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Direito ·
Direito Processual Penal
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O PROCESSO, A JURISDIÇÃO E A AÇÃO SOB A ÓTICA DE ELIO FAZZALARI\n\nFlaviane de Magalhães Barros Peigrini\n\nJá faz uma década que entre nós foi publicada a obra do Professor Aroldo Plinio Gonçalves e, desde então, um número crescente de autores passou a estudar, no Brasil, os fundamentos da teoria do processo como procedimento em contraditório. Essa teoria teve seu início com a obra de Elio Fazzalari, que a partir da reconstrução do conceito de processo e de procedimento, modificou toda a estrutura do processo, ideária desde os pandectas, baseada no direito de ação e no processo entendendo como relação jurídica.\n\nO que se pretende neste pequeno ensaio é explicar as formulações de Elio Fazzalari, a partir da noção de processo como procedimento em contraditório, unindo-a com os conhecimentos que foram agregados a ela nesta última década no Brasil, utilizando-se da obra do professor Aroldo Plinio, bem como de outros autores que vêm estudando essa relação, formando uma nova Escola de processo, que se distingue da Escola paulista, formulada a partir das influências de Enrico Tulio Liebman e dos ensinamentos de Giuseppe Chiovenda.\n\n1- A inserção do processo no ordenamento jurídico\n\n1.1- O conceito de norma\n\nPrecede ao estudo do processo a formulação do conceito de norma. Fazzalari estabelece, no plano lógico-formal, o seguinte conceito de norma: a norma consiste em um cânone de valoração de uma conduta. Estabelece a descrição de um comportamento e seus elementos e requisitos e o qualifica de lícito e devido. Já a conduta ilícita é estabelecida pelo comportamento contrário ao estabelecido na norma. (Cf. FAZZALARI, 1992: 45.)\n\nDoutor e Mestre em Direito Processual pela PUC-Minas. Professor do Programa de Pós- -graduação em Direito e do Curso de Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professora da Universidade de Ituiutaba. Parece-nos importante salientar esta noção de ilicitude, construída pelo autor, pois a ilicitude não se busca pela leitura da norma; não está, portanto, contida na norma em sua abstração, ela assume a forma de um comportamento valorizado frente à situação concreta. \"Ilícito\" é a qualifica che può collegarsi non all'astratta condotta contemplata dalla norma, ma a quelle concretamente tenuta da un soggetto, e difforme dal modello di condotta \"doverosa\". ( FAZZALARI, 1992, p 46)\n\nComo assevera Aroldo Plínio:\n\n(...) enquanto Kelsen concentrou o estudo da juridicidade no ilícito, Fazzalari trabalha exatamente em linha contrária. O ilícito para ele não é o cânone de conduta. A conduta é valorizada pelo lícito, o ordenamento jurídico é o complexo de normas, de faculdades, de poderes, de deveres, o complexo de ilícitos. O ilícito não lhe compreende, mas abrange possibilidades de nova interpretação e impossibilidades da norma penal, Fazzalari demonstra que a conduta de um sujeito é também aplicável a norma do dever, como o homicídio, o não é matar, a norma penal tem, para ele, o caráter do comportamento do sujeito referente ao poder jurisdicional. (GONÇALVES, 1992, p.155)\n\nPortanto, o ilícito não faz parte, não integra a estrutura do procedimento, e do processo por consequência.( Cf. GONÇALVES, 1992:107)\n\nA norma, como cânone de valoração, contém, além da descrição de um comportamento, de seus elementos e requisitos, a indicação do pressuposto em presença do qual o comportamento previsto é submetido à valoração jurídica. O autor denomina este pressuposto de \"fatti specie\", que pode ser um fato ou um ato, por exemplo, um incêndio, que desencadeia a obrigação do ressarcimento.\n\nEm alguns casos, a norma geral estabelecida pelo Estado, como por exemplo, a norma que determina aos pais o dever de educar os filhos, pode comportar diversas situações singulares, susceptíveis de um número indefinido de repetições, todas entendidas como comportamentos qualificados a partir da norma em abstrato, como a disposição de um pai que estabelece um horário para seu filho chegar a noite em casa.\n\nA norma se comporta de diversas formas. Dentre as quais, como cânone de valoração, como ato jurídico, ou como posição jurídica subjetiva. A norma jurídica, do ponto de vista de sua estrutura lógica, é contemplada não apenas como \"cânone de valoração de uma conduta\", isto é, como regra vinculante e exclusiva que expressa os valores da sociedade, mas também em relação à conduta por ela descrita, a que se liga a valoração normativa. Sendo o sinônimo de conduta (que tem no comportamento o seu conteúdo), dessa valoração resulta a qualificação do ato jurídico como lícito (o uso do próprio bem), como devido. A posição do sujeito em relação à norma permite falar em posição subjetiva, ou posição jurídica subjetiva, e qualificar a conduta como faculdade ou poder, se é valorada como lícita, e como dever, se é valorizada como devida. (GONÇALVES, 1992, p.106)\n\nA norma pode ser vista destes três ângulos. A posição jurídica subjetiva é uma das interfaces da norma, que precede ao cânone de valoração e antecede ao ato jurídico, fazendo um ponto entre eles. Assim, antes que um sujeito pratique um ato jurídico, evidencia-se a posição jurídica, que pode ser uma faculdade, um dever ou um direito. Pode ser considerada pela sua abstração, quando não estabelece um sujeito real para sua aplicação, ou pela sua concretude, quando prevê um sujeito determinado. (Cf. FAZZALARI, 1992, p.49)\n\nSão consideradas posições subjetivas primárias: a faculdade, o poder e o dever. De modo que a partir da norma se perquire uma posição subjetiva, que pode ser uma faculdade, um poder ou um dever, que assegura ao sujeito uma posição de vantagem, que é um direito subjetivo, uma posição fundamental de segundo grau. (Cf. FAZZALARI, 1992, p. 51) Para o autor, o direito subjetivo é uma posição de vantagem que um sujeito possui frente a um bem, descrito na norma jurídica. Como ressalta Aroldo Plínio, o conceito de direito subjetivo é extraído a partir da posição do sujeito em relação ao comportamento determinado pela norma. (GONÇALVES, 1992, p.106) Desta posição subjetiva do sujeito frente a um determinado bem, prevista pela norma, surge um dever para os demais sujeitos – considerados terceiros em relação ao bem. Este dever pode ser relativo, como o dever de pagar a prestação decorrente de um direito de crédito, ou um dever de caráter absoluto, como o dever de abstenção frente a um direito absoluto. 1.2 A estrutura do procedimento\n\nApós essa digressão inicial à Teoria das Formas, o autor inicia o estudo da estrutura do procedimento, que é uma das formas possíveis, pois é uma sequência de normas, atos e posições subjetivas. Na compreensão do autor, o procedimento evidencia-se quando há previsão de uma sequência de normas, em que uma norma valoriza uma conduta como lícita ou devida, e esta conduta qualificada é pressuposto para qualificação da conduta prevista na norma precedente. Em outras palavras, o procedimento é uma sequência de normas, atos e posições subjetivas, que se encadeou até a realização do ato final, na qual a norma precedente – que estabeleceu uma conduta valorada como lícita ou devida – é pressuposto para realização da consequente. A primeira norma a conduzir da decorrente ligam-se à segunda como um pressuposto ou como sua fattispecie. (Cf. FAZZALARI, 1992, p. 59)\n\nNas palavras autor:\n\n(...) procedimento se coglie quando ci si trova de fronti ad uma serie di norme a norma dicuscia delle quale regola una determinada condotta (qualificandola come lecito o doverosa), ma enuncia come presupposto della propria incidenza el compimento di un'attività regolata da altra norma della serie, e così via fino a la norma regolatrice de un atto final. (FAZZALARI, 1992, p. 60)\n\nA esse conceito de procedimento, o autor agrega o conceito de processo, que se distingue pelo critério lógico de inclusão – como justifica Aroldo Plínio (Cf.GONÇALVES, 1992, p. 67,68) –, pois o processo é uma das espécies de procedimento, que se distingue pelo tratamento dispensado aos partícipes que sofrerão os efeitos do ato final, que devem participar do procedimento em posição de simétrica paridade, ou seja, em contraditório.\n\nSe, poi, il procedimento è regolato in modo che ci partecipano anche coloro nelle cui sfera giuridica il fatto finale è destinato svolgere effetti (talché l’autore di esso debba tener conto nelle loro attività), e se tale partecipazione è consegnata in modo che i contra-interessati (quelli che aspirano alla realizzazione dell’atto finale – “interessati” in senso stretto – e coloro che vogliono evitarla – “controrinteressati”, siano sul piano de simétrica parità; allora il procedimento comprende il contradittorio, si fa più articolato e complesso, e dal genus procedimento è consentito enucleare la species processo. (FAZZALARI, 1992: 60)\nComo ressalta Aroldo Plínio Gonçalves, Bülow e seus sucessores realizaram a separação entre os conceitos de processo e procedimento, eis que anteriormente se absorvia o processo no procedimento, como simples sequência de atos, e construiu uma distinção baseada no critério teleológico. Por este critério, o processo se distingue por seu fim, pois é o instrumento pelo qual a jurisdição é operada e o procedimento se torna a simples sucessão lógica de atos, desprovido de qualquer finalidade. Assim, a reação que se iniciou com Bülow destinou o procedimento de qualquer fim e o absorveu no processo, realizando o caminho inverso do antes criticado por eles. Contudo, não se pode negar ao procedimento sua finalidade.\n\nFoi sob esse aspecto histórico que Fazzalari, excluindo o critério teleológico, buscou em um critério lógico de inclusão, definir o que seja processo e o que seja procedimento. Nas palavras do mestre mineiro:\nPelo critério lógico, as características do procedimento e do processo não devem ser investigadas em razão de elementos finalísticos, mas devem ser buscadas dentro do próprio sistema jurídico que os disciplina. E o sistema normativo revela que, antes deta distinção, há entre eles uma relação de inclusão, porque o processo é uma espécie do gênero procedimento, e se pode ser dele separado e por uma diferença específica, uma propriedade que possui e que o torna, então, distinto, na mesma escala em que pode haver distinção entre gênero e espécie. A diferença específica entre o procedimento em geral, que pode ou não se desenvolver como processo, e o procedimento que é processo, é a presença neste do elemento que o especifica: o contraditório. O processo é um procedimento, mas não qualquer procedimento; é o procedimento de que participam aqueles que são interessados no ato final, de caráter imperativo, por ele preparado, não apenas participam; participam de uma forma especial, em contraditório entre eles, porque seus interesses em relação ao ato final são opostos. (GONÇALVES, 1992, p. 68) 1.3- A estrutura do processo e o contraditório\nE o processo, como adiantamos há pouco, é uma espécie do gênero procedimento, que possui o contraditório como elemento definidor de sua estrutura. O processo, como procedimento em contraditório, exige que os interessados e os contra-interessados – entendidos como os sujeitos do processo que suportarão o resultado favorável ou desfavorável do provimento – participem em simétrica paridade do iter procedimental, para a formação do provimento.\n\n\"Tale struttura consiste nella partecipazione dei destinatari degli effetti dell’atto finale alla fase preparatoria del medesimo; nella simmetrica parità delle loro posizioni\" (FAZZALARI, 1992, p. 82), na fundamentação do autor.\n\nEm sendo o contraditório o elemento definidor do processo, que o distingue do procedimento, é necessário analisar a sua estrutura. Anteriormente, o contraditório era visto como a simples participação dos interessados no processo. Mas, como ressalta Fazzalari, a participação é exigida não só do autor ou do réu; participam do processo, como sujeitos processuais: o juiz, os seus auxiliares, o Ministério Público, os peritos e também os autores e os réus. Sob este enfoque, todos são partes.\n\nPara se definir quem serão os contraditores, ou seja, quem participará do processo em contraditório, é necessário verificar quais sujeitos serão afetados pelo ato final, quais serão os sujeitos destinatários do provimento. Estes, que suportarão os resultados favoráveis ou desfavoráveis do provimento, é que serão os participantes em contraditório e que possuem legitimidade para agir, como adiante veremos.\n\nNas palavras de Fazzalari: \"L’essenza stessa del contraddittorio esige che vi partecipano almeno due soggetti, un “interessato” e un “controinteressato”: sull’uno dei quali l’atto finale è destinato a svolgere effetti favorevoli e sull’altro effetti pregiudiziali\". (FAZZALARI, 1992: 85)\n\nMas o contraditório entre os interessados e os contra-interessados não pode ser entendido como mera participação desses sujeitos no processo, mas a participação em simétrica paridade. E esta participação em simétrica paridade que define o contraditório, nesta nova concepção.\n\n1.4- Plano de trabalho\n\nParece-nos importante, neste momento, ressaltar o quanto o estudo dessa nova estrutura de procedimento e processo interfere em conceitos há muito arraigados na ciência do Direito Processual. Pois, a partir da adoção da noção de processo como procedimento realizado em contraditório, o conceito de jurisdição, o conceito de direito de ação e o de direito subjetivo, em consequência, e mesmo a noção de processo como relação jurídica, têm que ser repensados, a fim de excluirmos aqueles incompatíveis com a nova concepção de processo, ou a fim de adequarmos os demais à nova concepção.\n\nPara procedermos a tal reelaboração, optamos por fazê-la através de uma análise comparativa. Utilizaremos os ensinamentos de dois grandes mestres italianos, Giuseppe Chiovenda e Enrico Tulio Liebman, tendo em vista a grande influência dos ensinamentos destes autores na Escola de Processo brasileira. Desse modo, trataremos, no próximo capítulo, da noção de processo como relação jurídica e como situação jurídica, e dos reflexos frente à teoria do processo como procedimento em contraditório. Posteriormente, estudaremos o conceito de jurisdição, atribuído pelos relacionistas, e as modificações inseridas pela teoria do processo como procedimento em contraditório; e por fim, os reflexos frente à teoria do direito de ação.\n\n2- Processo: relação jurídica, situação jurídica ou procedimento em contraditório.\n\nComo revela o título acima, a teoria do processo como procedimento em contraditório não se harmoniza com a noção de processo como relação jurídica. Senão, vejamos primeiramente as formulações a respeito do processo como relação jurídica, propostas por Chiovenda e Liebman.\n\nO estudo de Chiovenda sobre o processo inicia-se com a demonstração de alguns conceitos imprescindíveis, como o direito objetivo e o direito subjetivo. Para o autor, o direito objetivo é leal e, em sentido lato, ou seja, \"a manifestação da vontade coletiva geral\". (CHIOVENDA, A, p. 3). Em consequência, o autor assim define o direito subjetivo:\n\nFundado-se, com efeito, na vontade da lei, o sujeito jurídico pode aspirar à consecução ou à conservação daqueles bens, inclusive por via de coação. Constitui tal aspiração o denominado – direito subjetivo, que se pode, portanto, assim definir: a expectativa de um bem da vida garantida pela vontade da lei. (...) a ideia do direito subjetivo, verificamos que se resolve numa vontade concreta da lei. (CHIOVENDA, A, p. 3)\n\nDe modo que o autor compreende o direito subjetivo como a vontade concreta da lei, dirigida a um bem da vida, que surge para aquele que reclama a atuação da lei. Assim, se duas pessoas realizam um contrato de compra e venda, a primeira forma de atuação da vontade concreta da lei é o cumprimento da obrigação – a prestação. Se esta não se efetiva, ela será substituída pela atuação da vontade concreta da lei, que é o objeto do processo.(Cf. CHIOVENDA, A, p. 4, 37,50)\n\nO autor, que sempre foi um crítico da doutrina que reduzia o processo à reação do direito material lesado (Cf. CHIOVENDA, 1903), entende ser o processo uma unidade, que contém uma relação jurídica. Definido, assim, o processo: \"o processo civil é o complexo dos atos ordenados ao objetivo da atuação da vontade da lei (com respeito a um bem que se pretende garantido por eles), por parte dos órgãos da jurisdição ordinária.\" ( CHIOVENDA, A, p. 37)\n\nAssim, antes de o juiz se pronunciar a favor ou contra o pedido do autor, ele passa por um \"estado de pendência\", no qual são dados às partes diversos direitos e deveres, para que possam fazer valer o seu direito. (Cf. CHIOVENDA, A, p.56)\n\nO autor analisa a relação jurídica processual como uma relação de direito público, autônoma e complexa. É uma relação de direito público, pois o processo realiza uma função pública e suas normas reguladoras são de direito público. O processo é uma relação jurídica autônoma, pois mesmo não se evidenciando, ao final, no pronunciamento do juiz, a vontade concreta da lei, refere-se ao pedido do autor – direito de ação – a relação processual existiu. Assim, diz o autor: \"uma coisa é, pois, a ação, outra a relação processual; aquela compete à parte autora, a relação compete a todos as partes.\" ( CHIOVENDA, A, p. 57) E, por fim, a relação jurídica é complexa, pois no seu interior se vislumbra um conjunto de direitos e deveres em número indeterminado, que se conectam em virtude do objetivo comum, que corresponde à unidade da relação jurídica.\n\nÉ importante confrontar o pensamento supra do autor com algumas de suas fundamentações iniciais, concernentes a dois conceitos: o de direito subjetivo, como atuação concreta da lei, e o de relação jurídica, a partir da distinção entre estes dois conceitos. Diz o autor: \n\nSe alguém pretende um bem da vida aduzindo como fundamento uma vontade concreta da lei, que em realidade, não subsiste, forma-se, então, uma vontade concreta da lei em virtude da qual essa pretensão deve receber-se, declarar-se – tratar-se como destituída de fundamento, o que equivale a dizer que se transforma uma vontade concreta negativa da lei. Ora, o processo civil, que se encaminha por demanda de uma parte (autor) em frente a outra parte (réu), serve justamente, (...) a não mais a tornar concreta a vontade da lei, pois essa vontade já se formou como vontade concreta anteriormente ao processo, mas a ativa a vontade concreta da lei afirmada pelo autor, a qual, se existente, é efetivada com o recebimento da demanda, ou em caso contrário à vontade negativa da lei, efetivada pela recusa. (CHIOVENDA, A., p. 05)\n\nO autor ainda ressalta que a relação jurídica é a fonte de um direito subjetivo, sendo a relação jurídica uma relação entre homens, regulada pela vontade da lei.\n\nMas, sugere o autor:\n\nO conceito de relação jurídica é mais amplo do que o de direito subjetivo, não tanto porque exprima, além da posição daquele que goza de um direito, aquela de quem lhe está submetido, quando porque normalmente a relação jurídica não se exaure num único direito subjetivo de uma parte e na correspondente sujeição da outra parte: normalmente a relação jurídica é complexa, ou seja, compreende mais de um direito subjetivo de uma parte em referência a outra. (CHIOVENDA, A., p. 05)\n\nSintetizando, Chiovenda analisa o direito subjetivo como preexistente ao processo, mas que será declarado no processo, através da adoção ou rejeição da demanda. Apesar de se referir posteriormente, como já chamamos, ao caráter abstrato da relação jurídica processual, ela o vincula à realização positiva ou negativa do resultado útil do processo, de seu objeto. Ao mesmo tempo, ele compreende a relação jurídica como um complexo de direitos subjetivos das partes nela inseridas.\n\nInteressa-nos, deste momento, salientar a inexistência, nas Instituições de Chiovenda, de referência ao procedimento, na passagem em que o autor estuda o processo e a relação processual. Essa situação é justificada pela própria evolução da ciência do direito processual. Como Chiovenda era contrário à inserção do processo na relação de direito material, que dava valor apenas ao procedimento, o referido autor, para defender a autonomia do processo e da ciência processual, exclui, por sua falta de importância frente ao instituto do processo, o procedimento.\n\nPassaremos, agora, ao estudo das formulações de Enrico Tulio Liebman, que define processo da seguinte forma:\n\nA atividade designada a qual se desempenha em concreto a função jurisdicional chama-se processo. Essa função não se cumpre, em verdade, a um só tempo e com um só ato, mas através de uma série coordenada de atos que se
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O PROCESSO, A JURISDIÇÃO E A AÇÃO SOB A ÓTICA DE ELIO FAZZALARI\n\nFlaviane de Magalhães Barros Peigrini\n\nJá faz uma década que entre nós foi publicada a obra do Professor Aroldo Plinio Gonçalves e, desde então, um número crescente de autores passou a estudar, no Brasil, os fundamentos da teoria do processo como procedimento em contraditório. Essa teoria teve seu início com a obra de Elio Fazzalari, que a partir da reconstrução do conceito de processo e de procedimento, modificou toda a estrutura do processo, ideária desde os pandectas, baseada no direito de ação e no processo entendendo como relação jurídica.\n\nO que se pretende neste pequeno ensaio é explicar as formulações de Elio Fazzalari, a partir da noção de processo como procedimento em contraditório, unindo-a com os conhecimentos que foram agregados a ela nesta última década no Brasil, utilizando-se da obra do professor Aroldo Plinio, bem como de outros autores que vêm estudando essa relação, formando uma nova Escola de processo, que se distingue da Escola paulista, formulada a partir das influências de Enrico Tulio Liebman e dos ensinamentos de Giuseppe Chiovenda.\n\n1- A inserção do processo no ordenamento jurídico\n\n1.1- O conceito de norma\n\nPrecede ao estudo do processo a formulação do conceito de norma. Fazzalari estabelece, no plano lógico-formal, o seguinte conceito de norma: a norma consiste em um cânone de valoração de uma conduta. Estabelece a descrição de um comportamento e seus elementos e requisitos e o qualifica de lícito e devido. Já a conduta ilícita é estabelecida pelo comportamento contrário ao estabelecido na norma. (Cf. FAZZALARI, 1992: 45.)\n\nDoutor e Mestre em Direito Processual pela PUC-Minas. Professor do Programa de Pós- -graduação em Direito e do Curso de Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professora da Universidade de Ituiutaba. Parece-nos importante salientar esta noção de ilicitude, construída pelo autor, pois a ilicitude não se busca pela leitura da norma; não está, portanto, contida na norma em sua abstração, ela assume a forma de um comportamento valorizado frente à situação concreta. \"Ilícito\" é a qualifica che può collegarsi non all'astratta condotta contemplata dalla norma, ma a quelle concretamente tenuta da un soggetto, e difforme dal modello di condotta \"doverosa\". ( FAZZALARI, 1992, p 46)\n\nComo assevera Aroldo Plínio:\n\n(...) enquanto Kelsen concentrou o estudo da juridicidade no ilícito, Fazzalari trabalha exatamente em linha contrária. O ilícito para ele não é o cânone de conduta. A conduta é valorizada pelo lícito, o ordenamento jurídico é o complexo de normas, de faculdades, de poderes, de deveres, o complexo de ilícitos. O ilícito não lhe compreende, mas abrange possibilidades de nova interpretação e impossibilidades da norma penal, Fazzalari demonstra que a conduta de um sujeito é também aplicável a norma do dever, como o homicídio, o não é matar, a norma penal tem, para ele, o caráter do comportamento do sujeito referente ao poder jurisdicional. (GONÇALVES, 1992, p.155)\n\nPortanto, o ilícito não faz parte, não integra a estrutura do procedimento, e do processo por consequência.( Cf. GONÇALVES, 1992:107)\n\nA norma, como cânone de valoração, contém, além da descrição de um comportamento, de seus elementos e requisitos, a indicação do pressuposto em presença do qual o comportamento previsto é submetido à valoração jurídica. O autor denomina este pressuposto de \"fatti specie\", que pode ser um fato ou um ato, por exemplo, um incêndio, que desencadeia a obrigação do ressarcimento.\n\nEm alguns casos, a norma geral estabelecida pelo Estado, como por exemplo, a norma que determina aos pais o dever de educar os filhos, pode comportar diversas situações singulares, susceptíveis de um número indefinido de repetições, todas entendidas como comportamentos qualificados a partir da norma em abstrato, como a disposição de um pai que estabelece um horário para seu filho chegar a noite em casa.\n\nA norma se comporta de diversas formas. Dentre as quais, como cânone de valoração, como ato jurídico, ou como posição jurídica subjetiva. A norma jurídica, do ponto de vista de sua estrutura lógica, é contemplada não apenas como \"cânone de valoração de uma conduta\", isto é, como regra vinculante e exclusiva que expressa os valores da sociedade, mas também em relação à conduta por ela descrita, a que se liga a valoração normativa. Sendo o sinônimo de conduta (que tem no comportamento o seu conteúdo), dessa valoração resulta a qualificação do ato jurídico como lícito (o uso do próprio bem), como devido. A posição do sujeito em relação à norma permite falar em posição subjetiva, ou posição jurídica subjetiva, e qualificar a conduta como faculdade ou poder, se é valorada como lícita, e como dever, se é valorizada como devida. (GONÇALVES, 1992, p.106)\n\nA norma pode ser vista destes três ângulos. A posição jurídica subjetiva é uma das interfaces da norma, que precede ao cânone de valoração e antecede ao ato jurídico, fazendo um ponto entre eles. Assim, antes que um sujeito pratique um ato jurídico, evidencia-se a posição jurídica, que pode ser uma faculdade, um dever ou um direito. Pode ser considerada pela sua abstração, quando não estabelece um sujeito real para sua aplicação, ou pela sua concretude, quando prevê um sujeito determinado. (Cf. FAZZALARI, 1992, p.49)\n\nSão consideradas posições subjetivas primárias: a faculdade, o poder e o dever. De modo que a partir da norma se perquire uma posição subjetiva, que pode ser uma faculdade, um poder ou um dever, que assegura ao sujeito uma posição de vantagem, que é um direito subjetivo, uma posição fundamental de segundo grau. (Cf. FAZZALARI, 1992, p. 51) Para o autor, o direito subjetivo é uma posição de vantagem que um sujeito possui frente a um bem, descrito na norma jurídica. Como ressalta Aroldo Plínio, o conceito de direito subjetivo é extraído a partir da posição do sujeito em relação ao comportamento determinado pela norma. (GONÇALVES, 1992, p.106) Desta posição subjetiva do sujeito frente a um determinado bem, prevista pela norma, surge um dever para os demais sujeitos – considerados terceiros em relação ao bem. Este dever pode ser relativo, como o dever de pagar a prestação decorrente de um direito de crédito, ou um dever de caráter absoluto, como o dever de abstenção frente a um direito absoluto. 1.2 A estrutura do procedimento\n\nApós essa digressão inicial à Teoria das Formas, o autor inicia o estudo da estrutura do procedimento, que é uma das formas possíveis, pois é uma sequência de normas, atos e posições subjetivas. Na compreensão do autor, o procedimento evidencia-se quando há previsão de uma sequência de normas, em que uma norma valoriza uma conduta como lícita ou devida, e esta conduta qualificada é pressuposto para qualificação da conduta prevista na norma precedente. Em outras palavras, o procedimento é uma sequência de normas, atos e posições subjetivas, que se encadeou até a realização do ato final, na qual a norma precedente – que estabeleceu uma conduta valorada como lícita ou devida – é pressuposto para realização da consequente. A primeira norma a conduzir da decorrente ligam-se à segunda como um pressuposto ou como sua fattispecie. (Cf. FAZZALARI, 1992, p. 59)\n\nNas palavras autor:\n\n(...) procedimento se coglie quando ci si trova de fronti ad uma serie di norme a norma dicuscia delle quale regola una determinada condotta (qualificandola come lecito o doverosa), ma enuncia come presupposto della propria incidenza el compimento di un'attività regolata da altra norma della serie, e così via fino a la norma regolatrice de un atto final. (FAZZALARI, 1992, p. 60)\n\nA esse conceito de procedimento, o autor agrega o conceito de processo, que se distingue pelo critério lógico de inclusão – como justifica Aroldo Plínio (Cf.GONÇALVES, 1992, p. 67,68) –, pois o processo é uma das espécies de procedimento, que se distingue pelo tratamento dispensado aos partícipes que sofrerão os efeitos do ato final, que devem participar do procedimento em posição de simétrica paridade, ou seja, em contraditório.\n\nSe, poi, il procedimento è regolato in modo che ci partecipano anche coloro nelle cui sfera giuridica il fatto finale è destinato svolgere effetti (talché l’autore di esso debba tener conto nelle loro attività), e se tale partecipazione è consegnata in modo che i contra-interessati (quelli che aspirano alla realizzazione dell’atto finale – “interessati” in senso stretto – e coloro che vogliono evitarla – “controrinteressati”, siano sul piano de simétrica parità; allora il procedimento comprende il contradittorio, si fa più articolato e complesso, e dal genus procedimento è consentito enucleare la species processo. (FAZZALARI, 1992: 60)\nComo ressalta Aroldo Plínio Gonçalves, Bülow e seus sucessores realizaram a separação entre os conceitos de processo e procedimento, eis que anteriormente se absorvia o processo no procedimento, como simples sequência de atos, e construiu uma distinção baseada no critério teleológico. Por este critério, o processo se distingue por seu fim, pois é o instrumento pelo qual a jurisdição é operada e o procedimento se torna a simples sucessão lógica de atos, desprovido de qualquer finalidade. Assim, a reação que se iniciou com Bülow destinou o procedimento de qualquer fim e o absorveu no processo, realizando o caminho inverso do antes criticado por eles. Contudo, não se pode negar ao procedimento sua finalidade.\n\nFoi sob esse aspecto histórico que Fazzalari, excluindo o critério teleológico, buscou em um critério lógico de inclusão, definir o que seja processo e o que seja procedimento. Nas palavras do mestre mineiro:\nPelo critério lógico, as características do procedimento e do processo não devem ser investigadas em razão de elementos finalísticos, mas devem ser buscadas dentro do próprio sistema jurídico que os disciplina. E o sistema normativo revela que, antes deta distinção, há entre eles uma relação de inclusão, porque o processo é uma espécie do gênero procedimento, e se pode ser dele separado e por uma diferença específica, uma propriedade que possui e que o torna, então, distinto, na mesma escala em que pode haver distinção entre gênero e espécie. A diferença específica entre o procedimento em geral, que pode ou não se desenvolver como processo, e o procedimento que é processo, é a presença neste do elemento que o especifica: o contraditório. O processo é um procedimento, mas não qualquer procedimento; é o procedimento de que participam aqueles que são interessados no ato final, de caráter imperativo, por ele preparado, não apenas participam; participam de uma forma especial, em contraditório entre eles, porque seus interesses em relação ao ato final são opostos. (GONÇALVES, 1992, p. 68) 1.3- A estrutura do processo e o contraditório\nE o processo, como adiantamos há pouco, é uma espécie do gênero procedimento, que possui o contraditório como elemento definidor de sua estrutura. O processo, como procedimento em contraditório, exige que os interessados e os contra-interessados – entendidos como os sujeitos do processo que suportarão o resultado favorável ou desfavorável do provimento – participem em simétrica paridade do iter procedimental, para a formação do provimento.\n\n\"Tale struttura consiste nella partecipazione dei destinatari degli effetti dell’atto finale alla fase preparatoria del medesimo; nella simmetrica parità delle loro posizioni\" (FAZZALARI, 1992, p. 82), na fundamentação do autor.\n\nEm sendo o contraditório o elemento definidor do processo, que o distingue do procedimento, é necessário analisar a sua estrutura. Anteriormente, o contraditório era visto como a simples participação dos interessados no processo. Mas, como ressalta Fazzalari, a participação é exigida não só do autor ou do réu; participam do processo, como sujeitos processuais: o juiz, os seus auxiliares, o Ministério Público, os peritos e também os autores e os réus. Sob este enfoque, todos são partes.\n\nPara se definir quem serão os contraditores, ou seja, quem participará do processo em contraditório, é necessário verificar quais sujeitos serão afetados pelo ato final, quais serão os sujeitos destinatários do provimento. Estes, que suportarão os resultados favoráveis ou desfavoráveis do provimento, é que serão os participantes em contraditório e que possuem legitimidade para agir, como adiante veremos.\n\nNas palavras de Fazzalari: \"L’essenza stessa del contraddittorio esige che vi partecipano almeno due soggetti, un “interessato” e un “controinteressato”: sull’uno dei quali l’atto finale è destinato a svolgere effetti favorevoli e sull’altro effetti pregiudiziali\". (FAZZALARI, 1992: 85)\n\nMas o contraditório entre os interessados e os contra-interessados não pode ser entendido como mera participação desses sujeitos no processo, mas a participação em simétrica paridade. E esta participação em simétrica paridade que define o contraditório, nesta nova concepção.\n\n1.4- Plano de trabalho\n\nParece-nos importante, neste momento, ressaltar o quanto o estudo dessa nova estrutura de procedimento e processo interfere em conceitos há muito arraigados na ciência do Direito Processual. Pois, a partir da adoção da noção de processo como procedimento realizado em contraditório, o conceito de jurisdição, o conceito de direito de ação e o de direito subjetivo, em consequência, e mesmo a noção de processo como relação jurídica, têm que ser repensados, a fim de excluirmos aqueles incompatíveis com a nova concepção de processo, ou a fim de adequarmos os demais à nova concepção.\n\nPara procedermos a tal reelaboração, optamos por fazê-la através de uma análise comparativa. Utilizaremos os ensinamentos de dois grandes mestres italianos, Giuseppe Chiovenda e Enrico Tulio Liebman, tendo em vista a grande influência dos ensinamentos destes autores na Escola de Processo brasileira. Desse modo, trataremos, no próximo capítulo, da noção de processo como relação jurídica e como situação jurídica, e dos reflexos frente à teoria do processo como procedimento em contraditório. Posteriormente, estudaremos o conceito de jurisdição, atribuído pelos relacionistas, e as modificações inseridas pela teoria do processo como procedimento em contraditório; e por fim, os reflexos frente à teoria do direito de ação.\n\n2- Processo: relação jurídica, situação jurídica ou procedimento em contraditório.\n\nComo revela o título acima, a teoria do processo como procedimento em contraditório não se harmoniza com a noção de processo como relação jurídica. Senão, vejamos primeiramente as formulações a respeito do processo como relação jurídica, propostas por Chiovenda e Liebman.\n\nO estudo de Chiovenda sobre o processo inicia-se com a demonstração de alguns conceitos imprescindíveis, como o direito objetivo e o direito subjetivo. Para o autor, o direito objetivo é leal e, em sentido lato, ou seja, \"a manifestação da vontade coletiva geral\". (CHIOVENDA, A, p. 3). Em consequência, o autor assim define o direito subjetivo:\n\nFundado-se, com efeito, na vontade da lei, o sujeito jurídico pode aspirar à consecução ou à conservação daqueles bens, inclusive por via de coação. Constitui tal aspiração o denominado – direito subjetivo, que se pode, portanto, assim definir: a expectativa de um bem da vida garantida pela vontade da lei. (...) a ideia do direito subjetivo, verificamos que se resolve numa vontade concreta da lei. (CHIOVENDA, A, p. 3)\n\nDe modo que o autor compreende o direito subjetivo como a vontade concreta da lei, dirigida a um bem da vida, que surge para aquele que reclama a atuação da lei. Assim, se duas pessoas realizam um contrato de compra e venda, a primeira forma de atuação da vontade concreta da lei é o cumprimento da obrigação – a prestação. Se esta não se efetiva, ela será substituída pela atuação da vontade concreta da lei, que é o objeto do processo.(Cf. CHIOVENDA, A, p. 4, 37,50)\n\nO autor, que sempre foi um crítico da doutrina que reduzia o processo à reação do direito material lesado (Cf. CHIOVENDA, 1903), entende ser o processo uma unidade, que contém uma relação jurídica. Definido, assim, o processo: \"o processo civil é o complexo dos atos ordenados ao objetivo da atuação da vontade da lei (com respeito a um bem que se pretende garantido por eles), por parte dos órgãos da jurisdição ordinária.\" ( CHIOVENDA, A, p. 37)\n\nAssim, antes de o juiz se pronunciar a favor ou contra o pedido do autor, ele passa por um \"estado de pendência\", no qual são dados às partes diversos direitos e deveres, para que possam fazer valer o seu direito. (Cf. CHIOVENDA, A, p.56)\n\nO autor analisa a relação jurídica processual como uma relação de direito público, autônoma e complexa. É uma relação de direito público, pois o processo realiza uma função pública e suas normas reguladoras são de direito público. O processo é uma relação jurídica autônoma, pois mesmo não se evidenciando, ao final, no pronunciamento do juiz, a vontade concreta da lei, refere-se ao pedido do autor – direito de ação – a relação processual existiu. Assim, diz o autor: \"uma coisa é, pois, a ação, outra a relação processual; aquela compete à parte autora, a relação compete a todos as partes.\" ( CHIOVENDA, A, p. 57) E, por fim, a relação jurídica é complexa, pois no seu interior se vislumbra um conjunto de direitos e deveres em número indeterminado, que se conectam em virtude do objetivo comum, que corresponde à unidade da relação jurídica.\n\nÉ importante confrontar o pensamento supra do autor com algumas de suas fundamentações iniciais, concernentes a dois conceitos: o de direito subjetivo, como atuação concreta da lei, e o de relação jurídica, a partir da distinção entre estes dois conceitos. Diz o autor: \n\nSe alguém pretende um bem da vida aduzindo como fundamento uma vontade concreta da lei, que em realidade, não subsiste, forma-se, então, uma vontade concreta da lei em virtude da qual essa pretensão deve receber-se, declarar-se – tratar-se como destituída de fundamento, o que equivale a dizer que se transforma uma vontade concreta negativa da lei. Ora, o processo civil, que se encaminha por demanda de uma parte (autor) em frente a outra parte (réu), serve justamente, (...) a não mais a tornar concreta a vontade da lei, pois essa vontade já se formou como vontade concreta anteriormente ao processo, mas a ativa a vontade concreta da lei afirmada pelo autor, a qual, se existente, é efetivada com o recebimento da demanda, ou em caso contrário à vontade negativa da lei, efetivada pela recusa. (CHIOVENDA, A., p. 05)\n\nO autor ainda ressalta que a relação jurídica é a fonte de um direito subjetivo, sendo a relação jurídica uma relação entre homens, regulada pela vontade da lei.\n\nMas, sugere o autor:\n\nO conceito de relação jurídica é mais amplo do que o de direito subjetivo, não tanto porque exprima, além da posição daquele que goza de um direito, aquela de quem lhe está submetido, quando porque normalmente a relação jurídica não se exaure num único direito subjetivo de uma parte e na correspondente sujeição da outra parte: normalmente a relação jurídica é complexa, ou seja, compreende mais de um direito subjetivo de uma parte em referência a outra. (CHIOVENDA, A., p. 05)\n\nSintetizando, Chiovenda analisa o direito subjetivo como preexistente ao processo, mas que será declarado no processo, através da adoção ou rejeição da demanda. Apesar de se referir posteriormente, como já chamamos, ao caráter abstrato da relação jurídica processual, ela o vincula à realização positiva ou negativa do resultado útil do processo, de seu objeto. Ao mesmo tempo, ele compreende a relação jurídica como um complexo de direitos subjetivos das partes nela inseridas.\n\nInteressa-nos, deste momento, salientar a inexistência, nas Instituições de Chiovenda, de referência ao procedimento, na passagem em que o autor estuda o processo e a relação processual. Essa situação é justificada pela própria evolução da ciência do direito processual. Como Chiovenda era contrário à inserção do processo na relação de direito material, que dava valor apenas ao procedimento, o referido autor, para defender a autonomia do processo e da ciência processual, exclui, por sua falta de importância frente ao instituto do processo, o procedimento.\n\nPassaremos, agora, ao estudo das formulações de Enrico Tulio Liebman, que define processo da seguinte forma:\n\nA atividade designada a qual se desempenha em concreto a função jurisdicional chama-se processo. Essa função não se cumpre, em verdade, a um só tempo e com um só ato, mas através de uma série coordenada de atos que se