·
Engenharia de Telecomunicações ·
Metodologia da Pesquisa
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora
Texto de pré-visualização
O MITO DA NEUTRALIDADE CIENTÍFICA Hilton Japiassu O MITO DA NEUTRALIDADE CIENTÍFICA O MITO DA NEUTRALIDADE CJENT1FICA Copirraite 1975 de Hilton Japiassu Editoração c oordenação PEDRO PAULO DE SENA MADUREIRA Revisão IOSb CARLOS CAMPANHA Capa PAULO DE OLIVEIRA 1975 Direitos adquiridos por IMAGO EDITORA L TOA Av N Sra de Copacabana 330 109 andar te 2552715 Rio de Janeiro lmpesso no Brasil Printed in Brazil HILTON JAPIASSU O MITO DA NEUTRALIDADE CIENTIFICA Série Logoteca Direção de JAYME SALOMÃO MembroAssociado da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro Membro da Associação Psiquiátrica do Rio de Janeiro Membro da Sociedade de Psicoterapia Analítica de Grupo do Rio de Janeiro IMAGO EDITORA LTDA Rio de Janeiro SUMÁRIO Introdução 7 I Objetividade Científica e Pressupostos Axiológicos 19 II Ciências Humanas e Praxeología 49 III Fundamentos Epistemológicos do Cientificslo 71 IV A Etica do Conhecimento Objetho 97 V O Problema da Ciência da CiênCia 123 VI Papel do Educador da Inteligência 145 Conclusão 165 A péndice 181 Bibliografia Sumária 181 INTRODUÇÃO Irremediavelmente marcada pela sociedade em que ela se insere a ciência é portadora de todos os seus traços e reflete todas as suas contradições tan to em sua organização interna quanto em suas apli cações Portanto não há crise da ciência mas somente aspectos específicos à ciência da crise so cial geral Apresentação do livro dirigido por A Jaubert e LévyLeblond Autocritique de la science 1973 O que é a ciênciaT A questão parece banal As respos tas porém são complexas e difíceis Talvez a ciência nem possaser definida Em geral é mais conceituada do que pro priamente definida Porque definir um conceito consiste em formular um problema e em mostrar as condições que o tor naram formulável No entanto para os cientistas em geral a verdadeira definição de um conceito não é feita em termos de propriedades mas de operações efetivas Mesmo assim definições não faltam Para o grande público ciência é um conjunto de conhecimentos puros ou aplicados produzi dos por métodos rigorosos comprovados e objetivos fazendo nos captar a realidade de um modo distinto da maneira como a filosofia a arte a política ou a mística a percebem Segundo essa concepção os contornos da ciência são mal definidos O protótipo do conhecimento científico permanece a física em torno da qual se ordenam a matemática e as disciplinas bioló gicas A esse conjunto opõemse os conhecimentos aplicados e técnicos bem como as disciplinas chamadas de humanas A verdadeira ciência seria um conhecimento independente dos sistemas sociais e econômicos Seria um conhecimento que ba seandose no modelo fornecido pela física se impõe corno uma espécie de ideal absoluto Mas há outras definições umas são extremamente am plas e vagas a ponto de identificarem ciência com espe culação outras são demasiadamente restritivas a ponto de 9 excluírem do domínio propriamente científico senão todas pe lo menos boa parte das disciplinas humanas Algumas defini ções podem ser classificadas como idealistas na medida em que insistem em reduzir a atividade científica à busca desinte ressada do conhecimento ou da verdade outras apresentam se como realistas chegando ao ponto de identifjcarem pura e simplesmente ciência e tecnologia Uma coisa 110s parece certa não existe definição objetiva nem muito menos neutra daquilo que é ou não a ciência Esta tanto pode ser uma pro cura metódica do saber quanto um modo de interpretar a rea lidade tanto pode ser uma instituição com seus grupos de pressão seus preconceitos suas recompensas oficiais quanto um metiê subordinado a instâncias administrativas políticas ou ideológicas tanto uma aventura intelectual conduzindo a um conhecimento teórico pesquisa quanto um saber rea lizado ou tecnicizado Se perguntarmos por outro lado sobre o modo de fun cionamento da ciência sobre seu papel social sobre sua ma neira de explicar os fenômenos e de compreender o homem no mundo perceberemos facilmênte que as condições reais em que são produzidos os conhecimentos objetivos e racionaliza dos estão banhadas por uma inegável atmosfera sóciopolíti coultural S esse enquadramento sóciohistórico fazendo da ciência um pmduto humano nosso produto que Ieva9s co nhecimentos objetivos a fazerem apelo quer queiram quer não a pressupostos teóricos filosóficos ideológicos oa axiológicos nem sempre explicitados Em outros termos não há ciência pura autônQma e neutra com se fosse possível gozar do privilégio de não se sabe que imaculada concepção Es pontaneamente somos levados a crer que o cientista é um in divíduo cujo saber é inteiramente racional e objetivo isento não somente das perturbações da subjetividade pessoal mas também das influências sociais Contudo se o examinarmos em sua atividade real em suas condições concretas de traba lho constataremos que a Razão científica não é imutável Ela muda E histórica Suas normas não têm garantia alguma de invariância Tampouco foram ditadas por alguma divfnda de imune ao tempo e às injunções da mudança Tratase de normas historicamente condicionadas Enquanto tais evoluem 10 e se alteram Isso significa que em matéria de ciência não há objetividade absoluta Também o cientista jamais pode dizer se neutro a não ser por ingenuidade ou por uma concepção mítica do que seja a ciência A objetividade que podemos re conhecerlhe não pode ser concebida a partir do modelo de um conhecimento reflexo A imagem do mundo que as ciên cias elaboram de forma alguma pode ser confundida com uma espécie de instantâneo otográfico da realidade tal como ela é percebida De uma forma ou de outra ela é sempre uma in terpretação Se há objetividaae na ciência é no sentido em que o discurso científico não engaja pelo menos diretamente a si tuação existencial do cientista A imagem que dele temos é a de um indivíduo ao abrigo das ideologias dos desvios passio nais e das tomadas de posição subjetivas ou valorativas No entanto tratase apenas de uma imagem Procuraremos desco brir o que se oculta por detrás dela Não se pode ignorar que ciênia é ao mesmo tempo um poder material e espiritlJal Não é essa procura desinteressa da de uma verdade absoluta racional e universal independeo te do tempo e do espaço que se distinguiria dos outros modos de conhecimento pela objetividade de seus teoremas pela uni versalidade de suas leis e pela racionalidade de seus resultados experimentais cuidadosamente estabelecidos e verificados e portanto eficazes A produção científica se faz numa soci dade determinada que condiciona seus objetivos seus agentes e seu modo de funcionamento PQfuamte marcada pe la culturà em que se insere Carrega em si os traços da socie dade que a engendra reflete suas contradições tanto em sua organização interna quanto em suas aplicações Talvez não se ja exagero dizermos que o poder do conhecimento está trans formandose rapidamente em conhecimento do poder Nesse sentido a ciência contemporânea herdeira experimental das religiões alienantes está impondose através da inteligên cia da racionalidade da objetividade e das técnicas de seus especialistas como uma espécie de compensação da estupidez humana Ela canta em cifras e em cálculos a grandeza do gênero humano como se pudesse representar o soatório organizado e racionalizado de nossas ignorâncias e 11 alienações Veremos como essa mentalidade conduz facilmen te à mistificação Em sua realidade concreta a ciência é um poder exerci do sobre as coisas e sobre os seres vivos Esse poder tornase tanto mais opressor quanto mais coincide com um saberfazer que apela como a seu alterego a tudo quanto não sabe pro duzir o poder de saber o que fazer Somos levados a crer que o mundo esteja inflacionado de ciência que ele padece de uma doença científica irreversível ou incurável Desde Descartes século XVII a ciência vem ensinandonos a dominar a na Hrea Parece ter conseguido seu intento com muito êxito pois já trata de dominar o próprio homem Todavia ainda não conseguiu ensinarnos como dqminar a dcminação E quem acredita que ela um dia possa vir a desempenhar esse papel está vivendo no mínimo uma ilusão Ainda nos encontramos longe de podr finalizar o êxito científicotécnico por um projeto capaz de restaurar para além dos saberes regionais e objetivados um conhecimento ao mesmo tempo objetivante e de totalidade Evidentemente a realização de semelhante pro jeto não pode ser obra de um indivíduo nem tampouco o re sultado miraculoso de uma superteoria Talvez seja o trabalho constante de um semnúmero de práticas de onde surgirãõ no vas coerências ou de outro tipo de teorização Nesse domínio é preciso fazer uma escolha correr riscos e adotar atitudes críticas Porquê sem tais posturas a ciência poderá esmagar nos sob o peso de seus sucessos e de seus benefícios Atualmente a atividade científica defrontase com sérios desafios internos e externos De um ponto de vista coletivo os descontentamentos sociais ligados à introdução de inúme ras inovações tecnológicas da poluição industrial aos horro res das guerras químicas e eletrônicas estão levando a um questionamento da equivalência entre ciência e progresso en tre tecnologia e bemestar social As manifestações objetivas dessa crise de confiança aparecem na redução dos investimen tos em pesquisas no número crescente de cientistas e de téc nicos que se vêem condenados ao desemprego e na crescente tomada de consciência por parte dos próprios cientistas das condições sócioculturais em que são realizados seus trabalhos A lguns colocam em questlio a escolha das prioridades nas pes 12 quisas enquanto outros começam a fazer um crítica ideológi c a à prática social da ciência Podemos compreender essa cri se como um desafio ao conceito de racionalidade científica e aos sistemas de valores culturais intelectuais sociais e éticos que se construíram sobre esse conceito Essa questão será e clareei da a propósito da ética do conhecimento objetivo O que podemõs perguntar desde já é se não seria teme rário entregar o homem às decisões constitutivas do saber científico Poderia ele ser dirigido pela ética do saber obje tivo Poderia ser orientado por esse tipo de racionalidade Não se trata de um homem ideal Estamos falando desse homem real e concreto que somos nós desse homem cujo pa trimônio genético começa a ser manipulado cujas bases bio lógicas são condicionadas por tratamentos químicos cujas ima gens e pulsões estão sendo entregues aos sortilégios das técni cas publicitárias e aos estratagemas dos condicionamentos de massa cujas escolhas coletas e o querer comum cada vez mais se transferem para as decisões de tecnocratas onipotentes cujo psiquismo consciente e inconsciente individual e coleti vo tomase cada vez mais controlado pela ciência pelo cálculo pela positividade e pela racionalidade do saber cientí fico desse homem enfim que já começa a tomar consciência de qte doravante pesa sobre ele a ameaça constante de um Apocalipse nuclear cuja realidade catastrófica o constitui aia objeto de refleãõ Uma reflexão mesmo sumária sobrec ponto de partida dos saberes científicos constituídos e cúlminando em técnicas bastante eficazes levanos facilmente a perceber que as ciên cias em sua vertigem crescente de objetividade e de raciona lidade conduzem aqueles que as praticam a um esquecimen to progressivo e rápido dos pontos de partida e das decisões constitutivas de seu saber Ora uma retomada de consçiência dessas condições de origem irá permitirnos conjugar uma reflexão do homem aos saberes sobrt o homem Ao biólogo redutor por exemplo que declara o homem é apenas um sistema regulado de funções biológicas poderíamos dar a se guinte resposta considerado do ponto de vista biológico e segundo o tipo de enfoque caracterizando tal epistemologia biológica ele aparece como um sistema regulado de funções 13 biológicas E da nova consciência desse considerado do pon to de vista biológico que surge a tarefa propriamente refle xiva Tratase de uma tarefa cultural ainda irrealizada Será levada a efeito pacientemente no interior de cada disciplina científica Em seguida nas pesquisas interdisciplinares O ob jetivo é atingir uma reflexão sobre as decisões constitutivas dos diversos saberes quer dizer retomar reflexivamente os resul tados obtidos as ligações descobertas as inteligibilidades es truturais no interior de um saber reflexivo coerente do homem para ele mesmo A esse respeito impõemse duas observa ções a f dessa forma que as ciências humanas por exemplo cada uma segundo sua abstração metodológica própria poderão cooperar para que o llomem redescubra uma nova consciência d si ou reelabore uma nova antropologia reflexi va não matstonstituída por introspecção ou por metodologia transcendental mas por um coptacto direto com as ciências humanas num diálogo interdisciplinar constante preciso que se parta das positividades elaboradas pelas ciências para que se efetue uma retomada reflexiva da5Juilo que a razão cogni tiva não cessa de se dar em vários níveis conceituais e de objetivar em saberes parciais Ao ingressar num diálogo vivo trlnqüilo ou polêmico com as disciplinas que de um modo ou de outro tomam o homem como objeto de estuào a an tropologia reflexiva num total respeito à autonomia de cada disciplina e aproveitandose das certezas já adquiridas forne cerá ao homem atual uma nova consciência de si dessa vez apta como deseja Jacques Monod a suprimir a alienação do homem oderno em relação à cultura científica b A segunda observação consiste em responder à seguin te questão podemos fazer do conhecimento objetivo como preconiza Monod o único valor a única ética digna do ho mem atual Evidentemente o conhecimento objetivo pode bas tar ao biólogo ao psicólogo etc mas seria capaz de blStar ao homem Talvez o problema seja mais bem elucidado se concebermos uma passagem do saber sobre o homem a um saberquerer do homem este sim capaz de dirigir sua ação Porqu pão é na ciência mas numa antropologia reflexiva 14 que iremos encontrar o discurso do homem sobre ele mesmo Só esse discurso pode revelar como originária e constitutiva do homem essa dialética do saber e do querer do fato e do valor do ser e do deverser Ela é esse lugar onde aqui lo que foi conquistado à maneira do fato faz valer seus direitos em revestirse da modalidade do valor e do sen tido Com esse saberquerer a biologia a psicologia a so ciologia etc não somente podem mas devem cooperar sob o controle do pensamento livre para a definição de uma ética da ciência Por isso não podemos admitir que o conhe cimento objetivo possa constituir a única finalidade o único valor Porque não sendo capaz de fundar uma ética torna se incapaz de constituir o valor supremo do homem Os yalo res não podem surgir de um saber sobre o homem mas de um querer do homem ser inacabado e sempre aberto às pos sibilidades futuras Depois dessas rápidas considerações introdutórias con vém apresentarmos sucintamente não somente o conteúdo mas as intenções do presente trabalho Este não pretende ser outra coisa senão uma coletânea de elementos e de instrumentos in trodutórios a uma reflexão mais aprofundada e crítica por par te dos eventuais leitores de um livro de iniciação a certos pro blemas de ordem epistemológica Tratase pois de um con junto de textos preparaàos e utilizados pelo autor em seus cur sos de epistemologia na PUC do Rio de Janeiro Aos textos originais foram feitas as necessárias alterações para fins de pu blicação Esses textos foram escritos com o objetivo preciso de responder a preocupações bem determinadas relativas a um contexto de ensino melhor ainda de seminários de estudos Razão pela qual conservam sua linguagem por vezes polêmica atendendo ao objetivo tanto de estimular a reflexão dos alu nos sobre alguns pressupostos filosófiços presentes e atuantes nos processos de formação de elaboração e de estruturação dos conhecimentos fornecidos pelas ciências humanas quan to de proporcionarlhes certas bases eonceituais para a com preensão desse fundo de saber solo ou horizonte epis temológicos sobre o qual se constroem certas teorias da ra 15 cioMlidade cóntemporânea Portanto tratase de textos que na origem não estavam destinados a serem congregados Don de a ausência de uma ordenação lógica rigorosa cada um po dendo ser tomado como um todo No entanto todos se inscre vem dentro de uma proJlemática fundamental a das relações entre a ciência objetiva e alguns de seus pressupostos isto é entre a corrente de racíoMlidade que se exprime no movimen to da industrialização e da planificação e o dinamismo de na tureza ética em interação com a racionalização embora autô nomo em relação a ela Assim a unidade dos vários capítulos do presente volu me só pode ser a de uma perspectiva não a de uma compo sição orgânica e logicamente concatenada Portanto não se de ve esperar dele uma análise ou uma reflexão cerradas ou sis temáticas sobreo modo como as ciências se articulam com as grandes dimensões da aventura humana Os capítulos que o compõem sãOl apenas enfoUits parciais e ocasiotraLs ainda bas tante incoatios de certos aspectos desse grande problema São propostos apenas a titulo de ensaios provisórios sugerindo al mas pistas de reflexão Eles tentam sem excessiva preocu pação de rigor metodológico exprimir uma preocupação mui to mais do que estabelecer conclusões ou eixos seguros de pen samento Razão pela qual não quis sobrecarregálos com cita ções em demasia remetendo o leitQI à piblíografia fundamen tal sobre o assunto No entanto seus capítulos obedecem a um certo no condutor religando a ciência objetiva a uma ética do saber objetivo passando pelos pressupostos axiológicos das ciências humanas e por um esboço de crítica ao princípio da neutralidade científica O primeiro capítulo é uma tentativa de colocar o proble ma da objetividade científica e de detectar os principais pres supostos axiológicos presentes no processo de constituição e de desenvolvimento das ciências humanas O segundo visa a enfatizar o caráter cada vez mais praxeológico ou intervencio nista dessas disciplinas O terceiro tem por objetivo elucidar os fundamentos epistemológicos responsáveis pela atitude cien tificista diante de todas as formas de conhecimento da reali dade O quarto é uma tentativa de mostrar que a ciência ob jetiva apesar de nio conseguir fundar uma ética do conhe 16 cimento não pode prescindir de uma ética que o funde No quarto tento situar o problema que hoje se coloca sobre a possibiidade cada vez mais crescente de se construir uma epis temologia científica afirmandose como ciência da ciência ou como organização racionatt da atividade científica Os capítulos 3 e 4 visam a mostrar entre outras coisas que o progresso dos conhecimentos não aparece mais em nos sos dias como uma condição necessária e suficiente para a prosperidade humana e menos ainda como a garantia de um melhor bemestar social e da felicidade dos indivíduos O que se pode dizer é que tudo parece recolocado em questão os meios de que a pesquisa científica dispõe e sobretudo os fins que os justificam Em outras palavras a pesquisa fundamental ou teórica não pode ser mais vista como a condição necesária e suficiente do processo de inovação e de melhoria das condi ções humanas de vida Ao invocarem os objetivos sociais de suas pesquisas os cientistas não têm mais o direito de esta rem seguros de que podem cumprir aquilo que vêm prometendo desde o século XVIII a ciência para o bem da humanidade Finalmente achei por bem incluir um capítulo sobre a peda gogia das ciências humanas Batizeio com o nome de O Papel do Educador da Inteligência Poderá ser tomado à guisa de apêndice pois só indiretamente está em linha de con tinuidade com os demais capítulos Por conseguinte que o leitor ao analisar criticamente este pequeno livro não veja nele uma argumentação objetiva e sistemática acabada ou dogmática isenta de falhas e de toda ilusão As formas de pensamento e de expressão utilizadas não estão isentas de pressuposições e de partis pri3 por vezes injustificados Razão pela qual ficaria muito grato em receber críticas e sugestões Estou consciente rias lacunas e da não isenção bem como do fato de nem sempre ter visto pelo menos explicitamente a contingência a relatividade e as limi tações de certas afirmações Ademaii estou consciente de não ter emprendido uma reflexão exaustiva sobre os temas pro postos à discussão nem tampouco de ter apreendido de modo verdadeiro todos os problemas centrais referentes às relações da ciência com seus pressupostos axiol6gícos Minha preocupa ção fundamental repito foi a de expressar uma intençao in 17 tenção de tentar comprender de situar e de captar a lógica interna de uma tensão que se inscreve no cerne da atividade científica Sobretudo intenção de assumir essa tensão de modo ao mesmo tempo vivido e refletido não na perspectiva fala ciosa de propor reconciliações indevidas mas na esperança de abrir um caminho capaz de conduzir a uma reflexão mais aprofundada e mais bem embasada Aquilo que se deixa entre ver através da evocação dos problemas analisados é um momento de grande simplificação em que não haverá mais nem enigma das ciências nem questão de ética mas o suspense de uma palavra unificada dessa vez capaz de engendrar a verdade 18 I OBJETIVIDADE CIENTÍfiCA E PRESSUPOSTOS AXIOLOGICOS Toda realidade social é constituída ao mesmo tempo de fatos materiais de fatos intelectuais e afetivos que estruturam pot sua vez a consciência do pesquisador e que implicam naturalmente valorizações Donde parecenos impossível um estudo rigorosa mente objetivo daSociedade L GOLDMANN Tudo se passa como se o empirismo radt cal propusesse como ideal ao sociólogo anularse enquanto tal A sociologia seria me nos vulnerável às tentações do empirismo caso lhe fosse lembrado com Poincaré que os fatos não falam Talvez a desgraça das ciên cias humanas esteja no fato de lidarem com um objeto que fala P BOURDIEU 1 Problemas epistemol6gicos Falar da objetividade científica é colocar um problema epistemoiógico Problema epistemológico e não simplesmente metodológico Porque aquilo que comumente chamamos de metoãologia não passa de um domínio da interrogação epis temológica Assim não podemos fazer um estudo crítico dos princípios das diversas ciências de seu valor e de seu alcance sem nos interrogarmos ao mesmo tempo sobre a nálureza e o valor dos procedimentos pelos quais elas se constroem e che gam a um conhecimento objetivo Ademais a reflexão episte mológica surge sempre coQ uma imposição das crises deta olldaquela disciplina científica E essas crises são o resultado de uma lacuna dos métodos anteriores que deverão ser ultra passados pela invenção de novos métodos Por outro lado o método não pode ser estudado independentemente das pesqui sas em que ele é empregado a não ser que se faça um estudo abstrato morto e incapaz de fecundar o espírito Aliás como já dizia Comte em seu Cours de philosophie positilAe tudo o que podemos dizer de real sobre o método quando considerado abstratamente reduzse a generalidades vagas e sem qualquer i11fluência sobre o regime intelectual Os procedimentos ógicos ou metodológicos não podem ser satisfatoriamente explicados independentemente de suas aplicaçõe Por sua vez o emprego dos métodos pressupõe a sua posse Por conseguinte falar da objetividade científica é falar de um problema epistemológico Tratase de saber no fundo 21 qual a significação do termo ciência A epistemologia atual reco nhece que a ciência não existe mais O que existe sãos as ciências Talvez fosse mais adequado falar de práticas cienti ficas Porque falar de a ciência é adotar no ponto de par tida uma tese idealista e abstrata E quando falamos de sig nificação da ciência queremos faar da ciência enquanto prá tfca humana Nesse septido a objetividade da ciência significa antes de tudo a intnção subjetiva do cientista que se carac teriza pela busca do conhecimento Em segundo lugar significa as intenções implícitas ou explícitas daqueles que elaboram a política científica ou que direta ou indiretamente orientam a pesquisa procurando estabelecer os critérios de sua valida ção Assim compreendida e em nosso contexto a significação da objetividade científica ou simplesmente da ciência referese ao creicimenJo racionalizado da produção Evidentemente a função desse crescimento não é de ordem científica nem por tanto objetiya O que a reflexão epistemológica atual mostra é cjue aquilo que comumente chamamos de metodologia das ciências não passa de uma disciplina meramnte instrumental Em outros ter mos a metodoJogia não tem um fim em si mesma Ela é apenas um meio para atingir determinado fim Os métodos são instru mentos que possibilitam ao cientista alçançar determinado ob jetivo cognitivo Hoje em di há uma tendência metodologi zante que de tanto discutir sobre os métodos não consegue fazer uma análise dos conteúdos nem tampouco explicar os fenômenos Donde o caráter abstrato de certos metodólogos que se deixam levar e envolver por uma teia de tecnicismos formais apresentandose como formalistas sem imaginação criadora Ora o estudo da realidade humana educacional psicológica social etc deveria primar sobre as questões puramente metodoló gicas Aliás é pelos problemas metodológicos que poderemos determinar a mediocridade ou a seriedade dos pesquisadores Nesse domínio é bastante comum a confusão entre meto dologia e técnicas de pesquisa Exemplifiquemos com o caso da educação Ningu6m coloca em d6vida que o conceito de pesquw lucacional tenha a pretensão de ser um trabalho cien tífico sobre a realidade educacional Todavia para atingirmos essa realidade há dois caminhos possíveis a o primeiro con 22 siste na formulação de técnicas de coleta de dados se uma pesquisa educacional nada nos informa certamente defor ma Vale dizer o estudo da realidade educacional supõe um contacto com ela não podendo permanecer no domínio da pura especulação Situamse aqui os progressos realizados no campo da observação controlada das escalas de medida da estatístka dos levantamentos das análises de conteúdo etc b O segundo caminho se refere à preocupação propriamente teó rica em torno dos dados a empiria por si mesma não asse gura caráter científico à pesquisa esta tem necessidade de um quadro teórico de contextuação Evidentemente essa perspectiva nega a filosofia empirista que acredita na evidência dos fatos como se a realidade devesse imporse ao sujeito O vetor episte mológico iria do real à razão e nâo do racional ao real Con tudo isso não quer dizer que a preocupação teórica tenha por finalidade desprezar a preoéupação empírica Pelo contrário a pesquisa científica deve integrar ambas as perspectivas muito embora a perspectiva teórica tenha o primado epistemológico de poder construir seus objetos científicos Nessas coPdições a distinção entre metodologia e téc nicas de pesquisa não passa de uma divisão artificial do trabalho em torno do problema 6nico pesquisá educacional por exemplo Essa divisão do trabalho especifica um nível em pírico e um nível teórico Ela dá a entender que para um estudo da realidade educacional a coleta estatística dos dados só adquire significaçãu real quando for construída ou elabo rada por um enquadramento teórico Não Jm Ilito sentido epistemológico a distinção entre metodologia empírica cha4 mada d técnicas e metodologia teórica chamada de método Tratase de uma distinção cuja desvantagem reside no dualismo teoriaempiria que ela apresenta ou sugere Muitos consideram a preocupação teórica como uma fuga da reali dade Mas a diferenciação teoriaempiria não passa de resquí cio saudosista de um dualismo já ultrapassado Se a métodologia é válida e necessária para a formação dos pesquisadores em educação parecenos que o é muito mais enquanto uma discipUna instrumental disciplina de indagação e de questionamento sobre a maneira como o pesquisador deve conhecer seu objeto Por isso não compreendemos metodogia 23 alguma que não se faça acompanhar de um fundo epistemoló gico nesse sentido que gostaria de propor algumas conside rações epistemológicas sobre o conteúdo da metodologia educa cional mas que poderão estenderse às demais disciplinas hu manas A Em primeiro lugar a atitude epistemológica eminen temente crítica obriga todos aqueles que elaboram métodos educacionais a se questionarem sobre a cientificidade ou obje tividade de sua própria disciplina Ademais levaos a se inter rogarem criticamente sobre o valor científico de seus produtos intelectuais Porque é a reflexão epistemológica que fornecerá as condições reais e as condições de possibilidade permitin do limitar ou demarcar aquilo que na ordem âo saber é ati Vidade científica propriamente dita Esta em princípio deve ser diversa de ta atividade do senso comum da percepção ime diata das acividades ideológicas ou especulativas a atividade científica deve estar isenta e liberta de todas as aderências subjetivas e opinativas Ess problema da demarcação colo ca problemas estritamente epistemol9gicos relação entre sujeito e objeto de conhecimento objetividade subjetividade objeto construído conceito teoria categorias de análise etc Sem o suporte de uma epistemologia o metodólogo cai fatalmente num tipo de atividade mecânica e pouco inteligente porque acrílica Nesse domínio falar de epistemologia é falar da neces sidade de fazer uma sociologia do conhecimento e até mesmo uma sociologia da ciência Em nossos dias há todo um esforço de relativizar a ciência A demarcação científica variou bas tante através dos tempos Atualmente tomouse praticamente impossível sustentar a existência de uma verdade científica Um pouco de epistemologia histórica revela que aquilo que já foi considerado iumamente científico foi posteriormente ridicula rizado Por outro lado se tomamos nosso exemplo da educação não podemos negar a existência de várias escolas com teo rias contrárias ou antagônicas Isso vem mostrar claramente que a atividade científica não pode ser considerada como um templo sagrado Ela é uma atividade humana e social como qual 24 quer outra Está impregnada de ideologias de juízos de valor de argumentos de autoridade de dogmatismos ingênuos che oando mesmo a ser desenvolvida em instituições fechadas ver jareiras seitas científicas com suas linguagens próprias para uão dizer dialetos A educação enquanto disciplina com pre tensões científicas ilustra bem o que acabamos de dizer Na verdade ela é uma disciplina que até hoje procura definirse autodeterminarse estabelecer seu estatuto de cientificidade quer no interior das demais ciências humanas quer por oposição às influências da filosofia Na prática porém ela não passa de um amontoado de escolas com um objeto de investigação bastante diversificado em múltiplas práticas educativas Há o educaáor que pratica pesquisa educacional unicamente no nível metodológico estatístico e de planejamento há o educador que é herdeiro da filosofia educacional e humanista produtor de altas teorias mas sem caráter de operacionalidade há os edu cadores críticos que se julgam os avaliadores dos sistemas edu cacionais não tendo dificuldades em propor soluções a curto ou a longo prazo para seus males No entanto ao nos deparar mos com as teorias dos vários pedagogos somos quase que forçados a reconhecer que os profissionais da educação se relevam profundamente incapazes de delimitar ou demarcar aquilo que constitui propriamente a realidade educativa ou aquilo em que consiste a educação como disciplina científica que pretende ser Não podemos ser ingênuos a ponto de ignorarmos que todo sistema educacional carrega as marcas da sociedade que o ins taura Tampouco podemos desconhecer que ele participa direta ou indiretamente do problema de dominação próprio a todo sistema social As ciências da educação à medida que ten tam eliminar as ideologias para se tornarem científicas são prodtaoras de ideologias e de sistemas valorativos E a razão é a seguinte nenhuma ciência humana pode ter a pretensão de ser uma determinação epistemológica prédada suprahistórica e invariáel Além dos conteúdos buscados na teoria do conheci mento a demarcação real de qualquer ciência humana só po derá ser levada a efeito no interior da sociedade em que ela é praticada Em outros termos aquilo que é científico nesta ou naquela disciplina não é um parâmetro feito uma vez por 25 todas atemporal mas uma realidade essencialmente histórica levando em seu bojo as marcas contínuas do conflito e das mutações sócioculturais a essa realidade que chamamos de processualidade epis tel7UJlógica das ciências Nesse sentido toda ciência é proces sual Devemos passar da idéia de um conhecimentcrestado à idéia de um conhecimentoprocesso E a epistemologia outra coisa não é senão essa atitude reflexiva e critica que permite submeter a prática científica a um exame que diferentemente das teorias clássicas do conhecimento se aplica não mais à ciência verdadeira de que deveríamos estabelecer as condi ções de possibilidade e de coerência lógica bem como seus títulos de legitimidade ou de validação mas à ciência em vias de se fazer em suas condições reais e concretas de reali zação dentro de determinado contexto sóciocultural Assim uma das tarefas essenciais da epistemologia é a de revelar a fQÇJSuolitade dm ciências Em outros termos a função âa epistemologia consiste entre outras atribuições em mostrar que à atividade científica é um produto humano e por isso uma realidade sóioliístórica Por definição a atividade científica encontrase em estado de constante inacabamento Ela está sempre fazendose e construindose Jamais atinge um estado definitivo Uma produção científica acabada é um absurdo epis temológico Deixaria de ser científica para converterse em dÕg ma imutável E como todo dogma seria objeto de crença e não de saber racionalA idéia bacheiardiana de corte eoistemõ lógico revela que não podemos conceber uma fase final na produção científica Ademais mostra que toda teoria científica é apnas uma hipótese provisória à espera de outra mais fe cunda O critério de verdade de uma teoria longe de estar em sua certeza está em sua superação num futuro mais ou menos próximo ou distante A processualidade da ciência poderá ser mais bem enten dida se levarmos em consideração certos elementos epistemoló gicos expostos a seguir a Se a cincia é histórica a verdade cientifica não pode deixar de ser um conceito também histórico A realiza 26 ção de uma verdade só poderá ser uma aproximação maior ou menor dela b Sendo um produto humano a ciência participa das vicissitudes da ação social Não há ciência absolutamente isenta de valorações e de ideologias Não existe a imaculada concep ção da ciência c A definição daquilo que é científico não decorre de parâmetros ou critérios prévios e invariantes que servem de medida absoluta para qualquer atividade científica Ela depende dos controles intersubjetivos freqüentemente apresentados como o resultado de uma descentração relativamente ao ponto de vista próprio em direção ao sujeito epistêmico d O que mais entrava o progresso científico são as posições dogmáticas O erro tão vituperado em lógica for mal significa certa carência dentro de uma teoria Contudo Bachelard mostrou que o erro é um elemento essencial da teoria tendo sentido positivo Teoria sem erro é teoria dogmá tica O primado teórico do erro significa a objetividade será mais clara e distinta na medida em que aparece sobre um fundo de erros o valor de uma idéia objetiva depende da superação das ilusões do conhecimento imediato a objetivação procede de uma eliminação dos erros subjetivos e psicologicamente vale como consciência dessa eliminação e Na realidade tudo é objeto de discussão O critério mais seguro de objetividade é a disposiçãõ crítica do cientista pois não pode haver um critério interno que seja exaustivo e perenemente válido A formulação de um critério absoluto de verdade é um absurdo Donde a impossibilidade de conceber a existência de um conceito universal a menos que seja imposto autoritariamente A atividade científica baseiase no campo fér til do pluralismo das çoncepções e não nua conêepçãomo delo parâmetro universal de objetividade B Um dos conteúdos mais importantes da epistemolo gia consiste no questionamento da construção do objeto cientí fico Se admitimos que o ponto de vista cria o objeto Saus sure devemos reconhecer que a epistemologia demonstra o caráter meramente instrumental da metodologia para a pes quisa científica E essa afirmação epistemológica segundo a 27 qual o objéto da ciência é construído significa que no pro cesso do conhecimento vamos do racional ao real e não como pensam os empiristas do real ao racional Todavia essa posi ção não significa uma recaída no idealismo clássico que con feria um primado à idéia sobre o concreto O objeto real existe independentemente de nosso conhecimeitO quer pensemos nele quer não Contudo a ciência não se interessa pelo objeto real em seu estado bruto O objeto real só se torna objeto cientí fico quando for retirado de seu estado natural vale dizer quando for construído elaborado pensado por uma teoria ou seja quando for enquadrado por um ponto de vista teórico Em outras palavras o simples acontecer só atinge o nível do conhecimento científico quando for reconstruído teoricamen te E competi à epistemologia revelar como a ciência constrói seus objetos de sua alçada mostrar por que os cientistas dão preferênci a este ou àquele tema em detrimento de outros bem coriiofmostrar quais as categorias de análise instrumental conceitual de uma teoria que são empregadas Ora se definimos uma teoria como um sistema de con ceitos desenvolvidos sob fotma coerente e consistente deve mas reconhecer que tais conceitos aparecem estratificados na forma idealizada de uma pirâmide alguns são mais essenciais do que outros entre os essenciais alguns são mais fundamen tais Todo cientista gira em torno de certas çategorias de aná lise E a epistemologia levanos a refletir sobre tais categorias Levanos ainda a questionar os pontos de partida infundados os axiomas gratuitos as seletividades arbritárias e as prefe rêncas Essoais decorrents de opções valorativas Ademais levanos a identificar as aderências ideológicas teóricas os va zios analíticos e a situar o cientistas dentro do processo de pro dução científica geral Enfim a epistemologia lança o desafio de comprovação concreta daquilo que é tido como científico se pensaqtos fazer ciência devemos saber fundamentar essa crença se acreditamos que outras pessoas não fazem ciência precisamos comprovar tal negação E é por isso que a episte mologia pode ser considerada como uma verdadeira catarse intelectual assim como a descoberta do fundo inconsciente de nossos problemas psíquicos conduz a um alívio psicológico da mesml forma uma depuração de nossa atividade científica até 28 cuas raízes inconscientes poderá reverterse numa maior fh eza teórica numa definição mais clara de nossos enfoques numa clarificação decisiva de nossos instrumentos conceituais c numa atitude mais modesta e aberta face à complexidade Jesconcertante do esforço científico 2 Neutralidalle científica e juízos de valor O problema epistemológico da objetividade científica co loca quer queira quer não a questão da neutralidade dos cien tistas relativamente a todo e qualquer tipo de valoração e de engajamentos pessoais Talvez não haja muito sentido epistemo lógico em querermos deCidir de modo claro e definitivo algo sobre esse problema extremamente copplexo e confuso Não obstante tratase de um problema epistemelógico bastante rele vante sobretudo porque a objetividade sempre foi o ideal epis temológico de toda disciplina cm pretensões a passar do estádio précientífico ao estádio propriamente científico isto é à autl determinaçlio epistemol6gica no campo do saber Jáse escreveu muito sobre essa questão Não vamos aqui fazer uma síntese de tudo o que já se disse a respeito Tampouco é nossa intenção dar uma contribuição original Queremos apenas focalizar al guns elementos relevantespassíveis de elucidar melhor a pro blemática da objetividade científica de seus pressupostos axio Jógicos ou valorativos No processo de objetivaçao a presença dos juízos de valor não é uma simples anomalia epistemológica mas um dos elementos constitutivos do acesso ao saber obje tivo Este continua sendo o ideal das ciências humanas Epist mologicamente falando toda ciência constr6i seu objeto ela bora seus dados e seus fatos O fato puro não existe Todo fato 6 construído E a objetividade sempre se perde em pres supostos que estão longe de ser objetivos O problema da objetividade nas ciências humanas tal como Max Weber o colocou situouse no clima em que se debatia a metodologia das ciências humanas no fim do século XIX Com efeito em 1883 com a publicação da Introdução às Cinclas do Espfrito de Dilthey a questão metodológica que se colocava era bastante complexa Tratavase de saber se havia uma dlfe 29 rença entre as ciências da natureza e as ciências humanas Se eram distintas qual era a diferença entre essas duas categorias de ciências Trabalhavam sobre o mesmo objeto ou sobre um objeto diferente De um lado havia a realidade física deixando se determinar quontitativamente e submetendose a leis escritas do outro havia a realidade psíquica de caráter qualitativo e singular Teria sentido esse dualismo ou será que o objeto seria o mesmo em ambos os setores de conhecimento embora considerado sob pontos de vista distintos de sorte que a distinção entre os dois tipos de ciência seria apenas metodoló gica Caso admitamos uma distinção entre os dois campos do saber qual é o método próprio das ciências humanas tendo em vista que para a maioria dos teóricos dessa época o mé todo das ciências naturais escapava à discussão seus procedi mentos estando como que definitivamente estabelecidos Por conseguinte uàtavase em geal de descobrir o mesnio rigor metodológico para as ciências humanas Uns acreditavam poder encontrar na psicologia a disciplina capaz de desempenhar o mesmo papel que a mecânica sempenhava nas ciências na turais Outros insistiam na impossibilidade de eliminar a ética e os juízos de valor Outros ainda procuravam um meio de investigação original próprio às ciências humanas fuHdado na distinçªo entre explicar e compreender as ciências naturais eplicariam seus fenômenos as ciências humanas compreende rÜJm os seus Por sua vez a noção de compreensão dava mar gem a controvérsias seria ela de natureza puramente intuitiva ou pelo contrário exigiria para ser válida ser controlada pe los processos da explicação causal Essas questõessuscitaram outras quais são as disciplinas que pertencem às ciências hu mana Será que diversos aspectos dessas disciplinas não se deixariam apreender los procedimentos naturalistas e outros por procedjmentos interpretativos Assim o problema epistemológico central consistia em determinar os limites e o alctmce dos conhecimentos fornecidos pelas ciências humanas Esse problema revelava uma crise nas ciências humanas dando inclusive lugar a uma intemperança crítica e dogmática que afastou os cientistas de seu verdadeiro objetivo epistemológico Havia uma verdadeira epidemia meto 30 dológica Em quase todos os seus estudos os cientistas sen tiam a necessidade de acrescentar observações de ordem meto dológica Eles queriam cada um para sua disciplina afirmar o caráter de cientificidade de seu conhecimento Para Weber não se tratava com o fim de chegar à objeti lidade nas ciências humanas ie impedir que os cientistas pro pusessem soluções ou fizessem avaliações J até mesmo fre qüente que aqueles que pretendem absterse de qualquer juízQ de valor são os primeiros a ser infiéis à sua resolução quer porque se tornam vítimas de instintos de simpatias e antipa tias incontroladas quer porque consideram como verdade cientí fica a doutrina que triunfa no momento ou que tende a impor se E tudo 1sso como se a objetividade se deixasse decidir pelo domínio do mais forte sobre o mais fraco No campo per exemplo da economia a grande dificuldade consiste em discerni quando uma proposiçác se origina da ciência econô mica ou simplesmente da política econômica Com efeito con siderada como ciência a economia visa a explicar e a analisar a realidade econômica e como tal é internacional isto é universal como toda ciência Asim comprendida ela está a ser viço da verdade seja porque estuda as condições objetivas da situação econômica de um país ou de uma época determinada seja porque aprofunda o fenômeno econômico em si mesmo ou seu desenvolvimento bistórico A esse título ela não pode tMnarse profécia nem anunciar a manifestação de qualquer fim último Dizer porexemplo que a ecoomia deve favorecer a paz entre os homens já é fazer um juízo de valor que nada tem a vr com um enunciado científico A política econômica ao contrário não pode pretender à universalidade Ela deve aterse ao particular pois permanece ligada aos recursos dispo níveis de um país determinado dependendo das instituições e do regime de cada nação E nesse contexto que se coloca o problema do valor da ciência Para Weber nenhum valor nem mesmo o da ciência pode ser compreendido empiricamente O objetivo da ciência é a procura indefinida e o progresso do conhecimento por si mesmo Seus resultados só são verdadeiros em virtude das nor mas lógicas de nosso pensamento Evidentemente a ciência pode ser colocada a serviço de interesses econômicos políticos 31 médicos técnicos e outros Todavia o valor de cada um desses fins é imposto de fora não tendo justificação na própria ciên cia Ademais do ponto de vista empírico o valor da ciência pura entendida como pesquisa permanece problemática e contestável Ele pode ser combatido por motivos políticos ou religiosos Contudo o indivíduo que dá primazia ao llalor da vida sobre o valor do conhecimento pode tornarse adversário do conhecimento na medida em que o julga como uma ameaça à existência do homem Inversamente o negador da vida tam bém pode oporse à ciência quer vendo nela uma manifestação sempre mais rica da vida quer achando que ela pode aniqüi Iar a vida Nenhuma dessas atitudes é necessariamente con traditória a glorificação e a depreciação da ciência supõem a adesão a valores Portanto nessas condições a significação da ciência para a cultura bem como a significação da cultura considérada como nm crescimento de valor não se deixaQt fundar cientificamente Pelo contrário são sempre pontos dé vista axiológicos e por conseinte discutíveis Assim nossos juízos sobre a ciência e a cultura são juízos de seres civilizados e que como tais estão familiarizados com uma escala de valores que outros homens podem rejeitar sem por isso se tor narem degradados ou inferiores Todas essas posições são filosóficas e exprimem a intromissão do caráter inteligível na realidade empírica através do disface de normas éticas Depois dessas considerações de ordem histórica recolo quemos o problema epistemológico da neutralidade científica qual a relação entre as ciências humanas e os juízos de valor No clima da sociologia alemã onde o problema surgiu de modo mais explícito no início de nossos século duas posições se defrontam de um lado situamse os defensores da neutra lidade científica do outro os partidários de um engajamento por parte dos cientistas Os 11eutros acham que os engaja dos aabam por envolverse no sistema social vigente e por jystificªlo Qs engajados acusam os neutros de absen teísino quem a consente e o silêncio contra o regime é uma forma de justificálo Em ambos os casos há uma justificação do nacionalsocialismo uns prostituem as ciên cias sociais por seu engajamento outros as prostituem por sua neutralidade que nada mais é do que uma forma de 32 oportunismo f nesse contexto que se situa o pensamento de Max Weber Determinaremos em primeiro lugar as rea ções entre a noção de independência face aos valores t Wertfreiheit e a tentativa weberiana de dar um fundamento bjetivo às ciências sociais Em seguida mostraremos se essa noção ainda pode ser aplicada atualmente Situaremos o pro blema num plano meramente epistemológico deixando de Lado toda referência explícita à obra histórica e sociológica de Weber A A independência face aos valores Segundo Weber a independência face aos valores está vinculada ao seguinte fato a ciência em geral e as ciências sociais em particular devem limitarse a um papel puramente explicativo Nesse sentido não devem determinar as modalidades do comportamento humano nem tampouco devem definir nor mas políticas econômicas morais ou outras A exclusão dos juízos de valor constitui a condição externa da objetividade das ciências sociais A condição interna está na possibilidade da explicação causal Essas duas condições constituem as re gras gerais do método científico Segundo Weber as ciências sociais para serem objetivas devem excluir os juízos de valor Por outro lado a Cmprovação dos fatos j permite a de dução de normas de comportamento nem tampouco aprecia ções referentes a essas normas Porque não se pode deduzir um juízo de valor de um juizo fático A segunda condição da objetividade consiste na possibilidade de explicação causal as ciências sociais devem estabelecer as relações existentes entre os fatos e determinar as condições que as tomam pssíveis Assim segundo Weber há uma distinção fundamental en tre o conhecimento daqilo que ê e o conhecimento daquilo que deve ser Uma colocação fundada núm juízo de valor deve ser rejeitada pois a tarefa das ciências experimentais não consiste em aferir normas e ideais obrigatórios para que deles decorram receitas para a prática Contudo o fato de as ciênclas sociais excluírem os valores nãosignifica que não se relacio nem com eles Pelo contrário não somente podem tomar os 33 valores como objeto de suas investigações mas também uma de suas tarefas principais consiste em determinar as condições de sua realização Elas podem atribuir um caráter normativo aos valores isto é determinar se um valor deve ou não ser considerado como regra de conduta ou como base de aprecia ção Mas elas podem e devem determinar os meios que permi tem realizar os valores bem como as conseqüências que deri vam dessa realização e do emprego dos meios Assim o estudo das relações entre o meio e o fim e o estudo entre a realização e as conseqüências convertemse no fundamento de um exame crítico e técnico dos valores Essa maneira de encarar o problema está manifestamente clara em A Objetividade do Conhecimento nas Ciências So ciais e nas Ciências Políticas Esrais sur la théorie de la scien ce Paris 1965 Vejamos as posições essenciais de Weber 1 Toda análise reflexiva que diz respeito aos elementos últimos da átividade humana racional está antes de tudo vinculada às categorias do fim e dos meios Aquilo que antes de tudo é imediatamente acessível ao exame científico é a questão da conformidade dos meios quando é dado o fim Uma vez que estamos em condições de estabelecer de modo válido quais são os meios aptos ou não a conduzir ao objetivo que nQ representamos também podemos por esse caminho aquilatar as chances de consegüTr uin fim determinado com o auxílio de determinados meios colocados à nossa disposição Portanto dentro desse contexto podemos criticar indiretamente a intenção como praticamente razoável ou não razoável se gundo as condições históricas Estamos aqui diante de um dos problemas centrais a separação dualista entre meio e fim A demarcação do fim entra no domínio da decisão polí tica especificamente valorativa por sua vez a questão dos meios e somente elas tornase acessível ao domínio científico 2 Também podem ser determinadas além da realização eventual do fim visado as conseqüêncim que o emprego dos meios indispensáveis poderia acarretar tendo em vista o con texto global dos acontecimentos Por conseguinte a descrição das conseqüências ie coloca fora do engajamento relativamente ao fim em questão uma vez que este não se toma objeto de 34 escolha decisória mas é tomado como um dado pressuposto Ademais é preciso que seja levado em conta o conhecimento da significação daquilo que se quer os fi1ts são conhecidos e escolhidos de acordo com o contexto e a significação que se pretende Em outros termos os fins são escolhidos quando se pode indicar e desenvolvr de modo logicamente correto quais são as idéias que estão ou poderiam estar subjacentes ao fim concreto Porque uma das tarefas mais importantes de toda ciência da vida cultural humana consiste em abrir a com preensão intelectual às idéias pelas quais os homens lutaram ou continuam lutando E Weber mostra que isso não ultra passa os limites da ciência Esta deve buscar a ordem pen sante da realidade empírica e os meios que servem para a explicitação desses valores mentais 3 Weber crê na possibilidade de estudar os próprios íuízos de valor como objeto científico O sujeito pode estudar cientificamente os valores sem se comprometer com eles quer dizer permanecendo isento de suas contaniinações Por exem plo pode estudar a legitimidade ideológica de certo regime po lítico do ponto de vista de um valor vigente sem no entanto sentirse obrigado a tomar posição valorativa pró ou contra tal regime E o que faz a sociologia do conhecimento quando estuda o fundo social que dá origem e contexto a certo valor ou a certa idéia valorativa Por exemplo a problemática social subjacente aQ valor segundo o qual a mulher deve trabalhr na sociedade industrial é uma questão que depende do querer e da consciência pessoais e não do saber científico De um modo geral uma ciência empírica não pode ensinar a ninguém aquilo que ele deve fazer mas somente aquilo que ele pode e em cer tas condições aquilo que ele quer fazer CQmo podemos notar a distinçlo wetiana entre meio e fim é bastante nuançada Ele reconhece que nossas cosmovi sões pessoais costumam atuar ininterruptamente no domínio das ciências A argumentação científica pode realmente ser distorcida por fSsas cosmovisões Elas contribuem para avaliar diferentemente o peso dos argumentos científicos inclusive no esfera da descoberta das relações causais simples segundo o resultado aumente ou diminua as possibilidades dos ideais pes 35 soais Contado é bastante clara a postçao de Weber em favor da isenção dos valores nas ciências só é científica a disciplina que proscreve a interferência dos juízos de valor Todavia a vida cultural sempre coloca o problema do sentido 4ue ela pode ter Por isso o juízo de valor sempre emerge ua argumentação científica Mas Weber procura a todo custo como um dever sagrado evitar que o juízo de valor seja tomado como s fosse um argumento científico Chega mesmo a falar de um dever cientifico de procurar e atingir a verdade dcs f a tos Essa verdade deve ser a mesma para todo mundo indepen dentemente do tempo e do espaço Weber não esconde que ele mesmo é animado por dois juízos de valor que se convertem em dois devees para todo cientista Primeiro dewr o cientista social deve a cada instante explicitar escrupulosamente à sua própria consciência e à e seus leitores quais são as medidas de valor que ser vem pata medir a realidade e das quais o juízo de valor é deduzido ao invés de cultivar como ocorre demasia do freqüentemente as iluSões em torno dos conflitos de ideais por uma combinação imprecisa de valores de na tureza bastante diversa tentando contentar todo mun do Segundo devu o cientista social deYe explicitar a si mes mo e ao leitor aquilo sobre o que fala o pesqUisador deve tornar claro onde e quando cessa a pesquisa do cientista e onde e quando o homem de vootaae se põe a falar deve indicar em que momento os argumentos se dirigem à razão e quando se dirigem aos sentimentos A confu são permanente entre discussão científica dos fatos e ar razoados valorativos é uma das particu1aridades mais freqüentes mas também mais prejudiciais aos trabalhos de nossa disciplina E é unicamente contra essa confusão que se dirigem nossas observações anteriores e não con tra o engajamento em favor de um ideal pessoal Não há afinidade interna alguma entre ausência de doutrfna e objetividade cienttica Essa ltima afirmação tornouse famosa a neutralidade científica é vista como um valor embora não seja colocada 36 neutramente Weber fala constantemente de dever científico na busca da objetividade apesar de reconhecer a impossibili dade de uma total isenção do sujeito relativamente ao objeto Nem por isso ele deixa de postular uma atitude neutra para que não seja subvertido aquilo que chama de a ordem pen sante das ciências empíricas A neutralidade é um postulado metodológico que como qualquer postulado depende de uma tomada de posição valorativa E é justamente nesse ponto do dever que Weber é mais contestado sobretudo por Marcuse que vê nele uma espécie de Marx do capitalismo Segundo Marcuse Weber teria colo cado a ciência à disposição da economia política e conseqüen lemente inteiramente a serviço do sistema uma vez que re nunciou a discutir o próprio sistema em cujo contexto apa rece a questão de seus fins e de seus valores Não podemos esquecer no entantQ o momento histórico vivido por Weber os marxistas queriam chegar à cátedra e tentavam transfor mála em púlpito de pregação doutrinária Weber considera va essa pretensão uma derrocada de suas concepções científi cas e a entrega da ciência às mãos de bandoleiros Daí sua reação violenta contra toda interferência na ciência dos sis lernas valorativos e ideológicos O que não quer dizer uma tomada de sição anética pois a atitude ética é até mais im portante do que a ciência simples constatação de fatos logi camente ordenados Weber pretende apenas separar as duas instâncias a ciência isenta dos valores atingiria melhor os fatos ao passo que o jÚízo de valor se colocaria fora das ques tões científicas Para estudar as relações entre os valores e a ciência Weber utiliza a distinção introduzida por Rickert entre juízos de valor e referência a valores Nessa última noção está contido um princípio de seleção que possibilita nas ciências sociais a delimitação do campo das investigações segundo os casos específicos Assim definida a referência aos valores se confunde com o ponto de vista em que nos situamos para proceder à investigação A função metodológica dos va lores consiste no fato de serem critéri de seleção chamados a determinar a orientação e o domínio das investigações cien tíficas E na referência aos valores que se situa a significa 31 ção dos processos que constituem o objeto das ciências so ciais Na origem dessas disciplinas estão sempre presentes pressupostas axialógicos condicionados historicamente pelo contexto cultural em que surge a investigação científica Tais pressupostos são subjetivos pois constituem um ponto de partüia extracientífico não derivando da investigação objetiva No entanto a influência das circunstâncias históricas e a pre sença dos pressupostos axiológicos não impedem que as ciên cias sociais cumpram seu papel explicativo e portanto cientí fico as relações de fato podem ser determinadas objetivamen te através da experiência e independentemente da adoção des te ou daquele pressuposto axiológico Em toda investigação científica são inevitáveis os pressu postos axiológicos Contudo o importante é que seu emprego deve estar submetido a certas regras Píetro Rossi enumera três regras que seriam válidas para o conjunto das ciências sociais 1 os pressupostos axiológicos devem ser enunciados for malmente a fim de que fique bem claro que se trata de apreciações 2 devem ser utilizados como hipóteses de trabalho e postos à prova no decorrer da nvestigação 3 devem converterse em modelos explicativos que se rão conservados ou afastados segundQa experiência Presencia de Max Weber Talcot Parsons y otros 1971 Evidentemente embora sejaDf todas indispensâvels essas regras não têm o mesmo valor nem tampouco a mesma fun ção A primeira é puramente formal é insuficiente pois o fa to de se admitir um pressuposto axiológico não garante que seja bem fundado embora impeça que seja confundido com os fatos A segunda se refere ao método e estabelece o cará ter hipotético dos pressupostos axíológicos hipóteses que po derão ser refutadas ou confirmadas pela investigação científi ca A terceira determina a relação entre os pressupostos axio lógicos e o processo explicativo reconhndo que a referên cia à experiência se toma decisiva para a adoção ou a rejeição 38 de uma hipótese explicativa Consideradas em conjunto as trs regras conseguem dar nova forma à noção de indepen dência face aos valores e estabelecem o modo de emprego Jos pressupostos axilógicos Em suma qual a função dessa rejeição dos juízos de va lor nas ciências sociais Ralf Dahrendorf mostrou recentemen te que existem pelo menos seis pontos de contacto do cientis la social com os juízos de valor Em síntese são os que se cguern I O primeiro ponto se refere à escolha do tema Nessa escolha entram em jogo juizos de valor re1ativos à importância do tema Mas isso não tem nada a ver com os juizos implicados no referido tema pois po demos darlhe um tratamento objêtivado muito embora ele possa ser escolhido segundo preferências pessoais 2 O segundo é a seletividade da abordagem em nossa investigação devemos conservar certos pontos de vis ta O contexto teórico escolhido para ratar o te ma já contém elementos seletivos Ao lançarmos uma hipótese sempre lhe acrescentamos certos dados e procuramos a teoria que melhor possa confirmála Ninguém lança uma hipótese na espença derejei táIa Aliás é o que também ocorre nas diScussões escolhem no adversário os seus pontos fracos pa ra melhor refutálos Assim ao analisar o capitalis mo Weber destacou demais a influência do calvinis mo dando pouquíssima importância às invenções téc nicas Até certo ponto ajeitou os fatos à sua aborda gem teórica Saussure já dizia que o ponto de vista cria o objeto 3 O terceiro diz respeito à relação entre o objeto da so ciologia e os valores quer dizer aos valores como objeto todo comportamento humano está regulado por normas sociais por convenções por regras de costume de etiqueta ou de direito 4 O quarto consiste no esforço que tende a apresentar os postulados práticos ou políticos corno hipóteses 39 científicas Tratase do problema da desfiguração ideológica tentativa de fazer passar por colocações científicas posições valorativas pessoais A desfigu ração ideológica aparece como a inoculação subrep ticia de elementos espúrios na ciência Exemplo a partir do fato de estªr desaparecendo a família pa triarcaJ um cientista conservador pode concluir que a família está desaparecendo A razão de tal juízo pseudocientífico é o pressuposto aceito sem provas de que a família patriarcal é a única forma de famí lia ou sua forma natural Também um cientista li beral pode profetizar o fim da família por ser in capaz de elaborar uma tipologia das diferentes for mas de família Nos dois casos tratase de um dog matismo injustificado 5 O quinto consiste em saber se o cientista é capaz de passar da teoria à prática Tratase da aplicação da ciêicia à prática Weber ensina que jamais se pode demonstrar que um modo de agir deriva necessaria mente dos dados da investigação O que se pode afir mar é que em certas condições certas conseqüências são previstas em outras condições outras conseqüên cias Não se pode dizer definitivamente que tal so lução prática é justa e esta outra é falsa 6 o último ponto se refere à funçáQ social do sociólo go Tratase de saber se é da sua alçada tomar deci sões práticas Seria justificável a distinção preconcei tuosa entre o homem de ciência e o homem de ação O que Weber não queria era a confusão Mas acei tava as tomadas de posição em favor dos valores como preparativos à ação Como Durkheim não jus tificava o simples interesse teórico das ciências Da vaJhe uma atenção especial a fim de melhor resol ver os problemas práticos B Dicotomias FatoValor e MeioFim Do ponto de vista epistemológico há uma dicotomia en tre fato e valor quer dizer não há uma ponte de dedutibili 40 Jade entre ambos de um fato não se segue um valor tam 10uco de um valor se segue um fato Do valor por exemplo cgundo o qual a mulher deve trabalhar não se deduz logica fllnte que ela trabalhe de fato E mesmo que seja um fato lJtiC ela trbalha não se Pe deduzir que deva trabalar À primeira v1sta ha uma dJVJsao estanque entre esses dms ele mentos Não obstante na vida real fato e valor não se disso ciam Segundo a terminologia weberiana fato diz respeito àqui lo que é enquanto valor se refere àquilo que deve ser Con tudo essa distinção não leva a uma demarcação radical en tre algo puramente factual e algo puramente valorativo Para alguns autores um fato é um fato para outros ele é prenhe de valor E valor é tudo o que diz respeito à opção pessoal 1 preferência subjetiva e aos elementos volitivos da pessoa Enquanto fenômeno o fat permanece exterior à pessoa En quantõ acontecimento valorativo está ligado aela por um in teresse Nesse sentido o fato não é neutro pois de algum modo envolve a pessoa Todo conhecimento enquanto pro cesso de apreensão de um objeto por um sujeito inclui o tra balho do sujeito sobre o objeto lo sujeito seleciona o que lhe interessa na realidade E por isso que todo fá to é de algum modo valorado se não é valorado é porque não é conhecido isto é não despertou interesse no sujeito Este só vê na reali dadc os pontos que Jbe interessam Weber reconhece que todo sistema social de ação ipn ca múltiplas idéias valorativas Também o sistema da ciência segue iias de valores idéia de verdade ou de objetividade científica Assim o descompromisso de Weber não passa de um compromisso indireto Sua rejeição de todo juízo de valor é apenas uma reação antimetodológica Ao aceitar o valor ver dade adere a outros valores os que correspondem aos mé todos da ciência da lógica etc De sorte que a dicotomia fa tojvalor sóse dá no campo da lógica Na reaHdade O Iato é resultado de uma valoração Nesse sentido o conceito de neu tralidade é irieaJ i um modo de conferir valor a uma atitu de de preferência a outras O mesmo ocorre com a disjunção meiojfim O meio não se situa no domínio objetivo mas é função de um fim prees 41 tabelecido Pode o fim ser abstraído e desconsiderado Ouan do se escolhe os meios para se atingir o fim a propriedade do fim repercute na escolha a aptidão do meio é julgada con forme o que se queira no fim Este está presente na escolha dos meios Assim relativamente ao fim a neutralidade não é uma isenção mas um modo específico de tomar posição A distinção entre meio e fim é artificial A neutralidade é uma atitude ética Não se discute uma atitude anética mas o tipo de ética em questão A ideologia que comanda o fim pasa para os meios O exemplo clássico é o da tecnologia enquan to técnica ela é neutra podendo ser usada para qualquer fim pois não prescreve nenhum Mas como a tecnologia está sem pre vinculada a certos interesses e como a racionalidade dos meios é sempre a racionalidade do sistema os instrumentos de execução não podem ser puros instrumentos Factualmen te um revólver é um instrumento de lançar projéteis Herme neuticamente porém pressupõe a tnica da morte Por sua vez a bomba atômica é factualmente um instrumento neutro de explosão Todavia no contexto de seus pressupostos e que lhe conferem sentido é um val Quase todas as éticas adotam o princípio segundo o qual os fins não justificam os meios Se estes fossem neutros nem se colocaria o problema de sua justificação Na medida em que são escolhidos em função de sua maior ou menor aptidão para se atingir o fim é porque neles está presente o valor do fim Evidentemente enquanto tal um meio pode ser neutro Acontece porém que esse meio não existe Só existe no con texto dos pressupostos que lhe conferem sentido A razão pe Ja qual se escolhe este e não aquele meio pelo menos em nos sa sociedade atual é a racionalidade da ação e do pensamen to A racionalidade provoca uma iluminação da consciência que é o postulado básico de toda ação refletida e responsável por isso que Weber vê incompatibilidade entre a eleição da ciência e a falta de moralidade A eleição da ciência é uma decisão moral que pode ser ditada por interesses particulares deve ser tomada em função de um valor universal a verda de Nesse sentido Weber é cartesiano pois só aceita as idéias fundadas na razão O racionalismo é o melhor meio de se atingir a liberdade pois não tem compromissos com a afetivi dade nem com os condicionamentos psicossociais No dizer de J Haberrnas La technique et la science comme idéologie 1968 Weber introduziu o conceito de racionalidade para caracterizar a forma capitalista da ati idade econômica a forma burguesa das trocas no nível do direito privado e a forma burocrática da dominação A racio nalização designa antes d tudo a extensão dos domínios da míedade que estão submetidos aos critérios da decisão racio nal A racionalização crescente da sociedade está ligada 1 institucionalização do progresso científico e técnico Nesse cntido o fim de uma empresa capitalista é a eficácia rnaxi mização do lucro acumulação de capital consumo investi mento etc A racionalidade dos meios é proporcional ao fim visado Num tipo de empresa que vê na produtividade o valor bísico do sistema industrial a tecnologia é um instrumento ccelente porque se presta melhor a tal objetivo Ela não é puro meio pois pressupõe a ideologia do fim Em si mesma é neutra Acontece porém que a tecnologia em si mesma não existe é pura abstração Nesse nível a neutralidade não pode significar isenção de valor Ela é uma ideologia Enquan to tal é um pensamento a serviço de algum interesse pensa mento justificador racionalização ou justificativa racional dos interesses de um grupo Para realizarse a ideologia assume um tom moralizante e persuasivo tentando distorcer os fatos em seu favor e sugerindo um dever ser Conclusões 1 Do que dissemos sobre o problema da neutralidade o que está em jogo é o conceito de objetividade científica Ora a objetividade não existe O que existe é uma objeti vação uma objetividade aproximada ou um esforço de co nhecer a realidade naquilo que ela é e não naquilo que gosta ríamos que ela fosse Bachelard fala de éonhecimento apro ximado Sem dúvida o projeto do conhecimento científico é atingir a realidade naquilo que ela é Mas esse projeto é ir realizável Só conhecemos o real como nós vemos o sujei 43 to constrói o objeto de sua ciência A objetividade não passa de um ideal nenhum sujeito o realiza Donde o conceito de objetivação Até mesmo a ideologia pretende atingir conheci 4 mentos objetivos pois não lhe interessam conhecimentos ideo4 lógicos deturpando os fatos em favor de certos interesses E como todo conhecimento vem acompanhado de ideologias corre o risco de ser arbitrário A ciência não demole os va lores Por outro lado não há critérios universalmente válidos de objetividade conferindo neutralidade para todos Somente os critérios de objetivação poderão assegurar certa forma de aproximação da realidade evitando as deturpações ideológicas Dahrendod propõe três critérios a treinamento com a ajuda da psicanálise e da socio logia do conhecimento para a produção objetivada dos conhecimentos a psicanálise do saber bjetio nO sentido bachelardiano consiste no esforço de lu ta contra as ideologias b revelação sincera dos valores pelos quais se luta e que formam o pano de fundo ou o ponto de partida da pesquisa c a crítica mútua como parâmetro de cientificidade 2 A objetividade das Ciências e dos cientistasé um va lor de natureza ideológica que se acrescenta à atividade cientí fica e que surge de um duplo processo de objetividade a a objetivação do produto dessa atividade cujo desenvolvimento é interrompido para se fixar num saber que reproduziria uma parte do real b a objetivação do agente que possui esse saber em troca de sua neutralidade e de sua submissão ao real Assim as ciências objetivas forneceriam verdades in dependentes da história e daqueles que a fazem os cientistas objetivos por sua vez se limitariam a descobrir essas verda des apagandose diante delas fazendo abstração de sua subjetividade e elevandose acima dos preconceitos das ideo logias das paixões etc Ora essa noÇão de objetividade não tem suporte epistemol6gico algum apresentandose como uma racionalização das crenças ingênuas no prestígio da ciência crença na unidadedos conhecimentos em seu caráter absoluto 44 c ahistórico e na independência da realidade que seria conhc iJa de modo imparcial Ora a objetividade tira seu valor dos lbjenos construídos e do poder dos modelos utilizados relati arnente aos dados da experiência não é a reprodução fiel da rcaidade Ela não está isenta de erros nem tampouco de ccoh as Se podemos falar de verdades científicas é no sen tido de uma conveniência entre os modelos e as predições de um lado e os fatos pertinentes que se prediz do outro Essa conveniência deve ser entendida como urna nãocontradição PMtanto a objetividade se define pelo respeito às regras do 1bjeto construído e não por uma vaga adequação do espírito 1 realidade 3 1 nesse sentido que gostaria de citar um trecho de Bachelard onde conceitua a objetividade científica como um processo constante de objetivação Basta que falemos de um objeto para nos conside rarmos objetivos Contudo através de nossa escolha ini cial é o objeto que nos designa mais do que o designa mos E aquilo que imaginamos serem nossos pensamen tos fundamentais acerca do mundo não passa muitas vezes de confidências a respeito da juventude de nosso espírito Acontece ficarmos extasiados diante de determi nado objeto Acumulamos hipóteses e divagações Ela boramos assim certos conceitos que têm o aspecto de um conhecimento Todavia a fonte inicial não é pura a própria evidência de onde se partiu não constitui uma verdade fundamental De fato a objetividade científica só é possível se antes de tudo fizermos abstração do objeto imediato se recusarmos a sedução da primeira escolha e se contrariarmos os pensamentos nascidos da primeira observação Toda objetividade devidamente ve rificada desmente o primeiro contacto com o objeto Ela deve antes de tudo criticar tudo a sensação o senso comum até a prática mais vulgar porque o verbo que é feito para cantar e encantar raras vezes corresponde ao pensamento Ao invés de extasiarse o pensamento objetivo deve ironizar Sem essa vigilância hostil nunca atingiremos uma atitude verdadeiramente objetiva Quan 45 do se trata de observar os homens é a simpatia que encontramos na base do processo Contudo em face desse mundo inerte que só vive através de nossa vida que não sofre nenhuma de nossas penas nem se exalta com nenhuma de nossas alegrias devemos dominar to das as expansões e refrear nosa pessoa Os eixos da poesia e da ciência são antes de tudo inversos Tudo o que pode esperar a filosofia é tomar a poesia e a ciên cia complementares uniIas como dois contrários perfei tos Portanto precisamos opor ao espírito poético expan sivo o espírito científico taciturno para o qual a antipa tia prévia representa uma salutar precaução Psychana lyse du f eu 4 Finalmente nesse domínio tão vasto e complexo na da temos a concluir Quisemos apenas elucidar um pouco a questão Àssistimos hoje a uma verdadeira ixnpregnação me todológica nas ciências humanas de técnicas e de procedi mentos estatísticos que nos fazem lembrar as questões meto dológicas da época de Webêr Toda essa produção metodoló gica faz apelo à neutralidade dos cientistas Essa neutralida de axielógica surge como um meio excelente pois não se dis cutindo os fins da sociedade terminase por justificála Essa isenção aparece hoje sob a forma de um nova ideologia a ideologia sistêmica transformando a racionalidade dos meios na racionalidade do sistema E a racionalidade científica trans formase em ideologia a partir do momento em que tenta im poSe como a única forma possível de racionalidade A con cepção a e ciência que clã pressupõe é a de um conjunto de realizações às quais o homem delega realmente o poder fun dado sobre o saber Tratase de uma concepção tecnocrática da ciência assim como o homem delega seus conhecimentos físicoqulmicos aos mísseis e foguetes da mesma forma dele ga seu saber aos computadores aos programas aos processos de automação e de cibernética social Ora esse processo de delegação de poder por objetivação do saber numa técnica autoregulada é uma das características essenciais diz Philipe Roqueplo Autocritique de la science da ciência contempo rânea Assim o dogma da racionalidade científica e o da 46 neutralidade axiológica não passam de miragens mantidas a serviço de escolhas políticas ou ideológicas Numa palavra não passam de mistificações pois hipnotizam o olhar crítico como se os conflitos reais e as contingências do conhecimento racional e objetivo pudessem adquirir um estatuto apenas re sidual da Natureza Donde a importância de analisarmos o caráter praxeológico das ciências humanas pois ao se conver terem em tcnicas de intervenção em estratégias de ação des 111ascarase o mito da neutralidade de seus agentes e da pu reza objetiva de seus resultados 47 II CIÊNCIAS HUMANAS E PRAXEOLOGIA As ciências humanas tais como elas exis tem em suas condições reais de realização apresentamse como técnicas de intervenção na realidade participando ao mesmo tempo do descritivo e do normatito são praxeolo gias A análise epistemológica não tem o di reito de dissociar no domínio das disciplinas humanas uma teoria científica de uma técni ca de aplicação pois não somente se dão sen tido uma à outra mas também determinam se reciprocamente Num sentido bastante latoº tfIUQ praxeoJogia pode ser cntendido como o conjunto dos equipamentos técnicometo dlógicos fornecidos sobretudo pelas ciências huanas tendo em vista intervir e IYanormar os horizontes do agir humano c de seus comprtaIleQos sociais Não é novidade para as pessoas cultas que por seu próprio dinamismo o Mirito científico tnde praticamente a açambarcar todos os fenôme nos a fim de tudo expúcar por um conhecimento racional e objetivo Sua meta é apoderarse de tudo através de um saber coerente e objetivo não somente susceptível de desembocar eventualmente Dma prática operatória efiçaz mas também ca paz de prver e de planificar os fenômenos ou comporta mentos novos Seria ingênuo de nossa parte querefDOS per guntar se as ciências têm ou não o direito de empreender isto ou aquilo O que podemos perguntar é se elas conseguem realizar seu empreendimento como e com que objetivos elas o realizam Isso se toma particularmente inquietante quando se trata das ciências humanas Nesse caso é o próprio sujeito do conhecimento que passa a ser considerado como objeto de estudo científico Sabemos que nas ciências humanas sem pre há a intervenção explícita ou implíçi a de valorizaçes par ticulares O desenvolvimento e a elaboração das idéias no do mínio hÚmano apresentam sempre um caráter de intervenção imediata e não apenas técnica ou metodológica Portanto nes se domínio por mais hnestas escrupulosas e críticas que se 51 jam as pésquisas guardam sempre o caráter de um desafio ao mesmo tempo teórico e práticq teórico quanto à máxima adequação possível ao objeto estudado prático quanto à pos síbilidade de transformar ou de impedir a mudança da so ciedade ou d transformar alguns comportamentos em detri mento de outros No mundo moderno a ciência de contemplativa tornou se profundamente operatória O físico clássico mantinha sem pre certa distância para com seu objeto de estudo Atualmen te porém o conhecímento científico abandonou por comple to a ordem do espetáculo Ele ingressou de cheio na ordem do trabalho Em nossos dias há um vínculo indissolúvel entre o observador e o sistema observado A ciência moderna nas cida para resolver o enigma do universo tornase cada vl mais intervenconista acabando por instituirse como rejeição de seu sujeito Nas ciências humanas o homem tornouse um grande auente Isso não quer dizer queele tenha sido supres so Essa ausência do homem nas ciências humanas pode ser considerada como um modode ele estar presente nelas Mas de um modo que não faça daquele que o afirme nem um objeto natural qualquer nem uma subjetívidacre nem tam pouco uma puraexigência moral ou ideológica Contudo esa ausência não significa indeterminação Hoje em dia as ativi dades humanas no planocientífico são como que ocultadas pelas operações formais caracterizando o espaço em que se produzem os acontecimentos humanos Tratase de opera ções mais ou menos dissimuladas pelos resultados que lhes servem de suporte e que as alienam ao reduziremnas a coisas isto é a realidades empíricas Fortanto ao mesmo tempo em que o murido deixou de ser para o cientista uma representação o homem tomouse uma vontade de poderde administração de dominação e de polêmica E é por isso que a epistemologia atual pelo menos a de inspiração bachelardiana não descreve pois só se des creve aquilo que se vê Assim parece não haver dúvida de que a lógica da teoria foi substituída por uma epistemologia da aproximação e por uma idéia da realização Os conceitos Çienqficos tornaramse operatórios E o racionalismo atual tor nouse militante Converteuse num pensamento construtivo 52 tíll pensamento em açiío e em trabnllw Cada vez mais o nno cíência passa a significar um saber eficaz Enquanto r eficaz a ciência passa a exigir de um lado a invenção conceitos operatórios isto é visando a dominar os elemen que eles constituem do outro a construção ou a produ lil sob o controle desses conceitos de um fato construído 1 braído ao fato empírico e susceptível de ser submetido a 1nta prática experimental É nesse contexto que gostaríamos de focalizar o probJe mt das ciências humanas enquanto elas se tornam praxeolo irs ou técnicas de intervenção no domínio humano Antes p1rém convém mostrarmos rapidamente como as ciências hu manas à medida que acediam à era da positividade também nrcssavam na era praxeológica Contudo a era da positivi ddc não deve ser entendida relativamente à era da represen 1ação como o resultado de uma simples modificação das ati tutlcs do pensamento e das idéia que este se fazia tanto de uas capacidades quanto de suas normas Teríamos assim lplnas a dimensão teórica do espírito de positividade no qual banham as ciências humanas em formação Mais do que a representação a positividade integra a perspectiva teórica e a prática Com ela algo de novo emerge na esfera do agir e do existir humanos Assim vejamos a emergência da era pra xcológica e suas características para em seguida darmos al gumas indicações de eomo as ciências humanas são praxeolo gias I A emergência da era praxeológica Como sabemos o sistema conceitual da era da repre scntação comportava a afirmação de uma distinção formal entre o conheciYento ou ciência teórica e o agir domínio prático Na jerspectiva desse sistema a ciêncià é hierarqui nda em primeiro plano situase o conhecimento cujo obje iivo é a ciência desinteressada da verdade ou da realidade dás coisas em seguida situaase o agir humano segundo as determinações do conhecimento Trataase de um agir que dá margem às aplicações práticas da ciência na medida em que 53 esta torna possível a elaboração de técnicas científicas Nesse sentido a era da representação começa num estado de esta belecimento do agir humano no nível do agir tradicional ten do por base a experiência humana e as determinações do co nhecimento da natureza ainda préientífico técnica artesana moral e política A ciência emerge do mundo da representa ção como poder de conhecimento possibilitando inúmeras aplicações práticas e o desenvolvimento de técnicas eficazes Todavia da esperança inicial ao momento das realizações em escala industrial máquina a vapor por exemplo há um e paço de dois séculos justamente os da era da representa ção A partir do momento em que a técnica científica oriun da da dência moderna da natureza passa a ser utilizada de modo eficaz entre 1780 e 1820 inaugurase a era da po sitividade A partir de então tornase realidade a intercone xão entré teoria e prática Doravante portanto a prática não é mais encarada co mo a simples aplicação da ciência aos domínios da ação E a ciência de simples ciência da natureza virgem da ação e do empreendimento técnico humano convertese em ciência do próprio empreendimento técnico Ela se toma por assim dizer o lugar natural dos fenômenos tomados em seu esta do bruto Perde a razão de ser a distinção entre tevria e pra xís E não há mais primado da teoria wbre a praxü A teoria deixa de ser teoria das coisas acompanhada de umâ praxis de aplicação do saber à ação para converterse CD1 teoria de uma prática técnica de mánipulação das coisas E aos poucos a ciência de conhecimento de simples curioso ou de amador convertese em ciência de engenhiro os interesses do curioso e do engenheiro se amalgamam a partir do início do século XIX Instaurase portanto no início da era da positividade uma mudança no sistema do pensamento a inteligência ao invés de continuar procurando conhecer ou compreender is to é conceber a verdade das coisas e do ser preocupase mui to mais em procurar o agir que possibilite transformar as con dições da existência humana em todas as suas dimensões O primeiro indício desse deslocamento é formulado por Goethe antes de I8Ó8 num texto em que Fausto tenta traduzir para 54 l alemão o Evangelho de São João Ao iniciar seu trabalho Fausto hesita diante da primeira frase No princípio era o crbo Não gostando do termo Verbo corrige a tradução No princípio era o Pensamento Insatisfeito ainda reformu ll a tradução No princípio era a Força Após ser inspira Jo pelo Espírito encontrou a solução No princípio era a lção Tratase pois da primeira superação do culto ao pen samento e ao conceito e da primeira instauração da ação no nível de categoria dominante das preocupações humanas G oe tlll como que profetiza o que seria mais tarde uma das cate uorias fundamentais da filosofia a da ação A mesma coisa D erá dita por Marx algumas décadas depois na última de suas teses sobre Feuerbach Os filósofos até Jwje preocuparam se em compreender o mundo Doravante tratase de transfor málo Ternos aí duas posições que se referem ao humano da ação e do mundo S para o homem que a ação humana é algo de fundamentatE é o mundo humano que a filosofia deverá transformar t um fato que nessa ação transformadora a ciência in tervém de modo todo especial de um lado como ciência da naJureza daquilo que não é humano ou que está aquém dJ homem do outro como ciência do homem ou dos fatos da realidade humana Uma vez liberado pela exclusão de Deus para fora das referências da ciência o homem por urn duplo deslocamerito vai tentar definirse de um lado enquanto ob jeto de ciência o homem se opondo à natureza do outro enquanto sujeito da ciência o homem se substituindo a Deus Portanto há uma dupla positividade que com o tempo passa a apresentarse sob a forma de discursos formais mas que se tornam práticos e operatórios Inclusive falase hoje em en genharia lumana human engineering como se o tratamen to dos fenômenos humanos pudesse estar submetido às deter minações do tratamento das questões de engenharia Foi através dessa dupla positividade que as ciências ins tauraram o deslocamento filosófico das categorias do Pen samento à categoria da Ação Também fo através dela que as ciências conseguiram dotarse dos recursos do agir téc nico Antes do advento das ciências humanas um novo ills trumento de ação já havia entrado em cena Com a constitui 55 ção dessas disciplinas o ser humano e suas condutas n ssam a ser considerados como um dado positivo susceptível de ser apreendido e manipulado objetivamente Surge assim o conhecimento positivo da regularidade dos comportamentos desse objeto homem E é esse conhecimento que irá impor se como o guia da ação humana Para utilizar tal conheci menta com objetivos pragmáticos o homem se vê obrigado a mudar seu ponto de vista tradicional sobre a ação sobre a moral c a política e a adquirir um novo ponto de vis ta dessa vez praxeológico Um exemplo nos fará melhor compreender o conceito de praxeologia Com efeito no início do processo civilizatório o homem para proporcionarse os meios de subsistência Juta contra a Natureza Ainda está int grado ao sistema de suas visões quanto à sua relação com a Natureza e com seus se melhantes Aos poucos o homem vai adquirindo ttovos meios de produção e de organização da economia desenvolvimento do artesanato depois da sociedade industrial No início tudo se faz por um movimento espontâneo que insere esse desenvol vimento na perspectiva ainda das posturas tradicionais de re lação do homem com a Natureza e com seus semelhantes E com o advento da sociedade industrial que as coisas se tor nam complexas os avanços são grandes demais para que os fenômenos continuem entregues à confusão das iniciativas in dividuais e para qu certos dados humanos não sejam anali sados de modo positivo racional e objetivo O início dessa mudança operouse quando o espaço vi tal da economia industrial revelou seu caráter concorrencial O estado do mundo industrial úiiliza em larga eséala o cálculo econômico levando em conta o fato da concorrência E com a remuneração do trabalho as relações dos homens entre si mudam de natureza as negociações contratuais afastam as relações moral e política e introduzem uma relação pra xeológica O trabalho remunerado tornase um dos parâme tros de uma equação mais ou menos complexa cuja solução é entregue a uma teoria dos funcionamentos econômicos e dos jogos empresariais Essa equação recebe no início um tratamento de cálculos meramente aritméticos posteriormen te um tratamento matemátic mais científico à medida qué 56 desenvolvem as ciências econom1cas Aos poucos o sufetto humano trabalhador vai senlio substituído através do cálculo onômico necessário à ação industrial e constituindose em óncia dos fatos humanos por um objeto que exerce o com portamento trabalhador necessário à produção O objetivo do cálculo econômico não é mais o homem da moral ou da políticat mas a sobrevivência e a prosperidade da empresa Je produção Também esta se torna um objeto cujo compor tamento ótimo precisa ser assegurado Esse simples exemplo já é suficiente para mostrar o des locamento da natureza e da significação das relações entre os homens no mundo da positividade o conhecimento está a serviço da ação Evidentemente as estruturas dessa nova for ma de relações já estão presentes no mundo industrialmaqui nista do início do século XIX A evolução ulterior virá apenas desenvolver fortalecer e generaHzar o equacionamento da exstência social segundo esse novo tipo de relações As es truturas dessas novas reações operam hoje em quase todos os domínios da indústria e da economia mas também da vida social e cultural Convém aquit mostrarmos como se operou a passagem de uma filosofia prática à ordem praxeol6gica Comecemos por dizer quais as características essenciais da ordem praxeo lógica a Em primeiro lugar ela é a ordem do olhar dà positi ridade sobre o agir humano vale dizer sobre as situações nas quais se desenrola esse agir e sobre as coisas que lhe dizem respeito Desse ponto de vista o homem que é levado em con la pela praxeologia é o homem das ciências humanas isto é o homem objetivado como ator efetivo de seus comporta mentos b Em segundo lugar a praxeologia se apresenta co mo estratégias de ação graças aos modelos de conduta for necidos pelas ciências humanas estas se tornam capazes de prever de estudar os efeitos desta ou daquela iniciativa desta ou daquela decisão As decisões e as iniciativas dos indivíduos los chefes ne empresa e dos governos recebem uma espécie 57 de oconselhainento científico baseado em dados e tm estudos positivos c a terceira característica da praxeologia é que ela deixa de lado pelo menos numa primeira aproximação a re flexão fundamental sobre os objetivos da ação Quaisquer que sejam as formas de estabelecimento dos fins espontaneidade humana força das coisas vontade refletida sua determinação é prefixada O trabalho praxeológico consjste em assegurar a melhor realização possível dos fins preestabelecidos mas le vando em conta a exploração das possibilidades da ação Evi dentemente a praxeologia não é estranha a toda finalidade humana Contudo o que ela pretende é leváIa a efeito do modo mais eficaz possível maximalização dos lucros da em presa alta taxa de crescimento econômico etc Podemos gi zer que a praxeologia se encarrega da finalioode de execução e de todo o seu aparelho Ela deixa de lado a finalidade de intenção ou 4e destino só se interessando por eJa enquanto é uma simples determinação positiva daquilo que se realiza Ora considerada em si mesma a praxeologia já reve la a existtncia de um fato humano e a possibilidade de um problema para as próximas gerações a prática da positividade está em vias de tornarse a prática do gênero humano em ge ral A espécie humana já é anunciada como o espaço global de uma praxeologia amadurecida e generalizada Isso se de ve ao processo de mundialização da ciência positiva e a seu caráter cada vez mais intervencionista Não é de todo impro vável que num futuro próximo o estofo humano da existên cia venha a se tornar radicalmente intolerante em relação a esse imperialismo crescente da praxeologia positiva e científi ca sobre os domínios da ação humana No moento já po demos constatar sérias tentativas de constrÜão de um siste ma paxeológico capaz de dominar o gênero humano Até pa rece que por sua natureza a praxeologia já representa o en tendimento dos tempos modernos sobretudo atrnés do cará ter cada vez mais invasor de seus procedimentos técnicos científicos e calculadores Tudo parece indicar que se não houver uma mudança de perspectiva esteja assegurada a con 58 olídação desse sistema e por conseguinte garantido seu su csso Com a emergência de uma praxeologia humana distinta do que eram a moral e a política tradicionais algo de no vo se produz na ordem prática análogo ao que já se produ zira anteriormente na ordem do saber teórico O saber teórico prémoderno era aJ mesmo tempo especulativo e empírico Algumas ciências existiam em caráter rudimentar embora não onstituíssem um sistema de conhecimentos distinto da especu lação Com a instauração da ciência moderna as coisas ga nham novo rumo A intenção específica da ciência se define Ela demarca seu campo de ação inteiramente distinto do do mínio dos saberes meramente especulativos No final do pro cesso o antigo sistema do saber se bifurca em duas ordens diferentes de um lado a ordem explicitamente especulativa em recessão progressivamente esvaziada de sua empiria pré científica do outro a ordem explicitamente científica em pro gressão fazendo cada vez mais apelo aosdesenvolvimentos matemáticos e à assimilação crescente dos dados empíricos Esquematicamente o advento da ciência moderna provoca no interior do saber a seguinte transição epistemológica SABER EM GERAL confuso ESPECULATIVO OU RACIONAL despojado e reduzido CIENTÍ FICORACION AL em expansão Antes da era praxeológica a ordem éticopolítica era ao mesmo tempo no domínio da praxis humana ação e pen samento da ação havendo uma unidade global e confusa en tre o agir e o pensamento desse agir Essa situação mudou graças a dois fatores a as artes e as técnicas antes perten centes ao domínio do fazer e dizendo respeito às coisas ma teriais são absorvidas pela ciência b o fato humanc passa a ser estudado como objeto de ciência A praxeologia surge co mo retomada e reintegração das artes e das técnicas antigas 59 bem como de tcdo aqulo CJ l lhes ku prosguírn cn t o c da ant ropotc n icas derivando das aquisições das cénci s huma nas No momento dessa retomada c dessa reintegração opcra ie na ordem da prarís a seguinte transição e pi s emológi c SlSTE1A ÉTiCOPO LÍTICO j SISTE M ÉTICOPOlÍTICO despojado e reduzido ATIGO global e confuso l PRAXEQLOGIA ATllL em expansão Por conseguinte ao velho sistema ESPECULATIVOPRÁTICO cor respcnde em nossos dias o sistema do SABER e do AGIR com portando dois níveis distintos e formando a seguinte matriz ESPECULATIVO SABER ESPECULATIVO POSITIVO CIÊSCI POSITIVA 2 A s ciências humanas siío praxeoogias P RAXIS ÉTICO POLÍTICA P RXEOLOGI Ao dizermos que as ciências humanas são praxeologias reconhecemos de início duas coisas em primeiro lugar que essas disciplinas são ciências porque possuem um inegável corpo teórico e procedem dedutivamente em segundo lugar 60 1 u ão disciplinas humanas porque tomam c não o homem dt menos os fenômenos humanos como objeto de investiga 11 Enquanto teorias desse conjunto de fenômenos humanos t l podemos expressar com o termo de ação humana essas iiplnas são praxeologias Para ilustrar essa afirmação to 111arcmos dois exemplos típicos o da economia e o da socio A Atualmente as chamadas leis econom1cas não dizem 111i respeito à ordem da representação Não são nem psico ilíicas nem tampouco nãopsicológicas mas simplesmente eco llmicas O domínio específico da atividade econômica tem inicio quando há uma passagem da produtividade meramente tcnica a uma produtividade valorada Nesse sentido a eco nomia é uma teoria dos valores A lei dos rendimentos de crescentes só tem a aparência de uma lei física pois supõe uma escolha tecnológica e uma valoração Por sua vez a lei dt utilidade decrescente também não é uma lei de tipo físico Ptlr isso a economia como as demais ciências humanas é tima dência da ação O valor é uma abstração quer dizer um flto científico que não se confunde com os preços nem com um fato psicológico A economia deve seu valor exemplar ao fato de ultrapassar o dualismo da representação e das condi nus objetivas A divagem que ela instaura é a que instaura qualquer ciência situase entre aquil9 que ela teoriza e aquilo que por abstração ela deixa fora do campo da teoria Aquilo fUC ela deixa de lado pode ser de ordem psicológica a psi úlogiia econômica ou de ordem institucional instituições econômicas Psicologia e instituições não são requisitos do funcionamento da economia embora sejam um requisito da i nerção da teoria econômica no concreto Na situação atual das ciências humanas o problema epis temológico que se coloca não é mais o da matéria e o da consciência tampouco o de saber se as representações podem ou não constituir um requisito para os processos obje tivos O problema importante é o da racionalidade ou írracio nalidade das condutas ou das ações humanas Tais como elas e apresentam em nossa sociedade as ciências humanas mui to embora queiram guardar um caráter de objetividade e de 61 neutralidade axiológicas não podem deixar de serem conside radas como técnicas de intenenção Elas participam ao mes mo tempo do descritivo e do normativo são praxeologias Por sua hipótese de racionalidade permanecem humanas e têm uma sigRificação humana que ultrapassa seu sentido aparente Donde o diagnóstico de G G Granger A dupla tentação das ciências humanas está em ateremse simplesmente aos acon tecimentos vividos ou então num Sforço mal adaptado para atingir a positividade das ciências naturais em liquidarem to da significação para reduzirem o fato humano ao modelo dos fenômenos físicos Assim o problema constitutivo das ciên cias do homem pode ser descrito como transmutação das sig nificações vividas num universo de significações objetivas Pensée formelle et sciences de lhomme 1960 Essa posição coloca pelo menos três problemas a em primeiro lugar as ciências humanas são ao mesmo tempo des critivas e normativas I por isso que já se postula a elabora ção áe uma teoria hipotéticodedutiva para a política seme lhante à da economia e que seria a ciência por excelência da intervenção O que podemos perguntar é en1 que medida o homem deve ou não conformarse a um optimum normativo Toda praxeologia normativa deve fazerse acompanhar de uma etologia descritiva capaz de comparar o ompo rtamento à nor ma b Em segundo lugar no interior do comportameltO hu rnãno a parte do comportamento racional não é a maior Donde a objeção q se pode fazer àqueles que constroem teorias da ação será que elas têm validade para os compor tamentos nãoracionais e para os racionais c Enfim o fato de as ciências humanas se apresentarem como técnicas de in tervenção revelando certo tipo de significação humana não significa que isso deva ser um estado definitivo de seu desen volvimento Portanto como toda ciência a economia é um discurso teórico Não se trata aqui de denunciar a ficção de um homo aeconomicus em busca de uma racionalidade redutora A análise econômica clássica por exemplo não estuda aquilo que fazem os homens para alcançar de modo eficaz seus ob jetivos econômicos mas o que eles fariam se fossem hominer aeconomici mais racionais do que são independentemente dos 62 flls escolhidos e dos meios que os levaram a escolhêlos A onomia se propõe a retraçar a lógica e os limites da ação pMque nenhuma ação pode ser realizada por pura racionali JaJc econômica Na economia como nas demais ciências hu rn111as os conflitos de valores ocupam um lugar importante pnnto de ser praticamente impossível dizermos hoje em dia lmJc termina a teoria econômica científica e onde começa 1 doutrina ideológica ou política Nos países desenvolvidos l economistas intervêm de maneira cada vez mais direta nos 1suntos privados e públicos a economiaciência está intima mente integrada a seu contexto social e político Do ponto de vista epistemológico a economia se carac triza por um dupio movimento no plano tecnológico cons uói toda uma aparelhagem abstrata de início tomada de em pristimo às ciências da natureza depois progressivamente re novada em vista de uma instrumentação original no plano da determinação de seu objeto orientase para uma concepção que a Hga cada vez mais às ciências humanas Todavia a 111álise epistemológica desses dois planos levanos a reconhe tcr que a economia enquanto ciência teórica não está mais dissociaôa de suas técnicas de aplicação teoria e prática não somente se dão sentido mas também se determinam recipro cnmente E é por isso que a economia é hoje uma disciplina intervencionista quer dizer uma praxeologia intervém na me dida em que tenta prever fatos econômicos intervém ainda de modo mais radical quando se põe a planificar planificar é intervir na escala de uma grande unidade econômica para organizar racionalmente sua estrutura e seu funcionamento intervém enfim na medida em que está intimamente ligada aos sistemas de controle da administração organiza e contro la as relações de produção e de distribuição do produto numa sociedade que tende à satisfação de certos ideais humanos B Tanto no domínio da economia quanto no da socio logia a tJécnica tem grande conteúdo político conseqüente mente praxeo1ógico Por razões tão diversas quanto evidentes o sociólogo é levado a estudar o que se passa em seu redor na vida e na sociedade Tanto por seu ponto de partida quan to por seu ponto de chegada a sociologia atual está sobre 63 carregada de significações polilicoideológicas Todo estudo global da sociedade pressupõe certo quadro teórico E eSSe quadro coloca em jogo certos conceitos que já estão conta minados pela ação Por isso por mais imparcial que possa parecer o pesquisador que aceita perscrutar a vida da socie dade já é pelo fato mesmo um tecnocrata em potencia quer dizer da análise daLJuilo que é à formulação daquilo qu deve ser ou é desejável a distância é muito pequena Outro exemplo típico é o da medicina Esta se apóia nu ma ética da saúde cujo princípio é reconhecido como Iegít mo a conservação da vida é um valor evidente mas que pode entrar em conflito com outros valores notadamente econômicos religiosos etc Enquanto ciência a medicina es tá descompromissada de suas aplicações a não ser em casos excepionais aborto eutanásia etc Enquanto ciência seria neutra enquanto prática porém é uma técnica de ação A partir desses exemplos podemos fazer certas conside rações sobre o caráter praxeológico das ciências humanas em geral decorrente dos pressupostos ideológicos e da função Sil cial dessas disciplinas 1 A inttrferênda ideológica na psicologia é bastante clara sobretudo quando essa disciplina se relaciona com as estruturas sociais passando a desempenhar uma função cultu ral bastante retevante Evidentemente tratase da prática psi cológica que tem uma função explicativa Cada ve mais os psicólogos são chamados a responder a uma série de deman ds extrínsecas aos objetivos propriamente científicos de sua disciplina São chamados a exercer uma função cultural no seio da sociedade fornecendo uma compreensão nova do ho mem e do conhecimento uma visão do mundo e do ho mem que se desenvolve graças às pesquisas reais mas também e sobretudo graças à vulgarização dessas pesquisas O homem atual tem uma imagem de si mesmo à qual a psicolo gia não é estranha A imagem que se forja para o homem mo derno responde a uma necessidade a saber a necessidade de adaptação do comportamento dos indivíduos às necessidades de um sistema econômico social político cultural Por outro lado a prática psicológica em meio industrial ou scolar res 64 1J a uma função de adaptação muito mais precisa Trata c óc adaptar o indivíduo às exigências de uma instituição uma empresa ou de um cargo Em todos os casos as fun 0 t de adaptação de seleção de promoção etc respondem oiéncias que a prática psicológica não pode controlar nem ano criticar Em alguns casos os imperativos são econômi t em outros culturais Em todos os casos a prática psico ia é reduzida ao estado de meio em vista de um fim que niÕ depende da psicologia Basta vermos como os países de cn olvidos multiplicaram os cargos de psicólogos e como es a multiplicação repousa numa necessidade econômica e em última análise política 2 Esse fenômeno não é típico da psicologia Desde o inicio de nosso século a sociologia americana por exemplo engajouse nos caminhos de estudos empíricos estreitamente mirados com o objetivo claro de responder às necessidades da sociedade americana A maiorparte dessas pesquisas se cundo o testemunho de Peter Berger lnvitation to Sociology tdulSe a estudos fragmentários da vida social sem ligação tguma com preocupações teóricas mais amplas Semelhante lado de coisas foi favorecido pela estrumra econômica e ptlítica daquela sociedade que passa a exigir cada vez mais estudos sociológicos estreitamente delimitados de preferência traduzidos em técnicas estaffsticas O critério de produtividade amplamente utilizado A sociologia deve responder às deman das sociais O julgamento dos trabalhos pertence mais aos administradores do que aos cientistas sociais E os critérios de 1prcciação científica são tomados de empréstimo a uma imagem pública das ciências da natureza O esfacelamento das pes quisas em pequenos estudos fragmentários e a multiplicação dos assuntos fictícios bem como a utilização meio cega da aparelhagem estatística já dão uma idéia da organização buro crática da produção sociológica para fins práticos Numa pala vra ela se converte numa praxeologia quer dizer numa estra tégia de ação 3 Basta olharmos com atenção as correntes ideológicas infiltradas nas ciências humanas para percebermos imediata mente como essas disciplinas perderam sua inocência cientí fica ou seja seu caráter de neutralidade axiológica para 65 assumirem um caráter bastante intervencionista ou seja pra xeológico São as ideologias que reforçam esta ou aquela orien tação nas pesquisas científicas na medida em que tendem a ocultar ou a impedir este ou aquele especto que mereceria ser pesquisado ou na medida em que são levadas a esterilizar este ou aquele ramo de uma pesquisa científica opondose implícita ou explicitamente a seu desenvolvimento Não pode mos negar portanto que as ciências sejam cada vez mais utilizadas para fins nãocientíficos são construídas para res ponder a todos os tipos de demandas Certos objetos de pes quisa aparecem como tão estratégicos ou táticos que se torna praticamente impossível separar seu aspecto propria mente científico de seus aspectos praxeológicos 4 Salientemos ainda dois aspectos intervencionistas das pesquisas científicas no campo da economia a em primeiro lugar a pesquisa econômica intervém enquanto mercado para a venda de ens O que gera o interesse econômico da pes quisa não são os resultádos científicos possíveis da pesquisa mas a produtividade e a venda de bens Pouco importa se em seguida houver desperdício ou má utilização do ponto de vista social dos bens vendidos b Em segundo lugar a pesquisa científica intervém enquanto criadora de potencialidades de novas forças produtoras ou de reorganização das antigas tanto no plano tecnológico quanto no do aprimoramento dos novos recursos naturais Ela coloca à disposiçã dos dirigentes uma gama de possibilidades entre as quais escolhas tecnológicas são feitas em função das necessidades do mercado e não da utili dade social permitindo aos homens viverem melhor ou melhora rem suas condições de trabalho As escolhas tecnoeráticas não esgotam as potencialidades criadas se algumas delas permitem uma real melhoria social correm o risro de perturbar o mer cado tal como ele existe 5 Depois dessas quatro considerações sobre o caráter praxeológico das ciências humanas seria o caso de estudarmos mais a fundo seus dados suas estruturas e seu funcionamento Isso nos levaria longe demais e ultrapassaria a despreten são de nosso estudo Vejamos apenas aJgumas repercussões da ordem praxeológica que somente agora ganha consistência maior no campo do pensamento e da prática humana em ge 66 d Começaremos por uma repercussão de ordem mais intelec 11 ou reflexiva Com efeito na medida em que individual ou tktivamente o homem atual se vê imerso nessa ordem pra xcLllógica algo de novo lhe ocorre ele começa a desenvolver 1Hwas visões sobre ele mesmo começa a sentir novas reações 1krívas e a experimentar certas necessidades OUJtrora inexisten 16 E tUJdo iSso de modo bastante confuso por vezes contradi hirio Em geral podemos dizer que o homem de hoje toma tmsciência dessa ascensão da praxeologia de um lado como 1uJo capaz de dizer certa verdade a respeito dele mesmo e por conseguinte como sendo algo de inelutáveE em relação a que ele deve colocarse num número sempre crescente de situa çôes PÍticas cotidianas do outro experimentando certo senti Jtrnto de frustração e que se toma cada vez mais inquietante rnaréria de reflexão e de contestação devido a seu caráter alienante 6 A instauração da era praxeológica vem oporse às antropologias da representação da consciência da moral for mal da política clássica etc Ela se apresenta como a denúncia das mistificações da consciência como a afirmação da positi vidade e como a apologia da prática científica f o que se nuncia hoje de modo meio pomposo e enganador nos dis cursos da morte do homem conseqüência da morte de Deus de fato tratase apenas da recusa cultural e prática da imagem que a filosofia das Luzes criou do homem imagem cujas insuficiências são mostradas pelas ciências humanas atuais Contudo essa recusa cultural está operando em grande escala c com bastante força em todo o conjunto social sem que as sociedades modernas saibam bem o que colocar em seu lugar Há uma solução prática bastante metfíocre que consiste em considerar de um lado o indivíduo público inteiramente dominado por uma praxeologja técnicocientífica do outro o indivíduo privado cada vez mais enquadrado na cultura de seu jardim particular onde ainda podem florescer um pouco de estética pessoal um pouco de ética um pouco de religião um pouco de reflexão 7 Uma conseqüência é previsível as coletividades hu manas ie apreendem hoje mais ou menos sob o signo da confusão sob o signo de uma ausência de projeto coletivo num 67 momento mesmo em que as grandes causalidades tornamse cada vez mais compactas e ameaçadoras demografia desigual dades econômicas coagulação das insatisfações etc Tudo isso é projetadc confusamente no pensamento do homem pensa menta confuso de massa sustentado por todos os meios de difusão coletiva A esse respeito podemos dizer que a prática do pensamento tornase cada vez mais praxeoógica pois ela está confiada ao anonimato global da massa humana a opi nião dispondo de todos os recursos técnicocientíficos para manterse e desenvolverse Ora essa prática precisa ser refle tiM Em outras palavras as ciências humanas através de seus produtos agem na prática da vida e interferem no domínio do próprio pensamento correndo o risco de fechar o circuito de seus resultados humanos e de constituir um grande sistema de intervenção técnicocientífica sobre toda a economia do saber Não se trata de dizer com isso que a emergência e a 001lstituição1 das ciências humanas postulam que se retome uma epistemologia das disciplinas especulativas Precisamos apenas reconhecer que nesse domínio o problema é movediço que seus termos se deslocam e que devemos tratálo em seu pró prio movimento Colocado o problema seria conveniente abor dálo com um tratamento epistemológico bem mais amplo e mais aprofundado 8 Semelhante problema é multo amplexo para ser tratado nas dimensões de um artigo Queremos apenas situálo no contexto das duas características essenciais da ciência con temporânea dando especial destaque à segunda a reflexividade e a tecnicidllde E ssas duas caracteristicas transcendem por assim dizer aquilo que constituía a dimensão própria da ciên cia O surgimento na ciência moderna de um caráter de refte xividade corresponde a uma espécie de integração no domí nio científico da dimensão filosófica ou epistemológica da consciência Com efeito a ciência chegou a tal nível de matu ridade que se tornou capaz de colocarse os problemas de seus próprios fundamentos isto é de interrogarse sobre o sen tido de seus conceitos fundamentais sobre a validade de seus métodcs e sobre o alcance de seus resultados Constituemse assim o que podemos chamar de epistemologias internas ou metateorias que proporcionam à ciência por assim dizer um 68 Jmínio de reflexividade onde atuam seus atos decisivos Assim to estudarmos a estrutura das operações fundamentais de certas corias obteremos resultados válidos para todas as teorias con ideradas Há uma simultaneidade entre o aprofundamento do projeto inicial e a extensão dos métodos cuja característica con 5jste em integrar a reflexividade à própria demarche científica 9 Considerando a ciência não mais em seus aprofunda rnntos teóricos mas em seus prolongamemos técnicos não se rode negar que ela se encontra cada vez mais vinculada a uma certa transOfmação do mundo A ciência tornase cada vez mais um instrumento eficaz de análise e de manipulação do real Esse é o sentido profundo do processo crescente da matematização da ciência Não somente ela se torna eficaz mas dá um sentido preciso à noção de eficácia A instauração de um novo tipo de relação com a natureza no qual o homem ao invés de submterse a um conjunto de condições modifica essas condições segundo seu próprio gosto inscrevese no pró prio projeto da ciência atual Se quisermos compreender as ciências modernas da natureza diz por exemplo W Heisen ocrg devemos reconhecer que sua perspectiva central consiste no feixe de relações do homem com a natureza graças a essas relações somos nquanto çriaturas vivas físicas partes dependentes da natureza ao passo que na qualidade de ho mens dela fazemos parte ao mesmo tempo como objeto k nosso pensamento e de nossas aões A ciência deixando de ser o espectador da natureza se reconhece a si mesmã como parte das ações recíprocas entre a natureza e o homem La 11ature dahs la physique Cllttemporaine 1962 Por conseguinte os objetos de nossos conhecimentos e das transformações que operamos não permanecem isolados relativamente ao sujeito cognoscente é o próprio homem que enquanto sujeito coletivo da ciência se modifica ao modificar os objetos e conseqüente mente suas próprias condições de vida 1 O Portao to a ciência moderna e com maior razão as ciências humanas deixaram de ser uma tri4 uma visão ordenada do mundo uma contemplação da essência das coisa para tornarse uma techné uma intervençiio voluntária sobre os fenômenos por isso que a proliferação das técnicas e de uas inúmeras aplicações é coextensiva ao desenvolvimento das 69 ciências ao mesmo tempo que há uma conquista de perspecti vas teóricas cada vez mais poderosas há uma ampliação cada vez maior dos campos de aplicação E as transformações intro duzidas pelas ciências afetam o próprio homem modificações profundas das estrlturas sociais econômicas e políticas ademais o desenvolvimento segundo os métodos positivos das ciências humanas torna doravante possível até mesmo um domínio sobre o biológico e o psíquico do homem Praticamente todos os setores da vida humana inostramse susceptíveis de se rem controlados por uma técnica científica apropriada Por todas as suas conseqüências no domínio da ação o progresso científico atual está vinculado aos problemas de ordem ético política A pesquisa científica tornase um instrumento de po der e chega mesmo a constituir o elemento fundamental do poder cada vez ais é o poder que fornece à pesquisa cien tífica seus quadros seus meios seus planos de organização e seus objetivs E é por isso que colocamos a seguinte per gunta se as ciências em geral e as ciências humanas em par ticular tornamse cada vez mais uma atividade humana desem penhando o papel ou a função de flFrças prooutoras se elas se tornam um modo de atividade humana cada vez mais impor tante e uma forma especüica de existência moderna do homem como poderiam elas ser consideradas de outro modo senão comolerdadeiras praxeologiaf Evidentemente não somente as diversas teoTÚls desenvolvidas pelas ciêncüu hrmumas tor nam possível a produção tecnológica mas também a orientação para a performance técnica exige das teorias científicas novas possibilidades enquanto são tecrios das ações humanas que as ciências humanas podem ser consideradas como disciplinas praxeológicas as teorias científicas não podem dissociarse de suas técnicas de aplicação pois determinamse reciprocamente dando sentido umas às outas 70 III FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS no CIENTIFICISMO O método experimental racional e obje tivo aumenta incessantemente seu impacto so bre a vida social e cotidiana Ele sempre impôs de modo crescente e intransigente o primado da Razão sobre os demais aspectos da expe riência humana Apresentandose como o úni co instrumento particular da Razão foi levado a assumir estimulado por seus êxitos um papel imperialista crescente a ponto de identi ficarse com a própria Razão e de rejeitar como irracional e subjetivo tudo o que não conseguiu assumir Por fundamentos epistemológicos do cientificismo en tendemos numa primeira aproximação esse fundo de saber solo ou hprizoÕW epistemológicos sobre o qual se coos 1ruiu historicamente a concepção segundo a qual a Ciência plssa a desempenhar o papel de fórmula laplaceana no do mínio do conhecimento das esperanças humanas Graças à sua prodigiosa conquista do ü niverso ela dobra à obediência de seus próprios ditames as normas do pensamento humano Ne nhum conhecimento poderá pretender à dignidade científica a não ser que Comprove sua capacidade de revestir as formas os cânones ditados pela ffsica e pelas matemáticas Todas as verdades humanas para terem significação cognitiva deverão submeterse aos critérios de uma verificação experimental A arte a religião a vida afetiva e a vida cotidiana que não se deixam reduzir à obediência às normas físicomatemáticas são desacreditadas como desprovidas de sentido A experiência hu mana em geral deixase confudir com a experiência cientifica em particular Tudo se passa como se os critérios da ciência devessem ser universalmente válidos e como se a preponde rância das preocupações científicas e técnicas devesse ser consi derada como verdade eterna Semelhante atitude que pretende submeter a totalidade dos valores à jurisdição da verdade cien tífica está fundamentada num juízo de valor prévio pratica mente impossível de ser racionalmente justificado Porque não se pode procurar a verdade do mundo exclusivamente na or 73 dem das essências físicomatemáticas Ademais os funda mentos e princípios das ciências rigorosas devem ser criticados revisados reformulados e sua validade não pode impors como sistema dogmático revestido de uma dignidade sacros santa mas como sistema de linguagens técnicas destinadas a evidenciar este ou aquele aspecto de uma realidade extrema mente complexa e confusa Nesse sentido o discurso epistemológico das diversas ciên cias é chamado a tomar consciência das insuficiências e do inacabamento das verdades científicas Nenhum discurso cien tífico pode pretender cobrir a totalidade daquilo que é Cada um dos discursos deve remeter a um discurso mais completo horizonte comum aos discursos parciais que seria o discurso de conjunto da realidade humana da realidade tal como o homem pode descobrila em função de sua situação no mundo No dizer de W Heisenberg cuma das características mais imr tantes a eyolução e da análise da física moderna é o fato de os conceitos da linguagem normal com suas definições vagas parecerem mais estáveis no decorrer da expansão do conhecimento do que os termos precisos da linguagem cientí fica esses termos são uma idealização que versa apenas sobre uin grupo de fenômenos Isso não deve surpreendernos pois os conceitos da linguagem normal são fornecidos pelo con tacto direto com o real eles representam a realidade ver dade que não são bem definidos não poàendosofrer as muta ções no decurso dos séculos como a própria realidade mas nunca perdem o contacto direto com o real Physique et Phiosophie 1961 Como podemos notar Heisenberg denuncia o fracasso do cientificismo ingênuo predominante no correr de todo o século XIX Ao invés de procurarmos exclusivamente nas essências matemáticas a verdade do mundo são essas verdades matem ticas que devem situarse relativamene à realidade humana do mundo humano Assim a idéia segundo a qual os defensores do cientificismo clássico esperavam realizar um conhecimento unitário sob a forma de uma matemática universal muda pro fundamente de significação As ciências rigorosas que tenta vam e mesmo conseguiram Iienar a realidade humana são 74 rrçadas a empreender um esforço de redescoberta da cons ncia humana t o que tentaremos mostrar em nossa apre ntação dos limites do científico atual Antes porém ve nnlOS sucintamente como ele surgiu e se desenvolveu 1 Emergência do cientiiicismo Nossa intenção aqui é evidenciar algumas dominâncias hi türicas do cientificismo permitindonos compreender melhor ua significação contemporânea O cientificismo não é produto de nosso século Tem suas raízes no século XVIII muito em lwra só tenha se afirmado como atitude intelectual no de llrrer do século XIX O fundo de saber ou o solo episte mológicodo qual emergiu foi esse clima espiritual criado pelo 1dvcnto da era da positividade em substituição por oposição t em da representação Desde sua origem o cientificismo revelouse logo uma atitude intelectual bastante difundida Os meios científicos do sécuio XIX e do início deste século rece hcramna com muito entusiasmo vendo nela por assim dizer a rureka da verdade do pensamento Essa atitude porém já foi questionada no próprio interior da ciência desde seu surgi tncnto Esse questionamento por exemplo ganhou certo lligor 1m momento em que as pr3prias matemáticas se colocaram as lJUcstões de fundannto E viuse ainda revigorado quando 1 física se colocou as questões referentes ao abandono da fonna díssica de teoria para aceitar suas formas contemporâneas relativistas e quâoticas Com tais questionamentos ficava para cmpre sepultado o que podemos chamar de o primeiro cienti ficismo bastante ingênuo e crédulo em demasia no poder da Razão científica Ora tudo indica que para além desse período de abalo e de transição estamos assistindo hoje à emergência c ao terrorismo intelectual daquilo que podemos chamar de o segundo cientificismo muito mais poderoso autoritário e por vezes dogmático do que o primeiro E sobre esse se gundo cientificismo que faremos nossas críticas finais Antes porém veremos alguns de seus suportes epistemológicos bis lóricos 75 Ao remontarmos à história do pensamento e da filosofia podemos facilmente deSobrir que a doutrina kantiana sobre a ciência já contém em germe e já anuncia a epistemologia posi tivista da ciência De certa forma não somente define o ter 1eno mas também estabelece a possibilidade da emergência de certo cientificismo Também Hegel à sua maneira ao conce ber a ciência do entendimento como tal formulaa de um modo que se aproxima bastante da concepção positivista de ciência Nesses dois grandes filósofos aquilo que constitui o equilíbrio é a concepção que ambos propõem sobre as fun ções da filosofia e da razão filosófica Mas é apenas a partir de Comte e de certa forma de Marx de modo diferente que os aparelhos filosóficos dos dois filósofos do fim da era clássica serão abandonados A partir de então pelo menos no domínio das intenções a filosofia positivista tenta defmir já agora sobre as bases da própria ciência e do espírito cienti fico a totalüúlde da visão do real natureza e ser humano Ao mesmo tempo essa filosofia passa a apresentarse como a única e exclusiva referência verdadeiramente racional para o agir humano Todavia convém observarmos que embora esse aspecto de inspiração geral da conduta humana para além do simples uso prático do conhecimento científico já seja claramente enfatizado pelo positivismo cientificista do século XIX não podemos nos esquecer de que o cientificismo se apresenta antes de tudo como uma doutrina ou uma teoria do conhecimento O que essa teoria do conhecimento ou da ciên cia pretende invalidar por princípio é toda e qualquer outra fonna de conhecimento que não satisfaça às exigências do conhecimento positivo propriamente dito Portanto historicamente foi Kant quem estabeleceu as primeiras bases ou os primeiros fundamentos epistemológicos para a teoria cientificista do conhecimento Como procedeu Kant Simplesmente ele reservou o título de conhecimento única e exclusivamente a essa espécie de deteaninação da vida mental que são de um lado a experiência sensível do outro sua elaboração empreendida mais ou menos previamente pelo entendimento e o produto acabado do entendimento não pode ser outra coisa senão o conhecimento cientifico isto é a ciên 76 propriamente dita E o suporte de base de todo esse conheci ltnto inteiramente destinado a converterse em conhecimento 1ttífico não é outro senão o dado fenomenológico isto é 1 tualidade da manifestação sensível que Kant chama de fe ntmeoo Todavia ao tratar de definir o entendimento não l1meote enquanto prática atual mas também enquanto pos jbiidade do conhecimento científico sendo este considerado 111 seu gênero próprio como totalidade infinita Kant não hesita em falar do fenônemo como constituindo a propósito Jas coisas e de seu universo a totalidade de suas manifestações possíveis E por isso que ele define o lugar da experiência cnsível e o espaço do conhecimento científico como um todo Para ele tanto a ciência efetiva quanto o entendimento cientí fico devem caminhar indefinidamente nesse espaço da ciêncía em que possa jamais chegar ao término desse estofo fenome nológico indefinido tanto dQ ponto de vista do indivíduo feno menológico quanto do da teorização através da descoberta de leis e das relações necessárias dos fenômenos entre si Não é de grande importância porém essa condição inde finidamente peregrinante do conhecimento humano e de sua elaboração científica O que importa é que tanto o entendi mento científico quanto a razão humana já sabem como que por princípio desde a origem e durante todo o percurso que a liência não pode ser outra coisa senão o poder da totalidade do fenômeno quer do conhecimento quer da explicação cientí fica de tudo o que surge no horizonte do conhecimento Quanto tquilo que ainda possa constituir problema para além da neces idade humana de conhecer e de explicar a ciência que no momenlo já dispõe de certa aquisição de conhecimento e de explicação está em condições de darlhe mais cedo ou mais arde uma resposta satisfatória E a razão é a seguinte o espírito científico traz dentro de si como que por definição tia ciência de seu recurso e de seu propósito específico a espe rança invencível de seu êxito Aquilo que a ciência reivindica tle mocdo exclusivo é o fenômeno Mas ela reinvidica todo o fenômeno Para além do fenômeno nada existe senio outros fenômenos Nessas condições não há outra coisa para conhe cer qe não seja aquilo que a ciência ou já conhece ou enlão 77 é chamada a conhecer E isso em virtude de uma indefinida progressão e ue uma infinda capitalização dos conhecimen tos Üllltra marca distintiva da emergência do cienltificismo airida no século XIX pode ser encontrada na distinção introduzida por Kant entre natureza e história No século XIX essa distin ção foi substituída na filosofia vulgar pelas clássicas distin ções entre corpo e alma físico e moral ou matéria e espírito A oba de W Dilthey contribuiu enormemente IJtra a popula rização da oposição entre esses dois conceit natureza e his tória Essa oposição tornouse tanto mais importante quanto foi tomada como equivalente da oposição entre necessidade e liber dade Do ponto de vista epistemológico esse dualismo repleto de conseqüências gerou duas tendências aprentemente anta gônicas porque assentadas sobre o mesmo pano de fundo posi tivista o naturalismo e o historicismo cada um sendo portador de pressupostos filosóficos inegáveis de préconcepções valo rativas inconfessadas e inclusive de preconceitos religiosos A nosso ver foi a corrente naturalista que mais influenciou a ati tude cientificista e que lhe forneceu os mais fortes argumentos para vir a imporse posteriormenTe sem dar chance às pos sibilidades de uma refutação Por isso daremos apenas algumas indicações sobre o naturalismo deixando de lado o exame do historidsmo Não podemos ver no conceito de naturalismo uma noçãu unívoca Entre seus vários sentidos destacaremos dois o filo sófico e o epistemológico Do ponto de vista filosófico o natu ralismo se apresenta antes de tudo como doutrina que exclui por completo toda e qualquer referência a um saber de ordem espiritual vale dizer toda ingerência do sobrenatural ou do transcendente na interpretação dos fenômenos naturais Do ponto de vista epistemológico o naturalismo designa a teoria do conhecimento que nega radicalmente por uma questão de princípio a especificidade das ciências humanas e a validade de seus conhecimentos sob c pretexto de que o único modelo de ciência passível de ser aceito como verdadeiro deve ser o das ciências naturais As outras disciplinas só poderão ter al gum valor científico e desenvolverse se e somente se adota 78 ru 05 métodos e os procedimentos que já demonstraram sua fiácia no domínio das ciências psicoquímicas Convém salientarmos que embora o naturalismo radical tnha perdido bastante de sua credibilidade mesmo entre mui cientistas de mentalidade positivista por causa de seu 5im ri5n1o filosófico isso não quer dizer que tenha deixado de xcrcer grande influência e de orientar de modo mais ou me ms implícito várias teorias das ciências humanas Dois exem lll1s a o primeiro é o domarxismo vulgar cuja tendência 0niderar o espírito como um simples reflexo da matéria c isso baseado nesta frase de Marx A totalidade tal como ela aparece no espírito como um todo pensado é um produto do cérebro pensante que se apropria do mundo da única ma neira possível maneira que difere da apropriação deste mundo pd a arte pela religião ou pelo espírito prático O sujeito real ubsiste tanto depois quanto antes em sua autonomia fora do espírito b o segundo pode muito bem ser ilustrado pela psicologia behaviorista de Skinner para quem não há diferença ssencial sic entre os gatos os ratos os macacos e o homem cnáo que o homem ainda não foi bem estudado devido aos preconceitos entorpecedilres da introspecção Não é fácil uma caracterização sucinta do naturalismo Todavia podemos indicar algumas de suas notas distintivas a o naturalismo considera que as ciências da natureza constituem a base sólida e insuspeita de todo e qual quer conhecimento objetivo quer dizer somente elas detêm o modelo dos conhecimentos verdadeiros pois são as únicas a poderem estabelecer as normas e os cãnones de toda cientificidade b identifica todos os objetos de conhecimento numa indi ferença axiológica total sem levar em conta as par ticularidades individuais conseqüentemente oü as criações e os produtos da atividade humana se redu zem às determinações materiais ou técnicas ou não terão nenhum valor cognitivo c considera que as ciências humanas permanecerão cons tantemente num estado de imaturidade epistemoló gica enquanto não se curvarem decidiamente aos 79 critérios de cientificidade propostos pelas ciências na turaís d encara o pensamento filosófico como a etapa ultra passada de umaciência imatura porque dentre todas as atividades humanas devemos ver na atividade científica o critério único de verdade Evidentemente os naturalistas não se alinham necessaria mente no interior de um pensamento unitário Distribuene em várias categorias a há os que se dão um fundamento filosófico quase sempre o materialismo concebido de modo mecanicista dialético organicista ou simplesmente utilitarjsta b há os que se dão por modelo as ciências naturais em seu conjunto ou então uma disciplina particular dentre as ciên cias naturais física biologia fisiologia etc ou a psicologia concebida como ciência natural c há os que tomam por ponto de partida uma teoria ou um conceito das ciências natutaiS princípio do determinismo conceito de Jei natural conceito de meio teoria energética etc d há os que se contentam em aplicar de modo mais ou menos pragmático os métodos das ciências naturais especialmente os métodos experimentais sem e preocuparem com nenhuma justificação epistemológica ou filosófica Ora segundo os naturalistas a única epistemõlogia deverá presidir à constituição das ciências humanas mais com plexas que as cíênclãs naturais devem tomarlhes de emprés timo os métodos para poderem ter assegurados seus resultados Ademais uma ciência digna desse nome ou será experimental ou não será científica E esse é o estado de espírito mais difun dido entre os cientistas do fim do sécllW XIX E esse estado de espírito mesmo informulado é mnito mais tirânico do que as próprias doutrinas Concebida como mestra de toda ver dade a ciência é a benfeitora número um da humanidade recla mando para si as direções materia1 espiritual e moral das sociedades Somente ela pode fornecer as bases de doutrinas livremente consentidas pelos cidadãos do futuro Ela domina todo e nenhum homem nenhuma instituição poderão ter uma autoridade duradoura se não se conformarem a seus ensina mentos 80 Nessas condições o naturálismo leva fatalmente a uma i tuação paradoxal não somente tende a governar as ciências humanas mas também tenta substituirse a elas tanto para xpicar quanto para dirigir normativamente as atividades hu manas No dizer de G Gusdorf parece que as ciências da na tureza se tornaram de direito em ciências sociais ou pelo menos fazem autoridade no domínio social esse deve tanto l1uanto possível imitar as estruturas e a conformação das dis çiplinas na ordem físicoquímica e biológica Em outras palavras 3 certeza científica se basta a si mesma ela estende mesmo sua jurisdição a domínios que ainda não lhe pertencem mas é feito um grande esforço para que sejam reduzidos dentro em pouco à obediência às normas que prevalecem nas ciências exatas A içléia de ciência do homem cede pois o lugar à esperança de uma ciência sem o homem de uma ciência que não tem mais necessidade do homem e que o perde no meio do caminho afogado na massa do real não podendo ser mais distinguido por ninguém lntroduction aux sciences humaines 1974 2 Cientificismp contemporâneo e seus limites Esse foi o caminho que conduziudo positivismo de La marck e de Comte ao cientifismo que acabamos de evocar Segundo Lalande o termo cientificismo teria sido criado no início do século XX por te Dantec um dos vulgarizadores fran ceses do materialismo biológico O cientificismo surge como que para decretar o fim de toda filosofia pois o discurso científico seria capaz por si só de enunciar todas as verdades A ciência afirma le Dantec não guarda traço algum de sua origem humaoa ela tem pense o que quiser a maioria de nossos con temporâneos um valor absoluto Somente ela possui esse va lor t por isso que me proclamo cieotificista citado por La lande Vocabulaire de philosophie verbete scientisme Se para Comte a filosofia podia ser uma espécie de consciência da ciência uma espécie de segunda leitura e de estabelecimento das aquisições do saber para o cientificismo só pode haver uma ciência sem consciência quer dizer uma ciência capaz de 81 absorver a própria consciência tornandoa completamente inú til Podemos dizer que em seu estado bruto a ciência é capaz de fornecer certezas definitivas sobre uma realidade que não tem necessidade de ser considerada como uma realidade hu mana Ora após a crise de incerteza e de conflitos epistemoló gicos por que passou o cientificismo no início de nosso século vemos organizarse em nossos dias fundado nas bases epis temológicas fornecidas pela teoria kantiana do conhecimento científico um novo tipo de cientificismo muito mais radical e poderoso que o precedente Sua inspiração específica comporta uma pluralidade de dimensões Sumariamente podemos enume rar as principais aquelas que constituem uma espécie de deno minador comum à mentalidade cientificista contemporânea a o cientificismo atual afirma uma consciência dara e exPlícita da total autonomia intelectual ªa ciência e do entendimento científico quer dizer não podem depender de nenhuma instância racional que seja ex terior à ciência Issb vai implicar o domínio autô nomo da lógica e da linguagem da ciência b afirma a consciência bem mais aguda da continuidade entre o estado de espontaneidade viva do conheci mento humano e o próprio conhecilento científico continuidade genética e continuidade de destino fa zendo com que a espontaneidade natural do conheci mento humano pertença d algum modo à ciência e ao seu entendiment c defende intrànsigentemente a idéia segundo a qual à dimensão puramente teórica o entendimento cientí fico acrescenta e articula o conjunto de suas djmen sões de repercussões práticas técnicas industriais culturais sociológicas etc Desse ponto de vista as sim como inscreve em si a continuidade com a espon taneidade natural da vida cognitiva humana da mes ma fonna inscreve conscientemente em si uma con tinuidade bem menos claramente percebida com toda a organização voluntária da existência e da prática humanas convertendose em entendimento englobatr te de toda a vida ademais ao refletir praxeologi camente sobre sua própria realização científica pre tende dizer respeito não somente ao homem de ciência e de pesquisa mas uo próprio homem consu midor de ciência quer dizer a todo homem d afirma solenemente que só o conhecimento científico é verdadeiro e real os conhecimentos que não fo rem exprssos quantitativamente ou que não puderem ser formalizados ou que se mostrarem absolutamente refratários a uma repetição em condições de experiên cias em laboratórios não podem ser considerados como tendo validade epistemológica o conhecimento verdadeiro também chamado de reatt ou de ob jetivo deve ser universal quer dizer válido em todo tempo e lugar independentemente da condi ções sociais e das formas culturais e afírma ainda que só será científicõé por conseguinte válido e aceitável o conhecimento capaz de ser ex presso de modo coerente em termos quantitativos e ser passível de uma experimentação eni laboratório em outros termos a verdade se identifica com o co nhecimento científico f deixa entender claramente que o ideal da ciência é atingir uma concepção mecanicista formalista ou analítica da natureza Em outras palavras tlda a realidade inclusive a experiência e as relações huma nas os acontecimentos as forças sociais e políticas tudo isso deve ser expresso numa linguagem forma lizada em termos de sistemas de partículas elemen tares No fundo o mundo não passa de uma estrutura particular no seio das matemáticas g postula que o conhecimento quer em seu desenvolvi mento quer em sua transmissão pelo ensino deve ser cortado em várias especialidades Para toda ques tão referente a um domínio qualquer de conhecimento somente a opinião do expert desse domínio particular merece crédito para cada setor do conhecimento só o expert conhece Por outro lado somente a ciência e a tecnologia Ue Qla doqe poderão resolver os problema do homem quaisquer que sejam e so mente os acessares técnicos estão habilitados a pan cipar das decisões pois s6 eles sabem h crê que o conhecimento científico deve fundarse exclusivamente sobre a Razão Há uma supremacia da Razão e do Intelecto sobre todos os demais aspt05 da experiência e das capacidades humanas E o único instrumento particular da Razão humana é o métodtJ experimental e dedutivo Ele teve tantos êxitos e111 certos domínios da investigação e das realizações hu manas que passou a exercer uma função imperialista e finalmente a identificarse com a própria Razão rejeitando tudo o que não pode assumir ao domínio do meramente irracional emocional subjetivO ou não humano Comd se pode notar facilmente todas essas característi do entendimento científico contemporâneo revelam a emergên cia de um novo cientificismo humanamente muito mais tota tário que o do século XIX Esse cientificismo não somente está constituindose com grande força como também tem a pre tensão de apropriarse de todas as estruturas intelectuais oa mentais do mundo civilizado Ele não é apenas um cientificis mo doutrinário tentando justificarse ou abrir sua doutrina l discussão polêmica mas um cientificisrno de vida para todos os homens e não apenas para os inteleetuais Tratase de um cientificismo tácito afirmandose sem proclamações explí citas ou sem declarações de princípios Contudoele stá em ação em todo momento tendose mesmo tornado como que o princfpio organizador da existência humana individual e cole tiva Tratase de um cientificismo de vida cientificismo prd tico como que impregnando toda a vida humana e sempre reemergindo de todos os contornos da problemática humana como um dos principais recursos intelectuais e praxeológicos melhor ainda como o único meio realmente eficaz para o tratamento e o domínio da problemática humana Ele começa a apresentarse de modo tão natural tão consubs tanciai à nossa ciYJliuçJo e à nossa sociedade que chega mesmo a bloquar ou inibir com muita força toda reflexio 11 toda reinterrogação sobre aquilo que ele poderia ocultar w fazer isso ele como que obriga pela própria força de seu 1cma vivjdo tacitamente o silenciamento de todo inconfor üsmo ou sua mais ou menos rápida acomodação Estamos Jiantc de um cientificismo praticamente calculador de uma l1cicdadc autocalculadora tanto no detalhe quanto no con junto Nãó se pode negar a enorme força antirevolucionária Jsse novo tipo de cientificismo e de seu funcionamento so cial O que não quer dizer absolutamente que seja estático conservador Por seu próprio funcionamento instaura ao mesmo tempo o crescimento desmesurado e a deriva do hu mano Num certo sentido ele se apresenta como a própria rtvolução que se implanta em escala planetária com um pa der impessoal extremamente forte Evidentemente no univer so desse novo cientificismo o destino conferido àquilo que não pertence propriamente à orilem do entendimento bem como a todos os meios para se construir um organismo de vida e de expressão é bem mais precário do que a sorte dada à filosofia no interior do universo intelectual do primeiro cien tíficismo Não somente os interstícios do conhecimento científico no interior dos quais a filosofia podia ainda sobre viver e movimentarse tomaramse muito mais reduzidos mas é o próprio organismo tradicional e integrado ddilosofia que pssa por um processo de desmantelamento radical a ponto de verse cantonadõ numa espécie de cidaãela inútil ou des construída A metafísica é negada A moral e a política ca Ja vez mais são substituídas por uma praxeologia A esté tica é informe O discurso natural tomase confuso A violên cia crítica parte não se sabe de onde para ir a lugar nenhum simplesmente varrendo o que encontra em seu caminho As violências culturais intelectuais e verbais são substitutivos simbólicos de uma espécie de violência impotente para efeti varse no nível da materialidade social das infraestruturas humanas Eis entre outros alguns indícios de um passado cultural em vias de eliminação pelo cientificismo contempo râneo Esse cietificismo se apresenta como sendo capaz de re solver os problemas epistemológicos colocados por todos os 85 tipos de teorias do conhecimento Para tanto não tem neces sidade de recorrer a nenhum discurso particular nem tampou co a uma autoteorização pois se apresenta a si mesmo como a forma de existência e de prática humanas Também não teta necessidade de um ensinamento vindo de fora pois é do in terior mesmo da vida que ele se toma regente do pensamen to e disposição da inteligência que o indivíduo contrai co111 a vida e com a educação necessária à civilização atual Con quistado por ele o indivíduo pensante pode no entanto dis tanciarse dele nem que seja para reconhecer seu sistema e seu funcionamento Distanciado do cientificismo o indivíduo consegue entrever aquilo que pode conduzir o espírito a 1IDI enclausuramento ou a uma saída A esse respeito duas observações se impõem que apenas indicaremos A primeira consiste em reconhecermos que o universo do entendimento científico não é capaz de absorver o dado priva do consciente e pessoal do indivíduo Desse dado privado não há enquanto tal ciência no sentido em que há ciência do entendimento De sorte que o universo do entendimento científico encolllla por assim dizer em cada ser humano li vendo pessoalmente sua própria vida interior uma espkie de ponto limite do qual só pode considerar a exterioridade a objetividade acessível à razão o conteúdo latente de um so nho e sua significação por exemplo não podendo assumir as rédeas das decisões pessoais livres nem estar péssoalmerr te presente ao ato do vivido Por natureza a ciência e seu entendimento são públicos O valor do entendimento está na quilo que há de despersonalizado no conhecimento e na ação E por isso que não somente pode como deve haver um con junto de formações humanas do espírito não apenas prévias à constituição do entendimento científico e a seu desenvolvi mento mas também por assim dizer póscientíficas capa zes de ser o que a ciência não pode ser E nada pode impedir que as grandes dimensões de uma filosofia respeitosa do en tendimento científico mas livre em relação a ele ensinem ao homem o desabrochamento positivo de sua capacidade pessoal de agir livremente A segunda consiste em reconhecermos que o entendimen to científico se faz acompanhar de um fato bastante importan 86 ti urna espécie de opacidade crescente e paradoxal do pró prio enteudieto Em erto sentido tratase de uma opaci dade no propno plano mtelectual a era da representação mwifestavase de modo claro e distinto não dissimulando nada além dela mesma a era da positividade é sempre de um modo ou de outro o anúncio de uma imensa nuvem de sombra na qual mergulha e termina por se perder a lumi nosidade da inteligência Tratase também de uma opacidade no nível da prática científica forçosamente fragmentada im potente para se unificar quer no plano do conhecimento quer 110 de sua aplicação ao agir humano Tanto o reino intelectual quanto a sociedade humana do entendimento científico torna ramse obscuros a si mesmos impenetráveis ao olhar çomo um meio que de transparente que era se tornou opaco e de mo do cada vez mais espesso difunde caoticamente sua luz vindo chocarse contra inumeráveis pequenos obstáculos molecnla res A essa opacidade para a inteligência humana segue o dinamismo crescente em escala humana da ação do entendi mento numa espécie de espontaneidade revolucionária que ten ta integrar de modo incontrolável seu próprio impulso Torna se cada vez mais evidente que essa modalidade de crescimen to do universo humano da ciência é repleta de inconvenientes de sérios riscos provocando profundas inquietações Donde a emergência no próprio interior da consciência científica de malestares mais ou menos angustiantes e de movimentos de reações críticas da própria ciência e de seus atuais desenvol vimentos A própria natureza desse duplo fenômeno de opa cidade a si e de submissão impotente a seupróprio cresci mento que caracteriza o entendimento científico atual e seu universo humano obriganos a uma reflexão e a uma tomada de posição Não vamos analisar aqui os vários movimentos de cientistas que já compreenderam as ambigüidades do papel que desempenham ou são forçadOs a desempenhar dentro dessa mentalidade cientificista Eles desejam construir uma ci2ncia critica isto é uma ciência responsável consciente de seu pa pel real e preocupada em controlar suas próprias atividades dentro da sociedade Talvez isso seja uma utopia pois o pro blema é político essa utopia porém não é desprovida de sig 87 nificação liêiU de intcrc E para terminar fnçamos algumas considerações sobre outros suportes do cientificismo mais pro priamente ideológicos do que epistemológicos 88 1 Como vimos o cientificismo atual está ancorado na eficácia e no prestígio do método experimental e de dutivo Há quatro séculos esse método vem progres sivamente reelando sucessos espetaculares Não se pode negar que ele aumenta incessantemente seu im pacto sob a vida cotidiana de cada um e sobre a vida social em geral Talvez somente hoje seu pres tígio comece a declinar Todos sabemos que atra vés de um processo de anexação imperialista a ciência criou sua ideologia própria passando a ter as várias características de uma nova religião e a essa religião que chamamos de cientificismo Seu poer de fascínio sobre as massas humanas deve se ao prestígio da ciência com seus êxitos inegáveis e retumbantes 2 O cientificismo está profundamente arraigado hoje nas mentalidades Podemos até dizer que ele suplan tou o prestígio das antigas religiões Ele se insinua penetra nos sistemas educacionais e controla o pensamento universitário O homem comum que só conhece de modo grosseiro alguns dos resultados da ciência quase nada compreende daquilo que realmente se passa no reino da ciência Essa igoo rância vem sendo perpetuada através do sistema de ensino das ciências Na verdade o ensino das ciên cias é muito mais um ensino dogmático como pre vira e ordenara Comte que uma introdução e pre paraçlo à pesquisa Para quem tem mentalidade cientificista a ciência é ensinada como se fosse uma verdade revelada Por isso o poder da palavra ciência sobre a mentalidade do grande público de essência quase mística e certamente irracio nal Para o comum dos mortais a ciência se apre senta como uma espécie de magia negra sua auto ridade sendo ao me5mo tempo indiscutível e incom preensível 3 O cientificismo ao apnsentarc com esse caráter meio religioso bastante irracional e emocional em suas motivações tem uma característica que lhe é bastante peculiar a intolerância relativamente a to do outro saber que não seja o da ciência da forma como esta deve ser concebida por seus partidários Essa intolerância chega ao ponto de excluir do do mínio do saber todo conhecimento que não se ba sear única e exclusivamente na Razão científica 4 Se o cientificismo pode ser comparado a uma reli gião seus Sumos Sacerdotes atuais são os próprios cientistas num sentido lato ou se preferirmos os tec nólogos os tecnocratas e os experts Somente eles podem entrar no Santuário sagrado do saber e revelálo numa linguagem cifrada técnica meio esotérica aos nãoiniciados Eles como que estão imbuídos desse papel de detentores exclusivos do conhecimento tanto mais que se situam no mais alto degrau da hierarquia científica Reagirão pron tamente a todo e qualquer ataque a essa religião ou a um de seus dogmas Quase sempre essa rea ção é profttndamente emocional sobretudo quando se trata de contràatacar aqueles que criticam o con forto de suas competências tecnológicas ou tecno cráticas 5 O cientificismo contemporâneo confere aos experts uma espécie de poder intelectual cujo efeito pare ccnos 6 espiritual e intelectualmente estropiante pois os afasta sempre mais do convívio dos seres vivos para reduzilos a um simples mecanismo ce rebral mais ou menos cibernetizados à medida que se tornam cada vez mais especializados Podemos dizer que mesmo sobre os experts o cientificismo prodw efeitos paralisantes intercepta o gosto de saber mais atrofia o engajamento moral e a res ponsabilidade pessoal em todos os domínios por que contribui para cavar o abismo crescente entre 89 90 os três pólos da existência 1Umana o pensamento a emoção e a ação Em termos sóciopolíticos cientificismo justifica a hierarquização rígida da s ciedade e tende a fortalecêla sempre mais col cando em seu cume uma tecnocracia fortemente hie rarquizada que tomará as decisões 6 Na maioria dos países e sob os mais variados dis farces o cientificismo é tomado como a ideologia mais apta e eficaz para fundar e justificar as po líticas nacionais Enquanto tal é amplamente uti lizado para fornecer as justificações e as racionaJi zações às diversas filosofias do progresso do d senvolvimento vistos exclusivamente como progres so e desenvolvimento científicos e técnicos E é jus tamente a utilização desse cientificismo que consti tui uma das forças motrizes mais importantes para dinamizar essa outta religião da produção cres cente e do continuo crescimento por si mesmos Es sa corrida desenfreda ao aumento da produtivida de e esse crescimento por vezes insensato dos bens engendraram a crise ecológica que tanto nos inquie ta hoje em dia E essa crise está apenas em seu co meço O cientificismo que foi uma das forças de cisivas para gerar essa crise parece revelarse com pletamente incapaz de superála Não se trata de afinnar algo que seja capaz de rebaixar a ciência o que seria no mínimo preconceito e obscurantis4 mo Tratase de reconhecer que a ciência não dis põe de recursos para resolver por si mesma as crises que ela própria gerou Na sociedade da bom ba atômica do desperdício da poluição da tecno cracia dos mass media e dos tranqüilizantes os sin tomas da crise geral e das crises setoriais multipli camse dia a dia Não se trata de evocar visões apo calípticas mas de constatar que provavelmente nos aproximamos de um limiar perigoso Talvez um áos objetivos prioritários a ser empreendido seja o de dominar pela reflexão e pela ação sóciopolítica o próprio dinamismo da sociedàde científica Nlío se trata apenas de aspirarmos ao pmgresso mas de uos protegennos contra a barbárie Uma crítica aos fundamentos epistemológicos do cientifi cismo e a seus suportes ideológicos significa colocar em ques to o próprio conceito de ciência A concepção que dela se faz 0 cientificismo está apoiada em dois mitos a o da ciência conduzindo necesariamente ao progresso b o da ciência pu ra Durante muito tempo o primeiro mito foi aceito como uma spécie de dogma Em nossos dias bastante atenuado ele ser ve de argumento para o angariamento de recursos financeí ros a ciência é julgada segundo o valor social de seus resul tados O segundo mito por sua vez concebe a ciência como seu próprio fim embora possa prestar srviços relevantes To davia o mito da ciência pura repousa no postulado segun do o qual a procurS do conhecimento ou da verdade é algo bom em si não possuindo intrinsecamente qualquer sig nificação moral ou política B nesse sentido que a ciência e a tecnologia devem ser consideradas como atividades ideolo gicamente neutras progredindo apenas segundo sua lógica in terna A direção correta bem como a rapidez desse progres so podem ser influenciadas por fatores externos de ordem so cial ou econômica mas a natureza objetiva do conteúdo da ciência e da tecnologia não poderá ser contestada A ciên cia e a tecnologia são neutras Seu valor ideológico vem ape nas da utilizaÇão que delas for feita Essa é a posição adotada pelos cientificistas conteropo râneos relativamente à sua concepção da ciência Ora segun do D Dickson Les nouvelles tendances de la science Eco nomie et Humanisme 212 1973 a grande desvantagem des sa posição está no fato de não levar em conta que em nossos dias a ciência está integrada à ideologia da industrialização E a conseqüência direta de tal posição consiste em interpre tar o desenvolvimento social especialmente o papel desem penhado pela ciência e pela tecnologia em termos de inter disciplillaridade funcional entre a mudança tecnológica ou inovação e o desenvolvimento econômico Em outras pala vras num momento dado as inovações tecnológicas que são absorvidas pela máqwna econômica e social são as que podem 91 ser consideradas como adaptadas à condições economtcas e sociais predominantes aumentando a eficácia dos processos produtivos inversamente as condições econômicas e sociais encorajam certo tipos de inovação tecnológica O desenvolvi mento social aparece como o resultado desse processo dialéti co Ora em nossa civilização o cientificismo é uma ideolo gia fazendo parte da ideologia global que considera a ciência e a tecnologia como atividades livres e que utiliza essa pre tensa Hberdade para ocultar as forças sociais e políticas En quanto tal ele é a ideologia da industrialização que admite uma relação de equivalência entre desenvolvimento indus trialização e mordernização E ela é utilizada para legiti mar não só o desenvolvimento dos meios de produção no sen tido estrito mas também toda a estrutura burocrática que os cerca inclusive as técnicas de planificação sociaL Outra copseqüência direta da posição cientificista consis te em revigorar a ideologia tenocrática através da vulgariza ção científica Ora o paradoxo entre a verdade cultural e a verdade científica parece coodenar a vulgarização a uma ambigüidade Sem dúvida a intenção de transmitir o saber é legítima e corresponde a uma necessidade cultural Contudo devemos interrogarnos sobre a ôperação real da partilha do saber Muitas vezes ela leva a uma mistificação cultural so bretudo quando se reduz a um mero efeito de vitrine En quanto vitrine da ciência a vulgarização contnbui para eri gir culturalmente a ciência em mito A função efetiva da vul garização situase no contexto cada vez mais tecnocrático dt nossa sociedade Por tecnocracia dcwemos entender ao mesmo tempo a a tecnomuura ou ciência realizada em técnica b a tecnoestrutura ou o conjunto complexo de tecnocratas ge rindo o sistema econômico a título de sua competência espe cializada Assim a vulgarização científica além de represen tar uma exigência de partilha real do saber pode muito bem ser utilizada para fazer os nãoiniciados a aceitarem como natural racional e inelutável tanto o fenômeno tecno crático quanto o poder incontrolado da tecnoestrutura Isso não coloca em dúvida as intenções dos vulgarizadores nem infirma em absoluto a necessidade de as ciências se toma rm presentes culturalmente em nossa sociedade O que que 92 reme afirmar é que em nosc cont xh atua a função real da vulgarização nto é tão gratuita e inocente como se pode ría pensar A tgumas conclusões 1 O cientificismo tal como o descrevemos perence me nos à história da filosofia que à história das idéias Jamais se revelou como uma doutrina explícita mas como uma atitude espiritual comum a várias doutrinas Ele se formou depois do movimento enciclopedista do século XVIII como uma atitude de otimismo e de confiança cada vez mais ilimitadas nos poderes da ciência A partir de Kant com efeito os fi lósofos tendem a apresentar seus sistemas como uma ciên cia quer porque acreditam ter atingido o rigor demonstrativo e afidelidade ao real quer porque desejam que seus produ tos intelectuais venham acompanhados de um emblema de credibilidade Isso é verdade de Fichte de Comte de Hegel de Marx e mesmo de Husserl Todavia no fim do século XIX formase um movimento filosófico de crítica à ciência encabeçado sobretudo por Bergson Nietzsche e MerleauPon ty Foi um dos primeiros movimentos a lançar dúvidas no oti mismo e na confiança depositadas na ciência O que pretende mos mostrar é que essas duas tradições prolongaramse até os dias de hoje Entre todos os transtornos culturais d nos sa civilização podemos constatar um que parece evidente em tomo da ciência tudo está em vias de agoojzar enquanto ela mant6m sua estabilidade e dá prosseguimento a seu dinamis mo Doravante não se pode ignorar que é praticamente im possível viver sem a ciência tampouco pensar independente mente de suas normas Por outro lado é sabido que o modo como ela é praticada explorada conduzida parece levar à morte Não se pode viver ou pensar sem ela e é possível que será a responsável por nossa morte coletiva Convertida no fato sóciocultural total a ciência tomouse o lugar de nossas esperanças e de nossas angústias 2 O otimismo e a confiança na ciência ainda perduram ho je NÇ iníçiÇ do sculo XIX o saber científico apresentava 93 se como um sistema coerente e bem estabelecido relativamen te simpies em que o bom senso funcionava a partir de prin cípios universais bastante fiel ao real para ser utilizado como um conjunto de estratégias adaptadas à prática Os contempo râneos de Laplace sobretudo Comte estavam convictos de que esse monumento esgotava possas exigências de rigor e de precisão que ele fornecia soluções e respostas à altura exata da amplitude de nossas necessidades Restava apenªs tornar científico o estudo dos grupos humanos e da história política E a aventura da humanidade terminaria depois de muitos so nhos e lutas no paraíso da Razão Podiase conceber um pro gresso indefinido das técnicas Estava próxima a compreensão exaustiva do real E as soluções práticas para os problemas concretos seriam encontradas quando os problemas fossem bem colocados O real é racional A humanidade só se colO ca problemas que pode resolver A ciência elimina a dúvida e promete a elicidade 3 De fato é impressionante o balanço das promessas cum pridas das incertezas eliminadas e dos problemas resolvidos pela ciência Contudo colocase hoje em dúvida a natureza e a finalidade das performances científicas Esse questiona mento porém em seu início apesar de sua lucidez fornece más razões a nostalgia de uma natureza imaginária a Jasti mação mftica de um paraíso perdido e o desespero face aos poderes que desaparecem Ora quando toda ideologia é subs tituída por uma doutrina esta se converte em mitologia Dois mitos opostos entram em conflito o dos cientificistas e o dos anticientificistas isto é dos ideólogos do tudo ou do nada Nenhum dos dois fala da ciência diretamente cobiçam o po der que ela proporciona não o poder sobre as coisas mas o poder sobre os homens Isso nos leva a outra conclusão 4 A apregoada dominação total da natureza pela ciên cia não passa de um engodo As previsões históricas do cien tificismo são altamente improváveis Hoje em dia essas pre visões são mais pessimistas que otimistas Ninguém nega a existência de um progresso de um crescimentó ou de inova ções O que se contesta é que suas conseqüências sejam nc cessariamente contribuições efetivas para o bem do homem O dogma da ciência conduzindo à felicidade do gêncm h1 94 1113110 parece não ter mais sentido Por outro lado asslS11DlOS 3 uma dissolução do horizonte de compreensão exaustiva das l1isas quer se trate do formal do real do ser vivo ou do 1cnológico Esse horizonte esbarra com limites intransponí cis As ciências rigorosas tomam consciência de seus limites a parti d7 GOdef as ciências exatas prtir de Heisenberg e 1s cienctas humanas começam a descobnr os seus Por exem plo diante de uma máqqina complexa o que ocorre Sabe mos fabricála conhecemos suas performances mas geralmen lc não sabemos dizer como ela funciona em detalhe A domi nação total é um mito O real não é mais o racional Hoje colocamos problemas que não podemos resolver A interven ção geral teórica e prática aescobre sua própria limitação Assrm os dois prognósticos histórico e racional feitos pelo cientificismo parecem seriamente ameaçados 5 Temos ainda o direito de crer na ciência universal Tudonos leva a crer que não O mundo está dramaticamente dividido em duas partes de um lado o dos Cientistas do ou lro o mundo real e vivido de cada um de nós Esta divisão nos é familiar embora incompreensível Ela favorece a emer gência de uma mitologia Conseguimos optimizar uma ação mas essa ação corre o risco de converterse em passividade Por outro lado esta divisão se dá entre as disciplinas cada uma falando um dialeto fechado às outras A esperança de universalidadediminui dia a dia A iQéia de uma língua co mum a todas as ciências está em franco retrocesso Evidenta mente cresce a informação toqtase exponencial a acumula ção dos conhecimentos mas carecemos ainda da primeira con díção âe uma síntese Põdemos admitir que seja possível a do minação do real e de nossos artefatos Mas não é seguro que possamos dominar nosso melhor meio de dominação a pró pria ciência No entanto ou marchamos para uma síntese ou nossos instrumentos se converterão num destino Porque o problema mais urgente colocado pela ciência é o da própria ciência Donde a importância de se repensar sua distribuiçio seus meios e seus objetivos bem como sua relação com a so ciedade Foi tentando levar a efeito uma crítica ao cientificis mo contemporâneo que se criou nos últimos anos certos mo vientos entr IS quais Science for the People EUA 95 Lassítoc Séd a British Scciety for Scial Responsâbility it Science Inglaterra e Survivre et Vivre Fratiça Todos es ses movimentos tentam reavaliar as conseqüências das pesqui sas científicas sobre o futuro da humanidade Seria isso possí vel Semelhante idéia pode parecer uma utopia Todavia se a resposta pode prestarse a discussão a questão é real e ur gente é preferível o tatear da utopia à inútil lamentação do paraíso perdido 6 Convém salientarmos que a crítica se dirige não à ciên cia em si mesma mas ao cientificismo Em resumo consiste a em negar que os problemas que se colocam à humanidade serão todos resolvidos pelo progresso científicotécnico b em negar que o processo de desenvolvimento técRicocientffico seja independente dos sistemas político cultural e social c em negar que exista uma solução ótima e somente uma para todos os problemas e que compete aos experts determinar es sa soltção d em negar que o mundo real seja unicamente o dos fenômenos quantificáveis pois isso levaria a um materia lismo simplista negando a mais nobre motivação da ciência a procura do conhecimento e elLnegar que o conhecimento científico seja neutro e independente do sujeito observador f finalmente last but not least em colocar em questão a pos sibilidade do conllecimento científico do mundo dos homens poder tomar esse mundo mais humano em outras palavras em duvidar que o valor exemplar das ciências naturais possa dar uma resposta Õbjetiva às questões que se coloca sobre a sociedade sobre sua natureza profunda e sobre sua transfor mação Porque o poder que o homem eerce ao agir sobre a natureza e sobre ele mesmo é de natureza diferente A na tureza é objeto para o homem O homem na sociedade é ao mesmo tempo sujeito e objeto Se é apenas objeto para o es tudo das sociedades primitivas é ao mesmo tempo sujeito e objeto em nossa sociedade Eis o problema 96 IV A ÉTICA DO coNHECIMENTO OBJETIVO A ciência enquanto produto humano es tá jotegrada no processo social e político to tal Os cientistas por uma quetão de princí pio e de método recusamse a ditar normas à sociedade pois aspiram a ser supracultu rais No entanto intervêm cada vez mais na orientação efetiva da sociedade Daí o para doxo influenciam a moral mas de modo niio moral Numa entrevista recente sobre a ciência como valor su premo do homem Jacques Monod prêmio Nobel em biolo gia molecular reconhece que a ciência atual aliena o homem Essa alienação pode ser explicada pela impossibilidade de atin gir cientificamente uma ética do conhecimento Tratase de umaalienação facilmente encontrada em certas correntes filo sóficas literárias ou artísticas de nossa época Também pode ser identificada em várias obras neoesotéricas que divulgam conhecimentos onde se pode notar uma tremenda mistura de magia de pseudociência e de charlatanismo A primeira razão dessa alienação reside no fato de a ciên cia ser extremamente difícil O homem comum deparase dia riamente com técnicas oriundas da ciência fundamental e que basicamente não é capaz de compreender Essa ignorân cia gera um estado de profunda humilhação Humilhação que leva o homem atual a apelar para todos os tipos de compen sações de ordem mistérica mística ou esotérica A segun da razão está no fato de a ciência objetiva depor o lwmem de seu lugar privilegiado no mundo No universo ele é hoje um simples estrangeiro quase um acidente As teonas cien tíficas provam que o lugar do homem no mundo é apenas infinitesimal e que nem mesmo é necessário mas por acaso Enfim há uma razão mais inquietante o profundo hiato en tre o conbecunento objetivo e as teorias dos valores Por de 99 finição a ciência deve ignorar os valores Não podendo co nhecêlos é incapaz de fundar uma ética objetiva Assim para a quase totalidade dos problemas do hometn atual os cientistas não podem propor soluções objetivas quer dizer fundadas na ciência Não obstante o simples falo de fazer ciência pressupõe uma êtica pelo menos uma ascese da objetividade A ciência não funda um ética mas é fun dada por uma ética Nenhum cientista chega a um saber ob jetivo sem adotar previamente uma ética do conhecimento sobre a qual deve fundarse O critério ou valor essencial des sa ética não é o homem mas o próprio conhecimento objeti vo E segundo Monod foi a ética da felicidade do conforto e do êxito individuais que criou 1r ciência atual e continua fundando todos os seus progressos Por outro lado a socie dade atual completamente impregnada de ciência está ba seada em valçres arruinados não expressos ou formulados nu ma vaga büsca da felicidade imediata Donde a urgência de se fundar uma ética à altura dp homem de hoje Nenhuma porém poderá ter êxito se não for capaz de convencer o ho mem atual da existência de algo mais importante do que ele mesmo E como não se pode fundar uma ética objetiva surge o impasse Se o cientista escolheu fazer ciência fói por que quis porque aderiu a um sistema de valores e por con seguinte a uma ética Ora a concepção do mundo que nos fQrnece a ciência atual évazia de toda ética Mas a procura de uma ética constitui uma ascese implica um sistema de va Jores Qual é essa ética criadora de conhecimento Monod não dá uma resposta satisfatQria Reconhece apenas citando Nietzscbe que todas as ciências trabalham hoje para des truir no homem o antigo respeito por si mesmo Elas co locam seu ideal austero e rude de tranqüilidade estóica a ali mentar no homem o desprezo de si mesmo obtido ao preço de tantos esfrços apresentandoo como seu 11Jtimo e mais sério título à estima de si mesmo Aula inaugural no Col lege de France 1967 No entanto resta uma esperança diz Monod em sua entrevista Um dia será ensinado nos colé gios que o valor supremo do homem é provado pelo fato de ele ter conseguido essa incrível ascese de chegar a demonstrar a si mesmo que ele não tinha nenhuma importância O uni 100 verso não foi posto no mundo para nós mas podemos con quistálo pelo conhecimento Estamos em vias de conquistá lo h a partir dessas colocações de Monod que iremos ques tionar os critérios de objetividade científica e conseqüentemen te a neutralidade axiológica dos que pensam fundar seus conhecimentos única e exclusivamente nas demarches internas ao próprio processo de cientificidade Em outras palavras ten taremos mostrar que a ciência não está tão isenta das conta minações valorativas ou éticas como pensam os partidários da neutralidade científica a ciência se ocupa apenas dos fatos por isso é neutra podendo ser usOLÚJ para o bem ou para o maL Há aqui uma dicotomia estrita entre o mundo dos fa tos e o mundo dos valores entre a esfera do conhecimen to e a esfera da avaliação O cientista não é responsável pelo uso que se faz de seus produtos intelectuais porque a só se ocupa com os fenômenos observáveis b visa a conhe cêlos e explicálos utilizando um método rigoroso c só aban dona a neutralidade ética quándo estuda os objetos psicosso ciológicos 1 Comecemos por apresentar sucintamente a situação atual da ciência e da pesquisa cientificâ Não é novidade para nin guém que a ciência se apresenta ou é apresentada em nos sos dias como um saber ao mesmo tempo onipotente e oni presente Ela é venerada como uma espécie de divindade Tão grande é o fascínio que exerce sobre todos e cada um de nós que seu caráter por vezes mágico impõe não só respeito e acatamento mas temor e medo O grande público a consi dera como esse conjunto extraordinirio de conhecimentos pu ros e aplicados produzidos coletivamente através de mé todos comprovados objetivos rigorosos e universais opostos aos da filosofia da arte e da política Em suas verdades to do mundo acredita sem discussão Apesar de sua imagem de marca segundo a qual a ciênda não seria um sistema dog mãtico e fechado mas controvertido e aberto porque falível 101 e capaz de progredir sempre não se pode negar que suas verdades se apresentam com a solidez dos dogmas Na prática a imagem da ciência aparece como o fun damento da tecnologia O conceito de tecnocracia não pode ria significar o poder cracia de certos homens os tecno cratas se não significasse antes o poder da técnica quer dizer da ciência realizada por isso que apesar de todas as motivações subjetivas dos cientistas a significação real da ciên cia deve ser buscada não mais no saber enquanto tal puro e desinteressado mas no poder que o saber científico con fere Esse poder é exercido por um triunvirato formando es sa espécie de Santa Aliança dos tempos modernos ciên ciatécnicaindústria Não se trata mais de um saber aristocrá tico de uma contemplação amorosa e gratuita da verdade mas de uma ciência tecnicizada governando esse gigantesco pro cesso de produção racionalizado e industrializado Tudo nos leva a crer que estando preso às mil solicitações do ter e es tando submetido às astias de um controle social sempre mais insidioso o homem moderrio está em vias de instalarse no conforto que lhe proporciona uma tecnonatura cada dia mais aperfeiçoada A memória do computador por exemplo fornecelhe todos os dados concernentes à sua identidade à sua saúde física e mental ou at6 mesmo a seu passado ju diciário Estãria ciência convertendose numa lerrível promessa de uma sociedadelabirinto ocupando cada vez mais as di mensões do planeta onde o passo do homem se torna cada vez mais oscilante Que esperanças pode ela ainda alimentar Suas promessas de felicidade não teriam fracassado Tanfo o sonho ingênuo do Iluminismo quanto a mitologia cientificis ta que lhe deu prosseguimento no século XIX que faziam do progresso indefinido da ciência o incansável motor de nossa felicidade parece que nos abandonaram Não se trata de ne gar que pela ciência e por seus produtos técnicos o mundo tenha mudado E por vezes substancialmente Contudo a ciên cia embriagada com seus próprios bitos aliás inegáveis já começa a inquietar muita gente sobretudo os próprios cientis tas O problema da tpomabilidade KJCial dos cientistas e dos tknicos tornase hoje uma das questões cruciais de nossa 102 tlltura A ciência e a técnica antes tranqüilas em seu desen olvimento em seus processos de conhecimento de domina ção da natureza de previsão de novos acontecimentos etc constituem hoje problema Até o fun do século passado nem mesmo os intelectuais mais extremados ousavam contestar ou criticar a ciência embora criticassem todas as demais institui ções sociais Nem mesmo os niilistas que fizeram todo uro tra baho de demolição dos valores morais religiosos e filosóficos tiveram a coragem de colocar em dúvida o valor da ciência Pelo contrário achavam que todos os males da humanidade tinham sua raiz profunda na ignorância e que eles seriam es tirpados pela ciência esta no futuro seria capaz de resolver rodos os problemas e males humanos Ora em nossos dias esse otimismo parece nãe ter mais razão de ser Muitos cientistas de forma alguma revoltados nem tampouco niilistas çomeçm a suspeitar que a própria ciênciá pelo menos em suas condições reais de ela9oração e de uso pode ser um mal e que se torna urgente remediálo antes que seja tarde Evidentemente o espírito do Iluminismo do século XVIII ainda é bastante forte e contínua vivo na mentalidade de muitos homens de ciência Uma das correntes mais significativas que aperfeiçoou esse espírito tem por rundamento ideológico a fé quase cega na ciência e em seus resultados tecnológicos domínio da naturezaL riqueza mate rial organização eficaz da vida social etc Mãs isso não im pede o surgimento de suspeitas cada vcz maiores quanto ao número tamm crescente de conseqüências desastrosas do de senvolvimento científicotécnico degradação das relações in dliviauáis utilização das pesquisas científicas para fins destru tivos possibilidade crescente de manipulação dos indivíduos utilização maciça dos cientistas de seus métodos e de seus resultados para fins repressivos obsessão patológica pelo con sumo esgotamento progressivo dos recursos naturais poluição etc Diante dessa nova situação certos cientistas começam a aClrdar Por exemplo diante de um acontecimento de sig nificaçio em escala planetária cuja causa pode ser atnõufda à alienação dos cientistas estes podem tomar dois tipos de atitude a ou aceitam essa alienação como algo natural e 103 continuam a éstabelecer uma dicotomia entre a responsabili dade de criação e a da utilização de seu sber b ou tentam reagir contra essa alienação isto é contra seu estado de ino centes produtores de informação inteiramente despreocupa dos com os objetivos fundamentais de suas pesquisas Nessa segunda hipótese eles modificam sua concepção sobre a na tureza de sua tarefa abandonam a idéia de que a ciência se ria positiva e neutra e passam a adotar em relação a ela uma atitude mais crítica e responsável Essa atitude diz também res peito ao emprego dos métodos científicos e ao uso que é feito de seus produtos tecnológicos Numa palavra esses cientistas passam a preocuparse com a utilização de suas descobertas para fins nãohumanos e meramente extracientíficos Aqueles porém qle adotam a primeira atitude conti nuam presos à estreita divisão do trabalho e tentam inocen tarse argumentando que a objetividade científica nada tem a véf com os engajamentos pessoais Para eles a utilidade da ciência é umá simples conseqüência de sua objetividade Se a sociedade financia a ciência 6 porque sabe que seus conhe cimentos produzem bons rendimentos quando aplicados Con tudo o problema da aplicação escapa ao domínio da ciência Ele pertence aos técnicos São estes que empregam o conheci mento científico para fms práticos e copete aos políticos a responsabilidade da utilização da ciência e da tecnologia para benefício da humanidade o que os cientistas podem fazer é aconselhar os políticos quanto ao modo de fazerem uso racio nal eficaz e bom da ciência Como podemos notar os cientistas que se julgam irres ponsáveis pelo uso da ciência escondemse por detrás da seguinte idéia se as pesquisas que empreendem não fossem eticamente neutras e livres de toda e qualquer referência aos sistemas valorativos elas perderiam seu caráter de saber obje tivo e se tomariam simples conhecimentos de ordem ideoló gica Ademais muitos cientistas proclamam que não podem ter má consciência pelas desgraças engendradas por seu sa ber A situação declaram é muito clara a Ciência enquanto tal é a procura metódica e desinteressada de um saber sem pre mais vasto e mais certo O físico ou o biólogo por exem pio não devem preocuparse com as utilizações que poderiam 104 ser feitas de seus trabalhos Essas utilizações não dependem deles mas do poder político das iniciativas da indústria etc Além do mais seria extremamente difícil uma previsão das passíveis aplicações Por outro lado uma mesma descoberta pode ser utilizada ao mesmo tempo para o bem e para o mal Em todo caso não é a Ciência a responsável pela lomba atômica pelos desfoliantes etc Ao construírem os instrumen tos cje morte os cientistas o fazem a título de cidadãos e não como representantes da Ciência à primeira vista essa argumentação parece irrefutável A ciência fornece um saber esse saber é elaborado tecnicamente de modo a fornecer instrumentos de ação e os fins a que ser vem tais meios não dizem respeito aos cientistasNo entanto pesquisadores menos otimista criticam esse modo de ver a ciência e denunciam seu caráter idealista Enquanto institui ção a ciência sofre a lei do meio Para subsistir tem ne cessidade de muito dinheiro Há secretarias ou ministérios que se ocupam dela e que traçam sua política Os cientis tas dependem de inúmeras escolhas e de numerosas decisões cujo controle lhes escapa Administrativa e financeiramente a pesquisa depende de múltiplos organismos oficiais Ela está mancomunada com a indústria Boa parte das pesquisas é esti mulada por razões que nada têm a ver com o saber puro Até mesmo as chamadas pesquisas fundamentais são orien tadas para fins extracientíficos Nenhum espírito realista pode admitir a pureza da ciência Socialmente a ciência pura não passa de ficção Por detrás da dicotomia ciência aplicações ocultase idéia de que a Ciência tem um esta tuto transcendente relativãinente à sociedade Ela seria intem poral estranha às vicissitudes sócioculturais Os pesquisadores elaborariam conhecimentos que não pertenceriam a nenhuma época a nenhum país Os cintistas devem ser honestos não podem trapacear com suas experiências e com seus resultados Todavia tratase de uma ética puramente interna consistindo apenas no respeito às normas em vigor Só conta a procura da Verdade Vista desse ângulo a ciência seria autônoma e neu tra ela se dá suas próprias normas não havendo deontologia impondo aos pesquisadores deveres para com a sociedade Es ta dá sua ajuda às pequisas mas é porque estima que a pro 105 cura da Verdade deve ser empreendida Isso não compromete o postulado da autonomia e da neutralidade dos cientistas Em virtude de um contrato implícito eles têm por missão aumen tar os conhecimentos E devem deixar de lado as questõe sociais relativas ao objeto de suas pesquisas O poder político e as demais forçàs sociais não interferem na Ciência Pura Como se explica a persistência ainda hoje dessas idéias Precisamos saber que elas são bem recentes Até o fim do século passado uma das funções mais específicas da ciência era justamente a de proporcionar uma avaliação crítica da so ciedade e da realidade O critério dessa avaliação estava ba seado em duas noções filosóficas a a primeira era a idéia de ordem natural e de direitos IUJiurais do homem b a segunda era a idéia de progresso prmitindo uma atitude crítica do es tado em que se encontravam a economia a política e o direi to justamente em nome da ordem e do progresso Ademais essas idéias se apresentavam não só comocriticas mas tam bém como justificadoras Assim a economia capitalista era considerada como a ordem econômica que melhor podia cor responder à natureza humana sertdo capaz de favorecer o mais rápido progresso A partir do momento porém em que começaram a sur gir resistências a esas idéias os cientistas sobretudo sociais passaram a empreender um esforço gigantesco para eliminar das ciSncias todo e qualqueijuízo de valor para reduzir as pesquisas sociais a uma pura descrição e explicação dos fatos concretos Os conecitos problemáticos de ordem natural e de progresso não foram substituídos até hoje por outras categorias normativas o que pode ser ilustrado por exem plo pelo recente positivismo lógico ainda bem presente e atuante na formação filosófica dos cientistas atuais Com efeito os seguidores da corrente neoempirista consideram to dos os juizos de valor pura e simplesmente como expressões afetivas desprovidas de toda e qualquer significação cognitiva A filosofia viuse reduzida à filosofia da ciência ou mais precisamente ã lógica da ciência ou da linguagem científica perdendo seu papel de instrumento antecipador heurístico de critica e de orientação A ciência passou a ser a única for ma de saber dotado de sentido ela é interpretada como o es 106 tudo de certos fenômenos dados e empmcamente observá eis possibilitando o estabelecimento de certas regularidades entre os fenômenos e a extrapolação dessa possibilidade a ou tros tantos fenômenos Toda avaliação concernente às neces sidades aos sentimentos às normas morais é tachada de fundamentalmente irracional desprovida de sentido e devendo ser rejeitada Assim a neutralidade ética da ciência passa a ser consi derada como fator de progresso Max Weber afirmava que ao limitarse a liberdade da pesquisa e do ensino ci entífico ainda pode ser salvo o princípio da neutralidade ética E esse princípio salvaguarda a homa e a dignidade do cientista per mitindolhe tomar certa distância relativamente aos objetivos imorais dos meios dirigentes Nesse sentido e em semelhante sttuação a ciência uma vez livre de todo sistema valorativo pode assumir um papel desmistificador e tomarse favorável ao progresso No entanto nas sociedades atuais parece que o principal perigo social não provém tanto dos regimes auto ritários ou tirânicos como temia Max Weber quanto de um vazio espiritual crescente e generalizado Diante das procta mações do século XIX de que Deus morreu Nietzsche e de que a verdade morreu Hilbert e da última profecia do século XX a de que o homem está em vias de desapa recimento que é mero produto do acaso não é nessário por ser lm simples acidente no mundo perguntase como preencher esse vazio Parece que o preenchimento desse vazio está sendo ten tado por uma fé no poder e no êxito da ciência realizada tec nologia numa ideologia do consumo numa obsessão quase patológica pela eficácia dos meios etc tudo isso estreitamen te ligado a um profunda falta de interesse pelo problema da racionalidade e da humanidade dos objetivos De tanto racio nalizar os o homem atual tornase irracional quanto a seus finr Até parece que está construindo uma sociedade on de ele será livre para fazer tudo mas onde não terá naa pa ra fazer então ele será livre para pensar mas nlo terá mais nada para pensar O que se pode notar é que ntsa situaçio histórica ou nesse clima espirituaJ nio vemos como o prin cípio da neutralidade ltica nio possa desempenhar um papel 107 profundament mistificador de suporte ideológico desse tipo de sociedade Por sua indiferença relativamente à construção de um projeto coletivo para os homens e por seu ceticismo em face das transformações verdadeiramente humanas da so ciedade a ciência neutra c9ntribui poderosamente para au mentar e reforçar não apenas a alienação dos homens em ge ral dos cientistas em especial mas a eficácia alienante dos processos naturais e históricos no quadro das estruturas só cioculturais existentes Ora uma sociedade que diviniza e privilegia esse tipo de ciência está privandose de um grande potencial de consciência crítica Donde a necessidade de rede finir os fundamentos epistentol6gícos da ciência Porque na prática ela está penetrada pelas normas pelos valores e pelas ideologias de seu meio sóciocultural E descobrir a importân cia desses fatores t sumamente importante para que os cien tistas e sintam também responsáveis por aquilo que fazem 2 Várias tentativas vêm sendo realizadas a fim de estabe lecer um novo fundamento epistemológico para a categoria ciência Todas elas passam a reconhecer de um lado a di mensão social da prátka científica e do oütrã a necessidade de os cientistas tomarem consciência dessa dimensão O que se postula portanto é o desenvolvimento do que já se chama de epistemologia crítica cujo objetivo fundamental seria uma atite reflexiva sobre os projetos de pesquisas científicas ten do em vista a descoberta a análise e a crítica das diferentes conseqüências funestas ao homem e à natureza geradas pela tecnologia em curso Na ciência atuam duas forças uma ex terna correspondendo aos objetivos da sociedade outra inter na correspondendo ao desenvolvimento natural da ciência Se não houver um equilíbrio entre essas forças o sistema corre o risco de desmoronar Por isso as ameaças que pesam sobre a ciência tanto as de dentro quanto as de fora são enormes porque ela está integrada ao processo social e poHtico Por isso os problemas os métodos e os objetos de pesquisa da ciência quando epistemologicamente criticados são susceptí 108 eis de fornecer um fundamento prático para uma nova con cepção do homem em suas relações consigo mesmo e com a natureza Outra tentativa de redefinição do fundamento epistemo lógico da ciência pretendendo escapar às tradições reducionis 1as e analíticas do método científico a fim de substituílas por um enfoque coerente e global tentando tomar consciência da omplexidade da sociedade humana e do meio ambiente na tural vai buscar sua inspiração na ciência concreta de que fala LéviStrauss Essa ciência seria reconhecida nas socie dades tribais primitivas Haveria dois modos distintos de pen aroento científico representando dois níveis estratégicos nos quais a natureza é acessível à pesquisa científica o primeiro adaptado à percepção e à imaginação o segundo afastado delas o primeiro conesponde ao que LéviStrauss chama de a ciência do concreto por oposição ao segundo que é o modo abstrato da pesquisa científica e que deu prosseguimento ao primeiro O erro dessas tentativas de resolver os problemas da ciên cia graças a uma nova definição de seus termos de referência reside neste fato elas supõem que seja possível identificar e separar a ciência como categoria autônoma relativamente ao enquadramento sóciocultural e que os problemas sejam sim plesmente devidos à nlJtUreza dos vínculos entre ciência e so ciedade e à forma de ciência que tais vínculos determinam Essas idéias são utópicas pois sua efetivação supõe um sis tema de relações econômicas e sociais inteiramente diferentes entre os indivíduos e as instituições No entanto podem de sempenhar importante papel Ao mostrar a natureza relativa da ciência tal como é praticada nos países capitalistas e so cialistas revelam o conteúdo ideológico daquilo que normal mente é considerado como uma atividade neutra O próprio conceito de pesquisa cientffica isento de toda contaminação valorativa já é enganador Qual a ciência que em suas pesquisas deixa de fazer apelo a certos valores e a certas normas éticas Fazem apelo pelo menos à norma ética segundo a qual todo conhecimento de ser objetivo Nas ciên cias humanas o uso de valores e de normas é bem mais acen tuado Não se trata de saber a que sistema de valores eles per 109 tencem Alguns valores cognitivos são inerentes ao próprio método científico o conhecimento científico deve ser claro preciso objetivo racional capaz de explicar de fornecer cO nhecimentos exatos de verificar e de aplicar as teorias etc Eviderrtemente nem todos esses valores são compatíveis e sua ordem de prioridade pode mudar segundo a ótica epistemotó gica adotada Assim escolher entre o método analítico o fe nomenológico ou o dialético preferir explicar ou compreen der tudo isso implica não somente a adoção de certa lingua gem de certo modo de pensamento com um conjunto de pos tulados epistemológicos mas também que se conceda a certos valores uma prioridade sobre os demais Pelo menos no caso das ciências humanas por mais neu tros que possam parecer os valores cognitivos os pressupos tos teóricos e metodológicos presentes em suas demarcbes de vemos reconhecer que elas são portadoras explícita ou impli citamente de valores nãocognitjvos Se tomarmos por exem plo o caso da sociologia funcionJJlista podemos constatar que seus pesquisadores aceitam tranqüilamente a sociedade como um sistema estável cujas partes são btm ifNgradas cada uma delas desempenhando uma funçao bem definida e contribuin do assim para a conservaÇoo do sistema O bom funciona mento da sociedade depende de um consemo quanto a seus valores fundamentais a ordem social 6 a condição sine qua non para que o sistema funcione de modo eficaz e possa s sirn desenvolverse e progredir Tudo o que por ventura vier a afastarse dessa ordem será considerado como disfunci nal e patol6gico Ora ao conferir um primado valorativo à estabilidá de à harmonia e à ordem da sociedade não vemos co mo o funcionalismo não termina por defendêla e justificáIa Em contrapartida ao propor uma transformação estrutural e radical da sociedade c ao postular uma atitude eminentemen te crítica de suas contradições fundamentais o objetivo da filosofia marxista o de destruir a pretensa legitimidade desse sistema de valores e o de mostrar que algumas de suas hip6tescs essenciais nlo têm caráter humano uniyersal mas constituem expressão das necessidades e dos interesses de cer tos grupos B a defesa incondicional desses interesses é incom 110 pativel com a objetividade e com a universalidade do saber científico Enquanto indivíduos os cientistas pertencem a uma cultura e a um país determinados No entanto precisam ul trapassar os horizontes espirituais regionais se querem com preender que a ciência deve serencarada como um produto humano universal O que não pode ser negado é que nos dois conceitos que constituem a base do método científico o de objetividade e o de racionalidade estão contidos certos valo res universais Os principais critérios ou valores exigidos pelo concei to de obietividade são os seguintes honestidade fundamental na aplicação das nonnas da pesquisa científica a eliminação dos interesses pessoais superação das aderências ideológicas descentração do ponto de vista do sujeito individual em di reção ao sujeito epistêmico espírito de cooperação desejo de conferir o primado à procura da verdade ausência de into ierãncia racionalista social religiosa suficiência da penetra ção e boa vontade individuais superação dos preconceitos ar raigados das opiniões e dos argumentos de autoridade etc Numa palavra a objetividade depende de certas condições so ciais Estas por sua vez dependem de outros valores abertura da sociedade para o resto do mundo tolerdncia cultural livre circulação das informações autonomia da ciência relativamen te ao poder político clima favorável às atitudes antiautoritá rias respeito profundo ao saber e à competência etc Por outro lado a õ6jetividade entendida como esse tipo de saber sobre o qual a comunidade dos cientistas se pôs de acordo será prejudicada todas as vezes que defrontarse com obstá culos à comunicação com as hostilidades ideológicas e filosó ficas relativamente às orientações metodológicas rivais com a tentativa de monopolização do saber etc Tanto o conceito de objetividade quanto o de racionali dade não escapam a uma intervenção de valores ou normas éticas No fundo a racionalidade consiste na escolha dos meios mais aptos para atingir determinado fim Freqüentemente os fins são admitidos tacitamente ou se preferinnos meio irracio nalmente E é essa admissão nãocrítica dos fins nãoraciona lizada que cria a ilusão de uma racionalidade instrumental e tecnológicã que seria isenta de toda e qualquer referência a um 111 sistema valorativo e conseqüentemente neutra Na verdade porém é inteiramente discutível que a maioria dos produt01 concebidos e efetivados graças às técnicas de produção alta mente racionalizadas traga uma contnõuição eficaz para a satis fação das verdadeiras necessidtldes humanos A análise crítica dos valores contidos no conceito de racionalidade levanos de um modo ou de outro ao exame da questão dos fins a que se propõem as pesquisas científicas Só mesmo quem não quer ver ou quem for portador de certa miopia intelectual ainda se julga no direito de ignorar a má orientação de muitos resul tados da ciência e da técnica de não perceber que boa parte das necessidades essenciais do homem foi praticamente rele gada que uma boa dose de material de conhecimentos e de energia humana estão sendo desperdiçados para a satisfação de necessidades Sundárias ou artificiais do homem e da s ciedade Dond mais uma vez a necessidade de os cientistas tomarem consCiência de sua responsabilidade social e de orien tarem ou reorientarem a ciência para o novo tipo de humanis mo Talvez seja uma ilusão perigosa acreditar que a ciência possua por si mesma o poder de resolver nossas dificuldades a não ser que ela conseguisse o que seria contraditório fun dar essa ética objetiva do conhecimento de que falamos aci ma o que está fora de suas cogitações e de seu alcance Como já dissmos uma coisa parece certa o que todo mundo hoje entende pelo termo ciência é a cilncia reali zada correspondendo ao mesmo tempo aos procedimentos trans formadores oriundos da ciência técnica e aos seus resultados tecnológicos inscritos em nosso meio No sentido estrito é essa ciência que informa o mundo e que fonna as mentalidades Ela é cúmplice do processo de industrialização seja porque organiza ou racionaliza seu funcionamento seja porque esta belece sua soberania e assegura sua eficácia Do sistema indus trial a ciência recebeu uma dupla influência a em primeiro lugar recebeu a materialidade de um poder isto é a garantia de um poder fazer b em seguida viuse obrigada a ampliar suas próprias dimensões a aperfeiçoar o poder de seus instrU mentos a alargar o campo de suas investigações do microcos mo química do ser vivo ao macrocosmo exploração do 112 espaço Assim com a industrialização a prallca científica como que mudou de natureza Ela é hoje praticada em grandes laboratórios onde inúmeros pesquisadores e técnicos servem a uma complexa aparelhagem de medida e de registro automa tizado O sábio de outrora é substituído pelo cientista A pes quisa solitária e inspirada foi substituída pela pesquisa progra mada coletiva onde o poder de decisão escapa ao indivíduo e passa para as mãos de instâncias burocráticas devidamente in formadas por comissões especiais Da universidade passou a pesquisa para o controle do poder público ou de outras insti IUições A era da ciência acadêmica autônoma e livre está che gando a seu fim pois está cada vez mais subordinada às polí ticas nacionais da ciência No dizer de Derek de Solla Price Little science and big science a little science do passado de apareccu esmmos ª era da big science cujos parâmetros número de pesquisadores volume dos réditos massa dos resultados publicados aumentam numa velocidade exponen cial Estamos dianté de uma vertigem do quantitativo em que ficam dissimuladas as questões essenciais quem paga por quê como A pesquisa científica ingressou na espiral do cres cimento Por vezes se prostitui para angariar fundos Para subsistir aceita os mais diversos contratos Seu melhor cliente nos países industrializados são as torças armadas sempre à busca de ãperfeiçoamentos tecnológicos Outrora promessa de felicidade a ciência tornouse ãmeaça de morte Cadã vez mais há uma simbiose entre ciência indústria e estratégia in vadindo todos os espaços econômico cultural psicológico etc A corrida armamentista é resultado da corrida científico tecnológica Na sucessão das guerras frias e quentes a ciência desempenhou papel preponderante a porque as sociedades industrializadas se organizam em vista da produção cientifici zada de um consumo acelerado de bens donde a necessida de de se assegurar uma fonte regular de inovações etc b porque grande parte desse potencial é diretamente colocado a serviço dos militares e determina as estimativas das forças em presença c porque mesmo nas sociedades civis a ciên cía não pode furtarse ao peso das relações internacionais 113 Diante dessa situação os cientistas podem tomar três ati tudes diferentes a tornamse os apologistas da ideologia ofi cial de determinada sociedade b tentam fazer suas pesquisas fundandose unicamente sobre normas cognitivas deixando dt lado todo princípio ético toda aspiração econômica política cultural c empreendem um estudo crítico a partir de um pon to de vista humanisra Quanto à primeira atitude devemos di zer que quaisquer que sejam suas motivações os cientistas que optam por subordinar seu trabalho às exigências ideol6gi cas violam as normas do mérito científico pois este se refere à verdade e por conseguinte a um valor objetivo universal Quanto àqueles que se escudam na neutralidade ética e ideo lógica ou se refugiam na segurança protetora da ciência pu ra rêm nessa consciência tranqüila um álibi para seu des compromisso social pois pretendem isentarse por completo de qualquer responsabilidade quanto à utilização de seus co nhecimentos No entanto os cientistas não podem fechar mais os olhos diante dessa responsabilidade Não podem mais guardar sua inocência Já se foi o tempo em que o trabalho científico se fazia num ambiente feliz e alegre A correspondência de Einstein ainda faz menção a esses tempos felizes Corres pordance 19161955 1972 entre Einstein e Bom No iní cio da últim granõe guerra Oppenheimer declarava Quan do virem algo que seja tecnicamente delicioso technically sweet sigam m frente e realizemno e não se perguntem sobre aquilo que deve ser feito senão depois de terem obtido seu êxito técnico cf J J Salomon Science et poli tique Portanto estamos diante de uma tranqüila irresponsabilidade conferindo à ciência um caráter lúdico No dizer do pai da cibernética Norbert Wiener essa irresponsabilidade degrada o cientista pois o converte num indivíduo amoral dentro de uma fábrica de ciência cf J J Salomon op cit Depois da catástrofe de Hiroscbjma muitos cientistas co meçaram a reagir contra as desumanidades cometidas pelo em prego em massa dos conhecimentos científicos o inicio da formação de uma consciência crítica que hoje em dia tende a transcender as nações as raças as classes ou as religiões para colocarse de um ponto de vista humanista Uma das ma 114 oifestações mais conhecidas desse universalismo intelectual a de B Russel e A Einstein The atomic age N York e Londres 1963 Não nos exprimimos enquanto membros Jcste ou daquele país deste continente ou desta crença mas enquanto seres humanos membros da espécie humana cuja sobrevivência encontrase ameaçada A maioria de nós guarda c ntimentos neutros Todavia enquanto seres humanos deve mos lembrarnos de que se os litígios que opõem o Leste ao Oeste devem ser resolvidos de modo satisfatório por quem quer que seja comunista ou anticomunista asiático europeu ou americano branco ou negro não devem absolutamente ser resolvidos pela guerra O apelo que lançamos é o de seres humanos a outros seres humanos Lembremse de sua humanidade e esqueçam o resto Essas considerações já indicam que se processou um des locamento da imagem de marca do cientista Parece con testável a afirmação do historiador e sociólogo da ciência Solla Price segundo a qual com tudo o que se joga sobre seus ombros o cientista detém agora as cordas da bolsa de todo o Estado Talvez fosse mais correto dizer o contrário Indis pensável e misteriosa a ciência invade a Terra Toda socieda de conta com seu peso e sua influência na ordem do conhe cimento Ela é uma das instituições sociais mais influentes Enquanto tal parece sustentada por um mito A amplitude de seüs sucessos o esoterismo de seu saber o fechamento de Slia linguagem as leis severas de seu recrutamento tudo isso pa rece contribuir para que o pequeno mundo dos cientistas se converta numa espéde de sacro colégio Eles constituem uma hierarquia de classes sacerdotais o mais influente dentre eles desempenhando a função de Sumo Sacerdote B Russel já se queixava pelo fato de ser consultado como uma espécie de oráculo sobre os assuntos mais estapafúrdios Também Eins tein protestava por se ver envolvido numa imagem m1tológica como se fosse o depositário de todos os segredos esse lugar sagrado ou tabernáculo de onde deveria jorrar as águas do saber perdido Mais recentemente Jacques Monod recla ma em nome da ciência o direito de poder dizer aquilo que é bom e que é mau pretendendo confiar à ciência a tarefa de fundar uma rtova ica a ética do saber objetivo 115 Assim na ordem do saber do dizer e do fazer o que se nota é um afastamento dos cientistas de sua contextuação sÓ ciocultural O saber especializado desperta a admiração teme rosa por parte daqueles que o ignoram Há todo um respeito admirativo em relação à linguagem dentífica dotada de uma universalidade de direito habilmente restringida aos iniciados Seu esoterismo protege o segredo sobretudo pela matematiza ção e pela formalização O poder de dominar a matéria e de fazer coisas da ciência acarreta nos nãoiniciados uma ati tude de submissão I por isso que ela exerce sobre muitos um poder quase mágico um poder dogmático E é por isso igualmente que muitos vêem nos cientistas os detentores do magistério da realidade só eles estão habilitados a dizer 0 sentido a propor a verdade para todos como se fossem tau maturgos ou verdadeiros alquimistas O que se pede a elesL através das vulgarizações é muito menos um complemento de informações do que a forma presente das questões últimas pois as antigas respostas teológicas foram desprestigiadas Os cientistas são vistos como se fossem os proprietários exclusivos do saber devendo fechar todas as cicatrizes do oãosaber e fornecer os bálsamos para as angústias individuais e sociais Essa imagem mítica do cientista ignora que ele faz parte e depende de uma estrutura bem real domundo que o cerca O mundo científico nãda tem de ideal não é uma terra de inocência livre de todo conflito e submetida apenas à li da verdade universal isto é de uma verdade testável e verificável em toda parte através do respeito aos procedimentos de rigor e aos protocolos da experimentção Como se o cientista pu desse ser o detentor de uma verdade una que uma vez for mulada em sua coerência estaria isenta da discussão e como se ele pudesse guardar para sempre a imagem de um indiví duo sempre íntegro e rigoroso jamais sujeito à incoerência das paixões A sociologia da ciência contribuiu enormemente para a fragmentação dessa imagem ideal Uma das conse qüências mais evidentes da crítica d sociologia da ciência con siste em denunciar uma dupla ilusão a de um lado a ilu são da neutralidade objetiva que eximiria os cientistas em no me de seu projeto de objetividade racional de tomar parte nos conflitos e nas incertezas do mundo sóciocultural b do 116 outro a ilusão do magistério ético que lhes atribuiria a função de dizerem aquilo que é bom pois somente eles sabem aqui lo que é verdadeiro é o caso da política cientificizada novo nome para o velho positivismo como se detivessem um carisma político para governar a sociedade Ao tornarse o lugar de um saber fazer e por conseguinte de um poder a que ninguém parece escapar talvez a ciência ainda não se tenha dado conta de que aquilo que se sabe não é aquilo que se vê mas aquilo que se pensa A ciência não se esgota no saber nem tampouco no poder porque se define essencialmente por ser um discurso de ver tfade Apesar disso o saber e o poder caracterizam na prática a tarefa principal da ciência no mundo de hoje pro dução de objetes de saber de controle e de uso que se cons tituem em sistemas coerentes ocupando praticamente todos os nossos espaços tanto os de movimento quanto os de pensa mento Ademais o peso e a influência da ciência sobre o mun do da vida tornamse tão mais fortes quanto mais vinculados estão ao sistema de produção racional dos objetos e ao ideal u ni vrsal da Razão A partir do século XVII o paradigma foi a física a primeira das ciências empíricas a se matemati zar Em seguida todas as disciplinas se puseram a imitar es se modelo condição para se tomarem acreditadas injetamse noções matemáticas num conjunto de dados constróise um pseudomodelo e temse assim üma ciência humana matemati zada e formalizada preenchendo as condições de credibilida de exigidas pela imagem exemplar da física Introduzse desse modo nas ciências humanas o mito da cientificidade Toda disciplina pretende passar do lado vencedor O que se pergun ta é se em tudo isso não há boa parte de charlatanismo pois se aceita sem discussão uma cientificidade que permanece no nível da embalagem descaracterizando aquilo que há de humano nas ciências humanas Historicamente isso 6 com preensível pois as epistemologias insjstiam em tratar a ciên cia e a tecnologia como atividades ideologicamente neutras progredindo graças à sua própria lógica interna o valor ideo lógico da ciência e da tecnologia viria do uso que se fizesse delas 117 O que a epistemologia atual mostra pelo menos a cpis temologia crítica é que as ciências atuais não são do pooto de vista social neutras Desde Bacon no século XVII a ciên cia se constituiu como poder intimamente ligada à eficácia ao projeto de domínio e de manipulação das coisas abr possibilidades e fornece meios de ação Hoje aquilotfue é téc nica e cientificamente realizável apresentase como devendo ser feito A ciência está vinculada ao ativismo ocidental do minar produzir fazer cada vez mais e mais depressa Por ou tro lado não se pode negar o culto à produtividade às taxas de crescimento econômico e ao saber dos experts Como não haveria uma solidariedade entre ciência e sociedade de con sumo entre ciência e tecnologia A opinião pública é muito sensível aos problemas de poluição física e sonora Mas ainda não despertou para as poluições cultural ideológica social ou tecnocrática ratvez por estar ainda deslumbrada de viver num murrdo domindo pela idéia de máquina ª serviço de uma funçao e não de um projeto humano 4 Objetivamente portanto a ideologia acadêmica da neu tralidade científica desaparece cada vez mais pois não se po de mais sepaJar a funções oficialmente proclamadas da ciên cia de suas práticas efetivas Não é por amor aos belos olhos da ciência que as instituições fnanciam as pesquisas aparen temente inúteis O difícil é saber quem engana e quem é enganado Não deixa de ser curioso o surgimento de perso nagens policéfalos desempenhando vários papéis ao mesmo tempo professor pesquisador administrador membro de co missão governamental conselheiro político acessar privado homem de negócios vendendo uma patente etc Ora se os cientistas fossem indivíduos supraculturais como se explica que de fato estejam quase sempre ditando normas à SO ciedade que os envolve E como se explia seu caráter cada vez mais intervencionista na orientação e no planejamento sociais Temos assim o seguinte paradoxo a ciência influen cia a moral de modo não moral Até poderfamos dizer que o 118 cientista personifica uma fase do processo psicohistóríco da cultura em que se toma impossível definir princípios éticos universalmente válidos O que não deixa de ser compreensível de vez que vivemos numa civilização bastante plástica quer dizer em objetivos claros E é nessa civilização que os cien tistas precisam tomar consciência do papel desempenhado por eles ou que lhes fazem desempenhar num contexto social político nacional e internacionaL Muitos não acreditam mais na imagem que defes se fazia na idade áurea Naquele tem po eles procuravam a verdade no plano teórico e no prá tico contribuíam para melhorar a sorte da humanidade Ho je tiveram que renderse a esta evidência é falso que o de senvolvimento das ciências e das técnicas acarrete necessaria mente conseqüências benéficas para a humanidade H á cem anos attás eles podiam fazer ciência com a boa consciência de um filatelista Há vinte e poucos anos atrás igualmente ainda podiam crer que os probtemas morais da ciência se limitavam a casos isolados Atualmente tornase extremamen te difícil negar que as pesquisas tanto das ciências naturais quanto das humanas esteja substancialmente integradas à sociedade elas participam direta ou indiretamente de um con junto sóciopolítico revestindo um sentido global que pode ser aceito ou recusado jamais negado Donde a necssigade de rever os princípios éticos que fundam a ciência atual O primeiro passo talvez seja a toma da de consciência de que a produção científica se faz numa sociedade bem determinada que determina ou condiciona seus objetivos seus agentes e seu modo de funcionamento Em seguida é preciso que os cientistas tomem consciência de que o humanismo não pode ser mais objeto de fé ou de espe rança tendo necessidade urgente da ciência para ultrapassar seu caráter utopista e arbitrário isto é para traduzir suas as pirações teóricas na prática Nesse sentido eles devem lutar para a eliminação dos aspectos desumanos da tecnologia pa ra libertar o saber científico de suas utilizações abusivas pa ra sanar o caráter patológico das pesquisas as que são reali zadas para fins desumanos para deixarem de ser cúmplices da preparação científica de crimes contra a humanidade pa ra resistirem ou desobedecerem às formas de abuso quanto 119 ao emprego do saber científico para fins nãohumanos etc Ademais compete êÍnda aos cientistas definirem ou redefini rem os critérios valores de base segundo os quais a ciência e a tecnologia devem ser concebidas e desenvolvidas tendo em vista a supressão da alienação ou da desumanízação o tér mino da degradação do meio ambiente o fim do esgotamento dos recursos naturais etc E como tudo isso está direta ou indiretamente ligado à natureza da tecnologia avançada talvez fosse o caso de os cientistas continuarem a desenvolver o que já se chama de tecnologias alternativas cujo objetivo essen cial consiste em tentar descobrir em que medida se torna pos sível selecionar os savoirfaire e as técnicas que poderiam for necer a base de um estilo de vida capaz de evitar os nume rosos problemas ligados a nosso atual modo de vida Não se trata de recriar a visão romântica do passado Tratase de re conhecer que ao aceitar a ideologia da industrialização e ao permitirlhe que IIomine todas as dimensões da atividade cultu ral e da sensibilidade humana perdemos o contato com o ver dàdeiro sentido da identidade humana No campo da ciência propriamente dita já podemos no tar a repercussão de uma reflexão de tipo crítico e étiéo no caso da ecologia Essa ciência se apresenta hoje com uma significação sóciohistórica bem particular Diferentemente das demais ciências ela não é analítica mas sintética quer dizer no interior das demais ciências ela instaüra certa visão global certa preocupação de equilíbrio estando estreitamente ligada a uma filosofia social e conseqüentemente a uma ética Em bora não seja uma ciência no sentido estrito devidõ a seu es tatuto de concepção filosófica a ecologia já nos permite rein troduzir certos postulados éticos nessa discussão que se arras ta há tempos sobre as relações da ciência com a sociedade Evidentemente se os cientistas se interessam por suas relações com a sociedade terminarão por tomar consciência de sua responsabilidade social e conseqüentemente da dimensão ética de suas pesquisas Por si mesmas a ciência e a tecnologia não sairão do impasse e da crise presentes Mesmo que a solução real não possa prescindir de uma ciência e de uma tecnologia só se tornará realmente humana quando estiver fundada sobre 120 uma ética da responsabilidade social dos cientistas e não mai5 sobre a ética de sua neutralidade Um dos objetivos dessa ética seria o de proporcionar o surgimento de uma civilização científica em que o homem pudesse realmente sentirse como que em sua casa vivendo de um modo mais feliz ou menos infeliz Evjdentemente se melhante projeto ainda não passa de um sonho Mas é so nhando que o homem realiza grandes coisas Todavia a ex pressão civilização científica pode prestarse a equívocos na medida em que pode sugerir que a ciência deva ser considera da como o valor supremo do homem ou como o ola e o ômega da nova civilização Isso seria uma posição cientificista injustificável Construir uma civilização científica não significa necessariamente converter a ciência numa divindade à qual deveríamos subordinarnos e prestar um culto ideolátrico Po demos muito bem conceber um mundo onde o homem deve viver com a ciência mas sem deixarse alienar por ela Bas taria que ele soubesse e tivesse as condições de dominar o dinamismo incontrolado das forças científicotecnológicotecno cráticas 121 v 0 PROBLEMA DA CIÊNCIA DA CIÊNCIA A tradição positivista apesar de suas distinções internas apresentase hoje como uma tentativa de elaborar de uma forma ou de outra uma ciência da ciência ou Vt riante tecnocrãtica uma ciência da or ganização do trabalho científico E o caso dos especialistas anglosaxões J Bernal e Sol la Price Também o projeto do neopositi visnio lógico é o de tentar baseandose nos conceitos da lógica matemática formar as ca tegorias de uma filosofia cientffica a filo sofia de nosSo tempo a filosofia da era da ciência que seria ao mesmo tempo ciência da ciência e crítica científica da filosofia D LECOURT Originariamente o problema da ciência da ciência está estreitamente ligado à pretensão de alguns epistemólogos de conferirem um estatuto de cienJificidade à sua disciplina 0 problema pode ser colocado da sêguinte maneira não seria conveniente distinguirmos claramente duas epistemologias uma filosófica sem função cognitiva real a outra científica permi tindo analisar a gênese as estruturas e o funcionamento reais das ciências Os autores que defendem a cientificidade da epistemologia aceitam quer queiram quer não conscient ou inconscientemente a idéia segundo a qual deve ser instaurada uma çilnciã da ciência Porque no fundo essa epistemologia não seria outra coisa senão uma metaciência que se situaria num nível superior de conhecimento relativamente à ciência sobre a qual ela reflete mas impondose a si mesma as mes mas condições de rigor e de objetividade que ela reconhece em seu objeto a ciência Como se pode notar essa concepção já contém dois pres supostos filosóficos o primeiro está na afirmação da unida de do termo repetido a ciência o segundo está no círculo dessa repetição isto é na reflexividade do termo ciência sobre si mesmo ciência da ciência A ciência da ciência encontra sua justificação na concepção dualista que os neo empiristas fazem da filosofia e das cincias Para eles o pa pel da filosofia consiste em sistematizar os enunciados cientí ficos que dt outra forma permaneceriam na desordem e ao 125 mesmo tempo em extrair progressivamente as ligações qUe unem as diversas ciências Não admitem porém que possa contituir um saber supracientifico Porque fora dos enuncia dos verdadeiros das ciências não pode haver outros que sejam válidos Por conseguinte se são necessárias pesquisas para a descoberta das relações entre as ciências é preciso que sejam realizadas no domínio científico Quanto à tarefa que se atri bui à filosofia de elucidar os fundamentos das ciências os neo empiristas acham que os cientistas estão em condições de asse gurála Dizem que pertence à lógica resolver os problemas do fundamento das ciências através da análise e da precisão de seus enunciados Podese chamar de filosofia essa teoria das ciências que consiste em aplicar a lógica às ciências parti culares Todavia essa teoria não acede a um nível superior porque não pode adquirir nenhum conhecimento mais pro fundo do que aquele obtido pelas ciêJlcias Portanto h pretnsãu de conferir um estatuto de pentifi cidade à epistemologia e consêqüentementre de convertêla numa ciência da ciência é defendida por aqueles autores que se filiam de uma forma ou de outra ao positivismo contemporâneo qJe continua a apresentar como uma ten tativa de elaboração de uma ciência da organização dn tra balho científuo Para uma primeira definiçãOdo que vem a ser à ciência dct ciência convém lembrar as palavras do cnador dessa expréssão Derek de Sol Priu As ijscipli nas que analisam a ciência foram engendradas em desordem mas revelam muitos sinltis de um começo de coerência em di reção a um todo maior do que a soma de suas partes ESsa nova disciplina pode ser chamada de história ftlosofia so ciologia psicologia economia ciência política e pesquisa o racional da ciência da tecnologia da medicina etc Preferi mos batizála corn o nome de ciência da ciência porque assim o termo repetido serve para lembrar constantemente que a ciência deve desenvolver toda a gama de seus sentidos nos dois contextos Em todo caso os neologismos cimtografia e cienlosofia são pouCÔ s6rios e cientologia já é a descrição de um culto que oada tem a ver em absoluto com as pre sentes considerações The Science Õf Science 1964 126 Atualmente cada vez mais o problema da ciência dl ciência passa a ser colocado a partir dos estudos sócioepi temológicos sobre o papel e a função da ciência nas socieda des desenvolvidas O que se constata é que as descobertas científicas se tórnam cada vez mais o ponto de partida de toda c qualquer modificação das idéias que dizem respeito tanto ao mundo que nos cerca e nos condiciona quanto ao lugar que nele ocupa o homem enquanto agente de sua transformação o desenvolvimento das forças produtivas e o aumento do po derio econômico obedecem em grande parte à evolução da ciência da técnica e aos ritmos de seu desenvolvimento cres cente Tanto o poder da ciência sobretudo da ciência realiza da tecnologia cuja utilização para fins desumanos e des trutivos constitui um perigo real de aniquilamento da civiliza çãd e mesmo da vida humana qÜanto o fato de o progresso vertiginoso das ténicas estar na dependência de uma organi zação das sociedades estão levando vários cientistas a reDe tirem sobre as funções sociais da ciência Mais ainda sobre a responsabilidade que deverão assumir perante a utilização pela sociedade de seus produtos intelectuais E entam respon der a perguntas tais como qual o lugar que a ciência e a técnica ocupam ou devem ocupar na vida de nossas socieda des Quais as influências exercidas pelas condições econômi Cas e sociais sobre os ritmos e a tendência desenvolvimentista das ciências e das técnicas Diante do desafio de tais questões muitos cientistas se sentiram na obrigação de estudar as leis do desenvolvimen to da ciência Sentiramse como que impelidos à elaboração de um novo tipo de racionalidade científica não somente dos meios mas também dos próprios fim da ciência Donde a ten dência cada vez mais acentuada entre muitos de quererem organizar planejar e administrar racionalmente a ciência Co meçam a perceber que os fins da ciência são extracientíficos Donde a importância e a urgência de elucidar não somente as possibilidades mas também os próprios métodos da ciência O que eles pretendem é encontrar critérios quantitativos de evolução do nível e dos ritmos do desenvolvimento técnico científico do potencial técnicocientífico dos Estados da efi cácia econômica dos investimentos neste ou naquele setor de 127 investigação para fins práticos Para tanto tentam estudar a correlações existentes entre o volume das pesquisas científicas e a parte que desemboca diretamente na prática Quando as necessidades objetivas da vida colocam problemas à sociedade é preciso que eles sejam resolvidos Mas não podem ser re solvidos sem as condições mínimas Para os defensores da ciência da ciência essas condições poderiam ser a a ex tensão e a diversidade das ciências permitindo o exame es tatístico b o enorme material fornecido pela história das ciências permitindo que se distinga os fenômenos essenciais do dêSenvolvimento das ciências e sua possível sistematização c a possibilidade de revelar e comparar os fatores que favo recem o desenvolvimento das ciências e os queo freiam d a possibilidade de efetuar experiências em matérias de orga nização planificação financiamento etc da ciência Como se pode obsrvar a expressão ciência da ciência ainda possuU contornos bem precisos ou definidos No mo menta ela surge como uma espécie de investigação extensa e ativa num determinado domínio de estudos em que se encon tram presentes e atuantes fatores de ordem filosófica socio lógica econômica histórica e psicológica do desenvolvimento das ciências e das técnicas Em outras palavras ela aparece como uma tentativa de estabelecer a síntese num único siste ma de conhecimento do funcionamento da ciência da lógiGa de seu desenvolvimento e do processt do conhecimento cien tífico Foi em 1964 com o The Science of Science de Solla Price publicado para comemorar o 25 aniversário da obra de I Bemal The Social function of Sciençe que se criou uma fundação dedicada ao estudo da ciência da ciência No es pírito de seus organizadores Solla Price J Berna o C P Snow essa fundação deveria ser um organismo internacional independente chamado a estimular as investigações que se apoiassem sobre o papel social da ciência sobre o princípio de sua organização e de sua planificação Esses autores não tiveram dificuldade alguma em identi ficar o papel da ciência da ciência com o da epistemologia Com efeito em seu entender o objeto próprio da epitemolo gia deve ser o estudo das estruturas gerais das ciências das modalidades e das formas de seu funcionamento bem como 128 das relações existentes entre as orientações de seu desenvol vimento e os demais fenômenos sociais Quanto ao objetivo Ja epistemologia deverá consistir na elaboração e na eluci dação dos fundamentos teóricos susceptíveis de permitirem urna organização uma planifiéação e uma reorientação das dncias Em outras palavraS o objetivo da epistemologia con siste na elaboração de um conjunto de medidas capazes de se anciarem sobre a lógica objetiva do desenvolvimento das ciên cias de assegurarem os melhores ritmos possíveis desse desen volimento e de garantirem cada vez mais a eficácia dos co nhecimentos científicos Portanto segundo a linha de pensamento desses autores podese dizer que assim como a cibernética estuda as leis gerais da direção e do controle independentemente dos siste mas em que elas atuam da mesma forma a epistemologia de c estudar as leis gerais de funcionamento e de esenvol vmento das ciências e das técnicas Donde ser possiYel con cluir que a a epistemologia deve refletir os diversos aspec tos da vida das ciências e das técnicas e conseqüentemente apoiarse sobre seus métodos de investigação b há uma es treita relação entre a epistemologia e a história das ciências A história das ciências constitui a base e o fundamento da epistemologia Não é por acaso que muitos cientistas todas as vezes que se defrontam com problemas de ordem epistemoló gica recorrem éorno que espontaneamente à história das ciên cias O que vão buscar nela é o material indispensável para a resoluÇão de problemas científicos atuais Entre os mais co nhecidos autores podemos citar G Bachelard G Canguilhem J Berna Th Kuhn Todos esses autores fizeram o oue se pode chamar de epistemologias hist6ricas Bacbelard iesume o pensamento de todos os dizer Para expressar todo o meu pensamento creio que a história das ciências não poderá ser uma história empíri ca Não poderá ser descrita no esmigalhamento dos fa tos pois é essencialmente em suas formas elevadas a história do progresso das ligações racionais do saber Na história das ciências além do elo de causa a efeito ins taurase um çlo de razão a conseqüência Portanto de 129 certa fmma ela é duplamente ligada Deve abrirse ca da vez mais às organizações racionais Quanto mais nos aproximamos de nosso século mais sentimos que os va ores racionais conduzem a ciência E se considerarmos as descobertas modernas veremos que no espaço de al guns lustros elas passam do estádio empírico ao estádio da organização racionaL E é assim que de modo acel rado a história recente reproduz o mesmo aceder à ra cionalidade que o processo de progresso que se desen volve lentamente na história mais antiga LActualité de lhistoire des sciences conferência no Palais de la Dé couverte 1951 E é estudando as ciências dos pontos de vista lógico so ciológico histórico psicológico etc que poderemos construir os fundamentos teóricos de uma organização racional das in vestigações científicas de planificação de orientação de fi nanciamento etc Daí podermos dizer que existe uma seme lhança de fundo entre a epistemologia e a sociologia das ciên cias As fontes da epistemologia residem na história das ciên cias e é essa história que descobre as leis segundo as quais se desenrola o processo dos conhecimentos científicos O que talvez possamos perguntar é se a ciência da ciência estã em condições de constituirse como disciplina autônoma com es tatuto 1científico próprio Evidentemente não se pode res ponder de modo tranqüilo a essa questão Sobretudo porque não podemos esquecer que a filosofia sempre tentou examinar os problemas que constituiriam o objeto da ciência da ciên cia Ela sempre se esforçou por descobrir e estabelecer as leis de desenvolvimento e de funcionamento do conhecimen to humano bem como as de sua forma superior a ciência Por outro lado é preciso que reconheçamos a importcia de dois fatos novos o primeiro diz respeito ao crescimento espantoso das ciências o segundo se refere à redução dos prazos que hoje separam a obtenção de um resultado de suas aplicações práticas Até o início do século XIX as leis do desenvolvi mento e do funcionamento das ciências constituíam temas ex clusivos da reflexão filosófica atualmente porém devido so bretudo ao rápido desenvolvimento das ciências são os pr 130 prios cientistas que cada vez mais se interessam pela análise Jcsses temas Evidentemente não é pretensão da ciência da iéncia querer imiscuirse nos domínios próprios da filosofia 1em tampouco querer substituirse à reflexão filosófica A fi losofia jamais poderá renunciar a essa atividade de reflexão sobre a evolução dos conhecimentos Aliás são as ciências e seus êxitos que fornecerãÕ à filosofia novos conteúdos de re flexão Com isso ela se enriquecerá cada vez mais ampliará seus conceitos e suas categorias generalizando os resultidos obtidos nos diversos campos particulares do saber científico Não obstante a tendência atual pelo menos a que está predominando vai na linha de enfatizar cada vez mais o ca ráter científico da epistemologia e por conseguinte da ciên cia da ciência Essa disciplina por vezes também chamada de metaciência inclinase a considerar seu objeto a ciência ao mesmo tempo como um sistema e como uma forma parti cular da atividade humana Tratae é claro de um sistema geral As ciências representam cada uma um sistema parti cutar fornecendo um novo conhecimento e possuindo um ca ráter lógico bem definido Cada disciplina científica representa uma forma definida da produção intelectual humana e pos sui formas definidas de organização que lhe permitem desem penhar as funções que lhe são próprias Em última análise o objeto da ciência da ciência seria constituído por todos es se aspectos do ser de cacJa Ciência por todos esses aspectos tomados em conjunto em interação porque eles forneceriam a melhor imagem não só do desenvolvimento mas de seu funcionamento Ademais forneceriam uma teoria geral das ciências ê nesse sentido que em contraposição à crescente espe cialização e compartimentalização das disciplinas científicas começa a despertar uma esperança de uma nova e possível integração e organização conceituais das diversas ciências Em outras palavras contra a multiplicação das especialidades e das linguagens particulares isto é contra o babelismo cientí fico parece estar surgindo não somente um novo conceito do mundo concebido como organismo ordenado mas também um novo conceito de ciência concebida como sistema Um sinal evidente dessa evolução está no surgimento de novas 131 disciplinas teoria geral dos sistemas cibernética informática teoria das decisões etc Tratase de disciplinas essencialmente interdisciplinares Seria da competência da ciência da ciência não somen te propor conceitos e modelos jnterdisciplinares mas também prever as descobertas científicas futuras os novos princípios e as mudanças inesperadas do desenvolvimento e do funciona mento das ciências E a condição para organizar o desenvol vimento e o funcionamento das ciências consiste na elabora ção de uma estratégia das pesquisas científicas Em outras pa lavras para se organizar em grande escala a planificação das ciências é imprescindível uma estratégia de ação E é por is so que hoje se empreendem cada vez mais tentativas de previ são a longo prazo do desenvolvjmento das ciências tendo em vista a descoberta de suas potencialidades e a avaliação de suas tendênciàSJtuais e futuras O que se pretende no fundo é a descoberta de uma espécie de plataforma cientificamente válida para o progresso e a planificação das ciências tendo em vista a ordenação e a otimização de seu desenvolvi mento Na prática a tarefa da ciência da ciência está sendo a de fornecer os embasamentos e fundamentos teóricos às vá rias disgplinas bem corno a de ser o ponto focal dos vários problemas para cuja solução são indispensáveis certas coor denações interdisciplinares Citemos alguns desses problemas que parecem exigir certa concertação sístêmica das ciências e que seria desempenhada pela ciência da ciência 132 a os impulsos internos e externos do desenvolvimento e do funcionamento das ciências b a tipología das relações entre as ciências e as demais formas de atividade intelectual e prática c a evolução das estruturas das ciências e a unidade das disciplinas d a formação de novas disciplinas e a modificação das relações entre ciência fundamental ou teórica e ciência aplicada f o problema da variação das relações entre o poten cial das ciências e sua utilização prática g os parâmetros e critérios do progresso científico h a evolução das possibilidades de previsão das ciências i a gênese e o desenvolvimento dos conceitos e teorias científicos j a evolução das formas organizadas das ciências co mo função da transformação de seu nívei e de seu alcance social k as características quantitativas do crescimento das ciênôas etc Assim parece claro que a característica fundamental da ciência da ciência consiste no entrelaçamento ou na inte ração dos diferentes modos àe enfocar o estudo da ciência lógico histórico econômico psicológico etc Enquanto dis ciplina autônoma parece não ter ainda um estatuto próprio Ela se situa na intersecção de preocupações e de disciplinas bastante variadas por seus objetos e por seus métodos No entanto apresenta dois aspetos dominantes a o aspecto analitico tendo por objetivo a descoberta e a análise de um sistema de leis capazes de regerem o desenvolvimento cien tífico e seu modo de funcionamento b o aspeCto nori1Ultivo tendo por objetivo elaborar uma sêrie de recomendações ob jetivas quer dizer baseadas emconclusões científicas para serem utilizadas no domínio da ação Ambos os aspectos for mam o sistema completo oa ciência da ciêitciatujas carac terísticas fundamentais podem ser resumidas nas seguintes 1 tem por objeto o estudo das interações entr os vá rios elementos que determinam o desenvolvimento das ciências enquanto estas constituem um sistema completo e uma forma particular da atividade huma na Em outras palavras o estudo das relações das ciências com os demais fenômenos sociais e com as instituições bem como a avaliação da medida ou do grau de dependência das ciências relativamente aos fenômenos e instituições sócioculturais 2 tem por objetivo o estudo dos fundamentos teóricos susceptíveis de fornecer os meios racionais para a or 133 ganização planificação e administração da atividad científica finalidade extracientífica das ciências e 3 engloba um amplo conJunto de problemas que para serem resolv1dos torna necessárias a utilização dos dados e dos método empregados pelas diversas dis ciplinas em condições de se interagirem história so ciologia economia psicologia teoria geral dos siste mas tratamento estatístico etc 4 exige que todas as disCiplinas enumeradas se articu lem deve haver uma combinação da análise históri ca das técnicas e da lógica com os problemas so ciológicos do desenvolvimento das ciências se não se levar em conta a história a sociologia a psicolo gia e a lógica do desenvolvimento das ciências tor narseá inteiramente vão o estudo de uma teoria da orgapização e da gestão das diversas ciências9lje tivo último da ciência da ciência Ora se a ciência não pode ser entendida como um pro cesso intelectual comparável ao de um computador mas co mo um ramo da vida S Toulmin tomase evidente que uma ciência da ciência só poderá ter direito à existência na medida em que for capaz de solicitar a colaboração de diver sas disciplinas Nodomínio das ci8ncias bumanãs qualquer disciplina pode ser tomada como fator polarizador para a in tegração das Jlemais porque todas se entrecruzarrr e podem interpretarse umas pelas outras Ademais suas fronteiras tor namse cada vez menos rígidas e assistimos ao surgimento de disciplinas intermediárias e mistas Todavia ressaltemos o papel da sociologia da ciência como um dos fatores importan tes para a descoberta de uma possível unidade das ciências humanas Assim a partir do momento em que as ciências ca da vez mais se afirmam e se impõem dentro de uma proble mática políticoidológica inegável o sociólogo da ciência vem mostrar que os cientistas não têm mais o direito de pretender a uma neutralidade ética estrita Não é novidade para nin guém que os cientistas humanos se vêem cada vez mais soli citados a fornecerem suas contribuições científicas e técnicas para o controle c o aperfeiçoamento dos sistemas de pes 134 quisa e dos mecanismos de ação sem poderem contestálos di retamente Ao fazerem isso podem simplesmente converterse em cientistas do conformismo a serviço do poder ou das instituições que os contratam e pagam ou então podem converterse para satisfazerem a certas expectativas a seu res peito em profetas da anticíênciaT correndo o risco de serem reduzidos a simples vedetes na moda consumidos pelas pla téias intelectuais que os reduzirão a curto prazo devido à sua ausência de rigor ao estado de inofensividade A história das ciências está repleta desses rigores abortados quer pelo servi lismo quer pela tentação do profetismo de certos cientistas E por isso que num domínio como o da ciência da ciência tornase ainda mais imperiosa a atitude de vigilância episte mológica de que fala Bachelard Essa atitude deve começar pela avaliação crítica das disciplinas que se interagem e do modo como elas entram em interação Lembremos aqui de modo extremamente sucinto como surgiu a sociologia da ciência Na realidade a sociologia nun ca se desinteressou pelo fato científico muito embora sua ten dência atual dependa muito mais do contexto histórico recen te do que de qualquer filiação intelectual mais ou menos re mota Depois da última guerra mundial graças sobretudo aos progressos espetaculares da física nuclear da biologia mole cular e da eletrônica bem cómo à proliferação de vários tipos de vulgarização científica pode ser constatada uma espécie de renascimento de uma onda de Sperança na ciência Após um período de latência novamente a ciência surge como este saber capaz de abrir novas perspectivas de prosperidade para as nações e de felicidade para o gênero humano Retomase assim a tradição positivista dos cientistas da segunda metade do século XIX O grande público volta a se intreessar pela ciência e por seus feitos e a recolocar em suas realizações esperanças de dias melhores para a humanidade Esse fato tor nase um fenômeno social tão importante que os próprios Es tados se põem a elaborar suas políticas ou filosofias de governo baseadas nas informações coerentes e objetivas das pesquisas científicas ê o início da instauração das políticas cientfficas de governo Cada nação passa a querer fundarre 135 cientificamente E todos os seus projetos passam a ser cien tificamente justificadoi Até então a sociologia só se havia interessado por uma análise do conhecimento científico tentando mostrar que éra tributário de um panodefundo filosófico ou ideológico eco nômico ou sociológico etc A sociologia do conhecimento vi sava entre outras coisas a estabelecer uma ruptura entre os saberes comuns e o sber científico interrogandose sobre as condições sócioculturais que tornam inevitável essa ruptura com o conhecimento espontâneo e com as ideologias Assim tentava elucidar no conhecimento científico seus pressupostos inconscientes e suas tradições teóricas a fim de ultrapassar as condições históricas e sociais nas quais se elaboravam as ciên cias Nas últimas décadas porém a sociologia começou a per ceber no próprio fenômeno científico um objeto muito intere sante de estudo Aim a preocupação de rentabilização das pesquisas levou a que se empreendessem sobretudo nos EUA estudos sobre a criatividade sobre a rentabilidade dos laboratórios sobre os perfis das carreiras científicas sobre as relações entre pesquisa e indústria sobre a utilidade das pes quisas fundamentais ou teóricas etc Foi assim que se cons tituiu uma sociologia funcionalista das ciências transpondo para o novo objeto ciência os métodos preestabelecidos las várias ciências naturais e raramete passando da regula ção da conformidade social a uma crítica epistemolóJica ou sociológica da própria sociedade ou do sistema social Mais tarde sobretudo na Europa a partir de uma refle xão sobre os movilnentos de contracultura americanos re fféxão mais aprofundada e mais crítica surgiu uma onda de antkiência Passouse a falar de urna crise da ciência To mouse consciência que a ciência constitui um problema reaL E ela começou a ser contestada porque parecia conduzir o mundo a impasses Nessa perspectiva é ilusório buscar na ciência os remédios pau seus males Também é ilusório crer que uma simples reorganização política poderá trazer a salva ção há algo de podre na civilização científica A ciência não se mostrou capaz de produzir a felicidade Contribuiu para a manutenção das desigualdades sociais e pa a explo ração do Terceiro Mundo Constitui uma ameaça para a pró 136 pría sobrevivência da humanidade Por outro lado fruto des 5a tomada de consciência assistimos a uma politização cres cente dos pesquisadores Politização ligada à degradação de suas condições de trabalho diminuição dos créditos e de sua 1nsegurança relativamente às possibilidades de emprego já se fala em proletarização dos pesquisadores Conseqüência a imagem do sábio começa a ser desfigurada Imagem veiculada pela imaginação popular embora alimentada pela representação que os cientistas faziam de si mesmos Evidentemente essas representações populares não pode ser ratificadas enquanto tais Uma das tarefas da socioloi a da dência é justamente a de romper com essas visões espontâneas que masçaram a realidade social com as representações sim plistas que dela se faz Em outras palavras a sociologia da ciência apresentase como um excelente meio de estudar a cri se atual da sociedade TaWcz sua maior missão consista em revelar que a ciência traiu a esperança que a humanidade nela depositou Não teria chegado a hora do ajustamento de contas Para tanto o papel da sociologia da ciência é fundamental Entre outras coisas competelhe mosuar que o surgimento de uma nova disciplina que a chamemos de metaciência ou sim plesmente de ciência da ciência não se justifica apenas pelo aparecimento de um novo problema São ajnda necessários um método miginal novas instituições e um corpo de pesqui sadores especificado por um papel ao mesmo tempo intelec tual e profissional O problema está no nível da ciência da ciência e não somente no de seu componente sociológico O setor ainda limitado que é o da sociologia da ciência passa atualmente por uma fase de institucionalização ao passo que mal acabam de se congregar algumas questões alguns postu lados e métodos provenientes de diferentes horizontes episte mológicos tudo isso associandose para constitur a carteira de identidade ou o paradigma da nova disciplina De que maneira a sociologia da ciência poderá contribuir para a elucidação do que vem a ser a ciência da ciência Antes de tudo mostrando que se deve eliminar a falsa imagem que ainda se tem da ciência para que seja desvendada sua verdadeira significação residindo muito mais no poder que o saber confere do que no saber enquanto saber Nesse sen 137 tido a sociIo8ia da ciência se distingue da sociologia do co nhecimento ela não dá tanta ênfase ao discurso científico nem tampouco às articulações entre esse discurso e a socieda de que o produz quanto aos grupos produtores e consumido res dos discursos científicos E basta um pouco de atenção para que se possa perceber que tais grupos não são regido por leis científicas Talvez se possa dizer que foi o medo dos elementos nãocientüicos presentes nos discursos científi cos que reduziu o raciocínio científico a uma espécie de lógi ca formal Nesse domínio entra em cena o sociólogo da ciência ao menos para revelar os componentes extracientíficos incrus tados nos discursos científicos Ele leva os pesquisadores a remontarem a um aquém da idealização de suas próprias práticas científicas Segundo 1 J Salornon é preciso que nos interroguemos sobre a irracionalidade da instituição que eJi carna com mlito brilho a irracionalidade ocidental SciefÜe et Politique 1970 Talvez tenha chegado o momento de se afirmar que a mística e o ideal científicos a neutralidade ob jetiva e o mito da cientifiddade a rigorosa honestidade inteléc tual dos pesquisadores e outros substratos ideológicos constitu tivos da imagem que em boa fé os cientistas apresentavam de si mesmos perderam muito de sua credibilidade e simultanea mente destruíram um dos suportes da unidade e da universali dade da ciência Evidentemente o papel da sociologia da ciência é limitado O que ela pode fazer é colaborar para a interação de vãrias teorias científicas obre a educação a cul tura a ideologia etc Qual a relação da sociologia da ci ncicom a epistemolQ gia Até bem pouco tempo a epistemologia estava presa à filosofia das ciências Hoje cada vez mais ela se apresenta como uma disciplinaencruzilhada orientada sobretudo para a his tória é a sociologia das ciências Todavia o recurso meio apres sado que se faz à epistemologia lógica ainda corre o risco de por vezes mascarar a realidade sociológica que se encontra por detrás de todo discurso cientifico Portanto para evitar as armadilhas das reduções à epistemologia a sociologia da ciên cia foi obrigada a afirmarse numa certa independência Exem plificando o problema das discipJinas científicas pode ser abor dado em função dos objetivos específicos e dos métodos de 138 cada setor de pesquisa mas a sociologia da cJencta prefere estudar o grupo através de seus componentes extracientíficos luta dos pesquisadores pela notoriedade querelas de priori dades problema de mobilidade de concorrência de resis tência à inovação peso institucional etc Essa perspectiva so ciológica permite urna melhor tomada de consciência da crise da ciência isto é da distorção entre o papel real da ciência e sua vocação específica Isso não quer dizer que nesse assunto a sociologia elimine a epistemologia as relações entre as es truturas sociais e a estrutura dos conhecimentos foram muitas vezes estudadas sempre havendo uma relação dialética entre as sociedades e as estruturas dos conhecimentos que elas se dão Ao publicar há urna década atrás A Estrutura das Re voluções Científicas Thomas Kuhn liberou a história das ciên cias da hnagem de um progresso linear de descobertas em descobertas obedecendo apenas às leis objetivas da lógica Todo o trabalho epistemológico de Gaston Bachelard segue a mesma perspectiva Ambos os autores fornecem à sociologia uma contribuição valiosa o estudo do enraizamento histórico real exige que se faça apelo não somente às condições lógicas do exercício das ciências mas também e sobretudo às leis das comunidades científicas fechadas ao peso das tradições às coÇões econômicas e aos coormi smos de escolas Donde a importância de se empreender uma tríplice tarefa a Jiistória do discurso científico em sua concatenação lógica é claro mas também com presença dos erros das fraudes e das repe tições b história dos panosdefundo filosófico ideológico e cultural das ciências c história dos enquadramentos sociais e de suas mutações permitindo o progresso científico A essa tríplice tarefa talvez fosse preciso acrescentar uma quarta a história da história das ciências A sociologia e a história das ciências não são as únicas disciplinas a nos permitirem urna compreensão histórica do lugar do cientista na sociedade Também a psicologia gené tica tal como praticada e aplicada por J Piaget aos problemas da formação e estruturação da inteligência premitenos com prender aquilo que no nível individual modela o saber cienti fico Com efeito eSa disciplina revela que os saberes novos 139 não se imprlmem sobre um domínio puramente receptivo mas devem combinarse com as estruturas internas já presentes no sujeito cognoscente Assim cada nova contribuição é interpre tada com o auxílio de instrumentos cognitivos de que o sujeito já dispõe Por outro lado todo ensino científico bem como tcda difusão de teorias novas deverão contar com esquemas preexistentes irredutíveis à simples lógica da ciência Assim a resistência interna do sujeito cognoscente à assimilação de uma nova idéia Piaget pode ser comparada à resistência do corpo científico ao surgimento de um novo paradigma Kuhn A diferença está no fato de Piaget insistir no caráter contínuo da adaptação ao passo que Kuhn enfatiza o caráter evolutivo por saltos vale dizer por descontinuidades ou por revolu ções Bachelard diria por rupturas epistemológicas Algumas concllsões I A primeira conclusão a que podemos chegar depois iessa rápida situação do problema da ciência da ciência o que nos levou a indicar algumas contribuições de certas discipli nas para a compreensão do lugar real da ciência na sociedade diz respeito a um ponto que mereceria ser aprofundado o dos limites da cientificidade não somente das ciências mas tam bém dessa nova disciplina de caráter epistemológico apresen tandose porém com todas as características de uma verdadei ra ciência a ciência da ciência Uma das características dessa disciplina consiste em ser fortemente redutora relativamente às diversas ideologias da ciência sobretudo graças à sua pre tensão de rigor objetivo de neutralidade ética de universali dade e de utilidade Ora uma das coisas que podemos observar é que o desaparecimento dos álibis ideológicos provocando crises e conflitos no interior dos grupos científicos outrora unificados por sua ideologia quase sempre remete a proble mas políticos não resolvidos O que se pode dizer é que até bem pouco atrás a atividade política dos cientistas Iimitavase à defesa de uma ideologia humanista da ciência Inclusive não foram poucos os cientistas a negarem em seus trabalhos a intromissão de toda ideologia ou fator político Em ses deba 140 tcs com W Reich por exemplo Freud declarava solenemente Eu sou um homem de ciência e nada tenho a ver com a politica Ora o rabalbo crítico a ciência deveria hoje inter ditar semelhante hpo de atitude sliDplesmente porque não pode ser considerado correto Ademais para além das atitudes de conformismo ou de profetismo podemos constatar que o desa fio político da ciência da ciência passa por uma critica siste mática e rigorosa das ideologias que já funcionam nesse do mínio com as ideologjas que nascem cada vez que a ciência ao invés de romper com elas vêm ocupar o seu lugar Sem dúvida isso é feito de modo inconsciente mas não menos eficaz Aliás quando a ciência se converte em ideologia ela passa a adotar uma verdadeira tirania pedagógica se não política 2 Em segundo lugar aos defensores de uma epistemo logia que seriauma demarche reflxiva sobre a ciência com pretensões a resultados controláveis e universalmente álidos lalvez fosse oportuno objetar conferir os caracteres de uma verdadeira ciência a uma disciplina cujo objeto de estudo é a própria ciência é fazer uso de uma noção não científica as ideológica O que seria por exemplo uma ciência das ciên cias humanas visando a descobrir suas estruturas e mecanis mos comuns senão uma disciplina que tenta apreender a essên cia comum dessas disciplinas Se não se trata de uma essência das ciências como se poderiafalar da ciência ou do conhe cimento científico para que seja instaurada depois uma teoria do conhecimento científico Portanto já se encontram presen tes na própria J ese de uma ciêncil da ciência certos pres supostos filosóficos que freqüentemente dissimulam e revelam ao mesmo tempo a concepção segundo a qual a ciência poderia por simples reflexão sobre si mesma desvendar as leis de sua constituição de seu desenvolvimento e de seu funciona mento Ora para que tal disciplina seja possível seria preciso que o discurso cientifico tivesse uma virtude de poder enun ciar por si mesmo os princípios de sua própria teoria Ademais seria preciso que ete fosse soberanamente autônomo capaz de determinar por si mesmo o espaço de seu próprio desvelamento ou desenvolvimento Ora a ciência se impõe como uma com ponente da realidade e da organização humana e social Ela 141 tem uma fínaJiiade extracientífica vale dizer não interna ao desenvolvimento da ciência 3 Em terceiro lugar falar de uma ciência da ciência significa admitir como pressuposto a existência de uma ciên cia una a cujo propósito se poderia formular teorias defini tivas Ora a ciência não existe O que existe é um conjunto de ciências no plural cada uma com suas características próprias mas não podendo constituir um todo coerente e susceP tível de um estatuto unitário Cada ciência fornece a explica ção de um aspecto do real Não há porém uma ciência do real integral E é por isso que também não se pode falar de uma filosofia da ciência I mais correto falar de filosofia dessa ciência Não se pode conferir a uma ciência o privilégio de inteligibilidade total A unidade da ciência não pass de um sonho Por isso conferir o privilégio de inteligibilidade a uma disciplina é uma opção que traduz uma tomada de posição prévia injustificável Donde a ilusãOdaqueles que conferem à ciência uma importância perinitindo que se faça a economia de uma filosofia porque seria sua própria filosofia sob as deno minações de metaciência de lógica da ciência ou de ciên cia da ciência 4 Em quarto lugar achamos muito arriscado para não dizer pretensioso falar de uma ciência da ciência Pela mes ma razão que acreditamos s er uma temeridade falar de uma filosofia da ciência Ora a filosofia da ciência é uma filosofia que imobiliza no tempo um dos momentos da ciên cia aparecendo como um espelho deformador daquilo que pre tende exprimir Ela introduz no exame do real as convicções próprias do pensador suas esperanças e seus pressentimentos O inconveniente de fundar a filosofia sobre a ciência de uma épa pode ser ilustrado com o caso de Kant Seu olhar estava adstrito à ciência de seu tempo a física de Newton que para Kant era A Ciência Essa ciência foi tomada como o conhecimento verdadeiro objetivo válido e por conseguinte como ponto de referência para julgar todos os demais conheci mentos Ora essa ciência foi ultrapassada pelas teorias einstei nianas A filosofia que se apoiava sobre ela também se viu ultrapassada 142 5 Enfim a pretensão de construir uma epistemologia científica uma reflexão crítica sobre a ciência mas repousando sobre um caráter científico outra coisa não faz senão ressus citar em termos científicos um velho projeto filosófico enun ciar os critérios não somente de toda cientificidade mas também da própria verdade O projeto de Hegel por exemplo visava a estabelecer as categorias da cientifícidade da ciência bem como 0 fundamento e a justificação do conceito de ciência Para ele A Ciência da Lógica é a ciência filosófica Em outras palavras ele pretendeu fundar uma ciência da ciência Da mesma forma Kant ao interogar como as ciências são possíveis procurou desvendar os critérios da cientificidade do conheci mento Para ele a filosofia das ciências se convertia na pró pria filosofia Esta pretendia ser a consciência da ciência e para ser válida devia justificarse aos olhos da exigência cientí fica Nessas condições postular uma epistemologia científica tendo os caracteres de urna ciência da ciência é retomar um projeto filosófico que a própria filosofia já abandonou Porque por mais científica que possa parecer uma epistemolo gia ela dissimula sempre um pressuposto filosófico e oculta pelo fato mesmo a justificação de sua utilidade pedagógica e social bem como da definição de seu estatuto científico Donde ser desprovida de sentido a pretensão de substituir a filosofia por uma epistemologia científica Essas duas disciplinas estão numa relação de um subconjunto a epistemologia ao con junto de qúe ele faz parte a filosofia O papel da filosofia consiste em abrir o espaço mental epistemológico criando um horizonte comum que se recusa a todo confinamento Podería mos dizer que ela é a epistemologia das demais epistemgogias isto é o lugar em que as epistemologias se neutralizam naquilo que apresentam de excessivo e em que elas se fecundam para que as ciências guardem o sentido da obediência ao humano 143 VI PAPEL DO EDUCADOR DA INTELIGÊNCIA Jostaria de render homenagem a um personagem meio ridículo o professor O lu gar que lhe é reservado na sociedade atual é um dos mais inferiores O status do profes sor é inferior ao do proprietário de armazém de artigos baratos está mais distanciado do status do médico em seu papel de bruxo moderno do status de uma cantora de segunda categoria de um manequim ou de um lutador de boxe A única excessão é para o professor que ajuda a fabricar a superbomba ou que descobre um procedimento eficaz para au mentar as vendas de um produto desodorante De pouco pode vangloriarse o pobre profes sor No entanto pode vingarse sigilosa mente São as idéias que movem as coisas Neste sentido os professores manipulam sem serem vistos os cordões dos fantoches da his tória forjam as opiniões os valores e desco brem as soluções L von BERTALANFFY Todas as vezes que algúém faz ou diz algo de novo num determinado campo do saber os entendidos no assunto come çam logo por dizer não pode ser verdad em seguida acham que é contrário às opiniões estabelecidas às tradições culturais implantadas ou às verdades adquiridas finalmente que todo mundo já sabia isso há muitQ tempo Vou portanto dizer algo que todo mundo já sabe Muito embora nãQ esteja con vencido de que no plano da educacão tódomlmdo leve a éteito na prátiCi uma pcdagpia da inteligência Ao Cntrário assustame constatar que as instituições educatilas Ae transfnr m quase Pür comWWJm tslabe1eçjmell10S apenas de ino As universidades parecem transformarse cada vez mais em escolas profissionais destinadas a produzir funciopáóos écnicos de tq s os níveis esquecendose de sua missãn de formár a nieligincia de promover inventar 011 rejnventar a culttÍra no seia de Wl mimdo que se desfaz tdaz Ora se a universidade pregsa Ct entendida lllQ um lllgar de comllllidadt e de comnnicacãa e não como um aglo erado de saberesjustapostos ende seus especialistas se ignoram solenemente formando uma espécie de círculo em que cada um dá as êostas tOdos os demais e conseqüentemente traindo a exigência que os congregou numa comunidade de saber qye se afinna na unidade das disciplinas e do processo ucativo se a universidade não consiste apenas num dpósito central da cultura tendo por funÇão distribuir seu estoque de 147 saber em pequenas rações aos educandos mas num lugar eQJ que o ensino e a pesquisa não podem ser dissociadas para a promoção do conhecimento se sua missão consiste em encãr nar a teoria quer dizer a força e o poder do conhecimento e da reflexão desvlnculados o mais possívél das adfaR91í ticas administrativas e ideológicas então o papel do educa dor não será mais o de um transmissor de conhecimen feitos mas o de alguém que seia capaz de manter desperto 1JQ educando o priQCÜio da cultura ODtiauada que jamais poderá ser confinada ao tempo escolar pois a universidadenãut Penitenciária central dacultllraa O educador não pode ser cúm plice desse tipo de obscurantismo pedagógico que consiste em adequar não somente o conteúdo mas também a forma de seu ensino às palavras de ordem do mercado de trabalho do ren dimento da produtividade da eficácia no domínio da ação da transformação das necessidades em conhecimentos Fazendo isso ele se tofla um verdadeiro saltimbanco de uma filosofia industrial que se acahinta com sonhos pueris Esse analfabetis mo transcendente constitui uma das formas mais nocivas do niilismo contemporâneo sem abertura de espírito e sem um sentido agudo da realidade humana Na medida em que a universidade se contenta em fabricar em série diplomados de todos os tipos não somente está traindo sua missão próprja comQ está prstando um enorme desserviço à sociedade pois está impedindose de elaborar uma teoria geral da cultura ca paz de integrar todos os saberes em vista do fazer dentro do éonjunto da envergadura do espírito e do sentido da totálidade humana Considero um dos ôefeitos fundamentais do educador em nossos dia o tato de ele não dnyjdar de si mesrno de nà questionar seu saber e de ancorarse única e exclusivamente na segnrana de sua especjatJdade protegido que estâ pelo hermetismo de sua linguagem e pelos exercícios rituais de suas técnicas pedagógicas Ao converterse em alquimista do verbo ou em perlli em táticas didáticas o educador escapa ao con troTe ao onfronto ficando ocultada sua fraqueza ou o gue é ainda pior não poendo ser velado que muitas vezes clç não sabe o que está fazendo nem tampouco por que ou papt quê Ora a cducadar não Lalném 11le detém ciumentamente 148 0 monopólio da verdade sobre determinado setor do conheci mento Muito enos ainda1 alguém que procura impor sua verdade ao Oltrqs pois não possui uma concepção da verdade como fórmula universal A verdade do conhecimento é uma procura e no uma posse O espírito de proprietário pedagó gico é 90 qtesmo tempo antieducativo e antihumano Creio que a terrível insipidez de muitos métodos e téc nicas de pedagogia bem como a ausência generalizada de inte resse por sua árida literatura especializada encontra sua expli cação no desconhecimento quase sistemático das relações educa doreducando centro de todo processo educativo Muitas vezes a pedagogia dos pedagogos procede a partir de uma doutrina orposta e portanto ignorada veiculada por sofisticadas téc nicaS de catequese intelectual A procura metódiça e sistemá tica de uma metodologia universal bem como a tentação de refÜgiarse na tecnicidãde dos meios de transmissão do saQer supervalorizando a educação dá atenção da memória da aprenciizagem PO reTorço ou condicíonamento1 é um dos sintomasdesse obscurantismo pedag2gko de qe falei muito útil e eficaz nos processos de adestramento e de docilizao nocivo porém no processo verdadeiramente educativo Iaàez uma das causas fundamentais do desastre da edueação escolar esteja na tendência crescente em transformar as salas de aulà em oficinas onde se trabalha tendo em vistao rendimento a operacionalidade do conhecimento e sua utilidade a curto prazo Essa atitüde pçxl revelar a voltade copscient ou incos ciente de dop1esticar a inteligência do educando de endicipli nála no sntido de enquadrála segundo as exigências do mitier ou atividade profissional a serem exercidos Sem dúvida alguma a civilização técnicocientífica atual supõe certa harmonia entre o homem e seu meio social To davia a eiJncago não tem por objetiyo desprezar a subjeti vidade do educando em proveito apenas das normas econô micas ou profissionais Pelo contrário Qúunção é a de fazer desabrochar e desenvolver tal subletividade para cuompreensãn para o esptrito crítico não no sentido de rejeitar mas no de exar e de passar ao crivo e para a Iibertacão Original mentê organizada em vista da educação e do ensino a univer sidade atual parece uma instituiecão devastaga e sem oivos 149 çlaos sem o domínioJie suunçãeLe de su papel no dQ mínio do sabe 1imitandose quase fwm de mãodeQbra especiali49a e a responder solicitamente às demandas do met caóo de trabalho O que a sociedade atual exig das universj dades Que elas formem indivíduos que se assemelhem o maiS perfeitamente possível aos modelos e exigências de nossa civ lização Em lugar do termo formar talvez fosse mais adequãdõ dizer conformar P interessa à sociedade é qle as universidades ensinem um conhecer que seja ao mesmo tempo um saberfªzer Ora o educador deveria estar atento para que a especiali zação exagerada e prematura reduzida aó saberlazer e fundélda nvma restrição meutal se abrisse ao trabalho de formação e de cultivo da inteligência do educando comportasse uma aber tura à pluralidade do saber ao sentido das correspmdências à imaginação e ao espírito de criatividade O espírito de anã Iise mdispensábel como exigência metodológica deveria ser completado e compensado peJa vontade de síntese pelo desejo de evidenciar as perspectivas de conjunto e as articulações do conhecimento Vejo no saber especializado quando fechado e divorciado de uma teoria da cultura uma das formas mais efi cazes de alienação mental e moral Pareceme uma função es sencial da universidade ser urn centro elabarador da auturaJ cntro que qualifica e competentiza os indivídliS certamente mas que seia capaz de situar as competênc dentro de ma conjunto cultural mais vasto Se admitimos que compreender sei a inventar ou re construir pQI jnyencãq Piaget creio qe não podemos acei tar sem mais qhe o educador se converta nesse personagem tendo por função adaptar o educando ao meiQ social em que ele vive O termo adaptação é mágicoefim faznos pen sar muito mais em máquina e em piologia do que em educação propriamente dita Porque a adaptação recebe suas normas e seus imperativos de uma situação dada e de uma realidade que preexiste a ele não leva em conta as diferenças as antinomias ou os conlitos do educando entre sua subjetividade e as estru turas sociais preexistentes Num domínio diferente no da chamada educação permanente devese dizer que esse tipo de aperfeiçoamento quando não bem entendido talvez con 150 sista na prática em favorecer uma adaptação constante às estruturas já existentes em reforçálas permitindolhes certa perenidade Assim entendida a adaptao é um ajustamento a umJmxkLCLeterior onde o educando encontrará as respostas já prontasl que lhe são ensinadas ou t ransmiidas com a pedagogia do inculcamento De preferência edãda numa éiência PSicopedagógica Ora a meu ver o papel do educador não pode consistir em fazer valer uma estratégia para modelar o educando a fun de convertêlo no homemmodelo erigido por uma sociedademodelo e dentro de uma culturamodelo onde tudo funcionaria às mil maravilhas e sem pane isto é sem reflexão e sem alegria Cada vez mais estou convencendome de que o paPel do educador não consiste tanto em ser um homem de ciência L um perito em sofisticadas técnicas de psicologiaexperimental um exímio malabarista em métodos pedagógicos quanto em ser alguém realmente capaz antes de tudol de realizar uma obra humana cujo valor ou nãovalor escapam à competência do saber anaític9 e experimental muito embora este Jhe possa prestar relevantes serviços Aliás nesta matéria seria tentado a dizer que a experiência ordinária e o bom senso bem mais próximos da pedagogia do ensinar a aprender a aprender podem exercer um papel educativo muito maior do que certos conhecimentos meramente teóricos calcados num metodismu que violenta como todo método o objelo sobre o qual ele se aplica O objetiyo da pedagogia pareceme não consist em tratar o educando como um caso panicular ou co Ufll exemplar de um conceito ger mas emJQrnecerlhe todas as possibilida4es de um sabrochamento pessoallllUDContexto determinado Tratase de um mpreendimento que só pode ser realizdo por um contato direto e não pela mediação anô nima e fria de análises e métodos experimentais no interior de um laboratório erimental da inteligência Sem dúvida to dos os métodos e técnicas empregados para extrair informações concernentes às experiências sobre a atenção a fadiga a memó ria a aprendizagem a inteligência são importantes e úteis ao educador Todavia o conjunto sistematizado ou orquestrado desses conhecimentos não basta para fazer dele um pedagogo 151 Por consegúinte o educador que se limita a transmitir um programa de ensino ou que procura adaptar a inteligência do educando aos códigos ou modelos preestabelecidos do saber e não faz de seu ensino um meio de favorecer e de desen volver a inventívidade a reflexão do educando só é educador por eufemismo Na realidade é muito mais um administrador ou um disciplinador da inteligência Ora se os métodos pedagó gicos não forem capazes de introduzir no educando certa neces sidade psicológica certo desequilíbrio Piaget processo de desequilibraçãoequilibrante ou de equilibraçãodesequiltbrante se não forem capazes de introduzir nele um fator de desencan tamento e de desenfeitiçamento técnico ele não poderá parti cipar ativamente da cultura permanecendo um mero consu midor de conhecimentos já elaborados já construídos e assimi lados por outros será essa caixa negra receptora passiva de todos os in puts externos produtora inconsciente ou ingê nua dos vários out puts éujo sentido e cuj razão de ser são solenemente ignorados Essa pedagogia calcada numa psiço Iia qe se iflEõe como foçasoçiiil modllndopaa o homem sua própria imagem dirigíod9 os processaseducativos te a pór fazer do educando uma áqui que pode ser pro gramadaJ como se seu comportamento devesse enquadrarse num tipo de operação comercial onde os gato devem ser mí nimos e mimos os benefícios NãP vejo como os conceitos estímuloreação ingressosaída produtorconsumidor to mados de empréstimo à psicologia convencional não estejam fundados num tipo de filosofia pecuniária Com efeito a filosofia mercantilista do anunciante faz apelo a um receptá culo cerebral a caixanegra dos psicólogos onde são in culcadas certas idéias com exclusão das demais Na lógica pecuniária a realidade e a verdade são substituídas pelos dese jos sonhados e pelos condicionamentos consegUidos pla arte do anunciante Creio ser extremamente perjgoso transpor esquema para o domínio da educação esta seconverteria em técnica de manipulação e o educando se tornaria numa espé cie de autômato infrahumano A meu ver o primeiro dever do eaclor consiste em guardar um interesse funfmental pela pe34uism desper trnoeducando 0 frito ik busca a sede da descoberta da 152 imaginação qiadora e d insatisfaçãQ fecunda no domínio do abex O essencial é que o educando permaneça sempre em estado de apetite Quando tudo lhe é explicado não só a expli cação é errônea mas ele não deve ter entendido porque guem çompreçJde sempre tem dúvida está sempr insatisfeito e disposto a novamente interrogar Se o educador tem algo a ensinar ao educando creio que se trata de um nsiamento que o leve a compreender que é ele mesmo quem deve assumir sua própria educação cabe a ete fazer dela sua obra fundamental e original única e intransferível Ninguém se educa como ningum ca co idéias ensinadas Ensinar à aprender a se construir ou a sefConstruir eis o pppelqo educador Todo progresso na educação está na construção do espírito e não em sua domesticação ParafraseandoSartre atrevome a dizer que o educando não é aquilo que fazem dele mas aquilo que ele faz daquilo que fizerani dele E Bachelard tem inteira razão quando se insurge contra uma educação confinada ao tempoes colar e não prolongada no decorrer de toda a vida Uma cultura que se limita ao tempo escolar é a pr9pria negação da culturã científica Só há ciência por uma Escola permanente e essa ecoJ que a ciência deve fundar Então os interesses so ciais serão definitivamente invertidos a Sociedade será feita para a Eçola e no Escol para a Sociedad Por isso no domínio do saber e da formação da inteligência e conseqüen temente de nosso processo educativo permanente deveríaQ10S fazer nossa a oração desse grande educador sábio e filósofo Fome nossa de cada dia nos dai hoje Depois dessas colocaçõ creio que não podemos com preender o papel do Educador da Inteligência a não ser tentando descobrir se não a filosofia pelo menos uma fHoso fia da educação que o funde que lhe dê sentido e o justifique Vimos que não pode ser uma filosofia industrial tampouco uma filosofia dirigista e manipuladora Na verdade interrogar se sobre o papel e o estatuto do filósofo da educação sig nifica em grande parte tomar consciência do processo de desprestígio social de redução e de descrédito por que passa hoje em dia a própria filosofia Portanto tratase de inter 153 rogarmos quer sobre a significação da filosofia quer sobre os mecanismos de seu ensino e sobre seus agentes transmissores Só podemos entender a situação da filosofia atual meditando sobre sua própria história e sobre as condições daqueles que dela fazem uso ou um meio privitegiado para tomar cons ciência de seu tempo e de sua cultura Infelizmente nos dias de hoje o lttOiessái de filasofiu reduzido a sear o papel de mero empregado universitário Mesmo desempe nhando essa tarefa modesta parece que ele não escapa à sus peição de ser um traidor em potencial E a razão parece ser a seguinte filosofar consiste em fazer apelo à reflexão pessoal E toda sociedade teme a reflexão Ora do medo à cólera a distância é pequena Donde a fuga do pensar Ademais pensar por si mesmo já é um perigo não só social mas individual Qual é o homem que não está dispQStQ a deciicar hoas e horas de trbalho útil para evltar alguns minutos de reflexãç Em todo gruPP e em cada um de nós há uma oposiçlo J ateJIt ao Mnsar eao repensar Somente uma sociedade rea1 mente liberal Pode permitir esse confrogtQ pos s ibHia seus membros a OPOrtuni4e dt llllla educaçã9 não somente em função de um grupo particular mas da própria inteligência dos que pensam e do destino da humanidade Uma sociedade que perde essa consciência que a cultura tom de si mesma está fadadil a perder a consciência de si comisso aigno7 rar a dupla utilidade d um ensino filosoficamente fndado a permitíJJlue oscducandQs JPdam a cxrtícar quir dize examinar e passar ao crivo as opipiões recebidas ou impostas as idéias e tradições transmitidas e os ensinamentos aparente mente inquestionáveis b tomar possível o ultrapassamento do conformismQ e do inconformismo em vista de pçwiaQg semre maior entre o pensamento e l ção Porque a negati vidade não pode ser entendida como um momento demoli dor mas como um m6todo a serviço de uma positividade mais elevada or isso a educação quando fundada filosoficamente tornase tanto mais nessária quanto mais se desenvolvem as cincias e mais impositivos se tornam seus produtos Pelo fato de não descobrit veutads parciais e objetivasJ sendoJ por isso mesmoAcbada de suljetiva ou de nJcrsaber nem por isso a filosofia da eladoperde seu sntido Pelo Qotrário ela 154 possibilita ao educando apreender de outro modo a condição humana em sua universalidade Sem dúvida no copete ao filósofo da educação intervir nas verdades particulares das dências mesmo psicopedagógicas Contudo ele não pode abdicarse de seu papel de refletir sobre o fundamento de toda verdade sobretudo das que dizem respeito mais direta mente aos processos educativos A nesse sentido que tal filo soia não pode ser obra do entendimento mas da razão E é POr issQ queJla s Jorna imprescindível a todo edcador qqe nã9 queira perder a Razão Nesse contexto como podem ser encarados o papel e o estatuto do fil9sofo da educação Seria ele um personagem qtre no conjunto das produções ideológicas de seu tempo fosse aapaz de propor sistemas educacionais reflexivos e coerentes de conceitos ou idéias nos quais a prâtica individual e coletiva encontrariam o lugar de sua reflexão e a determinação de seu sentido seria ele esse personagem meio ridículo encar regado de transmitir um saber no qual inguém parece acre ditar por ser completamente inútil e não operacionalizável Urrul coisa parece certa o filósofodaeducação não tem muito de que vangloriarse Todavia o simples fato de sempre existir a questão Sóbre süa significação deve ser para ele uma razão de humildade e não um motivo de humilhação bem verdade que ele encontra como todos os que se dedicam à filosofia hostilidade e menosprezo sobretudo porque não consegue pro por um saber científico objetivo prático e útil Qs filósofos da educação dizem seus detratores pedem ser o que bem quise rem nias de forma àJguma poderão propor conhecimentos cien tificamente válidos Se por acaso tivessem tal pretensão teriam que submeter sua filosofia a uma reforma geral dos pés à cabe ça o que s6 se tornaria possível se ela renunciasse à sua pre tensão exagerada e irrealizável de querer situar os saberes dentro de um saber total e englobante para entrar decidida e docil mente na escola das ciências modernas Muitos foram os filósofos da educação que ouviram tais sermões com humildade e boa vcmtde E converteramse assim em cTenfístas para se tornarem respeitãYeís O resultado pareceme foi meio catastrófico os cientistas de mltier dizem que eles mesmos estão mais bem qualificados para cuidar dos 155 problemas dos métodos e dos limites das ciências os recém convertidos às técnicas e métodos científicos vêm contarlhes aquilo que de há muito eles já sabiam Assim o desprezo provocado por tal boa vontade produziu uma reação contrária de fato proclamam os profissionais do saber científico a filo sofja da educação nada tem a ver com a ciência ela se situa num domínio bem mais elevado e vai muito mais ao fundo das coisas Ela vai tão alto e penetra tão fundo que seu papel consiste apenas em pensar a educação pensar sem deixarse influenciar pela Razão sempre suspeita de cientificidade Se fizéssems hoje uma análise impressionista do fló sofo da educação certamente teríamos muita dificuldade em definir sua tarefa Mas creio que esse malestar é positivo pOis resulta da própria crise da filosofja Periodicamente esta entra em crise Mas isso é salutar pois impõese a necessidade de um novo esforço reflexivo Nos periqdos de crise nada é simples Tampouco nada é claro Seria muita audácia querermos dizer aqui estão os bons ali estão os rnaqs eis o qu será a filosofia da educàçãó dé ariiarihã Se olhãrmós seriamente para a histó ria dessa disciplina não poderemos cometer a imprudência de afirmar qual o tipo de pensamento que irá dominar no ano 2000 Precisamos abandonar as profecias fáceis ou as futuro logias ingênuas O que podemos fazer é detectar as questões essenciais que poderão surgir a partir dos problemas presentes Tornouse moda falar da filosofia educadnal sem pre cisar qual delas Não podemos utilizar a torto e a direito con ceitos filosóficos ou simplesmente uma linguagem mais ou menos ornada de termos tomados de mprtimo aos filósof Tratase de um fato corriqueiro inquietante porém pois já revela certa doença ideológica uma febre ou um delírio do pensamento Quem é que ainda se considera filósofo da educação No entanto apesar de todos os já era lançados para denegrir o pensamento nãoutilitário os métodos nãopragmáticos e efi cazes contra o pensamento nãooperacíonalizável talvez este jamos diante de uma produção infladonária de filosofias da educação de resto péssimas porque se ignoram on se reco brem com capas mais ou menos pseudocientíficas Um pouco por toda parte a linguagem filosófica é caricaturada Os litera tos e os críticos de arte não esçrevem vinte linhas sem fazer 156 alusão à transcendência ou a qualquer outro termo equiva lente ou sem fazer referência a certos pensadoresfilósofos numa mistura mais ou menos eclética de filosofia de vida de budismo zen ou outra filosofia qualquer oriental ou in dustrial Qual o criador literário ou outro que fora de seu trabalho específico não representa dissimuladente o papel de um filósofo Nesse sentido há uma inflação de ilosofias embora a maioria delas seja simplesmente o resultado de uma caricatura ou o produto de colagem e de empréstimo arti ficiais Sm dúvida essa dispersão da linguagem moqfica traduz uma crise cultural profunda Vivemos numa época bastante curioSa em que em matéria de filosfia qualquer um pode dizer qualquer coisa sem que isso cause espanto a ningüerii Sob as formas mais diversificadas com os conteúdos mais estranhos e com os mais variados modos de exposição comu nicação e de pesquisa toda cultura que se preze deve com portar uma atividade reflexiva que a fi1osofiã como qualquer outra atividade intelectual deve exigir daqueles que a ela se dedicam Atualmente nesse dominio os trabalhos realmente sérios misturamse às mais sinistras pilhérias havendo até mes mo os que fazem delas uma forma de cultura Ora a recusa em discernir aquilo que tem sentido daquilo que ê simples passatempo também tem uma significação m efeito se houvesse no público uma clara consciêcia dcssas diferenças e se os eduçadores atuais tentassêm fornecer aos educandos os meios intelectuais da reflexão ao iJ1vés de contentareQse em inculcarlhes unicamente os saberes técnicos e utilitáriosuma çiênciareçeitüário prático de que terão necessidade no exer cício de suas profissões é bem provável que tal discernimenQ nos faria tomar consciência de que a filosofia da cducação que sempre esteve vinculada a uma ética e a uma política con siste numa atividade intelectual que não pode ser compatível com a sujeição inteleciÚtll e históriCa dos educandos Em todo caso só podemos entender a crise da filosofia da educação tomando ao mesmo tempo consciência de que a destruição ou o amordacamenton da filosofia só se tomam possíveis porque intelectualmente ela está em crise em sua própria evo lução e relativamente aos outros domínios do saber Num 157 erto sentido podemos dizer que foram os próprios êxitos da filosofia que desencadearam sua crise atual Uma coisa parece certa não Eodemos fazerapelo os conceito e papel e estatuto para definir a tarefa do filósofo educacional pois seria fazer ªpeloa uma definição uriívoca desses conéeítos Além disso utilizálos como universais seria impedirse de ver o filosofar como uma atividade ao mesmo tempo específica e mutável em constante inteação com a situação sóciohistórica Ao usarmos o conceito de papel de modo unívoco estaremos afirmando uma relação de iden tificação do filósofo comsuasituação Tâl relação seria nabs trata pois o filósofo não pode ser simples reflexo da so ciedade em que vie Por outro lado ao falarmos de papel õo filósofo da educação queremos apresentar como modelo a razão da filosofia em vez das razões dos filósofos da educa ção Esquecemonosasun de que essas demarches constitu tivas desse ou paquele modelo poderão estar supradas Donde o malestar em se poder definir a tarefa do filósofo da educa ção Contudo se fizermos questão de manter a noção de pa pel para ultrapassarmos esse embaraço fundamental preci samos estar conscientes de que no fato de filosofar sobre a edu cação estão presentes dois papéis um pessoal o outro social Por seu papel pessoal o filósofo da eduçação determina sua posição relativamente às outras e age em conformidade com um modelo de con9uta próprio que ele erige em norma das relações intersubjetivas Surge assim a razão do ato de filoso far sobre a educação Por seu papel social ele está diante de um modelo de conduta definido pelo consenso dos membros da sociedade global tendo para ela um valor funcional Está presente nesse caso a causa de reflexão educacional E é justa mente a tensão entre esses dois papéis que nos possibilita de finir a tarefa do ftl6sofo da educação Enquanto desempenha sua tarefa ele tem seu estilo próprio determinado pelo pa pel que lhe é reconhecido sem que por isso este coincida com sua pessoa singular Donde a noção de estatuto Ao falarmos de consenso a propósito de um papel estamos referindonos ao mesmo tempo às expectativas dos outros e às prescrições que fundam esse papel Numa hierar quia social dos saberes a posição da filosofia da educação já 158 indica seu estatuto corresponder às expectativas e às pres crições Quer dizer o estatuto da filosofia da educação pode existir independentemente daqueles que a praticam e imporlhes certos comportamentos Em todo caso sua posição é inteira mente diversa da posição das ciências e das artes As ciências se dão um objeto e métodos precisos para descrevêlo e expli cálo As artes por sua vez tentam exprimir e revelar as signi ficações Eis suas tarefas Quanto aos filósofos da educação creio que devem ultrapassar os papéis e os estatutos que lhes foram impostos sociamente para assumir outros por sua própria conta Assim ao jnv de dizermgs 91 o filósç da educação ocupa um estatuto e desempenha um papel social det rml seria preferível sustentarmos que ele precisa estn em relação dialética com as posições das filosofias da educação de ontem e de hoje tentando ultrapassar as expectativas e as prescrições Relacionandose dialeticamente com seu passado deverá construir outro modelo organizado de condutas filosófi cas dandose a si mesmo os papéis e os Btatutos no interior do meio social que o condiciona sem determinálo Recusar semelhante perspectiva é arriscarse pareceme a converter o filósofo da educação num personagem alien1do refletindo num vazio social Donde a importância para ele de fazer uma reflexão critica sobre as ciências e sua linguagem bem como de situar o processo educativo dentro de uma perspectiva em que seja desvend1140 pelo menos o sentido da existência hu mana A pergunta que se coloc é a seguinte como fazer filosofia da educação num meio omo o nosso A quem vai falar o filósofo da educação E com que finalidade Semelhante probtema não poderá ser escamoteado Se por vezes lhe fechamos os olhos talvez seja porque ainda não te nhamos conseguido ver por detrás das mutações e dos trans tomos por que passa o processo educacional um problema bem mais amplo o da crise da cultura ocidental De qualquer forma se considerarmos as possibilidades a causa da filo sofia da educação em nossa cultura poderemos constatar duas tendências de um lado há os que pensam ter algo a dizer ou a fazer na medida em que refletem sobre a educação dentro do contexto nacional devendo os educandos participar social e politicamente do processo de desenvolvimento sóçioeconô 159 micocultural do outro há os que encerraram a razão da filo sofia educacional dentro de um papel unívoco desvinculado do processo científico artístico e cultural da nação Ambas as tendências parecem acreditar que a filosofia da educação tenha um estatuto claro e definido devendo ser um valor funcional para a sociedade Portanto a tarefa da filosofia da educação deverá ser procurada para além das soluções sociais e culturais ao pro blema do papel e do estatuto daquele que a pratica trata se de uma tarefa concreta temporal e pessoal E isso porque a filosofia da educação tem por fundamento uma palavra pes soai embora com pretensões à universalidade A esse respeito são ilustrativas as palavras de Paul Ricoeur Histoire et V érité 1955 Tenho algo a descobrir de própriQ algo de que nin guém tem a tarefa de descobrir em meu lugar se minha exis tência tem um sentido se ela não é vã tenho uma posição no ser que é um CGnvite acolocar uma questão que ninguém pode colocar em meú lugar a estreiteza de minha condição de mi nha informação de meus encontros de minhas leituras já esboça a perspectiya finita de minha vocação de verdade No entanto por outro lado procurar a verdade quer dizer que aspiro a dizer uma palavra válida para todos que se destaca sobre o fundo de minha situação como um universal não quero inventar dizer o que me agrada mas aquilo que é Todãvia para estabelecer essa ligação entre o Eu co Universal não podemos dispor do mesmo itinerário em tÓdas as culturs Caberá ao fil6sôío da educação perguntar a partir de que numa determinada sociedade terá ele condições de fazer semelhante ligação Em outros termos como fazer a filosofia da educação encontrarse com esta ou aquela sacie dade com esta ou aquela cultura Em nosso país todos acham que estamos acedendo a um tipo próprio de cultura Não pode mos passar impunemente de uma cultura a outra Todo trans plante provoca rejeições A passagem de uma relação com o mundo a outro tipo de relação não se faz automaticamente Ao transplantarmos filosofias educacionais de outras culturas cor romoo o risco de olo ficarmos à vontade dentro de nossa pr6 pria cultura Donde os sentimentos de artificialismo e de estra nheza se não de rejeição Nesse domínio os grandes problemas 160 se colocam entre nós artificialmente Eis um obstáculo qu não podemos ignorar Mas que precisamos superar E é por que os grandes problemas se apresentam diferentemente em cada cultura que a filosofia da educação sempre deveiá reco meçar com eles Donde se conclui que nossa filosofia da educação deve recomeçar ou sempre renascer com nossos pró prios problemas Com isso não tenho a intenção de postular uma filosofia educacional brasileira Aliás não acredito que isso seja possível ou tenha sentido O que postulo que pre cisa haver entre nós pessoas capazes de refletir sobre nosso sistema educacional a partir da situação peculiar de nossa cul tura Mas que também sejam capazes de exprimir algo de uni versal a propósito daquilo que está no fundo de nossa situação particular Que eu saiba não são muitos os que se orientaram segundo tal perspectiva O que não deixa de ser compreensível de urna vez que nosso país parece ainda estar à procura de sua identidade própria quer dizer não de um retrato ou de um modelo pessoal que o dispensaria de todo e qualquer confronto com os outros mas de um singular capaz de con duzilo ao universal E talvez não fosse muito ousado dizer que semelhante procura pelo menos em boa parte 6 o lugar atual de uma filosofia da educação entre nós O fato é que sentimos a necessidade de embasamentos reais do Eu pessoal e coletivo para que se torne possfvel a expressão de uma Palavra univenal Tais embasamentos sem dúvida constituem problema O cogito canesiano constitui hoje em dia um compromisso Daí podermos perguntar quem é que pensa a consciência a opi nião pública ou o grupo social Quem é qUê em nossos dia tem a certeza absoluta de falar em seu próprio nome para todos E é por isso que a filosofia da educaç5o está imena em dificuldades O que significa pois sua tarefa Quais suas chances em nosso país Deixamos essas questões em aberto Contudo a vida de nossa cultura segue o seu titmo Cada um de nós dela partiipa a seu modo Ela pode ser constituída por seus vfnculos históricos fundamentais Mas tambl por em préstimos alienígenas e artificiais Semelhante alternativa re metenos ao estatuto e ao papel que cada um de nós desem penha e interpreta Os filósofos da eduaço mais abertos in 16l terpretam tal filosofia como objeto cultural não as pessoas que a fazem quer dizer eles mesmos Assim o papel e o estatuto do filósofo da educação numa sociedade determinada inter pelam e contestam essa filosofia Isso pqderá ser ilustrado e esclarecido pelo menos em boa parte pelo papel desempenha do pelas ciências humanas Essas ciências constituem proble ma para os filósofos da educação e lhes forneem sério mate rial de reflexão Um diálogo constante e fecundo com elas po derá leválos ao cerne das razões filosóficas a serem ultrapas sadas para que seja descoberto ou redescoberto o ser que pen sa O educador na medida em que é ou deveria ser o ser que pensa não tem o direito de esquecer certas responsabiJidades que lhe incumbem enquanto produtor de saber e de conheci me11tos técnios Mencionaremos apenas duas a segu ir a Compoo1lhe proceder a um exame crítica dos valores e dos papéis que lhe fpram mais ou menos impostos por seu próprio processo educativo anterior Fazendo isso ele con ferirá à sua própria existenciauma orientação nova1 coerent e fundamental Se não fizer esse esforço de crítica e de ínte gração pessoal não somente o educador revelará certa fra queza e insegurança como se mostrará sem convicções pro fundas assentadas numa CQosciência éticoprofissional esCla reCida por certos princípios unificadores e de fundamento ra cional Semelhante erosão da consciência éticoprofissional lva a um comportamento pragmático ou de evasão Sem uma no va cosmovisão aceita livremente para conferir à ação pe dagógica um sentido preciso tornase impossível ao educador chegar a um engajamento ético autônomo com todos os riscos Jue isso comporta b Competlhe ainda liberar os educandos de todas as falsas neceSsidades intelectuais Porque não somente elas le vam a uma perda de tempo mas também são geradoras de constantes inquietações tomando os educandos dependentes e vulneráis A satisfação das necessidas intelectuais artifi ciais depende quase sempre do beneplácito dos poderes esta belecidos e dos sistemas de ensino implantados Reagir a ssas imposições implica em pagar certo preço por vezes bastao 162 te elevado como a renúncia à própria liberdade Contudo o educador não pode deixar de elevar cada vez mais o nível de sua atividade educativa e científica enquanto praxis As necessidades artificiais são ersatz das verdadeiras necessidades Servem para preencher uma vida intelectual e espiritualmente vazia Na medida em que o educador revela aos educandos que sua própria educação deve ser concebida como um fim em si está permitindolhes alcançar o máximo desabrochamento de suas aspirações criadoras e de suas atitudes podendo orga nizar sua vida dentro dessa postura de autodeterminação inte lectual tão importante quanto a autonomia espiritual e moral Todavia além dessas responsabilidades o educador não pode esquecer que está formando aqueles qúe irão formar as gerações posteriores Ora dado o aprimoramento atual dos métodos e técnicas de ensinar muitos educadores ficam des lumbrados com sua eficácia no processo de aprendizagem Per isso renunciam à sua tarefa propriamente educativa e limi tamse a transmitir as informações e os conhecimentos técni coscorrentes aceitos ou impostos Ao se converterem po rém em mediadores tecnológicos das informações que lhes oram comunicadas e das técnicas que lhes eram 41Veiculadas os educadores correm o sério risco de se tornarem num prazo de tempo bastante curto perfeitamente dispensáveis eles se tomarão inúteis pois poderão ser substituídos em seu con junto ou por máquinas de ensinar ou por 41monitores espe cializados na arte de distribuição dos conhecimentos prQ gramados e enlatados já elaborados numa matriz tecnoló gica do saber qualquer Ora os educandos têm uma necessi dade fundamental de um contato vivo com um educador ca paz de fazer coisas que máquina alguma jamais terá condi ções de fazer pois tratase de tarefas que jamais poderão ser programadas Podemos citar dois exemplos como se segue a Em primeiro lugar compete exclusivamente ao educa dor ressituar todas as informações fragmentárias recébiàas u impostas dentro de um contexto sóciHultural mais amplo competelhe ainda mostrar as relações as mediaçõe o mo 163 mentl da historia as condições sociais e psicológicas que ex plicam o aparecimento do saber bem como os métodos cien tíficos que tornaram possível sua descoberta e as incidências que de tudo isso decorrerão para as pesquisas futuras e para a prática social Evidentemente esse contexto mais amplo qúe somente o educador poderá fornecer não é préfabricado Ele pode abrirse em várias direções surgir de uma relação dia lógica entre lS duas partes do processo educativo educador e educandos e depender não somente da extensão do saber e dá cultura do mestre mas também dos reais interesses dos alunos b Em sgundoUgar compete unicamente ao educador com a participação ativa dos ecjucanlos etabôraruma iiater pretação criãtiva dos conhecimentos e uma critica das infor mações A simples transmissão do saber mesmo que estesejã reproduzido em toda a sua complexidade deve ser substituí da põr um eSforço vivo e persistente consistindo em acs centar às formas simbólicas nBs quais o saber se expressa uma significação nova esclarecida por uma perspectiva filosõ fica pessoal Nesse particular é tarefa do educador manter a inteligência dos educandos em constante despertar despertar e sua curiosidade intelectual ampliação de seu horizonte es piritual e desenvolvimento de seu espirio crítico Para for mar um jovem de espírito aberto e criadQ dotado do sentido da história O bomeducador deve mostrarlhe que diante da realidade não basta colocar as questões como e quats os melhores meios para fazer funcionar as coisas o mais importante é que o educando seja capaz de perguntar por quê com que finaiõade quais os principais obstácu los como superálos P9nto educador pã pode prescindir de crtas qualidades ter personalidade e não ape nas possuir conhecimentos e cultura ades ser um indiví duo íntegro e de earáter ativamentedevotado à alização não digo de seu ideaJ mas de seu projeto intelectual Os edu candos lhe perdoarão facilmente o fato de ser demasiado ut pista ou demasiado realista O que não lhe perf9arão é a contradição ent o pensamento as palavras e os atos 164 CONCLUSÃO Se quisermos exercer alguma influência no rumo empreendido pela ciência contem porânea é preciro que tomemos consciência da neceidade de uma dupla ação uma ação direta tentando dominar os conhecimentos científicos e detectar suas ilusões uma ação indireta convertendonosem pedagogos capazes de formar aqueles que mudarão o mundo Para tanto temos que nos transfor m pcr dentro e ao mesmo tempo criar as condições exteriores tornando possível uma transformação do mundo do saber E sse tipo de atividade constitui uma ruptura no enca deamento do determinismo histórico cego e merece a seguinte denominação fazer a his t6ria O objtivo dessa conclusão que nada tem de conclusivo ou tfe acbado é simplesmente o de apontar aTguns funda meftos epiifeiriológicós sobre os quais se a pó taa ulgariza çÓ cientifica Com efeito a epistemol9gia se interessa não somente pela distribuiÇão das ciências em vários grupos OJ sua dispersão crescente ou por seus agrupamentos em ains grandes conjuntQs segundo certa comunidade d objetos de pontos de vista ou de métodos mas também por sua difusão ou divulgação Em Oltras palalras interessalhe elucidar 9 modc comase partilha o saber científico Seu domínio de in vestigação não se limita a um estudo da gênese da formação do desenvolvimento e da articulação dos conhecimentos mas abrange também as formas de comunicação e de consumo desses produtos intelectuais Epistemologícament vulgari zação ciemífica consiste numa transmissão ao saber aos não cientistas Tratase de tarefa que consiste em tomar cultural mente compreensíveis os conhecimentos produzidos pelas ciên cias vale dizer de uma transferência de conteúdos científicos a um público não iniciado cientificamente Qproblemaque coJ é o de saber até que ponto e em que medida o grande públicÕ pOde apropriarse culturalmente de um conte6do cien tífiCõ sem conhecêlo cÇJmo poderá compreender algo que não conhece Antês porém de tentarmos responder reco loquemos Süéintamente a situação presente da ciência 167 Considerada em seus mumeros prolongamentos técnicos a ciência se situa em nossos dias como o fator mais decisivo de transformação do mundo e das mentalidades Ela tende a constituirse cada vez mais num instrumento eficaz de análise e de manipulação do real Donde sua matematização crescen te O que ela pretende é realizar o projeto de uma objetiva ção adequada da pretensão de eficácia de sua tecné tanto no domínio natural quanto no humano O caráter fundamental da ciência consiste em obedecer ao postulado da objetividade pa ra imporse tomo sistema de racionalidade E é pelo modo como a ciência concerne ao homem que deve interessarnos e preocuparnos Assim por estar contaminada com dimensões que lhe são estranhas ela apresenta um caráter ambíguo de um lado permitiu à humanidade realizar grandes progressos não por causa de seus feitos espetaculares mas de sua signi ficação humana do outro continua a reforçar certos antago nismos fazendo plainar sobre os homens uma série de amea ças de guerra nuclear de totalitarismo técnico apoderandose da vida humana e modelandoa segundo a lógica das relações de força ou as exigências do Poder Donde a importância de considerar a ciência em seu conteúdo concreto e não confor me a imagem que ela pretende fornecer de si mesma Seu conteúdo real nola revela vinculada a várias determinações que a tornam ao mesmo tempô salutaJ e temível Sobre tudo quando seu estado de espírito pretende cada vez mais que as pesquisas se tomem úteis e contribuam para a me lhoria das condições de vida do homem tanto do ponto de vista de seu equilíbrio biológico de sua saúde quanto do pon to de vista de seu modo de vida Portanto o projto fundamental da ciência consiste numa objetivação radical da experiência Essa objetivação se prolon ga naturatniente na busca da eficáca E é o desejo da eficácia que converte a ciênciatheoria em ciênciatecluié Esse proces sõ de objetivação rescente se apresenta como uma espécie de consenso imediato entre o homem e seu mundo Tratase de uma dualidade em cujo interior o sujeito se opõe ao objeto Assim o alcance profundo da ciência consiste em manifestar um novo sentido Tratase de um sentido que não é proferido num sistema explicativo mas que é vivido e exercido numa 168 multiplicidade de manifestações E na medtda em que a cteu cia tenta imporse como a única perspectiva sobre o mundo e o homem como o mais fundamental modo de ex perinci a tornase patente que sua gênese seu desenvolvimento e a estruturação passam a significar não apenas o surgimento de um novo sentido mas também a própria alteração do sentido do sentido Ora Se a titude cinífi ca a única racional a úrüça verdtrdeirameiiie humana verdadeirâmente justificada e fecun da o sentido que ela projeta sobre o homem e o mundo s pode ser o único possíveL Mesmo que explicitamente não pre tenda imporse como um empreendimento totalitário a ciência já comporta em si mesma implicitamente a possibilidade de tal projeto Seus êxitos retumbantes levamna talvez incons cientementte a imporse como a úõica dimensão possível do sentido sua atitude fundamental diante do mundo neutraliza todas as outras atitudes Donde o risco de tomarse totalizante e totalitária Ao abrir uma perspectiva sobre o conjunto da experjência e ao entregarse à vertigem da objetivação a ciên cia se esquece dos pontos de vista que a tornaram possível vale dizer de suas decisões constitutivas E ao objetivar até mesmo esse ponlo de vista tornase incapaz de passar dessa objetivação àqüílo que a funda e por conseguinte de sair de si mesma e de ultrapassarse Surge assim a necessidade de umareflexão wbreaciêA cia enquanto fenômeno social ou produto da0Ciedade Como todo fenômeno social precisa ser compreendidaa partir de um ponto de vista histórico Donqe a dificuldade de atingir nesse domínio o nível da verdade objetiva isenta de toda concepção valorativa ou ideológica Por maior que seja o pa pel da ciência no desenvolvimento da sociedade 6 esta que controla suas funções Convém distinguirmos no entanto entre o conteúdo da ciência o conhecimento científico e o modo como esse eonhecimento é adquirido homens orga nizações e instituições 2 o conhecimento científico que for nece a noção fundamentar de realidade objetiva a repre sentação de certos fenômenos permitenos conceber proprie dades jamais observadas e inventar experiências que possibili tam evidenciálas Um exemplo típico é o do desvio dos raios 169 luminosos pelo campo de graitação do Sol prc15to pcla re latividade de Einstein e cada vez mais verificado com grande precisão Historitanent a ciência sempre este v vinculada a situa ções sociãts óem precisas Por exerilplo no momento de sua constituição a física esbarrou com o obstáculo das idéias vl gentei tentando impedila de formar os conceitos de que pre cisava para a compreensão da realidade dos fenômenos Há uma relação tão forte entre a concepção do mundo físico e as idéias sociais vigentes no momento em que a física se impõe como ciência qoe a elucidação da realidade física chega até mesmo a abalar os fundamentos da sociedade constituindo para ela uma verdadeira ameaÇa Não foi por acaso que o U vro das Revoluções de Copérnico só veio a ser publicado depois de sua morte1543 que Galiteu teve que reconhecer e confessar seu erros 1 633 ou que o Tratado da Luz de Descartes também foi obra óstuma 662 Desde o im cio o espírito de independência dos cientistas tornase objeto de um controle E eles se vinculam desáe cedo ao poder po lítico E das ciências naturãis que se reclamam os Enciclope distas Diderot e d Alembert delas que se reclamam as analises psicológicas de Sade os estudos sociais de Fourier e Proudbon J nas ciências naturais que Kant Marx Hegel e 9utros depositam sua sonfumça para enfrentar os problemas do homem e da sociedade Se considerarmos o domínlo das ciências humanasL pode mos constatar que ainda hoje ele se encontra na mesma situa ção em que se encontravam as ciências naturais no século xvn a análise dos fatos é inseparável das ideologias vigen s Ademais a questão da teoria ou representação da expe riência colocase de modo diferente nos dois domínios No entanto há uma tendência a tratar as questões humanas com os métodos comprovados no domínio das coisas Considerase por exemplo como científicos certos estudos econômicos so ciológicos ou psicológicos simplesmente porque são submeti dos ao tratamento dos computadores ou dos procedimentos estatísticos Quantas decisões importantes não são tomadas em nome da ciência quando na realidade os computadores não fazem senão aquilo que lbes é ordenado só respondendo às 170 questões que lhes são feiras Quantas não são as chãmadas pesquisas fundamentais que servindose dos computadores ou das análises estatísticas recobrem com o manto da ciência várias decisões políticas Não se pode negar que a especialização foi uma etapa necessária ao surgimento e ao progresso das ciências A mani pulação de idéias abstratas e a elaboração dos conceitos eram incompatíveis com a servidão material do homem Assim a especialização tomouse sinônimo dê competência e de poder E o expert tornouse esse personagem mítico sobre cujos om bros é depositado o peso das decisões políticas tomadas para assegurar consolidar ou ampliar o poder O que se pergunta hoje é se o progresso da ciênciarealizada ou tecnologia pode ainda ser tido como a condição necessária e suficiente à pros peridade econômica e como a garantia de um melhor bemes tar social Ao nos interrogarmos não apenas sobre os meios de que dispõe a ciência mas sobre os fins que os justificam não podemos evitar certas questões que objetivos a ciência propõe para a sociedade Produção e consumo de bens mate riais ou desabrochamento dos indivíduos Manipulação con trole e dominação ou autonomia Aceitação do isolamento ou comunicações criadoras Ademais quais S objetivos da vulgarizaão científica Que imagem ela cria da ciênCia no grande público E se a ciência ao imés de marchar para um domínio do homem viesse a contnouir para sua emancipação E se ela se colocasse o problema dos limites de seu crescimen to Deixemos essas questões em aberto Tentaremos analisar apenas a que diz respeito à vulgarização E assim mesmo de um ponto de vista bastante restrito Antes porém lembremos que para o grande público a posição de destaque e a alta reputação da ciência são devidas aos seus inegáveis feitos tecnológicos Francis Bacon foi um dos primeiros pensadores a formular numa frase essa espécie de pragmatismo popular No Novum Organum Livre ll 4 diz O que 6 mais útil na prática é o mais correto na teoria Atualmente o que se pode constatar é que aJnola gia não S6 realiza suas pretensões mas também impõese co mo o critério de mtegndade 6tica do cientista anlOriclad pode ser tilla tanto para propósitos legítimos quanto para 171 intençõ espÓri1 Por exempl 25 dtclaracõ peudocientí ficas dos portavozes totalitários olre a raça a economia e a história quando veiculadas a um público cientificamente in culto através dos mecanismos da Uigarização científica per tencem à mesma ordem que as informações da imprensa escri ta falada ou televisada sobre o universo em expansão Seme lhantes declarações e informações não podem ser controladas ou testafas pelo grande público a que se destinam Podem mui to bem veicular mitos científicos Os mitos apresentam a van tagem de serem mais facilmente admissíveis do que as teorias científicas pois estão muito mais próximos da experiência vi vida e da tendência cultural do homem Donde a vulnerabiJi dade do grande públlco aos novos misticismos mormente quan do se apresentam recobertos com a capa do saber científico Isso se torna mais grave quando se leva em conta que a fé do grande público na ciência é praticamente ilimitada indiscutí vel e de ordém rnase mística Nesse sentido a vulgarização pode ser um veículo de contágio quase epidêmico dos mitos cientificistas A vulgarização científica1 enquanto concepção epistemoló giça concernente à partilha do saber exige uma estratégia dj fuSr generalizadora de conhecimentos que por uma ques tão de método só sãó conhecidos e copreendidos por um pequeno grupo de pesquisadores Por putro lado o objetivo explícito da vulgarização não consiste em tTansmitir ao grande público informações simplificadu escamoteadas ooncemen tes às grandes descobertas científicas Num recente colóquio organiZado pelo Conselho da Europa sobre a apresentação da ciência ao público Strasbourg 19 a 21 de abril de 1971 os participantes chegaram à conclusão de que o objetivo da vulgarização científica consiste em fornecer à comunidade na cional os meios de participar de modo responsável grifo nos so do desenvolvimento científico Nesse sentido a atividade vulgarizadora exerce um papel social e político próprio c f P TIIUILLIER Jeux et enjeuc de la science 1972 Como se pofe notar está bem explícito o fato de a infr mação científica possuir um alcance político Ademais fica Dianifesto que ela deve exigir de sius agentes QS vulgarizado res uma participação vel nas atividades e nas potf 172 tica de seu respectivos países de origem Mas qual é o sen tido dessa responsabilidade e dessa obrigação de partici par A resposta do Conselho da Europa não cria um con senso comum por isso que a revista inglesa New Scientist 13 de maio de 1971 viuse constrangida a reagir e a julgar consternadora a idéia de organizar e planificar um campa nha européia de informação científica no caso específico de informação sobre a ecologia Porque essa informação não pode estar subordinada à orientação dos experts sobretudo quando se sabe que eles são nomeados por organismos oficiais Qualquer que seja o conteúdo que constitua seu objeto a in formação científica deve ser livre e espontânea Por essa ra zão os experts governamentais não têm o direito de exigir dos agentes da vulgarização que desempenhem o papel de simples propagandistas desta ou daquela política científica Talvez fosse melhor que os experts tentassem aprimorar a difusão das i nformações sobre a política da ciência e deixassem aos vul garizadores profissionais a tarefa de informarem ao público aquilo que se faz ou se deixa de fazer em matéria de pesqui sãs científicas Por conseguinte além do dever de evitar as simplifica ções escamoteadoras a vulgarização não pode ser reduzida a uma função de portavoz oficial de uma ou outra política científica Em suas opções o vulgarizador não pode estar con finado a essa alternativa ou fornece más informações ou di vulga informações controladas e a serviço dos E stados Nesse domínio a responsabilidade precisa ser assumida pelos pró prios agentes da informação possível que o desenvolvimen to científico nacional não Lhes apareça como o único a ser atingido nem esteja sendo conduzido da melhor maneira pos sível Nem sempre as declarações oficiais sobre o que se faz em matéria de ciência correspondem à verdade dos fatos 1 por isso que um dos papéis essenciais da vulgarização cientí fica livremente desempenhado por agentes especializados con siste em apresentarse como anteparo às possíveis distorções de certas informações cômodas aos governos e à indústria mas sonegadoras da verdade científica de seu sentido e de seu al cance sociais 173 Toda inforntação é portadora de um partipris consciente ou inconsciente Não há vulgarização de um saber puro em seu estado de elaboração teórica ou fundamental Haja vistá que1 se não nforma eladeforma Portanto em to do esforço metódico ou sistemático de informação há pressu postos não apenas teóricos filosóficos mas também ideológi cos valorativos e políticos Isso se torna patente a partir do momento em que se coloca as questões quais os obietívos reais da iAformação O que elá visa a informar Qitem ela informa Quais as necessidades do público que tenta satisfazer Trata se de necessidades reais ou simplesmente criadas Revela a in formação a verdadeira natureza da ciência e de suas funções sociais ou limitase a apresentar ao grande públiç9 sua ima gem de marca Fornece uma concepção idealista realista ou simplesmente tecnocrática da ciência Apresenta a ciência co mo uma pesquis metódica do saber ou como um modo de interpretar o mundo As resposta a essas questões estão longe de criar um con senso entre os cientistas Assim ao se tratar de uma informa ção científica de caráter pluridisdplinar freqüentemente ela é concebida çomo estando fundada na criação de uma cultura universal ou de uma nova imagem do mundo que não se riam tributárias dos particularismos culturais ideológicos na cionais e religiosos Assim compreendida essa cultura seria uma construção suspeita porque muito distanciada daquilo que realmente fazem os cientistas E é essa concepção quê cor re o risco de transformarse em mitologia científica Mesmo que seja rigorosamente elMorada e transmitida numa lingua gem de alto nível técnico nem por isso a informação científi ca deixa de constituir e de apresentarse como um gnero li terário isto é como um discurso que de uma forma ou de outra com este ou aquele veículo transmissor não pode pres cindir de uma intenção nem que seja implícita de seduzir o público Porque ela é um discurso que de um modo ou de outro deforma o discurso original das ciências é da essência do discurso vulgarizador tentar espelhar a atualidade o progresso e a verdade das ciencias informªndo apenas a respeito dos aspectos que podem mais interessar no momento 174 quer ao público quer aos elaboradores da política cientí fica Em matéria de ciência qual o interesse maior do públi co Quais os aspectos da ciência que mais lhe tocam Sobre o que ele quer ser informado Evidentemente a resposta a essas questões depende bastante do nível cultural do público espectador Tudo parece indicar no entanto que o grande público está mais interessado em três categorias de assuntos científicos Em outras palavras ele se mostra mais sensível às informações concernentes a aos problemas dizendo respeito às origens do mundo e do homem origem da vida evolução do mundo etc b aos problemas que se referem ao meio ambiente natural e cultural saúde relações humanas efeitos da tecnologia etc c aos problemas ligados aos fins últimos do ser humano morte fim do mundo etc Como observa P Thuillier esses três assuntos preferidos pelo público em geral apresentam notável coincidência com a clássica repartição definindo os campos de investigação teo lógica cosmologia antfopologia e escatoJogia Donde poder mos concluir que não há identidade entre informação cíentifi ca e informação sobre a ciência A primeira tem um alcance muito maior e desperta mais interesse do que a segunda Essa situação é resumida por Thuillier assim como deve ser po lítica e socialmente consciente o vulgarizador deve reconhecer em si o teólogo que dormita Caso contrário ele se exporia a dar uzão ao expert que formulou assim sua hipótese de trabalho a ciência tornase mito através da vulgarizaço Portanto do ponto de vista epistemológico o problema da vulgarizaÇão só pode ser entendido quando situado rio ver dadeiro contexto da repartição ou nãorepartição dos conheci rnentos científicos Evidentemente esse problema não pode ser tratado de um ponto de visfa exclusívamente cüfturàf Âde rriais as diferentes especialidades dentfficas exigidas pelo mé todo e pelo progresso das ciências já são de natureza a in troduzirem na própria cultura uma ruptura E é justamen te a existência dessa quebra cultural que leva as competên cias a fazerem apelo a certos empreendimentos reconciliadores que podemos chamar de vulgarizaçlo Em certo sentido es ta apresenta a vantagem de permitir às camadas mais cultas 175 da população salvar ou reconstituir a unidade cultural que a fragmentação das disciplinas havia dissociado No en tanto é duvidoso que tais empreendimentos reunificadores possam atingir de modo eficaz as camadas incultas Será que a vulgarização consegue realmente transmitirlhes o saber E sobre o que ela realmente informa A resposta a essas questões parece estar na dependência da qite se der ao problema do papel social e objetivo do vul garizador Duas posições se defrontam a há os que pensam que o papel do vulgarizador consiste em toriUJr a ciência pre sente aos meios de comunicação de massa ao mesmo título que outros o fazem para a economia a política ou o esporte Contudo ninguém acredita que a transmissão de uma partida de futebol pela TV tenha por finalidade ensinar esse esporte aos telespectadores Da mesma forma a informação científica não teria nenhum opjetivo pedagógico de ensinar ao público o que é e o que faz a ciênci a b há os que acreditam que a i nfor mação científica não se vincula diretamente às dências não traduzindo realmente aquilo que elas são ou fazem Ela constituiria um gênero literário particular cujo espaço seria ocupado pelas ciências e pela curiosidade daqueles que a sus citam Contudo relativamente a esse espaço as ciências cons tituiriam apenas o décor da cena representda pelo vulgariza dor Este sim seria o homem encarregado de organizar o espetáculo das ciências Na perspectiva desse segundo modo de ver Q papel do vulgarizador estaríamos diante de uma teatralização das ciên éiãs o papel da vulgarização se reduziria a mostrar suas mà dalidades culturais acessíveis ao mundo nãocientífico quer diur revelar os saberes vistos mas noo sabidos Tratase de uma atitude meramente inforriiacional ou espetacular Nes se sentido os vulgarizadores desempenhariam o papel de pe dagogos levariam o público a compreender e a aceitar não o verdadeiro saber científico mas seus resultados tangíveis suas funções contemporâneas sobretudo em seus aspectos de utilidade social O risco de semelhante atitude consiste em di fundir apenas os aspectos fantásticos ou sensacionais das ciências Ou então em só se informar sobre aquilo que mais imediatamente possa interessar ao púlico ou ser da convenien 176 cia de certa política científica Fazendo isso os vulgarizado res tornamse presos aOs3fpectos sensacionalistas das ciências ou se convertem em propagandistas de uma ideologia cientí fica Em ambos os casos tratase de um papel mistificador Volta aqui a questão a que já fizemos alusão como po de o grande público interessarse por informações científicas se não é portador de um mínimo de formação em matéria de ciências Colocada de outra forma a questão parece pertinen te será que o saber cientifico pode verdadeiramente ser trans mitido a quem não foi iniciado pelo menos na prática de uma iência Sabemos que a ciência surgiu em oposição ao dogma tismo filosófico e ao das crenças religiosas que seu método leva o cientista a não apegarse obstinadamente ao saber nem tampouco aos meios consagrados para adquirir o conhecimen to mas a adotar uma atitude eminentemente investigadora em contato sempre rnovalo com os fatos jamais chegando a re sultados definitivos Ela se constitui negando os saberes pré científicos ou ideológicos Mas permanece aberta como siste ma porque é falível e por conseguinte capaz de progredir A dência é um discurso aproximativo provisório e incessan temente susceptível de retificações e de questionamentos por que seu próprio método se apresenta sempre como perfectivel No entanto o grande público recebe suas informações como se a ciência pudesse gozar do privilégio de exercer um magis tério apodítico e incontrovertíyef como se suas verdâdes ti vessem o dom de poder silenciar todas as ignorâncias e traçar as fronteiras entre o normal e o patológico entre o real e o falacioso Muito embora os cientistas se oponham a todo dog ma nenhum deles pode estar seguro de ter evitado toda e qualquer atitude dogmática O problema que se coloca é o seguinte como podem as informações ser recebidas dogmaticamente se o próprio dis curso científico tem um caráter provisório e aproximativo uma vez que está fundado sobre um método cujo objetivo é verifi cálo quer dizer tornálo verdadeiro Ora o método científi có ao mesmo tempo verificanre e relativizante s6 é conhe éido e pràticado por aqueles que fazem a ciência Enquanto prática não Pti1ence à ordem do discurso não podendo ser transmitido por simples informação teórica E a vulgarização 177 é uma informação que se situa no nível discursivo Se o dis curso científico é proposto ou difundido dissociado de sua prá tica concreta só pode fazêlo ocultando parte de sua verdade Quando vulgarizada a informaçiío sobre as ciências vêse ne cessariamente reduzida a uma informação cientía Os lei gos ao aceitarem o discurso científico como sendo portador de verdades acolhemno depositando sua confiança naque les que realmente sabem b nesse sentido que lhes outorgam um magistério cultural para ensinarlhes aquilo que não sabem Donde a informação científica imporse como objeto de cren ça A verdade do discurso científico quando dissociada da prática que o verifica é recebida de modo inteiramente dis tinto da maneira que o caracteriza enquanto tal E por isso que a informação não tem condições de impedir que o público receba as verdades científicas sob a forma de crença de ade são a argumentçs de autoridade pois não dispõe de meios para controlálas ifftn tampouco refutálas E quando a con fiança do públicó no prestígio e no poder da ciência chega a confundirse com a fé em verdades reveladas a vulgarização corre o risco de converterse em terrorismo cultural Ãssim encontramons diante de um paradqxo d 11 lado há uma verdade cultural transmitida pela vulgariza ção do outro ua verdade propriamente citífica 1ntráns mtssíef enquanto tal Semelhante paradoxo parece condenar a Vtltgatíiação a uma ambigüidade a intenção de tralsmitir o saber é legítima pois corresponde a exigências culturais e sociais embora seja preciso interrogar sobre a operação que realmente ela leva a efeito Há um adágio escolástico que iliz tudo o que é recebido é recebido segundo o modo daquele que o recebe Qual sua significação atual No dizer de Philipe Roqueplo o adágio pode ser traduzido a ciência recebida por nãocientistas é recebida nãocientificamente Nessas con dições a pergunta que se coloca a seguinte não seria uma mistificação cultural a pretensão de vulgarizar o saber científi co a um público carente de formação cienúfica Não se redu ziria a vulgarização a um simples efeito de vitrine Segundo o mesmo autor ela mostra o saber científico ao mesmo tempo prórirno e inacessível ela o mostra como próximo pela ne cessidade em que se encontra de vincular seu discurso tanto 178 quanto possíel à experiéncia cotidiana do público mostrao como inacessível na medida em que legitima esse mesmo dis curso referindoo à autoridade dos sábios e na medida em que funda essa autoridde invocando sua própria prática si tuada em laboratórios onde ninguém jamais tem verdadeiro acesso constituem de certa forma os lugares misteriosos on de a verdade vem ao mundo para em seguida espalhar sua eficácia ténica sobre a vida cotidiana do conjunto da socieda de O mundo da ciência se encontra então simultaneâmente mostrado e relegado numa espécie de santüario em que se rea liza o mistério gerador da transformação do mundo EJquanto vitrine da ciência a vulgarização cõnhiui certamente para erigir culturalmente a ciência em mito Aliás a publicidade se encarrega de explorar esse mito 179 APÊNDICE O projeto científico contemporâneo vem colocando ulti mamente àqueles que tentam compreendêlo e analisálo mais criticamente uma série de problemas inquietantes Problemas suscitados pela pesquisa no domínio humano e pelo progresso tecnológico propriamente dito O extraordinário desenvolvimen to do saber científico e da técnica nos últimos decênios pode interpelaros de três maneiras como se segue a Na ordem da descoberta na medida em que a solu ção de determinado problema sempre faz surgir um outro A luz projetada sobre um setor de conhecimento e aprofundan do por contraste a região obscura que o cerne faz apelo a uma nova e mais depurada pesquisa O aprimoramento da metodologia o aperfeiçoamento do poder de investigação exi gem pesquisas ulteriores eOgindo respostas sempre mais fun damentais b Para além dessa ordem da invenção e do conhecer situase a ordem da praxis Nesse domínio as questões que se colocam advêm do fato de a tecnologia converterse num po der capaz de modificar de modo radical por vezes prometeico o curso das coisas e a natureza do próprio homem As aqui sições da ciência colocaram nas mãos do homem poderes de ação e de intervenção insuspeitados As possibilidades imen sas abertas pela tecnologia ao mesmo tempo sedutoras e amea çadoras leva o homem atual a se perguntar por sua significa 181 ção e a tentar élaborar respostas lúcidas e responsáveis aos problemas por ela criados c Para além no enranto das ordens do conhecimento e da praxis com suas interrogações precisas e específicas oriun das da pesquisa e de sua aplicação vem impondose recente mente um questionamento mais fundamental dizendo respeito ao próprio projeto científico em si a seu valor a seu sentido c a sua justificaçãq Assim qual é o tipo de civilização que ele propõe garante ou condiciona Quais os valores que ele pro move e o tipo de homem que constrói A essas diversas categorias de questões colocadas pela ciência contemporânea sobre o tríplice registro do conhecer do agir e da axwlogia poderíamos acrescentar certas questões colocadas à ciênçia pelo homem atual concernentes a suas grandes preocupações e a seus objetivos fundamentais Limi tarnosemos neSte apêndice a apresentar um rápido esboço do questionamento mais ou menos radical que vem sendo feito nos últimos anos ao proieto científico tomado em si mesmo Não se trata de um questionamento exigido simplesmente pe lo desenvolvimento científico e tecnológico Também não se trata da busca de uma compatibilidade interna visando a uma integração multidisciplinar entre os setores distintos da pesqui sa Por outro lado não se trata de uma nterrogação éta concreta sobre os processos de urilização e de aplicação dos conhecimentos científicos O questionamento de qualamos vai mais longe Diz respeito a uma suspeita difusa e pouco etplicitada por parte de certos homens inclusive cientistas mais esclarecidose responsáveis em relação ao projeto cien tífico O otimismo a boa consciência e a fé ou autosuficiên cia da década de 1960 cedem lugar a um clima de suspeita Tanto no interior quanto no exterior do mundo da pesquisa científica cristalizamse focos de contestação formando uma espécie de movimento anticiência sem qualquer caráter de esnÓbismo ou de infantilismo das reações epidérmicas ou afe tivas Apesar de novo irreverente e incômodo o fenômeno é real de contestar a ciência enquanto projeto científico Evidentemente entre os cientistas e esses grupos de rea ção anticiêncía há certa diferença Os cientistas em geral não 182 contestam a ciência enquanto atividade intelectual mas apenas as condições reais de seu exercício Os segundos porém opõemse à ciência enquanto tal sobretudo à sua instituciona Iização c a seu caráter de isolacionismo Questionamentos são feitos ao valor político e social da ciência e da pesquisa bem como à significação soda de seus resultados ou produtos in telectuais Colocase em dúvida a justificação de certos progra mas cienúficos e à legendária pureza ou neutralidade dos pesquisadores Essa neutralidade é simplesmente tachada de ingenuidade ou de hipocrisia A esse respeito têm surgido re centemente inúmeras obras preocupadas com os desafios da ciência ou com os problemas da responsabilidade social dos cientistas Entre os autores destacamse J R Ravetz P Thuillier J J Salomon B Barnes A Jaubert J D Berna E Schatzman J LévyLeblond W Fuller A questão é objeto de indagação de vários periódicos Algumas revistas foramcriadas para esse fim Science for the People EUA c Science for People Inglaterra Outras de caráter mais técnico também tratam do assunto Nature Science eLa Rechche Vários simpósios já foram realizados para discutir esse tema em Estocolmo 1969 organizado pelo Instituto Nobel em Londres e Bruxelas 1971 orga nizados respectivamente pela Fundação CIBA e pelo Weiz mann Iogitue of Science em SaintPaudeVence França organizado pela O C D E em 1972 relizouse um con gresso sobre A Ciência e a Sociedade onde os maiores cien tistas europeus discutiram e tentaram diagnosticar esse novo mal do século que atinge a humanidade em favor do desen volvimento científico e tecnológico Vários grupos de cientistas se organizaram nos E U A na Inglaterra no Japão na Alemanha e na França Um dos primeiros foi o British Society for SXial Responsability in Science 1969 Ao ser criada essa sociedade justificava sua existência existe porque há muitos cientistas que crêem que a ciên cia poderia trabalhar para o bemestar e para o benefício da humanidade Os cientistas não podem mais escapar às responsabilidades morais de seu trabalho A educação cientí 183 fica deveria chamãr a atenção para as consequenctas soc1a1s da ciência em seus contextos histórico e contemporâneo Com muita freqüência o público é levado a crer que certos tipos de progresso são inevitáveis a comunidade deve ser ca paz de tomar decisões para obter da ciência e da tecnologia os melhores efeitos sociais sem ser enganada ou ignorada pe IÓ governo pelos experts e pelos grupos de pressão E os cien tistas devem mobilizarse para difundirem os dados a partir dos quais possa ser estabelecido um julgamento sólido A BSSRS existe para fazer dessas declarações não piedosas as pirações mas bases para a ação Depois dessa apresentação de si mesma a BSSRS se pro punha corno objetivos 1 estimular entre os cientistas uma tomada de consciên cia da significação social da ciência e de suas res ponsabilidades ao mesmo tempo individuais e coleti vas 2 chamar a atenção sobre todas as pressões políticas sociais e econômicas que afetam o desenvolvimento da ciência 3 chamar a atenção do público sobre as implicações e as conseqüências do desenvolvimento científico e criar assim um público informado podendo exercer escolhas nesses domínios 4 promover um intercâmbio internacional sobre esses temas com grupos idênticos em outros países Diversas associações de dentistas foram criadas com o objetivo de promover uma reflexão e de educar a sociedade no que diz respeito aos novos e graves problemas criados pela era nuclear As mais importantes são nos EUA a Fe deration of Atomic Scientists na Inglaterra a Atomic Scien tists Association Depois do famoso manifesto de B Russel e de A Einstein e da reunião da Association Mondiále des Par lamentaires pour un Gouvemement Mondial Londres 1955 surgiu o Movimento de Pugwash que já realizou mais de vinte conferências internacionais Transcendendo os nacionalismos os particularismos filosóficos culturais e religiosos os cien tista que compõem o Movimento de Pugwashesforçamse por 184 precisar as implicações sociais do progresso científico e da evo lução tecnológica do mundo contemporâneo Os temas trata dos são variados energia nuclear radiações atômicas segu rança desarmamento cooperação internacional no campo científico ciência a serviço dos países menós desenvolvidos problemas ecológicos O objetivo explícito do movimento é exercer uma influência sobre os diversos governos e alertar a consciência dos cientistas sobre o conteúdo potencial político e social de suas pesquisas sobre as conseqüêndas de suas aplicações tendo em vista dar uma contribuição para a me lhoria do destino humano Pugwash é um movimento discre to porém sério e eficaz Até o momento conseguiu evitar todo tipo de politização ou de feudalização ideológica Agru pando apenas cientistas de renome internacional o movimento recebe o apoio das mais renomadas associações científicas da U S National Academy of Sciences da Academia das Ciên cias da URSS e da Royal Society of Science da Inglaterra P oriãnto a contestação à ciência em nossos dias não é feita mais apenas por sociólogos por filósofos ou certos jorna listas Ela se inscreve no cerne mesmo da consciência de nu merosos cientistas Há uns quarenta anos atrás um cientista podia escrever Meu avô anunciava o Evangelho de Cristo meu pai o do socialismo quanto a mim prego o evangelho da ciência Hoje em dia essa pregação não só é anacrônica mas ãberrante Porque os próprios cientistas já se iarerrogam sobre o valor da ciência sobre sua significação sobre seus pressupostos sobre 5UilS motivações sobre sua aptidão eni contribuir para a felicidade do homem e sobre o alcance social de seus resultados O impacto do trabalho científico sobre a sociedade constitui objeto de estudos cada vez mais críticos A contestação não é mais um fenômeno esporádico oriundo de causas locais ou fortuitas como se poderia pensar mas o resultado de exigências de maior lucidez e responsabilidade tentando conjugar ciência moral e política 185 BIBLIOGRAFIA SUMÁRIA BARNES B SocitJlogy of Science Penguin Books Londres 1972 BARBER B e HIRSCH W Tlle Sociqlagy of Science Free Prcss Nlva York 1962 BERNAL J D The Social Fu11ction o f Science MIT Press 1967 BERNAL J D e outros Ciencias y prevision científica Ediciones Roca México 1973 BUNGE M Ciencia y Etica Siglo Veinte Buenos Aires 1972 DAHRENDORF R Sociedad y Libertad Tecoos Madrid 1966 FOUREZ G lA Science partisane Gembloux Paris 1974 FULLER W The Social Impact of modem Biology Routledge Kegan Londres 1971 HABERMAS J La technique et la science comme idéologie Gallímard Paris 1968 JAUBERT A e LEVYLEBLOND Allocritique de la science Seuil Paris 1973 MYRDAL G Value in Social Tlteory Londres 1958 PARSONS Tr e outros Presencia de Max Weber Nueva Vision Buenos Aires 1971 RAVETZ J R Scientiic Know dge and its Social Problems Pcn guin Books Londres 1973 ROSE S e H Science and Society Pcnguin Books Londres 1970 SALOMON J J Science et Politique Seuil Paris 1970 SCHATZMAN P Science et Société Laffont Paris 1972 SOLLA PRICE D de Science et Suprascience Fayard Paris 1972 SOlLA PRICE D de The Science of Science Souvenir Press Londres 1964 THUILLIER Pr Jeux et enjeux de la science Laffont Paris 1972 VARIOS organízao de I D de DEUS A crítica da ciincia Zahar Rio de Janeiro 1974 VARIOS número especial da revista ÊcDnomle et Humanisme julho agosto de 1973 sobre A ciênci como poder WEBER M Essai Sltr la théDrie de la science Plon Paris 1965 187
Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora
Texto de pré-visualização
O MITO DA NEUTRALIDADE CIENTÍFICA Hilton Japiassu O MITO DA NEUTRALIDADE CIENTÍFICA O MITO DA NEUTRALIDADE CJENT1FICA Copirraite 1975 de Hilton Japiassu Editoração c oordenação PEDRO PAULO DE SENA MADUREIRA Revisão IOSb CARLOS CAMPANHA Capa PAULO DE OLIVEIRA 1975 Direitos adquiridos por IMAGO EDITORA L TOA Av N Sra de Copacabana 330 109 andar te 2552715 Rio de Janeiro lmpesso no Brasil Printed in Brazil HILTON JAPIASSU O MITO DA NEUTRALIDADE CIENTIFICA Série Logoteca Direção de JAYME SALOMÃO MembroAssociado da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro Membro da Associação Psiquiátrica do Rio de Janeiro Membro da Sociedade de Psicoterapia Analítica de Grupo do Rio de Janeiro IMAGO EDITORA LTDA Rio de Janeiro SUMÁRIO Introdução 7 I Objetividade Científica e Pressupostos Axiológicos 19 II Ciências Humanas e Praxeología 49 III Fundamentos Epistemológicos do Cientificslo 71 IV A Etica do Conhecimento Objetho 97 V O Problema da Ciência da CiênCia 123 VI Papel do Educador da Inteligência 145 Conclusão 165 A péndice 181 Bibliografia Sumária 181 INTRODUÇÃO Irremediavelmente marcada pela sociedade em que ela se insere a ciência é portadora de todos os seus traços e reflete todas as suas contradições tan to em sua organização interna quanto em suas apli cações Portanto não há crise da ciência mas somente aspectos específicos à ciência da crise so cial geral Apresentação do livro dirigido por A Jaubert e LévyLeblond Autocritique de la science 1973 O que é a ciênciaT A questão parece banal As respos tas porém são complexas e difíceis Talvez a ciência nem possaser definida Em geral é mais conceituada do que pro priamente definida Porque definir um conceito consiste em formular um problema e em mostrar as condições que o tor naram formulável No entanto para os cientistas em geral a verdadeira definição de um conceito não é feita em termos de propriedades mas de operações efetivas Mesmo assim definições não faltam Para o grande público ciência é um conjunto de conhecimentos puros ou aplicados produzi dos por métodos rigorosos comprovados e objetivos fazendo nos captar a realidade de um modo distinto da maneira como a filosofia a arte a política ou a mística a percebem Segundo essa concepção os contornos da ciência são mal definidos O protótipo do conhecimento científico permanece a física em torno da qual se ordenam a matemática e as disciplinas bioló gicas A esse conjunto opõemse os conhecimentos aplicados e técnicos bem como as disciplinas chamadas de humanas A verdadeira ciência seria um conhecimento independente dos sistemas sociais e econômicos Seria um conhecimento que ba seandose no modelo fornecido pela física se impõe corno uma espécie de ideal absoluto Mas há outras definições umas são extremamente am plas e vagas a ponto de identificarem ciência com espe culação outras são demasiadamente restritivas a ponto de 9 excluírem do domínio propriamente científico senão todas pe lo menos boa parte das disciplinas humanas Algumas defini ções podem ser classificadas como idealistas na medida em que insistem em reduzir a atividade científica à busca desinte ressada do conhecimento ou da verdade outras apresentam se como realistas chegando ao ponto de identifjcarem pura e simplesmente ciência e tecnologia Uma coisa 110s parece certa não existe definição objetiva nem muito menos neutra daquilo que é ou não a ciência Esta tanto pode ser uma pro cura metódica do saber quanto um modo de interpretar a rea lidade tanto pode ser uma instituição com seus grupos de pressão seus preconceitos suas recompensas oficiais quanto um metiê subordinado a instâncias administrativas políticas ou ideológicas tanto uma aventura intelectual conduzindo a um conhecimento teórico pesquisa quanto um saber rea lizado ou tecnicizado Se perguntarmos por outro lado sobre o modo de fun cionamento da ciência sobre seu papel social sobre sua ma neira de explicar os fenômenos e de compreender o homem no mundo perceberemos facilmênte que as condições reais em que são produzidos os conhecimentos objetivos e racionaliza dos estão banhadas por uma inegável atmosfera sóciopolíti coultural S esse enquadramento sóciohistórico fazendo da ciência um pmduto humano nosso produto que Ieva9s co nhecimentos objetivos a fazerem apelo quer queiram quer não a pressupostos teóricos filosóficos ideológicos oa axiológicos nem sempre explicitados Em outros termos não há ciência pura autônQma e neutra com se fosse possível gozar do privilégio de não se sabe que imaculada concepção Es pontaneamente somos levados a crer que o cientista é um in divíduo cujo saber é inteiramente racional e objetivo isento não somente das perturbações da subjetividade pessoal mas também das influências sociais Contudo se o examinarmos em sua atividade real em suas condições concretas de traba lho constataremos que a Razão científica não é imutável Ela muda E histórica Suas normas não têm garantia alguma de invariância Tampouco foram ditadas por alguma divfnda de imune ao tempo e às injunções da mudança Tratase de normas historicamente condicionadas Enquanto tais evoluem 10 e se alteram Isso significa que em matéria de ciência não há objetividade absoluta Também o cientista jamais pode dizer se neutro a não ser por ingenuidade ou por uma concepção mítica do que seja a ciência A objetividade que podemos re conhecerlhe não pode ser concebida a partir do modelo de um conhecimento reflexo A imagem do mundo que as ciên cias elaboram de forma alguma pode ser confundida com uma espécie de instantâneo otográfico da realidade tal como ela é percebida De uma forma ou de outra ela é sempre uma in terpretação Se há objetividaae na ciência é no sentido em que o discurso científico não engaja pelo menos diretamente a si tuação existencial do cientista A imagem que dele temos é a de um indivíduo ao abrigo das ideologias dos desvios passio nais e das tomadas de posição subjetivas ou valorativas No entanto tratase apenas de uma imagem Procuraremos desco brir o que se oculta por detrás dela Não se pode ignorar que ciênia é ao mesmo tempo um poder material e espiritlJal Não é essa procura desinteressa da de uma verdade absoluta racional e universal independeo te do tempo e do espaço que se distinguiria dos outros modos de conhecimento pela objetividade de seus teoremas pela uni versalidade de suas leis e pela racionalidade de seus resultados experimentais cuidadosamente estabelecidos e verificados e portanto eficazes A produção científica se faz numa soci dade determinada que condiciona seus objetivos seus agentes e seu modo de funcionamento PQfuamte marcada pe la culturà em que se insere Carrega em si os traços da socie dade que a engendra reflete suas contradições tanto em sua organização interna quanto em suas aplicações Talvez não se ja exagero dizermos que o poder do conhecimento está trans formandose rapidamente em conhecimento do poder Nesse sentido a ciência contemporânea herdeira experimental das religiões alienantes está impondose através da inteligên cia da racionalidade da objetividade e das técnicas de seus especialistas como uma espécie de compensação da estupidez humana Ela canta em cifras e em cálculos a grandeza do gênero humano como se pudesse representar o soatório organizado e racionalizado de nossas ignorâncias e 11 alienações Veremos como essa mentalidade conduz facilmen te à mistificação Em sua realidade concreta a ciência é um poder exerci do sobre as coisas e sobre os seres vivos Esse poder tornase tanto mais opressor quanto mais coincide com um saberfazer que apela como a seu alterego a tudo quanto não sabe pro duzir o poder de saber o que fazer Somos levados a crer que o mundo esteja inflacionado de ciência que ele padece de uma doença científica irreversível ou incurável Desde Descartes século XVII a ciência vem ensinandonos a dominar a na Hrea Parece ter conseguido seu intento com muito êxito pois já trata de dominar o próprio homem Todavia ainda não conseguiu ensinarnos como dqminar a dcminação E quem acredita que ela um dia possa vir a desempenhar esse papel está vivendo no mínimo uma ilusão Ainda nos encontramos longe de podr finalizar o êxito científicotécnico por um projeto capaz de restaurar para além dos saberes regionais e objetivados um conhecimento ao mesmo tempo objetivante e de totalidade Evidentemente a realização de semelhante pro jeto não pode ser obra de um indivíduo nem tampouco o re sultado miraculoso de uma superteoria Talvez seja o trabalho constante de um semnúmero de práticas de onde surgirãõ no vas coerências ou de outro tipo de teorização Nesse domínio é preciso fazer uma escolha correr riscos e adotar atitudes críticas Porquê sem tais posturas a ciência poderá esmagar nos sob o peso de seus sucessos e de seus benefícios Atualmente a atividade científica defrontase com sérios desafios internos e externos De um ponto de vista coletivo os descontentamentos sociais ligados à introdução de inúme ras inovações tecnológicas da poluição industrial aos horro res das guerras químicas e eletrônicas estão levando a um questionamento da equivalência entre ciência e progresso en tre tecnologia e bemestar social As manifestações objetivas dessa crise de confiança aparecem na redução dos investimen tos em pesquisas no número crescente de cientistas e de téc nicos que se vêem condenados ao desemprego e na crescente tomada de consciência por parte dos próprios cientistas das condições sócioculturais em que são realizados seus trabalhos A lguns colocam em questlio a escolha das prioridades nas pes 12 quisas enquanto outros começam a fazer um crítica ideológi c a à prática social da ciência Podemos compreender essa cri se como um desafio ao conceito de racionalidade científica e aos sistemas de valores culturais intelectuais sociais e éticos que se construíram sobre esse conceito Essa questão será e clareei da a propósito da ética do conhecimento objetivo O que podemõs perguntar desde já é se não seria teme rário entregar o homem às decisões constitutivas do saber científico Poderia ele ser dirigido pela ética do saber obje tivo Poderia ser orientado por esse tipo de racionalidade Não se trata de um homem ideal Estamos falando desse homem real e concreto que somos nós desse homem cujo pa trimônio genético começa a ser manipulado cujas bases bio lógicas são condicionadas por tratamentos químicos cujas ima gens e pulsões estão sendo entregues aos sortilégios das técni cas publicitárias e aos estratagemas dos condicionamentos de massa cujas escolhas coletas e o querer comum cada vez mais se transferem para as decisões de tecnocratas onipotentes cujo psiquismo consciente e inconsciente individual e coleti vo tomase cada vez mais controlado pela ciência pelo cálculo pela positividade e pela racionalidade do saber cientí fico desse homem enfim que já começa a tomar consciência de qte doravante pesa sobre ele a ameaça constante de um Apocalipse nuclear cuja realidade catastrófica o constitui aia objeto de refleãõ Uma reflexão mesmo sumária sobrec ponto de partida dos saberes científicos constituídos e cúlminando em técnicas bastante eficazes levanos facilmente a perceber que as ciên cias em sua vertigem crescente de objetividade e de raciona lidade conduzem aqueles que as praticam a um esquecimen to progressivo e rápido dos pontos de partida e das decisões constitutivas de seu saber Ora uma retomada de consçiência dessas condições de origem irá permitirnos conjugar uma reflexão do homem aos saberes sobrt o homem Ao biólogo redutor por exemplo que declara o homem é apenas um sistema regulado de funções biológicas poderíamos dar a se guinte resposta considerado do ponto de vista biológico e segundo o tipo de enfoque caracterizando tal epistemologia biológica ele aparece como um sistema regulado de funções 13 biológicas E da nova consciência desse considerado do pon to de vista biológico que surge a tarefa propriamente refle xiva Tratase de uma tarefa cultural ainda irrealizada Será levada a efeito pacientemente no interior de cada disciplina científica Em seguida nas pesquisas interdisciplinares O ob jetivo é atingir uma reflexão sobre as decisões constitutivas dos diversos saberes quer dizer retomar reflexivamente os resul tados obtidos as ligações descobertas as inteligibilidades es truturais no interior de um saber reflexivo coerente do homem para ele mesmo A esse respeito impõemse duas observa ções a f dessa forma que as ciências humanas por exemplo cada uma segundo sua abstração metodológica própria poderão cooperar para que o llomem redescubra uma nova consciência d si ou reelabore uma nova antropologia reflexi va não matstonstituída por introspecção ou por metodologia transcendental mas por um coptacto direto com as ciências humanas num diálogo interdisciplinar constante preciso que se parta das positividades elaboradas pelas ciências para que se efetue uma retomada reflexiva da5Juilo que a razão cogni tiva não cessa de se dar em vários níveis conceituais e de objetivar em saberes parciais Ao ingressar num diálogo vivo trlnqüilo ou polêmico com as disciplinas que de um modo ou de outro tomam o homem como objeto de estuào a an tropologia reflexiva num total respeito à autonomia de cada disciplina e aproveitandose das certezas já adquiridas forne cerá ao homem atual uma nova consciência de si dessa vez apta como deseja Jacques Monod a suprimir a alienação do homem oderno em relação à cultura científica b A segunda observação consiste em responder à seguin te questão podemos fazer do conhecimento objetivo como preconiza Monod o único valor a única ética digna do ho mem atual Evidentemente o conhecimento objetivo pode bas tar ao biólogo ao psicólogo etc mas seria capaz de blStar ao homem Talvez o problema seja mais bem elucidado se concebermos uma passagem do saber sobre o homem a um saberquerer do homem este sim capaz de dirigir sua ação Porqu pão é na ciência mas numa antropologia reflexiva 14 que iremos encontrar o discurso do homem sobre ele mesmo Só esse discurso pode revelar como originária e constitutiva do homem essa dialética do saber e do querer do fato e do valor do ser e do deverser Ela é esse lugar onde aqui lo que foi conquistado à maneira do fato faz valer seus direitos em revestirse da modalidade do valor e do sen tido Com esse saberquerer a biologia a psicologia a so ciologia etc não somente podem mas devem cooperar sob o controle do pensamento livre para a definição de uma ética da ciência Por isso não podemos admitir que o conhe cimento objetivo possa constituir a única finalidade o único valor Porque não sendo capaz de fundar uma ética torna se incapaz de constituir o valor supremo do homem Os yalo res não podem surgir de um saber sobre o homem mas de um querer do homem ser inacabado e sempre aberto às pos sibilidades futuras Depois dessas rápidas considerações introdutórias con vém apresentarmos sucintamente não somente o conteúdo mas as intenções do presente trabalho Este não pretende ser outra coisa senão uma coletânea de elementos e de instrumentos in trodutórios a uma reflexão mais aprofundada e crítica por par te dos eventuais leitores de um livro de iniciação a certos pro blemas de ordem epistemológica Tratase pois de um con junto de textos preparaàos e utilizados pelo autor em seus cur sos de epistemologia na PUC do Rio de Janeiro Aos textos originais foram feitas as necessárias alterações para fins de pu blicação Esses textos foram escritos com o objetivo preciso de responder a preocupações bem determinadas relativas a um contexto de ensino melhor ainda de seminários de estudos Razão pela qual conservam sua linguagem por vezes polêmica atendendo ao objetivo tanto de estimular a reflexão dos alu nos sobre alguns pressupostos filosófiços presentes e atuantes nos processos de formação de elaboração e de estruturação dos conhecimentos fornecidos pelas ciências humanas quan to de proporcionarlhes certas bases eonceituais para a com preensão desse fundo de saber solo ou horizonte epis temológicos sobre o qual se constroem certas teorias da ra 15 cioMlidade cóntemporânea Portanto tratase de textos que na origem não estavam destinados a serem congregados Don de a ausência de uma ordenação lógica rigorosa cada um po dendo ser tomado como um todo No entanto todos se inscre vem dentro de uma proJlemática fundamental a das relações entre a ciência objetiva e alguns de seus pressupostos isto é entre a corrente de racíoMlidade que se exprime no movimen to da industrialização e da planificação e o dinamismo de na tureza ética em interação com a racionalização embora autô nomo em relação a ela Assim a unidade dos vários capítulos do presente volu me só pode ser a de uma perspectiva não a de uma compo sição orgânica e logicamente concatenada Portanto não se de ve esperar dele uma análise ou uma reflexão cerradas ou sis temáticas sobreo modo como as ciências se articulam com as grandes dimensões da aventura humana Os capítulos que o compõem sãOl apenas enfoUits parciais e ocasiotraLs ainda bas tante incoatios de certos aspectos desse grande problema São propostos apenas a titulo de ensaios provisórios sugerindo al mas pistas de reflexão Eles tentam sem excessiva preocu pação de rigor metodológico exprimir uma preocupação mui to mais do que estabelecer conclusões ou eixos seguros de pen samento Razão pela qual não quis sobrecarregálos com cita ções em demasia remetendo o leitQI à piblíografia fundamen tal sobre o assunto No entanto seus capítulos obedecem a um certo no condutor religando a ciência objetiva a uma ética do saber objetivo passando pelos pressupostos axiológicos das ciências humanas e por um esboço de crítica ao princípio da neutralidade científica O primeiro capítulo é uma tentativa de colocar o proble ma da objetividade científica e de detectar os principais pres supostos axiológicos presentes no processo de constituição e de desenvolvimento das ciências humanas O segundo visa a enfatizar o caráter cada vez mais praxeológico ou intervencio nista dessas disciplinas O terceiro tem por objetivo elucidar os fundamentos epistemológicos responsáveis pela atitude cien tificista diante de todas as formas de conhecimento da reali dade O quarto é uma tentativa de mostrar que a ciência ob jetiva apesar de nio conseguir fundar uma ética do conhe 16 cimento não pode prescindir de uma ética que o funde No quarto tento situar o problema que hoje se coloca sobre a possibiidade cada vez mais crescente de se construir uma epis temologia científica afirmandose como ciência da ciência ou como organização racionatt da atividade científica Os capítulos 3 e 4 visam a mostrar entre outras coisas que o progresso dos conhecimentos não aparece mais em nos sos dias como uma condição necessária e suficiente para a prosperidade humana e menos ainda como a garantia de um melhor bemestar social e da felicidade dos indivíduos O que se pode dizer é que tudo parece recolocado em questão os meios de que a pesquisa científica dispõe e sobretudo os fins que os justificam Em outras palavras a pesquisa fundamental ou teórica não pode ser mais vista como a condição necesária e suficiente do processo de inovação e de melhoria das condi ções humanas de vida Ao invocarem os objetivos sociais de suas pesquisas os cientistas não têm mais o direito de esta rem seguros de que podem cumprir aquilo que vêm prometendo desde o século XVIII a ciência para o bem da humanidade Finalmente achei por bem incluir um capítulo sobre a peda gogia das ciências humanas Batizeio com o nome de O Papel do Educador da Inteligência Poderá ser tomado à guisa de apêndice pois só indiretamente está em linha de con tinuidade com os demais capítulos Por conseguinte que o leitor ao analisar criticamente este pequeno livro não veja nele uma argumentação objetiva e sistemática acabada ou dogmática isenta de falhas e de toda ilusão As formas de pensamento e de expressão utilizadas não estão isentas de pressuposições e de partis pri3 por vezes injustificados Razão pela qual ficaria muito grato em receber críticas e sugestões Estou consciente rias lacunas e da não isenção bem como do fato de nem sempre ter visto pelo menos explicitamente a contingência a relatividade e as limi tações de certas afirmações Ademaii estou consciente de não ter emprendido uma reflexão exaustiva sobre os temas pro postos à discussão nem tampouco de ter apreendido de modo verdadeiro todos os problemas centrais referentes às relações da ciência com seus pressupostos axiol6gícos Minha preocupa ção fundamental repito foi a de expressar uma intençao in 17 tenção de tentar comprender de situar e de captar a lógica interna de uma tensão que se inscreve no cerne da atividade científica Sobretudo intenção de assumir essa tensão de modo ao mesmo tempo vivido e refletido não na perspectiva fala ciosa de propor reconciliações indevidas mas na esperança de abrir um caminho capaz de conduzir a uma reflexão mais aprofundada e mais bem embasada Aquilo que se deixa entre ver através da evocação dos problemas analisados é um momento de grande simplificação em que não haverá mais nem enigma das ciências nem questão de ética mas o suspense de uma palavra unificada dessa vez capaz de engendrar a verdade 18 I OBJETIVIDADE CIENTÍfiCA E PRESSUPOSTOS AXIOLOGICOS Toda realidade social é constituída ao mesmo tempo de fatos materiais de fatos intelectuais e afetivos que estruturam pot sua vez a consciência do pesquisador e que implicam naturalmente valorizações Donde parecenos impossível um estudo rigorosa mente objetivo daSociedade L GOLDMANN Tudo se passa como se o empirismo radt cal propusesse como ideal ao sociólogo anularse enquanto tal A sociologia seria me nos vulnerável às tentações do empirismo caso lhe fosse lembrado com Poincaré que os fatos não falam Talvez a desgraça das ciên cias humanas esteja no fato de lidarem com um objeto que fala P BOURDIEU 1 Problemas epistemol6gicos Falar da objetividade científica é colocar um problema epistemoiógico Problema epistemológico e não simplesmente metodológico Porque aquilo que comumente chamamos de metoãologia não passa de um domínio da interrogação epis temológica Assim não podemos fazer um estudo crítico dos princípios das diversas ciências de seu valor e de seu alcance sem nos interrogarmos ao mesmo tempo sobre a nálureza e o valor dos procedimentos pelos quais elas se constroem e che gam a um conhecimento objetivo Ademais a reflexão episte mológica surge sempre coQ uma imposição das crises deta olldaquela disciplina científica E essas crises são o resultado de uma lacuna dos métodos anteriores que deverão ser ultra passados pela invenção de novos métodos Por outro lado o método não pode ser estudado independentemente das pesqui sas em que ele é empregado a não ser que se faça um estudo abstrato morto e incapaz de fecundar o espírito Aliás como já dizia Comte em seu Cours de philosophie positilAe tudo o que podemos dizer de real sobre o método quando considerado abstratamente reduzse a generalidades vagas e sem qualquer i11fluência sobre o regime intelectual Os procedimentos ógicos ou metodológicos não podem ser satisfatoriamente explicados independentemente de suas aplicaçõe Por sua vez o emprego dos métodos pressupõe a sua posse Por conseguinte falar da objetividade científica é falar de um problema epistemológico Tratase de saber no fundo 21 qual a significação do termo ciência A epistemologia atual reco nhece que a ciência não existe mais O que existe sãos as ciências Talvez fosse mais adequado falar de práticas cienti ficas Porque falar de a ciência é adotar no ponto de par tida uma tese idealista e abstrata E quando falamos de sig nificação da ciência queremos faar da ciência enquanto prá tfca humana Nesse septido a objetividade da ciência significa antes de tudo a intnção subjetiva do cientista que se carac teriza pela busca do conhecimento Em segundo lugar significa as intenções implícitas ou explícitas daqueles que elaboram a política científica ou que direta ou indiretamente orientam a pesquisa procurando estabelecer os critérios de sua valida ção Assim compreendida e em nosso contexto a significação da objetividade científica ou simplesmente da ciência referese ao creicimenJo racionalizado da produção Evidentemente a função desse crescimento não é de ordem científica nem por tanto objetiya O que a reflexão epistemológica atual mostra é cjue aquilo que comumente chamamos de metodologia das ciências não passa de uma disciplina meramnte instrumental Em outros ter mos a metodoJogia não tem um fim em si mesma Ela é apenas um meio para atingir determinado fim Os métodos são instru mentos que possibilitam ao cientista alçançar determinado ob jetivo cognitivo Hoje em di há uma tendência metodologi zante que de tanto discutir sobre os métodos não consegue fazer uma análise dos conteúdos nem tampouco explicar os fenômenos Donde o caráter abstrato de certos metodólogos que se deixam levar e envolver por uma teia de tecnicismos formais apresentandose como formalistas sem imaginação criadora Ora o estudo da realidade humana educacional psicológica social etc deveria primar sobre as questões puramente metodoló gicas Aliás é pelos problemas metodológicos que poderemos determinar a mediocridade ou a seriedade dos pesquisadores Nesse domínio é bastante comum a confusão entre meto dologia e técnicas de pesquisa Exemplifiquemos com o caso da educação Ningu6m coloca em d6vida que o conceito de pesquw lucacional tenha a pretensão de ser um trabalho cien tífico sobre a realidade educacional Todavia para atingirmos essa realidade há dois caminhos possíveis a o primeiro con 22 siste na formulação de técnicas de coleta de dados se uma pesquisa educacional nada nos informa certamente defor ma Vale dizer o estudo da realidade educacional supõe um contacto com ela não podendo permanecer no domínio da pura especulação Situamse aqui os progressos realizados no campo da observação controlada das escalas de medida da estatístka dos levantamentos das análises de conteúdo etc b O segundo caminho se refere à preocupação propriamente teó rica em torno dos dados a empiria por si mesma não asse gura caráter científico à pesquisa esta tem necessidade de um quadro teórico de contextuação Evidentemente essa perspectiva nega a filosofia empirista que acredita na evidência dos fatos como se a realidade devesse imporse ao sujeito O vetor episte mológico iria do real à razão e nâo do racional ao real Con tudo isso não quer dizer que a preocupação teórica tenha por finalidade desprezar a preoéupação empírica Pelo contrário a pesquisa científica deve integrar ambas as perspectivas muito embora a perspectiva teórica tenha o primado epistemológico de poder construir seus objetos científicos Nessas coPdições a distinção entre metodologia e téc nicas de pesquisa não passa de uma divisão artificial do trabalho em torno do problema 6nico pesquisá educacional por exemplo Essa divisão do trabalho especifica um nível em pírico e um nível teórico Ela dá a entender que para um estudo da realidade educacional a coleta estatística dos dados só adquire significaçãu real quando for construída ou elabo rada por um enquadramento teórico Não Jm Ilito sentido epistemológico a distinção entre metodologia empírica cha4 mada d técnicas e metodologia teórica chamada de método Tratase de uma distinção cuja desvantagem reside no dualismo teoriaempiria que ela apresenta ou sugere Muitos consideram a preocupação teórica como uma fuga da reali dade Mas a diferenciação teoriaempiria não passa de resquí cio saudosista de um dualismo já ultrapassado Se a métodologia é válida e necessária para a formação dos pesquisadores em educação parecenos que o é muito mais enquanto uma discipUna instrumental disciplina de indagação e de questionamento sobre a maneira como o pesquisador deve conhecer seu objeto Por isso não compreendemos metodogia 23 alguma que não se faça acompanhar de um fundo epistemoló gico nesse sentido que gostaria de propor algumas conside rações epistemológicas sobre o conteúdo da metodologia educa cional mas que poderão estenderse às demais disciplinas hu manas A Em primeiro lugar a atitude epistemológica eminen temente crítica obriga todos aqueles que elaboram métodos educacionais a se questionarem sobre a cientificidade ou obje tividade de sua própria disciplina Ademais levaos a se inter rogarem criticamente sobre o valor científico de seus produtos intelectuais Porque é a reflexão epistemológica que fornecerá as condições reais e as condições de possibilidade permitin do limitar ou demarcar aquilo que na ordem âo saber é ati Vidade científica propriamente dita Esta em princípio deve ser diversa de ta atividade do senso comum da percepção ime diata das acividades ideológicas ou especulativas a atividade científica deve estar isenta e liberta de todas as aderências subjetivas e opinativas Ess problema da demarcação colo ca problemas estritamente epistemol9gicos relação entre sujeito e objeto de conhecimento objetividade subjetividade objeto construído conceito teoria categorias de análise etc Sem o suporte de uma epistemologia o metodólogo cai fatalmente num tipo de atividade mecânica e pouco inteligente porque acrílica Nesse domínio falar de epistemologia é falar da neces sidade de fazer uma sociologia do conhecimento e até mesmo uma sociologia da ciência Em nossos dias há todo um esforço de relativizar a ciência A demarcação científica variou bas tante através dos tempos Atualmente tomouse praticamente impossível sustentar a existência de uma verdade científica Um pouco de epistemologia histórica revela que aquilo que já foi considerado iumamente científico foi posteriormente ridicula rizado Por outro lado se tomamos nosso exemplo da educação não podemos negar a existência de várias escolas com teo rias contrárias ou antagônicas Isso vem mostrar claramente que a atividade científica não pode ser considerada como um templo sagrado Ela é uma atividade humana e social como qual 24 quer outra Está impregnada de ideologias de juízos de valor de argumentos de autoridade de dogmatismos ingênuos che oando mesmo a ser desenvolvida em instituições fechadas ver jareiras seitas científicas com suas linguagens próprias para uão dizer dialetos A educação enquanto disciplina com pre tensões científicas ilustra bem o que acabamos de dizer Na verdade ela é uma disciplina que até hoje procura definirse autodeterminarse estabelecer seu estatuto de cientificidade quer no interior das demais ciências humanas quer por oposição às influências da filosofia Na prática porém ela não passa de um amontoado de escolas com um objeto de investigação bastante diversificado em múltiplas práticas educativas Há o educaáor que pratica pesquisa educacional unicamente no nível metodológico estatístico e de planejamento há o educador que é herdeiro da filosofia educacional e humanista produtor de altas teorias mas sem caráter de operacionalidade há os edu cadores críticos que se julgam os avaliadores dos sistemas edu cacionais não tendo dificuldades em propor soluções a curto ou a longo prazo para seus males No entanto ao nos deparar mos com as teorias dos vários pedagogos somos quase que forçados a reconhecer que os profissionais da educação se relevam profundamente incapazes de delimitar ou demarcar aquilo que constitui propriamente a realidade educativa ou aquilo em que consiste a educação como disciplina científica que pretende ser Não podemos ser ingênuos a ponto de ignorarmos que todo sistema educacional carrega as marcas da sociedade que o ins taura Tampouco podemos desconhecer que ele participa direta ou indiretamente do problema de dominação próprio a todo sistema social As ciências da educação à medida que ten tam eliminar as ideologias para se tornarem científicas são prodtaoras de ideologias e de sistemas valorativos E a razão é a seguinte nenhuma ciência humana pode ter a pretensão de ser uma determinação epistemológica prédada suprahistórica e invariáel Além dos conteúdos buscados na teoria do conheci mento a demarcação real de qualquer ciência humana só po derá ser levada a efeito no interior da sociedade em que ela é praticada Em outros termos aquilo que é científico nesta ou naquela disciplina não é um parâmetro feito uma vez por 25 todas atemporal mas uma realidade essencialmente histórica levando em seu bojo as marcas contínuas do conflito e das mutações sócioculturais a essa realidade que chamamos de processualidade epis tel7UJlógica das ciências Nesse sentido toda ciência é proces sual Devemos passar da idéia de um conhecimentcrestado à idéia de um conhecimentoprocesso E a epistemologia outra coisa não é senão essa atitude reflexiva e critica que permite submeter a prática científica a um exame que diferentemente das teorias clássicas do conhecimento se aplica não mais à ciência verdadeira de que deveríamos estabelecer as condi ções de possibilidade e de coerência lógica bem como seus títulos de legitimidade ou de validação mas à ciência em vias de se fazer em suas condições reais e concretas de reali zação dentro de determinado contexto sóciocultural Assim uma das tarefas essenciais da epistemologia é a de revelar a fQÇJSuolitade dm ciências Em outros termos a função âa epistemologia consiste entre outras atribuições em mostrar que à atividade científica é um produto humano e por isso uma realidade sóioliístórica Por definição a atividade científica encontrase em estado de constante inacabamento Ela está sempre fazendose e construindose Jamais atinge um estado definitivo Uma produção científica acabada é um absurdo epis temológico Deixaria de ser científica para converterse em dÕg ma imutável E como todo dogma seria objeto de crença e não de saber racionalA idéia bacheiardiana de corte eoistemõ lógico revela que não podemos conceber uma fase final na produção científica Ademais mostra que toda teoria científica é apnas uma hipótese provisória à espera de outra mais fe cunda O critério de verdade de uma teoria longe de estar em sua certeza está em sua superação num futuro mais ou menos próximo ou distante A processualidade da ciência poderá ser mais bem enten dida se levarmos em consideração certos elementos epistemoló gicos expostos a seguir a Se a cincia é histórica a verdade cientifica não pode deixar de ser um conceito também histórico A realiza 26 ção de uma verdade só poderá ser uma aproximação maior ou menor dela b Sendo um produto humano a ciência participa das vicissitudes da ação social Não há ciência absolutamente isenta de valorações e de ideologias Não existe a imaculada concep ção da ciência c A definição daquilo que é científico não decorre de parâmetros ou critérios prévios e invariantes que servem de medida absoluta para qualquer atividade científica Ela depende dos controles intersubjetivos freqüentemente apresentados como o resultado de uma descentração relativamente ao ponto de vista próprio em direção ao sujeito epistêmico d O que mais entrava o progresso científico são as posições dogmáticas O erro tão vituperado em lógica for mal significa certa carência dentro de uma teoria Contudo Bachelard mostrou que o erro é um elemento essencial da teoria tendo sentido positivo Teoria sem erro é teoria dogmá tica O primado teórico do erro significa a objetividade será mais clara e distinta na medida em que aparece sobre um fundo de erros o valor de uma idéia objetiva depende da superação das ilusões do conhecimento imediato a objetivação procede de uma eliminação dos erros subjetivos e psicologicamente vale como consciência dessa eliminação e Na realidade tudo é objeto de discussão O critério mais seguro de objetividade é a disposiçãõ crítica do cientista pois não pode haver um critério interno que seja exaustivo e perenemente válido A formulação de um critério absoluto de verdade é um absurdo Donde a impossibilidade de conceber a existência de um conceito universal a menos que seja imposto autoritariamente A atividade científica baseiase no campo fér til do pluralismo das çoncepções e não nua conêepçãomo delo parâmetro universal de objetividade B Um dos conteúdos mais importantes da epistemolo gia consiste no questionamento da construção do objeto cientí fico Se admitimos que o ponto de vista cria o objeto Saus sure devemos reconhecer que a epistemologia demonstra o caráter meramente instrumental da metodologia para a pes quisa científica E essa afirmação epistemológica segundo a 27 qual o objéto da ciência é construído significa que no pro cesso do conhecimento vamos do racional ao real e não como pensam os empiristas do real ao racional Todavia essa posi ção não significa uma recaída no idealismo clássico que con feria um primado à idéia sobre o concreto O objeto real existe independentemente de nosso conhecimeitO quer pensemos nele quer não Contudo a ciência não se interessa pelo objeto real em seu estado bruto O objeto real só se torna objeto cientí fico quando for retirado de seu estado natural vale dizer quando for construído elaborado pensado por uma teoria ou seja quando for enquadrado por um ponto de vista teórico Em outras palavras o simples acontecer só atinge o nível do conhecimento científico quando for reconstruído teoricamen te E competi à epistemologia revelar como a ciência constrói seus objetos de sua alçada mostrar por que os cientistas dão preferênci a este ou àquele tema em detrimento de outros bem coriiofmostrar quais as categorias de análise instrumental conceitual de uma teoria que são empregadas Ora se definimos uma teoria como um sistema de con ceitos desenvolvidos sob fotma coerente e consistente deve mas reconhecer que tais conceitos aparecem estratificados na forma idealizada de uma pirâmide alguns são mais essenciais do que outros entre os essenciais alguns são mais fundamen tais Todo cientista gira em torno de certas çategorias de aná lise E a epistemologia levanos a refletir sobre tais categorias Levanos ainda a questionar os pontos de partida infundados os axiomas gratuitos as seletividades arbritárias e as prefe rêncas Essoais decorrents de opções valorativas Ademais levanos a identificar as aderências ideológicas teóricas os va zios analíticos e a situar o cientistas dentro do processo de pro dução científica geral Enfim a epistemologia lança o desafio de comprovação concreta daquilo que é tido como científico se pensaqtos fazer ciência devemos saber fundamentar essa crença se acreditamos que outras pessoas não fazem ciência precisamos comprovar tal negação E é por isso que a episte mologia pode ser considerada como uma verdadeira catarse intelectual assim como a descoberta do fundo inconsciente de nossos problemas psíquicos conduz a um alívio psicológico da mesml forma uma depuração de nossa atividade científica até 28 cuas raízes inconscientes poderá reverterse numa maior fh eza teórica numa definição mais clara de nossos enfoques numa clarificação decisiva de nossos instrumentos conceituais c numa atitude mais modesta e aberta face à complexidade Jesconcertante do esforço científico 2 Neutralidalle científica e juízos de valor O problema epistemológico da objetividade científica co loca quer queira quer não a questão da neutralidade dos cien tistas relativamente a todo e qualquer tipo de valoração e de engajamentos pessoais Talvez não haja muito sentido epistemo lógico em querermos deCidir de modo claro e definitivo algo sobre esse problema extremamente copplexo e confuso Não obstante tratase de um problema epistemelógico bastante rele vante sobretudo porque a objetividade sempre foi o ideal epis temológico de toda disciplina cm pretensões a passar do estádio précientífico ao estádio propriamente científico isto é à autl determinaçlio epistemol6gica no campo do saber Jáse escreveu muito sobre essa questão Não vamos aqui fazer uma síntese de tudo o que já se disse a respeito Tampouco é nossa intenção dar uma contribuição original Queremos apenas focalizar al guns elementos relevantespassíveis de elucidar melhor a pro blemática da objetividade científica de seus pressupostos axio Jógicos ou valorativos No processo de objetivaçao a presença dos juízos de valor não é uma simples anomalia epistemológica mas um dos elementos constitutivos do acesso ao saber obje tivo Este continua sendo o ideal das ciências humanas Epist mologicamente falando toda ciência constr6i seu objeto ela bora seus dados e seus fatos O fato puro não existe Todo fato 6 construído E a objetividade sempre se perde em pres supostos que estão longe de ser objetivos O problema da objetividade nas ciências humanas tal como Max Weber o colocou situouse no clima em que se debatia a metodologia das ciências humanas no fim do século XIX Com efeito em 1883 com a publicação da Introdução às Cinclas do Espfrito de Dilthey a questão metodológica que se colocava era bastante complexa Tratavase de saber se havia uma dlfe 29 rença entre as ciências da natureza e as ciências humanas Se eram distintas qual era a diferença entre essas duas categorias de ciências Trabalhavam sobre o mesmo objeto ou sobre um objeto diferente De um lado havia a realidade física deixando se determinar quontitativamente e submetendose a leis escritas do outro havia a realidade psíquica de caráter qualitativo e singular Teria sentido esse dualismo ou será que o objeto seria o mesmo em ambos os setores de conhecimento embora considerado sob pontos de vista distintos de sorte que a distinção entre os dois tipos de ciência seria apenas metodoló gica Caso admitamos uma distinção entre os dois campos do saber qual é o método próprio das ciências humanas tendo em vista que para a maioria dos teóricos dessa época o mé todo das ciências naturais escapava à discussão seus procedi mentos estando como que definitivamente estabelecidos Por conseguinte uàtavase em geal de descobrir o mesnio rigor metodológico para as ciências humanas Uns acreditavam poder encontrar na psicologia a disciplina capaz de desempenhar o mesmo papel que a mecânica sempenhava nas ciências na turais Outros insistiam na impossibilidade de eliminar a ética e os juízos de valor Outros ainda procuravam um meio de investigação original próprio às ciências humanas fuHdado na distinçªo entre explicar e compreender as ciências naturais eplicariam seus fenômenos as ciências humanas compreende rÜJm os seus Por sua vez a noção de compreensão dava mar gem a controvérsias seria ela de natureza puramente intuitiva ou pelo contrário exigiria para ser válida ser controlada pe los processos da explicação causal Essas questõessuscitaram outras quais são as disciplinas que pertencem às ciências hu mana Será que diversos aspectos dessas disciplinas não se deixariam apreender los procedimentos naturalistas e outros por procedjmentos interpretativos Assim o problema epistemológico central consistia em determinar os limites e o alctmce dos conhecimentos fornecidos pelas ciências humanas Esse problema revelava uma crise nas ciências humanas dando inclusive lugar a uma intemperança crítica e dogmática que afastou os cientistas de seu verdadeiro objetivo epistemológico Havia uma verdadeira epidemia meto 30 dológica Em quase todos os seus estudos os cientistas sen tiam a necessidade de acrescentar observações de ordem meto dológica Eles queriam cada um para sua disciplina afirmar o caráter de cientificidade de seu conhecimento Para Weber não se tratava com o fim de chegar à objeti lidade nas ciências humanas ie impedir que os cientistas pro pusessem soluções ou fizessem avaliações J até mesmo fre qüente que aqueles que pretendem absterse de qualquer juízQ de valor são os primeiros a ser infiéis à sua resolução quer porque se tornam vítimas de instintos de simpatias e antipa tias incontroladas quer porque consideram como verdade cientí fica a doutrina que triunfa no momento ou que tende a impor se E tudo 1sso como se a objetividade se deixasse decidir pelo domínio do mais forte sobre o mais fraco No campo per exemplo da economia a grande dificuldade consiste em discerni quando uma proposiçác se origina da ciência econô mica ou simplesmente da política econômica Com efeito con siderada como ciência a economia visa a explicar e a analisar a realidade econômica e como tal é internacional isto é universal como toda ciência Asim comprendida ela está a ser viço da verdade seja porque estuda as condições objetivas da situação econômica de um país ou de uma época determinada seja porque aprofunda o fenômeno econômico em si mesmo ou seu desenvolvimento bistórico A esse título ela não pode tMnarse profécia nem anunciar a manifestação de qualquer fim último Dizer porexemplo que a ecoomia deve favorecer a paz entre os homens já é fazer um juízo de valor que nada tem a vr com um enunciado científico A política econômica ao contrário não pode pretender à universalidade Ela deve aterse ao particular pois permanece ligada aos recursos dispo níveis de um país determinado dependendo das instituições e do regime de cada nação E nesse contexto que se coloca o problema do valor da ciência Para Weber nenhum valor nem mesmo o da ciência pode ser compreendido empiricamente O objetivo da ciência é a procura indefinida e o progresso do conhecimento por si mesmo Seus resultados só são verdadeiros em virtude das nor mas lógicas de nosso pensamento Evidentemente a ciência pode ser colocada a serviço de interesses econômicos políticos 31 médicos técnicos e outros Todavia o valor de cada um desses fins é imposto de fora não tendo justificação na própria ciên cia Ademais do ponto de vista empírico o valor da ciência pura entendida como pesquisa permanece problemática e contestável Ele pode ser combatido por motivos políticos ou religiosos Contudo o indivíduo que dá primazia ao llalor da vida sobre o valor do conhecimento pode tornarse adversário do conhecimento na medida em que o julga como uma ameaça à existência do homem Inversamente o negador da vida tam bém pode oporse à ciência quer vendo nela uma manifestação sempre mais rica da vida quer achando que ela pode aniqüi Iar a vida Nenhuma dessas atitudes é necessariamente con traditória a glorificação e a depreciação da ciência supõem a adesão a valores Portanto nessas condições a significação da ciência para a cultura bem como a significação da cultura considérada como nm crescimento de valor não se deixaQt fundar cientificamente Pelo contrário são sempre pontos dé vista axiológicos e por conseinte discutíveis Assim nossos juízos sobre a ciência e a cultura são juízos de seres civilizados e que como tais estão familiarizados com uma escala de valores que outros homens podem rejeitar sem por isso se tor narem degradados ou inferiores Todas essas posições são filosóficas e exprimem a intromissão do caráter inteligível na realidade empírica através do disface de normas éticas Depois dessas considerações de ordem histórica recolo quemos o problema epistemológico da neutralidade científica qual a relação entre as ciências humanas e os juízos de valor No clima da sociologia alemã onde o problema surgiu de modo mais explícito no início de nossos século duas posições se defrontam de um lado situamse os defensores da neutra lidade científica do outro os partidários de um engajamento por parte dos cientistas Os 11eutros acham que os engaja dos aabam por envolverse no sistema social vigente e por jystificªlo Qs engajados acusam os neutros de absen teísino quem a consente e o silêncio contra o regime é uma forma de justificálo Em ambos os casos há uma justificação do nacionalsocialismo uns prostituem as ciên cias sociais por seu engajamento outros as prostituem por sua neutralidade que nada mais é do que uma forma de 32 oportunismo f nesse contexto que se situa o pensamento de Max Weber Determinaremos em primeiro lugar as rea ções entre a noção de independência face aos valores t Wertfreiheit e a tentativa weberiana de dar um fundamento bjetivo às ciências sociais Em seguida mostraremos se essa noção ainda pode ser aplicada atualmente Situaremos o pro blema num plano meramente epistemológico deixando de Lado toda referência explícita à obra histórica e sociológica de Weber A A independência face aos valores Segundo Weber a independência face aos valores está vinculada ao seguinte fato a ciência em geral e as ciências sociais em particular devem limitarse a um papel puramente explicativo Nesse sentido não devem determinar as modalidades do comportamento humano nem tampouco devem definir nor mas políticas econômicas morais ou outras A exclusão dos juízos de valor constitui a condição externa da objetividade das ciências sociais A condição interna está na possibilidade da explicação causal Essas duas condições constituem as re gras gerais do método científico Segundo Weber as ciências sociais para serem objetivas devem excluir os juízos de valor Por outro lado a Cmprovação dos fatos j permite a de dução de normas de comportamento nem tampouco aprecia ções referentes a essas normas Porque não se pode deduzir um juízo de valor de um juizo fático A segunda condição da objetividade consiste na possibilidade de explicação causal as ciências sociais devem estabelecer as relações existentes entre os fatos e determinar as condições que as tomam pssíveis Assim segundo Weber há uma distinção fundamental en tre o conhecimento daqilo que ê e o conhecimento daquilo que deve ser Uma colocação fundada núm juízo de valor deve ser rejeitada pois a tarefa das ciências experimentais não consiste em aferir normas e ideais obrigatórios para que deles decorram receitas para a prática Contudo o fato de as ciênclas sociais excluírem os valores nãosignifica que não se relacio nem com eles Pelo contrário não somente podem tomar os 33 valores como objeto de suas investigações mas também uma de suas tarefas principais consiste em determinar as condições de sua realização Elas podem atribuir um caráter normativo aos valores isto é determinar se um valor deve ou não ser considerado como regra de conduta ou como base de aprecia ção Mas elas podem e devem determinar os meios que permi tem realizar os valores bem como as conseqüências que deri vam dessa realização e do emprego dos meios Assim o estudo das relações entre o meio e o fim e o estudo entre a realização e as conseqüências convertemse no fundamento de um exame crítico e técnico dos valores Essa maneira de encarar o problema está manifestamente clara em A Objetividade do Conhecimento nas Ciências So ciais e nas Ciências Políticas Esrais sur la théorie de la scien ce Paris 1965 Vejamos as posições essenciais de Weber 1 Toda análise reflexiva que diz respeito aos elementos últimos da átividade humana racional está antes de tudo vinculada às categorias do fim e dos meios Aquilo que antes de tudo é imediatamente acessível ao exame científico é a questão da conformidade dos meios quando é dado o fim Uma vez que estamos em condições de estabelecer de modo válido quais são os meios aptos ou não a conduzir ao objetivo que nQ representamos também podemos por esse caminho aquilatar as chances de consegüTr uin fim determinado com o auxílio de determinados meios colocados à nossa disposição Portanto dentro desse contexto podemos criticar indiretamente a intenção como praticamente razoável ou não razoável se gundo as condições históricas Estamos aqui diante de um dos problemas centrais a separação dualista entre meio e fim A demarcação do fim entra no domínio da decisão polí tica especificamente valorativa por sua vez a questão dos meios e somente elas tornase acessível ao domínio científico 2 Também podem ser determinadas além da realização eventual do fim visado as conseqüêncim que o emprego dos meios indispensáveis poderia acarretar tendo em vista o con texto global dos acontecimentos Por conseguinte a descrição das conseqüências ie coloca fora do engajamento relativamente ao fim em questão uma vez que este não se toma objeto de 34 escolha decisória mas é tomado como um dado pressuposto Ademais é preciso que seja levado em conta o conhecimento da significação daquilo que se quer os fi1ts são conhecidos e escolhidos de acordo com o contexto e a significação que se pretende Em outros termos os fins são escolhidos quando se pode indicar e desenvolvr de modo logicamente correto quais são as idéias que estão ou poderiam estar subjacentes ao fim concreto Porque uma das tarefas mais importantes de toda ciência da vida cultural humana consiste em abrir a com preensão intelectual às idéias pelas quais os homens lutaram ou continuam lutando E Weber mostra que isso não ultra passa os limites da ciência Esta deve buscar a ordem pen sante da realidade empírica e os meios que servem para a explicitação desses valores mentais 3 Weber crê na possibilidade de estudar os próprios íuízos de valor como objeto científico O sujeito pode estudar cientificamente os valores sem se comprometer com eles quer dizer permanecendo isento de suas contaniinações Por exem plo pode estudar a legitimidade ideológica de certo regime po lítico do ponto de vista de um valor vigente sem no entanto sentirse obrigado a tomar posição valorativa pró ou contra tal regime E o que faz a sociologia do conhecimento quando estuda o fundo social que dá origem e contexto a certo valor ou a certa idéia valorativa Por exemplo a problemática social subjacente aQ valor segundo o qual a mulher deve trabalhr na sociedade industrial é uma questão que depende do querer e da consciência pessoais e não do saber científico De um modo geral uma ciência empírica não pode ensinar a ninguém aquilo que ele deve fazer mas somente aquilo que ele pode e em cer tas condições aquilo que ele quer fazer CQmo podemos notar a distinçlo wetiana entre meio e fim é bastante nuançada Ele reconhece que nossas cosmovi sões pessoais costumam atuar ininterruptamente no domínio das ciências A argumentação científica pode realmente ser distorcida por fSsas cosmovisões Elas contribuem para avaliar diferentemente o peso dos argumentos científicos inclusive no esfera da descoberta das relações causais simples segundo o resultado aumente ou diminua as possibilidades dos ideais pes 35 soais Contado é bastante clara a postçao de Weber em favor da isenção dos valores nas ciências só é científica a disciplina que proscreve a interferência dos juízos de valor Todavia a vida cultural sempre coloca o problema do sentido 4ue ela pode ter Por isso o juízo de valor sempre emerge ua argumentação científica Mas Weber procura a todo custo como um dever sagrado evitar que o juízo de valor seja tomado como s fosse um argumento científico Chega mesmo a falar de um dever cientifico de procurar e atingir a verdade dcs f a tos Essa verdade deve ser a mesma para todo mundo indepen dentemente do tempo e do espaço Weber não esconde que ele mesmo é animado por dois juízos de valor que se convertem em dois devees para todo cientista Primeiro dewr o cientista social deve a cada instante explicitar escrupulosamente à sua própria consciência e à e seus leitores quais são as medidas de valor que ser vem pata medir a realidade e das quais o juízo de valor é deduzido ao invés de cultivar como ocorre demasia do freqüentemente as iluSões em torno dos conflitos de ideais por uma combinação imprecisa de valores de na tureza bastante diversa tentando contentar todo mun do Segundo devu o cientista social deYe explicitar a si mes mo e ao leitor aquilo sobre o que fala o pesqUisador deve tornar claro onde e quando cessa a pesquisa do cientista e onde e quando o homem de vootaae se põe a falar deve indicar em que momento os argumentos se dirigem à razão e quando se dirigem aos sentimentos A confu são permanente entre discussão científica dos fatos e ar razoados valorativos é uma das particu1aridades mais freqüentes mas também mais prejudiciais aos trabalhos de nossa disciplina E é unicamente contra essa confusão que se dirigem nossas observações anteriores e não con tra o engajamento em favor de um ideal pessoal Não há afinidade interna alguma entre ausência de doutrfna e objetividade cienttica Essa ltima afirmação tornouse famosa a neutralidade científica é vista como um valor embora não seja colocada 36 neutramente Weber fala constantemente de dever científico na busca da objetividade apesar de reconhecer a impossibili dade de uma total isenção do sujeito relativamente ao objeto Nem por isso ele deixa de postular uma atitude neutra para que não seja subvertido aquilo que chama de a ordem pen sante das ciências empíricas A neutralidade é um postulado metodológico que como qualquer postulado depende de uma tomada de posição valorativa E é justamente nesse ponto do dever que Weber é mais contestado sobretudo por Marcuse que vê nele uma espécie de Marx do capitalismo Segundo Marcuse Weber teria colo cado a ciência à disposição da economia política e conseqüen lemente inteiramente a serviço do sistema uma vez que re nunciou a discutir o próprio sistema em cujo contexto apa rece a questão de seus fins e de seus valores Não podemos esquecer no entantQ o momento histórico vivido por Weber os marxistas queriam chegar à cátedra e tentavam transfor mála em púlpito de pregação doutrinária Weber considera va essa pretensão uma derrocada de suas concepções científi cas e a entrega da ciência às mãos de bandoleiros Daí sua reação violenta contra toda interferência na ciência dos sis lernas valorativos e ideológicos O que não quer dizer uma tomada de sição anética pois a atitude ética é até mais im portante do que a ciência simples constatação de fatos logi camente ordenados Weber pretende apenas separar as duas instâncias a ciência isenta dos valores atingiria melhor os fatos ao passo que o jÚízo de valor se colocaria fora das ques tões científicas Para estudar as relações entre os valores e a ciência Weber utiliza a distinção introduzida por Rickert entre juízos de valor e referência a valores Nessa última noção está contido um princípio de seleção que possibilita nas ciências sociais a delimitação do campo das investigações segundo os casos específicos Assim definida a referência aos valores se confunde com o ponto de vista em que nos situamos para proceder à investigação A função metodológica dos va lores consiste no fato de serem critéri de seleção chamados a determinar a orientação e o domínio das investigações cien tíficas E na referência aos valores que se situa a significa 31 ção dos processos que constituem o objeto das ciências so ciais Na origem dessas disciplinas estão sempre presentes pressupostas axialógicos condicionados historicamente pelo contexto cultural em que surge a investigação científica Tais pressupostos são subjetivos pois constituem um ponto de partüia extracientífico não derivando da investigação objetiva No entanto a influência das circunstâncias históricas e a pre sença dos pressupostos axiológicos não impedem que as ciên cias sociais cumpram seu papel explicativo e portanto cientí fico as relações de fato podem ser determinadas objetivamen te através da experiência e independentemente da adoção des te ou daquele pressuposto axiológico Em toda investigação científica são inevitáveis os pressu postos axiológicos Contudo o importante é que seu emprego deve estar submetido a certas regras Píetro Rossi enumera três regras que seriam válidas para o conjunto das ciências sociais 1 os pressupostos axiológicos devem ser enunciados for malmente a fim de que fique bem claro que se trata de apreciações 2 devem ser utilizados como hipóteses de trabalho e postos à prova no decorrer da nvestigação 3 devem converterse em modelos explicativos que se rão conservados ou afastados segundQa experiência Presencia de Max Weber Talcot Parsons y otros 1971 Evidentemente embora sejaDf todas indispensâvels essas regras não têm o mesmo valor nem tampouco a mesma fun ção A primeira é puramente formal é insuficiente pois o fa to de se admitir um pressuposto axiológico não garante que seja bem fundado embora impeça que seja confundido com os fatos A segunda se refere ao método e estabelece o cará ter hipotético dos pressupostos axíológicos hipóteses que po derão ser refutadas ou confirmadas pela investigação científi ca A terceira determina a relação entre os pressupostos axio lógicos e o processo explicativo reconhndo que a referên cia à experiência se toma decisiva para a adoção ou a rejeição 38 de uma hipótese explicativa Consideradas em conjunto as trs regras conseguem dar nova forma à noção de indepen dência face aos valores e estabelecem o modo de emprego Jos pressupostos axilógicos Em suma qual a função dessa rejeição dos juízos de va lor nas ciências sociais Ralf Dahrendorf mostrou recentemen te que existem pelo menos seis pontos de contacto do cientis la social com os juízos de valor Em síntese são os que se cguern I O primeiro ponto se refere à escolha do tema Nessa escolha entram em jogo juizos de valor re1ativos à importância do tema Mas isso não tem nada a ver com os juizos implicados no referido tema pois po demos darlhe um tratamento objêtivado muito embora ele possa ser escolhido segundo preferências pessoais 2 O segundo é a seletividade da abordagem em nossa investigação devemos conservar certos pontos de vis ta O contexto teórico escolhido para ratar o te ma já contém elementos seletivos Ao lançarmos uma hipótese sempre lhe acrescentamos certos dados e procuramos a teoria que melhor possa confirmála Ninguém lança uma hipótese na espença derejei táIa Aliás é o que também ocorre nas diScussões escolhem no adversário os seus pontos fracos pa ra melhor refutálos Assim ao analisar o capitalis mo Weber destacou demais a influência do calvinis mo dando pouquíssima importância às invenções téc nicas Até certo ponto ajeitou os fatos à sua aborda gem teórica Saussure já dizia que o ponto de vista cria o objeto 3 O terceiro diz respeito à relação entre o objeto da so ciologia e os valores quer dizer aos valores como objeto todo comportamento humano está regulado por normas sociais por convenções por regras de costume de etiqueta ou de direito 4 O quarto consiste no esforço que tende a apresentar os postulados práticos ou políticos corno hipóteses 39 científicas Tratase do problema da desfiguração ideológica tentativa de fazer passar por colocações científicas posições valorativas pessoais A desfigu ração ideológica aparece como a inoculação subrep ticia de elementos espúrios na ciência Exemplo a partir do fato de estªr desaparecendo a família pa triarcaJ um cientista conservador pode concluir que a família está desaparecendo A razão de tal juízo pseudocientífico é o pressuposto aceito sem provas de que a família patriarcal é a única forma de famí lia ou sua forma natural Também um cientista li beral pode profetizar o fim da família por ser in capaz de elaborar uma tipologia das diferentes for mas de família Nos dois casos tratase de um dog matismo injustificado 5 O quinto consiste em saber se o cientista é capaz de passar da teoria à prática Tratase da aplicação da ciêicia à prática Weber ensina que jamais se pode demonstrar que um modo de agir deriva necessaria mente dos dados da investigação O que se pode afir mar é que em certas condições certas conseqüências são previstas em outras condições outras conseqüên cias Não se pode dizer definitivamente que tal so lução prática é justa e esta outra é falsa 6 o último ponto se refere à funçáQ social do sociólo go Tratase de saber se é da sua alçada tomar deci sões práticas Seria justificável a distinção preconcei tuosa entre o homem de ciência e o homem de ação O que Weber não queria era a confusão Mas acei tava as tomadas de posição em favor dos valores como preparativos à ação Como Durkheim não jus tificava o simples interesse teórico das ciências Da vaJhe uma atenção especial a fim de melhor resol ver os problemas práticos B Dicotomias FatoValor e MeioFim Do ponto de vista epistemológico há uma dicotomia en tre fato e valor quer dizer não há uma ponte de dedutibili 40 Jade entre ambos de um fato não se segue um valor tam 10uco de um valor se segue um fato Do valor por exemplo cgundo o qual a mulher deve trabalhar não se deduz logica fllnte que ela trabalhe de fato E mesmo que seja um fato lJtiC ela trbalha não se Pe deduzir que deva trabalar À primeira v1sta ha uma dJVJsao estanque entre esses dms ele mentos Não obstante na vida real fato e valor não se disso ciam Segundo a terminologia weberiana fato diz respeito àqui lo que é enquanto valor se refere àquilo que deve ser Con tudo essa distinção não leva a uma demarcação radical en tre algo puramente factual e algo puramente valorativo Para alguns autores um fato é um fato para outros ele é prenhe de valor E valor é tudo o que diz respeito à opção pessoal 1 preferência subjetiva e aos elementos volitivos da pessoa Enquanto fenômeno o fat permanece exterior à pessoa En quantõ acontecimento valorativo está ligado aela por um in teresse Nesse sentido o fato não é neutro pois de algum modo envolve a pessoa Todo conhecimento enquanto pro cesso de apreensão de um objeto por um sujeito inclui o tra balho do sujeito sobre o objeto lo sujeito seleciona o que lhe interessa na realidade E por isso que todo fá to é de algum modo valorado se não é valorado é porque não é conhecido isto é não despertou interesse no sujeito Este só vê na reali dadc os pontos que Jbe interessam Weber reconhece que todo sistema social de ação ipn ca múltiplas idéias valorativas Também o sistema da ciência segue iias de valores idéia de verdade ou de objetividade científica Assim o descompromisso de Weber não passa de um compromisso indireto Sua rejeição de todo juízo de valor é apenas uma reação antimetodológica Ao aceitar o valor ver dade adere a outros valores os que correspondem aos mé todos da ciência da lógica etc De sorte que a dicotomia fa tojvalor sóse dá no campo da lógica Na reaHdade O Iato é resultado de uma valoração Nesse sentido o conceito de neu tralidade é irieaJ i um modo de conferir valor a uma atitu de de preferência a outras O mesmo ocorre com a disjunção meiojfim O meio não se situa no domínio objetivo mas é função de um fim prees 41 tabelecido Pode o fim ser abstraído e desconsiderado Ouan do se escolhe os meios para se atingir o fim a propriedade do fim repercute na escolha a aptidão do meio é julgada con forme o que se queira no fim Este está presente na escolha dos meios Assim relativamente ao fim a neutralidade não é uma isenção mas um modo específico de tomar posição A distinção entre meio e fim é artificial A neutralidade é uma atitude ética Não se discute uma atitude anética mas o tipo de ética em questão A ideologia que comanda o fim pasa para os meios O exemplo clássico é o da tecnologia enquan to técnica ela é neutra podendo ser usada para qualquer fim pois não prescreve nenhum Mas como a tecnologia está sem pre vinculada a certos interesses e como a racionalidade dos meios é sempre a racionalidade do sistema os instrumentos de execução não podem ser puros instrumentos Factualmen te um revólver é um instrumento de lançar projéteis Herme neuticamente porém pressupõe a tnica da morte Por sua vez a bomba atômica é factualmente um instrumento neutro de explosão Todavia no contexto de seus pressupostos e que lhe conferem sentido é um val Quase todas as éticas adotam o princípio segundo o qual os fins não justificam os meios Se estes fossem neutros nem se colocaria o problema de sua justificação Na medida em que são escolhidos em função de sua maior ou menor aptidão para se atingir o fim é porque neles está presente o valor do fim Evidentemente enquanto tal um meio pode ser neutro Acontece porém que esse meio não existe Só existe no con texto dos pressupostos que lhe conferem sentido A razão pe Ja qual se escolhe este e não aquele meio pelo menos em nos sa sociedade atual é a racionalidade da ação e do pensamen to A racionalidade provoca uma iluminação da consciência que é o postulado básico de toda ação refletida e responsável por isso que Weber vê incompatibilidade entre a eleição da ciência e a falta de moralidade A eleição da ciência é uma decisão moral que pode ser ditada por interesses particulares deve ser tomada em função de um valor universal a verda de Nesse sentido Weber é cartesiano pois só aceita as idéias fundadas na razão O racionalismo é o melhor meio de se atingir a liberdade pois não tem compromissos com a afetivi dade nem com os condicionamentos psicossociais No dizer de J Haberrnas La technique et la science comme idéologie 1968 Weber introduziu o conceito de racionalidade para caracterizar a forma capitalista da ati idade econômica a forma burguesa das trocas no nível do direito privado e a forma burocrática da dominação A racio nalização designa antes d tudo a extensão dos domínios da míedade que estão submetidos aos critérios da decisão racio nal A racionalização crescente da sociedade está ligada 1 institucionalização do progresso científico e técnico Nesse cntido o fim de uma empresa capitalista é a eficácia rnaxi mização do lucro acumulação de capital consumo investi mento etc A racionalidade dos meios é proporcional ao fim visado Num tipo de empresa que vê na produtividade o valor bísico do sistema industrial a tecnologia é um instrumento ccelente porque se presta melhor a tal objetivo Ela não é puro meio pois pressupõe a ideologia do fim Em si mesma é neutra Acontece porém que a tecnologia em si mesma não existe é pura abstração Nesse nível a neutralidade não pode significar isenção de valor Ela é uma ideologia Enquan to tal é um pensamento a serviço de algum interesse pensa mento justificador racionalização ou justificativa racional dos interesses de um grupo Para realizarse a ideologia assume um tom moralizante e persuasivo tentando distorcer os fatos em seu favor e sugerindo um dever ser Conclusões 1 Do que dissemos sobre o problema da neutralidade o que está em jogo é o conceito de objetividade científica Ora a objetividade não existe O que existe é uma objeti vação uma objetividade aproximada ou um esforço de co nhecer a realidade naquilo que ela é e não naquilo que gosta ríamos que ela fosse Bachelard fala de éonhecimento apro ximado Sem dúvida o projeto do conhecimento científico é atingir a realidade naquilo que ela é Mas esse projeto é ir realizável Só conhecemos o real como nós vemos o sujei 43 to constrói o objeto de sua ciência A objetividade não passa de um ideal nenhum sujeito o realiza Donde o conceito de objetivação Até mesmo a ideologia pretende atingir conheci 4 mentos objetivos pois não lhe interessam conhecimentos ideo4 lógicos deturpando os fatos em favor de certos interesses E como todo conhecimento vem acompanhado de ideologias corre o risco de ser arbitrário A ciência não demole os va lores Por outro lado não há critérios universalmente válidos de objetividade conferindo neutralidade para todos Somente os critérios de objetivação poderão assegurar certa forma de aproximação da realidade evitando as deturpações ideológicas Dahrendod propõe três critérios a treinamento com a ajuda da psicanálise e da socio logia do conhecimento para a produção objetivada dos conhecimentos a psicanálise do saber bjetio nO sentido bachelardiano consiste no esforço de lu ta contra as ideologias b revelação sincera dos valores pelos quais se luta e que formam o pano de fundo ou o ponto de partida da pesquisa c a crítica mútua como parâmetro de cientificidade 2 A objetividade das Ciências e dos cientistasé um va lor de natureza ideológica que se acrescenta à atividade cientí fica e que surge de um duplo processo de objetividade a a objetivação do produto dessa atividade cujo desenvolvimento é interrompido para se fixar num saber que reproduziria uma parte do real b a objetivação do agente que possui esse saber em troca de sua neutralidade e de sua submissão ao real Assim as ciências objetivas forneceriam verdades in dependentes da história e daqueles que a fazem os cientistas objetivos por sua vez se limitariam a descobrir essas verda des apagandose diante delas fazendo abstração de sua subjetividade e elevandose acima dos preconceitos das ideo logias das paixões etc Ora essa noÇão de objetividade não tem suporte epistemol6gico algum apresentandose como uma racionalização das crenças ingênuas no prestígio da ciência crença na unidadedos conhecimentos em seu caráter absoluto 44 c ahistórico e na independência da realidade que seria conhc iJa de modo imparcial Ora a objetividade tira seu valor dos lbjenos construídos e do poder dos modelos utilizados relati arnente aos dados da experiência não é a reprodução fiel da rcaidade Ela não está isenta de erros nem tampouco de ccoh as Se podemos falar de verdades científicas é no sen tido de uma conveniência entre os modelos e as predições de um lado e os fatos pertinentes que se prediz do outro Essa conveniência deve ser entendida como urna nãocontradição PMtanto a objetividade se define pelo respeito às regras do 1bjeto construído e não por uma vaga adequação do espírito 1 realidade 3 1 nesse sentido que gostaria de citar um trecho de Bachelard onde conceitua a objetividade científica como um processo constante de objetivação Basta que falemos de um objeto para nos conside rarmos objetivos Contudo através de nossa escolha ini cial é o objeto que nos designa mais do que o designa mos E aquilo que imaginamos serem nossos pensamen tos fundamentais acerca do mundo não passa muitas vezes de confidências a respeito da juventude de nosso espírito Acontece ficarmos extasiados diante de determi nado objeto Acumulamos hipóteses e divagações Ela boramos assim certos conceitos que têm o aspecto de um conhecimento Todavia a fonte inicial não é pura a própria evidência de onde se partiu não constitui uma verdade fundamental De fato a objetividade científica só é possível se antes de tudo fizermos abstração do objeto imediato se recusarmos a sedução da primeira escolha e se contrariarmos os pensamentos nascidos da primeira observação Toda objetividade devidamente ve rificada desmente o primeiro contacto com o objeto Ela deve antes de tudo criticar tudo a sensação o senso comum até a prática mais vulgar porque o verbo que é feito para cantar e encantar raras vezes corresponde ao pensamento Ao invés de extasiarse o pensamento objetivo deve ironizar Sem essa vigilância hostil nunca atingiremos uma atitude verdadeiramente objetiva Quan 45 do se trata de observar os homens é a simpatia que encontramos na base do processo Contudo em face desse mundo inerte que só vive através de nossa vida que não sofre nenhuma de nossas penas nem se exalta com nenhuma de nossas alegrias devemos dominar to das as expansões e refrear nosa pessoa Os eixos da poesia e da ciência são antes de tudo inversos Tudo o que pode esperar a filosofia é tomar a poesia e a ciên cia complementares uniIas como dois contrários perfei tos Portanto precisamos opor ao espírito poético expan sivo o espírito científico taciturno para o qual a antipa tia prévia representa uma salutar precaução Psychana lyse du f eu 4 Finalmente nesse domínio tão vasto e complexo na da temos a concluir Quisemos apenas elucidar um pouco a questão Àssistimos hoje a uma verdadeira ixnpregnação me todológica nas ciências humanas de técnicas e de procedi mentos estatísticos que nos fazem lembrar as questões meto dológicas da época de Webêr Toda essa produção metodoló gica faz apelo à neutralidade dos cientistas Essa neutralida de axielógica surge como um meio excelente pois não se dis cutindo os fins da sociedade terminase por justificála Essa isenção aparece hoje sob a forma de um nova ideologia a ideologia sistêmica transformando a racionalidade dos meios na racionalidade do sistema E a racionalidade científica trans formase em ideologia a partir do momento em que tenta im poSe como a única forma possível de racionalidade A con cepção a e ciência que clã pressupõe é a de um conjunto de realizações às quais o homem delega realmente o poder fun dado sobre o saber Tratase de uma concepção tecnocrática da ciência assim como o homem delega seus conhecimentos físicoqulmicos aos mísseis e foguetes da mesma forma dele ga seu saber aos computadores aos programas aos processos de automação e de cibernética social Ora esse processo de delegação de poder por objetivação do saber numa técnica autoregulada é uma das características essenciais diz Philipe Roqueplo Autocritique de la science da ciência contempo rânea Assim o dogma da racionalidade científica e o da 46 neutralidade axiológica não passam de miragens mantidas a serviço de escolhas políticas ou ideológicas Numa palavra não passam de mistificações pois hipnotizam o olhar crítico como se os conflitos reais e as contingências do conhecimento racional e objetivo pudessem adquirir um estatuto apenas re sidual da Natureza Donde a importância de analisarmos o caráter praxeológico das ciências humanas pois ao se conver terem em tcnicas de intervenção em estratégias de ação des 111ascarase o mito da neutralidade de seus agentes e da pu reza objetiva de seus resultados 47 II CIÊNCIAS HUMANAS E PRAXEOLOGIA As ciências humanas tais como elas exis tem em suas condições reais de realização apresentamse como técnicas de intervenção na realidade participando ao mesmo tempo do descritivo e do normatito são praxeolo gias A análise epistemológica não tem o di reito de dissociar no domínio das disciplinas humanas uma teoria científica de uma técni ca de aplicação pois não somente se dão sen tido uma à outra mas também determinam se reciprocamente Num sentido bastante latoº tfIUQ praxeoJogia pode ser cntendido como o conjunto dos equipamentos técnicometo dlógicos fornecidos sobretudo pelas ciências huanas tendo em vista intervir e IYanormar os horizontes do agir humano c de seus comprtaIleQos sociais Não é novidade para as pessoas cultas que por seu próprio dinamismo o Mirito científico tnde praticamente a açambarcar todos os fenôme nos a fim de tudo expúcar por um conhecimento racional e objetivo Sua meta é apoderarse de tudo através de um saber coerente e objetivo não somente susceptível de desembocar eventualmente Dma prática operatória efiçaz mas também ca paz de prver e de planificar os fenômenos ou comporta mentos novos Seria ingênuo de nossa parte querefDOS per guntar se as ciências têm ou não o direito de empreender isto ou aquilo O que podemos perguntar é se elas conseguem realizar seu empreendimento como e com que objetivos elas o realizam Isso se toma particularmente inquietante quando se trata das ciências humanas Nesse caso é o próprio sujeito do conhecimento que passa a ser considerado como objeto de estudo científico Sabemos que nas ciências humanas sem pre há a intervenção explícita ou implíçi a de valorizaçes par ticulares O desenvolvimento e a elaboração das idéias no do mínio hÚmano apresentam sempre um caráter de intervenção imediata e não apenas técnica ou metodológica Portanto nes se domínio por mais hnestas escrupulosas e críticas que se 51 jam as pésquisas guardam sempre o caráter de um desafio ao mesmo tempo teórico e práticq teórico quanto à máxima adequação possível ao objeto estudado prático quanto à pos síbilidade de transformar ou de impedir a mudança da so ciedade ou d transformar alguns comportamentos em detri mento de outros No mundo moderno a ciência de contemplativa tornou se profundamente operatória O físico clássico mantinha sem pre certa distância para com seu objeto de estudo Atualmen te porém o conhecímento científico abandonou por comple to a ordem do espetáculo Ele ingressou de cheio na ordem do trabalho Em nossos dias há um vínculo indissolúvel entre o observador e o sistema observado A ciência moderna nas cida para resolver o enigma do universo tornase cada vl mais intervenconista acabando por instituirse como rejeição de seu sujeito Nas ciências humanas o homem tornouse um grande auente Isso não quer dizer queele tenha sido supres so Essa ausência do homem nas ciências humanas pode ser considerada como um modode ele estar presente nelas Mas de um modo que não faça daquele que o afirme nem um objeto natural qualquer nem uma subjetívidacre nem tam pouco uma puraexigência moral ou ideológica Contudo esa ausência não significa indeterminação Hoje em dia as ativi dades humanas no planocientífico são como que ocultadas pelas operações formais caracterizando o espaço em que se produzem os acontecimentos humanos Tratase de opera ções mais ou menos dissimuladas pelos resultados que lhes servem de suporte e que as alienam ao reduziremnas a coisas isto é a realidades empíricas Fortanto ao mesmo tempo em que o murido deixou de ser para o cientista uma representação o homem tomouse uma vontade de poderde administração de dominação e de polêmica E é por isso que a epistemologia atual pelo menos a de inspiração bachelardiana não descreve pois só se des creve aquilo que se vê Assim parece não haver dúvida de que a lógica da teoria foi substituída por uma epistemologia da aproximação e por uma idéia da realização Os conceitos Çienqficos tornaramse operatórios E o racionalismo atual tor nouse militante Converteuse num pensamento construtivo 52 tíll pensamento em açiío e em trabnllw Cada vez mais o nno cíência passa a significar um saber eficaz Enquanto r eficaz a ciência passa a exigir de um lado a invenção conceitos operatórios isto é visando a dominar os elemen que eles constituem do outro a construção ou a produ lil sob o controle desses conceitos de um fato construído 1 braído ao fato empírico e susceptível de ser submetido a 1nta prática experimental É nesse contexto que gostaríamos de focalizar o probJe mt das ciências humanas enquanto elas se tornam praxeolo irs ou técnicas de intervenção no domínio humano Antes p1rém convém mostrarmos rapidamente como as ciências hu manas à medida que acediam à era da positividade também nrcssavam na era praxeológica Contudo a era da positivi ddc não deve ser entendida relativamente à era da represen 1ação como o resultado de uma simples modificação das ati tutlcs do pensamento e das idéia que este se fazia tanto de uas capacidades quanto de suas normas Teríamos assim lplnas a dimensão teórica do espírito de positividade no qual banham as ciências humanas em formação Mais do que a representação a positividade integra a perspectiva teórica e a prática Com ela algo de novo emerge na esfera do agir e do existir humanos Assim vejamos a emergência da era pra xcológica e suas características para em seguida darmos al gumas indicações de eomo as ciências humanas são praxeolo gias I A emergência da era praxeológica Como sabemos o sistema conceitual da era da repre scntação comportava a afirmação de uma distinção formal entre o conheciYento ou ciência teórica e o agir domínio prático Na jerspectiva desse sistema a ciêncià é hierarqui nda em primeiro plano situase o conhecimento cujo obje iivo é a ciência desinteressada da verdade ou da realidade dás coisas em seguida situaase o agir humano segundo as determinações do conhecimento Trataase de um agir que dá margem às aplicações práticas da ciência na medida em que 53 esta torna possível a elaboração de técnicas científicas Nesse sentido a era da representação começa num estado de esta belecimento do agir humano no nível do agir tradicional ten do por base a experiência humana e as determinações do co nhecimento da natureza ainda préientífico técnica artesana moral e política A ciência emerge do mundo da representa ção como poder de conhecimento possibilitando inúmeras aplicações práticas e o desenvolvimento de técnicas eficazes Todavia da esperança inicial ao momento das realizações em escala industrial máquina a vapor por exemplo há um e paço de dois séculos justamente os da era da representa ção A partir do momento em que a técnica científica oriun da da dência moderna da natureza passa a ser utilizada de modo eficaz entre 1780 e 1820 inaugurase a era da po sitividade A partir de então tornase realidade a intercone xão entré teoria e prática Doravante portanto a prática não é mais encarada co mo a simples aplicação da ciência aos domínios da ação E a ciência de simples ciência da natureza virgem da ação e do empreendimento técnico humano convertese em ciência do próprio empreendimento técnico Ela se toma por assim dizer o lugar natural dos fenômenos tomados em seu esta do bruto Perde a razão de ser a distinção entre tevria e pra xís E não há mais primado da teoria wbre a praxü A teoria deixa de ser teoria das coisas acompanhada de umâ praxis de aplicação do saber à ação para converterse CD1 teoria de uma prática técnica de mánipulação das coisas E aos poucos a ciência de conhecimento de simples curioso ou de amador convertese em ciência de engenhiro os interesses do curioso e do engenheiro se amalgamam a partir do início do século XIX Instaurase portanto no início da era da positividade uma mudança no sistema do pensamento a inteligência ao invés de continuar procurando conhecer ou compreender is to é conceber a verdade das coisas e do ser preocupase mui to mais em procurar o agir que possibilite transformar as con dições da existência humana em todas as suas dimensões O primeiro indício desse deslocamento é formulado por Goethe antes de I8Ó8 num texto em que Fausto tenta traduzir para 54 l alemão o Evangelho de São João Ao iniciar seu trabalho Fausto hesita diante da primeira frase No princípio era o crbo Não gostando do termo Verbo corrige a tradução No princípio era o Pensamento Insatisfeito ainda reformu ll a tradução No princípio era a Força Após ser inspira Jo pelo Espírito encontrou a solução No princípio era a lção Tratase pois da primeira superação do culto ao pen samento e ao conceito e da primeira instauração da ação no nível de categoria dominante das preocupações humanas G oe tlll como que profetiza o que seria mais tarde uma das cate uorias fundamentais da filosofia a da ação A mesma coisa D erá dita por Marx algumas décadas depois na última de suas teses sobre Feuerbach Os filósofos até Jwje preocuparam se em compreender o mundo Doravante tratase de transfor málo Ternos aí duas posições que se referem ao humano da ação e do mundo S para o homem que a ação humana é algo de fundamentatE é o mundo humano que a filosofia deverá transformar t um fato que nessa ação transformadora a ciência in tervém de modo todo especial de um lado como ciência da naJureza daquilo que não é humano ou que está aquém dJ homem do outro como ciência do homem ou dos fatos da realidade humana Uma vez liberado pela exclusão de Deus para fora das referências da ciência o homem por urn duplo deslocamerito vai tentar definirse de um lado enquanto ob jeto de ciência o homem se opondo à natureza do outro enquanto sujeito da ciência o homem se substituindo a Deus Portanto há uma dupla positividade que com o tempo passa a apresentarse sob a forma de discursos formais mas que se tornam práticos e operatórios Inclusive falase hoje em en genharia lumana human engineering como se o tratamen to dos fenômenos humanos pudesse estar submetido às deter minações do tratamento das questões de engenharia Foi através dessa dupla positividade que as ciências ins tauraram o deslocamento filosófico das categorias do Pen samento à categoria da Ação Também fo através dela que as ciências conseguiram dotarse dos recursos do agir téc nico Antes do advento das ciências humanas um novo ills trumento de ação já havia entrado em cena Com a constitui 55 ção dessas disciplinas o ser humano e suas condutas n ssam a ser considerados como um dado positivo susceptível de ser apreendido e manipulado objetivamente Surge assim o conhecimento positivo da regularidade dos comportamentos desse objeto homem E é esse conhecimento que irá impor se como o guia da ação humana Para utilizar tal conheci menta com objetivos pragmáticos o homem se vê obrigado a mudar seu ponto de vista tradicional sobre a ação sobre a moral c a política e a adquirir um novo ponto de vis ta dessa vez praxeológico Um exemplo nos fará melhor compreender o conceito de praxeologia Com efeito no início do processo civilizatório o homem para proporcionarse os meios de subsistência Juta contra a Natureza Ainda está int grado ao sistema de suas visões quanto à sua relação com a Natureza e com seus se melhantes Aos poucos o homem vai adquirindo ttovos meios de produção e de organização da economia desenvolvimento do artesanato depois da sociedade industrial No início tudo se faz por um movimento espontâneo que insere esse desenvol vimento na perspectiva ainda das posturas tradicionais de re lação do homem com a Natureza e com seus semelhantes E com o advento da sociedade industrial que as coisas se tor nam complexas os avanços são grandes demais para que os fenômenos continuem entregues à confusão das iniciativas in dividuais e para qu certos dados humanos não sejam anali sados de modo positivo racional e objetivo O início dessa mudança operouse quando o espaço vi tal da economia industrial revelou seu caráter concorrencial O estado do mundo industrial úiiliza em larga eséala o cálculo econômico levando em conta o fato da concorrência E com a remuneração do trabalho as relações dos homens entre si mudam de natureza as negociações contratuais afastam as relações moral e política e introduzem uma relação pra xeológica O trabalho remunerado tornase um dos parâme tros de uma equação mais ou menos complexa cuja solução é entregue a uma teoria dos funcionamentos econômicos e dos jogos empresariais Essa equação recebe no início um tratamento de cálculos meramente aritméticos posteriormen te um tratamento matemátic mais científico à medida qué 56 desenvolvem as ciências econom1cas Aos poucos o sufetto humano trabalhador vai senlio substituído através do cálculo onômico necessário à ação industrial e constituindose em óncia dos fatos humanos por um objeto que exerce o com portamento trabalhador necessário à produção O objetivo do cálculo econômico não é mais o homem da moral ou da políticat mas a sobrevivência e a prosperidade da empresa Je produção Também esta se torna um objeto cujo compor tamento ótimo precisa ser assegurado Esse simples exemplo já é suficiente para mostrar o des locamento da natureza e da significação das relações entre os homens no mundo da positividade o conhecimento está a serviço da ação Evidentemente as estruturas dessa nova for ma de relações já estão presentes no mundo industrialmaqui nista do início do século XIX A evolução ulterior virá apenas desenvolver fortalecer e generaHzar o equacionamento da exstência social segundo esse novo tipo de relações As es truturas dessas novas reações operam hoje em quase todos os domínios da indústria e da economia mas também da vida social e cultural Convém aquit mostrarmos como se operou a passagem de uma filosofia prática à ordem praxeol6gica Comecemos por dizer quais as características essenciais da ordem praxeo lógica a Em primeiro lugar ela é a ordem do olhar dà positi ridade sobre o agir humano vale dizer sobre as situações nas quais se desenrola esse agir e sobre as coisas que lhe dizem respeito Desse ponto de vista o homem que é levado em con la pela praxeologia é o homem das ciências humanas isto é o homem objetivado como ator efetivo de seus comporta mentos b Em segundo lugar a praxeologia se apresenta co mo estratégias de ação graças aos modelos de conduta for necidos pelas ciências humanas estas se tornam capazes de prever de estudar os efeitos desta ou daquela iniciativa desta ou daquela decisão As decisões e as iniciativas dos indivíduos los chefes ne empresa e dos governos recebem uma espécie 57 de oconselhainento científico baseado em dados e tm estudos positivos c a terceira característica da praxeologia é que ela deixa de lado pelo menos numa primeira aproximação a re flexão fundamental sobre os objetivos da ação Quaisquer que sejam as formas de estabelecimento dos fins espontaneidade humana força das coisas vontade refletida sua determinação é prefixada O trabalho praxeológico consjste em assegurar a melhor realização possível dos fins preestabelecidos mas le vando em conta a exploração das possibilidades da ação Evi dentemente a praxeologia não é estranha a toda finalidade humana Contudo o que ela pretende é leváIa a efeito do modo mais eficaz possível maximalização dos lucros da em presa alta taxa de crescimento econômico etc Podemos gi zer que a praxeologia se encarrega da finalioode de execução e de todo o seu aparelho Ela deixa de lado a finalidade de intenção ou 4e destino só se interessando por eJa enquanto é uma simples determinação positiva daquilo que se realiza Ora considerada em si mesma a praxeologia já reve la a existtncia de um fato humano e a possibilidade de um problema para as próximas gerações a prática da positividade está em vias de tornarse a prática do gênero humano em ge ral A espécie humana já é anunciada como o espaço global de uma praxeologia amadurecida e generalizada Isso se de ve ao processo de mundialização da ciência positiva e a seu caráter cada vez mais intervencionista Não é de todo impro vável que num futuro próximo o estofo humano da existên cia venha a se tornar radicalmente intolerante em relação a esse imperialismo crescente da praxeologia positiva e científi ca sobre os domínios da ação humana No moento já po demos constatar sérias tentativas de constrÜão de um siste ma paxeológico capaz de dominar o gênero humano Até pa rece que por sua natureza a praxeologia já representa o en tendimento dos tempos modernos sobretudo atrnés do cará ter cada vez mais invasor de seus procedimentos técnicos científicos e calculadores Tudo parece indicar que se não houver uma mudança de perspectiva esteja assegurada a con 58 olídação desse sistema e por conseguinte garantido seu su csso Com a emergência de uma praxeologia humana distinta do que eram a moral e a política tradicionais algo de no vo se produz na ordem prática análogo ao que já se produ zira anteriormente na ordem do saber teórico O saber teórico prémoderno era aJ mesmo tempo especulativo e empírico Algumas ciências existiam em caráter rudimentar embora não onstituíssem um sistema de conhecimentos distinto da especu lação Com a instauração da ciência moderna as coisas ga nham novo rumo A intenção específica da ciência se define Ela demarca seu campo de ação inteiramente distinto do do mínio dos saberes meramente especulativos No final do pro cesso o antigo sistema do saber se bifurca em duas ordens diferentes de um lado a ordem explicitamente especulativa em recessão progressivamente esvaziada de sua empiria pré científica do outro a ordem explicitamente científica em pro gressão fazendo cada vez mais apelo aosdesenvolvimentos matemáticos e à assimilação crescente dos dados empíricos Esquematicamente o advento da ciência moderna provoca no interior do saber a seguinte transição epistemológica SABER EM GERAL confuso ESPECULATIVO OU RACIONAL despojado e reduzido CIENTÍ FICORACION AL em expansão Antes da era praxeológica a ordem éticopolítica era ao mesmo tempo no domínio da praxis humana ação e pen samento da ação havendo uma unidade global e confusa en tre o agir e o pensamento desse agir Essa situação mudou graças a dois fatores a as artes e as técnicas antes perten centes ao domínio do fazer e dizendo respeito às coisas ma teriais são absorvidas pela ciência b o fato humanc passa a ser estudado como objeto de ciência A praxeologia surge co mo retomada e reintegração das artes e das técnicas antigas 59 bem como de tcdo aqulo CJ l lhes ku prosguírn cn t o c da ant ropotc n icas derivando das aquisições das cénci s huma nas No momento dessa retomada c dessa reintegração opcra ie na ordem da prarís a seguinte transição e pi s emológi c SlSTE1A ÉTiCOPO LÍTICO j SISTE M ÉTICOPOlÍTICO despojado e reduzido ATIGO global e confuso l PRAXEQLOGIA ATllL em expansão Por conseguinte ao velho sistema ESPECULATIVOPRÁTICO cor respcnde em nossos dias o sistema do SABER e do AGIR com portando dois níveis distintos e formando a seguinte matriz ESPECULATIVO SABER ESPECULATIVO POSITIVO CIÊSCI POSITIVA 2 A s ciências humanas siío praxeoogias P RAXIS ÉTICO POLÍTICA P RXEOLOGI Ao dizermos que as ciências humanas são praxeologias reconhecemos de início duas coisas em primeiro lugar que essas disciplinas são ciências porque possuem um inegável corpo teórico e procedem dedutivamente em segundo lugar 60 1 u ão disciplinas humanas porque tomam c não o homem dt menos os fenômenos humanos como objeto de investiga 11 Enquanto teorias desse conjunto de fenômenos humanos t l podemos expressar com o termo de ação humana essas iiplnas são praxeologias Para ilustrar essa afirmação to 111arcmos dois exemplos típicos o da economia e o da socio A Atualmente as chamadas leis econom1cas não dizem 111i respeito à ordem da representação Não são nem psico ilíicas nem tampouco nãopsicológicas mas simplesmente eco llmicas O domínio específico da atividade econômica tem inicio quando há uma passagem da produtividade meramente tcnica a uma produtividade valorada Nesse sentido a eco nomia é uma teoria dos valores A lei dos rendimentos de crescentes só tem a aparência de uma lei física pois supõe uma escolha tecnológica e uma valoração Por sua vez a lei dt utilidade decrescente também não é uma lei de tipo físico Ptlr isso a economia como as demais ciências humanas é tima dência da ação O valor é uma abstração quer dizer um flto científico que não se confunde com os preços nem com um fato psicológico A economia deve seu valor exemplar ao fato de ultrapassar o dualismo da representação e das condi nus objetivas A divagem que ela instaura é a que instaura qualquer ciência situase entre aquil9 que ela teoriza e aquilo que por abstração ela deixa fora do campo da teoria Aquilo fUC ela deixa de lado pode ser de ordem psicológica a psi úlogiia econômica ou de ordem institucional instituições econômicas Psicologia e instituições não são requisitos do funcionamento da economia embora sejam um requisito da i nerção da teoria econômica no concreto Na situação atual das ciências humanas o problema epis temológico que se coloca não é mais o da matéria e o da consciência tampouco o de saber se as representações podem ou não constituir um requisito para os processos obje tivos O problema importante é o da racionalidade ou írracio nalidade das condutas ou das ações humanas Tais como elas e apresentam em nossa sociedade as ciências humanas mui to embora queiram guardar um caráter de objetividade e de 61 neutralidade axiológicas não podem deixar de serem conside radas como técnicas de intenenção Elas participam ao mes mo tempo do descritivo e do normativo são praxeologias Por sua hipótese de racionalidade permanecem humanas e têm uma sigRificação humana que ultrapassa seu sentido aparente Donde o diagnóstico de G G Granger A dupla tentação das ciências humanas está em ateremse simplesmente aos acon tecimentos vividos ou então num Sforço mal adaptado para atingir a positividade das ciências naturais em liquidarem to da significação para reduzirem o fato humano ao modelo dos fenômenos físicos Assim o problema constitutivo das ciên cias do homem pode ser descrito como transmutação das sig nificações vividas num universo de significações objetivas Pensée formelle et sciences de lhomme 1960 Essa posição coloca pelo menos três problemas a em primeiro lugar as ciências humanas são ao mesmo tempo des critivas e normativas I por isso que já se postula a elabora ção áe uma teoria hipotéticodedutiva para a política seme lhante à da economia e que seria a ciência por excelência da intervenção O que podemos perguntar é en1 que medida o homem deve ou não conformarse a um optimum normativo Toda praxeologia normativa deve fazerse acompanhar de uma etologia descritiva capaz de comparar o ompo rtamento à nor ma b Em segundo lugar no interior do comportameltO hu rnãno a parte do comportamento racional não é a maior Donde a objeção q se pode fazer àqueles que constroem teorias da ação será que elas têm validade para os compor tamentos nãoracionais e para os racionais c Enfim o fato de as ciências humanas se apresentarem como técnicas de in tervenção revelando certo tipo de significação humana não significa que isso deva ser um estado definitivo de seu desen volvimento Portanto como toda ciência a economia é um discurso teórico Não se trata aqui de denunciar a ficção de um homo aeconomicus em busca de uma racionalidade redutora A análise econômica clássica por exemplo não estuda aquilo que fazem os homens para alcançar de modo eficaz seus ob jetivos econômicos mas o que eles fariam se fossem hominer aeconomici mais racionais do que são independentemente dos 62 flls escolhidos e dos meios que os levaram a escolhêlos A onomia se propõe a retraçar a lógica e os limites da ação pMque nenhuma ação pode ser realizada por pura racionali JaJc econômica Na economia como nas demais ciências hu rn111as os conflitos de valores ocupam um lugar importante pnnto de ser praticamente impossível dizermos hoje em dia lmJc termina a teoria econômica científica e onde começa 1 doutrina ideológica ou política Nos países desenvolvidos l economistas intervêm de maneira cada vez mais direta nos 1suntos privados e públicos a economiaciência está intima mente integrada a seu contexto social e político Do ponto de vista epistemológico a economia se carac triza por um dupio movimento no plano tecnológico cons uói toda uma aparelhagem abstrata de início tomada de em pristimo às ciências da natureza depois progressivamente re novada em vista de uma instrumentação original no plano da determinação de seu objeto orientase para uma concepção que a Hga cada vez mais às ciências humanas Todavia a 111álise epistemológica desses dois planos levanos a reconhe tcr que a economia enquanto ciência teórica não está mais dissociaôa de suas técnicas de aplicação teoria e prática não somente se dão sentido mas também se determinam recipro cnmente E é por isso que a economia é hoje uma disciplina intervencionista quer dizer uma praxeologia intervém na me dida em que tenta prever fatos econômicos intervém ainda de modo mais radical quando se põe a planificar planificar é intervir na escala de uma grande unidade econômica para organizar racionalmente sua estrutura e seu funcionamento intervém enfim na medida em que está intimamente ligada aos sistemas de controle da administração organiza e contro la as relações de produção e de distribuição do produto numa sociedade que tende à satisfação de certos ideais humanos B Tanto no domínio da economia quanto no da socio logia a tJécnica tem grande conteúdo político conseqüente mente praxeo1ógico Por razões tão diversas quanto evidentes o sociólogo é levado a estudar o que se passa em seu redor na vida e na sociedade Tanto por seu ponto de partida quan to por seu ponto de chegada a sociologia atual está sobre 63 carregada de significações polilicoideológicas Todo estudo global da sociedade pressupõe certo quadro teórico E eSSe quadro coloca em jogo certos conceitos que já estão conta minados pela ação Por isso por mais imparcial que possa parecer o pesquisador que aceita perscrutar a vida da socie dade já é pelo fato mesmo um tecnocrata em potencia quer dizer da análise daLJuilo que é à formulação daquilo qu deve ser ou é desejável a distância é muito pequena Outro exemplo típico é o da medicina Esta se apóia nu ma ética da saúde cujo princípio é reconhecido como Iegít mo a conservação da vida é um valor evidente mas que pode entrar em conflito com outros valores notadamente econômicos religiosos etc Enquanto ciência a medicina es tá descompromissada de suas aplicações a não ser em casos excepionais aborto eutanásia etc Enquanto ciência seria neutra enquanto prática porém é uma técnica de ação A partir desses exemplos podemos fazer certas conside rações sobre o caráter praxeológico das ciências humanas em geral decorrente dos pressupostos ideológicos e da função Sil cial dessas disciplinas 1 A inttrferênda ideológica na psicologia é bastante clara sobretudo quando essa disciplina se relaciona com as estruturas sociais passando a desempenhar uma função cultu ral bastante retevante Evidentemente tratase da prática psi cológica que tem uma função explicativa Cada ve mais os psicólogos são chamados a responder a uma série de deman ds extrínsecas aos objetivos propriamente científicos de sua disciplina São chamados a exercer uma função cultural no seio da sociedade fornecendo uma compreensão nova do ho mem e do conhecimento uma visão do mundo e do ho mem que se desenvolve graças às pesquisas reais mas também e sobretudo graças à vulgarização dessas pesquisas O homem atual tem uma imagem de si mesmo à qual a psicolo gia não é estranha A imagem que se forja para o homem mo derno responde a uma necessidade a saber a necessidade de adaptação do comportamento dos indivíduos às necessidades de um sistema econômico social político cultural Por outro lado a prática psicológica em meio industrial ou scolar res 64 1J a uma função de adaptação muito mais precisa Trata c óc adaptar o indivíduo às exigências de uma instituição uma empresa ou de um cargo Em todos os casos as fun 0 t de adaptação de seleção de promoção etc respondem oiéncias que a prática psicológica não pode controlar nem ano criticar Em alguns casos os imperativos são econômi t em outros culturais Em todos os casos a prática psico ia é reduzida ao estado de meio em vista de um fim que niÕ depende da psicologia Basta vermos como os países de cn olvidos multiplicaram os cargos de psicólogos e como es a multiplicação repousa numa necessidade econômica e em última análise política 2 Esse fenômeno não é típico da psicologia Desde o inicio de nosso século a sociologia americana por exemplo engajouse nos caminhos de estudos empíricos estreitamente mirados com o objetivo claro de responder às necessidades da sociedade americana A maiorparte dessas pesquisas se cundo o testemunho de Peter Berger lnvitation to Sociology tdulSe a estudos fragmentários da vida social sem ligação tguma com preocupações teóricas mais amplas Semelhante lado de coisas foi favorecido pela estrumra econômica e ptlítica daquela sociedade que passa a exigir cada vez mais estudos sociológicos estreitamente delimitados de preferência traduzidos em técnicas estaffsticas O critério de produtividade amplamente utilizado A sociologia deve responder às deman das sociais O julgamento dos trabalhos pertence mais aos administradores do que aos cientistas sociais E os critérios de 1prcciação científica são tomados de empréstimo a uma imagem pública das ciências da natureza O esfacelamento das pes quisas em pequenos estudos fragmentários e a multiplicação dos assuntos fictícios bem como a utilização meio cega da aparelhagem estatística já dão uma idéia da organização buro crática da produção sociológica para fins práticos Numa pala vra ela se converte numa praxeologia quer dizer numa estra tégia de ação 3 Basta olharmos com atenção as correntes ideológicas infiltradas nas ciências humanas para percebermos imediata mente como essas disciplinas perderam sua inocência cientí fica ou seja seu caráter de neutralidade axiológica para 65 assumirem um caráter bastante intervencionista ou seja pra xeológico São as ideologias que reforçam esta ou aquela orien tação nas pesquisas científicas na medida em que tendem a ocultar ou a impedir este ou aquele especto que mereceria ser pesquisado ou na medida em que são levadas a esterilizar este ou aquele ramo de uma pesquisa científica opondose implícita ou explicitamente a seu desenvolvimento Não pode mos negar portanto que as ciências sejam cada vez mais utilizadas para fins nãocientíficos são construídas para res ponder a todos os tipos de demandas Certos objetos de pes quisa aparecem como tão estratégicos ou táticos que se torna praticamente impossível separar seu aspecto propria mente científico de seus aspectos praxeológicos 4 Salientemos ainda dois aspectos intervencionistas das pesquisas científicas no campo da economia a em primeiro lugar a pesquisa econômica intervém enquanto mercado para a venda de ens O que gera o interesse econômico da pes quisa não são os resultádos científicos possíveis da pesquisa mas a produtividade e a venda de bens Pouco importa se em seguida houver desperdício ou má utilização do ponto de vista social dos bens vendidos b Em segundo lugar a pesquisa científica intervém enquanto criadora de potencialidades de novas forças produtoras ou de reorganização das antigas tanto no plano tecnológico quanto no do aprimoramento dos novos recursos naturais Ela coloca à disposiçã dos dirigentes uma gama de possibilidades entre as quais escolhas tecnológicas são feitas em função das necessidades do mercado e não da utili dade social permitindo aos homens viverem melhor ou melhora rem suas condições de trabalho As escolhas tecnoeráticas não esgotam as potencialidades criadas se algumas delas permitem uma real melhoria social correm o risro de perturbar o mer cado tal como ele existe 5 Depois dessas quatro considerações sobre o caráter praxeológico das ciências humanas seria o caso de estudarmos mais a fundo seus dados suas estruturas e seu funcionamento Isso nos levaria longe demais e ultrapassaria a despreten são de nosso estudo Vejamos apenas aJgumas repercussões da ordem praxeológica que somente agora ganha consistência maior no campo do pensamento e da prática humana em ge 66 d Começaremos por uma repercussão de ordem mais intelec 11 ou reflexiva Com efeito na medida em que individual ou tktivamente o homem atual se vê imerso nessa ordem pra xcLllógica algo de novo lhe ocorre ele começa a desenvolver 1Hwas visões sobre ele mesmo começa a sentir novas reações 1krívas e a experimentar certas necessidades OUJtrora inexisten 16 E tUJdo iSso de modo bastante confuso por vezes contradi hirio Em geral podemos dizer que o homem de hoje toma tmsciência dessa ascensão da praxeologia de um lado como 1uJo capaz de dizer certa verdade a respeito dele mesmo e por conseguinte como sendo algo de inelutáveE em relação a que ele deve colocarse num número sempre crescente de situa çôes PÍticas cotidianas do outro experimentando certo senti Jtrnto de frustração e que se toma cada vez mais inquietante rnaréria de reflexão e de contestação devido a seu caráter alienante 6 A instauração da era praxeológica vem oporse às antropologias da representação da consciência da moral for mal da política clássica etc Ela se apresenta como a denúncia das mistificações da consciência como a afirmação da positi vidade e como a apologia da prática científica f o que se nuncia hoje de modo meio pomposo e enganador nos dis cursos da morte do homem conseqüência da morte de Deus de fato tratase apenas da recusa cultural e prática da imagem que a filosofia das Luzes criou do homem imagem cujas insuficiências são mostradas pelas ciências humanas atuais Contudo essa recusa cultural está operando em grande escala c com bastante força em todo o conjunto social sem que as sociedades modernas saibam bem o que colocar em seu lugar Há uma solução prática bastante metfíocre que consiste em considerar de um lado o indivíduo público inteiramente dominado por uma praxeologja técnicocientífica do outro o indivíduo privado cada vez mais enquadrado na cultura de seu jardim particular onde ainda podem florescer um pouco de estética pessoal um pouco de ética um pouco de religião um pouco de reflexão 7 Uma conseqüência é previsível as coletividades hu manas ie apreendem hoje mais ou menos sob o signo da confusão sob o signo de uma ausência de projeto coletivo num 67 momento mesmo em que as grandes causalidades tornamse cada vez mais compactas e ameaçadoras demografia desigual dades econômicas coagulação das insatisfações etc Tudo isso é projetadc confusamente no pensamento do homem pensa menta confuso de massa sustentado por todos os meios de difusão coletiva A esse respeito podemos dizer que a prática do pensamento tornase cada vez mais praxeoógica pois ela está confiada ao anonimato global da massa humana a opi nião dispondo de todos os recursos técnicocientíficos para manterse e desenvolverse Ora essa prática precisa ser refle tiM Em outras palavras as ciências humanas através de seus produtos agem na prática da vida e interferem no domínio do próprio pensamento correndo o risco de fechar o circuito de seus resultados humanos e de constituir um grande sistema de intervenção técnicocientífica sobre toda a economia do saber Não se trata de dizer com isso que a emergência e a 001lstituição1 das ciências humanas postulam que se retome uma epistemologia das disciplinas especulativas Precisamos apenas reconhecer que nesse domínio o problema é movediço que seus termos se deslocam e que devemos tratálo em seu pró prio movimento Colocado o problema seria conveniente abor dálo com um tratamento epistemológico bem mais amplo e mais aprofundado 8 Semelhante problema é multo amplexo para ser tratado nas dimensões de um artigo Queremos apenas situálo no contexto das duas características essenciais da ciência con temporânea dando especial destaque à segunda a reflexividade e a tecnicidllde E ssas duas caracteristicas transcendem por assim dizer aquilo que constituía a dimensão própria da ciên cia O surgimento na ciência moderna de um caráter de refte xividade corresponde a uma espécie de integração no domí nio científico da dimensão filosófica ou epistemológica da consciência Com efeito a ciência chegou a tal nível de matu ridade que se tornou capaz de colocarse os problemas de seus próprios fundamentos isto é de interrogarse sobre o sen tido de seus conceitos fundamentais sobre a validade de seus métodcs e sobre o alcance de seus resultados Constituemse assim o que podemos chamar de epistemologias internas ou metateorias que proporcionam à ciência por assim dizer um 68 Jmínio de reflexividade onde atuam seus atos decisivos Assim to estudarmos a estrutura das operações fundamentais de certas corias obteremos resultados válidos para todas as teorias con ideradas Há uma simultaneidade entre o aprofundamento do projeto inicial e a extensão dos métodos cuja característica con 5jste em integrar a reflexividade à própria demarche científica 9 Considerando a ciência não mais em seus aprofunda rnntos teóricos mas em seus prolongamemos técnicos não se rode negar que ela se encontra cada vez mais vinculada a uma certa transOfmação do mundo A ciência tornase cada vez mais um instrumento eficaz de análise e de manipulação do real Esse é o sentido profundo do processo crescente da matematização da ciência Não somente ela se torna eficaz mas dá um sentido preciso à noção de eficácia A instauração de um novo tipo de relação com a natureza no qual o homem ao invés de submterse a um conjunto de condições modifica essas condições segundo seu próprio gosto inscrevese no pró prio projeto da ciência atual Se quisermos compreender as ciências modernas da natureza diz por exemplo W Heisen ocrg devemos reconhecer que sua perspectiva central consiste no feixe de relações do homem com a natureza graças a essas relações somos nquanto çriaturas vivas físicas partes dependentes da natureza ao passo que na qualidade de ho mens dela fazemos parte ao mesmo tempo como objeto k nosso pensamento e de nossas aões A ciência deixando de ser o espectador da natureza se reconhece a si mesmã como parte das ações recíprocas entre a natureza e o homem La 11ature dahs la physique Cllttemporaine 1962 Por conseguinte os objetos de nossos conhecimentos e das transformações que operamos não permanecem isolados relativamente ao sujeito cognoscente é o próprio homem que enquanto sujeito coletivo da ciência se modifica ao modificar os objetos e conseqüente mente suas próprias condições de vida 1 O Portao to a ciência moderna e com maior razão as ciências humanas deixaram de ser uma tri4 uma visão ordenada do mundo uma contemplação da essência das coisa para tornarse uma techné uma intervençiio voluntária sobre os fenômenos por isso que a proliferação das técnicas e de uas inúmeras aplicações é coextensiva ao desenvolvimento das 69 ciências ao mesmo tempo que há uma conquista de perspecti vas teóricas cada vez mais poderosas há uma ampliação cada vez maior dos campos de aplicação E as transformações intro duzidas pelas ciências afetam o próprio homem modificações profundas das estrlturas sociais econômicas e políticas ademais o desenvolvimento segundo os métodos positivos das ciências humanas torna doravante possível até mesmo um domínio sobre o biológico e o psíquico do homem Praticamente todos os setores da vida humana inostramse susceptíveis de se rem controlados por uma técnica científica apropriada Por todas as suas conseqüências no domínio da ação o progresso científico atual está vinculado aos problemas de ordem ético política A pesquisa científica tornase um instrumento de po der e chega mesmo a constituir o elemento fundamental do poder cada vez ais é o poder que fornece à pesquisa cien tífica seus quadros seus meios seus planos de organização e seus objetivs E é por isso que colocamos a seguinte per gunta se as ciências em geral e as ciências humanas em par ticular tornamse cada vez mais uma atividade humana desem penhando o papel ou a função de flFrças prooutoras se elas se tornam um modo de atividade humana cada vez mais impor tante e uma forma especüica de existência moderna do homem como poderiam elas ser consideradas de outro modo senão comolerdadeiras praxeologiaf Evidentemente não somente as diversas teoTÚls desenvolvidas pelas ciêncüu hrmumas tor nam possível a produção tecnológica mas também a orientação para a performance técnica exige das teorias científicas novas possibilidades enquanto são tecrios das ações humanas que as ciências humanas podem ser consideradas como disciplinas praxeológicas as teorias científicas não podem dissociarse de suas técnicas de aplicação pois determinamse reciprocamente dando sentido umas às outas 70 III FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS no CIENTIFICISMO O método experimental racional e obje tivo aumenta incessantemente seu impacto so bre a vida social e cotidiana Ele sempre impôs de modo crescente e intransigente o primado da Razão sobre os demais aspectos da expe riência humana Apresentandose como o úni co instrumento particular da Razão foi levado a assumir estimulado por seus êxitos um papel imperialista crescente a ponto de identi ficarse com a própria Razão e de rejeitar como irracional e subjetivo tudo o que não conseguiu assumir Por fundamentos epistemológicos do cientificismo en tendemos numa primeira aproximação esse fundo de saber solo ou hprizoÕW epistemológicos sobre o qual se coos 1ruiu historicamente a concepção segundo a qual a Ciência plssa a desempenhar o papel de fórmula laplaceana no do mínio do conhecimento das esperanças humanas Graças à sua prodigiosa conquista do ü niverso ela dobra à obediência de seus próprios ditames as normas do pensamento humano Ne nhum conhecimento poderá pretender à dignidade científica a não ser que Comprove sua capacidade de revestir as formas os cânones ditados pela ffsica e pelas matemáticas Todas as verdades humanas para terem significação cognitiva deverão submeterse aos critérios de uma verificação experimental A arte a religião a vida afetiva e a vida cotidiana que não se deixam reduzir à obediência às normas físicomatemáticas são desacreditadas como desprovidas de sentido A experiência hu mana em geral deixase confudir com a experiência cientifica em particular Tudo se passa como se os critérios da ciência devessem ser universalmente válidos e como se a preponde rância das preocupações científicas e técnicas devesse ser consi derada como verdade eterna Semelhante atitude que pretende submeter a totalidade dos valores à jurisdição da verdade cien tífica está fundamentada num juízo de valor prévio pratica mente impossível de ser racionalmente justificado Porque não se pode procurar a verdade do mundo exclusivamente na or 73 dem das essências físicomatemáticas Ademais os funda mentos e princípios das ciências rigorosas devem ser criticados revisados reformulados e sua validade não pode impors como sistema dogmático revestido de uma dignidade sacros santa mas como sistema de linguagens técnicas destinadas a evidenciar este ou aquele aspecto de uma realidade extrema mente complexa e confusa Nesse sentido o discurso epistemológico das diversas ciên cias é chamado a tomar consciência das insuficiências e do inacabamento das verdades científicas Nenhum discurso cien tífico pode pretender cobrir a totalidade daquilo que é Cada um dos discursos deve remeter a um discurso mais completo horizonte comum aos discursos parciais que seria o discurso de conjunto da realidade humana da realidade tal como o homem pode descobrila em função de sua situação no mundo No dizer de W Heisenberg cuma das características mais imr tantes a eyolução e da análise da física moderna é o fato de os conceitos da linguagem normal com suas definições vagas parecerem mais estáveis no decorrer da expansão do conhecimento do que os termos precisos da linguagem cientí fica esses termos são uma idealização que versa apenas sobre uin grupo de fenômenos Isso não deve surpreendernos pois os conceitos da linguagem normal são fornecidos pelo con tacto direto com o real eles representam a realidade ver dade que não são bem definidos não poàendosofrer as muta ções no decurso dos séculos como a própria realidade mas nunca perdem o contacto direto com o real Physique et Phiosophie 1961 Como podemos notar Heisenberg denuncia o fracasso do cientificismo ingênuo predominante no correr de todo o século XIX Ao invés de procurarmos exclusivamente nas essências matemáticas a verdade do mundo são essas verdades matem ticas que devem situarse relativamene à realidade humana do mundo humano Assim a idéia segundo a qual os defensores do cientificismo clássico esperavam realizar um conhecimento unitário sob a forma de uma matemática universal muda pro fundamente de significação As ciências rigorosas que tenta vam e mesmo conseguiram Iienar a realidade humana são 74 rrçadas a empreender um esforço de redescoberta da cons ncia humana t o que tentaremos mostrar em nossa apre ntação dos limites do científico atual Antes porém ve nnlOS sucintamente como ele surgiu e se desenvolveu 1 Emergência do cientiiicismo Nossa intenção aqui é evidenciar algumas dominâncias hi türicas do cientificismo permitindonos compreender melhor ua significação contemporânea O cientificismo não é produto de nosso século Tem suas raízes no século XVIII muito em lwra só tenha se afirmado como atitude intelectual no de llrrer do século XIX O fundo de saber ou o solo episte mológicodo qual emergiu foi esse clima espiritual criado pelo 1dvcnto da era da positividade em substituição por oposição t em da representação Desde sua origem o cientificismo revelouse logo uma atitude intelectual bastante difundida Os meios científicos do sécuio XIX e do início deste século rece hcramna com muito entusiasmo vendo nela por assim dizer a rureka da verdade do pensamento Essa atitude porém já foi questionada no próprio interior da ciência desde seu surgi tncnto Esse questionamento por exemplo ganhou certo lligor 1m momento em que as pr3prias matemáticas se colocaram as lJUcstões de fundannto E viuse ainda revigorado quando 1 física se colocou as questões referentes ao abandono da fonna díssica de teoria para aceitar suas formas contemporâneas relativistas e quâoticas Com tais questionamentos ficava para cmpre sepultado o que podemos chamar de o primeiro cienti ficismo bastante ingênuo e crédulo em demasia no poder da Razão científica Ora tudo indica que para além desse período de abalo e de transição estamos assistindo hoje à emergência c ao terrorismo intelectual daquilo que podemos chamar de o segundo cientificismo muito mais poderoso autoritário e por vezes dogmático do que o primeiro E sobre esse se gundo cientificismo que faremos nossas críticas finais Antes porém veremos alguns de seus suportes epistemológicos bis lóricos 75 Ao remontarmos à história do pensamento e da filosofia podemos facilmente deSobrir que a doutrina kantiana sobre a ciência já contém em germe e já anuncia a epistemologia posi tivista da ciência De certa forma não somente define o ter 1eno mas também estabelece a possibilidade da emergência de certo cientificismo Também Hegel à sua maneira ao conce ber a ciência do entendimento como tal formulaa de um modo que se aproxima bastante da concepção positivista de ciência Nesses dois grandes filósofos aquilo que constitui o equilíbrio é a concepção que ambos propõem sobre as fun ções da filosofia e da razão filosófica Mas é apenas a partir de Comte e de certa forma de Marx de modo diferente que os aparelhos filosóficos dos dois filósofos do fim da era clássica serão abandonados A partir de então pelo menos no domínio das intenções a filosofia positivista tenta defmir já agora sobre as bases da própria ciência e do espírito cienti fico a totalüúlde da visão do real natureza e ser humano Ao mesmo tempo essa filosofia passa a apresentarse como a única e exclusiva referência verdadeiramente racional para o agir humano Todavia convém observarmos que embora esse aspecto de inspiração geral da conduta humana para além do simples uso prático do conhecimento científico já seja claramente enfatizado pelo positivismo cientificista do século XIX não podemos nos esquecer de que o cientificismo se apresenta antes de tudo como uma doutrina ou uma teoria do conhecimento O que essa teoria do conhecimento ou da ciên cia pretende invalidar por princípio é toda e qualquer outra fonna de conhecimento que não satisfaça às exigências do conhecimento positivo propriamente dito Portanto historicamente foi Kant quem estabeleceu as primeiras bases ou os primeiros fundamentos epistemológicos para a teoria cientificista do conhecimento Como procedeu Kant Simplesmente ele reservou o título de conhecimento única e exclusivamente a essa espécie de deteaninação da vida mental que são de um lado a experiência sensível do outro sua elaboração empreendida mais ou menos previamente pelo entendimento e o produto acabado do entendimento não pode ser outra coisa senão o conhecimento cientifico isto é a ciên 76 propriamente dita E o suporte de base de todo esse conheci ltnto inteiramente destinado a converterse em conhecimento 1ttífico não é outro senão o dado fenomenológico isto é 1 tualidade da manifestação sensível que Kant chama de fe ntmeoo Todavia ao tratar de definir o entendimento não l1meote enquanto prática atual mas também enquanto pos jbiidade do conhecimento científico sendo este considerado 111 seu gênero próprio como totalidade infinita Kant não hesita em falar do fenônemo como constituindo a propósito Jas coisas e de seu universo a totalidade de suas manifestações possíveis E por isso que ele define o lugar da experiência cnsível e o espaço do conhecimento científico como um todo Para ele tanto a ciência efetiva quanto o entendimento cientí fico devem caminhar indefinidamente nesse espaço da ciêncía em que possa jamais chegar ao término desse estofo fenome nológico indefinido tanto dQ ponto de vista do indivíduo feno menológico quanto do da teorização através da descoberta de leis e das relações necessárias dos fenômenos entre si Não é de grande importância porém essa condição inde finidamente peregrinante do conhecimento humano e de sua elaboração científica O que importa é que tanto o entendi mento científico quanto a razão humana já sabem como que por princípio desde a origem e durante todo o percurso que a liência não pode ser outra coisa senão o poder da totalidade do fenômeno quer do conhecimento quer da explicação cientí fica de tudo o que surge no horizonte do conhecimento Quanto tquilo que ainda possa constituir problema para além da neces idade humana de conhecer e de explicar a ciência que no momenlo já dispõe de certa aquisição de conhecimento e de explicação está em condições de darlhe mais cedo ou mais arde uma resposta satisfatória E a razão é a seguinte o espírito científico traz dentro de si como que por definição tia ciência de seu recurso e de seu propósito específico a espe rança invencível de seu êxito Aquilo que a ciência reivindica tle mocdo exclusivo é o fenômeno Mas ela reinvidica todo o fenômeno Para além do fenômeno nada existe senio outros fenômenos Nessas condições não há outra coisa para conhe cer qe não seja aquilo que a ciência ou já conhece ou enlão 77 é chamada a conhecer E isso em virtude de uma indefinida progressão e ue uma infinda capitalização dos conhecimen tos Üllltra marca distintiva da emergência do cienltificismo airida no século XIX pode ser encontrada na distinção introduzida por Kant entre natureza e história No século XIX essa distin ção foi substituída na filosofia vulgar pelas clássicas distin ções entre corpo e alma físico e moral ou matéria e espírito A oba de W Dilthey contribuiu enormemente IJtra a popula rização da oposição entre esses dois conceit natureza e his tória Essa oposição tornouse tanto mais importante quanto foi tomada como equivalente da oposição entre necessidade e liber dade Do ponto de vista epistemológico esse dualismo repleto de conseqüências gerou duas tendências aprentemente anta gônicas porque assentadas sobre o mesmo pano de fundo posi tivista o naturalismo e o historicismo cada um sendo portador de pressupostos filosóficos inegáveis de préconcepções valo rativas inconfessadas e inclusive de preconceitos religiosos A nosso ver foi a corrente naturalista que mais influenciou a ati tude cientificista e que lhe forneceu os mais fortes argumentos para vir a imporse posteriormenTe sem dar chance às pos sibilidades de uma refutação Por isso daremos apenas algumas indicações sobre o naturalismo deixando de lado o exame do historidsmo Não podemos ver no conceito de naturalismo uma noçãu unívoca Entre seus vários sentidos destacaremos dois o filo sófico e o epistemológico Do ponto de vista filosófico o natu ralismo se apresenta antes de tudo como doutrina que exclui por completo toda e qualquer referência a um saber de ordem espiritual vale dizer toda ingerência do sobrenatural ou do transcendente na interpretação dos fenômenos naturais Do ponto de vista epistemológico o naturalismo designa a teoria do conhecimento que nega radicalmente por uma questão de princípio a especificidade das ciências humanas e a validade de seus conhecimentos sob c pretexto de que o único modelo de ciência passível de ser aceito como verdadeiro deve ser o das ciências naturais As outras disciplinas só poderão ter al gum valor científico e desenvolverse se e somente se adota 78 ru 05 métodos e os procedimentos que já demonstraram sua fiácia no domínio das ciências psicoquímicas Convém salientarmos que embora o naturalismo radical tnha perdido bastante de sua credibilidade mesmo entre mui cientistas de mentalidade positivista por causa de seu 5im ri5n1o filosófico isso não quer dizer que tenha deixado de xcrcer grande influência e de orientar de modo mais ou me ms implícito várias teorias das ciências humanas Dois exem lll1s a o primeiro é o domarxismo vulgar cuja tendência 0niderar o espírito como um simples reflexo da matéria c isso baseado nesta frase de Marx A totalidade tal como ela aparece no espírito como um todo pensado é um produto do cérebro pensante que se apropria do mundo da única ma neira possível maneira que difere da apropriação deste mundo pd a arte pela religião ou pelo espírito prático O sujeito real ubsiste tanto depois quanto antes em sua autonomia fora do espírito b o segundo pode muito bem ser ilustrado pela psicologia behaviorista de Skinner para quem não há diferença ssencial sic entre os gatos os ratos os macacos e o homem cnáo que o homem ainda não foi bem estudado devido aos preconceitos entorpecedilres da introspecção Não é fácil uma caracterização sucinta do naturalismo Todavia podemos indicar algumas de suas notas distintivas a o naturalismo considera que as ciências da natureza constituem a base sólida e insuspeita de todo e qual quer conhecimento objetivo quer dizer somente elas detêm o modelo dos conhecimentos verdadeiros pois são as únicas a poderem estabelecer as normas e os cãnones de toda cientificidade b identifica todos os objetos de conhecimento numa indi ferença axiológica total sem levar em conta as par ticularidades individuais conseqüentemente oü as criações e os produtos da atividade humana se redu zem às determinações materiais ou técnicas ou não terão nenhum valor cognitivo c considera que as ciências humanas permanecerão cons tantemente num estado de imaturidade epistemoló gica enquanto não se curvarem decidiamente aos 79 critérios de cientificidade propostos pelas ciências na turaís d encara o pensamento filosófico como a etapa ultra passada de umaciência imatura porque dentre todas as atividades humanas devemos ver na atividade científica o critério único de verdade Evidentemente os naturalistas não se alinham necessaria mente no interior de um pensamento unitário Distribuene em várias categorias a há os que se dão um fundamento filosófico quase sempre o materialismo concebido de modo mecanicista dialético organicista ou simplesmente utilitarjsta b há os que se dão por modelo as ciências naturais em seu conjunto ou então uma disciplina particular dentre as ciên cias naturais física biologia fisiologia etc ou a psicologia concebida como ciência natural c há os que tomam por ponto de partida uma teoria ou um conceito das ciências natutaiS princípio do determinismo conceito de Jei natural conceito de meio teoria energética etc d há os que se contentam em aplicar de modo mais ou menos pragmático os métodos das ciências naturais especialmente os métodos experimentais sem e preocuparem com nenhuma justificação epistemológica ou filosófica Ora segundo os naturalistas a única epistemõlogia deverá presidir à constituição das ciências humanas mais com plexas que as cíênclãs naturais devem tomarlhes de emprés timo os métodos para poderem ter assegurados seus resultados Ademais uma ciência digna desse nome ou será experimental ou não será científica E esse é o estado de espírito mais difun dido entre os cientistas do fim do sécllW XIX E esse estado de espírito mesmo informulado é mnito mais tirânico do que as próprias doutrinas Concebida como mestra de toda ver dade a ciência é a benfeitora número um da humanidade recla mando para si as direções materia1 espiritual e moral das sociedades Somente ela pode fornecer as bases de doutrinas livremente consentidas pelos cidadãos do futuro Ela domina todo e nenhum homem nenhuma instituição poderão ter uma autoridade duradoura se não se conformarem a seus ensina mentos 80 Nessas condições o naturálismo leva fatalmente a uma i tuação paradoxal não somente tende a governar as ciências humanas mas também tenta substituirse a elas tanto para xpicar quanto para dirigir normativamente as atividades hu manas No dizer de G Gusdorf parece que as ciências da na tureza se tornaram de direito em ciências sociais ou pelo menos fazem autoridade no domínio social esse deve tanto l1uanto possível imitar as estruturas e a conformação das dis çiplinas na ordem físicoquímica e biológica Em outras palavras 3 certeza científica se basta a si mesma ela estende mesmo sua jurisdição a domínios que ainda não lhe pertencem mas é feito um grande esforço para que sejam reduzidos dentro em pouco à obediência às normas que prevalecem nas ciências exatas A içléia de ciência do homem cede pois o lugar à esperança de uma ciência sem o homem de uma ciência que não tem mais necessidade do homem e que o perde no meio do caminho afogado na massa do real não podendo ser mais distinguido por ninguém lntroduction aux sciences humaines 1974 2 Cientificismp contemporâneo e seus limites Esse foi o caminho que conduziudo positivismo de La marck e de Comte ao cientifismo que acabamos de evocar Segundo Lalande o termo cientificismo teria sido criado no início do século XX por te Dantec um dos vulgarizadores fran ceses do materialismo biológico O cientificismo surge como que para decretar o fim de toda filosofia pois o discurso científico seria capaz por si só de enunciar todas as verdades A ciência afirma le Dantec não guarda traço algum de sua origem humaoa ela tem pense o que quiser a maioria de nossos con temporâneos um valor absoluto Somente ela possui esse va lor t por isso que me proclamo cieotificista citado por La lande Vocabulaire de philosophie verbete scientisme Se para Comte a filosofia podia ser uma espécie de consciência da ciência uma espécie de segunda leitura e de estabelecimento das aquisições do saber para o cientificismo só pode haver uma ciência sem consciência quer dizer uma ciência capaz de 81 absorver a própria consciência tornandoa completamente inú til Podemos dizer que em seu estado bruto a ciência é capaz de fornecer certezas definitivas sobre uma realidade que não tem necessidade de ser considerada como uma realidade hu mana Ora após a crise de incerteza e de conflitos epistemoló gicos por que passou o cientificismo no início de nosso século vemos organizarse em nossos dias fundado nas bases epis temológicas fornecidas pela teoria kantiana do conhecimento científico um novo tipo de cientificismo muito mais radical e poderoso que o precedente Sua inspiração específica comporta uma pluralidade de dimensões Sumariamente podemos enume rar as principais aquelas que constituem uma espécie de deno minador comum à mentalidade cientificista contemporânea a o cientificismo atual afirma uma consciência dara e exPlícita da total autonomia intelectual ªa ciência e do entendimento científico quer dizer não podem depender de nenhuma instância racional que seja ex terior à ciência Issb vai implicar o domínio autô nomo da lógica e da linguagem da ciência b afirma a consciência bem mais aguda da continuidade entre o estado de espontaneidade viva do conheci mento humano e o próprio conhecilento científico continuidade genética e continuidade de destino fa zendo com que a espontaneidade natural do conheci mento humano pertença d algum modo à ciência e ao seu entendiment c defende intrànsigentemente a idéia segundo a qual à dimensão puramente teórica o entendimento cientí fico acrescenta e articula o conjunto de suas djmen sões de repercussões práticas técnicas industriais culturais sociológicas etc Desse ponto de vista as sim como inscreve em si a continuidade com a espon taneidade natural da vida cognitiva humana da mes ma fonna inscreve conscientemente em si uma con tinuidade bem menos claramente percebida com toda a organização voluntária da existência e da prática humanas convertendose em entendimento englobatr te de toda a vida ademais ao refletir praxeologi camente sobre sua própria realização científica pre tende dizer respeito não somente ao homem de ciência e de pesquisa mas uo próprio homem consu midor de ciência quer dizer a todo homem d afirma solenemente que só o conhecimento científico é verdadeiro e real os conhecimentos que não fo rem exprssos quantitativamente ou que não puderem ser formalizados ou que se mostrarem absolutamente refratários a uma repetição em condições de experiên cias em laboratórios não podem ser considerados como tendo validade epistemológica o conhecimento verdadeiro também chamado de reatt ou de ob jetivo deve ser universal quer dizer válido em todo tempo e lugar independentemente da condi ções sociais e das formas culturais e afírma ainda que só será científicõé por conseguinte válido e aceitável o conhecimento capaz de ser ex presso de modo coerente em termos quantitativos e ser passível de uma experimentação eni laboratório em outros termos a verdade se identifica com o co nhecimento científico f deixa entender claramente que o ideal da ciência é atingir uma concepção mecanicista formalista ou analítica da natureza Em outras palavras tlda a realidade inclusive a experiência e as relações huma nas os acontecimentos as forças sociais e políticas tudo isso deve ser expresso numa linguagem forma lizada em termos de sistemas de partículas elemen tares No fundo o mundo não passa de uma estrutura particular no seio das matemáticas g postula que o conhecimento quer em seu desenvolvi mento quer em sua transmissão pelo ensino deve ser cortado em várias especialidades Para toda ques tão referente a um domínio qualquer de conhecimento somente a opinião do expert desse domínio particular merece crédito para cada setor do conhecimento só o expert conhece Por outro lado somente a ciência e a tecnologia Ue Qla doqe poderão resolver os problema do homem quaisquer que sejam e so mente os acessares técnicos estão habilitados a pan cipar das decisões pois s6 eles sabem h crê que o conhecimento científico deve fundarse exclusivamente sobre a Razão Há uma supremacia da Razão e do Intelecto sobre todos os demais aspt05 da experiência e das capacidades humanas E o único instrumento particular da Razão humana é o métodtJ experimental e dedutivo Ele teve tantos êxitos e111 certos domínios da investigação e das realizações hu manas que passou a exercer uma função imperialista e finalmente a identificarse com a própria Razão rejeitando tudo o que não pode assumir ao domínio do meramente irracional emocional subjetivO ou não humano Comd se pode notar facilmente todas essas característi do entendimento científico contemporâneo revelam a emergên cia de um novo cientificismo humanamente muito mais tota tário que o do século XIX Esse cientificismo não somente está constituindose com grande força como também tem a pre tensão de apropriarse de todas as estruturas intelectuais oa mentais do mundo civilizado Ele não é apenas um cientificis mo doutrinário tentando justificarse ou abrir sua doutrina l discussão polêmica mas um cientificisrno de vida para todos os homens e não apenas para os inteleetuais Tratase de um cientificismo tácito afirmandose sem proclamações explí citas ou sem declarações de princípios Contudoele stá em ação em todo momento tendose mesmo tornado como que o princfpio organizador da existência humana individual e cole tiva Tratase de um cientificismo de vida cientificismo prd tico como que impregnando toda a vida humana e sempre reemergindo de todos os contornos da problemática humana como um dos principais recursos intelectuais e praxeológicos melhor ainda como o único meio realmente eficaz para o tratamento e o domínio da problemática humana Ele começa a apresentarse de modo tão natural tão consubs tanciai à nossa ciYJliuçJo e à nossa sociedade que chega mesmo a bloquar ou inibir com muita força toda reflexio 11 toda reinterrogação sobre aquilo que ele poderia ocultar w fazer isso ele como que obriga pela própria força de seu 1cma vivjdo tacitamente o silenciamento de todo inconfor üsmo ou sua mais ou menos rápida acomodação Estamos Jiantc de um cientificismo praticamente calculador de uma l1cicdadc autocalculadora tanto no detalhe quanto no con junto Nãó se pode negar a enorme força antirevolucionária Jsse novo tipo de cientificismo e de seu funcionamento so cial O que não quer dizer absolutamente que seja estático conservador Por seu próprio funcionamento instaura ao mesmo tempo o crescimento desmesurado e a deriva do hu mano Num certo sentido ele se apresenta como a própria rtvolução que se implanta em escala planetária com um pa der impessoal extremamente forte Evidentemente no univer so desse novo cientificismo o destino conferido àquilo que não pertence propriamente à orilem do entendimento bem como a todos os meios para se construir um organismo de vida e de expressão é bem mais precário do que a sorte dada à filosofia no interior do universo intelectual do primeiro cien tíficismo Não somente os interstícios do conhecimento científico no interior dos quais a filosofia podia ainda sobre viver e movimentarse tomaramse muito mais reduzidos mas é o próprio organismo tradicional e integrado ddilosofia que pssa por um processo de desmantelamento radical a ponto de verse cantonadõ numa espécie de cidaãela inútil ou des construída A metafísica é negada A moral e a política ca Ja vez mais são substituídas por uma praxeologia A esté tica é informe O discurso natural tomase confuso A violên cia crítica parte não se sabe de onde para ir a lugar nenhum simplesmente varrendo o que encontra em seu caminho As violências culturais intelectuais e verbais são substitutivos simbólicos de uma espécie de violência impotente para efeti varse no nível da materialidade social das infraestruturas humanas Eis entre outros alguns indícios de um passado cultural em vias de eliminação pelo cientificismo contempo râneo Esse cietificismo se apresenta como sendo capaz de re solver os problemas epistemológicos colocados por todos os 85 tipos de teorias do conhecimento Para tanto não tem neces sidade de recorrer a nenhum discurso particular nem tampou co a uma autoteorização pois se apresenta a si mesmo como a forma de existência e de prática humanas Também não teta necessidade de um ensinamento vindo de fora pois é do in terior mesmo da vida que ele se toma regente do pensamen to e disposição da inteligência que o indivíduo contrai co111 a vida e com a educação necessária à civilização atual Con quistado por ele o indivíduo pensante pode no entanto dis tanciarse dele nem que seja para reconhecer seu sistema e seu funcionamento Distanciado do cientificismo o indivíduo consegue entrever aquilo que pode conduzir o espírito a 1IDI enclausuramento ou a uma saída A esse respeito duas observações se impõem que apenas indicaremos A primeira consiste em reconhecermos que o universo do entendimento científico não é capaz de absorver o dado priva do consciente e pessoal do indivíduo Desse dado privado não há enquanto tal ciência no sentido em que há ciência do entendimento De sorte que o universo do entendimento científico encolllla por assim dizer em cada ser humano li vendo pessoalmente sua própria vida interior uma espkie de ponto limite do qual só pode considerar a exterioridade a objetividade acessível à razão o conteúdo latente de um so nho e sua significação por exemplo não podendo assumir as rédeas das decisões pessoais livres nem estar péssoalmerr te presente ao ato do vivido Por natureza a ciência e seu entendimento são públicos O valor do entendimento está na quilo que há de despersonalizado no conhecimento e na ação E por isso que não somente pode como deve haver um con junto de formações humanas do espírito não apenas prévias à constituição do entendimento científico e a seu desenvolvi mento mas também por assim dizer póscientíficas capa zes de ser o que a ciência não pode ser E nada pode impedir que as grandes dimensões de uma filosofia respeitosa do en tendimento científico mas livre em relação a ele ensinem ao homem o desabrochamento positivo de sua capacidade pessoal de agir livremente A segunda consiste em reconhecermos que o entendimen to científico se faz acompanhar de um fato bastante importan 86 ti urna espécie de opacidade crescente e paradoxal do pró prio enteudieto Em erto sentido tratase de uma opaci dade no propno plano mtelectual a era da representação mwifestavase de modo claro e distinto não dissimulando nada além dela mesma a era da positividade é sempre de um modo ou de outro o anúncio de uma imensa nuvem de sombra na qual mergulha e termina por se perder a lumi nosidade da inteligência Tratase também de uma opacidade no nível da prática científica forçosamente fragmentada im potente para se unificar quer no plano do conhecimento quer 110 de sua aplicação ao agir humano Tanto o reino intelectual quanto a sociedade humana do entendimento científico torna ramse obscuros a si mesmos impenetráveis ao olhar çomo um meio que de transparente que era se tornou opaco e de mo do cada vez mais espesso difunde caoticamente sua luz vindo chocarse contra inumeráveis pequenos obstáculos molecnla res A essa opacidade para a inteligência humana segue o dinamismo crescente em escala humana da ação do entendi mento numa espécie de espontaneidade revolucionária que ten ta integrar de modo incontrolável seu próprio impulso Torna se cada vez mais evidente que essa modalidade de crescimen to do universo humano da ciência é repleta de inconvenientes de sérios riscos provocando profundas inquietações Donde a emergência no próprio interior da consciência científica de malestares mais ou menos angustiantes e de movimentos de reações críticas da própria ciência e de seus atuais desenvol vimentos A própria natureza desse duplo fenômeno de opa cidade a si e de submissão impotente a seupróprio cresci mento que caracteriza o entendimento científico atual e seu universo humano obriganos a uma reflexão e a uma tomada de posição Não vamos analisar aqui os vários movimentos de cientistas que já compreenderam as ambigüidades do papel que desempenham ou são forçadOs a desempenhar dentro dessa mentalidade cientificista Eles desejam construir uma ci2ncia critica isto é uma ciência responsável consciente de seu pa pel real e preocupada em controlar suas próprias atividades dentro da sociedade Talvez isso seja uma utopia pois o pro blema é político essa utopia porém não é desprovida de sig 87 nificação liêiU de intcrc E para terminar fnçamos algumas considerações sobre outros suportes do cientificismo mais pro priamente ideológicos do que epistemológicos 88 1 Como vimos o cientificismo atual está ancorado na eficácia e no prestígio do método experimental e de dutivo Há quatro séculos esse método vem progres sivamente reelando sucessos espetaculares Não se pode negar que ele aumenta incessantemente seu im pacto sob a vida cotidiana de cada um e sobre a vida social em geral Talvez somente hoje seu pres tígio comece a declinar Todos sabemos que atra vés de um processo de anexação imperialista a ciência criou sua ideologia própria passando a ter as várias características de uma nova religião e a essa religião que chamamos de cientificismo Seu poer de fascínio sobre as massas humanas deve se ao prestígio da ciência com seus êxitos inegáveis e retumbantes 2 O cientificismo está profundamente arraigado hoje nas mentalidades Podemos até dizer que ele suplan tou o prestígio das antigas religiões Ele se insinua penetra nos sistemas educacionais e controla o pensamento universitário O homem comum que só conhece de modo grosseiro alguns dos resultados da ciência quase nada compreende daquilo que realmente se passa no reino da ciência Essa igoo rância vem sendo perpetuada através do sistema de ensino das ciências Na verdade o ensino das ciên cias é muito mais um ensino dogmático como pre vira e ordenara Comte que uma introdução e pre paraçlo à pesquisa Para quem tem mentalidade cientificista a ciência é ensinada como se fosse uma verdade revelada Por isso o poder da palavra ciência sobre a mentalidade do grande público de essência quase mística e certamente irracio nal Para o comum dos mortais a ciência se apre senta como uma espécie de magia negra sua auto ridade sendo ao me5mo tempo indiscutível e incom preensível 3 O cientificismo ao apnsentarc com esse caráter meio religioso bastante irracional e emocional em suas motivações tem uma característica que lhe é bastante peculiar a intolerância relativamente a to do outro saber que não seja o da ciência da forma como esta deve ser concebida por seus partidários Essa intolerância chega ao ponto de excluir do do mínio do saber todo conhecimento que não se ba sear única e exclusivamente na Razão científica 4 Se o cientificismo pode ser comparado a uma reli gião seus Sumos Sacerdotes atuais são os próprios cientistas num sentido lato ou se preferirmos os tec nólogos os tecnocratas e os experts Somente eles podem entrar no Santuário sagrado do saber e revelálo numa linguagem cifrada técnica meio esotérica aos nãoiniciados Eles como que estão imbuídos desse papel de detentores exclusivos do conhecimento tanto mais que se situam no mais alto degrau da hierarquia científica Reagirão pron tamente a todo e qualquer ataque a essa religião ou a um de seus dogmas Quase sempre essa rea ção é profttndamente emocional sobretudo quando se trata de contràatacar aqueles que criticam o con forto de suas competências tecnológicas ou tecno cráticas 5 O cientificismo contemporâneo confere aos experts uma espécie de poder intelectual cujo efeito pare ccnos 6 espiritual e intelectualmente estropiante pois os afasta sempre mais do convívio dos seres vivos para reduzilos a um simples mecanismo ce rebral mais ou menos cibernetizados à medida que se tornam cada vez mais especializados Podemos dizer que mesmo sobre os experts o cientificismo prodw efeitos paralisantes intercepta o gosto de saber mais atrofia o engajamento moral e a res ponsabilidade pessoal em todos os domínios por que contribui para cavar o abismo crescente entre 89 90 os três pólos da existência 1Umana o pensamento a emoção e a ação Em termos sóciopolíticos cientificismo justifica a hierarquização rígida da s ciedade e tende a fortalecêla sempre mais col cando em seu cume uma tecnocracia fortemente hie rarquizada que tomará as decisões 6 Na maioria dos países e sob os mais variados dis farces o cientificismo é tomado como a ideologia mais apta e eficaz para fundar e justificar as po líticas nacionais Enquanto tal é amplamente uti lizado para fornecer as justificações e as racionaJi zações às diversas filosofias do progresso do d senvolvimento vistos exclusivamente como progres so e desenvolvimento científicos e técnicos E é jus tamente a utilização desse cientificismo que consti tui uma das forças motrizes mais importantes para dinamizar essa outta religião da produção cres cente e do continuo crescimento por si mesmos Es sa corrida desenfreda ao aumento da produtivida de e esse crescimento por vezes insensato dos bens engendraram a crise ecológica que tanto nos inquie ta hoje em dia E essa crise está apenas em seu co meço O cientificismo que foi uma das forças de cisivas para gerar essa crise parece revelarse com pletamente incapaz de superála Não se trata de afinnar algo que seja capaz de rebaixar a ciência o que seria no mínimo preconceito e obscurantis4 mo Tratase de reconhecer que a ciência não dis põe de recursos para resolver por si mesma as crises que ela própria gerou Na sociedade da bom ba atômica do desperdício da poluição da tecno cracia dos mass media e dos tranqüilizantes os sin tomas da crise geral e das crises setoriais multipli camse dia a dia Não se trata de evocar visões apo calípticas mas de constatar que provavelmente nos aproximamos de um limiar perigoso Talvez um áos objetivos prioritários a ser empreendido seja o de dominar pela reflexão e pela ação sóciopolítica o próprio dinamismo da sociedàde científica Nlío se trata apenas de aspirarmos ao pmgresso mas de uos protegennos contra a barbárie Uma crítica aos fundamentos epistemológicos do cientifi cismo e a seus suportes ideológicos significa colocar em ques to o próprio conceito de ciência A concepção que dela se faz 0 cientificismo está apoiada em dois mitos a o da ciência conduzindo necesariamente ao progresso b o da ciência pu ra Durante muito tempo o primeiro mito foi aceito como uma spécie de dogma Em nossos dias bastante atenuado ele ser ve de argumento para o angariamento de recursos financeí ros a ciência é julgada segundo o valor social de seus resul tados O segundo mito por sua vez concebe a ciência como seu próprio fim embora possa prestar srviços relevantes To davia o mito da ciência pura repousa no postulado segun do o qual a procurS do conhecimento ou da verdade é algo bom em si não possuindo intrinsecamente qualquer sig nificação moral ou política B nesse sentido que a ciência e a tecnologia devem ser consideradas como atividades ideolo gicamente neutras progredindo apenas segundo sua lógica in terna A direção correta bem como a rapidez desse progres so podem ser influenciadas por fatores externos de ordem so cial ou econômica mas a natureza objetiva do conteúdo da ciência e da tecnologia não poderá ser contestada A ciên cia e a tecnologia são neutras Seu valor ideológico vem ape nas da utilizaÇão que delas for feita Essa é a posição adotada pelos cientificistas conteropo râneos relativamente à sua concepção da ciência Ora segun do D Dickson Les nouvelles tendances de la science Eco nomie et Humanisme 212 1973 a grande desvantagem des sa posição está no fato de não levar em conta que em nossos dias a ciência está integrada à ideologia da industrialização E a conseqüência direta de tal posição consiste em interpre tar o desenvolvimento social especialmente o papel desem penhado pela ciência e pela tecnologia em termos de inter disciplillaridade funcional entre a mudança tecnológica ou inovação e o desenvolvimento econômico Em outras pala vras num momento dado as inovações tecnológicas que são absorvidas pela máqwna econômica e social são as que podem 91 ser consideradas como adaptadas à condições economtcas e sociais predominantes aumentando a eficácia dos processos produtivos inversamente as condições econômicas e sociais encorajam certo tipos de inovação tecnológica O desenvolvi mento social aparece como o resultado desse processo dialéti co Ora em nossa civilização o cientificismo é uma ideolo gia fazendo parte da ideologia global que considera a ciência e a tecnologia como atividades livres e que utiliza essa pre tensa Hberdade para ocultar as forças sociais e políticas En quanto tal ele é a ideologia da industrialização que admite uma relação de equivalência entre desenvolvimento indus trialização e mordernização E ela é utilizada para legiti mar não só o desenvolvimento dos meios de produção no sen tido estrito mas também toda a estrutura burocrática que os cerca inclusive as técnicas de planificação sociaL Outra copseqüência direta da posição cientificista consis te em revigorar a ideologia tenocrática através da vulgariza ção científica Ora o paradoxo entre a verdade cultural e a verdade científica parece coodenar a vulgarização a uma ambigüidade Sem dúvida a intenção de transmitir o saber é legítima e corresponde a uma necessidade cultural Contudo devemos interrogarnos sobre a ôperação real da partilha do saber Muitas vezes ela leva a uma mistificação cultural so bretudo quando se reduz a um mero efeito de vitrine En quanto vitrine da ciência a vulgarização contnbui para eri gir culturalmente a ciência em mito A função efetiva da vul garização situase no contexto cada vez mais tecnocrático dt nossa sociedade Por tecnocracia dcwemos entender ao mesmo tempo a a tecnomuura ou ciência realizada em técnica b a tecnoestrutura ou o conjunto complexo de tecnocratas ge rindo o sistema econômico a título de sua competência espe cializada Assim a vulgarização científica além de represen tar uma exigência de partilha real do saber pode muito bem ser utilizada para fazer os nãoiniciados a aceitarem como natural racional e inelutável tanto o fenômeno tecno crático quanto o poder incontrolado da tecnoestrutura Isso não coloca em dúvida as intenções dos vulgarizadores nem infirma em absoluto a necessidade de as ciências se toma rm presentes culturalmente em nossa sociedade O que que 92 reme afirmar é que em nosc cont xh atua a função real da vulgarização nto é tão gratuita e inocente como se pode ría pensar A tgumas conclusões 1 O cientificismo tal como o descrevemos perence me nos à história da filosofia que à história das idéias Jamais se revelou como uma doutrina explícita mas como uma atitude espiritual comum a várias doutrinas Ele se formou depois do movimento enciclopedista do século XVIII como uma atitude de otimismo e de confiança cada vez mais ilimitadas nos poderes da ciência A partir de Kant com efeito os fi lósofos tendem a apresentar seus sistemas como uma ciên cia quer porque acreditam ter atingido o rigor demonstrativo e afidelidade ao real quer porque desejam que seus produ tos intelectuais venham acompanhados de um emblema de credibilidade Isso é verdade de Fichte de Comte de Hegel de Marx e mesmo de Husserl Todavia no fim do século XIX formase um movimento filosófico de crítica à ciência encabeçado sobretudo por Bergson Nietzsche e MerleauPon ty Foi um dos primeiros movimentos a lançar dúvidas no oti mismo e na confiança depositadas na ciência O que pretende mos mostrar é que essas duas tradições prolongaramse até os dias de hoje Entre todos os transtornos culturais d nos sa civilização podemos constatar um que parece evidente em tomo da ciência tudo está em vias de agoojzar enquanto ela mant6m sua estabilidade e dá prosseguimento a seu dinamis mo Doravante não se pode ignorar que é praticamente im possível viver sem a ciência tampouco pensar independente mente de suas normas Por outro lado é sabido que o modo como ela é praticada explorada conduzida parece levar à morte Não se pode viver ou pensar sem ela e é possível que será a responsável por nossa morte coletiva Convertida no fato sóciocultural total a ciência tomouse o lugar de nossas esperanças e de nossas angústias 2 O otimismo e a confiança na ciência ainda perduram ho je NÇ iníçiÇ do sculo XIX o saber científico apresentava 93 se como um sistema coerente e bem estabelecido relativamen te simpies em que o bom senso funcionava a partir de prin cípios universais bastante fiel ao real para ser utilizado como um conjunto de estratégias adaptadas à prática Os contempo râneos de Laplace sobretudo Comte estavam convictos de que esse monumento esgotava possas exigências de rigor e de precisão que ele fornecia soluções e respostas à altura exata da amplitude de nossas necessidades Restava apenªs tornar científico o estudo dos grupos humanos e da história política E a aventura da humanidade terminaria depois de muitos so nhos e lutas no paraíso da Razão Podiase conceber um pro gresso indefinido das técnicas Estava próxima a compreensão exaustiva do real E as soluções práticas para os problemas concretos seriam encontradas quando os problemas fossem bem colocados O real é racional A humanidade só se colO ca problemas que pode resolver A ciência elimina a dúvida e promete a elicidade 3 De fato é impressionante o balanço das promessas cum pridas das incertezas eliminadas e dos problemas resolvidos pela ciência Contudo colocase hoje em dúvida a natureza e a finalidade das performances científicas Esse questiona mento porém em seu início apesar de sua lucidez fornece más razões a nostalgia de uma natureza imaginária a Jasti mação mftica de um paraíso perdido e o desespero face aos poderes que desaparecem Ora quando toda ideologia é subs tituída por uma doutrina esta se converte em mitologia Dois mitos opostos entram em conflito o dos cientificistas e o dos anticientificistas isto é dos ideólogos do tudo ou do nada Nenhum dos dois fala da ciência diretamente cobiçam o po der que ela proporciona não o poder sobre as coisas mas o poder sobre os homens Isso nos leva a outra conclusão 4 A apregoada dominação total da natureza pela ciên cia não passa de um engodo As previsões históricas do cien tificismo são altamente improváveis Hoje em dia essas pre visões são mais pessimistas que otimistas Ninguém nega a existência de um progresso de um crescimentó ou de inova ções O que se contesta é que suas conseqüências sejam nc cessariamente contribuições efetivas para o bem do homem O dogma da ciência conduzindo à felicidade do gêncm h1 94 1113110 parece não ter mais sentido Por outro lado asslS11DlOS 3 uma dissolução do horizonte de compreensão exaustiva das l1isas quer se trate do formal do real do ser vivo ou do 1cnológico Esse horizonte esbarra com limites intransponí cis As ciências rigorosas tomam consciência de seus limites a parti d7 GOdef as ciências exatas prtir de Heisenberg e 1s cienctas humanas começam a descobnr os seus Por exem plo diante de uma máqqina complexa o que ocorre Sabe mos fabricála conhecemos suas performances mas geralmen lc não sabemos dizer como ela funciona em detalhe A domi nação total é um mito O real não é mais o racional Hoje colocamos problemas que não podemos resolver A interven ção geral teórica e prática aescobre sua própria limitação Assrm os dois prognósticos histórico e racional feitos pelo cientificismo parecem seriamente ameaçados 5 Temos ainda o direito de crer na ciência universal Tudonos leva a crer que não O mundo está dramaticamente dividido em duas partes de um lado o dos Cientistas do ou lro o mundo real e vivido de cada um de nós Esta divisão nos é familiar embora incompreensível Ela favorece a emer gência de uma mitologia Conseguimos optimizar uma ação mas essa ação corre o risco de converterse em passividade Por outro lado esta divisão se dá entre as disciplinas cada uma falando um dialeto fechado às outras A esperança de universalidadediminui dia a dia A iQéia de uma língua co mum a todas as ciências está em franco retrocesso Evidenta mente cresce a informação toqtase exponencial a acumula ção dos conhecimentos mas carecemos ainda da primeira con díção âe uma síntese Põdemos admitir que seja possível a do minação do real e de nossos artefatos Mas não é seguro que possamos dominar nosso melhor meio de dominação a pró pria ciência No entanto ou marchamos para uma síntese ou nossos instrumentos se converterão num destino Porque o problema mais urgente colocado pela ciência é o da própria ciência Donde a importância de se repensar sua distribuiçio seus meios e seus objetivos bem como sua relação com a so ciedade Foi tentando levar a efeito uma crítica ao cientificis mo contemporâneo que se criou nos últimos anos certos mo vientos entr IS quais Science for the People EUA 95 Lassítoc Séd a British Scciety for Scial Responsâbility it Science Inglaterra e Survivre et Vivre Fratiça Todos es ses movimentos tentam reavaliar as conseqüências das pesqui sas científicas sobre o futuro da humanidade Seria isso possí vel Semelhante idéia pode parecer uma utopia Todavia se a resposta pode prestarse a discussão a questão é real e ur gente é preferível o tatear da utopia à inútil lamentação do paraíso perdido 6 Convém salientarmos que a crítica se dirige não à ciên cia em si mesma mas ao cientificismo Em resumo consiste a em negar que os problemas que se colocam à humanidade serão todos resolvidos pelo progresso científicotécnico b em negar que o processo de desenvolvimento técRicocientffico seja independente dos sistemas político cultural e social c em negar que exista uma solução ótima e somente uma para todos os problemas e que compete aos experts determinar es sa soltção d em negar que o mundo real seja unicamente o dos fenômenos quantificáveis pois isso levaria a um materia lismo simplista negando a mais nobre motivação da ciência a procura do conhecimento e elLnegar que o conhecimento científico seja neutro e independente do sujeito observador f finalmente last but not least em colocar em questão a pos sibilidade do conllecimento científico do mundo dos homens poder tomar esse mundo mais humano em outras palavras em duvidar que o valor exemplar das ciências naturais possa dar uma resposta Õbjetiva às questões que se coloca sobre a sociedade sobre sua natureza profunda e sobre sua transfor mação Porque o poder que o homem eerce ao agir sobre a natureza e sobre ele mesmo é de natureza diferente A na tureza é objeto para o homem O homem na sociedade é ao mesmo tempo sujeito e objeto Se é apenas objeto para o es tudo das sociedades primitivas é ao mesmo tempo sujeito e objeto em nossa sociedade Eis o problema 96 IV A ÉTICA DO coNHECIMENTO OBJETIVO A ciência enquanto produto humano es tá jotegrada no processo social e político to tal Os cientistas por uma quetão de princí pio e de método recusamse a ditar normas à sociedade pois aspiram a ser supracultu rais No entanto intervêm cada vez mais na orientação efetiva da sociedade Daí o para doxo influenciam a moral mas de modo niio moral Numa entrevista recente sobre a ciência como valor su premo do homem Jacques Monod prêmio Nobel em biolo gia molecular reconhece que a ciência atual aliena o homem Essa alienação pode ser explicada pela impossibilidade de atin gir cientificamente uma ética do conhecimento Tratase de umaalienação facilmente encontrada em certas correntes filo sóficas literárias ou artísticas de nossa época Também pode ser identificada em várias obras neoesotéricas que divulgam conhecimentos onde se pode notar uma tremenda mistura de magia de pseudociência e de charlatanismo A primeira razão dessa alienação reside no fato de a ciên cia ser extremamente difícil O homem comum deparase dia riamente com técnicas oriundas da ciência fundamental e que basicamente não é capaz de compreender Essa ignorân cia gera um estado de profunda humilhação Humilhação que leva o homem atual a apelar para todos os tipos de compen sações de ordem mistérica mística ou esotérica A segun da razão está no fato de a ciência objetiva depor o lwmem de seu lugar privilegiado no mundo No universo ele é hoje um simples estrangeiro quase um acidente As teonas cien tíficas provam que o lugar do homem no mundo é apenas infinitesimal e que nem mesmo é necessário mas por acaso Enfim há uma razão mais inquietante o profundo hiato en tre o conbecunento objetivo e as teorias dos valores Por de 99 finição a ciência deve ignorar os valores Não podendo co nhecêlos é incapaz de fundar uma ética objetiva Assim para a quase totalidade dos problemas do hometn atual os cientistas não podem propor soluções objetivas quer dizer fundadas na ciência Não obstante o simples falo de fazer ciência pressupõe uma êtica pelo menos uma ascese da objetividade A ciência não funda um ética mas é fun dada por uma ética Nenhum cientista chega a um saber ob jetivo sem adotar previamente uma ética do conhecimento sobre a qual deve fundarse O critério ou valor essencial des sa ética não é o homem mas o próprio conhecimento objeti vo E segundo Monod foi a ética da felicidade do conforto e do êxito individuais que criou 1r ciência atual e continua fundando todos os seus progressos Por outro lado a socie dade atual completamente impregnada de ciência está ba seada em valçres arruinados não expressos ou formulados nu ma vaga büsca da felicidade imediata Donde a urgência de se fundar uma ética à altura dp homem de hoje Nenhuma porém poderá ter êxito se não for capaz de convencer o ho mem atual da existência de algo mais importante do que ele mesmo E como não se pode fundar uma ética objetiva surge o impasse Se o cientista escolheu fazer ciência fói por que quis porque aderiu a um sistema de valores e por con seguinte a uma ética Ora a concepção do mundo que nos fQrnece a ciência atual évazia de toda ética Mas a procura de uma ética constitui uma ascese implica um sistema de va Jores Qual é essa ética criadora de conhecimento Monod não dá uma resposta satisfatQria Reconhece apenas citando Nietzscbe que todas as ciências trabalham hoje para des truir no homem o antigo respeito por si mesmo Elas co locam seu ideal austero e rude de tranqüilidade estóica a ali mentar no homem o desprezo de si mesmo obtido ao preço de tantos esfrços apresentandoo como seu 11Jtimo e mais sério título à estima de si mesmo Aula inaugural no Col lege de France 1967 No entanto resta uma esperança diz Monod em sua entrevista Um dia será ensinado nos colé gios que o valor supremo do homem é provado pelo fato de ele ter conseguido essa incrível ascese de chegar a demonstrar a si mesmo que ele não tinha nenhuma importância O uni 100 verso não foi posto no mundo para nós mas podemos con quistálo pelo conhecimento Estamos em vias de conquistá lo h a partir dessas colocações de Monod que iremos ques tionar os critérios de objetividade científica e conseqüentemen te a neutralidade axiológica dos que pensam fundar seus conhecimentos única e exclusivamente nas demarches internas ao próprio processo de cientificidade Em outras palavras ten taremos mostrar que a ciência não está tão isenta das conta minações valorativas ou éticas como pensam os partidários da neutralidade científica a ciência se ocupa apenas dos fatos por isso é neutra podendo ser usOLÚJ para o bem ou para o maL Há aqui uma dicotomia estrita entre o mundo dos fa tos e o mundo dos valores entre a esfera do conhecimen to e a esfera da avaliação O cientista não é responsável pelo uso que se faz de seus produtos intelectuais porque a só se ocupa com os fenômenos observáveis b visa a conhe cêlos e explicálos utilizando um método rigoroso c só aban dona a neutralidade ética quándo estuda os objetos psicosso ciológicos 1 Comecemos por apresentar sucintamente a situação atual da ciência e da pesquisa cientificâ Não é novidade para nin guém que a ciência se apresenta ou é apresentada em nos sos dias como um saber ao mesmo tempo onipotente e oni presente Ela é venerada como uma espécie de divindade Tão grande é o fascínio que exerce sobre todos e cada um de nós que seu caráter por vezes mágico impõe não só respeito e acatamento mas temor e medo O grande público a consi dera como esse conjunto extraordinirio de conhecimentos pu ros e aplicados produzidos coletivamente através de mé todos comprovados objetivos rigorosos e universais opostos aos da filosofia da arte e da política Em suas verdades to do mundo acredita sem discussão Apesar de sua imagem de marca segundo a qual a ciênda não seria um sistema dog mãtico e fechado mas controvertido e aberto porque falível 101 e capaz de progredir sempre não se pode negar que suas verdades se apresentam com a solidez dos dogmas Na prática a imagem da ciência aparece como o fun damento da tecnologia O conceito de tecnocracia não pode ria significar o poder cracia de certos homens os tecno cratas se não significasse antes o poder da técnica quer dizer da ciência realizada por isso que apesar de todas as motivações subjetivas dos cientistas a significação real da ciên cia deve ser buscada não mais no saber enquanto tal puro e desinteressado mas no poder que o saber científico con fere Esse poder é exercido por um triunvirato formando es sa espécie de Santa Aliança dos tempos modernos ciên ciatécnicaindústria Não se trata mais de um saber aristocrá tico de uma contemplação amorosa e gratuita da verdade mas de uma ciência tecnicizada governando esse gigantesco pro cesso de produção racionalizado e industrializado Tudo nos leva a crer que estando preso às mil solicitações do ter e es tando submetido às astias de um controle social sempre mais insidioso o homem moderrio está em vias de instalarse no conforto que lhe proporciona uma tecnonatura cada dia mais aperfeiçoada A memória do computador por exemplo fornecelhe todos os dados concernentes à sua identidade à sua saúde física e mental ou at6 mesmo a seu passado ju diciário Estãria ciência convertendose numa lerrível promessa de uma sociedadelabirinto ocupando cada vez mais as di mensões do planeta onde o passo do homem se torna cada vez mais oscilante Que esperanças pode ela ainda alimentar Suas promessas de felicidade não teriam fracassado Tanfo o sonho ingênuo do Iluminismo quanto a mitologia cientificis ta que lhe deu prosseguimento no século XIX que faziam do progresso indefinido da ciência o incansável motor de nossa felicidade parece que nos abandonaram Não se trata de ne gar que pela ciência e por seus produtos técnicos o mundo tenha mudado E por vezes substancialmente Contudo a ciên cia embriagada com seus próprios bitos aliás inegáveis já começa a inquietar muita gente sobretudo os próprios cientis tas O problema da tpomabilidade KJCial dos cientistas e dos tknicos tornase hoje uma das questões cruciais de nossa 102 tlltura A ciência e a técnica antes tranqüilas em seu desen olvimento em seus processos de conhecimento de domina ção da natureza de previsão de novos acontecimentos etc constituem hoje problema Até o fun do século passado nem mesmo os intelectuais mais extremados ousavam contestar ou criticar a ciência embora criticassem todas as demais institui ções sociais Nem mesmo os niilistas que fizeram todo uro tra baho de demolição dos valores morais religiosos e filosóficos tiveram a coragem de colocar em dúvida o valor da ciência Pelo contrário achavam que todos os males da humanidade tinham sua raiz profunda na ignorância e que eles seriam es tirpados pela ciência esta no futuro seria capaz de resolver rodos os problemas e males humanos Ora em nossos dias esse otimismo parece nãe ter mais razão de ser Muitos cientistas de forma alguma revoltados nem tampouco niilistas çomeçm a suspeitar que a própria ciênciá pelo menos em suas condições reais de ela9oração e de uso pode ser um mal e que se torna urgente remediálo antes que seja tarde Evidentemente o espírito do Iluminismo do século XVIII ainda é bastante forte e contínua vivo na mentalidade de muitos homens de ciência Uma das correntes mais significativas que aperfeiçoou esse espírito tem por rundamento ideológico a fé quase cega na ciência e em seus resultados tecnológicos domínio da naturezaL riqueza mate rial organização eficaz da vida social etc Mãs isso não im pede o surgimento de suspeitas cada vcz maiores quanto ao número tamm crescente de conseqüências desastrosas do de senvolvimento científicotécnico degradação das relações in dliviauáis utilização das pesquisas científicas para fins destru tivos possibilidade crescente de manipulação dos indivíduos utilização maciça dos cientistas de seus métodos e de seus resultados para fins repressivos obsessão patológica pelo con sumo esgotamento progressivo dos recursos naturais poluição etc Diante dessa nova situação certos cientistas começam a aClrdar Por exemplo diante de um acontecimento de sig nificaçio em escala planetária cuja causa pode ser atnõufda à alienação dos cientistas estes podem tomar dois tipos de atitude a ou aceitam essa alienação como algo natural e 103 continuam a éstabelecer uma dicotomia entre a responsabili dade de criação e a da utilização de seu sber b ou tentam reagir contra essa alienação isto é contra seu estado de ino centes produtores de informação inteiramente despreocupa dos com os objetivos fundamentais de suas pesquisas Nessa segunda hipótese eles modificam sua concepção sobre a na tureza de sua tarefa abandonam a idéia de que a ciência se ria positiva e neutra e passam a adotar em relação a ela uma atitude mais crítica e responsável Essa atitude diz também res peito ao emprego dos métodos científicos e ao uso que é feito de seus produtos tecnológicos Numa palavra esses cientistas passam a preocuparse com a utilização de suas descobertas para fins nãohumanos e meramente extracientíficos Aqueles porém qle adotam a primeira atitude conti nuam presos à estreita divisão do trabalho e tentam inocen tarse argumentando que a objetividade científica nada tem a véf com os engajamentos pessoais Para eles a utilidade da ciência é umá simples conseqüência de sua objetividade Se a sociedade financia a ciência 6 porque sabe que seus conhe cimentos produzem bons rendimentos quando aplicados Con tudo o problema da aplicação escapa ao domínio da ciência Ele pertence aos técnicos São estes que empregam o conheci mento científico para fms práticos e copete aos políticos a responsabilidade da utilização da ciência e da tecnologia para benefício da humanidade o que os cientistas podem fazer é aconselhar os políticos quanto ao modo de fazerem uso racio nal eficaz e bom da ciência Como podemos notar os cientistas que se julgam irres ponsáveis pelo uso da ciência escondemse por detrás da seguinte idéia se as pesquisas que empreendem não fossem eticamente neutras e livres de toda e qualquer referência aos sistemas valorativos elas perderiam seu caráter de saber obje tivo e se tomariam simples conhecimentos de ordem ideoló gica Ademais muitos cientistas proclamam que não podem ter má consciência pelas desgraças engendradas por seu sa ber A situação declaram é muito clara a Ciência enquanto tal é a procura metódica e desinteressada de um saber sem pre mais vasto e mais certo O físico ou o biólogo por exem pio não devem preocuparse com as utilizações que poderiam 104 ser feitas de seus trabalhos Essas utilizações não dependem deles mas do poder político das iniciativas da indústria etc Além do mais seria extremamente difícil uma previsão das passíveis aplicações Por outro lado uma mesma descoberta pode ser utilizada ao mesmo tempo para o bem e para o mal Em todo caso não é a Ciência a responsável pela lomba atômica pelos desfoliantes etc Ao construírem os instrumen tos cje morte os cientistas o fazem a título de cidadãos e não como representantes da Ciência à primeira vista essa argumentação parece irrefutável A ciência fornece um saber esse saber é elaborado tecnicamente de modo a fornecer instrumentos de ação e os fins a que ser vem tais meios não dizem respeito aos cientistasNo entanto pesquisadores menos otimista criticam esse modo de ver a ciência e denunciam seu caráter idealista Enquanto institui ção a ciência sofre a lei do meio Para subsistir tem ne cessidade de muito dinheiro Há secretarias ou ministérios que se ocupam dela e que traçam sua política Os cientis tas dependem de inúmeras escolhas e de numerosas decisões cujo controle lhes escapa Administrativa e financeiramente a pesquisa depende de múltiplos organismos oficiais Ela está mancomunada com a indústria Boa parte das pesquisas é esti mulada por razões que nada têm a ver com o saber puro Até mesmo as chamadas pesquisas fundamentais são orien tadas para fins extracientíficos Nenhum espírito realista pode admitir a pureza da ciência Socialmente a ciência pura não passa de ficção Por detrás da dicotomia ciência aplicações ocultase idéia de que a Ciência tem um esta tuto transcendente relativãinente à sociedade Ela seria intem poral estranha às vicissitudes sócioculturais Os pesquisadores elaborariam conhecimentos que não pertenceriam a nenhuma época a nenhum país Os cintistas devem ser honestos não podem trapacear com suas experiências e com seus resultados Todavia tratase de uma ética puramente interna consistindo apenas no respeito às normas em vigor Só conta a procura da Verdade Vista desse ângulo a ciência seria autônoma e neu tra ela se dá suas próprias normas não havendo deontologia impondo aos pesquisadores deveres para com a sociedade Es ta dá sua ajuda às pequisas mas é porque estima que a pro 105 cura da Verdade deve ser empreendida Isso não compromete o postulado da autonomia e da neutralidade dos cientistas Em virtude de um contrato implícito eles têm por missão aumen tar os conhecimentos E devem deixar de lado as questõe sociais relativas ao objeto de suas pesquisas O poder político e as demais forçàs sociais não interferem na Ciência Pura Como se explica a persistência ainda hoje dessas idéias Precisamos saber que elas são bem recentes Até o fim do século passado uma das funções mais específicas da ciência era justamente a de proporcionar uma avaliação crítica da so ciedade e da realidade O critério dessa avaliação estava ba seado em duas noções filosóficas a a primeira era a idéia de ordem natural e de direitos IUJiurais do homem b a segunda era a idéia de progresso prmitindo uma atitude crítica do es tado em que se encontravam a economia a política e o direi to justamente em nome da ordem e do progresso Ademais essas idéias se apresentavam não só comocriticas mas tam bém como justificadoras Assim a economia capitalista era considerada como a ordem econômica que melhor podia cor responder à natureza humana sertdo capaz de favorecer o mais rápido progresso A partir do momento porém em que começaram a sur gir resistências a esas idéias os cientistas sobretudo sociais passaram a empreender um esforço gigantesco para eliminar das ciSncias todo e qualqueijuízo de valor para reduzir as pesquisas sociais a uma pura descrição e explicação dos fatos concretos Os conecitos problemáticos de ordem natural e de progresso não foram substituídos até hoje por outras categorias normativas o que pode ser ilustrado por exem plo pelo recente positivismo lógico ainda bem presente e atuante na formação filosófica dos cientistas atuais Com efeito os seguidores da corrente neoempirista consideram to dos os juizos de valor pura e simplesmente como expressões afetivas desprovidas de toda e qualquer significação cognitiva A filosofia viuse reduzida à filosofia da ciência ou mais precisamente ã lógica da ciência ou da linguagem científica perdendo seu papel de instrumento antecipador heurístico de critica e de orientação A ciência passou a ser a única for ma de saber dotado de sentido ela é interpretada como o es 106 tudo de certos fenômenos dados e empmcamente observá eis possibilitando o estabelecimento de certas regularidades entre os fenômenos e a extrapolação dessa possibilidade a ou tros tantos fenômenos Toda avaliação concernente às neces sidades aos sentimentos às normas morais é tachada de fundamentalmente irracional desprovida de sentido e devendo ser rejeitada Assim a neutralidade ética da ciência passa a ser consi derada como fator de progresso Max Weber afirmava que ao limitarse a liberdade da pesquisa e do ensino ci entífico ainda pode ser salvo o princípio da neutralidade ética E esse princípio salvaguarda a homa e a dignidade do cientista per mitindolhe tomar certa distância relativamente aos objetivos imorais dos meios dirigentes Nesse sentido e em semelhante sttuação a ciência uma vez livre de todo sistema valorativo pode assumir um papel desmistificador e tomarse favorável ao progresso No entanto nas sociedades atuais parece que o principal perigo social não provém tanto dos regimes auto ritários ou tirânicos como temia Max Weber quanto de um vazio espiritual crescente e generalizado Diante das procta mações do século XIX de que Deus morreu Nietzsche e de que a verdade morreu Hilbert e da última profecia do século XX a de que o homem está em vias de desapa recimento que é mero produto do acaso não é nessário por ser lm simples acidente no mundo perguntase como preencher esse vazio Parece que o preenchimento desse vazio está sendo ten tado por uma fé no poder e no êxito da ciência realizada tec nologia numa ideologia do consumo numa obsessão quase patológica pela eficácia dos meios etc tudo isso estreitamen te ligado a um profunda falta de interesse pelo problema da racionalidade e da humanidade dos objetivos De tanto racio nalizar os o homem atual tornase irracional quanto a seus finr Até parece que está construindo uma sociedade on de ele será livre para fazer tudo mas onde não terá naa pa ra fazer então ele será livre para pensar mas nlo terá mais nada para pensar O que se pode notar é que ntsa situaçio histórica ou nesse clima espirituaJ nio vemos como o prin cípio da neutralidade ltica nio possa desempenhar um papel 107 profundament mistificador de suporte ideológico desse tipo de sociedade Por sua indiferença relativamente à construção de um projeto coletivo para os homens e por seu ceticismo em face das transformações verdadeiramente humanas da so ciedade a ciência neutra c9ntribui poderosamente para au mentar e reforçar não apenas a alienação dos homens em ge ral dos cientistas em especial mas a eficácia alienante dos processos naturais e históricos no quadro das estruturas só cioculturais existentes Ora uma sociedade que diviniza e privilegia esse tipo de ciência está privandose de um grande potencial de consciência crítica Donde a necessidade de rede finir os fundamentos epistentol6gícos da ciência Porque na prática ela está penetrada pelas normas pelos valores e pelas ideologias de seu meio sóciocultural E descobrir a importân cia desses fatores t sumamente importante para que os cien tistas e sintam também responsáveis por aquilo que fazem 2 Várias tentativas vêm sendo realizadas a fim de estabe lecer um novo fundamento epistemológico para a categoria ciência Todas elas passam a reconhecer de um lado a di mensão social da prátka científica e do oütrã a necessidade de os cientistas tomarem consciência dessa dimensão O que se postula portanto é o desenvolvimento do que já se chama de epistemologia crítica cujo objetivo fundamental seria uma atite reflexiva sobre os projetos de pesquisas científicas ten do em vista a descoberta a análise e a crítica das diferentes conseqüências funestas ao homem e à natureza geradas pela tecnologia em curso Na ciência atuam duas forças uma ex terna correspondendo aos objetivos da sociedade outra inter na correspondendo ao desenvolvimento natural da ciência Se não houver um equilíbrio entre essas forças o sistema corre o risco de desmoronar Por isso as ameaças que pesam sobre a ciência tanto as de dentro quanto as de fora são enormes porque ela está integrada ao processo social e poHtico Por isso os problemas os métodos e os objetos de pesquisa da ciência quando epistemologicamente criticados são susceptí 108 eis de fornecer um fundamento prático para uma nova con cepção do homem em suas relações consigo mesmo e com a natureza Outra tentativa de redefinição do fundamento epistemo lógico da ciência pretendendo escapar às tradições reducionis 1as e analíticas do método científico a fim de substituílas por um enfoque coerente e global tentando tomar consciência da omplexidade da sociedade humana e do meio ambiente na tural vai buscar sua inspiração na ciência concreta de que fala LéviStrauss Essa ciência seria reconhecida nas socie dades tribais primitivas Haveria dois modos distintos de pen aroento científico representando dois níveis estratégicos nos quais a natureza é acessível à pesquisa científica o primeiro adaptado à percepção e à imaginação o segundo afastado delas o primeiro conesponde ao que LéviStrauss chama de a ciência do concreto por oposição ao segundo que é o modo abstrato da pesquisa científica e que deu prosseguimento ao primeiro O erro dessas tentativas de resolver os problemas da ciên cia graças a uma nova definição de seus termos de referência reside neste fato elas supõem que seja possível identificar e separar a ciência como categoria autônoma relativamente ao enquadramento sóciocultural e que os problemas sejam sim plesmente devidos à nlJtUreza dos vínculos entre ciência e so ciedade e à forma de ciência que tais vínculos determinam Essas idéias são utópicas pois sua efetivação supõe um sis tema de relações econômicas e sociais inteiramente diferentes entre os indivíduos e as instituições No entanto podem de sempenhar importante papel Ao mostrar a natureza relativa da ciência tal como é praticada nos países capitalistas e so cialistas revelam o conteúdo ideológico daquilo que normal mente é considerado como uma atividade neutra O próprio conceito de pesquisa cientffica isento de toda contaminação valorativa já é enganador Qual a ciência que em suas pesquisas deixa de fazer apelo a certos valores e a certas normas éticas Fazem apelo pelo menos à norma ética segundo a qual todo conhecimento de ser objetivo Nas ciên cias humanas o uso de valores e de normas é bem mais acen tuado Não se trata de saber a que sistema de valores eles per 109 tencem Alguns valores cognitivos são inerentes ao próprio método científico o conhecimento científico deve ser claro preciso objetivo racional capaz de explicar de fornecer cO nhecimentos exatos de verificar e de aplicar as teorias etc Eviderrtemente nem todos esses valores são compatíveis e sua ordem de prioridade pode mudar segundo a ótica epistemotó gica adotada Assim escolher entre o método analítico o fe nomenológico ou o dialético preferir explicar ou compreen der tudo isso implica não somente a adoção de certa lingua gem de certo modo de pensamento com um conjunto de pos tulados epistemológicos mas também que se conceda a certos valores uma prioridade sobre os demais Pelo menos no caso das ciências humanas por mais neu tros que possam parecer os valores cognitivos os pressupos tos teóricos e metodológicos presentes em suas demarcbes de vemos reconhecer que elas são portadoras explícita ou impli citamente de valores nãocognitjvos Se tomarmos por exem plo o caso da sociologia funcionJJlista podemos constatar que seus pesquisadores aceitam tranqüilamente a sociedade como um sistema estável cujas partes são btm ifNgradas cada uma delas desempenhando uma funçao bem definida e contribuin do assim para a conservaÇoo do sistema O bom funciona mento da sociedade depende de um consemo quanto a seus valores fundamentais a ordem social 6 a condição sine qua non para que o sistema funcione de modo eficaz e possa s sirn desenvolverse e progredir Tudo o que por ventura vier a afastarse dessa ordem será considerado como disfunci nal e patol6gico Ora ao conferir um primado valorativo à estabilidá de à harmonia e à ordem da sociedade não vemos co mo o funcionalismo não termina por defendêla e justificáIa Em contrapartida ao propor uma transformação estrutural e radical da sociedade c ao postular uma atitude eminentemen te crítica de suas contradições fundamentais o objetivo da filosofia marxista o de destruir a pretensa legitimidade desse sistema de valores e o de mostrar que algumas de suas hip6tescs essenciais nlo têm caráter humano uniyersal mas constituem expressão das necessidades e dos interesses de cer tos grupos B a defesa incondicional desses interesses é incom 110 pativel com a objetividade e com a universalidade do saber científico Enquanto indivíduos os cientistas pertencem a uma cultura e a um país determinados No entanto precisam ul trapassar os horizontes espirituais regionais se querem com preender que a ciência deve serencarada como um produto humano universal O que não pode ser negado é que nos dois conceitos que constituem a base do método científico o de objetividade e o de racionalidade estão contidos certos valo res universais Os principais critérios ou valores exigidos pelo concei to de obietividade são os seguintes honestidade fundamental na aplicação das nonnas da pesquisa científica a eliminação dos interesses pessoais superação das aderências ideológicas descentração do ponto de vista do sujeito individual em di reção ao sujeito epistêmico espírito de cooperação desejo de conferir o primado à procura da verdade ausência de into ierãncia racionalista social religiosa suficiência da penetra ção e boa vontade individuais superação dos preconceitos ar raigados das opiniões e dos argumentos de autoridade etc Numa palavra a objetividade depende de certas condições so ciais Estas por sua vez dependem de outros valores abertura da sociedade para o resto do mundo tolerdncia cultural livre circulação das informações autonomia da ciência relativamen te ao poder político clima favorável às atitudes antiautoritá rias respeito profundo ao saber e à competência etc Por outro lado a õ6jetividade entendida como esse tipo de saber sobre o qual a comunidade dos cientistas se pôs de acordo será prejudicada todas as vezes que defrontarse com obstá culos à comunicação com as hostilidades ideológicas e filosó ficas relativamente às orientações metodológicas rivais com a tentativa de monopolização do saber etc Tanto o conceito de objetividade quanto o de racionali dade não escapam a uma intervenção de valores ou normas éticas No fundo a racionalidade consiste na escolha dos meios mais aptos para atingir determinado fim Freqüentemente os fins são admitidos tacitamente ou se preferinnos meio irracio nalmente E é essa admissão nãocrítica dos fins nãoraciona lizada que cria a ilusão de uma racionalidade instrumental e tecnológicã que seria isenta de toda e qualquer referência a um 111 sistema valorativo e conseqüentemente neutra Na verdade porém é inteiramente discutível que a maioria dos produt01 concebidos e efetivados graças às técnicas de produção alta mente racionalizadas traga uma contnõuição eficaz para a satis fação das verdadeiras necessidtldes humanos A análise crítica dos valores contidos no conceito de racionalidade levanos de um modo ou de outro ao exame da questão dos fins a que se propõem as pesquisas científicas Só mesmo quem não quer ver ou quem for portador de certa miopia intelectual ainda se julga no direito de ignorar a má orientação de muitos resul tados da ciência e da técnica de não perceber que boa parte das necessidades essenciais do homem foi praticamente rele gada que uma boa dose de material de conhecimentos e de energia humana estão sendo desperdiçados para a satisfação de necessidades Sundárias ou artificiais do homem e da s ciedade Dond mais uma vez a necessidade de os cientistas tomarem consCiência de sua responsabilidade social e de orien tarem ou reorientarem a ciência para o novo tipo de humanis mo Talvez seja uma ilusão perigosa acreditar que a ciência possua por si mesma o poder de resolver nossas dificuldades a não ser que ela conseguisse o que seria contraditório fun dar essa ética objetiva do conhecimento de que falamos aci ma o que está fora de suas cogitações e de seu alcance Como já dissmos uma coisa parece certa o que todo mundo hoje entende pelo termo ciência é a cilncia reali zada correspondendo ao mesmo tempo aos procedimentos trans formadores oriundos da ciência técnica e aos seus resultados tecnológicos inscritos em nosso meio No sentido estrito é essa ciência que informa o mundo e que fonna as mentalidades Ela é cúmplice do processo de industrialização seja porque organiza ou racionaliza seu funcionamento seja porque esta belece sua soberania e assegura sua eficácia Do sistema indus trial a ciência recebeu uma dupla influência a em primeiro lugar recebeu a materialidade de um poder isto é a garantia de um poder fazer b em seguida viuse obrigada a ampliar suas próprias dimensões a aperfeiçoar o poder de seus instrU mentos a alargar o campo de suas investigações do microcos mo química do ser vivo ao macrocosmo exploração do 112 espaço Assim com a industrialização a prallca científica como que mudou de natureza Ela é hoje praticada em grandes laboratórios onde inúmeros pesquisadores e técnicos servem a uma complexa aparelhagem de medida e de registro automa tizado O sábio de outrora é substituído pelo cientista A pes quisa solitária e inspirada foi substituída pela pesquisa progra mada coletiva onde o poder de decisão escapa ao indivíduo e passa para as mãos de instâncias burocráticas devidamente in formadas por comissões especiais Da universidade passou a pesquisa para o controle do poder público ou de outras insti IUições A era da ciência acadêmica autônoma e livre está che gando a seu fim pois está cada vez mais subordinada às polí ticas nacionais da ciência No dizer de Derek de Solla Price Little science and big science a little science do passado de apareccu esmmos ª era da big science cujos parâmetros número de pesquisadores volume dos réditos massa dos resultados publicados aumentam numa velocidade exponen cial Estamos dianté de uma vertigem do quantitativo em que ficam dissimuladas as questões essenciais quem paga por quê como A pesquisa científica ingressou na espiral do cres cimento Por vezes se prostitui para angariar fundos Para subsistir aceita os mais diversos contratos Seu melhor cliente nos países industrializados são as torças armadas sempre à busca de ãperfeiçoamentos tecnológicos Outrora promessa de felicidade a ciência tornouse ãmeaça de morte Cadã vez mais há uma simbiose entre ciência indústria e estratégia in vadindo todos os espaços econômico cultural psicológico etc A corrida armamentista é resultado da corrida científico tecnológica Na sucessão das guerras frias e quentes a ciência desempenhou papel preponderante a porque as sociedades industrializadas se organizam em vista da produção cientifici zada de um consumo acelerado de bens donde a necessida de de se assegurar uma fonte regular de inovações etc b porque grande parte desse potencial é diretamente colocado a serviço dos militares e determina as estimativas das forças em presença c porque mesmo nas sociedades civis a ciên cía não pode furtarse ao peso das relações internacionais 113 Diante dessa situação os cientistas podem tomar três ati tudes diferentes a tornamse os apologistas da ideologia ofi cial de determinada sociedade b tentam fazer suas pesquisas fundandose unicamente sobre normas cognitivas deixando dt lado todo princípio ético toda aspiração econômica política cultural c empreendem um estudo crítico a partir de um pon to de vista humanisra Quanto à primeira atitude devemos di zer que quaisquer que sejam suas motivações os cientistas que optam por subordinar seu trabalho às exigências ideol6gi cas violam as normas do mérito científico pois este se refere à verdade e por conseguinte a um valor objetivo universal Quanto àqueles que se escudam na neutralidade ética e ideo lógica ou se refugiam na segurança protetora da ciência pu ra rêm nessa consciência tranqüila um álibi para seu des compromisso social pois pretendem isentarse por completo de qualquer responsabilidade quanto à utilização de seus co nhecimentos No entanto os cientistas não podem fechar mais os olhos diante dessa responsabilidade Não podem mais guardar sua inocência Já se foi o tempo em que o trabalho científico se fazia num ambiente feliz e alegre A correspondência de Einstein ainda faz menção a esses tempos felizes Corres pordance 19161955 1972 entre Einstein e Bom No iní cio da últim granõe guerra Oppenheimer declarava Quan do virem algo que seja tecnicamente delicioso technically sweet sigam m frente e realizemno e não se perguntem sobre aquilo que deve ser feito senão depois de terem obtido seu êxito técnico cf J J Salomon Science et poli tique Portanto estamos diante de uma tranqüila irresponsabilidade conferindo à ciência um caráter lúdico No dizer do pai da cibernética Norbert Wiener essa irresponsabilidade degrada o cientista pois o converte num indivíduo amoral dentro de uma fábrica de ciência cf J J Salomon op cit Depois da catástrofe de Hiroscbjma muitos cientistas co meçaram a reagir contra as desumanidades cometidas pelo em prego em massa dos conhecimentos científicos o inicio da formação de uma consciência crítica que hoje em dia tende a transcender as nações as raças as classes ou as religiões para colocarse de um ponto de vista humanista Uma das ma 114 oifestações mais conhecidas desse universalismo intelectual a de B Russel e A Einstein The atomic age N York e Londres 1963 Não nos exprimimos enquanto membros Jcste ou daquele país deste continente ou desta crença mas enquanto seres humanos membros da espécie humana cuja sobrevivência encontrase ameaçada A maioria de nós guarda c ntimentos neutros Todavia enquanto seres humanos deve mos lembrarnos de que se os litígios que opõem o Leste ao Oeste devem ser resolvidos de modo satisfatório por quem quer que seja comunista ou anticomunista asiático europeu ou americano branco ou negro não devem absolutamente ser resolvidos pela guerra O apelo que lançamos é o de seres humanos a outros seres humanos Lembremse de sua humanidade e esqueçam o resto Essas considerações já indicam que se processou um des locamento da imagem de marca do cientista Parece con testável a afirmação do historiador e sociólogo da ciência Solla Price segundo a qual com tudo o que se joga sobre seus ombros o cientista detém agora as cordas da bolsa de todo o Estado Talvez fosse mais correto dizer o contrário Indis pensável e misteriosa a ciência invade a Terra Toda socieda de conta com seu peso e sua influência na ordem do conhe cimento Ela é uma das instituições sociais mais influentes Enquanto tal parece sustentada por um mito A amplitude de seüs sucessos o esoterismo de seu saber o fechamento de Slia linguagem as leis severas de seu recrutamento tudo isso pa rece contribuir para que o pequeno mundo dos cientistas se converta numa espéde de sacro colégio Eles constituem uma hierarquia de classes sacerdotais o mais influente dentre eles desempenhando a função de Sumo Sacerdote B Russel já se queixava pelo fato de ser consultado como uma espécie de oráculo sobre os assuntos mais estapafúrdios Também Eins tein protestava por se ver envolvido numa imagem m1tológica como se fosse o depositário de todos os segredos esse lugar sagrado ou tabernáculo de onde deveria jorrar as águas do saber perdido Mais recentemente Jacques Monod recla ma em nome da ciência o direito de poder dizer aquilo que é bom e que é mau pretendendo confiar à ciência a tarefa de fundar uma rtova ica a ética do saber objetivo 115 Assim na ordem do saber do dizer e do fazer o que se nota é um afastamento dos cientistas de sua contextuação sÓ ciocultural O saber especializado desperta a admiração teme rosa por parte daqueles que o ignoram Há todo um respeito admirativo em relação à linguagem dentífica dotada de uma universalidade de direito habilmente restringida aos iniciados Seu esoterismo protege o segredo sobretudo pela matematiza ção e pela formalização O poder de dominar a matéria e de fazer coisas da ciência acarreta nos nãoiniciados uma ati tude de submissão I por isso que ela exerce sobre muitos um poder quase mágico um poder dogmático E é por isso igualmente que muitos vêem nos cientistas os detentores do magistério da realidade só eles estão habilitados a dizer 0 sentido a propor a verdade para todos como se fossem tau maturgos ou verdadeiros alquimistas O que se pede a elesL através das vulgarizações é muito menos um complemento de informações do que a forma presente das questões últimas pois as antigas respostas teológicas foram desprestigiadas Os cientistas são vistos como se fossem os proprietários exclusivos do saber devendo fechar todas as cicatrizes do oãosaber e fornecer os bálsamos para as angústias individuais e sociais Essa imagem mítica do cientista ignora que ele faz parte e depende de uma estrutura bem real domundo que o cerca O mundo científico nãda tem de ideal não é uma terra de inocência livre de todo conflito e submetida apenas à li da verdade universal isto é de uma verdade testável e verificável em toda parte através do respeito aos procedimentos de rigor e aos protocolos da experimentção Como se o cientista pu desse ser o detentor de uma verdade una que uma vez for mulada em sua coerência estaria isenta da discussão e como se ele pudesse guardar para sempre a imagem de um indiví duo sempre íntegro e rigoroso jamais sujeito à incoerência das paixões A sociologia da ciência contribuiu enormemente para a fragmentação dessa imagem ideal Uma das conse qüências mais evidentes da crítica d sociologia da ciência con siste em denunciar uma dupla ilusão a de um lado a ilu são da neutralidade objetiva que eximiria os cientistas em no me de seu projeto de objetividade racional de tomar parte nos conflitos e nas incertezas do mundo sóciocultural b do 116 outro a ilusão do magistério ético que lhes atribuiria a função de dizerem aquilo que é bom pois somente eles sabem aqui lo que é verdadeiro é o caso da política cientificizada novo nome para o velho positivismo como se detivessem um carisma político para governar a sociedade Ao tornarse o lugar de um saber fazer e por conseguinte de um poder a que ninguém parece escapar talvez a ciência ainda não se tenha dado conta de que aquilo que se sabe não é aquilo que se vê mas aquilo que se pensa A ciência não se esgota no saber nem tampouco no poder porque se define essencialmente por ser um discurso de ver tfade Apesar disso o saber e o poder caracterizam na prática a tarefa principal da ciência no mundo de hoje pro dução de objetes de saber de controle e de uso que se cons tituem em sistemas coerentes ocupando praticamente todos os nossos espaços tanto os de movimento quanto os de pensa mento Ademais o peso e a influência da ciência sobre o mun do da vida tornamse tão mais fortes quanto mais vinculados estão ao sistema de produção racional dos objetos e ao ideal u ni vrsal da Razão A partir do século XVII o paradigma foi a física a primeira das ciências empíricas a se matemati zar Em seguida todas as disciplinas se puseram a imitar es se modelo condição para se tomarem acreditadas injetamse noções matemáticas num conjunto de dados constróise um pseudomodelo e temse assim üma ciência humana matemati zada e formalizada preenchendo as condições de credibilida de exigidas pela imagem exemplar da física Introduzse desse modo nas ciências humanas o mito da cientificidade Toda disciplina pretende passar do lado vencedor O que se pergun ta é se em tudo isso não há boa parte de charlatanismo pois se aceita sem discussão uma cientificidade que permanece no nível da embalagem descaracterizando aquilo que há de humano nas ciências humanas Historicamente isso 6 com preensível pois as epistemologias insjstiam em tratar a ciên cia e a tecnologia como atividades ideologicamente neutras progredindo graças à sua própria lógica interna o valor ideo lógico da ciência e da tecnologia viria do uso que se fizesse delas 117 O que a epistemologia atual mostra pelo menos a cpis temologia crítica é que as ciências atuais não são do pooto de vista social neutras Desde Bacon no século XVII a ciên cia se constituiu como poder intimamente ligada à eficácia ao projeto de domínio e de manipulação das coisas abr possibilidades e fornece meios de ação Hoje aquilotfue é téc nica e cientificamente realizável apresentase como devendo ser feito A ciência está vinculada ao ativismo ocidental do minar produzir fazer cada vez mais e mais depressa Por ou tro lado não se pode negar o culto à produtividade às taxas de crescimento econômico e ao saber dos experts Como não haveria uma solidariedade entre ciência e sociedade de con sumo entre ciência e tecnologia A opinião pública é muito sensível aos problemas de poluição física e sonora Mas ainda não despertou para as poluições cultural ideológica social ou tecnocrática ratvez por estar ainda deslumbrada de viver num murrdo domindo pela idéia de máquina ª serviço de uma funçao e não de um projeto humano 4 Objetivamente portanto a ideologia acadêmica da neu tralidade científica desaparece cada vez mais pois não se po de mais sepaJar a funções oficialmente proclamadas da ciên cia de suas práticas efetivas Não é por amor aos belos olhos da ciência que as instituições fnanciam as pesquisas aparen temente inúteis O difícil é saber quem engana e quem é enganado Não deixa de ser curioso o surgimento de perso nagens policéfalos desempenhando vários papéis ao mesmo tempo professor pesquisador administrador membro de co missão governamental conselheiro político acessar privado homem de negócios vendendo uma patente etc Ora se os cientistas fossem indivíduos supraculturais como se explica que de fato estejam quase sempre ditando normas à SO ciedade que os envolve E como se explia seu caráter cada vez mais intervencionista na orientação e no planejamento sociais Temos assim o seguinte paradoxo a ciência influen cia a moral de modo não moral Até poderfamos dizer que o 118 cientista personifica uma fase do processo psicohistóríco da cultura em que se toma impossível definir princípios éticos universalmente válidos O que não deixa de ser compreensível de vez que vivemos numa civilização bastante plástica quer dizer em objetivos claros E é nessa civilização que os cien tistas precisam tomar consciência do papel desempenhado por eles ou que lhes fazem desempenhar num contexto social político nacional e internacionaL Muitos não acreditam mais na imagem que defes se fazia na idade áurea Naquele tem po eles procuravam a verdade no plano teórico e no prá tico contribuíam para melhorar a sorte da humanidade Ho je tiveram que renderse a esta evidência é falso que o de senvolvimento das ciências e das técnicas acarrete necessaria mente conseqüências benéficas para a humanidade H á cem anos attás eles podiam fazer ciência com a boa consciência de um filatelista Há vinte e poucos anos atrás igualmente ainda podiam crer que os probtemas morais da ciência se limitavam a casos isolados Atualmente tornase extremamen te difícil negar que as pesquisas tanto das ciências naturais quanto das humanas esteja substancialmente integradas à sociedade elas participam direta ou indiretamente de um con junto sóciopolítico revestindo um sentido global que pode ser aceito ou recusado jamais negado Donde a necssigade de rever os princípios éticos que fundam a ciência atual O primeiro passo talvez seja a toma da de consciência de que a produção científica se faz numa sociedade bem determinada que determina ou condiciona seus objetivos seus agentes e seu modo de funcionamento Em seguida é preciso que os cientistas tomem consciência de que o humanismo não pode ser mais objeto de fé ou de espe rança tendo necessidade urgente da ciência para ultrapassar seu caráter utopista e arbitrário isto é para traduzir suas as pirações teóricas na prática Nesse sentido eles devem lutar para a eliminação dos aspectos desumanos da tecnologia pa ra libertar o saber científico de suas utilizações abusivas pa ra sanar o caráter patológico das pesquisas as que são reali zadas para fins desumanos para deixarem de ser cúmplices da preparação científica de crimes contra a humanidade pa ra resistirem ou desobedecerem às formas de abuso quanto 119 ao emprego do saber científico para fins nãohumanos etc Ademais compete êÍnda aos cientistas definirem ou redefini rem os critérios valores de base segundo os quais a ciência e a tecnologia devem ser concebidas e desenvolvidas tendo em vista a supressão da alienação ou da desumanízação o tér mino da degradação do meio ambiente o fim do esgotamento dos recursos naturais etc E como tudo isso está direta ou indiretamente ligado à natureza da tecnologia avançada talvez fosse o caso de os cientistas continuarem a desenvolver o que já se chama de tecnologias alternativas cujo objetivo essen cial consiste em tentar descobrir em que medida se torna pos sível selecionar os savoirfaire e as técnicas que poderiam for necer a base de um estilo de vida capaz de evitar os nume rosos problemas ligados a nosso atual modo de vida Não se trata de recriar a visão romântica do passado Tratase de re conhecer que ao aceitar a ideologia da industrialização e ao permitirlhe que IIomine todas as dimensões da atividade cultu ral e da sensibilidade humana perdemos o contato com o ver dàdeiro sentido da identidade humana No campo da ciência propriamente dita já podemos no tar a repercussão de uma reflexão de tipo crítico e étiéo no caso da ecologia Essa ciência se apresenta hoje com uma significação sóciohistórica bem particular Diferentemente das demais ciências ela não é analítica mas sintética quer dizer no interior das demais ciências ela instaüra certa visão global certa preocupação de equilíbrio estando estreitamente ligada a uma filosofia social e conseqüentemente a uma ética Em bora não seja uma ciência no sentido estrito devidõ a seu es tatuto de concepção filosófica a ecologia já nos permite rein troduzir certos postulados éticos nessa discussão que se arras ta há tempos sobre as relações da ciência com a sociedade Evidentemente se os cientistas se interessam por suas relações com a sociedade terminarão por tomar consciência de sua responsabilidade social e conseqüentemente da dimensão ética de suas pesquisas Por si mesmas a ciência e a tecnologia não sairão do impasse e da crise presentes Mesmo que a solução real não possa prescindir de uma ciência e de uma tecnologia só se tornará realmente humana quando estiver fundada sobre 120 uma ética da responsabilidade social dos cientistas e não mai5 sobre a ética de sua neutralidade Um dos objetivos dessa ética seria o de proporcionar o surgimento de uma civilização científica em que o homem pudesse realmente sentirse como que em sua casa vivendo de um modo mais feliz ou menos infeliz Evjdentemente se melhante projeto ainda não passa de um sonho Mas é so nhando que o homem realiza grandes coisas Todavia a ex pressão civilização científica pode prestarse a equívocos na medida em que pode sugerir que a ciência deva ser considera da como o valor supremo do homem ou como o ola e o ômega da nova civilização Isso seria uma posição cientificista injustificável Construir uma civilização científica não significa necessariamente converter a ciência numa divindade à qual deveríamos subordinarnos e prestar um culto ideolátrico Po demos muito bem conceber um mundo onde o homem deve viver com a ciência mas sem deixarse alienar por ela Bas taria que ele soubesse e tivesse as condições de dominar o dinamismo incontrolado das forças científicotecnológicotecno cráticas 121 v 0 PROBLEMA DA CIÊNCIA DA CIÊNCIA A tradição positivista apesar de suas distinções internas apresentase hoje como uma tentativa de elaborar de uma forma ou de outra uma ciência da ciência ou Vt riante tecnocrãtica uma ciência da or ganização do trabalho científico E o caso dos especialistas anglosaxões J Bernal e Sol la Price Também o projeto do neopositi visnio lógico é o de tentar baseandose nos conceitos da lógica matemática formar as ca tegorias de uma filosofia cientffica a filo sofia de nosSo tempo a filosofia da era da ciência que seria ao mesmo tempo ciência da ciência e crítica científica da filosofia D LECOURT Originariamente o problema da ciência da ciência está estreitamente ligado à pretensão de alguns epistemólogos de conferirem um estatuto de cienJificidade à sua disciplina 0 problema pode ser colocado da sêguinte maneira não seria conveniente distinguirmos claramente duas epistemologias uma filosófica sem função cognitiva real a outra científica permi tindo analisar a gênese as estruturas e o funcionamento reais das ciências Os autores que defendem a cientificidade da epistemologia aceitam quer queiram quer não conscient ou inconscientemente a idéia segundo a qual deve ser instaurada uma çilnciã da ciência Porque no fundo essa epistemologia não seria outra coisa senão uma metaciência que se situaria num nível superior de conhecimento relativamente à ciência sobre a qual ela reflete mas impondose a si mesma as mes mas condições de rigor e de objetividade que ela reconhece em seu objeto a ciência Como se pode notar essa concepção já contém dois pres supostos filosóficos o primeiro está na afirmação da unida de do termo repetido a ciência o segundo está no círculo dessa repetição isto é na reflexividade do termo ciência sobre si mesmo ciência da ciência A ciência da ciência encontra sua justificação na concepção dualista que os neo empiristas fazem da filosofia e das cincias Para eles o pa pel da filosofia consiste em sistematizar os enunciados cientí ficos que dt outra forma permaneceriam na desordem e ao 125 mesmo tempo em extrair progressivamente as ligações qUe unem as diversas ciências Não admitem porém que possa contituir um saber supracientifico Porque fora dos enuncia dos verdadeiros das ciências não pode haver outros que sejam válidos Por conseguinte se são necessárias pesquisas para a descoberta das relações entre as ciências é preciso que sejam realizadas no domínio científico Quanto à tarefa que se atri bui à filosofia de elucidar os fundamentos das ciências os neo empiristas acham que os cientistas estão em condições de asse gurála Dizem que pertence à lógica resolver os problemas do fundamento das ciências através da análise e da precisão de seus enunciados Podese chamar de filosofia essa teoria das ciências que consiste em aplicar a lógica às ciências parti culares Todavia essa teoria não acede a um nível superior porque não pode adquirir nenhum conhecimento mais pro fundo do que aquele obtido pelas ciêJlcias Portanto h pretnsãu de conferir um estatuto de pentifi cidade à epistemologia e consêqüentementre de convertêla numa ciência da ciência é defendida por aqueles autores que se filiam de uma forma ou de outra ao positivismo contemporâneo qJe continua a apresentar como uma ten tativa de elaboração de uma ciência da organização dn tra balho científuo Para uma primeira definiçãOdo que vem a ser à ciência dct ciência convém lembrar as palavras do cnador dessa expréssão Derek de Sol Priu As ijscipli nas que analisam a ciência foram engendradas em desordem mas revelam muitos sinltis de um começo de coerência em di reção a um todo maior do que a soma de suas partes ESsa nova disciplina pode ser chamada de história ftlosofia so ciologia psicologia economia ciência política e pesquisa o racional da ciência da tecnologia da medicina etc Preferi mos batizála corn o nome de ciência da ciência porque assim o termo repetido serve para lembrar constantemente que a ciência deve desenvolver toda a gama de seus sentidos nos dois contextos Em todo caso os neologismos cimtografia e cienlosofia são pouCÔ s6rios e cientologia já é a descrição de um culto que oada tem a ver em absoluto com as pre sentes considerações The Science Õf Science 1964 126 Atualmente cada vez mais o problema da ciência dl ciência passa a ser colocado a partir dos estudos sócioepi temológicos sobre o papel e a função da ciência nas socieda des desenvolvidas O que se constata é que as descobertas científicas se tórnam cada vez mais o ponto de partida de toda c qualquer modificação das idéias que dizem respeito tanto ao mundo que nos cerca e nos condiciona quanto ao lugar que nele ocupa o homem enquanto agente de sua transformação o desenvolvimento das forças produtivas e o aumento do po derio econômico obedecem em grande parte à evolução da ciência da técnica e aos ritmos de seu desenvolvimento cres cente Tanto o poder da ciência sobretudo da ciência realiza da tecnologia cuja utilização para fins desumanos e des trutivos constitui um perigo real de aniquilamento da civiliza çãd e mesmo da vida humana qÜanto o fato de o progresso vertiginoso das ténicas estar na dependência de uma organi zação das sociedades estão levando vários cientistas a reDe tirem sobre as funções sociais da ciência Mais ainda sobre a responsabilidade que deverão assumir perante a utilização pela sociedade de seus produtos intelectuais E entam respon der a perguntas tais como qual o lugar que a ciência e a técnica ocupam ou devem ocupar na vida de nossas socieda des Quais as influências exercidas pelas condições econômi Cas e sociais sobre os ritmos e a tendência desenvolvimentista das ciências e das técnicas Diante do desafio de tais questões muitos cientistas se sentiram na obrigação de estudar as leis do desenvolvimen to da ciência Sentiramse como que impelidos à elaboração de um novo tipo de racionalidade científica não somente dos meios mas também dos próprios fim da ciência Donde a ten dência cada vez mais acentuada entre muitos de quererem organizar planejar e administrar racionalmente a ciência Co meçam a perceber que os fins da ciência são extracientíficos Donde a importância e a urgência de elucidar não somente as possibilidades mas também os próprios métodos da ciência O que eles pretendem é encontrar critérios quantitativos de evolução do nível e dos ritmos do desenvolvimento técnico científico do potencial técnicocientífico dos Estados da efi cácia econômica dos investimentos neste ou naquele setor de 127 investigação para fins práticos Para tanto tentam estudar a correlações existentes entre o volume das pesquisas científicas e a parte que desemboca diretamente na prática Quando as necessidades objetivas da vida colocam problemas à sociedade é preciso que eles sejam resolvidos Mas não podem ser re solvidos sem as condições mínimas Para os defensores da ciência da ciência essas condições poderiam ser a a ex tensão e a diversidade das ciências permitindo o exame es tatístico b o enorme material fornecido pela história das ciências permitindo que se distinga os fenômenos essenciais do dêSenvolvimento das ciências e sua possível sistematização c a possibilidade de revelar e comparar os fatores que favo recem o desenvolvimento das ciências e os queo freiam d a possibilidade de efetuar experiências em matérias de orga nização planificação financiamento etc da ciência Como se pode obsrvar a expressão ciência da ciência ainda possuU contornos bem precisos ou definidos No mo menta ela surge como uma espécie de investigação extensa e ativa num determinado domínio de estudos em que se encon tram presentes e atuantes fatores de ordem filosófica socio lógica econômica histórica e psicológica do desenvolvimento das ciências e das técnicas Em outras palavras ela aparece como uma tentativa de estabelecer a síntese num único siste ma de conhecimento do funcionamento da ciência da lógiGa de seu desenvolvimento e do processt do conhecimento cien tífico Foi em 1964 com o The Science of Science de Solla Price publicado para comemorar o 25 aniversário da obra de I Bemal The Social function of Sciençe que se criou uma fundação dedicada ao estudo da ciência da ciência No es pírito de seus organizadores Solla Price J Berna o C P Snow essa fundação deveria ser um organismo internacional independente chamado a estimular as investigações que se apoiassem sobre o papel social da ciência sobre o princípio de sua organização e de sua planificação Esses autores não tiveram dificuldade alguma em identi ficar o papel da ciência da ciência com o da epistemologia Com efeito em seu entender o objeto próprio da epitemolo gia deve ser o estudo das estruturas gerais das ciências das modalidades e das formas de seu funcionamento bem como 128 das relações existentes entre as orientações de seu desenvol vimento e os demais fenômenos sociais Quanto ao objetivo Ja epistemologia deverá consistir na elaboração e na eluci dação dos fundamentos teóricos susceptíveis de permitirem urna organização uma planifiéação e uma reorientação das dncias Em outras palavraS o objetivo da epistemologia con siste na elaboração de um conjunto de medidas capazes de se anciarem sobre a lógica objetiva do desenvolvimento das ciên cias de assegurarem os melhores ritmos possíveis desse desen volimento e de garantirem cada vez mais a eficácia dos co nhecimentos científicos Portanto segundo a linha de pensamento desses autores podese dizer que assim como a cibernética estuda as leis gerais da direção e do controle independentemente dos siste mas em que elas atuam da mesma forma a epistemologia de c estudar as leis gerais de funcionamento e de esenvol vmento das ciências e das técnicas Donde ser possiYel con cluir que a a epistemologia deve refletir os diversos aspec tos da vida das ciências e das técnicas e conseqüentemente apoiarse sobre seus métodos de investigação b há uma es treita relação entre a epistemologia e a história das ciências A história das ciências constitui a base e o fundamento da epistemologia Não é por acaso que muitos cientistas todas as vezes que se defrontam com problemas de ordem epistemoló gica recorrem éorno que espontaneamente à história das ciên cias O que vão buscar nela é o material indispensável para a resoluÇão de problemas científicos atuais Entre os mais co nhecidos autores podemos citar G Bachelard G Canguilhem J Berna Th Kuhn Todos esses autores fizeram o oue se pode chamar de epistemologias hist6ricas Bacbelard iesume o pensamento de todos os dizer Para expressar todo o meu pensamento creio que a história das ciências não poderá ser uma história empíri ca Não poderá ser descrita no esmigalhamento dos fa tos pois é essencialmente em suas formas elevadas a história do progresso das ligações racionais do saber Na história das ciências além do elo de causa a efeito ins taurase um çlo de razão a conseqüência Portanto de 129 certa fmma ela é duplamente ligada Deve abrirse ca da vez mais às organizações racionais Quanto mais nos aproximamos de nosso século mais sentimos que os va ores racionais conduzem a ciência E se considerarmos as descobertas modernas veremos que no espaço de al guns lustros elas passam do estádio empírico ao estádio da organização racionaL E é assim que de modo acel rado a história recente reproduz o mesmo aceder à ra cionalidade que o processo de progresso que se desen volve lentamente na história mais antiga LActualité de lhistoire des sciences conferência no Palais de la Dé couverte 1951 E é estudando as ciências dos pontos de vista lógico so ciológico histórico psicológico etc que poderemos construir os fundamentos teóricos de uma organização racional das in vestigações científicas de planificação de orientação de fi nanciamento etc Daí podermos dizer que existe uma seme lhança de fundo entre a epistemologia e a sociologia das ciên cias As fontes da epistemologia residem na história das ciên cias e é essa história que descobre as leis segundo as quais se desenrola o processo dos conhecimentos científicos O que talvez possamos perguntar é se a ciência da ciência estã em condições de constituirse como disciplina autônoma com es tatuto 1científico próprio Evidentemente não se pode res ponder de modo tranqüilo a essa questão Sobretudo porque não podemos esquecer que a filosofia sempre tentou examinar os problemas que constituiriam o objeto da ciência da ciên cia Ela sempre se esforçou por descobrir e estabelecer as leis de desenvolvimento e de funcionamento do conhecimen to humano bem como as de sua forma superior a ciência Por outro lado é preciso que reconheçamos a importcia de dois fatos novos o primeiro diz respeito ao crescimento espantoso das ciências o segundo se refere à redução dos prazos que hoje separam a obtenção de um resultado de suas aplicações práticas Até o início do século XIX as leis do desenvolvi mento e do funcionamento das ciências constituíam temas ex clusivos da reflexão filosófica atualmente porém devido so bretudo ao rápido desenvolvimento das ciências são os pr 130 prios cientistas que cada vez mais se interessam pela análise Jcsses temas Evidentemente não é pretensão da ciência da iéncia querer imiscuirse nos domínios próprios da filosofia 1em tampouco querer substituirse à reflexão filosófica A fi losofia jamais poderá renunciar a essa atividade de reflexão sobre a evolução dos conhecimentos Aliás são as ciências e seus êxitos que fornecerãÕ à filosofia novos conteúdos de re flexão Com isso ela se enriquecerá cada vez mais ampliará seus conceitos e suas categorias generalizando os resultidos obtidos nos diversos campos particulares do saber científico Não obstante a tendência atual pelo menos a que está predominando vai na linha de enfatizar cada vez mais o ca ráter científico da epistemologia e por conseguinte da ciên cia da ciência Essa disciplina por vezes também chamada de metaciência inclinase a considerar seu objeto a ciência ao mesmo tempo como um sistema e como uma forma parti cular da atividade humana Tratae é claro de um sistema geral As ciências representam cada uma um sistema parti cutar fornecendo um novo conhecimento e possuindo um ca ráter lógico bem definido Cada disciplina científica representa uma forma definida da produção intelectual humana e pos sui formas definidas de organização que lhe permitem desem penhar as funções que lhe são próprias Em última análise o objeto da ciência da ciência seria constituído por todos es se aspectos do ser de cacJa Ciência por todos esses aspectos tomados em conjunto em interação porque eles forneceriam a melhor imagem não só do desenvolvimento mas de seu funcionamento Ademais forneceriam uma teoria geral das ciências ê nesse sentido que em contraposição à crescente espe cialização e compartimentalização das disciplinas científicas começa a despertar uma esperança de uma nova e possível integração e organização conceituais das diversas ciências Em outras palavras contra a multiplicação das especialidades e das linguagens particulares isto é contra o babelismo cientí fico parece estar surgindo não somente um novo conceito do mundo concebido como organismo ordenado mas também um novo conceito de ciência concebida como sistema Um sinal evidente dessa evolução está no surgimento de novas 131 disciplinas teoria geral dos sistemas cibernética informática teoria das decisões etc Tratase de disciplinas essencialmente interdisciplinares Seria da competência da ciência da ciência não somen te propor conceitos e modelos jnterdisciplinares mas também prever as descobertas científicas futuras os novos princípios e as mudanças inesperadas do desenvolvimento e do funciona mento das ciências E a condição para organizar o desenvol vimento e o funcionamento das ciências consiste na elabora ção de uma estratégia das pesquisas científicas Em outras pa lavras para se organizar em grande escala a planificação das ciências é imprescindível uma estratégia de ação E é por is so que hoje se empreendem cada vez mais tentativas de previ são a longo prazo do desenvolvjmento das ciências tendo em vista a descoberta de suas potencialidades e a avaliação de suas tendênciàSJtuais e futuras O que se pretende no fundo é a descoberta de uma espécie de plataforma cientificamente válida para o progresso e a planificação das ciências tendo em vista a ordenação e a otimização de seu desenvolvi mento Na prática a tarefa da ciência da ciência está sendo a de fornecer os embasamentos e fundamentos teóricos às vá rias disgplinas bem corno a de ser o ponto focal dos vários problemas para cuja solução são indispensáveis certas coor denações interdisciplinares Citemos alguns desses problemas que parecem exigir certa concertação sístêmica das ciências e que seria desempenhada pela ciência da ciência 132 a os impulsos internos e externos do desenvolvimento e do funcionamento das ciências b a tipología das relações entre as ciências e as demais formas de atividade intelectual e prática c a evolução das estruturas das ciências e a unidade das disciplinas d a formação de novas disciplinas e a modificação das relações entre ciência fundamental ou teórica e ciência aplicada f o problema da variação das relações entre o poten cial das ciências e sua utilização prática g os parâmetros e critérios do progresso científico h a evolução das possibilidades de previsão das ciências i a gênese e o desenvolvimento dos conceitos e teorias científicos j a evolução das formas organizadas das ciências co mo função da transformação de seu nívei e de seu alcance social k as características quantitativas do crescimento das ciênôas etc Assim parece claro que a característica fundamental da ciência da ciência consiste no entrelaçamento ou na inte ração dos diferentes modos àe enfocar o estudo da ciência lógico histórico econômico psicológico etc Enquanto dis ciplina autônoma parece não ter ainda um estatuto próprio Ela se situa na intersecção de preocupações e de disciplinas bastante variadas por seus objetos e por seus métodos No entanto apresenta dois aspetos dominantes a o aspecto analitico tendo por objetivo a descoberta e a análise de um sistema de leis capazes de regerem o desenvolvimento cien tífico e seu modo de funcionamento b o aspeCto nori1Ultivo tendo por objetivo elaborar uma sêrie de recomendações ob jetivas quer dizer baseadas emconclusões científicas para serem utilizadas no domínio da ação Ambos os aspectos for mam o sistema completo oa ciência da ciêitciatujas carac terísticas fundamentais podem ser resumidas nas seguintes 1 tem por objeto o estudo das interações entr os vá rios elementos que determinam o desenvolvimento das ciências enquanto estas constituem um sistema completo e uma forma particular da atividade huma na Em outras palavras o estudo das relações das ciências com os demais fenômenos sociais e com as instituições bem como a avaliação da medida ou do grau de dependência das ciências relativamente aos fenômenos e instituições sócioculturais 2 tem por objetivo o estudo dos fundamentos teóricos susceptíveis de fornecer os meios racionais para a or 133 ganização planificação e administração da atividad científica finalidade extracientífica das ciências e 3 engloba um amplo conJunto de problemas que para serem resolv1dos torna necessárias a utilização dos dados e dos método empregados pelas diversas dis ciplinas em condições de se interagirem história so ciologia economia psicologia teoria geral dos siste mas tratamento estatístico etc 4 exige que todas as disCiplinas enumeradas se articu lem deve haver uma combinação da análise históri ca das técnicas e da lógica com os problemas so ciológicos do desenvolvimento das ciências se não se levar em conta a história a sociologia a psicolo gia e a lógica do desenvolvimento das ciências tor narseá inteiramente vão o estudo de uma teoria da orgapização e da gestão das diversas ciências9lje tivo último da ciência da ciência Ora se a ciência não pode ser entendida como um pro cesso intelectual comparável ao de um computador mas co mo um ramo da vida S Toulmin tomase evidente que uma ciência da ciência só poderá ter direito à existência na medida em que for capaz de solicitar a colaboração de diver sas disciplinas Nodomínio das ci8ncias bumanãs qualquer disciplina pode ser tomada como fator polarizador para a in tegração das Jlemais porque todas se entrecruzarrr e podem interpretarse umas pelas outras Ademais suas fronteiras tor namse cada vez menos rígidas e assistimos ao surgimento de disciplinas intermediárias e mistas Todavia ressaltemos o papel da sociologia da ciência como um dos fatores importan tes para a descoberta de uma possível unidade das ciências humanas Assim a partir do momento em que as ciências ca da vez mais se afirmam e se impõem dentro de uma proble mática políticoidológica inegável o sociólogo da ciência vem mostrar que os cientistas não têm mais o direito de pretender a uma neutralidade ética estrita Não é novidade para nin guém que os cientistas humanos se vêem cada vez mais soli citados a fornecerem suas contribuições científicas e técnicas para o controle c o aperfeiçoamento dos sistemas de pes 134 quisa e dos mecanismos de ação sem poderem contestálos di retamente Ao fazerem isso podem simplesmente converterse em cientistas do conformismo a serviço do poder ou das instituições que os contratam e pagam ou então podem converterse para satisfazerem a certas expectativas a seu res peito em profetas da anticíênciaT correndo o risco de serem reduzidos a simples vedetes na moda consumidos pelas pla téias intelectuais que os reduzirão a curto prazo devido à sua ausência de rigor ao estado de inofensividade A história das ciências está repleta desses rigores abortados quer pelo servi lismo quer pela tentação do profetismo de certos cientistas E por isso que num domínio como o da ciência da ciência tornase ainda mais imperiosa a atitude de vigilância episte mológica de que fala Bachelard Essa atitude deve começar pela avaliação crítica das disciplinas que se interagem e do modo como elas entram em interação Lembremos aqui de modo extremamente sucinto como surgiu a sociologia da ciência Na realidade a sociologia nun ca se desinteressou pelo fato científico muito embora sua ten dência atual dependa muito mais do contexto histórico recen te do que de qualquer filiação intelectual mais ou menos re mota Depois da última guerra mundial graças sobretudo aos progressos espetaculares da física nuclear da biologia mole cular e da eletrônica bem cómo à proliferação de vários tipos de vulgarização científica pode ser constatada uma espécie de renascimento de uma onda de Sperança na ciência Após um período de latência novamente a ciência surge como este saber capaz de abrir novas perspectivas de prosperidade para as nações e de felicidade para o gênero humano Retomase assim a tradição positivista dos cientistas da segunda metade do século XIX O grande público volta a se intreessar pela ciência e por seus feitos e a recolocar em suas realizações esperanças de dias melhores para a humanidade Esse fato tor nase um fenômeno social tão importante que os próprios Es tados se põem a elaborar suas políticas ou filosofias de governo baseadas nas informações coerentes e objetivas das pesquisas científicas ê o início da instauração das políticas cientfficas de governo Cada nação passa a querer fundarre 135 cientificamente E todos os seus projetos passam a ser cien tificamente justificadoi Até então a sociologia só se havia interessado por uma análise do conhecimento científico tentando mostrar que éra tributário de um panodefundo filosófico ou ideológico eco nômico ou sociológico etc A sociologia do conhecimento vi sava entre outras coisas a estabelecer uma ruptura entre os saberes comuns e o sber científico interrogandose sobre as condições sócioculturais que tornam inevitável essa ruptura com o conhecimento espontâneo e com as ideologias Assim tentava elucidar no conhecimento científico seus pressupostos inconscientes e suas tradições teóricas a fim de ultrapassar as condições históricas e sociais nas quais se elaboravam as ciên cias Nas últimas décadas porém a sociologia começou a per ceber no próprio fenômeno científico um objeto muito intere sante de estudo Aim a preocupação de rentabilização das pesquisas levou a que se empreendessem sobretudo nos EUA estudos sobre a criatividade sobre a rentabilidade dos laboratórios sobre os perfis das carreiras científicas sobre as relações entre pesquisa e indústria sobre a utilidade das pes quisas fundamentais ou teóricas etc Foi assim que se cons tituiu uma sociologia funcionalista das ciências transpondo para o novo objeto ciência os métodos preestabelecidos las várias ciências naturais e raramete passando da regula ção da conformidade social a uma crítica epistemolóJica ou sociológica da própria sociedade ou do sistema social Mais tarde sobretudo na Europa a partir de uma refle xão sobre os movilnentos de contracultura americanos re fféxão mais aprofundada e mais crítica surgiu uma onda de antkiência Passouse a falar de urna crise da ciência To mouse consciência que a ciência constitui um problema reaL E ela começou a ser contestada porque parecia conduzir o mundo a impasses Nessa perspectiva é ilusório buscar na ciência os remédios pau seus males Também é ilusório crer que uma simples reorganização política poderá trazer a salva ção há algo de podre na civilização científica A ciência não se mostrou capaz de produzir a felicidade Contribuiu para a manutenção das desigualdades sociais e pa a explo ração do Terceiro Mundo Constitui uma ameaça para a pró 136 pría sobrevivência da humanidade Por outro lado fruto des 5a tomada de consciência assistimos a uma politização cres cente dos pesquisadores Politização ligada à degradação de suas condições de trabalho diminuição dos créditos e de sua 1nsegurança relativamente às possibilidades de emprego já se fala em proletarização dos pesquisadores Conseqüência a imagem do sábio começa a ser desfigurada Imagem veiculada pela imaginação popular embora alimentada pela representação que os cientistas faziam de si mesmos Evidentemente essas representações populares não pode ser ratificadas enquanto tais Uma das tarefas da socioloi a da dência é justamente a de romper com essas visões espontâneas que masçaram a realidade social com as representações sim plistas que dela se faz Em outras palavras a sociologia da ciência apresentase como um excelente meio de estudar a cri se atual da sociedade TaWcz sua maior missão consista em revelar que a ciência traiu a esperança que a humanidade nela depositou Não teria chegado a hora do ajustamento de contas Para tanto o papel da sociologia da ciência é fundamental Entre outras coisas competelhe mosuar que o surgimento de uma nova disciplina que a chamemos de metaciência ou sim plesmente de ciência da ciência não se justifica apenas pelo aparecimento de um novo problema São ajnda necessários um método miginal novas instituições e um corpo de pesqui sadores especificado por um papel ao mesmo tempo intelec tual e profissional O problema está no nível da ciência da ciência e não somente no de seu componente sociológico O setor ainda limitado que é o da sociologia da ciência passa atualmente por uma fase de institucionalização ao passo que mal acabam de se congregar algumas questões alguns postu lados e métodos provenientes de diferentes horizontes episte mológicos tudo isso associandose para constitur a carteira de identidade ou o paradigma da nova disciplina De que maneira a sociologia da ciência poderá contribuir para a elucidação do que vem a ser a ciência da ciência Antes de tudo mostrando que se deve eliminar a falsa imagem que ainda se tem da ciência para que seja desvendada sua verdadeira significação residindo muito mais no poder que o saber confere do que no saber enquanto saber Nesse sen 137 tido a sociIo8ia da ciência se distingue da sociologia do co nhecimento ela não dá tanta ênfase ao discurso científico nem tampouco às articulações entre esse discurso e a socieda de que o produz quanto aos grupos produtores e consumido res dos discursos científicos E basta um pouco de atenção para que se possa perceber que tais grupos não são regido por leis científicas Talvez se possa dizer que foi o medo dos elementos nãocientüicos presentes nos discursos científi cos que reduziu o raciocínio científico a uma espécie de lógi ca formal Nesse domínio entra em cena o sociólogo da ciência ao menos para revelar os componentes extracientíficos incrus tados nos discursos científicos Ele leva os pesquisadores a remontarem a um aquém da idealização de suas próprias práticas científicas Segundo 1 J Salornon é preciso que nos interroguemos sobre a irracionalidade da instituição que eJi carna com mlito brilho a irracionalidade ocidental SciefÜe et Politique 1970 Talvez tenha chegado o momento de se afirmar que a mística e o ideal científicos a neutralidade ob jetiva e o mito da cientifiddade a rigorosa honestidade inteléc tual dos pesquisadores e outros substratos ideológicos constitu tivos da imagem que em boa fé os cientistas apresentavam de si mesmos perderam muito de sua credibilidade e simultanea mente destruíram um dos suportes da unidade e da universali dade da ciência Evidentemente o papel da sociologia da ciência é limitado O que ela pode fazer é colaborar para a interação de vãrias teorias científicas obre a educação a cul tura a ideologia etc Qual a relação da sociologia da ci ncicom a epistemolQ gia Até bem pouco tempo a epistemologia estava presa à filosofia das ciências Hoje cada vez mais ela se apresenta como uma disciplinaencruzilhada orientada sobretudo para a his tória é a sociologia das ciências Todavia o recurso meio apres sado que se faz à epistemologia lógica ainda corre o risco de por vezes mascarar a realidade sociológica que se encontra por detrás de todo discurso cientifico Portanto para evitar as armadilhas das reduções à epistemologia a sociologia da ciên cia foi obrigada a afirmarse numa certa independência Exem plificando o problema das discipJinas científicas pode ser abor dado em função dos objetivos específicos e dos métodos de 138 cada setor de pesquisa mas a sociologia da cJencta prefere estudar o grupo através de seus componentes extracientíficos luta dos pesquisadores pela notoriedade querelas de priori dades problema de mobilidade de concorrência de resis tência à inovação peso institucional etc Essa perspectiva so ciológica permite urna melhor tomada de consciência da crise da ciência isto é da distorção entre o papel real da ciência e sua vocação específica Isso não quer dizer que nesse assunto a sociologia elimine a epistemologia as relações entre as es truturas sociais e a estrutura dos conhecimentos foram muitas vezes estudadas sempre havendo uma relação dialética entre as sociedades e as estruturas dos conhecimentos que elas se dão Ao publicar há urna década atrás A Estrutura das Re voluções Científicas Thomas Kuhn liberou a história das ciên cias da hnagem de um progresso linear de descobertas em descobertas obedecendo apenas às leis objetivas da lógica Todo o trabalho epistemológico de Gaston Bachelard segue a mesma perspectiva Ambos os autores fornecem à sociologia uma contribuição valiosa o estudo do enraizamento histórico real exige que se faça apelo não somente às condições lógicas do exercício das ciências mas também e sobretudo às leis das comunidades científicas fechadas ao peso das tradições às coÇões econômicas e aos coormi smos de escolas Donde a importância de se empreender uma tríplice tarefa a Jiistória do discurso científico em sua concatenação lógica é claro mas também com presença dos erros das fraudes e das repe tições b história dos panosdefundo filosófico ideológico e cultural das ciências c história dos enquadramentos sociais e de suas mutações permitindo o progresso científico A essa tríplice tarefa talvez fosse preciso acrescentar uma quarta a história da história das ciências A sociologia e a história das ciências não são as únicas disciplinas a nos permitirem urna compreensão histórica do lugar do cientista na sociedade Também a psicologia gené tica tal como praticada e aplicada por J Piaget aos problemas da formação e estruturação da inteligência premitenos com prender aquilo que no nível individual modela o saber cienti fico Com efeito eSa disciplina revela que os saberes novos 139 não se imprlmem sobre um domínio puramente receptivo mas devem combinarse com as estruturas internas já presentes no sujeito cognoscente Assim cada nova contribuição é interpre tada com o auxílio de instrumentos cognitivos de que o sujeito já dispõe Por outro lado todo ensino científico bem como tcda difusão de teorias novas deverão contar com esquemas preexistentes irredutíveis à simples lógica da ciência Assim a resistência interna do sujeito cognoscente à assimilação de uma nova idéia Piaget pode ser comparada à resistência do corpo científico ao surgimento de um novo paradigma Kuhn A diferença está no fato de Piaget insistir no caráter contínuo da adaptação ao passo que Kuhn enfatiza o caráter evolutivo por saltos vale dizer por descontinuidades ou por revolu ções Bachelard diria por rupturas epistemológicas Algumas concllsões I A primeira conclusão a que podemos chegar depois iessa rápida situação do problema da ciência da ciência o que nos levou a indicar algumas contribuições de certas discipli nas para a compreensão do lugar real da ciência na sociedade diz respeito a um ponto que mereceria ser aprofundado o dos limites da cientificidade não somente das ciências mas tam bém dessa nova disciplina de caráter epistemológico apresen tandose porém com todas as características de uma verdadei ra ciência a ciência da ciência Uma das características dessa disciplina consiste em ser fortemente redutora relativamente às diversas ideologias da ciência sobretudo graças à sua pre tensão de rigor objetivo de neutralidade ética de universali dade e de utilidade Ora uma das coisas que podemos observar é que o desaparecimento dos álibis ideológicos provocando crises e conflitos no interior dos grupos científicos outrora unificados por sua ideologia quase sempre remete a proble mas políticos não resolvidos O que se pode dizer é que até bem pouco atrás a atividade política dos cientistas Iimitavase à defesa de uma ideologia humanista da ciência Inclusive não foram poucos os cientistas a negarem em seus trabalhos a intromissão de toda ideologia ou fator político Em ses deba 140 tcs com W Reich por exemplo Freud declarava solenemente Eu sou um homem de ciência e nada tenho a ver com a politica Ora o rabalbo crítico a ciência deveria hoje inter ditar semelhante hpo de atitude sliDplesmente porque não pode ser considerado correto Ademais para além das atitudes de conformismo ou de profetismo podemos constatar que o desa fio político da ciência da ciência passa por uma critica siste mática e rigorosa das ideologias que já funcionam nesse do mínio com as ideologjas que nascem cada vez que a ciência ao invés de romper com elas vêm ocupar o seu lugar Sem dúvida isso é feito de modo inconsciente mas não menos eficaz Aliás quando a ciência se converte em ideologia ela passa a adotar uma verdadeira tirania pedagógica se não política 2 Em segundo lugar aos defensores de uma epistemo logia que seriauma demarche reflxiva sobre a ciência com pretensões a resultados controláveis e universalmente álidos lalvez fosse oportuno objetar conferir os caracteres de uma verdadeira ciência a uma disciplina cujo objeto de estudo é a própria ciência é fazer uso de uma noção não científica as ideológica O que seria por exemplo uma ciência das ciên cias humanas visando a descobrir suas estruturas e mecanis mos comuns senão uma disciplina que tenta apreender a essên cia comum dessas disciplinas Se não se trata de uma essência das ciências como se poderiafalar da ciência ou do conhe cimento científico para que seja instaurada depois uma teoria do conhecimento científico Portanto já se encontram presen tes na própria J ese de uma ciêncil da ciência certos pres supostos filosóficos que freqüentemente dissimulam e revelam ao mesmo tempo a concepção segundo a qual a ciência poderia por simples reflexão sobre si mesma desvendar as leis de sua constituição de seu desenvolvimento e de seu funciona mento Ora para que tal disciplina seja possível seria preciso que o discurso cientifico tivesse uma virtude de poder enun ciar por si mesmo os princípios de sua própria teoria Ademais seria preciso que ete fosse soberanamente autônomo capaz de determinar por si mesmo o espaço de seu próprio desvelamento ou desenvolvimento Ora a ciência se impõe como uma com ponente da realidade e da organização humana e social Ela 141 tem uma fínaJiiade extracientífica vale dizer não interna ao desenvolvimento da ciência 3 Em terceiro lugar falar de uma ciência da ciência significa admitir como pressuposto a existência de uma ciên cia una a cujo propósito se poderia formular teorias defini tivas Ora a ciência não existe O que existe é um conjunto de ciências no plural cada uma com suas características próprias mas não podendo constituir um todo coerente e susceP tível de um estatuto unitário Cada ciência fornece a explica ção de um aspecto do real Não há porém uma ciência do real integral E é por isso que também não se pode falar de uma filosofia da ciência I mais correto falar de filosofia dessa ciência Não se pode conferir a uma ciência o privilégio de inteligibilidade total A unidade da ciência não pass de um sonho Por isso conferir o privilégio de inteligibilidade a uma disciplina é uma opção que traduz uma tomada de posição prévia injustificável Donde a ilusãOdaqueles que conferem à ciência uma importância perinitindo que se faça a economia de uma filosofia porque seria sua própria filosofia sob as deno minações de metaciência de lógica da ciência ou de ciên cia da ciência 4 Em quarto lugar achamos muito arriscado para não dizer pretensioso falar de uma ciência da ciência Pela mes ma razão que acreditamos s er uma temeridade falar de uma filosofia da ciência Ora a filosofia da ciência é uma filosofia que imobiliza no tempo um dos momentos da ciên cia aparecendo como um espelho deformador daquilo que pre tende exprimir Ela introduz no exame do real as convicções próprias do pensador suas esperanças e seus pressentimentos O inconveniente de fundar a filosofia sobre a ciência de uma épa pode ser ilustrado com o caso de Kant Seu olhar estava adstrito à ciência de seu tempo a física de Newton que para Kant era A Ciência Essa ciência foi tomada como o conhecimento verdadeiro objetivo válido e por conseguinte como ponto de referência para julgar todos os demais conheci mentos Ora essa ciência foi ultrapassada pelas teorias einstei nianas A filosofia que se apoiava sobre ela também se viu ultrapassada 142 5 Enfim a pretensão de construir uma epistemologia científica uma reflexão crítica sobre a ciência mas repousando sobre um caráter científico outra coisa não faz senão ressus citar em termos científicos um velho projeto filosófico enun ciar os critérios não somente de toda cientificidade mas também da própria verdade O projeto de Hegel por exemplo visava a estabelecer as categorias da cientifícidade da ciência bem como 0 fundamento e a justificação do conceito de ciência Para ele A Ciência da Lógica é a ciência filosófica Em outras palavras ele pretendeu fundar uma ciência da ciência Da mesma forma Kant ao interogar como as ciências são possíveis procurou desvendar os critérios da cientificidade do conheci mento Para ele a filosofia das ciências se convertia na pró pria filosofia Esta pretendia ser a consciência da ciência e para ser válida devia justificarse aos olhos da exigência cientí fica Nessas condições postular uma epistemologia científica tendo os caracteres de urna ciência da ciência é retomar um projeto filosófico que a própria filosofia já abandonou Porque por mais científica que possa parecer uma epistemolo gia ela dissimula sempre um pressuposto filosófico e oculta pelo fato mesmo a justificação de sua utilidade pedagógica e social bem como da definição de seu estatuto científico Donde ser desprovida de sentido a pretensão de substituir a filosofia por uma epistemologia científica Essas duas disciplinas estão numa relação de um subconjunto a epistemologia ao con junto de qúe ele faz parte a filosofia O papel da filosofia consiste em abrir o espaço mental epistemológico criando um horizonte comum que se recusa a todo confinamento Podería mos dizer que ela é a epistemologia das demais epistemgogias isto é o lugar em que as epistemologias se neutralizam naquilo que apresentam de excessivo e em que elas se fecundam para que as ciências guardem o sentido da obediência ao humano 143 VI PAPEL DO EDUCADOR DA INTELIGÊNCIA Jostaria de render homenagem a um personagem meio ridículo o professor O lu gar que lhe é reservado na sociedade atual é um dos mais inferiores O status do profes sor é inferior ao do proprietário de armazém de artigos baratos está mais distanciado do status do médico em seu papel de bruxo moderno do status de uma cantora de segunda categoria de um manequim ou de um lutador de boxe A única excessão é para o professor que ajuda a fabricar a superbomba ou que descobre um procedimento eficaz para au mentar as vendas de um produto desodorante De pouco pode vangloriarse o pobre profes sor No entanto pode vingarse sigilosa mente São as idéias que movem as coisas Neste sentido os professores manipulam sem serem vistos os cordões dos fantoches da his tória forjam as opiniões os valores e desco brem as soluções L von BERTALANFFY Todas as vezes que algúém faz ou diz algo de novo num determinado campo do saber os entendidos no assunto come çam logo por dizer não pode ser verdad em seguida acham que é contrário às opiniões estabelecidas às tradições culturais implantadas ou às verdades adquiridas finalmente que todo mundo já sabia isso há muitQ tempo Vou portanto dizer algo que todo mundo já sabe Muito embora nãQ esteja con vencido de que no plano da educacão tódomlmdo leve a éteito na prátiCi uma pcdagpia da inteligência Ao Cntrário assustame constatar que as instituições educatilas Ae transfnr m quase Pür comWWJm tslabe1eçjmell10S apenas de ino As universidades parecem transformarse cada vez mais em escolas profissionais destinadas a produzir funciopáóos écnicos de tq s os níveis esquecendose de sua missãn de formár a nieligincia de promover inventar 011 rejnventar a culttÍra no seia de Wl mimdo que se desfaz tdaz Ora se a universidade pregsa Ct entendida lllQ um lllgar de comllllidadt e de comnnicacãa e não como um aglo erado de saberesjustapostos ende seus especialistas se ignoram solenemente formando uma espécie de círculo em que cada um dá as êostas tOdos os demais e conseqüentemente traindo a exigência que os congregou numa comunidade de saber qye se afinna na unidade das disciplinas e do processo ucativo se a universidade não consiste apenas num dpósito central da cultura tendo por funÇão distribuir seu estoque de 147 saber em pequenas rações aos educandos mas num lugar eQJ que o ensino e a pesquisa não podem ser dissociadas para a promoção do conhecimento se sua missão consiste em encãr nar a teoria quer dizer a força e o poder do conhecimento e da reflexão desvlnculados o mais possívél das adfaR91í ticas administrativas e ideológicas então o papel do educa dor não será mais o de um transmissor de conhecimen feitos mas o de alguém que seia capaz de manter desperto 1JQ educando o priQCÜio da cultura ODtiauada que jamais poderá ser confinada ao tempo escolar pois a universidadenãut Penitenciária central dacultllraa O educador não pode ser cúm plice desse tipo de obscurantismo pedagógico que consiste em adequar não somente o conteúdo mas também a forma de seu ensino às palavras de ordem do mercado de trabalho do ren dimento da produtividade da eficácia no domínio da ação da transformação das necessidades em conhecimentos Fazendo isso ele se tofla um verdadeiro saltimbanco de uma filosofia industrial que se acahinta com sonhos pueris Esse analfabetis mo transcendente constitui uma das formas mais nocivas do niilismo contemporâneo sem abertura de espírito e sem um sentido agudo da realidade humana Na medida em que a universidade se contenta em fabricar em série diplomados de todos os tipos não somente está traindo sua missão próprja comQ está prstando um enorme desserviço à sociedade pois está impedindose de elaborar uma teoria geral da cultura ca paz de integrar todos os saberes em vista do fazer dentro do éonjunto da envergadura do espírito e do sentido da totálidade humana Considero um dos ôefeitos fundamentais do educador em nossos dia o tato de ele não dnyjdar de si mesrno de nà questionar seu saber e de ancorarse única e exclusivamente na segnrana de sua especjatJdade protegido que estâ pelo hermetismo de sua linguagem e pelos exercícios rituais de suas técnicas pedagógicas Ao converterse em alquimista do verbo ou em perlli em táticas didáticas o educador escapa ao con troTe ao onfronto ficando ocultada sua fraqueza ou o gue é ainda pior não poendo ser velado que muitas vezes clç não sabe o que está fazendo nem tampouco por que ou papt quê Ora a cducadar não Lalném 11le detém ciumentamente 148 0 monopólio da verdade sobre determinado setor do conheci mento Muito enos ainda1 alguém que procura impor sua verdade ao Oltrqs pois não possui uma concepção da verdade como fórmula universal A verdade do conhecimento é uma procura e no uma posse O espírito de proprietário pedagó gico é 90 qtesmo tempo antieducativo e antihumano Creio que a terrível insipidez de muitos métodos e téc nicas de pedagogia bem como a ausência generalizada de inte resse por sua árida literatura especializada encontra sua expli cação no desconhecimento quase sistemático das relações educa doreducando centro de todo processo educativo Muitas vezes a pedagogia dos pedagogos procede a partir de uma doutrina orposta e portanto ignorada veiculada por sofisticadas téc nicaS de catequese intelectual A procura metódiça e sistemá tica de uma metodologia universal bem como a tentação de refÜgiarse na tecnicidãde dos meios de transmissão do saQer supervalorizando a educação dá atenção da memória da aprenciizagem PO reTorço ou condicíonamento1 é um dos sintomasdesse obscurantismo pedag2gko de qe falei muito útil e eficaz nos processos de adestramento e de docilizao nocivo porém no processo verdadeiramente educativo Iaàez uma das causas fundamentais do desastre da edueação escolar esteja na tendência crescente em transformar as salas de aulà em oficinas onde se trabalha tendo em vistao rendimento a operacionalidade do conhecimento e sua utilidade a curto prazo Essa atitüde pçxl revelar a voltade copscient ou incos ciente de dop1esticar a inteligência do educando de endicipli nála no sntido de enquadrála segundo as exigências do mitier ou atividade profissional a serem exercidos Sem dúvida alguma a civilização técnicocientífica atual supõe certa harmonia entre o homem e seu meio social To davia a eiJncago não tem por objetiyo desprezar a subjeti vidade do educando em proveito apenas das normas econô micas ou profissionais Pelo contrário Qúunção é a de fazer desabrochar e desenvolver tal subletividade para cuompreensãn para o esptrito crítico não no sentido de rejeitar mas no de exar e de passar ao crivo e para a Iibertacão Original mentê organizada em vista da educação e do ensino a univer sidade atual parece uma instituiecão devastaga e sem oivos 149 çlaos sem o domínioJie suunçãeLe de su papel no dQ mínio do sabe 1imitandose quase fwm de mãodeQbra especiali49a e a responder solicitamente às demandas do met caóo de trabalho O que a sociedade atual exig das universj dades Que elas formem indivíduos que se assemelhem o maiS perfeitamente possível aos modelos e exigências de nossa civ lização Em lugar do termo formar talvez fosse mais adequãdõ dizer conformar P interessa à sociedade é qle as universidades ensinem um conhecer que seja ao mesmo tempo um saberfªzer Ora o educador deveria estar atento para que a especiali zação exagerada e prematura reduzida aó saberlazer e fundélda nvma restrição meutal se abrisse ao trabalho de formação e de cultivo da inteligência do educando comportasse uma aber tura à pluralidade do saber ao sentido das correspmdências à imaginação e ao espírito de criatividade O espírito de anã Iise mdispensábel como exigência metodológica deveria ser completado e compensado peJa vontade de síntese pelo desejo de evidenciar as perspectivas de conjunto e as articulações do conhecimento Vejo no saber especializado quando fechado e divorciado de uma teoria da cultura uma das formas mais efi cazes de alienação mental e moral Pareceme uma função es sencial da universidade ser urn centro elabarador da auturaJ cntro que qualifica e competentiza os indivídliS certamente mas que seia capaz de situar as competênc dentro de ma conjunto cultural mais vasto Se admitimos que compreender sei a inventar ou re construir pQI jnyencãq Piaget creio qe não podemos acei tar sem mais qhe o educador se converta nesse personagem tendo por função adaptar o educando ao meiQ social em que ele vive O termo adaptação é mágicoefim faznos pen sar muito mais em máquina e em piologia do que em educação propriamente dita Porque a adaptação recebe suas normas e seus imperativos de uma situação dada e de uma realidade que preexiste a ele não leva em conta as diferenças as antinomias ou os conlitos do educando entre sua subjetividade e as estru turas sociais preexistentes Num domínio diferente no da chamada educação permanente devese dizer que esse tipo de aperfeiçoamento quando não bem entendido talvez con 150 sista na prática em favorecer uma adaptação constante às estruturas já existentes em reforçálas permitindolhes certa perenidade Assim entendida a adaptao é um ajustamento a umJmxkLCLeterior onde o educando encontrará as respostas já prontasl que lhe são ensinadas ou t ransmiidas com a pedagogia do inculcamento De preferência edãda numa éiência PSicopedagógica Ora a meu ver o papel do educador não pode consistir em fazer valer uma estratégia para modelar o educando a fun de convertêlo no homemmodelo erigido por uma sociedademodelo e dentro de uma culturamodelo onde tudo funcionaria às mil maravilhas e sem pane isto é sem reflexão e sem alegria Cada vez mais estou convencendome de que o paPel do educador não consiste tanto em ser um homem de ciência L um perito em sofisticadas técnicas de psicologiaexperimental um exímio malabarista em métodos pedagógicos quanto em ser alguém realmente capaz antes de tudol de realizar uma obra humana cujo valor ou nãovalor escapam à competência do saber anaític9 e experimental muito embora este Jhe possa prestar relevantes serviços Aliás nesta matéria seria tentado a dizer que a experiência ordinária e o bom senso bem mais próximos da pedagogia do ensinar a aprender a aprender podem exercer um papel educativo muito maior do que certos conhecimentos meramente teóricos calcados num metodismu que violenta como todo método o objelo sobre o qual ele se aplica O objetiyo da pedagogia pareceme não consist em tratar o educando como um caso panicular ou co Ufll exemplar de um conceito ger mas emJQrnecerlhe todas as possibilida4es de um sabrochamento pessoallllUDContexto determinado Tratase de um mpreendimento que só pode ser realizdo por um contato direto e não pela mediação anô nima e fria de análises e métodos experimentais no interior de um laboratório erimental da inteligência Sem dúvida to dos os métodos e técnicas empregados para extrair informações concernentes às experiências sobre a atenção a fadiga a memó ria a aprendizagem a inteligência são importantes e úteis ao educador Todavia o conjunto sistematizado ou orquestrado desses conhecimentos não basta para fazer dele um pedagogo 151 Por consegúinte o educador que se limita a transmitir um programa de ensino ou que procura adaptar a inteligência do educando aos códigos ou modelos preestabelecidos do saber e não faz de seu ensino um meio de favorecer e de desen volver a inventívidade a reflexão do educando só é educador por eufemismo Na realidade é muito mais um administrador ou um disciplinador da inteligência Ora se os métodos pedagó gicos não forem capazes de introduzir no educando certa neces sidade psicológica certo desequilíbrio Piaget processo de desequilibraçãoequilibrante ou de equilibraçãodesequiltbrante se não forem capazes de introduzir nele um fator de desencan tamento e de desenfeitiçamento técnico ele não poderá parti cipar ativamente da cultura permanecendo um mero consu midor de conhecimentos já elaborados já construídos e assimi lados por outros será essa caixa negra receptora passiva de todos os in puts externos produtora inconsciente ou ingê nua dos vários out puts éujo sentido e cuj razão de ser são solenemente ignorados Essa pedagogia calcada numa psiço Iia qe se iflEõe como foçasoçiiil modllndopaa o homem sua própria imagem dirigíod9 os processaseducativos te a pór fazer do educando uma áqui que pode ser pro gramadaJ como se seu comportamento devesse enquadrarse num tipo de operação comercial onde os gato devem ser mí nimos e mimos os benefícios NãP vejo como os conceitos estímuloreação ingressosaída produtorconsumidor to mados de empréstimo à psicologia convencional não estejam fundados num tipo de filosofia pecuniária Com efeito a filosofia mercantilista do anunciante faz apelo a um receptá culo cerebral a caixanegra dos psicólogos onde são in culcadas certas idéias com exclusão das demais Na lógica pecuniária a realidade e a verdade são substituídas pelos dese jos sonhados e pelos condicionamentos consegUidos pla arte do anunciante Creio ser extremamente perjgoso transpor esquema para o domínio da educação esta seconverteria em técnica de manipulação e o educando se tornaria numa espé cie de autômato infrahumano A meu ver o primeiro dever do eaclor consiste em guardar um interesse funfmental pela pe34uism desper trnoeducando 0 frito ik busca a sede da descoberta da 152 imaginação qiadora e d insatisfaçãQ fecunda no domínio do abex O essencial é que o educando permaneça sempre em estado de apetite Quando tudo lhe é explicado não só a expli cação é errônea mas ele não deve ter entendido porque guem çompreçJde sempre tem dúvida está sempr insatisfeito e disposto a novamente interrogar Se o educador tem algo a ensinar ao educando creio que se trata de um nsiamento que o leve a compreender que é ele mesmo quem deve assumir sua própria educação cabe a ete fazer dela sua obra fundamental e original única e intransferível Ninguém se educa como ningum ca co idéias ensinadas Ensinar à aprender a se construir ou a sefConstruir eis o pppelqo educador Todo progresso na educação está na construção do espírito e não em sua domesticação ParafraseandoSartre atrevome a dizer que o educando não é aquilo que fazem dele mas aquilo que ele faz daquilo que fizerani dele E Bachelard tem inteira razão quando se insurge contra uma educação confinada ao tempoes colar e não prolongada no decorrer de toda a vida Uma cultura que se limita ao tempo escolar é a pr9pria negação da culturã científica Só há ciência por uma Escola permanente e essa ecoJ que a ciência deve fundar Então os interesses so ciais serão definitivamente invertidos a Sociedade será feita para a Eçola e no Escol para a Sociedad Por isso no domínio do saber e da formação da inteligência e conseqüen temente de nosso processo educativo permanente deveríaQ10S fazer nossa a oração desse grande educador sábio e filósofo Fome nossa de cada dia nos dai hoje Depois dessas colocaçõ creio que não podemos com preender o papel do Educador da Inteligência a não ser tentando descobrir se não a filosofia pelo menos uma fHoso fia da educação que o funde que lhe dê sentido e o justifique Vimos que não pode ser uma filosofia industrial tampouco uma filosofia dirigista e manipuladora Na verdade interrogar se sobre o papel e o estatuto do filósofo da educação sig nifica em grande parte tomar consciência do processo de desprestígio social de redução e de descrédito por que passa hoje em dia a própria filosofia Portanto tratase de inter 153 rogarmos quer sobre a significação da filosofia quer sobre os mecanismos de seu ensino e sobre seus agentes transmissores Só podemos entender a situação da filosofia atual meditando sobre sua própria história e sobre as condições daqueles que dela fazem uso ou um meio privitegiado para tomar cons ciência de seu tempo e de sua cultura Infelizmente nos dias de hoje o lttOiessái de filasofiu reduzido a sear o papel de mero empregado universitário Mesmo desempe nhando essa tarefa modesta parece que ele não escapa à sus peição de ser um traidor em potencial E a razão parece ser a seguinte filosofar consiste em fazer apelo à reflexão pessoal E toda sociedade teme a reflexão Ora do medo à cólera a distância é pequena Donde a fuga do pensar Ademais pensar por si mesmo já é um perigo não só social mas individual Qual é o homem que não está dispQStQ a deciicar hoas e horas de trbalho útil para evltar alguns minutos de reflexãç Em todo gruPP e em cada um de nós há uma oposiçlo J ateJIt ao Mnsar eao repensar Somente uma sociedade rea1 mente liberal Pode permitir esse confrogtQ pos s ibHia seus membros a OPOrtuni4e dt llllla educaçã9 não somente em função de um grupo particular mas da própria inteligência dos que pensam e do destino da humanidade Uma sociedade que perde essa consciência que a cultura tom de si mesma está fadadil a perder a consciência de si comisso aigno7 rar a dupla utilidade d um ensino filosoficamente fndado a permitíJJlue oscducandQs JPdam a cxrtícar quir dize examinar e passar ao crivo as opipiões recebidas ou impostas as idéias e tradições transmitidas e os ensinamentos aparente mente inquestionáveis b tomar possível o ultrapassamento do conformismQ e do inconformismo em vista de pçwiaQg semre maior entre o pensamento e l ção Porque a negati vidade não pode ser entendida como um momento demoli dor mas como um m6todo a serviço de uma positividade mais elevada or isso a educação quando fundada filosoficamente tornase tanto mais nessária quanto mais se desenvolvem as cincias e mais impositivos se tornam seus produtos Pelo fato de não descobrit veutads parciais e objetivasJ sendoJ por isso mesmoAcbada de suljetiva ou de nJcrsaber nem por isso a filosofia da eladoperde seu sntido Pelo Qotrário ela 154 possibilita ao educando apreender de outro modo a condição humana em sua universalidade Sem dúvida no copete ao filósofo da educação intervir nas verdades particulares das dências mesmo psicopedagógicas Contudo ele não pode abdicarse de seu papel de refletir sobre o fundamento de toda verdade sobretudo das que dizem respeito mais direta mente aos processos educativos A nesse sentido que tal filo soia não pode ser obra do entendimento mas da razão E é POr issQ queJla s Jorna imprescindível a todo edcador qqe nã9 queira perder a Razão Nesse contexto como podem ser encarados o papel e o estatuto do fil9sofo da educação Seria ele um personagem qtre no conjunto das produções ideológicas de seu tempo fosse aapaz de propor sistemas educacionais reflexivos e coerentes de conceitos ou idéias nos quais a prâtica individual e coletiva encontrariam o lugar de sua reflexão e a determinação de seu sentido seria ele esse personagem meio ridículo encar regado de transmitir um saber no qual inguém parece acre ditar por ser completamente inútil e não operacionalizável Urrul coisa parece certa o filósofodaeducação não tem muito de que vangloriarse Todavia o simples fato de sempre existir a questão Sóbre süa significação deve ser para ele uma razão de humildade e não um motivo de humilhação bem verdade que ele encontra como todos os que se dedicam à filosofia hostilidade e menosprezo sobretudo porque não consegue pro por um saber científico objetivo prático e útil Qs filósofos da educação dizem seus detratores pedem ser o que bem quise rem nias de forma àJguma poderão propor conhecimentos cien tificamente válidos Se por acaso tivessem tal pretensão teriam que submeter sua filosofia a uma reforma geral dos pés à cabe ça o que s6 se tornaria possível se ela renunciasse à sua pre tensão exagerada e irrealizável de querer situar os saberes dentro de um saber total e englobante para entrar decidida e docil mente na escola das ciências modernas Muitos foram os filósofos da educação que ouviram tais sermões com humildade e boa vcmtde E converteramse assim em cTenfístas para se tornarem respeitãYeís O resultado pareceme foi meio catastrófico os cientistas de mltier dizem que eles mesmos estão mais bem qualificados para cuidar dos 155 problemas dos métodos e dos limites das ciências os recém convertidos às técnicas e métodos científicos vêm contarlhes aquilo que de há muito eles já sabiam Assim o desprezo provocado por tal boa vontade produziu uma reação contrária de fato proclamam os profissionais do saber científico a filo sofja da educação nada tem a ver com a ciência ela se situa num domínio bem mais elevado e vai muito mais ao fundo das coisas Ela vai tão alto e penetra tão fundo que seu papel consiste apenas em pensar a educação pensar sem deixarse influenciar pela Razão sempre suspeita de cientificidade Se fizéssems hoje uma análise impressionista do fló sofo da educação certamente teríamos muita dificuldade em definir sua tarefa Mas creio que esse malestar é positivo pOis resulta da própria crise da filosofja Periodicamente esta entra em crise Mas isso é salutar pois impõese a necessidade de um novo esforço reflexivo Nos periqdos de crise nada é simples Tampouco nada é claro Seria muita audácia querermos dizer aqui estão os bons ali estão os rnaqs eis o qu será a filosofia da educàçãó dé ariiarihã Se olhãrmós seriamente para a histó ria dessa disciplina não poderemos cometer a imprudência de afirmar qual o tipo de pensamento que irá dominar no ano 2000 Precisamos abandonar as profecias fáceis ou as futuro logias ingênuas O que podemos fazer é detectar as questões essenciais que poderão surgir a partir dos problemas presentes Tornouse moda falar da filosofia educadnal sem pre cisar qual delas Não podemos utilizar a torto e a direito con ceitos filosóficos ou simplesmente uma linguagem mais ou menos ornada de termos tomados de mprtimo aos filósof Tratase de um fato corriqueiro inquietante porém pois já revela certa doença ideológica uma febre ou um delírio do pensamento Quem é que ainda se considera filósofo da educação No entanto apesar de todos os já era lançados para denegrir o pensamento nãoutilitário os métodos nãopragmáticos e efi cazes contra o pensamento nãooperacíonalizável talvez este jamos diante de uma produção infladonária de filosofias da educação de resto péssimas porque se ignoram on se reco brem com capas mais ou menos pseudocientíficas Um pouco por toda parte a linguagem filosófica é caricaturada Os litera tos e os críticos de arte não esçrevem vinte linhas sem fazer 156 alusão à transcendência ou a qualquer outro termo equiva lente ou sem fazer referência a certos pensadoresfilósofos numa mistura mais ou menos eclética de filosofia de vida de budismo zen ou outra filosofia qualquer oriental ou in dustrial Qual o criador literário ou outro que fora de seu trabalho específico não representa dissimuladente o papel de um filósofo Nesse sentido há uma inflação de ilosofias embora a maioria delas seja simplesmente o resultado de uma caricatura ou o produto de colagem e de empréstimo arti ficiais Sm dúvida essa dispersão da linguagem moqfica traduz uma crise cultural profunda Vivemos numa época bastante curioSa em que em matéria de filosfia qualquer um pode dizer qualquer coisa sem que isso cause espanto a ningüerii Sob as formas mais diversificadas com os conteúdos mais estranhos e com os mais variados modos de exposição comu nicação e de pesquisa toda cultura que se preze deve com portar uma atividade reflexiva que a fi1osofiã como qualquer outra atividade intelectual deve exigir daqueles que a ela se dedicam Atualmente nesse dominio os trabalhos realmente sérios misturamse às mais sinistras pilhérias havendo até mes mo os que fazem delas uma forma de cultura Ora a recusa em discernir aquilo que tem sentido daquilo que ê simples passatempo também tem uma significação m efeito se houvesse no público uma clara consciêcia dcssas diferenças e se os eduçadores atuais tentassêm fornecer aos educandos os meios intelectuais da reflexão ao iJ1vés de contentareQse em inculcarlhes unicamente os saberes técnicos e utilitáriosuma çiênciareçeitüário prático de que terão necessidade no exer cício de suas profissões é bem provável que tal discernimenQ nos faria tomar consciência de que a filosofia da cducação que sempre esteve vinculada a uma ética e a uma política con siste numa atividade intelectual que não pode ser compatível com a sujeição inteleciÚtll e históriCa dos educandos Em todo caso só podemos entender a crise da filosofia da educação tomando ao mesmo tempo consciência de que a destruição ou o amordacamenton da filosofia só se tomam possíveis porque intelectualmente ela está em crise em sua própria evo lução e relativamente aos outros domínios do saber Num 157 erto sentido podemos dizer que foram os próprios êxitos da filosofia que desencadearam sua crise atual Uma coisa parece certa não Eodemos fazerapelo os conceito e papel e estatuto para definir a tarefa do filósofo educacional pois seria fazer ªpeloa uma definição uriívoca desses conéeítos Além disso utilizálos como universais seria impedirse de ver o filosofar como uma atividade ao mesmo tempo específica e mutável em constante inteação com a situação sóciohistórica Ao usarmos o conceito de papel de modo unívoco estaremos afirmando uma relação de iden tificação do filósofo comsuasituação Tâl relação seria nabs trata pois o filósofo não pode ser simples reflexo da so ciedade em que vie Por outro lado ao falarmos de papel õo filósofo da educação queremos apresentar como modelo a razão da filosofia em vez das razões dos filósofos da educa ção Esquecemonosasun de que essas demarches constitu tivas desse ou paquele modelo poderão estar supradas Donde o malestar em se poder definir a tarefa do filósofo da educa ção Contudo se fizermos questão de manter a noção de pa pel para ultrapassarmos esse embaraço fundamental preci samos estar conscientes de que no fato de filosofar sobre a edu cação estão presentes dois papéis um pessoal o outro social Por seu papel pessoal o filósofo da eduçação determina sua posição relativamente às outras e age em conformidade com um modelo de con9uta próprio que ele erige em norma das relações intersubjetivas Surge assim a razão do ato de filoso far sobre a educação Por seu papel social ele está diante de um modelo de conduta definido pelo consenso dos membros da sociedade global tendo para ela um valor funcional Está presente nesse caso a causa de reflexão educacional E é justa mente a tensão entre esses dois papéis que nos possibilita de finir a tarefa do ftl6sofo da educação Enquanto desempenha sua tarefa ele tem seu estilo próprio determinado pelo pa pel que lhe é reconhecido sem que por isso este coincida com sua pessoa singular Donde a noção de estatuto Ao falarmos de consenso a propósito de um papel estamos referindonos ao mesmo tempo às expectativas dos outros e às prescrições que fundam esse papel Numa hierar quia social dos saberes a posição da filosofia da educação já 158 indica seu estatuto corresponder às expectativas e às pres crições Quer dizer o estatuto da filosofia da educação pode existir independentemente daqueles que a praticam e imporlhes certos comportamentos Em todo caso sua posição é inteira mente diversa da posição das ciências e das artes As ciências se dão um objeto e métodos precisos para descrevêlo e expli cálo As artes por sua vez tentam exprimir e revelar as signi ficações Eis suas tarefas Quanto aos filósofos da educação creio que devem ultrapassar os papéis e os estatutos que lhes foram impostos sociamente para assumir outros por sua própria conta Assim ao jnv de dizermgs 91 o filósç da educação ocupa um estatuto e desempenha um papel social det rml seria preferível sustentarmos que ele precisa estn em relação dialética com as posições das filosofias da educação de ontem e de hoje tentando ultrapassar as expectativas e as prescrições Relacionandose dialeticamente com seu passado deverá construir outro modelo organizado de condutas filosófi cas dandose a si mesmo os papéis e os Btatutos no interior do meio social que o condiciona sem determinálo Recusar semelhante perspectiva é arriscarse pareceme a converter o filósofo da educação num personagem alien1do refletindo num vazio social Donde a importância para ele de fazer uma reflexão critica sobre as ciências e sua linguagem bem como de situar o processo educativo dentro de uma perspectiva em que seja desvend1140 pelo menos o sentido da existência hu mana A pergunta que se coloc é a seguinte como fazer filosofia da educação num meio omo o nosso A quem vai falar o filósofo da educação E com que finalidade Semelhante probtema não poderá ser escamoteado Se por vezes lhe fechamos os olhos talvez seja porque ainda não te nhamos conseguido ver por detrás das mutações e dos trans tomos por que passa o processo educacional um problema bem mais amplo o da crise da cultura ocidental De qualquer forma se considerarmos as possibilidades a causa da filo sofia da educação em nossa cultura poderemos constatar duas tendências de um lado há os que pensam ter algo a dizer ou a fazer na medida em que refletem sobre a educação dentro do contexto nacional devendo os educandos participar social e politicamente do processo de desenvolvimento sóçioeconô 159 micocultural do outro há os que encerraram a razão da filo sofia educacional dentro de um papel unívoco desvinculado do processo científico artístico e cultural da nação Ambas as tendências parecem acreditar que a filosofia da educação tenha um estatuto claro e definido devendo ser um valor funcional para a sociedade Portanto a tarefa da filosofia da educação deverá ser procurada para além das soluções sociais e culturais ao pro blema do papel e do estatuto daquele que a pratica trata se de uma tarefa concreta temporal e pessoal E isso porque a filosofia da educação tem por fundamento uma palavra pes soai embora com pretensões à universalidade A esse respeito são ilustrativas as palavras de Paul Ricoeur Histoire et V érité 1955 Tenho algo a descobrir de própriQ algo de que nin guém tem a tarefa de descobrir em meu lugar se minha exis tência tem um sentido se ela não é vã tenho uma posição no ser que é um CGnvite acolocar uma questão que ninguém pode colocar em meú lugar a estreiteza de minha condição de mi nha informação de meus encontros de minhas leituras já esboça a perspectiya finita de minha vocação de verdade No entanto por outro lado procurar a verdade quer dizer que aspiro a dizer uma palavra válida para todos que se destaca sobre o fundo de minha situação como um universal não quero inventar dizer o que me agrada mas aquilo que é Todãvia para estabelecer essa ligação entre o Eu co Universal não podemos dispor do mesmo itinerário em tÓdas as culturs Caberá ao fil6sôío da educação perguntar a partir de que numa determinada sociedade terá ele condições de fazer semelhante ligação Em outros termos como fazer a filosofia da educação encontrarse com esta ou aquela sacie dade com esta ou aquela cultura Em nosso país todos acham que estamos acedendo a um tipo próprio de cultura Não pode mos passar impunemente de uma cultura a outra Todo trans plante provoca rejeições A passagem de uma relação com o mundo a outro tipo de relação não se faz automaticamente Ao transplantarmos filosofias educacionais de outras culturas cor romoo o risco de olo ficarmos à vontade dentro de nossa pr6 pria cultura Donde os sentimentos de artificialismo e de estra nheza se não de rejeição Nesse domínio os grandes problemas 160 se colocam entre nós artificialmente Eis um obstáculo qu não podemos ignorar Mas que precisamos superar E é por que os grandes problemas se apresentam diferentemente em cada cultura que a filosofia da educação sempre deveiá reco meçar com eles Donde se conclui que nossa filosofia da educação deve recomeçar ou sempre renascer com nossos pró prios problemas Com isso não tenho a intenção de postular uma filosofia educacional brasileira Aliás não acredito que isso seja possível ou tenha sentido O que postulo que pre cisa haver entre nós pessoas capazes de refletir sobre nosso sistema educacional a partir da situação peculiar de nossa cul tura Mas que também sejam capazes de exprimir algo de uni versal a propósito daquilo que está no fundo de nossa situação particular Que eu saiba não são muitos os que se orientaram segundo tal perspectiva O que não deixa de ser compreensível de urna vez que nosso país parece ainda estar à procura de sua identidade própria quer dizer não de um retrato ou de um modelo pessoal que o dispensaria de todo e qualquer confronto com os outros mas de um singular capaz de con duzilo ao universal E talvez não fosse muito ousado dizer que semelhante procura pelo menos em boa parte 6 o lugar atual de uma filosofia da educação entre nós O fato é que sentimos a necessidade de embasamentos reais do Eu pessoal e coletivo para que se torne possfvel a expressão de uma Palavra univenal Tais embasamentos sem dúvida constituem problema O cogito canesiano constitui hoje em dia um compromisso Daí podermos perguntar quem é que pensa a consciência a opi nião pública ou o grupo social Quem é qUê em nossos dia tem a certeza absoluta de falar em seu próprio nome para todos E é por isso que a filosofia da educaç5o está imena em dificuldades O que significa pois sua tarefa Quais suas chances em nosso país Deixamos essas questões em aberto Contudo a vida de nossa cultura segue o seu titmo Cada um de nós dela partiipa a seu modo Ela pode ser constituída por seus vfnculos históricos fundamentais Mas tambl por em préstimos alienígenas e artificiais Semelhante alternativa re metenos ao estatuto e ao papel que cada um de nós desem penha e interpreta Os filósofos da eduaço mais abertos in 16l terpretam tal filosofia como objeto cultural não as pessoas que a fazem quer dizer eles mesmos Assim o papel e o estatuto do filósofo da educação numa sociedade determinada inter pelam e contestam essa filosofia Isso pqderá ser ilustrado e esclarecido pelo menos em boa parte pelo papel desempenha do pelas ciências humanas Essas ciências constituem proble ma para os filósofos da educação e lhes forneem sério mate rial de reflexão Um diálogo constante e fecundo com elas po derá leválos ao cerne das razões filosóficas a serem ultrapas sadas para que seja descoberto ou redescoberto o ser que pen sa O educador na medida em que é ou deveria ser o ser que pensa não tem o direito de esquecer certas responsabiJidades que lhe incumbem enquanto produtor de saber e de conheci me11tos técnios Mencionaremos apenas duas a segu ir a Compoo1lhe proceder a um exame crítica dos valores e dos papéis que lhe fpram mais ou menos impostos por seu próprio processo educativo anterior Fazendo isso ele con ferirá à sua própria existenciauma orientação nova1 coerent e fundamental Se não fizer esse esforço de crítica e de ínte gração pessoal não somente o educador revelará certa fra queza e insegurança como se mostrará sem convicções pro fundas assentadas numa CQosciência éticoprofissional esCla reCida por certos princípios unificadores e de fundamento ra cional Semelhante erosão da consciência éticoprofissional lva a um comportamento pragmático ou de evasão Sem uma no va cosmovisão aceita livremente para conferir à ação pe dagógica um sentido preciso tornase impossível ao educador chegar a um engajamento ético autônomo com todos os riscos Jue isso comporta b Competlhe ainda liberar os educandos de todas as falsas neceSsidades intelectuais Porque não somente elas le vam a uma perda de tempo mas também são geradoras de constantes inquietações tomando os educandos dependentes e vulneráis A satisfação das necessidas intelectuais artifi ciais depende quase sempre do beneplácito dos poderes esta belecidos e dos sistemas de ensino implantados Reagir a ssas imposições implica em pagar certo preço por vezes bastao 162 te elevado como a renúncia à própria liberdade Contudo o educador não pode deixar de elevar cada vez mais o nível de sua atividade educativa e científica enquanto praxis As necessidades artificiais são ersatz das verdadeiras necessidades Servem para preencher uma vida intelectual e espiritualmente vazia Na medida em que o educador revela aos educandos que sua própria educação deve ser concebida como um fim em si está permitindolhes alcançar o máximo desabrochamento de suas aspirações criadoras e de suas atitudes podendo orga nizar sua vida dentro dessa postura de autodeterminação inte lectual tão importante quanto a autonomia espiritual e moral Todavia além dessas responsabilidades o educador não pode esquecer que está formando aqueles qúe irão formar as gerações posteriores Ora dado o aprimoramento atual dos métodos e técnicas de ensinar muitos educadores ficam des lumbrados com sua eficácia no processo de aprendizagem Per isso renunciam à sua tarefa propriamente educativa e limi tamse a transmitir as informações e os conhecimentos técni coscorrentes aceitos ou impostos Ao se converterem po rém em mediadores tecnológicos das informações que lhes oram comunicadas e das técnicas que lhes eram 41Veiculadas os educadores correm o sério risco de se tornarem num prazo de tempo bastante curto perfeitamente dispensáveis eles se tomarão inúteis pois poderão ser substituídos em seu con junto ou por máquinas de ensinar ou por 41monitores espe cializados na arte de distribuição dos conhecimentos prQ gramados e enlatados já elaborados numa matriz tecnoló gica do saber qualquer Ora os educandos têm uma necessi dade fundamental de um contato vivo com um educador ca paz de fazer coisas que máquina alguma jamais terá condi ções de fazer pois tratase de tarefas que jamais poderão ser programadas Podemos citar dois exemplos como se segue a Em primeiro lugar compete exclusivamente ao educa dor ressituar todas as informações fragmentárias recébiàas u impostas dentro de um contexto sóciHultural mais amplo competelhe ainda mostrar as relações as mediaçõe o mo 163 mentl da historia as condições sociais e psicológicas que ex plicam o aparecimento do saber bem como os métodos cien tíficos que tornaram possível sua descoberta e as incidências que de tudo isso decorrerão para as pesquisas futuras e para a prática social Evidentemente esse contexto mais amplo qúe somente o educador poderá fornecer não é préfabricado Ele pode abrirse em várias direções surgir de uma relação dia lógica entre lS duas partes do processo educativo educador e educandos e depender não somente da extensão do saber e dá cultura do mestre mas também dos reais interesses dos alunos b Em sgundoUgar compete unicamente ao educador com a participação ativa dos ecjucanlos etabôraruma iiater pretação criãtiva dos conhecimentos e uma critica das infor mações A simples transmissão do saber mesmo que estesejã reproduzido em toda a sua complexidade deve ser substituí da põr um eSforço vivo e persistente consistindo em acs centar às formas simbólicas nBs quais o saber se expressa uma significação nova esclarecida por uma perspectiva filosõ fica pessoal Nesse particular é tarefa do educador manter a inteligência dos educandos em constante despertar despertar e sua curiosidade intelectual ampliação de seu horizonte es piritual e desenvolvimento de seu espirio crítico Para for mar um jovem de espírito aberto e criadQ dotado do sentido da história O bomeducador deve mostrarlhe que diante da realidade não basta colocar as questões como e quats os melhores meios para fazer funcionar as coisas o mais importante é que o educando seja capaz de perguntar por quê com que finaiõade quais os principais obstácu los como superálos P9nto educador pã pode prescindir de crtas qualidades ter personalidade e não ape nas possuir conhecimentos e cultura ades ser um indiví duo íntegro e de earáter ativamentedevotado à alização não digo de seu ideaJ mas de seu projeto intelectual Os edu candos lhe perdoarão facilmente o fato de ser demasiado ut pista ou demasiado realista O que não lhe perf9arão é a contradição ent o pensamento as palavras e os atos 164 CONCLUSÃO Se quisermos exercer alguma influência no rumo empreendido pela ciência contem porânea é preciro que tomemos consciência da neceidade de uma dupla ação uma ação direta tentando dominar os conhecimentos científicos e detectar suas ilusões uma ação indireta convertendonosem pedagogos capazes de formar aqueles que mudarão o mundo Para tanto temos que nos transfor m pcr dentro e ao mesmo tempo criar as condições exteriores tornando possível uma transformação do mundo do saber E sse tipo de atividade constitui uma ruptura no enca deamento do determinismo histórico cego e merece a seguinte denominação fazer a his t6ria O objtivo dessa conclusão que nada tem de conclusivo ou tfe acbado é simplesmente o de apontar aTguns funda meftos epiifeiriológicós sobre os quais se a pó taa ulgariza çÓ cientifica Com efeito a epistemol9gia se interessa não somente pela distribuiÇão das ciências em vários grupos OJ sua dispersão crescente ou por seus agrupamentos em ains grandes conjuntQs segundo certa comunidade d objetos de pontos de vista ou de métodos mas também por sua difusão ou divulgação Em Oltras palalras interessalhe elucidar 9 modc comase partilha o saber científico Seu domínio de in vestigação não se limita a um estudo da gênese da formação do desenvolvimento e da articulação dos conhecimentos mas abrange também as formas de comunicação e de consumo desses produtos intelectuais Epistemologícament vulgari zação ciemífica consiste numa transmissão ao saber aos não cientistas Tratase de tarefa que consiste em tomar cultural mente compreensíveis os conhecimentos produzidos pelas ciên cias vale dizer de uma transferência de conteúdos científicos a um público não iniciado cientificamente Qproblemaque coJ é o de saber até que ponto e em que medida o grande públicÕ pOde apropriarse culturalmente de um conte6do cien tífiCõ sem conhecêlo cÇJmo poderá compreender algo que não conhece Antês porém de tentarmos responder reco loquemos Süéintamente a situação presente da ciência 167 Considerada em seus mumeros prolongamentos técnicos a ciência se situa em nossos dias como o fator mais decisivo de transformação do mundo e das mentalidades Ela tende a constituirse cada vez mais num instrumento eficaz de análise e de manipulação do real Donde sua matematização crescen te O que ela pretende é realizar o projeto de uma objetiva ção adequada da pretensão de eficácia de sua tecné tanto no domínio natural quanto no humano O caráter fundamental da ciência consiste em obedecer ao postulado da objetividade pa ra imporse tomo sistema de racionalidade E é pelo modo como a ciência concerne ao homem que deve interessarnos e preocuparnos Assim por estar contaminada com dimensões que lhe são estranhas ela apresenta um caráter ambíguo de um lado permitiu à humanidade realizar grandes progressos não por causa de seus feitos espetaculares mas de sua signi ficação humana do outro continua a reforçar certos antago nismos fazendo plainar sobre os homens uma série de amea ças de guerra nuclear de totalitarismo técnico apoderandose da vida humana e modelandoa segundo a lógica das relações de força ou as exigências do Poder Donde a importância de considerar a ciência em seu conteúdo concreto e não confor me a imagem que ela pretende fornecer de si mesma Seu conteúdo real nola revela vinculada a várias determinações que a tornam ao mesmo tempô salutaJ e temível Sobre tudo quando seu estado de espírito pretende cada vez mais que as pesquisas se tomem úteis e contribuam para a me lhoria das condições de vida do homem tanto do ponto de vista de seu equilíbrio biológico de sua saúde quanto do pon to de vista de seu modo de vida Portanto o projto fundamental da ciência consiste numa objetivação radical da experiência Essa objetivação se prolon ga naturatniente na busca da eficáca E é o desejo da eficácia que converte a ciênciatheoria em ciênciatecluié Esse proces sõ de objetivação rescente se apresenta como uma espécie de consenso imediato entre o homem e seu mundo Tratase de uma dualidade em cujo interior o sujeito se opõe ao objeto Assim o alcance profundo da ciência consiste em manifestar um novo sentido Tratase de um sentido que não é proferido num sistema explicativo mas que é vivido e exercido numa 168 multiplicidade de manifestações E na medtda em que a cteu cia tenta imporse como a única perspectiva sobre o mundo e o homem como o mais fundamental modo de ex perinci a tornase patente que sua gênese seu desenvolvimento e a estruturação passam a significar não apenas o surgimento de um novo sentido mas também a própria alteração do sentido do sentido Ora Se a titude cinífi ca a única racional a úrüça verdtrdeirameiiie humana verdadeirâmente justificada e fecun da o sentido que ela projeta sobre o homem e o mundo s pode ser o único possíveL Mesmo que explicitamente não pre tenda imporse como um empreendimento totalitário a ciência já comporta em si mesma implicitamente a possibilidade de tal projeto Seus êxitos retumbantes levamna talvez incons cientementte a imporse como a úõica dimensão possível do sentido sua atitude fundamental diante do mundo neutraliza todas as outras atitudes Donde o risco de tomarse totalizante e totalitária Ao abrir uma perspectiva sobre o conjunto da experjência e ao entregarse à vertigem da objetivação a ciên cia se esquece dos pontos de vista que a tornaram possível vale dizer de suas decisões constitutivas E ao objetivar até mesmo esse ponlo de vista tornase incapaz de passar dessa objetivação àqüílo que a funda e por conseguinte de sair de si mesma e de ultrapassarse Surge assim a necessidade de umareflexão wbreaciêA cia enquanto fenômeno social ou produto da0Ciedade Como todo fenômeno social precisa ser compreendidaa partir de um ponto de vista histórico Donqe a dificuldade de atingir nesse domínio o nível da verdade objetiva isenta de toda concepção valorativa ou ideológica Por maior que seja o pa pel da ciência no desenvolvimento da sociedade 6 esta que controla suas funções Convém distinguirmos no entanto entre o conteúdo da ciência o conhecimento científico e o modo como esse eonhecimento é adquirido homens orga nizações e instituições 2 o conhecimento científico que for nece a noção fundamentar de realidade objetiva a repre sentação de certos fenômenos permitenos conceber proprie dades jamais observadas e inventar experiências que possibili tam evidenciálas Um exemplo típico é o do desvio dos raios 169 luminosos pelo campo de graitação do Sol prc15to pcla re latividade de Einstein e cada vez mais verificado com grande precisão Historitanent a ciência sempre este v vinculada a situa ções sociãts óem precisas Por exerilplo no momento de sua constituição a física esbarrou com o obstáculo das idéias vl gentei tentando impedila de formar os conceitos de que pre cisava para a compreensão da realidade dos fenômenos Há uma relação tão forte entre a concepção do mundo físico e as idéias sociais vigentes no momento em que a física se impõe como ciência qoe a elucidação da realidade física chega até mesmo a abalar os fundamentos da sociedade constituindo para ela uma verdadeira ameaÇa Não foi por acaso que o U vro das Revoluções de Copérnico só veio a ser publicado depois de sua morte1543 que Galiteu teve que reconhecer e confessar seu erros 1 633 ou que o Tratado da Luz de Descartes também foi obra óstuma 662 Desde o im cio o espírito de independência dos cientistas tornase objeto de um controle E eles se vinculam desáe cedo ao poder po lítico E das ciências naturãis que se reclamam os Enciclope distas Diderot e d Alembert delas que se reclamam as analises psicológicas de Sade os estudos sociais de Fourier e Proudbon J nas ciências naturais que Kant Marx Hegel e 9utros depositam sua sonfumça para enfrentar os problemas do homem e da sociedade Se considerarmos o domínlo das ciências humanasL pode mos constatar que ainda hoje ele se encontra na mesma situa ção em que se encontravam as ciências naturais no século xvn a análise dos fatos é inseparável das ideologias vigen s Ademais a questão da teoria ou representação da expe riência colocase de modo diferente nos dois domínios No entanto há uma tendência a tratar as questões humanas com os métodos comprovados no domínio das coisas Considerase por exemplo como científicos certos estudos econômicos so ciológicos ou psicológicos simplesmente porque são submeti dos ao tratamento dos computadores ou dos procedimentos estatísticos Quantas decisões importantes não são tomadas em nome da ciência quando na realidade os computadores não fazem senão aquilo que lbes é ordenado só respondendo às 170 questões que lhes são feiras Quantas não são as chãmadas pesquisas fundamentais que servindose dos computadores ou das análises estatísticas recobrem com o manto da ciência várias decisões políticas Não se pode negar que a especialização foi uma etapa necessária ao surgimento e ao progresso das ciências A mani pulação de idéias abstratas e a elaboração dos conceitos eram incompatíveis com a servidão material do homem Assim a especialização tomouse sinônimo dê competência e de poder E o expert tornouse esse personagem mítico sobre cujos om bros é depositado o peso das decisões políticas tomadas para assegurar consolidar ou ampliar o poder O que se pergunta hoje é se o progresso da ciênciarealizada ou tecnologia pode ainda ser tido como a condição necessária e suficiente à pros peridade econômica e como a garantia de um melhor bemes tar social Ao nos interrogarmos não apenas sobre os meios de que dispõe a ciência mas sobre os fins que os justificam não podemos evitar certas questões que objetivos a ciência propõe para a sociedade Produção e consumo de bens mate riais ou desabrochamento dos indivíduos Manipulação con trole e dominação ou autonomia Aceitação do isolamento ou comunicações criadoras Ademais quais S objetivos da vulgarizaão científica Que imagem ela cria da ciênCia no grande público E se a ciência ao imés de marchar para um domínio do homem viesse a contnouir para sua emancipação E se ela se colocasse o problema dos limites de seu crescimen to Deixemos essas questões em aberto Tentaremos analisar apenas a que diz respeito à vulgarização E assim mesmo de um ponto de vista bastante restrito Antes porém lembremos que para o grande público a posição de destaque e a alta reputação da ciência são devidas aos seus inegáveis feitos tecnológicos Francis Bacon foi um dos primeiros pensadores a formular numa frase essa espécie de pragmatismo popular No Novum Organum Livre ll 4 diz O que 6 mais útil na prática é o mais correto na teoria Atualmente o que se pode constatar é que aJnola gia não S6 realiza suas pretensões mas também impõese co mo o critério de mtegndade 6tica do cientista anlOriclad pode ser tilla tanto para propósitos legítimos quanto para 171 intençõ espÓri1 Por exempl 25 dtclaracõ peudocientí ficas dos portavozes totalitários olre a raça a economia e a história quando veiculadas a um público cientificamente in culto através dos mecanismos da Uigarização científica per tencem à mesma ordem que as informações da imprensa escri ta falada ou televisada sobre o universo em expansão Seme lhantes declarações e informações não podem ser controladas ou testafas pelo grande público a que se destinam Podem mui to bem veicular mitos científicos Os mitos apresentam a van tagem de serem mais facilmente admissíveis do que as teorias científicas pois estão muito mais próximos da experiência vi vida e da tendência cultural do homem Donde a vulnerabiJi dade do grande públlco aos novos misticismos mormente quan do se apresentam recobertos com a capa do saber científico Isso se torna mais grave quando se leva em conta que a fé do grande público na ciência é praticamente ilimitada indiscutí vel e de ordém rnase mística Nesse sentido a vulgarização pode ser um veículo de contágio quase epidêmico dos mitos cientificistas A vulgarização científica1 enquanto concepção epistemoló giça concernente à partilha do saber exige uma estratégia dj fuSr generalizadora de conhecimentos que por uma ques tão de método só sãó conhecidos e copreendidos por um pequeno grupo de pesquisadores Por putro lado o objetivo explícito da vulgarização não consiste em tTansmitir ao grande público informações simplificadu escamoteadas ooncemen tes às grandes descobertas científicas Num recente colóquio organiZado pelo Conselho da Europa sobre a apresentação da ciência ao público Strasbourg 19 a 21 de abril de 1971 os participantes chegaram à conclusão de que o objetivo da vulgarização científica consiste em fornecer à comunidade na cional os meios de participar de modo responsável grifo nos so do desenvolvimento científico Nesse sentido a atividade vulgarizadora exerce um papel social e político próprio c f P TIIUILLIER Jeux et enjeuc de la science 1972 Como se pofe notar está bem explícito o fato de a infr mação científica possuir um alcance político Ademais fica Dianifesto que ela deve exigir de sius agentes QS vulgarizado res uma participação vel nas atividades e nas potf 172 tica de seu respectivos países de origem Mas qual é o sen tido dessa responsabilidade e dessa obrigação de partici par A resposta do Conselho da Europa não cria um con senso comum por isso que a revista inglesa New Scientist 13 de maio de 1971 viuse constrangida a reagir e a julgar consternadora a idéia de organizar e planificar um campa nha européia de informação científica no caso específico de informação sobre a ecologia Porque essa informação não pode estar subordinada à orientação dos experts sobretudo quando se sabe que eles são nomeados por organismos oficiais Qualquer que seja o conteúdo que constitua seu objeto a in formação científica deve ser livre e espontânea Por essa ra zão os experts governamentais não têm o direito de exigir dos agentes da vulgarização que desempenhem o papel de simples propagandistas desta ou daquela política científica Talvez fosse melhor que os experts tentassem aprimorar a difusão das i nformações sobre a política da ciência e deixassem aos vul garizadores profissionais a tarefa de informarem ao público aquilo que se faz ou se deixa de fazer em matéria de pesqui sãs científicas Por conseguinte além do dever de evitar as simplifica ções escamoteadoras a vulgarização não pode ser reduzida a uma função de portavoz oficial de uma ou outra política científica Em suas opções o vulgarizador não pode estar con finado a essa alternativa ou fornece más informações ou di vulga informações controladas e a serviço dos E stados Nesse domínio a responsabilidade precisa ser assumida pelos pró prios agentes da informação possível que o desenvolvimen to científico nacional não Lhes apareça como o único a ser atingido nem esteja sendo conduzido da melhor maneira pos sível Nem sempre as declarações oficiais sobre o que se faz em matéria de ciência correspondem à verdade dos fatos 1 por isso que um dos papéis essenciais da vulgarização cientí fica livremente desempenhado por agentes especializados con siste em apresentarse como anteparo às possíveis distorções de certas informações cômodas aos governos e à indústria mas sonegadoras da verdade científica de seu sentido e de seu al cance sociais 173 Toda inforntação é portadora de um partipris consciente ou inconsciente Não há vulgarização de um saber puro em seu estado de elaboração teórica ou fundamental Haja vistá que1 se não nforma eladeforma Portanto em to do esforço metódico ou sistemático de informação há pressu postos não apenas teóricos filosóficos mas também ideológi cos valorativos e políticos Isso se torna patente a partir do momento em que se coloca as questões quais os obietívos reais da iAformação O que elá visa a informar Qitem ela informa Quais as necessidades do público que tenta satisfazer Trata se de necessidades reais ou simplesmente criadas Revela a in formação a verdadeira natureza da ciência e de suas funções sociais ou limitase a apresentar ao grande públiç9 sua ima gem de marca Fornece uma concepção idealista realista ou simplesmente tecnocrática da ciência Apresenta a ciência co mo uma pesquis metódica do saber ou como um modo de interpretar o mundo As resposta a essas questões estão longe de criar um con senso entre os cientistas Assim ao se tratar de uma informa ção científica de caráter pluridisdplinar freqüentemente ela é concebida çomo estando fundada na criação de uma cultura universal ou de uma nova imagem do mundo que não se riam tributárias dos particularismos culturais ideológicos na cionais e religiosos Assim compreendida essa cultura seria uma construção suspeita porque muito distanciada daquilo que realmente fazem os cientistas E é essa concepção quê cor re o risco de transformarse em mitologia científica Mesmo que seja rigorosamente elMorada e transmitida numa lingua gem de alto nível técnico nem por isso a informação científi ca deixa de constituir e de apresentarse como um gnero li terário isto é como um discurso que de uma forma ou de outra com este ou aquele veículo transmissor não pode pres cindir de uma intenção nem que seja implícita de seduzir o público Porque ela é um discurso que de um modo ou de outro deforma o discurso original das ciências é da essência do discurso vulgarizador tentar espelhar a atualidade o progresso e a verdade das ciencias informªndo apenas a respeito dos aspectos que podem mais interessar no momento 174 quer ao público quer aos elaboradores da política cientí fica Em matéria de ciência qual o interesse maior do públi co Quais os aspectos da ciência que mais lhe tocam Sobre o que ele quer ser informado Evidentemente a resposta a essas questões depende bastante do nível cultural do público espectador Tudo parece indicar no entanto que o grande público está mais interessado em três categorias de assuntos científicos Em outras palavras ele se mostra mais sensível às informações concernentes a aos problemas dizendo respeito às origens do mundo e do homem origem da vida evolução do mundo etc b aos problemas que se referem ao meio ambiente natural e cultural saúde relações humanas efeitos da tecnologia etc c aos problemas ligados aos fins últimos do ser humano morte fim do mundo etc Como observa P Thuillier esses três assuntos preferidos pelo público em geral apresentam notável coincidência com a clássica repartição definindo os campos de investigação teo lógica cosmologia antfopologia e escatoJogia Donde poder mos concluir que não há identidade entre informação cíentifi ca e informação sobre a ciência A primeira tem um alcance muito maior e desperta mais interesse do que a segunda Essa situação é resumida por Thuillier assim como deve ser po lítica e socialmente consciente o vulgarizador deve reconhecer em si o teólogo que dormita Caso contrário ele se exporia a dar uzão ao expert que formulou assim sua hipótese de trabalho a ciência tornase mito através da vulgarizaço Portanto do ponto de vista epistemológico o problema da vulgarizaÇão só pode ser entendido quando situado rio ver dadeiro contexto da repartição ou nãorepartição dos conheci rnentos científicos Evidentemente esse problema não pode ser tratado de um ponto de visfa exclusívamente cüfturàf Âde rriais as diferentes especialidades dentfficas exigidas pelo mé todo e pelo progresso das ciências já são de natureza a in troduzirem na própria cultura uma ruptura E é justamen te a existência dessa quebra cultural que leva as competên cias a fazerem apelo a certos empreendimentos reconciliadores que podemos chamar de vulgarizaçlo Em certo sentido es ta apresenta a vantagem de permitir às camadas mais cultas 175 da população salvar ou reconstituir a unidade cultural que a fragmentação das disciplinas havia dissociado No en tanto é duvidoso que tais empreendimentos reunificadores possam atingir de modo eficaz as camadas incultas Será que a vulgarização consegue realmente transmitirlhes o saber E sobre o que ela realmente informa A resposta a essas questões parece estar na dependência da qite se der ao problema do papel social e objetivo do vul garizador Duas posições se defrontam a há os que pensam que o papel do vulgarizador consiste em toriUJr a ciência pre sente aos meios de comunicação de massa ao mesmo título que outros o fazem para a economia a política ou o esporte Contudo ninguém acredita que a transmissão de uma partida de futebol pela TV tenha por finalidade ensinar esse esporte aos telespectadores Da mesma forma a informação científica não teria nenhum opjetivo pedagógico de ensinar ao público o que é e o que faz a ciênci a b há os que acreditam que a i nfor mação científica não se vincula diretamente às dências não traduzindo realmente aquilo que elas são ou fazem Ela constituiria um gênero literário particular cujo espaço seria ocupado pelas ciências e pela curiosidade daqueles que a sus citam Contudo relativamente a esse espaço as ciências cons tituiriam apenas o décor da cena representda pelo vulgariza dor Este sim seria o homem encarregado de organizar o espetáculo das ciências Na perspectiva desse segundo modo de ver Q papel do vulgarizador estaríamos diante de uma teatralização das ciên éiãs o papel da vulgarização se reduziria a mostrar suas mà dalidades culturais acessíveis ao mundo nãocientífico quer diur revelar os saberes vistos mas noo sabidos Tratase de uma atitude meramente inforriiacional ou espetacular Nes se sentido os vulgarizadores desempenhariam o papel de pe dagogos levariam o público a compreender e a aceitar não o verdadeiro saber científico mas seus resultados tangíveis suas funções contemporâneas sobretudo em seus aspectos de utilidade social O risco de semelhante atitude consiste em di fundir apenas os aspectos fantásticos ou sensacionais das ciências Ou então em só se informar sobre aquilo que mais imediatamente possa interessar ao púlico ou ser da convenien 176 cia de certa política científica Fazendo isso os vulgarizado res tornamse presos aOs3fpectos sensacionalistas das ciências ou se convertem em propagandistas de uma ideologia cientí fica Em ambos os casos tratase de um papel mistificador Volta aqui a questão a que já fizemos alusão como po de o grande público interessarse por informações científicas se não é portador de um mínimo de formação em matéria de ciências Colocada de outra forma a questão parece pertinen te será que o saber cientifico pode verdadeiramente ser trans mitido a quem não foi iniciado pelo menos na prática de uma iência Sabemos que a ciência surgiu em oposição ao dogma tismo filosófico e ao das crenças religiosas que seu método leva o cientista a não apegarse obstinadamente ao saber nem tampouco aos meios consagrados para adquirir o conhecimen to mas a adotar uma atitude eminentemente investigadora em contato sempre rnovalo com os fatos jamais chegando a re sultados definitivos Ela se constitui negando os saberes pré científicos ou ideológicos Mas permanece aberta como siste ma porque é falível e por conseguinte capaz de progredir A dência é um discurso aproximativo provisório e incessan temente susceptível de retificações e de questionamentos por que seu próprio método se apresenta sempre como perfectivel No entanto o grande público recebe suas informações como se a ciência pudesse gozar do privilégio de exercer um magis tério apodítico e incontrovertíyef como se suas verdâdes ti vessem o dom de poder silenciar todas as ignorâncias e traçar as fronteiras entre o normal e o patológico entre o real e o falacioso Muito embora os cientistas se oponham a todo dog ma nenhum deles pode estar seguro de ter evitado toda e qualquer atitude dogmática O problema que se coloca é o seguinte como podem as informações ser recebidas dogmaticamente se o próprio dis curso científico tem um caráter provisório e aproximativo uma vez que está fundado sobre um método cujo objetivo é verifi cálo quer dizer tornálo verdadeiro Ora o método científi có ao mesmo tempo verificanre e relativizante s6 é conhe éido e pràticado por aqueles que fazem a ciência Enquanto prática não Pti1ence à ordem do discurso não podendo ser transmitido por simples informação teórica E a vulgarização 177 é uma informação que se situa no nível discursivo Se o dis curso científico é proposto ou difundido dissociado de sua prá tica concreta só pode fazêlo ocultando parte de sua verdade Quando vulgarizada a informaçiío sobre as ciências vêse ne cessariamente reduzida a uma informação cientía Os lei gos ao aceitarem o discurso científico como sendo portador de verdades acolhemno depositando sua confiança naque les que realmente sabem b nesse sentido que lhes outorgam um magistério cultural para ensinarlhes aquilo que não sabem Donde a informação científica imporse como objeto de cren ça A verdade do discurso científico quando dissociada da prática que o verifica é recebida de modo inteiramente dis tinto da maneira que o caracteriza enquanto tal E por isso que a informação não tem condições de impedir que o público receba as verdades científicas sob a forma de crença de ade são a argumentçs de autoridade pois não dispõe de meios para controlálas ifftn tampouco refutálas E quando a con fiança do públicó no prestígio e no poder da ciência chega a confundirse com a fé em verdades reveladas a vulgarização corre o risco de converterse em terrorismo cultural Ãssim encontramons diante de um paradqxo d 11 lado há uma verdade cultural transmitida pela vulgariza ção do outro ua verdade propriamente citífica 1ntráns mtssíef enquanto tal Semelhante paradoxo parece condenar a Vtltgatíiação a uma ambigüidade a intenção de tralsmitir o saber é legítima pois corresponde a exigências culturais e sociais embora seja preciso interrogar sobre a operação que realmente ela leva a efeito Há um adágio escolástico que iliz tudo o que é recebido é recebido segundo o modo daquele que o recebe Qual sua significação atual No dizer de Philipe Roqueplo o adágio pode ser traduzido a ciência recebida por nãocientistas é recebida nãocientificamente Nessas con dições a pergunta que se coloca a seguinte não seria uma mistificação cultural a pretensão de vulgarizar o saber científi co a um público carente de formação cienúfica Não se redu ziria a vulgarização a um simples efeito de vitrine Segundo o mesmo autor ela mostra o saber científico ao mesmo tempo prórirno e inacessível ela o mostra como próximo pela ne cessidade em que se encontra de vincular seu discurso tanto 178 quanto possíel à experiéncia cotidiana do público mostrao como inacessível na medida em que legitima esse mesmo dis curso referindoo à autoridade dos sábios e na medida em que funda essa autoridde invocando sua própria prática si tuada em laboratórios onde ninguém jamais tem verdadeiro acesso constituem de certa forma os lugares misteriosos on de a verdade vem ao mundo para em seguida espalhar sua eficácia ténica sobre a vida cotidiana do conjunto da socieda de O mundo da ciência se encontra então simultaneâmente mostrado e relegado numa espécie de santüario em que se rea liza o mistério gerador da transformação do mundo EJquanto vitrine da ciência a vulgarização cõnhiui certamente para erigir culturalmente a ciência em mito Aliás a publicidade se encarrega de explorar esse mito 179 APÊNDICE O projeto científico contemporâneo vem colocando ulti mamente àqueles que tentam compreendêlo e analisálo mais criticamente uma série de problemas inquietantes Problemas suscitados pela pesquisa no domínio humano e pelo progresso tecnológico propriamente dito O extraordinário desenvolvimen to do saber científico e da técnica nos últimos decênios pode interpelaros de três maneiras como se segue a Na ordem da descoberta na medida em que a solu ção de determinado problema sempre faz surgir um outro A luz projetada sobre um setor de conhecimento e aprofundan do por contraste a região obscura que o cerne faz apelo a uma nova e mais depurada pesquisa O aprimoramento da metodologia o aperfeiçoamento do poder de investigação exi gem pesquisas ulteriores eOgindo respostas sempre mais fun damentais b Para além dessa ordem da invenção e do conhecer situase a ordem da praxis Nesse domínio as questões que se colocam advêm do fato de a tecnologia converterse num po der capaz de modificar de modo radical por vezes prometeico o curso das coisas e a natureza do próprio homem As aqui sições da ciência colocaram nas mãos do homem poderes de ação e de intervenção insuspeitados As possibilidades imen sas abertas pela tecnologia ao mesmo tempo sedutoras e amea çadoras leva o homem atual a se perguntar por sua significa 181 ção e a tentar élaborar respostas lúcidas e responsáveis aos problemas por ela criados c Para além no enranto das ordens do conhecimento e da praxis com suas interrogações precisas e específicas oriun das da pesquisa e de sua aplicação vem impondose recente mente um questionamento mais fundamental dizendo respeito ao próprio projeto científico em si a seu valor a seu sentido c a sua justificaçãq Assim qual é o tipo de civilização que ele propõe garante ou condiciona Quais os valores que ele pro move e o tipo de homem que constrói A essas diversas categorias de questões colocadas pela ciência contemporânea sobre o tríplice registro do conhecer do agir e da axwlogia poderíamos acrescentar certas questões colocadas à ciênçia pelo homem atual concernentes a suas grandes preocupações e a seus objetivos fundamentais Limi tarnosemos neSte apêndice a apresentar um rápido esboço do questionamento mais ou menos radical que vem sendo feito nos últimos anos ao proieto científico tomado em si mesmo Não se trata de um questionamento exigido simplesmente pe lo desenvolvimento científico e tecnológico Também não se trata da busca de uma compatibilidade interna visando a uma integração multidisciplinar entre os setores distintos da pesqui sa Por outro lado não se trata de uma nterrogação éta concreta sobre os processos de urilização e de aplicação dos conhecimentos científicos O questionamento de qualamos vai mais longe Diz respeito a uma suspeita difusa e pouco etplicitada por parte de certos homens inclusive cientistas mais esclarecidose responsáveis em relação ao projeto cien tífico O otimismo a boa consciência e a fé ou autosuficiên cia da década de 1960 cedem lugar a um clima de suspeita Tanto no interior quanto no exterior do mundo da pesquisa científica cristalizamse focos de contestação formando uma espécie de movimento anticiência sem qualquer caráter de esnÓbismo ou de infantilismo das reações epidérmicas ou afe tivas Apesar de novo irreverente e incômodo o fenômeno é real de contestar a ciência enquanto projeto científico Evidentemente entre os cientistas e esses grupos de rea ção anticiêncía há certa diferença Os cientistas em geral não 182 contestam a ciência enquanto atividade intelectual mas apenas as condições reais de seu exercício Os segundos porém opõemse à ciência enquanto tal sobretudo à sua instituciona Iização c a seu caráter de isolacionismo Questionamentos são feitos ao valor político e social da ciência e da pesquisa bem como à significação soda de seus resultados ou produtos in telectuais Colocase em dúvida a justificação de certos progra mas cienúficos e à legendária pureza ou neutralidade dos pesquisadores Essa neutralidade é simplesmente tachada de ingenuidade ou de hipocrisia A esse respeito têm surgido re centemente inúmeras obras preocupadas com os desafios da ciência ou com os problemas da responsabilidade social dos cientistas Entre os autores destacamse J R Ravetz P Thuillier J J Salomon B Barnes A Jaubert J D Berna E Schatzman J LévyLeblond W Fuller A questão é objeto de indagação de vários periódicos Algumas revistas foramcriadas para esse fim Science for the People EUA c Science for People Inglaterra Outras de caráter mais técnico também tratam do assunto Nature Science eLa Rechche Vários simpósios já foram realizados para discutir esse tema em Estocolmo 1969 organizado pelo Instituto Nobel em Londres e Bruxelas 1971 orga nizados respectivamente pela Fundação CIBA e pelo Weiz mann Iogitue of Science em SaintPaudeVence França organizado pela O C D E em 1972 relizouse um con gresso sobre A Ciência e a Sociedade onde os maiores cien tistas europeus discutiram e tentaram diagnosticar esse novo mal do século que atinge a humanidade em favor do desen volvimento científico e tecnológico Vários grupos de cientistas se organizaram nos E U A na Inglaterra no Japão na Alemanha e na França Um dos primeiros foi o British Society for SXial Responsability in Science 1969 Ao ser criada essa sociedade justificava sua existência existe porque há muitos cientistas que crêem que a ciên cia poderia trabalhar para o bemestar e para o benefício da humanidade Os cientistas não podem mais escapar às responsabilidades morais de seu trabalho A educação cientí 183 fica deveria chamãr a atenção para as consequenctas soc1a1s da ciência em seus contextos histórico e contemporâneo Com muita freqüência o público é levado a crer que certos tipos de progresso são inevitáveis a comunidade deve ser ca paz de tomar decisões para obter da ciência e da tecnologia os melhores efeitos sociais sem ser enganada ou ignorada pe IÓ governo pelos experts e pelos grupos de pressão E os cien tistas devem mobilizarse para difundirem os dados a partir dos quais possa ser estabelecido um julgamento sólido A BSSRS existe para fazer dessas declarações não piedosas as pirações mas bases para a ação Depois dessa apresentação de si mesma a BSSRS se pro punha corno objetivos 1 estimular entre os cientistas uma tomada de consciên cia da significação social da ciência e de suas res ponsabilidades ao mesmo tempo individuais e coleti vas 2 chamar a atenção sobre todas as pressões políticas sociais e econômicas que afetam o desenvolvimento da ciência 3 chamar a atenção do público sobre as implicações e as conseqüências do desenvolvimento científico e criar assim um público informado podendo exercer escolhas nesses domínios 4 promover um intercâmbio internacional sobre esses temas com grupos idênticos em outros países Diversas associações de dentistas foram criadas com o objetivo de promover uma reflexão e de educar a sociedade no que diz respeito aos novos e graves problemas criados pela era nuclear As mais importantes são nos EUA a Fe deration of Atomic Scientists na Inglaterra a Atomic Scien tists Association Depois do famoso manifesto de B Russel e de A Einstein e da reunião da Association Mondiále des Par lamentaires pour un Gouvemement Mondial Londres 1955 surgiu o Movimento de Pugwash que já realizou mais de vinte conferências internacionais Transcendendo os nacionalismos os particularismos filosóficos culturais e religiosos os cien tista que compõem o Movimento de Pugwashesforçamse por 184 precisar as implicações sociais do progresso científico e da evo lução tecnológica do mundo contemporâneo Os temas trata dos são variados energia nuclear radiações atômicas segu rança desarmamento cooperação internacional no campo científico ciência a serviço dos países menós desenvolvidos problemas ecológicos O objetivo explícito do movimento é exercer uma influência sobre os diversos governos e alertar a consciência dos cientistas sobre o conteúdo potencial político e social de suas pesquisas sobre as conseqüêndas de suas aplicações tendo em vista dar uma contribuição para a me lhoria do destino humano Pugwash é um movimento discre to porém sério e eficaz Até o momento conseguiu evitar todo tipo de politização ou de feudalização ideológica Agru pando apenas cientistas de renome internacional o movimento recebe o apoio das mais renomadas associações científicas da U S National Academy of Sciences da Academia das Ciên cias da URSS e da Royal Society of Science da Inglaterra P oriãnto a contestação à ciência em nossos dias não é feita mais apenas por sociólogos por filósofos ou certos jorna listas Ela se inscreve no cerne mesmo da consciência de nu merosos cientistas Há uns quarenta anos atrás um cientista podia escrever Meu avô anunciava o Evangelho de Cristo meu pai o do socialismo quanto a mim prego o evangelho da ciência Hoje em dia essa pregação não só é anacrônica mas ãberrante Porque os próprios cientistas já se iarerrogam sobre o valor da ciência sobre sua significação sobre seus pressupostos sobre 5UilS motivações sobre sua aptidão eni contribuir para a felicidade do homem e sobre o alcance social de seus resultados O impacto do trabalho científico sobre a sociedade constitui objeto de estudos cada vez mais críticos A contestação não é mais um fenômeno esporádico oriundo de causas locais ou fortuitas como se poderia pensar mas o resultado de exigências de maior lucidez e responsabilidade tentando conjugar ciência moral e política 185 BIBLIOGRAFIA SUMÁRIA BARNES B SocitJlogy of Science Penguin Books Londres 1972 BARBER B e HIRSCH W Tlle Sociqlagy of Science Free Prcss Nlva York 1962 BERNAL J D The Social Fu11ction o f Science MIT Press 1967 BERNAL J D e outros Ciencias y prevision científica Ediciones Roca México 1973 BUNGE M Ciencia y Etica Siglo Veinte Buenos Aires 1972 DAHRENDORF R Sociedad y Libertad Tecoos Madrid 1966 FOUREZ G lA Science partisane Gembloux Paris 1974 FULLER W The Social Impact of modem Biology Routledge Kegan Londres 1971 HABERMAS J La technique et la science comme idéologie Gallímard Paris 1968 JAUBERT A e LEVYLEBLOND Allocritique de la science Seuil Paris 1973 MYRDAL G Value in Social Tlteory Londres 1958 PARSONS Tr e outros Presencia de Max Weber Nueva Vision Buenos Aires 1971 RAVETZ J R Scientiic Know dge and its Social Problems Pcn guin Books Londres 1973 ROSE S e H Science and Society Pcnguin Books Londres 1970 SALOMON J J Science et Politique Seuil Paris 1970 SCHATZMAN P Science et Société Laffont Paris 1972 SOLLA PRICE D de Science et Suprascience Fayard Paris 1972 SOlLA PRICE D de The Science of Science Souvenir Press Londres 1964 THUILLIER Pr Jeux et enjeux de la science Laffont Paris 1972 VARIOS organízao de I D de DEUS A crítica da ciincia Zahar Rio de Janeiro 1974 VARIOS número especial da revista ÊcDnomle et Humanisme julho agosto de 1973 sobre A ciênci como poder WEBER M Essai Sltr la théDrie de la science Plon Paris 1965 187