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Júnia Cleize Gomes Pereira Decifrando enigmas o medo e a coragem no Grande Sertão UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS MONTES CLAROS Janeiro2017 Júnia Cleize Gomes Pereira Decifrando enigmas o medo e a coragem no Grande Sertão Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de PósGraduação em Letras Estudos Literários da Universidade Estadual de Montes Claros como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Letras Estudos Literários Área de concentração Literatura Brasileira Linha de Pesquisa Literatura de Minas Gerais LMG Orientadora Profª Drª Telma Borges UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS MONTES CLAROS Janeiro2017 Catalogação Biblioteca Central Professor Antônio Jorge P436d Pereira Júnia Cleize Gomes Decifrando enigmas manuscrito o medo e a coragem no Grande Sertão Júnia Cleize Gomes Pereira Montes Claros 2017 146 f il Bibliografia f 107109 Dissertação mestrado Universidade Estadual de Montes Claros Unimontes Programa de PósGraduação em Letras Estudos LiteráriosPPGL 2017 Orientadora Profa Dra Telma Borges 1 Literatura brasileira 2 Rosa João Guimarães 19081967 3 Grande sertão veredas Estudo 4 Medo 5 Coragem I Borges Telma II Universidade Estadual de Montes Claros III Título IV Título O medo e a coragem no Grande Sertão UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM LETRASESTUDOS LITERÁRIOS Dissertação de Mestrado intitulada Decifrando enigmas o medo e a coragem no Grande Sertão de autoria da mestranda em Letras Estudos Literários JÚNIA CLEIZE GOMES PEREIRA aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores Profª Drª Telma Borges da Silva Orientadora Unimontes Profª Drª Myriam Corrêa de Araújo Ávila UFMG Profª Drª Ivana Ferrante Rebello UNIMONTES Prof Dr Osmar Pereira Oliva Coordenador do Programa de PósGraduação em LetrasEstudos Literários Montes Claros 02 de março de 2017 À minha família fonte de amor e coragem AGRADECIMENTOS Minha coragem costuma ser variável por isso agradeço a quem entre a letra e o medo me inspirou Ao meu pai homem de nobre valentia A minha mãe que possui coragem calma Ao meu irmão menino dotado da mor coragem A Rafael transmissor de ânimo e confiança À Profª Drª Telma Borges orientadoraamiga pelas leituras preciosas pelas conversas que sempre aclaram as ideias e pela coragem de lidar com o texto literário No meio da orientação e da escrita atravessou um medo esquerdo tomando muitos goles de coragem Ao Prof Dr Alex Fabiano e à Profª Drª Ivana Rebello pela participação e pelas contribuições na minha banca de qualificação À Profª Ivana Rebello em especial por me acompanhar desde o início da travessia acadêmica e por sempre me munir de sugestões edificantes e valiosas Aos colegas pela troca de conhecimento e cumplicidade À CAPES pela bolsa concedida a esta pesquisa Com todo esse amparo de coração vos agradeço Congresso internacional do medo Provisoriamente não cantaremos o amor que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos Cantaremos o medo que esteriliza os abraços não cantaremos o ódio porque este não existe existe apenas o medo nosso pai e nosso companheiro o medo grande dos sertões dos mares dos desertos o medo dos soldados o medo das mães o medo das igrejas cantaremos o medo dos ditadores o medo dos democratas cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte Depois morreremos de medo e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas Carlos Drummond de Andrade RESUMO Esta pesquisa que integra o projeto Enciclopédia do grande sertão da Universidade Estadual de Montes Claros teve como objetivo estudar o medo e a coragem sentimentos que estão dispostos com frequência em Grande sertão veredas de João Guimarães Rosa suas influências nas ações dos personagens e no desenrolar da trama Para concretizar nosso propósito adotamos método analítico textual ou seja fizemos leituras de bibliografias que envolvem a temática e leituras minuciosas de Grande sertão veredas catalogando os medos e as coragens ali existentes Além dos estudos bibliográficos e da definição dos objetos de estudo analisamos como eles se dispõem no romance ou seja como são descritos e conceituados pelo narradorpersonagem Para mais através de algumas passagens averiguamos a maneira com a qual os personagens lidam com seus medos e com a coragem destacando o protagonista Riobaldo que juntamente com Diadorim na travessia do deJaneiro conhece as primeiras proporções do medo e da coragem e que já inserido na jagunçagem procura enfrentar seus medos e tomar dosagens da mais alta coragem a fim de combater Hermógenes o inimigo pactário Desejamos com este estudo além de contribuir para a fortuna crítica de Guimarães Rosa encorajar leitores a atravessarem o sertão rosiano e a entenderem do medo e da coragem sentimentos opostos que coexistem harmoniosamente modificando os seres e os acompanhando ao longo da vida pois diante dos perigos do viver sempre carece de ter coragem ROSA 2001 p 122 PALAVRASCHAVE Literatura Brasileira Literatura de Minas Gerais Guimarães Rosa Medo Coragem ABSTRACT This research which integrates the project Enciclopédia do grande sertão of the Universidade Estadual de Montes Claros aimed to study fear and courage feelings that are often arranged in Grande sertão veredas by João Guimarães Rosa his influences in the actions of the characters and in the unfolding of the plot In order to fulfill our purpose we adopted a textual analytical method that is we did readings of bibliographies that involve the subject matter and detailed readings of Grande sertão veredas cataloging the fears and the existing courage In addition to the bibliographic studies and the definition of the objects of study we analyze how they are arranged in the novel that is as they are described and conceptualized by the narratorcharacter For more through some passages we investigate the way in which the characters deal with their fears and with courage highlighting the protagonist Riobaldo who together with Diadorim in the crossing of DeJaneiros river knows the first proportions of fear and of courage and who already inserted in the withdrawn way seeks to face his fears and to take measurements of the highest courage in order to fight against Hermogenes the pactary enemy Through this study besides contributing to the critical fortune of Guimarães Rosa we wish to encourage readers to cross the rosiano backlands and to understand fear and courage opposite feelings that coexist harmoniously changing beings and accompanying them throughout life because faced with the dangers of living he always lacks courage ROSA 2001 122 KEYWORDS Brazilian Literature Literature of Minas Gerais Guimarães Rosa Fear Courage SUMÁRIO INTRODUÇÃO 10 CAPÍTULO 1 PONTEANDO OS OPOSTOS 16 11 Tudo é e não é universal unidade 32 12 Tudo vem a ser 38 CAPÍTULO 2 O MEDO E A CORAGEM 44 21 O medo 45 22 A coragem 52 23 O medo e a coragem no Grande Sertão 55 CAPÍTULO 3 CARECE DE TER CORAGEM O CONHECIMENTO E OENFRENTAMENTO DO MEDO EM GRANDE SERTÃO VEREDAS 68 31 O medo na primeira travessia 70 32 O contrato de coragem 89 CONSIDERAÇÕES FINAIS 104 REFERÊNCIAS 109 ANEXO 112 10 INTRODUÇÃO Grande sertão veredas de João Guimarães Rosa é um romance enigmático difícil de decifrar num primeiro momento devido à narrativa em fios duplos à dualidade proporcionada pela linguagem pelos acontecimentos e pela própria estrutura em que se organiza Entretanto essa duplicidade configura não só o sertão verbalizado pelo escritor mineiro mas também o mundo fazendo com que o leitor queira entendê los assim como o narradorpersonagem Riobaldo que ao fiar seu passado enevoado procura suas verdades e respostas para suas dúvidas Com esse propósito o exjagunço tenta demarcar os pastos isto é separar os opostos para facilitar sua busca todavia essa tentativa é frustrada pois acaba apontando para um mundo no qual Deus e diabo alegria e tristeza nascimento e morte claro e escuro paz e guerra medo e coragem bem e mal etc se misturam num movimento de atração que configura os seres e as coisas Tendo isso em vista esta pesquisa que integra o projeto Enciclopédia do grande sertão1 teve como objeto de estudo um par desses opostos mencionados o medo e a coragem sentimentos ambivalentes que atravessam o sertão rosiano e a vida dos que o habitam de maneira mútua movente o que estimulou nosso desejo de investigálos de entender qual a influência deles nas ações e na vida de Riobaldo a chamada matéria vertente a matéria sobre a qual ele verte e que se transforma a todo instante As novas experiências e situações são motivadoras dessas mudanças formando novas personalidades nas quais o medo ou a coragem predomina ou seja tem maior domínio sobre as ações do sujeito Sendo sentimentos constantes nos personagens do romance o medo e a coragem ganham relevo por delinearem suas ações e suas personalidades como Diadorim que nasceu para não ter medo ROSA 2001 p 620621 ou seu pai Joca Ramiro o homem mais valente desse mundoROSA 2001 p 122 ou Medeiro Vaz o medroso 1 O Projeto citado é um desdobramento do Projeto nomeado por Pelo sertão geografia aforismos e filosofia na obra de Guimarães Rosa também do Grupo de Pesquisa Nonada que tem como objeto de estudo o romance Grande sertão veredas de João Guimarães Rosa Vinculado ao referido Grupo apresentamos no ano de 2013 um Trabalho de Conclusão de Curso da Graduação em Letras Português intitulado O Sertão de Riobaldo a flora em Grande sertão veredas 11 que gabava ser valente ROSA 2001 p 128 ou Zé Bebelo que era valente de bem ROSA 2001 p 290 ou o grande inimigo pactário Hermógenes o valentão que causava medo nos outros Embora tangenciados todos esses personagens nosso foco principal foi o protagonista Riobaldo que num primeiro momento tem o medo como predominante movimentandoo em busca de formas para enfrentálo pois apesar de se tornar jagunço que é sinônimo de valentia passar por guerras e perigos o medo vai continuar com ele em boa parte de sua vida fundamentando assim o repetido conselho dito por Diadorim Carece de ter coragem ROSA 2001 p 122 Importa ressaltar que a personalidade anterior não é excluída após a mudança é um movimento aditivo e constante Nessa perspectiva lemos e percorremos o Grande Sertão seguindo as pistas de um narrador que também foi personagem e nos embasando na expressão que consideramos ser a máxima do romance tudo é e não é sentença ambígua que se potencializa ao ser empregado o pronome indefinido tudo e ao usar a conjunção aditiva e que amplia tal indefinição Assim como na física verificase que os opostos que constituem essa expressão como todo o romance se atraem formando uma unidade visto que há uma fusão uma adição entre os polos contrários Seguindo esse princípio evidenciase o fato de que não defendemos um sertão maniqueísta Da mesma forma não protegemos a existência de um personagem unicamente medroso covarde tampouco corajoso totalmente destemido seria uma leitura ingênua diante de tantos alertas deixados pelo narrador entre eles quando diz que um dia o medo consegue subir faz oco no ânimo do mais valente qualquer ROSA 2001 p 550 Pelo interior dessa vereda verificamos que o medo e a coragem são opostos que coexistem em todo e qualquer ser oscilando diante das situações perigos e ameaças No entanto por serem elementos corriqueiros mas ao mesmo tempo complexos chamamos atenção para o fato de que a coragem é diferente de audácia e medo não é sinônimo de covardia embora lidem com os mesmos objetos De acordo com a vertente aristotélica se a coragem extrapolar a razão significará temeridade imprudência já o medo poderá se transformar em covardia quando houver temor excedente Ademais ao contrário do que se pensava inicialmente sem excessos o medo é um sentimento essencial para a existência posto que é sinal de que o indivíduo encontrase numa situação de perigo fazendo com que ele fuja ou lute 12 Nesse sentido verificase que os excessos e as faltas podem ser prejudiciais para o homem sendo necessário tanto para o medo quanto para coragem o equilíbrio e a harmonia sobre as quais discorre Heráclito Esse filósofo já defendia a união dos opostos a harmonia entre eles e a mudança que provocam nos seres Mudança constante assim como o fluir das águas de um rio Constatamos que Guimarães Rosa também segue esse curso uma vez que a ambivalência e a mudança são elementos que alicerçam toda a narrativa Partindo desse ponto deparamonos com passagens do romance que em muito se assemelham aos fragmentos heraclitianos Observada essa dualidade na estrutura do romance mais especificamente do medo e da coragem e tendo consciência da relevância desses enigmas levantamos a seguinte problematização Qual a contribuição do medo e da coragem para o desenvolvimento de Grande sertão veredas As hipóteses que levantamos são as de que 1 a coragem singulariza os jagunços levando à guerra à vingança à morte e a outros atos que podem mudar seu destino 2 o medo pode inibir os personagens em suas ações e vivências e 3 o medo e a coragem figuram os seres motivandoos e modificandoos em suas travessias Para apurar tais presunções pesquisamos e apresentamos a fortuna crítica pertinente ao tema analisando como os diferentes autores veem o medo e a coragem no romance Trabalhamos com estudos acerca da reversibilidade dos opostos da dualidade da ambiguidade do atrito e da mistura em Grande sertão veredas a partir de autores como Antonio Candido Walnice Nogueira Galvão José Carlos Garbuglio Ivana Rebello Susi Frankl Sperber Davi Arrigucci entre outros Como sustentáculo para nossa análise textual utilizamos ainda estudos de Ana Maria Machado João Adolfo Hansen Telma Borges Márcia Marques de Morais Michel Foucault entre outros A fim de conceituar e de caracterizar o medo e a coragem incluímos a visão da filosofia2 acerca de tais sentimentos tomando por referência filósofos como Platão e Aristóteles e pesquisadores como Jean Delumeau Georges Duby e YiFu Tuan os 2Devido à ausência de estudos acerca do medo e da coragem na literatura recorremos à filosofia para conceituar tais sentimentos no entanto ressaltamos que não é nosso objetivo aprofundarmos em tal ciência ou nas obras em questão elas serviram de um aparato à nossa pesquisa literária Por fim acreditamos no diálogo e na contribuição mútua entre as ciências para construir conhecimento tanto que neste trabalho além da filosofia nos valemos da física da história e da psicanálise em alguns momentos O pesquisador e a sociedade de maneira geral só têm a ganhar com a interação entre as diversas áreas do saber 13 quais percorreram a história do medo e da coragem desde seus primórdios no Ocidente até a atualidade Além dos estudos bibliográficos e da definição dos objetos de estudo analisamos como o medo e a coragem estão dispostos no romance como são descritos e conceituados Não nos restringimos à visão filosófica ou histórica puramente tendo em vista que realizamos uma análise que convergiu com o texto literário nosso objeto Para mais através de algumas passagens averiguamos a maneira com a qual os personagens lidam com seus medos e com a coragem destacando o protagonista Riobaldo que juntamente com Diadorim na travessia do deJaneiro conhece as primeiras proporções do medo e da coragem e que já inserido na jagunçagem procura enfrentar seus medos e tomar maior coragem a fim de combater Hermógenes o Filho do Demo do Pactário ROSA 2001 p 425 Resultado de tais leituras e pesquisas esta dissertação foi organizada em três capítulos e um anexo No primeiro capítulo apresentamos sobre a universalidade presente em Grande sertão veredas a qual é composta por elementos opostos que se unem formando a matéria existente Além disso ao pensarmos na narrativa como uma unidade demonstramos que a dualidade também perpassa a estrutura do romance o qual tem como princípio a ambiguidade sendo tratada sob diferentes aspectos por vários críticos Tendo isso em vista tomamos a máxima riobaldiana tudo é e não é como o princípio e a síntese do nosso percurso pois simboliza a atração de tudo que se opõe e que se harmoniza formando o uno Tal expressão também foi trabalhada pelo filósofo Heráclito com o qual dialogamos nesse ponto inicial Sendo emoções que podem ser modificadas ao longo da vida visto que ansiedades e sinais de perigos são apreendidos e enfrentados no segundo capítulo fizemos uma exposição de conceitos e de relações históricas e filosóficas do medo e da coragem de acordo com as definições de dicionários e de estudiosos acerca do assunto Após discorrer sobre tais sentimentos de forma generalizada apresentamos como o medo e a coragem aparecem no romance suas características principais e a relação de ambos com o coração visto que tanto a coragem do latim coraticum quanto o medo são vinculados ao referido órgão devido às reações psicofísicas vínculo que se acentua através de algumas micronarrativas riobaldianas conforme descortinamos 14 Possuidor do medo ao longo da narrativa Riobaldo que busca decifrar as coisas que são importantes ROSA 2001 p 116 tem seus momentos de medo e de coragem por isso abordaremos no terceiro capítulo o primeiro encontro dos jagunços ainda meninos e o pacto com o demo ou o enfrentamento do medo e as mudanças em seu comportamento possivelmente decorrentes do que chamamos de contrato de coragem No desenrolar da análise desses episódios discorremos acerca de algumas figuras paternas Selorico Mendes Joca Ramiro Medeiro Vaz e Zé Bebelo nas quais há um possível espelhamento de Riobaldo Além disso exploramos a caracterização e a personalidade de Hermógenes demonstrando a relevância que ele possui na decisão de Riobaldo ao fazer o pacto com o demo palavra que é anagrama de medo e juntas constituem um jogo curioso e essencial para que possamos decifrar a ambiguificada verdade dos enigmas3 isto é o duplo enigma das formas dos seres de Riobaldo Por fim após as diversas leituras de Grande sertão veredas extraímos e ordenamos em forma de tabela as numerosas vezes em que o medo e a coragem aparecem no romance 192 e 86 respectivamente Tal disposição evidencia o caráter multifacetado do medo e da coragem e revela o trato sensível e poético de Guimarães Rosa com esses opostos complementares Devido à complexidade e extensão dos objetos no romance limitamonos nesse primeiro trabalho a discutir somente os vocábulos medo e coragem não sendo catalogados ainda seus sinônimos ainda que mencionados inevitavelmente durante o estudo da narrativa em questão Esses ficarão talvez para um estudo próximo Finalmente é sabido do encanto que perpassa o Grande Sertão neblinando e encobrindo informações o que contribui para sua densidade causando medo pois há perigos na busca por compreensão podendo até causar desistência dos mais temerosos Por isso tudo nossas análises e discussões tiveram o intuito de chegar a possíveis conclusões sobre o problema e as hipóteses levantadas ou seja tínhamos o objetivo de decifrar os enigmas dispostos no romance no que diz respeito ao par medocoragem esquivandonos de uma análise excludente Desejamos com este trabalho além de 3Essa expressão foi encontrada durante nossa pesquisa no IEB Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo que tem sob custódia as cadernetas e os livros da biblioteca de Guimarães Rosa Na Caderneta de nº 17 página 17 temos m o que era o g do enigma m a ambiguificada verdade dos enigmas 15 contribuir para a fortuna crítica de Guimarães Rosa encorajar leitores a atravessarem o sertão rosiano e a entenderem do medo e da coragem sentimentos que modificam os seres e reforçam a característica dual do universo 16 CAPÍTULO 1 PONTEANDO OS OPOSTOS 17 O fiar de Grande sertão veredas é realizado pelo velho Riobaldo o qual faz uma retrospectiva de suas experiências e andanças pelo mundo sertanejo através dum processo de idas e vindas no tempo envolvendo o interlocutorleitor numa travessia que requer coragem Desde sua publicação em 1956 o romance vem sendo explorado por diversas temáticas na tentativa de decifrar os múltiplos enigmas que compõem o itinerário do exjagunço Antonio Candido no renomado O Homem dos Avessos elogia a narrativa e reconhece a pluralidade de visões que a ela permite isso segundo ele se deve à capacidade inventiva do escritor mineiro Na extraordinária obraprima Grande sertão veredas há de tudo para quem souber ler e nela tudo é forte belo impecavelmente realizado Cada um poderá abordála a seu gosto conforme o seu ofício mas em cada aspecto aparecerá o traço fundamental do autor a absoluta confiança na liberdade de inventar CANDIDO 2006 p 111 Nessa obra de cunho inovador entre diversos artifícios temse uma linguagem elaborada justificando o reconhecimento de Candido e de tantos outros críticos pois Rosa resgata arcaísmos atribuindolhes uma nova roupagem cria neologismos misturando palavras de origem estrangeira emprega vocábulos e expressões regionais usadas muitas vezes por populações não letradas Davi Arrigucci no ensaio O mundo misturado romance e experiência em Guimarães Rosa afirma que essa mistura de múltiplas formas de linguagem se articula em unidade ou seja é quase um idioleto próprio do escritor chamando a atenção sobre si todo o tempo pelo inusitado da invenção os achados constantes a graça verbal a forte ênfase ARRIGUCCI 1994 p 13 Tudo isso de acordo com Walnice Nogueira Galvão em As formas do falso um estudo sobre a ambiguidade no Grande sertão veredas aponta para um escritor que ama as palavras que é leitor de dicionários e que se move num universo lingüístico contemporâneo e passado muito mais amplo do que aquele a que estamos habituados GALVÃO 1972 p 73 Essa universalidade linguística mencionada por Galvão se deve à vasta sabedoria apreendida pelo autor durante anos de estudos e às experiências vividas Ainda menino Rosa começou a alimentar sua imaginação em Cordisburgo sua terra onde seu pai Florduardo Pinto Rosa tinha um comércio conhecido como Venda de seu Fulô no qual ouvia causos de várias pessoas que por ali passavam e contavam suas estórias 18 Esses causos juntamente com as lendas e os mitos que passam de pessoa a pessoa alimentam a tradição oral além disso são fontes que propiciam o surgimento de narradores assim como Guimarães RosaRiobaldo que além de tecer sua longa travessia apresentase também como narrador de pequenos relatos que outrora foram ouvidos Ademais em suas viagens pelo interior de Minas Gerais Guimarães Rosa colocou o sertão dentro dos caderninhos de anotações visto que registrava elementos da flora da fauna da hidrografia da cultura e do povo para abastecer sua escrita com os dados anotados Mas havia outras fontes como as correspondências que trocava inclusive com seu pai o qual lhe dava informações contava casos e notícias atendendo aos pedidos do filho diplomata que residindo fora do Brasil solicitava alguns assuntos de seu interesse Além das referidas anotações foram encontrados na biblioteca de Rosa após sua morte 2477 livros entre os quais havia livros de geografia viagens botânica zoologia medicina história artes plásticas filosofia e leituras espirituais SPERBER 1976 p 16 Essa diversidade temática segundo Mônica Meyer em Sertão Natureza mostra que o Arquivo de Guimarães Rosa é um testemunho da sua paixão pelo conhecimento de uma sede de aprender e uma preocupação em nomear a coisa certa o que exigiu um trabalho constante e meticuloso de coleta e de escrita uma verdadeira enciclopédia artesanal produzida para consulta pessoal MEYER 2008 p 58 Todo esse acervo embora indique o desvelo de Guimarães Rosa pelas distintas áreas do saber para sua famosa cultura era pouco conforme salienta Susi Frankl Sperber em seu estudo intitulado Caos e Cosmos leituras de Guimarães Rosa SPERBER 1976 p 16 Ainda de acordo com a estudiosa Rosa não tinha apego aos livros físicos por isso deixou diversos nos países em que viveu como diplomata deu e emprestou muitos o que pode justificar a quantidade encontrada que parece inferior à experiência de leitura do escritor de Cordisburgo Podemos dizer que Grande sertão veredas foi o resultado das experiências que Rosa obteve durante suas travessias do contato com o meio nas viagens pelo sertão tendo acesso aos detalhes desse cenário e do povo que o habita de suas leituras e da 19 relação com as distintas esferas do saber No artigo Radiografias de um romance vestígios de Grande sertão veredas na biblioteca de Guimarães Rosa Telma Borges analisa indícios pistas e sinais do que seria parte do processo de criação de Grande sertão veredas nos livros presentes na biblioteca rosiana disponível no IEB Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo Nesse trabalho é pensado de que modo as leituras realizadas por Guimarães Rosa confirmadas através das marcações nos textos explicitam a produção do romance Tendo como embasamento teórico a diferença conceitual entre dicionário e enciclopédia proposta por Umberto Eco Borges adjetiva o romance como enciclopédico partindo da hipótese de que o projeto de execução de Grande sertão veredas é reflexo do Guimarães Rosa leitor daquilo que suas leituras lhe permitem organizar em termos de conhecimento de mundo de saber enciclopédico poroso impossível de ser pensado com base no pensamento à dicionário BORGES 2013 p 03 Sobre essa transformação do amplo conhecimento em ficção Candido discorre A experiência documentária de Guimarães Rosa a observação da vida sertaneja a paixão pela coisa e pelo nome da coisa a capacidade de entrar na psicologia do rústico tudo se transformou em significado universal graças à invenção que subtrai o livro à matriz regional para fazêlo exprimir os grandes lugarescomuns sem os quais a arte não sobrevive dor júbilo ódio amor morte para cuja órbita nos arrasta a cada instante mostrando que o pitoresco é acessório e que na verdade o Sertão é o Mundo CANDIDO 2006 p 112 Apesar do enredo se desenrolar em um espaço demarcado o sertão mais precisamente o sul da Bahia o norte de Minas Gerais o norte e o nordeste de Goiás o romance representa uma realidade intrincada imbuída de reflexões e indagações acerca do ser e do mundo Dessa forma o escritor de Cordisburgo atribuiu caráter universal a uma obra de feição regionalista Isto posto concordamos com Walnice Galvão quando diz que Guimarães Rosa tem um pé na linguagem do sertão e o outro na linguagem do mundo GALVÃO 1972 p 74 Verificase que Rosa extrai ao máximo elementos da linguagem sertaneja mas ao mesmo tempo ultrapassa a linguagem regional fazendo 20 com que sua obra ganhe um cunho universal o que segundo Galvão é inédito na literatura brasileira Alfredo Bosi em História concisa da literatura brasileira classifica o autor como regionalista mas adverte que Rosa foi o inovador desse período fazendo uso das linguagens não letradas explorandoas e usandoas a serviço de sua complexa prosa Tendo essa ciência Bosi ainda afirma que o regionalismo foi transformado nas mãos do alquimista mineiro O regionalismo que deu algumas das formas menos densas de escritura a crônica o conto folclórico a reportagem estava destinado a sofrer nas mãos de um artistademiurgo a metamorfose que o traria de novo ao centro da ficção brasileira A alquimia operada por João Guimarães Rosa tem sido o grande tema da nossa crítica desde o aparecimento dessa obra espantosa que é Grande Sertão Veredas BOSI 2013 p 457458 Benedito Nunes em seu artigo Primeira Notícia sobre Grande Sertão Veredas publicado um ano após o lançamento do referido romance em 1957 já destacava a linguagem a serviço do tema e a ultrapassagem da esfera regional Grande Sertão Veredas ultrapassa o âmbito regional No drama do sertanejo ou do jagunço irrompem os grandes problemas humanos seja a luta do homem contra a natureza que o estimula e o abate ao mesmo tempo seja o ímpeto do jagunço que se põe em armas para defender uma causa indefinível adota a lei da guerra menos pela rudeza de seu espírito do que pela necessidade de viver e de realizar seu destino Riobaldo Na Idade Média seria cavaleiro andante nos gerais foi jagunço NUNES apud HOLANDA 2010 p 243 grifo nosso O próprio Riobaldo afirma a universalidade das questões que o cercam quando diz que o sertão está em toda parte ROSA 2001 p 24 O sertão é sem lugar ROSA 2001 p 370 Sertão é isto o senhor empurra para trás mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados Sertão é quando menos se espera digo ROSA 2001 p 302 ou seja o sertão rosiano está além das fronteiras geográficas numa dimensão ampliada ou pluridimensional conforme caracteriza Antonio Candido Guimarães Rosa cumpriu uma etapa mais arrojada tentar ao mesmo resultado sem contornar o perigoso mas aceitandoo entrando de armas e 21 bagagens pelo pitoresco regional mais completo e meticuloso e assim conseguindo anulálo como particularidade para transformálo em valor de todos Rosa aceitou o desafio e fez dele matéria não de regionalismo mas de ficção pluridimensional acima do seu ponto de partida contingente CANDIDO apud SPERBER 1982 p 02 Tal universalidade se configura também pelos elementos opostos que permeiam o romance os quais estão presentes na vivência de todo ser humano não sendo particularidades do sertanejo amor e ódio alegria e tristeza Deus e Diabo medo e coragem bem e mal nascimento e morte guerra e paz entre outros Se pensarmos na narrativa como uma unidade veremos que tal dualidade vai além dos referidos pares visto que há uma estrutura em Grande sertão veredas que tem como princípio a ambiguidade que é tratada sob diferentes aspectos por vários críticos entre eles José Carlos Garbuglio Ivana Rebello Antonio Candido Walnice Nogueira Galvão Suzi Frankl Sperber e Davi Arrigucci como veremos a seguir Na primeira parte do estudo Rosa em 2 tempos intitulada O mundo movente José Carlos Garbuglio trabalha vários aspectos ambíguos de Grande sertão veredas a começar por sua divisão O autor defende que o romance é dividido em duas partes sendo a primeira enredada pelas especulações acerca da existência não havendo uma linearidade dos fatos narrados e a segunda sendo um processo narrativo mais horizontal dando enfoque às ações de Riobaldo Segundo Garbuglio o teor especulativo da primeira parte ocupa lugar de menor importância na segunda porque essa é o espelho em que se reflete a imagem da primeira parte Isto é as especulações encontram agora o suporte de suas explicações na medida em que oferece material para compreensão dos fatos estimuladores das angústias do narrador remetendo para o início do romance Deus e o Diabo medo e coragem claro e oculto nascimento e morte e sobretudo a sensação aguda de travessia a implicar a ideia de vida em constante fluir tornando irreversíveis as coisas e os acontecimentos abrindo caminho ao seu oposto natural a morte GARBUGLIO 2005 p 17 Além da divisão da obra rosiana para Garbuglio existem dois tempos o tempo em que aconteceu a história nomeado de plano objetivo e o tempo atual no qual Riobaldo narra o plano subjetivo Segundo o autor ao narrar seu passado Riobaldo o banha com a atualidade acentuando ainda mais o aspecto ambíguo do discurso 22 Entretanto esse caráter ambíguo da narrativa representa a essência dupla do mundo Vejamos Ora sendo o mundo duplo em sua essência a palavra de Guimarães Rosa alcança o que lhe dá essência porque o mundo é a palavra e no caso uma palavra polifacetada como a realidade que ela consegue criar GARBUGLIO 2005 p 32 Importante acrescentar que nessa tentativa de remontar à realidade de dupla face com a finalidade de compreendêla obtémse uma narrativa com a mesma característica fato que muitas vezes dificulta a compreensão do leitor levandoo a um estado também duplicado pois há uma confusão de sentimentos visto que o texto o cativa mas ao mesmo tempo o perturba em consonância com o que acentua Garbuglio O contato com Grande Sertão Veredas empolga e perturba Empolga pela novidade e pela força inventiva e criadora que o singularizam na literatura brasileira perturba pela capacidade inovadora da linguagem e pelo caráter vertical dos problemas nele encontrados GARBUGLIO 2005 p 35 A dualidade proporcionada pela linguagem pelos fatos e pela própria estrutura da obra tem um papel fundamental para a trama pois a singulariza sendo reproduzida constantemente num movimento que busca decifrar os enigmas ou seja é uma narrativa de essência enigmática sendo o duplo recriado de maneira infinita No decorrer de várias exemplificações do romance Garbuglio afirma que a dualidade sustenta o enredo de Grande sertão visto que a narrativa se conforma a um esquema dual e se constitui de fato na mais importante quantitativamente das funções bipolares pois é a partir delas que se processa a distribuição da matéria do romance 2005 p 34 Dualidade também posta por Antonio Candido e trabalhada a partir do princípio da reversibilidade no ensaio O Homem dos Avessos No referido texto Candido discorre sobre a invenção presente na obra de Guimarães Rosa com base na realidade observada por ele conseguindo assim criar um universo autônomo CANDIDO 2006 p 112 isto é há uma coexistência do real e do fantástico que segundo ele são dificilmente separáveis Ademais o estudioso faz uma analogia entre Grande sertão veredas e Os sertões de Euclides da Cunha na qual ele encontra semelhanças como é o caso dos três elementos estruturais das obras a 23 terra o homem a luta mas também ressalta algumas divergências entre elas os objetivos pois enquanto Euclides deseja constatar para explicar Rosa inventa para sugerir CANDIDO 2006 p 112113 Com a finalidade de ressaltar a diferença e a singularidade do universo rosiano Candido estrutura sua análise em três partes A Terra O Homem e por fim O Problema Em A terra é dito que o meio físico serve de quadro à concepção do mundo e de suporte ao universo inventado além de destacar a paisagem de característica ambígua pois é rude e ao mesmo tempo bela CANDIDO 2006 p 113 Nesse meio composto por rios morros palmeiras flores etc o crítico atentase para a função do Rio São Francisco acidente físico e realidade mágica curso dágua e deus fluvial eixo do Sertão CANDIDO 2006 p 114 o qual divide o mundo em duas partes distintas a direita contendo o fasto e a esquerda o nefasto Tal divisão coincide com os acontecimentos do romance conforme descreve Candido Na margem direita a topografia parece mais nítida as relações mais normais Margem do grande chefe justiceiro Joca Ramiro do artimanhoso Zé Bebelo da vida normal no Curralinho da amizade ainda reta apesar da revelação no Guararavacã do Guaicuí por Diadorim mulher travestida em homem Na margem esquerda a topografia parece fugidia passando a cada instante para o imaginário em sincronia com os fatos estranhos e desencontrados que lá sucedem Margem da vingança e da dor do terrível Hermógenes e seu reduto no alto Carinhanha das tentações obscuras das povoações fantasmais do pacto com o diabo Nela se situam perdidos no mistério os elementos mais estranhos do livro o campo da batalha do Tamanduátão as VeredasMortas o liso do Sussuarão desertosímbolo o arraial do Paredão com o diabo no meio da rua no meio do redemoinho Como compensação o amado Urucúia como flor de esperança de resgate Otacília da Fazenda Santa Catarina nos Buritis Altos CANDIDO 2006 p 114115 grifo nosso Esse trecho é importante para nós na medida em que destaca a repartição das ações pelo rio São Francisco que também divide a vida de Riobaldo em duas partes e que serve de cenário para o primeiro encontro com o Menino episódio a ser explorado no terceiro capítulo deste trabalho Por ora ressaltamos a ambivalência abordada por Candido este que afirma que a natureza varia devido ao princípio de adesão do mundo físico ao estado moral do homem CANDIDO 2006 p 116 tal assertiva é confirmada com o episódio do Liso do Sussuarão o desertosímbolo como destacado na citação acima no qual a travessia falha na primeira tentativa porém mais 24 tarde com Riobaldo sendo chefe a mesma é realizada Assim sendo Candido assevera que há uma ambiguidade no Liso pois ele é simultaneamente transponível e intransponível Ou seja em virtude da mudança do estado do homem o qual passa a ser chefe houve a mudança do meio visto que a passagem se tornou possível Essa ambiguidade do Liso do Sussuarão é acentuada quando analisamos as palavras que compõem tal expressão nominativa liso transmite uma ideia de superfície plana e sem aspereza ambiente desprovido de fauna e de flora com o chão tomado somente pelo sol conforme o relato de Riobaldo A gente olhava para trás Daí o sol não deixava olhar rumo nenhum Vi a luz castigo Achante pois se estava naquela coisa taperão de tudo fofo ocado arreveso Era uma terra diferente louca e lagoa de areia Onde é que seria o sobejo dela confinante O sol vertia no chão com sal esfaiscava De longe vez capins mortos e uns tufos de seca planta feito cabeleira sem cabeça Asexalastrava a distância adiante um amarelo vapor E fogo começou a entrar com o ar nos pobres peitos da gente ROSA 2001 p 6364 Já a palavra sussuarão não está interligada à ideia de lisura do solo ou ausência da natureza pelo contrário temos várias relações do vocábulo com elementos naturais sussuarão pode corresponder ao gênero masculino de uma onça parda chamada suçuarana ou sussuarana bem como a um lugar nominado Serra da Sussuarana localizada no município de Cocos na Bahia o qual tem a ecologia desenvolvida Nesse sentido Sussuarão seria a masculinização de suçuaranaSussuarana substantivo ligado à onça e à Serra ambos relacionados à natureza No romance o Liso do Sussuarão não era somente raso sem vida tinha também sua vegetação a qual fora descoberta na travessia guiada por Riobaldo o UrutúBranco Ali então tinha de tudo Afiguro que tinha Sempre ouvi zum de abêlha O dar das aranhas formigas abelhas do mato que indicavam flores Eu que digo Mesmo não era só capim áspero ou planta peluda como um gambá morto Digo se achava água O que não emapenas água de touceira de gravatá conservada Mas em lugar onde foi córrego morto cacimba dágua viável para os cavalos Então alegria E tinha até uns embrejados onde só faltava o buriti palmeira alalã pelas veredas E buracopoço água que dava prazer em se olhar Devido que nas beiras o senhor crê se via a coragem de árvores árvores de mata indas que pouco altaneiras simaruba o anis caneladobrejo pauamarante o pombo e gameleira A gameleira branca ROSA 2001 p 524525 25 Ao explorar a palavra sussuarão lembramonos também de sussurro pois são palavras que se assemelham graficamente e sonoramente remetendonos ao ato de sussurrar pela aliteração s Sussurro é um som que se aproxima de murmúrio e zumbido como o que Riobaldo ouviu das abelhas que lhe mostravam as flores durante a travessia do Liso Sempre ouvi zum de abêlha abelhas do mato que indicavam flores ROSA 2001 525 Metaforicamente o sussuarão também pode ser o sussurro a expressão dos sons da natureza já que na segunda passagem ele é descrito de forma próspera com plantas animais e água Desta forma vêse que Liso representa a parte intransponível do lugar por outro lado a palavra Sussuarão simboliza a transponibilidade É o significante contribuindo para dar sentido à coisa ao referente isto é o lugar que é em si ambíguo carrega consigo um nome que também é constituído pela ambivalência Com relação ao que foi defendido em A terra e em O homem Candido diz que há o inverso aqui os homens são produtos do meio físico este que concede uma dupla ação pois o sertão os encaminha e os desencaminha propiciando um comportamento adequado à sua rudeza CANDIDO 2006 p 117 forçandoos dessa forma a criar lei que choca com a da cidade Além disso é afirmado que o Sertão transforma os homens livres em jagunços cada um por seu motivo particular e nesse sentido o estudioso denota que o Sertão faz o homem CANDIDO 2006 p 119 Ainda sobre o jagunço Candido diz que em Guimarães Rosa ele não é simplesmente um salteador mas um tipo híbrido entre capanga e homemdeguerra atestando que há um homem fantástico a recobrir ou entremear o sertanejo real há duas humanidades que se comunicam livremente pois jagunços são e não são reais CANDIDO 2006 p 119 Vêse dessa forma o caráter reversível que Antonio Candido atribui aos jagunços rosianos os quais ganham complexidade sendo usado o enigma ser e não ser para definilos de essência reversível e sobre o qual trataremos oportunamente Finalmente em O Problema há a análise da grande indagação do narradorpersonagem a existência ou não do diabo e o possível pacto realizado por ele em nome de uma tarefa aniquilar o traidor Assim verificamos por meio deste ensaio que há uma mutualidade do poder exercida pela terra e pelo homem o que o crítico nomeia de reversibilidade 26 CANDIDO 2006 p 124 ratificando ser uma atmosfera existente em Grande sertão veredas Segundo Candido a essa reversibilidade do romance se prendem várias ambiguidades as quais enumera Ambiguidade da geografia que desliza para o espaço lendário ambiguidade dos tipos sociais que participam da Cavalaria e do banditismo ambiguidade efetiva que faz o narrador oscilar não apenas entre o amor sagrado de Otacília e o amor profano da encantadora militriz Nhorinhá mas entre a face permitida e a face interdita do amor simbolizada na suprema ambiguidade da mulherhomem que é Diadorim ambiguidade metafísica que balança Riobaldo entre o Deus e o Diabo entre a realidade e a dúvida do pacto dandolhe o caráter de iniciado no mal para chegar ao bem CANDIDO 2006 p 125 Ao discorrer sobre essa ambiguidade constante no romance Candido defende que estes diversos planos da ambiguidade compõem um deslizamento entre pólos uma fusão de contrários uma dialética extremamente viva que nos suspende entre o ser e o não ser para sugerir formas mais ricas de integração do ser E todos se exprimem na ambiguidade inicial e final do estilo a grande matriz que é popular e erudito arcaico e moderno claro e obscuro artificial e espontâneo CANDIDO 2006 p 125 Ao afirmar que na ambiguidade se tem um deslizamento entre os polos obtendo uma junção dos opostos nos lembramos das leis da física4 as quais nos convêm a fim de reforçar a defesa do ponto de vista aqui defendido Desenvolvida por Charles Augustin Coulomb a Lei de Coulomb trata da força de interação entre as partículas eletrizadas as partículas de mesmo sinal se repelem e as de sinais opostos se atraem No magnetismo não é diferente pois ao pegarmos dois ímãs e os aproximar eles podem atrairse ou repelirse O fenômeno de atração ocorre quando aproximamos as extremidades de dois ímãs de polaridades opostas isto é a extremidade norte de um ímã com a extremidade sul de outro Já o fenômeno da repulsão acontece quando aproximamos as extremidades de dois ímãs de mesma polaridade ou seja norte com norte e sul com sul 4 Tais teorias foram discutidas com o Engenheiro Elétrico André Luiz de Paulo e Silva que muito contribuiu para as reflexões apresentadas 27 Assim como na física verificase que os opostos que constituem o romance se atraem formando uma união visto que há conforme Candido uma fusão entre os polos contrários o que contribui para a potencialização do ser no relato e para sua própria estrutura dual Ao percorrer essa mesma vereda Ivana Rebello em sua tese Poética de atrito Pedras jogo e movimento no Grande Sertão afirma que Essa lógica de conciliar contrários de unir os duplos atando o igual e o desigual numa mesma coisa foi largamente usada por Guimarães Rosa em seus livros e compõe o que chamo de poética de atrito O Hermetismo proveniente da ciência alquímica algumas vezes aludida por Rosa concentrase na visão de um mundo em que tudo é duplo tudo tem o seu oposto mas os opostos se igualam na mesma natureza os extremos se tocam e todos os paradoxos podem ser conciliados REBELLO 2011 p 142 Rebello defende uma narrativa constituída por um choque de elementos díspares que se unificam que se atritam mutualmente mas ao mesmo tempo se conciliam proporcionando ritmo à narrativa é a poética de atrito expressão que intitula seu trabalho Tendo como aparato Octávio Paz segundo a pesquisadora esse atrito é como potência de experimentação linguística na ficção rosiana é parte constitutiva do universo poético como afirma Octavio Paz O mundo de operação do pensamento poético é a imaginação e esta consiste essencialmente na faculdade de relacionar realidades contrárias ou dessemelhantes PAZ 1993 p 146 REBELLO 2011 p 72 Em O mundo movente primeira parte do texto de Garbuglio é ressaltada essa característica movente de atrito defendida por Rebello e que compõe o universo duplo rosiano acrescentando que os opostos conduzem para uma zona de difícil estabelecimento do definido medo e coragem beleza e violência atração e repulsa mistério e desejo participam igualmente do ritual que investe Riobaldo nos segredos e relações da vida O cosmos se manifesta na sua dupla face ostentando os aspectos dominados pela presença de opostos GARBUGLIO 2005 p 48 28 Constatase assim a composição do universo pelos contrários mas convém ressaltar que não são extremos sem conectividade eles se completam se harmonizam dependendo um do outro para que de fato existam Afirmação que está em concordância com uma das vertentes desenvolvidas na obra póstuma Curso de Linguística Geral de Ferdinand de Saussure pai da linguística moderna Na referida obra a linguística é instaurada enquanto ciência influenciando todo fazer linguístico ganhando relevo pela definição do seu objeto das unidades que a constituem de suas características do lugar que ocupará dentre os saberes existentes etc Ademais a língua é conceituada como sendo um sistema de signos e tendo em vista que os signos são unidades mínimas de sentidos verificamos que tais unidades se definem umas pelas outras Ao discorrer sobre o valor linguístico considerando seu aspecto conceitual Saussure afirma que nesse sistema todos os termos são solidários e o valor de um resulta tãosomente da presença simultânea de outros SAUSSURE 2006 p 133 Ou seja o conceito de um signo está vinculado à negação do outro conforme a seguir Quando se diz que os valores correspondem a conceitos subentendese que são puramente diferenciais definidos não positivamente pelo seu conteúdo mas negativamente por suas relações com os outros termos do sistema Sua característica mais exata é ser o que os outros não são CLG 2006 p 136 grifo nosso No artigo A reflexão saussuriana e os distúrbios de linguagem uma proposta de aproximação Fábio Aresi articula a teoria de Ferdinand de Saussure ao estudo dos distúrbios de linguagem com o intuito de contribuir para o entendimento do funcionamento da linguagem em geral Para isso Aresi perpassa pelo Curso de Linguística Geral interpretando a relação que Saussure instaura entre a língua e seus valores Tal é o caráter do sistema linguístico proposto por Saussure um sistema relacional no qual um signo só constitui uma realidade linguística isto é só possui existência na medida em que mantém uma relação de oposição com os demais signos do sistema não sendo portanto preexistente a esse jogo da língua ARESI 2012 p 493 29 No tecer de Riobaldo há a demonstração desse evento pois o conceito de um signo está relacionado a uma oposição de outro signo da língua vejamos alguns exemplos Deus é paciência O contrário é o diabo ROSA 2001 p 33 Senhor sabe Deus é definitivamente o demo é o contrário Dele ROSA 2001 p 58 O que não é Deus é estado do demônio Deus existe mesmo quando não há Mas o demônio não precisa de existir para haver a gente sabendo que ele não existe aí é que ele toma conta de tudo ROSA 2001 p 76 Nesses fragmentos há definições ainda que vagas a respeito de Deus mas não nos deixa nítida uma definição acerca do diabo sem que esta esteja vinculada à ideia do que seja Deus portanto ocorre a dependência de forças contrárias para que os entes Deus e Diabo existam Susi Sperber em Caos e Cosmos revela que entre os 2700 livros encontrados na biblioteca rosiana os de temáticas espirituais foram os mais marcados por Guimarães Rosa o que chamou sua atenção levandoa a confrontar em seu trabalho as leituras espirituais realizadas pelo autor com trechos da obra observando o reflexo daquelas em Grande sertão veredas Tendo como sustentação a filosofia plotínica Sperber atesta que há no romance em questão a prova da existência do Diabo e do Mal como sendo o contrário de Deus e do Bem Em um dos livros acerca da espiritualidade intitulado Primeira Série de Instruções Sperber destaca o seguinte trecho marcado por Rosa Jamais deveremos conceder ao mal uma existência verdadeira Elle é apenas fictício e existe como contraste para o Bem e sem ele não consideraríamos o Bem como Bem Primeira Série de Instruções apud SPERBER 1976 p 295 Com isso de acordo com o entendimento da crítica Guimarães Rosa inaugurou a necessidade do contrário da oposição dentro do romance o que explicaria a mesura e o desmesurado o limite e o ilimitado a forma e o informe que percorrem Grande sertão veredas SPERBER 1976 p 103 Essa perspectiva rosiana acerca dos opostos diverge da maniqueísta a qual se baseia numa doutrina religiosa fundada na Pérsia por Maniu Maniqueu no século III Tal doutrina o maniqueísmo afirma que os pares opostos Deus e Diabo corpo e alma claro e obscuro etc são antagônicos e irreconciliáveis ademais defende que um dos lados deve destruir o outro baseandose no que julga ser do Bem e do Mal Nesse sentido entendemos que não há maniqueísmo em Grande sertão veredas visto que os 5Susi Sperper não cita a autoria da obra 30 opostos não estão delimitados e não excluem o outro eles estão fundidos caracterizando as incógnitas a serem compreendidas por Riobaldo e instaurando a ambiguidade no que está sendo tecido Além disso podemos dizer que essa ambiguidade é o que instiga o narrador e o leitor na busca por respostas tornandoos dessa forma cúmplices devido a um único movimento Sobre isso Garbuglio afirma que não é o evidente que interessa mas o encoberto aquilo que se pode suspeitar sem nunca ter certeza GARBUGLIO 2005 p 58 Nesse viés a ordem no romance é descobrir o encoberto definir o que parece ser indefinível visto que de acordo com Susi Sperber a dúvida de Riobaldo é definir aquilo que se apresenta em si duplo SPERBER 1976 p 113 Sendo assim o ideal é fazer a separação dos opostos pois estão unidos ou como prefere o personagem narrador conceituar estão misturados ROSA 2001 p 237 Na passagem que segue fica perceptível que Riobaldo tem consciência desse misto de extremos e da conveniência de realizar a separação dos mesmos pois ao apartálos temse o intuito de delimitar as áreas facilitar o entendimento e esclarecer os fatos neblinados pela dúvida Baixei mas fui ponteando opostos Que isso foi o que sempre me invocou o senhor sabe eu careço de que o bom seja bom e o rúim ruim que dum lado esteja o preto e do outro o branco que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza Quero os todos pastos demarcados Como é que posso com este mundo A vida é ingrata no macio de si mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero Ao que este mundo é muito misturado ROSA 2001 p 237 Davi Arrigucci Jr faz uma leitura acerca dessa mistura peculiar do mundo que singulariza o sertão de Rosa no ensaio O mundo misturado romance e experiência em Guimarães Rosa Para Arrigucci essa vontade de Riobaldo de entender as coisas claras delimitando os opostos defrontase com a mistura do mundo a qual segundo o ensaísta está presente em diversos aspectos e planos do livro a mistura da linguagem da caracterização dos seres como Hermógenes mistura de jiboia e cavalo das distintas formas da narrativa do atraso com o progresso do arcaico com o moderno do universo do sertão com o citadino da cultura oral com a escrita representados respectivamente por Riobaldo e seu interlocutor da significação da palavra sertão e por ser elemento constante na interpretação dos fatos ganha relevância a mistura do 31 Diabo em tudo Em síntese Davi Arrigucci afirma que com esse esquema narrativo mesclado o enigma das formas misturadas assim se busca esclarecer ARRIGUCCI 1994 p 20 e compreender os pontos de ligação desse enredamento por vezes labiríntico é tocar no modo de ser fundamental do grande livro ARRIGUCCI 1994 p 22 Essa mistura de elementos que defende Arrigucci como sendo a estrutura que movimenta o romance é compartilhada por Walnice Nogueira Galvão a partir do que ela chama de uma coisa dentro da outra Em seu livro As Formas do Falso um estudo sobre a ambiguidade em Grande sertão veredas Galvão relata que após vários estudos acerca do romance restoulhe um único problema que seria a chave para sua leitura a ambiguidade Com base no conto de Maria Mutema a autora defende que a ambiguidade é o princípio organizador de Grande sertão uma vez que atravessa todos os níveis da narrativa sendo assim sua estrutura é definida por um padrão dual recorrente Nesse viés Galvão discorre sobre uma coisa dentro da outra isto é um padrão que contém dois elementos diferentes o continente e o conteúdo Nas linhas gerais temse um conto no meio do romance assim como o diálogo dentro do monólogo a personagem dentro do narrador o letrado dentro do jagunço a mulher dentro do homem o Diabo dentro de Deus Foi perseguindo esse filão que consegui encontrar a explicação especificamente literária para o Diabo na rua no meio do redemunho GALVÃO 1972 p 13 Sob esse ponto de vista defendido Walnice afirma que o viver é caótico confuso e desordenado sendo necessária uma ordenação do que restou na memória para refletir e construir o texto A ambiguidade que perpassa essa tentativa de organização segundo a autora passa como se ora fosse e ora não fosse as coisas às vezes são e às vezes não são GALVÃO 1972 p 13 Mas adverte que esses pares não chegam a constituirse em opostos antes vivenciandoos o sujeito alternadamente sem que a tensão entre eles engendre o novo não se pode falar em contradição mas apenas em ambiguidade GALVÃO 1972 p 13 é o que verificamos na máxima que sintetiza a ordenação do romance Tudo é e não é 32 11 Tudo é e não é universal unidade Logo no início do romance notase a instalação da anarquia acentuada pela ambiguidade uma vez que Riobaldo discorre sobre o caráter dual das coisas o bezerro com cara de gente e cara de cão a afirmação de que quem se evita se convive o diabo que existe e não existe e a estranhez da mandioca mansa que pode virar brava e viceversa Nesse meio deparamonos com uma passagem que acreditamos ser cara à narrativa É e não é O senhor ache e não ache Tudo é e não é ROSA 2001 p 27 Em tal sentença Riobaldo faz uma afirmação e uma negação mas uma ação não se aparta da seguinte ou seja como diz Galvão estão dentro da outra visto que há uma reunião que permite passar de um terreno a outro sem haver qualquer supressão há conforme Candido uma atmosfera reversível CANDIDO 2006 p 125 Após a referida máxima essa comunhão entre os elementos opostos que configuram o interior do homem é ilustrada por dois casos significativos Antes deles porém Riobaldo diz que quase todo mais grave criminoso feroz sempre é muito bom marido bom filho bom pai e é bom amigodeseusamigos ROSA 2001 p 2728 Essa passagem retrata a fusão de diferentes sentimentos que existem em um único ser podendo quando lhe é conveniente translinear por eles o que faz com que o indivíduo tenha uma personalidade maleável Depois desse excerto o primeiro caso é relatado o de Aleixo indivíduo que praticava maldades mas ao mesmo tempo era homem afamilhado e amava os quatro filhos que tinha Um dia ele mata gratuitamente um velhinho que pedia esmola e em seguida os filhos pegam sarampo e ficam cegos devido a isso Aleixo mudou arrependendose das crueldades e tornandose um homem de bem sempre ao lado de Deus Já no segundo caso temos o inverso Riobaldo conta sobre o sujeito Pedro Pindó e sua esposa pessoas que sempre foram boas mas tinham um filho mau o qual sentia satisfação em torturar e matar animais Certa vez com a finalidade de corrigir as maldades do filho os pais castigaramno todavia acabaram sentindo prazer nos maltratos hábito que se transformou em diversão e por fim o filho passou a sofrer como se fosse um menino bom 33 Tais estórias surgem no momento em que Riobaldo começa a discutir sobre a existência ou não do Diabo o qual segundo o narrador vige dentro do homem os crespos do homem ROSA 2001 p 26 Com os casos depreendese que o homem é formado por sentimentos distintos que coexistem dentro dele bem e mal representado por Deus e pelo Diabo respectivamente bastando aparecer certas condições para que haja o predomínio de um deles e ainda vêse que a personalidade do ser é caracterizada não pela exclusão mas pela conversão de sentimentos ou melhor pela reversibilidade Dessa forma parecenos que a dualidade que permeia todo o romance está sintetizada na expressão Tudo é e não é esta que usurpa em sua essência significação também ambígua Ademais tal sentença se dispõe diante do ouvinteleitor como um verdadeiro enigma a ser decifrado pois é composta por códigos obscurecidos e indefinidos conforme veremos Em seu estudo intitulado Guimarães Rosa Signo e Sentimento Susi Frankl Sperber preocupase em entender a contribuição do autor mineiro a partir do que ela chama de linguagem forjada SPERBER 1982 p 03 fazendo comparações entre rascunhos e versão definitiva da escrita observando através desse processo as modificações realizadas o trato com as temáticas e com a linguagem Para essa análise Sperber se valeu dos conceitos de sintagma unidade mínima de sentido estruturado e de signos microunidades que constroem os sintagmas Nesse viés a autora nos diz que conforme os processos de enfatização ou de retardamento do sentido o sintagma se preenche de significado ou se abre de modo a que não o apreendamos imediatamente Na medida em que o sintagma está mais aberto mais é exigido do leitor Nesse sentido quanto mais aberto o sintagma maior o contato narradorleitor A sequência incompleta em seu sentido ou insatisfatoriamente completa apresenta um paradigma aberto o qual no dizer de Roland Barthes equivale a uma perturbação lógica SPERBER 1982 p 07 Ainda de acordo com o estudo de Susi Sperber em meio a esse processo de abertura está o uso da indefinição e é graças a ela que o sentido da sentença se amplia remetendo a um paradigma convencional amploSPERBER 1982 p 07 Sperber acrescenta que em uma narrativa essa indefinição pode provir de partículas indefinidoras de duplicações das expansões do núcleo do relato e do conhecimento 34 impreciso que o narrador tem do que está sendo contado Essas indefinições segundo a crítica irão atuar na imaginação do leitor na forma de busca por paradigma Nessa perspectiva quando é dito tudo é e não é há uma abertura do sintagma proveniente de uma dupla indefinição a ambiguidade da indefinição ser e não ser a qual implica numa instabilidade na tentativa de conceituar o signo tudo este que se configura em outra indefinição visto que é um pronome indefinido cujo significado é muito amplo podendo ser uma infinidade de coisas Ao indagar a respeito de como se dá a problemática do dualismo em Grande sertão veredas Susi Sperber em Caos e Cosmos afirma que a expressão Tudo é e não é é significativa para todo o livro pois em primeiro lugar salta aos olhos uma diferença com respeito ao famoso to be or not to be shakespeariano onde a conjunção coordenativa é alternativa enquanto que a conjunção coordenativa Roseana é aditiva Portanto já no sintagma acima verificamos que a noção não implica uma ambiguidade nem uma dialética os pólos opostos seriam excludentes porém uma unidade bipolar Devemos achar e não achar ao mesmo tempo Porque não apenas as noções expostas são e não são senão tudo é e não é SPERBER 1976 p 110 Apesar de nesse trecho a crítica negar ser uma ambiguidade mas ao mesmo tempo assegurar que os polos opostos componentes do sintagma formam uma unidade em nota de rodapé Susi Sperber relaciona o É e não é rosiano à ambiguidade essencial da função poética que reifica a mensagem desdobrando o emissor o receptor e o referente é a mesma contida no aixo era y no era citado por Jakobson in Essais de linguistique Génerale Paris Minuit c 1963 p 239 apud Sperber 1976 p 109 Telma Borges em texto já mencionado destaca um trecho na página 181 do livro La sainteté aujourdhui de Pierre Blanchard de 1953 Deus é e não parece O Diabo parece mas não é6 Na marginália de tal página Rosa grifa oh O grande sertão ROSA apud BORGES 2013 p 19 A partir desse achado Borges especula sobre o motivo que levou o escritor a ressaltar o fragmento com tal expressão assim ela levanta as seguintes hipóteses 6 BLANCHARD apud BORGES 2013 p 18 35 1 Rosa como leitor realiza tal ação em busca de sustância para sua literatura 2 a expressão se refere não só ao romance mas a toda a literatura do autor em que o sertão é a grande personagem 3 Rosa encontra nas leituras que faz mecanismos de universalização do sertão nesse caso por via da metafísica religiosa É o sertão em toda parte 4 a expressão tudo é e não e suas correlatas no romance ou se confirmam aí ou tem aí sua origem 5 o uso da expressão Oh pontuada com a exclamação pode indicar o encontro enfim de algo há muito procurado eou o inesperado de um encontro que viria a redimensionar seu processo de escrita do romance BORGES 2013 p 19 Dentre essas hipóteses elaboradas a quarta nos chamou a atenção por se tratar especificamente da expressão Tudo é e não é esta que se assimila à de Pierre Blanchard Deus é e não parece O Diabo parece mas não é BLANCHARD apud BORGES 2013 p 18 Tendo em vista essa aproximação Borges aponta a viabilidade de estar nesse trecho de Blanhard a confirmação da adição ser e não ser feita por Rosa ou a sua origem já que o livro é anterior à publicação do romance e possui vestígios de leitura realizada pelo escritor mineiro A estudiosa finaliza seu texto discorrendo sobre as infinitas possibilidades de projeção significativa de Grande sertão veredas motivo pelo qual ela o chama de romance enciclopédico Acrescentamos a essa afirmação a possibilidade de Guimarães Rosa ter compactado Deus e Diabo do trecho de Blanchard no pronome tudo assegurando ainda mais o caráter de enciclopédia que defende Telma Borges já que tudo tem o significado ilimitado Ainda em relação à máxima tudo é e não é Susi Sperber nos deixa uma indagação O que é tudo porémSPERBER 1976 p 110 Esse pronome indefinido não se vincula a uma só significação contém sentido múltiplo que se alarga através da conjunção coordenativa adicional e No entanto a indefinição que configura o sentido de tudo pode ser restringida ou até eliminada pelo próprio texto através dos sintagmas que seguem e que se articulam nessa duplicidade de ser e não ser Em Signo e Sentimento Sperber reconhece essa possibilidade pois ela afirma que um signo ou sintagma não está isolado do contexto no qual estão inseridos visto que o contexto funciona não só para a ordenação dos elementos da ação como também para a determinação ou indeterminação dos signos utilizados para designar esta ação SPERBER 1982 p 08 Sendo assim cabe a nós a decodificação do que está oculto e o preenchimento dos vagos através do contexto ou seja da macroestrutura visto que o 36 tecer de Riobaldo é enigmático Esta vida está cheia de caminhos ocultos ROSA 2001 p 170 A vida é um vago variado ROSA 2001 p 516 Apesar do sintagma Tudo é e não é estar logo no início do relato em meio a uma série de elementos duplos que introduzem a reflexão acerca dos seres e do mundo ele está difundido em todo o romance visto que as reflexões têm uma continuidade embora não tenham linearidade Dispomonos de alguns deles O sertão é isto o senhor sabe tudo incerto tudo certo ROSA 2001 p 172 Naqueles dias então eu gostava dele Em Pardo Gostava e não gostava ROSA 2001 p 196 O diabo existe e não existe ROSA 2001 p 26 Neste mundo tem maus e bons todo grau de pessoa Mas então todos são maus Mas mais então todos não serão bons ROSA 2001 p 328 O jagunço Riobaldo Fui eu Fui e não fui Não fui porque não sou não quero ser ROSA 2001 p 232 Sei que amava não amava ROSA 2001 p 407 O que é que o burití diz É Eu sei e não sei ROSA 2001 p 417 Numa narrativa permeada por reflexões as dúvidas são expostas e as perguntas são realizadas constantemente com o intuito de sanálas buscar respostas aprender o que ainda não se sabe Vivendo se aprende mas o que se aprende mais é só a fazer outras maiores perguntas ROSA 2001 p 429 É o que se observa nesses trechos selecionados posto que Riobaldo questiona sobre a existência do Diabo se todas as pessoas são boas se foi mesmo jagunço se amou Diadorim no entanto essas construções interrogativas acentuam o caráter ambíguo e a incerteza que comportam tais sentenças deixando seu discurso ainda mais enigmático O fato é que todos esses trechos interrogativos ou não à maneira da máxima tudo é e não é carregam afirmações e negações que vão ao encontro da duplicidade do referente Não há definições exatas mas uma mistura sem demarcação A incerteza que existe não exclui o certo estão dispostos por uma conjunção implícita que foi substituída pela vírgula no sertão tudo é certo e incerto E nesse sertão duplicado o diabo oscila entre o existir e o não existir existe nos crespos do homem e não existe pois de acordo com as conclusões de Riobaldo o que existe é o homem humano Se existe o mau o bom existe já que um precisa do outro para ser então todos são maus e não são O buriti nas VeredasMortas sabia e não sabia diferente dos buritis dos Gerais os quais aconselhavam Riobaldo Entretanto não há somente questionamentos 37 relacionados ao outro mas também a si mesmo ao seu passado enquanto jagunço Riobaldo foi e não foi jagunço gostava e não gostava amava e não amava Sendo essas reflexões realizadas pelo narradorpersonagem vêse que têm caráter duplo pois o seu pensar é em si uma dialética Eu penso é assim na paridade O demônio na rua Viver é muito perigoso e não é não Nem sei explicar estas coisas Um sentir é o do sentente mas outro é o do sentidor ROSA 2001 p 328 Paridade é qualidade do que é par ou seja elementos que se dispõem simetricamente em dois o que explica a ambiguidade da linguagem empregada Vejamos que logo após qualificar seu pensar afirma que viver é perigoso negando em seguida Quer dizer viver é perigoso e não é Fazendo uma análise da macroestrutura vêse que o pronome tudo pode ser o Diabo o sertão as pessoas os sentimentos o próprio Riobaldo enfim o universal está contido na unidade Tudo é e não é unidade que tem essência dupla e reversível caráter já apontado por Candido Diferente do maniqueísmo que tem um lado vencedor e do ser ou não ser alternativo shakespeariano no romance rosiano apesar de em alguns momentos haver uma prevalência não há vitória prova disso é a morte de Hermógenes no qual o mal prevalece e de Diadorim no qual o bem predomina em que as duas respectivas vocações são invencíveis entre si Nesse acontecimento a dualidade é tratada de forma equilibrada excluindo a ideia de que o bem vence no final até mesmo porque não há final pois os questionamentos sobre o certo e o incerto o existir e o não existir o bem e o mal o amor e o ódio o medo e a coragem etc acompanham Riobaldo mesmo após o fim das ações relatadas o que é diferente do fim da história essa parece continuar num infindável questionamento em consonância com o símbolo 7 que a representa o qual também é duplo pois possui duas faces que se unem 7 O símbolo do infinito representa o conceito do que seria a eternidade como algo que não tem começo nem fim Alguns acreditam que o símbolo tenha sido baseado em Ouroboros serpente da mitologia grega que era representada devorando sua própria cauda Para os gregos Ouroboros simbolizava a reflexão da ideia da repetição ou seja que sempre existem recriações no universo de forma eterna Para o misticismo esse símbolo também é conhecido como lemniscata 38 12 Tudo vem a ser Afamado de filósofo profundo e obscuro HEGEL 1989 p 64 Heráclito de Éfeso foi um pensador présocrático que ganhou destaque por questionar a unidade permanente do ser tese defendida pelos eleatas diante da pluralidade e mutabilidade das coisas Estabeleceu também a existência de uma lei universal e fixa o Lógos fundamentada na harmonia constituída de tensões e contrários Entretanto suas teorias não são conhecidas pelo contato com uma única obra mas através de uma coletânea de fragmentos os quais foram reunidos e citados por diversos autores O livro Os présocráticos fragmentos doxografia e comentários organizado por José de Cavalcante de Souza além de apresentar diversos filósofos e seus respectivos fragmentos discute sobre as teorias dos mesmos e no caso de Heráclito Georg W F Hegel é quem disserta comentários Na obra em questão encontramos vários trechos heraclitianos citados por estudiosos que apontam simultaneamente o combate e a harmonia dos elementos que se opõem Vejamos alguns antecedidos pela respectiva numeração e referência 8 IDEM Ética a Nicômaco VIII 2 1155 b 4 Heráclito dizendo que o contrário é convergente e dos divergentes nasce a mais bela harmonia e tudo segundo a discórdia ARISTÓTELES apud SOUZA 1989 p 52 10 IDEM Do Mundo 5 396 b 7 Conjunções o todo e não todo o convergente e o divergente o consoante e o dissonante e de todas as coisas um e de um todas as coisas ARISTÓTELES apud SOUZA 1989 p 52 51 IDEM ibidem IX 9 Não compreendem como o divergente consigo mesmo concorda harmonia de tensões contrárias como de arco e Iira HIPÓLITO apud SOUZA 1989 p 56 80 IDEM ibidem VI 42 É preciso saber que o combate é oqueécom e justiça é discórdia e que todas as coisas vem a ser segundo discórdia e por necessidade ORÍGENES apud SOUZA 1989 p 59 39 Através desses fragmentos podemos notar uma das teorias defendidas por Heráclito a qual discorre que o universo é composto pela discordância das coisas e ao mesmo tempo é ressaltada a necessidade que possuem para se definirem enquanto tal Em outras palavras apesar das tensões contrárias os elementos que divergem e discordam também se completam isto é há uma harmonia ocasionada pela necessidade de existir Na visão de Heráclito esse é o princípio abstrato que configura o ser tudo forma uma unidade e ela é relativa a todas as coisas Essa unidade é composta pelos elementos contrários de maneira equilibrada e harmônica Em seu estudo Ivana Rebello menciona essas imagens criadas por Heráclito as quais a pesquisadora diz representar metaforicamente o atrito das ideias dos contrários no Grande Sertão Sobre a harmonia desses elementos é destacado que para Heráclito entendese por harmonia a conexão necessária e fundamental entre dois opostos indissociáveis É por causa da harmonia que o mundo se mantém emergente na existência segundo o efésio Nascer e perecer subir e descer acordar e dormir entre outros são o mesmo em virtude da harmonia que conecta os diferentes Heráclito ao formular a sua teoria recorre às imagens do arco e da lira mais tarde apropriadas por Octávio Paz na construção do seu livro O Arco e a Lira REBELLO 2011 p 7374 George Hegel chama a atenção para o fato de que só existe a harmonia se houver a diferença pois segundo ele o idêntico a repetição de um único som não é harmonia é preciso que haja essencial e absolutamente uma diferença Da harmonia faz parte determinada oposição seu oposto como na harmonia das cores HEGEL 1989 p 66Ainda em seus comentários Hegel discorre sobre a teoria heraclitiana que trata dessa harmonia entre os opostos formando o absoluto a união do ser e não ser O princípio universal Este espírito arrojado pronunciou pela primeira vez esta palavra profunda O ser não é mais que o nãoser nem é menos ou ser e nada são o mesmo a essência é mudança O verdadeiro é apenas como a unidade dos opostos nos eleatas temos apenas o entendimento abstrato isto é que apenas o ser é Dizemos em lugar da expressão de Heráclito O absoluto é a unidade do ser e do nãoser HEGEL 1989 p 64 grifo nosso Apesar dos mais de dois mil anos que os separam encontramos no texto rosiano essa visão heraclitiana do mundo tudo o que é ao mesmo tempo não é é preciso haver 40 uma oposição para que o ser possa ser denominado em relação ao outro devido a isso essa oposição se harmoniza Além da definição desse princípio dual formador do uno Heráclito toma o devir ou seja a mudança como a essência da dualidade ser e não ser como interpreta Hegel Heráclito diz Tudo é devir este devir é o princípio Isto está na expressão O ser é tão pouco como o não ser o devir é e também não é As determinações absolutamente opostas estão ligadas numa unidade nela temos o ser e também o nãoser O ser não é por isso é o nãoser e o nãoser é por isso é o ser isto é a verdade da identidade de ambos É um grande pensamento passar do ser para o devir é ainda abstrato mas ao mesmo tempo também é o primeiro concreto a primeira unidade de determinações opostas Estas estão inquietas nesta relação nela está o princípio da vida HEGEL 1989 p 65 Contrário à imobilidade do ser Heráclito defende as transformações pelas quais esse ser passa sendo portanto maleável e reversível consoante a tese de Candido Nos fragmentos do filósofo encontramos essa ideia vinculada ao rio curso natural de água que se movimenta a fim de desaguar no mar e por ter tal característica movente não é possível mergulhar mais de uma vez na mesma água visto que ela se renova a cada instante Nas palavras de Heráclito 12 ARIO DÍDIMO em EUSÉBIO Preparação Evangélica XV 20 Aos que entram nos mesmos rios outras águas afluem almas exalam do úmido ARIO DÍDIMO apud SOUSA 1989 p 52 91 IDEM ibidem 18 p 392 B Em rio não se pode entrar duas vezes no mesmo segundo Heráclito nem substância mortal tocar duas vezes na mesma condição mas pela intensidade e rapidez da mudança dispersa e de novo reúne ou melhor nem mesmo de novo nem depois mas ao mesmo tempo compõese e desiste aproximase e afastase PLUTARCO apud SOUSA 1989 p 60 Ao interpretar tais fragmentos Hegel cita Heráclito e Platão Heráclito diz Tudo flui panta rei nada persiste nem permanece o mesmo E Platão ainda diz de Heráclito Ele compara as coisas com a corrente de um rio que não se pode entrar duas vezes na mesma corrente o rio corre e tocase outra água Seus sucessores dizem até que nele nem se pode mesmo entrar pois que imediatamente se transforma o que é ao mesmo tempo já novamente não é HEGEL 1989 p 6465 41 Como se vê para Heráclito nada está concretizado tudo está em frequente fluir tudo corre panta rei Em O Logos Heraclítico introdução ao estudo dos fragmentos Damião Berge a partir do conhecimento presente nos trechos do filósofo conclui que ninguém já é vemaser através do esforço de fazerse e de conservarse BERGE 1969 p 157 Essa metamorfose é custeada pelos opostos que convivem entre si não excluindo o outro mas ora sendo outrora não sendo sempre num movimento adicional e concomitante Nessa perspectiva Grande sertão veredas continua a corroborar a filosofia heraclitiana pois além de compartilhar o princípio da composição do universo nega a estagnação do ser partilhando da essência do devir conforme Riobaldo alerta O senhor mire e veja o mais importante e bonito do mundo é isto que as pessoas não estão sempre iguais ainda não foram terminadas mas que elas vão sempre mudando ROSA 2001 p 39 A reversibilidade estado de mudança é constatada tanto por Heráclito quanto por Riobaldo de formas semelhantes 126 IDEM Escólios para Exegese da Ilíada As coisas frias esquentam quente esfria úmido seca seco umedece TZETZS apud SOUSA 1989 p 63 O correr da vida embrulha tudo a vida é assim esquenta e esfria aperta e daí afrouxa sossega e depois desinquieta O que ela quer da gente é coragem ROSA 2001 p 334 A paridade entre a concepção heraclitiana e a riobaldiana não se finda Na primeira vimos que o filósofo compara a questão da mudança ao rio no qual não se pode entrar duas vezes ou seja não se mergulha na mesma água Visão que também é constante na composição de Grande sertão veredas de forma que o narrador personagem chama a atenção para essa característica fluente movediça perigosa Assaz o senhor sabe a gente quer passar um rio a nado e passa mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais em baixo bem diverso do que em primeiro se pensou Viver nem não é muito perigoso ROSA 2001 p 51 Ademais ainda no Grande 42 Sertão é perceptível uma relação de extrema intimidade do homem com o ambiente natural Nele a natureza sertaneja convive com seus personagens sendo construída de modo que o mundo natural se funda na realidade humana fazendo com que a identidade de cada um seja o resultado de uma relação mútua Exemplo dessa relação são os nomes dos personagens ganhando relevo aqui o de Riobaldo cujo nome significa rio de planície de leito raso sem muito rumo e traçados definidos RONCARI 2004 p 83 Não é de forma gratuita que o exjagunço recebe essa alcunha pois conforme veremos Riobaldo é em si um personagem enigmático além de ser caracterizado por elementos ambíguos está rodeado por opostos numa narrativa constituída pela dualidade Tudo isso faz de Riobaldo um narrador e personagem plural o qual está em constante estado de mudança Ao relatar seu itinerário para o Senhor da cidade ele chega a se comparar a um rio Consegui o pensar direito penso como um rio tanto anda que as árvores da beirada mal nem vejo Quem me entende ROSA 2001 p 359 Eu queria a muita movimentação horas novas Como os rios não dormem O rio não quer ir a nenhuma parte ele quer é chegar a ser mais grosso mais fundo O Urucúia é um rio o rio das montanhas Recebe o encharcar dos brejos verde a verde veredas marimbús a sombra separada dos buritizais ele Recolhe e semeia areia Fui cativo e solto Mesmo na hora em que eu for morrer eu sei que o Urucúia está sempre ele corre O que eu fui o que eu fui ROSA 2001 p 450451 Em ambas as passagens Riobaldo reforça a propriedade movente do rio Na primeira faz comparação com seu pensamento esse que ao narrar a história os cenários e as ideias se alternam de forma não linear e constante sendo preciso ler com atenção a fim de não perder o fio do entendimento Já na segunda passagem o narrador admite o desejo de muito movimento mostrando assim sua inquietude atributo que o faz narrar de maneira tão misturada como já lera Arrigucci Ademais seu nome ligado a esse elemento da natureza se faz justo durante toda a narrativa uma vez que acontecimentos importantes em sua vida se passam também nos rios Exemplo disso é o episódio em que Riobaldo tem seu primeiro encontro com Diadorim no rio São Francisco sobre o qual ele diz o São Francisco partiu minha vida em duas partes ROSA 2001 p 325 Acerca disso Roncari pontua que foi na travessia do São Francisco que ele conheceu a si o seu medo e ao seu outro Diadorim 43 possuidor da coragem e autoridade que não tinha mas gostaria de ter RONCARI 2004 p 82 Riobaldo é como o rio está em constante devir dentro de uma história corrente que não compartilha a ideia de estagnação As mudanças sofridas pelo personagem acentuam as características de denominações opostas que o compõem e que vivem em conflito entre si mas ao mesmo tempo se harmonizam formando uma personalidade ambígua e singular afinal Riobaldo foi e não foi jagunço sabe e não sabe amava e não amava sentia tristeza e alegria tinha medo e tinha coragem Ele era e não era era a soma de seus opostos por isso questiona Eu era dois diversos ROSA 2001 p 505 Assim como o rio que se renova a cada instante Riobaldo se renovada pois no correr de sua vida podemos constatar as diferentes veredas tomadas professor jagunço Tatarana UrutuBranco e fazendeiro Apesar dessa pluralidade de rumos um serviu para que o outro surgisse nas palavras do narrador a verdade é que Tudo o que já foi é o começo do que vai vir ROSA 2001 p 328 Nesse sentido a duplicidade existente dentro do ser e não ser fornece material para que uma mudança aconteça surgindo uma personalidade oposta mas que já existia interiorizada assim como no caso do Aleixo e do Pedro Pindó Sendo assim a infinita ambiguidade existente no todo do romance desde a sua estrutura até os personagens é representada pela enigmática Tudo é e não é tendo uma palavrachave que nos auxilia na busca por respostas mudança já que tudo também é o que virá a ser Ao verificar a metamorfose à qual Riobaldo se submete uma dualidade em especial nos chamou a atenção pelo fato de estar sempre presente em sua travessia e influenciandoo em suas ações o medo e a coragem vertente enigmática que delineia a personalidade não só do narradorprotagonista mas também de Diadorim e dos que ocupam o sertão lugar que tem medo de tudo e ao mesmo tempo é habitado por gente de coragem 44 CAPÍTULO 2 O MEDO E A CORAGEM 45 21 O medo O medo é um sentimento de múltiplas faces estando presente em toda parte nos sonhos das crianças provocando o choro nas noites escuras instigando a criação de estórias nas sociedades antigas oprimindo os habitantes nas modernas cidades desafiando os indivíduos e também no sertão rosiano acompanhando o jagunço Riobaldo em sua travessia De acordo com as definições de dicionários e de estudiosos acerca do assunto o medo tem relação com um estado de apreensão de atenção perante a um acontecimento isto é um sentimento inquietante uma perturbação diante da exposição do sujeito a algum tipo de perigo ou ameaça que nem sempre serão reais podendo ser de caráter imaginário Sobre este aspecto YiFu Tuan em Paisagens do Medo discorre que os medos por serem experimentados pelas pessoas são subjetivos alguns deles no entanto são produzidos pelos ambientes ameaçadores outros não Aristóteles em Ética a Nicômaco vê o medo como uma expectativa do mal ARISTÓTELES 2006 p 69 Jean Delumeau em História do medo no ocidente 1300 1800 uma cidade sitiada assim o conceitua No sentido estrito e estreito do termo o medo individual é uma emoção choque frequentemente precedida de surpresa provocada pela tomada de consciência de um perigo presente e urgente que ameaça cremos nós pela conservação DELUMEAU 2009 p 30 Podemos dizer que o medo é uma emoção psicofísica pois quando a sentimos nosso organismo entra imediatamente em estado de alerta apresentando comportamentos típicos de maneira involuntária A sensação provocada é consequência da reação do hipotálamo o qual mobiliza o organismo desencadeando vários procedimentos e modificações endócrinas Dependendo da intensidade do medo pode se apresentar além das alterações das funções cardíacas e respiratórias contração ou dilatação dos vasos sanguíneos constipação ou diarreia palidez suor contrações musculares como tremedeiras entre outros sintomas Na pesquisa realizada no IEB além da conhecida fala popular não tenho uma isca de mêdo Caderno 02 p 24 encontramos alguns sintomas referentes a tal 46 sentimento registrados de maneira curiosa por Guimarães Rosa No caderno 4 página 15 temse a mudança de coloração da pele quando o medo assusta já na página 64 aparecem o tremor muito utilizado no romance e conforme veremos no terceiro capítulo constitui um elemento criativo em um dos seus jogos de palavras e o medo como laxativo m Seu rosto foi do moreno ao verde e ao amarelo e quase ao puro branco mêdo susto m um mêdo laxativo m atravessado de tremores m tremendo ainda triunfalmente Em Grande Sertão veredas esses entre outros sintomas do medo também aparecem O medo laxativo por exemplo aparece na véspera de uma batalha visto que ao ter diarreia um diz Não é medo não amigos é o trivial do corpo explicavam alguns que ainda careciam de ir por suas necessidades ROSA 2001 p 216 O medo que faz tremer manifestase em diversos momentos como no pacto em que Riobaldo treme como bananeira Talentos de lua escondida Medo Bananeira treme de todo lado Mas eu tirei de dentro de meu tremor as espantosas palavras ROSA 2001 p 435 O medo que amolece surge quando Riobaldo teme se encontrar com Zé Bebelo de quem havia fugido e ser capturado o medo se largava de meus peitos de minhas pernas O medo já amolecia as unhas ROSA 2001 p 170 o medo que acelera os batimentos cardíacos apresentase quando Riobaldo pergunta a Diadorim sobre a possível existência de uma irmã Hê de medo coração bate solto no peito ROSA 2001 p 198 Importa lembrar que não só os seres humanos sentem medo mas todos seres vivos pois ele está diretamente ligado ao instinto de sobrevivência ou seja para sobreviver é preciso ser sensível aos sinais de perigo Nesse sentido Delumeau diz que diferente do animal o homem tem consciência de sua finitude e da vulnerabilidade do seu corpo desta forma conhece o medo num grau duradouro visto que passa a vida toda a temer malefícios que podem levar à destruição do seu físico ou à morte Prova disso são os diversos medos e a tentativa de conservação por meio da luta ou fuga comportamentos destacados pelos estudiosos inclusive por YiFu Tuan Ao conceituar 47 o medo Tuan afirma que este é um sentimento complexo no qual se distinguem duas reações o sinal de alarme enfrentamento ou fuga e a ansiedade O sinal de alarme é detonado por um evento inesperado e impeditivo no meio ambiente e a resposta instintiva do animal é enfrentar ou fugir Por outro lado a ansiedade é uma sensação difusa de medo e pressupõe uma habilidade de antecipação A ansiedade é um pressentimento de perigo quando nada existe nas proximidades que justifique o medo A necessidade de agir é refreada pela ausência de qualquer ameaça TUAN 2005 p 10 Na visão de Tuan a ansiedade é uma reação precipitada do medo não existindo nada factual no momento sentido diferente do sinal de alarme o qual conduz a diferentes ações no momento do perigo ou ameaça Ao lutar o sujeito tem a oportunidade de enfrentar a situação podendo superar seu medo configurando num modo de defender a própria vida Em contrapartida na fuga não há o enfrentamento da situação mas leva à preservação sendo também um importante escudo para a sobrevivência humana Alexandre Yamazaki filósofo e psicanalista vê essa atitude da fuga como ativa pois segundo ele o indivíduo apropriase de todos os seus recursos para se libertar da circunstância de perigo no entanto alerta que essa tentativa de evasão pode impedir o indivíduo de superar seus pontos fracos Nessa perspectiva o medo pode causar diversas reações no sujeito ansiedade luta ou fuga mas também pode leválo à paralisia evitando o objeto temido de todas as formas possíveis Essa última ação está relacionada ao medo em excesso Delumeau afirma que o medo é ambíguo e sendo inerente à nossa natureza é uma defesa essencial uma garantia contra os perigos um reflexo indispensável que permite ao organismo escapar provisoriamente à morte DELUMEAU 2009 p 2324 No entanto o estudioso alerta pois se o mesmo ultrapassar seu limite suportável se torna patológico e cria bloqueios DELUMEAU 2009 p 2324 É o caso por exemplo dos pânicos e das fobias medos persistentes e intensos que não se baseiam em nenhum sentido racional de perigo impedindo muitas vezes que o portador participe de atividades em que possa enfrentálos Os tipos e a intensidade dos medos variam e sendo subjetivo conforme Tuan existe de maneira particular em cada ser já que é uma disposição natural para preservar a vida Portanto o medo é uma emoção intrínseca ao homem e por isso o acompanha 48 desde os primórdios da humanidade pois sempre houve a busca pela sobrevivência desde a criação de armas para defesa e caça até a criação de abrigos para proteção Ademais o indivíduo sempre temeu os seres do além os desastres naturais as guerras os poderes das autoridades assim como estas temeram e temem a rebelião do povo Delumeau no capítulo intitulado O medo é natural cita vários estudiosos que assinalam sobre esse sentimento inerente que acompanha todo e qualquer homem Não há homem acima do medo escreveu um militar e que possa gabar se de a ele escapar Pois o medo nasceu com o homem na mais obscura das eras Ele está em nós Acompanhanos por toda a nossa existência Marc Oraison conclui que o homem é por excelência o ser que tem medo No mesmo sentido Sartre escreve Todos os homens têm medo Todos Aquele que não tem medo não é normal isso nada tem a ver com a coragem DELUMEAU 2009 p 23 Verificamos essa característica inata do medo quando analisamos os vários receios dos povos medievais nos trabalhos de Jean Delumeau Georges Duby e Yifu Tuan através dos quais percebemos que os indivíduos dos séculos passados eram tão inquietos quanto nós mesmo as épocas sendo tão diferentes Tais estudiosos compartilham a visão de que o medo permeia a história da humanidade sempre conduzindo a crenças e criando condições para a preservação da própria espécie Além disso os medos registrados por eles foram sentidos pela sociedade ocidental com ênfase maior na Europa local que de acordo com Tuan influenciou na geração de convicções e atitudes da Idade Moderna Delumeau faz uma abordagem coletiva acerca do medo revelando os pesadelos mais íntimos do povo ocidental do século XIV a XVIII entre eles o medo do mar das trevas da peste da fome da bruxaria do Juízo Final do demônio entre outros Já no livro Ano 1000 ano 2000 na pista de nossos medos George Duby historiador francês especialista em Idade Média confronta os medos das pessoas em dois tempos anos mil e dois mil enfatizando o medo da miséria o medo do outro o medo das epidemias o medo da violência e o medo do além perspectiva que se assemelha a YiFu Tuan em Paisagens do medo no qual também é realizada uma comparação entre o passado e o presente revelando as várias faces do medo inclusive os receios da criança no processo de formação Iremos explorar alguns que no nosso ponto de vista perturbaram mais os homens e que demonstram a pluralidade de ações e reações ligadas a tal sentimento o 49 que contribuirá para nossa análise do romance já que o medo também é explorado por Guimarães Rosa de forma ampla como testemunha a tabela anexa a este trabalho Ao abordar o medo da miséria Duby discorre que os trabalhadores na Idade Média tinham ferramentas precárias e a produtividade era escassa Como se isso não bastasse eram explorados pelos homens de guerra e da igreja cedendo a fraca produção pelo medo do amanhã Delumeau acusa a opressão dos humildes pelos ricos acrescentando que a miséria eliminava a coragem dos pobres fazendo que cultivassem a terra mesmo com todas as dificuldades pelo medo de serem destruídos Nesse meio cercado pela pobreza o medo da miséria fazia com que houvesse solidariedade fortalecendo a convivência em grupos o que facilitava a busca pela sobrevivência A solidão era impensável Quem vivia sozinho segundo Duby era considerado louco ou criminoso com exceção dos eremitas que entravam sozinhos nas florestas para expiar seus pecados o que era considerado um ato de coragem por isso eram admirados Nesse contexto o medo da fome sacralizou o pão o medo da privação levou à união e maior do que a dor da privação era o medo da falta o medo da miséria Tuan afirma que quem tinha pouco temia não ter nada Em relação ao medo dos outros constatase o medo do desconhecido A estranheza e o perigo era isso que os terrificava O estrangeiro vindo de longe é o invasor absoluto causa mais medo que o vizinho que agride DUBY 1998 p 60 O estrangeiro não era o único a causar medo a desconfiança em relação ao outro existia também no mesmo território o que é compartilhando por Delumeau o qual diz que o distante a novidade e a alteridade provocavam medo Mas temiase do mesmo modo o próximo isto é o vizinho DELUMEAU 2009 p 82 De acordo com Duby o batismo era a única forma de perder o status de outro e pertencer ao grupo cristão pois os infiéis também eram os outros aqueles que a população teme para eles havia dois caminhos a conversão ou a morte Ademais o medo do outro era caracterizado em relação ao marginalizado o qual causava medo aos que viviam em comunidade fechada os mais ricos Esse medo dos outros está interligado ao medo das epidemias pois muitas doenças como a peste negra que matou um em cada três cidadãos eram vistas como oriundas dos estrangeiros o que potencializou a xenofobia porque se tinha a ideia de que o de longe era suspeito Delumeau compara a peste negra e o temor que ela causava 50 a uma praga do Egito a um cavaleiro do Apocalipse e a uma nuvem devoradora que chega do estrangeiro semeando a morte à sua passagem DELUMEAU 2009 p 161 A peste negra assim como outras epidemias fazia com que as pessoas fugissem das cidades com medo os que ficavam enfrentando o perigo evidente eram considerados corajosos de acordo com Delumeau Como a medicina da época desconhecia a origem de muitas doenças o povo atribuía às contaminações à noção de um castigo de Deus pelas perversões humanas e assim buscava na fé e nas orações a saída para purificar o mundo dos pecados Diante de um mal desconhecido o terror é imenso O único recurso é o sobrenatural DUBY 1998 p 80 Além disso o medo das epidemias fazia com que se excluíssem os doentes como é o caso do leproso visto como um pecador que desagradara a Deus e por isso deveria ser isolado o que afastaria também uma possível contaminação Já o medo da violência existia devido à insegurança que vinha principalmente dos cavaleiros dos bandos militares que por não terem um inimigo externo definido saqueavam populações inteiras Por volta do ano mil os camponeses viviam sob o temor dos saques da violência dos soldados jovens nobres chegando a ser considerados agentes do demônio DUBY 1998 p 100 O que limitava essa violência era o poder da Igreja com a pregação da trégua de Deus e a paz de Deus a qual discursava que nenhum cristão poderia matar outro cristão Somase às ações da igreja para conter a violência o rito da sagração dos reis o que os torna representantes de Deus na terra cabendo a eles manter a justiça e a paz protegendo a igreja e seu povo contra violência em seus domínios Por fim o medo do além que esteve presente no imaginário medieval e que foi talvez o mais impetuoso pois atormentava a maioria das pessoas daquela época visto que elas sentiamse ameaçadas por seus pecados portanto tinham medo de ser punidas Mais do que a morte nossos ancestrais temiam o Juízo Final a punição do além e os suplícios do inferno Um medo do invisível sempre presente DUBY 1998 p 123 Nesse período ninguém duvidava da existência de outro mundo e havia uma espera do fim dos tempos quando ocorreria a passagem para a eternidade e no Juízo Final seria decidido se a pessoa iria para o céu ou para o inferno O medo dos castigos do inferno era grande as imagens sacras lembravam a todo instante o tamanho do castigo aos pecadores No fim do século XII para acalmar esse medo aterrorizante do inferno a 51 Igreja inventou o purgatório o qual alimentava a esperança de escapar da condenação eterna pois era um local intermediário em que havia a possibilidade de redenção dos pecados constituindose como uma terceira possibilidade posicionandose entre o paraíso e o inferno O purgatório era portanto a esperança que andava junto com o medo Consoante Delumeau os homens da Igreja além de enumerarem os males dos quais Satã era capaz apontavam seus agentes turcos judeus heréticos e mulheres principalmente as feiticeiras Alertavam ainda para que os cristãos tomassem cuidado porque todo homem poderia se tornar agente do demônio daí a necessidade de certo medo de si mesmo fato que levou muitos à neurose DELUMEAU 2009 p 44 Vê se dessa forma a inserção do medo na vida das pessoas através da teologia medo que é chamado por Delumeau de refletido Ainda sobre o medo do além é relatado que as pessoas tinham medo dos mortos os quais viravam fantasmas em ritos de passagem como os fetos os bebês abortados as crianças não batizadas as mulheres no parto entre outros Esses fantasmas assim como outros elementos temíveis tinham a noite como cúmplices por isso o medo da noite Verificase que muitos medos da população do ano mil tais como o medo da miséria da fome da privação do outro do desconhecido do marginalizado das epidemias da morte da violência do além do invisível da noite entre tantos atravessaram o tempo e juntamente com ele novos receios apareceram Em contrapartida outros medos ficaram delegados à era medieval pois com o passar dos séculos e as mudanças sofridas no mundo o homem também ia se transformando adquirindo sabedoria e lutando por ideais o que influenciou suas emoções e os medos sentidos Nesse viés Tuan constata que a natureza do medo vai mudando à medida que a criança cresce tal como acontece com a sociedade que com o transcorrer do tempo tornase mais complexa e sofisticada As paisagens do medo não são situações permanentes na mente ligadas a segmentos da realidade tangível TUAN 2005 p 1415 Em Grande sertão veredas alguns desses medos enumerados como o medo dos outros o medo da violência o medo do além juntamente com vários outros medos sentidos pelos personagens principalmente por Riobaldo dispõemse ao longo da 52 narrativa sendo possível verificar suas mudanças na medida em que ocorrem transformações nos percursos dos indivíduos ou seja muitos medos que existiam inicialmente foram superados através do enfrentamento a fim de obter a libertação isto é houve coragem para enfrentar as situações ou indivíduos que disseminavam o medo Nesse sentido o enfrentamento se assemelha à coragem o que nos leva à tentativa de compreendêla antes de nos adentrarmos de fato na análise do medo e da coragem no Grande Sertão 22 A coragem Conforme examinamos os elementos que se opõem em Grande sertão veredas e no mundo diferente da visão maniqueísta têm uma relação de dependência pois um necessita do outro para ser havendo portanto uma união a qual conduz à ambiguidade fazendo com que Riobaldo queira demarcar os pastos Nessa tentativa o narrador protagonista se frustra visto que chega à conclusão de que está tudo muito misturado ou como lê Walnice Nogueira Galvão uma coisa está dentro da outra É o que acontece com o medo e a coragem Devido às ações distintas ocasionadas pelo medo a fuga e a luta vimos que Delumeau o caracteriza como um sentimento ambíguo e de fato o é pois apesar de ambas as ações levarem à preservação da vida a primeira faz com que o indivíduo se afaste não confrontando o objeto temido já a segunda leva ao enfrentamento possibilitando que os receios sejam superados o que chamamos de coragem palavra que tem sua origem no latim coraticum Esse termo latino é composto por cor que significa coração e pelo sufixo aticum o qual indica uma ação referente ao radical anterior cor Através da perspectiva etimológica concluise que a coragem tem o significado relacionado a uma ação do coração O que também pode ser justificado pela crença pois muitos acreditam que a coragem é uma atitude vinda do coração Sendo uma atitude a coragem surge quando se decide enfrentar o que é temido não podendo ser vista como ausência de medo uma vez que ela também é uma energia moral perante situações aflitivas ou difíceis Não há possibilidade de paralização ou 53 fuga quando se tem coragem pois ela é uma força que combate o temor sendo vista por Aristóteles em Ética a Nicômaco como a primeira das virtudes humanas posto que ela garante todas as outras De acordo com o filósofo é por enfrentarem o que é penoso que os homens são chamados corajosos Portanto a coragem também envolve sofrimento e é justamente louvada por isso pois mais difícil é enfrentar o que é penoso do que abster se do que é agradável ARISTÓTELES 2006 p 75 Ademais Aristóteles define a coragem como o meiotermo em relação aos sentimentos de medo e confiança Segundo ele a coragem é o equilíbrio pois se exceder a confiança o indivíduo se torna ousado temerário imprudente no entanto se exceder o medo será um covarde ou seja aquele que tem medo de tudo sem necessidade pois não há ameaça à vida O homem excessivamente temeroso é um covarde porque teme tanto o que deve como o que não deve e todas as situações do mesmo gênero lhe são aplicáveis Faltalhe também confiança mas distinguemse sobretudo pelo excesso de medo em situações difíceis O covarde é por isso um homem sem esperança pois teme todas as coisas O corajoso em contraste tem a disposição contrária pois a confiança é a marca característica de disposição esperançosa ARISTÓTELES 2006 p 71 A partir desse entendimento posto por Aristóteles compreendese que a covardia o medo a ousadia e a coragem se relacionam geralmente com os mesmos objetos no entanto revelam disposições distintas em face deles Diferente da covardia o medo é muitas vezes necessário e possui fundamentos recear uma doença ou a morte por exemplo é uma atitude correta na visão de Aristóteles existindo intrinsecamente em todo ser até mesmo nas pessoas consideradas corajosas Mas afinal o que é ser uma pessoa corajosa Aristóteles define como corajosa aquela pessoa que só enfrenta o perigo quando é necessário não o procura entretanto é capaz de enfrentálo quando preciso O homem que enfrenta e que teme as coisas que deve e pelo motivo certo da maneira e na ocasião devidas e que é confiante nas condições devidas é verdadeiramente corajoso pois o homem corajoso sente e age conforme os méritos das circunstâncias e do modo que a regra prescreve e o fim de toda 54 atividade é a conformidade com a correspondente disposição de caráter o homem corajoso age e resiste conforme lhe apontam a coragem ARISTÓTELES 2006 p 70 A confiança também é tratada por Yifu Tuan como um sinal de coragem pois segundo ele as crianças se desvencilham de seus medos à medida que crescem e vão adquirindo confiança ao terem contato com o mundo que as cerca Além disso ele atribui o medo dos povos primitivos em relação à natureza à falta de confiança ao lidar com ela Sendo assim ter coragem é manterse confiante ao mesmo tempo prudente nos momentos de temor ou que envolve perigos fazendo com que o indivíduo salvese deles No livro IV de A República Platão aborda a constituição da cidade pelas virtudes e através da figura de Sócrates elabora o conceito de que a coragem é uma espécie de salvação PLATÃO 2006 p 123 sendo salvação entendida como a perseverança de algo em meio às adversidades Nesse viés defende que a coragem de uma cidade seria relacionada à capacidade de manter suas leis e sua educação frente a situações inadequadas desfavoráveis e que são muitas vezes temíveis A visão da coragem de Platão se assemelha a de Aristóteles uma vez que ao discorrerem sobre as virtudes entendem que a coragem está relacionada ao estado de ânimo sendo o homem incapaz de ser abalado pelo prazer ou pela dor temendo ou desprezando os perigos conforme aconselha a razão Nesse sentido a coragem não é uma atitude inconsequente mas sábia é quando o homem se mostra confiante nas condições devidas é a capacidade de enfrentar os perigos ou as ameaças que causam medo com sabedoria Sendo assim é oportuno chamar a atenção para o fato de que apesar serem sinônimas há uma diferença tênue entre valentia e coragem Ambas implicam ter ânimo e confiança perante as situações difíceis e de perigo porém a primeira por vezes pode se aproximar à audácia isto é ao enfrentamento das situações com confiança em excesso com atrevimento não possuindo prudência necessária A coragem não pode ser confundida com a audácia ela é uma virtude ação advinda do coração da escolha pessoal e prudente não é atitude dos impulsivos Destacase o fato de que ser corajoso não é a mesma coisa que não ter medo mais que isso é ter medo mas ao mesmo tempo ter energia e confiança para enfrentálo Se não houver o enfrentamento teremos só o medo que leva à evasão ou à paralisia 55 Em suma o medo é uma energia vital para os seres vivos sendo assim não existe ninguém sem medo ele é inerente consoante já afirmara Delumeau Por outro lado concluise que a coragem é uma energia condicional que pode ser obtida através do pulsar do perigo isto é a coragem é uma das opções que temos frente a certas situações pois existe a alternativa do repouso paralisia e da fuga dos pontos fracos os quais muitas vezes são mais cômodos ao corpo e à mente humana Ao optar pelo combate temse a possibilidade de superar o medo inicial conduzindo assim à evolução íntima do indivíduo Importante salientar que evolução não é exclusão é mudança e como vimos ela acompanha todo e qualquer homem Quem dita as regras da mudança são os opostos que convivem visto que dependendo da situação vivida um lado prevalece mas não exclui o outro são reversíveis 23 O medo e a coragem no Grande Sertão O medo e a coragem são sentimentos ambivalentes e aparecem em Grande sertão veredas com frequência contribuindo para o desenrolar e o fiar da trama uma vez que tais emoções direcionam os sujeitos a determinadas ações tendo em vista certos acontecimentos Essa característica do medo e da coragem faz com que até mesmo Riobaldo queira decifrar e entender qual a influência desses sentimentos em sua vida Eu queria decifrar as coisas que são importantes E estou contando não é uma vida de sertanejo seja se for jagunço mas a matéria vertente Queria entender do medo e da coragem e da gã que empurra a gente para fazer tantos atos dar corpo ao suceder ROSA 2001 p 116 Segundo Márcia Marques de Morais em Travessia dos Fantasmas literatura e psicanálise em Grande Sertão Veredas Riobaldo não está em busca do tempo perdido Riobaldo recorda para viver decifrar enigmas MORAIS 2001 p 14 Consideramos que o medo e a coragem sentimentos distintos que coexistem são também enigmas parte da chamada matéria vertente e são considerados pelo próprio narrador constituintes do conjunto das coisas importantes 56 Riobaldo vê o medo como um sentido sorrateiro fino que toma diferentes direções ROSA 2001 p 469 conceituao também como algo inquietante que vem do interior do indivíduo devido a vários estímulos ou causas que o sacoleja isto é que o desperta Acrescenta ainda o fato de que a vida tem a finalidade de destruir esses medos ou seja de superar os desassossegos impostos pelo viver e conforme vimos quando se escolhe enfrentálos e não fugir opta por ter coragem O que o medo é um produzido dentro da gente um depositado e que às horas se mexe sacoleja a gente pensa que é por causas por isto ou por aquilo coisas que só estão é fornecendo espelho A vida é para esse sarro de medo se destruir jagunço sabe Outros contam de outra maneira ROSA 2001 p 382383 Nessa definição Riobaldo menciona os apontamentos que fazemos para as causas do medo no entanto ele afirma que são coisas que só estão fornecendo espelho ou seja o medo sentimento produzido dentro da gente ao se ver refletido nas coisas que nos ameaçam de forma real ou imaginária os espelhos se mexe sacoleja causando angústia ou sinal de alerta fuga ou enfrentamento Apesar de ser entendido como um produzido no interior do indivíduo o medo também é tratado no romance como um sentimento contagioso entre as pessoas se não houver firmeza e confiança para combatêlo por parte de quem está próximo da pessoa possuída por ele Alguém estiver com medo por exemplo próximo o medo dele quer logo passar para o senhor mas se o senhor firme aguentar de não temer de jeito nenhum a coragem sua redobra e tresdobra que até espanta ROSA 2001 p 416 Esse contágio também é atribuído à coragem pois em um dos acontecimentos que precede a guerra contra Hermógenes Diadorim diz a Riobaldo Ei retentêia Coragem faz coragem ROSA 2001 p 391 Mais que o poder do contágio o medo ocasiona diversas reações entre elas a loucura e a fuga Riobaldo conta aos companheirosjagunços em meio à guerra a estória de um rapaz nos Aiáis que enlouqueceu devagar pelo medo que tinha de dormir Segundo ele o rapaz não queria adormecer por um súbito medo que nele deu de que de alguma noite pudesse não saber mais como se acordar outra vez e no inteiro de seu sono restasse preso ROSA 2001 p 441 Em relação à fuga há vários relatos como 57 o do medo provocado pelos jagunços fazendo com que todos fugissem e se escondessem inclusive os animais Uns homens em cavalos e armas Quem visse fuga fugia corria tinham de temer vigiando com seus olhos escondidos no mato em beiras de estrada Até os bichos do cerradão que escutam o começo de tudo de seu longe e de seu perto e logo sabem esperar ocultos no rareamento assim não se viam nenhuns não se achavam os pássaros sempre já tinham revoado Ah não eu bem que tinha nascido para jagunço ROSA 2001 p 465 Esse medo dos jagunços pode ser associado ao medo dos cavaleiros que existia nos anos mil os quais saqueavam e violentavam as comunidades desprotegidas O povo sertanejo habitante de um lugar pouco civilizado assim como os camponeses da antiguidade também temia a violência dos jagunços que se caracterizavam por andar sempre em bandos e ter leis próprias manifestadas através de guerras de armas e de força brutal Em uma das definições de sertão no romance essa supremacia da brutalidade fica evidente O senhor sabe sertão é onde manda quem é forte com as astúcias Deus mesmo quando vier que venha armado E bala é um pedacinhozinho de metal ROSA 2001 p 35 Na Europa antiga e no sertão embora sejam tempos e lugares distintos o medo é o mesmo o da violência Além dos sinônimos receio pavor terror e horror a palavra medo aparece 192 vezes no romance conforme exposto no anexo I deste trabalho podendo ser verificada uma variedade de sentidos em que apresenta pois de acordo com Riobaldo tem diversas invenções de medo ROSA 2001 p 168 medo de gente medo de ser manso medo de mãecobra medo de castigo de Deus medo de morrer medo dos outros medo de doença medo de si mesmo medo de onça medo de errar medo de quem gosta medo de guerra medo da confusão das coisas medo de dormir medo de tremor medo de uivado de cachorro medo de cego entre outros O narrador personagem sintetiza dizendo que O sertão tem medo de tudo ROSA 2001 p 329 No romance a palavra sertão é plurissignificativa uma vez que são atribuídas a ela várias definições Em seu trabalho de conclusão de curso Sertão lugar sertão homem sertão linguagem ser tão sertão tudo é e não é do regional ao universal ao abordar essa temática Rayanne Cardoso divide as definições de sertão em quatro 58 categorias geográfica sociológica metafórica metafísica Nesse estudo Cardoso reconhece que o sertão não é só esse lugar de muito mato ou deserto de seres com poucas casas lugar distante O sertão é imagem passível de transposição de seus significados para muitas outros da vida pois o sertão como mostra Riobaldo é imenso não é facilmente achado mas sempre nos acena Ele não é apenas um lugar não é apenas ser ou seja ele é sertão é viver intensamente é a vida no seu mais alto grau de significância O sertão não é facilmente definível uma vez que é estratificado múltiplo o que confirma a ideia de Guimarães Rosa de que tudo é e não é CARDOSO 2012 p 32 Ao dizer que o sertão tem medo de tudoROSA 2001 p 329 Riobaldo metaforiza o sertão não se referindo ao lugar físico mas às pessoas o que é possível verificar quando ele afirma que o sertão está dentro da genteROSA 2001 p 325 Esse sertão personificado está dentro de nós nosso interior lugar onde o medo abriga de acordo com o conceito de Riobaldo O que o medo é um produzido dentro da gente um depositado ROSA 2001 p 382383 Ademais o medo se torna ainda mais multifacetado na medida em que ganha adjetivos e muitas vezes vai sendo personificado temse medo propositado medo pavor medo medonho medo mau medo mistério medo maior medo imediato medo natural medo meditado medo pessoal medo mor medo mostrado medo real medo fatal medo claro Riobaldo diz que a cada hora de cada dia a gente aprende uma qualidade nova de medo ROSA 2001 p 103 Aprender é ter conhecimento sobre algo e só nomeamos aquilo que conhecemos O desconhecido não pode ser nominado Conforme vimos o medo é uma emoção que pode mudar com o tempo pois a todo instante se tem novas experiências e com elas novas ansiedades e medos Nesse sentido esses vários adjetivos atribuídos aos distintos medos se deve ao conhecimento e ao aprendizado que Riobaldo teve em suas vivências O medo maior por exemplo só foi assim qualificado devido à experiência na travessia do rio maior o São Francisco o medo meditado em decorrência do medo de errar e depois de muito pensar sobre essa possibilidade já o medo pavor é o medo das forças de Deus que segundo Riobaldo ninguém vê pois Ele faz é na lei do mansinho ROSA 2001 p 39 59 Por outro lado a coragem também é tida como um sentimento variável mas não por ter diversos adjetivos como o medo mas pela sua inconstância no ser e por esse motivo é preciso buscála nos momentos de necessidade ou metaforicamente como Riobaldo sugere em uma passagem ambígua ser tomada aos goles Tomei coragem mais comum Abri a minha boca ROSA 2001 p 288 Na jagunçagem por exemplo a coragem é vista como um atributo fundamental fazendo com que os jagunços empenhemse para construir a fama de valente até mesmo serrando os dentes Assim um uso correntio apontar os dentes de diante a poder de gume de ferramenta por amor de remedar o aguçoso de dentes de peixe feroz do rio de São Francisco piranha redoleira a cabeçadeburro Nem o senhor não pense que para esse gasto tinham instrumentos próprios alguma liminha ou ferro lixador Não aí era à faca ROSA 2001 p 180 Ao afiar os dentes os jagunços têm a pretensão de se parecerem com as piranhas peixes conhecidos por serem agressivos e terem dentes cortantes No entanto diferente do que acreditam a coragem não está no físico isto é no exterior do indivíduo ela é exteriorizada através das ações e quando é estimulada para tais Ao ver essa façanha Riobaldo fica aflito pois segundo ele para se ser valente não carece de figurativosROSA 2001 p 181 isto é a coragem não se constrói com imagens representativas com aparências configuradas ou com apetrechos A valentia ou coragem já que aqui são utilizadas como sinônimas surge justamente a partir da ideia de medo por algo como o próprio Riobaldo afirma em diálogo com Alaripe E mas só o medo da guerra é que vira valentia ROSA 2001 p 479 Para ser valente carece de ânimo e confiança para enfrentar os perigos e as ameaças como a guerra os figurativos são superficiais não vêm de dentro e portanto não fazem um homem valente Ademais as expressões falta de coragem e não ter medo são muito mencionadas no romance não podendo ser vistas como sinônimo de medo e de coragem respectivamente Conforme vimos o que torna o homem corajoso não é o fato de ser destemido não ter medo de nada mas sim o fato de ter medo e ao mesmo tempo ter energia e confiança para combatêlo o que é demostrado em várias passagens do romance E uma coisa me esmoreceu a torto Medo não mas perdi a vontade de ter coragem ROSA 2001 p 215 Tive medo não Só que abaixaram meus excessos de 60 coragem só como um fogo se sopita Tive medo não Tive moleza melindre ROSA 2001 p 366 Tinha medo não Tinha era cansaço de esperança ROSA 2001 p 590 Medo não tive Só que a idéia boa passou muito fraca por mim entrada por saída ROSA 2001 p 279 Através dessas falas de Riobaldo percebese que o medo não é visto por ele como ausência da coragem assim como a coragem não é tida como a ausência do medo A coragem é um ato que depende da vontade e do ânimo do indivíduo face ao medo ensinamento que lhe foi dado por seu Compadre Quelemém e que lembrou ao contar o episódio no qual guiara amedrontado a tropa de jagunços liderada por Titão Passos para levar munição ao grande chefe Joca Ramiro Com o senhor me ouvindo eu deponho Conto Mas primeiro tenho de relatar um importante ensino que recebi do compadre meu Quelemém E o senhor depois verá que naquela minha noite eu estava adivinhando coisas grandes idéias Compadre meu Quelemém muitos anos depois me ensinou que todo desejo a gente realizar alcança se tiver ânimo para cumprir sete dias seguidos a energia e paciência forte de só fazer o que dá desgosto nojo gastura e cansaço e de rejeitar toda qualidade de prazer Diz ele eu creio Mas ensinou que maior e melhor ainda é no fim se rejeitar até mesmo aquele desejo principal que serviu para animar a gente na penitência de glória E dar tudo a Deus que de repente vem com novas coisas mais altas e paga e repaga os juros dele não obedecem medida nenhuma Isso é do compadre meu Quelemém Espécie de reza ROSA 2001 p 169 Nesse episódio Riobaldo estava orgulhoso e alegre por guiar os jagunços mas esses sentimentos deram lugar ao medo quando foi alertado da possibilidade de encontrar com a tropa de Zé Bebelo e de ser morto por ter fugido dela O medo da morte lhe causa ansiedade sentimento tratado por TiFu Tuan o qual diz que a ansiedade é uma reação precipitada do medo visto que não existe perigo no momento presente Medo Medo que maneia Medo que já principia com um grande cansaço Em minhas fontes cocei o aviso de que um suor meu se esfriava Medo do que pode haver sempre e ainda não há Eu estando com um vapor na cabeça o miôlo volteado Mudei meu coração de posto E a viagem em nossa noite seguia Purguei a passagem do medo grande vão eu atravessava ROSA 2001 p 168 Para se libertar desse sentimento que o angustiava e que tomava conta de si conforme o narradorpersonagem afirma O medo se largava de meus peitos de 61 minhas pernas O medo já amolecia minhas unhas ROSA 2001 p 170 Riobaldo tem uma ideia semelhante ao ensinamento do Compadre Quelemém pois quando o dia amanheceu decidiu não se agarrar aos vícios e prazeres da vida como o de pitar dormir ficar junto do Reinaldo beber Essa visão de Quelemém está em conformidade com a perspectiva de Platão e de Aristóteles os quais defendem que o homem corajoso não é abalado pelo prazer ou pela dor teme ou despreza os perigos conforme sua razão além de se mostrar confiante nas condições devidas Nesse sentido ao abrir mão do que lhe dava satisfação ou que podia lhe desviar os sentidos Riobaldo estava preparando seu estado de ânimo tendo a sabedoria de que se houvesse o perigo deveria estar disposto a enfrentálo De não pitar me vinham uns rangidos repentes feito eu tivesse ira de todo o mundo Agüentei Sobejante saí caminhando com firmes passos bis tris ia e voltava Me deu vontade de beber a da garrafa Rosnei que não Andei mais Nem não tinha sono nenhum desmenti fadiga Reproduzi de mim outro fôlego Deus governa grandeza Medo mais Nenhum algum Agora viesse corja de zebebelos ou tropa de meganhas e me achavam Me achavam ah bastantemente Eu aceitava qualquer vuvu de guerra e ia em cima enorme sangue ferro por ferro Até queria que viessem duma vez pelo definitivo ROSA 2001 p 170 A preparação de Riobaldo teve efeito pois o sentimento que o atormentava foi superado e desta forma encheuse de confiança para o possível combate Foi preciso atravessar as dificuldades se desligar dos prazeres caso contrário não haveria coragem Diadorim enciumado também usa esse argumento ao ver Riobaldo conversando com Otacília na Fazenda Santa Catarina fazendoo prometer que enquanto estivessem em bando não se relacionasse com nenhuma mulher Promete que temos de cumprir isso Riobaldo feito jurado nos SantosEvangelhos Severgonhice e airado avêjo servem só para tirar da gente o poder da coragem ROSA 2001 p 207 Antes de relatar que vencera o medo do possível encontro com os bebelos Riobaldo conta ao seu ouvinte uma crença popular que ilustra esse momento pelo qual passara a qual discorre sobre os homens medrosos que querem se tornar valentes e que para isso têm de comer um coração de onça cru O que há que se diz e se faz que qualquer um vira brabo corajoso se puder comer cru o coração de uma onçapintada É mas a onça a pessoa mesma é 62 quem carece de matar mas matar à mão curta a ponta de faca Pois então por aí se vê eu já vi um sujeito medroso que tem muito medo natural de onça mas que tanto quer se transformar em jagunço valentão e esse homem afia sua faca e vai em soroca capaz que mate a onça com muita inimizade o coração come se enche das coragens terríveis ROSA 2001 p 170 A alimentação faz parte da vida do ser humano sendo de suma importância para o funcionamento do corpo da mente e da cultura Por se associarem aos hábitos culturais e provocarem sentimentos como crença respeito e adoração os alimentos ganharam significados ao longo dos anos e desse modo passaram a configurar costumes rituais e cerimônias Lucien LévyBruhl em As funções mentais nas sociedades inferiores estuda a mentalidade de sociedades primitivas as quais segundo ele se preocupavam com as propriedades e forças místicas dos objetos e dos seres Nesse estudo LévyBruhl afirma que é antiga a ideia de que ao comer um alimento num certo sentido estaremos absorvendo sua essência incorporando suas características De acordo com o sociólogo no nordeste da Índia por exemplo a coruja é símbolo de sagacidade e comer os olhos de uma coruja dá o poder de ver claro na noite LÉVYBRUHL 2015 p 246 já na Nova Zelândia um bom orador era comparado a um Korimako o mais melodioso dos pássaros cantores do país e para ajudar um jovem chefe se tornar eloquente ele era alimentado com esse pássaro LÉVYBRUHL 2015 p 246 Por acreditar na incorporação das peculiaridades dos alimentos em especial de origem animal procuramos evitar determinados pratos e consumir outros Nas festividades do Ano Novo por exemplo alguns brasileiros acreditam que a carne de porco deve ser o prato principal da ceia De acordo com essa superstição como o porco fuça pra frente garantimos abundância o ano todo ao ingerilo Ademais a superstição diz para evitar comer as aves uma vez que ciscam para trás simbolizando o retrocesso Sobre esses alimentos que são evitados e consumidos devido à crença de apropriação LévyBruhl acrescenta Todos os Abipones têm abominação pela ideia de comer galinhas ovos carneiros peixes tartarugas Eles pensam que essa alimentação mole geraria indolência e langor em seus corpos e preguiça em suas almas E pelo contrário eles devoram com avidez a carne de tigre de touro de cervo do javali na crença de que se alimentando continuamente desses animais eles 63 aumentarão sua força sua ousadia e sua coragem LÉVYBRUHL 2015 p 246 Além dessa apropriação através da alimentação proveniente de animais há também a crença do apoderamento de predicativos com o consumo da carne humana LévyBruhl relata que comese o coração o fígado a gordura o cérebro dos inimigos mortos na guerra para se apropriar de sua coragem e sua inteligência como nossos tuberculosos comem a carne crua para se superalimentar LÉVYBRUHL 2015 p 246 Ao observar essas atividades e costumes de sociedades primitivas relativos à alimentação percebese que as sociedades modernas herdaram muitas dessas crenças estando ainda presentes no imaginário social inclusive no sertão cenário ficcionado por Guimarães Rosa no romance em estudo Uma dessas crenças diz que para se obter coragem é preciso comer o coração de uma onça felino robusto sagaz e corajoso Nesse itinerário rosiano o sujeito pode possuir a coragem de várias formas entre elas comendo o coração de um animal e ser tomada aos goles conforme mencionamos Em seu estudo intitulado Ter ou ser Erich Fromm faz uma análise dos modos de ter e ser existenciais e nesse processo discorre sobre uma das manifestações do ter a incorporação Fromm evidencia essa necessidade antiga de incorporar os elementos comendoos ou bebendoos obtendo assim a essência destes Vejamos Incorporar uma coisa como por exemplo comendoa ou bebendoa é uma forma arcaica de possuíla A certa altura do seu desenvolvimento uma criança tende a levar tudo o que quer à boca É a forma de a criança tomar posse quando o seu desenvolvimento físico não lhe permite ainda outras formas de controlar suas posses Encontramos a mesma interligação entre incorporação e posse em muitas formas de canibalismo Por exemplo ao comer outro ser humano adquiro os poderes daquela pessoa desse modo o canibalismo pode ser o equivalente mágico de adquirir escravos ao comer o coração de um homem corajoso adquiro sua coragem comendo um animal totêmico adquiro a substância divina que o animal totêmico simboliza FROMM 1987 p 44 No pequeno relato contado por Riobaldo é perceptível que a coragem está na vontade e no ato de matar a onça não está na ação de comer o coração cru essa ação por si só não mudaria o predicativo do sujeito Antes de comêlo o homem já é tido como corajoso uma vez que atacou a onçapintada à mão curta isto é venceu o medo 64 natural que se tem do felino o qual é conhecido por ser feroz podendo matar para defender a si e aos seus filhotes O ato de comer o referido órgão na crença popular seria a concretização da nova qualidade do sujeito A coragem é incorporada de forma simbólica nessa micronarrativa riobaldiana incorporação que é tratada por Erich Fromm chamando a atenção para o fato de que a crença faz com que o elemento incorporado exista de fato Evidentemente a maior parte dos objetos não pode ser incorporada fisicamente Mas há também incorporação simbólica e mágica Se acredito que incorporei a imagem de um deus de um pai ou de um animal ela não pode ser afastada nem eliminada Eu engulo o objeto simbolicamente e acredito em sua presença simbólica dentro de mim mesmo FROMM 1987 p 45 Assim o coração se configura numa simbologia da coragem nos remetendo à origem da palavra coraticum ação do coração Ao analisar as pistas da coragem no romance encontramos uma relação constante desses elementos a começar pelo conceito de coragem posto pelo narradorpersonagem coragem é o que o coração bate se não bate falso ROSA 2001 p 518 Outra estória que ilustra tal relação é a do jagunço Davidão o qual fazia parte do bando de Antônio Dó e que possuía recursos financeiros De acordo com o contar de Riobaldo certo dia esse jagunço se apegou ao medo de morrer pagando Faustino homem pobre dez contos de réis para que conforme a lei de caborje se a morte chegasse primeiro a ele em um combate Faustino morreria em seu lugar O acordo foi aceito mas a morte não chegava para nenhum deles fato que se deve segundo Riobaldo ao poder do feitiço firmado A estória acabaria aqui no entanto ao contála para um rapaz da cidade grande o ouvinte considerou que essa narrativa precisava de um final sustante caprichado ROSA 2001 p 201 e assim criou um novo desfecho O final que ele daí imaginou foi um que um dia o Faustino pegava também a ter medo queria revogar o ajuste Devolvia o dinheiro Mas o Davidão não aceitava não queria por forma nenhuma Do discutir ferveram nisso ferravam numa luta corporal A fino o Faustino se provia na faca investia os dois rolavam no chão embolados Mas no confuso por sua própria mão dele a faca cravava no coração do Faustino que falecia Apreciei demais essa continuação inventada A quanta coisa limpa verdadeira uma pessoa de alta instrução não concebe No real da vida as 65 coisas acabam com menos formato nem acabam Melhor assim Pelejar por exato dá erro contra a gente Não se queira Viver é muito perigoso ROSA 2001 p 101 O final inventado agradou a Riobaldo por termais elaboração e pelo fato de não se saber o que aconteceu com Davidão e Faustino na realidade Nesse novo desfecho ambos os personagens são atravessados pelo medo de morrer um paga o outro para morrer em seu lugar o outro recebe mas logo depois desiste O impasse acarretou uma luta que à primeira vista tem o propósito de continuardesfazer o acordado no entanto analisemos se o trato continuasse Faustino morreria por outro lado se o trato fosse desfeito Davidão morreria Por essa lógica a luta foi travada para escapar da morte e ao lutarem tiveram coragem pois qualquer um podia morrer ou seja enfrentaram o perigo da morte no combate mas no fim conforme o contrato firmado Faustino morreu com uma facada Ademais chamamos a atenção para o local onde a faca foi cravada no coração órgão que se acelera quando há medo e do qual surge a coragem para o enfrentamento sentimentos que ambos os personagens tiveram Um dos sintomas físicos do medo é o batimento acelerado do coração Partindo do princípio aqui defendido de que a coragem depende do medo para ser ela também está veiculada a tal órgão pois é a partir do medo sentido que se toma coragem Retomemos um trecho do episódio tratado acima em que Riobaldo sente medo ao guiar a tropa Mudei meu coração de posto Purguei a passagem do medo grande vão eu atravessava ROSA 2001 p 168 Nessa passagem constatase que Riobaldo relaciona tais sentimentos ao coração que era ao mesmo tempo ocupado pelo medo não mais pela coragem havendo mudança de posto o que configura a reversibilidade de tais emoções Ainda nesse episódio vimos que Riobaldo renunciou a tudo que lhe causava prazer para se libertar do medo isto é fechou seu coração para todos os vícios menos para a companhia de Reinaldo pois quando ele se aproximou reconheceu Eu não podia tão depressa fechar meu coração a ele Sabia disso Senti ROSA 2001 p 171 O abandono dos demais prazeres cigarro sono bebida foi o suficiente para o desprendimento do medo não sendo preciso o afastamento do amigojagunço Além disso ReinaldoDiadorim é uma figura tida como corajosa que não nasceu para ter medo e sobretudo sempre incentivou Riobaldo em meio aos perigos do viver que 66 carece de ter coragem De fato Diadorim foi responsável por muitos de seus sentimentos entre eles o amor o medo e a coragem todos sempre relacionados ao coração Aqui digo que se teme por amor mas que por amor também é que a coragem se faz ROSA 2001 p 472 No romance Diadorim é constantemente comparadoa à palmeira buriti quando eleela morre Riobaldo diz que são meusburitizais levados de verdes Buriti do ouro da flor ROSA 2001 p 614 e após sua morte e diante da tristeza que sentia Riobaldo lamenta Namorei uma palmeira na quadra do entardecer ROSA 2001 p 617 A comparação entre esses dois elementos se deve às características similares o buriti além de verde como os olhos de Diadorim pode ser um símbolo fálico se pensarmos na semelhança da palmeira com o órgão sexual masculino Essa palmeira refletida na água nos faz pensar nos personagens Riobaldo e Diadorim inicialmente do mesmo sexo pois a palmeira refletida na água é símbolo do igual porém invertido uma imagem que engana e enganou Riobaldo pois em toda sua trajetória achou que fosse um amor entre homens e isso o perturbou Além dessas possíveis associações do buriti com Diadorim podemos relacionar o buriti ao saber sendo um conselheiro de Riobaldo assim como Diadorim o qual sempre o aconselhou que carece de ter coragem Pergunto coisas ao buriti e o que ele responde é coragem minha Buriti quer todo azul e não se aparta de sua água carece de espelho Mestre não é quem sempre ensina mas quem de repente aprende ROSA 2001 p 325 326 Temos nessa passagem em que Riobaldo está saindo da Bahia e voltando para Minas o personagem perguntando coisas ao buriti como se procurasse respostas para suas questões e ouve coragem minha como se o aconselhasse a ter coragem Logo após essa passagem ele recomenda ao seu interlocutor O senhor escute o buritizal E meu coração vem comigo ROSA 2001 p 329 Vejamos que mais uma vez o narradorpersonagem associa a coragem ao coração já que a resposta dos buritis é relacionada ao sentimento da coragem Em meio a tantos medos os conselheiros de Riobaldo Diadorim e os buritis reclamam por sua coragem que lhe era variável Mas ele sabe que a valentia surge 67 dos receios e que mestre também é aquele que aprende e ele estava disposto a aprender pois as mudanças ocorridas em sua vida foram oriundas dos diversos saberes e experiências adquiridos Esse processo do aprendizado e a contribuição do medo e da coragem em sua travessia é o que iremos tentar compreender no próximo capítulo já que esses induzem os seres para cometerem vários atos dando corpo ao suceder 68 CAPÍTULO 3 Carece de ter coragem o conhecimento e o enfrentamento do medo em Grande sertão veredas Digo o real não está na saída nem na chegada ele se dispõe para a gente é no meio da travessia Guimarães Rosa 69 Riobaldo assim como o rio elemento natural que compõe seu nome caracteriza se pela ideia do constante devir renovandose incessantemente num movimento em que as novas experiências agregam novos predicativos não excluindo os já existentes É um movimento aditivo tudo é e não é ROSA 2001 p 27 Essa mudança corrente é assinalada por nomes e apelidos recebidos Riobaldo Professor jagunço Tatarana UrutuBranco afinal Que é que é um nome Nome não se dá nome recebe ROSA 2001 p 172 De acordo com Ana Maria Machado os nomes mudam A cada novo feito ou mudança de feitio MACHADO 2003 p 53 Dessa forma para se receber um nome é preciso haver uma modificação uma travessia o que também chamaremos de rito de passagem Em sua dissertação Ritos de Passagem a infância como alegoria do sertão em Campo Geral de João Guimarães Rosa Telly Will Almeida discorre sobre os ritos que segundo ele são um conjunto de atos e práticas realizadas em ocasiões determinadas natural ou culturalmente ALMEIDA 2011 p 6667 Para ele etapas naturais ou biológicas como nascimento infância puberdade maturidade velhice e morte marcam a passagem de um estágio da existência humana a outro Além de mudanças biológicas existem outras de natureza cultural ou simbólica As etapas como o nascimento e a morte são mais claramente definidas porque acompanhadas de atos especiais como cerimônias e outros rituais menos elaborados Cf JUNQUEIRA 1985 p 176 No intervalo entre eles há sucessivos ritos de passagem muitas vezes de difícil demarcação ALMEIDA 2011 p 67 Consoante destaca Almeida o ser está em permanente transformação devido a sua natureza biológica condição cultural ou simbólica enquanto sujeito inserido num meio social Nas palavras de Arnold Van Gennep é o próprio fato de viver que exige as passagens sucessivas de uma sociedade especial a outra e de uma situação social a outra de tal modo que a vida individual consiste em uma sucessão de etapas GENNEP 2001 p 24 Ou seja as mudanças estão dispostas em um movimento espiral tendendo ao infinito No entanto tais quais os rituais e cerimônias planejados como batismo casamento morte Almeida notabiliza que há outros ritos de passagem de difícil demarcação os quais também possibilitam ao indivíduo transpor etapas modificarse 70 Tais ritos mesmo garantindo a passagem do indivíduo de um estágio a outro muitas vezes não recebem nomenclatura específica mas como lembra Riobaldo ao se referir à travessia no Rio São Francisco para muita coisa importante falta nome ROSA 2001 p 125 A trajetória de Riobaldo é marcada por diversos ritos de passagem entre os quais se destacam o primeiro encontro com Diadorim a morte de sua mãe a mudança para a casa do seu paipadrinho Selorico Mendes a ida para Curralinho a fim de receber instrução formal do Mestre Lucas o pacto com o demo a travessia do Liso do Sussuarão a morte de Diadorim o abandono da jagunçagem De alguma forma todos esses ritos contribuem dinamicamente para fiar a trama e para delinear a personalidade do narradorpersonagem que ganha características moventes e reversíveis Apesar de o medo e a coragem serem enigmas constantes em diversos episódios de Grande sertão veredas e de se apresentarem em vários ritos interessanos analisar o itinerário do narradorpersonagem a partir de duas passagens o primeiro encontro de Riobaldo com Diadorim ainda meninos na travessia do Rio deJaneiro e o possível pacto com o diabo Escolhemos tais passagens por serem significativas e fecundas para o romance o primeiro encontro simboliza o conhecimento do medo e da coragem representados respectivamente por Riobaldo e por Diadorim já o pacto simboliza o enfrentamento do medo isto é a busca pela coragem de que tanto carecia o narrador personagem 31 O medo na primeira travessia Partindo do princípio discutido no capítulo anterior de que o medo é um sentimento inquietante perante a noção de perigo real ou imaginário e a coragem uma energia moral ante situações ameaçadoras ou difíceis depreendemos que são elementos constituintes da vida do homemhumano ou seja compõem o que Riobaldo chama de matéria vertente Ana Maria Gonçalves Lysandro de Albernaz em sua tese Vertência do Viver no Grande Sertão Veredas discute a expressão matéria vertente a qual segundo ela 71 é presença existência experiência na dinâmica de fazerse presença existência experiência que a poesia narrativa pode apenas ir ao encalço sem nunca completamente alcançar porque no fazerse a si própria também a arte verte compondo matéria ALBERNAZ 2009 p 11 A autora ainda acrescenta que matéria vertente é isto homemmundo homem jorrado no mundo ALBERNAZ 2009 p 56 ou seja são as vivências do homem no mundo Por esse motivo e por outros vistos anteriormente é que Grande sertão veredas não é uma narrativa somente regional mas universal como o próprio Riobaldo diz O sertão está em toda parte ROSA 2001 p 24 Ademais numa passagem que antecede o primeiro encontro de Riobaldo e Diadorim o narradorjagunço confirma não estar contando uma vida de sertanejo mas sim a matéria vertente Eu queria decifrar as coisas que são importantes E estou contando não é uma vida de sertanejo seja se for jagunço mas a matéria vertente Queria entender do medo e da coragem e da gã que empurra a gente para fazer tantos atos dar corpo ao suceder O que induz a gente para más ações estranhas é que a gente está pertinho do que é nosso por direito e não sabe não sabe não sabe Antes conto as coisas que formaram passado para mim com mais pertença Vou lhe falar Lhe falo do sertão Do que não sei Um grande sertão Ninguém ainda não sabe Só umas raríssimas pessoas e só essas poucas veredas veredazinhas ROSA 2001 p 116 O medo e a coragem conduzem o homem Essa gã da qual fala Riobaldo não depende de uma decisão do ser ela impulsiona empurra para fazer tantos atos Com esse anúncio que antecede o início da história vemos que Riobaldo contará um passado que lhe pertence uma pequena veredazinha uma experiência que compõe o caminho da vida do personagem ou seja é parte de sua matéria vertente Importante salientar que esse início da história o que chamamos de primeiro encontro não acontece no início da narrativa mas no decorrer dela como uma espécie de flash back nos revelando o precedente do que já estava sendo narrado assim anuncia o narrador personagem ao começar o relato Foi um fato que se deu um dia se abriu O primeiro ROSA 2001 p 116 Riobaldo nos conta como conheceu Diadorim no porto do RiodeJaneiro tinha cerca de quatorze anos e recém curado de uma doença estava esmolando a fim de 72 cumprir a promessa feita pela mãe pagar uma missa e encher uma cabaça de dinheiro para ser jogada no São Francisco com o objetivo de correr rio abaixo até chegar no Santuário do Santo Senhor do BomJesus da Lapa Tal porto o deJaneiro é descrito como um lugar parado e que segundo Riobaldo era raro que alguém vinha ROSA 2001 p 117 Porém no terceiro ou quarto dia esmolando apareceram mais pessoas e com elas um menino que chama sua atenção Aí pois de repente vi um menino encostado numa árvore pitando cigarro Menino mocinho pouco menos do que eu ou devia de regular minha idade Ali estava com um chapéudecouro de sujigola baixada e se ria para mim Não se mexeu Antes fui eu que vim para perto dele Então ele foi me dizendo com voz muito natural que aquele comprador era o tio dele e que moravam num lugar chamado OsPorcos meiomundo diverso onde não tinha nascido Aquilo ia dizendo e era um menino bonito claro com a testa alta e os olhos aosgrandes verdes ROSA 2001 p 118 Riobaldo não só olha para o menino como também caminha em sua direção observando sua feição seus gestos e se atentando para as coisas que o mocinho conta de si do seu mundo Sua fala e sua aparência deixam Riobaldo admirado achandoo distinto e único dessemelhante ROSA 2001 p 120 e de fato era pois desde menino Reinaldo possuía traços afeminados que o diferenciavam de todos os outros Vejamos como Riobaldo descreve suas primeiras impressões desse seu amigo desconhecido Mas eu olhava esse menino com um prazer de companhia como nunca por ninguém eu não tinha sentido Achava que ele era muito diferente gostei daquelas finas feições a voz mesma muito leve muito aprazível Porque ele falava sem mudança nem intenção sem sobejo de esforço fazia de conversar uma conversinha adulta e antiga Fui recebendo em mim um desejo de que ele não fosse mais embora mas ficasse sobre as horas e assim como estava sendo sem parolagem miúda sem brincadeira só meu companheiro amigo desconhecido Escondido enrolei minha sacola aí tanto mesmo em fé de promessa tive vergonha de estar esmolando Mas ele apreciava o trabalho dos homens chamando para eles meu olhar com um jeito de siso Senti modo meu de menino que ele também se simpatizava a já comigo ROSA 2001 p 119 Quando Riobaldo se refere ao menino de quem ainda não sabia o nome como amigo desconhecido nos reporta à ideia da palavra alemã unheimlich explorada 73 por Freud no ensaio Das Unheimlich 1919 traduzido para o português como O Estranho Nesse trabalho Freud faz uma análise etimológica da palavra assim como expressões equivalentes de outros idiomas como o latim o grego o inglês o francês e o espanhol Através dessa análise é demonstrado o paradoxo que a envolve já que em várias línguas ela coincide com seu termo oposto heimlich familiarconhecido Dessa forma Freud deduziu que atrás de algo que aparenta ser desconhecido estranho unheimlich se esconde algo familiar heimlich que foi anteriormente recalcado reprimido da consciência e depois voltou Embora não tenha um só vocábulo equivalente no português unheimlich seria como um estranhofamiliar Isto é o conceito freudiano se refere a algo pessoa situação ou experiência que não é puramente novo mas estranhamente familiar desencadeando variados sentimentos no indivíduo como angústia medo terror etc entretanto no caso de Riobaldo suscitou confiança No Minidicionário Aurélio o estranho é 1 Fora do comum desusado anormal 2 Que é de fora estrangeiro alheio 3 Singular extravagante 4 Misterioso 5 Que não é conhecido 7 Pessoa que não conhecemos FERREIRA 2010 p 320 grifos nossos A partir dessa definição podemos afirmar que Diadorim não era somente um desconhecido mas também estranho um amigo desconhecido um estranhofamiliar A familiaridade que fez com que Riobaldo o chamasse de amigo e confiasse nele talvez esteja relacionada a um elemento que foi constantemente observado nesse episódio os olhos aqueles esmerados esmartes olhos botados de verdes de folhudas pestanas luziam um efeito de calma que até me repassasse ROSA 2001 p 119120 Via os olhos dele produziam uma luz ROSA 2001 p 122 Interessante que os olhos são sempre associados à luz que produziam Freud no ensaio mencionado recorre a Schelling para conceituar Unheimlich tudo o que deveria ter permanecido secreto e oculto mas veio à luz8 A expressão à luz significa revelar trazer a tona divulgar Nesse viés o estranho tem o caráter de revelar algo secreto oculto assim como os olhos de Diadorim traziam calma revelando uma semelhança familiar o que não nos foi divulgado nesse primeiro encontro mas no segundo 8FREUD Sigmund O estranho In Obras Completas vol XVII Disponível em httpconexoesclinicascombrwpcontentuploads201501freudsigmundobrascompletasimagovol 1719171918pdf Acesso em 29 jan 2017 74 Já adultos após o segundo encontro sobre o qual voltaremos a fazer um aparte Riobaldo revela que o olhar de Diadorim lembrava o olhar de sua mãe a Bigri Os afetos Doçura do olhar dele me transformou para os olhos da velhice de minha mãe ROSA 2001 164 Os olhos que chamaram tanta atenção de Riobaldo lembravamlhe os olhos de sua mãe sendo eles portanto um elemento familiar presente no desconhecido Márcia Marques de Morais no artigo Do nomedamãe ao nomedopai figuração de identidades no Grande sertão faz uma leitura que associa essas personagens estando os olhos entre os elementos utilizados para esse fim O deslizamento do amor por Diadorim para o amor da Bigri representase na ordem discursiva através da metonímia dos olhos verdes do jagunço que em várias passagens do romance lembravam os olhos de velhice de minha mãe Rosa 1965 p 115 e através ainda da figuração de Diadorim como o buriti palmeira que se no canto de João Fulano em CaradeBronze é a mamãe verde do sertão Rosa 1996 p 83 nas palavras de Riobaldo depois de morto Diadorim é a palmeira namorada da quadra do entardecer Rosa 1965 p 455 Aí se vê pois outra simbiose outra contigüidade entre figuras outra metonímia não por acaso nas palavras de Lacan a expressão do desejo Diadorim e a Bigri se superpõem através do interpretante semiótico o verde dos olhos e da palmeira do buriti fazendo com que Cavalcanti Proença ao identificar Riobaldo com o Urucuia um rio baldo diga Acabouse o Urucuia que nasceu de um buriti amou um buriti e acabou no São Francisco Proença 1958 p 42 e que ainda imaginem em 1958 escreve Os olhos do menino eram verdes cor das palmas e quando Riobaldo os reencontra no moço cangaceiro antes de reconhecer o amor tormentoso faz a transferência reveladora a autora enfatiza Doçura do olhar dele me transformou para os olhos da velhice de minha mãe Proença 1958 p 56 MORAIS 2002 p 266 Além de se aproximarem devido aos olhos e aos buritis Diadorim e Bigri marcam a vida de Riobaldo que se divide em antes e depois de conhecer Diadorim conforme verificaremos ao logo deste subcapítulo Por outro lado sua mãe também teve importância especial pois foi ela quem segundo o personagem nutriu um amor constando com justiça que omenino precisava ROSA 2001 p 57 já que ele não teve a figura paterna presente e por isso sua mãe cumpriu um duplo papel Após sua morte o menino também teve a mãe como divisora uma pessoa que marcou sua vida e o obrigou a seguir outro caminho ir morar com seu padrinho Selorico Mendes 75 Minha mãe morreu apenas a Bigri era como ela se chamava Morreu num dezembro chovedor aí foi grande a minha tristeza Mas uma tristeza que todos sabiam uma tristeza do meu direito De desde até hoje em dia a lembrança de minha mãe às vezes me exporta Ela morreu como a minha vida mudou para uma segunda parte ROSA 2001 p 126127 Dessa forma clareia a semelhança entre Diadorim e Bigri acentuando o encontro como uma situação significativa que mexeu com Riobaldo o qual ficou encantado e fascinado pelo desconhecido deixandose conduzir por aceitar o convite para o passeio de canoa Por terem sido os olhos um elemento a reportar o familiar especificamente para a mãe não há como Riobaldo sentir medo do estranho mas um fascínio que se transformou imediatamente em confiança disposição importante para se ter coragem conforme vimos em Aristóteles Nessa passagem é perceptível que a afeição pelo menino aumenta pois Riobaldo diz sentir prazer em sua companhia o que não havia sentido por ninguém além disso ele sente desejo de que o menino não fosse mais embora Em todo episódio Diadorim é apresentado como alguém extremamente sereno confiante que não se deixa abalar pelos acontecimentos que transmite calma e mais do que isso é alguém que aparenta não ter medo o que provoca uma impressão profunda em Riobaldo um menino que apresenta vários medos de descer o barranco de a canoa virar de atravessar o rio São Francisco do mulato que aparece do outro lado do rio Sendo assim no passeio que marca o encontro o medo e a coragem são temáticas centrais ganhando relevo por se entrelaçarem respectivamente com o menino Riobaldo e com o menino mocinho Diadorim Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues em seu artigo Riobaldo o medo e a covardia diz que ali se destampou a aurora do amor e do medo RODRIGUES 2011 p 95 O porto do RiodeJaneiro era na beira de um barranco e para se aventurar no rio era preciso descêlo Riobaldo porém tinha medo De descer o barranco me dava receio ROSA 2001 p 118 Após o convite para o passeio o meninoDiadorim estende a mão para ajudar Riobaldo a descer o tal barranco e assim passando confiança para seu amigocompanheiro além de ajudálo a superar um obstáculo Já na embarcação sentados um de frente para o outro Riobaldo nota que a canoa se equilibrava mal balançando no estado do rio ROSA 2001 p 119 Esse desequilíbrio provoca receio em Riobaldo pois havia o perigo iminente de a canoa virar e ele não 76 sabia nadar o vacilo da canoa me dava um aumentante receio Olhei aqueles esmerados esmartes olhos botados de verdes de folhudas pestanas luziam um efeito de calma que até me repassasse Eu não sabia nadar ROSA 2001 p 119120 Nesse momento em que Riobaldo se encontra apavorado o menino passa calma e confiança para ele agora não com as mãos mas com os olhos Entretanto o medo tomava conta de Riobaldo na medida em que o rio aumentava sua proporção era o chamado medo maiorROSA 2001 p 120 o medo que teve quando chegou ao ponto em que o RiodeJaneiro desaguava no Rio São Francisco e em sua imensidão Medo maior que se tem é de vir canoando num ribeirãozinho e dar sem espera no corpo dum rio grande Até pelo mudar A feiura com que o São Francisco puxa se moendo todo barrento vermelho recebe para si o de Janeiro quase só um rego verde só Daqui vamos voltar eu pedi ansiado O menino não me olhou porque já tinha estado me olhando como estava Para quê ele simples perguntou em descanso de paz O canoeiro que remava em pé foi quem se riu decerto de mim ROSA 2001 p 120 Esse encontro do RiodeJaneiro com o São Francisco pode ser visto como metáfora do encontro dos meninos posto que assim como acontece com Riobaldo ao conhecer o menino mocinho conforme veremos no encontro dos rios o deJaneiro sofre mudança ao se unir ao rio maior pois o ribeirãozinho calmo e de águas claras no qual remavam deságua na água bruta e barrenta do São Francisco Assim deparamo nos mais uma vez com os opostos se unindo e se complementando a universal unidade de que tratamos anteriormente Mesmo Riobaldo querendo desistir do passeio o Menino se manteve tranquilo e confiante como se já soubesse lidar com os perigos que são dispostos no meio de uma travessia comportamento contrário ao de Riobaldo Ao continuarem na canoa o remador se curvou para quebrar um galho de maracujádomato e o Menino também se levantou até que a canoa se desequilibrou novamente fazendo com que Riobaldo gritasse Tem nada não ROSA 2001 p 121 disse o menino respondendo ao seu grito tentando tranquilizálo mas Riobaldo ainda amedrontado fez uma exigência Mas então vocês fiquem sentados ROSA 2001 p 121 77 Com toda imensidão do Rio e com todos os desequilíbrios no percurso o narradorpersonagem afirma Tive medo Sabe Tudo foi isso tive medo Medo e vergonha ROSA 2001 p 121 Mesmo com todo esse medo ele ainda tinha uma esperança se a canoa virasse ela iria boiar e assim eles poderiam se apoiar nela para que não afundassem Mas essa esperança se desfaz quando o canoeiro lhe informa que a canoa na qual eles se encontravam era feita de peroba e por ser feita com esse material ela se afundava por inteira o que faz Riobaldo se desesperar Me deu uma tontura O ódio que eu quis ah tantas canoas no porto boas canoas boiantes de faveira ou tamboril de imburana vinhático ou cedro e a gente tinha escolhido aquela Até fosse crime fabricar dessas de madeira burra A mentira fosse mas eu devo de ter arregalado doidos olhos Quieto composto confronte o menino me via Carece de ter coragem ele me disse Visse que vinham minhas lágrimas Dói de responder Eu não sei nadar O menino sorriu bonito Afiançou Eu também não sei Sereno sereno ROSA 2001 p 122 Apesar de estarem no mesmo transporte atravessando o imenso São Francisco além de ambos não saberem nadar o modo de encarar as situações impostas é distinto em Riobaldo o medo todo é constante tremia já Diadorim se mostra confiante sereno firme nas situações difíceis aparentando ser um menino corajoso Diante dessa oposição de comportamento o narradorpersonagem revela mesmo com a pouca idade que era a minha percebi que de me ver tremido todo assim o menino tirava aumento para a sua coragem ROSA 2001 p 123 ou seja o menino mocinho tirava do medo de Riobaldo a coragem que sentia Vejamos um diálogo no qual ele pergunta a Riobaldo como é ter medo Eu vi o rio Via os olhos dele produziam uma luz Que é que a gente sente quando se tem medo ele indagou mas não estava remoqueando não pude ter raiva Você nunca teve medo foi o que me veio de dizer Ele respondeu Costumo não e passado o tempo dum meu suspiro Meu pai disse que não se deve de Ter Ao que meio pasmei Ainda ele terminou Meu pai é o homem mais valente deste mundo ROSA 2001 p 122 Nesse diálogo temos incrustada a coragem do pai de Diadorim Meu pai é o homem mais valente deste mundo ROSA 2001 p 122 que ensina ao filho que não 78 se deve ter medo e de fato ele não demostra ter receio de nada Em outra passagem Riobaldo que ainda não conhecia Joca Ramiro pai de Diadorim pergunta a Titão Passos sobre a bondade dele Ao ver Riobaldo conversando Diadorim logo se aproxima reafirmando a valentia do jagunçochefe e respondendo à pergunta de seu amigo alertando que quem tem a valentia no coração não deixa de ser bom Você vai conhecer em breve Joca Ramiro Riobaldo o Reinaldo veio dizendo Vai ver que ele é o homem que existe mais valente Me olhou com aqueles olhos quando doces E perfez Não sabe que quem é mesmo inteirado valente no coração esse também não pode deixar de ser bom Isto ele falou Guardei Pensei Repensei Para mim o indicado dito não era sempre completa verdade Minha vida Não podia ser Mais eu pensando nisso uma hora outra hora Perguntei ao compadre meu Quelemém Do que o valor dessas palavras tem dentro ele me respondeu não pode haver verdade maior Compadre meu Quelemém está certo sempre Repenso E o senhor no fim vai ver que a verdade referida serve para aumentar meu pêjo de tribulação ROSA 2001 p 165166 Ao verificar a validação da resposta de Diadorim que mais uma vez relaciona a coragem verdadeira ao coração Riobaldo ouve do compadre Quelemém que não existe verdade maior o que comprova a correspondência realizada por Diadorim hipótese defendida no presente trabalho Quelemém considerado por Riobaldo referência de sabedoria é quem possui experiência e maturidade para ouvir explicar aconselhar reprovar fiscalizar instruir responder Riobaldo diz que Compadre meu Quelemém nunca fala vazio não subtrata ROSA 2001 p 39 Isto é Quelemém sempre tem algo relevante a dizer não oculta nem subtrai palavras ao tratar dos assuntos o que pode justificar o uso do neologismo subtrata por Riobaldo próximo do verbo subtrair que significa efetuar subtração esconder ocultar afastar Ao contrário da figura corajosa do pai de Diadorim o padrinhopai de Riobaldo era caracterizado como sendo possuidor do medo assim como seu afilhadofilho o que fica claro quando o narradorpersonagem afirma Meu padrinho Selorico Mendes era muito medroso Contava que em tempos tinha sido valente se gabava goga ROSA 2001 p 128 Riobaldo percebia que esse enaltecimento de seu padrinhopai era de uma falsa coragem pois de acordo com ele ao narrar com agrado as lutas dos jocaramiros as estratégias de combate as artes e as armadilhas Selorico Mendes tomava toda aquela valentia dos jagunços para si já que ele não a possuía 79 De ouvir meu padrinho contar aquilo se comprazendo sem singeleza começava a dar em mim um enjôo Parecia que ele queria se emprestar a si as façanhas dos jagunços e que Joca Ramiro estava ali junto de nós obedecendo mandados e que a total valentia pertencia a ele Selorico Mendes ROSA 2001 p 137 A coragem de Selorico Mendes não era verdadeira aquela vinda do coração em conformidade com a conceituação de Riobaldo Que coragem é o que o coração bate se não bate falso ROSA 2001 p 518 sua valentia era construída através do seu discurso era forjada a partir das ações e artimanhas de outro ser que realmente a possuía Nesse sentido podemos dizer que por não se basear em suas ações a coragem de Selorico Mendes era racionalizada construída através da linguagem do narrar habilidade também herdada por Riobaldo mas com uma diferença pois segundo Telma Borges em Narradores bastardos Salman Rushdie e Guimarães Rosa Riobaldo narra as experiências que lhe são próprias enquanto o pai narrava as experiências alheias BORGES 2015 p 07 A proximidade entre Selorico Mendes e o filho se dá não só por serem contadores de casos mas também pelo fato de se parecerem fisicamente e pela personalidade amedrontada em consonância com Borges 2015 Sendo assim apesar da pouca convivência o fazendeiro e seu filho em muito se assemelhavam ou como um dia disseram a Riobaldo suas feições copiavam retrato de Selorico Mendes ROSA 2001 p 138 A palavra retrato por extensão se refere a uma pessoa que é muito parecida com outra algo ou alguém que possui muitas das qualidades de outro O retrato é como o espelho reflete imagens Ao falar sobre a sua coragem variável Riobaldo relaciona tal sentimento ao espelho garantindo que para se transformar em uma pessoa valente basta olhar seu reflexo fazendo cara de valentia ou de ruindade Vejamos Eu cá não madruguei em ser corajoso isto é coragem em mim era variável Ah naqueles tempos eu não sabia hoje é que sei que para a gente se transformar em ruim ou em valentão ah basta se olhar um minutinho no espelho caprichando de fazer cara de valentia ou cara de ruindade ROSA 2001 p 62 80 É sabido que as crianças não só herdam características paternas mas também costumam se espelhar na imagem que possuem dos pais reproduzindo gestos e aprendendo o que lhes é ensinado Nesse sentido sendo o menino reflexo do paihomem há um possível espelhamento que também pode justificar a predominância de tais sentimentos nos personagens centrais da trama uma vez que o pai de Diadorim era valente e lhe ensinou a não ter medo já Riobaldo tendo Selorico Mendes como figura paterna pode ter se espelhado em sua personalidade predominantemente amedrontada e por este motivo Telma Borges no referido estudo adjetiva o medo de Riobaldo como hereditário Dessa forma há na passagem acima uma metáfora já que esse olhar no espelho pode ser uma referência ao espelhamento que os filhos costumam fazer dos pais Antes de Riobaldo enfrentar o medo de fato havia o espelhamento somente no seu paipadrinho Selorico Mendes que de acordo com Márcia Marques de Morais figura como pai real MORAIS 2001 p 77 mais tarde quando houve o enfrentamento do medo Riobaldo já tinha outras referências paternas como Joca Ramiro e Zé Bebelo os quais Morais classifica como pai simbólico e pai imaginário respectivamente MORAIS 2001 p 77 Ainda conforme a crítica os dizeres esparsos de Riobaldo associam a figura de um pai imaginário a coragem e de seu pai da realidade a medo MORAIS 2001 p 70 em consonância com nossa vertente aqui defendida Devido ao papel da chefia e a sua função paterna Morais defende que Joca Ramiro reúne condições para representar na fantasia de Riobaldo em particular e da jagunçada em geral o pai simbólico MORAIS 2001 p 69 Substituto do chefe Joca Ramiro Medeiro Vaz também é tido como uma figura paterna Morais o classifica como pai mítico MORAIS 2001 p 71 chamando atenção para o fato de que quando moribundo Medeiro Vaz indicou por gestos o desejo de ter Riobaldo como seu substituto herdeiro da chefia Por último a referida crítica defende que Zé Bebelo o pai imaginário é um sucessor do pai real Selorico Mendes já que Riobaldo foge da casa deste e vai para junto dos bebelos exercendo a função de professor e de secretário Devido aos acontecimentos no decorrer da trama Morais destaca que há um espelhamento entre Riobaldo e Zé Bebelo pois a imagem de um se reveste na do outro de professor de Bebelo Riobaldo passará a subordinado e aprendiz amanuense no bando o que motiva a antológica frase Mestre 81 não é quem ensina mas quem de repente aprende MORAIS 2001 p 81 Ademais ainda é destacado que Bebelo é a figura na qual Riobaldo reflete e se reflete como num jogo de espelhos MORAIS 2001 p 85 Riobaldo admirava Zé Bebelo em suas palavras foi uma das pessoas nesta vida que eu mais prezei e apreciei ROSA 2001 p 94 Em certo episódio Riobaldo compara Hermógenes a Zé Bebelo descrevendo a maldade a frieza e o gosto de matar de Hermógenes e relatando não conseguir olhar para os olhos dele por isso olhava para os pés ou para as mãos Nesse momento análogo Riobaldo diz gostar de Zé Bebelo deixando escapar o afeto que sentia por ele eu gostava de Zé Bebelo quase como um filho deve de gostar do pai ROSA 2001 p 187 Por esse apreço e apreciação demonstrados o narradorpersonagem em muito se espelhou em Zé Bebelo assim como em seus discursos eu repetia os ditos vezeiros de Zé Bebelo em tantos discursos ROSA 2001 p 441 ou quando chefe nos momentos de tomar decisão como no divertido episódio em que prometeu matar o primeiro que surgisse aparecendo em seguida um homem numa égua seguido por um cachorrinho nessa situação sem saber o que fazer com o pobre homem Riobaldo indagou Era justiça Era possível Eu pensei O que era que Zé Bebelo numa urgência assim no arco inventava de fazer ROSA 2001 p 490 Nessa passagem Zé Bebelo que não matava seus prisioneiros é lembrado por Riobaldo que resolveu não matar o homem nem os animais que estavam com ele atitude que Zé Bebelo certamente tomaria fazendo com que os jagunços presentes comparassem Riobaldo a ele e até mesmo a Medeiro Vaz ambos tidos como figuras paternas Sentei na sombra dum paudoce fiquei ouvindo os gabos que os em redor de mim me dessem como arras de procedimentos maiores Tal a tal o Chefe tira mais finíssimas artimanhas do que o Zé Bebelo próprio um disse À fé que determina com a mesma justiça queMedeiro Vaz outro falou mais aduloso ROSA 2001 p 496 Além do discurso e das artimanhas de Zé Bebelo Riobaldo pode ter apreendido a coragem já que aquele era descrito como alguém inteligente e valente ROSA 2001 82 p 92 valente de bem ROSA 2001 p 290 e mais que isso Zé Bebelo não conhecia medo ou qualquer parente dele Ah Zé Bebelo era o do duro sete punhais de sete aços trouxados numa bainha só Atirava e tanto com qualquer quilate de arma sempre certeira a pontaria laçava e campeava feito um todo vaqueiro amansava animal de maior brabeza burro grande ou cavalo duelava de faca nos espíritos solertes de onça acuada sem parar de pôr e medo ou cada parente de medo ele cuspia em riba e desconhecia Contavam ele entrava de cheio pessoalmente e botava paz em qualquer rutuba Ô homem couronágua enfrentador Dava os urros E mesmo para ele parecia não ter nada impossível ROSA 2001 p 146 grifo nosso Verificase que Zé Bebelo é descrito por sua valentia por amansar animais bravos sendo comparado à astúcia de uma onça acuada animal que conforme vimos no capítulo anterior é sinônimo de coragem De acordo com Riobaldo Zé Bebelo era homem enfrentador o que pode ser interpretado como alguém que encara os perigos e tudo que possa causar medo já que para ele nada parecia ser impossível Por todos esses predicados é natural que quando jagunço ao enfrentar os medos ao se tornar chefe Riobaldo tenha se espelhado em Zé Bebelo assim como em Medeiro Vaz e em Joca Ramiro que como vimos anteriormente era conhecido por ter a valentia no coração Nesse sentido apesar de não serem pais reais os referidos personagens possuem predicativos que os fazem ser pais de maneira simbólica imaginária eou mítica como lera Morais refletindo da mesma forma nas ações de Riobaldo e contribuindo para a formação do sujeito ainda que não haja laço sanguíneo entre eles Além desse reflexo das características dos pais nos filhos o primeiro encontro ainda nos revela um novo espelhamento Riobaldo vê seu medo refletido nas águas do Rio São Francisco e nos olhos de Diadorim Eu vi o rio Via os olhos dele produziam uma luz ROSA 2001 p 122 E foram eles que lhe forçaram a enfrentar seus receios pois a água bruta e traiçoeira ROSA 1986 p 88 do São Francisco fez com que Riobaldo se conhecesse e se transformasse assim como o deJaneiro que se transforma ao se deparar na imensidão do Chico Conforme vimos tanto em Heráclito quanto em Guimarães Rosa o rio ganha destaque ao ser relacionado ao constante fluir dos seres e das coisas Na passagem em análise a qual se passa no rio acontece uma mudança em Riobaldo o que não é por acaso como Walnice Nogueira Galvão observa 83 Não é coincidência que a presença do rio e a imagem da travessia é tão importante neste romance Matéria ser mítico símbolo do fluir permanente o rio nêle figura sempre desde as veredas do título passando pelos rios maiores com um dos quais o Urucuia Riobaldo se identifica até o pai de todos o rio São Francisco na ambivalência de suas duas bandas A rodadavida encarnação do movimento e da mudança de tudo o que existe ao fim e ao cabo reportase a Deus Deus que roda tudo GALVÃO 1972 p 131 Sobre essa importância do primeiro encontro Roncari pontua que foi na travessia do São Francisco que ele Riobaldo conheceu a si o seu medo e ao seu outro Diadorim possuidor da coragem e autoridade que não tinha mas gostaria de ter RONCARI 2004 p 82 grifo nosso Já Diadorim o menino moço possuidor da coragem passou calma para Riobaldo através do toque das mãos e do olhar posto que se via refletido nos olhos do menino e por eles tinha admiração Nesse sentido Diadorim antes de ensinar Riobaldo a enxergar a natureza com outros olhos lhe ensinara que carece de ter coragem ROSA 2001 p 122 isto é ele inicia o aprendizado da coragem no menino Riobaldo isso faz com que estejam nas posições de tutor e de aprendiz respectivamente O rio espelho dágua e Diadorim com seus olhos espelhos dalma promoveram uma modificação em Riobaldo que se apresentou no primeiro encontro como um menino medroso que não conhecia muitas coisas inseguro e inexperiente Essa travessia provocou mudanças no personagem tanto que o narrador conta que na volta já não sentia mais medo E eu não tinha medo mais Eu O sério pontual é isto o senhor escute me escute mais do que eu estou dizendo e escute desarmado O sério é isto da estória toda por isto foi que a estória eu lhe contei eu não sentia nada Só uma transformação pesável Muita coisa importante falta nome ROSA 2001 p 125 Após experimentar sensações inéditas e verificar todas as demonstrações de coragem do meninoDiadorim na volta do passeio Riobaldo não era mais o mesmo houve um ritual que o modificou De acordo com Davi Arrigucci essa foi uma 84 experiência que proporcionou a Riobaldo o abandono da ignorância e o contato com variados conhecimentos Equivale de qualquer forma no plano real da experiência à passagem da ignorância ao conhecimento momento de reconhecimento ou revelação simbólica em que se dá a descoberta do que mal se pode formular pelo poder de síntese de uma totalidade complexa abrangendo aspectos e contradições de toda a existência do sexual ao afetivo do ético ao político Ao sair da aventura em que descobre o medo e a coragem a tristeza e a alegria o masculino e o feminino o homem e a mulher a força e a fraqueza o real e a máscara o natural e o artificial o claro e o ambíguo o bem e o mal e muito mais tudo misturado ao mesmo tempo e de uma só vez percebe a mudança profunda ARRIGUCCI JR 1994 p 26 Michel Foucault em Do Governo dos Vivos discorre sobre o poder e sua relação com o conhecimento de quem é governado Segundo o autor ao transferir a noção de regime político para o problema da verdade há existência de obrigações de verdade destinadas a impor atos de crença de confissões de convicções de engajamento etc Exemplo disso são os atos que antecedem o batismo como a confissão em que o indivíduo manifesta o que é revelando seus pecados Ademais antes do batismo há um ensinamento prévio FOUCAULT 2014 p 89 sobre a doutrina cristã não bastando somente o aprendizado mas a crença em sua verdade A respeito desse contato com o conhecimento o primeiro encontro com Diadorim apesar de ser um ritual não nominado em muito se assemelha ao batismo sobre o qual Foucault trata ao abordar o eixo verdadesubjetividade Além do aprendizado que os afigura temse a presença do elemento água em ambos No batismo há o mergulho para sinalizar a mudança Foucault diz que ele é um selo assegura um segundo nascimento renascimento ou novo nascimento FOUCAULT 2014 p 96 Já na passagem do Grande Sertão na qual Riobaldo confidencializa que sentiu uma transformação pesável ainda que não tenha acontecido o mergulho as águas do Rio deJaneiro e do São Francisco compõem o encontro ganhando destaque pelo medo e pela coragem que os personagens demonstram diante delas Foucault ao discorrer sobre a importância da água no batismo chama atenção para o fato de a Escritura sempre usufruir desse elemento o qual segundo ele sempre teve privilégio 85 A água é o que permitiu modelar o homem fazer da matéria um homem a água é que no dilúvio felizmente purificou a face da Terra de todos os pecadores A água é que na forma do mar Vermelho separou o povo Hebreu de seus inimigos que o perseguiam e por conseguinte o libertou A água é que foi um elemento espiritual no deserto FOUCAULT 2014 p 109 Vêse que a água simboliza a origem da vida a purificação e a transformação já que possibilitou transformar a matéria no homem os pecadores em homens puros os Hebreus em homens livres etc Não é por acaso portanto que ela está presente no batismo que de acordo com Foucault constitui um segundo nascimento Em suas palavras entre a primeira e a segunda vida se situa o batismo FOUCAULT 2014 p 144 Em contrapartida a travessia dos meninos no romance se inicia não por acaso no deJaneiro rio que recebe o mesmo nome que o primeiro mês do ano janeiro palavra que possui o mesmo radical que o nome de um deus romano Janus deus dos portões e das portas ou como muitos se referem deus dos portais e das transições Os romanos se inspiraram em tal deus para alcunhar o primeiro mês do ano Ianuarius o mês que olha para os dois anos o que passou e o novo ano9 Janus é comumente representado nas artes por uma imagem com dois rostos opostos e pois isso um sempre olha para trás e outro para frente simbolizando desta forma o passado e o futuro o velho e o novo os fins e os começos o dualismo universal de que tanto versamos no primeiro capítulo deste trabalho Devido a sua figura e o que ela simboliza podese dizer que Janus representa o meio a travessia assim como os portões portas já que permite a passagem a transição entre dois ambientes dois lados É sabido que essa temática da travessia é cara à narrativa por isso convém antes de prosseguirmos com a análise do primeiro encontro inicialmente nossa principal vertente apresentar um breve aparte acerca do segundo encontro de Riobaldo e Diadorim já adultos uma vez que assim como no primeiro encontro há um ritual de passagem contornado de elementos significativos no segundo encontro também temos transições e detalhes importantes que marcarão o itinerário do narradorpersonagem 9Informações obtidas através da leitura do texto O deus Janus disponível em httpblogdaluxblogspotcombr201101odeusjanushtml A Profª Drª Ivana Ferrante Rebello sugeriu a inserção da análise do nome do RiodeJaneiro na banca de qualificação deste trabalho a quem agradeço pela sugestão 86 Ao pernoitar na casa de seu Malinácio esperando que sua filha casada acendesse a fogueira como um sinal para ir ao seu encontro Riobaldo se depara com alguns jagunços de Joca Ramiro No momento em que conversava com três deles na sala Reinaldo aparece na soleira da porta ROSA 2001 p 154 não por acaso já que conforme mencionado a porta é um espaço de transição Ao vêlo chegar Riobaldo recorda imediatamente de suas feições de seus olhos e do passeio na canoa quando crianças Soflagrante conheci O moço tão variado e vistoso era pois sabe o senhor quem mas quem mesmo Era o Menino O Menino senhor sim aquele do porto do deJaneiro daquilo que lhe contei o que atravessou o rio comigo numa bamba canoa toda a vida E ele se chegou eu do banco me levantei Os olhos verdes semelhantes grandes o lembrável das compridas pestanas a boca melhor bonita o nariz fino afiladinho Eu queria ir para ele para abraço mas minhas coragens não deram Porque ele faltou com o passo num rejeito de acanhamento Mas me reconheceu visual Os olhos nossos donos de nós dois Sei que deve de ter sido um estabelecimento forte porque as outras pessoas o novo notaram isso no estado de tudo percebi O Menino me deu a mão e o que mão a mão diz é o curto às vezes pode ser o mais adivinhado e conteúdo isto também E ele como sorriu Digo ao senhor até hoje para mim está sorrindo Digo Ele se chamava o Reinaldo Era o Menino do Porto já expliquei E desde que ele apareceu moço e igual no portal da porta eu não podia mais por meu próprio querer ir me separar da companhia dele por lei nenhuma podia O que entendi em mim direito como se no reencontrando aquela hora aquele MeninoMoço eu tivesse acertado de encontrar para o todo sempre as regências de uma alguma a minha família ROSA 2001 p 154155 grifo nosso Como Riobaldo relata ao reencontrar o Menino não pôde se separar mais dele por lei nenhuma o que o fez entrar na jagunçagem e mudar novamente o curso de sua vida Interessante notar que assim como no primeiro encontro temos o deJaneiro simbolizando transição nesse segundo encontro Reinaldo aparece na sala pelo portal da porta simbolizando a nova fase que iria se iniciar já que mudanças iriam ocorrer após esse reencontro De acordo com o Dicionário de Símbolos significados dos símbolos e simbologias a porta representa a passagem entre duas situações ou dois mundos o conhecido e o desconhecido tendo assim o caráter de revelar algo Em Grande Sertão o modo como Reinaldo aparece na porta da sala é significativo o jagunço que não estava junto ao bando era justamente o Menino que Riobaldo conhecera no Porto A porta revela aquele amigodesconhecido 87 Ademais ainda sobre a simbologia da porta como exemplo o referido dicionário nos chama a atenção para a expressão às portas da morte quer dizer estar prestes a conhecer a morte a morrer Quando se diz que uma porta se abre significa que há uma nova oportunidade para algo o que pode também sinalizar uma nova etapa da vida Por outro lado se uma porta se fecha significa recusa negação ou rejeição o que pode também sinalizar o término de uma fase No romance a aparição de Diadorim no portal da porta é emblemática já que será ele quem despertará em Riobaldo o amor e o ódio o bem e o mal o claro e o escuro É ele quem apresenta ao narradorpersonagem as belezas e as quisquilhas da natureza conduzindoo também rumo à crueldade à maldade e à aspereza do sertão Diadorim além de direcionar Riobaldo ao conhecimento o leva ainda à descoberta dos impulsos sensuais É através dele que Riobaldo passa a transitar no mundo dos Jagunços aprendendo valores como lealdade bravura e honra destacandose como chefe e experimentando o poder e as glórias de ser líder Após esse parêntese e após analisar os elementos envolvidos no primeiro encontro pela vertente do medo e da coragem atrevemonos a formular uma possível resposta para o questionamento de Riobaldo Porque foi que eu precisei de encontrar aquele meninoROSA 2001 p 125 o meninoDiadorim que nasceu para nunca ter medo incentivou seu companheiro a ter coragem enfrentando os perigos e medos que surgiram ao realizar a travessia O encontro foi uma veredazinha isto é um portal relevante e indispensável à transformação do menino e formação do homem Durante a travessia ao se deparar com a união dos rios vimos que Riobaldo quis voltar desistir mas o Menino não viu motivos para que desistissem o que parece ter prenunciado a necessidade e a irreversibilidade daquela travessia assim como a impossibilidade de reverter o encontro dos rios Riobaldo já na condição de jagunço ao buscar vingança pela morte de Joca Ramiro se lembrou desse encontro como um rito necessário que iria se findar quando concluíssem o propósito de dar cabo do Filho do Demo Hermógenes Diadorim o Reinaldo me lembrei dele como menino com a roupinha nova e o chapéu novo de couro guiando meu ânimo para se aventurar a travessia do Rio do Chico na canoa afundadeira Esse menino e eu é que éramos destinados para dar cabo do Filho do Demo do Pactário O que era o direito que se tinha O que eu pensei deu de ser assim ROSA 2001 p 425 88 Esse primeiro encontro foi um rito de iniciação no qual Riobaldo conheceu muitos medos e a coragem do meninomoço Apesar de haver transformação não há o abandono do medo pois ele é o sinal de alerta para a manutenção da integridade do corpo e da alma Foucault diz que o Cristão quando se prepara para o batismo e uma vez batizado não deve nunca abandonar o medo Ele deve saber que está sempre em perigo Deve estar sempre inquieto Sobre essa inquietude Foucault alerta que não devemos estar certos de que somos puros e de que seremos salvos segundo ele a incerteza é fundamental e necessária FOUCAULT 2014 p 116 Riobaldo em toda sua travessia é sempre inseguro por isso a figura de Diadorim cheia de certezas aparentemente é essencial para que ele enfrente seus medos Diadorim a encarnação da coragem guiou o ânimo do meninoRiobaldo no passado na travessia do Rio São Francisco no entanto agora com as novas circunstâncias é preciso que Tatarana enfrente novamente seus medos a fim de obter coragem para o confronto com o Filho do Demo Tendo isso em vista Ivana Ferrante Rebello em Poética de atrito pedras jogo e movimento no Grande sertão afirma que Diadorim e o diabo são os impulsos que movem a vida de Riobaldo e movimentam o tecido do texto REBELLO 2011 p 155 O narradorpersonagem portanto não está definitivamente em uma margem nem em outra não é corajoso nem medroso ele vive em constante travessia Garbuglio o define como um ser em desdobramento justificando pelo fato de Riobaldo se repartir entre o direito e os avessosGARBUGLIO 2005 p 61 Ainda segundo o autor em consonância com o ponto de vista aqui defendido esse desdobramento se estabelece no decorrer dos acontecimentos ou seja a predominância de um dos lados opostos que convivem no ser prevalece diante das situações vividas Sobre esses acontecimentos Garbuglio afirma que são eles os responsáveis pelo progressivo amadurecimento das experiências assimiladas no decurso da existência O pacto com o demônio é a culminância desse processo principiado aos catorze anos O encontro com Diadorim dálhe as primeiras medidas do medo e da coragem da indiferença e da audácia GARBUGLIO 2005 p 61 89 32 O contrato de coragem10 O medo no meio está O demo no meio está O demo é o medo Do medo se faz o demo Júnia Gomes Como vimos no segundo capítulo o medo do além e dos castigos do inferno foi intenso na Europa Medieval A crença em anjos demônios e espíritos está desde então arraigada na mentalidade humana Muitas pessoas tanto no passado quanto no presente temem o desconhecido o oculto e o invisível Em Quatro gigantes da alma o medo o amor a ira e o dever Emilio Mira y Lopez defende que todos esses temores culminam no medo e na angústia ante a face côncava da realidade o nada LOPEZ 1960 p 42 Esse nada seria a nosso ver o imaginário o que não está no plano do concreto o irreal Ainda de acordo com Lopez o que não existe oprime mais do que aquilo que existe LOPEZ 1960 p 39 Logo no início do Grande Sertão ao especular ideias Riobaldo questiona sobre a possível existência do diabo deixando nítida sua melancolia diante da incerteza O diabo existe e não existe Dou o dito Abrenúncio Essas melancolias ROSA 2001 p 26 Após esse questionamento ambíguo Riobaldo elucida Explico ao senhor o diabo vige dentro do homem os crespos do homem ou é o homem arruinado ou o homem dos avessos Solto por si cidadão é que não tem diabo nenhum Nenhum é o que digo O senhor aprova Tem diabo nenhum Nem espírito Nunca vi Alguém devia de ver então era eu mesmo este vosso servidor ROSA 2001 p 26 De acordo com a explicação de Riobaldo o diabo não tem forma física própria ele está nos avessos do homem e em todo ser da natureza nas plantas nas águas na terra no vento isto é em Tudo Tem até tortas raças de pedras Horrorosas venenosas que estragam mortal a água se estão jazendo em fundo de poço o diabo dentro delas dorme são o demo ROSA 2001 p 27 grifo nosso Além disso o 10A expressão contrato de coragem é utilizada por Riobaldo no momento em que os urucuianos homens que haviam se juntado ao bando por meio de Zé Bebelo se despediram seguindo novo rumo E eles iam sembora conforme desisti de sobreguardar esses homens Do jeito de que é que me valiam O contrato de coragem de guerreiros não se faz com vara de meirinho não é com dares e tomares ROSA 2001 p 516 90 narradorpersonagem alerta Que o que gasta vai gastando o diabo de dentro da gente aos pouquinhos é o razoável sofrer ROSA 2001 p 26 grifo nosso Ao afirmar que o diabo está dentro das pedras e dentro da gente lembramonos da tese de Walnice Galvão que discorre sobre a frequência de uma coisa dentro da outra em Grande sertão veredas Em perspectiva semelhante ao discorrer sobre o batismo e a importância de o Cristão manter o medo perante os perigos Foucault afirma que cada uma das nossas almas é de certo modo uma pequena igreja dentro da qual satanás reina e exerce seu poder FOUCAULT 2014 p 114 grifo nosso Nesse sentido o papel do batismo é precisamente expulsar de dentro da alma esse elemento hostil estranho exterior e outro que é Satanás FOUCAULT 2014 p 115 grifo nosso Nas passagens acima verificase que o demo assim como o medo vive dentro da gente podendo influenciar nossas ações e nossas experiências além disso Riobaldo afirma que o demo não tem forma física própria podendo estar em tudo da mesma forma o narradorpersonagem afirma que o medo resiste por si em muitas formas ROSA 2001 p 373 Nesse sentido por não terem forma própria e por estarem dentro da gente o demo e o medo são angústias e questionamentos constantes de Riobaldo os quais ganham importância significativa na obra já que o narrador busca sempre superar os medos e os demônios que o perturbam além de procurar entender do medo e saber se o demo de fato existe Como mágico das palavras Guimarães Rosa brincou com os vocábulos medodemo anagrama que possui letras alternadas d e m e que porta várias relações semânticas no romance pois o demo é que causa medo e o medo pode ser enfrentado ao encarar o demo Sobre esse anagrama Ivana Rebello sublinha que o medo é a parte flagrantemente humana que Riobaldo exibe confessandoo em muitos momentos do seu relato Na paridade do demo e do medo lêse uma alternância entre a sua força e valentia e o seu medo que o fragiliza Na verdade esse jogo de letras sempre alternadas demonstra que a narrativa compõese como um tabuleiro de enxadrista em que preto e branco sobrepõemse e complementamse metaforizando a luta que Riobaldo trava consigo próprio com a sua força de chefe e sua fraqueza de homem REBELLO 2011 p 140 O medo faz com que o homem sobreviva pois o sensibiliza diante dos perigos alertandoo mas também pode demonstrar fraqueza de acordo com Rebello já que ele 91 também paralisa como vimos no capítulo anterior Por outro lado o demo representa a força e a valentia e ao se aliar a ele por meio do pacto o indivíduo se torna possuidor da coragem Nesse sentido o par medodemo se configura em unidade de forças opostas que se revezam não só no narradorsujeito mas na palavra narrada um verdadeiro jogo de letras 2011 p 140 como denomina Rebello Além desse anagrama medodemo Guimarães Rosa ainda se vale da semelhança fonética entre os vocábulos tremertemertemetemodemo e seus correlatos O verbo tremer que é utilizado nas suas diversas conjugações e possibilidades é comumente relacionado ao medo no romance já que um dos sintomas mais notáveis deste é o tremor do corpo o que nos lembra a fala popular tremi de medo No romance temos várias passagens que mostram esse sintoma como no episódio em que Riobaldo cogitou matar nhô Constâncio Alves que percebeu o malamém Confuso como se rebaixou um pouquinho no tamanho ele devia de estar abrindo os joelhos por tremor de medo nas pernas ROSA 2001 p 488 ou quando Riobaldo conheceu seô Habão Ele estava em todos tremores conforme esses homens que não têm vergonha de mostrar medo em desde que possam pedir à gente perdão com muita seriedade ROSA 2001 p 456 Em outras passagens notamos a relação entre os vocábulos e a possibilidade de suprimir ou adicionar a consoante r mantendo o sentido e sendo portanto sinônimos No pacto por exemplo Riobaldo diz que tirou de dentro de meu tremor as espantosas palavras e ainda que naquela circunstância não ia temer ROSA 2001 p 435 Nesses casos teríamos o significado conservado nas sentenças com a supressão e adição da consoante r nas palavras destacadas o que nos possibilita testemunhar mais uma vez o jogo de letras mencionado REBELLO 2011 p 140 O par temodemo especificamente é curioso O primeiro se refere à primeira pessoa do presente do indicativo do verbo temer sinônimo de recear equivalente a ter medo Temo se aproxima da palavra demo pelo fato de os sons t e d serem análogos já que são classificados de acordo com o modo e o lugar de articulação do segmento consonantal como oclusivas alveolares Conforme a fonética a consoante alveolar se configura quando o ápice ou lâmina da língua articulador ativo toca os alvéolos articulador passivo já a consoante oclusiva se caracteriza pela corrente de ar dirigirse apenas para a cavidade bucal A única diferença entre os sons t e d é em relação ao grau de vozeamento desvozeada e vozeada respectivamente Essa 92 classificação diz respeito ao estado da glote durante a articulação sonora se a glote estiver fechada na passagem de ar irá produzir sons vozeadossonoros devido às vibrações das pregas vocais caso contrário se estiver aberta produzirá sons desvozeadossurdos11 Essas palavras de grafia e sonoridade semelhantes temodemo não foram utilizadas aleatoriamente por Guimarães Rosa pois comparecem no romance de modo a sugerirem significados em consonância com a estrutura narrativa Na seguinte passagem isso fica evidente O senhor entenderá Eu não entendo Aquele Hermógenes me fazia agradados demo que ele gostava de mim Sempre me saudando com estimação condizia um gracejo amistoso ou umas boas palavras nem parecia ser o bedegueba Por cortesia e por estatuto eu tinha de responder Mas em mal Me irava Eu criava nojo dele já disse ao senhor Aversão que revém de locas profundas Nem olhei nunca nos olhos dele Nojo pelos eternos razão de mais distâncias Aquele homem para mim não estava definitivo E arre que ele não desconfiava não percebia Queria conversa me chamava eu tinha de ir ele era o chefe Fiquei de ensombro Diadorim notou me deu conselho Modera esse gênio que você tem Riobaldo As pessoas não são tão ruins agrestes Dele não me temo eu respondi Eu podia xingar com os olhos ROSA 2001 p 203 grifos nossos Na sentença Aquele Hermógenes me fazia agradados demo que ele gostava de mim percebemos a pluralidade significativa do uso da palavra demo Ao analisar esse período verificamos que os três significantes Hermógenes demo ele estão incluídos no mesmo campo semântico podendo ter o mesmo significado Anagrama de medo e análoga a temo nesse contexto demo representa o receio que Riobaldo tinha de que Hermógenes gostasse dele devido à maneira amistosa e cortês de a ele se dirigir estima que não era recíproca Substituindo o substantivo pelo verbo teríamos temo que ele gostava de mim No que tange o significado literal o demo o diabo entendemos que Riobaldo pode estar se referindo tanto ao diabo quanto ao próprio Hermógenes já que nas palavras do narradorpersonagem este é o próprio demônio 11 Informações adquiridas através da leitura do trabalho intitulado Língua Portuguesa Fonética e Fonologia de Liliane Pereira Barbosa e Diocles Igor Pires Alves 93 O Hermógenes ele dava a pena dava medo Mas ora vez eu pressentia que do demônio não se pode ter pena nenhuma e a razão está aí O demônio esbarra manso mansinho se fazendo de apeado tanto tristonho e o senhor pára próximo aí então ele desanda em pulos e prezares de dança falando grosso querendo abraçar e grossas caretas boca alargada Porque ele é é doido sem cura Todo perigo ROSA 2001 p 251 grifos nossos Assim como nesse fragmento em diversas passagens do romance Hermógenes e demônio se confundem sendo uma unidade o que é justificado com a possibilidade de Hermógenes ter feito pacto com o demo ou seja o demo vive dentro dele em seus crespos No episódio em que os hermógenes matam os cavalos do bando liderado por Zé Bebelo na fazenda dos Tucanos Riobaldo registra o relincho de dor e de sofrimento dos animais mas depois retifica não tem cavalo rinchando nenhum não são os cavalos todos que estão rinchando quem está rinchando desgraçado é o Hermógenes nas peles de dentro no sombrio do corpo no arranhar dos órgãos ROSA 2001 p 358 grifo nosso isto é o demo habita os avessos do personagem o qual é sempre descrito como um ser ruim Já vai que o Hermógenes era ruim ruim Eu não queria ter medo dele Digo ao senhor que aquele povo era jagunços eu queria bondade neles Desminto ROSA 2001 p 186 Apesar de não querer ter medo do inimigo ele é inerente a Riobaldo o que pode ser verificado no decorrer do texto como na passagem citada acima e na seguinte em que afirma Hermógenes ele dava a pena dava medo ROSA 2001 p 251 Até mesmo Diadorim em quem a coragem prevalece confessa ter receio de Hermógenes e de seu comparsa Ricardão gente estarrecida de iras frias Agora esses me dão receio meu medo Deus não queira ROSA 2001 p 300 Riobaldo duvidava que Diadorim tivesse medo mas também sabia um dia o medo consegue subir faz oco no ânimo do mais valente qualquer ROSA 2001 p 550 Além de se configurar como um ser predominantemente ruim segundo Riobaldo Hermógenes era homem sem anjodaguarda ROSA 2001 p 132 fel dormido flagelo com frieza ROSA 2001 p 186 o que intensifica a imagem que o leitor vai construindo do personagem Importante salientar o advérbio aqui utilizado predominantemente já que conforme notado por Riobaldo quase todo mais grave criminoso feroz sempre é muito bom marido bom filho bom pai e é bom amigode seusamigos ROSA 2001 p 2728 isto é os indivíduos têm personalidade 94 maleável reversível o que exploramos no primeiro capítulo No caso de Hermógenes isso pode ser verificado quando Riobaldo menciona sobre a existência de uma família ficando nítida a natureza ambígua daquele Estudei uma dúvida Ao que será que seria o ser daquele homem tudo Algum tinha referido que ele era casado com mulher e filhos Como podia Aide vai meu pensamento constante querendo entender a natureza dele virada diferente de todas a inocência daquela maldade A qual que me aluava O Hermógenes numa casa em certo lugar com sua mulher ele fazia festas em suas crianças pequenas dava conselho dava ensino Daí saía Feito lobisomem Adiante de quem atrás do quê A cruz o senhor faça meu senhor Aí eu acreditei que tivesse de haver mesmo o inferno um inferno precisava E o demônio seria o inteiro louco o doido completo assim irremediável ROSA 2001 p 250251 Hermógenes tem dupla personalidade em casa agia de um modo na rua feito lobisomem o diabo na rua no meio do redemoinho motivo pelo qual o narrador personagem disse ao seu ouvinte para fazer o sinal da cruz Ao falar sobre esse subtítulo do romance o qual aparece no decorrer da narrativa Rebello lembra que tem morada certa entre a fala da gente sertaneja que ao ver um redemoinho exclama Cruz credo Capetinha fugindo da cruz REBELLO 2011 p 142 Hermógenes seria o próprio demo para o qual se faz o sinal da cruz Era frequente os rumores do pacto de Hermógenes e segundo Riobaldo nisso todos acreditavam Pela fraqueza do meu medo e pela força do meu ódio acho que eu fui o primeiro que cri ROSA 2001 p 82 Nesse caso o medo demonstra fraqueza contribuindo para a crença no inimigo pactário e para o conhecimento de sua façanha já que todos acreditavam O medo é um sentimento presente em muitas estórias frequentemente aparecendo como um elemento que norteia as ações dos personagens que o causam ou que o sentem A presença daquilo que ameaça que provoca o medo envolve o leitor oue o ouvinte fazendo com que a história seja relida oue recontada por diversas vezes como muitas lendas do folclore brasileiro a da mulasemcabeça do lobisomem do bicho papão entre tantas outras que são transmitidas por distintas gerações Na narrativa riobaldiana fica claro que o medo é o agente reprodutor das estórias sobre Hermógenes o que o afamava 95 Às parlendas bobéia O medo que todos acabavam tendo do Hermógenes era que gerava essas estórias o quanto famanava O fato fazia fato Mas no existir dessa gente do sertão então não houvesse por bem dizer um homem mais homem Os outros o resto essas criaturas Só o Hermógenes arrenegado senhoraço destemido Rúim mas inteirado legítimo para toda certeza a maldade pura ROSA 2001 p 425 O medo é responsável por fazer com que o fato fosse contado e fosse creditado nas palavras do narradorpersonagem o fato fazia fato ROSA 2001 p 425 Hermógenes devido a sua fama de pactário carrega vários predicativos arrenegado que se zanga ou no popular é o próprio diabo senhoraço que segundo o dicionário é um homem que se apresenta como sendo importante quando realmente não o é o que contribui para a dualidade do personagem o qual é ruim mas inteirado legítimo a natureza fundada na inocência da maldade é a maldade pura Interessanos sublinhar aqui o fato de o personagem em questão ser caracterizado como destemido ou seja não ter medo de nada o que não o torna corajoso pois ter coragem é como vimos ter medo e ao mesmo tempo ter ânimo energia e confiança para enfrentálo A coragem é o equilíbrio entre o medo e a confiança se o indivíduo a excede se torna temerário audacioso Durante a narrativa a palavra coragem não é comumente relacionada a Hermógenes mas sim valente e valentão ROSA 2001 p 318 Tais palavras são tidas como sinônimas no entanto há uma diferença sutil a valentia embora implique ter ânimo e energia também é relacionada à audácia isto é ao enfrentamento das situações com confiança em excesso temeridade atrevimento Ademais sobre o adjetivo no grau aumentativo valentão o Minidicionário Aurélio o associa ao indivíduo muito decidido intrépido afoito ou seja que age de modo destemido ousado precipitado características típicas de Hermógenes as quais pode ter adquirido através da assinatura do pacto pois a partir de tal feito é o demônio rabudo quem pune por ele ROSA 2001 p 82 motivo pelo qual não demonstra medo nem prudência É valentão no sentido extremo da palavra O bando de que Riobaldo fazia parte procurava Hermógenes para vingar a morte de Joca Ramiro Nessa busca o narradorpersonagem afirma estarem com a coragem esporeada ROSA 2001 p 217 isto é estavam com coragem estimulada pela vingança No entanto junto à coragem tem o medo o demo 96 Nós não estávamos forte em frente com a coragem esporeada Estávamos Mas então Ah então mas tem o Outro o figura o morcegão o tunes o cramulhão o debo o carocho do pédepato o malencarado aquele o quenãoexiste Que não existe que não que não é o que minha alma soletra E da existência desse me defendo em pedras pontudas ajoelhado beijando a barra do manto de minha Nossa Senhora da Abadia ROSA 2001 p 217 Diante dessa adversão Riobaldo ao se referir a Hermógenes questiona o Hermógenes que por valente e valentão para demais até ao fim deste mundo e do juízofinal se danara oco de alma Contra ele a gente ia Contra o demo se podia Quem a quem ROSA 2001 p 318 Devido a essas dúvidas no pacto com o demo Riobaldo procura superar o medo a fim de enfrentar a guerra com Hermógenes o próprio demo o belzebu ROSA 2001 p 197 Conforme Candido o pacto significa caminho para adquirir poderes interiores necessários à realização da tarefa CANDIDO 2006 p 122 Esses poderes interiores seriam a coragem sentimento de que Riobaldo carecia e que era necessário para a concretização da vingança pois seu inimigo era conhecido como pactário indivíduo que causava medo tinha o demo em seus avessos Quando menino conforme testemunhamos no primeiro encontro Riobaldo tem o medo como sentimento predominante no entanto ao atravessar a narrativa acompanhando seu percurso até se tornar fazendeiro e contador de estórias verificamos que no que tange o par medocoragem seu comportamento e sua personalidade oscilam se modificam dependendo da situação em que o personagem se encontra o que é comum a todo e qualquer homem como ele mesmo sublinha No formato da forma eu não era o valente nem mencionado medroso Eu era um homem restante trivial ROSA 2001 p 82 Após o segundo encontro com o menino e o ingresso na jagunçagem em Riobaldo Tatarana prevalecia o medo o que confessou em diversos momentos como na noite em que passeava com Diadorim que após perder o pai só falava em vingança em matar Nesse momento Riobaldo revela E eu tinha medo medo em alma ROSA 2001 p 46 Medo que também teve diante da possibilidade de Diadorim pedir para que ele matasse a velha Ana Duzuza mãe de Nhorinhá e por quem sentia pena Só previ medo foi de que ele falasse para eu mesmo ir voltar lá por minhas próprias acabar a 97 Ana Duzuza ROSA 2001 p 53 Outro exemplo ocorre quando os jagunços assassinaram um homem que os espiava entristecendo Riobaldo e por esse motivo tinha receio de que o achassem de coração mole soubessem que ele não era feito para aquela influição que tinha pena de toda cria de Jesus ROSA 2001 p 186 grifos nossos Estabelecida a relação da coragem com o coração no romance podemos inferir que coração mole é quando o sujeito fraqueja quando tem medo podendo se referir também a uma pessoa que se comove facilmente característica contrária à imagem que se tem do jagunço homem valente que causa medo e não tem medo não tem pena de qualquer criatura assim como Hermógenes Lacrau dizia que a natureza do Hermógenes demudava não favorecendo que ele tivesse pena de ninguém nem respeitasse honestidade neste mundo Para matar ele foi sempre muito pontual Se diz ROSA 2001 p 424 É notável a diferença entre as personalidades de Riobaldo e de seu inimigo enquanto o primeiro titubeava em matar tinha o coração mole pena de toda criatura o segundo não hesitava não tinha piedade de nenhum ser Sabendo disso e tendo ciência de que sua coragem era variável ROSA 2001 p 62 Riobaldo carecia de buscar forças consolidar seu ânimo e confiança enfrentar seus medos acertar aquela fraqueza ROSA 2001 p 426 firmar um contrato de coragem Tudo isso com o objetivo de findar o ritual iniciado quando criança no deJaneiro e dar cabo ao filho do demo como ele mesmo relata antes de tomar a coragem de decisão ROSA 2001 p 425 esta que o levou à encruzilhada A encruzilhada era pobre de qualidades dessas Cheguei lá a escuridão deu Talentos de lua escondida Medo Bananeira treme de todo lado Mas eu tirei de dentro de meu tremor as espantosas palavras Eu fosse um homem novo em folha Eu não queria escutar meus dentes Desengasguei outras perguntas Minha opinião não era de ferro Eu podia cortar um cipó e me enforcar pelo pescoço pendurado morrendo daqueles galhos queméque quem que me impedia Eu não ia temer O que eu estava tendo era o medo que ele estava tendo de mim Quem é que era o Demo o SempreSério o Pai da Mentira Ele não tinha carnes de comida da terra não possuía sangue derramável Viesse viesse vinha para me obedecer Trato Mas trato de iguais com iguais Primeiro eu era que dava a ordem E ele vinha para supilar o ázimo do espírito da gente Como podia ROSA 2001 p 435 Através dos sintomas demonstrados verificase que Riobaldo estava com medo ele tremia o corpo feito bananeira e seus dentes batiam no entanto ele diz ter tirado de 98 dentro de seu tremor ou de seu temor as espantosas palavras e não ter escutado o barulho ocasionado pelos dentes pelo medo novamente proferindo perguntas Nesse contexto o jagunço enfrenta seu medo não o deixando dominar e afirmando que não ia temer O medo que sentia segundo ele era o mesmo medo que o demo estava tendo dele se colocando portanto em igualdade com o Cramunhão era um trato de iguais com iguais Apesar de invocálo e de fazer perguntas o demo não aparece fisicamente entretanto é sabido que ele está misturado em tudo não tendo formas exatas podendo estar em tudo e ao mesmo tempo sendo nada Para a invocação e perguntas de Riobaldo somente silêncios o que pode ser um sinal segundo João Adolfo Hansen o qual afirma que o diabo no momento mesmo do pacto invocado não comparece existente mas o silêncio a ausência mesma indicam para Riobaldo o sentido de sua presença e existência HANSEN 2000 p 90 A respeito do ser do demo Hansen defende que sendo nada pois é nãoser o Diabo fica sendo no discurso como o expresso Metalinguisticamente o Diabo articulase como o Nonada da enunciação e ainda como o leitmotiv O diabo na rua no meio do redemoinho significando o espaço do texto e o da narração HANSEN 2000 p 92 Em perspectiva semelhante comparando a narrativa a um jogo Rebello diz que o diabo afirmase e desmentese no corpo do texto num processo contínuo REBELLO 2011 p 137138 Nesse redemoinho nesse texto que Riobaldo tece nesse jogo de palavras o diabo existe e não existe sendo o pacto portanto uma dúvida pois se não existe como é que se pode se contratar pacto com ele ROSA 2001 p 55 Rebello assegura que de todas as dúvidas presentes no romance a maior registra se no estranho pacto de que não se sabe ao certo ter existido ou não REBELLO 2011 p 137138 Em suas aulas ao discorrer sobre o objetivo no batismo sobre a luta incessante contra esse outro que está em nós contra esse outro que está no fundo da alma FOUCAULT 2014 p 145 Foucault cita Cassiano o qual defende que é física e teologicamente impossível que a alma do homem seja tomada possuída invadida 99 nem impregnada diretamente pelo espírito do mal FOUCAULT 2014 p 268 a partir dessa afirmativa Foucault faz a seguinte reflexão se a alma humana não é diretamente penetrada pelo espírito do mal em todo caso o espírito do mal se parece muito com ela O espírito do mal e a alma são ambos da mesma natureza São parentes e é essa semelhança essa analogia esse parentesco tão próximo que permite que o espírito do mal venha para junto da alma impregnar o corpo comandálo darlhes ordens agitálo sacudilo E nessa medida haverá possessão da alma pelo espírito do mal haverá copossessão copenetração coexistência do espírito do mal e da alma no corpo O corpo será sede dos dois FOUCAULT 2014 268 Mesmo sem a certeza da efetivação do pacto isto é se o diabo tomou posse da alma do jagunçoprotagonista constatase que houve uma mudança no seu comportamento e na sua personalidade Com esse trato Riobaldo afirma que somente queria era ficar sendo ROSA 2001 p 436 deixando aberta a interpretação do leitorouvinte no entanto uma página à frente ele revela A já eu estava ali eu queria eu podia eu ali ficava Feito Ele ROSA 2001 p 437 O vocábulo feito nesse contexto funciona como uma conjunção comparativa equivalente a como tal como Sendo assim Riobaldo queria podia e ficava sendo como Ele o demo o destemido Só assim seria possível vencer o inimigo O fato de estar na encruzilhada sentindo medo e ao mesmo tempo sem se deixar enfraquecer por ele causou uma modificação em Tatarana oriunda do enfrentamento de seus medos assim como na crença popular que narra a estória dos homens medrosos que querem se tornar valentes e para isso têm de comer um coração de onça cru Como vimos a coragem está na vontade e no ato de o indivíduo ter que matar a onça não na deglutição do referido órgão ação que por si só não mudaria as características do sujeito Logo após o possível pacto Riobaldo se enche de ânimo e de confiança encarna a maiorcoragem em suas palavras De dentro do resumo e do mundo em maior aquela crista e repuxei toda aquela firmeza me revestiu fôlego de fôlego de fôlego da maisforça de maiorcoragem ROSA 2001 p 437 Devido a todo esse fôlego e força que sentia já tomando a chefia do bando Riobaldo indaga Comi carne de onça ROSA 2001 p 466 Essa maiorcoragem é descrita como a que vem tirada a mando de setenta e setentas distâncias do profundo mesmo da gente ROSA 2001 p 437437 Se ela é 100 tirada do profundo da gente a coragem assim como o medo vive dentro do ser cabendo a ele balizar no terreno desses sentimentos Importa frisar que essa coragem é acompanhada por um adjetivo que lhe atribui um caráter de grandeza superior não era qualquer coragem era aquela tirada do profundo era maior era seu avesso No pacto ao gritar e invocar o demo Riobaldo desengasgava bramava desengolia verbos usados pelo próprio narradorpersonagem e que têm sentidos semelhantes pois colocam para fora o que está dentro da gente Esses verbos nos possibilitam afirmar que Riobaldo expeliu se livrou do medo que estava sentindo do demo e dessa forma do medo que tinha de Hermógenes o demo encarnado visto que agora se sentia preparado para enfrentálo na batalha final Segundo Hansen o pacto é a transgressão pela qual se introduz um outro HENSEN 2000 p 92 outro que consideramos ser o avesso em consonância com Garbuglio Em meio a incertezas fato é que houve uma travessia o que também acreditamos ser um de rito de passagem a partir do qual RiobaldoTatarana se torna o novo chefe do bando o UrutúBranco como o rebatiza Zé Bebelo Mas você é o outro homem você revira o sertão Tu é terrível que nem um urutú branco O nome que ele me dava era um nome rebatismo desse nome meu ROSA 2001 p 454 Vivenciado o ritual era necessário um nome ou melhor um renome que simbolizasse a nova fase o renascimento do protagonista sendo nomeado por UrutúBranco cobra voadeira perigosa e sorrateira que dá o bote no inimigo Ana Maria Machado chama a atenção para o fato de que Essa nova alcunha não se refere apenas às qualidades do animal evocado porém significa também no contexto uma capacidade de liderança por parte de Riobaldo esse Nome só virá a ser usado quando ele se tornar chefe do grupo Aí sim há a crisma O batismo é confirmado a cerimônia se repete com a sagração do chefe e a aclamação do novo Nome E é o mesmo Zé Bebelo autor do Nome quem o sagra somando à autoria do Nome a autoridade que lhe passa marcando Riobaldo com uma nova denominação MACHADO 2003 p 64 A chefia e o rebatismo só foram possíveis após Riobaldo enfrentar seus medos e tomar a maiorcoragem elemento segundo ele necessário para o comando Que comandar é só assim ficar quieto e ter mais coragem Mais coragem que todos ROSA 2001 p 570 Houve portanto na encruzilhada um contrato de coragem já 101 que Riobaldo estava possuído de ânimo e confiança se descrevendo como um ser destemido o medo era nenhum eu estava forro glorial assegurado ROSA 2001 p 448 Algum medo não palpitava frio por detrás de meus olhos ROSA 2001 p 464 Eu podia tudo ver com friezas escorrido de todo medo ROSA 2001 p 569 e na guerra final em que estava à frente do bando deduziu oficio de destino seu real era o de não ter medo Ter medo nenhum Não teve ROSA 2001 p 607 Aqui importa um aparte pois embora o narradorpersonagem afirme que enquanto UrutúBranco não sentia medo ao mesmo tempo deixa escapar para o leitor atento alguns receios que discretamente cobriram seu ânimo Como na fazenda de Seo Ornelas em que é intimado para sentar na cabeceira da mesa Aquela hora eu pelo que disse assumi incertezas Espécie de medo Como que o medo então era um sentido sorrateiro e fino que outros e outros caminhos logo tomava ROSA 2001 p 469 O medo como já sabemos pode invadir o íntimo de qualquer corajoso sendo sorrateiro semeando incertezas e até mesmo tirar a fome como nesse episódio Em outro momento no início do confronto final ao ver os inimigos avançando Riobaldo se diz estarrecido escutando vozes que diziam para ele não ir deixar para que seus companheiros resolvessem Ao ouvir Riobaldo indaga O meu medo ROSA 2001 p 596 Apesar de negar em seguida percebese que houve incerteza e insegurança ainda que momentânea no destemido chefe Assim como nessa passagem o medo é negado por diversas vezes não para dizer que estava tomado de coragem mas para não demonstrar fraqueza Seria uma leitura inocente e contraditória se defendêssemos que Riobaldo abandonara na encruzilhada todos os seus medos Salientamos que apesar de ter se tornado UrutúBranco predominantemente corajoso ainda existia o Menino o Professor o jagunço Riobaldo Tatarana A nova personalidade não excluiu as demais nem todos os medos que eram sentidos embora haja a predominância de uma sobre as outras A mudança é um movimento aditivo como o próprio narrador salienta Tudo o que já foi é o começo do que vai vir ROSA 2001 p 328 Quando diz por exemplo Aí eu era UrutúBranco mas tinha de ser o cerzidor Tatarana o que em ponto melhor alvejava ROSA 2001 p 597 ele afirma ser também Tatarana lagartadefogo apelidado por sua pontaria 102 Agora sendo o chefe UrutúBranco além de a coragem predominar era quem causava medo e isso apreciava Apreciei de ver como todos souberam jeito de esconder o medo que de mim deviam de ter ROSA 482 p 483 O fato de apreciar o medo que tinham dele o aproxima do seu maior inimigo o Hermógenes que também sentia gosto pelo medo que proporcionava O Hermógenes homem que tirava seu prazer do medo dos outros do sofrimento dos outros ROSA 482 p 197 Riobaldo que tinha coração mole que tinha medo de matar e que sentia pena de criaturas inocentes agora possuía um coração enérgico ROSA 2001 p 466 Dessa forma novamente seu coração muda de posto ainda que incerta a possessão do demo no pacto em questão Conforme Foucault quando a alma se assemelha a do espírito do mal há a possibilidade de copossessão copenetração coexistência permitindo que o demo comande dê ordens agite e sacuda o ser Em Riobaldo Diadorim sentiu uma mudança que segundo ele não é advinda da chefia ou seja do poder que lhe é concedido pelo exterior mas da alma de dentro Repuno que você está diferente de toda pessoa Riobaldo Você quer dansação e desordem Mexi meu cuspe dentro da boca A bem é que falo Riobaldo não se agaste mais E o que está demudando em você é o cômpito da alma não é razão de autoridade de chefias ROSA 2001 p 484 Certos de que Riobaldo foi tomado de uma maiorcoragem aquela que vem de dentro das profundezas reafirmamos que após o pacto quem sacudia e demarcava a personalidade do narradorpersonagem eram seus avessos nos quais o demo e o medo se instalam o demo então era eu mesmo ROSA 2001 487 Enquanto Menino Professor jagunço Riobaldo Tatarana quem predominava em sua personalidade era o medo no entanto ao enfrentálo houve uma reversão pois quem o comandava era o demo Nesse viés a reversibilidade se dá tanto nas letras na forma quanto no sentido expresso pelas palavras já que o demo representa a força a coragem até mesmo a ousadia que é a coragem em excesso Sendo assim só se tem coragem quando existe o medo porque é do medo que se faz o demo que se toma coragem da mesma forma do demo também se faz o medo ou se provoca o medo visto que quando se faz o pacto ou o contrato de coragem o 103 indivíduo se torna medonho amedronta Defendemos aqui a linguagem decifrada em que os opostos coexistem formando o uno a personalidade individual pois entendemos que é do próprio medo que Riobaldo cria coragem para enfrentar seu inimigo maior assim como no primeiro encontro pois ao ver o medo de Riobaldo Diadorim tirava aumento para sua coragem ROSA 2001 p 23 A travessia de seus medos não acontece somente no primeiro encontro e no pacto com o demo no qual firma o contrato de coragem Riobaldo vive em constante travessia Após a morte de Diadorim abandona a chefia se aventurando no gosto de especular ideias e com essa nova empreitava as novas angústias indagações e os novos medos sendo o medo de ter vendido a alma perturbador já que o aponta em diversas passagens Os medos portanto são muitos acompanham Riobaldo ao longo da vida e a cada hora nova do dia aprende uma nova qualidade dele como nos alerta Nem mesmo o UrutúBranco que é constantemente descrito como corajoso e destemido deixou de temer e de tremer como no duelo entre Diadorim e Hermógenes em que nos escapa a confissão Escutei o medo claro nos meus dentes ROSA 2001 p 610 O enfrentamento é uma forma de balizar o medo no campo da coragem não é o abandono definitivo pois ele é essencial para a sobrevivência do homem alertandoo sobre os perigos do viver No meio no medo carece de ter coragem 104 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao percorrer pela vereda ambígua e enigmática que envolve o Grande sertão constatamos a composição dos personagens sem exceção pelo medo e pela coragem elementos opostos que convivem no ser num movimento reversível e constante Como vimos a reversibilidade é condicionada pelas situações por motivadores que fazem com que um dos sentimentos predomine palavra que tivemos o cuidado de ressaltar durante todo o trabalho já que descartamos a perspectiva maniqueísta ou qualquer outra vertente que siga pela exclusão de um dos contrários Além disso importa salientar que quando usamos a palavra enfrentar ou superar não tivemos a intenção de nos referir à exclusão definitiva do medo em geral O medo na narrativa não é um sentimento único e fixo mas múltiplo e variável como demonstrado Superar um medo não é excluir o sentimento de forma permanente Sabendo que com a reversibilidade do medo e da coragem mudanças ocorrem é inevitável que novos anseios e novos medos apareçam Tudo é devir Aliás esse foi o princípio aqui defendido Os sujeitos estão em constante mudança e o que a fomenta são os opostos que se completam se harmonizam dependendo um do outro para que de fato existam Tudo é e não é Diferentemente do arquétipo de herói que foi construído na mentalidade social e que desde a antiguidade vem sendo exaltado pelo discurso literário isto é o homem possuidor da extrema coragem desprovido de todo medo sempre pronto para combater determinado problema Riobaldo nos apresenta como um homem trivial comum susceptível a diversos medos e sujeito às mais altas valentias tudo a depender da situação na qual se encontra envolvido É uma permeabilidade incessante Em boa parte de sua vida evidenciamos que em Riobaldo predominava o medo medo de descer o barranco medo de a canoa virar medo do rio medo maior medo de ser baleado medo propositado medo de ser morto medo em ânsia medo de trovão medo mau medo de matar medo do Hermógenes medo de assumir a chefia medo de errar medo de Deus entre tantos outros Apesar de se inserir na jagunçagem mais precisamente no bando de Joca Ramiro no qual em suas palavras ele havia de prestar toda a sua diligência e coragem ROSA 2001 p 167 Riobaldo apresenta esparsos momentos de coragem coragem variável continuando o medo portanto 105 acentuando sua travessia Ao buscar vingar o assassinato do chefe pai de Diadorim Tatarana vê a necessidade de acertar aquela fraqueza ROSA 2001 p 426 decidindo então firmar o contrato de coragem com o demo A partir de então testemunhamos grandes mudanças no comportamento e na personalidade do narrador personagem Seria então sua hora e vez Mesmo tomado da maior coragem o UrutúBranco deixou escapar demonstrações de insegurança e receios mas negava logo a seguir Ora sendo jagunçochefe não poderia aparentar fraqueza ser de coração mole mas como os outros grandes chefes que pelo olhar do narradorpersonagem eram homens valentes que não transpareciam ter medo de nada e neles Riobaldo se espelhava se perguntando em vários momentos conforme visto o que aqueles fariam se estivessem em seu lugar Assim como o UrutúBranco os jagunços de maneira geral se preocupavam em construir e em manter a fama de valentes e destemidos como na ação que praticavam de serrar os dentes a fim de se parecerem com piranhas peixes agressivos com dentes afiados ou na véspera de batalha quando se preocupam em negar o medo devido à diarreia Não é medo não amigos é o trivial do corpo explicavam alguns que ainda careciam de ir por suas necessidades ROSA 2001 p 216 O medo é um elemento oculto o nada aos olhos que repentinamente se manifesta ou sorrateiro e fino podendo subir no oco do homem mais valente como diria Riobaldo Negar o medo como o UrutúBranco e os jagunços faziam é uma forma de contêlo reprimilo ou de recalcálo transformandoo dessa forma em um elemento estranho o que nos remete mais uma vez ao conceito freudiano acerca do unheimlich o estranhofamiliar O prefixo un da palavra alemã é como uma marca de recalque do familiar heimlich o qual se torna oculto no consciente do indivíduo Esse elemento familiar pode ser reanimado por algo situação ou pessoa fazendo com que o oculto apareça Ao explorar o referido termo Freud cita Schelling Unheimlich é tudo o que deveria ter permanecido secreto e oculto mas veio à luz12 Sabendo que o medo é inato parte integrante do sujeito é inegável que sua natureza seja familiar Ao reprimilo não há o enfrentamento e consequentemente sua superação mas o encobrimento de um sentimento que pode retornar a qualquer 12FREUD Sigmund O estranho In Obras Completas vol XVII Disponível em httpconexoesclinicascombrwpcontentuploads201501freudsigmundobrascompletasimagovol 1719171918pdf Acesso em 29 jan 2017 106 momento bastando uma excitação exterior para que o elemento interiorizado se manifeste O medo resiste por si em muitas formas ROSA 2001 p 373 ou seja como não tem uma forma exata pode ser detectado através de sintomas como tremores falta de apetite diarreia etc não sendo preciso o narradorpersonagem afirmálo no discurso para que o leitor atento o perceba Além disso a valentia e a coragem são sentimentos buscados e almejados pelos jagunços porque existe o medo o medo que maneia que fraqueja que incita o indivíduo à fuga ou à paralização reações que não são características dos jagunços Apesar de não admitirem o medo no discurso pelas pistas podemos apurálo Desse modo depreendemos que se existe o medo carece de coragem Em outras palavras havia a necessidade de os jagunços buscarem ânimo e confiança pois existia ameaça de perigo ou situação difícil ou melhor jagunço vive em meio à guerra a conflitos e à violência a vida é para esse sarro de medo se destruir jagunço sabe ROSA 2001 p 382383 Nesse cenário é bem verdade que Riobaldo enquanto UrutúBranco demonstrou momentos de excesso de coragem chegando a ser temerário muitas vezes No entanto para ser chefe era preciso mais coragem que todos e ao falar sobre o comando Riobaldo demonstra ter consciência do excesso Caso que coragem um sempre tem poder de mais sorver e arcar um excesso ROSA 2001 p 570 Ademais na jagunçagem de modo geral havia a necessidade de se reafirmar a valentia até mesmo para se ter respeito motivo pelo qual ameaçou matar nhô Constâncio Alves e o homem em sua égua seguido por seu cachorrinho Entretanto o chefe UrutúBranco que possuía espelhamentos em várias figuras paternas Joca Ramiro que era valente de coração Medeiro Vaz homem justo e Zé Bebelo que possuía artimanha e verdadeira valentia não cumpriu com as ameaças o que permitiu aos jagunços reconhecerem as influências desses três homens no chefe Urutú Por outro lado quando partirmos do conceito de coragem posto por RiobaldoRosa coragem é o que o coração bate se não bate falso ROSA 2001 p 518 constatamos sempre a relação de tal sentimento com o coração não fortuitamente já que a palavra vem do latim coraticum ação do coração Nesse contexto verificamos que outros sentimentos também são comumente relacionados ao referido órgão o medo e o amor o que fica nítido quando o narrador personagem diz que se teme por amor mas que por amor também é que a coragem se faz ROSA 2001 p 472 de outro 107 modo a coragem e o medo são influenciados pelo amor o que é possível verificar no decorrer da narrativa como na passagem em que Riobaldo pensa em fugir com Diadorim mas teve medo de errar isto é de encontrarem com perigos devido a sua decisão ou quando Riobaldo toma coragem e entra na jagunçagem influenciado por Reinaldo O Reinaldo se dizendo ser um deles eu tive coragem de oferecer também que ficava não tinha sono tudo em mim era nervosia ROSA 2001 p 158 Em meio ao medo demonstrado pelo nervosismo ele teve coragem Mira e veja do amor vêm o medo e a coragem assim como do demo o medo e a coragem advêm Mas o amor assim pode vir do demo ROSA 2001 p 155 questiona Riobaldo Diadorim e o demo são responsáveis por reverter o medo do protagonista em coragem O primeiro que nasceu pra guerrear e nunca ter medo o conduz em muitas travessias repetindo sempre que carece de ter coragem ROSA 2001 p 122 por outro lado a partir do pacto com o demo Riobaldo se reveste da maior coragem sendo comandado pelos avessos Isso posto encerramos nossa travessia com o sentimento de que cumprimos nosso objetivo principal que era entender do medo e da coragem elementos que de fato empurram e impulsionam os personagens para as diversas ações que praticam ao longo da narrativa Desse modo decifrados nossos enigmas constatamos que as hipóteses levantadas para responder o problema proposto Qual a contribuição do medo e da coragem para o desenvolvimento de Grande sertão veredas foram confirmadas 1 a coragem singulariza e caracteriza os jagunços levandoos à guerra à vingança à morte e a outros atos que podem mudar o destino 2 o medo pode não só inibir os seres em suas ações e vivências mas também pode leválos ao enfrentamento dos perigos fazendo com que tenham coragem e por fim 3 o medo e a coragem figuram os seres motivandoos e modificandoos em suas travessias ou como chamamos em seus rituais de passagem Por fim acrescentamos o fato de que o medo e a coragem não só motivaram os personagens e suas respectivas ações no passado mas também a ação de narrar do então fazendeiro exjagunço Riobaldo Tecer sua história é um meio de não reprimir ou fugir mas de externar expelir enfrentar o medo que o angustia de ter vendido a alma para o demo oquenãoexiste Ao final da narrativa ele relata o que perguntou ao Compadre Quelelém que também ouviu toda sua história tomei coragem e tudo perguntei O 108 senhor acha que a minha alma eu vendi pactário ROSA 2001 p 623 Dessa forma vêse que o medo assim como a coragem continuam influenciando as ações de Riobaldo num movimento constante infinito Ele narra para superar seu medo e assim como o viver é perigoso o contar é muito muito dificultoso ROSA 2001 p 200 por isso careceu também de ter coragem 109 REFERÊNCIAS Do autor ROSA João Guimarães Grande sertão veredas Rio de Janeiro Nova Fronteira 19 ed 2001 Sobre o autor ALBERNAZ Ana Maria Gonçalves Lysandro de Vertência do viver no Grande Sertão Veredas Rio de Janeiro 2009 175 fls Tese Doutorado em Ciência da Literatura Poética Programa de PósGraduação da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ 2009 ARRIGUCCI Jr Davi O Mundo Misturado romance e experiência em Guimarães Rosa In Novos EstudosCEBRAP 40 São Paulo novembro de 1994 p 729 Disponível em httpnovosestudosuolcombrv1filesuploadscontents7420080626omundomist uradopdf Acesso em 2 mar 2016 BORGES Telma Narradores bastardos Salman Rushdie e Guimarães Rosa Outra Travessia Florianópolis n 20 p 91110 2015 Disponível em httpsperiodicosufscbrindexphpOutraarticleview44920 Acesso em 19 nov 2016 BORGES Telma Radiografias de um romance vestígios de Grande sertão veredas na biblioteca de Guimarães Rosa In Anais do SILEL vol 3 Uberlândia EDUFU 2013 Disponível em httpwwwileelufubranaisdosilelwp contentuploads201404silel20133066pdf Acesso em 02 jun 2016 CANDIDO Antonio O homem dos avessos In Tese e antítese Rio de Janeiro Ouro sobre Azul 2006 p 111130 CARDOSO R K F R Sertão lugar sertão homem sertão linguagem ser tão sertão tudo é e não é do regional ao universal 2012 63f Trabalho de Conclusão de Curso Licenciatura em Letras Português 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esse tipo de ordenação não levamos em consideração as preposições por de em para a conjunção que e o adjunto adverbial não mas observando os vocábulos que os sucedem Em alguns casos da primeira coluna na qual aparecem os tipos de medo e de coragem colocamos expressões em itálico a fim de chamar a atenção para o fato de que a tipologia de alguns desses sentimentos não está exatamente como na respectiva passagem havendo pequenas alterações eou acréscimos com o intuito de viabilizar a classificação e favorecer a leitura da tabela Importante salientar que embora não estejam verbalmente como nos trechos esses medos e coragens grifados em itálico correspondem fielmente ao conteúdo das respectivas passagens do romance De outro modo o medo e a coragem que não estabelecidos ou caracterizados de forma explícita por Guimarães RosaRiobaldo foram colocados após a classificação em ordem alfabética numa categoria que chamamos de geral uma vez que são dispostos de maneira generalizada sendo difícil classificálos levando em consideração o critério inicialmente utilizado Apesar disso na coluna descrição esses medos e coragens foram comentados assim como na classificação alfabética 113 Por fim registramos aqui a possibilidade de futuras modificações nessa sistemática atual pois esta tabela assim como todo o trabalho fará parte da Enciclopédia de Grande sertão veredas juntamente com outros verbetes e portanto as modificações podem ocorrer para que haja uma padronização O medo e a coragem em Grande sertão veredas 19 ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2001 MEDO DESCRIÇÃO PÁGINAS DE GSV PASSAGEM EM GSV A Medo de não achar pasto No dia de sair para guerrear ao percorrerem longas distâncias 148 De glória e avio de própria soldadesca e cavalos que davam até medo de não se achar pasto que chegasse e o pessoal perto por uns mil ROSA 2001 p 148 Medo de não acordar Um rapaz começou a ter medo de dormir e não saber como acordar mais Esse medo o levou à loucura 444 Tanto enquanto riam apreciando me ouvir eu contei a estória de um rapaz enlouquecido devagar nos Aiáis não longezinho da Vereda daAldeia o qual não queria adormecer por um súbito medo que nele deu de que de alguma noite pudesse não saber mais como se acordar outra vez e no inteiro de seu sono restasse preso ROSA 2001 p 444 Algum medo Negação do medo após o pacto 464 Algum medo não palpitava frio por detrás de meus olhos e por via disso eu de todos era o chefe mesmo em silêncio singular ROSA 2001 p 464 Medo em alma Medo que Riobaldo teve de fogofátuo 46 A ramagem toda do agrião o senhor conhece às horas dá de si uma luz nessas escuridões folha a folha um fosforém agrião acende de si feito eletricidade E eu tinha medo Medo em alma ROSA 2001 p 46 Medo em Medo de morrer 36 Aonde Atravessei aquilo vida 114 ânsia toda De medo em ânsia rompi por rasgar com meu corpo aquele mato fui sei lá e me despenquei mundo abaixo rolava para o oco de um grotão fechado de moitas sempre me agarrava rolava mesmo assim depois depois quando olhei minhas mãos tudo nelas que não era tirado sangue era um amasso verde nos dedos de folhas vivas que puxei e masgalhei ROSA 2001 p 36 B C Medo de castigo de Deus Na véspera de uma batalha com Zé Bebelo 216 Que simpatia demonstrada era essa eu nunca tinha dado fé daquele Feijó A vamos Hoje se faz o que não se faz um se exaltava assim tive medo de castigo de DeusROSA 2001 p 216 Medo de cego Riobaldo se referia a Borromeu que começou a rezar depois que ele matou Treciziano 530 Medo de cego não é o medo realROSA 2001 p 530 Medo claro Quando Diadorim e Hermógenes lutam às facas 610 Diadorim eu queria ver segurar com os olhos Escutei o medo claro nos meus dentes O Hermógenes desumano dronho nos cabelões da barba Diadorim foi nele ROSA 2001 p 610 Medo da confusão das coisas Riobaldo ao falar sobre o ódio que sentia de Hermógenes se refere que a um pressentimento algo que poderia acontecer mas que não sabia o que era 410 Tivesse medo O medo da confusão das coisas no mover desses futuros que tudo é desordem E enquanto houver no mundo um vivente medroso um menino tremor todos perigam o contagioso Mas ninguém tem a licença de fazer medo nos outros ninguém tenha O maior direito que é meu o que quero e sobrequero é que ninguém tem o direito de fazer medo em mim 115 ROSA 2001 p 410 D Medo do diabo No pacto Riobaldo sentia medo do demo e ele também sentia medo de Riobaldo Era recíproco p 435 435 Eu não ia temer O que eu estava tendo era o medo que ele estava tendo de mim ROSA 2001 p435 Medo de Diadorim Medo que Riobaldo teve de Diadorim enciumado 207 E Diadorim Me fez medo Ele estava com meia raiva O que é dose de ódio que vai buscar outros ódiosROSA 2001 p 207 Medo de doença São citadas a doença do toque malde lázaro e da bexiga 115 259 416 Ultimo que me veio com ela quase por engano de acaso era um homem que por medo da doença do toque ia levando seu gado de volta dos gerais para a caatinga logo que chuva chovida Eu já estava casado ROSA 2001 p 115 Digo ao senhor ele tinha medo de estar com o maldelázaro ROSA 2001 p 259 Zé Bebelo pegou a principiar medo Por quê Chega um dia se tem Medo dele era da bexiga do risco de doença e morte achando que o povo do Sucruiú podiam ter trazido o mauar e que mesmo o Sucruiú ainda demeava vizinho justo demais ROSA 2001 p 416 E Medo de errar Ainda quando Riobaldo pensou em fugir com Diadorim mas desistiu pois temia e cogitava encontrar perigos 201 Medo de errar Sempre tive Medo de errar é que é a minha paciência Mal O senhor fia Pudesse tirar de si esse medode errar a gente estava salva O senhor tece ROSA 2001 p 201 116 Medo de esbarrar de contar Momento em que o GaviãoCujo contava os detalhes do assassinato de Joca Ramiro 314 Artes que o GaviãoCujo ainda contava mais as miúcias parecia que tinha medo de esbarrar de contarROSA 2001 p314 F Medo fatal Riobaldo nega ter medo durante a batalha final 605 Minhas duas mãos tinham tomado um tremer que não era de medo fatal Minhas pernas não tremiam Mas os dedos se estremecitavam esfiapado sacudindo curvos que eu tocasse sanfona ROSA 2001 p 605 G Medo a gasto Negação do medo no início da batalha final 597 Mas não se tem medo a gasto Eu dizia fré e botava bililica na agulha Amanso Eu queria que Diadorim não se descuidasse ROSA 2001 p 597 Medo grande O medo que o povo do Paredão sentiu fez com que saíssem de lá 581 As famílias todas e os moradores camparam no pé desgarrados assim que o medo chegou lá O medo é demais de grande ROSA 2001 p 581 Medo de guerra Um jagunço inquieto nega ter medo de guerra após uma batalha 236 479 Comigo assim depois de cada forte fogo me dá esse porém É uma coceira na mente comparando mal Faz regular uns seis anos que estou na jagunçagem medo de guerra não conheço mas na noite passado cada fogo não me livro disso essa desinquietação me vem ROSA 2001 p 236 H Medo do Hermógens As estórias de Hermógenes inclusive a do pacto o afamavam e contribuíam para que tivessem medo dele inclusive Riobaldo p 82 82 186 197 251 280 425 O Hermógenes fez o pautoÉ o demônio rabudo quem pune por ele Nisso todos acreditavam Pela fraqueza do meu medo e pela força do meu ódio acho que eu fui o primeiro que cri ROSA 2001 p 82 117 186 251 425 Hermógenes sentia prazer do medo que sentiam dele p 197 Se referindo a Zé Bebelo no julgamento após Hermógenes se pronunciar p 280 A bronzes O ódio pousa na gente por umas criaturas Já vai que o Hermógenes era ruim ruim Eu não queria ter medo dele Digo ao senhor que aquele povo era jagunços eu queria bondade neles ROSA 2001 p 186 O Hermógenes homem que tirava seu prazer do medo dos outros do sofrimento dos outros ROSA 2001 p 197 O Hermógenes ele dava a pena dava medo Mas ora vez eu pressentia que do demônio não se pode ter pena nenhuma e a razão está aí ROSA 2001 p 251 Assim contracenando todo o tempo medo do Hermógenes remedou de feias caretas ROSA 2001 p 280 Às parlendas bobéia O medo que todos acabavam tendo do Hermógenes era que gerava essas estórias o quanto famanava ROSA 2001 p 425 Medo de homem e de chefe Na Fazenda dos Tucanos Riobaldo acusa Zé Bebelo de ser amigo dos soldados do Governo 351 E eu ri ah riso de escárnio direitinho ri para me constar assim que de homem ou de chefe nenhum eu não tinha medo ROSA 2001 p 351 Medo de homem humano Riobaldo sobre as ações dos jagunços 422 O horror que me deu o senhor me entende Eu tinha medo de homem humano ROSA 2001 p 422 I Medo imediato Medo de Riobaldo na travessia dos rios com Diadorim ainda meninos 121 Não pensei nada Eu tinha o medo imediato E tanta claridade do dia O arrojo do rio e só aquele estrape e o risco extenso dágua de parte a parte Alto rio fechei os 118 olhos Mas eu tinha até ali agarrado uma esperança ROSA 2001 p 121 Medo imposto Zé Bebelo querendo impor medo a todos 526 Que tal Zé Bebelo na hora me lembrei quando mal irado ou quando conforme querendo impor medo a todos Norte de Minas Norte de Minas o que bramava ROSA 2001 p 526 J Medo por Joca Ramiro Os jagunços prezavam pelo bem estar do chefe Joca Ramiro 264 A gente tinha até medo de que com tanta aspereza da vida do sertão machucasse aquele homem maior ferisse cortasse ROSA 2001 p 264 K L M Medo de mãecobra Medo de cobra grande 47 Com medo de mãecobra se vê muito bicho retardar ponderado paz de hora de poder água beber esses escondidos atrás das touceiras de buritirana ROSA 2001 p 47 Medo maior Medo que se teve de ser pego pelos soldados p 85 Medo que se teve no encontro dos rios deJaneiro e São Francisco p 120 Quando os jagunços passavam no Sucruiú p 408 Medo que os catrumanos tinham 85 120 408 Diante de mim nunca terminava de atar as correias do gibão um Cunha Branco sarado cabra velho guerreiro ele boiava língua em boca aberta E medo meu medi muito maior Se despedimos ROSA 2001 p 85 Medomaior que se tem é de vir canoando num ribeirãozinho e dar sem espera no corpo dum rio grande ROSA 2001 p 120 Gente Não se divulgava E certo que não se tinha medo maior ROSA 2001 p 408 Ou mesmo quando eu avistava um daqueles catrumanos gente 119 de Riobaldo p 560 toda trazida deportados por mim da terra deles Esses me davam estima Ah acho que me achavam Antes teriam um admirado receio o medo maiorROSA 2001 p560 Medo que maneia Medo que Riobaldo sentiu de se encontrar com Zé Bebelo e de e ser capturado Esse medo amargava a língua 168 Ouvi retardado não pude dar resposta Me amargou no cabo da língua Medo Medo que maneia Em esquina que me veio ROSA 2001 p168 Medo de matar Medo que Riobaldo sentiu de Diadorim pedir a ele para matar Ana Duzuza 53 Só previ medo foi de que ele falasse para eu mesmo ir voltar lá por minhas próprias acabar a Ana Duzuza ROSA 2001 p 53 Medo mau Medo que Riobaldo tem de trovão 43 Na Serra do Cafundó ouvir trovão de lá e retrovão o senhor tapa os ouvidos pode ser até que chore de medo mau em ilusão como quando foi menino ROSA 2001 p 43 Medo mediano Medo de Riobaldo de ter feito o pacto 328 Mas medo tenho mediano ROSA 2001 p 328 Medo meditado Medo pensado cogitado quando Riobaldo pensou em fugir com Diadorim mas desistiu 201 Hoje sei medo meditado foi isto ROSA 2001 p 201 Medo medonho Medo que o pobre homem montado na égua sentiu diante da ameaça de Riobaldo 497 Sujeito se sumiu nesse mundo carregando com o rastro medo dele era medonho Só achamos o nada dele assim rendiam explicação ROSA 2001 p 497 Medo meu Medo que Riobaldo teve de morrer de calor no Liso do 66 Acho que provinha de excessos de idéia pois caminhadas piores eu já tinha feito a cavalo ou a pé no 120 Sussuarão tostasol Medo meumedo Aguentei ROSA 2001 p 66 Medo mistério Medo de ver nascimento Nessa passagem Riobaldo se refere às crianças que nascem com problemas congênitos e à explicação do espiritismo para tal assunto 76 E as pessoas não nascem sempre Ah medo tenho não é de ver morte mas de ver nascimento Medo mistério O senhor não vê ROSA 2001 p 76 Medo mór Mesmo que medo maior Riobaldo se refere ao medo que a postura e o jeito de Diadorim causavam quando ele estava se tornando o chefe UrutúBranco 452 E Diadorim jaguarado mais em pé que um outro qualquer se asava e abava de repôr o medo mór ROSA 2001 p 452 Medo de morrer Medo que o jagunço Davidão começou a ter levandoo a fazer um trato com Faustino que em lei de caborje morreria em seu lugar p 100 Faustino que fez pacto com Davidão também começou a ter medo de morrer p 101 Diadorim pergunta para Riobaldo se ele estava gostando de Otacília e se ele sabia de seu destino Riobaldo não responde a segunda pergunta pois vê o punhal na mão de Diadorim meio 100 101 211 416 Vai um dia coisas dessas que às vezes acontecem esse Davidão pegou a ter medo de morrer ROSA 2001 p 100 O final que ele daí imaginou foi um que um dia o Faustino pegava também a ter medo queria revogar o ajuste ROSA 2001 p 101 Não respondi Deu para eu ver o punhal na mão dele meio ocultado Não tive medo de morrer Só não queria que os outros percebessem a má loucura de tudo aquilo Tremi nãop 211 121 ocultado segundo ele p 201 Zé Bebelo começou a ter medo de doença e morte p 416 Zé Bebelo pegou a principiar medo Por quê Chega um dia se tem Medo dele era da bexiga do risco de doença e morte achando que o povo do Sucruiú podiam ter trazido o mauar e que mesmo o Sucruiú ainda demeava vizinho justo demais ROSA 2001 p 416 Medo mostrado O medo que um comerciante sentiu diante da possibilidade de ser morto pelo chefe UrutúBranco 488 ele devia de estar abrindo os joelhos por tremor de medo nas pernas Aí ele mesmo então achasse que carecia de muito morrer num pingo eu pensei traiçoeiro O medo mostrado chama castigo de ira e só para isso é que serve Ah mas ah não eu tinha decidido ROSA 2001 p 488 Medo do mulato Mulato que apareceu na margem do rio 125 E não olhava para trás Não medo do mulato nem de ninguém ele não conhecia ROSA 2001 p 125 N Medo natural Medo de onça Quando se quer ter coragem a lenda diz para o sujeito medroso comer um coração de onça cru mas desde que ele mesmo matea 170 Pois então por aí se vê eu já vi um sujeito medroso que tem muito medo natural de onça mas que tanto quer se transformar em jagunço valentão e esse homem afia sua faca e vai em soroca capaz que mate a onça com muita inimizade o coração come se enche das coragens terríveis ROSA 2001 p 170 Medo nenhum Pronunciamento de Zé Bebelo após o julgamento p 294 Riobaldo deu costas para Zé Bebelo 294 448 607 Agradeço sem tremor de medo nenhum nem agências de adulação ROSA 2001 p 294 Esbarrei em meu caminhar fiquei assim parado assim mesmo O medo nenhum eu estava forro 122 correndo o risco de ser baleado p 448 Quando a batalha final ficou maior Riobaldo conclui que seu destino era o de não ter medo p 607 glorial assegurado quem ia conseguir audácias para atirar em mim ROSA 2001 p 448 E conheci oficio de destino meu real era o de não ter medo Ter medo nenhum Não tive Não tivesse e tudo se desmanchava delicado para distante de mim pelo meu vencer ilha em águas claras Conheci Enchi minha história ROSA 2001 p 607 Medo de nós O medo dos jagunços levou um homem ao suicídio 73 Mundo esquisito Brejo do Jatobazinho de medo de nós um homem se enforcou ROSA 2001 p 73 O P Medo pavor Medo que Riobaldo tem das forças de Deus 39 E outra coisa o diabo é às brutas mas Deus é traiçoeiro Ah uma beleza de traiçoeiro dá gosto A força dele quando quer moço me dá o medo pavor ROSA 2001 p 39 Medo dos perigos Riobaldo pensou em fugir com Diadorim mas desistiu pois tinha medo que encontrassem com perigos por sua culpa 201 Acho que eu não tinha conciso medo dos perigos o que eu descosturava era medo de errar de ir cair na boca dos perigos por minha culpa ROSA 2001 p 201 Medo pessoal de tudo Sobre os catrumanos que encontraram no caminho 403 Que aqueles homens eu pensei que nem mansas feras isto é que no comum tinham medo pessoal de tudo neste mundoROSA 2001 p403 Medo das pessoas que gosta Se referindo a Diadorim 212 Não virei a cara para ver Não tive receio Nunca posso ter medo das pessoas de quem eu gosto ROSA 2001 p 212 Medo do que pode Medo de se encontrar com Zé 168 Tem diversas invenções de medo eu sei o senhor sabe Pior de todas 123 haver Bebelo de quem havia fugido e ser capturado Esse medo angustiava Riobaldo é essa que tonteia primeiro depois esvazia Medo que já principia com um grande cansaço Em minhas fontes cocei o aviso de que um suor meu se esfriava Medo do que pode haver sempre e ainda não há O senhor me entende costas do mundo Medo não deixava Eu estando com um vapor na cabeça o miolo volteado Mudei meu coração de posto E a viagem em nossa noite seguia Purguei a passagem do medo grande vão eu atravessava ROSA 2001 p 168 Medo propositado Medo de ser baleado 36 Voei vindo Bala vinha O cerrado estrondava No mato o medo da gente se sai ao inteiro um medo propositado Eu podia escoicear feito burro bruto dá que dáque ROSA 2001 p 36 Q R Medo redobrado Riobaldo se referia ao cego Borromeu que agora seguia os jagunços 602 E agora ele devia de padecer o redobrado medo concebendo que vai ou vai a gente fugisse dali e ele para trás parasse para as unhas dos outros ROSA 2001 p 602 Medo resistente Quando Riobaldo percebeu que iria ter que assumir o comando do bando 373 Mas as pernas não estavam Ah fiquei de angústias O medo resiste por si em muitas formas ROSA 2001 p 373 Medo de Riobaldo Medo que muitas pessoas tinham por Riobaldo ser esquisito p 177 Medo que tinham de Riobaldo por isso não os matou p 177 353 435 445 483 Também sei o que digo em toda a parte por onde andei e mesmo sendo de ordem e paz conforme sou sempre houve muitas pessoas que tinham medo de mim Achavam que eu era esquisito ROSA 2001 p 177 Mas mais de muitos a vida salvei pelo medo que de mim tomavam para não avançar nos 124 353 No pacto Riobaldo sentia medo do demo e ele também sentia medo de Riobaldo Era recíproco p 435 Após o pacto os cavalos rinchavam de medo de Riobaldo p 445 Riobaldo apreciou o medo dos outros por ele p 483 lugares pelos tirázios ROSA 2001 p 353 Eu não ia temer O que eu estava tendo era o medo que ele estava tendo de mim ROSA 2001 p 435 Dou o confesso o que foi era de mim que eles estavam espantados Aí porque a cavalaria me viu chegar e se estrepoliu O que é que cavalo sabe Uns deles rinchavam de medo cavalo sempre relincha exagerado ROSA 2001 p 445 Apreciei de ver como todos souberam jeito de esconder o medo que de mim deviam de ter Boiada com rumo na barra do Paracatu salvante que mudassem de roteiro ROSA 2001 p 483 S Sarro de medo Necessidade de jagunço de manter a valentia e o respeito Para isso precisa destruir qualquer sarro de medo 383 A vida é para esse sarro de medo se destruir jagunço sabe Outros contam de outra maneira ROSA 2001 p 383 Medo de si mesmo Medo por não se reconhecer 155 Sabe uma vez no Tamanduátão no barulho da guerra eu vencendo aí estremeci num relance claro de medo medo só de mim que eu mais não me reconhecia ROSA 2001 p 155 Medo de ser manso Riobaldo se refere à necessidade que jagunço tem de reafirmar valentia e 38 Obra de opor por medo de ser manso e causa para se ver respeitado Todos tretam por tal regra proseiam de ruins para mais 125 maldade para ser respeitado se valerem porque a gente ao redor é duro dura ROSA 2001 p 38 Medo superado Riobaldo diz não ter medo mais após a travessia do rio São Francisco com Diadorim ainda meninos p 125 Riobaldo superou o medo que sentia quando guiou a tropa liderada por Medeiro Vaz p 170 125 170 E eu não tinha medo mais Eu O sério pontual é isto o senhor escute me escute mais do que eu estou dizendo e escute desarmado ROSA 2001 p 125 Deus governa grandeza Medo mais Nenhum algum ROSA 2001 p 170 T Medo de ter vendido a alma Medo que Riobaldo sentiu de ter vendido a alma ao Diabo ou a nenhum comprador 501 O senhor reza comigo A qualquer oração Olhe tudo o que não é oração é maluqueira Então não sei se vendi Digo ao senhor meu medo é esse Todos não vendem Digo ao senhor o diabo não existe não há e a ele eu vendi a alma Meu medo é este A quem vendi Medo meu é este meu senhor então a alma a gente vende só é sem nenhum comprador ROSA 2001 p 501 Medo por todos Medo de Riobaldo ao refletir sobre o pacto e a existência de Deus e do diabo 328 Medo tenho é porém por todos É preciso de Deus existir a gente mais e do diabo divertir a gente com sua dele nenhuma existência ROSA 2001 p 328 Medo de tremor Medo causado pelos tons do velho Ornelas 472 Mas nos tons do velho Ornelas eu tinha divulgado um extravago de susto recuante o leve medo de tremor ROSA 2001 p 472 Tristeza do medo Medo de se encontrar com Zé Bebelo de quem havia fugido e ser 169 O Reinaldo comigo par a par e a tristeza do medo me eivava de a ele não dar valor Homem como eu tristeza perto de pessoa amiga 126 capturado Esse medo também causava tristeza afraca Eu queria mesmo algum desespero Desespero quieto às vezes é o melhor remédio que há Que alarga o mundo e põe a criatura solta Medo agarra a gente é pelo enraizado Fui indo ROSA 2001 p 169 Medo de tudo Sobre o sertão 329 Estes gerais enormes em ventos danando em raios e fúria o armar do trovão as feias onças O sertão tem medo de tudo Mas eu hoje em dia acho que Deus é alegria e coragem que Ele é bondade adiante quero dizer ROSA 2001 p 329 U Medo de uivado de cachorro Episódio em que Riobaldo ameaça matar o pobre homem na égua seguido por seu cachorrinho 483 Não deixem ela uivar Não deixem ela uivar foi o que o cego Borromeu disse pelo modo ele tinha medo de uivado de cachorro ROSA 2001 p 493 V Medo pela vida Medo que se teve ao fugir da casa de seu paipadrinho Selorico Mendes Eu tinha medo por causa de minha vida quando entramos no Curralinho ROSA 2001 p 140 X W Y Z GERAL Medo Medo que Riobaldo tem de sentir remorso 80 Mas também não há jeito de me baixar em remorso Sim que só duma coisa E dessa mesma o que tenho é medo Enquanto se tem medo eu acho até que o bom remorso não se pode criar não é possível ROSA 2001 p 80 Medo Medo que um homem pobre sentiu em direção aos jagunços 88 A gente às vezes ia por aí os cem duzentos companheiros a cavalo tinindo e musicando de tão armados e vai um sujeito 127 magro amarelado saía da algumcanto e vinha espremendo seu medo farraposo com um vintém azinhavrado no conco da mão o homem queria comprar um punhado de mantimento aquele era casado pai de família faminta Coisas sem continuação ROSA 2001 p 88 Medo Riobaldo se referia ao medo de assumir a chefia do bando 103 Cada hora de cada dia a gente aprende uma qualidade nova de medo ROSA 2001 p 103 Medo Medo do que o vaqueirinho ia contar 103 De medo a gente olhava para ele e de nossos olhos ele se desencostava ROSA 2001 p 103 Medo Questionamento sobre o medo 116 Queria entender do medo e da coragem e da gã que empurra a gente para fazer tantos atos dar corpo ao suceder ROSA 2001 p 116 Medo Na travessia do de Janeiro Diadorim perguntou ao canoeiro se ele tinha medo 122 Aquele daquele dia As remadas que se escutavam do canoeiro a gente podia contar por duvidar se não satisfaziam termo Ah tu tem medo não nenhum ao canoeiro o menino perguntou com tom Sou barranqueiro o canoeirinho tresdisse repontando de seu orgulho ROSA 2001 p 122 Medo Medo de Riobaldo na travessia dos rios com Diadorim ainda meninos 121 Tive medo Sabe Tudo foi isso tive medo Enxerguei os confins do rio do outro lado Longe longe com que prazo se ir até lá Medo e vergonha A aguagem bruta traiçoeira o rio é cheio de baques modos moles de esfrio e uns sussurros de desamparo Apertei os dedos no pau da canoa ROSA 2001 p 121 Medo Ao ser questionado 122 Eu vi o rio Via os olhos dele 128 se nunca teve medo Diadorim responde que não costuma ter produziam uma luz Que é que a gente sente quando se tem medo ele indagou mas não estava remoqueando não pude ter raiva Você nunca teve medo foi o que me veio de dizer Ele respondeu Costumo não ROSA 2001 p 122 Medo Medo dos jagunços 134 Porque eles não falavam e restavam esperando assim a gente tinha medo ROSA 2001 p 134 Medo Caracterização de Zé Bebelo como destemido 146 Atirava e tanto com qualquer quilate de arma sempre certeira a pontaria laçava e campeava feito um todo vaqueiro amansava animal de maior brabeza burro grande ou cavalo duelava de faca nos espíritos solertes de onça acuada sem parar de pôr e medo ou cada parente de medo ele cuspia em riba e desconhecia ROSA 2001 p 146 Medo Riobaldo não foi a uma célebre batalha a pedido de Zé Belelo 149 Arrastávamos uma rede grande peixe grande por pegar E foi Eu não vi essa célebre batalha eu tinha ficado na PedraBranca Não por medo não ROSA 2001 p 149 Sintomas do medo Ainda sobre o medo de se encontrar com Zé Bebelo de quem havia fugido e ser capturado p 170 Riobaldo pergunta a Diadorim se ele não teria uma irmã p 198 Negação do medo 170 198 216 435 E não ia caçar a companhia do Reinaldo nem conversa o que de tudo mais prezava Resolvi aquilo e me alegrei O medo se largava de meus peitos de minhas pernas O medo já amolecia as unhas ROSA 2001 p 170 Hê de medo coração bate solto no peito mas de alegria ele bate inteiro e duro que até dói rompe para diante na parede ROSA 2001 p 198 Outros ainda comiam zampando 129 de um jagunço com diarreia antes de uma batalha com Zé Bebelo p 216 De medo Riobaldo tremia como bananeira no pacto p 435 limpavam a boca com as duas mãos Não é medo não amigos é o trivial do corpo explicavam alguns que ainda careciam de ir por suas necessidades ROSA 2001 p 216 Talentos de lua escondida Medo Bananeira treme de todo lado Mas eu tirei de dentro de meu tremor as espantosas palavras ROSA 2001 p 435 Medo Medo que uma moça sentia ao ser estuprada 188 Ao cabo que pude a moça fechados os olhos não bulia não fosse o coração dela rebater no meu peito eu entrevia medo ROSA 2001 p 188 Medo Em todas essas passagens há a negação do medo Riobaldo estava preparado pra ajudar Diadorim quando necessário p 176 Riobaldo esmorece diante da possibilidade de entrar em combate contra Zé Bebelo p 215 Riobaldo se refere ao medo de ser morto por Hermógenes p 279 Riobaldo negando o medo ao desistir de enfrentar Zé Bebelo p 366 176 215 216 279 366 366 Acho que notaram Ao que em hora justa e certa nunca tive medo Notaram ROSA 2001 p 176 E uma coisa me esmoreceu a torto Medo não mas perdi a vontade de ter coragem ROSA 2001 p 215 Que era que me acontecia Eu tomava castigo mortal de mão de todos Deixasse que tomasse Medo não tive Só que a idéia boa passou muito fraca por mim entrada por saída ROSA 2001 p 279 Nem não sei Tive medo não Só que abaixaram meus excessos de coragem só como um fogo se sopita Todo fiquei outra vez normal demais o que eu não 130 Riobaldo negando o medo ao desistir de enfrentar Zé Bebelo p 366 Riobaldo nega o medo durante um tiroteio p 341 Quando Riobaldo se preparava para ir até a encruzilhada a fim de firmar o pacto p 427 Negação do medo na véspera da batalha final p 590 Negação do medo na batalha final p 596 queria Tive medo não Tive moleza melindre Agüentei não falar adiante ROSA 2001 p 366 Nada mais nada Tive medo não Só aquele lugarzinho mortal Teso olhei tão docemente ROSA 2001 p 366 Senti como que em mim as balas que vinham estragar aquela morada alheia de fazenda Medo nem tive não deu para ter foi outra noção diferente Me salvei por um espetar de pensamento que Diadorim cenho franzindo fosse mandar eu ter coragem ROSA 2001 p 341 Não é que não foi de medo Nem eu cria que no passo daquilo pudesse se dar alguma visão O que eu tinha por mim só a invenção de coragem ROSA 2001 p 427 E tudo me deu um enjôo Tinha medo não Tinha era cansaço de esperança ROSA 2001 p 590 Assim ouvi sussurro muito suave vozinha mentindo de muito amiga minha O meu medo Não Ah não Mas meus pêlos crescendo em todo o corpo ROSA 2001 p 596 Medo Ao observar um acampamento dos bebelos 226 Será que um esmorece por medo ter Eu não campeava a morte ROSA 2001 p 226 Medo Medo durante tiroteio 229 No ferrenho tive um tempo de coisa espécie de mais medo o que um não confessa vara verde verROSA 2001 p 229 131 Medo Nessas passagens o medo é relacionado à raiva Quando Diadorim tinha sumido Riobaldo estava com saudade p 248 Momento em que souberam da morte de Joca Ramiro p 312 Episódio em que os hermógenes mataram os cavalos p 355 Durante a batalha na Fazenda dos Tucanos os jagunços gritavam para espantar o medo p 360 Referência à preparação dos jagunços para a batalha contra Hermógenes p 589 248 312 355 360 589 O prazer muito vira medo o medo vai vira ódio o ódio vira esses desesperos ROSA 2001 p 248 E a gente raivava alto para retardar o surgir do medo e a tristeza em cru sem se saber por que mas que era de todos unidos malaventurados ROSA 2001 p 312 Consoante o agarre do rincho fino e curtinho de raiva rinchado e o relincho de medo curto também o grave e rouco como urro de onça soprado das ventas todas abertas ROSA 2001 p 355 Aí cada um gritava para os outros valentia de exclamação para que o medo não houvesse Aí os judas xingávamos Para não se ter medo Ah para não se ter medo é que se vai à raiva A sebo ROSA 2001 p 360 Eu questionava comigo que eles deviam de lavorar maior raiva Raiva tampa o espaço do medo assim como do medoa raiva vem ROSA 2001 p 589 Medo Ao falar de Hermógenes 279 De uns assim tudo o que escapa vai em retinge de medo ou de ódio ROSA 2001 p 279 Medo Pronunciamento de Zé Bebelo após o julgamento 295 E viva sua valente jagunçada Mas homem sou Sou de altas cortesias Só que medo não tenho 132 nunca tive no travável ROSA 2001 p 295 Medo Segundo Zé Bebelo julgamento se pede para não ter medo e ele pediu para os jagunços verem que ele não temia 295 Para quê Para não se ter medo É o que comigo é Careci deste julgamento só por verem que não tenho medo Se a condena for às ásperas com a minha coragem me amparo Agora se eu receber sentença salva com minha coragem vos agradeço ROSA 2001 p 295 Medo Medo de Hermógenes e de Ricardão Esse foi o único medo confessado por Diadorim 300 A ser que você viu o Hermógenes e o Ricardão gente estarrecida de iras frias Agora esses me dão receio meu medo Deus não queira ROSA 2001 p 300 Medo Riobaldo refletindo sobre Deus e a existência do diabo 329 Deus resvala Mire e veja Tenho medo Não Estou dando batalha ROSA 2001 p 329 Medo Riobaldo queria colocar medo em Zé Bebelo 364 Eu tinha de encher de medo as algibeiras de Zé Bebelo Só isso era o que valia ROSA 2001 p 364 Medo Na Fazenda dos Tucanos em meio à batalha contra os Hermógenes 367 Esticou o beiço Bateu três vezes com a cabeça Ele não tinha medo Tinha as inquietações ROSA 2001 p 367 Medo Riobaldo define o medo ao final da batalha na Fazenda dos Tucanos 382 Sendo que uma criatura só a presença tira o leite do medo de outra Aí Diadorim mesmo que era o mais corajoso sabia tanto O que o medo é um produzido dentro da gente um depositado e que às horas se mexe sacoleja a gente pensa que é por causas por isto ou por aquilo coisas que só estão é fornecendo espelho ROSA 2001 p 382 Medo Riobaldo se refere aos catrumanos que 405 De homem que não possui nenhum poder nenhum dinheiro 133 encontraram no caminho nenhum o senhor tenha todo medo ROSA 2001 p 405 Medo Zé Bebelo começando a ter medo 416 Zé Bebelo suscitado determinou que a gente fosse mais para adiante Ele concebia medo Conheci Estava ROSA 2001 p 416 Medo Riobaldo se refere a Zé Bebelo que estava concebendo medo O medo segundo o narrador personagem é contagioso se não houver confiança 416 Alguém estiver com medo por exemplo próximo o medo dele quer logo passar para o senhor mas se o senhor firme aguentar de não temer de jeito nenhum a coragem sua redobra e tresdobra que até espanta ROSA 2001 p 416 Medo Medo também sentido por seô Habão após Zé Bebelo começar a ter medo de doença e de morte 416 De medo meio conforme decerto aquele algum seô Habão também tinha se idoROSA 2001 p 416 Medo No pacto 436 Tudo era para sobrosso para mais medo ah aí é que bate o ponto ROSA 2001 p 436 Medo Zé Bebelo sendo caracterizado como destemido 453 Ali era a hora E eu frentemente endireitei com Zé Bebelo com ele de barba a barba Zé Bebelo não conhecia medo ROSA 2001 p453 Medo Medo que seô Habão demonstrava sem vergonha diante o bando liderado pelo Urutú Branco 456 Ele estava em todos tremores conforme esses homens que não têm vergonha de mostrar medo em desde que possam pedir à gente perdão com muita seriedade Digo ao senhor ele beijou minha mãoROSA 2001 p 456 Medos Riobaldo prometeu que se o Guirigó não chorasse de medo no primeiro tiro lhe daria a faca 464 A pois no primeiro fogo que se der se tu não abrir boca e choro bué por medos a dita faca tu ganha presenteada eu prometiROSA 2001 p 464 134 de cabo de prata Medo Riobaldo não teve cautela pelo medo que ela poderia causar Mas isso já é uma cautela 465 Cautelas Que não Eu fosse ter cautela pegava medo mesmo só no começar ROSA 2001 p 465 Medo Medo oriundo da intimidação de seo Ornelas Vêse a perda de apetite um dos sintomas do medo Nessa passagem o medo é conceituado 469 Na verdade Aquela hora eu pelo que disse assumi incertezas Espécie de medo Como que o medo então era um sentido sorrateiro fino que outros e outros caminhos logo tomava Aos poucos essas coisas tiravam minha vontade de comer fartoROSA 2001 p 469 Medo Episódio em que Riobaldo ameaça matar o pobre homem na égua seguido por seu cachorrinho Riobaldo demonstrou receio de que o homem morresse de medo e de que ele fosse para o inferno por isso 483 Transes que em instante temi aquele homem morresse roqueado no medo rebaixado dessa forma então ah aí então o destino de lugar para mimestava definitivo só sendo nas extremas do fim do Inferno ROSA 2001 p 493 Medo Sobre Diadorim 498 Diadorim me olhava Diadorim esperou sempre com serenidade O amor dele por mim era de todo quilate ele não tartameava mais de ciúme nem de medo ROSA 2001 p 498 Medo Por medo se treme mas também se treme por amor 526 Riobaldo escuta vamos na estreitez deste passo ele disse e de medo não tremia que era de amor hoje seiROSA 2001 p 526 Medo Riobaldo se referia a Diadorim sempre tido como possuidor de coragem Nessa 500 A MatadeSãoMiguel é enorme sombreia o mundo E Diadorim podia ter medo duvidei Eu sempre sabia um dia o 135 passagem fica evidente o poder do medo medoconsegue subir faz ôco no ânimo do mais valente qualquer ROSA 2001 p 550 Medo Os jagunços não sabem se têm medo 567 Falo o dito de jagunço que eles mesmos não conseguiam saber se tinham algum medo mas em morte nenhum deles pensava O senhor xinga e jura é por sangue alheio ROSA 2001 p 567 Medo Após o pacto 569 Permaneci Eu podia tudo ver com friezas escorrido de todo medo Nem ira eu tinha A minha raiva já estava abalada ROSA 2001 p 569 Medo Riobaldo nega ter medo no início da batalha final 597 Aí eu era UrutúBranco mas tinha de ser o cerzidor Tatarana o que em ponto melhor alvejava Medo não me conheceu vaca ROSA 2001 p 597 Medo Riobaldo nega ter medo no início da batalha final 601 E naquele instante pensei aquela guerra já estava ficando adoidada Emedo não tive Subi a escada ROSA 2001 p 601 Medo Riobaldo nega ter medo durante a batalha final 608 Mas me fiz Que o ato do medo não tive ROSA 2001 p 608 Medo Durante a guerra Riobaldo manda o cego Borromeu sentar ele riu provocando nojo e possível medo no jagunço 608 Riu de me dar nôjo Mas nôjo medo é é não ROSA 2001 p 608 Medo Diadorim nasceu para não ter medo 620 O senhor lê De Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins que nasceu para o dever de guerrear e nunca ter medo e mais para muito amar sem gozo de amor ROSA 2001 p 620 136 CORAGEM DESCRIÇÃO PÁGINAS DE GSV PASSAGEM EM GSV A Altas coragens As altas coragens estavam presentes nas ações que eram narradas pelos jagunços p 202 Necessidade de mostrar coragem p 503 202 503 Com os casos que todos iam contando de combates e tiroteios perigos tantos vencidos escapulas milagrosas altas coragens ROSA 2001 p 202 O que dá fama dá desdém O menos de me importar O que eu carecia era de dar primeiras batalhas Suspender a alta coragem adiante de meus cabras ROSA 2001 p 503 Andraja Coragem A coragem de Riobaldochefe contagiava ao entrar no Liso do Sussuarão 523 Os outros a em passo em passo usufruíam quinhão da minha andraja coragem ROSA 2001 p 523 Coragem de árvores Na travessia do Liso do Sussuarão com Riobaldo no comando encontraram um Liso diferente com água vegetação etc 525 Devido que nas beiras o senhor crê se via a coragem de árvores árvores de mata indas que pouco altaneiras simaruba o anis canela dobrejo pauamarante o pombo e gameleira ROSA 2001 p 525 B Beira de coragem Coragem para responder o chefe UrutúBranco 461 Ah esses melhor se sabiam se mudos sendo Dei brado Indaguei dum Tomou um esforço de beira de coragem para me responder ROSA 2001 p 461 C Coragem calma 375 No assim simples eles obedeceram tanto um tanto o outro Mas estavam muito armados Momentos que foram eu louvei a coragem calma daqueles dois que de qualquer longe recanto um soldado talvez estivesse em poder 137 de derrubar por belprazer ROSA 2001 p 375 D Coragem de dar assalto Zé Bebelo fala a Riobaldo sobre o inimigo 365 Inimigo que faz igual numeração ou menor do que a nossa Por via disso é que não tomam coragem de dar assalto e é também que eles não conhecem o interior desta boa casa Falou o tanto comigo ROSA 2001 p 365 Coragem de dar voz Coragem de falar perante os jagunços 404 Isso aquele homem recomendou não por serviço de préstimo eu pelo tom e jeito bem entendi gritou no fim assim a fito somente de que os seus outros vissem que ele bem possuía coragem também de dar voz perante presença nossa de tantos grandes jagunços donos de arejo darmas ROSA 2001 p 404 Coragem de decisão Coragem que o levou na encruzilhada pra fazer o pacto com o demo 434 Naquela noite nunca mais eu ia receber coragem de decisão Senti esse intimado ROSA 2001 p 434 Coragem de Diadorim Riobaldo falando da coragem de Diadorim 444 Como era que era o único homem que a coragem dele nunca piscava e que por isso foi o único cuja toda coragem às vezes eu invejei ROSA 2001 p 444 E Coragem para engolir polpa de buriti e carnes de rês brava O bando estava só com três dias de farinha e carne seca mas tinha coragem para comer popa de buriti e carne de rês brava 464 A coragem que não faltasse para engolir a polpa de buriti e carnes de rês brava Às léguas eu indo eles me seguindo ROSA 2001 p 464 Coragem esporeada Coragem estimulada pela vingança 317 Nós não estávamos forte em frente com a coragem esporeada ROSA 2001 p 317 138 Excessos de coragem Durante a batalha na Fazenda dos Tucanos 366 Tive medo não Só que abaixaram meus excessos de coragem só como um fogo se sopita ROSA 2001 p 366 F G Coragem de guerra Sô Candelário perdoou um rapaz que era dos bebelos Fizeram reza para tirar sua coragem e iam soltálo próximo à Bahia 258 Conforme mais me deram explicação aquele não oferecia perigo mais de tornar a se juntar com os outros bebelos e vir outra vez de armas contra a gente porque se tinha providenciado de rezar nele uma reza de tirar a coragem de guerra feito ato mandraca de se abobar Tudo tinha graça ROSA 2001 p 258 Coragem de guerreiros Momento em que os urucuianos homens que haviam se juntado ao bando por meio de Zé Bebelo se despediram seguindo novo rumo 516 O contrato de coragem de guerreiros não se faz com vara de meirinho não écom dares e tomares ROSA 2001 p 516 Coragem gentil e preguiçosa Coragem do delegado 475 Me ensinou um meiomil de coisas A coragem dele era muito gentil e preguiçosa Sempre só depois do final acontecido era que a gente reconhecia como ele tinha sido homem no acontecer ROSA 2001 p 475 Grande coragem Presente nas estórias dos jagunços 419 De em desde muito tempo Custoso pior não sendo no arrevesso Só o que demandava era uma fúria de quente frieza dura nos dentes um rompante de grande coragem ROSA 2001 p 419 H I Coragem inteirada Coragem demonstrada por Diadorim na 125 O senhor não me responda Mais que coragem inteirada em peça era aquela a dele De Deus do demo 139 travessia do de Janeiro quando menino ROSA 2001 p 125 Interno das coragens Quando Riobaldo vai de trem a Sete Lagoas e o delegado Jazevedão senta perto dele 34 Me fez um receio mas só no bobo do corpo não no interno das coragens ROSA 2001 p 34 Coragem inventada Às vésperas de tomar a coragem de decisão para fazer o pacto com o demo 427 Delonguei deveras Não é que não foi de medo Nem eu cria que no passo daquilo pudesse se dar alguma visão O que eu tinha por mim só a invenção de coragem Alguma coisice por principiar ROSA 2001 p 427 J K L M Coragem maior Coragem adquirida após o possível pacto p 437 Durante a batalha final Riobaldo treme nega ser medo e deseja a maior coragem p 605 605 De dentro do resumo e do mundo em maior aquela crista eu repuxei toda aquela firmeza me revestiu fôlego de fôlego de fôlego da maisforça de maiorcoragem ROSA 2001 p 437 Por mim meu desprezo como essas assoviantes deles varejavam Eu não estava caçando a morte o senhor bem me entenda Eu queria era a coragem maior Macho com meu fuzil reiúno dei salvas Tive fechado o corpo Quero que não não pergunto Não morri e matei E vi Sem perigo de minha pessoa ROSA 2001 p 605 Coragem mais comum Coragem tomada por Riobaldo no julgamento de Zé Bebelo com a finalidade de defendêlo 288 Tomei coragem mais comum Abri a minha bocaROSA 2001 p 288 Coragem Coragem para pedir 213 384 Mas eu cacei melhor coragem e 140 melhor Otacília em casamento p 213 Zé Bebelo fala pra Riobaldo Coragem melhor é aquela produzida p 384 pedi meu destino a Otacília E ela por alegria minha disse que havia de gostar era só de mim e que o tempo que carecesse me esperava até que para o trato de nosso casamento eu pudesse vir com jus Saí de lá aos grandes cantos tempodoverde no coração ROSA 2001 p 213 Rapaz você é um que aceita o matar ou morrer simples igualmente eu sei você é desabusado na coragem melhor que é a da valentia produzida ROSA 2001 p 384 Mor coragem Riobaldo diz que se fugisse poderia morrer mas seria um destino e uma maior coragem 200 Morria com um bé de carneiro ou um au de cão mas tinha sido um mais destino e uma mor coragem Não valia Não fiz ROSA 2001 p 200 N O Coragem de oferecer Riobaldo após o reencontro com Diadorim já adultos entra para a jagunçagem 158 A gente ia ao menos dormir o dia mas três tinham de sobreficar de vigias O Reinaldo se dizendo ser um deles eu tivecoragem de oferecer também que ficava não tinha sono tudo em mim era nervosia ROSA 2001 p 158 P Pai da coragem João Duque 183 Carinhanha é que sempre foi de um homem de valor e poder o coronel João Duque o pai da coragem ROSA 2001 p 183 Poder da coragem Diadorim pediu a Riobaldo para que ele não se envolvesse com nenhuma mulher Trato que firmaram depois do episódio em que conversaram 207 Severgonhice e airado avêjo servem só para tirar da gente o poder da coragem ROSA 2001 p 207 141 com Otacília sobre a flor do amor Coragem precisada Quando Riobaldo decide falar com Zé Bebelo que ele era amigo dos soldados do Governo 350 O que regeu em mim foi uma coragem precisada um desprezo de dizer o que disse ROSA 2001 p 350 Q Qualquer coragem Ao falar sobre os doentes e desesperados por cura 75 Será acerto que os aleijões e feiezas estejam bem convenientemente repartidos nos recantos dos lugares Se não se perdia qualquer coragem O sertão está cheio desses ROSA 2001 p 75 R Coragem regulada Durante um tiroteio Riobaldo imagina atirar em Hermógenes desfechar seu corpo 229 Tudo tinha me torcido para um rumo só minha coragem regulada somente para diante somente para diante e o Hermógenes estava deitado ali em mim encostado era feito fosse eu mesmo ROSA 2001 p 229 S T Coragem terrível Luís Pajeú que concordou com Riobaldo em relação ao gosto de afiar os dentes que alguns jagunços tinham 181 Sujeito despachado moreno bem queimado mas de anelados cabelos e com uma coragem terrivelmente ROSA 2001 p 181 U V Coragem variável Riobaldo apresenta esparsos momentos de coragem tinha coragem variável 62 Eu cá não madruguei em ser corajoso isto é coragem em mim era variável Ah naqueles tempos eu não sabia hoje é que sei que para a gente se transformar em ruim ou em valentão ah basta se olhar um minutinho no espelho caprichando de fazer cara de valentia ou cara de ruindade ROSA 2001 p 62 142 X W Y Z GERAL Coragem Poucos homens comandados por João Goanhá mas corajosos e munidos 82 Comandava saldo de uns homens os poucos Mas coragem e munição não faltavam ROSA 2001 p 82 Coragem Marcelinho Pampa concordou que Zé Bebelo fosse o chefe 106 Com coragem falou como olhou para a gente outra vez ROSA 2001 p 106 Coragem Coragem de Zé Bebelo em revelar que nada tinha antes de se juntar ao bando de jagunços 107 A gente reconheceu mais a coragem dele Isto é qualquer um de nós sabia que aquilo podia ser mentira ROSA 2001 p 107 Coragem Desejo de Riobaldo de entender do medo e da coragem 116 Queria entender do medo e da coragem e da gã que empurra a gente para fazer tantos atos dar corpo ao suceder ROSA 2001 p 116 Coragem Coragem de Diadorim ainda menino na travessia do deJaneiro 123 Mesmo com a pouca idade que era a minha percebi que de me ver tremido todo assim o menino tirava aumento para sua coragem ROSA 2001 p 123 Coragem O jagunço Riobaldo se mostra alegre e capaz de auxiliar os companheiros 167 A que no bando de Joca Ramiro eu havia de prestar toda a minha diligência e coragem ROSA 2001 p 167 Coragem Riobaldo esmorece diante da possibilidade de entrar em combate contra Zé Bebelo Faltou ânimo elemento importante para se ter coragem 215 E uma coisa me esmoreceu a torto Medo não mas perdi a vontade de ter coragem ROSA 2001 p 215 143 Coragem Riobaldo foi aprendendo a contar a ter paciência e a ter coragem 264 Achei que em qualquer hora eu podia ter coragem Isso que vem de mansinho com uma risada boa cachaça aos goles dormida com a gente encostado em coronha de sua arma ROSA 2001 p 264 Coragem Sô Candelário sugere soltar Zé Bebelo para a guerra continuar A coragem agradava segundo Riobaldo 282 Ressaltados os homens ouvindo isso rosnaram de bem cá e lá coragem sempre agradava Diadorim apertou meu braço como sussurrou Doideira dele Riobaldo Sô Candelário está dôido varrido Aí podia ser ROSA 2001 p 282 Coragem Zé Bebelo diz ao ser julgado 295 Se a condena for às ásperas com a minha coragem me amparo Agora se eu receber sentença salva com minha coragem vos agradeço ROSA 2001 p 295 Coragem Riobaldo está saindo da Bahia e voltando para Minas o personagem perguntando coisas ao buriti como se procurasse respostas para suas questões e ouve coragem minha como se o aconselhasse a ter coragem 325 Pergunto coisas ao buriti e o que ele responde é a coragem minha Buriti quer todo azul e não se aparta de sua água carece de espelho Mestre não é quem sempre ensina mas quem de repente aprende ROSA 2001 p 325 Coragem Reflexão de Riobaldo acerca das mudanças da vida e a coragem que ela exige 334 O correr da vida embrulha tudo a vida é assim esquenta e esfria aperta e daí afrouxa sossega e depois desinquieta O que ela quer da gente é coragem ROSA 2001 p334 Coragem Reflexão de Riobaldo acerca da coragem 334 Só assim de repente na horinha em que se quer de propósito por coragem Será ROSA 2001 p 334 Coragem Riobaldo teve 341 Me salvei por um espetar de 144 coragem quando lembrou do conselho dito por Diadorim pensamento que Diadorim cenho franzindo fosse mandar eu ter coragem Ele nem disse Mas eu me inteirei ligeiro demais num só destorcer Eh pois vamos É a hora ROSA 2001 p 341 Coragem Zé Bebelo pede coragem durante a batalha na Fazenda dos Tucanos 360 É coragem e quépete que o morto morrido e matado não agride mais Aí cada um gritava para os outros valentia de exclamação para que o medo não houvesse ROSA 2001 p 360 Coragem Coragem como um sentimento contagioso 391 Diadorim disse Ei retenteia Coragem faz coragem Demais eu disse Sou Capitão General ROSA 2001 p 391 Coragem Coragem como um sentimento contagioso 416 Alguém estiver com medo por exemplo próximo o medo dele quer logo passar para o senhor mas se o senhor firme agüentar de não temer de jeito nenhum a coragem sua redobra e tresdobra que até espanta ROSA 2001 p 416 Coragem Coragem de Lacrau 425 Coragem minha é para se remedir contra homem levado feito eu não é para marcar a meianoite nessas encruzilhadas enfrentar a Figura ROSA 2001 p 425 Coragem O chefe Urutú Branco não queria ter cautela se via no direito de contrariar as regras dos chefes anteriores Para ele se fosse ter cautela teria medo 465 Coragem é matéria doutras praxes Aí o crer nos impossíveis só ROSA 2001 p 465 Coragem Coragem de seo Ornelas que ainda não esmoreceu os ânimos segundo Marcelino Pampa 467 Ao que ele tem mas tem mesmo muita coragem eu me fiz ROSA 2001 p 467 145 Coragem Riobaldo diz quando percebe o ciúme de Diadorim devido às mulheres na casa do velho Ornelas 472 Aqui digo que se teme por amor mas que por amor também é que a coragem se faz ROSA 2001 p 472 Coragem Coragem que nhô Constâncio Alves ia tomando ao conversar com o bando 486 Aí ele tomou café com a gente A dar que o homem foi se avontadeando encompridando as respostas eu mesmo dava jeito para que ele tomasse coragem ROSA 2001 p 486 Coragem Pergunta de Riobaldo a Diadorim em meio à batalha final 603 Tu não acha que todo o mundo é doido Que um só deixa de doido ser é em horas de sentir a completa coragem ou o amor Ou em horas em que consegue rezar ROSA 2001 p 603 Coragem Definição da batalha final 607 Não tinha E ali era para se confirmar coragem contra coragem à rasga de sedestruir a toda munição ROSA 2001 p 607 Coragem Coragem que Riobaldo tomou para fazer pergunta 623 Mas por fim eu tomei coragem e tudo perguntei O senhor acha que a minha alma eu vendi pactário ROSA 2001 p 623 Coragem Descrição de Riobaldo como o chefe UrutúBranco 572 Tudo em mim minha coragem minha pessoa a sombra de meu corpo no chão meu vulto O que eu pensei forte as mil vezes que eu queria que se vencesse e queria quieto feito uma árvore de toda altura ROSA 2001p 572 Coragem Os jagunços zombavam de companheiros que tinham a coragem duvidosa 591 O quase que o legal agora era de se caçoarem uns dos outros desafiando quem fosse ser medroso ou duvidado na coragem ROSA 2001 p 591 Coragens Coragens dos homens que seriam 455 Tantos e tantos eu sabia o nome e o defeito maior de cada um 146 comandados por Riobaldo que acabara de tomar a chefia daqueles homens e tantos seus braços e tantos rifles e coragens ROSA 2001 p 455 Coragem Riobaldo relaciona a coragem ao coração No latim coragem significa coraticum ação do coração 518 Que coragem é o que o coração bate se não bate falso Travessia do sertão a toda travessia ROSA 2001 p 518 Coragem Olhar de Diadorim quando Riobaldo decide atravessar novamente o Liso do Sussuarão 522 Nem Diadorim Diadorim me olhou tremeluzentemente de coragem de disposto Ele sim ROSA 2001 p 522 Coragem Para ser chefe segundo Riobaldo era preciso mais coragem que todos e ao falar sobre o comando Riobaldo demonstra ter consciência do excesso 570 O que eu tinha que era a minha parte era isso eu comandar Talmente eu podia lá ir com todos me misturar enviar por Não Só comandei Comandei o mundo que desmanchando todo estavam Que comandar é só assim ficar quieto e ter mais coragem Mais coragem que todos Alguém foi que me ensinou aquilo nessa minha hora Me vissem Caso que coragem um sempre tem poder de mais sorver e arcar um excesso igual ao jeito do ar que dele se pode puxar sempre mais para dentro do peito por cheio que cheio emendando respiração ROSA 2001 p 570 Coragem Conceito de Deus 329 O sertão tem medo de tudo Mas eu hoje em dia acho que Deus é alegria e coragem que Ele é bondade adiante quero dizer ROSA 2001 p 329 Falta de coragem Falta de coragem de abraçar Reinaldo ao reencontrálo 154 Eu queria ir para ele para abraço mas minhas coragens não deram Porque ele faltou com o passo num rejeito de acanhamento Mas me reconheceu visual Os olhos nossos donos de nós dois ROSA 2001 147 p 154 Falta de coragem Riobaldo não teve coragem de perguntar por Diadorim 236 Ainda ouvindo as palavras conheci que tinha perguntado pelo Garanço só para depois perguntar por Diadorim digo o Reinaldo Mas outra coragem não tive Faltou razão para mimROSA 2001 p 236 Falta de coragem Falta de coragem de atirar em Zé Bebelo quando capturado 269 Ele mesmo estava querendo morrer à brava depressamente Olhei olhei De atirar nele de todo jeito não tive coragem Ah não tinha ROSA 2001 p 269 Falta de coragem Relação com Diadorim 332 Porque eu desconfiava mesmo de mim não queria existir em tenção soez Eu não dizia nada não tinha coragem ROSA 2001 p 332 Falta de coragem Falta de coragem para abrir o quarto dos defuntos após uma batalha com os hermógenes 368 Na casa toda como que não se achava um litro de cal um caneco de creolinapor vil remédio Morreu o Quim Pidão se botou o corpo por cima dum banco na sala provisório ninguém não queria mais coragem de ir abrir com presteza o quarto dos defuntos ROSA 2001 p 368 Vau do mundo é a coragem Aforismo dito na travessia do Urucúia 321 Ali mais adiante era um portode lenha Você tem receio Riobaldo Diadorim me perguntou Eu Com ele em qualquer parte eu embarcava até na prancha de Pirapora Vau do mundo é a coragem eu disse ROSA 2001 p 321
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Júnia Cleize Gomes Pereira Decifrando enigmas o medo e a coragem no Grande Sertão UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS MONTES CLAROS Janeiro2017 Júnia Cleize Gomes Pereira Decifrando enigmas o medo e a coragem no Grande Sertão Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de PósGraduação em Letras Estudos Literários da Universidade Estadual de Montes Claros como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Letras Estudos Literários Área de concentração Literatura Brasileira Linha de Pesquisa Literatura de Minas Gerais LMG Orientadora Profª Drª Telma Borges UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS MONTES CLAROS Janeiro2017 Catalogação Biblioteca Central Professor Antônio Jorge P436d Pereira Júnia Cleize Gomes Decifrando enigmas manuscrito o medo e a coragem no Grande Sertão Júnia Cleize Gomes Pereira Montes Claros 2017 146 f il Bibliografia f 107109 Dissertação mestrado Universidade Estadual de Montes Claros Unimontes Programa de PósGraduação em Letras Estudos LiteráriosPPGL 2017 Orientadora Profa Dra Telma Borges 1 Literatura brasileira 2 Rosa João Guimarães 19081967 3 Grande sertão veredas Estudo 4 Medo 5 Coragem I Borges Telma II Universidade Estadual de Montes Claros III Título IV Título O medo e a coragem no Grande Sertão UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM LETRASESTUDOS LITERÁRIOS Dissertação de Mestrado intitulada Decifrando enigmas o medo e a coragem no Grande Sertão de autoria da mestranda em Letras Estudos Literários JÚNIA CLEIZE GOMES PEREIRA aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores Profª Drª Telma Borges da Silva Orientadora Unimontes Profª Drª Myriam Corrêa de Araújo Ávila UFMG Profª Drª Ivana Ferrante Rebello UNIMONTES Prof Dr Osmar Pereira Oliva Coordenador do Programa de PósGraduação em LetrasEstudos Literários Montes Claros 02 de março de 2017 À minha família fonte de amor e coragem AGRADECIMENTOS Minha coragem costuma ser variável por isso agradeço a quem entre a letra e o medo me inspirou Ao meu pai homem de nobre valentia A minha mãe que possui coragem calma Ao meu irmão menino dotado da mor coragem A Rafael transmissor de ânimo e confiança À Profª Drª Telma Borges orientadoraamiga pelas leituras preciosas pelas conversas que sempre aclaram as ideias e pela coragem de lidar com o texto literário No meio da orientação e da escrita atravessou um medo esquerdo tomando muitos goles de coragem Ao Prof Dr Alex Fabiano e à Profª Drª Ivana Rebello pela participação e pelas contribuições na minha banca de qualificação À Profª Ivana Rebello em especial por me acompanhar desde o início da travessia acadêmica e por sempre me munir de sugestões edificantes e valiosas Aos colegas pela troca de conhecimento e cumplicidade À CAPES pela bolsa concedida a esta pesquisa Com todo esse amparo de coração vos agradeço Congresso internacional do medo Provisoriamente não cantaremos o amor que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos Cantaremos o medo que esteriliza os abraços não cantaremos o ódio porque este não existe existe apenas o medo nosso pai e nosso companheiro o medo grande dos sertões dos mares dos desertos o medo dos soldados o medo das mães o medo das igrejas cantaremos o medo dos ditadores o medo dos democratas cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte Depois morreremos de medo e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas Carlos Drummond de Andrade RESUMO Esta pesquisa que integra o projeto Enciclopédia do grande sertão da Universidade Estadual de Montes Claros teve como objetivo estudar o medo e a coragem sentimentos que estão dispostos com frequência em Grande sertão veredas de João Guimarães Rosa suas influências nas ações dos personagens e no desenrolar da trama Para concretizar nosso propósito adotamos método analítico textual ou seja fizemos leituras de bibliografias que envolvem a temática e leituras minuciosas de Grande sertão veredas catalogando os medos e as coragens ali existentes Além dos estudos bibliográficos e da definição dos objetos de estudo analisamos como eles se dispõem no romance ou seja como são descritos e conceituados pelo narradorpersonagem Para mais através de algumas passagens averiguamos a maneira com a qual os personagens lidam com seus medos e com a coragem destacando o protagonista Riobaldo que juntamente com Diadorim na travessia do deJaneiro conhece as primeiras proporções do medo e da coragem e que já inserido na jagunçagem procura enfrentar seus medos e tomar dosagens da mais alta coragem a fim de combater Hermógenes o inimigo pactário Desejamos com este estudo além de contribuir para a fortuna crítica de Guimarães Rosa encorajar leitores a atravessarem o sertão rosiano e a entenderem do medo e da coragem sentimentos opostos que coexistem harmoniosamente modificando os seres e os acompanhando ao longo da vida pois diante dos perigos do viver sempre carece de ter coragem ROSA 2001 p 122 PALAVRASCHAVE Literatura Brasileira Literatura de Minas Gerais Guimarães Rosa Medo Coragem ABSTRACT This research which integrates the project Enciclopédia do grande sertão of the Universidade Estadual de Montes Claros aimed to study fear and courage feelings that are often arranged in Grande sertão veredas by João Guimarães Rosa his influences in the actions of the characters and in the unfolding of the plot In order to fulfill our purpose we adopted a textual analytical method that is we did readings of bibliographies that involve the subject matter and detailed readings of Grande sertão veredas cataloging the fears and the existing courage In addition to the bibliographic studies and the definition of the objects of study we analyze how they are arranged in the novel that is as they are described and conceptualized by the narratorcharacter For more through some passages we investigate the way in which the characters deal with their fears and with courage highlighting the protagonist Riobaldo who together with Diadorim in the crossing of DeJaneiros river knows the first proportions of fear and of courage and who already inserted in the withdrawn way seeks to face his fears and to take measurements of the highest courage in order to fight against Hermogenes the pactary enemy Through this study besides contributing to the critical fortune of Guimarães Rosa we wish to encourage readers to cross the rosiano backlands and to understand fear and courage opposite feelings that coexist harmoniously changing beings and accompanying them throughout life because faced with the dangers of living he always lacks courage ROSA 2001 122 KEYWORDS Brazilian Literature Literature of Minas Gerais Guimarães Rosa Fear Courage SUMÁRIO INTRODUÇÃO 10 CAPÍTULO 1 PONTEANDO OS OPOSTOS 16 11 Tudo é e não é universal unidade 32 12 Tudo vem a ser 38 CAPÍTULO 2 O MEDO E A CORAGEM 44 21 O medo 45 22 A coragem 52 23 O medo e a coragem no Grande Sertão 55 CAPÍTULO 3 CARECE DE TER CORAGEM O CONHECIMENTO E OENFRENTAMENTO DO MEDO EM GRANDE SERTÃO VEREDAS 68 31 O medo na primeira travessia 70 32 O contrato de coragem 89 CONSIDERAÇÕES FINAIS 104 REFERÊNCIAS 109 ANEXO 112 10 INTRODUÇÃO Grande sertão veredas de João Guimarães Rosa é um romance enigmático difícil de decifrar num primeiro momento devido à narrativa em fios duplos à dualidade proporcionada pela linguagem pelos acontecimentos e pela própria estrutura em que se organiza Entretanto essa duplicidade configura não só o sertão verbalizado pelo escritor mineiro mas também o mundo fazendo com que o leitor queira entendê los assim como o narradorpersonagem Riobaldo que ao fiar seu passado enevoado procura suas verdades e respostas para suas dúvidas Com esse propósito o exjagunço tenta demarcar os pastos isto é separar os opostos para facilitar sua busca todavia essa tentativa é frustrada pois acaba apontando para um mundo no qual Deus e diabo alegria e tristeza nascimento e morte claro e escuro paz e guerra medo e coragem bem e mal etc se misturam num movimento de atração que configura os seres e as coisas Tendo isso em vista esta pesquisa que integra o projeto Enciclopédia do grande sertão1 teve como objeto de estudo um par desses opostos mencionados o medo e a coragem sentimentos ambivalentes que atravessam o sertão rosiano e a vida dos que o habitam de maneira mútua movente o que estimulou nosso desejo de investigálos de entender qual a influência deles nas ações e na vida de Riobaldo a chamada matéria vertente a matéria sobre a qual ele verte e que se transforma a todo instante As novas experiências e situações são motivadoras dessas mudanças formando novas personalidades nas quais o medo ou a coragem predomina ou seja tem maior domínio sobre as ações do sujeito Sendo sentimentos constantes nos personagens do romance o medo e a coragem ganham relevo por delinearem suas ações e suas personalidades como Diadorim que nasceu para não ter medo ROSA 2001 p 620621 ou seu pai Joca Ramiro o homem mais valente desse mundoROSA 2001 p 122 ou Medeiro Vaz o medroso 1 O Projeto citado é um desdobramento do Projeto nomeado por Pelo sertão geografia aforismos e filosofia na obra de Guimarães Rosa também do Grupo de Pesquisa Nonada que tem como objeto de estudo o romance Grande sertão veredas de João Guimarães Rosa Vinculado ao referido Grupo apresentamos no ano de 2013 um Trabalho de Conclusão de Curso da Graduação em Letras Português intitulado O Sertão de Riobaldo a flora em Grande sertão veredas 11 que gabava ser valente ROSA 2001 p 128 ou Zé Bebelo que era valente de bem ROSA 2001 p 290 ou o grande inimigo pactário Hermógenes o valentão que causava medo nos outros Embora tangenciados todos esses personagens nosso foco principal foi o protagonista Riobaldo que num primeiro momento tem o medo como predominante movimentandoo em busca de formas para enfrentálo pois apesar de se tornar jagunço que é sinônimo de valentia passar por guerras e perigos o medo vai continuar com ele em boa parte de sua vida fundamentando assim o repetido conselho dito por Diadorim Carece de ter coragem ROSA 2001 p 122 Importa ressaltar que a personalidade anterior não é excluída após a mudança é um movimento aditivo e constante Nessa perspectiva lemos e percorremos o Grande Sertão seguindo as pistas de um narrador que também foi personagem e nos embasando na expressão que consideramos ser a máxima do romance tudo é e não é sentença ambígua que se potencializa ao ser empregado o pronome indefinido tudo e ao usar a conjunção aditiva e que amplia tal indefinição Assim como na física verificase que os opostos que constituem essa expressão como todo o romance se atraem formando uma unidade visto que há uma fusão uma adição entre os polos contrários Seguindo esse princípio evidenciase o fato de que não defendemos um sertão maniqueísta Da mesma forma não protegemos a existência de um personagem unicamente medroso covarde tampouco corajoso totalmente destemido seria uma leitura ingênua diante de tantos alertas deixados pelo narrador entre eles quando diz que um dia o medo consegue subir faz oco no ânimo do mais valente qualquer ROSA 2001 p 550 Pelo interior dessa vereda verificamos que o medo e a coragem são opostos que coexistem em todo e qualquer ser oscilando diante das situações perigos e ameaças No entanto por serem elementos corriqueiros mas ao mesmo tempo complexos chamamos atenção para o fato de que a coragem é diferente de audácia e medo não é sinônimo de covardia embora lidem com os mesmos objetos De acordo com a vertente aristotélica se a coragem extrapolar a razão significará temeridade imprudência já o medo poderá se transformar em covardia quando houver temor excedente Ademais ao contrário do que se pensava inicialmente sem excessos o medo é um sentimento essencial para a existência posto que é sinal de que o indivíduo encontrase numa situação de perigo fazendo com que ele fuja ou lute 12 Nesse sentido verificase que os excessos e as faltas podem ser prejudiciais para o homem sendo necessário tanto para o medo quanto para coragem o equilíbrio e a harmonia sobre as quais discorre Heráclito Esse filósofo já defendia a união dos opostos a harmonia entre eles e a mudança que provocam nos seres Mudança constante assim como o fluir das águas de um rio Constatamos que Guimarães Rosa também segue esse curso uma vez que a ambivalência e a mudança são elementos que alicerçam toda a narrativa Partindo desse ponto deparamonos com passagens do romance que em muito se assemelham aos fragmentos heraclitianos Observada essa dualidade na estrutura do romance mais especificamente do medo e da coragem e tendo consciência da relevância desses enigmas levantamos a seguinte problematização Qual a contribuição do medo e da coragem para o desenvolvimento de Grande sertão veredas As hipóteses que levantamos são as de que 1 a coragem singulariza os jagunços levando à guerra à vingança à morte e a outros atos que podem mudar seu destino 2 o medo pode inibir os personagens em suas ações e vivências e 3 o medo e a coragem figuram os seres motivandoos e modificandoos em suas travessias Para apurar tais presunções pesquisamos e apresentamos a fortuna crítica pertinente ao tema analisando como os diferentes autores veem o medo e a coragem no romance Trabalhamos com estudos acerca da reversibilidade dos opostos da dualidade da ambiguidade do atrito e da mistura em Grande sertão veredas a partir de autores como Antonio Candido Walnice Nogueira Galvão José Carlos Garbuglio Ivana Rebello Susi Frankl Sperber Davi Arrigucci entre outros Como sustentáculo para nossa análise textual utilizamos ainda estudos de Ana Maria Machado João Adolfo Hansen Telma Borges Márcia Marques de Morais Michel Foucault entre outros A fim de conceituar e de caracterizar o medo e a coragem incluímos a visão da filosofia2 acerca de tais sentimentos tomando por referência filósofos como Platão e Aristóteles e pesquisadores como Jean Delumeau Georges Duby e YiFu Tuan os 2Devido à ausência de estudos acerca do medo e da coragem na literatura recorremos à filosofia para conceituar tais sentimentos no entanto ressaltamos que não é nosso objetivo aprofundarmos em tal ciência ou nas obras em questão elas serviram de um aparato à nossa pesquisa literária Por fim acreditamos no diálogo e na contribuição mútua entre as ciências para construir conhecimento tanto que neste trabalho além da filosofia nos valemos da física da história e da psicanálise em alguns momentos O pesquisador e a sociedade de maneira geral só têm a ganhar com a interação entre as diversas áreas do saber 13 quais percorreram a história do medo e da coragem desde seus primórdios no Ocidente até a atualidade Além dos estudos bibliográficos e da definição dos objetos de estudo analisamos como o medo e a coragem estão dispostos no romance como são descritos e conceituados Não nos restringimos à visão filosófica ou histórica puramente tendo em vista que realizamos uma análise que convergiu com o texto literário nosso objeto Para mais através de algumas passagens averiguamos a maneira com a qual os personagens lidam com seus medos e com a coragem destacando o protagonista Riobaldo que juntamente com Diadorim na travessia do deJaneiro conhece as primeiras proporções do medo e da coragem e que já inserido na jagunçagem procura enfrentar seus medos e tomar maior coragem a fim de combater Hermógenes o Filho do Demo do Pactário ROSA 2001 p 425 Resultado de tais leituras e pesquisas esta dissertação foi organizada em três capítulos e um anexo No primeiro capítulo apresentamos sobre a universalidade presente em Grande sertão veredas a qual é composta por elementos opostos que se unem formando a matéria existente Além disso ao pensarmos na narrativa como uma unidade demonstramos que a dualidade também perpassa a estrutura do romance o qual tem como princípio a ambiguidade sendo tratada sob diferentes aspectos por vários críticos Tendo isso em vista tomamos a máxima riobaldiana tudo é e não é como o princípio e a síntese do nosso percurso pois simboliza a atração de tudo que se opõe e que se harmoniza formando o uno Tal expressão também foi trabalhada pelo filósofo Heráclito com o qual dialogamos nesse ponto inicial Sendo emoções que podem ser modificadas ao longo da vida visto que ansiedades e sinais de perigos são apreendidos e enfrentados no segundo capítulo fizemos uma exposição de conceitos e de relações históricas e filosóficas do medo e da coragem de acordo com as definições de dicionários e de estudiosos acerca do assunto Após discorrer sobre tais sentimentos de forma generalizada apresentamos como o medo e a coragem aparecem no romance suas características principais e a relação de ambos com o coração visto que tanto a coragem do latim coraticum quanto o medo são vinculados ao referido órgão devido às reações psicofísicas vínculo que se acentua através de algumas micronarrativas riobaldianas conforme descortinamos 14 Possuidor do medo ao longo da narrativa Riobaldo que busca decifrar as coisas que são importantes ROSA 2001 p 116 tem seus momentos de medo e de coragem por isso abordaremos no terceiro capítulo o primeiro encontro dos jagunços ainda meninos e o pacto com o demo ou o enfrentamento do medo e as mudanças em seu comportamento possivelmente decorrentes do que chamamos de contrato de coragem No desenrolar da análise desses episódios discorremos acerca de algumas figuras paternas Selorico Mendes Joca Ramiro Medeiro Vaz e Zé Bebelo nas quais há um possível espelhamento de Riobaldo Além disso exploramos a caracterização e a personalidade de Hermógenes demonstrando a relevância que ele possui na decisão de Riobaldo ao fazer o pacto com o demo palavra que é anagrama de medo e juntas constituem um jogo curioso e essencial para que possamos decifrar a ambiguificada verdade dos enigmas3 isto é o duplo enigma das formas dos seres de Riobaldo Por fim após as diversas leituras de Grande sertão veredas extraímos e ordenamos em forma de tabela as numerosas vezes em que o medo e a coragem aparecem no romance 192 e 86 respectivamente Tal disposição evidencia o caráter multifacetado do medo e da coragem e revela o trato sensível e poético de Guimarães Rosa com esses opostos complementares Devido à complexidade e extensão dos objetos no romance limitamonos nesse primeiro trabalho a discutir somente os vocábulos medo e coragem não sendo catalogados ainda seus sinônimos ainda que mencionados inevitavelmente durante o estudo da narrativa em questão Esses ficarão talvez para um estudo próximo Finalmente é sabido do encanto que perpassa o Grande Sertão neblinando e encobrindo informações o que contribui para sua densidade causando medo pois há perigos na busca por compreensão podendo até causar desistência dos mais temerosos Por isso tudo nossas análises e discussões tiveram o intuito de chegar a possíveis conclusões sobre o problema e as hipóteses levantadas ou seja tínhamos o objetivo de decifrar os enigmas dispostos no romance no que diz respeito ao par medocoragem esquivandonos de uma análise excludente Desejamos com este trabalho além de 3Essa expressão foi encontrada durante nossa pesquisa no IEB Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo que tem sob custódia as cadernetas e os livros da biblioteca de Guimarães Rosa Na Caderneta de nº 17 página 17 temos m o que era o g do enigma m a ambiguificada verdade dos enigmas 15 contribuir para a fortuna crítica de Guimarães Rosa encorajar leitores a atravessarem o sertão rosiano e a entenderem do medo e da coragem sentimentos que modificam os seres e reforçam a característica dual do universo 16 CAPÍTULO 1 PONTEANDO OS OPOSTOS 17 O fiar de Grande sertão veredas é realizado pelo velho Riobaldo o qual faz uma retrospectiva de suas experiências e andanças pelo mundo sertanejo através dum processo de idas e vindas no tempo envolvendo o interlocutorleitor numa travessia que requer coragem Desde sua publicação em 1956 o romance vem sendo explorado por diversas temáticas na tentativa de decifrar os múltiplos enigmas que compõem o itinerário do exjagunço Antonio Candido no renomado O Homem dos Avessos elogia a narrativa e reconhece a pluralidade de visões que a ela permite isso segundo ele se deve à capacidade inventiva do escritor mineiro Na extraordinária obraprima Grande sertão veredas há de tudo para quem souber ler e nela tudo é forte belo impecavelmente realizado Cada um poderá abordála a seu gosto conforme o seu ofício mas em cada aspecto aparecerá o traço fundamental do autor a absoluta confiança na liberdade de inventar CANDIDO 2006 p 111 Nessa obra de cunho inovador entre diversos artifícios temse uma linguagem elaborada justificando o reconhecimento de Candido e de tantos outros críticos pois Rosa resgata arcaísmos atribuindolhes uma nova roupagem cria neologismos misturando palavras de origem estrangeira emprega vocábulos e expressões regionais usadas muitas vezes por populações não letradas Davi Arrigucci no ensaio O mundo misturado romance e experiência em Guimarães Rosa afirma que essa mistura de múltiplas formas de linguagem se articula em unidade ou seja é quase um idioleto próprio do escritor chamando a atenção sobre si todo o tempo pelo inusitado da invenção os achados constantes a graça verbal a forte ênfase ARRIGUCCI 1994 p 13 Tudo isso de acordo com Walnice Nogueira Galvão em As formas do falso um estudo sobre a ambiguidade no Grande sertão veredas aponta para um escritor que ama as palavras que é leitor de dicionários e que se move num universo lingüístico contemporâneo e passado muito mais amplo do que aquele a que estamos habituados GALVÃO 1972 p 73 Essa universalidade linguística mencionada por Galvão se deve à vasta sabedoria apreendida pelo autor durante anos de estudos e às experiências vividas Ainda menino Rosa começou a alimentar sua imaginação em Cordisburgo sua terra onde seu pai Florduardo Pinto Rosa tinha um comércio conhecido como Venda de seu Fulô no qual ouvia causos de várias pessoas que por ali passavam e contavam suas estórias 18 Esses causos juntamente com as lendas e os mitos que passam de pessoa a pessoa alimentam a tradição oral além disso são fontes que propiciam o surgimento de narradores assim como Guimarães RosaRiobaldo que além de tecer sua longa travessia apresentase também como narrador de pequenos relatos que outrora foram ouvidos Ademais em suas viagens pelo interior de Minas Gerais Guimarães Rosa colocou o sertão dentro dos caderninhos de anotações visto que registrava elementos da flora da fauna da hidrografia da cultura e do povo para abastecer sua escrita com os dados anotados Mas havia outras fontes como as correspondências que trocava inclusive com seu pai o qual lhe dava informações contava casos e notícias atendendo aos pedidos do filho diplomata que residindo fora do Brasil solicitava alguns assuntos de seu interesse Além das referidas anotações foram encontrados na biblioteca de Rosa após sua morte 2477 livros entre os quais havia livros de geografia viagens botânica zoologia medicina história artes plásticas filosofia e leituras espirituais SPERBER 1976 p 16 Essa diversidade temática segundo Mônica Meyer em Sertão Natureza mostra que o Arquivo de Guimarães Rosa é um testemunho da sua paixão pelo conhecimento de uma sede de aprender e uma preocupação em nomear a coisa certa o que exigiu um trabalho constante e meticuloso de coleta e de escrita uma verdadeira enciclopédia artesanal produzida para consulta pessoal MEYER 2008 p 58 Todo esse acervo embora indique o desvelo de Guimarães Rosa pelas distintas áreas do saber para sua famosa cultura era pouco conforme salienta Susi Frankl Sperber em seu estudo intitulado Caos e Cosmos leituras de Guimarães Rosa SPERBER 1976 p 16 Ainda de acordo com a estudiosa Rosa não tinha apego aos livros físicos por isso deixou diversos nos países em que viveu como diplomata deu e emprestou muitos o que pode justificar a quantidade encontrada que parece inferior à experiência de leitura do escritor de Cordisburgo Podemos dizer que Grande sertão veredas foi o resultado das experiências que Rosa obteve durante suas travessias do contato com o meio nas viagens pelo sertão tendo acesso aos detalhes desse cenário e do povo que o habita de suas leituras e da 19 relação com as distintas esferas do saber No artigo Radiografias de um romance vestígios de Grande sertão veredas na biblioteca de Guimarães Rosa Telma Borges analisa indícios pistas e sinais do que seria parte do processo de criação de Grande sertão veredas nos livros presentes na biblioteca rosiana disponível no IEB Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo Nesse trabalho é pensado de que modo as leituras realizadas por Guimarães Rosa confirmadas através das marcações nos textos explicitam a produção do romance Tendo como embasamento teórico a diferença conceitual entre dicionário e enciclopédia proposta por Umberto Eco Borges adjetiva o romance como enciclopédico partindo da hipótese de que o projeto de execução de Grande sertão veredas é reflexo do Guimarães Rosa leitor daquilo que suas leituras lhe permitem organizar em termos de conhecimento de mundo de saber enciclopédico poroso impossível de ser pensado com base no pensamento à dicionário BORGES 2013 p 03 Sobre essa transformação do amplo conhecimento em ficção Candido discorre A experiência documentária de Guimarães Rosa a observação da vida sertaneja a paixão pela coisa e pelo nome da coisa a capacidade de entrar na psicologia do rústico tudo se transformou em significado universal graças à invenção que subtrai o livro à matriz regional para fazêlo exprimir os grandes lugarescomuns sem os quais a arte não sobrevive dor júbilo ódio amor morte para cuja órbita nos arrasta a cada instante mostrando que o pitoresco é acessório e que na verdade o Sertão é o Mundo CANDIDO 2006 p 112 Apesar do enredo se desenrolar em um espaço demarcado o sertão mais precisamente o sul da Bahia o norte de Minas Gerais o norte e o nordeste de Goiás o romance representa uma realidade intrincada imbuída de reflexões e indagações acerca do ser e do mundo Dessa forma o escritor de Cordisburgo atribuiu caráter universal a uma obra de feição regionalista Isto posto concordamos com Walnice Galvão quando diz que Guimarães Rosa tem um pé na linguagem do sertão e o outro na linguagem do mundo GALVÃO 1972 p 74 Verificase que Rosa extrai ao máximo elementos da linguagem sertaneja mas ao mesmo tempo ultrapassa a linguagem regional fazendo 20 com que sua obra ganhe um cunho universal o que segundo Galvão é inédito na literatura brasileira Alfredo Bosi em História concisa da literatura brasileira classifica o autor como regionalista mas adverte que Rosa foi o inovador desse período fazendo uso das linguagens não letradas explorandoas e usandoas a serviço de sua complexa prosa Tendo essa ciência Bosi ainda afirma que o regionalismo foi transformado nas mãos do alquimista mineiro O regionalismo que deu algumas das formas menos densas de escritura a crônica o conto folclórico a reportagem estava destinado a sofrer nas mãos de um artistademiurgo a metamorfose que o traria de novo ao centro da ficção brasileira A alquimia operada por João Guimarães Rosa tem sido o grande tema da nossa crítica desde o aparecimento dessa obra espantosa que é Grande Sertão Veredas BOSI 2013 p 457458 Benedito Nunes em seu artigo Primeira Notícia sobre Grande Sertão Veredas publicado um ano após o lançamento do referido romance em 1957 já destacava a linguagem a serviço do tema e a ultrapassagem da esfera regional Grande Sertão Veredas ultrapassa o âmbito regional No drama do sertanejo ou do jagunço irrompem os grandes problemas humanos seja a luta do homem contra a natureza que o estimula e o abate ao mesmo tempo seja o ímpeto do jagunço que se põe em armas para defender uma causa indefinível adota a lei da guerra menos pela rudeza de seu espírito do que pela necessidade de viver e de realizar seu destino Riobaldo Na Idade Média seria cavaleiro andante nos gerais foi jagunço NUNES apud HOLANDA 2010 p 243 grifo nosso O próprio Riobaldo afirma a universalidade das questões que o cercam quando diz que o sertão está em toda parte ROSA 2001 p 24 O sertão é sem lugar ROSA 2001 p 370 Sertão é isto o senhor empurra para trás mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados Sertão é quando menos se espera digo ROSA 2001 p 302 ou seja o sertão rosiano está além das fronteiras geográficas numa dimensão ampliada ou pluridimensional conforme caracteriza Antonio Candido Guimarães Rosa cumpriu uma etapa mais arrojada tentar ao mesmo resultado sem contornar o perigoso mas aceitandoo entrando de armas e 21 bagagens pelo pitoresco regional mais completo e meticuloso e assim conseguindo anulálo como particularidade para transformálo em valor de todos Rosa aceitou o desafio e fez dele matéria não de regionalismo mas de ficção pluridimensional acima do seu ponto de partida contingente CANDIDO apud SPERBER 1982 p 02 Tal universalidade se configura também pelos elementos opostos que permeiam o romance os quais estão presentes na vivência de todo ser humano não sendo particularidades do sertanejo amor e ódio alegria e tristeza Deus e Diabo medo e coragem bem e mal nascimento e morte guerra e paz entre outros Se pensarmos na narrativa como uma unidade veremos que tal dualidade vai além dos referidos pares visto que há uma estrutura em Grande sertão veredas que tem como princípio a ambiguidade que é tratada sob diferentes aspectos por vários críticos entre eles José Carlos Garbuglio Ivana Rebello Antonio Candido Walnice Nogueira Galvão Suzi Frankl Sperber e Davi Arrigucci como veremos a seguir Na primeira parte do estudo Rosa em 2 tempos intitulada O mundo movente José Carlos Garbuglio trabalha vários aspectos ambíguos de Grande sertão veredas a começar por sua divisão O autor defende que o romance é dividido em duas partes sendo a primeira enredada pelas especulações acerca da existência não havendo uma linearidade dos fatos narrados e a segunda sendo um processo narrativo mais horizontal dando enfoque às ações de Riobaldo Segundo Garbuglio o teor especulativo da primeira parte ocupa lugar de menor importância na segunda porque essa é o espelho em que se reflete a imagem da primeira parte Isto é as especulações encontram agora o suporte de suas explicações na medida em que oferece material para compreensão dos fatos estimuladores das angústias do narrador remetendo para o início do romance Deus e o Diabo medo e coragem claro e oculto nascimento e morte e sobretudo a sensação aguda de travessia a implicar a ideia de vida em constante fluir tornando irreversíveis as coisas e os acontecimentos abrindo caminho ao seu oposto natural a morte GARBUGLIO 2005 p 17 Além da divisão da obra rosiana para Garbuglio existem dois tempos o tempo em que aconteceu a história nomeado de plano objetivo e o tempo atual no qual Riobaldo narra o plano subjetivo Segundo o autor ao narrar seu passado Riobaldo o banha com a atualidade acentuando ainda mais o aspecto ambíguo do discurso 22 Entretanto esse caráter ambíguo da narrativa representa a essência dupla do mundo Vejamos Ora sendo o mundo duplo em sua essência a palavra de Guimarães Rosa alcança o que lhe dá essência porque o mundo é a palavra e no caso uma palavra polifacetada como a realidade que ela consegue criar GARBUGLIO 2005 p 32 Importante acrescentar que nessa tentativa de remontar à realidade de dupla face com a finalidade de compreendêla obtémse uma narrativa com a mesma característica fato que muitas vezes dificulta a compreensão do leitor levandoo a um estado também duplicado pois há uma confusão de sentimentos visto que o texto o cativa mas ao mesmo tempo o perturba em consonância com o que acentua Garbuglio O contato com Grande Sertão Veredas empolga e perturba Empolga pela novidade e pela força inventiva e criadora que o singularizam na literatura brasileira perturba pela capacidade inovadora da linguagem e pelo caráter vertical dos problemas nele encontrados GARBUGLIO 2005 p 35 A dualidade proporcionada pela linguagem pelos fatos e pela própria estrutura da obra tem um papel fundamental para a trama pois a singulariza sendo reproduzida constantemente num movimento que busca decifrar os enigmas ou seja é uma narrativa de essência enigmática sendo o duplo recriado de maneira infinita No decorrer de várias exemplificações do romance Garbuglio afirma que a dualidade sustenta o enredo de Grande sertão visto que a narrativa se conforma a um esquema dual e se constitui de fato na mais importante quantitativamente das funções bipolares pois é a partir delas que se processa a distribuição da matéria do romance 2005 p 34 Dualidade também posta por Antonio Candido e trabalhada a partir do princípio da reversibilidade no ensaio O Homem dos Avessos No referido texto Candido discorre sobre a invenção presente na obra de Guimarães Rosa com base na realidade observada por ele conseguindo assim criar um universo autônomo CANDIDO 2006 p 112 isto é há uma coexistência do real e do fantástico que segundo ele são dificilmente separáveis Ademais o estudioso faz uma analogia entre Grande sertão veredas e Os sertões de Euclides da Cunha na qual ele encontra semelhanças como é o caso dos três elementos estruturais das obras a 23 terra o homem a luta mas também ressalta algumas divergências entre elas os objetivos pois enquanto Euclides deseja constatar para explicar Rosa inventa para sugerir CANDIDO 2006 p 112113 Com a finalidade de ressaltar a diferença e a singularidade do universo rosiano Candido estrutura sua análise em três partes A Terra O Homem e por fim O Problema Em A terra é dito que o meio físico serve de quadro à concepção do mundo e de suporte ao universo inventado além de destacar a paisagem de característica ambígua pois é rude e ao mesmo tempo bela CANDIDO 2006 p 113 Nesse meio composto por rios morros palmeiras flores etc o crítico atentase para a função do Rio São Francisco acidente físico e realidade mágica curso dágua e deus fluvial eixo do Sertão CANDIDO 2006 p 114 o qual divide o mundo em duas partes distintas a direita contendo o fasto e a esquerda o nefasto Tal divisão coincide com os acontecimentos do romance conforme descreve Candido Na margem direita a topografia parece mais nítida as relações mais normais Margem do grande chefe justiceiro Joca Ramiro do artimanhoso Zé Bebelo da vida normal no Curralinho da amizade ainda reta apesar da revelação no Guararavacã do Guaicuí por Diadorim mulher travestida em homem Na margem esquerda a topografia parece fugidia passando a cada instante para o imaginário em sincronia com os fatos estranhos e desencontrados que lá sucedem Margem da vingança e da dor do terrível Hermógenes e seu reduto no alto Carinhanha das tentações obscuras das povoações fantasmais do pacto com o diabo Nela se situam perdidos no mistério os elementos mais estranhos do livro o campo da batalha do Tamanduátão as VeredasMortas o liso do Sussuarão desertosímbolo o arraial do Paredão com o diabo no meio da rua no meio do redemoinho Como compensação o amado Urucúia como flor de esperança de resgate Otacília da Fazenda Santa Catarina nos Buritis Altos CANDIDO 2006 p 114115 grifo nosso Esse trecho é importante para nós na medida em que destaca a repartição das ações pelo rio São Francisco que também divide a vida de Riobaldo em duas partes e que serve de cenário para o primeiro encontro com o Menino episódio a ser explorado no terceiro capítulo deste trabalho Por ora ressaltamos a ambivalência abordada por Candido este que afirma que a natureza varia devido ao princípio de adesão do mundo físico ao estado moral do homem CANDIDO 2006 p 116 tal assertiva é confirmada com o episódio do Liso do Sussuarão o desertosímbolo como destacado na citação acima no qual a travessia falha na primeira tentativa porém mais 24 tarde com Riobaldo sendo chefe a mesma é realizada Assim sendo Candido assevera que há uma ambiguidade no Liso pois ele é simultaneamente transponível e intransponível Ou seja em virtude da mudança do estado do homem o qual passa a ser chefe houve a mudança do meio visto que a passagem se tornou possível Essa ambiguidade do Liso do Sussuarão é acentuada quando analisamos as palavras que compõem tal expressão nominativa liso transmite uma ideia de superfície plana e sem aspereza ambiente desprovido de fauna e de flora com o chão tomado somente pelo sol conforme o relato de Riobaldo A gente olhava para trás Daí o sol não deixava olhar rumo nenhum Vi a luz castigo Achante pois se estava naquela coisa taperão de tudo fofo ocado arreveso Era uma terra diferente louca e lagoa de areia Onde é que seria o sobejo dela confinante O sol vertia no chão com sal esfaiscava De longe vez capins mortos e uns tufos de seca planta feito cabeleira sem cabeça Asexalastrava a distância adiante um amarelo vapor E fogo começou a entrar com o ar nos pobres peitos da gente ROSA 2001 p 6364 Já a palavra sussuarão não está interligada à ideia de lisura do solo ou ausência da natureza pelo contrário temos várias relações do vocábulo com elementos naturais sussuarão pode corresponder ao gênero masculino de uma onça parda chamada suçuarana ou sussuarana bem como a um lugar nominado Serra da Sussuarana localizada no município de Cocos na Bahia o qual tem a ecologia desenvolvida Nesse sentido Sussuarão seria a masculinização de suçuaranaSussuarana substantivo ligado à onça e à Serra ambos relacionados à natureza No romance o Liso do Sussuarão não era somente raso sem vida tinha também sua vegetação a qual fora descoberta na travessia guiada por Riobaldo o UrutúBranco Ali então tinha de tudo Afiguro que tinha Sempre ouvi zum de abêlha O dar das aranhas formigas abelhas do mato que indicavam flores Eu que digo Mesmo não era só capim áspero ou planta peluda como um gambá morto Digo se achava água O que não emapenas água de touceira de gravatá conservada Mas em lugar onde foi córrego morto cacimba dágua viável para os cavalos Então alegria E tinha até uns embrejados onde só faltava o buriti palmeira alalã pelas veredas E buracopoço água que dava prazer em se olhar Devido que nas beiras o senhor crê se via a coragem de árvores árvores de mata indas que pouco altaneiras simaruba o anis caneladobrejo pauamarante o pombo e gameleira A gameleira branca ROSA 2001 p 524525 25 Ao explorar a palavra sussuarão lembramonos também de sussurro pois são palavras que se assemelham graficamente e sonoramente remetendonos ao ato de sussurrar pela aliteração s Sussurro é um som que se aproxima de murmúrio e zumbido como o que Riobaldo ouviu das abelhas que lhe mostravam as flores durante a travessia do Liso Sempre ouvi zum de abêlha abelhas do mato que indicavam flores ROSA 2001 525 Metaforicamente o sussuarão também pode ser o sussurro a expressão dos sons da natureza já que na segunda passagem ele é descrito de forma próspera com plantas animais e água Desta forma vêse que Liso representa a parte intransponível do lugar por outro lado a palavra Sussuarão simboliza a transponibilidade É o significante contribuindo para dar sentido à coisa ao referente isto é o lugar que é em si ambíguo carrega consigo um nome que também é constituído pela ambivalência Com relação ao que foi defendido em A terra e em O homem Candido diz que há o inverso aqui os homens são produtos do meio físico este que concede uma dupla ação pois o sertão os encaminha e os desencaminha propiciando um comportamento adequado à sua rudeza CANDIDO 2006 p 117 forçandoos dessa forma a criar lei que choca com a da cidade Além disso é afirmado que o Sertão transforma os homens livres em jagunços cada um por seu motivo particular e nesse sentido o estudioso denota que o Sertão faz o homem CANDIDO 2006 p 119 Ainda sobre o jagunço Candido diz que em Guimarães Rosa ele não é simplesmente um salteador mas um tipo híbrido entre capanga e homemdeguerra atestando que há um homem fantástico a recobrir ou entremear o sertanejo real há duas humanidades que se comunicam livremente pois jagunços são e não são reais CANDIDO 2006 p 119 Vêse dessa forma o caráter reversível que Antonio Candido atribui aos jagunços rosianos os quais ganham complexidade sendo usado o enigma ser e não ser para definilos de essência reversível e sobre o qual trataremos oportunamente Finalmente em O Problema há a análise da grande indagação do narradorpersonagem a existência ou não do diabo e o possível pacto realizado por ele em nome de uma tarefa aniquilar o traidor Assim verificamos por meio deste ensaio que há uma mutualidade do poder exercida pela terra e pelo homem o que o crítico nomeia de reversibilidade 26 CANDIDO 2006 p 124 ratificando ser uma atmosfera existente em Grande sertão veredas Segundo Candido a essa reversibilidade do romance se prendem várias ambiguidades as quais enumera Ambiguidade da geografia que desliza para o espaço lendário ambiguidade dos tipos sociais que participam da Cavalaria e do banditismo ambiguidade efetiva que faz o narrador oscilar não apenas entre o amor sagrado de Otacília e o amor profano da encantadora militriz Nhorinhá mas entre a face permitida e a face interdita do amor simbolizada na suprema ambiguidade da mulherhomem que é Diadorim ambiguidade metafísica que balança Riobaldo entre o Deus e o Diabo entre a realidade e a dúvida do pacto dandolhe o caráter de iniciado no mal para chegar ao bem CANDIDO 2006 p 125 Ao discorrer sobre essa ambiguidade constante no romance Candido defende que estes diversos planos da ambiguidade compõem um deslizamento entre pólos uma fusão de contrários uma dialética extremamente viva que nos suspende entre o ser e o não ser para sugerir formas mais ricas de integração do ser E todos se exprimem na ambiguidade inicial e final do estilo a grande matriz que é popular e erudito arcaico e moderno claro e obscuro artificial e espontâneo CANDIDO 2006 p 125 Ao afirmar que na ambiguidade se tem um deslizamento entre os polos obtendo uma junção dos opostos nos lembramos das leis da física4 as quais nos convêm a fim de reforçar a defesa do ponto de vista aqui defendido Desenvolvida por Charles Augustin Coulomb a Lei de Coulomb trata da força de interação entre as partículas eletrizadas as partículas de mesmo sinal se repelem e as de sinais opostos se atraem No magnetismo não é diferente pois ao pegarmos dois ímãs e os aproximar eles podem atrairse ou repelirse O fenômeno de atração ocorre quando aproximamos as extremidades de dois ímãs de polaridades opostas isto é a extremidade norte de um ímã com a extremidade sul de outro Já o fenômeno da repulsão acontece quando aproximamos as extremidades de dois ímãs de mesma polaridade ou seja norte com norte e sul com sul 4 Tais teorias foram discutidas com o Engenheiro Elétrico André Luiz de Paulo e Silva que muito contribuiu para as reflexões apresentadas 27 Assim como na física verificase que os opostos que constituem o romance se atraem formando uma união visto que há conforme Candido uma fusão entre os polos contrários o que contribui para a potencialização do ser no relato e para sua própria estrutura dual Ao percorrer essa mesma vereda Ivana Rebello em sua tese Poética de atrito Pedras jogo e movimento no Grande Sertão afirma que Essa lógica de conciliar contrários de unir os duplos atando o igual e o desigual numa mesma coisa foi largamente usada por Guimarães Rosa em seus livros e compõe o que chamo de poética de atrito O Hermetismo proveniente da ciência alquímica algumas vezes aludida por Rosa concentrase na visão de um mundo em que tudo é duplo tudo tem o seu oposto mas os opostos se igualam na mesma natureza os extremos se tocam e todos os paradoxos podem ser conciliados REBELLO 2011 p 142 Rebello defende uma narrativa constituída por um choque de elementos díspares que se unificam que se atritam mutualmente mas ao mesmo tempo se conciliam proporcionando ritmo à narrativa é a poética de atrito expressão que intitula seu trabalho Tendo como aparato Octávio Paz segundo a pesquisadora esse atrito é como potência de experimentação linguística na ficção rosiana é parte constitutiva do universo poético como afirma Octavio Paz O mundo de operação do pensamento poético é a imaginação e esta consiste essencialmente na faculdade de relacionar realidades contrárias ou dessemelhantes PAZ 1993 p 146 REBELLO 2011 p 72 Em O mundo movente primeira parte do texto de Garbuglio é ressaltada essa característica movente de atrito defendida por Rebello e que compõe o universo duplo rosiano acrescentando que os opostos conduzem para uma zona de difícil estabelecimento do definido medo e coragem beleza e violência atração e repulsa mistério e desejo participam igualmente do ritual que investe Riobaldo nos segredos e relações da vida O cosmos se manifesta na sua dupla face ostentando os aspectos dominados pela presença de opostos GARBUGLIO 2005 p 48 28 Constatase assim a composição do universo pelos contrários mas convém ressaltar que não são extremos sem conectividade eles se completam se harmonizam dependendo um do outro para que de fato existam Afirmação que está em concordância com uma das vertentes desenvolvidas na obra póstuma Curso de Linguística Geral de Ferdinand de Saussure pai da linguística moderna Na referida obra a linguística é instaurada enquanto ciência influenciando todo fazer linguístico ganhando relevo pela definição do seu objeto das unidades que a constituem de suas características do lugar que ocupará dentre os saberes existentes etc Ademais a língua é conceituada como sendo um sistema de signos e tendo em vista que os signos são unidades mínimas de sentidos verificamos que tais unidades se definem umas pelas outras Ao discorrer sobre o valor linguístico considerando seu aspecto conceitual Saussure afirma que nesse sistema todos os termos são solidários e o valor de um resulta tãosomente da presença simultânea de outros SAUSSURE 2006 p 133 Ou seja o conceito de um signo está vinculado à negação do outro conforme a seguir Quando se diz que os valores correspondem a conceitos subentendese que são puramente diferenciais definidos não positivamente pelo seu conteúdo mas negativamente por suas relações com os outros termos do sistema Sua característica mais exata é ser o que os outros não são CLG 2006 p 136 grifo nosso No artigo A reflexão saussuriana e os distúrbios de linguagem uma proposta de aproximação Fábio Aresi articula a teoria de Ferdinand de Saussure ao estudo dos distúrbios de linguagem com o intuito de contribuir para o entendimento do funcionamento da linguagem em geral Para isso Aresi perpassa pelo Curso de Linguística Geral interpretando a relação que Saussure instaura entre a língua e seus valores Tal é o caráter do sistema linguístico proposto por Saussure um sistema relacional no qual um signo só constitui uma realidade linguística isto é só possui existência na medida em que mantém uma relação de oposição com os demais signos do sistema não sendo portanto preexistente a esse jogo da língua ARESI 2012 p 493 29 No tecer de Riobaldo há a demonstração desse evento pois o conceito de um signo está relacionado a uma oposição de outro signo da língua vejamos alguns exemplos Deus é paciência O contrário é o diabo ROSA 2001 p 33 Senhor sabe Deus é definitivamente o demo é o contrário Dele ROSA 2001 p 58 O que não é Deus é estado do demônio Deus existe mesmo quando não há Mas o demônio não precisa de existir para haver a gente sabendo que ele não existe aí é que ele toma conta de tudo ROSA 2001 p 76 Nesses fragmentos há definições ainda que vagas a respeito de Deus mas não nos deixa nítida uma definição acerca do diabo sem que esta esteja vinculada à ideia do que seja Deus portanto ocorre a dependência de forças contrárias para que os entes Deus e Diabo existam Susi Sperber em Caos e Cosmos revela que entre os 2700 livros encontrados na biblioteca rosiana os de temáticas espirituais foram os mais marcados por Guimarães Rosa o que chamou sua atenção levandoa a confrontar em seu trabalho as leituras espirituais realizadas pelo autor com trechos da obra observando o reflexo daquelas em Grande sertão veredas Tendo como sustentação a filosofia plotínica Sperber atesta que há no romance em questão a prova da existência do Diabo e do Mal como sendo o contrário de Deus e do Bem Em um dos livros acerca da espiritualidade intitulado Primeira Série de Instruções Sperber destaca o seguinte trecho marcado por Rosa Jamais deveremos conceder ao mal uma existência verdadeira Elle é apenas fictício e existe como contraste para o Bem e sem ele não consideraríamos o Bem como Bem Primeira Série de Instruções apud SPERBER 1976 p 295 Com isso de acordo com o entendimento da crítica Guimarães Rosa inaugurou a necessidade do contrário da oposição dentro do romance o que explicaria a mesura e o desmesurado o limite e o ilimitado a forma e o informe que percorrem Grande sertão veredas SPERBER 1976 p 103 Essa perspectiva rosiana acerca dos opostos diverge da maniqueísta a qual se baseia numa doutrina religiosa fundada na Pérsia por Maniu Maniqueu no século III Tal doutrina o maniqueísmo afirma que os pares opostos Deus e Diabo corpo e alma claro e obscuro etc são antagônicos e irreconciliáveis ademais defende que um dos lados deve destruir o outro baseandose no que julga ser do Bem e do Mal Nesse sentido entendemos que não há maniqueísmo em Grande sertão veredas visto que os 5Susi Sperper não cita a autoria da obra 30 opostos não estão delimitados e não excluem o outro eles estão fundidos caracterizando as incógnitas a serem compreendidas por Riobaldo e instaurando a ambiguidade no que está sendo tecido Além disso podemos dizer que essa ambiguidade é o que instiga o narrador e o leitor na busca por respostas tornandoos dessa forma cúmplices devido a um único movimento Sobre isso Garbuglio afirma que não é o evidente que interessa mas o encoberto aquilo que se pode suspeitar sem nunca ter certeza GARBUGLIO 2005 p 58 Nesse viés a ordem no romance é descobrir o encoberto definir o que parece ser indefinível visto que de acordo com Susi Sperber a dúvida de Riobaldo é definir aquilo que se apresenta em si duplo SPERBER 1976 p 113 Sendo assim o ideal é fazer a separação dos opostos pois estão unidos ou como prefere o personagem narrador conceituar estão misturados ROSA 2001 p 237 Na passagem que segue fica perceptível que Riobaldo tem consciência desse misto de extremos e da conveniência de realizar a separação dos mesmos pois ao apartálos temse o intuito de delimitar as áreas facilitar o entendimento e esclarecer os fatos neblinados pela dúvida Baixei mas fui ponteando opostos Que isso foi o que sempre me invocou o senhor sabe eu careço de que o bom seja bom e o rúim ruim que dum lado esteja o preto e do outro o branco que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza Quero os todos pastos demarcados Como é que posso com este mundo A vida é ingrata no macio de si mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero Ao que este mundo é muito misturado ROSA 2001 p 237 Davi Arrigucci Jr faz uma leitura acerca dessa mistura peculiar do mundo que singulariza o sertão de Rosa no ensaio O mundo misturado romance e experiência em Guimarães Rosa Para Arrigucci essa vontade de Riobaldo de entender as coisas claras delimitando os opostos defrontase com a mistura do mundo a qual segundo o ensaísta está presente em diversos aspectos e planos do livro a mistura da linguagem da caracterização dos seres como Hermógenes mistura de jiboia e cavalo das distintas formas da narrativa do atraso com o progresso do arcaico com o moderno do universo do sertão com o citadino da cultura oral com a escrita representados respectivamente por Riobaldo e seu interlocutor da significação da palavra sertão e por ser elemento constante na interpretação dos fatos ganha relevância a mistura do 31 Diabo em tudo Em síntese Davi Arrigucci afirma que com esse esquema narrativo mesclado o enigma das formas misturadas assim se busca esclarecer ARRIGUCCI 1994 p 20 e compreender os pontos de ligação desse enredamento por vezes labiríntico é tocar no modo de ser fundamental do grande livro ARRIGUCCI 1994 p 22 Essa mistura de elementos que defende Arrigucci como sendo a estrutura que movimenta o romance é compartilhada por Walnice Nogueira Galvão a partir do que ela chama de uma coisa dentro da outra Em seu livro As Formas do Falso um estudo sobre a ambiguidade em Grande sertão veredas Galvão relata que após vários estudos acerca do romance restoulhe um único problema que seria a chave para sua leitura a ambiguidade Com base no conto de Maria Mutema a autora defende que a ambiguidade é o princípio organizador de Grande sertão uma vez que atravessa todos os níveis da narrativa sendo assim sua estrutura é definida por um padrão dual recorrente Nesse viés Galvão discorre sobre uma coisa dentro da outra isto é um padrão que contém dois elementos diferentes o continente e o conteúdo Nas linhas gerais temse um conto no meio do romance assim como o diálogo dentro do monólogo a personagem dentro do narrador o letrado dentro do jagunço a mulher dentro do homem o Diabo dentro de Deus Foi perseguindo esse filão que consegui encontrar a explicação especificamente literária para o Diabo na rua no meio do redemunho GALVÃO 1972 p 13 Sob esse ponto de vista defendido Walnice afirma que o viver é caótico confuso e desordenado sendo necessária uma ordenação do que restou na memória para refletir e construir o texto A ambiguidade que perpassa essa tentativa de organização segundo a autora passa como se ora fosse e ora não fosse as coisas às vezes são e às vezes não são GALVÃO 1972 p 13 Mas adverte que esses pares não chegam a constituirse em opostos antes vivenciandoos o sujeito alternadamente sem que a tensão entre eles engendre o novo não se pode falar em contradição mas apenas em ambiguidade GALVÃO 1972 p 13 é o que verificamos na máxima que sintetiza a ordenação do romance Tudo é e não é 32 11 Tudo é e não é universal unidade Logo no início do romance notase a instalação da anarquia acentuada pela ambiguidade uma vez que Riobaldo discorre sobre o caráter dual das coisas o bezerro com cara de gente e cara de cão a afirmação de que quem se evita se convive o diabo que existe e não existe e a estranhez da mandioca mansa que pode virar brava e viceversa Nesse meio deparamonos com uma passagem que acreditamos ser cara à narrativa É e não é O senhor ache e não ache Tudo é e não é ROSA 2001 p 27 Em tal sentença Riobaldo faz uma afirmação e uma negação mas uma ação não se aparta da seguinte ou seja como diz Galvão estão dentro da outra visto que há uma reunião que permite passar de um terreno a outro sem haver qualquer supressão há conforme Candido uma atmosfera reversível CANDIDO 2006 p 125 Após a referida máxima essa comunhão entre os elementos opostos que configuram o interior do homem é ilustrada por dois casos significativos Antes deles porém Riobaldo diz que quase todo mais grave criminoso feroz sempre é muito bom marido bom filho bom pai e é bom amigodeseusamigos ROSA 2001 p 2728 Essa passagem retrata a fusão de diferentes sentimentos que existem em um único ser podendo quando lhe é conveniente translinear por eles o que faz com que o indivíduo tenha uma personalidade maleável Depois desse excerto o primeiro caso é relatado o de Aleixo indivíduo que praticava maldades mas ao mesmo tempo era homem afamilhado e amava os quatro filhos que tinha Um dia ele mata gratuitamente um velhinho que pedia esmola e em seguida os filhos pegam sarampo e ficam cegos devido a isso Aleixo mudou arrependendose das crueldades e tornandose um homem de bem sempre ao lado de Deus Já no segundo caso temos o inverso Riobaldo conta sobre o sujeito Pedro Pindó e sua esposa pessoas que sempre foram boas mas tinham um filho mau o qual sentia satisfação em torturar e matar animais Certa vez com a finalidade de corrigir as maldades do filho os pais castigaramno todavia acabaram sentindo prazer nos maltratos hábito que se transformou em diversão e por fim o filho passou a sofrer como se fosse um menino bom 33 Tais estórias surgem no momento em que Riobaldo começa a discutir sobre a existência ou não do Diabo o qual segundo o narrador vige dentro do homem os crespos do homem ROSA 2001 p 26 Com os casos depreendese que o homem é formado por sentimentos distintos que coexistem dentro dele bem e mal representado por Deus e pelo Diabo respectivamente bastando aparecer certas condições para que haja o predomínio de um deles e ainda vêse que a personalidade do ser é caracterizada não pela exclusão mas pela conversão de sentimentos ou melhor pela reversibilidade Dessa forma parecenos que a dualidade que permeia todo o romance está sintetizada na expressão Tudo é e não é esta que usurpa em sua essência significação também ambígua Ademais tal sentença se dispõe diante do ouvinteleitor como um verdadeiro enigma a ser decifrado pois é composta por códigos obscurecidos e indefinidos conforme veremos Em seu estudo intitulado Guimarães Rosa Signo e Sentimento Susi Frankl Sperber preocupase em entender a contribuição do autor mineiro a partir do que ela chama de linguagem forjada SPERBER 1982 p 03 fazendo comparações entre rascunhos e versão definitiva da escrita observando através desse processo as modificações realizadas o trato com as temáticas e com a linguagem Para essa análise Sperber se valeu dos conceitos de sintagma unidade mínima de sentido estruturado e de signos microunidades que constroem os sintagmas Nesse viés a autora nos diz que conforme os processos de enfatização ou de retardamento do sentido o sintagma se preenche de significado ou se abre de modo a que não o apreendamos imediatamente Na medida em que o sintagma está mais aberto mais é exigido do leitor Nesse sentido quanto mais aberto o sintagma maior o contato narradorleitor A sequência incompleta em seu sentido ou insatisfatoriamente completa apresenta um paradigma aberto o qual no dizer de Roland Barthes equivale a uma perturbação lógica SPERBER 1982 p 07 Ainda de acordo com o estudo de Susi Sperber em meio a esse processo de abertura está o uso da indefinição e é graças a ela que o sentido da sentença se amplia remetendo a um paradigma convencional amploSPERBER 1982 p 07 Sperber acrescenta que em uma narrativa essa indefinição pode provir de partículas indefinidoras de duplicações das expansões do núcleo do relato e do conhecimento 34 impreciso que o narrador tem do que está sendo contado Essas indefinições segundo a crítica irão atuar na imaginação do leitor na forma de busca por paradigma Nessa perspectiva quando é dito tudo é e não é há uma abertura do sintagma proveniente de uma dupla indefinição a ambiguidade da indefinição ser e não ser a qual implica numa instabilidade na tentativa de conceituar o signo tudo este que se configura em outra indefinição visto que é um pronome indefinido cujo significado é muito amplo podendo ser uma infinidade de coisas Ao indagar a respeito de como se dá a problemática do dualismo em Grande sertão veredas Susi Sperber em Caos e Cosmos afirma que a expressão Tudo é e não é é significativa para todo o livro pois em primeiro lugar salta aos olhos uma diferença com respeito ao famoso to be or not to be shakespeariano onde a conjunção coordenativa é alternativa enquanto que a conjunção coordenativa Roseana é aditiva Portanto já no sintagma acima verificamos que a noção não implica uma ambiguidade nem uma dialética os pólos opostos seriam excludentes porém uma unidade bipolar Devemos achar e não achar ao mesmo tempo Porque não apenas as noções expostas são e não são senão tudo é e não é SPERBER 1976 p 110 Apesar de nesse trecho a crítica negar ser uma ambiguidade mas ao mesmo tempo assegurar que os polos opostos componentes do sintagma formam uma unidade em nota de rodapé Susi Sperber relaciona o É e não é rosiano à ambiguidade essencial da função poética que reifica a mensagem desdobrando o emissor o receptor e o referente é a mesma contida no aixo era y no era citado por Jakobson in Essais de linguistique Génerale Paris Minuit c 1963 p 239 apud Sperber 1976 p 109 Telma Borges em texto já mencionado destaca um trecho na página 181 do livro La sainteté aujourdhui de Pierre Blanchard de 1953 Deus é e não parece O Diabo parece mas não é6 Na marginália de tal página Rosa grifa oh O grande sertão ROSA apud BORGES 2013 p 19 A partir desse achado Borges especula sobre o motivo que levou o escritor a ressaltar o fragmento com tal expressão assim ela levanta as seguintes hipóteses 6 BLANCHARD apud BORGES 2013 p 18 35 1 Rosa como leitor realiza tal ação em busca de sustância para sua literatura 2 a expressão se refere não só ao romance mas a toda a literatura do autor em que o sertão é a grande personagem 3 Rosa encontra nas leituras que faz mecanismos de universalização do sertão nesse caso por via da metafísica religiosa É o sertão em toda parte 4 a expressão tudo é e não e suas correlatas no romance ou se confirmam aí ou tem aí sua origem 5 o uso da expressão Oh pontuada com a exclamação pode indicar o encontro enfim de algo há muito procurado eou o inesperado de um encontro que viria a redimensionar seu processo de escrita do romance BORGES 2013 p 19 Dentre essas hipóteses elaboradas a quarta nos chamou a atenção por se tratar especificamente da expressão Tudo é e não é esta que se assimila à de Pierre Blanchard Deus é e não parece O Diabo parece mas não é BLANCHARD apud BORGES 2013 p 18 Tendo em vista essa aproximação Borges aponta a viabilidade de estar nesse trecho de Blanhard a confirmação da adição ser e não ser feita por Rosa ou a sua origem já que o livro é anterior à publicação do romance e possui vestígios de leitura realizada pelo escritor mineiro A estudiosa finaliza seu texto discorrendo sobre as infinitas possibilidades de projeção significativa de Grande sertão veredas motivo pelo qual ela o chama de romance enciclopédico Acrescentamos a essa afirmação a possibilidade de Guimarães Rosa ter compactado Deus e Diabo do trecho de Blanchard no pronome tudo assegurando ainda mais o caráter de enciclopédia que defende Telma Borges já que tudo tem o significado ilimitado Ainda em relação à máxima tudo é e não é Susi Sperber nos deixa uma indagação O que é tudo porémSPERBER 1976 p 110 Esse pronome indefinido não se vincula a uma só significação contém sentido múltiplo que se alarga através da conjunção coordenativa adicional e No entanto a indefinição que configura o sentido de tudo pode ser restringida ou até eliminada pelo próprio texto através dos sintagmas que seguem e que se articulam nessa duplicidade de ser e não ser Em Signo e Sentimento Sperber reconhece essa possibilidade pois ela afirma que um signo ou sintagma não está isolado do contexto no qual estão inseridos visto que o contexto funciona não só para a ordenação dos elementos da ação como também para a determinação ou indeterminação dos signos utilizados para designar esta ação SPERBER 1982 p 08 Sendo assim cabe a nós a decodificação do que está oculto e o preenchimento dos vagos através do contexto ou seja da macroestrutura visto que o 36 tecer de Riobaldo é enigmático Esta vida está cheia de caminhos ocultos ROSA 2001 p 170 A vida é um vago variado ROSA 2001 p 516 Apesar do sintagma Tudo é e não é estar logo no início do relato em meio a uma série de elementos duplos que introduzem a reflexão acerca dos seres e do mundo ele está difundido em todo o romance visto que as reflexões têm uma continuidade embora não tenham linearidade Dispomonos de alguns deles O sertão é isto o senhor sabe tudo incerto tudo certo ROSA 2001 p 172 Naqueles dias então eu gostava dele Em Pardo Gostava e não gostava ROSA 2001 p 196 O diabo existe e não existe ROSA 2001 p 26 Neste mundo tem maus e bons todo grau de pessoa Mas então todos são maus Mas mais então todos não serão bons ROSA 2001 p 328 O jagunço Riobaldo Fui eu Fui e não fui Não fui porque não sou não quero ser ROSA 2001 p 232 Sei que amava não amava ROSA 2001 p 407 O que é que o burití diz É Eu sei e não sei ROSA 2001 p 417 Numa narrativa permeada por reflexões as dúvidas são expostas e as perguntas são realizadas constantemente com o intuito de sanálas buscar respostas aprender o que ainda não se sabe Vivendo se aprende mas o que se aprende mais é só a fazer outras maiores perguntas ROSA 2001 p 429 É o que se observa nesses trechos selecionados posto que Riobaldo questiona sobre a existência do Diabo se todas as pessoas são boas se foi mesmo jagunço se amou Diadorim no entanto essas construções interrogativas acentuam o caráter ambíguo e a incerteza que comportam tais sentenças deixando seu discurso ainda mais enigmático O fato é que todos esses trechos interrogativos ou não à maneira da máxima tudo é e não é carregam afirmações e negações que vão ao encontro da duplicidade do referente Não há definições exatas mas uma mistura sem demarcação A incerteza que existe não exclui o certo estão dispostos por uma conjunção implícita que foi substituída pela vírgula no sertão tudo é certo e incerto E nesse sertão duplicado o diabo oscila entre o existir e o não existir existe nos crespos do homem e não existe pois de acordo com as conclusões de Riobaldo o que existe é o homem humano Se existe o mau o bom existe já que um precisa do outro para ser então todos são maus e não são O buriti nas VeredasMortas sabia e não sabia diferente dos buritis dos Gerais os quais aconselhavam Riobaldo Entretanto não há somente questionamentos 37 relacionados ao outro mas também a si mesmo ao seu passado enquanto jagunço Riobaldo foi e não foi jagunço gostava e não gostava amava e não amava Sendo essas reflexões realizadas pelo narradorpersonagem vêse que têm caráter duplo pois o seu pensar é em si uma dialética Eu penso é assim na paridade O demônio na rua Viver é muito perigoso e não é não Nem sei explicar estas coisas Um sentir é o do sentente mas outro é o do sentidor ROSA 2001 p 328 Paridade é qualidade do que é par ou seja elementos que se dispõem simetricamente em dois o que explica a ambiguidade da linguagem empregada Vejamos que logo após qualificar seu pensar afirma que viver é perigoso negando em seguida Quer dizer viver é perigoso e não é Fazendo uma análise da macroestrutura vêse que o pronome tudo pode ser o Diabo o sertão as pessoas os sentimentos o próprio Riobaldo enfim o universal está contido na unidade Tudo é e não é unidade que tem essência dupla e reversível caráter já apontado por Candido Diferente do maniqueísmo que tem um lado vencedor e do ser ou não ser alternativo shakespeariano no romance rosiano apesar de em alguns momentos haver uma prevalência não há vitória prova disso é a morte de Hermógenes no qual o mal prevalece e de Diadorim no qual o bem predomina em que as duas respectivas vocações são invencíveis entre si Nesse acontecimento a dualidade é tratada de forma equilibrada excluindo a ideia de que o bem vence no final até mesmo porque não há final pois os questionamentos sobre o certo e o incerto o existir e o não existir o bem e o mal o amor e o ódio o medo e a coragem etc acompanham Riobaldo mesmo após o fim das ações relatadas o que é diferente do fim da história essa parece continuar num infindável questionamento em consonância com o símbolo 7 que a representa o qual também é duplo pois possui duas faces que se unem 7 O símbolo do infinito representa o conceito do que seria a eternidade como algo que não tem começo nem fim Alguns acreditam que o símbolo tenha sido baseado em Ouroboros serpente da mitologia grega que era representada devorando sua própria cauda Para os gregos Ouroboros simbolizava a reflexão da ideia da repetição ou seja que sempre existem recriações no universo de forma eterna Para o misticismo esse símbolo também é conhecido como lemniscata 38 12 Tudo vem a ser Afamado de filósofo profundo e obscuro HEGEL 1989 p 64 Heráclito de Éfeso foi um pensador présocrático que ganhou destaque por questionar a unidade permanente do ser tese defendida pelos eleatas diante da pluralidade e mutabilidade das coisas Estabeleceu também a existência de uma lei universal e fixa o Lógos fundamentada na harmonia constituída de tensões e contrários Entretanto suas teorias não são conhecidas pelo contato com uma única obra mas através de uma coletânea de fragmentos os quais foram reunidos e citados por diversos autores O livro Os présocráticos fragmentos doxografia e comentários organizado por José de Cavalcante de Souza além de apresentar diversos filósofos e seus respectivos fragmentos discute sobre as teorias dos mesmos e no caso de Heráclito Georg W F Hegel é quem disserta comentários Na obra em questão encontramos vários trechos heraclitianos citados por estudiosos que apontam simultaneamente o combate e a harmonia dos elementos que se opõem Vejamos alguns antecedidos pela respectiva numeração e referência 8 IDEM Ética a Nicômaco VIII 2 1155 b 4 Heráclito dizendo que o contrário é convergente e dos divergentes nasce a mais bela harmonia e tudo segundo a discórdia ARISTÓTELES apud SOUZA 1989 p 52 10 IDEM Do Mundo 5 396 b 7 Conjunções o todo e não todo o convergente e o divergente o consoante e o dissonante e de todas as coisas um e de um todas as coisas ARISTÓTELES apud SOUZA 1989 p 52 51 IDEM ibidem IX 9 Não compreendem como o divergente consigo mesmo concorda harmonia de tensões contrárias como de arco e Iira HIPÓLITO apud SOUZA 1989 p 56 80 IDEM ibidem VI 42 É preciso saber que o combate é oqueécom e justiça é discórdia e que todas as coisas vem a ser segundo discórdia e por necessidade ORÍGENES apud SOUZA 1989 p 59 39 Através desses fragmentos podemos notar uma das teorias defendidas por Heráclito a qual discorre que o universo é composto pela discordância das coisas e ao mesmo tempo é ressaltada a necessidade que possuem para se definirem enquanto tal Em outras palavras apesar das tensões contrárias os elementos que divergem e discordam também se completam isto é há uma harmonia ocasionada pela necessidade de existir Na visão de Heráclito esse é o princípio abstrato que configura o ser tudo forma uma unidade e ela é relativa a todas as coisas Essa unidade é composta pelos elementos contrários de maneira equilibrada e harmônica Em seu estudo Ivana Rebello menciona essas imagens criadas por Heráclito as quais a pesquisadora diz representar metaforicamente o atrito das ideias dos contrários no Grande Sertão Sobre a harmonia desses elementos é destacado que para Heráclito entendese por harmonia a conexão necessária e fundamental entre dois opostos indissociáveis É por causa da harmonia que o mundo se mantém emergente na existência segundo o efésio Nascer e perecer subir e descer acordar e dormir entre outros são o mesmo em virtude da harmonia que conecta os diferentes Heráclito ao formular a sua teoria recorre às imagens do arco e da lira mais tarde apropriadas por Octávio Paz na construção do seu livro O Arco e a Lira REBELLO 2011 p 7374 George Hegel chama a atenção para o fato de que só existe a harmonia se houver a diferença pois segundo ele o idêntico a repetição de um único som não é harmonia é preciso que haja essencial e absolutamente uma diferença Da harmonia faz parte determinada oposição seu oposto como na harmonia das cores HEGEL 1989 p 66Ainda em seus comentários Hegel discorre sobre a teoria heraclitiana que trata dessa harmonia entre os opostos formando o absoluto a união do ser e não ser O princípio universal Este espírito arrojado pronunciou pela primeira vez esta palavra profunda O ser não é mais que o nãoser nem é menos ou ser e nada são o mesmo a essência é mudança O verdadeiro é apenas como a unidade dos opostos nos eleatas temos apenas o entendimento abstrato isto é que apenas o ser é Dizemos em lugar da expressão de Heráclito O absoluto é a unidade do ser e do nãoser HEGEL 1989 p 64 grifo nosso Apesar dos mais de dois mil anos que os separam encontramos no texto rosiano essa visão heraclitiana do mundo tudo o que é ao mesmo tempo não é é preciso haver 40 uma oposição para que o ser possa ser denominado em relação ao outro devido a isso essa oposição se harmoniza Além da definição desse princípio dual formador do uno Heráclito toma o devir ou seja a mudança como a essência da dualidade ser e não ser como interpreta Hegel Heráclito diz Tudo é devir este devir é o princípio Isto está na expressão O ser é tão pouco como o não ser o devir é e também não é As determinações absolutamente opostas estão ligadas numa unidade nela temos o ser e também o nãoser O ser não é por isso é o nãoser e o nãoser é por isso é o ser isto é a verdade da identidade de ambos É um grande pensamento passar do ser para o devir é ainda abstrato mas ao mesmo tempo também é o primeiro concreto a primeira unidade de determinações opostas Estas estão inquietas nesta relação nela está o princípio da vida HEGEL 1989 p 65 Contrário à imobilidade do ser Heráclito defende as transformações pelas quais esse ser passa sendo portanto maleável e reversível consoante a tese de Candido Nos fragmentos do filósofo encontramos essa ideia vinculada ao rio curso natural de água que se movimenta a fim de desaguar no mar e por ter tal característica movente não é possível mergulhar mais de uma vez na mesma água visto que ela se renova a cada instante Nas palavras de Heráclito 12 ARIO DÍDIMO em EUSÉBIO Preparação Evangélica XV 20 Aos que entram nos mesmos rios outras águas afluem almas exalam do úmido ARIO DÍDIMO apud SOUSA 1989 p 52 91 IDEM ibidem 18 p 392 B Em rio não se pode entrar duas vezes no mesmo segundo Heráclito nem substância mortal tocar duas vezes na mesma condição mas pela intensidade e rapidez da mudança dispersa e de novo reúne ou melhor nem mesmo de novo nem depois mas ao mesmo tempo compõese e desiste aproximase e afastase PLUTARCO apud SOUSA 1989 p 60 Ao interpretar tais fragmentos Hegel cita Heráclito e Platão Heráclito diz Tudo flui panta rei nada persiste nem permanece o mesmo E Platão ainda diz de Heráclito Ele compara as coisas com a corrente de um rio que não se pode entrar duas vezes na mesma corrente o rio corre e tocase outra água Seus sucessores dizem até que nele nem se pode mesmo entrar pois que imediatamente se transforma o que é ao mesmo tempo já novamente não é HEGEL 1989 p 6465 41 Como se vê para Heráclito nada está concretizado tudo está em frequente fluir tudo corre panta rei Em O Logos Heraclítico introdução ao estudo dos fragmentos Damião Berge a partir do conhecimento presente nos trechos do filósofo conclui que ninguém já é vemaser através do esforço de fazerse e de conservarse BERGE 1969 p 157 Essa metamorfose é custeada pelos opostos que convivem entre si não excluindo o outro mas ora sendo outrora não sendo sempre num movimento adicional e concomitante Nessa perspectiva Grande sertão veredas continua a corroborar a filosofia heraclitiana pois além de compartilhar o princípio da composição do universo nega a estagnação do ser partilhando da essência do devir conforme Riobaldo alerta O senhor mire e veja o mais importante e bonito do mundo é isto que as pessoas não estão sempre iguais ainda não foram terminadas mas que elas vão sempre mudando ROSA 2001 p 39 A reversibilidade estado de mudança é constatada tanto por Heráclito quanto por Riobaldo de formas semelhantes 126 IDEM Escólios para Exegese da Ilíada As coisas frias esquentam quente esfria úmido seca seco umedece TZETZS apud SOUSA 1989 p 63 O correr da vida embrulha tudo a vida é assim esquenta e esfria aperta e daí afrouxa sossega e depois desinquieta O que ela quer da gente é coragem ROSA 2001 p 334 A paridade entre a concepção heraclitiana e a riobaldiana não se finda Na primeira vimos que o filósofo compara a questão da mudança ao rio no qual não se pode entrar duas vezes ou seja não se mergulha na mesma água Visão que também é constante na composição de Grande sertão veredas de forma que o narrador personagem chama a atenção para essa característica fluente movediça perigosa Assaz o senhor sabe a gente quer passar um rio a nado e passa mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais em baixo bem diverso do que em primeiro se pensou Viver nem não é muito perigoso ROSA 2001 p 51 Ademais ainda no Grande 42 Sertão é perceptível uma relação de extrema intimidade do homem com o ambiente natural Nele a natureza sertaneja convive com seus personagens sendo construída de modo que o mundo natural se funda na realidade humana fazendo com que a identidade de cada um seja o resultado de uma relação mútua Exemplo dessa relação são os nomes dos personagens ganhando relevo aqui o de Riobaldo cujo nome significa rio de planície de leito raso sem muito rumo e traçados definidos RONCARI 2004 p 83 Não é de forma gratuita que o exjagunço recebe essa alcunha pois conforme veremos Riobaldo é em si um personagem enigmático além de ser caracterizado por elementos ambíguos está rodeado por opostos numa narrativa constituída pela dualidade Tudo isso faz de Riobaldo um narrador e personagem plural o qual está em constante estado de mudança Ao relatar seu itinerário para o Senhor da cidade ele chega a se comparar a um rio Consegui o pensar direito penso como um rio tanto anda que as árvores da beirada mal nem vejo Quem me entende ROSA 2001 p 359 Eu queria a muita movimentação horas novas Como os rios não dormem O rio não quer ir a nenhuma parte ele quer é chegar a ser mais grosso mais fundo O Urucúia é um rio o rio das montanhas Recebe o encharcar dos brejos verde a verde veredas marimbús a sombra separada dos buritizais ele Recolhe e semeia areia Fui cativo e solto Mesmo na hora em que eu for morrer eu sei que o Urucúia está sempre ele corre O que eu fui o que eu fui ROSA 2001 p 450451 Em ambas as passagens Riobaldo reforça a propriedade movente do rio Na primeira faz comparação com seu pensamento esse que ao narrar a história os cenários e as ideias se alternam de forma não linear e constante sendo preciso ler com atenção a fim de não perder o fio do entendimento Já na segunda passagem o narrador admite o desejo de muito movimento mostrando assim sua inquietude atributo que o faz narrar de maneira tão misturada como já lera Arrigucci Ademais seu nome ligado a esse elemento da natureza se faz justo durante toda a narrativa uma vez que acontecimentos importantes em sua vida se passam também nos rios Exemplo disso é o episódio em que Riobaldo tem seu primeiro encontro com Diadorim no rio São Francisco sobre o qual ele diz o São Francisco partiu minha vida em duas partes ROSA 2001 p 325 Acerca disso Roncari pontua que foi na travessia do São Francisco que ele conheceu a si o seu medo e ao seu outro Diadorim 43 possuidor da coragem e autoridade que não tinha mas gostaria de ter RONCARI 2004 p 82 Riobaldo é como o rio está em constante devir dentro de uma história corrente que não compartilha a ideia de estagnação As mudanças sofridas pelo personagem acentuam as características de denominações opostas que o compõem e que vivem em conflito entre si mas ao mesmo tempo se harmonizam formando uma personalidade ambígua e singular afinal Riobaldo foi e não foi jagunço sabe e não sabe amava e não amava sentia tristeza e alegria tinha medo e tinha coragem Ele era e não era era a soma de seus opostos por isso questiona Eu era dois diversos ROSA 2001 p 505 Assim como o rio que se renova a cada instante Riobaldo se renovada pois no correr de sua vida podemos constatar as diferentes veredas tomadas professor jagunço Tatarana UrutuBranco e fazendeiro Apesar dessa pluralidade de rumos um serviu para que o outro surgisse nas palavras do narrador a verdade é que Tudo o que já foi é o começo do que vai vir ROSA 2001 p 328 Nesse sentido a duplicidade existente dentro do ser e não ser fornece material para que uma mudança aconteça surgindo uma personalidade oposta mas que já existia interiorizada assim como no caso do Aleixo e do Pedro Pindó Sendo assim a infinita ambiguidade existente no todo do romance desde a sua estrutura até os personagens é representada pela enigmática Tudo é e não é tendo uma palavrachave que nos auxilia na busca por respostas mudança já que tudo também é o que virá a ser Ao verificar a metamorfose à qual Riobaldo se submete uma dualidade em especial nos chamou a atenção pelo fato de estar sempre presente em sua travessia e influenciandoo em suas ações o medo e a coragem vertente enigmática que delineia a personalidade não só do narradorprotagonista mas também de Diadorim e dos que ocupam o sertão lugar que tem medo de tudo e ao mesmo tempo é habitado por gente de coragem 44 CAPÍTULO 2 O MEDO E A CORAGEM 45 21 O medo O medo é um sentimento de múltiplas faces estando presente em toda parte nos sonhos das crianças provocando o choro nas noites escuras instigando a criação de estórias nas sociedades antigas oprimindo os habitantes nas modernas cidades desafiando os indivíduos e também no sertão rosiano acompanhando o jagunço Riobaldo em sua travessia De acordo com as definições de dicionários e de estudiosos acerca do assunto o medo tem relação com um estado de apreensão de atenção perante a um acontecimento isto é um sentimento inquietante uma perturbação diante da exposição do sujeito a algum tipo de perigo ou ameaça que nem sempre serão reais podendo ser de caráter imaginário Sobre este aspecto YiFu Tuan em Paisagens do Medo discorre que os medos por serem experimentados pelas pessoas são subjetivos alguns deles no entanto são produzidos pelos ambientes ameaçadores outros não Aristóteles em Ética a Nicômaco vê o medo como uma expectativa do mal ARISTÓTELES 2006 p 69 Jean Delumeau em História do medo no ocidente 1300 1800 uma cidade sitiada assim o conceitua No sentido estrito e estreito do termo o medo individual é uma emoção choque frequentemente precedida de surpresa provocada pela tomada de consciência de um perigo presente e urgente que ameaça cremos nós pela conservação DELUMEAU 2009 p 30 Podemos dizer que o medo é uma emoção psicofísica pois quando a sentimos nosso organismo entra imediatamente em estado de alerta apresentando comportamentos típicos de maneira involuntária A sensação provocada é consequência da reação do hipotálamo o qual mobiliza o organismo desencadeando vários procedimentos e modificações endócrinas Dependendo da intensidade do medo pode se apresentar além das alterações das funções cardíacas e respiratórias contração ou dilatação dos vasos sanguíneos constipação ou diarreia palidez suor contrações musculares como tremedeiras entre outros sintomas Na pesquisa realizada no IEB além da conhecida fala popular não tenho uma isca de mêdo Caderno 02 p 24 encontramos alguns sintomas referentes a tal 46 sentimento registrados de maneira curiosa por Guimarães Rosa No caderno 4 página 15 temse a mudança de coloração da pele quando o medo assusta já na página 64 aparecem o tremor muito utilizado no romance e conforme veremos no terceiro capítulo constitui um elemento criativo em um dos seus jogos de palavras e o medo como laxativo m Seu rosto foi do moreno ao verde e ao amarelo e quase ao puro branco mêdo susto m um mêdo laxativo m atravessado de tremores m tremendo ainda triunfalmente Em Grande Sertão veredas esses entre outros sintomas do medo também aparecem O medo laxativo por exemplo aparece na véspera de uma batalha visto que ao ter diarreia um diz Não é medo não amigos é o trivial do corpo explicavam alguns que ainda careciam de ir por suas necessidades ROSA 2001 p 216 O medo que faz tremer manifestase em diversos momentos como no pacto em que Riobaldo treme como bananeira Talentos de lua escondida Medo Bananeira treme de todo lado Mas eu tirei de dentro de meu tremor as espantosas palavras ROSA 2001 p 435 O medo que amolece surge quando Riobaldo teme se encontrar com Zé Bebelo de quem havia fugido e ser capturado o medo se largava de meus peitos de minhas pernas O medo já amolecia as unhas ROSA 2001 p 170 o medo que acelera os batimentos cardíacos apresentase quando Riobaldo pergunta a Diadorim sobre a possível existência de uma irmã Hê de medo coração bate solto no peito ROSA 2001 p 198 Importa lembrar que não só os seres humanos sentem medo mas todos seres vivos pois ele está diretamente ligado ao instinto de sobrevivência ou seja para sobreviver é preciso ser sensível aos sinais de perigo Nesse sentido Delumeau diz que diferente do animal o homem tem consciência de sua finitude e da vulnerabilidade do seu corpo desta forma conhece o medo num grau duradouro visto que passa a vida toda a temer malefícios que podem levar à destruição do seu físico ou à morte Prova disso são os diversos medos e a tentativa de conservação por meio da luta ou fuga comportamentos destacados pelos estudiosos inclusive por YiFu Tuan Ao conceituar 47 o medo Tuan afirma que este é um sentimento complexo no qual se distinguem duas reações o sinal de alarme enfrentamento ou fuga e a ansiedade O sinal de alarme é detonado por um evento inesperado e impeditivo no meio ambiente e a resposta instintiva do animal é enfrentar ou fugir Por outro lado a ansiedade é uma sensação difusa de medo e pressupõe uma habilidade de antecipação A ansiedade é um pressentimento de perigo quando nada existe nas proximidades que justifique o medo A necessidade de agir é refreada pela ausência de qualquer ameaça TUAN 2005 p 10 Na visão de Tuan a ansiedade é uma reação precipitada do medo não existindo nada factual no momento sentido diferente do sinal de alarme o qual conduz a diferentes ações no momento do perigo ou ameaça Ao lutar o sujeito tem a oportunidade de enfrentar a situação podendo superar seu medo configurando num modo de defender a própria vida Em contrapartida na fuga não há o enfrentamento da situação mas leva à preservação sendo também um importante escudo para a sobrevivência humana Alexandre Yamazaki filósofo e psicanalista vê essa atitude da fuga como ativa pois segundo ele o indivíduo apropriase de todos os seus recursos para se libertar da circunstância de perigo no entanto alerta que essa tentativa de evasão pode impedir o indivíduo de superar seus pontos fracos Nessa perspectiva o medo pode causar diversas reações no sujeito ansiedade luta ou fuga mas também pode leválo à paralisia evitando o objeto temido de todas as formas possíveis Essa última ação está relacionada ao medo em excesso Delumeau afirma que o medo é ambíguo e sendo inerente à nossa natureza é uma defesa essencial uma garantia contra os perigos um reflexo indispensável que permite ao organismo escapar provisoriamente à morte DELUMEAU 2009 p 2324 No entanto o estudioso alerta pois se o mesmo ultrapassar seu limite suportável se torna patológico e cria bloqueios DELUMEAU 2009 p 2324 É o caso por exemplo dos pânicos e das fobias medos persistentes e intensos que não se baseiam em nenhum sentido racional de perigo impedindo muitas vezes que o portador participe de atividades em que possa enfrentálos Os tipos e a intensidade dos medos variam e sendo subjetivo conforme Tuan existe de maneira particular em cada ser já que é uma disposição natural para preservar a vida Portanto o medo é uma emoção intrínseca ao homem e por isso o acompanha 48 desde os primórdios da humanidade pois sempre houve a busca pela sobrevivência desde a criação de armas para defesa e caça até a criação de abrigos para proteção Ademais o indivíduo sempre temeu os seres do além os desastres naturais as guerras os poderes das autoridades assim como estas temeram e temem a rebelião do povo Delumeau no capítulo intitulado O medo é natural cita vários estudiosos que assinalam sobre esse sentimento inerente que acompanha todo e qualquer homem Não há homem acima do medo escreveu um militar e que possa gabar se de a ele escapar Pois o medo nasceu com o homem na mais obscura das eras Ele está em nós Acompanhanos por toda a nossa existência Marc Oraison conclui que o homem é por excelência o ser que tem medo No mesmo sentido Sartre escreve Todos os homens têm medo Todos Aquele que não tem medo não é normal isso nada tem a ver com a coragem DELUMEAU 2009 p 23 Verificamos essa característica inata do medo quando analisamos os vários receios dos povos medievais nos trabalhos de Jean Delumeau Georges Duby e Yifu Tuan através dos quais percebemos que os indivíduos dos séculos passados eram tão inquietos quanto nós mesmo as épocas sendo tão diferentes Tais estudiosos compartilham a visão de que o medo permeia a história da humanidade sempre conduzindo a crenças e criando condições para a preservação da própria espécie Além disso os medos registrados por eles foram sentidos pela sociedade ocidental com ênfase maior na Europa local que de acordo com Tuan influenciou na geração de convicções e atitudes da Idade Moderna Delumeau faz uma abordagem coletiva acerca do medo revelando os pesadelos mais íntimos do povo ocidental do século XIV a XVIII entre eles o medo do mar das trevas da peste da fome da bruxaria do Juízo Final do demônio entre outros Já no livro Ano 1000 ano 2000 na pista de nossos medos George Duby historiador francês especialista em Idade Média confronta os medos das pessoas em dois tempos anos mil e dois mil enfatizando o medo da miséria o medo do outro o medo das epidemias o medo da violência e o medo do além perspectiva que se assemelha a YiFu Tuan em Paisagens do medo no qual também é realizada uma comparação entre o passado e o presente revelando as várias faces do medo inclusive os receios da criança no processo de formação Iremos explorar alguns que no nosso ponto de vista perturbaram mais os homens e que demonstram a pluralidade de ações e reações ligadas a tal sentimento o 49 que contribuirá para nossa análise do romance já que o medo também é explorado por Guimarães Rosa de forma ampla como testemunha a tabela anexa a este trabalho Ao abordar o medo da miséria Duby discorre que os trabalhadores na Idade Média tinham ferramentas precárias e a produtividade era escassa Como se isso não bastasse eram explorados pelos homens de guerra e da igreja cedendo a fraca produção pelo medo do amanhã Delumeau acusa a opressão dos humildes pelos ricos acrescentando que a miséria eliminava a coragem dos pobres fazendo que cultivassem a terra mesmo com todas as dificuldades pelo medo de serem destruídos Nesse meio cercado pela pobreza o medo da miséria fazia com que houvesse solidariedade fortalecendo a convivência em grupos o que facilitava a busca pela sobrevivência A solidão era impensável Quem vivia sozinho segundo Duby era considerado louco ou criminoso com exceção dos eremitas que entravam sozinhos nas florestas para expiar seus pecados o que era considerado um ato de coragem por isso eram admirados Nesse contexto o medo da fome sacralizou o pão o medo da privação levou à união e maior do que a dor da privação era o medo da falta o medo da miséria Tuan afirma que quem tinha pouco temia não ter nada Em relação ao medo dos outros constatase o medo do desconhecido A estranheza e o perigo era isso que os terrificava O estrangeiro vindo de longe é o invasor absoluto causa mais medo que o vizinho que agride DUBY 1998 p 60 O estrangeiro não era o único a causar medo a desconfiança em relação ao outro existia também no mesmo território o que é compartilhando por Delumeau o qual diz que o distante a novidade e a alteridade provocavam medo Mas temiase do mesmo modo o próximo isto é o vizinho DELUMEAU 2009 p 82 De acordo com Duby o batismo era a única forma de perder o status de outro e pertencer ao grupo cristão pois os infiéis também eram os outros aqueles que a população teme para eles havia dois caminhos a conversão ou a morte Ademais o medo do outro era caracterizado em relação ao marginalizado o qual causava medo aos que viviam em comunidade fechada os mais ricos Esse medo dos outros está interligado ao medo das epidemias pois muitas doenças como a peste negra que matou um em cada três cidadãos eram vistas como oriundas dos estrangeiros o que potencializou a xenofobia porque se tinha a ideia de que o de longe era suspeito Delumeau compara a peste negra e o temor que ela causava 50 a uma praga do Egito a um cavaleiro do Apocalipse e a uma nuvem devoradora que chega do estrangeiro semeando a morte à sua passagem DELUMEAU 2009 p 161 A peste negra assim como outras epidemias fazia com que as pessoas fugissem das cidades com medo os que ficavam enfrentando o perigo evidente eram considerados corajosos de acordo com Delumeau Como a medicina da época desconhecia a origem de muitas doenças o povo atribuía às contaminações à noção de um castigo de Deus pelas perversões humanas e assim buscava na fé e nas orações a saída para purificar o mundo dos pecados Diante de um mal desconhecido o terror é imenso O único recurso é o sobrenatural DUBY 1998 p 80 Além disso o medo das epidemias fazia com que se excluíssem os doentes como é o caso do leproso visto como um pecador que desagradara a Deus e por isso deveria ser isolado o que afastaria também uma possível contaminação Já o medo da violência existia devido à insegurança que vinha principalmente dos cavaleiros dos bandos militares que por não terem um inimigo externo definido saqueavam populações inteiras Por volta do ano mil os camponeses viviam sob o temor dos saques da violência dos soldados jovens nobres chegando a ser considerados agentes do demônio DUBY 1998 p 100 O que limitava essa violência era o poder da Igreja com a pregação da trégua de Deus e a paz de Deus a qual discursava que nenhum cristão poderia matar outro cristão Somase às ações da igreja para conter a violência o rito da sagração dos reis o que os torna representantes de Deus na terra cabendo a eles manter a justiça e a paz protegendo a igreja e seu povo contra violência em seus domínios Por fim o medo do além que esteve presente no imaginário medieval e que foi talvez o mais impetuoso pois atormentava a maioria das pessoas daquela época visto que elas sentiamse ameaçadas por seus pecados portanto tinham medo de ser punidas Mais do que a morte nossos ancestrais temiam o Juízo Final a punição do além e os suplícios do inferno Um medo do invisível sempre presente DUBY 1998 p 123 Nesse período ninguém duvidava da existência de outro mundo e havia uma espera do fim dos tempos quando ocorreria a passagem para a eternidade e no Juízo Final seria decidido se a pessoa iria para o céu ou para o inferno O medo dos castigos do inferno era grande as imagens sacras lembravam a todo instante o tamanho do castigo aos pecadores No fim do século XII para acalmar esse medo aterrorizante do inferno a 51 Igreja inventou o purgatório o qual alimentava a esperança de escapar da condenação eterna pois era um local intermediário em que havia a possibilidade de redenção dos pecados constituindose como uma terceira possibilidade posicionandose entre o paraíso e o inferno O purgatório era portanto a esperança que andava junto com o medo Consoante Delumeau os homens da Igreja além de enumerarem os males dos quais Satã era capaz apontavam seus agentes turcos judeus heréticos e mulheres principalmente as feiticeiras Alertavam ainda para que os cristãos tomassem cuidado porque todo homem poderia se tornar agente do demônio daí a necessidade de certo medo de si mesmo fato que levou muitos à neurose DELUMEAU 2009 p 44 Vê se dessa forma a inserção do medo na vida das pessoas através da teologia medo que é chamado por Delumeau de refletido Ainda sobre o medo do além é relatado que as pessoas tinham medo dos mortos os quais viravam fantasmas em ritos de passagem como os fetos os bebês abortados as crianças não batizadas as mulheres no parto entre outros Esses fantasmas assim como outros elementos temíveis tinham a noite como cúmplices por isso o medo da noite Verificase que muitos medos da população do ano mil tais como o medo da miséria da fome da privação do outro do desconhecido do marginalizado das epidemias da morte da violência do além do invisível da noite entre tantos atravessaram o tempo e juntamente com ele novos receios apareceram Em contrapartida outros medos ficaram delegados à era medieval pois com o passar dos séculos e as mudanças sofridas no mundo o homem também ia se transformando adquirindo sabedoria e lutando por ideais o que influenciou suas emoções e os medos sentidos Nesse viés Tuan constata que a natureza do medo vai mudando à medida que a criança cresce tal como acontece com a sociedade que com o transcorrer do tempo tornase mais complexa e sofisticada As paisagens do medo não são situações permanentes na mente ligadas a segmentos da realidade tangível TUAN 2005 p 1415 Em Grande sertão veredas alguns desses medos enumerados como o medo dos outros o medo da violência o medo do além juntamente com vários outros medos sentidos pelos personagens principalmente por Riobaldo dispõemse ao longo da 52 narrativa sendo possível verificar suas mudanças na medida em que ocorrem transformações nos percursos dos indivíduos ou seja muitos medos que existiam inicialmente foram superados através do enfrentamento a fim de obter a libertação isto é houve coragem para enfrentar as situações ou indivíduos que disseminavam o medo Nesse sentido o enfrentamento se assemelha à coragem o que nos leva à tentativa de compreendêla antes de nos adentrarmos de fato na análise do medo e da coragem no Grande Sertão 22 A coragem Conforme examinamos os elementos que se opõem em Grande sertão veredas e no mundo diferente da visão maniqueísta têm uma relação de dependência pois um necessita do outro para ser havendo portanto uma união a qual conduz à ambiguidade fazendo com que Riobaldo queira demarcar os pastos Nessa tentativa o narrador protagonista se frustra visto que chega à conclusão de que está tudo muito misturado ou como lê Walnice Nogueira Galvão uma coisa está dentro da outra É o que acontece com o medo e a coragem Devido às ações distintas ocasionadas pelo medo a fuga e a luta vimos que Delumeau o caracteriza como um sentimento ambíguo e de fato o é pois apesar de ambas as ações levarem à preservação da vida a primeira faz com que o indivíduo se afaste não confrontando o objeto temido já a segunda leva ao enfrentamento possibilitando que os receios sejam superados o que chamamos de coragem palavra que tem sua origem no latim coraticum Esse termo latino é composto por cor que significa coração e pelo sufixo aticum o qual indica uma ação referente ao radical anterior cor Através da perspectiva etimológica concluise que a coragem tem o significado relacionado a uma ação do coração O que também pode ser justificado pela crença pois muitos acreditam que a coragem é uma atitude vinda do coração Sendo uma atitude a coragem surge quando se decide enfrentar o que é temido não podendo ser vista como ausência de medo uma vez que ela também é uma energia moral perante situações aflitivas ou difíceis Não há possibilidade de paralização ou 53 fuga quando se tem coragem pois ela é uma força que combate o temor sendo vista por Aristóteles em Ética a Nicômaco como a primeira das virtudes humanas posto que ela garante todas as outras De acordo com o filósofo é por enfrentarem o que é penoso que os homens são chamados corajosos Portanto a coragem também envolve sofrimento e é justamente louvada por isso pois mais difícil é enfrentar o que é penoso do que abster se do que é agradável ARISTÓTELES 2006 p 75 Ademais Aristóteles define a coragem como o meiotermo em relação aos sentimentos de medo e confiança Segundo ele a coragem é o equilíbrio pois se exceder a confiança o indivíduo se torna ousado temerário imprudente no entanto se exceder o medo será um covarde ou seja aquele que tem medo de tudo sem necessidade pois não há ameaça à vida O homem excessivamente temeroso é um covarde porque teme tanto o que deve como o que não deve e todas as situações do mesmo gênero lhe são aplicáveis Faltalhe também confiança mas distinguemse sobretudo pelo excesso de medo em situações difíceis O covarde é por isso um homem sem esperança pois teme todas as coisas O corajoso em contraste tem a disposição contrária pois a confiança é a marca característica de disposição esperançosa ARISTÓTELES 2006 p 71 A partir desse entendimento posto por Aristóteles compreendese que a covardia o medo a ousadia e a coragem se relacionam geralmente com os mesmos objetos no entanto revelam disposições distintas em face deles Diferente da covardia o medo é muitas vezes necessário e possui fundamentos recear uma doença ou a morte por exemplo é uma atitude correta na visão de Aristóteles existindo intrinsecamente em todo ser até mesmo nas pessoas consideradas corajosas Mas afinal o que é ser uma pessoa corajosa Aristóteles define como corajosa aquela pessoa que só enfrenta o perigo quando é necessário não o procura entretanto é capaz de enfrentálo quando preciso O homem que enfrenta e que teme as coisas que deve e pelo motivo certo da maneira e na ocasião devidas e que é confiante nas condições devidas é verdadeiramente corajoso pois o homem corajoso sente e age conforme os méritos das circunstâncias e do modo que a regra prescreve e o fim de toda 54 atividade é a conformidade com a correspondente disposição de caráter o homem corajoso age e resiste conforme lhe apontam a coragem ARISTÓTELES 2006 p 70 A confiança também é tratada por Yifu Tuan como um sinal de coragem pois segundo ele as crianças se desvencilham de seus medos à medida que crescem e vão adquirindo confiança ao terem contato com o mundo que as cerca Além disso ele atribui o medo dos povos primitivos em relação à natureza à falta de confiança ao lidar com ela Sendo assim ter coragem é manterse confiante ao mesmo tempo prudente nos momentos de temor ou que envolve perigos fazendo com que o indivíduo salvese deles No livro IV de A República Platão aborda a constituição da cidade pelas virtudes e através da figura de Sócrates elabora o conceito de que a coragem é uma espécie de salvação PLATÃO 2006 p 123 sendo salvação entendida como a perseverança de algo em meio às adversidades Nesse viés defende que a coragem de uma cidade seria relacionada à capacidade de manter suas leis e sua educação frente a situações inadequadas desfavoráveis e que são muitas vezes temíveis A visão da coragem de Platão se assemelha a de Aristóteles uma vez que ao discorrerem sobre as virtudes entendem que a coragem está relacionada ao estado de ânimo sendo o homem incapaz de ser abalado pelo prazer ou pela dor temendo ou desprezando os perigos conforme aconselha a razão Nesse sentido a coragem não é uma atitude inconsequente mas sábia é quando o homem se mostra confiante nas condições devidas é a capacidade de enfrentar os perigos ou as ameaças que causam medo com sabedoria Sendo assim é oportuno chamar a atenção para o fato de que apesar serem sinônimas há uma diferença tênue entre valentia e coragem Ambas implicam ter ânimo e confiança perante as situações difíceis e de perigo porém a primeira por vezes pode se aproximar à audácia isto é ao enfrentamento das situações com confiança em excesso com atrevimento não possuindo prudência necessária A coragem não pode ser confundida com a audácia ela é uma virtude ação advinda do coração da escolha pessoal e prudente não é atitude dos impulsivos Destacase o fato de que ser corajoso não é a mesma coisa que não ter medo mais que isso é ter medo mas ao mesmo tempo ter energia e confiança para enfrentálo Se não houver o enfrentamento teremos só o medo que leva à evasão ou à paralisia 55 Em suma o medo é uma energia vital para os seres vivos sendo assim não existe ninguém sem medo ele é inerente consoante já afirmara Delumeau Por outro lado concluise que a coragem é uma energia condicional que pode ser obtida através do pulsar do perigo isto é a coragem é uma das opções que temos frente a certas situações pois existe a alternativa do repouso paralisia e da fuga dos pontos fracos os quais muitas vezes são mais cômodos ao corpo e à mente humana Ao optar pelo combate temse a possibilidade de superar o medo inicial conduzindo assim à evolução íntima do indivíduo Importante salientar que evolução não é exclusão é mudança e como vimos ela acompanha todo e qualquer homem Quem dita as regras da mudança são os opostos que convivem visto que dependendo da situação vivida um lado prevalece mas não exclui o outro são reversíveis 23 O medo e a coragem no Grande Sertão O medo e a coragem são sentimentos ambivalentes e aparecem em Grande sertão veredas com frequência contribuindo para o desenrolar e o fiar da trama uma vez que tais emoções direcionam os sujeitos a determinadas ações tendo em vista certos acontecimentos Essa característica do medo e da coragem faz com que até mesmo Riobaldo queira decifrar e entender qual a influência desses sentimentos em sua vida Eu queria decifrar as coisas que são importantes E estou contando não é uma vida de sertanejo seja se for jagunço mas a matéria vertente Queria entender do medo e da coragem e da gã que empurra a gente para fazer tantos atos dar corpo ao suceder ROSA 2001 p 116 Segundo Márcia Marques de Morais em Travessia dos Fantasmas literatura e psicanálise em Grande Sertão Veredas Riobaldo não está em busca do tempo perdido Riobaldo recorda para viver decifrar enigmas MORAIS 2001 p 14 Consideramos que o medo e a coragem sentimentos distintos que coexistem são também enigmas parte da chamada matéria vertente e são considerados pelo próprio narrador constituintes do conjunto das coisas importantes 56 Riobaldo vê o medo como um sentido sorrateiro fino que toma diferentes direções ROSA 2001 p 469 conceituao também como algo inquietante que vem do interior do indivíduo devido a vários estímulos ou causas que o sacoleja isto é que o desperta Acrescenta ainda o fato de que a vida tem a finalidade de destruir esses medos ou seja de superar os desassossegos impostos pelo viver e conforme vimos quando se escolhe enfrentálos e não fugir opta por ter coragem O que o medo é um produzido dentro da gente um depositado e que às horas se mexe sacoleja a gente pensa que é por causas por isto ou por aquilo coisas que só estão é fornecendo espelho A vida é para esse sarro de medo se destruir jagunço sabe Outros contam de outra maneira ROSA 2001 p 382383 Nessa definição Riobaldo menciona os apontamentos que fazemos para as causas do medo no entanto ele afirma que são coisas que só estão fornecendo espelho ou seja o medo sentimento produzido dentro da gente ao se ver refletido nas coisas que nos ameaçam de forma real ou imaginária os espelhos se mexe sacoleja causando angústia ou sinal de alerta fuga ou enfrentamento Apesar de ser entendido como um produzido no interior do indivíduo o medo também é tratado no romance como um sentimento contagioso entre as pessoas se não houver firmeza e confiança para combatêlo por parte de quem está próximo da pessoa possuída por ele Alguém estiver com medo por exemplo próximo o medo dele quer logo passar para o senhor mas se o senhor firme aguentar de não temer de jeito nenhum a coragem sua redobra e tresdobra que até espanta ROSA 2001 p 416 Esse contágio também é atribuído à coragem pois em um dos acontecimentos que precede a guerra contra Hermógenes Diadorim diz a Riobaldo Ei retentêia Coragem faz coragem ROSA 2001 p 391 Mais que o poder do contágio o medo ocasiona diversas reações entre elas a loucura e a fuga Riobaldo conta aos companheirosjagunços em meio à guerra a estória de um rapaz nos Aiáis que enlouqueceu devagar pelo medo que tinha de dormir Segundo ele o rapaz não queria adormecer por um súbito medo que nele deu de que de alguma noite pudesse não saber mais como se acordar outra vez e no inteiro de seu sono restasse preso ROSA 2001 p 441 Em relação à fuga há vários relatos como 57 o do medo provocado pelos jagunços fazendo com que todos fugissem e se escondessem inclusive os animais Uns homens em cavalos e armas Quem visse fuga fugia corria tinham de temer vigiando com seus olhos escondidos no mato em beiras de estrada Até os bichos do cerradão que escutam o começo de tudo de seu longe e de seu perto e logo sabem esperar ocultos no rareamento assim não se viam nenhuns não se achavam os pássaros sempre já tinham revoado Ah não eu bem que tinha nascido para jagunço ROSA 2001 p 465 Esse medo dos jagunços pode ser associado ao medo dos cavaleiros que existia nos anos mil os quais saqueavam e violentavam as comunidades desprotegidas O povo sertanejo habitante de um lugar pouco civilizado assim como os camponeses da antiguidade também temia a violência dos jagunços que se caracterizavam por andar sempre em bandos e ter leis próprias manifestadas através de guerras de armas e de força brutal Em uma das definições de sertão no romance essa supremacia da brutalidade fica evidente O senhor sabe sertão é onde manda quem é forte com as astúcias Deus mesmo quando vier que venha armado E bala é um pedacinhozinho de metal ROSA 2001 p 35 Na Europa antiga e no sertão embora sejam tempos e lugares distintos o medo é o mesmo o da violência Além dos sinônimos receio pavor terror e horror a palavra medo aparece 192 vezes no romance conforme exposto no anexo I deste trabalho podendo ser verificada uma variedade de sentidos em que apresenta pois de acordo com Riobaldo tem diversas invenções de medo ROSA 2001 p 168 medo de gente medo de ser manso medo de mãecobra medo de castigo de Deus medo de morrer medo dos outros medo de doença medo de si mesmo medo de onça medo de errar medo de quem gosta medo de guerra medo da confusão das coisas medo de dormir medo de tremor medo de uivado de cachorro medo de cego entre outros O narrador personagem sintetiza dizendo que O sertão tem medo de tudo ROSA 2001 p 329 No romance a palavra sertão é plurissignificativa uma vez que são atribuídas a ela várias definições Em seu trabalho de conclusão de curso Sertão lugar sertão homem sertão linguagem ser tão sertão tudo é e não é do regional ao universal ao abordar essa temática Rayanne Cardoso divide as definições de sertão em quatro 58 categorias geográfica sociológica metafórica metafísica Nesse estudo Cardoso reconhece que o sertão não é só esse lugar de muito mato ou deserto de seres com poucas casas lugar distante O sertão é imagem passível de transposição de seus significados para muitas outros da vida pois o sertão como mostra Riobaldo é imenso não é facilmente achado mas sempre nos acena Ele não é apenas um lugar não é apenas ser ou seja ele é sertão é viver intensamente é a vida no seu mais alto grau de significância O sertão não é facilmente definível uma vez que é estratificado múltiplo o que confirma a ideia de Guimarães Rosa de que tudo é e não é CARDOSO 2012 p 32 Ao dizer que o sertão tem medo de tudoROSA 2001 p 329 Riobaldo metaforiza o sertão não se referindo ao lugar físico mas às pessoas o que é possível verificar quando ele afirma que o sertão está dentro da genteROSA 2001 p 325 Esse sertão personificado está dentro de nós nosso interior lugar onde o medo abriga de acordo com o conceito de Riobaldo O que o medo é um produzido dentro da gente um depositado ROSA 2001 p 382383 Ademais o medo se torna ainda mais multifacetado na medida em que ganha adjetivos e muitas vezes vai sendo personificado temse medo propositado medo pavor medo medonho medo mau medo mistério medo maior medo imediato medo natural medo meditado medo pessoal medo mor medo mostrado medo real medo fatal medo claro Riobaldo diz que a cada hora de cada dia a gente aprende uma qualidade nova de medo ROSA 2001 p 103 Aprender é ter conhecimento sobre algo e só nomeamos aquilo que conhecemos O desconhecido não pode ser nominado Conforme vimos o medo é uma emoção que pode mudar com o tempo pois a todo instante se tem novas experiências e com elas novas ansiedades e medos Nesse sentido esses vários adjetivos atribuídos aos distintos medos se deve ao conhecimento e ao aprendizado que Riobaldo teve em suas vivências O medo maior por exemplo só foi assim qualificado devido à experiência na travessia do rio maior o São Francisco o medo meditado em decorrência do medo de errar e depois de muito pensar sobre essa possibilidade já o medo pavor é o medo das forças de Deus que segundo Riobaldo ninguém vê pois Ele faz é na lei do mansinho ROSA 2001 p 39 59 Por outro lado a coragem também é tida como um sentimento variável mas não por ter diversos adjetivos como o medo mas pela sua inconstância no ser e por esse motivo é preciso buscála nos momentos de necessidade ou metaforicamente como Riobaldo sugere em uma passagem ambígua ser tomada aos goles Tomei coragem mais comum Abri a minha boca ROSA 2001 p 288 Na jagunçagem por exemplo a coragem é vista como um atributo fundamental fazendo com que os jagunços empenhemse para construir a fama de valente até mesmo serrando os dentes Assim um uso correntio apontar os dentes de diante a poder de gume de ferramenta por amor de remedar o aguçoso de dentes de peixe feroz do rio de São Francisco piranha redoleira a cabeçadeburro Nem o senhor não pense que para esse gasto tinham instrumentos próprios alguma liminha ou ferro lixador Não aí era à faca ROSA 2001 p 180 Ao afiar os dentes os jagunços têm a pretensão de se parecerem com as piranhas peixes conhecidos por serem agressivos e terem dentes cortantes No entanto diferente do que acreditam a coragem não está no físico isto é no exterior do indivíduo ela é exteriorizada através das ações e quando é estimulada para tais Ao ver essa façanha Riobaldo fica aflito pois segundo ele para se ser valente não carece de figurativosROSA 2001 p 181 isto é a coragem não se constrói com imagens representativas com aparências configuradas ou com apetrechos A valentia ou coragem já que aqui são utilizadas como sinônimas surge justamente a partir da ideia de medo por algo como o próprio Riobaldo afirma em diálogo com Alaripe E mas só o medo da guerra é que vira valentia ROSA 2001 p 479 Para ser valente carece de ânimo e confiança para enfrentar os perigos e as ameaças como a guerra os figurativos são superficiais não vêm de dentro e portanto não fazem um homem valente Ademais as expressões falta de coragem e não ter medo são muito mencionadas no romance não podendo ser vistas como sinônimo de medo e de coragem respectivamente Conforme vimos o que torna o homem corajoso não é o fato de ser destemido não ter medo de nada mas sim o fato de ter medo e ao mesmo tempo ter energia e confiança para combatêlo o que é demostrado em várias passagens do romance E uma coisa me esmoreceu a torto Medo não mas perdi a vontade de ter coragem ROSA 2001 p 215 Tive medo não Só que abaixaram meus excessos de 60 coragem só como um fogo se sopita Tive medo não Tive moleza melindre ROSA 2001 p 366 Tinha medo não Tinha era cansaço de esperança ROSA 2001 p 590 Medo não tive Só que a idéia boa passou muito fraca por mim entrada por saída ROSA 2001 p 279 Através dessas falas de Riobaldo percebese que o medo não é visto por ele como ausência da coragem assim como a coragem não é tida como a ausência do medo A coragem é um ato que depende da vontade e do ânimo do indivíduo face ao medo ensinamento que lhe foi dado por seu Compadre Quelemém e que lembrou ao contar o episódio no qual guiara amedrontado a tropa de jagunços liderada por Titão Passos para levar munição ao grande chefe Joca Ramiro Com o senhor me ouvindo eu deponho Conto Mas primeiro tenho de relatar um importante ensino que recebi do compadre meu Quelemém E o senhor depois verá que naquela minha noite eu estava adivinhando coisas grandes idéias Compadre meu Quelemém muitos anos depois me ensinou que todo desejo a gente realizar alcança se tiver ânimo para cumprir sete dias seguidos a energia e paciência forte de só fazer o que dá desgosto nojo gastura e cansaço e de rejeitar toda qualidade de prazer Diz ele eu creio Mas ensinou que maior e melhor ainda é no fim se rejeitar até mesmo aquele desejo principal que serviu para animar a gente na penitência de glória E dar tudo a Deus que de repente vem com novas coisas mais altas e paga e repaga os juros dele não obedecem medida nenhuma Isso é do compadre meu Quelemém Espécie de reza ROSA 2001 p 169 Nesse episódio Riobaldo estava orgulhoso e alegre por guiar os jagunços mas esses sentimentos deram lugar ao medo quando foi alertado da possibilidade de encontrar com a tropa de Zé Bebelo e de ser morto por ter fugido dela O medo da morte lhe causa ansiedade sentimento tratado por TiFu Tuan o qual diz que a ansiedade é uma reação precipitada do medo visto que não existe perigo no momento presente Medo Medo que maneia Medo que já principia com um grande cansaço Em minhas fontes cocei o aviso de que um suor meu se esfriava Medo do que pode haver sempre e ainda não há Eu estando com um vapor na cabeça o miôlo volteado Mudei meu coração de posto E a viagem em nossa noite seguia Purguei a passagem do medo grande vão eu atravessava ROSA 2001 p 168 Para se libertar desse sentimento que o angustiava e que tomava conta de si conforme o narradorpersonagem afirma O medo se largava de meus peitos de 61 minhas pernas O medo já amolecia minhas unhas ROSA 2001 p 170 Riobaldo tem uma ideia semelhante ao ensinamento do Compadre Quelemém pois quando o dia amanheceu decidiu não se agarrar aos vícios e prazeres da vida como o de pitar dormir ficar junto do Reinaldo beber Essa visão de Quelemém está em conformidade com a perspectiva de Platão e de Aristóteles os quais defendem que o homem corajoso não é abalado pelo prazer ou pela dor teme ou despreza os perigos conforme sua razão além de se mostrar confiante nas condições devidas Nesse sentido ao abrir mão do que lhe dava satisfação ou que podia lhe desviar os sentidos Riobaldo estava preparando seu estado de ânimo tendo a sabedoria de que se houvesse o perigo deveria estar disposto a enfrentálo De não pitar me vinham uns rangidos repentes feito eu tivesse ira de todo o mundo Agüentei Sobejante saí caminhando com firmes passos bis tris ia e voltava Me deu vontade de beber a da garrafa Rosnei que não Andei mais Nem não tinha sono nenhum desmenti fadiga Reproduzi de mim outro fôlego Deus governa grandeza Medo mais Nenhum algum Agora viesse corja de zebebelos ou tropa de meganhas e me achavam Me achavam ah bastantemente Eu aceitava qualquer vuvu de guerra e ia em cima enorme sangue ferro por ferro Até queria que viessem duma vez pelo definitivo ROSA 2001 p 170 A preparação de Riobaldo teve efeito pois o sentimento que o atormentava foi superado e desta forma encheuse de confiança para o possível combate Foi preciso atravessar as dificuldades se desligar dos prazeres caso contrário não haveria coragem Diadorim enciumado também usa esse argumento ao ver Riobaldo conversando com Otacília na Fazenda Santa Catarina fazendoo prometer que enquanto estivessem em bando não se relacionasse com nenhuma mulher Promete que temos de cumprir isso Riobaldo feito jurado nos SantosEvangelhos Severgonhice e airado avêjo servem só para tirar da gente o poder da coragem ROSA 2001 p 207 Antes de relatar que vencera o medo do possível encontro com os bebelos Riobaldo conta ao seu ouvinte uma crença popular que ilustra esse momento pelo qual passara a qual discorre sobre os homens medrosos que querem se tornar valentes e que para isso têm de comer um coração de onça cru O que há que se diz e se faz que qualquer um vira brabo corajoso se puder comer cru o coração de uma onçapintada É mas a onça a pessoa mesma é 62 quem carece de matar mas matar à mão curta a ponta de faca Pois então por aí se vê eu já vi um sujeito medroso que tem muito medo natural de onça mas que tanto quer se transformar em jagunço valentão e esse homem afia sua faca e vai em soroca capaz que mate a onça com muita inimizade o coração come se enche das coragens terríveis ROSA 2001 p 170 A alimentação faz parte da vida do ser humano sendo de suma importância para o funcionamento do corpo da mente e da cultura Por se associarem aos hábitos culturais e provocarem sentimentos como crença respeito e adoração os alimentos ganharam significados ao longo dos anos e desse modo passaram a configurar costumes rituais e cerimônias Lucien LévyBruhl em As funções mentais nas sociedades inferiores estuda a mentalidade de sociedades primitivas as quais segundo ele se preocupavam com as propriedades e forças místicas dos objetos e dos seres Nesse estudo LévyBruhl afirma que é antiga a ideia de que ao comer um alimento num certo sentido estaremos absorvendo sua essência incorporando suas características De acordo com o sociólogo no nordeste da Índia por exemplo a coruja é símbolo de sagacidade e comer os olhos de uma coruja dá o poder de ver claro na noite LÉVYBRUHL 2015 p 246 já na Nova Zelândia um bom orador era comparado a um Korimako o mais melodioso dos pássaros cantores do país e para ajudar um jovem chefe se tornar eloquente ele era alimentado com esse pássaro LÉVYBRUHL 2015 p 246 Por acreditar na incorporação das peculiaridades dos alimentos em especial de origem animal procuramos evitar determinados pratos e consumir outros Nas festividades do Ano Novo por exemplo alguns brasileiros acreditam que a carne de porco deve ser o prato principal da ceia De acordo com essa superstição como o porco fuça pra frente garantimos abundância o ano todo ao ingerilo Ademais a superstição diz para evitar comer as aves uma vez que ciscam para trás simbolizando o retrocesso Sobre esses alimentos que são evitados e consumidos devido à crença de apropriação LévyBruhl acrescenta Todos os Abipones têm abominação pela ideia de comer galinhas ovos carneiros peixes tartarugas Eles pensam que essa alimentação mole geraria indolência e langor em seus corpos e preguiça em suas almas E pelo contrário eles devoram com avidez a carne de tigre de touro de cervo do javali na crença de que se alimentando continuamente desses animais eles 63 aumentarão sua força sua ousadia e sua coragem LÉVYBRUHL 2015 p 246 Além dessa apropriação através da alimentação proveniente de animais há também a crença do apoderamento de predicativos com o consumo da carne humana LévyBruhl relata que comese o coração o fígado a gordura o cérebro dos inimigos mortos na guerra para se apropriar de sua coragem e sua inteligência como nossos tuberculosos comem a carne crua para se superalimentar LÉVYBRUHL 2015 p 246 Ao observar essas atividades e costumes de sociedades primitivas relativos à alimentação percebese que as sociedades modernas herdaram muitas dessas crenças estando ainda presentes no imaginário social inclusive no sertão cenário ficcionado por Guimarães Rosa no romance em estudo Uma dessas crenças diz que para se obter coragem é preciso comer o coração de uma onça felino robusto sagaz e corajoso Nesse itinerário rosiano o sujeito pode possuir a coragem de várias formas entre elas comendo o coração de um animal e ser tomada aos goles conforme mencionamos Em seu estudo intitulado Ter ou ser Erich Fromm faz uma análise dos modos de ter e ser existenciais e nesse processo discorre sobre uma das manifestações do ter a incorporação Fromm evidencia essa necessidade antiga de incorporar os elementos comendoos ou bebendoos obtendo assim a essência destes Vejamos Incorporar uma coisa como por exemplo comendoa ou bebendoa é uma forma arcaica de possuíla A certa altura do seu desenvolvimento uma criança tende a levar tudo o que quer à boca É a forma de a criança tomar posse quando o seu desenvolvimento físico não lhe permite ainda outras formas de controlar suas posses Encontramos a mesma interligação entre incorporação e posse em muitas formas de canibalismo Por exemplo ao comer outro ser humano adquiro os poderes daquela pessoa desse modo o canibalismo pode ser o equivalente mágico de adquirir escravos ao comer o coração de um homem corajoso adquiro sua coragem comendo um animal totêmico adquiro a substância divina que o animal totêmico simboliza FROMM 1987 p 44 No pequeno relato contado por Riobaldo é perceptível que a coragem está na vontade e no ato de matar a onça não está na ação de comer o coração cru essa ação por si só não mudaria o predicativo do sujeito Antes de comêlo o homem já é tido como corajoso uma vez que atacou a onçapintada à mão curta isto é venceu o medo 64 natural que se tem do felino o qual é conhecido por ser feroz podendo matar para defender a si e aos seus filhotes O ato de comer o referido órgão na crença popular seria a concretização da nova qualidade do sujeito A coragem é incorporada de forma simbólica nessa micronarrativa riobaldiana incorporação que é tratada por Erich Fromm chamando a atenção para o fato de que a crença faz com que o elemento incorporado exista de fato Evidentemente a maior parte dos objetos não pode ser incorporada fisicamente Mas há também incorporação simbólica e mágica Se acredito que incorporei a imagem de um deus de um pai ou de um animal ela não pode ser afastada nem eliminada Eu engulo o objeto simbolicamente e acredito em sua presença simbólica dentro de mim mesmo FROMM 1987 p 45 Assim o coração se configura numa simbologia da coragem nos remetendo à origem da palavra coraticum ação do coração Ao analisar as pistas da coragem no romance encontramos uma relação constante desses elementos a começar pelo conceito de coragem posto pelo narradorpersonagem coragem é o que o coração bate se não bate falso ROSA 2001 p 518 Outra estória que ilustra tal relação é a do jagunço Davidão o qual fazia parte do bando de Antônio Dó e que possuía recursos financeiros De acordo com o contar de Riobaldo certo dia esse jagunço se apegou ao medo de morrer pagando Faustino homem pobre dez contos de réis para que conforme a lei de caborje se a morte chegasse primeiro a ele em um combate Faustino morreria em seu lugar O acordo foi aceito mas a morte não chegava para nenhum deles fato que se deve segundo Riobaldo ao poder do feitiço firmado A estória acabaria aqui no entanto ao contála para um rapaz da cidade grande o ouvinte considerou que essa narrativa precisava de um final sustante caprichado ROSA 2001 p 201 e assim criou um novo desfecho O final que ele daí imaginou foi um que um dia o Faustino pegava também a ter medo queria revogar o ajuste Devolvia o dinheiro Mas o Davidão não aceitava não queria por forma nenhuma Do discutir ferveram nisso ferravam numa luta corporal A fino o Faustino se provia na faca investia os dois rolavam no chão embolados Mas no confuso por sua própria mão dele a faca cravava no coração do Faustino que falecia Apreciei demais essa continuação inventada A quanta coisa limpa verdadeira uma pessoa de alta instrução não concebe No real da vida as 65 coisas acabam com menos formato nem acabam Melhor assim Pelejar por exato dá erro contra a gente Não se queira Viver é muito perigoso ROSA 2001 p 101 O final inventado agradou a Riobaldo por termais elaboração e pelo fato de não se saber o que aconteceu com Davidão e Faustino na realidade Nesse novo desfecho ambos os personagens são atravessados pelo medo de morrer um paga o outro para morrer em seu lugar o outro recebe mas logo depois desiste O impasse acarretou uma luta que à primeira vista tem o propósito de continuardesfazer o acordado no entanto analisemos se o trato continuasse Faustino morreria por outro lado se o trato fosse desfeito Davidão morreria Por essa lógica a luta foi travada para escapar da morte e ao lutarem tiveram coragem pois qualquer um podia morrer ou seja enfrentaram o perigo da morte no combate mas no fim conforme o contrato firmado Faustino morreu com uma facada Ademais chamamos a atenção para o local onde a faca foi cravada no coração órgão que se acelera quando há medo e do qual surge a coragem para o enfrentamento sentimentos que ambos os personagens tiveram Um dos sintomas físicos do medo é o batimento acelerado do coração Partindo do princípio aqui defendido de que a coragem depende do medo para ser ela também está veiculada a tal órgão pois é a partir do medo sentido que se toma coragem Retomemos um trecho do episódio tratado acima em que Riobaldo sente medo ao guiar a tropa Mudei meu coração de posto Purguei a passagem do medo grande vão eu atravessava ROSA 2001 p 168 Nessa passagem constatase que Riobaldo relaciona tais sentimentos ao coração que era ao mesmo tempo ocupado pelo medo não mais pela coragem havendo mudança de posto o que configura a reversibilidade de tais emoções Ainda nesse episódio vimos que Riobaldo renunciou a tudo que lhe causava prazer para se libertar do medo isto é fechou seu coração para todos os vícios menos para a companhia de Reinaldo pois quando ele se aproximou reconheceu Eu não podia tão depressa fechar meu coração a ele Sabia disso Senti ROSA 2001 p 171 O abandono dos demais prazeres cigarro sono bebida foi o suficiente para o desprendimento do medo não sendo preciso o afastamento do amigojagunço Além disso ReinaldoDiadorim é uma figura tida como corajosa que não nasceu para ter medo e sobretudo sempre incentivou Riobaldo em meio aos perigos do viver que 66 carece de ter coragem De fato Diadorim foi responsável por muitos de seus sentimentos entre eles o amor o medo e a coragem todos sempre relacionados ao coração Aqui digo que se teme por amor mas que por amor também é que a coragem se faz ROSA 2001 p 472 No romance Diadorim é constantemente comparadoa à palmeira buriti quando eleela morre Riobaldo diz que são meusburitizais levados de verdes Buriti do ouro da flor ROSA 2001 p 614 e após sua morte e diante da tristeza que sentia Riobaldo lamenta Namorei uma palmeira na quadra do entardecer ROSA 2001 p 617 A comparação entre esses dois elementos se deve às características similares o buriti além de verde como os olhos de Diadorim pode ser um símbolo fálico se pensarmos na semelhança da palmeira com o órgão sexual masculino Essa palmeira refletida na água nos faz pensar nos personagens Riobaldo e Diadorim inicialmente do mesmo sexo pois a palmeira refletida na água é símbolo do igual porém invertido uma imagem que engana e enganou Riobaldo pois em toda sua trajetória achou que fosse um amor entre homens e isso o perturbou Além dessas possíveis associações do buriti com Diadorim podemos relacionar o buriti ao saber sendo um conselheiro de Riobaldo assim como Diadorim o qual sempre o aconselhou que carece de ter coragem Pergunto coisas ao buriti e o que ele responde é coragem minha Buriti quer todo azul e não se aparta de sua água carece de espelho Mestre não é quem sempre ensina mas quem de repente aprende ROSA 2001 p 325 326 Temos nessa passagem em que Riobaldo está saindo da Bahia e voltando para Minas o personagem perguntando coisas ao buriti como se procurasse respostas para suas questões e ouve coragem minha como se o aconselhasse a ter coragem Logo após essa passagem ele recomenda ao seu interlocutor O senhor escute o buritizal E meu coração vem comigo ROSA 2001 p 329 Vejamos que mais uma vez o narradorpersonagem associa a coragem ao coração já que a resposta dos buritis é relacionada ao sentimento da coragem Em meio a tantos medos os conselheiros de Riobaldo Diadorim e os buritis reclamam por sua coragem que lhe era variável Mas ele sabe que a valentia surge 67 dos receios e que mestre também é aquele que aprende e ele estava disposto a aprender pois as mudanças ocorridas em sua vida foram oriundas dos diversos saberes e experiências adquiridos Esse processo do aprendizado e a contribuição do medo e da coragem em sua travessia é o que iremos tentar compreender no próximo capítulo já que esses induzem os seres para cometerem vários atos dando corpo ao suceder 68 CAPÍTULO 3 Carece de ter coragem o conhecimento e o enfrentamento do medo em Grande sertão veredas Digo o real não está na saída nem na chegada ele se dispõe para a gente é no meio da travessia Guimarães Rosa 69 Riobaldo assim como o rio elemento natural que compõe seu nome caracteriza se pela ideia do constante devir renovandose incessantemente num movimento em que as novas experiências agregam novos predicativos não excluindo os já existentes É um movimento aditivo tudo é e não é ROSA 2001 p 27 Essa mudança corrente é assinalada por nomes e apelidos recebidos Riobaldo Professor jagunço Tatarana UrutuBranco afinal Que é que é um nome Nome não se dá nome recebe ROSA 2001 p 172 De acordo com Ana Maria Machado os nomes mudam A cada novo feito ou mudança de feitio MACHADO 2003 p 53 Dessa forma para se receber um nome é preciso haver uma modificação uma travessia o que também chamaremos de rito de passagem Em sua dissertação Ritos de Passagem a infância como alegoria do sertão em Campo Geral de João Guimarães Rosa Telly Will Almeida discorre sobre os ritos que segundo ele são um conjunto de atos e práticas realizadas em ocasiões determinadas natural ou culturalmente ALMEIDA 2011 p 6667 Para ele etapas naturais ou biológicas como nascimento infância puberdade maturidade velhice e morte marcam a passagem de um estágio da existência humana a outro Além de mudanças biológicas existem outras de natureza cultural ou simbólica As etapas como o nascimento e a morte são mais claramente definidas porque acompanhadas de atos especiais como cerimônias e outros rituais menos elaborados Cf JUNQUEIRA 1985 p 176 No intervalo entre eles há sucessivos ritos de passagem muitas vezes de difícil demarcação ALMEIDA 2011 p 67 Consoante destaca Almeida o ser está em permanente transformação devido a sua natureza biológica condição cultural ou simbólica enquanto sujeito inserido num meio social Nas palavras de Arnold Van Gennep é o próprio fato de viver que exige as passagens sucessivas de uma sociedade especial a outra e de uma situação social a outra de tal modo que a vida individual consiste em uma sucessão de etapas GENNEP 2001 p 24 Ou seja as mudanças estão dispostas em um movimento espiral tendendo ao infinito No entanto tais quais os rituais e cerimônias planejados como batismo casamento morte Almeida notabiliza que há outros ritos de passagem de difícil demarcação os quais também possibilitam ao indivíduo transpor etapas modificarse 70 Tais ritos mesmo garantindo a passagem do indivíduo de um estágio a outro muitas vezes não recebem nomenclatura específica mas como lembra Riobaldo ao se referir à travessia no Rio São Francisco para muita coisa importante falta nome ROSA 2001 p 125 A trajetória de Riobaldo é marcada por diversos ritos de passagem entre os quais se destacam o primeiro encontro com Diadorim a morte de sua mãe a mudança para a casa do seu paipadrinho Selorico Mendes a ida para Curralinho a fim de receber instrução formal do Mestre Lucas o pacto com o demo a travessia do Liso do Sussuarão a morte de Diadorim o abandono da jagunçagem De alguma forma todos esses ritos contribuem dinamicamente para fiar a trama e para delinear a personalidade do narradorpersonagem que ganha características moventes e reversíveis Apesar de o medo e a coragem serem enigmas constantes em diversos episódios de Grande sertão veredas e de se apresentarem em vários ritos interessanos analisar o itinerário do narradorpersonagem a partir de duas passagens o primeiro encontro de Riobaldo com Diadorim ainda meninos na travessia do Rio deJaneiro e o possível pacto com o diabo Escolhemos tais passagens por serem significativas e fecundas para o romance o primeiro encontro simboliza o conhecimento do medo e da coragem representados respectivamente por Riobaldo e por Diadorim já o pacto simboliza o enfrentamento do medo isto é a busca pela coragem de que tanto carecia o narrador personagem 31 O medo na primeira travessia Partindo do princípio discutido no capítulo anterior de que o medo é um sentimento inquietante perante a noção de perigo real ou imaginário e a coragem uma energia moral ante situações ameaçadoras ou difíceis depreendemos que são elementos constituintes da vida do homemhumano ou seja compõem o que Riobaldo chama de matéria vertente Ana Maria Gonçalves Lysandro de Albernaz em sua tese Vertência do Viver no Grande Sertão Veredas discute a expressão matéria vertente a qual segundo ela 71 é presença existência experiência na dinâmica de fazerse presença existência experiência que a poesia narrativa pode apenas ir ao encalço sem nunca completamente alcançar porque no fazerse a si própria também a arte verte compondo matéria ALBERNAZ 2009 p 11 A autora ainda acrescenta que matéria vertente é isto homemmundo homem jorrado no mundo ALBERNAZ 2009 p 56 ou seja são as vivências do homem no mundo Por esse motivo e por outros vistos anteriormente é que Grande sertão veredas não é uma narrativa somente regional mas universal como o próprio Riobaldo diz O sertão está em toda parte ROSA 2001 p 24 Ademais numa passagem que antecede o primeiro encontro de Riobaldo e Diadorim o narradorjagunço confirma não estar contando uma vida de sertanejo mas sim a matéria vertente Eu queria decifrar as coisas que são importantes E estou contando não é uma vida de sertanejo seja se for jagunço mas a matéria vertente Queria entender do medo e da coragem e da gã que empurra a gente para fazer tantos atos dar corpo ao suceder O que induz a gente para más ações estranhas é que a gente está pertinho do que é nosso por direito e não sabe não sabe não sabe Antes conto as coisas que formaram passado para mim com mais pertença Vou lhe falar Lhe falo do sertão Do que não sei Um grande sertão Ninguém ainda não sabe Só umas raríssimas pessoas e só essas poucas veredas veredazinhas ROSA 2001 p 116 O medo e a coragem conduzem o homem Essa gã da qual fala Riobaldo não depende de uma decisão do ser ela impulsiona empurra para fazer tantos atos Com esse anúncio que antecede o início da história vemos que Riobaldo contará um passado que lhe pertence uma pequena veredazinha uma experiência que compõe o caminho da vida do personagem ou seja é parte de sua matéria vertente Importante salientar que esse início da história o que chamamos de primeiro encontro não acontece no início da narrativa mas no decorrer dela como uma espécie de flash back nos revelando o precedente do que já estava sendo narrado assim anuncia o narrador personagem ao começar o relato Foi um fato que se deu um dia se abriu O primeiro ROSA 2001 p 116 Riobaldo nos conta como conheceu Diadorim no porto do RiodeJaneiro tinha cerca de quatorze anos e recém curado de uma doença estava esmolando a fim de 72 cumprir a promessa feita pela mãe pagar uma missa e encher uma cabaça de dinheiro para ser jogada no São Francisco com o objetivo de correr rio abaixo até chegar no Santuário do Santo Senhor do BomJesus da Lapa Tal porto o deJaneiro é descrito como um lugar parado e que segundo Riobaldo era raro que alguém vinha ROSA 2001 p 117 Porém no terceiro ou quarto dia esmolando apareceram mais pessoas e com elas um menino que chama sua atenção Aí pois de repente vi um menino encostado numa árvore pitando cigarro Menino mocinho pouco menos do que eu ou devia de regular minha idade Ali estava com um chapéudecouro de sujigola baixada e se ria para mim Não se mexeu Antes fui eu que vim para perto dele Então ele foi me dizendo com voz muito natural que aquele comprador era o tio dele e que moravam num lugar chamado OsPorcos meiomundo diverso onde não tinha nascido Aquilo ia dizendo e era um menino bonito claro com a testa alta e os olhos aosgrandes verdes ROSA 2001 p 118 Riobaldo não só olha para o menino como também caminha em sua direção observando sua feição seus gestos e se atentando para as coisas que o mocinho conta de si do seu mundo Sua fala e sua aparência deixam Riobaldo admirado achandoo distinto e único dessemelhante ROSA 2001 p 120 e de fato era pois desde menino Reinaldo possuía traços afeminados que o diferenciavam de todos os outros Vejamos como Riobaldo descreve suas primeiras impressões desse seu amigo desconhecido Mas eu olhava esse menino com um prazer de companhia como nunca por ninguém eu não tinha sentido Achava que ele era muito diferente gostei daquelas finas feições a voz mesma muito leve muito aprazível Porque ele falava sem mudança nem intenção sem sobejo de esforço fazia de conversar uma conversinha adulta e antiga Fui recebendo em mim um desejo de que ele não fosse mais embora mas ficasse sobre as horas e assim como estava sendo sem parolagem miúda sem brincadeira só meu companheiro amigo desconhecido Escondido enrolei minha sacola aí tanto mesmo em fé de promessa tive vergonha de estar esmolando Mas ele apreciava o trabalho dos homens chamando para eles meu olhar com um jeito de siso Senti modo meu de menino que ele também se simpatizava a já comigo ROSA 2001 p 119 Quando Riobaldo se refere ao menino de quem ainda não sabia o nome como amigo desconhecido nos reporta à ideia da palavra alemã unheimlich explorada 73 por Freud no ensaio Das Unheimlich 1919 traduzido para o português como O Estranho Nesse trabalho Freud faz uma análise etimológica da palavra assim como expressões equivalentes de outros idiomas como o latim o grego o inglês o francês e o espanhol Através dessa análise é demonstrado o paradoxo que a envolve já que em várias línguas ela coincide com seu termo oposto heimlich familiarconhecido Dessa forma Freud deduziu que atrás de algo que aparenta ser desconhecido estranho unheimlich se esconde algo familiar heimlich que foi anteriormente recalcado reprimido da consciência e depois voltou Embora não tenha um só vocábulo equivalente no português unheimlich seria como um estranhofamiliar Isto é o conceito freudiano se refere a algo pessoa situação ou experiência que não é puramente novo mas estranhamente familiar desencadeando variados sentimentos no indivíduo como angústia medo terror etc entretanto no caso de Riobaldo suscitou confiança No Minidicionário Aurélio o estranho é 1 Fora do comum desusado anormal 2 Que é de fora estrangeiro alheio 3 Singular extravagante 4 Misterioso 5 Que não é conhecido 7 Pessoa que não conhecemos FERREIRA 2010 p 320 grifos nossos A partir dessa definição podemos afirmar que Diadorim não era somente um desconhecido mas também estranho um amigo desconhecido um estranhofamiliar A familiaridade que fez com que Riobaldo o chamasse de amigo e confiasse nele talvez esteja relacionada a um elemento que foi constantemente observado nesse episódio os olhos aqueles esmerados esmartes olhos botados de verdes de folhudas pestanas luziam um efeito de calma que até me repassasse ROSA 2001 p 119120 Via os olhos dele produziam uma luz ROSA 2001 p 122 Interessante que os olhos são sempre associados à luz que produziam Freud no ensaio mencionado recorre a Schelling para conceituar Unheimlich tudo o que deveria ter permanecido secreto e oculto mas veio à luz8 A expressão à luz significa revelar trazer a tona divulgar Nesse viés o estranho tem o caráter de revelar algo secreto oculto assim como os olhos de Diadorim traziam calma revelando uma semelhança familiar o que não nos foi divulgado nesse primeiro encontro mas no segundo 8FREUD Sigmund O estranho In Obras Completas vol XVII Disponível em httpconexoesclinicascombrwpcontentuploads201501freudsigmundobrascompletasimagovol 1719171918pdf Acesso em 29 jan 2017 74 Já adultos após o segundo encontro sobre o qual voltaremos a fazer um aparte Riobaldo revela que o olhar de Diadorim lembrava o olhar de sua mãe a Bigri Os afetos Doçura do olhar dele me transformou para os olhos da velhice de minha mãe ROSA 2001 164 Os olhos que chamaram tanta atenção de Riobaldo lembravamlhe os olhos de sua mãe sendo eles portanto um elemento familiar presente no desconhecido Márcia Marques de Morais no artigo Do nomedamãe ao nomedopai figuração de identidades no Grande sertão faz uma leitura que associa essas personagens estando os olhos entre os elementos utilizados para esse fim O deslizamento do amor por Diadorim para o amor da Bigri representase na ordem discursiva através da metonímia dos olhos verdes do jagunço que em várias passagens do romance lembravam os olhos de velhice de minha mãe Rosa 1965 p 115 e através ainda da figuração de Diadorim como o buriti palmeira que se no canto de João Fulano em CaradeBronze é a mamãe verde do sertão Rosa 1996 p 83 nas palavras de Riobaldo depois de morto Diadorim é a palmeira namorada da quadra do entardecer Rosa 1965 p 455 Aí se vê pois outra simbiose outra contigüidade entre figuras outra metonímia não por acaso nas palavras de Lacan a expressão do desejo Diadorim e a Bigri se superpõem através do interpretante semiótico o verde dos olhos e da palmeira do buriti fazendo com que Cavalcanti Proença ao identificar Riobaldo com o Urucuia um rio baldo diga Acabouse o Urucuia que nasceu de um buriti amou um buriti e acabou no São Francisco Proença 1958 p 42 e que ainda imaginem em 1958 escreve Os olhos do menino eram verdes cor das palmas e quando Riobaldo os reencontra no moço cangaceiro antes de reconhecer o amor tormentoso faz a transferência reveladora a autora enfatiza Doçura do olhar dele me transformou para os olhos da velhice de minha mãe Proença 1958 p 56 MORAIS 2002 p 266 Além de se aproximarem devido aos olhos e aos buritis Diadorim e Bigri marcam a vida de Riobaldo que se divide em antes e depois de conhecer Diadorim conforme verificaremos ao logo deste subcapítulo Por outro lado sua mãe também teve importância especial pois foi ela quem segundo o personagem nutriu um amor constando com justiça que omenino precisava ROSA 2001 p 57 já que ele não teve a figura paterna presente e por isso sua mãe cumpriu um duplo papel Após sua morte o menino também teve a mãe como divisora uma pessoa que marcou sua vida e o obrigou a seguir outro caminho ir morar com seu padrinho Selorico Mendes 75 Minha mãe morreu apenas a Bigri era como ela se chamava Morreu num dezembro chovedor aí foi grande a minha tristeza Mas uma tristeza que todos sabiam uma tristeza do meu direito De desde até hoje em dia a lembrança de minha mãe às vezes me exporta Ela morreu como a minha vida mudou para uma segunda parte ROSA 2001 p 126127 Dessa forma clareia a semelhança entre Diadorim e Bigri acentuando o encontro como uma situação significativa que mexeu com Riobaldo o qual ficou encantado e fascinado pelo desconhecido deixandose conduzir por aceitar o convite para o passeio de canoa Por terem sido os olhos um elemento a reportar o familiar especificamente para a mãe não há como Riobaldo sentir medo do estranho mas um fascínio que se transformou imediatamente em confiança disposição importante para se ter coragem conforme vimos em Aristóteles Nessa passagem é perceptível que a afeição pelo menino aumenta pois Riobaldo diz sentir prazer em sua companhia o que não havia sentido por ninguém além disso ele sente desejo de que o menino não fosse mais embora Em todo episódio Diadorim é apresentado como alguém extremamente sereno confiante que não se deixa abalar pelos acontecimentos que transmite calma e mais do que isso é alguém que aparenta não ter medo o que provoca uma impressão profunda em Riobaldo um menino que apresenta vários medos de descer o barranco de a canoa virar de atravessar o rio São Francisco do mulato que aparece do outro lado do rio Sendo assim no passeio que marca o encontro o medo e a coragem são temáticas centrais ganhando relevo por se entrelaçarem respectivamente com o menino Riobaldo e com o menino mocinho Diadorim Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues em seu artigo Riobaldo o medo e a covardia diz que ali se destampou a aurora do amor e do medo RODRIGUES 2011 p 95 O porto do RiodeJaneiro era na beira de um barranco e para se aventurar no rio era preciso descêlo Riobaldo porém tinha medo De descer o barranco me dava receio ROSA 2001 p 118 Após o convite para o passeio o meninoDiadorim estende a mão para ajudar Riobaldo a descer o tal barranco e assim passando confiança para seu amigocompanheiro além de ajudálo a superar um obstáculo Já na embarcação sentados um de frente para o outro Riobaldo nota que a canoa se equilibrava mal balançando no estado do rio ROSA 2001 p 119 Esse desequilíbrio provoca receio em Riobaldo pois havia o perigo iminente de a canoa virar e ele não 76 sabia nadar o vacilo da canoa me dava um aumentante receio Olhei aqueles esmerados esmartes olhos botados de verdes de folhudas pestanas luziam um efeito de calma que até me repassasse Eu não sabia nadar ROSA 2001 p 119120 Nesse momento em que Riobaldo se encontra apavorado o menino passa calma e confiança para ele agora não com as mãos mas com os olhos Entretanto o medo tomava conta de Riobaldo na medida em que o rio aumentava sua proporção era o chamado medo maiorROSA 2001 p 120 o medo que teve quando chegou ao ponto em que o RiodeJaneiro desaguava no Rio São Francisco e em sua imensidão Medo maior que se tem é de vir canoando num ribeirãozinho e dar sem espera no corpo dum rio grande Até pelo mudar A feiura com que o São Francisco puxa se moendo todo barrento vermelho recebe para si o de Janeiro quase só um rego verde só Daqui vamos voltar eu pedi ansiado O menino não me olhou porque já tinha estado me olhando como estava Para quê ele simples perguntou em descanso de paz O canoeiro que remava em pé foi quem se riu decerto de mim ROSA 2001 p 120 Esse encontro do RiodeJaneiro com o São Francisco pode ser visto como metáfora do encontro dos meninos posto que assim como acontece com Riobaldo ao conhecer o menino mocinho conforme veremos no encontro dos rios o deJaneiro sofre mudança ao se unir ao rio maior pois o ribeirãozinho calmo e de águas claras no qual remavam deságua na água bruta e barrenta do São Francisco Assim deparamo nos mais uma vez com os opostos se unindo e se complementando a universal unidade de que tratamos anteriormente Mesmo Riobaldo querendo desistir do passeio o Menino se manteve tranquilo e confiante como se já soubesse lidar com os perigos que são dispostos no meio de uma travessia comportamento contrário ao de Riobaldo Ao continuarem na canoa o remador se curvou para quebrar um galho de maracujádomato e o Menino também se levantou até que a canoa se desequilibrou novamente fazendo com que Riobaldo gritasse Tem nada não ROSA 2001 p 121 disse o menino respondendo ao seu grito tentando tranquilizálo mas Riobaldo ainda amedrontado fez uma exigência Mas então vocês fiquem sentados ROSA 2001 p 121 77 Com toda imensidão do Rio e com todos os desequilíbrios no percurso o narradorpersonagem afirma Tive medo Sabe Tudo foi isso tive medo Medo e vergonha ROSA 2001 p 121 Mesmo com todo esse medo ele ainda tinha uma esperança se a canoa virasse ela iria boiar e assim eles poderiam se apoiar nela para que não afundassem Mas essa esperança se desfaz quando o canoeiro lhe informa que a canoa na qual eles se encontravam era feita de peroba e por ser feita com esse material ela se afundava por inteira o que faz Riobaldo se desesperar Me deu uma tontura O ódio que eu quis ah tantas canoas no porto boas canoas boiantes de faveira ou tamboril de imburana vinhático ou cedro e a gente tinha escolhido aquela Até fosse crime fabricar dessas de madeira burra A mentira fosse mas eu devo de ter arregalado doidos olhos Quieto composto confronte o menino me via Carece de ter coragem ele me disse Visse que vinham minhas lágrimas Dói de responder Eu não sei nadar O menino sorriu bonito Afiançou Eu também não sei Sereno sereno ROSA 2001 p 122 Apesar de estarem no mesmo transporte atravessando o imenso São Francisco além de ambos não saberem nadar o modo de encarar as situações impostas é distinto em Riobaldo o medo todo é constante tremia já Diadorim se mostra confiante sereno firme nas situações difíceis aparentando ser um menino corajoso Diante dessa oposição de comportamento o narradorpersonagem revela mesmo com a pouca idade que era a minha percebi que de me ver tremido todo assim o menino tirava aumento para a sua coragem ROSA 2001 p 123 ou seja o menino mocinho tirava do medo de Riobaldo a coragem que sentia Vejamos um diálogo no qual ele pergunta a Riobaldo como é ter medo Eu vi o rio Via os olhos dele produziam uma luz Que é que a gente sente quando se tem medo ele indagou mas não estava remoqueando não pude ter raiva Você nunca teve medo foi o que me veio de dizer Ele respondeu Costumo não e passado o tempo dum meu suspiro Meu pai disse que não se deve de Ter Ao que meio pasmei Ainda ele terminou Meu pai é o homem mais valente deste mundo ROSA 2001 p 122 Nesse diálogo temos incrustada a coragem do pai de Diadorim Meu pai é o homem mais valente deste mundo ROSA 2001 p 122 que ensina ao filho que não 78 se deve ter medo e de fato ele não demostra ter receio de nada Em outra passagem Riobaldo que ainda não conhecia Joca Ramiro pai de Diadorim pergunta a Titão Passos sobre a bondade dele Ao ver Riobaldo conversando Diadorim logo se aproxima reafirmando a valentia do jagunçochefe e respondendo à pergunta de seu amigo alertando que quem tem a valentia no coração não deixa de ser bom Você vai conhecer em breve Joca Ramiro Riobaldo o Reinaldo veio dizendo Vai ver que ele é o homem que existe mais valente Me olhou com aqueles olhos quando doces E perfez Não sabe que quem é mesmo inteirado valente no coração esse também não pode deixar de ser bom Isto ele falou Guardei Pensei Repensei Para mim o indicado dito não era sempre completa verdade Minha vida Não podia ser Mais eu pensando nisso uma hora outra hora Perguntei ao compadre meu Quelemém Do que o valor dessas palavras tem dentro ele me respondeu não pode haver verdade maior Compadre meu Quelemém está certo sempre Repenso E o senhor no fim vai ver que a verdade referida serve para aumentar meu pêjo de tribulação ROSA 2001 p 165166 Ao verificar a validação da resposta de Diadorim que mais uma vez relaciona a coragem verdadeira ao coração Riobaldo ouve do compadre Quelemém que não existe verdade maior o que comprova a correspondência realizada por Diadorim hipótese defendida no presente trabalho Quelemém considerado por Riobaldo referência de sabedoria é quem possui experiência e maturidade para ouvir explicar aconselhar reprovar fiscalizar instruir responder Riobaldo diz que Compadre meu Quelemém nunca fala vazio não subtrata ROSA 2001 p 39 Isto é Quelemém sempre tem algo relevante a dizer não oculta nem subtrai palavras ao tratar dos assuntos o que pode justificar o uso do neologismo subtrata por Riobaldo próximo do verbo subtrair que significa efetuar subtração esconder ocultar afastar Ao contrário da figura corajosa do pai de Diadorim o padrinhopai de Riobaldo era caracterizado como sendo possuidor do medo assim como seu afilhadofilho o que fica claro quando o narradorpersonagem afirma Meu padrinho Selorico Mendes era muito medroso Contava que em tempos tinha sido valente se gabava goga ROSA 2001 p 128 Riobaldo percebia que esse enaltecimento de seu padrinhopai era de uma falsa coragem pois de acordo com ele ao narrar com agrado as lutas dos jocaramiros as estratégias de combate as artes e as armadilhas Selorico Mendes tomava toda aquela valentia dos jagunços para si já que ele não a possuía 79 De ouvir meu padrinho contar aquilo se comprazendo sem singeleza começava a dar em mim um enjôo Parecia que ele queria se emprestar a si as façanhas dos jagunços e que Joca Ramiro estava ali junto de nós obedecendo mandados e que a total valentia pertencia a ele Selorico Mendes ROSA 2001 p 137 A coragem de Selorico Mendes não era verdadeira aquela vinda do coração em conformidade com a conceituação de Riobaldo Que coragem é o que o coração bate se não bate falso ROSA 2001 p 518 sua valentia era construída através do seu discurso era forjada a partir das ações e artimanhas de outro ser que realmente a possuía Nesse sentido podemos dizer que por não se basear em suas ações a coragem de Selorico Mendes era racionalizada construída através da linguagem do narrar habilidade também herdada por Riobaldo mas com uma diferença pois segundo Telma Borges em Narradores bastardos Salman Rushdie e Guimarães Rosa Riobaldo narra as experiências que lhe são próprias enquanto o pai narrava as experiências alheias BORGES 2015 p 07 A proximidade entre Selorico Mendes e o filho se dá não só por serem contadores de casos mas também pelo fato de se parecerem fisicamente e pela personalidade amedrontada em consonância com Borges 2015 Sendo assim apesar da pouca convivência o fazendeiro e seu filho em muito se assemelhavam ou como um dia disseram a Riobaldo suas feições copiavam retrato de Selorico Mendes ROSA 2001 p 138 A palavra retrato por extensão se refere a uma pessoa que é muito parecida com outra algo ou alguém que possui muitas das qualidades de outro O retrato é como o espelho reflete imagens Ao falar sobre a sua coragem variável Riobaldo relaciona tal sentimento ao espelho garantindo que para se transformar em uma pessoa valente basta olhar seu reflexo fazendo cara de valentia ou de ruindade Vejamos Eu cá não madruguei em ser corajoso isto é coragem em mim era variável Ah naqueles tempos eu não sabia hoje é que sei que para a gente se transformar em ruim ou em valentão ah basta se olhar um minutinho no espelho caprichando de fazer cara de valentia ou cara de ruindade ROSA 2001 p 62 80 É sabido que as crianças não só herdam características paternas mas também costumam se espelhar na imagem que possuem dos pais reproduzindo gestos e aprendendo o que lhes é ensinado Nesse sentido sendo o menino reflexo do paihomem há um possível espelhamento que também pode justificar a predominância de tais sentimentos nos personagens centrais da trama uma vez que o pai de Diadorim era valente e lhe ensinou a não ter medo já Riobaldo tendo Selorico Mendes como figura paterna pode ter se espelhado em sua personalidade predominantemente amedrontada e por este motivo Telma Borges no referido estudo adjetiva o medo de Riobaldo como hereditário Dessa forma há na passagem acima uma metáfora já que esse olhar no espelho pode ser uma referência ao espelhamento que os filhos costumam fazer dos pais Antes de Riobaldo enfrentar o medo de fato havia o espelhamento somente no seu paipadrinho Selorico Mendes que de acordo com Márcia Marques de Morais figura como pai real MORAIS 2001 p 77 mais tarde quando houve o enfrentamento do medo Riobaldo já tinha outras referências paternas como Joca Ramiro e Zé Bebelo os quais Morais classifica como pai simbólico e pai imaginário respectivamente MORAIS 2001 p 77 Ainda conforme a crítica os dizeres esparsos de Riobaldo associam a figura de um pai imaginário a coragem e de seu pai da realidade a medo MORAIS 2001 p 70 em consonância com nossa vertente aqui defendida Devido ao papel da chefia e a sua função paterna Morais defende que Joca Ramiro reúne condições para representar na fantasia de Riobaldo em particular e da jagunçada em geral o pai simbólico MORAIS 2001 p 69 Substituto do chefe Joca Ramiro Medeiro Vaz também é tido como uma figura paterna Morais o classifica como pai mítico MORAIS 2001 p 71 chamando atenção para o fato de que quando moribundo Medeiro Vaz indicou por gestos o desejo de ter Riobaldo como seu substituto herdeiro da chefia Por último a referida crítica defende que Zé Bebelo o pai imaginário é um sucessor do pai real Selorico Mendes já que Riobaldo foge da casa deste e vai para junto dos bebelos exercendo a função de professor e de secretário Devido aos acontecimentos no decorrer da trama Morais destaca que há um espelhamento entre Riobaldo e Zé Bebelo pois a imagem de um se reveste na do outro de professor de Bebelo Riobaldo passará a subordinado e aprendiz amanuense no bando o que motiva a antológica frase Mestre 81 não é quem ensina mas quem de repente aprende MORAIS 2001 p 81 Ademais ainda é destacado que Bebelo é a figura na qual Riobaldo reflete e se reflete como num jogo de espelhos MORAIS 2001 p 85 Riobaldo admirava Zé Bebelo em suas palavras foi uma das pessoas nesta vida que eu mais prezei e apreciei ROSA 2001 p 94 Em certo episódio Riobaldo compara Hermógenes a Zé Bebelo descrevendo a maldade a frieza e o gosto de matar de Hermógenes e relatando não conseguir olhar para os olhos dele por isso olhava para os pés ou para as mãos Nesse momento análogo Riobaldo diz gostar de Zé Bebelo deixando escapar o afeto que sentia por ele eu gostava de Zé Bebelo quase como um filho deve de gostar do pai ROSA 2001 p 187 Por esse apreço e apreciação demonstrados o narradorpersonagem em muito se espelhou em Zé Bebelo assim como em seus discursos eu repetia os ditos vezeiros de Zé Bebelo em tantos discursos ROSA 2001 p 441 ou quando chefe nos momentos de tomar decisão como no divertido episódio em que prometeu matar o primeiro que surgisse aparecendo em seguida um homem numa égua seguido por um cachorrinho nessa situação sem saber o que fazer com o pobre homem Riobaldo indagou Era justiça Era possível Eu pensei O que era que Zé Bebelo numa urgência assim no arco inventava de fazer ROSA 2001 p 490 Nessa passagem Zé Bebelo que não matava seus prisioneiros é lembrado por Riobaldo que resolveu não matar o homem nem os animais que estavam com ele atitude que Zé Bebelo certamente tomaria fazendo com que os jagunços presentes comparassem Riobaldo a ele e até mesmo a Medeiro Vaz ambos tidos como figuras paternas Sentei na sombra dum paudoce fiquei ouvindo os gabos que os em redor de mim me dessem como arras de procedimentos maiores Tal a tal o Chefe tira mais finíssimas artimanhas do que o Zé Bebelo próprio um disse À fé que determina com a mesma justiça queMedeiro Vaz outro falou mais aduloso ROSA 2001 p 496 Além do discurso e das artimanhas de Zé Bebelo Riobaldo pode ter apreendido a coragem já que aquele era descrito como alguém inteligente e valente ROSA 2001 82 p 92 valente de bem ROSA 2001 p 290 e mais que isso Zé Bebelo não conhecia medo ou qualquer parente dele Ah Zé Bebelo era o do duro sete punhais de sete aços trouxados numa bainha só Atirava e tanto com qualquer quilate de arma sempre certeira a pontaria laçava e campeava feito um todo vaqueiro amansava animal de maior brabeza burro grande ou cavalo duelava de faca nos espíritos solertes de onça acuada sem parar de pôr e medo ou cada parente de medo ele cuspia em riba e desconhecia Contavam ele entrava de cheio pessoalmente e botava paz em qualquer rutuba Ô homem couronágua enfrentador Dava os urros E mesmo para ele parecia não ter nada impossível ROSA 2001 p 146 grifo nosso Verificase que Zé Bebelo é descrito por sua valentia por amansar animais bravos sendo comparado à astúcia de uma onça acuada animal que conforme vimos no capítulo anterior é sinônimo de coragem De acordo com Riobaldo Zé Bebelo era homem enfrentador o que pode ser interpretado como alguém que encara os perigos e tudo que possa causar medo já que para ele nada parecia ser impossível Por todos esses predicados é natural que quando jagunço ao enfrentar os medos ao se tornar chefe Riobaldo tenha se espelhado em Zé Bebelo assim como em Medeiro Vaz e em Joca Ramiro que como vimos anteriormente era conhecido por ter a valentia no coração Nesse sentido apesar de não serem pais reais os referidos personagens possuem predicativos que os fazem ser pais de maneira simbólica imaginária eou mítica como lera Morais refletindo da mesma forma nas ações de Riobaldo e contribuindo para a formação do sujeito ainda que não haja laço sanguíneo entre eles Além desse reflexo das características dos pais nos filhos o primeiro encontro ainda nos revela um novo espelhamento Riobaldo vê seu medo refletido nas águas do Rio São Francisco e nos olhos de Diadorim Eu vi o rio Via os olhos dele produziam uma luz ROSA 2001 p 122 E foram eles que lhe forçaram a enfrentar seus receios pois a água bruta e traiçoeira ROSA 1986 p 88 do São Francisco fez com que Riobaldo se conhecesse e se transformasse assim como o deJaneiro que se transforma ao se deparar na imensidão do Chico Conforme vimos tanto em Heráclito quanto em Guimarães Rosa o rio ganha destaque ao ser relacionado ao constante fluir dos seres e das coisas Na passagem em análise a qual se passa no rio acontece uma mudança em Riobaldo o que não é por acaso como Walnice Nogueira Galvão observa 83 Não é coincidência que a presença do rio e a imagem da travessia é tão importante neste romance Matéria ser mítico símbolo do fluir permanente o rio nêle figura sempre desde as veredas do título passando pelos rios maiores com um dos quais o Urucuia Riobaldo se identifica até o pai de todos o rio São Francisco na ambivalência de suas duas bandas A rodadavida encarnação do movimento e da mudança de tudo o que existe ao fim e ao cabo reportase a Deus Deus que roda tudo GALVÃO 1972 p 131 Sobre essa importância do primeiro encontro Roncari pontua que foi na travessia do São Francisco que ele Riobaldo conheceu a si o seu medo e ao seu outro Diadorim possuidor da coragem e autoridade que não tinha mas gostaria de ter RONCARI 2004 p 82 grifo nosso Já Diadorim o menino moço possuidor da coragem passou calma para Riobaldo através do toque das mãos e do olhar posto que se via refletido nos olhos do menino e por eles tinha admiração Nesse sentido Diadorim antes de ensinar Riobaldo a enxergar a natureza com outros olhos lhe ensinara que carece de ter coragem ROSA 2001 p 122 isto é ele inicia o aprendizado da coragem no menino Riobaldo isso faz com que estejam nas posições de tutor e de aprendiz respectivamente O rio espelho dágua e Diadorim com seus olhos espelhos dalma promoveram uma modificação em Riobaldo que se apresentou no primeiro encontro como um menino medroso que não conhecia muitas coisas inseguro e inexperiente Essa travessia provocou mudanças no personagem tanto que o narrador conta que na volta já não sentia mais medo E eu não tinha medo mais Eu O sério pontual é isto o senhor escute me escute mais do que eu estou dizendo e escute desarmado O sério é isto da estória toda por isto foi que a estória eu lhe contei eu não sentia nada Só uma transformação pesável Muita coisa importante falta nome ROSA 2001 p 125 Após experimentar sensações inéditas e verificar todas as demonstrações de coragem do meninoDiadorim na volta do passeio Riobaldo não era mais o mesmo houve um ritual que o modificou De acordo com Davi Arrigucci essa foi uma 84 experiência que proporcionou a Riobaldo o abandono da ignorância e o contato com variados conhecimentos Equivale de qualquer forma no plano real da experiência à passagem da ignorância ao conhecimento momento de reconhecimento ou revelação simbólica em que se dá a descoberta do que mal se pode formular pelo poder de síntese de uma totalidade complexa abrangendo aspectos e contradições de toda a existência do sexual ao afetivo do ético ao político Ao sair da aventura em que descobre o medo e a coragem a tristeza e a alegria o masculino e o feminino o homem e a mulher a força e a fraqueza o real e a máscara o natural e o artificial o claro e o ambíguo o bem e o mal e muito mais tudo misturado ao mesmo tempo e de uma só vez percebe a mudança profunda ARRIGUCCI JR 1994 p 26 Michel Foucault em Do Governo dos Vivos discorre sobre o poder e sua relação com o conhecimento de quem é governado Segundo o autor ao transferir a noção de regime político para o problema da verdade há existência de obrigações de verdade destinadas a impor atos de crença de confissões de convicções de engajamento etc Exemplo disso são os atos que antecedem o batismo como a confissão em que o indivíduo manifesta o que é revelando seus pecados Ademais antes do batismo há um ensinamento prévio FOUCAULT 2014 p 89 sobre a doutrina cristã não bastando somente o aprendizado mas a crença em sua verdade A respeito desse contato com o conhecimento o primeiro encontro com Diadorim apesar de ser um ritual não nominado em muito se assemelha ao batismo sobre o qual Foucault trata ao abordar o eixo verdadesubjetividade Além do aprendizado que os afigura temse a presença do elemento água em ambos No batismo há o mergulho para sinalizar a mudança Foucault diz que ele é um selo assegura um segundo nascimento renascimento ou novo nascimento FOUCAULT 2014 p 96 Já na passagem do Grande Sertão na qual Riobaldo confidencializa que sentiu uma transformação pesável ainda que não tenha acontecido o mergulho as águas do Rio deJaneiro e do São Francisco compõem o encontro ganhando destaque pelo medo e pela coragem que os personagens demonstram diante delas Foucault ao discorrer sobre a importância da água no batismo chama atenção para o fato de a Escritura sempre usufruir desse elemento o qual segundo ele sempre teve privilégio 85 A água é o que permitiu modelar o homem fazer da matéria um homem a água é que no dilúvio felizmente purificou a face da Terra de todos os pecadores A água é que na forma do mar Vermelho separou o povo Hebreu de seus inimigos que o perseguiam e por conseguinte o libertou A água é que foi um elemento espiritual no deserto FOUCAULT 2014 p 109 Vêse que a água simboliza a origem da vida a purificação e a transformação já que possibilitou transformar a matéria no homem os pecadores em homens puros os Hebreus em homens livres etc Não é por acaso portanto que ela está presente no batismo que de acordo com Foucault constitui um segundo nascimento Em suas palavras entre a primeira e a segunda vida se situa o batismo FOUCAULT 2014 p 144 Em contrapartida a travessia dos meninos no romance se inicia não por acaso no deJaneiro rio que recebe o mesmo nome que o primeiro mês do ano janeiro palavra que possui o mesmo radical que o nome de um deus romano Janus deus dos portões e das portas ou como muitos se referem deus dos portais e das transições Os romanos se inspiraram em tal deus para alcunhar o primeiro mês do ano Ianuarius o mês que olha para os dois anos o que passou e o novo ano9 Janus é comumente representado nas artes por uma imagem com dois rostos opostos e pois isso um sempre olha para trás e outro para frente simbolizando desta forma o passado e o futuro o velho e o novo os fins e os começos o dualismo universal de que tanto versamos no primeiro capítulo deste trabalho Devido a sua figura e o que ela simboliza podese dizer que Janus representa o meio a travessia assim como os portões portas já que permite a passagem a transição entre dois ambientes dois lados É sabido que essa temática da travessia é cara à narrativa por isso convém antes de prosseguirmos com a análise do primeiro encontro inicialmente nossa principal vertente apresentar um breve aparte acerca do segundo encontro de Riobaldo e Diadorim já adultos uma vez que assim como no primeiro encontro há um ritual de passagem contornado de elementos significativos no segundo encontro também temos transições e detalhes importantes que marcarão o itinerário do narradorpersonagem 9Informações obtidas através da leitura do texto O deus Janus disponível em httpblogdaluxblogspotcombr201101odeusjanushtml A Profª Drª Ivana Ferrante Rebello sugeriu a inserção da análise do nome do RiodeJaneiro na banca de qualificação deste trabalho a quem agradeço pela sugestão 86 Ao pernoitar na casa de seu Malinácio esperando que sua filha casada acendesse a fogueira como um sinal para ir ao seu encontro Riobaldo se depara com alguns jagunços de Joca Ramiro No momento em que conversava com três deles na sala Reinaldo aparece na soleira da porta ROSA 2001 p 154 não por acaso já que conforme mencionado a porta é um espaço de transição Ao vêlo chegar Riobaldo recorda imediatamente de suas feições de seus olhos e do passeio na canoa quando crianças Soflagrante conheci O moço tão variado e vistoso era pois sabe o senhor quem mas quem mesmo Era o Menino O Menino senhor sim aquele do porto do deJaneiro daquilo que lhe contei o que atravessou o rio comigo numa bamba canoa toda a vida E ele se chegou eu do banco me levantei Os olhos verdes semelhantes grandes o lembrável das compridas pestanas a boca melhor bonita o nariz fino afiladinho Eu queria ir para ele para abraço mas minhas coragens não deram Porque ele faltou com o passo num rejeito de acanhamento Mas me reconheceu visual Os olhos nossos donos de nós dois Sei que deve de ter sido um estabelecimento forte porque as outras pessoas o novo notaram isso no estado de tudo percebi O Menino me deu a mão e o que mão a mão diz é o curto às vezes pode ser o mais adivinhado e conteúdo isto também E ele como sorriu Digo ao senhor até hoje para mim está sorrindo Digo Ele se chamava o Reinaldo Era o Menino do Porto já expliquei E desde que ele apareceu moço e igual no portal da porta eu não podia mais por meu próprio querer ir me separar da companhia dele por lei nenhuma podia O que entendi em mim direito como se no reencontrando aquela hora aquele MeninoMoço eu tivesse acertado de encontrar para o todo sempre as regências de uma alguma a minha família ROSA 2001 p 154155 grifo nosso Como Riobaldo relata ao reencontrar o Menino não pôde se separar mais dele por lei nenhuma o que o fez entrar na jagunçagem e mudar novamente o curso de sua vida Interessante notar que assim como no primeiro encontro temos o deJaneiro simbolizando transição nesse segundo encontro Reinaldo aparece na sala pelo portal da porta simbolizando a nova fase que iria se iniciar já que mudanças iriam ocorrer após esse reencontro De acordo com o Dicionário de Símbolos significados dos símbolos e simbologias a porta representa a passagem entre duas situações ou dois mundos o conhecido e o desconhecido tendo assim o caráter de revelar algo Em Grande Sertão o modo como Reinaldo aparece na porta da sala é significativo o jagunço que não estava junto ao bando era justamente o Menino que Riobaldo conhecera no Porto A porta revela aquele amigodesconhecido 87 Ademais ainda sobre a simbologia da porta como exemplo o referido dicionário nos chama a atenção para a expressão às portas da morte quer dizer estar prestes a conhecer a morte a morrer Quando se diz que uma porta se abre significa que há uma nova oportunidade para algo o que pode também sinalizar uma nova etapa da vida Por outro lado se uma porta se fecha significa recusa negação ou rejeição o que pode também sinalizar o término de uma fase No romance a aparição de Diadorim no portal da porta é emblemática já que será ele quem despertará em Riobaldo o amor e o ódio o bem e o mal o claro e o escuro É ele quem apresenta ao narradorpersonagem as belezas e as quisquilhas da natureza conduzindoo também rumo à crueldade à maldade e à aspereza do sertão Diadorim além de direcionar Riobaldo ao conhecimento o leva ainda à descoberta dos impulsos sensuais É através dele que Riobaldo passa a transitar no mundo dos Jagunços aprendendo valores como lealdade bravura e honra destacandose como chefe e experimentando o poder e as glórias de ser líder Após esse parêntese e após analisar os elementos envolvidos no primeiro encontro pela vertente do medo e da coragem atrevemonos a formular uma possível resposta para o questionamento de Riobaldo Porque foi que eu precisei de encontrar aquele meninoROSA 2001 p 125 o meninoDiadorim que nasceu para nunca ter medo incentivou seu companheiro a ter coragem enfrentando os perigos e medos que surgiram ao realizar a travessia O encontro foi uma veredazinha isto é um portal relevante e indispensável à transformação do menino e formação do homem Durante a travessia ao se deparar com a união dos rios vimos que Riobaldo quis voltar desistir mas o Menino não viu motivos para que desistissem o que parece ter prenunciado a necessidade e a irreversibilidade daquela travessia assim como a impossibilidade de reverter o encontro dos rios Riobaldo já na condição de jagunço ao buscar vingança pela morte de Joca Ramiro se lembrou desse encontro como um rito necessário que iria se findar quando concluíssem o propósito de dar cabo do Filho do Demo Hermógenes Diadorim o Reinaldo me lembrei dele como menino com a roupinha nova e o chapéu novo de couro guiando meu ânimo para se aventurar a travessia do Rio do Chico na canoa afundadeira Esse menino e eu é que éramos destinados para dar cabo do Filho do Demo do Pactário O que era o direito que se tinha O que eu pensei deu de ser assim ROSA 2001 p 425 88 Esse primeiro encontro foi um rito de iniciação no qual Riobaldo conheceu muitos medos e a coragem do meninomoço Apesar de haver transformação não há o abandono do medo pois ele é o sinal de alerta para a manutenção da integridade do corpo e da alma Foucault diz que o Cristão quando se prepara para o batismo e uma vez batizado não deve nunca abandonar o medo Ele deve saber que está sempre em perigo Deve estar sempre inquieto Sobre essa inquietude Foucault alerta que não devemos estar certos de que somos puros e de que seremos salvos segundo ele a incerteza é fundamental e necessária FOUCAULT 2014 p 116 Riobaldo em toda sua travessia é sempre inseguro por isso a figura de Diadorim cheia de certezas aparentemente é essencial para que ele enfrente seus medos Diadorim a encarnação da coragem guiou o ânimo do meninoRiobaldo no passado na travessia do Rio São Francisco no entanto agora com as novas circunstâncias é preciso que Tatarana enfrente novamente seus medos a fim de obter coragem para o confronto com o Filho do Demo Tendo isso em vista Ivana Ferrante Rebello em Poética de atrito pedras jogo e movimento no Grande sertão afirma que Diadorim e o diabo são os impulsos que movem a vida de Riobaldo e movimentam o tecido do texto REBELLO 2011 p 155 O narradorpersonagem portanto não está definitivamente em uma margem nem em outra não é corajoso nem medroso ele vive em constante travessia Garbuglio o define como um ser em desdobramento justificando pelo fato de Riobaldo se repartir entre o direito e os avessosGARBUGLIO 2005 p 61 Ainda segundo o autor em consonância com o ponto de vista aqui defendido esse desdobramento se estabelece no decorrer dos acontecimentos ou seja a predominância de um dos lados opostos que convivem no ser prevalece diante das situações vividas Sobre esses acontecimentos Garbuglio afirma que são eles os responsáveis pelo progressivo amadurecimento das experiências assimiladas no decurso da existência O pacto com o demônio é a culminância desse processo principiado aos catorze anos O encontro com Diadorim dálhe as primeiras medidas do medo e da coragem da indiferença e da audácia GARBUGLIO 2005 p 61 89 32 O contrato de coragem10 O medo no meio está O demo no meio está O demo é o medo Do medo se faz o demo Júnia Gomes Como vimos no segundo capítulo o medo do além e dos castigos do inferno foi intenso na Europa Medieval A crença em anjos demônios e espíritos está desde então arraigada na mentalidade humana Muitas pessoas tanto no passado quanto no presente temem o desconhecido o oculto e o invisível Em Quatro gigantes da alma o medo o amor a ira e o dever Emilio Mira y Lopez defende que todos esses temores culminam no medo e na angústia ante a face côncava da realidade o nada LOPEZ 1960 p 42 Esse nada seria a nosso ver o imaginário o que não está no plano do concreto o irreal Ainda de acordo com Lopez o que não existe oprime mais do que aquilo que existe LOPEZ 1960 p 39 Logo no início do Grande Sertão ao especular ideias Riobaldo questiona sobre a possível existência do diabo deixando nítida sua melancolia diante da incerteza O diabo existe e não existe Dou o dito Abrenúncio Essas melancolias ROSA 2001 p 26 Após esse questionamento ambíguo Riobaldo elucida Explico ao senhor o diabo vige dentro do homem os crespos do homem ou é o homem arruinado ou o homem dos avessos Solto por si cidadão é que não tem diabo nenhum Nenhum é o que digo O senhor aprova Tem diabo nenhum Nem espírito Nunca vi Alguém devia de ver então era eu mesmo este vosso servidor ROSA 2001 p 26 De acordo com a explicação de Riobaldo o diabo não tem forma física própria ele está nos avessos do homem e em todo ser da natureza nas plantas nas águas na terra no vento isto é em Tudo Tem até tortas raças de pedras Horrorosas venenosas que estragam mortal a água se estão jazendo em fundo de poço o diabo dentro delas dorme são o demo ROSA 2001 p 27 grifo nosso Além disso o 10A expressão contrato de coragem é utilizada por Riobaldo no momento em que os urucuianos homens que haviam se juntado ao bando por meio de Zé Bebelo se despediram seguindo novo rumo E eles iam sembora conforme desisti de sobreguardar esses homens Do jeito de que é que me valiam O contrato de coragem de guerreiros não se faz com vara de meirinho não é com dares e tomares ROSA 2001 p 516 90 narradorpersonagem alerta Que o que gasta vai gastando o diabo de dentro da gente aos pouquinhos é o razoável sofrer ROSA 2001 p 26 grifo nosso Ao afirmar que o diabo está dentro das pedras e dentro da gente lembramonos da tese de Walnice Galvão que discorre sobre a frequência de uma coisa dentro da outra em Grande sertão veredas Em perspectiva semelhante ao discorrer sobre o batismo e a importância de o Cristão manter o medo perante os perigos Foucault afirma que cada uma das nossas almas é de certo modo uma pequena igreja dentro da qual satanás reina e exerce seu poder FOUCAULT 2014 p 114 grifo nosso Nesse sentido o papel do batismo é precisamente expulsar de dentro da alma esse elemento hostil estranho exterior e outro que é Satanás FOUCAULT 2014 p 115 grifo nosso Nas passagens acima verificase que o demo assim como o medo vive dentro da gente podendo influenciar nossas ações e nossas experiências além disso Riobaldo afirma que o demo não tem forma física própria podendo estar em tudo da mesma forma o narradorpersonagem afirma que o medo resiste por si em muitas formas ROSA 2001 p 373 Nesse sentido por não terem forma própria e por estarem dentro da gente o demo e o medo são angústias e questionamentos constantes de Riobaldo os quais ganham importância significativa na obra já que o narrador busca sempre superar os medos e os demônios que o perturbam além de procurar entender do medo e saber se o demo de fato existe Como mágico das palavras Guimarães Rosa brincou com os vocábulos medodemo anagrama que possui letras alternadas d e m e que porta várias relações semânticas no romance pois o demo é que causa medo e o medo pode ser enfrentado ao encarar o demo Sobre esse anagrama Ivana Rebello sublinha que o medo é a parte flagrantemente humana que Riobaldo exibe confessandoo em muitos momentos do seu relato Na paridade do demo e do medo lêse uma alternância entre a sua força e valentia e o seu medo que o fragiliza Na verdade esse jogo de letras sempre alternadas demonstra que a narrativa compõese como um tabuleiro de enxadrista em que preto e branco sobrepõemse e complementamse metaforizando a luta que Riobaldo trava consigo próprio com a sua força de chefe e sua fraqueza de homem REBELLO 2011 p 140 O medo faz com que o homem sobreviva pois o sensibiliza diante dos perigos alertandoo mas também pode demonstrar fraqueza de acordo com Rebello já que ele 91 também paralisa como vimos no capítulo anterior Por outro lado o demo representa a força e a valentia e ao se aliar a ele por meio do pacto o indivíduo se torna possuidor da coragem Nesse sentido o par medodemo se configura em unidade de forças opostas que se revezam não só no narradorsujeito mas na palavra narrada um verdadeiro jogo de letras 2011 p 140 como denomina Rebello Além desse anagrama medodemo Guimarães Rosa ainda se vale da semelhança fonética entre os vocábulos tremertemertemetemodemo e seus correlatos O verbo tremer que é utilizado nas suas diversas conjugações e possibilidades é comumente relacionado ao medo no romance já que um dos sintomas mais notáveis deste é o tremor do corpo o que nos lembra a fala popular tremi de medo No romance temos várias passagens que mostram esse sintoma como no episódio em que Riobaldo cogitou matar nhô Constâncio Alves que percebeu o malamém Confuso como se rebaixou um pouquinho no tamanho ele devia de estar abrindo os joelhos por tremor de medo nas pernas ROSA 2001 p 488 ou quando Riobaldo conheceu seô Habão Ele estava em todos tremores conforme esses homens que não têm vergonha de mostrar medo em desde que possam pedir à gente perdão com muita seriedade ROSA 2001 p 456 Em outras passagens notamos a relação entre os vocábulos e a possibilidade de suprimir ou adicionar a consoante r mantendo o sentido e sendo portanto sinônimos No pacto por exemplo Riobaldo diz que tirou de dentro de meu tremor as espantosas palavras e ainda que naquela circunstância não ia temer ROSA 2001 p 435 Nesses casos teríamos o significado conservado nas sentenças com a supressão e adição da consoante r nas palavras destacadas o que nos possibilita testemunhar mais uma vez o jogo de letras mencionado REBELLO 2011 p 140 O par temodemo especificamente é curioso O primeiro se refere à primeira pessoa do presente do indicativo do verbo temer sinônimo de recear equivalente a ter medo Temo se aproxima da palavra demo pelo fato de os sons t e d serem análogos já que são classificados de acordo com o modo e o lugar de articulação do segmento consonantal como oclusivas alveolares Conforme a fonética a consoante alveolar se configura quando o ápice ou lâmina da língua articulador ativo toca os alvéolos articulador passivo já a consoante oclusiva se caracteriza pela corrente de ar dirigirse apenas para a cavidade bucal A única diferença entre os sons t e d é em relação ao grau de vozeamento desvozeada e vozeada respectivamente Essa 92 classificação diz respeito ao estado da glote durante a articulação sonora se a glote estiver fechada na passagem de ar irá produzir sons vozeadossonoros devido às vibrações das pregas vocais caso contrário se estiver aberta produzirá sons desvozeadossurdos11 Essas palavras de grafia e sonoridade semelhantes temodemo não foram utilizadas aleatoriamente por Guimarães Rosa pois comparecem no romance de modo a sugerirem significados em consonância com a estrutura narrativa Na seguinte passagem isso fica evidente O senhor entenderá Eu não entendo Aquele Hermógenes me fazia agradados demo que ele gostava de mim Sempre me saudando com estimação condizia um gracejo amistoso ou umas boas palavras nem parecia ser o bedegueba Por cortesia e por estatuto eu tinha de responder Mas em mal Me irava Eu criava nojo dele já disse ao senhor Aversão que revém de locas profundas Nem olhei nunca nos olhos dele Nojo pelos eternos razão de mais distâncias Aquele homem para mim não estava definitivo E arre que ele não desconfiava não percebia Queria conversa me chamava eu tinha de ir ele era o chefe Fiquei de ensombro Diadorim notou me deu conselho Modera esse gênio que você tem Riobaldo As pessoas não são tão ruins agrestes Dele não me temo eu respondi Eu podia xingar com os olhos ROSA 2001 p 203 grifos nossos Na sentença Aquele Hermógenes me fazia agradados demo que ele gostava de mim percebemos a pluralidade significativa do uso da palavra demo Ao analisar esse período verificamos que os três significantes Hermógenes demo ele estão incluídos no mesmo campo semântico podendo ter o mesmo significado Anagrama de medo e análoga a temo nesse contexto demo representa o receio que Riobaldo tinha de que Hermógenes gostasse dele devido à maneira amistosa e cortês de a ele se dirigir estima que não era recíproca Substituindo o substantivo pelo verbo teríamos temo que ele gostava de mim No que tange o significado literal o demo o diabo entendemos que Riobaldo pode estar se referindo tanto ao diabo quanto ao próprio Hermógenes já que nas palavras do narradorpersonagem este é o próprio demônio 11 Informações adquiridas através da leitura do trabalho intitulado Língua Portuguesa Fonética e Fonologia de Liliane Pereira Barbosa e Diocles Igor Pires Alves 93 O Hermógenes ele dava a pena dava medo Mas ora vez eu pressentia que do demônio não se pode ter pena nenhuma e a razão está aí O demônio esbarra manso mansinho se fazendo de apeado tanto tristonho e o senhor pára próximo aí então ele desanda em pulos e prezares de dança falando grosso querendo abraçar e grossas caretas boca alargada Porque ele é é doido sem cura Todo perigo ROSA 2001 p 251 grifos nossos Assim como nesse fragmento em diversas passagens do romance Hermógenes e demônio se confundem sendo uma unidade o que é justificado com a possibilidade de Hermógenes ter feito pacto com o demo ou seja o demo vive dentro dele em seus crespos No episódio em que os hermógenes matam os cavalos do bando liderado por Zé Bebelo na fazenda dos Tucanos Riobaldo registra o relincho de dor e de sofrimento dos animais mas depois retifica não tem cavalo rinchando nenhum não são os cavalos todos que estão rinchando quem está rinchando desgraçado é o Hermógenes nas peles de dentro no sombrio do corpo no arranhar dos órgãos ROSA 2001 p 358 grifo nosso isto é o demo habita os avessos do personagem o qual é sempre descrito como um ser ruim Já vai que o Hermógenes era ruim ruim Eu não queria ter medo dele Digo ao senhor que aquele povo era jagunços eu queria bondade neles Desminto ROSA 2001 p 186 Apesar de não querer ter medo do inimigo ele é inerente a Riobaldo o que pode ser verificado no decorrer do texto como na passagem citada acima e na seguinte em que afirma Hermógenes ele dava a pena dava medo ROSA 2001 p 251 Até mesmo Diadorim em quem a coragem prevalece confessa ter receio de Hermógenes e de seu comparsa Ricardão gente estarrecida de iras frias Agora esses me dão receio meu medo Deus não queira ROSA 2001 p 300 Riobaldo duvidava que Diadorim tivesse medo mas também sabia um dia o medo consegue subir faz oco no ânimo do mais valente qualquer ROSA 2001 p 550 Além de se configurar como um ser predominantemente ruim segundo Riobaldo Hermógenes era homem sem anjodaguarda ROSA 2001 p 132 fel dormido flagelo com frieza ROSA 2001 p 186 o que intensifica a imagem que o leitor vai construindo do personagem Importante salientar o advérbio aqui utilizado predominantemente já que conforme notado por Riobaldo quase todo mais grave criminoso feroz sempre é muito bom marido bom filho bom pai e é bom amigode seusamigos ROSA 2001 p 2728 isto é os indivíduos têm personalidade 94 maleável reversível o que exploramos no primeiro capítulo No caso de Hermógenes isso pode ser verificado quando Riobaldo menciona sobre a existência de uma família ficando nítida a natureza ambígua daquele Estudei uma dúvida Ao que será que seria o ser daquele homem tudo Algum tinha referido que ele era casado com mulher e filhos Como podia Aide vai meu pensamento constante querendo entender a natureza dele virada diferente de todas a inocência daquela maldade A qual que me aluava O Hermógenes numa casa em certo lugar com sua mulher ele fazia festas em suas crianças pequenas dava conselho dava ensino Daí saía Feito lobisomem Adiante de quem atrás do quê A cruz o senhor faça meu senhor Aí eu acreditei que tivesse de haver mesmo o inferno um inferno precisava E o demônio seria o inteiro louco o doido completo assim irremediável ROSA 2001 p 250251 Hermógenes tem dupla personalidade em casa agia de um modo na rua feito lobisomem o diabo na rua no meio do redemoinho motivo pelo qual o narrador personagem disse ao seu ouvinte para fazer o sinal da cruz Ao falar sobre esse subtítulo do romance o qual aparece no decorrer da narrativa Rebello lembra que tem morada certa entre a fala da gente sertaneja que ao ver um redemoinho exclama Cruz credo Capetinha fugindo da cruz REBELLO 2011 p 142 Hermógenes seria o próprio demo para o qual se faz o sinal da cruz Era frequente os rumores do pacto de Hermógenes e segundo Riobaldo nisso todos acreditavam Pela fraqueza do meu medo e pela força do meu ódio acho que eu fui o primeiro que cri ROSA 2001 p 82 Nesse caso o medo demonstra fraqueza contribuindo para a crença no inimigo pactário e para o conhecimento de sua façanha já que todos acreditavam O medo é um sentimento presente em muitas estórias frequentemente aparecendo como um elemento que norteia as ações dos personagens que o causam ou que o sentem A presença daquilo que ameaça que provoca o medo envolve o leitor oue o ouvinte fazendo com que a história seja relida oue recontada por diversas vezes como muitas lendas do folclore brasileiro a da mulasemcabeça do lobisomem do bicho papão entre tantas outras que são transmitidas por distintas gerações Na narrativa riobaldiana fica claro que o medo é o agente reprodutor das estórias sobre Hermógenes o que o afamava 95 Às parlendas bobéia O medo que todos acabavam tendo do Hermógenes era que gerava essas estórias o quanto famanava O fato fazia fato Mas no existir dessa gente do sertão então não houvesse por bem dizer um homem mais homem Os outros o resto essas criaturas Só o Hermógenes arrenegado senhoraço destemido Rúim mas inteirado legítimo para toda certeza a maldade pura ROSA 2001 p 425 O medo é responsável por fazer com que o fato fosse contado e fosse creditado nas palavras do narradorpersonagem o fato fazia fato ROSA 2001 p 425 Hermógenes devido a sua fama de pactário carrega vários predicativos arrenegado que se zanga ou no popular é o próprio diabo senhoraço que segundo o dicionário é um homem que se apresenta como sendo importante quando realmente não o é o que contribui para a dualidade do personagem o qual é ruim mas inteirado legítimo a natureza fundada na inocência da maldade é a maldade pura Interessanos sublinhar aqui o fato de o personagem em questão ser caracterizado como destemido ou seja não ter medo de nada o que não o torna corajoso pois ter coragem é como vimos ter medo e ao mesmo tempo ter ânimo energia e confiança para enfrentálo A coragem é o equilíbrio entre o medo e a confiança se o indivíduo a excede se torna temerário audacioso Durante a narrativa a palavra coragem não é comumente relacionada a Hermógenes mas sim valente e valentão ROSA 2001 p 318 Tais palavras são tidas como sinônimas no entanto há uma diferença sutil a valentia embora implique ter ânimo e energia também é relacionada à audácia isto é ao enfrentamento das situações com confiança em excesso temeridade atrevimento Ademais sobre o adjetivo no grau aumentativo valentão o Minidicionário Aurélio o associa ao indivíduo muito decidido intrépido afoito ou seja que age de modo destemido ousado precipitado características típicas de Hermógenes as quais pode ter adquirido através da assinatura do pacto pois a partir de tal feito é o demônio rabudo quem pune por ele ROSA 2001 p 82 motivo pelo qual não demonstra medo nem prudência É valentão no sentido extremo da palavra O bando de que Riobaldo fazia parte procurava Hermógenes para vingar a morte de Joca Ramiro Nessa busca o narradorpersonagem afirma estarem com a coragem esporeada ROSA 2001 p 217 isto é estavam com coragem estimulada pela vingança No entanto junto à coragem tem o medo o demo 96 Nós não estávamos forte em frente com a coragem esporeada Estávamos Mas então Ah então mas tem o Outro o figura o morcegão o tunes o cramulhão o debo o carocho do pédepato o malencarado aquele o quenãoexiste Que não existe que não que não é o que minha alma soletra E da existência desse me defendo em pedras pontudas ajoelhado beijando a barra do manto de minha Nossa Senhora da Abadia ROSA 2001 p 217 Diante dessa adversão Riobaldo ao se referir a Hermógenes questiona o Hermógenes que por valente e valentão para demais até ao fim deste mundo e do juízofinal se danara oco de alma Contra ele a gente ia Contra o demo se podia Quem a quem ROSA 2001 p 318 Devido a essas dúvidas no pacto com o demo Riobaldo procura superar o medo a fim de enfrentar a guerra com Hermógenes o próprio demo o belzebu ROSA 2001 p 197 Conforme Candido o pacto significa caminho para adquirir poderes interiores necessários à realização da tarefa CANDIDO 2006 p 122 Esses poderes interiores seriam a coragem sentimento de que Riobaldo carecia e que era necessário para a concretização da vingança pois seu inimigo era conhecido como pactário indivíduo que causava medo tinha o demo em seus avessos Quando menino conforme testemunhamos no primeiro encontro Riobaldo tem o medo como sentimento predominante no entanto ao atravessar a narrativa acompanhando seu percurso até se tornar fazendeiro e contador de estórias verificamos que no que tange o par medocoragem seu comportamento e sua personalidade oscilam se modificam dependendo da situação em que o personagem se encontra o que é comum a todo e qualquer homem como ele mesmo sublinha No formato da forma eu não era o valente nem mencionado medroso Eu era um homem restante trivial ROSA 2001 p 82 Após o segundo encontro com o menino e o ingresso na jagunçagem em Riobaldo Tatarana prevalecia o medo o que confessou em diversos momentos como na noite em que passeava com Diadorim que após perder o pai só falava em vingança em matar Nesse momento Riobaldo revela E eu tinha medo medo em alma ROSA 2001 p 46 Medo que também teve diante da possibilidade de Diadorim pedir para que ele matasse a velha Ana Duzuza mãe de Nhorinhá e por quem sentia pena Só previ medo foi de que ele falasse para eu mesmo ir voltar lá por minhas próprias acabar a 97 Ana Duzuza ROSA 2001 p 53 Outro exemplo ocorre quando os jagunços assassinaram um homem que os espiava entristecendo Riobaldo e por esse motivo tinha receio de que o achassem de coração mole soubessem que ele não era feito para aquela influição que tinha pena de toda cria de Jesus ROSA 2001 p 186 grifos nossos Estabelecida a relação da coragem com o coração no romance podemos inferir que coração mole é quando o sujeito fraqueja quando tem medo podendo se referir também a uma pessoa que se comove facilmente característica contrária à imagem que se tem do jagunço homem valente que causa medo e não tem medo não tem pena de qualquer criatura assim como Hermógenes Lacrau dizia que a natureza do Hermógenes demudava não favorecendo que ele tivesse pena de ninguém nem respeitasse honestidade neste mundo Para matar ele foi sempre muito pontual Se diz ROSA 2001 p 424 É notável a diferença entre as personalidades de Riobaldo e de seu inimigo enquanto o primeiro titubeava em matar tinha o coração mole pena de toda criatura o segundo não hesitava não tinha piedade de nenhum ser Sabendo disso e tendo ciência de que sua coragem era variável ROSA 2001 p 62 Riobaldo carecia de buscar forças consolidar seu ânimo e confiança enfrentar seus medos acertar aquela fraqueza ROSA 2001 p 426 firmar um contrato de coragem Tudo isso com o objetivo de findar o ritual iniciado quando criança no deJaneiro e dar cabo ao filho do demo como ele mesmo relata antes de tomar a coragem de decisão ROSA 2001 p 425 esta que o levou à encruzilhada A encruzilhada era pobre de qualidades dessas Cheguei lá a escuridão deu Talentos de lua escondida Medo Bananeira treme de todo lado Mas eu tirei de dentro de meu tremor as espantosas palavras Eu fosse um homem novo em folha Eu não queria escutar meus dentes Desengasguei outras perguntas Minha opinião não era de ferro Eu podia cortar um cipó e me enforcar pelo pescoço pendurado morrendo daqueles galhos queméque quem que me impedia Eu não ia temer O que eu estava tendo era o medo que ele estava tendo de mim Quem é que era o Demo o SempreSério o Pai da Mentira Ele não tinha carnes de comida da terra não possuía sangue derramável Viesse viesse vinha para me obedecer Trato Mas trato de iguais com iguais Primeiro eu era que dava a ordem E ele vinha para supilar o ázimo do espírito da gente Como podia ROSA 2001 p 435 Através dos sintomas demonstrados verificase que Riobaldo estava com medo ele tremia o corpo feito bananeira e seus dentes batiam no entanto ele diz ter tirado de 98 dentro de seu tremor ou de seu temor as espantosas palavras e não ter escutado o barulho ocasionado pelos dentes pelo medo novamente proferindo perguntas Nesse contexto o jagunço enfrenta seu medo não o deixando dominar e afirmando que não ia temer O medo que sentia segundo ele era o mesmo medo que o demo estava tendo dele se colocando portanto em igualdade com o Cramunhão era um trato de iguais com iguais Apesar de invocálo e de fazer perguntas o demo não aparece fisicamente entretanto é sabido que ele está misturado em tudo não tendo formas exatas podendo estar em tudo e ao mesmo tempo sendo nada Para a invocação e perguntas de Riobaldo somente silêncios o que pode ser um sinal segundo João Adolfo Hansen o qual afirma que o diabo no momento mesmo do pacto invocado não comparece existente mas o silêncio a ausência mesma indicam para Riobaldo o sentido de sua presença e existência HANSEN 2000 p 90 A respeito do ser do demo Hansen defende que sendo nada pois é nãoser o Diabo fica sendo no discurso como o expresso Metalinguisticamente o Diabo articulase como o Nonada da enunciação e ainda como o leitmotiv O diabo na rua no meio do redemoinho significando o espaço do texto e o da narração HANSEN 2000 p 92 Em perspectiva semelhante comparando a narrativa a um jogo Rebello diz que o diabo afirmase e desmentese no corpo do texto num processo contínuo REBELLO 2011 p 137138 Nesse redemoinho nesse texto que Riobaldo tece nesse jogo de palavras o diabo existe e não existe sendo o pacto portanto uma dúvida pois se não existe como é que se pode se contratar pacto com ele ROSA 2001 p 55 Rebello assegura que de todas as dúvidas presentes no romance a maior registra se no estranho pacto de que não se sabe ao certo ter existido ou não REBELLO 2011 p 137138 Em suas aulas ao discorrer sobre o objetivo no batismo sobre a luta incessante contra esse outro que está em nós contra esse outro que está no fundo da alma FOUCAULT 2014 p 145 Foucault cita Cassiano o qual defende que é física e teologicamente impossível que a alma do homem seja tomada possuída invadida 99 nem impregnada diretamente pelo espírito do mal FOUCAULT 2014 p 268 a partir dessa afirmativa Foucault faz a seguinte reflexão se a alma humana não é diretamente penetrada pelo espírito do mal em todo caso o espírito do mal se parece muito com ela O espírito do mal e a alma são ambos da mesma natureza São parentes e é essa semelhança essa analogia esse parentesco tão próximo que permite que o espírito do mal venha para junto da alma impregnar o corpo comandálo darlhes ordens agitálo sacudilo E nessa medida haverá possessão da alma pelo espírito do mal haverá copossessão copenetração coexistência do espírito do mal e da alma no corpo O corpo será sede dos dois FOUCAULT 2014 268 Mesmo sem a certeza da efetivação do pacto isto é se o diabo tomou posse da alma do jagunçoprotagonista constatase que houve uma mudança no seu comportamento e na sua personalidade Com esse trato Riobaldo afirma que somente queria era ficar sendo ROSA 2001 p 436 deixando aberta a interpretação do leitorouvinte no entanto uma página à frente ele revela A já eu estava ali eu queria eu podia eu ali ficava Feito Ele ROSA 2001 p 437 O vocábulo feito nesse contexto funciona como uma conjunção comparativa equivalente a como tal como Sendo assim Riobaldo queria podia e ficava sendo como Ele o demo o destemido Só assim seria possível vencer o inimigo O fato de estar na encruzilhada sentindo medo e ao mesmo tempo sem se deixar enfraquecer por ele causou uma modificação em Tatarana oriunda do enfrentamento de seus medos assim como na crença popular que narra a estória dos homens medrosos que querem se tornar valentes e para isso têm de comer um coração de onça cru Como vimos a coragem está na vontade e no ato de o indivíduo ter que matar a onça não na deglutição do referido órgão ação que por si só não mudaria as características do sujeito Logo após o possível pacto Riobaldo se enche de ânimo e de confiança encarna a maiorcoragem em suas palavras De dentro do resumo e do mundo em maior aquela crista e repuxei toda aquela firmeza me revestiu fôlego de fôlego de fôlego da maisforça de maiorcoragem ROSA 2001 p 437 Devido a todo esse fôlego e força que sentia já tomando a chefia do bando Riobaldo indaga Comi carne de onça ROSA 2001 p 466 Essa maiorcoragem é descrita como a que vem tirada a mando de setenta e setentas distâncias do profundo mesmo da gente ROSA 2001 p 437437 Se ela é 100 tirada do profundo da gente a coragem assim como o medo vive dentro do ser cabendo a ele balizar no terreno desses sentimentos Importa frisar que essa coragem é acompanhada por um adjetivo que lhe atribui um caráter de grandeza superior não era qualquer coragem era aquela tirada do profundo era maior era seu avesso No pacto ao gritar e invocar o demo Riobaldo desengasgava bramava desengolia verbos usados pelo próprio narradorpersonagem e que têm sentidos semelhantes pois colocam para fora o que está dentro da gente Esses verbos nos possibilitam afirmar que Riobaldo expeliu se livrou do medo que estava sentindo do demo e dessa forma do medo que tinha de Hermógenes o demo encarnado visto que agora se sentia preparado para enfrentálo na batalha final Segundo Hansen o pacto é a transgressão pela qual se introduz um outro HENSEN 2000 p 92 outro que consideramos ser o avesso em consonância com Garbuglio Em meio a incertezas fato é que houve uma travessia o que também acreditamos ser um de rito de passagem a partir do qual RiobaldoTatarana se torna o novo chefe do bando o UrutúBranco como o rebatiza Zé Bebelo Mas você é o outro homem você revira o sertão Tu é terrível que nem um urutú branco O nome que ele me dava era um nome rebatismo desse nome meu ROSA 2001 p 454 Vivenciado o ritual era necessário um nome ou melhor um renome que simbolizasse a nova fase o renascimento do protagonista sendo nomeado por UrutúBranco cobra voadeira perigosa e sorrateira que dá o bote no inimigo Ana Maria Machado chama a atenção para o fato de que Essa nova alcunha não se refere apenas às qualidades do animal evocado porém significa também no contexto uma capacidade de liderança por parte de Riobaldo esse Nome só virá a ser usado quando ele se tornar chefe do grupo Aí sim há a crisma O batismo é confirmado a cerimônia se repete com a sagração do chefe e a aclamação do novo Nome E é o mesmo Zé Bebelo autor do Nome quem o sagra somando à autoria do Nome a autoridade que lhe passa marcando Riobaldo com uma nova denominação MACHADO 2003 p 64 A chefia e o rebatismo só foram possíveis após Riobaldo enfrentar seus medos e tomar a maiorcoragem elemento segundo ele necessário para o comando Que comandar é só assim ficar quieto e ter mais coragem Mais coragem que todos ROSA 2001 p 570 Houve portanto na encruzilhada um contrato de coragem já 101 que Riobaldo estava possuído de ânimo e confiança se descrevendo como um ser destemido o medo era nenhum eu estava forro glorial assegurado ROSA 2001 p 448 Algum medo não palpitava frio por detrás de meus olhos ROSA 2001 p 464 Eu podia tudo ver com friezas escorrido de todo medo ROSA 2001 p 569 e na guerra final em que estava à frente do bando deduziu oficio de destino seu real era o de não ter medo Ter medo nenhum Não teve ROSA 2001 p 607 Aqui importa um aparte pois embora o narradorpersonagem afirme que enquanto UrutúBranco não sentia medo ao mesmo tempo deixa escapar para o leitor atento alguns receios que discretamente cobriram seu ânimo Como na fazenda de Seo Ornelas em que é intimado para sentar na cabeceira da mesa Aquela hora eu pelo que disse assumi incertezas Espécie de medo Como que o medo então era um sentido sorrateiro e fino que outros e outros caminhos logo tomava ROSA 2001 p 469 O medo como já sabemos pode invadir o íntimo de qualquer corajoso sendo sorrateiro semeando incertezas e até mesmo tirar a fome como nesse episódio Em outro momento no início do confronto final ao ver os inimigos avançando Riobaldo se diz estarrecido escutando vozes que diziam para ele não ir deixar para que seus companheiros resolvessem Ao ouvir Riobaldo indaga O meu medo ROSA 2001 p 596 Apesar de negar em seguida percebese que houve incerteza e insegurança ainda que momentânea no destemido chefe Assim como nessa passagem o medo é negado por diversas vezes não para dizer que estava tomado de coragem mas para não demonstrar fraqueza Seria uma leitura inocente e contraditória se defendêssemos que Riobaldo abandonara na encruzilhada todos os seus medos Salientamos que apesar de ter se tornado UrutúBranco predominantemente corajoso ainda existia o Menino o Professor o jagunço Riobaldo Tatarana A nova personalidade não excluiu as demais nem todos os medos que eram sentidos embora haja a predominância de uma sobre as outras A mudança é um movimento aditivo como o próprio narrador salienta Tudo o que já foi é o começo do que vai vir ROSA 2001 p 328 Quando diz por exemplo Aí eu era UrutúBranco mas tinha de ser o cerzidor Tatarana o que em ponto melhor alvejava ROSA 2001 p 597 ele afirma ser também Tatarana lagartadefogo apelidado por sua pontaria 102 Agora sendo o chefe UrutúBranco além de a coragem predominar era quem causava medo e isso apreciava Apreciei de ver como todos souberam jeito de esconder o medo que de mim deviam de ter ROSA 482 p 483 O fato de apreciar o medo que tinham dele o aproxima do seu maior inimigo o Hermógenes que também sentia gosto pelo medo que proporcionava O Hermógenes homem que tirava seu prazer do medo dos outros do sofrimento dos outros ROSA 482 p 197 Riobaldo que tinha coração mole que tinha medo de matar e que sentia pena de criaturas inocentes agora possuía um coração enérgico ROSA 2001 p 466 Dessa forma novamente seu coração muda de posto ainda que incerta a possessão do demo no pacto em questão Conforme Foucault quando a alma se assemelha a do espírito do mal há a possibilidade de copossessão copenetração coexistência permitindo que o demo comande dê ordens agite e sacuda o ser Em Riobaldo Diadorim sentiu uma mudança que segundo ele não é advinda da chefia ou seja do poder que lhe é concedido pelo exterior mas da alma de dentro Repuno que você está diferente de toda pessoa Riobaldo Você quer dansação e desordem Mexi meu cuspe dentro da boca A bem é que falo Riobaldo não se agaste mais E o que está demudando em você é o cômpito da alma não é razão de autoridade de chefias ROSA 2001 p 484 Certos de que Riobaldo foi tomado de uma maiorcoragem aquela que vem de dentro das profundezas reafirmamos que após o pacto quem sacudia e demarcava a personalidade do narradorpersonagem eram seus avessos nos quais o demo e o medo se instalam o demo então era eu mesmo ROSA 2001 487 Enquanto Menino Professor jagunço Riobaldo Tatarana quem predominava em sua personalidade era o medo no entanto ao enfrentálo houve uma reversão pois quem o comandava era o demo Nesse viés a reversibilidade se dá tanto nas letras na forma quanto no sentido expresso pelas palavras já que o demo representa a força a coragem até mesmo a ousadia que é a coragem em excesso Sendo assim só se tem coragem quando existe o medo porque é do medo que se faz o demo que se toma coragem da mesma forma do demo também se faz o medo ou se provoca o medo visto que quando se faz o pacto ou o contrato de coragem o 103 indivíduo se torna medonho amedronta Defendemos aqui a linguagem decifrada em que os opostos coexistem formando o uno a personalidade individual pois entendemos que é do próprio medo que Riobaldo cria coragem para enfrentar seu inimigo maior assim como no primeiro encontro pois ao ver o medo de Riobaldo Diadorim tirava aumento para sua coragem ROSA 2001 p 23 A travessia de seus medos não acontece somente no primeiro encontro e no pacto com o demo no qual firma o contrato de coragem Riobaldo vive em constante travessia Após a morte de Diadorim abandona a chefia se aventurando no gosto de especular ideias e com essa nova empreitava as novas angústias indagações e os novos medos sendo o medo de ter vendido a alma perturbador já que o aponta em diversas passagens Os medos portanto são muitos acompanham Riobaldo ao longo da vida e a cada hora nova do dia aprende uma nova qualidade dele como nos alerta Nem mesmo o UrutúBranco que é constantemente descrito como corajoso e destemido deixou de temer e de tremer como no duelo entre Diadorim e Hermógenes em que nos escapa a confissão Escutei o medo claro nos meus dentes ROSA 2001 p 610 O enfrentamento é uma forma de balizar o medo no campo da coragem não é o abandono definitivo pois ele é essencial para a sobrevivência do homem alertandoo sobre os perigos do viver No meio no medo carece de ter coragem 104 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao percorrer pela vereda ambígua e enigmática que envolve o Grande sertão constatamos a composição dos personagens sem exceção pelo medo e pela coragem elementos opostos que convivem no ser num movimento reversível e constante Como vimos a reversibilidade é condicionada pelas situações por motivadores que fazem com que um dos sentimentos predomine palavra que tivemos o cuidado de ressaltar durante todo o trabalho já que descartamos a perspectiva maniqueísta ou qualquer outra vertente que siga pela exclusão de um dos contrários Além disso importa salientar que quando usamos a palavra enfrentar ou superar não tivemos a intenção de nos referir à exclusão definitiva do medo em geral O medo na narrativa não é um sentimento único e fixo mas múltiplo e variável como demonstrado Superar um medo não é excluir o sentimento de forma permanente Sabendo que com a reversibilidade do medo e da coragem mudanças ocorrem é inevitável que novos anseios e novos medos apareçam Tudo é devir Aliás esse foi o princípio aqui defendido Os sujeitos estão em constante mudança e o que a fomenta são os opostos que se completam se harmonizam dependendo um do outro para que de fato existam Tudo é e não é Diferentemente do arquétipo de herói que foi construído na mentalidade social e que desde a antiguidade vem sendo exaltado pelo discurso literário isto é o homem possuidor da extrema coragem desprovido de todo medo sempre pronto para combater determinado problema Riobaldo nos apresenta como um homem trivial comum susceptível a diversos medos e sujeito às mais altas valentias tudo a depender da situação na qual se encontra envolvido É uma permeabilidade incessante Em boa parte de sua vida evidenciamos que em Riobaldo predominava o medo medo de descer o barranco medo de a canoa virar medo do rio medo maior medo de ser baleado medo propositado medo de ser morto medo em ânsia medo de trovão medo mau medo de matar medo do Hermógenes medo de assumir a chefia medo de errar medo de Deus entre tantos outros Apesar de se inserir na jagunçagem mais precisamente no bando de Joca Ramiro no qual em suas palavras ele havia de prestar toda a sua diligência e coragem ROSA 2001 p 167 Riobaldo apresenta esparsos momentos de coragem coragem variável continuando o medo portanto 105 acentuando sua travessia Ao buscar vingar o assassinato do chefe pai de Diadorim Tatarana vê a necessidade de acertar aquela fraqueza ROSA 2001 p 426 decidindo então firmar o contrato de coragem com o demo A partir de então testemunhamos grandes mudanças no comportamento e na personalidade do narrador personagem Seria então sua hora e vez Mesmo tomado da maior coragem o UrutúBranco deixou escapar demonstrações de insegurança e receios mas negava logo a seguir Ora sendo jagunçochefe não poderia aparentar fraqueza ser de coração mole mas como os outros grandes chefes que pelo olhar do narradorpersonagem eram homens valentes que não transpareciam ter medo de nada e neles Riobaldo se espelhava se perguntando em vários momentos conforme visto o que aqueles fariam se estivessem em seu lugar Assim como o UrutúBranco os jagunços de maneira geral se preocupavam em construir e em manter a fama de valentes e destemidos como na ação que praticavam de serrar os dentes a fim de se parecerem com piranhas peixes agressivos com dentes afiados ou na véspera de batalha quando se preocupam em negar o medo devido à diarreia Não é medo não amigos é o trivial do corpo explicavam alguns que ainda careciam de ir por suas necessidades ROSA 2001 p 216 O medo é um elemento oculto o nada aos olhos que repentinamente se manifesta ou sorrateiro e fino podendo subir no oco do homem mais valente como diria Riobaldo Negar o medo como o UrutúBranco e os jagunços faziam é uma forma de contêlo reprimilo ou de recalcálo transformandoo dessa forma em um elemento estranho o que nos remete mais uma vez ao conceito freudiano acerca do unheimlich o estranhofamiliar O prefixo un da palavra alemã é como uma marca de recalque do familiar heimlich o qual se torna oculto no consciente do indivíduo Esse elemento familiar pode ser reanimado por algo situação ou pessoa fazendo com que o oculto apareça Ao explorar o referido termo Freud cita Schelling Unheimlich é tudo o que deveria ter permanecido secreto e oculto mas veio à luz12 Sabendo que o medo é inato parte integrante do sujeito é inegável que sua natureza seja familiar Ao reprimilo não há o enfrentamento e consequentemente sua superação mas o encobrimento de um sentimento que pode retornar a qualquer 12FREUD Sigmund O estranho In Obras Completas vol XVII Disponível em httpconexoesclinicascombrwpcontentuploads201501freudsigmundobrascompletasimagovol 1719171918pdf Acesso em 29 jan 2017 106 momento bastando uma excitação exterior para que o elemento interiorizado se manifeste O medo resiste por si em muitas formas ROSA 2001 p 373 ou seja como não tem uma forma exata pode ser detectado através de sintomas como tremores falta de apetite diarreia etc não sendo preciso o narradorpersonagem afirmálo no discurso para que o leitor atento o perceba Além disso a valentia e a coragem são sentimentos buscados e almejados pelos jagunços porque existe o medo o medo que maneia que fraqueja que incita o indivíduo à fuga ou à paralização reações que não são características dos jagunços Apesar de não admitirem o medo no discurso pelas pistas podemos apurálo Desse modo depreendemos que se existe o medo carece de coragem Em outras palavras havia a necessidade de os jagunços buscarem ânimo e confiança pois existia ameaça de perigo ou situação difícil ou melhor jagunço vive em meio à guerra a conflitos e à violência a vida é para esse sarro de medo se destruir jagunço sabe ROSA 2001 p 382383 Nesse cenário é bem verdade que Riobaldo enquanto UrutúBranco demonstrou momentos de excesso de coragem chegando a ser temerário muitas vezes No entanto para ser chefe era preciso mais coragem que todos e ao falar sobre o comando Riobaldo demonstra ter consciência do excesso Caso que coragem um sempre tem poder de mais sorver e arcar um excesso ROSA 2001 p 570 Ademais na jagunçagem de modo geral havia a necessidade de se reafirmar a valentia até mesmo para se ter respeito motivo pelo qual ameaçou matar nhô Constâncio Alves e o homem em sua égua seguido por seu cachorrinho Entretanto o chefe UrutúBranco que possuía espelhamentos em várias figuras paternas Joca Ramiro que era valente de coração Medeiro Vaz homem justo e Zé Bebelo que possuía artimanha e verdadeira valentia não cumpriu com as ameaças o que permitiu aos jagunços reconhecerem as influências desses três homens no chefe Urutú Por outro lado quando partirmos do conceito de coragem posto por RiobaldoRosa coragem é o que o coração bate se não bate falso ROSA 2001 p 518 constatamos sempre a relação de tal sentimento com o coração não fortuitamente já que a palavra vem do latim coraticum ação do coração Nesse contexto verificamos que outros sentimentos também são comumente relacionados ao referido órgão o medo e o amor o que fica nítido quando o narrador personagem diz que se teme por amor mas que por amor também é que a coragem se faz ROSA 2001 p 472 de outro 107 modo a coragem e o medo são influenciados pelo amor o que é possível verificar no decorrer da narrativa como na passagem em que Riobaldo pensa em fugir com Diadorim mas teve medo de errar isto é de encontrarem com perigos devido a sua decisão ou quando Riobaldo toma coragem e entra na jagunçagem influenciado por Reinaldo O Reinaldo se dizendo ser um deles eu tive coragem de oferecer também que ficava não tinha sono tudo em mim era nervosia ROSA 2001 p 158 Em meio ao medo demonstrado pelo nervosismo ele teve coragem Mira e veja do amor vêm o medo e a coragem assim como do demo o medo e a coragem advêm Mas o amor assim pode vir do demo ROSA 2001 p 155 questiona Riobaldo Diadorim e o demo são responsáveis por reverter o medo do protagonista em coragem O primeiro que nasceu pra guerrear e nunca ter medo o conduz em muitas travessias repetindo sempre que carece de ter coragem ROSA 2001 p 122 por outro lado a partir do pacto com o demo Riobaldo se reveste da maior coragem sendo comandado pelos avessos Isso posto encerramos nossa travessia com o sentimento de que cumprimos nosso objetivo principal que era entender do medo e da coragem elementos que de fato empurram e impulsionam os personagens para as diversas ações que praticam ao longo da narrativa Desse modo decifrados nossos enigmas constatamos que as hipóteses levantadas para responder o problema proposto Qual a contribuição do medo e da coragem para o desenvolvimento de Grande sertão veredas foram confirmadas 1 a coragem singulariza e caracteriza os jagunços levandoos à guerra à vingança à morte e a outros atos que podem mudar o destino 2 o medo pode não só inibir os seres em suas ações e vivências mas também pode leválos ao enfrentamento dos perigos fazendo com que tenham coragem e por fim 3 o medo e a coragem figuram os seres motivandoos e modificandoos em suas travessias ou como chamamos em seus rituais de passagem Por fim acrescentamos o fato de que o medo e a coragem não só motivaram os personagens e suas respectivas ações no passado mas também a ação de narrar do então fazendeiro exjagunço Riobaldo Tecer sua história é um meio de não reprimir ou fugir mas de externar expelir enfrentar o medo que o angustia de ter vendido a alma para o demo oquenãoexiste Ao final da narrativa ele relata o que perguntou ao Compadre Quelelém que também ouviu toda sua história tomei coragem e tudo perguntei O 108 senhor acha que a minha alma eu vendi pactário ROSA 2001 p 623 Dessa forma vêse que o medo assim como a coragem continuam influenciando as ações de Riobaldo num movimento constante infinito Ele narra para superar seu medo e assim como o viver é perigoso o contar é muito muito dificultoso ROSA 2001 p 200 por isso careceu também de ter coragem 109 REFERÊNCIAS Do autor ROSA João Guimarães Grande sertão veredas Rio de Janeiro Nova Fronteira 19 ed 2001 Sobre o autor ALBERNAZ Ana Maria Gonçalves Lysandro de Vertência do viver no Grande Sertão Veredas Rio de Janeiro 2009 175 fls Tese Doutorado em Ciência da Literatura Poética Programa de PósGraduação da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ 2009 ARRIGUCCI Jr Davi O Mundo Misturado romance e experiência em Guimarães Rosa In Novos EstudosCEBRAP 40 São Paulo novembro de 1994 p 729 Disponível em httpnovosestudosuolcombrv1filesuploadscontents7420080626omundomist uradopdf Acesso em 2 mar 2016 BORGES Telma Narradores bastardos Salman Rushdie e Guimarães Rosa Outra Travessia Florianópolis n 20 p 91110 2015 Disponível em httpsperiodicosufscbrindexphpOutraarticleview44920 Acesso em 19 nov 2016 BORGES Telma Radiografias de um romance vestígios de Grande sertão veredas na biblioteca de Guimarães Rosa In Anais do SILEL vol 3 Uberlândia EDUFU 2013 Disponível em httpwwwileelufubranaisdosilelwp contentuploads201404silel20133066pdf Acesso em 02 jun 2016 CANDIDO Antonio O homem dos avessos In Tese e antítese Rio de Janeiro Ouro sobre Azul 2006 p 111130 CARDOSO R K F R Sertão lugar sertão homem sertão linguagem ser tão sertão tudo é e não é do regional ao universal 2012 63f Trabalho de Conclusão de Curso Licenciatura em Letras Português Universidade Estadual de Montes Claros Montes Claros 2012 GALVÃO Walnice Nogueira As formas do falso um estudo sobre a ambiguidade no Grande Sertão Veredas São Paulo Editora Perspectiva 1972 GARBUGLIO José Carlos Rosa em dois tempos São Paulo Nankin 2005 HANSEN João Adolfo O o a ficção da literatura em Grande Sertão Veredas São Paulo Hedra 2000 HOLANDA Sílvio Augusto de Oliveira Benedito Nunes e a interpretação crítica de Guimarães Rosa In HOLANDA Sílvio TEIXEIRA Everton Org Guimarães Rosa novas perspectivas Curitiba CRV 2010 v 1 p 231245 MACHADO Ana Maria Recado do nome leitura de Guimarães Rosa à luz do nome de seus personagens 3 ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2003 110 MEYER Mônica Sertão Natureza a natureza em Guimarães Rosa Belo Horizonte Editora UFMG 2008 MORAIS Márcia Marques de A Travessia de Fantasmas literatura e psicanálise em Grande Sertão Veredas Belo Horizonte Autêntica 2001 MORAIS Márcia Marques de Do nomedamãe ao nomedopai figuração de identidades no Grande sertão Scripta Belo Horizonte v 5 n 10 p 264 273 janjun 2002 Disponível emhttpwwwpucminasbrimagedbmestradodoutoradopublicacoesPUAARQA RQUI20121019154603pdf Acesso em 04 set 2013 REBELLO Ivana Poética de atrito Pedras jogo e movimento no Grande Sertão Belo Horizonte PUCMinas 2011 225 p Tese Doutorado Programa de Pós Graduação em Letras Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Belo Horizonte 2011 RODRIGUES Luiz Oswaldo Carneiro Riobaldo o medo e a covardia In SALLES Carlos Alberto Corrêa org Nos sertões de Guimarães Rosa Curitiba CRV 2011 RONCARI Luiz O Brasil de Rosa o amor e o poder São Paulo Editora UNESP 2004 SPERBER Susi Frankl Caos e Cosmos leituras de Guimarães Rosa São Paulo Duas Cidades Secretaria da Cultura Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo 1976 SPERBER Susi Frankl Guimarães Rosa signo e sentimento São Paulo Ática 1982 Geral ALMEIDA Telly Will Fonseca de Ritos de Passagem a infância como alegoria do sertão em Campo Geral de João Guimarães Rosa Dissertação Mestrado em Estudos Literários Universidade Estadual de Montes Claros Montes Claros 2012 ARESI Fábio A reflexão saussuriana e os distúrbios de linguagem uma proposta de aproximação In Revista Travessias v 6 2012 p 485504 Disponível em httpe revistaunioestebrindexphptravessiasarticleview61674864 Acesso em 25 de março de 2016 ARISTÓTELES Ética a Nicômaco Trad Pietro Nassetti São Paulo Martin Claret 2006 BARBOSA Liliane Pereira ALVES Diocles Igor Pires Língua Portuguesa Fonética e Fonologia Montes Claros UNIMONTES 2011 BERGE Damião O Logos Heraclítico introdução ao estudo dos fragmentos Rio de Janeiro Instituto Nacional do Livro 1969 BOSI Alfredo História concisa da Literatura Brasileira 49 ed São Paulo Cultrix 2013 DELUMEAU Jean História do medo no ocidente 13001800 uma cidade sitiada Trad Maria Lucia Machado Heloísa Jahn São Paulo Companhia das Letras 2009 Dicionário de símbolos significado dos símbolos e simbologias Disponível em httpswwwdicionariodesimboloscombr Acesso em 03 jan 2017 111 DUBY Georges Ano 1000 ano 2000 na pista de nossos medos Trad Eugênio Michel da Silva Maria Regina Lucena BorgesOsório São Paulo UNESP 1998 FERREIRA Aurélio Buarque de Holanda Miniaurélio o minidicionário da língua portuguesa Rio de Janeiro Nova Fronteira 2010 FOUCAULT Michael Do governo dos vivos Trad Eduardo Brandão São Paulo Editora WMF Martins Fontes 2014 FREUD Sigmund O estranho In Obras Completas vol XVII Disponível em httpconexoesclinicascombrwpcontentuploads201501freudsigmundobras completasimagovol1719171918pdf Acesso em 29 jan 2017 FROMM Erich O medo à liberdade Trad Octavio Alves Velho 11 ed Rio de Janeiro Zahar Editores 1978 FROMM Erich Ter ou Ser Trad Nathanael C Caixeiro 4 ed Rio de Janeiro Guanabara 1987 GENNEP Arnold Van Ritos de passagem Trad Mariano Ferreira 3 ed Petrópolis Vozes 2001 LAYTON Julia Como funciona o medo Trad How Stuff Works Brasil Disponível em httppessoashswuolcombrmedohtm Acesso em 11 de abril de 2016 LÉVYBruhl Lucien As funções mentais nas sociedades inferiores Trad Souza Campos Niterói Teodoro 2015 LÓPEZ Emilio Mira y Quatro Gigantes da Alma o medo a ira o amor o dever 6 ed Rio de Janeiro José Olympio 1960 Maniqueísmo Disponível em httpamentequeseabreideiablogspotcombr201206comparacaoentre maniqueismosofismae5529html Acesso em 14 mar 2016 O deus Janus Disponível em httpblogdaluxblogspotcombr201101odeus janushtml Acesso em 02 dez 2016 PLATÃO A República São Paulo Martin Claret 2006 SAUSSURE Ferdinand Curso de Linguística Geral São Paulo Cultrix 2006 Significado do símbolo do infinito Disponível em httpwwwsignificadoscombrsimbolodoinfinito Acesso em 26 mar 2016 SOUSA José Cavalcante de Os présocráticos fragmentos doxografia e comentários 4ed Tradução de José Cavalcante de Sousa Anna Lia Amaral de Almeida Prado São Paulo Nova Cultural 1989 coleção Os pensadores TUAN Yifu Paisagens do medo Trad Lívia de Oliveira São Paulo Ed UNESP 2005 YAMAZAKI Alexandre Medo e Psicanalise In Universo Filosófico Disponível em httpaleyamazakiblogspotcombr200910medoepsicanalisehtml Acesso em 11 abr 2016 112 ANEXO I Esta tabela é fruto de nossa pesquisa de mestrado juntamente com o Grupo Nonada como mencionado anteriormente Para concretizála inicialmente realizamos várias leituras de Grande sertão veredas catalogando o medo a coragem e as páginas em que aparecem Posteriormente acrescentamos uma breve descrição desses sentimentos e suas respectivas passagens no romance Nesse percurso deparamonos com algumas dificuldades uma vez que o medo e a coragem não são especificados de maneira única e linear ora aparecem identificando o objeto temido e o objeto relacionado respectivamente ora são qualificados ora se dispõem de forma generalizada Tendo isso em vista foi preciso pensar em uma sistemática para inserilos na tabela e dessa forma optamos até o momento por colocar os sentimentos em questão da maneira como aparecem no romance ou seja com os respectivos objetos e qualidades organizandoos em ordem alfabética Para esse tipo de ordenação não levamos em consideração as preposições por de em para a conjunção que e o adjunto adverbial não mas observando os vocábulos que os sucedem Em alguns casos da primeira coluna na qual aparecem os tipos de medo e de coragem colocamos expressões em itálico a fim de chamar a atenção para o fato de que a tipologia de alguns desses sentimentos não está exatamente como na respectiva passagem havendo pequenas alterações eou acréscimos com o intuito de viabilizar a classificação e favorecer a leitura da tabela Importante salientar que embora não estejam verbalmente como nos trechos esses medos e coragens grifados em itálico correspondem fielmente ao conteúdo das respectivas passagens do romance De outro modo o medo e a coragem que não estabelecidos ou caracterizados de forma explícita por Guimarães RosaRiobaldo foram colocados após a classificação em ordem alfabética numa categoria que chamamos de geral uma vez que são dispostos de maneira generalizada sendo difícil classificálos levando em consideração o critério inicialmente utilizado Apesar disso na coluna descrição esses medos e coragens foram comentados assim como na classificação alfabética 113 Por fim registramos aqui a possibilidade de futuras modificações nessa sistemática atual pois esta tabela assim como todo o trabalho fará parte da Enciclopédia de Grande sertão veredas juntamente com outros verbetes e portanto as modificações podem ocorrer para que haja uma padronização O medo e a coragem em Grande sertão veredas 19 ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2001 MEDO DESCRIÇÃO PÁGINAS DE GSV PASSAGEM EM GSV A Medo de não achar pasto No dia de sair para guerrear ao percorrerem longas distâncias 148 De glória e avio de própria soldadesca e cavalos que davam até medo de não se achar pasto que chegasse e o pessoal perto por uns mil ROSA 2001 p 148 Medo de não acordar Um rapaz começou a ter medo de dormir e não saber como acordar mais Esse medo o levou à loucura 444 Tanto enquanto riam apreciando me ouvir eu contei a estória de um rapaz enlouquecido devagar nos Aiáis não longezinho da Vereda daAldeia o qual não queria adormecer por um súbito medo que nele deu de que de alguma noite pudesse não saber mais como se acordar outra vez e no inteiro de seu sono restasse preso ROSA 2001 p 444 Algum medo Negação do medo após o pacto 464 Algum medo não palpitava frio por detrás de meus olhos e por via disso eu de todos era o chefe mesmo em silêncio singular ROSA 2001 p 464 Medo em alma Medo que Riobaldo teve de fogofátuo 46 A ramagem toda do agrião o senhor conhece às horas dá de si uma luz nessas escuridões folha a folha um fosforém agrião acende de si feito eletricidade E eu tinha medo Medo em alma ROSA 2001 p 46 Medo em Medo de morrer 36 Aonde Atravessei aquilo vida 114 ânsia toda De medo em ânsia rompi por rasgar com meu corpo aquele mato fui sei lá e me despenquei mundo abaixo rolava para o oco de um grotão fechado de moitas sempre me agarrava rolava mesmo assim depois depois quando olhei minhas mãos tudo nelas que não era tirado sangue era um amasso verde nos dedos de folhas vivas que puxei e masgalhei ROSA 2001 p 36 B C Medo de castigo de Deus Na véspera de uma batalha com Zé Bebelo 216 Que simpatia demonstrada era essa eu nunca tinha dado fé daquele Feijó A vamos Hoje se faz o que não se faz um se exaltava assim tive medo de castigo de DeusROSA 2001 p 216 Medo de cego Riobaldo se referia a Borromeu que começou a rezar depois que ele matou Treciziano 530 Medo de cego não é o medo realROSA 2001 p 530 Medo claro Quando Diadorim e Hermógenes lutam às facas 610 Diadorim eu queria ver segurar com os olhos Escutei o medo claro nos meus dentes O Hermógenes desumano dronho nos cabelões da barba Diadorim foi nele ROSA 2001 p 610 Medo da confusão das coisas Riobaldo ao falar sobre o ódio que sentia de Hermógenes se refere que a um pressentimento algo que poderia acontecer mas que não sabia o que era 410 Tivesse medo O medo da confusão das coisas no mover desses futuros que tudo é desordem E enquanto houver no mundo um vivente medroso um menino tremor todos perigam o contagioso Mas ninguém tem a licença de fazer medo nos outros ninguém tenha O maior direito que é meu o que quero e sobrequero é que ninguém tem o direito de fazer medo em mim 115 ROSA 2001 p 410 D Medo do diabo No pacto Riobaldo sentia medo do demo e ele também sentia medo de Riobaldo Era recíproco p 435 435 Eu não ia temer O que eu estava tendo era o medo que ele estava tendo de mim ROSA 2001 p435 Medo de Diadorim Medo que Riobaldo teve de Diadorim enciumado 207 E Diadorim Me fez medo Ele estava com meia raiva O que é dose de ódio que vai buscar outros ódiosROSA 2001 p 207 Medo de doença São citadas a doença do toque malde lázaro e da bexiga 115 259 416 Ultimo que me veio com ela quase por engano de acaso era um homem que por medo da doença do toque ia levando seu gado de volta dos gerais para a caatinga logo que chuva chovida Eu já estava casado ROSA 2001 p 115 Digo ao senhor ele tinha medo de estar com o maldelázaro ROSA 2001 p 259 Zé Bebelo pegou a principiar medo Por quê Chega um dia se tem Medo dele era da bexiga do risco de doença e morte achando que o povo do Sucruiú podiam ter trazido o mauar e que mesmo o Sucruiú ainda demeava vizinho justo demais ROSA 2001 p 416 E Medo de errar Ainda quando Riobaldo pensou em fugir com Diadorim mas desistiu pois temia e cogitava encontrar perigos 201 Medo de errar Sempre tive Medo de errar é que é a minha paciência Mal O senhor fia Pudesse tirar de si esse medode errar a gente estava salva O senhor tece ROSA 2001 p 201 116 Medo de esbarrar de contar Momento em que o GaviãoCujo contava os detalhes do assassinato de Joca Ramiro 314 Artes que o GaviãoCujo ainda contava mais as miúcias parecia que tinha medo de esbarrar de contarROSA 2001 p314 F Medo fatal Riobaldo nega ter medo durante a batalha final 605 Minhas duas mãos tinham tomado um tremer que não era de medo fatal Minhas pernas não tremiam Mas os dedos se estremecitavam esfiapado sacudindo curvos que eu tocasse sanfona ROSA 2001 p 605 G Medo a gasto Negação do medo no início da batalha final 597 Mas não se tem medo a gasto Eu dizia fré e botava bililica na agulha Amanso Eu queria que Diadorim não se descuidasse ROSA 2001 p 597 Medo grande O medo que o povo do Paredão sentiu fez com que saíssem de lá 581 As famílias todas e os moradores camparam no pé desgarrados assim que o medo chegou lá O medo é demais de grande ROSA 2001 p 581 Medo de guerra Um jagunço inquieto nega ter medo de guerra após uma batalha 236 479 Comigo assim depois de cada forte fogo me dá esse porém É uma coceira na mente comparando mal Faz regular uns seis anos que estou na jagunçagem medo de guerra não conheço mas na noite passado cada fogo não me livro disso essa desinquietação me vem ROSA 2001 p 236 H Medo do Hermógens As estórias de Hermógenes inclusive a do pacto o afamavam e contribuíam para que tivessem medo dele inclusive Riobaldo p 82 82 186 197 251 280 425 O Hermógenes fez o pautoÉ o demônio rabudo quem pune por ele Nisso todos acreditavam Pela fraqueza do meu medo e pela força do meu ódio acho que eu fui o primeiro que cri ROSA 2001 p 82 117 186 251 425 Hermógenes sentia prazer do medo que sentiam dele p 197 Se referindo a Zé Bebelo no julgamento após Hermógenes se pronunciar p 280 A bronzes O ódio pousa na gente por umas criaturas Já vai que o Hermógenes era ruim ruim Eu não queria ter medo dele Digo ao senhor que aquele povo era jagunços eu queria bondade neles ROSA 2001 p 186 O Hermógenes homem que tirava seu prazer do medo dos outros do sofrimento dos outros ROSA 2001 p 197 O Hermógenes ele dava a pena dava medo Mas ora vez eu pressentia que do demônio não se pode ter pena nenhuma e a razão está aí ROSA 2001 p 251 Assim contracenando todo o tempo medo do Hermógenes remedou de feias caretas ROSA 2001 p 280 Às parlendas bobéia O medo que todos acabavam tendo do Hermógenes era que gerava essas estórias o quanto famanava ROSA 2001 p 425 Medo de homem e de chefe Na Fazenda dos Tucanos Riobaldo acusa Zé Bebelo de ser amigo dos soldados do Governo 351 E eu ri ah riso de escárnio direitinho ri para me constar assim que de homem ou de chefe nenhum eu não tinha medo ROSA 2001 p 351 Medo de homem humano Riobaldo sobre as ações dos jagunços 422 O horror que me deu o senhor me entende Eu tinha medo de homem humano ROSA 2001 p 422 I Medo imediato Medo de Riobaldo na travessia dos rios com Diadorim ainda meninos 121 Não pensei nada Eu tinha o medo imediato E tanta claridade do dia O arrojo do rio e só aquele estrape e o risco extenso dágua de parte a parte Alto rio fechei os 118 olhos Mas eu tinha até ali agarrado uma esperança ROSA 2001 p 121 Medo imposto Zé Bebelo querendo impor medo a todos 526 Que tal Zé Bebelo na hora me lembrei quando mal irado ou quando conforme querendo impor medo a todos Norte de Minas Norte de Minas o que bramava ROSA 2001 p 526 J Medo por Joca Ramiro Os jagunços prezavam pelo bem estar do chefe Joca Ramiro 264 A gente tinha até medo de que com tanta aspereza da vida do sertão machucasse aquele homem maior ferisse cortasse ROSA 2001 p 264 K L M Medo de mãecobra Medo de cobra grande 47 Com medo de mãecobra se vê muito bicho retardar ponderado paz de hora de poder água beber esses escondidos atrás das touceiras de buritirana ROSA 2001 p 47 Medo maior Medo que se teve de ser pego pelos soldados p 85 Medo que se teve no encontro dos rios deJaneiro e São Francisco p 120 Quando os jagunços passavam no Sucruiú p 408 Medo que os catrumanos tinham 85 120 408 Diante de mim nunca terminava de atar as correias do gibão um Cunha Branco sarado cabra velho guerreiro ele boiava língua em boca aberta E medo meu medi muito maior Se despedimos ROSA 2001 p 85 Medomaior que se tem é de vir canoando num ribeirãozinho e dar sem espera no corpo dum rio grande ROSA 2001 p 120 Gente Não se divulgava E certo que não se tinha medo maior ROSA 2001 p 408 Ou mesmo quando eu avistava um daqueles catrumanos gente 119 de Riobaldo p 560 toda trazida deportados por mim da terra deles Esses me davam estima Ah acho que me achavam Antes teriam um admirado receio o medo maiorROSA 2001 p560 Medo que maneia Medo que Riobaldo sentiu de se encontrar com Zé Bebelo e de e ser capturado Esse medo amargava a língua 168 Ouvi retardado não pude dar resposta Me amargou no cabo da língua Medo Medo que maneia Em esquina que me veio ROSA 2001 p168 Medo de matar Medo que Riobaldo sentiu de Diadorim pedir a ele para matar Ana Duzuza 53 Só previ medo foi de que ele falasse para eu mesmo ir voltar lá por minhas próprias acabar a Ana Duzuza ROSA 2001 p 53 Medo mau Medo que Riobaldo tem de trovão 43 Na Serra do Cafundó ouvir trovão de lá e retrovão o senhor tapa os ouvidos pode ser até que chore de medo mau em ilusão como quando foi menino ROSA 2001 p 43 Medo mediano Medo de Riobaldo de ter feito o pacto 328 Mas medo tenho mediano ROSA 2001 p 328 Medo meditado Medo pensado cogitado quando Riobaldo pensou em fugir com Diadorim mas desistiu 201 Hoje sei medo meditado foi isto ROSA 2001 p 201 Medo medonho Medo que o pobre homem montado na égua sentiu diante da ameaça de Riobaldo 497 Sujeito se sumiu nesse mundo carregando com o rastro medo dele era medonho Só achamos o nada dele assim rendiam explicação ROSA 2001 p 497 Medo meu Medo que Riobaldo teve de morrer de calor no Liso do 66 Acho que provinha de excessos de idéia pois caminhadas piores eu já tinha feito a cavalo ou a pé no 120 Sussuarão tostasol Medo meumedo Aguentei ROSA 2001 p 66 Medo mistério Medo de ver nascimento Nessa passagem Riobaldo se refere às crianças que nascem com problemas congênitos e à explicação do espiritismo para tal assunto 76 E as pessoas não nascem sempre Ah medo tenho não é de ver morte mas de ver nascimento Medo mistério O senhor não vê ROSA 2001 p 76 Medo mór Mesmo que medo maior Riobaldo se refere ao medo que a postura e o jeito de Diadorim causavam quando ele estava se tornando o chefe UrutúBranco 452 E Diadorim jaguarado mais em pé que um outro qualquer se asava e abava de repôr o medo mór ROSA 2001 p 452 Medo de morrer Medo que o jagunço Davidão começou a ter levandoo a fazer um trato com Faustino que em lei de caborje morreria em seu lugar p 100 Faustino que fez pacto com Davidão também começou a ter medo de morrer p 101 Diadorim pergunta para Riobaldo se ele estava gostando de Otacília e se ele sabia de seu destino Riobaldo não responde a segunda pergunta pois vê o punhal na mão de Diadorim meio 100 101 211 416 Vai um dia coisas dessas que às vezes acontecem esse Davidão pegou a ter medo de morrer ROSA 2001 p 100 O final que ele daí imaginou foi um que um dia o Faustino pegava também a ter medo queria revogar o ajuste ROSA 2001 p 101 Não respondi Deu para eu ver o punhal na mão dele meio ocultado Não tive medo de morrer Só não queria que os outros percebessem a má loucura de tudo aquilo Tremi nãop 211 121 ocultado segundo ele p 201 Zé Bebelo começou a ter medo de doença e morte p 416 Zé Bebelo pegou a principiar medo Por quê Chega um dia se tem Medo dele era da bexiga do risco de doença e morte achando que o povo do Sucruiú podiam ter trazido o mauar e que mesmo o Sucruiú ainda demeava vizinho justo demais ROSA 2001 p 416 Medo mostrado O medo que um comerciante sentiu diante da possibilidade de ser morto pelo chefe UrutúBranco 488 ele devia de estar abrindo os joelhos por tremor de medo nas pernas Aí ele mesmo então achasse que carecia de muito morrer num pingo eu pensei traiçoeiro O medo mostrado chama castigo de ira e só para isso é que serve Ah mas ah não eu tinha decidido ROSA 2001 p 488 Medo do mulato Mulato que apareceu na margem do rio 125 E não olhava para trás Não medo do mulato nem de ninguém ele não conhecia ROSA 2001 p 125 N Medo natural Medo de onça Quando se quer ter coragem a lenda diz para o sujeito medroso comer um coração de onça cru mas desde que ele mesmo matea 170 Pois então por aí se vê eu já vi um sujeito medroso que tem muito medo natural de onça mas que tanto quer se transformar em jagunço valentão e esse homem afia sua faca e vai em soroca capaz que mate a onça com muita inimizade o coração come se enche das coragens terríveis ROSA 2001 p 170 Medo nenhum Pronunciamento de Zé Bebelo após o julgamento p 294 Riobaldo deu costas para Zé Bebelo 294 448 607 Agradeço sem tremor de medo nenhum nem agências de adulação ROSA 2001 p 294 Esbarrei em meu caminhar fiquei assim parado assim mesmo O medo nenhum eu estava forro 122 correndo o risco de ser baleado p 448 Quando a batalha final ficou maior Riobaldo conclui que seu destino era o de não ter medo p 607 glorial assegurado quem ia conseguir audácias para atirar em mim ROSA 2001 p 448 E conheci oficio de destino meu real era o de não ter medo Ter medo nenhum Não tive Não tivesse e tudo se desmanchava delicado para distante de mim pelo meu vencer ilha em águas claras Conheci Enchi minha história ROSA 2001 p 607 Medo de nós O medo dos jagunços levou um homem ao suicídio 73 Mundo esquisito Brejo do Jatobazinho de medo de nós um homem se enforcou ROSA 2001 p 73 O P Medo pavor Medo que Riobaldo tem das forças de Deus 39 E outra coisa o diabo é às brutas mas Deus é traiçoeiro Ah uma beleza de traiçoeiro dá gosto A força dele quando quer moço me dá o medo pavor ROSA 2001 p 39 Medo dos perigos Riobaldo pensou em fugir com Diadorim mas desistiu pois tinha medo que encontrassem com perigos por sua culpa 201 Acho que eu não tinha conciso medo dos perigos o que eu descosturava era medo de errar de ir cair na boca dos perigos por minha culpa ROSA 2001 p 201 Medo pessoal de tudo Sobre os catrumanos que encontraram no caminho 403 Que aqueles homens eu pensei que nem mansas feras isto é que no comum tinham medo pessoal de tudo neste mundoROSA 2001 p403 Medo das pessoas que gosta Se referindo a Diadorim 212 Não virei a cara para ver Não tive receio Nunca posso ter medo das pessoas de quem eu gosto ROSA 2001 p 212 Medo do que pode Medo de se encontrar com Zé 168 Tem diversas invenções de medo eu sei o senhor sabe Pior de todas 123 haver Bebelo de quem havia fugido e ser capturado Esse medo angustiava Riobaldo é essa que tonteia primeiro depois esvazia Medo que já principia com um grande cansaço Em minhas fontes cocei o aviso de que um suor meu se esfriava Medo do que pode haver sempre e ainda não há O senhor me entende costas do mundo Medo não deixava Eu estando com um vapor na cabeça o miolo volteado Mudei meu coração de posto E a viagem em nossa noite seguia Purguei a passagem do medo grande vão eu atravessava ROSA 2001 p 168 Medo propositado Medo de ser baleado 36 Voei vindo Bala vinha O cerrado estrondava No mato o medo da gente se sai ao inteiro um medo propositado Eu podia escoicear feito burro bruto dá que dáque ROSA 2001 p 36 Q R Medo redobrado Riobaldo se referia ao cego Borromeu que agora seguia os jagunços 602 E agora ele devia de padecer o redobrado medo concebendo que vai ou vai a gente fugisse dali e ele para trás parasse para as unhas dos outros ROSA 2001 p 602 Medo resistente Quando Riobaldo percebeu que iria ter que assumir o comando do bando 373 Mas as pernas não estavam Ah fiquei de angústias O medo resiste por si em muitas formas ROSA 2001 p 373 Medo de Riobaldo Medo que muitas pessoas tinham por Riobaldo ser esquisito p 177 Medo que tinham de Riobaldo por isso não os matou p 177 353 435 445 483 Também sei o que digo em toda a parte por onde andei e mesmo sendo de ordem e paz conforme sou sempre houve muitas pessoas que tinham medo de mim Achavam que eu era esquisito ROSA 2001 p 177 Mas mais de muitos a vida salvei pelo medo que de mim tomavam para não avançar nos 124 353 No pacto Riobaldo sentia medo do demo e ele também sentia medo de Riobaldo Era recíproco p 435 Após o pacto os cavalos rinchavam de medo de Riobaldo p 445 Riobaldo apreciou o medo dos outros por ele p 483 lugares pelos tirázios ROSA 2001 p 353 Eu não ia temer O que eu estava tendo era o medo que ele estava tendo de mim ROSA 2001 p 435 Dou o confesso o que foi era de mim que eles estavam espantados Aí porque a cavalaria me viu chegar e se estrepoliu O que é que cavalo sabe Uns deles rinchavam de medo cavalo sempre relincha exagerado ROSA 2001 p 445 Apreciei de ver como todos souberam jeito de esconder o medo que de mim deviam de ter Boiada com rumo na barra do Paracatu salvante que mudassem de roteiro ROSA 2001 p 483 S Sarro de medo Necessidade de jagunço de manter a valentia e o respeito Para isso precisa destruir qualquer sarro de medo 383 A vida é para esse sarro de medo se destruir jagunço sabe Outros contam de outra maneira ROSA 2001 p 383 Medo de si mesmo Medo por não se reconhecer 155 Sabe uma vez no Tamanduátão no barulho da guerra eu vencendo aí estremeci num relance claro de medo medo só de mim que eu mais não me reconhecia ROSA 2001 p 155 Medo de ser manso Riobaldo se refere à necessidade que jagunço tem de reafirmar valentia e 38 Obra de opor por medo de ser manso e causa para se ver respeitado Todos tretam por tal regra proseiam de ruins para mais 125 maldade para ser respeitado se valerem porque a gente ao redor é duro dura ROSA 2001 p 38 Medo superado Riobaldo diz não ter medo mais após a travessia do rio São Francisco com Diadorim ainda meninos p 125 Riobaldo superou o medo que sentia quando guiou a tropa liderada por Medeiro Vaz p 170 125 170 E eu não tinha medo mais Eu O sério pontual é isto o senhor escute me escute mais do que eu estou dizendo e escute desarmado ROSA 2001 p 125 Deus governa grandeza Medo mais Nenhum algum ROSA 2001 p 170 T Medo de ter vendido a alma Medo que Riobaldo sentiu de ter vendido a alma ao Diabo ou a nenhum comprador 501 O senhor reza comigo A qualquer oração Olhe tudo o que não é oração é maluqueira Então não sei se vendi Digo ao senhor meu medo é esse Todos não vendem Digo ao senhor o diabo não existe não há e a ele eu vendi a alma Meu medo é este A quem vendi Medo meu é este meu senhor então a alma a gente vende só é sem nenhum comprador ROSA 2001 p 501 Medo por todos Medo de Riobaldo ao refletir sobre o pacto e a existência de Deus e do diabo 328 Medo tenho é porém por todos É preciso de Deus existir a gente mais e do diabo divertir a gente com sua dele nenhuma existência ROSA 2001 p 328 Medo de tremor Medo causado pelos tons do velho Ornelas 472 Mas nos tons do velho Ornelas eu tinha divulgado um extravago de susto recuante o leve medo de tremor ROSA 2001 p 472 Tristeza do medo Medo de se encontrar com Zé Bebelo de quem havia fugido e ser 169 O Reinaldo comigo par a par e a tristeza do medo me eivava de a ele não dar valor Homem como eu tristeza perto de pessoa amiga 126 capturado Esse medo também causava tristeza afraca Eu queria mesmo algum desespero Desespero quieto às vezes é o melhor remédio que há Que alarga o mundo e põe a criatura solta Medo agarra a gente é pelo enraizado Fui indo ROSA 2001 p 169 Medo de tudo Sobre o sertão 329 Estes gerais enormes em ventos danando em raios e fúria o armar do trovão as feias onças O sertão tem medo de tudo Mas eu hoje em dia acho que Deus é alegria e coragem que Ele é bondade adiante quero dizer ROSA 2001 p 329 U Medo de uivado de cachorro Episódio em que Riobaldo ameaça matar o pobre homem na égua seguido por seu cachorrinho 483 Não deixem ela uivar Não deixem ela uivar foi o que o cego Borromeu disse pelo modo ele tinha medo de uivado de cachorro ROSA 2001 p 493 V Medo pela vida Medo que se teve ao fugir da casa de seu paipadrinho Selorico Mendes Eu tinha medo por causa de minha vida quando entramos no Curralinho ROSA 2001 p 140 X W Y Z GERAL Medo Medo que Riobaldo tem de sentir remorso 80 Mas também não há jeito de me baixar em remorso Sim que só duma coisa E dessa mesma o que tenho é medo Enquanto se tem medo eu acho até que o bom remorso não se pode criar não é possível ROSA 2001 p 80 Medo Medo que um homem pobre sentiu em direção aos jagunços 88 A gente às vezes ia por aí os cem duzentos companheiros a cavalo tinindo e musicando de tão armados e vai um sujeito 127 magro amarelado saía da algumcanto e vinha espremendo seu medo farraposo com um vintém azinhavrado no conco da mão o homem queria comprar um punhado de mantimento aquele era casado pai de família faminta Coisas sem continuação ROSA 2001 p 88 Medo Riobaldo se referia ao medo de assumir a chefia do bando 103 Cada hora de cada dia a gente aprende uma qualidade nova de medo ROSA 2001 p 103 Medo Medo do que o vaqueirinho ia contar 103 De medo a gente olhava para ele e de nossos olhos ele se desencostava ROSA 2001 p 103 Medo Questionamento sobre o medo 116 Queria entender do medo e da coragem e da gã que empurra a gente para fazer tantos atos dar corpo ao suceder ROSA 2001 p 116 Medo Na travessia do de Janeiro Diadorim perguntou ao canoeiro se ele tinha medo 122 Aquele daquele dia As remadas que se escutavam do canoeiro a gente podia contar por duvidar se não satisfaziam termo Ah tu tem medo não nenhum ao canoeiro o menino perguntou com tom Sou barranqueiro o canoeirinho tresdisse repontando de seu orgulho ROSA 2001 p 122 Medo Medo de Riobaldo na travessia dos rios com Diadorim ainda meninos 121 Tive medo Sabe Tudo foi isso tive medo Enxerguei os confins do rio do outro lado Longe longe com que prazo se ir até lá Medo e vergonha A aguagem bruta traiçoeira o rio é cheio de baques modos moles de esfrio e uns sussurros de desamparo Apertei os dedos no pau da canoa ROSA 2001 p 121 Medo Ao ser questionado 122 Eu vi o rio Via os olhos dele 128 se nunca teve medo Diadorim responde que não costuma ter produziam uma luz Que é que a gente sente quando se tem medo ele indagou mas não estava remoqueando não pude ter raiva Você nunca teve medo foi o que me veio de dizer Ele respondeu Costumo não ROSA 2001 p 122 Medo Medo dos jagunços 134 Porque eles não falavam e restavam esperando assim a gente tinha medo ROSA 2001 p 134 Medo Caracterização de Zé Bebelo como destemido 146 Atirava e tanto com qualquer quilate de arma sempre certeira a pontaria laçava e campeava feito um todo vaqueiro amansava animal de maior brabeza burro grande ou cavalo duelava de faca nos espíritos solertes de onça acuada sem parar de pôr e medo ou cada parente de medo ele cuspia em riba e desconhecia ROSA 2001 p 146 Medo Riobaldo não foi a uma célebre batalha a pedido de Zé Belelo 149 Arrastávamos uma rede grande peixe grande por pegar E foi Eu não vi essa célebre batalha eu tinha ficado na PedraBranca Não por medo não ROSA 2001 p 149 Sintomas do medo Ainda sobre o medo de se encontrar com Zé Bebelo de quem havia fugido e ser capturado p 170 Riobaldo pergunta a Diadorim se ele não teria uma irmã p 198 Negação do medo 170 198 216 435 E não ia caçar a companhia do Reinaldo nem conversa o que de tudo mais prezava Resolvi aquilo e me alegrei O medo se largava de meus peitos de minhas pernas O medo já amolecia as unhas ROSA 2001 p 170 Hê de medo coração bate solto no peito mas de alegria ele bate inteiro e duro que até dói rompe para diante na parede ROSA 2001 p 198 Outros ainda comiam zampando 129 de um jagunço com diarreia antes de uma batalha com Zé Bebelo p 216 De medo Riobaldo tremia como bananeira no pacto p 435 limpavam a boca com as duas mãos Não é medo não amigos é o trivial do corpo explicavam alguns que ainda careciam de ir por suas necessidades ROSA 2001 p 216 Talentos de lua escondida Medo Bananeira treme de todo lado Mas eu tirei de dentro de meu tremor as espantosas palavras ROSA 2001 p 435 Medo Medo que uma moça sentia ao ser estuprada 188 Ao cabo que pude a moça fechados os olhos não bulia não fosse o coração dela rebater no meu peito eu entrevia medo ROSA 2001 p 188 Medo Em todas essas passagens há a negação do medo Riobaldo estava preparado pra ajudar Diadorim quando necessário p 176 Riobaldo esmorece diante da possibilidade de entrar em combate contra Zé Bebelo p 215 Riobaldo se refere ao medo de ser morto por Hermógenes p 279 Riobaldo negando o medo ao desistir de enfrentar Zé Bebelo p 366 176 215 216 279 366 366 Acho que notaram Ao que em hora justa e certa nunca tive medo Notaram ROSA 2001 p 176 E uma coisa me esmoreceu a torto Medo não mas perdi a vontade de ter coragem ROSA 2001 p 215 Que era que me acontecia Eu tomava castigo mortal de mão de todos Deixasse que tomasse Medo não tive Só que a idéia boa passou muito fraca por mim entrada por saída ROSA 2001 p 279 Nem não sei Tive medo não Só que abaixaram meus excessos de coragem só como um fogo se sopita Todo fiquei outra vez normal demais o que eu não 130 Riobaldo negando o medo ao desistir de enfrentar Zé Bebelo p 366 Riobaldo nega o medo durante um tiroteio p 341 Quando Riobaldo se preparava para ir até a encruzilhada a fim de firmar o pacto p 427 Negação do medo na véspera da batalha final p 590 Negação do medo na batalha final p 596 queria Tive medo não Tive moleza melindre Agüentei não falar adiante ROSA 2001 p 366 Nada mais nada Tive medo não Só aquele lugarzinho mortal Teso olhei tão docemente ROSA 2001 p 366 Senti como que em mim as balas que vinham estragar aquela morada alheia de fazenda Medo nem tive não deu para ter foi outra noção diferente Me salvei por um espetar de pensamento que Diadorim cenho franzindo fosse mandar eu ter coragem ROSA 2001 p 341 Não é que não foi de medo Nem eu cria que no passo daquilo pudesse se dar alguma visão O que eu tinha por mim só a invenção de coragem ROSA 2001 p 427 E tudo me deu um enjôo Tinha medo não Tinha era cansaço de esperança ROSA 2001 p 590 Assim ouvi sussurro muito suave vozinha mentindo de muito amiga minha O meu medo Não Ah não Mas meus pêlos crescendo em todo o corpo ROSA 2001 p 596 Medo Ao observar um acampamento dos bebelos 226 Será que um esmorece por medo ter Eu não campeava a morte ROSA 2001 p 226 Medo Medo durante tiroteio 229 No ferrenho tive um tempo de coisa espécie de mais medo o que um não confessa vara verde verROSA 2001 p 229 131 Medo Nessas passagens o medo é relacionado à raiva Quando Diadorim tinha sumido Riobaldo estava com saudade p 248 Momento em que souberam da morte de Joca Ramiro p 312 Episódio em que os hermógenes mataram os cavalos p 355 Durante a batalha na Fazenda dos Tucanos os jagunços gritavam para espantar o medo p 360 Referência à preparação dos jagunços para a batalha contra Hermógenes p 589 248 312 355 360 589 O prazer muito vira medo o medo vai vira ódio o ódio vira esses desesperos ROSA 2001 p 248 E a gente raivava alto para retardar o surgir do medo e a tristeza em cru sem se saber por que mas que era de todos unidos malaventurados ROSA 2001 p 312 Consoante o agarre do rincho fino e curtinho de raiva rinchado e o relincho de medo curto também o grave e rouco como urro de onça soprado das ventas todas abertas ROSA 2001 p 355 Aí cada um gritava para os outros valentia de exclamação para que o medo não houvesse Aí os judas xingávamos Para não se ter medo Ah para não se ter medo é que se vai à raiva A sebo ROSA 2001 p 360 Eu questionava comigo que eles deviam de lavorar maior raiva Raiva tampa o espaço do medo assim como do medoa raiva vem ROSA 2001 p 589 Medo Ao falar de Hermógenes 279 De uns assim tudo o que escapa vai em retinge de medo ou de ódio ROSA 2001 p 279 Medo Pronunciamento de Zé Bebelo após o julgamento 295 E viva sua valente jagunçada Mas homem sou Sou de altas cortesias Só que medo não tenho 132 nunca tive no travável ROSA 2001 p 295 Medo Segundo Zé Bebelo julgamento se pede para não ter medo e ele pediu para os jagunços verem que ele não temia 295 Para quê Para não se ter medo É o que comigo é Careci deste julgamento só por verem que não tenho medo Se a condena for às ásperas com a minha coragem me amparo Agora se eu receber sentença salva com minha coragem vos agradeço ROSA 2001 p 295 Medo Medo de Hermógenes e de Ricardão Esse foi o único medo confessado por Diadorim 300 A ser que você viu o Hermógenes e o Ricardão gente estarrecida de iras frias Agora esses me dão receio meu medo Deus não queira ROSA 2001 p 300 Medo Riobaldo refletindo sobre Deus e a existência do diabo 329 Deus resvala Mire e veja Tenho medo Não Estou dando batalha ROSA 2001 p 329 Medo Riobaldo queria colocar medo em Zé Bebelo 364 Eu tinha de encher de medo as algibeiras de Zé Bebelo Só isso era o que valia ROSA 2001 p 364 Medo Na Fazenda dos Tucanos em meio à batalha contra os Hermógenes 367 Esticou o beiço Bateu três vezes com a cabeça Ele não tinha medo Tinha as inquietações ROSA 2001 p 367 Medo Riobaldo define o medo ao final da batalha na Fazenda dos Tucanos 382 Sendo que uma criatura só a presença tira o leite do medo de outra Aí Diadorim mesmo que era o mais corajoso sabia tanto O que o medo é um produzido dentro da gente um depositado e que às horas se mexe sacoleja a gente pensa que é por causas por isto ou por aquilo coisas que só estão é fornecendo espelho ROSA 2001 p 382 Medo Riobaldo se refere aos catrumanos que 405 De homem que não possui nenhum poder nenhum dinheiro 133 encontraram no caminho nenhum o senhor tenha todo medo ROSA 2001 p 405 Medo Zé Bebelo começando a ter medo 416 Zé Bebelo suscitado determinou que a gente fosse mais para adiante Ele concebia medo Conheci Estava ROSA 2001 p 416 Medo Riobaldo se refere a Zé Bebelo que estava concebendo medo O medo segundo o narrador personagem é contagioso se não houver confiança 416 Alguém estiver com medo por exemplo próximo o medo dele quer logo passar para o senhor mas se o senhor firme aguentar de não temer de jeito nenhum a coragem sua redobra e tresdobra que até espanta ROSA 2001 p 416 Medo Medo também sentido por seô Habão após Zé Bebelo começar a ter medo de doença e de morte 416 De medo meio conforme decerto aquele algum seô Habão também tinha se idoROSA 2001 p 416 Medo No pacto 436 Tudo era para sobrosso para mais medo ah aí é que bate o ponto ROSA 2001 p 436 Medo Zé Bebelo sendo caracterizado como destemido 453 Ali era a hora E eu frentemente endireitei com Zé Bebelo com ele de barba a barba Zé Bebelo não conhecia medo ROSA 2001 p453 Medo Medo que seô Habão demonstrava sem vergonha diante o bando liderado pelo Urutú Branco 456 Ele estava em todos tremores conforme esses homens que não têm vergonha de mostrar medo em desde que possam pedir à gente perdão com muita seriedade Digo ao senhor ele beijou minha mãoROSA 2001 p 456 Medos Riobaldo prometeu que se o Guirigó não chorasse de medo no primeiro tiro lhe daria a faca 464 A pois no primeiro fogo que se der se tu não abrir boca e choro bué por medos a dita faca tu ganha presenteada eu prometiROSA 2001 p 464 134 de cabo de prata Medo Riobaldo não teve cautela pelo medo que ela poderia causar Mas isso já é uma cautela 465 Cautelas Que não Eu fosse ter cautela pegava medo mesmo só no começar ROSA 2001 p 465 Medo Medo oriundo da intimidação de seo Ornelas Vêse a perda de apetite um dos sintomas do medo Nessa passagem o medo é conceituado 469 Na verdade Aquela hora eu pelo que disse assumi incertezas Espécie de medo Como que o medo então era um sentido sorrateiro fino que outros e outros caminhos logo tomava Aos poucos essas coisas tiravam minha vontade de comer fartoROSA 2001 p 469 Medo Episódio em que Riobaldo ameaça matar o pobre homem na égua seguido por seu cachorrinho Riobaldo demonstrou receio de que o homem morresse de medo e de que ele fosse para o inferno por isso 483 Transes que em instante temi aquele homem morresse roqueado no medo rebaixado dessa forma então ah aí então o destino de lugar para mimestava definitivo só sendo nas extremas do fim do Inferno ROSA 2001 p 493 Medo Sobre Diadorim 498 Diadorim me olhava Diadorim esperou sempre com serenidade O amor dele por mim era de todo quilate ele não tartameava mais de ciúme nem de medo ROSA 2001 p 498 Medo Por medo se treme mas também se treme por amor 526 Riobaldo escuta vamos na estreitez deste passo ele disse e de medo não tremia que era de amor hoje seiROSA 2001 p 526 Medo Riobaldo se referia a Diadorim sempre tido como possuidor de coragem Nessa 500 A MatadeSãoMiguel é enorme sombreia o mundo E Diadorim podia ter medo duvidei Eu sempre sabia um dia o 135 passagem fica evidente o poder do medo medoconsegue subir faz ôco no ânimo do mais valente qualquer ROSA 2001 p 550 Medo Os jagunços não sabem se têm medo 567 Falo o dito de jagunço que eles mesmos não conseguiam saber se tinham algum medo mas em morte nenhum deles pensava O senhor xinga e jura é por sangue alheio ROSA 2001 p 567 Medo Após o pacto 569 Permaneci Eu podia tudo ver com friezas escorrido de todo medo Nem ira eu tinha A minha raiva já estava abalada ROSA 2001 p 569 Medo Riobaldo nega ter medo no início da batalha final 597 Aí eu era UrutúBranco mas tinha de ser o cerzidor Tatarana o que em ponto melhor alvejava Medo não me conheceu vaca ROSA 2001 p 597 Medo Riobaldo nega ter medo no início da batalha final 601 E naquele instante pensei aquela guerra já estava ficando adoidada Emedo não tive Subi a escada ROSA 2001 p 601 Medo Riobaldo nega ter medo durante a batalha final 608 Mas me fiz Que o ato do medo não tive ROSA 2001 p 608 Medo Durante a guerra Riobaldo manda o cego Borromeu sentar ele riu provocando nojo e possível medo no jagunço 608 Riu de me dar nôjo Mas nôjo medo é é não ROSA 2001 p 608 Medo Diadorim nasceu para não ter medo 620 O senhor lê De Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins que nasceu para o dever de guerrear e nunca ter medo e mais para muito amar sem gozo de amor ROSA 2001 p 620 136 CORAGEM DESCRIÇÃO PÁGINAS DE GSV PASSAGEM EM GSV A Altas coragens As altas coragens estavam presentes nas ações que eram narradas pelos jagunços p 202 Necessidade de mostrar coragem p 503 202 503 Com os casos que todos iam contando de combates e tiroteios perigos tantos vencidos escapulas milagrosas altas coragens ROSA 2001 p 202 O que dá fama dá desdém O menos de me importar O que eu carecia era de dar primeiras batalhas Suspender a alta coragem adiante de meus cabras ROSA 2001 p 503 Andraja Coragem A coragem de Riobaldochefe contagiava ao entrar no Liso do Sussuarão 523 Os outros a em passo em passo usufruíam quinhão da minha andraja coragem ROSA 2001 p 523 Coragem de árvores Na travessia do Liso do Sussuarão com Riobaldo no comando encontraram um Liso diferente com água vegetação etc 525 Devido que nas beiras o senhor crê se via a coragem de árvores árvores de mata indas que pouco altaneiras simaruba o anis canela dobrejo pauamarante o pombo e gameleira ROSA 2001 p 525 B Beira de coragem Coragem para responder o chefe UrutúBranco 461 Ah esses melhor se sabiam se mudos sendo Dei brado Indaguei dum Tomou um esforço de beira de coragem para me responder ROSA 2001 p 461 C Coragem calma 375 No assim simples eles obedeceram tanto um tanto o outro Mas estavam muito armados Momentos que foram eu louvei a coragem calma daqueles dois que de qualquer longe recanto um soldado talvez estivesse em poder 137 de derrubar por belprazer ROSA 2001 p 375 D Coragem de dar assalto Zé Bebelo fala a Riobaldo sobre o inimigo 365 Inimigo que faz igual numeração ou menor do que a nossa Por via disso é que não tomam coragem de dar assalto e é também que eles não conhecem o interior desta boa casa Falou o tanto comigo ROSA 2001 p 365 Coragem de dar voz Coragem de falar perante os jagunços 404 Isso aquele homem recomendou não por serviço de préstimo eu pelo tom e jeito bem entendi gritou no fim assim a fito somente de que os seus outros vissem que ele bem possuía coragem também de dar voz perante presença nossa de tantos grandes jagunços donos de arejo darmas ROSA 2001 p 404 Coragem de decisão Coragem que o levou na encruzilhada pra fazer o pacto com o demo 434 Naquela noite nunca mais eu ia receber coragem de decisão Senti esse intimado ROSA 2001 p 434 Coragem de Diadorim Riobaldo falando da coragem de Diadorim 444 Como era que era o único homem que a coragem dele nunca piscava e que por isso foi o único cuja toda coragem às vezes eu invejei ROSA 2001 p 444 E Coragem para engolir polpa de buriti e carnes de rês brava O bando estava só com três dias de farinha e carne seca mas tinha coragem para comer popa de buriti e carne de rês brava 464 A coragem que não faltasse para engolir a polpa de buriti e carnes de rês brava Às léguas eu indo eles me seguindo ROSA 2001 p 464 Coragem esporeada Coragem estimulada pela vingança 317 Nós não estávamos forte em frente com a coragem esporeada ROSA 2001 p 317 138 Excessos de coragem Durante a batalha na Fazenda dos Tucanos 366 Tive medo não Só que abaixaram meus excessos de coragem só como um fogo se sopita ROSA 2001 p 366 F G Coragem de guerra Sô Candelário perdoou um rapaz que era dos bebelos Fizeram reza para tirar sua coragem e iam soltálo próximo à Bahia 258 Conforme mais me deram explicação aquele não oferecia perigo mais de tornar a se juntar com os outros bebelos e vir outra vez de armas contra a gente porque se tinha providenciado de rezar nele uma reza de tirar a coragem de guerra feito ato mandraca de se abobar Tudo tinha graça ROSA 2001 p 258 Coragem de guerreiros Momento em que os urucuianos homens que haviam se juntado ao bando por meio de Zé Bebelo se despediram seguindo novo rumo 516 O contrato de coragem de guerreiros não se faz com vara de meirinho não écom dares e tomares ROSA 2001 p 516 Coragem gentil e preguiçosa Coragem do delegado 475 Me ensinou um meiomil de coisas A coragem dele era muito gentil e preguiçosa Sempre só depois do final acontecido era que a gente reconhecia como ele tinha sido homem no acontecer ROSA 2001 p 475 Grande coragem Presente nas estórias dos jagunços 419 De em desde muito tempo Custoso pior não sendo no arrevesso Só o que demandava era uma fúria de quente frieza dura nos dentes um rompante de grande coragem ROSA 2001 p 419 H I Coragem inteirada Coragem demonstrada por Diadorim na 125 O senhor não me responda Mais que coragem inteirada em peça era aquela a dele De Deus do demo 139 travessia do de Janeiro quando menino ROSA 2001 p 125 Interno das coragens Quando Riobaldo vai de trem a Sete Lagoas e o delegado Jazevedão senta perto dele 34 Me fez um receio mas só no bobo do corpo não no interno das coragens ROSA 2001 p 34 Coragem inventada Às vésperas de tomar a coragem de decisão para fazer o pacto com o demo 427 Delonguei deveras Não é que não foi de medo Nem eu cria que no passo daquilo pudesse se dar alguma visão O que eu tinha por mim só a invenção de coragem Alguma coisice por principiar ROSA 2001 p 427 J K L M Coragem maior Coragem adquirida após o possível pacto p 437 Durante a batalha final Riobaldo treme nega ser medo e deseja a maior coragem p 605 605 De dentro do resumo e do mundo em maior aquela crista eu repuxei toda aquela firmeza me revestiu fôlego de fôlego de fôlego da maisforça de maiorcoragem ROSA 2001 p 437 Por mim meu desprezo como essas assoviantes deles varejavam Eu não estava caçando a morte o senhor bem me entenda Eu queria era a coragem maior Macho com meu fuzil reiúno dei salvas Tive fechado o corpo Quero que não não pergunto Não morri e matei E vi Sem perigo de minha pessoa ROSA 2001 p 605 Coragem mais comum Coragem tomada por Riobaldo no julgamento de Zé Bebelo com a finalidade de defendêlo 288 Tomei coragem mais comum Abri a minha bocaROSA 2001 p 288 Coragem Coragem para pedir 213 384 Mas eu cacei melhor coragem e 140 melhor Otacília em casamento p 213 Zé Bebelo fala pra Riobaldo Coragem melhor é aquela produzida p 384 pedi meu destino a Otacília E ela por alegria minha disse que havia de gostar era só de mim e que o tempo que carecesse me esperava até que para o trato de nosso casamento eu pudesse vir com jus Saí de lá aos grandes cantos tempodoverde no coração ROSA 2001 p 213 Rapaz você é um que aceita o matar ou morrer simples igualmente eu sei você é desabusado na coragem melhor que é a da valentia produzida ROSA 2001 p 384 Mor coragem Riobaldo diz que se fugisse poderia morrer mas seria um destino e uma maior coragem 200 Morria com um bé de carneiro ou um au de cão mas tinha sido um mais destino e uma mor coragem Não valia Não fiz ROSA 2001 p 200 N O Coragem de oferecer Riobaldo após o reencontro com Diadorim já adultos entra para a jagunçagem 158 A gente ia ao menos dormir o dia mas três tinham de sobreficar de vigias O Reinaldo se dizendo ser um deles eu tivecoragem de oferecer também que ficava não tinha sono tudo em mim era nervosia ROSA 2001 p 158 P Pai da coragem João Duque 183 Carinhanha é que sempre foi de um homem de valor e poder o coronel João Duque o pai da coragem ROSA 2001 p 183 Poder da coragem Diadorim pediu a Riobaldo para que ele não se envolvesse com nenhuma mulher Trato que firmaram depois do episódio em que conversaram 207 Severgonhice e airado avêjo servem só para tirar da gente o poder da coragem ROSA 2001 p 207 141 com Otacília sobre a flor do amor Coragem precisada Quando Riobaldo decide falar com Zé Bebelo que ele era amigo dos soldados do Governo 350 O que regeu em mim foi uma coragem precisada um desprezo de dizer o que disse ROSA 2001 p 350 Q Qualquer coragem Ao falar sobre os doentes e desesperados por cura 75 Será acerto que os aleijões e feiezas estejam bem convenientemente repartidos nos recantos dos lugares Se não se perdia qualquer coragem O sertão está cheio desses ROSA 2001 p 75 R Coragem regulada Durante um tiroteio Riobaldo imagina atirar em Hermógenes desfechar seu corpo 229 Tudo tinha me torcido para um rumo só minha coragem regulada somente para diante somente para diante e o Hermógenes estava deitado ali em mim encostado era feito fosse eu mesmo ROSA 2001 p 229 S T Coragem terrível Luís Pajeú que concordou com Riobaldo em relação ao gosto de afiar os dentes que alguns jagunços tinham 181 Sujeito despachado moreno bem queimado mas de anelados cabelos e com uma coragem terrivelmente ROSA 2001 p 181 U V Coragem variável Riobaldo apresenta esparsos momentos de coragem tinha coragem variável 62 Eu cá não madruguei em ser corajoso isto é coragem em mim era variável Ah naqueles tempos eu não sabia hoje é que sei que para a gente se transformar em ruim ou em valentão ah basta se olhar um minutinho no espelho caprichando de fazer cara de valentia ou cara de ruindade ROSA 2001 p 62 142 X W Y Z GERAL Coragem Poucos homens comandados por João Goanhá mas corajosos e munidos 82 Comandava saldo de uns homens os poucos Mas coragem e munição não faltavam ROSA 2001 p 82 Coragem Marcelinho Pampa concordou que Zé Bebelo fosse o chefe 106 Com coragem falou como olhou para a gente outra vez ROSA 2001 p 106 Coragem Coragem de Zé Bebelo em revelar que nada tinha antes de se juntar ao bando de jagunços 107 A gente reconheceu mais a coragem dele Isto é qualquer um de nós sabia que aquilo podia ser mentira ROSA 2001 p 107 Coragem Desejo de Riobaldo de entender do medo e da coragem 116 Queria entender do medo e da coragem e da gã que empurra a gente para fazer tantos atos dar corpo ao suceder ROSA 2001 p 116 Coragem Coragem de Diadorim ainda menino na travessia do deJaneiro 123 Mesmo com a pouca idade que era a minha percebi que de me ver tremido todo assim o menino tirava aumento para sua coragem ROSA 2001 p 123 Coragem O jagunço Riobaldo se mostra alegre e capaz de auxiliar os companheiros 167 A que no bando de Joca Ramiro eu havia de prestar toda a minha diligência e coragem ROSA 2001 p 167 Coragem Riobaldo esmorece diante da possibilidade de entrar em combate contra Zé Bebelo Faltou ânimo elemento importante para se ter coragem 215 E uma coisa me esmoreceu a torto Medo não mas perdi a vontade de ter coragem ROSA 2001 p 215 143 Coragem Riobaldo foi aprendendo a contar a ter paciência e a ter coragem 264 Achei que em qualquer hora eu podia ter coragem Isso que vem de mansinho com uma risada boa cachaça aos goles dormida com a gente encostado em coronha de sua arma ROSA 2001 p 264 Coragem Sô Candelário sugere soltar Zé Bebelo para a guerra continuar A coragem agradava segundo Riobaldo 282 Ressaltados os homens ouvindo isso rosnaram de bem cá e lá coragem sempre agradava Diadorim apertou meu braço como sussurrou Doideira dele Riobaldo Sô Candelário está dôido varrido Aí podia ser ROSA 2001 p 282 Coragem Zé Bebelo diz ao ser julgado 295 Se a condena for às ásperas com a minha coragem me amparo Agora se eu receber sentença salva com minha coragem vos agradeço ROSA 2001 p 295 Coragem Riobaldo está saindo da Bahia e voltando para Minas o personagem perguntando coisas ao buriti como se procurasse respostas para suas questões e ouve coragem minha como se o aconselhasse a ter coragem 325 Pergunto coisas ao buriti e o que ele responde é a coragem minha Buriti quer todo azul e não se aparta de sua água carece de espelho Mestre não é quem sempre ensina mas quem de repente aprende ROSA 2001 p 325 Coragem Reflexão de Riobaldo acerca das mudanças da vida e a coragem que ela exige 334 O correr da vida embrulha tudo a vida é assim esquenta e esfria aperta e daí afrouxa sossega e depois desinquieta O que ela quer da gente é coragem ROSA 2001 p334 Coragem Reflexão de Riobaldo acerca da coragem 334 Só assim de repente na horinha em que se quer de propósito por coragem Será ROSA 2001 p 334 Coragem Riobaldo teve 341 Me salvei por um espetar de 144 coragem quando lembrou do conselho dito por Diadorim pensamento que Diadorim cenho franzindo fosse mandar eu ter coragem Ele nem disse Mas eu me inteirei ligeiro demais num só destorcer Eh pois vamos É a hora ROSA 2001 p 341 Coragem Zé Bebelo pede coragem durante a batalha na Fazenda dos Tucanos 360 É coragem e quépete que o morto morrido e matado não agride mais Aí cada um gritava para os outros valentia de exclamação para que o medo não houvesse ROSA 2001 p 360 Coragem Coragem como um sentimento contagioso 391 Diadorim disse Ei retenteia Coragem faz coragem Demais eu disse Sou Capitão General ROSA 2001 p 391 Coragem Coragem como um sentimento contagioso 416 Alguém estiver com medo por exemplo próximo o medo dele quer logo passar para o senhor mas se o senhor firme agüentar de não temer de jeito nenhum a coragem sua redobra e tresdobra que até espanta ROSA 2001 p 416 Coragem Coragem de Lacrau 425 Coragem minha é para se remedir contra homem levado feito eu não é para marcar a meianoite nessas encruzilhadas enfrentar a Figura ROSA 2001 p 425 Coragem O chefe Urutú Branco não queria ter cautela se via no direito de contrariar as regras dos chefes anteriores Para ele se fosse ter cautela teria medo 465 Coragem é matéria doutras praxes Aí o crer nos impossíveis só ROSA 2001 p 465 Coragem Coragem de seo Ornelas que ainda não esmoreceu os ânimos segundo Marcelino Pampa 467 Ao que ele tem mas tem mesmo muita coragem eu me fiz ROSA 2001 p 467 145 Coragem Riobaldo diz quando percebe o ciúme de Diadorim devido às mulheres na casa do velho Ornelas 472 Aqui digo que se teme por amor mas que por amor também é que a coragem se faz ROSA 2001 p 472 Coragem Coragem que nhô Constâncio Alves ia tomando ao conversar com o bando 486 Aí ele tomou café com a gente A dar que o homem foi se avontadeando encompridando as respostas eu mesmo dava jeito para que ele tomasse coragem ROSA 2001 p 486 Coragem Pergunta de Riobaldo a Diadorim em meio à batalha final 603 Tu não acha que todo o mundo é doido Que um só deixa de doido ser é em horas de sentir a completa coragem ou o amor Ou em horas em que consegue rezar ROSA 2001 p 603 Coragem Definição da batalha final 607 Não tinha E ali era para se confirmar coragem contra coragem à rasga de sedestruir a toda munição ROSA 2001 p 607 Coragem Coragem que Riobaldo tomou para fazer pergunta 623 Mas por fim eu tomei coragem e tudo perguntei O senhor acha que a minha alma eu vendi pactário ROSA 2001 p 623 Coragem Descrição de Riobaldo como o chefe UrutúBranco 572 Tudo em mim minha coragem minha pessoa a sombra de meu corpo no chão meu vulto O que eu pensei forte as mil vezes que eu queria que se vencesse e queria quieto feito uma árvore de toda altura ROSA 2001p 572 Coragem Os jagunços zombavam de companheiros que tinham a coragem duvidosa 591 O quase que o legal agora era de se caçoarem uns dos outros desafiando quem fosse ser medroso ou duvidado na coragem ROSA 2001 p 591 Coragens Coragens dos homens que seriam 455 Tantos e tantos eu sabia o nome e o defeito maior de cada um 146 comandados por Riobaldo que acabara de tomar a chefia daqueles homens e tantos seus braços e tantos rifles e coragens ROSA 2001 p 455 Coragem Riobaldo relaciona a coragem ao coração No latim coragem significa coraticum ação do coração 518 Que coragem é o que o coração bate se não bate falso Travessia do sertão a toda travessia ROSA 2001 p 518 Coragem Olhar de Diadorim quando Riobaldo decide atravessar novamente o Liso do Sussuarão 522 Nem Diadorim Diadorim me olhou tremeluzentemente de coragem de disposto Ele sim ROSA 2001 p 522 Coragem Para ser chefe segundo Riobaldo era preciso mais coragem que todos e ao falar sobre o comando Riobaldo demonstra ter consciência do excesso 570 O que eu tinha que era a minha parte era isso eu comandar Talmente eu podia lá ir com todos me misturar enviar por Não Só comandei Comandei o mundo que desmanchando todo estavam Que comandar é só assim ficar quieto e ter mais coragem Mais coragem que todos Alguém foi que me ensinou aquilo nessa minha hora Me vissem Caso que coragem um sempre tem poder de mais sorver e arcar um excesso igual ao jeito do ar que dele se pode puxar sempre mais para dentro do peito por cheio que cheio emendando respiração ROSA 2001 p 570 Coragem Conceito de Deus 329 O sertão tem medo de tudo Mas eu hoje em dia acho que Deus é alegria e coragem que Ele é bondade adiante quero dizer ROSA 2001 p 329 Falta de coragem Falta de coragem de abraçar Reinaldo ao reencontrálo 154 Eu queria ir para ele para abraço mas minhas coragens não deram Porque ele faltou com o passo num rejeito de acanhamento Mas me reconheceu visual Os olhos nossos donos de nós dois ROSA 2001 147 p 154 Falta de coragem Riobaldo não teve coragem de perguntar por Diadorim 236 Ainda ouvindo as palavras conheci que tinha perguntado pelo Garanço só para depois perguntar por Diadorim digo o Reinaldo Mas outra coragem não tive Faltou razão para mimROSA 2001 p 236 Falta de coragem Falta de coragem de atirar em Zé Bebelo quando capturado 269 Ele mesmo estava querendo morrer à brava depressamente Olhei olhei De atirar nele de todo jeito não tive coragem Ah não tinha ROSA 2001 p 269 Falta de coragem Relação com Diadorim 332 Porque eu desconfiava mesmo de mim não queria existir em tenção soez Eu não dizia nada não tinha coragem ROSA 2001 p 332 Falta de coragem Falta de coragem para abrir o quarto dos defuntos após uma batalha com os hermógenes 368 Na casa toda como que não se achava um litro de cal um caneco de creolinapor vil remédio Morreu o Quim Pidão se botou o corpo por cima dum banco na sala provisório ninguém não queria mais coragem de ir abrir com presteza o quarto dos defuntos ROSA 2001 p 368 Vau do mundo é a coragem Aforismo dito na travessia do Urucúia 321 Ali mais adiante era um portode lenha Você tem receio Riobaldo Diadorim me perguntou Eu Com ele em qualquer parte eu embarcava até na prancha de Pirapora Vau do mundo é a coragem eu disse ROSA 2001 p 321