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Linguística
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Hérodote: revue de géographie et de géopolitique, 4e trimestre 2004, n° 115 Géopolitique de l’anglais ISBN: 2-7071-4460-6 © Editions La Découverte 9 bis, rue Abel-Hovelacque, 75013 Paris CIP-BRASIL CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ Lacoste, Yves, 1929- A geopolítica do inglês/ Yves Lacoste, Kanavillil Rajagopalan. -São Paulo: Parábola Editorial, 2005 (Imagens da língua) ISBN: 85-88456-38-X 1. Língua inglesa - Aspectos sociais. 2. Sociolinguística. 3. Geopolítica. I. Rajagopalan, Kanavillil. II. Título. III. Série. 05-7205 CDU: 306.44 CDU: 306.42:811.111 A geopolítica do inglês é publicada no Brasil por acordo com a direção da revista Hérodote e com as Editions La Découverte, Paris. O acordo autoriza a inclusão do capítulo "A geopolítica da língua inglesa e seus reflexos no Brasil: Por uma política prudente e propositiva", de Kanavillil Rajagopalan, escrito especialmente para a edição brasileira. A Parábola Editorial agradece à revista Hérodote, às Editions La Découverte e a Kanavillil Rajagopalan a viabilização desta publicação adaptada ao Brasil. PARÁBOLA EDITORIAL Rua Clemente Pereira, 327 - Ipiranga 04216-060 São Paulo, SP Fone: (11) 6914-9832 | Fax: (11) 6215-2636 home page: www.parabolaeditorial.com.br e-mail: parabola@parabolaeditorial.com.br ISBN: 85-88456-38-X © Parábola Editorial, São Paulo, SP, julho de 2005 KANAVILLIL RAJAGOPALAN A geopolítica da língua inglesa e seus reflexos no Brasil Por uma política prudente e propositiva A questão da língua sempre foi importante dentro do Departamento de Defesa, mas é de particularmente importante agora, porque estamos operando em partes do mundo onde o inglês não é o idioma estrangeiro, onde precisamos trabalhar com os líderes e as populações locais, e precisamos entender melhor suas culturas (Dr. David S. C. Chu, Subsecretário de Defesa, Pentagon ). 1. INTRODUÇÃO O Projeto de Lei nº 1.676, de 1999, da autoria do então deputado Aldo Rebelo (posteriormente arquivado, em favor do substitutivo proposto pelo senador Amir Lando), que propunha ação legislativa enérgica contra a enxurrada de estrangeirismos no português do Brasil, notadamente aqueles originários da língua inglesa, teve o grande mérito de por em discussão algo que vinha preocupando cada vez mais provas das mais diversas partes: trata-se da invasão da língua inglesa na vida de todos os seis bilhões — sem exceção — de seres humanos que habitam o planeta e do que isso pode representar para a saúde e a sobrevivência das demais línguas do mundo, hoje estimadas em cerca de 6.500. Segundo a revista britânica The Economist (21 de dezembro, 1996, p. 39 — citada por Graddol, 1997), a língua inglesa se encontra “profundamente estabelecida como a língua-padrão do mundo, como parte intrínseca da revolução global das comunicações”. Que esta situação está preocupando um número crescente de pesquisadores ao redor do mundo fica evidenciado nos trabalhos recentes de autores como Capucho (2004), Dendrino (2004), Moita Lopes (2004), Pennycook (2004), Phillipson (2004), Qing e Wolff (2004), Sareen (2004), Vasilévski Yves Lacoste [ORG.] Kanavillil Rajagopalan A GEOPOLÍTICA DO INGLÊS TRADUÇÃO Marcos Marcionilo (2004) e tantos outros. Em seu livro A Geopolitics of Academic Writing, Canagarajah (2002) mostra como os próprios pesquisadores dos países não-anglófonos, em especial países "periféricos" do chamado terceiro mundo, são vítimas das políticas discriminatórias impostas pelas revistas científicas — publicadas, em sua grande maioria, em inglês — que sumariamente rejeitam trabalhos submetidos pelo simples motivo de não terem sido escritos em inglês digno de um "nativo". Até mesmo no mundo de ensino de inglês, verificam-se práticas escancaradamente discriminatórias no que tange à contração e remuneração de professores não-nativos (Braine, 1999, Rajagopalan, 2005a). 2. A QUASE NULA RELEVÂNCIA DA TEORIA LINGUÍSTICA PARA AS QUESTÕES RELATIVAS À POLÍTICA LINGUÍSTICA Sem entrar nos méritos e deméritos do projeto de Aldo Rebelo, devemos salientar em que o que o motivo merece toda a nossa atenção. Em trabalhos anteriores (Rajagopalan, 2002a, 2004b, no prelo-L), fui categórico ao afirmar que a questão da língua nacional em um povo é algo sério demais para sequer erguer-se como domínio exclusivo de meia dúzia de peritos em uma área hoje ja consolidada de tal maneira que se acha autorizado a dizer de que a língua, enquanto objeto de investigação científica, não tem nenhuma conotação política. Em seu livro The Politics of English: a Marxist View of Language, a autora Marnie Holborow (1999), ao mesmo tempo em que relaciona a expansão do inglês ao avanço desenfreado do capitalismo selvagem, sob o nome do neoliberalismo, atribui a total impotência da linguística em lidar com questões políticas urgentes que envolvem a linguagem à decisão inaugural de Saussure de se concentrar na parte abstrata do objeto de estudo, em detrimento da dimensão social. O fato é que a questão da língua nacional, assim como a dos outros símbolos nacionais tais como hino, bandeira etc., pertence à esfera política e não científica. Do mesmo modo que seria um reducionismo grosseiro alguém achar que uma bandeira nacional não passa de um pano colorido, ou que um hino nacional é simplesmente uma música como qualquer outra, seria um grande equívoco concluir que a língua nacional seja simplesmente uma língua como qualquer outra, excun uma pitada de patriotismo como diferencial. As emoções evocados por uma bandeira nacional não decorrem das cores, nem da qualidade da trama do tecido. O orgulho e o sentimento de pertencimento, de patriotismo, que um cidadão sente ao ouvir o hino nacio- nal do seu país não se dá em função da beleza da letra, nem da riqueza abissal das notas musicais. Da mesma forma, a língua nacional de um país não pode ser compreendida dissecando os seus fonemas e morfemas ou o que quer que seja. É preciso abordá-la com um olhar diferente daquele que a ciência (leia-se, a linguística) nos propicia. A ciência só consegue ver o lado racional dos objetos que estuda, enquanto o que distingue o hino, a bandeira e a língua nacional são seu valor simbólico e suas conotações emocionais (Rajagopalan, 2004d). O que não quer dizer que eles não podem ser abordados de forma racional; quer dizer apenas que jamais se pode esquecer que eles estão imbuídos de valores simbólicos e emocionais. 3. OPORTUNIDADE PERDIDA Voltando ao Projeto de Lei Aldo Rebelo, Gimenez (2001) assinala com muita propriedade: [...] mais do que a possibilidade de termos uma lei que corre o risco de não ser cumprida, o que se passa pelo Projeto Aldo Rebelo em nosso entender é a constatação de um diverso entendimento do que seja a língua e seus sentidos para diferentes grupos sociais. Infelizmente, passados já alguns anos, somos obrigados a constatar que tal esperança da colega ainda está por realizar-se. E, ao que parece, está longe de frutificar, na medida em que não houve até o momento nenhum esforço para aproximar o linguista e o leigo, muito menos para desenecadear uma ampla discussão sobre o destino da língua nacional, envolvendo os mais diversos setores da sociedade. Os linguistas, de forma geral, parecem estar contentes com os resultados da investida realizada junto nos órgãos governamentais competentes, que lhes renderam reconhecimento como categoria e promessa de serem, de agora em diante, consultados em questões relativas à linguagem. As pessoas leigas, por sua vez, parecem ter esquecido o assunto, já que a mídia que alimentou a discussão há muito encontrou temas mais interessantes e sensacionalistas para explorar. 4. A POLÍTICA LINGUÍSTICA COMO UM RAMO DA CIÊNCIA POLÍTICA E NÃO DA LINGUÍSTICA O que se deve ou não se deve fazer com o destino de uma língua nacional é assunto que pertence a áreas como a política linguística e o plane- jamento linguístico. E a política linguística e o planejamento linguístico não são decorrentes da linguística teórica ou meros desdobramentos de uma visão científica sobre o que vem a ser o fenômeno que chamamos linguagem. É um grande equívoco pensar que a política linguística deve pautar-se pelas descobertas e afirmações da linguística ou qualquer outra ciência formal. Nenhuma ciência que aborde seu objeto de estudo de maneira idealizada e desvinculada dos anseios do dia-a-dia pode se dar ao luxo de se autoproclamar dona e soberana quando se trata de assuntos práticos relacionados ao seu objeto de estudo, menos ainda reivindicar o privilégio de ditar diretrizes sobre decisões políticas a serem adotadas a respeito dele (Rajagopalan, no prelo-L). Como bem diz Chilton (2004: 132), “a linguística realmente não tem muito a contribuir no debate com base na sua investigação científica acerca da natureza da capacidade linguística humana. Tudo o que ele pode fazer é replicar de padrão social e político, e, para tanto, mostrar tanto lógica e tanto senso comum que uma outra pessoa qualquer. 5. A RELEVÂNCIA DA LINGUÍSTICA APLICADA Diferentemente da linguística teórica, a área de estudos denominada "linguística aplicada" tem se revelado bem mais equipada para lidar com questões relativas à política e ao planejamento linguístico (PRE). Nas palavras de Bianco (2004: 738): Problemas linguísticos sempre surgem em contextos históricos concretos e estes inevitavelmente envolvem interesses rivais que refletem relações “extremecidas” entre grupos étnicos, políticos, sociais, burocráticos e aqueles relacionados à classe, bem como outros atores e controvérsias ideológicas, inclusive de ordem pessoal. Para explicar como os problemas da linguagem encapsulam ou exacerbam tais relações, é preciso fazer pesquisa interdisciplinar, pautada em dados reais. Assim compreendida, como uma prática profundamente inserida na sociologia, na história, nas relações interetnicas, na política e na economia, a pesquisa em PE se constitu ir uma área aplicada que se vale de um conhecimento que vai muito além daquele fornecido pela linguística. A superioridade da linguística aplicada diante da linguística teórica, quando se trata de lidar com questões que dizem respeito à política linguística, pode ser explicada invocando a distinção entre as retóricas de pureza e perigo (Sarang & van Leeuwen 2003) — isto é, a diferença entre o apego ao autonomismo que caracteriza a linguística teórica, e a vontade de exer- A GEOPOLITICA DA LÍNGUA INGLESA E SEUS REFLEXOS NO BRASIL | 139 cer transgressões produtivas que vêm se evidenciando na linguística aplicada, desde sua emancipação como disciplina autônoma (Rajagopalan, 2003). Como diz Baynham et alii (2004: 2), a linguística aplicada é a disciplina interdisciplinar por excelência, contínua e contingentemente em busca de parcerias teóricas produtivas para investigar questões e temas do mundo real. 6. CIÊNÇA VS. POLÍTICA: AS ARMADILHAS DA FALÁCIA NATURALISTA O filósofo G. E. Moore dizia há quase um século que é impossível derivar conclusões de ordem normativa (do tipo: “Deve-se fazer x”) a partir de premissas declaratórias (por exemplo, x é y). Para Moore, qualquer tentativa de romper com a injunção resultaria naquilo que ele chamava de “falácia naturalista”. Ora, os enunciados científicos são essencialmente declarativos (ao menos ostensivamente, pois na verdade oculto-se, com frequência, seu caráter performativo). Segue-se daí que não há como extrair conclusões políticas a partir deles, uma vez que as conclusões políticas em geral — pelo menos em algum nível — têm uma marca registrada. Quando alguém diz algo, frequentemente não apenas faz uma declaração, e não se dá conta disso — pelo menos não de forma consciente, com bastante clareza e consistência das suas limitações. A ciência se guia pela razão; a política pelo bom senso. E o bom senso político não se esgota na razão científica. Neste sentido, as seguintes palavras de Ó Riagáin (1997: 170-171) merecem especial atenção: O poder das políticas linguísticas estatais de produzir resultados desejados é severamente limitado por uma variedade de estruturas sociais, políticas e econômicas que os sociolinguistas tipicamente não levam em conta, apesar de suas consequências serem profundas e de importância muito maior do que as próprias políticas linguísticas. As palavras de Ó Riagáin são de especial relevância quando contemplamos o lugar do inglês no mundo de hoje e a ameaça que isso representa, na ótica de alguns teóricos, para as demais línguas. A HEGEMONIA DO INGLÊS E A NECESSIDADE DO PRAGMATISMO POLÍTICO Desfeita a ideia de que o papel do inglês no mundo de hoje seja da alçada exclusiva dos cientistas da linguagem — os linguistas —, devemos passar 140 K ANAVILEE RAJAGOPALAN A GEOPOLITICA DA LÍNGUA INGLESA E SEUS REFLEXOS NO BRASIL | 141 a encarar a questão do ponto de vista da experiência política. Não é a teoria linguística que, como frisa Bianco, vai nos fornecer dicas sobre como proceder. E o puro pragmatismo político. Um problema de natureza eminentemente política como o da expansão desenfreada da língua inglesa nos dias de hoje pede uma abordagem igualmente política. E há diversas opções à nossa frente. A seguir, gostaria de focar algumas das opções que já foram levantadas na literatura pertinente e tecer algumas considerações a respeito de cada uma. 8. ALGUMAS PROPOSTAS DE ENFRENTAMENTO E SUAS LIMITAÇÕES 8.1. A rejeição sumária do inglês Uma das formas mais comuns de se posicionar diante da “invasão” da língua inglesa em nossas vidas é erguer uma muralha de rejeição psicológica quanto o idioma e tudo o que ele representa. Às vezes — ou quem sabe, mais comumente — a rejeição ao idioma ocorre em resposta à forma arrogante e unilateral pela qual o mundo anglófono conduz sua política externa (como no caso da guerra contra o Iraque, para citar apenas um exemplo recente). Conforme insere em Rajagopalan (2004a, no prelo 2, 3), em países da América Latina, a desconfiança em relação à língua inglesa se confunde com as dúvidas a respeito das pretensões do Grande Irmão do hemisfério norte, pautadas na longa história de intromissões nos assuntos internos desses países. Um caso de rejeição sumária ao inglês que ganhou notoriedade na imprensa mundial foi o do escritor queniano Ngugi wa Thiong’o. Romancista de grande sucesso, em 1984, ele publicou a obra Decolonising the Mind (Thiong’o, 1984), na qual anunciou seu repúdio ao inglês e sua decisão de não mais escrever seus romances em inglês, mas sim em gikuyu, sua língua tribal. Também mudou seu nome de batismo “James” para “Ngugi”. Tudo isso em protesto à forma como a língua inglesa, segundo ele, havia tomado conta de sua mente, impossibilitando a expressão livre e espontânea de sua sensibilidade africana. Embora inquestionavelmente se trate de um gesto de impacto político inegável, tenho sérias dúvidas quanto à utilidade de medidas drásticas como essa e de sua eficácia a médio e longo prazo. Desde 1992, Thiong’o ocupa o cargo de professor de literatura comparada e de “performance studies” 142 | KWAMEKA ETZACCIZLAN linguistas, não só do Brasil, mas do mundo inteiro, têm tipicamente tomado a posição de que a língua é um sistema auto-regulado, impermeável a ingerências externas. Pela cartilha dos linguistas, tentar interferir no rumos das línguas — é o que, no fundo, no fundo, o planejamento linguístico pretende fazer — é violentar a sua natureza. Graças a sua insistência em descrever como as coisas são (e, na melhor das hipóteses, explicar por que são como são) e jamais prescrever como elas devem ser, os linguistas do mundo inteiro se acham de mão atadas quando o assunto é o que fazer para enfrentar a ameaça representada pelo avanço do inglês no mundo hoje. A única resposta que a ciência da linguagem lhes permite oferecer é: “Quer mudança? Não vejo nenhuma, coisíssima nenhuma! As línguas têm suas vidas próprias. Elas mudam o tempo todo. E essas mudanças não são nem para melhor nem para pior, mas simplesmente acompanham mudanças que ocorrem em outras esferas” . Ou ainda: “Em outro tempo, era a vez de o inglês absorver palavra estrangeira. Por que reclamar se hoje as demais línguas estão passando pela mesma experiência?" 8.3. A procura de um contrapeso Diferentemente da rejeição sumária ou da aceitação pura e simples do inglês como forma de enfrentar a ameaça, há quem diga que a solução deve estar na procura de um contrapeso — por exemplo, a adoção de um outro idioma de grande aceitação ao redor do mundo que possa ser adotado como lingua franca, em oposição ao inglês. No mundo hoje, os candidatos mais evidentes seriam o francês (uma língua que já ocupou esse lugar em outros tempos) e o espanhol (sem dúvida, a segunda língua mais difundida no mundo, depois do inglês). 8.3.1. FRANCOPHONIA A palavra francophonia nos conduz ao começo da década de 1960, quando a França se dá conta de que o lugar do francês como lingua franca de prestígio estava seriamente ameaçado pelo avanço do inglês no mundo pós-Segunda Guerra Mundial. Charles de Gaulle, então presidente da França, toma a iniciativa de substituir o Office de la langue française (estabelecido em 1937 para cuidar do idioma nacional e da Academia Francesa) por um novo órgão chamado Haut comité pour la défense et l’expansion de la langue française, dotado com verbas generosas e incumbido da missão de zelar pela promoção da língua francesa no mundo.
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Hérodote: revue de géographie et de géopolitique, 4e trimestre 2004, n° 115 Géopolitique de l’anglais ISBN: 2-7071-4460-6 © Editions La Découverte 9 bis, rue Abel-Hovelacque, 75013 Paris CIP-BRASIL CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ Lacoste, Yves, 1929- A geopolítica do inglês/ Yves Lacoste, Kanavillil Rajagopalan. -São Paulo: Parábola Editorial, 2005 (Imagens da língua) ISBN: 85-88456-38-X 1. Língua inglesa - Aspectos sociais. 2. Sociolinguística. 3. Geopolítica. I. Rajagopalan, Kanavillil. II. Título. III. Série. 05-7205 CDU: 306.44 CDU: 306.42:811.111 A geopolítica do inglês é publicada no Brasil por acordo com a direção da revista Hérodote e com as Editions La Découverte, Paris. O acordo autoriza a inclusão do capítulo "A geopolítica da língua inglesa e seus reflexos no Brasil: Por uma política prudente e propositiva", de Kanavillil Rajagopalan, escrito especialmente para a edição brasileira. A Parábola Editorial agradece à revista Hérodote, às Editions La Découverte e a Kanavillil Rajagopalan a viabilização desta publicação adaptada ao Brasil. PARÁBOLA EDITORIAL Rua Clemente Pereira, 327 - Ipiranga 04216-060 São Paulo, SP Fone: (11) 6914-9832 | Fax: (11) 6215-2636 home page: www.parabolaeditorial.com.br e-mail: parabola@parabolaeditorial.com.br ISBN: 85-88456-38-X © Parábola Editorial, São Paulo, SP, julho de 2005 KANAVILLIL RAJAGOPALAN A geopolítica da língua inglesa e seus reflexos no Brasil Por uma política prudente e propositiva A questão da língua sempre foi importante dentro do Departamento de Defesa, mas é de particularmente importante agora, porque estamos operando em partes do mundo onde o inglês não é o idioma estrangeiro, onde precisamos trabalhar com os líderes e as populações locais, e precisamos entender melhor suas culturas (Dr. David S. C. Chu, Subsecretário de Defesa, Pentagon ). 1. INTRODUÇÃO O Projeto de Lei nº 1.676, de 1999, da autoria do então deputado Aldo Rebelo (posteriormente arquivado, em favor do substitutivo proposto pelo senador Amir Lando), que propunha ação legislativa enérgica contra a enxurrada de estrangeirismos no português do Brasil, notadamente aqueles originários da língua inglesa, teve o grande mérito de por em discussão algo que vinha preocupando cada vez mais provas das mais diversas partes: trata-se da invasão da língua inglesa na vida de todos os seis bilhões — sem exceção — de seres humanos que habitam o planeta e do que isso pode representar para a saúde e a sobrevivência das demais línguas do mundo, hoje estimadas em cerca de 6.500. Segundo a revista britânica The Economist (21 de dezembro, 1996, p. 39 — citada por Graddol, 1997), a língua inglesa se encontra “profundamente estabelecida como a língua-padrão do mundo, como parte intrínseca da revolução global das comunicações”. Que esta situação está preocupando um número crescente de pesquisadores ao redor do mundo fica evidenciado nos trabalhos recentes de autores como Capucho (2004), Dendrino (2004), Moita Lopes (2004), Pennycook (2004), Phillipson (2004), Qing e Wolff (2004), Sareen (2004), Vasilévski Yves Lacoste [ORG.] Kanavillil Rajagopalan A GEOPOLÍTICA DO INGLÊS TRADUÇÃO Marcos Marcionilo (2004) e tantos outros. Em seu livro A Geopolitics of Academic Writing, Canagarajah (2002) mostra como os próprios pesquisadores dos países não-anglófonos, em especial países "periféricos" do chamado terceiro mundo, são vítimas das políticas discriminatórias impostas pelas revistas científicas — publicadas, em sua grande maioria, em inglês — que sumariamente rejeitam trabalhos submetidos pelo simples motivo de não terem sido escritos em inglês digno de um "nativo". Até mesmo no mundo de ensino de inglês, verificam-se práticas escancaradamente discriminatórias no que tange à contração e remuneração de professores não-nativos (Braine, 1999, Rajagopalan, 2005a). 2. A QUASE NULA RELEVÂNCIA DA TEORIA LINGUÍSTICA PARA AS QUESTÕES RELATIVAS À POLÍTICA LINGUÍSTICA Sem entrar nos méritos e deméritos do projeto de Aldo Rebelo, devemos salientar em que o que o motivo merece toda a nossa atenção. Em trabalhos anteriores (Rajagopalan, 2002a, 2004b, no prelo-L), fui categórico ao afirmar que a questão da língua nacional em um povo é algo sério demais para sequer erguer-se como domínio exclusivo de meia dúzia de peritos em uma área hoje ja consolidada de tal maneira que se acha autorizado a dizer de que a língua, enquanto objeto de investigação científica, não tem nenhuma conotação política. Em seu livro The Politics of English: a Marxist View of Language, a autora Marnie Holborow (1999), ao mesmo tempo em que relaciona a expansão do inglês ao avanço desenfreado do capitalismo selvagem, sob o nome do neoliberalismo, atribui a total impotência da linguística em lidar com questões políticas urgentes que envolvem a linguagem à decisão inaugural de Saussure de se concentrar na parte abstrata do objeto de estudo, em detrimento da dimensão social. O fato é que a questão da língua nacional, assim como a dos outros símbolos nacionais tais como hino, bandeira etc., pertence à esfera política e não científica. Do mesmo modo que seria um reducionismo grosseiro alguém achar que uma bandeira nacional não passa de um pano colorido, ou que um hino nacional é simplesmente uma música como qualquer outra, seria um grande equívoco concluir que a língua nacional seja simplesmente uma língua como qualquer outra, excun uma pitada de patriotismo como diferencial. As emoções evocados por uma bandeira nacional não decorrem das cores, nem da qualidade da trama do tecido. O orgulho e o sentimento de pertencimento, de patriotismo, que um cidadão sente ao ouvir o hino nacio- nal do seu país não se dá em função da beleza da letra, nem da riqueza abissal das notas musicais. Da mesma forma, a língua nacional de um país não pode ser compreendida dissecando os seus fonemas e morfemas ou o que quer que seja. É preciso abordá-la com um olhar diferente daquele que a ciência (leia-se, a linguística) nos propicia. A ciência só consegue ver o lado racional dos objetos que estuda, enquanto o que distingue o hino, a bandeira e a língua nacional são seu valor simbólico e suas conotações emocionais (Rajagopalan, 2004d). O que não quer dizer que eles não podem ser abordados de forma racional; quer dizer apenas que jamais se pode esquecer que eles estão imbuídos de valores simbólicos e emocionais. 3. OPORTUNIDADE PERDIDA Voltando ao Projeto de Lei Aldo Rebelo, Gimenez (2001) assinala com muita propriedade: [...] mais do que a possibilidade de termos uma lei que corre o risco de não ser cumprida, o que se passa pelo Projeto Aldo Rebelo em nosso entender é a constatação de um diverso entendimento do que seja a língua e seus sentidos para diferentes grupos sociais. Infelizmente, passados já alguns anos, somos obrigados a constatar que tal esperança da colega ainda está por realizar-se. E, ao que parece, está longe de frutificar, na medida em que não houve até o momento nenhum esforço para aproximar o linguista e o leigo, muito menos para desenecadear uma ampla discussão sobre o destino da língua nacional, envolvendo os mais diversos setores da sociedade. Os linguistas, de forma geral, parecem estar contentes com os resultados da investida realizada junto nos órgãos governamentais competentes, que lhes renderam reconhecimento como categoria e promessa de serem, de agora em diante, consultados em questões relativas à linguagem. As pessoas leigas, por sua vez, parecem ter esquecido o assunto, já que a mídia que alimentou a discussão há muito encontrou temas mais interessantes e sensacionalistas para explorar. 4. A POLÍTICA LINGUÍSTICA COMO UM RAMO DA CIÊNCIA POLÍTICA E NÃO DA LINGUÍSTICA O que se deve ou não se deve fazer com o destino de uma língua nacional é assunto que pertence a áreas como a política linguística e o plane- jamento linguístico. E a política linguística e o planejamento linguístico não são decorrentes da linguística teórica ou meros desdobramentos de uma visão científica sobre o que vem a ser o fenômeno que chamamos linguagem. É um grande equívoco pensar que a política linguística deve pautar-se pelas descobertas e afirmações da linguística ou qualquer outra ciência formal. Nenhuma ciência que aborde seu objeto de estudo de maneira idealizada e desvinculada dos anseios do dia-a-dia pode se dar ao luxo de se autoproclamar dona e soberana quando se trata de assuntos práticos relacionados ao seu objeto de estudo, menos ainda reivindicar o privilégio de ditar diretrizes sobre decisões políticas a serem adotadas a respeito dele (Rajagopalan, no prelo-L). Como bem diz Chilton (2004: 132), “a linguística realmente não tem muito a contribuir no debate com base na sua investigação científica acerca da natureza da capacidade linguística humana. Tudo o que ele pode fazer é replicar de padrão social e político, e, para tanto, mostrar tanto lógica e tanto senso comum que uma outra pessoa qualquer. 5. A RELEVÂNCIA DA LINGUÍSTICA APLICADA Diferentemente da linguística teórica, a área de estudos denominada "linguística aplicada" tem se revelado bem mais equipada para lidar com questões relativas à política e ao planejamento linguístico (PRE). Nas palavras de Bianco (2004: 738): Problemas linguísticos sempre surgem em contextos históricos concretos e estes inevitavelmente envolvem interesses rivais que refletem relações “extremecidas” entre grupos étnicos, políticos, sociais, burocráticos e aqueles relacionados à classe, bem como outros atores e controvérsias ideológicas, inclusive de ordem pessoal. Para explicar como os problemas da linguagem encapsulam ou exacerbam tais relações, é preciso fazer pesquisa interdisciplinar, pautada em dados reais. Assim compreendida, como uma prática profundamente inserida na sociologia, na história, nas relações interetnicas, na política e na economia, a pesquisa em PE se constitu ir uma área aplicada que se vale de um conhecimento que vai muito além daquele fornecido pela linguística. A superioridade da linguística aplicada diante da linguística teórica, quando se trata de lidar com questões que dizem respeito à política linguística, pode ser explicada invocando a distinção entre as retóricas de pureza e perigo (Sarang & van Leeuwen 2003) — isto é, a diferença entre o apego ao autonomismo que caracteriza a linguística teórica, e a vontade de exer- A GEOPOLITICA DA LÍNGUA INGLESA E SEUS REFLEXOS NO BRASIL | 139 cer transgressões produtivas que vêm se evidenciando na linguística aplicada, desde sua emancipação como disciplina autônoma (Rajagopalan, 2003). Como diz Baynham et alii (2004: 2), a linguística aplicada é a disciplina interdisciplinar por excelência, contínua e contingentemente em busca de parcerias teóricas produtivas para investigar questões e temas do mundo real. 6. CIÊNÇA VS. POLÍTICA: AS ARMADILHAS DA FALÁCIA NATURALISTA O filósofo G. E. Moore dizia há quase um século que é impossível derivar conclusões de ordem normativa (do tipo: “Deve-se fazer x”) a partir de premissas declaratórias (por exemplo, x é y). Para Moore, qualquer tentativa de romper com a injunção resultaria naquilo que ele chamava de “falácia naturalista”. Ora, os enunciados científicos são essencialmente declarativos (ao menos ostensivamente, pois na verdade oculto-se, com frequência, seu caráter performativo). Segue-se daí que não há como extrair conclusões políticas a partir deles, uma vez que as conclusões políticas em geral — pelo menos em algum nível — têm uma marca registrada. Quando alguém diz algo, frequentemente não apenas faz uma declaração, e não se dá conta disso — pelo menos não de forma consciente, com bastante clareza e consistência das suas limitações. A ciência se guia pela razão; a política pelo bom senso. E o bom senso político não se esgota na razão científica. Neste sentido, as seguintes palavras de Ó Riagáin (1997: 170-171) merecem especial atenção: O poder das políticas linguísticas estatais de produzir resultados desejados é severamente limitado por uma variedade de estruturas sociais, políticas e econômicas que os sociolinguistas tipicamente não levam em conta, apesar de suas consequências serem profundas e de importância muito maior do que as próprias políticas linguísticas. As palavras de Ó Riagáin são de especial relevância quando contemplamos o lugar do inglês no mundo de hoje e a ameaça que isso representa, na ótica de alguns teóricos, para as demais línguas. A HEGEMONIA DO INGLÊS E A NECESSIDADE DO PRAGMATISMO POLÍTICO Desfeita a ideia de que o papel do inglês no mundo de hoje seja da alçada exclusiva dos cientistas da linguagem — os linguistas —, devemos passar 140 K ANAVILEE RAJAGOPALAN A GEOPOLITICA DA LÍNGUA INGLESA E SEUS REFLEXOS NO BRASIL | 141 a encarar a questão do ponto de vista da experiência política. Não é a teoria linguística que, como frisa Bianco, vai nos fornecer dicas sobre como proceder. E o puro pragmatismo político. Um problema de natureza eminentemente política como o da expansão desenfreada da língua inglesa nos dias de hoje pede uma abordagem igualmente política. E há diversas opções à nossa frente. A seguir, gostaria de focar algumas das opções que já foram levantadas na literatura pertinente e tecer algumas considerações a respeito de cada uma. 8. ALGUMAS PROPOSTAS DE ENFRENTAMENTO E SUAS LIMITAÇÕES 8.1. A rejeição sumária do inglês Uma das formas mais comuns de se posicionar diante da “invasão” da língua inglesa em nossas vidas é erguer uma muralha de rejeição psicológica quanto o idioma e tudo o que ele representa. Às vezes — ou quem sabe, mais comumente — a rejeição ao idioma ocorre em resposta à forma arrogante e unilateral pela qual o mundo anglófono conduz sua política externa (como no caso da guerra contra o Iraque, para citar apenas um exemplo recente). Conforme insere em Rajagopalan (2004a, no prelo 2, 3), em países da América Latina, a desconfiança em relação à língua inglesa se confunde com as dúvidas a respeito das pretensões do Grande Irmão do hemisfério norte, pautadas na longa história de intromissões nos assuntos internos desses países. Um caso de rejeição sumária ao inglês que ganhou notoriedade na imprensa mundial foi o do escritor queniano Ngugi wa Thiong’o. Romancista de grande sucesso, em 1984, ele publicou a obra Decolonising the Mind (Thiong’o, 1984), na qual anunciou seu repúdio ao inglês e sua decisão de não mais escrever seus romances em inglês, mas sim em gikuyu, sua língua tribal. Também mudou seu nome de batismo “James” para “Ngugi”. Tudo isso em protesto à forma como a língua inglesa, segundo ele, havia tomado conta de sua mente, impossibilitando a expressão livre e espontânea de sua sensibilidade africana. Embora inquestionavelmente se trate de um gesto de impacto político inegável, tenho sérias dúvidas quanto à utilidade de medidas drásticas como essa e de sua eficácia a médio e longo prazo. Desde 1992, Thiong’o ocupa o cargo de professor de literatura comparada e de “performance studies” 142 | KWAMEKA ETZACCIZLAN linguistas, não só do Brasil, mas do mundo inteiro, têm tipicamente tomado a posição de que a língua é um sistema auto-regulado, impermeável a ingerências externas. Pela cartilha dos linguistas, tentar interferir no rumos das línguas — é o que, no fundo, no fundo, o planejamento linguístico pretende fazer — é violentar a sua natureza. Graças a sua insistência em descrever como as coisas são (e, na melhor das hipóteses, explicar por que são como são) e jamais prescrever como elas devem ser, os linguistas do mundo inteiro se acham de mão atadas quando o assunto é o que fazer para enfrentar a ameaça representada pelo avanço do inglês no mundo hoje. A única resposta que a ciência da linguagem lhes permite oferecer é: “Quer mudança? Não vejo nenhuma, coisíssima nenhuma! As línguas têm suas vidas próprias. Elas mudam o tempo todo. E essas mudanças não são nem para melhor nem para pior, mas simplesmente acompanham mudanças que ocorrem em outras esferas” . Ou ainda: “Em outro tempo, era a vez de o inglês absorver palavra estrangeira. Por que reclamar se hoje as demais línguas estão passando pela mesma experiência?" 8.3. A procura de um contrapeso Diferentemente da rejeição sumária ou da aceitação pura e simples do inglês como forma de enfrentar a ameaça, há quem diga que a solução deve estar na procura de um contrapeso — por exemplo, a adoção de um outro idioma de grande aceitação ao redor do mundo que possa ser adotado como lingua franca, em oposição ao inglês. No mundo hoje, os candidatos mais evidentes seriam o francês (uma língua que já ocupou esse lugar em outros tempos) e o espanhol (sem dúvida, a segunda língua mais difundida no mundo, depois do inglês). 8.3.1. FRANCOPHONIA A palavra francophonia nos conduz ao começo da década de 1960, quando a França se dá conta de que o lugar do francês como lingua franca de prestígio estava seriamente ameaçado pelo avanço do inglês no mundo pós-Segunda Guerra Mundial. Charles de Gaulle, então presidente da França, toma a iniciativa de substituir o Office de la langue française (estabelecido em 1937 para cuidar do idioma nacional e da Academia Francesa) por um novo órgão chamado Haut comité pour la défense et l’expansion de la langue française, dotado com verbas generosas e incumbido da missão de zelar pela promoção da língua francesa no mundo.