta distinguido no Pentatlon na luta ou na cor rida que é a mais importante das provas atléticas nas competições entre os homens nem por isto estará por ele melhor governada XENÓFANES apud HEROLD JUNIOR 2007 p 100 EDUCAÇÃO FÍSICA 65 A intenção é fazer que fique claro para você queri doa alunoa que o nascimento de uma sociedade política baseada na reflexão e argumentação racio nal dos problemas da pólis colocou em evidência a dimensão corporal do homem Esse destaque se deu pela negação dessa dimensão em nome da in teligência e do discurso do mesmo modo que levou muitos a defenderem como incontornável e neces sária a reflexão sobre o corpo para se aprimorar a capacidade de se conhecer a verdade e tomar boas decisões conectadas a aspectos estéticos e eróticos da vida Desse ponto de vista a sociedade grega clás sica é um alvo de reflexões muito importante para pensarmos na história do corpo e das práticas edu cacionais a ele associadas No momento em que as bases intelectuais ocidentais se formavam podemos ver nesse mesmo processo de formação que o corpo fornecia muitos dos motivos que levaram à emprei tada filosófica e política Mais uma vez Braustein e Pépin 1999 nos explicam o valor que possuía o corpo para os gregos Daí decorre o conceito do corpo humano onde a própria ideia de desmesura está exclu ída porque mais do que qualquer defeito ela se opunha ao ideal de harmonia matemática e de disciplina do indivíduo Os gregos con denavamna no plano moral tanto como a temiam no plano A desmesura chocavaos política moral e esteticamente Assim ter um corpo belo um corpo são depende antes de mais nada de uma profunda serenidade em perfeita correspondência com a harmonia do universo Sem dúvida que é porque o cos mos se apresenta como um conjunto de cor pos produto de uma actividade humana ou da natureza que a ordem e a organização devem trazer estabilidade e coesão O corpo humano é a reprodução orgânica desse conjunto Por extensão podemos dizer que o corpo políti co são é aquele cujos corpos constituintes se completam funcionam e se reúnem perfei tamente sem nenhuma disfunção BRAUS TEIN PÉPIN 1999 p 18 Essa longa citação ajuda você a compreender o fato de que na construção do imenso e belo edi fício artístico filosófico e político da sociedade grega o corpo humano ofereceu motivos relevan tes para o entendimento da concatenação e das rupturas existentes entre o homem a natureza e a sociedade Como integrar esses três âmbitos foi o que levou ao nascimento da filosofia É a partir do corpo que ela nasce Sem as dúvidas provocadas pelas mudanças corporais pelas vontades que por elas sentimos pela percepção do mundo que temos por intermédio de suas estruturas o pensamento não teria ampliado os horizontes do modo como ocorreu a partir do século V aC Como poderiam dizer Braunstein e Pépin 1999 esses horizontes extrapolaram em muito os limites do corpo hu mano Mas a força e o ímpeto para esse rompimen to enraizamse no corpo Por isso as belas obras do pensamento começam e terminam nos contornos corporais que sabemos constroemse não apenas em sua anatomia mas nos modos como os perce bemos Entender esses modos é o que podemos considerar como meio do estudo da história ATIVIDADE 66 Estudar historicamente o corpo é uma pos tura que não deixa intocada nem mesmo uma de nossas mais certas percepções as diferenças anatômicas que nos capacitam a afirmar a existências dos sexos Thomas Laqueur 2001 ao falar sobre a invenção do sexo explica que até o século XVIII não havia a concepção que afirmava haver uma diferença entre homens e mulheres Até então assumiase que as mulheres seriam aquelas que teriam ficado no meio do ca minho do processo de desenvolvimento que levava ao desenvolvimento total do ser humano materializado na conformação anatômica masculina Nesse ponto tam bém o desenvolvimento da anatomia da medicina e da obstetrícia foi fundamental para afirmar que homens e mulheres são diferentes Há que se reconhecer a posi tividade dessa constatação Todavia não deve ser posto de lado que ela fortaleceu muitos discursos pseudocientíficos a atri buir às mulheres uma condição natural ligada à maternidade Tudo isso endossa a constatação de que o entendimento que se tem sobre o corpo é histórico e não pode ser reduzido ao aspecto científico Afinal nesse aspecto também penetram muitas compreensões culturais e políticas que ca racterizam uma determinada sociedade que vê e avalia o corpo humano a partir dessas compreensões Fonte o autor baseado em Laqueur 2001 SAIBA MAIS EDUCAÇÃO FÍSICA 67 EU TENHO UM CORPO OU SOU UM CORPO OS MUITOS EUS E OS MUITOS CORPOS QUE EXISTIRAM NA HISTÓRIA ATIVIDADE 68 Caroa alunoa nos itens anteriores foram abordados alguns pontos para nos ajudar a en tender diferentes modos com os quais o corpo foi visto avaliado e percebido em outros momentos da história Tão acostumados que estamos a lidar com o nosso corpo que assumi a necessidade de fazer um esforço para tentar entender essa obvie dade deixando de enxergar nela algo inevitável ou existente desde sempre O primeiro passo foi percebermos que nem mesmo a natureza corporal está imune à passagem do tempo afinal até essa natureza é resultante de um processo de adaptação e transformação disso que hoje somos em termos corpóreos O segundo passo dado quase simultaneamente ao primeiro foi percebermos que ao olharmos corpos perce bemos coisas que não se reduzem ao dado visto apesar de nele se apoiarem Ou seja o modo como avaliamos sentimos desejo ou repulsa por deter minados corpos objetos e atitudes é dependente dos valores sociais culturais e políticos vigentes em um mesmo momento e compartilhados por todos que dão vida ao convívio social palco onde a aten ção ao corpo ocorre Além dessas constatações foi abordada outra obviedade evidenciando que historicamente os li mites assumidos como inquestionáveis podem ser problematizados ao estudarmos um pouco da so ciedade grega vimos que o reconhecimento normal mente atribuído às conquistas culturais artísticas e intelectuais não deve ser visto como o resultado de uma negação à dimensão corpórea dos homens e das mulheres O contrário é que foi defendido com o intuito de entender que a oposição entre as ideias e o corpo entre o ideal e o real entre o abstrato e o concreto longe de ser uma diminuição da relevância do corpo em relação à mente é resultante de uma complexa sinergia Complexa pois ela é um dos pontos que ainda vêm exigindo grande atenção de muitos cientistas e filósofos embora cotidianamen te a mencionada conexão não seja assumida como existente ou importante Nesse item continuaremos a aprofundar nossa reflexão sobre o corpo na história pensando outra obviedade buscando entendêla em seu processo de construção Muito relacionada à separação entre o mundo das ideias e do corpo é a separação entre o eu e o corpo É esta separação que nos permite dizer que temos um corpo ou eu gosto do meu corpo Mais uma vez vale a advertência tratam se de usos cristalizados no cotidiano e com quais resolvemos muitos problemas do dia a dia O que se quer é entender isso que tanto fazemos ou essas expressões que tanto dizemos pondo em destaque que elas foram construídas em outros momentos históricos e que foram importantes para a supera ção de muitas posturas filosóficas e culturais não mais condizentes com o mundo que então nascia Nos próximos parágrafos vamos ver como o cor po passou a ser objeto de uma determinada forma de pensamento a partir dos séculos XV e XVI que marcam o início da idade moderna De algum modo já comentamos sobre esse pe ríodo da história quando falamos do florescimento da anatomia Com efeito o fato de uma determina da sociedade passar a enxergar como necessário e normal dissecar cadáveres é um indício importante para nos ajudar a entender a separação entre o eu a subjetividade a sensação de ser uma pessoa de um lado e a materialidade corporal do outro Quando estudamos história acostumamo nos a entender as sociedades em constante pro cesso de mudança e transformação Mudanças que ocorrem ora mais rapidamente ora mais len EDUCAÇÃO FÍSICA 69 tamente mas perceptíveis em todas as épocas e lugares Entretanto é tranquilamente aceito que o processo de transição do feudalismo ao capitalis mo aconteceu em um ritmo e uma profundidade que fizeram muitos aspectos da vida societária tornaremse muito diferentes do que eram nos séculos precedentes Nos séculos XV XVI e XVII surgiram novas ma neiras de se entender praticamente tudo Passouse a advogar uma nova forma de se pensar a nature za a política a religião a educação e obviamente a composição do próprio homem Na conjunção des sas novas posturas perante a vida que marcaram o surgimento da modernidade uma nova maneira de se entender o corpo surgiu Vimos que na Grécia a tensão entre corpo e pen samento existia mas o mencionado tensionamento considerava uma certa estética da vida em que essa separação era dificilmente vivenciada Estudamos que essa consideração da sinergia das dimensões humanas não era tranquila ou inquestionável mas marcou aquele momento histórico De um modo diferente em muitos aspectos al guma inseparabilidade entre corpo e reflexão tam bém pode ser vista no homem medieval A impor tância do corpo visto como fonte dos pecados e a tentativa de diminuílo reprimilo e subjugálo à fé cristã não deixava de lado a importância dessa di mensão corpórea do homem nos ritos eclesiásticos Afinal assumiase que era por meio do corpo con trolado que a fé poderia se manifestar e se ampliar explicitando uma assunção de que o cristão não se separava de seu corpo no seu longo e difícil cami nho que levava até a religação com Deus Para o me dieval religarse a Deus passava pelo esforço diário de desligarse dos pecados causados pelas vontades pela tentação associada à carne Sublinho a grande diferença que existiu no modo como os gregos da Antiguidade Clássica e os medievais experimentaram seus corpos Mas es culpir estátuas de belos corpos admirar com olhar cheio de desejo um corpo nu ou castigar o próprio corpo ou queimar transgressores em espetáculos sob um determinado ponto de vista é a mesma coi sa enxergar no corpo o locus de realização daquilo que os outros e nós somos Eles eram seus corpos Os corpos eram eles Com a crise dos valores típicos do mundo feudal assistimos a transformações sóciohistóricas que le varam ao capitalismo Forjouse um outro conjunto de posturas de mentalidades e de visões de mundo que começaram por construir nossa capacidade de nos pensarmos como diferentes ou como proprie tários de um objeto o corpo Com essa capacidade o corpo deixa de caracterizar a particularidade de cada indivíduo bem como sua vinculação à huma nidade caracterização essa que passou a ser privilé gio do pensamento e da razão Vamos pensar e entender como essa separação se tornou possível como ela se relacionou com ou tros aspectos da vida sociocultural dos séculos XVI e XVII bem como o impacto que ela gerou nas ques tões culturais e educacionais tanto interessam futu ros professores de educação física Um elemento importante para nos ajudar a en tender as transformações que nos interessam nesse momento foi pautado nas críticas à autoridade da Igreja sobretudo quando esta tentava explicar as grandes questões atinentes à natureza e ao homem e sua relação com Deus Essa autoridade que estava sendo cada vez mais criticada fazia suas afirmações defendia suas verdades a partir de uma determina da tradição tomada como inquestionável como não suscetível de crítica Isso evidentemente inviabili ATIVIDADE 70 zava qualquer possibilidade de se construir expli cações diferentes mais satisfatórias a quem não se contentava com a maneira de se explicar a natureza e o lugar do homem nela No interior da afirmação dessa antiga autorida de foi se fortalecendo a defesa de outros modos de se conhecer e pensar as problemáticas a serem conhe cidas Essa novidade apoiavase na crença de que as afirmações eram feitas por meio de uma autoridade carência de evidências empíricas observáveis Além disso passouse a advogar que o conhecimento não deveria se adequar a qualquer tipo de tradição mas que deveria espelhar a natureza independentemen te das preferências de quem elaborava as explica ções De fato uma das principais críticas feitas ao modo de conhecer que existiu antes do advento da ciência moderna foi sua parcialidade sua incapaci dade de gerar afirmações inquestionáveis exatas e produtoras de consequências benéficas justamente pela imprecisão com que eram feitas Perceba o nascimento da ciência entendida como uma forma de conhecimento que produziu numerosas consequências justamente pelo modo como passou a ser produzida baseada na experi mentação e no método Fundamentais nessa cons trução foram os pensamentos de Francis Bacon 1984 e René Descartes 1979 Na construção da ciência moderna foi necessário fazerse frente àque les que diziam ser o suficiente um bom argumento Bacon 1984 contrapunha essa posição afirmando O intelecto deixado a si mesmo na mente sóbria paciente e grave sobretudo se não está impedida pelas doutrinas recebidas tenta algo na outra via na verdadeira mas com escasso proveito Porque o intelecto não regulado e sem apoio é irregular e de todo inábil para superar a obscuridade das coisas BACON 1984 1620 p 17 Essa desconfiança do intelecto humano levou à bus ca de instrumentos que potencializassem a capaci dade humana de ver e entender aquilo que queria A citação seguinte é bastante conhecida no campo da filosofia por ilustrar a forma como o caminho que levou ao método científico foi se pavimentando E se nos acusam de arrogantes cumprenos observar que isso seria verdadeiro de alguém que pretendesse traçar uma linha reta ou um círculo melhor que algum outro servindose apenas da segurança das mãos e do bom gol pe de vista No caso haveria uma comparação de capacidade Mas se alguém afirma poder traçar uma linha mais reta e um círculo mais perfeito servindose da régua e do compasso em comparação a alguém que faça uso apenas das mãos e da vista esse com certeza não seria um jactancioso O que ora dizemos não se re fere somente aos nossos primeiros esforços e tentativas mas também aos dos que se segui ram com os mesmos propósitos Pois o nosso método de descoberta das ciências quase que iguala os engenhos e não deixa muita margem à excelência individual pois tudo submete a regras rígidas e demonstrações BACON 1984 1620 p 83 É possível notar que o traço distintivo da ciência como forma de conhecimento era o fato de ela ser produzida por meio de instrumentos por meio de métodos que diminuíam as influências das fra gilidades humanas que impediam a elaboração de conclusões claras e distintas como defendia Descartes 1979 Este aliás redigiu o Discurso do Método para demonstrar que havia encontra do um procedimento que o dava a segurança de usar em tudo minha razão se não perfeitamente ao menos o melhor que eu pudesse DESCAR TES 1979 1637 p 40 Nesse raciocínio a perfei EDUCAÇÃO FÍSICA 71 ção no uso da razão não existia pois como afirma o próprio Descartes em outro trabalho de grande importância na história da filosofia ocidental a razão existe unida a um corpo que não deixa de atrapalhála no momento em que ela realiza opera ções para descobrir o que deseja Por esse motivo o nascimento do método científico colocou o corpo em um lugar de bastante suspeição conforme nos ajudar a pensar Valter Bracht Nas teorias do conhecimento da modernidade que têm sua expressão máxima no chamado método científico a ciência moderna o cor po ou a dimensão corpórea do homem aparece como um elemento perturbador que precisa ser controlado pelo estabelecimento de um proce dimento rigoroso BRACHT 1999 p 71 Para que a reflexão evidencie a forma como um novo entendimento se faz sobre nosso corpo note que está em jogo a capacidade de bem conhecer mos as coisas Esse esforço não é novidade no sé culo XVI mas o modo como o problema fora re solvido é o que nos interessa Descartes 1979 nas Meditações reconhece que o problema tocava em uma tradicional maneira de se entender o que são os homens e o que eles poderiam conhecer é quase impossível desfazerse tão prontamente de uma antiga opinião DESCARTES 1979 1641 p 98 Mas qual seria a nova opinião a ser abra çada por Descartes só concebemos os corpos pela faculdade de entender em nós existente e não pela imagina ção e nem pelos sentidos e que não os conhe cemos de os ver ou de tocálos mas somente por concebêlos pelo pensamento reconheço que nada há mais fácil de conhecer do que meu espírito DESCARTES 1979 1641 p 98 Para o filósofo é essa capacidade racional que dife rencia o homem de qualquer outra coisa existente além de ser ela a portadora daquilo que me diferen cia dos outros homens de um modo significativo Afinal quando olho para as outras pessoas perce bo diferenças entre nossos corpos mas esses sem a faculdade de entender são res extensa DESCAR TES 1979 são objetos como são as pedras as ár vores e os outros animais Esse modo de entender a presença corporal do homem levará à concepção do corpomáquina que será desenvolvida nos sé culos posteriores mas encontra em Descartes e no processo de florescimento da ciência moderna seu momento fundador Temos assim uma sociedade que nascia que propunha uma nova forma de conhecimento que pretende instrumentalizar o entendimento humano com um método que diminui a influência do cor pomáquina no momento em que faço aquilo que me distingue como ser humano pensar Compre endese por esse raciocínio a razão da dissecação anatômica por nós abordada há algumas páginas expandirse nesse mesmo momento o cadáver não mais possuidor daquilo que nos faz humanos o en tendimento a razão pode ser dissecado fracionado aberto exposto tocado sem qualquer constrangi mento Aquilo fez parte de uma pessoa e em cima da bancada para ser estudado tem o mesmo estatuto de uma planta ou de qualquer outro objeto a ser co nhecido pela experimentação científica Os impactos disso para a ciência foram sabida mente gigantescos O mesmo ocorreu para as práti cas educacionais falar em uma educação física ao lado de uma educação intelectual tornouse algo mais fácil Além disso conforme o conhecimento anatômico se expandia a parte corporal da educação foi recebendo defensores na mesma medida em que ATIVIDADE 72 se entendeu de forma científica os diferentes pro cessos existentes e necessários para a manutenção da vida Manipular essas variáveis seja por meio de corridas ou por meio de cirurgias tornouse possí vel em um momento em que as sociedades foram as sumindo como importante que os indivíduos entre outras coisas deveriam cuidar de seus corpos E essa decisão foi racionalmente tomada por um novo eu a partir de dados científicos que foram se acu mulando A forma como nos percebemos donos de nossos corpos foi primordial para que tenhamos nas escolas um momento dedicado à educação física Essa percepção dualista sobre o homem desde o século XVII tem sido objeto de numerosos e in tensos debates entre filósofos e cientistas A posição cartesiana de que nosso corpo é apenas uma máqui na e como tal deve ser conhecida recebeu muitas críticas e ainda tem sido refutada de muitas formas De qualquer modo observase que essa concepção do corpomáquina e de que podemos conhecer apenas seu funcionamento deu ao campo da edu cação física muitas de suas características sobretu do na construção das matrizes disciplinares prefe rencialmente estudadas nos variados processos de formação Por esse motivo focalizar o corpo sob um ponto de vista histórico proporciona condições para entender muito daquilo que você encontrará no cur so e no exercício da profissão EDUCAÇÃO FÍSICA 73 Ao desnaturalizar a forma como concebemos o cor po humano percebemos muitas questões e proble mas além dos meramente biológicos anatômicos e fisiológicos Conforme ficou claro nos itens ante riores embora esses problemas atinentes à natureza do corpo já ofereçam desafios complexos a todos aqueles que querem estudálo essa complexidade não nos deve levar a esquecer que a tal materialida de formada por células e tecidos agregamse modos muito variados de entendêla Entender esses modos é um dos objetivos mais interessantes a serem alcan çados por uma reflexão que tematize a história da educação física A necessidade de fazermos esse esforço analí tico para vermos no corpo coisas que extrapolem sua anatomia já é compreendida por você Afinal desde o florescimento da ciência moderna e seus princípios metodológicos pautados na experimen tação e no reconhecimento da diferença entre o pensamento e a extensão entre a razão e o corpo a forma preponderante de conhecermos o corpo é a avaliação cuidadosa dessa máquina Como toda máquina o corpo deve ser desmontado em suas menores partes as quais devem ser vistas medidas isoladas em seu funcionamento Enfim a ciência anatômica proporcionou uma fonte mui OS ÓDIOS E OS AMORES DEVOTADOS AO CORPO NA HISTÓRIA ATIVIDADE 74 to rica de conhecimento que sabidamente levou a muitas possibilidades médicas impensáveis em sociedades nas quais o corpo e a razão eram inse paráveis Por isso ao analisar a matriz curricular de seu curso a importante ênfase biologizante dos cursos de educação será compreendida por você enquanto uma construção histórica que traz para os dias de hoje o processo de construção da pró pria ciência e seu olhar matematizante ao corpo e à educação que dele se ocupa Se a alternância entre momentos históricos nos quais o eu e o corpo não se diferenciavam com momentos em que se pode afirmar que tenho um corpo trouxe consequências científicas e filosóficas de primeira ordem há uma outra maneira de olhar mos o corpo para além da sua anatomia que também foi e ainda é muito relevante em termos históricos Seja como elemento constituinte da humanidade ou como objeto a ser conhecido pela razão que escruti na um objeto em diferentes sociedades de diferen tes épocas ora alternaramse ora combinaramse ódios e amores dispensados ao corpo Por ódios e amores refirome a variadas maneiras de enxergar em nossa materialidade corporal ou algo a ser cui dado ou algo a ser desprezado Antes de analisarmos a questão historica mente sublinho a necessidade de pensarmos na combinação entre diferentes formas de valorizar o corpo na história O modo mais usual é enten dermos sentimentos opostos sobre o corpo como pertencentes a momentos diferentes Nesse racio cínio a uma época que tivesse devotado grande devoção ao corpo sucederia outra em que o cor po teria sido apenas odiado ou desqualificado As análises que fizemos nos itens anteriores aliás de alguma maneira deixam entrever a necessida de de evitarmos tal postura A Grécia Clássica por exemplo é vista por alguns estudiosos como o momento em que a razão filosófica teria feito sua aparição pela anulação da dimensão corpórea Para outros teria sido aquela sociedade o tempo que possuiu um horizonte ainda não alcançado no que diz respeito à educação física Essa ambiguidade pode ser vista também em um período da história normalmente associado à depreciação corporal a Idade Média Le Goff e Truong 2010 ao estudarem o corpo nesse mo mento da história da humanidade fazemnos per ceber a maneira contraditória com o que o corpo era percebido E isso sem esquecermos que esta mos falando de um momento em que as questões religiosas tinham grande relevância na organiza ção da sociedade No seio dessas questões aborda das a partir de uma perspectiva cristãcatólica o corpo era tomado como fonte dos pecados contra os quais deveria lutar o devoto em seu caminho rumo à correta adoração de seu Deus Todavia mostram os historiadores não podemos tomar os discursos religiosos como as únicas fontes de com preensão de um determinado ódio ao corpo Eles nos mostram que durante toda a Idade Média ao lado de discursos e práticas que denegriam a nos sa carne havia uma vida cotidiana em que essa mesma carne era desfrutada pelos cristãos de um modo mais intenso do que aquele que presumiría mos ser se nos ativéssemos apenas aos pensamen tos que atribuíam energias pecaminosas às vonta des que surgem do corpo O mesmo pode ser dito em relação ao avanço da ciência moderna e dos desdobramentos da ciên cia anatômica A atenção dedicada ao cadáver dis secado zelosa e habilmente pelo anatomista é um indicativo de uma diminuição ou de uma elevação do lugar do corpo na vida social Tanto para os gre EDUCAÇÃO FÍSICA 75 gos quando para os modernos a resposta é ambígua Sobre a problemática do corpo no início da época moderna Herold Junior 2004 afirma Momento de liberação ou valorização Essa assertiva ser vista com suspeita permitindo verificar que nos albores da idade moderna o corpo foi alvo também de uma vigilância de um esquadrinhamento de um controle não vivenciados pelos medievos HEROLD JU NIOR 2004 p 222 A ambiguidade em relação ao corpo que leva a ava liações e considerações contrastantes a ele é uma questão que tem ocupado muitos filósofos há um bom tempo Se tenho me esforçado em demonstrar que na história do pensamento filosófico o lugar do corpo é ambíguo não podemos esquecer que con tra ele levantaramse muitas vozes ocasionando em muitas suspeitas contra o corpo Emblemático nesse sentido foi o que discutimos sobre o desen volvimento da ciência moderna Bracht 1999 nos ajudou a perceber que ênfase da nascente ciência no concreto no mensurável ela se construiu com uma desconfiança muito grande sobre aquilo que perce bemos pelo nosso corpo Essa percepção por sua vez levou a numerosas e importantes defesas sobre o papel do corpo na cons trução de todas as nossas conquistas culturais in telectuais e artísticas Nesse sentido alguns autores e ideias elaboradas no século XIX são importantes para pensarmos na existência de uma reflexão que dê ao corpo uma importância diferente daquela que é dada pelo olhar anatômico Um dos pensadores mais controversos da histó ria filosófica foi Karl Marx Entre muitas questões tocadas por sua reflexão está a valorizada feita por Marx no que tange ao trabalho Para ele era essa atividade esse fazer o ponto mais importante para entendermos muitos impasses filosóficos que há séculos incomodavam os pensadores e políticos Ao explicar a sociedade capitalista pela luta de clas ses que se desenrola no campo produtivo da riqueza necessária à sobrevivência da sociedade Marx de fende que é o trabalho o ato caracterizador da hu manidade do homem Desse ponto de vista filoso fia política artes educação momentos dedicados ao mundo das ideias são práticas sociais depen dentes da inescapável necessidade de atender ao que ele chama de primeiro ato histórico ATIVIDADE 76 Para viver precisase antes de tudo de comida bebida moradia vestimenta e algumas coisas mais O primeiro ato histórico é pois a reprodu ção dos meios para a satisfação dessas necessida des a produção da própria vida material e este é sem dúvida um ato histórico uma condição fun damental de toda a história que ainda hoje assim como há milênios tem de ser cumprida diaria mente a cada hora simplesmente para manter os homens vivos MARX ENGELS 2007 p 33 Note que há nessa reflexão construída por Marx um componente muito próximo e consequente do desenvolvimento científico moderno A saber uma tentativa de dar aos fatos e não às ideias ou ao que pensamos sobre os fatos elementos primordiais para entendermos o mundo social construído socialmen te por homens e mulheres E nesse sentido a atenção que hoje damos ao corpo é uma resultante dessa ten tativa É o que tento deixar claro quando afirmo que Os autores do Manifesto do Partido Comunis ta estão mostrando que a prática o concreto o corporal a reprodução da existência enfim to das as coisas vistas como baixas ou irrelevantes para o mundo celestial da reflexão filosófica e do pensamento em geral devem ser conside radas para explicar variadas dimensões da vida social Sem esquecer diferenças metodológicas e temáticas existentes não haveria semelhanças de grande calibre entre essas intenções do mar xismo e o esforço dos estudiosos do corpo em mostrar sua importância para vida hodierna e histórica das diferentes sociedades HEROLD JUNIOR 2009 p 219 Outra ponderação filosófica importante para pen sarmos nos lugares ocupados pelo corpo humano na história encontramos em Friedrich Nietzsche Ela borando um dos pensamentos mais inquietantes da filosofia ocidental esse filósofo colocou o corpo em um lugar central no conjunto de suas ideias Afinal ao fazer a crítica a todas as pretensões metafísicas que passaram a existir desde a antiguidade grega Nietzsche 2012 viu no conjunto dessas pretensões o ódio a que tenho me referido ao falar sobre o cor po na história Em um de seus livros mais lidos As sim falava Zaratustra há um capítulo cujo título é Dos que desprezam o corpo Nietzsche tece suas críticas à filosofia evidenciando a importância do corpo da seguinte forma Aos que desprezam o corpo quero dizer a mi nha opinião O que devem fazer não é mudar de preceito mas simplesmente despediremse do seu próprio corpo e por conseguinte fica rem mudos Eu sou corpo e alma assim fala a criança E por que se não há de falar como as crianças Mas o que está desperto e aten to diz Tudo é corpo e nada mais a alma é apenas nome de qualquer coisa do corpo O corpo é uma razão em ponto grande uma multiplicidade com um só sentido uma guer ra e uma paz um rebanho e um pastor NIET ZSCHE 2012 p 43 Tratase de uma afirmação contundente que pre tende ter o efeito de colocar em destaque algo visto EDUCAÇÃO FÍSICA 77 como habitualmente posto em segundo ou até ter ceiro lugar Entretanto essa luta entre posicionar algo em posição primária ou secundária na pior das hipóteses é um endosso daquilo que se procura esconder Por essa razão em meados do século XX Adorno e Horkheimer 1985 p 215 afirmaram Sob a história conhecida da Europa corre subter rânea uma outra história Eles diagnosticam na história da civilização o lugar dos instintos e pai xões humanas que manifestase no interesse pelo corpo que eles caracterizam pela díade amoró dio Foi essa caracterização que levou à estrutura da reflexão deste item Afinal ela tem uma impor tância inegável na hora de entendermos o corpo tanto em sua história quanto na atualidade na qual vivemos e pensamos Os dois filósofos alemães viveram em uma so ciedade em que o corpo já contava com uma gama de práticas e olhares que assumiram como necessá rios os cuidados que levaram o século XX a viven ciar uma revolução somática JENSEN 2013 Ou seja Adorno e Horkheimer conseguiram captar que na história os diferentes modos com que se pensa e se percebe o corpo são ambíguos Essa ambiguidade é também perceptível em contextos muito preocu pados com o corpo e suas práticas tal como é nosso próprio contexto Em ponderações que nos ajudam a pensar nossas atuais dificuldades de entender mos o lugar do corpo em diferentes esferas sociais Adorno e Horkheimer 1985 p 217 reconhecem Na civilização ocidental e provavelmente em toda a civilização o corpo é tabu objeto de atração e re pulsão Nessa reflexão o já mencionado interesse pelo corpo é resultado do autorebaixamento do homem ao corpus ao cadáver tornandoo obje to de dominação de matéria bruta ADORNO HORKHEIMER 1985 p 217 algo que já vimos como paralelo à ampliação da capacidade científica de entender o corpo A sociedade na qual vivemos ainda é passível de ser pensada por essa tensão entre amor e ódio no que diz respeito ao corpo Conseguiríamos depois dessas análises afirmar que a mencionada revolu ção somática na qual passamos a viver no século XX é uma expressão de interesse pelo corpo final mente liberada a atenção sempre dada a ele pelos desprezadores do corpo criticados por Nietzsche Por outro lado o cultivo do corpo tão alardeado em nosso cotidiano já não seria um indício de que passamos a vêlo como relevante para a constru ção de uma vida com mais significado Reconhecer essa ambiguidade na ausência de respostas con tundentes para ela já é um avanço Ao lidar com tal ambiguidade conhecer um pouco da história relacionada ao corpo é um dos procedimentos que nos possibilitam perspectivar uma lida mais clara com os dilemas que emanam do fato de ao mesmo tempo termos e sermos corpo ATIVIDADE 78 Depreendese da leitura dos quatro tópicos ante riores a importância que o corpo possuiu e possui em termos individuais e sociais Mesmo que em alguns momentos o corpo seja avaliado negati vamente não se colocou em questão a necessi dade de nos ocuparmos dele Aliás foi um dos pontos que recebeu maior atenção das reflexões anteriores o fato de discursos desqualificadores em relação ao corpo não significarem que ele era irrelevante para a sociedade onde esses discursos foram produzidos A julgar pelo mundo no qual vivemos pare ce ser muito distante a existência de pensamentos e práticas que busquem diminuir o valor do corpo naquilo que somos A sociedade contemporânea é reconhecida por muitos analistas como uma épo ca que dá ao corpo à sua saúde e à sua aparência uma grande atenção Le Breton 2003b reconhece que na atualidade o corpo se transformou naquilo que eram as ideias as posições políticas e filosófi cas reconhecese mais facilmente a pessoa como portadora e veiculadora de valores e signos sociais muito mais por sua composição corporal e menos sobre o que ela fala de si mesma Se você lembrar que a ciência moderna caracterizouse por separar o homem de seu corpo é inevitável a constatação de estarmos em muitos aspectos corrigindo o erro de Descartes DAMÁSIO 2012 PRAZERES E DEVERES NO CUIDADO COM O CORPO EDUCAÇÃO FÍSICA 79 Com efeito no mundo atual não apenas os remé dios os cremes as vitaminas e outros artefatos farma cológicos ou médicos estão à disposição das pessoas Há todo um conjunto de práticas terapêuticas massa gens meditações práticas corporais alternativas que buscam realizar plenamente todas as possibilidades corpóreas alcançando algo que Adorno e Horkhei mer 1985 p 218 afirmavam não ser possível Não se pode mais reconverter o corpo físico Körper no corpo vivo Leib Os dois filósofos alemães que pensavam na sociedade nas décadas de 1940 e 1950 já adiantam um impasse que nos ajuda a considerar a presença e a importância do corpo no mundo atual Ao verificarem acertadamente o peso da ciência na forma como o corpo é posto em uma espécie de pe destal nas relações cotidianas mais uma vez a tensão amoródio em relação ao corpo é perceptível e defini da por eles por uma ânsia mensuradora que seguin do os passos da ciência moderna quantifica a exis tência e o modo como experimentamos nosso corpo Ela a busca pela saúde transformou o passeio em movimento e os alimentos em calorias de maneira análoga à significação da floresta viva na língua inglesa e francesa pelo mesmo nome que significa também madeira Com as taxas de mortalidade a sociedade degrada a vida a um processo químico ADORNO HORKHEI MER 1985 p 219 Perceba que nessas críticas ao modo como o corpo vinha sendo valorizado está explícita a constatação de que a importância dada ao corpo não significa necessariamente o alcance de um estado de supera ção das históricas subjugações as quais foram postas o corpo seus movimentos e suas sensações Por outro lado a adesão das pessoas a esses cuidados eviden ciam que essas observações críticas feitas também por outros analistas depois de Adorno e Horkheimer 1985 não têm impedido que se busquem os pra zeres oriundos dos cuidados ao corpo Mesmo que eles se tornem uma espécie de dever uma obrigação gerando por sua vez muita ansiedade e frustração Uma sensação muito comum quando nos depa ramos com algumas das dificuldades que essa cen tralidade do corpo proporciona é nos esforçarmos para verificar o processo de construção do conjunto de valores conhecimentos e práticas associadas ao cuidado corporal Do que vimos até agora podese inferir a facilidade com que encontraríamos outras épocas bastante recuadas homens e mulheres bus cando meios para adequar seus corpos aos padrões de beleza reinantes no mundo em que viviam No item anterior fiz menção ao que Jensen 2013 chama de revolução somática Ele estudou especificamente a sociedade alemã nas décadas de 1920 e 1930 para perceber que em muitas dimen sões sociais daquela sociedade a valorização do corpo se devia não apenas à expansão de práticas corporais praticantes e organizações burocráticas que se organizavam como federações e assemelha dos Ele notou também o aumento da quantida de de pessoas interessadas em assistir aos variados eventos desportivos que passaram a acontecer Ou tra conclusão muito interessante do livro de Jensen 2013 foi notar que que a expansão de variadas modalidades desportivas e do público consumidor dessas práticas foi possível ao mesmo tempo em que possibilitou uma nova forma de se relacionar com o corpo Por isso ele enxerga uma revolução somática na qual ver corpos bonitos atléticos bronzeados do mesmo modo que ambicionar ter corpo com essas características impulsionou a expansão de um estilo de vida ativo ligado ao cultivo de valências físicas e da aparência corporal ATIVIDADE 80 Vale notar um impacto muito relevante propor cionado pela expansão desse olhar atento ao corpo ele foi absorvido tanto por homens quando por mu lheres Jensen 2013 nos explica que na sociedade alemã essa ascensão do corpo a um lugar de destaque subverteu alguns papéis tradicionalmente atribuídos aos homens e às mulheres Aos homens que antes se interessavam apenas pelo cultivo da força e da resis tência emblematizadas na ética guerreira agregou se a preocupação com a aparência corporal passível de ser admirada pela harmonia pelos músculos tra balhados sem menção a qualquer utilidade prática para a força conquistada em horas dedicadas ao trei namento Se a ligação masculina com a força é uma continuidade do que já existia do ponto de vista da histórica construção de gênero perceba que a inquie tação estética até então atribuída às mulheres passou a fazer parte do horizonte cotidiano dos homens Algo semelhante ocorre com as mulheres Con forme uma nova sensibilidade corporal ia sendo cons truída aumentou o número de mulheres realizando práticas corporais anteriormente assumidas apenas por homens Consequentemente a imagem de uma mulher mais musculosa mais bronzeada ativa e pre ocupada também com sua performance foi paulati namente tornandose algo menos raro de ser visto É importante não perdermos de vista que nessas trans formações que homens e mulheres iam experimen tando e realizando houve discursos que buscavam normatizar o que seria o ideal corporal para homens e mulheres Essas normativas mantiveram sua impor tância mas quando o assunto foi o usufruto que pode ser proporcionado pelo corpo esses discursos regula dores tiveram seus poderes limitados e as pessoas en contravam maneiras de apropriaremse de seus corpos com o fito de construir sua identidade E é essa a gran de questão que vai sendo colocada ao longo do século XX a identidade das pessoas vai dependendo cada vez mais daquilo que sentiam e faziam com seus corpos O mesmo processo de valorização do corpo e dos cuidados associados a ele também podem ser visto no Brasil desde as primeiras décadas do século XX Sevcenko 2012 p 576 ao estudar desdobramen tos históricos observáveis no Rio de Janeiro nos anos de 1920 observa a existência de uma nova ética do corpo em ação Chamou a atenção do historiador que uma certa propensão à atividade e à exibição do corpo tivessem passado a compor traços mais carac terísticos da sociedade carioca Entre outras razões essa visibilidade do corpo o levou a ver nos anos em questão a existência de uma capital radiante em que se inaugurava uma nova forma de vida O cuidado com corpo e a concretização dessa nova ética corporal foi muito estimulada pelas mudanças no vestuário Soares 2011 diagnosti ca o nascimento de uma nova percepção corporal pelo modo com que as pessoas passaram a valorizar determinadas roupas em detrimento de outras Im portante nesse raciocínio foi a primazia do conforto elegância e eficiência pontos que foram muito co nectados com o nascimento de um estilo desportivo de ser com roupas práticas corporais e olhares inte ressados para tudo isso Viviase anos bastante férteis na composição de uma nova sensibilidade urbana acolhedora de uma diver sidade e intensidade de práticas corporais que afirmam e confirmam outros comportamentos outros gestos em outras palavras novas manei ras de viver SOARES 2011 p 3 Nessa fertilidade de cuidados sobre o corpo e o que nele tocava o raciocínio médicohigiênico foi im portante Fundamental na realização desse raciocí nio foi a justificativa de que as roupas deveriam ser EDUCAÇÃO FÍSICA 81 mais leves deixar mais partes do corpo expostas ao sol tudo com o objetivo de aproximálo de uma na tureza afastada também pelo peso dos antigos ves tuários Nesse sentido é importante reconhecer a existência de uma educação do corpo e dos compor tamentos associado ao modo de vestirse SOARES 2011 p 22 A defesa do conforto do bemestar e da leveza ao se vestir fortalecia estimulada pela ne cessidade de dar liberdade aos movimentos deixar a pele respirar Em suma perceba que no conjunto desses posicionamentos os cuidados do corpo avo lumavamse impactando desde visões de mundo até nossos pequenos gestos do dia a dia como se vestir Vale a pena registrar que paralelamente ao surgi mento dessas inquietações concernentes à roupa houve toda um defesa da importância da água do sol da natu reza enfim assumida como fonte de saúde e bem estar corporais É das primeiras décadas do século XX o de senvolvimento do hábito de ir à praia banharse no sol curtir a areia ou seja essa ideia de comunhão com uma determinada paisagem cultural algo ainda hoje muito defendido e percebido por muitos de nós que dava seus primeiros sinais O fortalecimento dessas práticas as sociadas a novos hábitos vestimentares forjou no início do século XX a mencionada revolução somática JEN SEN 2013 também na sociedade brasileira Isso podemos constatar na forma como diversas práticas de embelezamento foram adotadas por mu lheres mas também por homens desde esse perío do SantAnna 2014 estudou a história da beleza no Brasil Tratase de uma inquietação existente em outras sociedade e outras épocas mas que ganhou intensidade incomparável no momento que estamos estudando justamente pela forma como o corpo passou a ser visto socialmente Emblemática dessa nova visão é a relevância que passou a ter o embele zamento como nos explica autora a transformação do embelezamento em gê nero de primeira necessidade marcou profun damente o século Foi quando ornamentarse deixou de ser um gesto moralmente suspeito ou típico de uma minoria mundana para se transfor mar em direito de pobres e ricos jovens e idosos Misturado ao milenar sonho de rejuvenescer o embelezamento virou uma prova de amor por si mesmo e pela vida não somente um dever mas um merecido prazer não simplesmente um tru que para ser amado mas uma técnica para se sen tir adequado limpo e decente E ainda a história do embelezamento habita zonas do imaginário ligadas à minar vontade de se livrar da doença e escapar da morte Tratase portanto de um tema revelador das maneiras de lidar com coisas con sideradas tão supérfluas quanto essenciais tanto belas quanto feias SANTANNA 2014 p 16 É imperativo atentarse para o peso de algumas pa lavras na longa citação anterior O que passou a ser o corpo a partir do século XX Um direito um amor por si mesmo um dever um merecido prazer Supérfluo Sim Mas essencial também É difícil deixar de enxergar nessa história do corpo a construção de um longo caminho que chega até nós até você e à nossa decisão de estudarmos mais detalhadamente os assuntos que nos interessam em um curso de educação física Para os senhores da Grécia e do feudalismo a relação com o corpo ainda era determinada pela habilidade e destreza pessoal como con dição da dominação O cuidado com o corpo tinha ingenuamente uma finalidade social O kalos kagathos o belo e bom só em parte era uma aparência Theodor Adorno e Max Horkheimer REFLITA 82 considerações finais Prezadoa alunoa o corpo é um dos principais objetos de análise quando pen samos em muitos aspectos da vida cultural social e política A intimidade com que nos relacionamos com o nosso próprio corpo e com o corpo dos outros coloca alguns desafios quando ambicionamos pensar esse conjunto de relações Como pensar algo tão pessoal tão íntimo de um modo a conseguir estabelecer um diálogo interessante e produtor de novos entendimen tos partilhados com vistas a esclarecer assuntos e resolver problemas que afligem uma época Dito de outro modo como é possível uma história do corpo Esse desafio não tem impedido muitos historiadores de se ocuparem da questão O empenho desses historiadores como você já sabe sustentase no fato de o corpo ser uma questão de grande importância nos dias de hoje gerando o ímpeto de pensála em outras épocas Realizar esse ímpeto ir àqueles que muito escreveram sobre muitas coisas e perceber que o corpo era uma de suas preocupações a ladear outras é um ato muito interessante para percebermos a historicidade do corpo superando a re corrente visão que o associa a uma imutável natureza Esta unidade pretende ter evidenciado alguns resultados que podemos extrair de tal reflexão As diferentes maneiras de valorizarmos ou odiarmos o corpo pensálo como inextricavelmente ligado às conquistas espirituais da humanidade ou posto como obstáculo a essas conquistas partícipe das variadas formas com que homens e mulheres entende ramse a si mesmo em outras sociedades geradora de práticas voltadas ao seu cuidado enfim estudar o corpo sob um ponto de vista histórico é um esforço relevante sobretudo para quem pretende atuar profissionalmente com aspectos pedagógicos ligados às igualmente numerosas práticas voltadas a esses cuidados É para algumas dessas práticas que voltaremos nossa atenção na próxima unidade 83 atividades de estudo 1 Relacione o desenvolvimento da ciência moderna com o modo com que o corpo passou a ser visto 2 Ao analisar a sociedade grega clássica como podemos pensar de modo relacional o nascimento da filosofia e a história do corpo 3 Qual é o incremento intelectual proporcionado pelos estudos históricos sobre o corpo 4 De que modo o interesse pelo corpo que vemos na história é marcado pela tensão entre amor e ódio como dizem Adorno e Horkheimer 1985 5 Como podemos enxergar a tensão anteriormente mencionada nos varia dos procedimentos voltados ao cuidado com o corpo 84 LEITURA COMPLEMENTAR A HISTÓRIA E OS MODELOS DE CORPO 1 As três faces do corpo Inúmeras são as maneiras de se referir ao corpo e de habitáIo inúmeras são as ma neiras de representáIo e de lhe dar forma é a dispersão desses indícios possíveis que impressiona inicialmente Um olhar mais profundo revela como a diversidade dos terri tórios do corpo é abundante no seio de cada cultura e de cada época a competência do ortopedista não é comparável à do artista do mesmo modo que a prática do esportista não é a do mímico ou do ator Mecânica energia expressão e sensibilidade se repartem numa multiplicidade de corpos cada qual em sua singularidade com seus saberes seus imaginários seus domínios até mesmo seus objetos É necessário medir essa abundân cia de referências corporais essa variedade que proíbe agrupáIas em uma mesma dis ciplina científica ou mesmo darIhes uma coerência e uma unidade a priori Podemse distinguir pelo menos três grandes faces da existência corporal todas possuem seus próprios investimentos e singularidades e é claro sua própria história A primeira é a do princípio da eficácia recursos técnicos que o corpo retira da mecânica e dos sistemas orgânicos ou seja a sua capacidade de ação sobre os objetos Podese pensar aqui nas habilidades dos trabalhadores manuais e nos procedimentos físicos quotidianos como também nos saberes e nas práticas colocadas em jogo para a manutenção do corpo o aumento de sua resistência ou de seu poder saúde higiene ou mesmo treinamentos corporais variados A segunda destas faces é a do princípio de propriedade posse pelo corpo de um espaço e nele de um território totalmente pessoal ou seja apropriação do ser no mais íntimo de si nos limites de sua dimensão biológica Imaginemse portanto as representações das fronteiras corporais daquilo que recobre o corpo as muralhas da intimidade ou ainda os lugares a partir dos quais se definem as violências e os atentados físicos Esta face mostrase de suma importância pois suas variantes históricas revelam deslocamentos de sensibilidade que se referem não somente à relação com o outro mas também para consigo mesmo A terceira face é a do princípio de identidade manifestação pelo corpo de uma interiorização ou de um pertencimento que designa o sujeito ou seja o recurso de mensagens e de trocas a partir de sinais e de expressões de natureza física Podese pensar aqui os recursos expressivos a emissão de mensagens a emergência de um sentido voluntário ou involuntário Nesta terceira face podese pen sar ainda nas manifestações de prazer e de dor reforçando a ancoragem do sujeito 85 LEITURA COMPLEMENTAR 2 O corpo e o objeto Estas três faces demonstram o quanto a história do corpo pode revelarse hetero gênea mobilizar objetos muitas vezes diferentes até mesmo inconciliáveis É mais em direção à prudência epistemológica e metodológica que ela deveria então con duzir Esta história porém poderia tornarse mais legítima ao captar um objeto com precisão objeto que outras abordagens tiveram dificuldade em apreender objeto que revela aquilo que não existiria a não ser no momento e no lugar em que é captado Mostrar por exemplo com Le Goff 1967 p 440 que a civiliza ção medieval é a civilização do gesto é abrir um campo de reflexão sem limites a respeito dos modos de sociabilidade em via de solidificação e de diferenciação assinalando ao mesmo tempo os obstáculos e as inovações que implicam o lugar ainda muito marginal da escrita é dar uma densidade inédita às modalidades in teiramente corporais dos juramentos e dos contratos das solenidades remarcáveis ou dos usos muito quotidianos é ler esta tentativa antiga de inscrever no corpo um código ainda à procura das suas transposições em signos escritos A partir deste único enunciado um espaço difuso de práticas e de gestualidades anódinas tor nase bruscamente relevante para acentuar a originalidade da sociedade da qual surgem No limite a Idade Média existe diferentemente quando se leva em con sideração estas inscrições corporais que a importância logo mais central da es crita permitirá deslocar O corpo dentro deste quadro preciso de um intercâmbio específico e relacional tornouse assim um objeto suscetível de esclarecer um mundo Abundantes são os exemplos desses objetos corporais que foram se tor nando objetos elucidativos de uma época e de uma sociedade O investimento na construção de uma história do corpo consiste tanto em recenseálos quanto em explorálos Contudo é necessário às vezes saber tornar complexas as repre sentações e desconfiar de nossos próprios esquemas representativos aqueles de homens e mulheres que pertencem à sociedade de hoje Fonte Vigarello 2003 p 2223 86 material complementar Anatomias uma história cultural do corpo humano Hugh AlderseyWilliams Editora Record Ano 2016 Sinopse a partir de exemplos tirados da literatura filosofia e his tória o autor aborda como as visões sobre o corpo humano são devedoras do tempo em que foram criadas Na segunda parte o autor estuda partes e órgãos específicos cruzando de modo esclarecedor conhecimentos oriundos da anatomia e fisiologia com os conhecimentos das ciências humanas filosofia e história Na Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos está dis ponível o acesso a muitas páginas do livro De corporis humani fabrica 1543 de Andre Vesálio 15141564 A obra é fundante no desenvolvimento do conhecimento anatômico que como vi mos marcou o nascimento de um grande interesse pelo corpo Ainda assim observe que nos desenho o corpo aparece em con texto ou seja localizado no espaço sinalizando que o processo de objetificação científica ou de isolamento da variável ainda estava em curso Acesse confira Link httpscebnlmnihgovprojttpvesaliusgalleryhtm Gattaca Ano 1997 Sinopse tratase de uma ficção científica em que o poder con trolador da ciência faz frente às fragilidades corporais humanas Essa força científica é desafiada justamente por essas fragili dades Afinal são elas que deixam entreabertas as portas para aquela sociedade se tornar mais humana 87 referências ADORNO T HORKHEIMER M Dialética do es clarecimento Rio de Janeiro Jorge Zahar 1985 BACON F Novum organum ou as verdadeiras in dicações acerca da interpretação da natureza 3 ed São Paulo Abril Cultural 1984 BRACHT V A constituição das teorias pedagógi cas da educação física Cadernos do CEDES UNI CAMP CampinasSP v 19 n 48 p 6988 1999 BRAUSTEIN F PÉPIN F O lugar do corpo na cul tura ocidental Lisboa Instituto Piaget 1999 DAMASIO A O erro de Descartes emoção razão e o cérebro humano 12 ed São Paulo Companhia das Letras 2012 DESCARTES R Discurso do Método Meditações Objeções e Respostas As Paixões da Alma Cartas 2ed São Paulo Abril Cultural 1979 HEROLD JUNIOR C Corpo educação e hominiza ção possibilidades de análise a partir do materialis mo histórico Educere et Educare Impresso Cas cavelPR v 4 n 7 p 203221 janjun 2009 Corpo pensamento educacional e práxis a teoria e a prática da Educação Física nos albores da modernidade Acta Scientiarum Human and Social Sciences MaringáPR v 26 n 2 p 221230 juldez 2004 Ombros largos x língua grande os pro jetos de educação do corpo nas transformações da antiguidade grega Publicatio UEPG Ciências Hu manas Ciências Sociais Aplicadas Linguística Le tras e Artes Impresso Ponta GrossaPR v 15 n 2 p 95103 2007 JENSEN E N Body by Weimar athletes gender and German modernity New York Oxford Univer sity Press 2013 KINGDON J Lowly origin where when and why our ancestors first stood up Oxford Princeton Uni versity Press 2003 KUPER D The chosen primate human nature and cultural diversity Harvard Harvard University Press 1996 LAQUEUR T W Inventando o sexo corpo e gêne ro dos gregos a Freud Rio de Janeiro Relume Du mará 2001 LE BRETON D Anthropologie du corps et moder nité Paris Presses Universitaires de France 2003a Adeus ao corpo CampinasSP Papirus 2003b LE GOFF J TRUONG N Uma história do corpo na Idade Média 2 ed Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2010 MARX K ENGELS F A ideologia alemã São Pau lo Boitempo 2007 NIETZSCHE F Assim falava Zaratustra Rio de Ja neiro Nova Fronteira 2012 SANTANNA D B História da beleza no Brasil São Paulo Contexto 2014 SEVCENKO N A capital irradiante técnica ritmos e ritos do Rio In Org História da vida privada no Brasil República da Belle Époque à Era do Rádio 2 ed São Paulo Companhia das Letras 2012 p 513620 SOARES C L As roupas nas práticas corporais e esportivas a educação do corpo entre o conforto a elegância e a eficiência 19201940 CampinasSP Autores Associados 2011 VIGARELLO G A história e os modelos de corpo Proposições CampinasSP v 14 n 241 p2129 maioago 2003 WILLIAMS H A Anatomias uma história cultural do corpo humano Rio de Janeiro Record 2016 88 gabarito 1 O desenvolvimento da ciência moderna pautado na primazia do méto do científico e na identificação da razão como traço distintivo do homem possibilitou que o corpo fosse tratado como máquina à semelhança dos outros animais 2 Ao romperem com as explicações míticas até então predominantes os gregos construíram uma reflexão racional que tematizou e se sustentou nos sentimentos enraizados no corpo 3 Ao estudarmos a história do corpo podemos perceber que nossa dimen são corpórea não se reduz a uma natureza anatômica mas compreende os modos como a percebemos e a pensamos Esses modos foram diferen tes em outros períodos da história Estudálos é uma maneira de entender o corpo como o percebemos hoje 4 Adorno e Horkheimer 1985 diagnosticam que na história das civilizações o corpo sempre fora uma questão Mesmo em períodos nos quais o corpo foi cuidado com grande atenção é possível verificar o incômodo gerado pelo corpo que sempre fragiliza nossa intenção de controlálo racional mente 5 Se tomarmos o século XX como exemplo o lugar central ocupado pelo cor po e seu cuidado sinaliza uma tentativa mais intensa de controlar as vonta des e sentimentos que emanam do corpo Se isso foi um elemento impor tante para uma fruição não existente em outros momentos também se experimenta um certo malestar gerado pelo controle sobre o corpo que se amplia na mesma proporção de novas técnicas produtos e prescrições UNIDADE III Professor Dr Carlos Herold Junior Plano de Estudo A seguir apresentamse os tópicos que você estudará nesta unidade As muitas práticas corporais A ginástica Os jogos O esporte As lutas e as artes marciais Objetivos de Aprendizagem Refletir historicamente sobre a grande variedade de práticas corporais Avaliar questões históricas em torno do desenvolvimento da ginástica Pensar na importância do lúdico na história da sociedade contemporânea Entender a historicidade da importância do fenômeno desportivo Abordar problemáticas relativas à formação das lutas e artes marciais OLHANDO HISTORICAMENTE AS PRÁTICAS CORPORAIS unidade III INTRODUÇÃO N a trajetória até aqui percorrida você percebeu caroa alu noa em primeiro lugar que o conhecimento histórico tem uma relação muito próxima com a realidade atual Essa constatação foi evidenciada em sua importância pois ela si naliza que os esforços analíticos dos historiadores da educação física não são empreitadas de quem não está disposto a resolver os muitos problemas imediatos que nos afligem Ficou explícito que o contrário é o correto a nossa área enveredou pelo caminho das abordagens históricas devido às urgências que passaram a incomodar os professores de educação lá no iní cio da década de 1980 e que de algum modo ainda são nossos incômodos No segundo passo que juntos demos na ampliação de nosso olhar histórico para as problemáticas profissionais da educação física colocou se em destaque que o corpo humano também existe e existiu historica mente Pensamos nos modos como essa mesma natureza e as percepções em relação a ela vão se transformando com o passar do tempo Nessa ótica até a tão comum oposição entre pensamento e corpo pode ser pro blematizada Vêse o valor da história para nos ajudar a entender que tra ços aparentemente óbvios da vida individual e social nem sempre foram assim considerados Também no segundo passo coisas que atribuímos como traços do presente foram evidenciadas como igualmente perten centes a outras épocas Viver corporalmente é algo que nos acompanha há mais de um século Sabendo que boa parte da atuação profissional e pedagógica em edu cação física ocorre em torno da ação pedagógico com esportes exercí cios ginásticas lutas jogos e dança é oportuno voltarmos nossa atenção a essas práticas Com isso a pretensão é entendermos como tais práticas passaram a existir e contaram com o empenho de muitas pessoas em praticálas e de outras tantas em ensinálas e divulgálas por conta de variados benefícios a serem conquistados por meio delas Bons estudos ATIVIDADE 94 A ntes de considerarmos a história de práticas corporais abordadas pelo tra balho profissional e pedagógico em educação física é necessário termos alguma clareza sobre o assunto Além disso é im portante sabermos aquilo que não será abordado nesse estudo Desse ponto de vista um esforço mui to recorrente nos empreendimentos científicos de forma geral e naqueles que são feitos no campo da história e da história da educação física é estabelecer limites os mais definidos possíveis entre aquilo que compõe o nosso assunto e aquilo que fica de fora ou que extrapola o alcance da nossa atenção AS MUITAS PRÁTICAS CORPORAIS Interessante verificar que esse esforço em saber aquilo que nos interessa em termos históricos tem uma relação muito próxima com conhecer os nossos interesses no mundo atual Você se lembra que esse foi um ponto muito enfatizado na primeira unidade pensar historicamente só é possível por pensarmos o mundo no qual vivemos Essa ênfase será útil a você na análise que proponho logo a seguir Para iniciar o estudo de uma história das práticas corporais pro ponho uma questão dentre as muitas práticas cor porais existentes o que explica que algumas sejam estudadas em um livro sobre história da educação física e outras não EDUCAÇÃO FÍSICA 95 A questão é aparentemente ingênua mas tem sua importância Sobretudo se você considerar que na unidade anterior estudamos que os próprios en tendimentos sobre o que é corpo o que é pensa mento a relação entre eles mudam com o passar do tempo O mesmo ocorre com os cuidados que devotamos ao corpo com as práticas que adotamos para moldálo a determinados projetos sociais cul turais e religioso enfim a natureza corpórea tem sua história marcada por uma tensão entre mudan ça e permanência Mudanças e permanências rela tivas aos modos como aquilo que fazemos com os nossos corpos é visto e avaliado de modos discre pantes em um mesmo período histórico Como re sultado ambicionar estudar a história da educação física elegendo conhecer historicamente as práticas corporais deixa de ser algo óbvio E deixou de ser óbvio porque a complexidade da questão foi perce bida por professores que têm buscado pensála na atualidade Vamos estudar um pouco dessas tenta tivas de estabelecer limites Em um processo que será estudado em outros momentos do curso a partir de 1980 muitos pro fessores de educação física passaram a se debater para definir as razões que justificavam sua presen ça na escola A intensidade dos questionamentos foi tanta que acabou recebendo a denominação de crise da educação física um modo de se referir à constatação de que não havia muito acordo sobre o que seria o assunto a ser abordado pelos profes sores de educação física na escola A resposta até então aceita sem maiores problemas o esporte passou a não mais contar com a unanimidade que possuía Argumentavase que essa ênfase esportiva era sentida em outros lugares da sociedade e que na escola a presença dessa prática corporal não de veria se dar sem questionamentos Nessa reflexão Bracht 1992 constatou que a educação física não possuía autonomia pedagógica afinal o professor de educação física tinha seus saberes códigos e procedimentos ditados pelas instituições despor tivas e não pela pedagogia pela didática pela edu cação em suma Somandose ao empenho dos professores em fazerem frente a essa situação delimitar o conheci mento caracterizador da relevância pedagógica da educação física aglutinou energias Um dos resul tados mais visíveis desses esforços foi pensar esses limites em torno do passou a ser conhecido como cultura corporal Tendo como fonte as práticas produzidas socialmente nessa óptica defendiase a existência de uma seleção de conteúdos da educa ção física SOARES 1992 p 63 Resultante da se leção é a cultura corporal que ao ser composta por esportes jogos ginásticas danças e lutas teria a pretensão de possibilitar ao aluno da escola pública entender a realidade social interpretan doa e explicandoa a partir dos seus interes ses de classe social Isso quer dizer que cabe à escola promover a apreensão da prática social SOARES 1992 p 63 Nessa discussão é importante ser percebido que ao tentarem encontrar justificativas pedagógicas para a presença da educação física na escola os espor tes jogos ginásticas danças e lutas passaram a ser considerados práticas sociais expressão corporal como linguagem SOARES 1992 p 62 A grande questão dessa luta para se definir o conteúdo a ser abordado pelos professores de edu cação física mais uma vez davase na tentativa de superar o paradigma biológico anatômico fisioló ATIVIDADE 96 gico e reduzido à técnica desportiva Já ficou claro que é difícil essa tensão não ser mencionada nas dis cussões sobre a história da educação física Aliás foi a explicitação desse embate que levou ao estímulo para pesquisála historicamente enxergandoa em realidades que não apenas a nossa De qualquer maneira essa busca conceitual em relação ao ser da educação física se mostrou como um luta política e epistemológica relacionada aos modos como entendemos e ensinamos assuntos concernentes ao corpo ao movimento corporal existente em alguns contextos Digo em alguns contextos pois nem todos os movimentos corporais foram assumidos como interessantes ou abordáveis pelos professores de educação física No ano de 2002 aconteceu na cidade de Na tal o I Colóquio Brasileiro sobre Epistemologia e Educação Física Ao lado de ser um evento importante por evidenciar a forma como as dis cussões filosóficas também são empreendidas no campo da educação física dele resultou um livro intitulado Epistemologia saberes e práticas da educação NOBREGA 2006 Obviamente um debate muito recorrente no evento foi a relação entre os saberes das ciências de matriz biológica e os saberes das ciências de cunho humanístico histórico e filosófico E muito dependente desse debate dois capítulos do livro versam sobre as dificuldades em determinar o objeto de conhe cimento da educação física Um deles intitulase Educação Física e critérios de organização do conhecimento MELO 2006 Depois de per guntarse Corporeidade cultura corporal cul tura de movimento ou cultura corporal de movi mento MELO 2006 p 107 o autor endossa a problemática que tenho tratado neste item escre vendo o seguinte Observamos que nas últimas décadas a Educa ção Física tem sido alvo de reflexões filosóficas pedagógicas sociológicas conceituais entre outras que têm proporcionado grandes avan ços no sentido de delinear novas intervenções pedagógicas bem como no fato de situálas como área acadêmica a partir de definições de seu objeto de estudo MELO 2006 p 107 Chamo sua atenção para palavras importantes na citação como delinear novas intervenções peda gógicas e também situálas como área acadêmica Elas evidenciam que socializar conhecimento na es cola e produzir conhecimento na universidade são processos diferentes porém interligados Para Melo 2006 a clareza dessa ligação a ser providenciada pelas reflexões filosóficas pedagógicas sociológicas e históricas é fundamental para as definições relati vas ao objeto estudo perseguido pela pergunta ela borada por ele apresentada imediatamente anterior Bracht 2006 também toma a mesma pergunta como trampolim de suas reflexões Para o autor o esforço a ser executado sobre a questão é romper os limites da conotação biológiconaturalista enxer gando a educação física em sua necessária vincula ção com a cultura BRACHT 2006 p 97 Por essa razão continua o autor a melhor forma de nominar e caracterizar o objeto dessa prática social que vimos chaman do de Educação Física é tomála como uma forma de intervenção pedagógica a partir e com diferentes práticas corporais de movimen to BRACHT 2006 p 97 Sabendo que o termo práticas corporais de movi mento ainda deixaria espaços para ambiguidades Bracht 2006 p 98 esclarece que se tratam de práti cas realizadas no mundo do não trabalho excluin EDUCAÇÃO FÍSICA 97 do portanto aquelas ligadas diretamente ao traba lho e à reprodução O que está em jogo nessa construção político conceitual é de um lado ampliar o entendimento de prática corpo e práticas corporais englobando dimensões sociais culturais e históricas Interes sante que depois de ampliar esse entendimento o resultado é especificar limitar deixar de fora prá ticas corporais de movimento que não seriam utilizadas na intervenção pedagógica em educa ção física Silva e Damiani 2005 ao tomarem as práticas corporais como um item de pesquisa e de intervenção e demonstrarem sua preferência por conceituar o conteúdo da educação física como prática corporal em detrimento à atividade fí sica também demonstram o peso desse processo duplo de ampliaçãodelimitação do entendimento para pensarmos o fazer pedagógico dos profes sores de educação física Ao colocarem suas ex pectativas formativas as autoras proporcionam condições interessantes para que possamos pro ceder à análise histórica de práticas que em di ferentes épocas mesmo sem total consciência de seus participantes e divulgadores geraram uma experiência educativa Essa experiência é tomada como característica das práticas corporais a serem estudadas nos próximos itens pois elas de algum modo realizariam mais intensamente perspecti vas educacionais valiosas para a sociedade Esse valor se concretizaria na possibilidade dessas prá ticas de fomentarem significados mais legítimos na vida de quem as executa por meio do desenvol vimento de uma necessária percepção da alterida de daqueles com quem se divide de muitas for mas os tempos e os espaços durante a execução dessas mesmas práticas Dito de outro modo as práticas corporais entendidas seriam meios im prescindíveis para nos aproximarmos ao mesmo tempo dos outros e de nós mesmos Ao estudar as práticas corporais que propo mos nos próximos itens concretizamos na abor dagem histórica inquietações que levam profes sores contemporâneos a olharem para a prática social e caracterizarem a cultura corporal de movimento como uma cultura formada por gi nástica esporte jogos lutas e dança É com essa compreensão que entre as muitas práticas cor porais priorizamos os elementos anteriores fo calizandoos como práticas sociais como agluti nadoras de avaliações percepções e perspectivas educacionais existentes em diferentes épocas Ao focarmos essas avaliações percepções e perspectivas pretendese romper com um procedimento analítico muito comum quando se fala em história das práticas anteriormente listadas não serão o foco do estudo o nome de atletas a mudança de uma técnica esportiva a outra ou listagem de competições e resulta dos obtidos pelo Brasil Enfim ao tomarmos a ginástica o esporte a luta a dança e os jo gos como objetos de análise histórica conside randoos como práticas corporais o objetivo é proporcionar condições para se entender o modo como essas práticas foram ganhando a importância que hoje possuem na vida de mui tas pessoas no valor econômico e cultural que em torno delas se avolumam e sobretudo en tender a maneira como a prática de cada uma delas em diferentes épocas veiculou valores e projetos sociopolíticos que foram importantes à construção das sociedades nas quais existi ram bem como são importantes para a exis tência de possibilidades pedagógicas para a educação física na escola A GINÁSTICA EDUCAÇÃO FÍSICA 99 É compreensível que muitos procurem os cursos de educação física visando se capacitarem para trabalharem nas academias de ginástica Afinal em um passeio pelo centro e pelos subúrbios das cidades grandes médias e pequenas é muito di fícil não passarmos em frente de uma O mais co mum é vermos várias As modalidades de ginástica que nelas encon tramos são variadas Com música apenas com apa relhos com pesos mais agitadas mais tranquilas a expansão de academias de ginástica evidenciam o modo como o exercitar o corpo separando al ternadamente as partes exercitadas ganhou uma imensa popularidade Ou seja a adesão à essas práticas denota parcializar o trabalho muscular as valências físicas a serem trabalhadas enfim pensar o corpo como se ele fosse uma máquina é uma es pécie de sabedoria que paira o dia a dia das aca dêmicas Com isso não estou secundarizando que muita desinformação incorreção abuso de drogas e outras coisas vis não sejam feitas em nome do corpo perfeito Mas como vimos na unidade anterior esse culto ao corpo que acontece nesses templos busca concretizar o olhar esquadrinhador e parcializador da ciência em relação ao corpo humano Nesse sen tido tanto as ginásticas que vemos hoje existirem nas academias quanto as variadas modalidades es portivas ginásticas são práticas que exemplificam de modo muito claro a maneira como o olhar cien tífico em relação ao corpo tem uma importância muito grande no mundo atual Entretanto essa quase obviedade nem sempre foi assim percebida Ela foi construída em um processo bastante interessante de ser estudado Afinal ao nos debruçarmos nesse estudo mais uma vez temos a possibilidade de perceber um fato corriqueiro em sua complexidade enxergando nos automatismos que simbolizam sua importância o resultado de um movimento histórico que evidenciou a importância do corpo das práticas corporais e da reflexão sobre elas para a sociedade Há algumas páginas você verificou como o nascimento do mundo moderno em que a ciência floresceu como forma de conhecimento e o capita lismo como modo de produção implicou um novo olhar para o corpo Estudamos que esse novo olhar sobre o corpo não foi um elemento isolado ou se cundário ao nascimento de uma sociedade que fazia frente ao dogmatismo da sociedade feudal Tratavase de uma verdadeira revolução social em que novos entendimentos sobre sociedade os seres humanos as instituições e sobre o corpo estavam nascendo Esse processo foi descrito como mani festo no desenvolvimento da prática anatômica elemento central e ao mesmo tempo resultante do método científico Interessante verificar que foi muito relevante nessa colocação do corpo humano como um dos pontos de apoio da transformação que acontecia um olhar atento à forma como os gregos da épo ca clássica concebiam a dimensão corpórea do ho mem Eram comuns os escritores dos séculos XVI XVIII e XVIII defenderem o valor do corpo em vá rias dimensões da vida societária justificando que essa importância era reconhecida pelos gregos É no nascimento do mundo moderno que educação física se torna uma expressão a ganhar cada vez mais notoriedade Para citar um exemplo um fi lósofo tão importante no mundo moderno como John Locke 16321704 ao escrever uma obra chamada Alguns pensamentos sobre a educação 1693 2012 inicia sua reflexão falando sobre a saúde em parágrafos onde as referências ao mundo grego são frequentes ATIVIDADE 100 O termo ginástica vem de um verbo grego que diferentemente do que aconteceu no mundo mo derno e do que acontece ainda hoje não significa modalidade ou modalidades O verbo em ques tão significava algo mais próximo de treinamento preparação para um esforço Preparação essa feita com o corpo nu gymnos Essa transformação con ceitual aparentemente sem importância diz muito da força da ginástica do mundo atual do mesmo modo que nos ajuda a pensar na grande distância entre o mundo moderno e o mundo grego no que tange ao corpo Em primeiro lugar é preciso enfatizar que o termo educação física não existia na língua grega A palavra grega para corpo é soma o que deveria levar esse olhar ao mundo grego por parte dos mo dernos mais proximamente a uma educação so mática Physis de onde veio a conotação moderna de educação física como nos ensina Silva 2001 p 28 para os gregos significava uma identida de uma irmandade entre todos seres para quem a vida em comunidade era fundamental Para ci mentar essa afinidade comunitária política e ética à physis o treinamento feito com o corpo nu era fundamental É com tal perspectiva que é necessário perceber o incentivo à ginástica pois a prática corporal nunca é realizada apenas com a finalidade de fortalecer o corpo e não aparece em separado da música assim como da filosofia e da política SILVA 2001 p 30 Muito diferente é a situação do mundo moderno e da sua educação física Silva 2001 p 30 pondera É necessário diferenciar esta concepção ontológica clássica daquele dualismo que se verá explicitar em Descartes e que caracteriza o olhar científico que vê no corpo algo a ser escrutinado pelo espírito pelo olhar científico Olhar esse que será fundamental no isolamento de variáveis como o bom funciona mento da máquina do organismo assumidos como importantes para a sociedade e para os indivíduos mas tomados como diferentes e não constituintes da razão humana que constrói a vida em sociedade a linguagem as artes etc É essa forma de entender o corpo que será fun damental na criação da ginástica tal como se passou a entendêla a partir do século XVIII Se essa visão cientificista foi ganhando força a partir do século XVI é importante não desconsiderar que ela não foi se impondo de forma tranquila ou sem enfrentar resistências Afinal o desencantamento do mundo foi um processo lento difícil e que implicava na re construção de olhares algo dificilmente executável no espaço temporal de poucas gerações Isso é parti cularmente verdadeiro no que diz respeito ao modo como as pessoas percebiam seus corpos e as ativida des que com ele faziam A ambição civilizatória que vai sendo fortaleci da com a expansão desse olhar científico em relação ao corpo é instrumentalizálo conhecendoo cada vez mais eliminando qualquer prática ou qualquer representação que impedisse a maximização de suas forças Soares 2002 define de um modo bastante claro o perfil do mundo que estava se descortinando na modernidade Para o ideário burguês que se desejou universal tudo teria utilidade nada podia ou devia ser desinteressado e a finalidade suprema das ações se concentrava no lucro Até nas exercitações físicas descobriuse um valor que se relaciona va com a produção quer na indústria quer na quantidade de filhos para servir ao capital e à pátria SOARES 2002 p 58 EDUCAÇÃO FÍSICA 101 Enquadrar os ritmos existências na forma de vida urbana e industrial encontrou resistência Do pon to de vista corporal fizeram frente à disciplina necessária para a instauração desse novo mundo hábitos e práticas que iam de encontro à serieda de e ao cálculo os quais eram submetidos ao coti diano dos séculos XVII e XVIII Soares 2002 ao pensar no desenvolvimento da nova ética corporal baseada na ciência verifica que qualquer prática marcada pelo lúdico pela inutilidade pela alegria e pelo excesso contrariava o olhar burguês que se lançava sobre o corpo O que estava em jogo era a possibilidade de adequar as práticas corporais ao ideal utilitário que se fortalecia A desqualificação de práticas circenses e acrobáticas operouse na consideração dessas práticas expurgandoas por meio da ciência de tudo o que pudesse compro meter a civilização que se colocava Ora aquela agilidade demonstrada pelos acro batas e funâmbulos haveria de ser útil Era preciso pensála fora daquele universo que ao olhar burguês se mostrava desregrado ocioso e quase imoral em que nascera Os acrobatas e funâmbulos eram a má consciência o irracio nal dos círculos científicos que elegiam a gi nástica científica como prática corporal capaz de contribuir na formação do corpo civilizado SOARES 2002 p 59 A importância da ginástica justificase pela possibi lidade de ser tomada como prática corporal guiada pela racionalidade da ciência Foi a ginástica que durante os séculos XVIII e XIX concretizou a con sideração científica sustentada na dicotomia entre res pensante e res extensa Foi a ginástica a prática que inaugura no mundo moderno a possibilidade de uma educação do físico distante da educação somática que existiu na Grécia e foi superada pela expansão da ciência Foi esta com suas medidas a determinar intensidades ritmos e amplitudes que sustentou a expansão das diferentes escolas ginásti cas que surgem Ciência e técnica como formas específicas de saber determinarão os ângulos corretos de cada alavanca que possui o corpo visto como máquina indicarão o quanto de força é pre ciso imprimir para um impulso e um salto quais as partes do corpo totalmente esqua drinhado são mais resistentes As atividades corporais então paulatinamente são classi ficadas analisadas e meticulosamente rede senhadas pelas mãos dos homens de ciência SOARES 2002 p 59 Langlade e Langlade 1970 nos ajudam a en xergar o modo como esse esquadrinhamento do corpo que está na gênese e no desenvolvimento da ginástica manifestouse em diferentes escolas de ginástica Elas passaram a ganhar notoriedade a partir do final do século XVIII dando existên cia ao movimento ginástico europeu Eles falam em escola alemã escola sueca e escola francesa como as mais representativas aquelas que aglu tinaram professores e participantes em torno de uma prática corporal que foi certamente uma das responsáveis por muito do que hoje vemos sobre a atenção que se dá ao corpo em diferentes aspectos da vida social ATIVIDADE 102 OS JOGOS Do mesmo modo como ocorreu com as outras prá ticas corporais estudadas neste livro ao se apresen tar uma abordagem histórica dos jogos serão busca dos modos variados de conceber ou entender o que eram os jogos e a importância que eles tinham em outros períodos da história Não seria possível neste livro estudarmos a história dos diferentes objetos e das muitas práticas caracterizadas como lúdicas Diferentemente do que acontece com termos tais como esporte lutas ou ginástica quando estu damos o jogo devemos especificar aquilo de que precisamente se trata ou alternativamente devemos reconhecer a variedade de coisas que podem ser abordadas pelo tal termo Tanto um caminho como o outro apresenta possibilidades e dificuldades No campo da educação física escolar uma das obras que mais impactaram a consideração dos jo gos como importantes a esse componente curricular foi o livro Educação de Corpo Inteiro publicado por João Batista Freire em 1994 Ele inicia o item EDUCAÇÃO FÍSICA 103 quatro da obra afirmando Existe muita confusão a respeito dos termos brinquedo brincadeira jogo e esporte As definições dessas palavras em nossa lín gua pouco as diferenciam FREIRE 1994 p 116 Com efeito você se lembra de que uma das imagens por mim usadas pela introduzir o conteúdo deste li vro foi a narração de acadêmicos jogando Naquela acepção jogo confundese com a situação com petitiva gerada pela disputa em uma modalidade desportiva Todavia como nos esclarece Kishimoto 2015 para pensarmos na importância do jogo na história da infância e da educação é necessário sa bermos que há diferenças entre brinquedo jogo e brincadeira Em primeiro lugar devemos manter à nossa frente a pluralidade de fatos que podem ser deno minados de jogos ou estarem ao termo relacionados Denominamse jogos situações como dis putar uma partida de xadrez um gato que empurra uma bola de lã um tabuleiro com piões e uma criança que brinca com boneca Na partida de xadrez há regras externas que orientam as ações de cada jogador tais ações dependem também da estratégia do adver sário Entretanto nunca se tem a certeza do lance que será dado em cada passo do jogo Esse tipo de jogo serve para entreter amigos em momentos de lazer situação na qual pre domina o prazer a vontade de cada um parti cipar livremente da partida Em disputa entre profissionais dois parceiros não jogam pelo prazer ou pela vontade de fazer mas são obri gados por circunstâncias como o trabalho ou a competição esportiva Nesse caso podese chamalo de jogo KISHIMOTO 2015 p 1 Para deixar a situação ainda mais complexa e passí vel de uma reflexão cuidadosa é que aos confusos limites entre atividades levando ao emprego de um mesmo termo para diferentes práticas ou o empre go de um termo a muitas práticas há a questão de saber a quem ou a qual faixa etária identificamos a existência do jogo Voltando ainda mais uma vez à imagem dos acadêmicos de educação física que jogam é fundamental não esquecermos que essa tradicional imagem publicitária associada aos cur sos de educação física em alguns momentos causa algum incômodo essas imagens deixam transpare cer que no curso não se estuda não se trabalha não se faz coisas sérias apenas brincamos passamos o tempo Nesse olhar esses acadêmicos seriam menos qualificados que os acadêmicos dos outros cursos pois aqui ainda estaríamos a fazer coisas que fazía mos quando éramos crianças em uma imagem que atribui uma caráter pueril ou seja fácil descompro missado light aos cursos de educação física Nesse ponto algumas reflexões de característica histórica podem nos ajudar a pensar nessa situação de uma forma mais complexa Em primeiro lugar essa desconsideração em relação ao lúdico é deve dora de uma tradição social que se construiu base ada na valorização do pragmático e do cálculo em que homens e mulheres são vistos como caracteri zados pela razão pelo trabalho e pelo pensamento abstrato De algum modo você já acompanhou o processo de construção dessa sociedade quando foi abordado o desenvolvimento da ciência e o im pacto que ela teve nas formas como a sociedade passou a pensar em si mesma e também na natu reza Por outro lado o século XX em seus desdo bramentos históricos nazismos bombas atômicas problemas ecológicos terrorismo evidencia que a avaliação racionalizante das capacidades humanas não encontra respaldo na realidade passível de ser observada na história daquilo que Eric Hobsbawn 1998 chamou de longo século XX ATIVIDADE 104 Em segundo lugar há todo um conjunto de análises culturais históricas e filosóficas que bus cam evidenciar o lugar da dimensão lúdica do jogo na construção dos laços sociais que em últi ma instância dão existência à vida em sociedade Nesse sentido bastante eloquente é o livro de Johan Huizinga 18721945 Homo ludens HUIZIN GA 2010 publicado em 1936 Já no início do seu prefácio podemos ler Em época mais otimista que a atual nossa es pécie recebeu a designação de homo sapiens Com o passar do tempo acabamos por com preender que afinal de contas não somos tão racionais quanto a ingenuidade e o culto da razão do século XVIII nos fizeram supor e passou a ser de moda designar nossa espécie como homo faber Embora faber não seja uma definição do ser humano tão adequada como sapiens ela é contudo ainda menos apropria da que esta visto poder servir para designar grande número de animais Mas existe uma terceira função que é verificada tanto na vida humana como na animal e é tão importante como o raciocínio e o fabrico de objetos o jogo Creio que depois de homo faber e talvez ao mesmo nível do homo sapiens a expressão homo ludens merece um lugar em nossa no menclatura HUIZINGA 2010 p 1 Peço que você dê mais um pouco de atenção a esse ponto o livro do qual a passagem foi retirada foi es crito no final da década de 1930 um dos momentos mais dramáticos da história humana que desem bocou na morte de milhões de pessoas Huizinga 2010 enxerga no jogo na dimensão lúdica das re lações o traço mais marcante da humanidade mais que pensar lembremos da ciência e da filosofia mais que fazer lembremos do trabalho da grande indústria e economia que se internacionalizava é pelo jogo que a civilização surge e se desenvolve HUIZINGA 2010 p 1 Como podemos caracteri zar esse elemento tão importante Kishimoto 2015 ao estudar o pensamento de Huizinga 2010 define o jogo da seguinte maneira o prazer demonstrado pelo jogador o ca ráter nãosério da ação a liberdade do jogo e sua separação dos fenômenos do cotidiano a existência de regras o caráter fictício ou repre sentativo e a limitação do jogo no tempo e no espaço KISHIMOTO 2015 p 4 Essas considerações nos ajudam a pensar a impor tância do jogo enquanto um artefato educacional Embora não se deva perder de vista que o brin quedo tem sempre como referência a criança e não se confunde com a miríade de significado que o termo jogo assume KISHIMOTO 2015 p 8 é possível verificar que a crescente importância do jogo no meio educacional se deu pelo surgimento da noção de infância e pela valorização das práti cas corporais como elementos educacionais Nes se particular não é irrelevante o fato de em mui EDUCAÇÃO FÍSICA 105 tas línguas inglesa francesa e alemãtalvez haja outras o verbo para brincar e jogar ser o mesmo play jouer spielen Se voltarmos os olhos para o nascimento da so ciedade moderna nos séculos XV XVI e XVII no tamos que o prazer do jogador passou a ser algo a ser gerado pelos professores no momento de realizar seus ensinamentos Para termos um exemplo ilus trativo desse elogio do prazer no momento em que se ensinaaprende voltemos os olhos para Coménio 15921670 considerado o pai da didática que em 1638 escreveu o seguinte O processo seguro e excelente de instituir em todas as comunidades de qualquer reino cris tão cidades e aldeias escolas tais que toda a juventude de um e de outro sexo sem excetu ar ninguém em arte alguma possa ser forma da nos estudos educadas nos bons costumes impregnada de piedade e desta maneira possa ser nos anos da puberdade instruída em tudo o que diz respeito à vida presente e à futura com economia de tempo e de fadiga com agrado e com solidez COMÉNIO 1985 p 43 Compreendese desse modo que a ideia de ensi nar com agrado esteve relacionada ao fato de se defender que os professores guiados por uma di dática deveriam ensinar o que desejassem captan do uma determinada natureza infantil que passava a ser avaliada fundamental à educação e inextri cavelmente ligada ao prazer ao jogo e ao corpo Elogios à liberdade de brincar aos folguedos in fantis marcaram muitos pensadores que tentaram dar à educação uma característica mais moderna tentativa essa que culminou na obra Emílio ou da Educação de JeanJacques Rousseau 1992 pu blicada em 1758 Lembrese que é no século XVIII que a ginás tica ganhou espaço pela racionalização da movi mentação corporal Apesar de toda importância que essa racionalização angariou no século XIX a ela foram feitas muitas críticas principalmente quando aplicada às crianças Nos livros de história são comuns fotos de crianças enfileiradas fazendo movimento sincronizados com expressões sérias compenetradas Mesmo com todas as tentativas de divulgar os ambientes educacionais como organi zados essas fotos evidenciam todo um trabalho pedagógico de docilização das crianças Postura avaliada como educativa por parte de alguns peda gogos Mas na virada do século XX muitas críticas à ginástica e ao seu caráter demasiadamente siste mático foram se avolumando até o momento em que estudiosos passaram a endossar o valor de re conhecer nos espaços educacionais as brincadeiras infantis do mesmo modo que o esporte tanto um quanto o outro carregados de ludicidade já vista como extremamente valiosa na realização de proje tos educacionais São essas algumas das razões que nos fazem verificar a posição ocupada pelos jogos no campo da educação física ATIVIDADE 106 O ESPORTE Abordar historicamente o esporte é uma oportuni dade interessante para verificarmos a maneira como a validade da história no incremento de nossa capa cidade de pensar o que nos interessa hoje reside na possibilidade de ela nos fazer estranhar algo com o qual estamos inegavelmente acostumados A presença do esporte em nossa sociedade nos dias de hoje é algo facilmente perceptível Pensemos na importância que possuem os eventos desportivos Essa importância tem várias faces que nos fazem en xergar no esporte um elemento incontornável para entendermos o mundo contemporâneo Vigarello 2002 diz que o esporte incarna caricaturalmen te a imagem do tempo atual Por esse motivo mais que qualquer outra prática o esporte revela nossas sociedades VIGARELLO 2002 p 10 O fascínio gerado por eventos como a Copa do Mundo de Futebol ou os Jogos Olímpicos eviden ciam que essa prática corporal consegue mobilizar pessoas do mundo inteiro tocando países possui dores de variadas estruturas sociais e culturais So ares e Vaz 2009 advertem que a importância des ses eventos manifestase no empenho dos países em participarem ou sediarem essas competições Ao lado da corrupção gerada nas votações em que se escolhem as cidadessede os autores sublinham uma espécie de mercado internacional de atletas de alto nível em que atletas são naturalizados em outra nacionalidade para viabializar a participação desses países nos jogos Os autores citam o exemplo de jogadores de vôlei de praia brasileiros que se tornaram cidadãos da Geórgia para disputarem os jogos por lá mesmo sem nunca terem ido ao país que representavam SOARES VAZ 2009 p 482 Tenistas chineses corredores quenianos e jogado res de futebol brasileiros são outros exemplos que nos permitem perceber a maneira como a partici pação desses eventos é importantes O curioso nes se processo é o caráter globalizado desse mercado servindo para fortalecer o sentimento nacional dos países que buscam esses novos cidadãos Soares e Vaz 2009 mostram que as instâncias organiza cionais desses eventos têm alguma consciência da importância do esporte no fomento de sentimen EDUCAÇÃO FÍSICA 107 tos nacionalistas sendo esses sentimentos um dos estímulos à globalização do esporte por sua vez Com efeito quando assistimos às disputas é muito difícil dissociarmos a paixão que se sente do país que é representado pelo atleta em ação Se a importância do esporte enquanto um ele mento forjador de pertencimentos nacionais não é menosprezado a importância econômica dessa prá tica transcende os contratos estabelecidos entre pa íses e atletas que são escolhidos para participarem do jogos Refirome ao mundo econômico que se desenvolve em torno das competições Esse universo econômico pode ser vislumbrado fa cilmente no fato de a produção e comercialização de roupas equipamentos alimentos e uma quase infinida de de bens consumidos terem como apelo um certo esti lo esportivo É fácil notar a visibilidade que possuem as diferentes marcas de produtos esportivos que disputam entre si o gigantesco mercado que se constrói em torno da performance dos atletas Esses transformamse em agentes publicitários de camisetas calçados agasalhos vitaminas aparelhos eletrônicos produtos de beleza gerando uma riqueza que não era existente até o fim do século XIX O século XX testemunhou o surgimen to de um grande mercado proporcionado pela atração que o esporte fomentou em escala planetária Outro modo de enxergamos o quão valioso é o esporte é a relação que se estabelece entre os eventos desportivos e sua transmissão Em primeiro lugar devemos perceber o papel que os avanços tecnológi cos tiveram na popularização do esporte que em sua configuração moderna já nasceu em um momento capaz de capturar imagens e veiculálas Um exemplo muito ilustrativo desse fato é a importância de Olym pia filme dirigido por Leni Riefensthal em 1936 e en comendado por Hitler Ao assistirmos ao filme ficam evidenciados muitos dos enquadramentos que ainda hoje são utilizados pela transmissão de imagens de jo gos e competições criando um cânone estético que indubitavelmente foi fundamental para que o esporte se tornasse o que é Por conta de tudo isso um dos momentos mais importantes dos megaeventos é o di reito de imagem o direito de transmitir as contendas e analisálas nos programas esportivos por meio de re petições em diferentes velocidades dos lances e joga das mais importantes para o resultado que se obteve Soares e Vaz 2009 sintetizam o processo que analisei anteriormente em um questionamento que evidencia o lugar do esporte na sociedade contemporânea A estrutura tecnológica satélite internet trans portes aéreos etc possibilitou novas compres sões de tempo e espaço formando novas estru turas de relações virtuais e desterritorializadas que por sua vez configuram novas subjetivida des em nosso tempo Nessa direção o esporte moderno ou qualquer outro bem simbólico não poderia deixar de ser afetado por esse processo Partindo desse princípio perguntamos como o esporte moderno que foi instituído estrutural mente a partir da configuração dos Estadosna ção e auxiliou a fixar formas de subjetivação em torno das identidades nacionais está se adap tando aos processos de globalização em curso SOARES VAZ 2009 p 489 Outro meio de averiguarmos a imponência com a qual o esporte toca a vida das sociedades contem porâneas é por meio de seus impactos nos proces sos de construção de subjetividades Levar a vida na esportiva tornouse há algum tempo um sinal de sabedoria colocando o esporte como uma prática formativa em vários sentidos O mais óbvio é a ma neira como os atletas se tornaram modelos a serem alcançados pelas crianças e jovens Comumente são divulgadas iniciativas educacionais que têm no esporte seu ponto de apoio vendo nele a condição ATIVIDADE 108 para o desenvolvimento de muitas capacidades in telectuais morais e sociais São frequentes por isso narrativas em que a vida de atleta marcada por de monstrações de superação coragem e respeito às regras e aos companheiros ou concorrentes que embalam as expectativas não apenas das crianças e jovens mas de pais educadores e políticos Não há como separarmos a importância políti coeconômica do esporte de sua relevância forma tiva de subjetividades no mundo atual Todavia se quisermos entender o processo histórico que levou o esporte a se tornar um dos elementos característicos de nossa sociedade a separação é necessária Ao fa zermos essa separação constataremos que o esporte deve muito de sua força às expectativas educacio nais que aglutinou no século XIX e início do XX Nesse sentido Mascarenhas 2009 deixa claro que para entendermos a história dos esportes a princi pal questão não é a sucessão e ou criação de diferen tes práticas desportivas mas é a investigação do que passou a fazer essas práticas serem desportivas di ferenciandoas assim das práticas então existentes Essa diferenciação entre outras coisas é marcada por características que definem o que Mascarenhas 2009 chama de campo desportivo que pode ser resumidamente assim descrito a Organizase em forma de clubes federações confederações e outras entidades locais nacio nais e internacionais b Possui um calendário próprio já não mais sendo praticado estrita mente de acordo com outros tempos sociais c Envolve um corpo técnico especializado cada vez maior treinadores físicos dirigentes gesto res psicólogos médicos entre muitos outros d Gera um enorme mercado ao seu redor que extrapola até mesmo o que a princípio poderia ser considerado específico da prática esportiva MASCARENHAS 2009 p 513 A análise de Mascarenhas 2009 nos ajuda a deline ar características do tal mundo esportivo marcado então pela mobilização de muitas pessoas em tor no não apenas do consumo esportivo propriamente dito mas também em torno da sua realização prá tica Isso engloba desde o atleta e seu treinador pas sando pelos responsáveis técnicos em transmitilos comentálos e ensinálos chegando até empresários que lucram fortunas no seu patrocínio e na divulga ção de seus produtos atrelados à imagem da vitória Desse modo pensar historicamente o espor te significa responder a uma questão colocada por Pierre Bourdieu 2002 p 173 em 1978 Como podemos ser esportivos Ao buscar respondêla ele pondera ser necessário primeiramente questio nar as condições históricas e sociais de possibilidade desse fenômeno social que nós aceitamos bem facil mente como se ele fosse óbvio o esporte moderno BOURDIEU 2002 p 174 Um movimento analítico muito importante e igualmente difícil aos pesquisadores do campo da história é buscar delimitar no processo de cons trução de qualquer fenômeno pontos de ruptura e de continuidade na relação entre algo que existia e algo que passou a existir No caso do esporte Melo 2010 nos explica que a palavra sport já era usada na Inglaterra desde o século XV mas com sentidos diferentes aos do esporte moderno Inicialmente no idioma francês o vocábulo se relacionava à diver são sendo que apenas no século XVI sport passou a ser correlato de jogo que envolve atividade física MELO 2010 p 84 associandose a uma prerroga tiva aristocrática apenas no século XVIII Mas é no século XIX que o sport conhece um mo mento de grande importância para sua expansão E isso se dá pela vinculação da ideia de diversão com movimento corporal com a percepção de que ele seria EDUCAÇÃO FÍSICA 109 uma prática de grande utilidade para educar e for mar os jovens das elites que ocupariam os espaços de liderança no Império Inglês MELO 2010 p 91 Ou seja o esporte moderno se diferenciou das práticas e jogos populares pela explícita vinculação da movi mentação corporal com projetos formativos sociocul turais e políticos Essa afirmação também é devedora das análises de Bourdieu 2002 Ele afirma que Parece indiscutível que a passagem do jogo ao esporte propriamente dito tenha se efetivado nas grandes escolas reservadas às elites da socieda de burguesa nas public schools inglesas onde os filhos da aristocracia ou da grande burguesia apropriaramse de um bom número de jogos populares ou seja vulgares e os submeteram a uma mudança transformandoos em exercícios corporais BOURDIEU 2002 p 177 Com isso essas práticas tornamse sport agora concebido como uma escola de coragem e de viri lidade BOURDIEU 2002 p 179 A importância desse processo é imensa para o assunto que estamos discutindo Afinal podemos enxergálo em mui tas realidades inclusive no Brasil Em que pese as necessárias advertências contra a consideração que avalia o nascimento do esporte como um fenômeno globalizado SOARES VAZ 2009 não há como ne gar que esse processo de esportivização da sociedade tocou muitas realidades diferentes entre si em ques tões culturais e religiosas mas que viram no esporte uma prática importante em muitos aspectos Destes aspectos a análise aqui feita endossa uma predomi nância das preocupações educacionais O mesmo ocorre no Brasil A expansão dos es portes ocorreu de um modo intenso sobretudo no fim do século XIX e primeiras décadas do século XX Linhales 2009 p 341 ao estudar a história esportiva no início do século XX constata que a popularização do esporte e sua extensão às massas puseram em relevo as preocupações com a mocida de e a infância Quais práticas encarnavam esse conjunto de valores Melo 2010 nos mostra que foram Ru gby Boxe Remo passando pelo desenvolvimento dos esportes coletivos e culminando no fato de se ter inventado o país do futebol HELAL SOARES LOVISOLO 2001 que deram início ao que pode ríamos chamar de esportivização da sociedade De qualquer modo no momento em que ser esportivo dava seus primeiros passos o discurso educacional preponderava sobre o espetáculo Não é a isso que assistimos atualmente não é Se de um lado o nascimento da sociedade e a importância que ela deu à análise científica do corpo foram fatos importantíssimos para o surgimento de discursos e ideias favoráveis à adesão de práticas corporais é na vira da do século XX que essas práticas passam a ocupar um lugar de inegável destaque Competições esportivas tornaramse mais frequentes estudos sobre a importância de variadas formas de ginástica buscavam convencer as pessoas a abraçarem uma vida com mais movimento Fundamental nessa revolução somática JENSEN 2013 foi a cons trução de um olhar mais atento ao que se chamou de natureza aproximar o homem da natureza e distanciálo das artificialidades do mundo urbano fez com que exposições ao sol banhos de mar roupas mais curtas e suar a camisa passassem a compor o pano rama comportamental moderno das grandes cidades no mundo e no Brasil nas primeiras décadas do século XX Fonte o autor baseado em Soares 2016 SAIBA MAIS ATIVIDADE 110 No campo da educação física há alguns anos tem sido feita a tentativa para melhor captar a impor tância cultural esportiva e pedagógica das artes marciais Os desafios para o sucesso no alcance desse objetivo são grandes considerando a imen sa quantidade de práticas e estilos dentro de uma mesma modalidade Além dessa dificuldade nem um pouco ne gligenciável há o fato de muitas dessas práticas serem também esportes e terem uma organização burocrática abrangente e participante em eventos esportivos em escala mundial Mas não é apenas pela presença em jogos olímpicos que as lutas têm AS LUTAS E AS ARTES MARCIAIS conquistado bastante visibilidade mas pela pu jança econômica construída em torno das dispu tas de Artes Marciais Mistas MMA associadas à marca Ultimate Fighting Championship UFC massivamente consumidas em escala mundial Awi 2012 mostra que a UFC se tornou uma marca que agrega mais valor que outras marcas esportivas extremamente relevantes como a Liga de Futebol Americano NFL e a Liga America na de Basquete NBA Os números são impres sionantes Seus eventos chegam pela televisão a seiscentos milhões de lares em 145 países e em 22 idiomas AWI 2012 p 20 EDUCAÇÃO FÍSICA 111 Foi visto no tópico anterior que percebemos como o desenvolvimento histórico do esporte es teve ligado à promoção da movimentação corporal com finalidades formativas Foi nesse processo que a palavra sport deixou de se associar a diversão pas sando a ter uma conotação ligada ao fomento de ca racterísticas morais a serem desenvolvidas por meio de diferentes práticas Vimos também que com o desenvolvimento do esporte em todo o século XX e sua transformação em um espetáculo altamente ren tável e mobilizador de subjetividades esse caráter ainda permanece um tanto quanto presente mas de forma bem menos característica e marcante como a que ocorrera no início nas primeiras décadas do século XX Hoje é razoável um garoto ou uma garo ta iniciar a prática em determinada modalidade am bicionando se tornar tão famosoa quanto algum de seus ídolos embora muitos deles tenham muita fama e um longo histórico de problemas pessoais e até criminais Esse processo também passa a acontecer na atua lidade das lutas e artes marciais se pensarmos na po pularidade dos eventos de MMA Ainda assim mes mo com essa popularidade e essa identificação de pessoas que procuram academias para construírem a condição de se espelharem em seus ídolos midiá ticos frequentemente possuidores de inquestionável competência técnica ladeada por questionável índo le a associação das artes marciais e das lutas com o cultivo do equilíbrio da disciplina do respeito e da tranquilidade é algo notório Essa notoriedade é facil mente constatável quando pais alunos e professores falam sobre a prática que abraçaram remetendoa a uma tradição filosófica antiga longínqua dando uma aura de respeito e profundidade que não consegui mos encontrar quando se fala do futebol do voleibol da natação ou de qualquer outra modalidade O maior trunfo do MMA está concentrado no que ele tem de mais simples É o esporte que mais se aproxima de uma briga real Dois caras dentro de uma jaula sem armas com o mínimo de equipamentos Está acima de barreiras cul turais e linguísticas AWI 2012 p 21 Outro meio que nos fez ter bastante contato com o mundo das lutas e das artes marciais foi o cinema Sobretudo com a popularização de filmes de kun gfu e de figuras emblemáticas como Bruce Lee Desde a década de 1970 as narrativas envolvendo alunos professores lutadores e atletas de artes mar ciais tornaramse uma dos produtos da cultura pop mais característicos do mundo contemporâneo Di ferentemente do que ocorre nos dias de hoje o vín culo dessa narrativa não se dava apenas pelo esporte embora competições de artes marciais e lutas sejam o palco para o desfile do guerreiro e suas qualidades técnicas e sobretudo morais Além disso mesmo que o tal guerreiro em muitos filmes materialize esse espírito em lutas de boxe outro traço inegável dessas produções era a veiculação de uma certa liga ção entre artes marciais e o mundo oriental Nessa vinculação história religião e a cultura de diferen tes povos do oriente foram instrumentais na ligação dessas práticas corporais com a construção da obe diência da disciplina da concentração e da precisão Minha intenção é que você perceba que ao abor darmos a história das lutas e das artes marciais li damos com um conjunto imenso de práticas que assim como o esporte beneficiouse da expansão técnica dos meios de comunicação Além disso são práticas que também tiveram sua amplitude aumen tada pela expansão do esporte confundindose com ele em muitos momentos Por outro lado há que se reparar em alguns traços que particularizam as lutas e as artes marciais em relação ao esporte ATIVIDADE 112 E é sobre isso que eu gostaria de chamar sua aten ção como podemos entender esse vínculo mais es treito entre as lutas e as artes marciais com aspectos educativos Se esse vínculo entre lutas artes marciais e fomento de variadas virtudes é importante por quais razões essas práticas estão distantes da escola se comparadas ao futebol voleibol basquetebol e ou tros esportes que dão às aulas de educação seus prin cipais ou pelo menos mais recorrentes conteúdos Neste momento há muitas pesquisas aconte cendo para determinar as razões que explicariam o fato de práticas corporais tão aproximadas de aspectos formativos terem dificuldade de serem também práticas escolares E isso sem nos esque cermos da forte presença cultural que essas práticas possuem em muitas sociedades desde 1970 em um processo que hoje alcança um patamar de reconhe cimento que possivelmente nunca tenha sido ima ginado como possível Para pensarmos historicamente esse conjunto de problemática que cerca a expansão da relevância das lutas e das artes marciais vamos retomar o pensa mento de Felipe Awi 2012 p 21 citado anterior mente Ele explica que o sucesso do MMA justifica se por ele se aproximar da briga real desenrolada entre homens dentro de uma jaula sem armas Ou seja se em todos os esportes a ideia de embate de luta é metafórica ao abordarmos as artes marciais a luta a briga a contenda tornase real Nesse sentido é interessante observarmos o nome dado a esse conjunto de modalidades em que a luta corporal é momento maior de sua importân cia o nome do deus da guerra na mitologia romana Aliás Marte diferentemente de Ares deus da guer ra na mitologia grega era admirado pela nobreza e justiça das guerras que fazia acontecer Já Ares está mais ligado à guerra bestial que aconteceria pela expressa vontade de ver o sangue correr pela satis fação de quem promovia o ferimento ou a morte de seu inimigo E isso levanta mais outra questão como podem práticas associadas à guerra mesmo que as justas inspiradas por Marte terem conotação edu cacional e formativa O relacionamento entre guerra e educação é algo que tem ocupado a reflexão feita em diferentes sociedades O nosso hábito de pensar nos países do oriente quando ouvimos falar em artes marciais di ficulta visualizar que no ocidente a marcialidade tem sido uma questão Afirmandoa em sua neces sidade ou a negando como algo prejudicial e estú pido é importante lembrar que a Ilíada de Homero obra primicial na história da literatura ocidental é uma narrativa guerreira em que a bravura e justiça dos personagens realizamse na guerra Igualmente relevante que apenas alguns decênios à frente do pe ríodo no qual se acredita que Homero tenha com posto seus poemas outra obra muito importante O trabalho e os dias de Hesíodo tenha refutado a guerra em nome do trabalho A questão que subjaz esse debate é saber o papel a ser desempenhado pela guerra e pelo guerreiro no difícil relacionamento entre o trabalho e o trabalhador que produz a rique za a ser conquistada ou reconquistada pelo braço forte do guerreiro Ehrenreich 2000 depois de estudar as expli cações normalmente dadas ao fato dos homens lu tarem entre si e estudar o século XX um dos mais sangrentos da história constata No século XX a guerra e a disposição para a guerra tão integrada ao sentimento nacionalista tinha se tornado a forma unificadora de Estados oferecendo aos homens um sentimento transcendental EHRENREICH 2000 p 25 Para nos fazer enxergar a presença da guerra em nossa história e no nosso cotidiano Ehrenreich EDUCAÇÃO FÍSICA 113 2000 p 25 diz Hoje até em tempo de paz o as pecto religioso da guerra se manifesta em toda parte A relevância da guerra em nossa história não deixou intocadas as questões formativas Afinal em diferentes períodos existiram elites guerreiras EHRENREICH 2000 que forneceram modelos pedagógicos a serem alcançados sobretudo pelos meninos levandoos a suportarem ritos de pas sagem que os fizessem sentir capazes de enfren tar os perigos Enxergandose como uma estir pe guerreiros e esforços formativos para formar guerreiros encontraram práticas e justificativas que ajudaram a sacralizar a guerra o menino tor nado guerreiro e seus professores consideraram a guerra como uma empreitada heroica e até reli giosa EHRENREICH 2000 p 157 Embora os problemas e os sofrimentos gerados pelos combates embora o incremento tecnológico a dispensar de modo crescente a necessidade de for mação específica para soldados embora a potência dos armamentos tornasse a guerra cada vez mais mortífera a guerra tornase na virada do século XX um grande artefato pedagógico O raciocínio é relativamente simples em um mundo que dispensa o esforço físico para a sobrevivência seja no traba lho seja na guerra é por essa última que as virtu des serão transmitidas à juventude William James 2012 em 1910 ao buscar um equivalente moral da guerra disse o seguinte Nós devemos fazer com que novas energias e coragem deem continuidade à virilidade a qual a guerra tão fervorosamente se apega As vir tudes marciais devem ser um permanente ci mento intrepidez aversão à moleza abnegação do interesse privado obediência ao comando devem continuar a ser a rocha sobre a qual as nações se constróem JAMES 2012 sp Essa defesa da moral da guerra vem de um filósofo que via nela um anacronismo cravado no mundo já industrializado e urbano do início do século XX Não é possível dizer que essa importância da guerra e dos exércitos não tenha causado discor dâncias e oposições mas formar o guerreiro se tornou um motivo catalisador de muitos discursos educacionais Muitos deles aproximados à educa ção física Muitos deles fundamentais para o de senvolvimento das artes marciais modernas e sua expansão mundo Quando falamos em artes marciais modernas pensamos na transformação operada sobre um con junto de práticas com finalidades concretas em situ ações de combate Essa transformação aproximou o cultivo de diferentes técnicas ao cultivo de diferen tes caminhos praticamente pelo fato de o culto a guerra ser portador de virtudes marciais visíveis e relevante não nos campos de batalha mas no dia a dia de uma sociedade moderna Para ilustrar esse processo o exemplo japonês é um caso esclarecedor Na última metade do século XIX a sociedade japonesa passou por mudanças culturais econômicas e políticas que construíram uma nação aproximada e conectada ao processo de expansão militarista e imperialista das potenciais ca pitalistas europeias e americanas Isso fez com que aquela sociedade impusesse seus valores e suas prática corporais a um inten so processo de revisão Afinal muitas delas não eram mais condizentes com o novo mundo que se descortinava à medida que o país se abria às pres sões econômica políticas e militares do ocidente A modernização do exército que além de tornar irrelevante a presença dos antigos samurais aliada à modernização do sistema político e econômico fez com que muitas novas práticas educacionais ATIVIDADE 114 fossem vistas como necessárias A expansão da es colarização obrigatória ao lado de práticas educa tivas preocupadas com a higiene do corpo influen ciaram fortemente o surgimento do budo ou seja o desenvolvimento de um conjunto de valores que viam na guerra uma inspiração para formar o novo homem japonês De meras técnicas jutsu surgiram caminhos dô em que práticas corporais foram ressignificadas com visões altamente peda gogizantes A importância de Jigoro Kano nessa ressignificação é indiscutível abrindo caminho não apenas para o ingresso do Judô nas escolas japone sas mas para sua expansão por todo o mundo já no início do século XX A importância de Kano para essa expansão das artes marciais reside no fato de ele ter submetido antigas técnicas guerreiras a um processamen to pedagógico e científico tornandoas passíveis de serem adjetivadas de educacionais científicas provedoras de um desenvolvimento harmônico de suas práticas Tudo isso somado aos frutos morais a serem colhidos por meio de uma prática siste mática metodizada Ora estudaremos na próxi ma unidade que discursos como esse também es tavam presentes em muitos educadores europeus e americanos que defendiam a importância de determinadas práticas corporais na escola Des se ponto de vista verifique que o nosso hábito de vermos exclusividade oriental o fomento das artes marciais pode ser problematizado oriente e oci dente parecem preocuparse com questões socio políticas semelhantes todas elas dando às práticas corporais grande valor As práticas corporais sempre fazem parte do patrimônio cultural de um povo sendo importantes ferramentas na construção de identidades de classe de gênero de etnia ligadas à construção da ideia de nação Mary Del Priore e Victor Andrade de Melo REFLITA 115 considerações finais Prezadoa alunoa a grande quantidade de práticas corporais hoje existente bem como aquelas que existiram em diferentes períodos da história é um grande desafio analítico quando se pretende conhecer o seu passado Nesta unidade você verificou que ao lado dessa dificuldade nem um pouco negligenciável possibilidades de estudo bem interessantes se abrem e a movi mentação corporal típica de cada uma dessas atividades agregamse modos de ver perceber e avaliar cada uma dessas práticas Poderíamos dizer que são esses modos que explicam o fato de determinadas práticas serem abordadas por deter minados profissionais e não por outros Nas reflexões desenvolvidas nesta unidade a ideia de que o campo da educa ção física lida com o que ficou conhecido como cultura corporal foi importante A relevância desse conceito reside justamente na possibilidade que ele abre para estudarmos os esportes as lutas as ginásticas os jogos e a dança como práticas apenas existentes se conectadas aos contextos históricos em que passaram a exis tir e que sobretudo foram praticadas e percebidas por diferentes classes sociais e tempos também variados Um traço importante na sucessão dessas percepções é o fato de que a essas práticas frequentemente atrelaramse discursos que atri buíram a elas valores formativos a serem colhidos por quem as pratica Interessa para nós a dificuldade de verificar nos momentos em que se pensa essas práticas reflexões que defendam ou tenham defendido a adesão a elas simplesmente pelo prazer que elas proporcionam É recorrente os praticantes tornarem pública sua adesão a uma modalidade pelas transformações intelectuais e morais que elas proporcionam em quem as abraça Essa característica impactou fortemente um conjunto imenso de discussões sobre a possibilidade dessas práticas acontecerem no contexto escolar A história do componente curricular de educação física é devedora desse traço É essa história que estudaremos na próxima unidade 116 atividades de estudo 1 Pondere os conceitos que nos ajudam a pensar o campo de ação profissio nal em torno das ações que fazemos corporalmente 2 Qual a característica histórica que estimulou a expansão do esporte na virada do século XX 3 Analise a principal característica das diferentes escolas ginásticas que as fizeram ter grande destaque durante o século XIX e início do XX 4 Qual é o problema da comum oposição entre oriente x ocidente quando pensamos o desenvolvimento e a expansão das artes marciais 5 O que faz do jogo um elemento valioso para pensarmos a cultura 117 LEITURA COMPLEMENTAR Se no início do século XIX a sistematização e especialização de certos discursos e práti cas sobre a educação dos corpos foi um assunto menor e relativamente insignificante no final desse século o panorama mudou dramaticamente Nenhum ator social ousou rechaçar a necessidade do exercício físico para os meninos meninas jovens adul tos e anciões A criação do homo gymnasticus foi caracterizado delineado escul pido como um corpo esforçado eficiente dócil obediente aplicado ativo seguro de cidido forte vigoroso voluntarioso energético aseado útil racional simétrico destro patriota e são Todas essas características não apenas se converteram em qualidades e normas de acção a se alcançar produzindo um fenômeno homo gymnasticus O meio predileto para sua concretização foi o exercício físico que impunha aos corpos tarefas repetitivas diferenciadas e graduadas com o fim de maximizar a economia do movimento seu ritmo e suas intensidades Para além de algumas resistências o homo gymnasticus dominou a cena corporal e se ergueu como um dos efeitos mo dernos melhor pensado de uma forma cada vez mais complexa de administrar os cor pos Essa invenção moderna exalou fortes doses de modernidade criando a partir da autoafirmação de sua suposta normalidade a existência de uma alteridade repre sentada por corpos indesejáveis e imperfeitos tanto em sua forma e aparência como em seus desejos e comportamentos Dessa maneira os corpo indolentes preguiçosos ineficientes desobedientes indecisos débeis doentes frágeis passivos apáticos te merosos covardes inúteis improdutivos pusilânimes afeminados para os meninos mais ou menos masculinizados para as meninas irracionais assimétricos deformes corpos mais ou menos altos mais ou menos baixos mais ou menos gordos mais ou menos fracos antipatriotas sujos e enfermos foram considerados o limite simbólico e material daquilo que não se podia franquear Aqueles corpos que resistiram ao ideal ficcional representado pelo homo gymnasticus tiveram que conviver com o padeci mento e foram automaticamente convertidos em corpos estigmatizados rechaçados e considerados como anormais e perigosos De fato foram classificados como corpos enfermos e inclusive muitas vezes patologizados Fonte Scharagrodsky 2011 p 1718 118 material complementar História do Esporte no Brasil Autor Mary Del Priore e Victor Andrade de Melo Editora Editora da Unesp Ano 2009 Sinopse tratase de uma coletânea que apresenta 17 capítulos que focalizam o desenvolvimento do esporte no Brasil abor dandoo a partir do século XIX até a atualidade A página do Museu do Futebol é muito valiosa pela variedade de informações imagens vídeos e exposições virtuais que lá são organizadas Conforme lemos na reflexão de Del Priore e Melo 2009 o futebol é a história brasileira da mesma forma que a história brasileira é o futebol Acesse e confira Link httpwwwmuseudofutebolorgbr Olympia Ano 1938 Sinopse documentário dirigido por Leni Riefenstahl 1902 2003 sobre os Jogos Olímpicos de 1936 sediados em Berlim O filme se notabilizou por ser o primeiro feito sobre os jogos criando modos de percepção da transmissão desportiva hoje comuns Além disso fica explícita a ligação do que se assiste ao momento político da Alemanha já sob a égide de Adolph Hitler 119 referências AWI F Filho teu não foge à luta como os lutadores brasileiros transformaram o MMA em um fenômeno mundial Rio de Janeiro Intrínseca 2012 BRACHT V Aprendizagem social e Educação Física Porto Alegre Magister 1992 Corporeidade cultura corporal cultura de movimento ou cultura cor poral de movimento In NOBREGA T P Epistemologia saberes e práticas da educação física João Pessoa Editora Universitária UFPB 2006 p 97106 BOURDIEU P Comment peuton être sportif In Questions de sociologie Pa ris Les Éditions de Minuit 2002 p173195 COMÉNIO J A Didactica magna 3 ed Lisboa Fundação Calouste Gul benkian 1985 DEL PRIORE M MELO V A de Orgs História do Esporte no Brasil São Paulo Editora da Unesp 2009 EHRENREICH B Ritos de Sangue um estudo sobre as origens da guerra Rio de Janeiro Record 2000 FREIRE J B Educação de corpo inteiro teoria e prática da educação física 4 ed São Paulo Scipione 1994 HELAL R SOARES A J G LOVISOLO H A invenção do país do futebol mídia raça e idolatria Rio de Janeiro Mauad 2001 HOBSBAWM E J Sobre história ensaios São Paulo Companhia das Letras 1998 HUIZINGA J Homo ludens o jogo como elemento da cultura 6 ed São Paulo Perspectiva 2010 JAMES W The moral equivalent of war Charles Rivers Editors 2012 Versão Kobo KISHIMOTO T M O jogo e a educação infantil São Paulo Cengage Learning 2015 LANGLADE A LANGLADE N R de Teoria general de la gimansia Buenos Aires Editorial Stadium 1970 LINHALES M A Esporte e escola astúcias na energização do caráter dos bra sileiros In DEL PRIORE M MELO V A de Orgs História do Esporte no 120 referências Brasil São Paulo Editora da Unesp 2009 p 331358 LOCK J Alguns pensamentos sobre a educação Coimbra Portugal Almedina 2012 MASCARENHAS G Globalização e espetáculo o Brasil dos megaeventos es portivos In In DEL PRIORE M MELO V A de Orgs História do Esporte no Brasil São Paulo Editora da Unesp 2009 p 505534 MELO V A de Esporte e lazer conceitos Rio de Janeiro Apicuri 2010 MELO J P de Educação física e critérios de organização do conhecimento In NOBREGA T P Epistemologia saberes e práticas da educação física João Pes soa Editora Universitária UFPB 2006 p 107134 NOBREGA T P Epistemologia saberes e práticas da educação física João Pes soa Editora Universitária UFPB 2006 ROUSSEAU J Emílio ou da Educação Rio de Janeiro Bertrand 1992 SCHARAGRODSKY P A Org La invención del homo gymnasticus frag mentos históricos sobre a educación en los cuerpos en movimiento en Occidente Buenos Aires Prometeo Libros 2011 SILVA A M DAMIANI I R Práticas corporais gênese de um movimento investigativo em Educação Física Florianópolis Nauemblu Ciência e Arte 2005 SILVA AM A natureza da Physis humana indicadores para o estudo da cor poreidade In SOARES C L Org Corpo e história CampinasSP Autores Associados 2001 p 2542 SOARES A J VAZ A F Esporte globalização e negócios o Brasil dos dias de hoje In DEL PRIORE M MELO V A de Orgs História do Esporte no Bra sil São Paulo Editora da Unesp 2009 p 481504 SOARES C L Metodologia do Ensino de Educação Física São Paulo Cortez 1992 Imagens da educação no corpo 2 ed revista CampinasSP Autores Associados 2002 SOARES C L org Uma educação para a natureza a vida ao ar livre o corpo e a ordem urbana CampinasSP Autores Associados 2016 VIGARELLO G Du jeu ancien au show sportif la naissance dun mythe Paris Éditions du Seuil 2002 121 gabarito 1 Prática corporal é um desses conceitos na medida em que se delimita o vasto leque de ações humanas que envolvem a dimensão corpórea redu zindoa aos jogos esporte lutas ginástica e dança O fato de essas práti cas não se reduzirem ao elemento gestual mas englobarem valores e in tencionalidades levanos a enxergálas como cultura corporal o segundo conceito fundamental para entendermos a educação física historicamente 2 Importante na expansão do esporte foi relacionálo com perspectivas e projetos educacionais Desse modo o sport deixou de ser apenas diverti mento significado original do termo 3 A ginástica realizou em suas práticas o olhar cientificizante de dividir quantificar e parcializar a movimentação corporal Com isso a ginástica se tornou uma prática corporal representativa da ideia de que se pode con trolar a natureza corpórea do mesmo modo que a ciência poderia controle a natureza de uma forma geral 4 Mesmo que não desconsideremos peculiaridades entre a cultura marcial existente em cada região do mundo a oposição oriente x ocidente secun dariza que ginástica esporte e artes marciais em suas conotações moder nas têm origens motivos e desenvolvimentos semelhantes 5 Tratase de sua característica desinteressada livre e não sistematizada a cruzar culturas e fundamental na construção de relações sociais que dão origens a sociedades muito diferentes entre si Ou seja nessa ótica o jogo seria uma elemento presente em vários tempos e lugares ao mesmo tem po moldado pelas particularidades dos diferentes arranjos sociais existen tes em outras épocas Professor Dr Carlos Herold Junior Plano de Estudo A seguir apresentamse os tópicos que você estudará nesta unidade Educação corporal e educação física escolar Educar o corpo na escola para quê A educação física escolar tornarse escolar As ciências da educação o corpo e a educação física o longo século XX O corpo tem lugar na escola Objetivos de Aprendizagem Diferenciar educação corporal e o componente curricular educação física Verificar o modo como a educação tem o corpo como o principal meio e fim Estudar as transformações históricas que levaram à escolarização das práticas corporais Analisar a importância que o corpo passou a ter na ciência educacional durante o século XX Ponderar a ausênciapresença do corpo nas estruturas educacionais contemporâneas EDUCAR É EDUCAR O CORPO A ESCOLA E A EDUCAÇÃO FÍSICA unidade IV INTRODUÇÃO C aroa alunoa chegamos à unidade IV de nosso passeio pela história da educação física Ela abordará as problemá ticos que discutimos nas unidades anteriores estudandoas em sua dimensão explicitamente pedagógica Digo que tra taremos as dimensões explicitamente pedagógicas afinal observe que em todas as unidades anteriores mesmo que não tenhamos falado dire tamente da escola ou da educação alguma pedagogia esteve presente na unidade quando vimos as justificativas para o estudo da história não é fácil percebermos nos teóricos uma postura que busca nos convencer so bre a importância desse estudo Na unidade II ao abordamos a história sobre as diferentes visões sobre o corpo não foi corrente a oscilação entre visões que buscam ensinar as virtudes e os defeitos dessa dimensão hu mana guiandonos na forma de agir com os outros e conosco mesmos Na abordagem de apenas algumas práticas corporais no meio da imensa variedade das que existem feita na unidade III não ficou claro que boa parte dessas práticas ganhou importância social e cultural devido aos apelos formativos que a elas foram atribuídos Essa ligação do universo da cultura corporal com inquietações educa cionais tem um momento bastante rico no fomento de reflexões quando estudamos os processos que levaram toda essa importância formativa do corpo e das práticas corporais para o interior da escola Por isso o objetivo central dessa unidade é refletir sobre esses processos relacionando as trans formações históricas ligadas ao corpo e às práticas corporais com transfor mações que aconteciam nas estruturas educacionais formais Não é mera coincidência que um momento privilegiado para essa reflexão compreenda o século XVIII XIX e as primeiras décadas do século XX Nesses duzentos trezentos anos a escola assumiu um importância que não possuía nos sécu los anteriores Mostraremos que na construção dessa importância a esco larização das práticas corporais desempenhou papéis não negligenciáveis Vamos à escola Bons estudos ATIVIDADE 126 Olhando para a realidade da qual participamos na atualidade percebemos sem dificuldades a presença de várias ações formativas sobre o cor po Isso acontece tanto fora da escola quanto no interior dessa instituição Fora dela a profusão de discursos e práticas sobre a saúde sobre a forma como nosso bemestar relacionase à forma como vemos os outros colocou a dimensão corporal em um lugar bastante valorizado comparandose com outros tempos Da mesma maneira assumimos com natura lidade o fato da paisagem escolar ser formada não apenas por livros salas de aula e os materiais que a formam cadeiras quadros computadores etc mas por quadras espaços abertos materiais esporti vos e crianças se movimentando Tal naturalidade com esses dois momentos to davia não nos deve fazer esquecer que problemas relacionados a eles também existem Há críticos que enxergam na atenção dada ao corpo um exagero um sinal de decadência moral e política da atualidade Nessa ótica o individualismo e a irresponsabilidade ética poderiam ser explicados pelo culto ao corpo que em casos extremos leva à problemas psicológi cos bastante visíveis na atualidade A situação no mundo escolar também não é isenta de problemas Embora a naturalidade ante riormente observada aconteça as críticas à educação física que existe no mundo escolar são igualmente abundantes criticase a educação física escolar por ela ser apenas um passa tempo algo sem importân cia por outro lado ela também é negativamente ob EDUCAÇÃO CORPORAL E EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR EDUCAÇÃO FÍSICA 127 servada por não realizar possibilidades formativas por não abranger outras práticas que não sejam as modalidades esportivas coletivas Muitos professores de educação física são vistos como não professores afinal não ensinariam nada apenas como rolar bola Esse rápido panorama do mundo atual tem sua história Ou seja ao mesmo tempo em que ele é uma continuidade de ideias e procedimentos criados em outras épocas é marcado por características que o particularizam Muitas coisas acontecem nesses dois âmbitos o da educação corporal e o da educação física escolar por vivermos neste mundo aqui e agora Por isso voltamos a um ponto bastante subli nhado neste livro tanto para entendermos o que nos liga ao passado quanto aquilo que nos separa dele é fundamental A análise histórica é fundamental Para tanto atente ao fato de que consideramos educação corporal e educação física escolar como coisas diferentes mesmo que estejam muito relacionadas tanto na atualidade quanto na história A educação corporal é toda e qualquer atitude que tomamos em relação ao corpo visando adequá lo moldálo deixandoo apto para realizar deter minadas ações ou atender a variadas expectativas Nem sempre essa educação realizase com procedi mentos pedagógicos explícitos e intencionais acon tecendo no bojo de nossas relações sociais ora de modo imperceptível ora de modo mais agressivo e traumático Exemplos que ilustram essa dimensão educacional são numerosos pensemos no empenho social colocado nos processos que levam as crianças a se tornarem meninos ou meninas Desde a esco lha das roupas do jeito com que conversamos com essas crianças dos brinquedos com os quais as pre senteamos das expectativas que nelas depositamos Muitas vezes essa educação não ocorre de forma irrefletida afinal já não ouvimos falar de muito so frimento quando se obriga ou se agride meninos e meninas que agem que se vestem ou falam de um modo que foge ao rumo dito normal das coisas Outro exemplo a evidenciar o cotidiano trabalho de educação corporal que acontece com todos nós ao mesmo tempo em que nós impetramos a quem se relaciona conosco diz respeito ao modo como usamos o volume da nossa voz e a maneira como nos locomovemos em lugares com muitas pessoas para citar apenas duas situações Como aprendemos o modo e a intensidade com a qual conversamos com os outros Quando fazemos isso nosso olhar não deve ser de determinadas maneiras para evitar mos ou a sensação de sermos desatentos se olha mos para outros lugares durante a conversa ou a percepção de termos segundas intenções se olhamos fixamente nos olhos de nosso interlocutor Tudo isso acontece em nossa vida cotidiana e obviamente adentra a escola Nessa perspectiva a educação corporal sempre esteve presente nas dife rentes estruturas educacionais formais que existiram na história Todavia ao lado dessa prática formativa necessariamente corporal existiram outras práticas ATIVIDADE 128 que sistemática e detidamente se ocuparam com os corpos das crianças e dos jovens em instituições es pecificamente criadas para realizar a educação das novas gerações Entender esse ponto é incontorná vel mas para isso alguns cuidados são necessários São cuidados importantes pois ao lado de diferentes reconhecimentos que as épocas atribuíram ao cor po unemse expectativas educacionais instituições a serem criadas para realizar essas expectativas e so bretudo o fato de essas instituições serem pensadas e realizadas para determinadas classes sociais em detrimento de outras Para entender historicamen te esse processo vamos estudar três momentos da educação corporal da vida cotidiana nos quais fo ram pensadas práticas e instituições formais para se educar o corpo infantil e juvenil O primeiro desses momentos é a já mencionada atenção dada ao corpo na Antiguidade Grega A pa lavra Escola derivase de skholé que em grego rela cionase com o tempo livre do trabalho necessário para o cultivo das habilidades necessárias ao cida dão Fundamentais nessa formação foram ginásios e as palestras locais específicos nos quais a juventude grega se educava e se exercitava Andrónikos 2004 p 42 observa que desde os períodos mais recuados da história grega antiga chegando até Esparta e Ate nas Para o heleno antigo o corpo humano tinha uma importância extraordinária e para atingir o seu desenvolvimento máximo harmonia e funcio namento efetivo ele o treinava obstinada e sistema ticamente desde a mais tenra infância O autor fala em heleno antigo mas deve ser ob servado que nessa categoria enquadravase apenas parcela reduzida daquelas sociedades Afinal É preciso salientar também que todo o sistema educacional de Atenas exigia gastos conside ráveis Por esse motivo apenas as classes mais abastadas tinham condições de arcar com a for mação completa dos jovens ANDRÓNIKOS 2004 p 66 Menos pela característica de ser voltada a uma re duzida parcela dos helenos e mais pelas rotinas e lugares em que acontecia essa educação corporal sistemática que vemos na Grécia Antiga distancia se muito da educação física escolar que hoje vemos Além disso a derivação de nossa instituição escolar da skholé grega não deve fazer com que esqueçamos que institucionalmente a educação grega era muito diferente da que passou a existir nos séculos XIX e XX de nossa era Antes de abordar o que aconteceu nos sécu lo XIX e XX vamos nos deter um pouco em outro momento histórico pleno em desdobramentos para a história da educação corporal institucionalizada vamos estudar pensamentos práticas e instituições Já estudamos um pouco desse momento nas unida des anteriores É nesse momento que a ciência mo derna se desenvolve dando ao corpo uma grande consideração pautada no que chamamos de olhar anatômico Nas páginas anteriores também foi dito ter sido nesse momento que as crianças passaram a ser vistas de uma maneira diferenciada em um pro cesso que impactou enormemente a educação Não é à toa que a partir dos séculos XVI e XVII mui tos livros sobre educação passaram a ser escritos e publicados endossando a ideia de que a sociedade que então nascia era assumida como fruto de uma educação racional EDUCAÇÃO FÍSICA 129 Nesse momento da história as instituições educacionais com características mais aproximada disso que entendemos por escola passaram a exis tir A expansão dos colégios na Europa é um fato marcante Dentre eles os Colégios Jesuítas mere cem destaque Embora esses colégios representem de algum modo uma modernidade que nascia não é neles que a educação corporal sistemática tem seu lugar mais visível É no âmbito familiar extra escolar que muitas práticas e atividades corporais passaram a ser defendidas como fundamentais à educação da juventude Tomemos como exemplo dessa situação o também já mencionado livro Al guns pensamentos sobre a educação escrito por John Locke 16321704 em 1693 2012 O livro se inicia com um capítulo sobre a saúde em que são descritos cuidados que vão desde a alimenta ção passando pelo uso das roupas e chegando à necessidade de exercícios natação e procedimen tos relativos à higiene Sem eles avaliava o filósofo o jovem cavalheiro não conseguiria ser formado para um lugar de excelência no mundo Esse lugar para Locke 1693 2012 relacionavase muito fortemente com a manutenção e ampliação das ri quezas que o jovem receberia de sua família Por isso essa forma educacional não era pensada para aqueles que não teriam a skholé tempo livre ne cessária para tanto Ou seja educar sistematica mente o corpo era também nesse momento uma prerrogativa de classe Afinal aos filhos dos traba lhadores a educação aconteceria no trabalho pro dutivo junto com os pais No momento em que o capitalismo nascia podemos ver nesse traço a rea lização clara da condição proletária ser possuidor apenas de sua prole Essa tendência de valorizar a educação corporal sistemática para uma determinada classe social vai se alterar apenas no século XIX e no início do sécu lo XX É um momento de muitas mudanças sociais oriundas principalmente do processo de crise e ex pansão planetária das relações socioeconômicas ca pitalistas Do ponto de vista da história educacional dois fenômenos nos são muito valiosos em primeiro lugar o imenso conjunto de debates que acontece ram em vários países do mundo sobre a necessidade de uma educação pública laica universal e obriga tória Ou seja pela primeira vez na história educa cional não sem problemas retrocessos e resultados diferentes que podemos observar em muitos países as estruturas educacionais sobretudo a escola tor namse passíveis de serem frequentadas também pelos filhos daqueles que não possuíam a skholé o tempo livre necessário para serem alvos de uma educação sistemática O segundo fenômeno muito dependente do primeiro é o que Faria Filho 2003 chama de escolarização do social que podemos en tender da seguinte maneira O processo e a paula tina produção de referências sociais tendo a escola ou a forma escolar de socialização e transmissão do conhecimento como eixo articulador de seus sen tidos e significados FARIA FILHO 2003 p 78 Dito de outro modo estamos vendo nesse período da história educacional a produção da centralidade que passou a ter o mundo escolar na educação das crianças Centralidade essa sustentada na ideia de obrigatoriedade educacional legalmente instituída e voltada a todas as crianças da sociedade Esse processo que aqui descrevo em suas ge neralidades aconteceu com diferentes ritmos e re sultados em variados países do mundo em todos os ATIVIDADE 130 continentes Ao lado do processo que fez com que a escola se tornasse potencialmente acessível a muitas pessoas que antes a ela não tinha acesso é importan te verificar que para a realização dessa imensa tarefa de ampliação a escola se transformou pedagogica mente arquitetonicamente na composição de seus profissionais assumindo uma feição bastante pare cida com a que testemunhamos hoje Se você se lembrar que boa parte das práticas corporais estavam assistindo a uma expansão no mesmo período conforme vimos na unidade an terior é fácil compreendermos no interior desses dois processos a expansão da escola e a expansão da cultura physica que muitos esforços acontece ram para inserir na escola práticas avaliadas como importantes na realização de ambições educacio nais Grosso modo é isso que nos permite dizer que no mesmo momento em que as sociedades se escolarizam a escola também começa a adotar prá ticas pedagógicas que com o passar dos anos aglu tinaramse na formação do que hoje conhecemos como educação física escolar No conjunto de mudanças pedagógicas experimentadas no momento de expansão da escola para todos e da inclusão de práticas corporais como educação física em seu interior uma mudança na composição do aluno impactou não apenas o funcionamento da escola mas muita coisa que acontecia fora dela conforme a escola pública laica gratuita e obrigatória ganhava espaço nas sociedades o dia a dia escolar passou a acontecer com meninos e meninas dividindo o mesmo espaço Além da novidade daquilo que o século XIX chama de educação promíscua palavra que possuía conotação diferente da conotação atual há que ser sublinhado que a relevância da educação feminina também conheceu grande impulso Nessa educação feminina que passava a ser alvo de grande inquietação o papel das práticas corporais como elemento educativo também foi uma problemática abordada Não dá para negar que muitas justificativas para essas práticas educacionais ancoravamse no fortalecimento dos tradicionais papéis sociais que atrelavam a mulher ao âmbito do lar e da maternidade Todavia não se duvida que naquele momento essa democratização da educação exerceu muitos impactos nos avanços que hoje temos em relação à igualdade efetiva entre homens e mulheres Fonte o autor baseado em Antonovicz e Herold Junior 2012 SAIBA MAIS EDUCAÇÃO FÍSICA 131 As transformações históricas e pedagógicas que aconteceram e que levaram a escola a ser um direi to de todos foram profundas e intensas Igualmente importantes foram essas transformações para pos sibilitarem que no interior dessa nova instituição práticas corporais tivessem espaço tempo e pessoas habilitadas para conduzilas Dito de outra manei ra existiram bons motivos que podem nos ajudar a entender a energia despendida por vários países em empreender essas mudanças dando à educação corporal sistemática dentro da escola para a toda sociedade o seu impulso inicial Impulso esse que vale a pena repetir redundou nas aulas de educa ção física que hoje temos em nossas escolas Herold EDUCAR O CORPO NA ESCOLA PARA QUÊ Junior 2006 aborda essa mesma problemática afirmando o seguinte de pensada inicialmente para a educação privada dos filhos das famílias abastadas a educação do corpo foi amplamente divul gada e efetivada na escola pública do século XIX Mas essa mudança de uma educação física doméstica para uma efetivada em um espaço público não se deu de forma evoluti va Foi preciso a existência de condições his tóricas determinadas para que se instaurasse um longo e acirrado debate sobre a extensão das práticas corporais de uma forma universal HEROLD JUNIOR 2006 p 44 ATIVIDADE 132 Deve ficar bastante claro a você caroa alunoa que estamos lidando com um momento muito im portante da história educacional Conforme vimos nos parágrafos anteriores nem a educação formal nem as práticas formativas sistemáticas atinen tes ao corpo eram pensadas e voltadas a todos os membros da sociedade Com o nascimento da sociedade moderna nos séculos XV e XVI sob a égide do capitalismo ao mesmo tempo em que o fosso econômico entre classes sociais se ampliou do ponto de vista político operaramse transfor mações que levaram a várias lutas pela construção de Estados representativos baseados na igualdade política entre cidadãos A Revolução Francesa de 1789 é o eventochave desse processo Para a concretização desse Estado a educação a ser ministrada para todos os cidadãos tornouse um ponto bastante discutido Foi assumido que a igual dade política em um mundo de desigualdade econô mica não seria possível sem uma educação política que possibilitasse as condições intelectuais e morais necessárias para a coesão desse novo estado de coi sas difícil de ser mantido pelas tensões sociais que se ampliavam Interessante verificarmos que nessa luta por construir as justificativas e as estruturas educacio nais capazes de absorver também os filhos das clas ses trabalhadoras o corpo tornouse um assunto importante e assim visto como necessariamente educável nas estruturas institucionais que se expan diam Considerar o corpo como objeto de uma edu cação sistemática pode ser entendido se olharmos o panorama cultural do século XIX e compreen dermos alguns desdobramentos que explicam esse olhar pedagógico para o corpo Em primeiro lugar vale observar que a situ ação social gerada pelo desenvolvimento do ca pitalismo industrial criou bastante preocupação De um lado as revoluções industriais que acon teceram no fim do século XVIII e início do sé culo XIX ao mesmo tempo em que ampliaram a produção de riqueza levaram a uma degradação corporal da classe trabalhadora Para uma socie dade que se construiu ao redor da dignidade do trabalho a situação de miséria e de aviltamento dos trabalhadores tornouse uma problemática Somase a essa questão o processo de urbaniza ção experimentado nos países centrais do capita lismo gerando aglomerações que tornaram essas constatações ainda mais gritantes Sobretudo se for levado em conta que em vários países pres sões pelo voto universal estavam sendo vencedo ras gerando muita insegurança nas classes domi nantes Como educar integralmente esse novo cidadão considerado cheio de vícios doenças e sentimentos que poderiam levar à destruição so cial Repare que políticos burguesia e demais es tratos sociais participantes das estruturas de po EDUCAÇÃO FÍSICA 133 der daquele tempo possuíam uma visão bastante negativa de trabalhadores camponeses e de todos aqueles que ficavam à margem das promessas de fartura do mundo industrial Ao lado dessas importantes variáveis históri cas sociopolíticas devem ser mencionadas ques tões que tocaram a criação de novas visões sobre o corpo que vinham de desdobramento de desco bertas científicas que aconteceram no século XIX Mesmo que não tenha sido a intenção de Darwin sua teoria sobre a origem e a evolução das espé cies impactou posições simpáticas à ideia de edu car corpos sistematicamente Afinal se os fracos ficam no meio do caminho tratavase de cultivar fortalecer aperfeiçoar criar condições de sobre vivência que tornassem um povo mais capaz que outro Esse ideário conhecido como darwinismo social fundamenta explicações que buscavam ofe recer entendimentos sobre as diferenças entre clas ses sociais entre países entre culturas dando ao corpo uma centralidade inegável na hora de justifi car privilégios socioeconômicos e políticos assim como as vias legítimas para ascender à possibilida de de gozálos A partir do corpo e por meio dele chegarseia a uma sociedade mais pacífica no que tange aos conflitos internos e a um país mais pu jante e capaz de conquistar inimigos incapazes de fazer frente a um corpo social robusto e educado Interessante verificarmos que uma das principais obras educacionais escritas nesse momento foi composta por Herbert Spencer 18201903 um dos responsáveis pela divulgação do darwinismo social A obra em questão é Da educação intellec tual moral e physica de 1863 Depois de criticar que ainda no seu tempo muitos ocupavamse mais da saúde de seus animais do que da própria ele se referia aos nobres e endinheirados possuidores de belos animais o autor afirma que a primei ra condição da prosperidade nacional é que a na ção seja constituída de bons animais SPENCER 1886 p 205 O trocadilho é interessante pois ele queria lembrar ao seus contemporâneos que é pela educação physica que desenvolveríamos as forças depositadas em nossa natureza corpórea em nossa animalidade Por isso entendemos seu pensamento quando afirma de um modo que se tornou corren te aos defensores da educação corporal praticada dentro da escola o seguinte Tornase pois de uma importancia particular o educar as crianças de modo que não só estejam aptas para sustentar a luta intelectual que as espera mas que possam também suportar fisi camente a excessiva fadiga a que serão subme tidas SPENCER 1886 p 206 Para Spencer 1886 p 206 educar fisicamente era colocar a escola de acordo com as verdades da ci ência moderna Nas partes finais de seu livro lemos ATIVIDADE 134 outra ponderação que nos faz captar um pouco da atmosfera pedagógica e cultural que estava pavi mentando o caminho que levou algumas práticas corporais para dentro da escola Os que na preocupação exclusiva de desen volver o espírito descuram os interesses do corpo não se lembram de que o bom êxito neste mundo depende mais da energia do que dos conhecimentos adquiridos e de que arruinar a constituição com o excesso de trabalho intelectual é ir procurar a própria derrota A vontade forte a infatigável ativi dade devidas ao vigor físico compensam em grande latitude até as importantes lacunas da educação e quando se reúnem a esta cultura suficiente que é possível obter sem sacrificar a saúde asseguram a quem as possui uma vi tória fácil sobre os concorrentes enfraqueci dos por um excesso de estudo muito embora eles fossem prodígios de ciência SPENCER 1886 p 263 Mesmo que o autor apresente suas ideias de um modo a nos fazer perceber que havia uma luta con tra posicionamentos contrários ou seja havia aque les que pensassem serem as práticas corporais algo inútil é necessário destacar que posturas semelhan tes a de Spencer caracterizaram o período que esta mos analisando século XIX e início do XX Quando estudamos história é importante perce ber que cada realidade apresenta nuances e particulari dades que são fundamentais para a construção de um panorama explicativo acurado Todavia tão importan te quanto essa consideração é fundamental você não perder a visão de totalidade de um processo que acon teceu em vários países de um modo interessantemente similar Scharagdrosky 2011 na apresentação de sua obra verifica que os capítulos que formam a coletânea por ele organizada abordam em 15 países as práticas saberes e discursos que possibili taram a emergência da educação física escolar e das demais formas de educação corporal li gadas a ela ginásticas exercícios físico ativos jogos esportes colônias escolares excursões etc SCHARAGDROSKY 2011 p 15 Dito de outra maneira você deve se esforçar para perceber que está estudando um período em que muitas realidades culturais e econômicas diferentes entre si estavam muito empenhadas em levar à esco la rotinas educacionais que tivessem o corpo como foco principal EDUCAÇÃO FÍSICA 135 Caroa alunoa já vimos nas páginas anteriores que a expressão educação física foi uma novidade se considerarmos a presença das práticas corporais na cultura grega antiga Se concepções da antiguida de tivessem permanecido intocadas no decorrer dos séculos educação somática seria algo bem mais aproximada do athleta grego Educação física é uma expressão em que o termo física adjetiva ou qualifica a educação No mundo moderno que passou a existir depois dos séculos XV XVI e XVII vimos que o corpo passou a ser identificado como a natureza circun dante tornandose objeto passível de ser medido mensurado então cognoscível por meio da quan tificação da realidade CROSBY 1999 Diferente do intelecto e da moral dimensões humanas que foram tomados como não abordáveis pela ciência o corpo passou a ser alvo assim de uma edu cação específica a educação física Um registro importante da utilização dessa expressão encon tramos no também já mencionado livro de John Locke sobre a educação Esses esclarecimentos são importantes pois es tamos estudando nesta unidade os processos que le varam essa educação a educação física para dentro da escola Ou seja é necessário você saber que em bora esteja reconstruindo a trajetória que nos traz até as aulas do componente curricular da educação básica chamado educação física no século XIX e até as primeiras décadas do século XX essa educação se fazia presente e conhecida pelo denominação da prática que concretizava essa educação No caso que A EDUCAÇÃO FÍSICA TORNASE ESCOLAR ATIVIDADE 136 estamos focalizando a ginástica foi a prática que em diferentes lugares passou a povoar os currículos da nascente escola de massas O ingresso da ginástica ao mundo escolar acon teceu por uma série de motivos que devem ser pon derados para se verificar que isso não aconteceu de forma óbvia sem discussão e sem desentendimen tos Afinal se no século XIX já havia um grande número de práticas e maneiras de se relacionar com ela para efetivar a existência da dita educação física na escola o esforço foi pedagogizar ou seja analisar as práticas disponíveis e verificar quais delas seriam passíveis de aproveitamento no mundo escolar que se transformava e se expandia Nesse ponto vou pedir para que abramos um parêntese Voltarei a falar sobre essa pedagogização das práticas corporais depois de pensar com você as transformações pedagógicas que aconteciam no mundo escolar mundo esse que recebeu em seu in terior a educação física Se havia escolas antes dos séculos XIX e XX é somente a partir desses séculos que a escola assu me características que lembram bastante a escola que todos nós conhecemos Em primeiro lugar com a educação tendo sido alçada à condição de direito e obrigação de todos a quantidade e a organização das escolas mudaram imensamente No que diz respeito à quantidade é fácil perce ber que os poucos colégios existentes até então para os filhos daqueles que tinham condição de pagar por uma educação formal eram insuficientes para receber também os filhos da classe trabalhadora Iniciouse em vários países nos anos oitocentos e novecentos a construção dos sistemas nacionais de ensino Cada país que tinha colocado a educação como direito de seus cidadãos e como obrigação do Estado viuse na necessidade de criar escolas e organizálas para que as crianças a partir de uma determinada idade passassem a frequentálas O au mento na quantidade de alunos e de escolas colocou a problemática relativa ao número de professores capazes de suprir a demanda por educação que pas sou a existir no período Se a necessidade de formar professores estimularam a ampliação das escolas normais outros processos colaboraram para abor dar esse problema Um exemplo muito interessante e capaz de nos fazer perceber um traço muito visível das escolas na atualidade é o que se conhece como feminização do corpo docente por meio da qual um número cada vez maior de mulheres passou a se ocupar da atividade docente das escolas Outra mudança que penso ser interessante abor dar nesse parêntese que abri anteriormente é o de senvolvimento da seriação escolar Até os séculos XVIII e XIX as escolas funcionavam sem a conhe cida divisão de seus alunos por faixas etárias seme lhantes por séries A adoção desse procedimento casase ao contexto de ampliação da demanda por educação escolar estipulando uma incontornável necessidade de organizar da forma mais racional possível o aluno para se promover a necessária efici ência a uma instituição custeada pelos cofres públi cos e tornada mais complexa pelo afluxo de crianças oriundas de espaços familiares muito distantes do mundo letrado A seriação de fato possibilitou uma maior orga nização do cotidiano escolar Ela leva ao surgimento da ideia de classe que vai galgando paulatinamente níveis mais aprofundados de conhecimento Mas a seriação e a criação desse ambiente social chamado classe também trouxeram novos problemas Proble mas metodológicos pois a reunião de crianças de EDUCAÇÃO FÍSICA 137 mesma idade possibilitou um ensino simultâneo em que o professor ensina o mesmo conteúdo a to das as crianças ao mesmo tempo Ora sabemos que nem todos aprendem nos mesmos ritmos e com a mesma intensidade Além disso a reunião de crian ças da mesma idade gerou o desafio de o professor ser mais interessante do que o colega ao lado Esse conjunto de mudanças levou à necessidade de uma profissionalização docente se entendermos nessa expressão muito em voga na atualidade o fato de os professores passarem a necessitar de um conjunto de conhecimentos para viabilizar o ensino ao lado do conhecimento do assunto a ser ensinado Aten ção vamos fechar o parêntese neste ponto e voltar a falar sobre o fato de a educação corporal sistemática tornarse escolar A escola transformouse para atender à necessi dade de escolarizar a todos No interior dessas trans formações o ingresso das práticas corporais com fi nalidade educacional é um traço marcante Repare uma coisa importante a prática de uma educação física nasce no mesmo momento da escola pensada como uma instituição educacional a ser frequentada pelos filhos oriundos de todas as classes sociais Do mesmo modo que a escola teve que se trans formar para tornar essa ideia concreta a educação a ser obtida por meio de práticas corporais no interior da escola foi alvo de muitas reflexões pedagógicas A necessidade dessas reflexões davase pois ao longo da história de muitas épocas diferentes Ve mos que no cotidiano de muitas classes sociais havia práticas corporais que existiam com os mais varia dos objetivos Lazer e divertimentos eram os princi pais o que podia ser visto tanto nas classes econo micamente abastadas quanto nas classes que viviam de seu trabalho Em cima dessa cultura de práticas corporais se deu a discussão sobre as maneiras com as quais de veria acontecer a educação corporal no interior da escola de massas O principal problema para realizar essa intenção era verificar quais dessas práticas eram educativas e quais existiam apenas para o deleite imediato de seus praticantes por exemplo aque las que chamavam a atenção por suas acrobacias e performances Bruhns 1999 mostra que no século XIX as demonstrações de características circenses tornaramse muito criticadas A crítica justificavase pelo olhar pedagógico que via nesses usos do corpo feitos pelos acrobatas um desvirtuamento uma es pécie de aberração exibicionista que nada agregava à formação física moral e intelectual de seus pratican tes Fundamental nessa análise é o fato de esses exi bicionistas sustentaremse economicamente dessas demonstrações ou seja eram trabalhadores Outro alvo de crítica por parte daqueles que pen savam na inclusão das práticas corporais no interior da escola era o chamado atletismo Essa denomina ção pejorativa era dada a toda prática de assumir um caráter meramente competitivo levando pessoas e grupos a reuniremse para assistirem aos embates para seu mero entretenimento Note que no século XIX e início do século XIX a imagem do atleta como portador de virtudes ainda não existia O que esta va sendo buscado era uma abordagem educativa às práticas corporais abordagem essa que deveria ser descolada de qualquer utilidade prática imediata Ou seja não era uma técnica a ser ensinada pelo ob jetivo de se fazer algo mais rápido ou executar um movimento mais difícil ou bonito A questão a ser respondida era determinada prática corporal é ca paz de colaborar na educação dos cidadãos Estudar essa questão me levou a concluir o seguinte ATIVIDADE 138 A dimensão corporal da educação deveria ser adjetivada como educação física diferente das práticas corporais arraigadas que afeitas a um individualismo e sensualismo desagregadores eram concebidas como instrução física HE ROLD JUNIOR 2005 p 244 Estava em jogo a oposição entre instrução física x educação física sendo essa a preferida por parte de teóricos e pedagogos que pensavam a educação que deveria acontecer dentro das escolas É muito interessante verificarmos o modo como as práticas corporais passaram a ser alvo da discussão educa cional Se verificarmos que no mesmo período con forme estudamos na unidade anterior a ginástica e o esporte estavam se desenvolvendo com conotações aproximadas à ciência e à educação constatase um processo em que muitas das práticas corporais e da adesão a elas que hoje assistimos em nosso cotidia no foram se costurando como um grande projeto educacional que visava a instauração de um projeto de coesão social que via a possibilidade de a escola educar o corpo infantil e educar por meio do corpo infantil Nesse prisma o corpo explicitamente dei xa de ser uma preocupação individual para se tornar alvo de inquietação pública política Para subsidiar esse pensamento peçolhe que leia uma das conclu sões às quais chego em outro estudo A crença na educação formativa do cidadão como panacéia social está expressa na impor tância educativa atribuída por esses educado res às atividades corporais tanto na formação desse homem se aplicada corretamente ou na destruição social caso os preceitos a serem adotados não o sejam pelo crivo educativo Longe de uma mera preocupação com o de senvolvimento da aptidão física e com aspec tos higiênicos e eugênicos as atividades físicas foram pensadas em sua importância educa cional A atividade pela atividade ou somente para aumento da força e flexibilidade era ao contrário aquilo que deveria ser rechaçado As práticas corporais foram consideradas e colo cadas no interior da nascente escola pública pelo reconhecimento cabal da sua relevância na formação do cidadão do indivíduo respon sável também em seus comportamentos e pen samentos Havia por parte dos proponentes da Educação Física um projeto social tendo em vista os fatos e suas consequências O corpo e sua educação escolar foram componentes de extrema relevância desse projeto sóciohistóri co HEROLD JUNIOR 2004 p 174 Como resultado dessas considerações de caracte rística pedagógica feitas pelos envolvidos nos de bates que então ocorriam verificase que a práti ca corporal que mais se aproximou dessa ambição de educar fisicamente foi a ginástica Discutiuse bastante quais das variadas escolas ginásticas pro porcionavam a educação mais próxima do que se ambicionava mas a possibilidade de dividir con trolar e medir os movimentos foi fundamental para dar a essa prática o adjetivo de racional educativa sendo por meio dela que inicialmente a educação física existiu nas escolas E essa existência materia lizouse inclusive na denominação gymnastica era o modo com que se reconhecia que em determi nada instituição existia uma educação física racio nalmente colocada para proporcionar a formação integral do cidadão EDUCAÇÃO FÍSICA 139 Para aqueles que se interessam em conhecer desdo bramentos históricos do mundo contemporâneo o historiador inglês Eric Hobsbawm é fundamen tal Em sua numerosa e importante obra há o livro chamado Era dos Extremos HOBSBAWN 1994 Nela o historiador avalia o século XX por ele cha mado de longo Longo pela intensidade e profundi dade das mudanças pelo drama de suas guerras e sobretudo por muitos de nossos problemas e mo dos de enxergar as realidades sociopolítica e cultural gestadas nesse momento Para você que está aprendendo a pensar no cam po pedagógico e profissional da educação física o século XX também possui uma quantidade imensa de variáveis que devem ser conhecidas nos impactos que elas possuem para muitas situações e contextos profissionais comuns no campo da educação física Em primeiro lugar vale observar que na vira da do século XX o processo de escolarização social FARIA FILHO et al 2004 se ampliou e em esca la planetária fez com que o acesso à escola se uni versalizasse Obviamente nesse ponto é importante não esquecermos que ainda há países ou localidades para quem os benefícios do mundo escolar estão muito distantes Ainda assim é fácil encontrarmos dados mostrando que realizar a ideia de educação como um direito de todos e um dever do Estado é algo concreto Uma realidade que sinaliza a centra lidade que a escola passou a ter para os processos formativos do mundo contemporâneo E não se es queça essa centralidade não se deu sem embates discordâncias e resistências Para termos uma ideia dessas dificuldades é valioso considerar que nas primeiras décadas nas quais enviar as crianças para AS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO O CORPO E A EDUCAÇÃO FÍSICA O LONGO SÉCULO XX ATIVIDADE 140 a escola se tornou uma obrigação para pais muitos recusavamse a enviar seus filhos para elas Muitos acreditavam que a educação era prerrogativa priva da muitos defendiam que uma escola laica era algo abominável para as concepções cristãs e havia aque les que pensavam que a educação escolar não deve ria ser oferecida aos trabalhadores E isso não era uma consideração apenas das classes dominantes mas uma posição corrente em muitos lares nos quais os pais empregavam seus filhos no trabalho produti vo Dito de outra maneira o aprendizado necessário para tornar a ida à escola um hábito e uma possi bilidade concreta foi longo penoso com direito a retrocessos e críticas Mesmo assim ele aconteceu Paralelamente a essas dificuldades de caracte rísticas mais políticas e ideológicas fundamental para tal situação foi o enfrentamento das dificulda des pedagógicas geradas pela frequência massiva de crianças Do ponto de vista pedagógico vimos que a escola se transforma para tornar o novo dia a dia es colar possível Nessa transformação vale sublinhar a formação e a ampliação de uma reflexão sistemática de pesquisa científica sobre os problemas e as possi bilidades da escola popular Os desafios gerados pela nova realidade educa cional no mundo construído nos século XIX e XX levou ao florescimento das Ciências da Educação Tratamse de especialidades científicas que passaram a se ocupar dos problemas e da inovação do contexto escolar com vistas a realizar uma ambição didática que remonta ao século XVII de Comênio ensinar mais melhor mais rapidamente e com prazer A necessidade dessa reflexão se fez sentir pois passadas as primeiras décadas de escolarização obri gatória o painel pintado por aqueles que avaliavam o mundo escolar não era animador As escolas pas saram a ser vistas como enfadonhas amedrontado ras incompetentes na tarefa de bem ensinar e educar Seus professores foram questionados sobre a correção e seus procedimentos e os assuntos ensinados toma dos como irrelevantes do ponto de vista educacional Os móveis os materiais as instalações nas quais fun cionava a escola parece não ter havido dimensão do mundo escolar que tenha ficado sem receber o olhar reprovador Esse olhar se fazia fortalecer pela recor rência com que dados foram produzidos demons trando dificuldades estruturais experimentadas por muitos países que buscaram universalizar a educação Estudos em psicologia da educação filosofia da educação sociologia da educação história da edu cação didática e biologia educacional surgiram e ganharam espaços em universidades e em centros de pesquisa indicando que a questão educacional se tornara algo muito relevante para o enfrentamento e entendimento dos problemas sociais que então exis tiam ou passaram existir O público escolar passou a ser alvo de investiga ções cada mais vez mais detalhadas O que se busca va era entender melhor os alunos para fornecerlhes uma educação que em seus procedimentos fosse menos empírica e cientificamente embasada Exem plificando o resultado desse empenho temos os estu dos de Stanley Hall 18461926 explicando o com portamento adolescente Jean Piaget 18961980 na década de 1930 já iniciava a sua importantíssima obra ao explicar como se desenvolvem intelectualmente as crianças em seus diferentes estágios Pierre Bovet 18781965 produzia elementos muitos importantes para constatar que as crianças tinham na competi ção e nas disputas e lutas entre si não um elementos de indisciplina ou um traço a ser educado mas uma característica incontornável da natureza infantil a ser aproveitada pela escola para melhor ensinálas e edu cálas de um modo a vencer os complexos desafios EDUCAÇÃO FÍSICA 141 formativos que se impunham no mundo escolar e só por meio dele poderiam ser encarados Esse conjunto de estudos científicos produzidos direta ou indiretamente ligados ao campo educa cional levaram à formação de críticas e proposições que visaram dar à escola uma nova característica A força desse empenho foi tanta que estudiosos o denominam de movimento renovador de esco lanovismo de escola nova Note que todas essas denominações claramente laudatórias ou elogiosas foram produzidas no calor das críticas às estruturas escolares existentes adjetivadas de escola tradicio nal aquela que ensinava uma prática destituída de qualquer embasamento científico mais profundo Embora essa visão possa ser problematizada pelo fato de se sustentar em embates pedagógicos mar cados pela polarização de visões diferentes do que deveria ser a instituição escolar foi ela que ganhou notoriedade e impactou modos de entender a edu cação vista como necessária à nova escola Fechando o foco na questão específica da edu cação corporal sistemática existente na escola esse conjunto de reflexões políticas pedagógicas e cien tíficas impactou enormemente a educação física Com o desenvolvimento de análises psicológicas re lativas à natureza infantil e aos modos corretos de se relacionar a ela assistese a uma grande valorização de práticas até então pejorativamente adjetivadas de infantis O jogo e a brincadeira antes vistos apenas como meros passatempos ausentes de qualquer in tencionalidade pedagógica passaram a ocupar uma inegável centralidade pedagógica não apenas na educação física mas na pedagogia de forma geral Na pedagogia de forma geral pois o ensino passou a ser considerado como mais efetivo se abarcasse o lúdico a experiência infantil autêntica A educação pelo menos nos livros dos estudiosos influenciados pelo escolanovismo ganhou uma característica mais prática com as crianças fazendo objetos manipu landoos colorindoos conversando sobre eles A ambição pedagógica era afastar a escola das rotinas tradicionais em que um professor fazia sua palestra para crianças imobilizadas em suas cadeiras No campo específico da educação física que acon tecia nas escolas essa nova consideração pedagógica levou a uma crítica ao predomínio da ginástica como prática formativa O caráter medido ritmado con trolado externamente por um professor que apenas impunha formas de movimentação paulatinamente recebeu outra avaliação De exemplo maior do cará ter educativo que poderia ter a movimentação cor poral passouse a crítica à distância entre essa prá tica e os anseios dos jovens e das crianças Em seu lugar os jogos e esporte No que diz respeito aos jogos lembrese que quando falamos sobre eles na unidade anterior fiz menção a Johan Huizinga e ao livro Homo Ludens Ou seja essa valorização do jogo não vinha apenas do campo pedagógico e es colar No que diz respeito ao esporte é interessante o fato de uma prática ganhar espaço social de forma tão acelerada passando de uma forma cultural local e socialmente específica de uma classe ganhando ares de possibilidade educacional Essa possibilidade no caso da educação física marcoua de modo profun do se considerarmos a maneira como ela se tornou quase que sinônimo de aulas de educação física Aqui tem um ponto muito interessante para verificarmos a importância de estudarmos a história da educação física note que está se construindo um traço pedagó gico das aulas de educação física que na atualidade se configura em um dos grandes desafios desse compo nente curricular Você aprenderá durante o curso que o esporte não é e não deve ser o único conteúdo das aulas que vier a ministrar nas escolas ATIVIDADE 142 Conforme os problemas pedagógicos da educação física escolar na atualidade venham a ser estudados por você será fácil perceber que muitas dificuldades encontradas pelos professores de educação física no desenvolvimento de seu trabalho são explicadas pela posição secundária do corpo e de sua educação se comparadas à preocupação que temos para ensinar o conteúdo da maioria dos outros componentes con ceituais por excelência É uma explicação intrigante se considerarmos que ela deixa entrever que a escola não reconhece plenamente as práticas corporais na escola não dandolhes o espaço que defendemos elas deveriam ter Um exemplo bastante elucidativo desse posicionamento podemos ler em um livro que exerceu e ainda exerce em minha avaliação grande influência no campo da educação física escolar Tra tase do já mencionado Educação de corpo inteiro de João Batista Freire No início do livro ele diz O CORPO TEM LUGAR NA ESCOLA EDUCAÇÃO FÍSICA 143 Às vezes falta visão ao sistema escolar às vezes faltam escrúpulos É difícil explicar a imobili dade a que são submetidas as crianças quando entram na escola Mesmo se fosse possível pro var e não é que uma pessoa aprende melhor quando está imóvel e em silêncio isso não po deria ser imposto desde o primeiro dia de aula de forma subida e violente Dá para imaginar o que representa para uma criança que passou sete anos se movimentando ser subitamente amarrada e amordaçada para como se diz aprender o que é para ela uma linguagem às vezes totalmente estranha A linguagem da imobilidade e do silêncio Seria o mesmo que pegar um professor idoso que há muito deixou de praticar atividades físicas a não ser as mais triviais e obrigálo a correr por alguns quilô metros em ritmo acelerado A violência seria idêntica O interessante é que nós professores não suportamos a mobilidade da criança mas queremos que ela suporte nossa imobilidade FREIRE 1994 p 12 É explícita e contundente a crítica feita por Freire 1994 não apenas à escola enquanto uma institui ção que não conhece aqueles que são o seu principal alvo mas críticas aos professores e a sua ignorância que imporiam a violência da imobilidade às crian ças Nessa ótica crianças corpo e movimento são colocados como sinônimos reverberando ideias pe dagógicas que você já verificou serem características da nova escola e defendidas por todo o século XX posicionandose contra a escola tradicional Fica fácil perceber também que ainda nos dias de hoje essa nova escola parece não ter se concretizado se considerarmos as palavras de Freire 1994 Antes disso temos a percepção de que é o ensino tradicio nal que prevalece se considerarmos as ácidas críticas do excerto lido Embora a citação anterior deixe entrever uma resposta negativa à questão com a qual finalizo esta unidade ou seja o corpo não tem lugar na escola avalio como interessante pensála sob uma perspec tiva histórica Esse procedimento relativiza a contun dência da negatividade apontada com a eloquência do exemplo anterior Por outro lado uma resposta positiva será mostrada como um opção duvidosa Com efeito mesmo com a necessidade de tomarmos decisões e oferecermos respostas aos problemas que nos afligem o zelo de quem pensa nas coisas com muito cuidado obriga o analista a esperar um pouco mais para pronunciar seus vereditos Como você pôde perceber nos itens anteriores a intensidade dos debates sobre a inclusão das práticas corporais na escola nos faz entender que é apenas a partir do século XIX que a educação física ganha um espaço importante nas estruturas escolares Ex plorando ainda um pouco mais o que foi dito sobre tudo no item anterior sublinho que as defesas sobre a pedagogização das práticas corporais não foram vozes unânimes no cenário educacional Havia de fato uma grande desconfiança não apenas sobre a valia da escola a ser oferecida para todos os mem bros da sociedade mas duvidavase sobre a neces sidade de trazer para seu interior o cuidado com a natureza corporal ATIVIDADE 144 Sabemos que na época clássica da antiguidade grega skholé era o tempo livre considerado como valioso para um aprimoramento do cidadão que se sustentava não apenas na relevante capacidade argu mentativa mas também na dimensão estética e atlé tica do corpo treinado Importante nessa reflexão é o fato de a escola tomada como um lugar específico de formação da infância e da juventude a partir da ida de média ter se transformado em um lugar em que a dimensão intelectual ganhou proeminência Essa ênfase na educação intelectual continuou a marcar as escolas que existiam na época moderna apesar da existência de muitos filósofos que advogassem a importância da educação física Lembremos aqui a já citada ênfase de John Locke na questão Todavia a ênfase dada pelo filósofo inglês à educação física era voltada à educação que acontecia no seio fami liar e não a que tinha lugar nos colégios nos séculos XVII Por essa razão é muito marcante e relevante para nós o que aconteceu no século XIX e XX tanto em termos pedagógicos que dizem respeito não ape nas às transformações ocorridas na escola quanto no que diz respeito às transformações que levaram à institucionalização da educação física por meio da presença da ginástica na escola A relevância das transformações que levaram à presença da educação física como prática escolar não deve nos levar a pensar que o corpo é abordado na escola apenas por meio disso que hoje chamamos de componente curricular Por essa razão a minha insistência em construir um entendimento no qual você queridoa alunoa saiba diferenciar educa ção corporal de educação física Se a educação física entendida como lugar e espaço de práticas voltadas sistematicamente ao esporte passou a ser pensada para todos e todas apenas no século XIX a educação corporal exis tiu na educação de todas as outras épocas e socie dades Essa afirmação vale inclusive para aqueles que defendiam a irrelevância do corpo o seu cará ter pecaminosolibidinal ou mesmo para aqueles que ao constatarem que a força e a resistência cor poral não eram mais necessárias à sobrevivência do homem cuidavam apenas do desenvolvimento da inteligência Isso podemos ver claramente não em discursos educacionais mas em estratégias dis ciplinadoras que caracterizam a rotina não apenas da escola atual mas das escolas em outras épocas e da educação que também ocorre fora delas Desse ponto de vista a educação corporal é algo sempre presente e muito eficaz para o alcance de muitos resultados educativos Essas reflexões são importantes para esboçarmos respostas à questão que intitula esta parte da unida de Afinal elas nos sinalizam que o corpo sempre es teve presente ou sempre teve espaço e tempos a ele EDUCAÇÃO FÍSICA 145 dedicados Mas o estudo do que estava acontecendo na escola e a presença que o corpo passou a ter nela a partir do século XIX colocou um elemento históri co novo e revolucionário ele inaugura um momento em que educação corporal e educação física escolar ladeiamse em um tempo em que tanto a escola quanto as práticas corporais ganharam muita aten ção e esforços sociopolíticos envidados por muitos setores sociais e educacionais para efetivarem sua importância Efetivação essa que se mostrou plena em dificuldades durante a história do longo século XX São elas que explicam desconfianças em relação ao poder da escola quando as práticas corporais das crianças e dos jovens são pensadas pedagogicamen te Mesmo que a luta encampada por Freire 1994 deva ser posta em perspectiva história para se com preender que ela nasce junto com a própria escola popular e foi por ela suas características possibilita das devemos reconhecer que a história nos mostra que essa luta por definirmos o espaço das práticas corporais na escola e na educação de forma geral é de inegável valor para que a escola e os demais espa ços educacionais sejam valorizadas sobretudo pelos alunos que a frequentam Deve ser observado que à escola em nível mun dial tem se dirigido muitas críticas que frequente mente dão conta de sua defasagem em relação ao mundo que se descortinou no início do século XXI em relação à presença massiva de novas tecnologias que subvertem modos rotineiros de se lidar com o conhecimento a ser transmitido Do mesmo modo as práticas corporais o lazer a saúde e o bemes tar individual e social das pessoas têm se costurado como elementos muito dependentes entre si Enten der como esses elementos que colocam o corpo no centro da atenção do mundo contemporâneo rela cionamse com o futuro e o passado da instituição escolar é uma reflexão da qual não podem fugir os professores de educação física Nunca é demais re petir a coragem para pensála tem no estudo da his tória uma de suas principais fontes Essa escola que nasceu e se expandiu nos séculos XVIII e XIX construiu em seu interior as bases pedagógicas do que hoje conhecemos como educação física escolar REFLITA 146 considerações finais P rezadoa alunoa chegamos ao final da penúltima unidade deste li vro percebendo que corpo práticas corporais objetivos educacionais e instituições educacionais possuem uma relação passível de ser in vestigada e entendida historicamente Consoante ao ímpeto que me leva a escrevêlo e você a procurar um curso superior de educação física que lhe possibilitou lêlo mais uma vez nossos olhares se voltam para o que a história das práticas corporais da educação corporal e da educação física escolar realizaram de um modo que tem caracterizado nossas reflexões Partimos de problemas pedagógicos e culturais enfrentados por nós nos dias de hoje indo a um determinado tempo distante do nosso cronologicamente e percebemos na tensão entre diferenças e semelhanças entre outros contextos e o nosso que muitos assuntos aparentemente simples e não enigmáticos mudam de feição Afinal se a importância da escola é algo que muitos não questionam e outros afirmam simplesmente não existir as análises evidenciam que devemos verificar que essa importância nem sempre existiu e do mesmo modo afirmar sua inutilidade no tempo é abrir mão de pensála atentamente como fizeram aqueles que a criaram nos séculos XVIII XIX e início do século XX O mesmo pode ser dito em respeito à presença das práticas corporais na roti na escolar se de um lado hoje muitos duvidam do valor e do potencial pedagó gico das aulas de educação física vimos que essas dúvidas também existiram no momento em que foram construídas as bases que formam o conjunto de proce dimentos didáticos os assuntos e os professores que dão vida a esse componente curricular na escola A relevância dessa discussão pode ser atestada pelo fato de ela ter existido praticamente em todos os países do mundo que encontravamse em condição sóciohistórica de escolarizar seus cidadãos Abordada a generalidade desse pro cesso caminhamos para o encerramento de nosso passeio histórico pela educa ção física focalizando de um modo mais detalhado como a construção da edu cação física escolar foi discutida e quais os desafios que ela enfrentou no contexto brasileiro 147 atividades de estudo 1 Diferencie educação corporal de educação física escolar 2 De que maneira as práticas corporais passaram a ser avaliadas no século XIX 3 Especifique as características que fazem a escola que surgiu nos século XVIII XIX e XX ser diferente das configurações escolares precedentes 4 A escolarização da sociedade que ocorreu na virada do século XX teve qual impacto para a história da educação física 5 Ao falarmos do período em que estudamos qual o cuidado que devemos ter ao falar de educação física na escola 148 LEITURA COMPLEMENTAR Parecenos haver uma dimensão ainda pouco explora da nos estudos históricos relativos ao processo de es colarização primária ou elementar Tratase daquilo que chamamos de educação do corpo uma das marcas mais tangíveis da difusão mundial da educação primária entre as décadas finais do século XIX e as primeiras décadas do século XX Para sua realização contribuíram discursos dispositivos práticas e saberes distintos em seu conte údo e origem Em trabalhos recentes diferentes autores têm procurado lançar luzes sobre essa temática e têm mostrado como os estudos sobre a história da educação do corpo se encontram entrelaçados a outras temáticas ou problemas de pesquisa tais como a educação dos sentidos e das sensibilidades os rituais disciplinares as prescrições científicas etc desdobramentos que fazem do corpo o lugar que abriga rejeita recebe devolve si lencia ou anuncia a abundância de encontros com a na tureza e com a cultura realizados pelos sujeitos Para dimensionar o olhar sobre tais peculiaridades bas ta nos remetermos às preocupações com a definição de espaços e tempos apropriados ao projeto de escolariza ção ao conjunto de formulações que refletiram sobre a higiene a saúde o cansaço ou o divertimento dos escola res à disposição dos chamados utensis materiais e equi pamentos básicos necessários para o fazer cotidiano nas escolas aos debates sobre os efeitos formativos da aplicação de castigos corporais ou sua impropriedade à retórica da necessidade de disciplinar comportamentos infantis e ao desenvolvimento de diferentes rotinas e rituais Por certo todos esses elementos deram ênfase e visibilidade às dimensões de um projeto de formação moral intelectual e não só corporal Nos propósitos deste trabalho abordamos prioritariamente o lento en gendramento de algumas disciplinas escolares e outras práticas educativas realizadas na escola e em seu entor no algumas com impressionante permanência Tendo a educação do corpo como escopo básico essas disci plinas e práticas delinearam um verdadeiro projeto de intervenção cultural Se esse projeto cultural comporta permanências com porta também deslocamentos Se ocorreram variações no trato pedagógico com os corpos infantis tanto nos discursos quanto nas práticas houve também a consoli dação de uma ideia de civilidade que se fortalecia a insti tuição de um ordenamento cultural capaz de afirmar que é possível e necessário educar as crianças e seus corpos Temos aqui regras básicas que continuam a influenciar Tratase de algo que funda baliza e expressa sentidos da história da educação na medida em que se repete e se modifica São regras que se manifestarão nas proposi ções pedagógicas que no Brasil ganharam relevo no fim do século XIX e na primeira metade do século XX Fonte Taborda de Oliveira e Linhales 2011 p 389 149 material complementar A educação física e a criação dos sistemas nacionais de ensino Carlos Herold Junior e Zélia Leonel Editora EDUEM Ano 2010 Sinopse tratase de uma versão de dissertação de mestrado Muitas das reflexões desenvolvidas nesta unidade são estuda das no livro de forma mais detalhada Tarja Branca Ano 2014 Sinopse tratase de um documentário que explora a importân cia do lúdico na vida de crianças e adultos Comentário não fala diretamente da escola e da educação física mas nos ajuda a pensar parte relevante de discursos e práticas que foram divulgados durante todo o século sobre a importância da educação em reconhecer características inatas à infância e à juventude Nessa natureza o jogo e o brinquedo são vistos como essencialmente corporais Na página do Centro de Referência Mário Covas há muitas infor mações vídeos e revistas sobre a educação de um modo geral e também sobre a história da educação Acesse e confira Link httpwwwcrmariocovasspgovbr 150 referências ANDRÓNIKOS M O papel do atletismo na edu cação dos jovens In YALOURIS N Os jogos olímpicos na Grécia Antiga Olímpia Antiga e os Jogos Olímpicos São Paulo Odysseus 2004 p 3968 ANTONOVICZ S HEROLD JUNIOR C O cor po da docência a mulher e a constituição do ensino normal em Guarapuava 19301960 1 ed Curitiba Edunicentro Fundação Araucária 2012 BRUHNS H T O corpo parceiro e o corpo adver sário CampinasSP Papirus 1999 CROSBY A W A mensuração da realidade São Paulo Editora da Unesp 1999 FARIA FILHO L M de et al A cultura escolar como categoria de análise e como campo de investi gação na história da educação brasileira Educação e Pesquisa São Paulo v 30 n 1 p 139159 janabr 2004 O processo de escolarização em Minas Ge rais questões teóricometodológicas e perspectivas de pesquisa In VEIGA C G e FONSECA T N de L e Orgs História e historiografia da educa ção no Brasil Belo Horizonte Autêntica 2003 p 77 97 FREIRE J B Educação de corpo de inteiro teoria e prática da educação física São Paulo Scipione 1994 HEROLD JUNIOR C A educação física no pensa mento educacional moderno no contexto francês do século XVIII Analecta UNICENTRO Guarapua vaPR v 7 p 4355 2006 Da instrução à educação do corpo o caráter público da educação física e a luta pela moderniza ção do Brasil no século XIX 18801925 Educar em Revista Curitiba n 25 p 237255 2005 A educação física na crise do capitalismo no século XIX Teoria e Prática da Educação Maringá PR v 7 n 2 p 163172 2004 HOBSBAWM E A era dos extremos São Paulo Companhia das Letras 1994 LOCK J Alguns pensamentos sobre a educação Coimbra Portugal Almedina 2012 SCHARAGRODSKY P Org La invención del homo gymnasticus fragmentos históricos sobre la educación de los cuerpos em movimento em occi dente Buenos Aires Prometeo Libros 2011 SPENCER H Da educação intellectual moral e phy sica Lisboa Empreza Litteraria Fluminense 1886 TABORDA DE OLIVEIRA M A LINHALES M A Pensar a educação do corpo na e para a escola in dícios no debate educacional brasileiro 18821927 Revista Brasileira de Educação Rio de Janeiro v16 n 47 p 389408 maioago 2011 151 gabarito 1 Educação corporal referese a processos que acontecem em toda a vida cotidiana e que impactam a nossa maneira de pensar perceber e usar nosso corpo Já a educação física escolar denomina práticas pedagógicas específicas executadas na escola a serem feitas sobre e por meio do corpo 2 As práticas corporais foram pensadas a partir de seu potencial pedagógico a ser aproveitado na escola 3 A escola que passou a existir nesse momento foi pensada como instituição a ser frequentada por todos os filhos das diferentes classes sociais então existentes Para isso acontecer a instituição escolar se reorganizou pas sando a funcionar em espaços específicos seriando seus alunos e deman dando novas abordagens metodológicas por parte de seus professores 4 Foi no processo de escolarização da sociedade que as práticas corporais passaram a ter lugar no interior das escolas Essa presença foi fundamen tal para o processo de expansão das práticas corporais em geral voltadas ao lazer à saúde e à competição esportiva 5 No período compreendido pelos séculos XVIII XIX e início do século XX a presença das práticas corporais na escola não se dava pela denominação educação física e sim mais comumente pela denominação de ginástica Nesse período o termo educação física referiase apenas à necessidade de educar o corpo e por meio do corpo Professor Dr Carlos Herold Junior Plano de Estudo A seguir apresentamse os tópicos que você estudará nesta unidade Escola e educação física na passagem ao século XX muitos pensamentos e uma realidade Discutindo a presença das práticas corporais na escola brasileira pluralidade de modelos Formando professores de educação física o que fica dessa história Os caminhos até nós como a educação física escolar se tornou o que é Educação física e escola pensando futuros ao pensarmos passados Objetivos de Aprendizagem Discutir a importância educacional das práticas corporais na educação brasileira no século XIX e início do século XX Verificar as configurações pedagógicas que deram vida à educação física à luz da escolarização ocorrida no Brasil Avaliar a história das práticas e instituições voltadas à formação de professores de educação física para atuarem na educação básica Estudar as alterações legais e pedagógicas que existiram na educação física brasileira durante o século XX Ponderar desafios contemporâneos a serem enfrentados pela educação física escolar brasileira A EDUCAÇÃO FÍSICA NA HISTÓRIA DA ESCOLA BRASILEIRA unidade V INTRODUÇÃO C aroa alunoa daremos o último dos passos de nossa caminha da pela história da educação física A essa altura do trajeto acre dito que você já tenha percebido muitos detalhes na paisagem antes desconhecidos Afinal até este momento discutimos a im portância do conhecimento história e sua riqueza na formação de professo res de educação Na unidade II vimos que o nosso corpo é alvo de diferentes olhares valorizandoo ou diminuindoo conforme a época que estudamos e a classe social cujas ideias e representações estudamos O mesmo ocorre com as práticas corporais para as quais um olhar histórico possibilita a verifica ção de que sobre elas muitas coisas importantes em termos sociopolíticos têm sido pensadas Foi estudado igualmente que tamanho valor fez com que boa parte das instituições educacionais e práticas pedagógicas fossem deve doras dos modos como a corporeidade infantil e juvenil fora avaliada ora como condição ora como problema para o alcance de objetivos educacionais Por tudo isso este último passo certamente será influenciado pelo conhecimento construído na trajetória até aqui caminhada Apesar da sensação de um esforço despendido deixar o passeio mais pesado na me dida que se avança a experiência obtida pelo que passou e a curiosidade por ver o fim deste primeiro caminho percorrido no campo da história da educação física dará energias extras para abordarmos nesta unidade V a escolarização das práticas corporais na história educacional brasi leira Como o processo que estudamos na unidade IV analiticamente pautado na generalidade de pensamentos fatos e instituições passíveis de serem encontradas em boa parte do mundo nos século XIX e XX materializouse no Brasil De que maneira particularidades históricas de nosso país influenciaram ou foram influenciadas pelas discussões educa cionais que aqui ocorreram no período que estamos analisando Ajeite confortavelmente a bagagem acumulada até aqui respire fun do e aperte o passo para conhecermos a importância da educação física escolar na história educacional do Brasil Bons estudos unidade V ATIVIDADE 156 ESCOLA E EDUCAÇÃO FÍSICA NA PASSAGEM AO SÉCULO XX MUITOS PENSAMENTOS E UMA REALIDADE EDUCAÇÃO FÍSICA 157 Para construir um entendimento sobre os papéis e os diferentes níveis de importância que teve a educa ção física na escola brasileira sugiro que você reflita comigo um pouco da história educacional de nosso país Penso ser válido esse pequeno desvio pois ao voltarmos à nossa rota teremos condições de per corrêla de um modo mais certo compreendendo boa parte de suas curvas sinuosas dos trechos mais acidentados e do destino ao qual ela nos leva Para isso uma postura muito importante a ser cultivada é a ponderação sobre o valor que possuiu a educação na história brasileira É muito comum quando se quer explicar os problemas que hoje exis tem atribuir aos políticos aos pedagogos e demais autoridades ligadas ao mundo educacional do pas sado a culpa por aquilo contra o que nós sabiamen te lutamos com pleno conhecimento de causa O tom um tanto quanto irônico dessa afirmação não duvida das nossas dificuldades educacionais hoje existentes muito menos do denodo com que muitas pessoas tentam superálas nos seus respectivos cam pos de atuação O tom irônico dirigese a uma visão simplificada da história educacional Visão essa que comumente afirma que a educação não teria rece bido a importância que deveria o que nessa ótica teria levado ao fato de termos professores desprepa rados escolas mal equipadas políticas educacionais pouco exitosas etc Ao olharmos a história da educacional brasi leira deparamonos com questões bastante impor tante sendo debatidas divergências agudas sobre os rumos a serem tomados pela escola lutas intensas sobre a ampliação do direito educacional e de seu apoio por parte do Estado do mesmo modo que é possível encontrar aqueles que sem negar a impor tância da educação vão defendêla como uma prer rogativa privada das famílias vendo como prejudi cial a interferência política no seu interior Não deve ser esquecida na ponderação sobre a história educacional no Brasil a marcante presença da Igreja Católica como agente educacional inicia da com a atuação da Companhia de Jesus e depois da expulsão dessa ordem em 1759 com a ação de outras congregações e irmandades Mas foi com a expulsão da companhia que uma determinada ação do Estado pôde ser vista na realidade brasi leira Inicialmente ela foi marcada pela criação das Aulas Régias por parte do Marquês de Pombal To davia foi com a proclamação da Independência do Brasil em 1822 que temos um marco importante para pensarmos na expansão da educação na socie dade brasileira ATIVIDADE 158 Avolumamse ali efetivamente um conjunto de discussões e decisões sobre o papel da educação na construção de um país que clamava pela liberdade ao romper o pacto colonial mas que continuou a con viver com o trabalho escravo até 1888 De qualquer modo estava aberta a problemática de construir uma nação de dar azo a um sentimento nacional que ape sar de forte o suficiente para estimular a ruptura com Portugal ainda não possuía a pujança necessária para fazer frente aos desafios impostos pelo que era neces sário ao país para se integrar à economia e à política internacional de um modo independente Em termos educacionais essa preocupação ma nifestouse em 1827 na criação da primeira regu lamentação brasileira especificamente educacional que estipulou ser a educação um direito dos cida dãos Vale observar que essa cidadania não era uma prerrogativa de boa parte daqueles que aqui habita vam no século XIX Não apenas pelo fato de parce la relevante desses brasileiros serem escravos mas também pelo fato de haver critérios econômicos que possibilitassem a condição política de cidadão Atentese à complexidade dessa situação Mesmo que essa condição tenha diminuído em muito o alcance de qualquer discussão educacional por limitar o número de possuidores dos tais direi tos educacionais as limitações materiais para a ex pansão da escola impediam que mesmo os cidadãos tivessem escolas em número suficiente para atender às suas necessidades culturais e econômicas Esses limites materiais da educação brasileira iam sendo constatados na igual medida de preocu pações sobre o que eram e sobre o que deveriam ser os brasileiros Paralelamente ao esforço educacio nal de abordar essa dúvida a preocupação higiêni ca foi importante É isso que nos diz Soares 1994 quando afirma No Brasil por volta da segunda década do sé culo XIX já em momento posterior à conquis ta de sua independência é desencadeado um vigoroso projeto de eugenização da população brasileira Este projeto se coloca como pos sibilidade de alteração de um quadro onde a metade da população do Brasil era constituída de escravos negros índice que permanece até por volta de 1850 quando para uma popula ção de 5520000 pessoas livres encontramse 2500000 negros SOARES 1994 p 89 Soares 1994 fala de uma pedagogia higiênica exis tente no Brasil durante o século enfatizando que essa inquietação nos anos que se seguiram à Pro clamação da Independência reduziram a família de elite agrária num primeiro momento e a família burguesa citadina num segundo SOARES 1994 p 91 Essa situação vai se alterar apenas com os desdobramentos da história cultural política e eco nômica brasileira que levaram a sociedade a ques tionar a viabilidade do trabalho escravo e a estrutu ra política imperial levando ao fato de o discurso normativo e disciplinador da higiene se estender à toda população ou seja quando o trabalho assala riado se torna preponderante SOARES 1994 p 91 Podemos pensar na necessidade de ampliação desse discurso disciplinador analisandoo e tendo como anteparo as discussões levadas à cabo sobre a abolição da escravatura A partir da década de 1860 a problemática ficou cada vez mais evidente impac tando a questão educacional de um modo mais dire to Ao ser avaliada a situação econômica e educacio nal do país passouse a atribuir à educação a tarefa de formar o novo tipo de trabalhador para assegurar que a passagem se desse de forma gradual e segura evitandose eventuais prejuízos aos proprietários de terras e de escravos que dominavam a economia do país SAVIANI 2007 p 159 EDUCAÇÃO FÍSICA 159 Explorando ainda um pouco mais o desenho do contexto educacional brasileiro ao lado dessas ques tões culturais e econômicas que estimulavam uma atenção à ampliação da oferta educacional temos também a conjuntura política O questionamento à ordem imperial a passagem a uma ordem repu blicana a formação de cidadãos brasileiros a partir de exescravos e também de imigrantes sobretudo europeus fizeram com que as questões educacio nais tivessem sua relevância aumentada aglutinan do ideias propostas e também os desafios a serem superados por contexto econômico dependente dos países capitalistas centrais Nesse sentido o papel atribuído à educação es colar era criar uma unidade nacional em torno da qual cada indivíduo que havia abandonado sua antiga relação de dependência seja com a natureza pródiga ou com o seu senhor fosse mobilizado a trabalhar mais em nome do pro gresso da nação acreditavase na escola para formar essa alma nacional que levaria ao grau de modernização alcançado pelos países centrais SCHELBAUER 1998 p 137 Esse conjunto de debates e problemáticas erigido no desenvolvimento da história brasileira durante o século XIX deu à questão da educação física uma importância palpável Tanto para a questão produ tiva relacionada ao trabalho passando pela obser vância higiênica das famílias chegando à formação da incipiente nacionalidade republicana é possível perceber que ao lado da reivindicação de mais es colas que realizassem a possibilidade de todos terem nela lugar havia a reivindicação de se educar fisi camente a população Ao lermos os artigos livros documentos e imagens produzidas nesse contexto a percepção de o corpo individual ganhar uma impor tância sociopolítica no Brasil é algo que nos faz ver o esforço da sociedade brasileira em se escolarizar E ao fazêlo a educação corporal e sua escolariza ção foram partes inerentes no processo Nesse ponto é importante voltarmos à discussão que aborda de um lado a presença da educação corporal na so ciedade e na escola diferenciandoa dos processos específicos que chamaríamos de educação física Fa lando em primeiro lugar dos processos mais amplos Fonte Família e Escravos no Brasil CHAMBERLAIN 1822 online2 ATIVIDADE 160 e retomando advertências feitas na unidade anterior Taborda de Oliveira et al 2003 fazem uma explica ção que é importante você considerar para entender de um modo mais aprofundado a crescente presença do corpo nas estruturas escolares que não sem difi culdades ampliavase em práticas corporais escolares estamos nos referindo a um conjunto de manifesta ções intraescolares que indicam ou podem indicar as formas como foi concebida ao lon go do tempo a escolarização e o seu papel na formação humana Essas práticas podem bem estar assentadas na organização do tempo e do espaço escolares por exemplo na dispo sição das cadeiras no mobiliário na definição de espaços de acordo com funções específi cas como na própria manifestação corporal dos agentes escolares punições gestualidade etc e chegando às manifestações corporais autônomas ou tuteladas dos alunos brinca deiras formas de comportamento atividades etc Portanto as práticas corporais escolares incluem e superam aquelas práticas ou ativi dades afeitas apenas à Educação Física TA BORDA DE OLIVEIRA et al 2003 p 7 Taborda de Oliveira et al 2003 ao fazerem essa identificação oferecem elementos para que pen semos na relevância do corpo e dos diferentes procedimentos educacionais a ele voltados para o contexto brasileiro de então Por conta disso o corpo sua educação e sua escolarização ocuparam intelectuais e políticos atuantes naquele momen to As defesas em relação à educação corporal e sua presença sistemática escolar era apresentada como uma espécie de verdade inquestionável HE ROLD JUNIOR 2005 Rui Barbosa foi um dos intelectuais e políticos com grande envolvimento na questão educacional da juventude e que possuía um vasto leque de informações sobre o que esta va sendo discutido em várias parte do mundo em termos pedagógicos Em uma de suas passagens mais conhecidas escrita em 1882 ao falar sobre a educação física pondera Não pretendemos for mar acrobatas nem Hércules mas desenvolver na criança o quantum necessário ao equilíbrio da vida humana a felicidade da alma a preservação da pá tria e a dignidade da espécie BARBOSA apud HEROLD JUNIOR 2005 p 245 Fonte Rui Barbosa DIAZ 1923 online3 EDUCAÇÃO FÍSICA 161 Outro modo de enxergarmos a maneira como a questão da educação física foi ganhando espaço nas últimas décadas do século XIX é analisar os anais do Congresso de Instrução que aconteceria no Rio de Janeiro em 1883 A reunião acabou por não acontecer muito embora as teses que seriam apresentadas tenham sido publicadas Nele profes sores políticos e outros grupos ligados ao mundo educacional reuniriamse para verificarem o modo como a educação estava sendo encarada e quais as mudanças avaliadas como importantes Um dos congressistas ao escrever sobre a educação física é claro na apresentação de justificativas que a toma vam como um elemento incontornável do período em termos pedagógicos A tendência que esta a criança tem para oporse à quietação é uma força latente que a natureza faz atuar em seu organismo com o fim de auxiliar o desentorpecimento o de sembaraço o crescimento harmônico e simul tâneo de todas as suas faculdades physicas e não physicas e a natureza não consente que se infrinjam impunemente suas leis Se qui sermos sopear aquela força condenando a puerícia à imobilidade a natureza vingase vingase também a meninada CONGRESSO DE INSTRUCÇÃO apud HEROLD JUNIOR 2005 p 251 Ao lermos apenas algumas das numerosas manifes tações em defesa da educação física na escola a ser frequentada por todos os cidadãos temse a im pressão de que estamos lidando com um fato am plamente aceito por parte de toda a sociedade e que teria sido implantado imediatamente naquele mo mento Porém não é esse o cenário mesmo com as defesas da escola e da educação física em seu inte rior a concretização plena desse ideário passou a acontecer de um modo mais visível apenas a par tir de 1930 Até os anos 30 prevaleceram diferen tes procedimentos sobre a educação física escolar procedimentos esses criados individualmente em cada Estado imprimindo a essa dimensão educa cional uma variedade de práticas e rotinas muito longe portanto da ambicionada unidade em tor no de uma verdade inquestionável Fernando de Azevedo sd em uma reedição de uma obra ini cialmente publicada em 1915 teceu um panorama que nos faz pensar nos problemas enfrentados pela educação física escolar Um dos mais salutares temas de meditação que se antolham aos poderes públicos e educadores preocupados com os problemas a cuja solução se ligam os efeitos benéficos ou prejudiciais dum sistema educativo é o estado da cultura física em nossas escolas em geral e o modo como no Brasil é administrada a educação fí sica Realmente é difícil encontrar um país em que esteja menos vulgarizada a noção do ver dadeiro papel que compete à educação física AZEVEDO 1971 p 149 É importante verificar nessa citação o problema da cultura física não a cultura física em si mas a pe dagogização de sua prática na instituição escolar Para ajudar você a entender essa problemática é importante levar em conta que a questão não re sidia apenas no estado da cultura física mas na forma como a educação pública obrigatória lai ca e gratuita vinha se construindo no Brasil No próximo item vamos analisar mais detidamente alguns detalhes dessa construção atentandonos para o modo como o desenvolvimento histórico educacional brasileiro delimitou algumas caracte rísticas e possibilidades da expansão da educação física escolar ATIVIDADE 162 Caroa alunoa quando estudamos os fenôme nos que nos interessam sob um ponto de vista histórico um dos desafios é realizar uma ponde ração precisa sobre a presença das deliberações individuais no âmbito da coletividade em que elas existem do mesmo modo que se quer saber como uma determinada coletividade ou conjunto de va lores sociais compartilhados levam os indivíduos a pensarem e a agirem de determinadas maneiras e não de outras DISCUTINDO A PRESENÇA DAS PRÁTICAS CORPORAIS NA ESCOLA BRASILEIRA PLURALIDADE DE MODELOS Fonte Escola Municipal Ada Sant Anna da Silveira WIKIMEDIA COMMONS 1927 online4 No caso da história da educação física essa re flexão tem seu valor pois um dos grandes objeti vos de estudála é verificar que o corpo as práticas corporais e a educação que delas surge são passíveis de serem entendidas por terem acontecido em um determinado momento possuidor de valores socio culturais políticos e econômicos diferentes da épo ca em que vivemos Todavia para acessálos e co nhecêlos obtendo assim condições para entender melhor o assunto que estudamos é fundamental nos EDUCAÇÃO FÍSICA 163 do de Azevedo fundou uma tradição explicativa que atribui ao referido ato o fato de o Estado brasileiro ter dificuldades que ainda existem em assumir a educação como direito de todos e de providenciar as condições materiais e pedagógicas para realizálo Para ele o referido ato foi uma das maiores aber rações na evolução política imperial AZEVEDO 1971 p 574 A assim chamada aberração levou à seguinte situação O Ensino público estava condenado a não ter organização quebradas como foram as suas articulações e paralisado o centro diretor na cional donde se devia propagar às instituições escolares dos vários graus uma política de educação e a que competir coordenar num sistema as forças e instituições civilizadoras esparsas pelo território nacional AZEVEDO 1971 p 574 A força dessas ideias e a penetração retórica de Fernando de Azevedo na abertura de um caminho explicativo para os limites educacionais brasileiros porém devem ser consideradas com atenção Afi nal como diz Saviani 2008 p 129 não se pode atribuir ao Ato Adicional a responsabilidade pela não realização das aspirações educacionais no sécu lo XX Essa tendência frequente na historiografia educacional SAVIANI 2008 p 129 deveria le var em conta as particularidades sociais políticas e econômicas do momento em que o ato foi institu ído particularidades essas que deixaram de existir nos anos finais do século XIX e início do XX De qualquer modo ficou a cargo das Assembleias Pro vinciais no Império e das Assembleias Legislativas nas primeiras décadas da República lidar com a crescente constatação dos problemas e das possibili dades educacionais pensadas como uma necessida de de um país independente economicamente inte atermos ao pensamento de alguns personagens que desempenharam papel fundamental na história que nos interessa Esse é o caso de Fernando de Azevedo Ao lado da grande relevância desse educador paulista para a história educacional brasileira como um todo para a educação física e sua inserção na escola seu pensamento e sua análise do contexto brasileiro foram fundamentais A obra que citamos anteriormente foi resultado de um concurso por ele prestado para uma vaga de professor de educação física em Belo Horizonte Mesmo não tendo sido aprovado a obra ficou como a primeira e uma das mais contundentes análises empreendidas sobre o assunto no momento em que foi escrita assim como continua a ser há cem anos considerando que o concurso mencionado aconteceu em 1915 No item anterior você percebeu que apesar das defesas em relação à importância da educação físi ca escolar ser apresentada como uma verdade cien tífica inquestionável na ordem dos assuntos sociais e políticos do Brasil no fim do século XIX e início do século XX os analistas da questão entre eles Rui Barbosa e Fernando de Azevedo avaliavam que aquelas defesas não teriam produzido os resultados esperados É importante não perder de vista que aos problemas relativos a essa questão específica da educação física somavamse problemas estruturais da educação brasileira Ao explicar esse conjunto de desafios e problemas educacionais um fator foi posto em destaque uma determinação do ato adi cional à constituição de 1823 ato esse publicado em 1834 em que o governo central desobrigou se de cuidar das escolas primárias e secundárias transferindo essa incumbência para os governos provinciais SAVIANI 2008 p 129 Ao avaliar a história educacional brasileira e seus problemas nos anos de 1920 e 1930 Fernan ATIVIDADE 164 grado ao capitalismo internacional e com aspirações políticas liberais Foram essas transformações que possibilitaram a sociedade do período a ver na ques tão educacional um ponto de reflexão necessário o que podemos observar mais uma vez pelo tom da crítica de Fernando de Azevedo A educação teria de arrastarse através de todo o século XIX inorganizada anárquica incessan temente desagregada Entre o ensino primário e o secundário não há pontes ou articulações são dois mundos que se orientam cada um na sua direção As escolas de primeiras letras como as instituições de ensino médio em geral ancora das na rotina AZEVEDO 1971 p 576 Com esse pensamento é necessário provocar ou tro em que isso nos ajuda a entender a história da educação física na escola que existiu no final do sé culo XIX e início do XX Resposta mesmo com a constante lamentação de que a educação física não recebia a importância que deveria ao estudarmos a história da educação das diferentes provínciasEs tados brasileiros notamos esforços que evidenciam um processo crescente de escolarização das práticas corporais Mesmo sem a unidade nacional pretendi da por Azevedo e sem a força que essa escolarização poderia ter caso tivesse sido uniformizada por uma ação que minimizasse impossibilidades regionais para sua concretização suposições essas que devem ser questionadas à medida que estudamos um perí odo histórico buscando nele suas necessidades sem projetarmos para outras épocas as nossas próprias necessidades a problemática da educação física escolar foi sendo abordada de forma cada vez mais regular produzindo com isso uma variedade de modelos e justificativas pedagógicas que acabavam por se unir em um ponto fundamental cada Estado a seu modo reconhecia a importância formativa a ser atribuída à pedagogização das práticas corporais Para ilustrar esse processo variado de escolari zação das práticas corporais sugiro conhecermos alguns desdobramentos desse assunto em alguns Es tados brasileiros Tarcísio Mauro Vago 2010 estudou a história da educação e educação física mineira Ao fazêlo ele nota que a decadência do ciclo econômico base ado na exploração do ouro demandou uma mudan ça do eixo econômico e cultural que se deslocou da cidade de Ouro Preto para a capital mineira Belo Horizonte Essa mudança provocou muitas outras no cotidiano de um pacato arraial que se tornou uma vitrina para a República VAGO 2010 p 16 A vida social política e econômica que acontecia no novo regime fez com que muitos setores sociais pen sassem a respeito das mudanças necessárias para a realização da assim vista incontornável ambição civilizatória a ser assumida pela escola Nessa ótica ela deveria receber as crianças pobres e fazer delas cidadãos VAGO 2010 p 19 Fonte Modestino Gonçalves WIKIMEDIA COMMONS 1906 online5 EDUCAÇÃO FÍSICA 165 No conjunto dessas transformações em 1906 foi decretada uma reforma do ensino primário que colocou os Grupos Escolares como instituições escolares centrais de um novo contexto que deu à educação a ser oferecida pela escola o eixo central dos variados processos formativos até então prer rogativa das famílias Mas os problemas logo se fizeram sentir apesar das justificativas para as mu danças focarem as classes populares como princi pais beneficiárias não foram as crianças pobres as principais frequentadoras dessas instituições mo delares Perceba que se trata de um problema bas tante sério considerando que o discurso político que justificou a passagem ao modelo republicano pautavase na ideia de ampliação da cidadania e de igualdade Ou seja apesar de a nova cultura esco lar ser vista como construtora dessa igualdade de oportunidades justamente ela evidenciava em seu dia a dia as contradições de uma igualdade política cimentada em um mundo de grandes disparidades sociais e econômicas Outro problema observado por Vago 2010 ao lado dessa característica excludente da forma escolar que se impunha era o fato de ela não ser aceita com tranquilidade por pais alunos e os próprios profes sores Vago 2010 explica com bastante clareza os problemas gerados pela obrigatoriedade escolar no contexto mineiro no início do século XX Ora se muitos pais não estavam enviando seus filhos à escola é porque não estavam convencidos da necessidade dela ou mais especificamente da necessidade de conheci mento que ela veiculava para os afazeres mais imediatos das famílias As famílias tinham dificuldade de liberar os meninos que atua vam como mão de obra na lavoura seja em pequenas propriedades da família seja como empregados em outras propriedades porque desse trabalho dependia certo equilíbrio em suas despesas No caso das meninas era difí cil não têlas como ajudantes nas tarefas do mésticas VAGO 2010 p 26 Perceba que nessa afirmação temos elementos his tóricos bastante significativos para refletirmos sobre as dificuldades enfrentadas pela expansão do mun do educacional formal elementos que vão além da falta de vontade política comumente atribuída aos que viveram em um determinado passado para re alizar aquilo que nós queríamos que eles fizessem De qualquer maneira em que pese essas dificulda des a sociedade mineira se escolarizou nesse perí odo fazendo com que a escola se tornasse a grande detentora de uma necessária prioridade mudar há bitos arraigados esparramar a ciência para susten tar a moralidade algo a ser feito em um cotidiano escolar em que o corpo dos alunos foi colocado no centro das práticas escolares com o objetivo de constituílo ou reconstituílo racionalmente VAGO 2010 p 28 Com o desenrolar dessas mudanças que deram à escola centralidade peçolhe que se atente à im portância que teve o corpo na expansão do mun do escolar Vago 2010 retoma a necessidade de diferenciarmos a educação corporal materializada da necessária educação physica que era vista como importante à escola e que não deveria se restringir a um único momento específico das práticas pe dagógicas tal como uma disciplina escolar Toda via o pesquisador mineiro nos adverte que foi na escolarização da sociedade mineira que pudemos enxergar o nascimento de uma disciplina escolar VAGO 2010 p 30 o que é analisado por ele da seguinte maneira ATIVIDADE 166 O aparecimento dessa nova forma escolar foi de fato determinante para a constituição pau latina da Ginástica como disciplina do progra ma de ensino A Gymnastica foi produzida como um dispositivo central para a pretendida educação physica das crianças Sua inserção nas práticas de escolas primárias de Belo Horizon te fundamentouse dentre outras razões na crença em suas possibilidades de transformar os corpos das crianças representados como raquíticos débeis fracos em desejados corpos sadios belos robustos e fortes Esperavase dela uma participação decisiva no processo de cons tituição de corpos infantis VAGO 2010 p 31 Se focalizarmos a escolarização da ginástica como momento fundante de uma disciplina escolar temos no estado do Paraná um cenário parecido apesar de suas particularidades O contexto paranaense enfren tou assim como o mineiro a necessidade de adap tarse aos novos rumos políticos e à urgência de inte grar sua economia à modernização Nesses embates a educação foi uma problemática recorrente fazendo com que o Paraná também envidasse esforços para escolarizar sua sociedade Como em muitos outros estados fez isso lutando contra limites materiais com preensíveis a um contexto marcado por constantes pressões oriundas da ampliação da demanda escolar Putcha 2007 ao estudar a escolarização da gi nástica no contexto paranaense do início do século XX observa que de 1882 a 1921 em documentos legais tocantes ao ensino regulamentos de instru ção pública portarias códigos de ensino e progra mas de ensino apenas 1 de 11 documentos não mencionam a ginástica como elemento a ser pra ticado nas escolas do Paraná PUTCHA 2007 p 52 Ao concluir seu estudo oferece mais uma base para percebermos a maneira como o nascimento da escola moderna e as bases da educação física es colar foram importantes uma para a outra A partir das reformas efetuadas na instrução pública primária paranaense localizamos um processo de afirmação da gymnastica princi palmente em decorrência da implantação do ensino seriado Além do tempo espaço con teúdos métodos e objetivos que foram con siderados ao longo das reformas anteriores com a implementação do ensino seriado e como advento dos grupos escolares esta pas sou a contar com um instrutor exclusivo A possibilidade de reunir os alunos de diferen tes séries para que juntos pudessem realizar os exercícios gymnasticos só foi possível com este tipo de organização do ensino primário PUTCHA 2007 p 103 Dos dois exemplos estudados acima Paraná e Minas Gerais evidenciamse o fato de em dife rentes estados brasileiros a forma escolar pautada nos Grupos Escolares caracterizarem a necessida de de as sociedades se escolarizarem Além disso notamos que em todas elas o corpo individual dos alunos tornouse uma preocupação pública esti mulando não apenas práticas de educação corpo ral que abordaram a corporalidade infantil de for ma indireta construção de espaços mais amplos móveis escolares uso de uniformes etc mas principalmente a criação de um momento espe cífico de educar o corpo dos alunos a educação physica passava lentamente e dependente de par ticularidades de cada região em que era debatida e criada a ser entendida vista e praticada como disciplina escolar Como tornar a educação e a educação física questões passíveis de serem pensadas sistemicamen te gerando uniformidade de planejamento e execu ção em todo o país Qual o papel do estado na de terminação dos direitos e dos deveres educacionais gerais assim como os atinentes à educação física EDUCAÇÃO FÍSICA 167 Durante a década de 1920 e 1930 isso foi bastante discutido paralelamente à expansão da escola or ganizada no âmbito da realidade de cada um dos estados Isso mudará e gerará impactos impor tantes para a educação física escolar Mas antes de abordar a criação de um sistema nacional de ensi no que também organizaria a educação corporal sistemática a ser realizada pela escola brasileira vamos abordar outra questão diretamente impac tada pelo fato de as práticas corporais e sua escola rização no período que estamos estudando darem seus passos Brasil a fora vamos nos deter na for ma como a maior exigência de professores levou à construção das primeiras estruturas e instituições formativas desses profissionais ATIVIDADE 168 Para todos nós na atualidade não são necessárias muitas reflexões sobre a importância de buscarmos uma formação acadêmica para atuarmos em pro fissões ligadas à educação e à saúde Quando é to mada a decisão sobre o trabalho em qualquer um desses campos automaticamente iniciamos a busca por um curso em nível superior Durante os estudos são ensinadas não apenas questões técnicas relativas FORMANDO PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA O QUE FICA DESSA HISTÓRIA Fonte Minerva UFRJ WIKIMEDIA COMMON 2010 online6 à profissão escolhida mas dimensões éticas sociais e históricas de um determinado grupo profissional Aliás é o que estamos fazendo neste momento des de o início deste livro No caso da educação física como campo de atuação o raciocínio básico que justifica a necessidade de uma formação profissio nal sistematizada e publicamente reconhecida por meio do recebimento de um diploma é o fato de se assumir que o trabalho pedagógico recreativo es portivo assim como o trabalho ligado à busca por mais qualidade de vida por meio das práticas cor porais demanda cuidados e procedimentos que não se aprendem apenas repetindo aquilo que é feito por outros atuantes da áreas Além disso ao ingressar no ensino superior em educação física você verá caso ainda não tenha percebido que os professores possuem diferentes especialidades construídas em uma sequência de estudos realizada após sua graduação em nível de especialização mestrado e doutorado Para tanto além de aprofundarem seu próprio conhecimento absorvendo a bagagem intelectual produzida sobre aquilo que lhes interessa esses professores ao obje tivarem formar novos profissionais também produ ziram novos conhecimentos ao concluírem os dife rentes níveis de sua formação pósgraduada Esses EDUCAÇÃO FÍSICA 169 realidades culturais diferenciadas entre si mas que ao pensarem nas ginásticas nos jogos nas lutas e nos esportes atribuíram significados socioculturais e educacionais para endossar e justificar publica mente aquilo que faziam corporalmente Defesas sobre a importância do aprimoramento da higiene sobre o aperfeiçoamento de uma raça sobre o for talecimento da virilidade e a redefinição da femi nilidade foram alguns dos elementos que fizeram muitas pessoas estudarem e pesquisarem as formas corretas de se praticar aqueles elementos bem como descrever os resultados a serem obtidos por uma prática racional Essa racionalidade encontrou na ciência seu grande suporte enfatizando que os re sultados benéficos que se esperava alcançar apenas seriam alcançados se praticantes e aqueles que ini ciavamensinavamcoordenavam as seções em que isso ocorria tivessem sólida formação conhecimentos foram e são avaliados discutidos e igualmente são utilizados por outros cientistas em seus próprios trabalhos de pesquisa Dizendo tudo isso de um modo mais direto a educação física hoje é um campo profissional e um campo acadê mico bastante regulamentado com suas tradições e exigências Elas devem ser atendidas por aqueles que ambicionam trabalhar ou pesquisar assuntos atinen tes a ela Mesmo que existam problemas e debates intensos sobre a solidez das bases dessa formação profissional e da produção de conhecimento elabo rado pelo conjunto desses professorespesquisado res deve ser notado o avanço que isso significou tomando como parâmetro o empenho e o caminho percorrido para se construir essa grande e comple xa estrutura profissional e científica da qual você se aproximou desde que iniciou seu curso de gradua ção em educação física Esses esclarecimentos servem para enfatizar a importância do que faremos nas próximas páginas desenvolveremos uma reflexão sobre a trajetória que trouxe essa condição até nós Vamos estudar alguns pontos desse caminho para que sejam percebidos alguns momentos da construção desse edifício pro fissional e acadêmico que é a área de educação física Inicialmente para pensarmos em alguns ele mentos da história da formação profissional em edu cação física deve ser considerado que a necessidade dessa formação se deu em um momento em que se cruzaram três ordens de problemáticas formativas Em primeiro lugar já vimos que no século XIX e nas primeiras décadas do século XX houve uma grande expansão de práticas corporais Vimos tam bém que essas práticas foram absorvidas por muitas Fonte Brasil Copa América 1919 WIKIMEDIA COMMON 1919 online7 ATIVIDADE 170 Consequentemente surgiram estudos cien tíficos sobre o movimento humano que eram elaborados e publicados em forma de livros A demanda para o consumo desse tipo de estudo só aumentava no início do século XX No Bra sil Sevcenko 2012 observa no Rio de Janeiro uma ética do corpo e da ação em que as pessoas assumiam a ginástica e cada vez mais o espor te como práticas importantes em seu dia a dia É compreensível que em tal contexto com pesso as ensinando as modalidades que passavam a ser cada vez mais buscadas levantouse a questão de saber quem eram essas pessoas que ensinavam essa nova ética baseada na exercitação corporal Além disso inquietante também foi a dúvida so bre o que elas deveriam saber para lidar com os desafios que seriam tão importantes de serem vencidos a julgar pelo impacto que eles teriam na formação de uma nação forte Ao lado do florescimento da importância da cultura physica em boa parte do Brasil nos anos 1920 importante para o desenvolvimento de prá ticas e instituições formativas relacionadas à edu cação física foi a expansão do mundo escolar Foi estudado no tópico anterior que isso acontecia em muitos estados brasileiros da mesma maneira que foi visto que no interior dessa escola a ginás tica foi vista como necessária para a realização do novo ideário educativo a ser concretizado não apenas para as famílias da elite mas principal mente para os filhos das classes trabalhadoras Essa realidade fez com que os estados brasileiros que expandiam sua rede escolar o que faziam na maioria dos casos com grandes dificuldades e com um ritmo menor do que o desejado dis cutissem soluções para suprirem as escolas que surgiam com um professorado capaz de resolver a contento os novos desafios que se impunham Saviani 2008 endossa essa reflexão afirmando A partir do século XIX a necessidade de universalizar a instrução elementar condu ziu à organização dos sistemas nacionais de ensino Estes concebidos como um conjun to amplo constituído por grande número de escolas organizadas segundo um mesmo pa drão viramse diante do problema de formar professores também em grande de escala para atuar nas referidas escolas SAVIANI 2008 p 08 No século XIX e nas primeiras décadas do sécu lo XX os primeiros passos dados no sentido de uma formação de professores eram dados prio Fonte Pavilhão WIKIMEDIA COMMONS 1907 online8 EDUCAÇÃO FÍSICA 171 ritariamente nas escolas normais de nível secun dário Conforme os problemas educacionais se ampliaram infelizmente em um ritmo maior que a ampliação das escolas existentes ainda assim a formação de professores foi se tornando uma problemática cada vez mais discutida A partir da década de 1930 a formação em nível secundário foi considerada como insuficiente para as novas exigências pedagógicas levando a um amplo pro cesso de discussão e medidas que criaram o es paço acadêmico dos estudos educacionais SA VIANI 2008 p 18 colocando a formação dos professores que atuariam na educação básica para o interior das universidades A terceira ordem de problemática formativa diz respeito justamente às universidades Dife rentemente do que ocorreram com os países de colonização espanhola no Brasil o desenvolvi mento do ensino superior aconteceu e se acele rou tardiamente Apenas na década de 1930 que a base da estrutura universitária se instaura e em seu interior a formação de professores tanto os professores em geral quanto os professores de educação física No caso dos professores de outras disciplinas escolares Saviani 2008 demonstra a existência de muitos debates sobre o lugar da edu cação no ensino superior As incertezas sobre essa localização davase pelas tensões entre defensores de uma formação do professorado mais aproxi mada às especificidades educacionais integrando formação teórica e formação profissional voltadas às exigências pedagógicas em que a produção do conhecimento acontecesse paralelamente e imbri cadamente com os desafios didáticos e metodoló gicos da escola e os defensores de uma formação meramente profissionalizante do professorado fazendo Saviani 2008 constatar que neste úl timo caso separase o profissional do cientista SAVIANI 2008 p 39 Para verificarmos as di ficuldades existentes na história educacional bra sileira foi essa última opção a que foi prevalente nos embates políticopedagógicos que existiram na Era Vargas lançando com isso as primeiras bases da formação superior para professores da educação básica ajudandonos a entender alguns dos desafios que ainda hoje existem Vistas as três ordens de problemáticas apre sentadas para que você compreenda a trajetória da formação profissional em educação física pas semos então a estudála em alguns pontos Com a expansão das práticas corporais e o conjunto de discursos a justificar a adesão a essa prática mesmo em um contexto em que não ha via um profissional disponível algumas pessoas se incumbiram dessa nova tarefa que surgia Es sas pessoas encontravam nas instituições então disponíveis seu estímulo e os modelos a serem seguidos para tornarem real a importância da educação physica No fim do século XIX e início do século XX essas instituições que tinham na educação physica um ponto de grande interesse eram o exército e as faculdades de medicina Melo 1996 p 25 afirma que ao lado da ênfase prática dada à formação dos militares as faculdades de medicina oferecia o aporte teórico da cultura physica através das teses que eram defendidas no interior sobre a saúde a importância dos exercí cios corporais em seu fomento ATIVIDADE 172 Se a produção de discursos sobre a importância das práticas corporais para a saúde e para a mo ralidade da população era fundamental por sua vez ela não era algo feito apenas pelos médicos Era feita pelos médicos a sustentação científica dos impactos fisiológicos das práticas porém a ques tão educacional e formativa a ser influenciada pela educação physica ocorria por meio da escrita e fala de políticos e pedagogos De um modo muito visí vel a importância higiênica e eugênica das práticas corporais reverberava em toda sociedade e provi nha de várias origens Todavia a condução prática dessas atividades sua organização e propagação cotidiana foi assu mida indiscutivelmente pelos militares Castella ni Filho 1988 lembranos que a Academia Real Militar passou a existir no Brasil já em 1810 Em 1860 o método alemão de ginástica foi introduzi do no país Melo 1996 observa que em 1881 é nomeado como primeiro professor de ginástica da Escola Normal do Rio de Janeiro o Capitão Ata liba Fernandes Embora desde 1905 se falasse da necessidade de se criar escolas civis de educação física foram as escolas militares que se instalavam Em 1909 foi fundada a Escola de Educação Física da Força Policial na década de 1920 no Rio de Ja neiro o Centro Militar de Educação Física CAS TELLANI FILHO 1988 Castellani Filho 1988 mostra que o Centro Mi litar de Educação Física foi importante Afinal ele tinha como objetivo adotar novos métodos de edu cação física Foi por intermédio desse centro que em 1929 em um curso provisório os primeiros civis receberam formação em educação física concre tizando a presença marcante dos militares na for mação dos primeiros professores civis de Educação Física em nosso meio CASTELLANI FILHO 1988 p 34 Importante nessa narrativa é você con siderar que foi desse Centro que se originou a Es cola de Educação Física do Exército em 1933 cuja regulamentação permitia a frequência de civis Ou seja formar professores de educação física e ser pro fessor de educação física remetia a um perfil atitudi nal muito próximo da autoridade de um sargento a comandar seus soldados Entretanto os problemas ainda continuavam pela falta de professores qualificados para atender à demanda por educação física que vinha tanto de clu bes quanto das escolas que lembrese expandiam se em número Em 1938 foi oferecido um curso de emergência para diminuir essa carência consoli dando uma atmosfera favorável da Escola Nacional de Educação Física e Desportos na Universidade do Brasil que em 1965 tornouse a Universidade Fede ral do Rio de Janeiro Feita essa exposição vamos tentar costurar uma unidade em todo esse conjunto de fatos e institui ções para que tenhamos o cerne da problemática com a qual iniciase a formação de professores de educação na história educacional brasileira Para tanto sublinho algo que já foi menciona do nas páginas e unidades anteriores as primeiras décadas do século XX caracterizamse pela colo cação da educação obrigatória e da educação física em um lugar de destaque se considerados períodos históricos anteriores Além disso passou a exis EDUCAÇÃO FÍSICA 173 tir maior demanda tanto de professores em geral quanto de técnicos especialistas e professores de educação física O fato de a escola e da educação física serem con sideradas como desafios importantes para a história educacional brasileira não deve nos fazer esquecer que no relacionamento entre esses dois campos de ação embora relacionados em muitos aspectos ha via alguns elementos que os afastavam Ficou explícita a relação entre a expansão da educação física e o exército Essa relação todavia era alvo de alguma desconfiança dos meios educa cionais que participavam ativamente dos debates e das instituições que gerenciam a expansão da edu cação pública no Brasil Cito como exemplo o po sicionamento da Associação Brasileira de Educação ABE fundada em 1922 e com grande papel nos debates educacionais de então Na virada da déca da de 30 a ABE posicionouse contra a presença do Exército na determinação de um método de educa ção física afirmando ser esse um problema educa tivo CASTELLANI FILHO 1988 p 75 que não seria da alçada dos militares O fato de a ABE ver na problemática da educação algo importante pode ser percebido em sua iniciativa de organizar um de seus concorridos Congressos Brasileiros de Educação o de 1935 tendo como tema a educação física Com efeito é importante ponderar que havia não apenas no Brasil mas em muitos lugares do mundo uma tentativa de separar a escola da caserna Essa presença militar nos meios educacionais foi alvo de muitas críticas Se a presença dos militares era historicamente importante no mundo educacional ela era mais incômoda quando consideramos a edu cação física brasileira O fato de os professores de educação física serem formados em escolas do exér cito além da presença dos militares nas primeiras escolas civis de formação em educação física con tribuiu entre outras coisas para que a formação do professorado em geral trilhasse caminhos diferentes da formação dos professores de educação física Também pesava na construção dessa diferença entre a formação de professores e a formação de pro fessores de educação física e influência médica na divulgação dos conhecimentos relativos aos avanços da fisiologia e biomecânica a serem aplicados aos futuros professores A prevalência dos conhecimen tos de característica biomédica nos currículos dos primeiros cursos apoiavase em uma consideração científica que dava ao corpo a conotação de má quina a ser medida e desmontada retomando in fluências sentidas desde o processo de nascimento e consolidação da ciência anatômica Com isso os professores de educação física ao serem formados recebiam grande carga de conhecimentos dessa ma triz científica sendo que a formação em questões pedagógicas era bem mais reduzida contando com pequenos número de disciplinas e uma carga horá ria amplamente inferior se comparada com a que era despendida com biologia bioquímica e fisiologia Essas considerações têm sua importância pois elas nos ajudam a pensar historicamente uma constante percepção que existe na escola sobre os professores de educação física Enquanto os outros professores seriam de fato professores por terem algo a ensinar um conhecimento a transmitir os ATIVIDADE 174 professores de educação física não seriam profes sores plenos nesse tradicional sentido da docência Os professores de educação física são tomados como conhecedores do corpo humano responsáveis por colocarem as crianças para se mexerem mas não aprenderem Do ponto de vista histórico o processo de for mação de professores em geral e dos professores de educação física em particular teve alguns dis tanciamentos Sobre isso Melo 1996 p 31 nos lembra um fato interessante na década de 1930 a educação física era a única disciplina que possuía uma seção especial no Ministério da Educação e Saúde O que é algo interessante pelo reconheci mento que dava a esse nascente campo é o endos so de uma visão mecanicista de corpo e de saúde que afastava os professores de educação do traba lho diretamente pedagógico no também nascente mundo escolar Afinal por outro lado quando foi criada a Faculdade Nacional de Filosofia apenas a área de educação ficou de fora de seu campo de abrangência que compreendia todas as outras li cenciaturas Dito de outra maneira em seus pri meiros momentos a formação de professores de educação física passou ao largo dos conhecimen tos pedagógicos necessários à ação pedagógica Desse ponto de vista nosso ingresso no mundo escolar foi menos como professores e mais como uma mistura de sargentomédico a dar ordens e a fazer prescrições de movimento Ou seja ao se relacionar com os alunos essa consideração da educação física escolar como atividade do corpo demandava o conhecimento anátomofisiológico do movimento em questão e autoridade que se manifestava no comando e na contagem do ritmo Ora mesmo com os problemas observados por Saviani 2008 na formação dos professores em geral conhecimentos pedagógicos então existen tes eram bem mais complexos que esses transmiti dos aos professores das demais disciplinas Para concluir este tópico ao responder a pergun ta título dele o que fica dessa formação sublinho que essa ida aos primeiros processos de formação profissional em educação física evidencia um dos desafios que hoje enfrentamos formar professores de educação física integrados aos saberes aos proce dimentos e aos objetivos da educação básica brasilei ra E para tanto pedagogia psicologia da educação didática políticas públicas educacionais filosofia da educação ehistória da educação e educação física são tão importantes quanto os também necessários conhecimentos a serem obtidos com os estudos a se rem feitos nas disciplinas da área de saúde EDUCAÇÃO FÍSICA 175 OS CAMINHOS ATÉ NÓS COMO A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR SE TORNOU O QUE É Fonte Revolução de 1930 JANSSON 1930 online9 Nos itens anteriores foram estudados dois elemen tos que avalio fundamentais para conhecermos a história da educação física no Brasil 1 as ideias e as ações que levaram as práticas corporais para o interior da escola tanto a educação do corpo presente no dia a dia escolar quanto a disciplina escolar o componente curricular para utilizarmos uma linguagem da atualidade Além desse ponto foi focalizada a 2 base das discussões e das pri meiras instituições que se ocuparam de pensar e formar os primeiros profissionais para atuarem com a educação física ATIVIDADE 176 O que busco agora é levar você a refletir sobre al gumas consequências disso que foi abordado Sugiro que pensemos nos caminhos que se abriram nas dé cadas seguintes e que chegaram à realidade na qual vivemos hoje Os dois pontos estudados anteriormente a es colarização da educação física e o início de uma for mação profissional sistemática em educação física foram impactados pelo mesmo processo nas déca das que se seguiram à de 1930 no interior do pro cesso de complexificação econômica baseada na in tegração ou dependência econômica brasileira ao capital internacional a educação e a educação física deixaram de ser assuntos regionalizados tornando se alvo de regulamentações nacionais válidas em todo o país Chamo sua atenção para essa mudança mesmo que ela tenha acontecido no âmbito políti co gerando a sensação de que concretamente nada mudou essa passagem da reflexão educacional dos estados para a União é fundamental Ela impacta a possibilidade de direitos serem debatidos e efetiva dos nos diferentes instrumentos legais que regem a educação sendo crucial sobretudo para os filhos daqueles que não podem pagar escolas particulares Vamos visualizar esse processo ligado à educa ção física verificando como ela foi tratada em um conjunto importante de dispositivos constitucionais e de regulamentações específicas que a abordaram depois de 1930 Castellani Filho 1988 lembranos que na Constituição de 1934 não houve uma menção ex plícita à educação física Entretanto a necessidade de estimular a educação higiênica CASTELLANI FILHO 1988 p 81 foi citada Todavia nas discus sões sobre o Plano Nacional de Educação previsto pela Constituição de 1934 a educação física é de fendida como parte necessária do sistema escolar BELTRAMI 2006 p 45 Em 1937 temos o Estado Novo instaurado por Vargas No mesmo dia em que ocorre o golpe de Estado 10 de novembro de 1937 uma nova cons tituição é outorgada Na constituição de 1937 em seu artigo 131 definese a educação física como obrigatória em todas as escolas primárias normais e secundárias BELTRAMI 2006 p 81 o que foi regulamentado pelo DecretoLei 2072 de 1940 No artigo 4 o decreto à educação física é colocado como um elemento fundamental no fortalecimen to da saúde a ser conseguido por meio de ginástica e esportes adequados às condições de cada sexo BELTRAMI 2006 p 91 Com o fim do Estado Novo em 1945 iniciou se a discussão para uma nova constituição Com a promulgação da Constituição de 1946 abriuse o processo de discussão das Leis de Diretrizes e Bases aprovada em 1961 Nela a educação física é men cionada no artigo 22 que foi regulamentado pelo Decreto 58130 de 1966 Essa regulamentação deve ser sublinhada pois é a primeira regulamentação com alcance nacional para determinar os objetivos e como deveriam funcionar as aulas de educação fí sica No artigo 1 do referido documento vemos o alcance do decreto Art1 A educação física prática educati va tornada obrigatória pelo art 22 da Lei de Diretrizes e Bases para os alunos dos cursos primário e médio até a idade de 18 anos tem por objetivo aproveitar e dirigir as forças do indivíduo físicas morais intelectuais e so ciais de maneira a utilizálas na sua totali dade e neutralizar na medida do possível as condições do educando e do meio BRASIL apud BELTRAMI 2006 p 65 EDUCAÇÃO FÍSICA 177 Não deve ser perdido de vista que tal regulamenta ção tem importância em um cenário histórico em que o estado teve grandes dificuldades de assumir responsabilidades educacionais Todavia colocar a educação física escolar como obrigatória de modo uniforme a todo o país teve pouca ressonância prática levando Beltrami 2006 a fazer a seguinte análise depois de mostrar os esforços havidos na década de 1960 para se instaurar legalmente a obri gatoriedade da educação física Ainda permaneciam os problemas quanto às condições materiais e quanto aos recursos hu manos qualificados De qualquer forma de acordo com os defensores da educação física no sistema escolar esse quando ainda não era satisfatório porque não havia critério para fis calização e não havia um organismo com po deres para tal Os mentores e profissionais da educação física buscavam um espaço de poder e este só poderia acontecer a partir de uma or ganismo forte respaldado por um Estado Forte BELTRAMI 2006 p 66 No momento em que essas regulamentações sobre a educação física eram criadas a sociedade brasileira já vivia no regime de ditadura militar Em 1969 o Ato Institucional nº 5 tirou direitos políticos e liber dades civis caracterizando a linha dura do regime que existiu até o início da década de 1980 Foi na vigência desse ato que foi publicado o DecretoLei nº 705 de 1969 colocando a educação física como obrigatória em todos os níveis da educação brasi leira inclusive no ensino superior Esse decreto foi regulamento pelo Decreto nº 69450 de 1971 De acordo com Beltrami com esse decreto se encerra uma etapa significativa da implantação da Educação Física no sistema escolar BELTRAMI 2006 p 83 No âmbito da formação de professores em 1969 o Conselho Federal de Educação publica a resolução nº 69 que instituiu o currículo mí nimo dos cursos de educação física Por currí culo mínimo deve ser compreendida uma lista de disciplinas e suas respectivas cargas horárias que deveriam estar presentes em todos os cursos RangelBetti e Betti 1996 chamam o currículo que passou a prevalecer nesse momento de tra dicionalesportivo por eles descrito da seguinte maneira Há separação entre teoria e prática Teoria é o conteúdo apresentado na sala de aula qual quer que seja ele prática é a atividade na piscina quadra pista etc A ênfase teórica se dá nas disciplinas da área biológicapsicoló gica fisiologia biologia psicologia etc Este modelo iniciouse ao final da década de 60 e consolidouse na década de 70 acompanhan do a expansão dos cursos superiores em Edu cação Física no Brasil e a esportivização da Educação Física RANGELBETTI BETTI 1996 p 10 Mesmo com as mudanças provocadas pela reso lução do Conselho Federal de Educação nº 03 de 1987 que criou a formação em educação física em bacharelado e extinguiu o currículo mínimo vale reconhecer que é de 2004 uma resolução do Conselho Nacional de Educação Resolução nº 7 importante para pensarmos tanto na história da educação física quanto em sua configuração na atualidade Esse documento já foi citado na pri meira unidade deste livro Ele sinaliza uma rup tura com a tradição por nós estudada quando por exemplo lemos alguns de seus artigos ATIVIDADE 178 Art 4º O curso de graduação em Educação Fí sica deverá assegurar uma formação generalis ta humanista e crítica qualificadora da inter venção acadêmicoprofissional fundamentada no rigor científico na reflexão filosófica e na conduta ética 1º O graduado em Educação Física deverá estar qualificado para analisar cri ticamente a realidade social para nela intervir acadêmica e profissionalmente por meio das diferentes manifestações e expressões do movi mento humano visando a formação a amplia ção e o enriquecimento cultural das pessoas para aumentar as possibilidades de adoção de um estilo de vida fisicamente ativo e saudável 2º O Professor da Educação Básica licencia tura plena em Educação Física deverá estar qualificado para a docência deste componente curricular na educação básica tendo como re ferência a legislação própria do Conselho Na cional de Educação bem como as orientações específicas para esta formação tratadas nesta Resolução BRASIL 2004 p 1 Ao ler esses artigos e se lembrar da constante menção feita à prevalência da matriz esportiva e biologizante na educação física sugiro que pense na ruptura por mim sinalizada há algumas linhas Essa ruptura che ga por meio dos caminhos percorridos pelo conjun to de discussões sobre a presença da educação física na escola e a formação de professores para realiza rem essa tarefa Para pensar a forma como isso nos impacta na atualidade vamos para a última parte do livro ponderando então os horizontes que se abrem e as barreiras que se interpõem entre nós e aquilo que queremos alcançar EDUCAÇÃO FÍSICA 179 EDUCAÇÃO FÍSICA E ESCOLA PENSANDO FUTUROS AO PENSARMOS PASSADOS A história da educação física escolar confunde se com a história da escola como a conhecemos Vimos que a escolarização se deu ao lado da es colarização das práticas corporais Por isso ao estudar esse processo no contexto brasileiro foi necessário relacionar a história das perspectivas e dos desafios enfrentados pela expansão da escola em nosso país Uma das maiores dificuldades na expansão tanto da escola quanto da educação física em seu interior foi o longo caminho percorrido lenta mente até termos essas duas instituições coloca das como obrigatórias para todos os brasileiros e brasileiras Interessante verificar que isso se deu mesmo com uma grande quantidade de políticos pensadores e intelectuais colocando como inques ATIVIDADE 180 tionáveis tanto a escola quanto a importância dela educar fisicamente Ao lado desse longo processo concretização ins titucional mais geral a escolarização da educação física enfrentou outros desafios como uma prática defendida pelo seu potencial moralizante educativo higienizador como uma disciplina escolar avaliada como fundamental para a realização de qualquer ambição educativa sempre tem enfrentado a resis tência de várias ordens para ser encarada como uma disciplina escolar igual às outras Essa dúvida foi sendo construída como impor tante para muitas gerações de professores de edu cação física Durante as décadas de 1980 e 1990 essa problemática atingiu um nível de inquietude agudo gerando um processo de questionamentos e proposições pedagógicas que acabou nominado de crise da educação física Tentando sintetizar a intensidade desse período histórico para a edu cação física poderíamos entendêlo como uma tentativa de se encontrar justificativas pedagogi camente viáveis para explicar a importância dos professores de educação física na escola Se for lembrado o caminho histórico que percorremos esse esforço não existiu em outros períodos o que houve foram afirmações que sempre consideravam a educação física possuidora de uma importância inquestionável Um dos pontos centrais da problemática a partir de 1980 era tornar o professor de educação física de fato professor deixandoo de relacionálo com ou tros perfis profissionais que lhe foram sendo atribuí dos no decorrer da história por nós estudada Valter Bracht 1992 em um dos textos mais importantes dessa reflexão levada a cabo por toda nossa área ou campo profissional sintetiza um dos horizontes que passaram a ser buscados Os professores não operam a diferenciação dos papéis de treinador e professor em parte por que a própria Educação Física não tendo auto nomia ou identidade pedagógica não fornece um referencial um conjunto fundamentado e institucionalizado de expectativas de compor tamento Isto é a própria definição do papel do professor de Educação Física inexiste BRA CHT 1992 p 23 Lembrese que uma das consequências de todo esse debate foi a incursão de pesquisadores no campo da educação das ciências humanas da filosofia e da história O livro que você está lendo é uma resultan te daquelas inquietações de professores que ao pen sarem o papel da educação física na escola amplia ram o leque de áreas de conhecimento a subsidiar encaminhamentos para a intervenção em diferentes espaços sobretudo na escola Certamente a crise da educação física influen ciou o modo como a educação física foi disposta na Lei de Diretrizes e Bases LDB 9394 de 1996 No Artigo 26 que versa sobre os currículos da educa ção básica há o Inciso 3 no qual lemos A educação física integrada à proposta pedagógica da escola é componente curricular obrigatório da educação básica BRASIL 1996 sp Atentese para a importância dessa determinação legal à luz dos es tudos históricos que fizemos pela primeira vez na história da educação física escolar ela é considera da como um componente curricular assim como os outros componentes trabalhados na educação bási ca A educação física com isso deixa de ser assumi da pela maior regulamentação educacional do país EDUCAÇÃO FÍSICA 181 como uma atividade como uma recreação ou um meio para desenvolver valências físicas ou psicomo toras Pela LDB 939496 a educação física tratase de um conjunto de estudos que aborda um determi nado conhecimento para a formação cidadã e pro dutiva dos alunos Paralelamente ao desenvolvimento desse avan ço legal obtido para a educação física escolar fo ram elaboradas propostas para a organização do trabalho pedagógico dos professores de educação física nas escolas visando realizar essa nova con dição Essas propostas desde o final da década de 1980 e durante a década de 1990 ficaram co nhecidas como tendências da educação física ou abordagens pedagógicas da educação física Não estudaremos essas tendências individualmente neste momento pois elas serão alvo de reflexão em outras disciplinas do curso Todavia sobre essas abordagens neste mo mento creio que possa ser considerado o seguinte apesar da relevância desse conjunto de debates de investigações propostas e avanços legais apesar do empenho com que se tem lutado para efetivar uma educação física escolar que se afaste da tra dição médica militar e desportiva que marcou as práticas desse componente curricular na história os problemas persistem Ao avaliarem a realidade pedagógica das aulas de educação física a partir de meados dos anos 2000 alguns estudos têm veri ficado que esse grande edifício intelectual e legal da educação física que surgiu depois de sua notó ria crise ainda não teria impactado o cotidiano de alunos e professores Caparroz e Bracht 2007 ao fazerem essa constatação iniciam um artigo nar rando a seguinte situação Temos nos deparado com frequência cada vez maior com depoimentos e ou indagações sobre como realizar e organizar o trabalho docente em educação física na escola Exalu nos da licenciatura apontam dificuldades em relação ao trabalho que desenvolvem Recen temente para citar um exemplo uma profes sora exaluna do curso de educação física oferecido por nossa instituição comentava sobre a prova de um concurso público para seleção de professores de educação física di zendo que havia ido muito bem e que estava feliz por tal mas que ao mesmo tempo es tava preocupada com a materialização da sua prática pedagógica Em seus dizeres Eu sei tudo o que caiu no concurso em relação às abordagens mas não sei como concretizar isso na minha prática pedagógica na escola CAPARROZ BRACHT 2007 p 22 Como explicar essa situação Não bastaria aos pro fessores conhecerem as abordagens e terem o respal do de uma lei que equaliza a educação física aos de mais componentes curriculares para que ministrem boas aulas Será que a crise da educação física ainda não passou apesar de quase 40 anos de debates so bre o seu papel na escola Para deixar a busca por respostas a essas ques tões ainda mais intrigante apontase que uma das maiores fontes de dificuldades para concretizar as propostas existentes vem não apenas de muitos professores de educação física mas dos próprios alunos e dirigentes educacionais que imersos em uma tradição sobre o que é a educação física na escola repudiam qualquer intencionalidade peda gógica que não seja relacionada ao esporte prin cipalmente às modalidades coletivas comumente praticadas ATIVIDADE 182 Deve ainda ser considerado que em nosso con texto essas novas dificuldades da educação física acontecem em um momento que apresenta algu mas rupturas com os períodos por nós estudados Em primeiro lugar hoje temos ampliado de uma forma inigualável a importância cultural econô mica recreativa e social do esporte e das práticas corporais Embora os dados relativos ao sedenta rismo mundial ainda preocupem os cuidados com o corpo e a presença do corpo na definição daquilo que as pessoas pensam delas mesmas e dos outros supera em muito a ética da ação diagnosticada por Sevcenko 2012 nas primeiras décadas do sé culo XX Ou seja na atualidade a tal ética se tornou um imperativo uma obrigação Ao lado dessa constatação verificamos que a escola não conta com a mesma adesão Se a escola se expande na sociedade brasileira carregando mui tas promessas políticas econômicas e civilizatórias nela depositadas essas esperanças perderam força Tornaramse comuns as críticas ao descompasso da escola em relação ao mundo contemporâneo sua incapacidade de formar a juventude que nasceu di gital levando também grande descrença sobre a importância e a autoridade dos professores na cons trução de uma sociedade do conhecimento Durante as reflexões que fizemos insisti na ne cessidade de entrelaçar a escola e a educação física escolar para explicálas mutuamente no processo de desenvolvimento histórico de suas práticas e das lutas que as levaram a se tornarem direito de todos os cidadãos e cidadãs Por quais razões esses direi tos hoje têm dificuldades de serem vistos como tais Por que são eles tomados como obrigações que pararam no tempo e não oferecem razões para justi ficar sua imposição O que explica o fato de a educa ção física escolar ter dificuldade de transformar suas práticas apesar de o corpo e seus cuidados serem assuntos cotidianamente debatidos por pessoas de diferentes idades e classes sociais Se eu tivesse essas respostas eu não hesitaria em escrever mais alguns parágrafos para oferecêlas a você caroa alunoa Não as tenho Que elas estimulem você a continuar seus estudos A mim elas me dão força para pesqui sar e ensinar história da educação física Uma consequência positiva da crise da educa ção física foi a ampliação do leque de assuntos a serem trabalhados nas aulas de educação física É corriqueira a nossa memória sobre as aulas de educação física na escola limi taremse ao ensino ou mais precisamen te à prática de futebol handebol voleibol e basquetebol Na década de 1990 ganhou força a expressão cultura corporal que foi assumida como conceito a definir o conjunto de assuntos a serem abordados pedagogi camente pelo professor de educação físi ca Diferentemente do que vimos em nossa abordagem história buscouse construir um trabalho pedagógico que não se prendesse a um grupo de práticas como ocorrera com a ginástica no início do século XX e com o esporte depois da década de 1960 Ao lado do esporte e da ginástica as lutas a dança os jogos foram outros elementos que entraram no horizonte pedagógico dos professores no momento de preparar e efetivar suas aulas Fonte o autor baseado em Soares 1992 SAIBA MAIS EDUCAÇÃO FÍSICA 183 muitas vezes a cultura escolar restringe o entendimento da educação do corpo à realiza ção de movimentos mecânicos e repetitivos reduzindo as aulas de Educação Física à ativi dade catártica ou meramente complementar a outras disciplinas Marcus Aurélio Taborda de Oliveira Luciane Paiva Alves de Oliveira e Alexandre Fernandez Vaz REFLITA 184 considerações finais P rezadoa alunoa nesta unidade voltamos as lentes da abordagem histórica para as diferentes problemáticas que envolveram a constru ção de muitos elementos que possibilitaram aquilo que é a nossa prin cipal preocupação em um curso de licenciatura em educação física professores alunos conteúdos espaços e tempos dedicados às aulas de educação física dentro do sistema nacional de ensino no Brasil Um dos pontos bastante enfatizados foi o processo que possibilitou o fato de essa estrutura ser coordenada nacionalmente gerando assim umsistema válido para todos os estados Importante verificar nessa análise que impulsos impor tantes à educação física aconteceram em momentos ditatoriais de nossa histó ria política notadamente durante o Estado Novo de Vargas e a Ditadura Militar deflagrada em 1964 Mas não apenas isso você também teve a oportunidade de notar que como resultado da Constituição da 1988 a LDB 9394 de 1996 pela primeira vez na história educacional brasileira fez com que a presença da educa ção física na escola se justificasse pelo fato de ela ser educacionalmente relevante e não por formar o homem forte a mulher saudável o futuro soldado ou trans formar o país em potência olímpica Tratamse de perfis recorrentemente colo cados como objetivos à educação física e que a afastaram do trabalho pedagógico realizado pelos outros componentes curriculares Por fim depois de analisada essa trajetória você pôde perceber que os desa fios ainda existem Embora se considerarmos a formação dos futuros professores e a inserção legal da educação física no âmbito da educação brasileira muitos avanços foram conquistados problemas didáticos e pedagógicos persistem como fazer com que no cotidiano escolar uma educação física se integre na proposta pedagógica da escola efetivamente e não apenas legalmente Mais uma vez como fizemos frequentemente neste livro encerramos um conjunto de reflexões histó ricas com condições de fazer perguntas importantes Esta questão em particular acompanhará você durante toda sua jornada formativa neste curso 185 atividades de estudo 1 Do ponto de vista político caracterize a maneira como aconteceram as primeiras ações para escolarizar a educação física no Brasil 2 As primeiras escolas destinadas a formarem professores de educação de senvolveramse em um processo paralelo a quais outras duas instituições educacionais 3 Pondere a importância do exército e a das faculdades de medicina na ex pansão da educação física brasileira 4 O que significou para a história da educação física no Brasil a LDB 9394 de 1996 5 Considerando a história que foi estudada bem como desdobramentos políticopedagógicos do presente comente os desafios a serem vencidos pela educação física escolar 186 LEITURA COMPLEMENTAR A Educação Física EF como disciplina escolar passa por um processo de transformação do qual todos somos se não protagonistas espectadores Alguns há mais tempo outros menos convivemos com um processo de trans formação que consideramos sem precedentes na histó ria desta atividade pedagógica Processo ao qual enten demos não se tem prestado a suficiente atenção Parece possível afirmar que em linhas gerais o século XX pre senciou nas sociedades ocidentais a consolidação da EF na escola sustentada no conhecimento médicobiológico e orientada pela ideia de que sua função principal era a promoção da saúde articulada discursivamente como uma ideia genérica de educação integral do homem no sentido do desenvolvimento de todas as suas potencia lidades Nesse caminho e de forma mais intensa a partir da metade do século passado a EF estabeleceu uma relação simbiótica com o esporte por meio da qual esse fenômeno em sua forma institucionalizada aca bou sendo praticamente hegemônico nas aulas de EF A tal ponto de no senso comum ser plenamente possí vel confundir EF escolar com prática esportiva Esse processo que ficou conhecido como a esportivização da EF escolar e que foi hegemônico durante várias décadas passou a ser questionado no transcurso dos anos de 1980 a partir daquilo que ficou conhecido como movi mento renovador da EF brasileira Movimento este que impulsionou mudanças em diversas dimensões de nossa área Particularmente no que respeita ao campo educacional questionouse o paradigma de aptidão física e esportiva que sustentava de forma extensiva as práticas pedagó gicas da EF nos pátios escolares Sem poder neste tex to alongar essa descrição podemos apontar que entre outras iniciativas o movimento renovador entendeu que uma das ações necessárias para transformar a EF seria elevála à condição de disciplina escolar tirandoa da categoria de mera atividade Em outras palavras é da mão do movimento renovador que se coloca talvez pela primeira vez um conjunto de questões que não faziam parte das preocupações da tra dição desta área e que balizam as teorias pedagógicas quando buscam legitimar um componente curricular num projeto educacional Questões como Por que esta disciplina deve compor o currículo da escola Quais são seus objetivos Quais são seus conteúdos Como são sistematizados os conteúdos ao longo dos diferentes níveis de ensino Como esses conteúdos devem ser ensinados Como avaliar seu ensino Nesse contexto parece lógico perguntar o que significou a incorporação desses questionamentos teóricopeda gógicos para o campo das preocupações e do fazer da EF Segundo nossa percepção a inclusão dessas preocu pações na área imprimiu uma mudança de tal magnitu de que é possível comparar esse fenômeno a um ponto de inflexão na qual a trajetória da EF faz uma quebra de finitiva com sua tradição legitimadora É dizer que aquilo que nos sustentava como área no plano da legitimidade autoatribuída ruiu e não temos como voltar atrás como esquecer essa inflexão Fonte González e Fensterseifer 2009 p1011 187 material complementar Metodologia do Ensino da Educação Física Carmen Lúcia Soares et al Editora Cortez Ano 1992 Sinopse publicado em 1992 o livro aproxima o ensino da edu cação física da abordagem históricocrítica Nas reflexões o con ceito de cultura corporal tornase estruturante para o que os autores entendem ser o objetivo da educação física escolar Isso é feito a partir de uma consideração do que ela foi na história educacional brasileira Comentário muitas das reflexões desenvolvidas por mim apoiamse nas ideias contidas no livro sugerido Mais conhecido como Coletivo de Autores a obra impactou não apenas cursos de licenciatura em todo o país mas muitas das regulamenta ções legais que foram elaboradas sobretudo diretrizes curricu lares nacionais e estaduais Educação Proibida Ano 2012 Sinopse relata experiências inovadoras tendo como pano de fundo críticas à estrutura escolar tal como existe hoje e que passou a existir a partir do século XIX Comentário o documentário não fala especificamente sobre a educação física muito menos foca o contexto brasileiro Mas ele é interessante por permitir visualizar a maneira como a escola é hoje criticada Se a educação física brasileira tem lutado para estar dentro da escola de uma forma pedagogicamente legíti ma a que se atentar que essa escola para a qual tentamos ter a tal legitimidade tem sido ela também considerada como não legítima para o tempo no qual vivemos 188 material complementar O endereço a seguir levará você ao Centro de Memória do Es porte da Escola de Educação Física CEME da UFRGS Nele há grande quantidade de informações sobre a história do esporte da educação física e do lazer Além disso há livros publicados pelo CEME com acesso gratuito Confira Link httpwwwufrgsbrcemesite 189 referências AZEVEDO F de A cultura brasileira 5 ed São Paulo Melhoramentos Editora da USP 1971 Da educação física 3 ed São Paulo Edi ções Melhoramentos sd BELTRAMI D M A educação física na políti ca educacional do Brasil pós64 MaringáPR EDUEM 2006 BRACHT V Educação Física a busca da autonomia pedagógica In Educação Física e aprendizagem so cial Porto Alegre Magister 1992 p1532 BRASIL Lei nº 9394 Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional BrasíliaDF 20 de dezembro de 1996 Resolução nº 7 da Câmara de Ensino Su perior do Conselho Federal de Educação Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física em nível superior de graduação plena BrasíliaDF 31 de março de 2004 CAPARROZ F E BRACHT V O tempo e o lugar de uma didática da educação física Revista Brasilei ra de Ciências do Esporte Florianópolis v 28 n 2 p 2137 jan 2007 CASTELLANI FILHO L Educação física no Brasil uma história que não se conta CampinasSP Papi rus 1988 GONZÁLEZ F J FENSTERSEIFER P E Entre o não mais e o ainda não pensando saídas do não lugar da EF Escolar II Cadernos de Formação RBCE Curitiba v 1 n 1 p 924 set 2009 HEROLD JUNIOR C Da instrução à educação do corpo o caráter público da educação física e a luta pela modernização do Brasil no século XIX 18801925 Educar em Revista Curitiba v 25 p 237255 2005 MELO V A Escola nacional de educação física em desportos uma possível história 1996 207 f Disser tação Mestrado em Educação Física Programa de PósGraduação em Educação Física Universidade Es tadual de Campinas UNICAMP CampinasSP 1996 PUTCHA D R A formação do homem forte edu cação física e gymnastica no ensino público primário paranaense 18821924 2007 126 f Dissertação Mestrado em Educação Programa de PósGradu ação em Educação Universidade Federal do Paraná Curitiba 2007 RANGELBETTI I C A BETTI M Novas pers pectivas na formação profissional em Educação Físi ca Motriz v 17 n 1 p 1015 jun 1996 SAVIANI D A pedagogia no Brasil CampinasSP Autores Associados 2008 História das ideias pedagógicas no Brasil CampinasSP Autores Associados 2007 SCHELBAUER A R Ideias que não se realizam o debate sobre a educação do povo no Brasil de 1870 a 1914 MaringáPR EDUEM 1998 SEVCENKO N A capital irradiante técnica ritmos e ritos do Rio In SEVCENKO N Org História da vida privada no Brasil República da Belle Épo que à Era do Rádio 2 ed São Paulo Companhia das Letras 2012 p 513620 SOARES C L Educação física raízes europeias e Brasil CampinasSP Autores Associados 1994 Org Metodologia do ensino da educação física São Paulo Cortez 1992 TABORDA DE OLIVEIRA M A et al Fontes para o estudo histórico das práticas corporais esco lares e da constituição da educação física escolar no Estado do Paraná Revista Brasileira de Ciências do Esporte Campinas v 25 n 1 p145158 set 2003 TABORDA DE OLIVEIRA MA OLIVEIRA L P A de VAZ A F Sobre a corporalidade e a escolari zação contribuições para a reorientação das práticas escolares da disciplina de educação física Pensar a Prática v 11 n 3 p 203318 setdez 2008 VAGO T M Histórias de educação física na escola Belo Horizonte Mazza 2010 190 referências Referências OnLine 1 Em httpscommonswikimediaorgwikiFileLuizaMarchioroealunosjpguselangp tbr Acesso em 17 out 2016 2 Em httpscommonswikimediaorgwikiFileFamiliaeescravosBrasil1822jpguse langptbr Acesso em 17 out 2016 3 Em httpscommonswikimediaorgwikiFileRuiBarbosajpguselangptbr Acesso em 17 out 2016 4 httpscommonswikimediaorgwikiFileEMAda3jpguselangptbr Acesso em 17 out 2016 5 Em httpscommonswikimediaorgwikiFileEmmodestinogonC3A7alvesjpguse langptbr Acesso em 17 out 2016 6 Em httpscommonswikimediaorgwikiFileMinervaUFRJjpguselangptbr Acesso em 17 out 2016 7 Em httpscommonswikimediaorgwikiFileBrazilCopaAmerica1919jpguselangpt br Acesso em 17 out 2016 8 Em httpscommonswikimediaorgwikiFilePavilhC3A3oderegatasnaAveni daBeiraMarjpguselangptbr Acesso em 17 out 2016 9 Em httpscommonswikimediaorgwikiFileRevoluC3A7C3A3ode1930jpg Acesso em 17 out 2016 191 gabarito 1 As primeiras iniciativas de escolarização da educação física foram feitas no âmbito dos estados brasileiros 2 Paralelamente à expansão da escola e à criação das primeiras universida des as primeiras escolas de educação física foram criadas para atenderem à crescente demanda de professores qualificados 3 Das faculdades de medicina vieram as justificativas teóricas sobre a impor tância da educação física para a saúde da população Do exército vieram os procedimentos e primeiros responsáveis por realizarem o valor dos di ferentes métodos de ginástica para seus praticantes 4 Significou a passagem da educação física escolar antes entendida como mera atividade corporal à condição de componente curricular da educa ção básica em situação de igualdade pedagógica com os demais compo nentes 5 Apesar dos avanços legais e pedagógicos que assistimos nas últimas déca das na história da educação física escolar constatase que a situação do componente no cotidiano escolar ainda se mantém relativamente inalte rado Ou seja as aulas continuam a se basear no predomínio esportivo e na falta de intencionalidade pedagógica de muitos professores muitos dos quais não conseguem efetivar as diferentes proposições pedagógicas que aprenderam em sua formação inicial ATIVIDADE 192 conclusão geral Caroa alunoa ao chegar ao final deste livro lem brolhe que minha expectativa é ter colaborado para mostrar uma pequena parte do valor que o estudo da história da educação física pode ter Um valor que não se justifica apenas na utilidade que ela possui em iluminar problemas da atualidade muitas vezes nem identificados como tais mas igualmente im portante por nos possibilitar conhecer a história de nossa sociedade e de outras verificando e estudando a educação e as práticas corporais em outras épocas Para isso demos cinco passos em cada uma das unidades deste livro 1 conhecemos as particula ridades do conhecimento histórico 2 pensamos o corpo humano como historicamente percebido cui dado e educado 3 vimos que às diferentes práticas corporais ligamse valores formativos de diferentes ordens 4 por essa razão a escolarização das socie dades contemporâneas se caracterizou pela presença da educação física no interior da escola 5 o mes mo ocorrendo no Brasil em um processo que se deu durante o século XX culminando no fato de a edu cação física se tornar um componente curricular da educação básica Ao encerrarmos algumas das unidades muitas dúvidas ficavam resultantes das reflexões que foram feitas E essa é uma grande contribuição do estudo da história da educação física a você Na continuida de de seu curso na sucessão de disciplinas e discus sões das quais participar lembrese que ao produzir conhecimento histórico e ao estudar a história de qualquer dimensão da vida social lidamos com um conhecimento ao mesmo tempo exigente cativan te e tateante Ele demanda cuidado ao se buscar e apresentar conclusões mesmo depois de uma aten ção meticulosa que damos por um bom período de tempo apenas àquilo de que gostamos muito Mas também é um conhecimento que gera um delicioso ímpeto para saber mais sobre o que nos interessa criando com isso novos interesses Que a leitura deste livro tenha feito você experi mentar um pouco dessa atenção e desse ímpeto De minha parte redigilo acalentando essa possibilida de foi um grande prazer