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Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico Carla Gentile Matas Fernanda Cristina Leite Magliaro 1 Introdução No campo da audiologia clínica a associação de métodos objetivos e subjetivos que avaliam a audição vem ganhando espaço e tornandose cada vez mais frequente Esta associação de métodos contribui para complementar e tornar mais preciso o diagnóstico dos distúrbios auditivos 2 Um dos métodos objetivos utilizados é a pesquisa dos potenciais evocados auditivos PEAs do inglês auditory evoked potentials AEPs os quais avaliam a atividade neuroelétrica na via auditiva desde o nervo auditivo até o córtex cerebral em resposta a um estímulo acústico 3 Os primeiros registros dos potenciais elétricos em resposta a estímulos acústicos em humanos eram modificações nos traçados eletroencefalográficos decorrentes de estímulos luminosos e sonoros 4 A captação dos PEAs pode ser realizada utilizandose eletrodos fixados na superfície do couro cabeludo frente lóbulos das orelhas ou mastóides As respostas neuroelétricas captadas passam por um processo de filtragem e amplificação e posteriormente são separadas dos artefatos e somadas permitindo assim sua observação em forma de ondas no computador 5 Os PEAs podem ser classificados de acordo com a latência tempo necessário para o estímulo auditivo gerar a atividade neuroelétrica a origem anatômica sítio gerador da atividade neuroelétrica a relação entre estímulo e resposta transitóriacontínua x endógenaexógena e o posicionamento dos eletrodos campo próximo ou distante 6 A classificação mais utilizada é a latência na qual os PEAs são denominados de precoces médios ou tardios 7 Os potenciais evocados têm sido muito utilizados em neurociência como uma ferramenta útil para diagnósticos funcionais sendo que os aumentos na latência ou a diminuição nas amplitudes das respostas são evidências objetivas de problemas clínicos e subclínicos 8 Para Kraus et al as principais aplicações clínicas dos PEAs são determinação do limiar de detecção do sinal acústico e inferência sobre a integridade funcional e estrutural dos componentes neurais da via auditiva 9 Definição de PEATE O potencial evocado auditivo do tronco encefálico PEATE também denominado audiometria de tronco encefálico ABR auditory brainstem response ou ainda brainstem evoked response audiometry BERA é o PEA de curta latência mais conhecido e utilizado clinicamente devido à sua reprodutibilidade e geradores bem definidos 10 O PEATE é obtido entre zero e 10 milissegundos ms após a estimulação acústica sendo captado desde os primeiros neurônios do sistema auditivo até o tronco encefálico 11 Este potencial é composto por sete ondas com picos positivos cujos sítios geradores são identificados com bastante precisão Embora possa haver pequenas divergências entre autores com relação às estruturas específicas geradores dos componentes do PEATE a classificação proposta por Möller et al tem sido bastante aceita sendo que os sítios geradores são ondas I e II nervo auditivo porção distal e proximal ao tronco encefálico respectivamente onda III núcleo cochlear onda IV complexo olivar superior onda V lemnisco lateral onda VI colículo inferior onda VII corpo geniculado medial 12 A análise mais comumente realizada para o PEATE utiliza os valores de latência das ondas I III e V e de seus interpostos IIII IIIV e IV visto que estas três ondas apresentam maior amplitude e estabilidade como pode ser visualizado na Figura 161 Para Musiek et al 1999 a latência absoluta da onda V a diferença interaural da latência da onda V e os interpostos III IV e IIIV são bons parâmetros para fins diagnósticos 13 A comparação das latências da onda V entre as orelhas diferença interaural é um parâmetro que deve ser analisado tendo em vista a identificação das patologias retrocochleares unilaterais Contudo esta medida não é necessariamente a mais sensível para este fim bem como apresenta variabilidade entre as diversas patologias 14 As medidas dos interpostos parecem ser mais eficientes para auxiliar na diferenciação de patologias cocleares e retrocochleares das patologias periféricas 15 A seguir encontramse descritos os valores de normalidade referentes às latências absolutas das ondas I III V e interpostos IIII IIIV e IV do PEATE 16 Quadro 161 Padrão de normalidade dos valores de latência e interpostos em milissegundos ms do PEATE para indivíduos acima de 24 meses proposto pelo manual do equipamento Sistema Portátil Traveler Express Marca Biologic 17 Onda I Onda III Onda V Interpico IIII Interpico IIIV Interpico IV Média ms 154 369 554 214 186 400 18 Desvio padrão ms 011 010 019 023 014 020 19 Com relação à maturação dos componentes do PEATE a literatura relata que é possível visualizar as ondas I III e V no período entre 30ª e 32ª semanas de idade gestacional A latência da onda I apresenta valores próximos aos do adulto por volta dos três meses de idade enquanto as ondas III e V continuam a decrescer durante o primeiro ano de vida sendo que em crianças nascidas a termo a latência da onda V atinge valores próximos aos do adulto entre 18 meses e dois anos de idade 20 Consequentemente durante este período visualizase uma diminuição gradativa nos interpicos IIII IIIV e IV 21 Em crianças nascidas prétermo a maturação do sistema nervoso auditivo central SNAC não segue o mesmo padrão maturacional de crianças nascidas a termo sendo que esta característica provavelmente devese a uma imaturidade do sistema nervoso central SNC 22 Desta forma para a análise da latência das ondas do PEATE deve ser considerada a idade corrigida para bebês prematuros Além deste cuidado é indicado o retorno do paciente para um reteste quando os valores de latência estiverem alterados verificandose assim se o atraso obtido seria em decorrência de um déficit na maturação do SNAC 23 Portanto ao interpretar traçados do PEATE de neonatos e lactentes devese levar em consideração o efeito da maturação da via auditiva sobre as latências amplitudes e formas das ondas 24 Seguem quadros de referências dos padrões de normalidade para as latências das ondas I III e V e interpicos IIII IIIV e IV de acordo com a faixa etária 25 Quadro 162 Ondas I III e V do PEATE com estímulo clique a 80 dBnNA em bebês de 1 3 e 9 meses por via aérea 26 Quadro 163 Padrão de normalidade dos valores de latência e interpostos em milissegundos ms das ondas do PEATE a 80 dBnNA para cliques 27 Idade Semanas Onda I Onda III Onda V Interpico IIII Interpico IIIV Interpico IV 33 a 34 1779 4642 7054 2863 2411 5274 28 Figura 161 Ondas I III e V do PEATE com estímulo clique a 80 dBnNA em adulto audiologicamente normal por via aérea 29 Figura 162 Ondas I III e V do PEATE com estímulo clique a 80 dBnNA em bebês de 1 3 e 9 meses 30 Quadro 161 Padrão de normalidade dos valores de latência e interpostos em milissegundos ms do PEATE para indivíduos acima de 24 meses proposto pelo manual do equipamento Sistema Portátil Traveler Express Marca Biologic 35 às 36 1781 4629 7019 2848 2390 5240 Figura 166 Posicionamento dos eletrodos em um préamplificador de dois canais 37 a 38 1741 4544 6939 2803 2345 5171 Quadro 165 Parâmetros utilizados para obtenção do PEATE em adultos crianças e neonatos com o estímulo clique 39 a 40 1718 4422 6816 2704 2379 5090 Quadro 166 Parâmetros utilizados para obtenção do PEATE em adultos crianças e neonatos por frequência específica 41 a 42 1691 4435 6687 2744 2242 4996 43 a 44 1652 4302 6532 2650 2210 4882 PEATE 80 dB nNA Recémnascido 3 meses Por meio da análise da latência das ondas do PEATE a 80 dBnNa é possível inferir sobre o tipo de perda auditiva Nas perdas auditivas condutivas a pesquisa do PEATE em alta intensidade geralmente demonstra um atraso nas latências absolutas das interpic I III e V com normalidade dos interpic IIII IIIV e IV Logo enquanto o estímulo acústico chega atenuado na cóclea estimulando as células ciliadas externas sistema funcional de baixa intensidade e por sua vez estas levam um tempo para sensibilizar as células ciliadas internas o que gera um prolongamento das latências das ondas do PEATE Ressaltase que quanto maior o grau da perda auditiva condutiva maior será o atraso nas latências das ondas no PEATE Nas perdas auditivas neurossensoriais cocleares de grau leve e moderado as latências das ondas I III e V e os interpicos IIII IIIV e IV encontramse normais em alta intensidade havendo uma rápida diminuição das amplitudes das ondas I III e V frente ao decréscimo de intensidade do estímulo acústico Esta característica ocorre pois o estímulo acústico de alta intensidade chega à cóclea estimulando diretamente as células ciliadas internas sistema funcional de alta intensidade e desta forma ocasionando a estimulação direta das fibras neuronais aferentes Nas perdas auditivas neurossensoriais cocleares de grau moderadamente severo a profundo visualizase uma diversidade nos traçados do PEATE desde a ausência da onda I e prolongamento nas latências das ondas III e V em perdas auditivas severas até a ausência total das ondas em perdas auditivas profundas Tais achados são decorrentes da existência de lesão tanto de células ciliadas externas como de células ciliadas internas ocasionando pouca excitação dos neurônios e consequentemente alterações no PEATE No entanto assim como na audiometria tonal só é possível definir o tipo de perda auditiva quando o limiar eletrofisiológico for obtido por via aérea VA ou por via óssea VO permitindo a comparação entre seus resultados e auxiliando no diagnóstico diferencial da perda auditiva condutiva e neurossensorial Em perdas condutivas o limiar eletrofisiológico por VA será mais elevado do que o obtido por VO evidenciando assim a presença de um gap VAVO no entanto em perdas neurossensoriais os limiares de VA e VO serão equivalentes Estímulo Onda Média Desvio padrão Média Desvio padrão Por meio da análise do limiar eletrofisiológico obtido no PEATE é possível predizer o grau da perda auditiva sendo que a faixa de frequência na qual se estabelece o grau da mesma está relacionada com o tipo de estímulo acústico utilizado para elicitar as respostas Para o estímulo acústico do tipo clique que apresenta um espectro amplo de frequências investigase a audição na faixa de frequências médiasaltas em cócleas sadias Por sua vez com o estímulo acústico tone burst podese investigar a audição nas baixas médias e altas frequências visto que este estímulo fornece informações específicas por frequência Devese ressaltar que o limiar eletrofisiológico pode encontrarse mais elevado que o limiar audiológico sendo necessário usar um fator de correção para cada tipo de estímulo acústico bem como para cada forma de avaliação via aérea ou via óssea A utilização do fator de correção medido em dB irá possibilitar o cálculo do nível de audibilidade estimado estimated hearing level EHL que será uma medida em dBEHL decibel estimated hearing level O Quadro 164 sintetiza essas informações de acordo com o estabelecido pelo BC early hearing program BCEHP Clique I 180 015 173 009 Figura 165 Ondas I III e V do PEATE a 80 dBnNA com estímulos clique e tone burst em adulto audiologicamente normal por via aérea A intensidade do estímulo acústico tem uma relação direta com o número de fibras neuronais ativadas ou seja quanto maior a intensidade maior o número de fibras estimuladas Sendo assim devese levar em consideração que um número maior de neurônios responsivos gera mais atividade neuroelétrica e portanto maior amplitude das ondas Devemos ressaltar que a relação intensidade e latência das ondas do PEATE é inversamente proporcional ou seja quanto maior a intensidade menor a latência das ondas Isto ocorre devido ao fato de as intensidades mais fortes estimularem as células ciliadas internas sistema de alta intensidade e portanto proporcionam a estimulação direta das fibras neuronais aferentes ativando mais rapidamente as estruturas do nervo auditivo e tronco encefálico o que geraria uma diminuição no tempo de aparecimento latência das ondas Em intensidades menores as células ciliadas externas sistema de baixa intensidade serão responsáveis por viabilizar que o estímulo sonoro estimule as células ciliadas internasdeflagrando assim a transdução do estímulo para as fibras neuronais aferentes Assim a latência das ondas tornase mais prolongada em intensidades menores pois o sistema baixa intensidade necessita de tempo para interagir com o sistema de alta intensidade III 461 026 434 015 V 688 018 652 021 IIII 280 024 260 017 IIV 232 026 219 018 Castro JR NP Figueiredo MS Audiometria eletrofisiológica In Lopes Filho O Tratado de Fonoaudiologia 1 ed São Paulo Roca 1997 p 201219 Gorga MP Reiland JK Beauchaine KA Auditory brainstem response in a case of highfrequency conductive hearing loss J Speech Hear Disord 1985 5034650 British Columbia Early Hearing Program BCEHP Audiology Assessment Protocol 2012 Version 41 Disponível em httpwwwphsacaNRrdonlyresAFBFBDBCCCB846258CEF1DC77D8300672330BCEHPAudiologyAssessmentProtocolpdf Acesso em 15 Nov 2014 Toma MMT Matas CG Audiometria de tronco encefálico ABR O uso do mascaramento na avaliação de indivíduos portadores de perda auditiva unilateral Rev Bras Otorrinolaringo 2003 69335662 Hall III JW Introduction to auditory evoked response measurement In Hall III JW New handbook of auditory evoked responses Boston Pearson Allyn Bacon 2007 p 58108 Jasper HA The tentwenty system of the International Federation Electroencephalogr Clin Neurophysiol 1958 10 37175 IIIV 510 045 479 025 Tone burst 05 kHz V 855 081 832 071 Tone burst 1 kHz V 850 083 828 062 Por via aérea de acordo com a faixa etária meses Davis 17 foi um dos primeiros a relatar a importância do PEATE como instrumento de avaliação da audição em recémnascidos crianças pequenas indivíduos hiperativos indivíduos com distúrbios emocionais pacientes com alterações neurológicas e indivíduos difíceis de serem avaliados pelos métodos comportamentais Outras aplicações clínicas do PEATE referemse ao monitoramento intraoperatório avaliação do grau de coma e morte encefálica sendo que atualmente o PEATE também é utilizado para monitorar o processo terapêutico Aplicações do PEATE Dentre as formas de utilização clínica do PEATE destacamse duas delas a pesquisa do limiar eletrofisiológico da audição e a pesquisa da integridade da via auditiva Para avaliar a integridade da via auditiva em tronco encefálico o estímulo utilizado frequentemente é o clique em intensidade alta e não variável geralmente em torno de 80 dBnNa decibel nível de audição normal a qual permite a visualização das ondas I III e V e o estudo das suas latências absolutas e interpostos Desta forma é possível verificar a condução do estímulo auditivo desde o nervo coclear até a região do tronco encefálico com intuito de identificar possíveis lesões ou disfunções no sistema nervoso auditivo central No caso de perdas auditivas cocleares é importante ressaltar que para limiares maiores que 50 dB NA nas frequências altas devese considerar um aumento de 01 a 02 ms a cada 10 dB decibéis de perda auditiva no tempo de latência da onda V Diversas são as aplicações clínicas da pesquisa da integridade da via auditiva por meio do PEATE entre elas Detecção de tumores do nervo acústico Detecção de lesões do tronco encefálico Monitorização cirúrgica Avaliação do grau do coma e auxílio no diagnóstico de morte encefálica Identificação de neuropatia auditiva Avaliação da maturação do sistema auditivo central em neonatos Diagnóstico do tipo de perda auditiva Sabese que por meio da aplicação da pesquisa da integridade da via auditiva e análise do tempo de latência das ondas que compõem o PEATE o que está sendo investigado não é a etiologia propriamente dita e sim o impacto funcional que esta lesão está causando no sistema nervoso auditivo central Desta forma tornase importante enfatizar que não existe uma correspondência precisa entre etiologia e anormalidades no PEATE ou seja várias patologias podem causar padrões semelhantes no PEATE desde que afetam a mesma função e nível do sistema Pesquisa do limiar eletrofisiológico A pesquisa do limiar eletrofisiológico permite identificar o grau da perda auditiva no entanto deve ser considerado o tipo de estímulo acústico utilizado pois cada estímulo abrange uma faixa de frequência específica Com a utilização do estímulo clique o grau de perda referese em geral à região das frequências médiasaltas Com o uso do estímulo tone burst o grau será de acordo com as bandas de frequências testadas 500 1000 2000 ou 4000 Hz As Figuras 163 e 164 demonstram exemplos de obtenção do limiar eletrofisiológico para cliques por via aérea com resultado normal e o alterado respectivamente Figura 163 Ondas I III e V do PEATE com estímulo clique em bebê de 5 semanas pesquisa do limiar eletrofisiológico por via aérea dentro da normalidade Latências absolutas e interpostos para cliques em bebê de 5 semanas pesquisa do limiar eletrofisiológico por via aérea Figura 164 Ondas I III e V do PEATE com estímulo clique em bebê de 9 meses pesquisa do limiar eletrofisiológico por via aérea com limiar alterado Para a obtenção do limiar eletrofisiológico da audição a testagem pode ser iniciada em alta intensidade decrescendo geralmente de 20 em 20 dBnNa até o momento em que não seja possível visualizar a onda V Em seguida a intensidade é aumentada em 10 dBnNa até se obter a menor intensidade na qual a onda V seja visualizada obtendose desta forma o limiar eletrofisiológico da audição O procedimento descrito é um método bastante utilizado pois auxilia na identificação da onda V no entanto é possível obter o limiar eletrofisiológico por meio do método ascendente no qual se inicia a coleta pela intensidade mais baixa em geral 10 ou 20 dBnNa marcandose a onda V após sua identificação e replicação ou aumentandose a intensidade a cada 10 dBnNa a fim de visualizar a presença da onda V Este método de coleta pode ser utilizado em bebês pois inicia a testagem em baixa intensidade favorece para que estes não despertem do sono natural Entre as aplicações clínicas da pesquisa do limiar eletrofisiológico por meio do PEATE estão Identificação de limiar eletrofisiológico em neonatos Identificação de limiar eletrofisiológico em crianças difíceis de serem avaliadas por meio dos procedimentos audiológicos de rotina dentre elas crianças muito pequenas com transtornos psiquiátricos com problemas neurológicos Mensuração objetiva da audição em adultos para fins diagnósticos e legais simulaçãodissimulação
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Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico Carla Gentile Matas Fernanda Cristina Leite Magliaro 1 Introdução No campo da audiologia clínica a associação de métodos objetivos e subjetivos que avaliam a audição vem ganhando espaço e tornandose cada vez mais frequente Esta associação de métodos contribui para complementar e tornar mais preciso o diagnóstico dos distúrbios auditivos 2 Um dos métodos objetivos utilizados é a pesquisa dos potenciais evocados auditivos PEAs do inglês auditory evoked potentials AEPs os quais avaliam a atividade neuroelétrica na via auditiva desde o nervo auditivo até o córtex cerebral em resposta a um estímulo acústico 3 Os primeiros registros dos potenciais elétricos em resposta a estímulos acústicos em humanos eram modificações nos traçados eletroencefalográficos decorrentes de estímulos luminosos e sonoros 4 A captação dos PEAs pode ser realizada utilizandose eletrodos fixados na superfície do couro cabeludo frente lóbulos das orelhas ou mastóides As respostas neuroelétricas captadas passam por um processo de filtragem e amplificação e posteriormente são separadas dos artefatos e somadas permitindo assim sua observação em forma de ondas no computador 5 Os PEAs podem ser classificados de acordo com a latência tempo necessário para o estímulo auditivo gerar a atividade neuroelétrica a origem anatômica sítio gerador da atividade neuroelétrica a relação entre estímulo e resposta transitóriacontínua x endógenaexógena e o posicionamento dos eletrodos campo próximo ou distante 6 A classificação mais utilizada é a latência na qual os PEAs são denominados de precoces médios ou tardios 7 Os potenciais evocados têm sido muito utilizados em neurociência como uma ferramenta útil para diagnósticos funcionais sendo que os aumentos na latência ou a diminuição nas amplitudes das respostas são evidências objetivas de problemas clínicos e subclínicos 8 Para Kraus et al as principais aplicações clínicas dos PEAs são determinação do limiar de detecção do sinal acústico e inferência sobre a integridade funcional e estrutural dos componentes neurais da via auditiva 9 Definição de PEATE O potencial evocado auditivo do tronco encefálico PEATE também denominado audiometria de tronco encefálico ABR auditory brainstem response ou ainda brainstem evoked response audiometry BERA é o PEA de curta latência mais conhecido e utilizado clinicamente devido à sua reprodutibilidade e geradores bem definidos 10 O PEATE é obtido entre zero e 10 milissegundos ms após a estimulação acústica sendo captado desde os primeiros neurônios do sistema auditivo até o tronco encefálico 11 Este potencial é composto por sete ondas com picos positivos cujos sítios geradores são identificados com bastante precisão Embora possa haver pequenas divergências entre autores com relação às estruturas específicas geradores dos componentes do PEATE a classificação proposta por Möller et al tem sido bastante aceita sendo que os sítios geradores são ondas I e II nervo auditivo porção distal e proximal ao tronco encefálico respectivamente onda III núcleo cochlear onda IV complexo olivar superior onda V lemnisco lateral onda VI colículo inferior onda VII corpo geniculado medial 12 A análise mais comumente realizada para o PEATE utiliza os valores de latência das ondas I III e V e de seus interpostos IIII IIIV e IV visto que estas três ondas apresentam maior amplitude e estabilidade como pode ser visualizado na Figura 161 Para Musiek et al 1999 a latência absoluta da onda V a diferença interaural da latência da onda V e os interpostos III IV e IIIV são bons parâmetros para fins diagnósticos 13 A comparação das latências da onda V entre as orelhas diferença interaural é um parâmetro que deve ser analisado tendo em vista a identificação das patologias retrocochleares unilaterais Contudo esta medida não é necessariamente a mais sensível para este fim bem como apresenta variabilidade entre as diversas patologias 14 As medidas dos interpostos parecem ser mais eficientes para auxiliar na diferenciação de patologias cocleares e retrocochleares das patologias periféricas 15 A seguir encontramse descritos os valores de normalidade referentes às latências absolutas das ondas I III V e interpostos IIII IIIV e IV do PEATE 16 Quadro 161 Padrão de normalidade dos valores de latência e interpostos em milissegundos ms do PEATE para indivíduos acima de 24 meses proposto pelo manual do equipamento Sistema Portátil Traveler Express Marca Biologic 17 Onda I Onda III Onda V Interpico IIII Interpico IIIV Interpico IV Média ms 154 369 554 214 186 400 18 Desvio padrão ms 011 010 019 023 014 020 19 Com relação à maturação dos componentes do PEATE a literatura relata que é possível visualizar as ondas I III e V no período entre 30ª e 32ª semanas de idade gestacional A latência da onda I apresenta valores próximos aos do adulto por volta dos três meses de idade enquanto as ondas III e V continuam a decrescer durante o primeiro ano de vida sendo que em crianças nascidas a termo a latência da onda V atinge valores próximos aos do adulto entre 18 meses e dois anos de idade 20 Consequentemente durante este período visualizase uma diminuição gradativa nos interpicos IIII IIIV e IV 21 Em crianças nascidas prétermo a maturação do sistema nervoso auditivo central SNAC não segue o mesmo padrão maturacional de crianças nascidas a termo sendo que esta característica provavelmente devese a uma imaturidade do sistema nervoso central SNC 22 Desta forma para a análise da latência das ondas do PEATE deve ser considerada a idade corrigida para bebês prematuros Além deste cuidado é indicado o retorno do paciente para um reteste quando os valores de latência estiverem alterados verificandose assim se o atraso obtido seria em decorrência de um déficit na maturação do SNAC 23 Portanto ao interpretar traçados do PEATE de neonatos e lactentes devese levar em consideração o efeito da maturação da via auditiva sobre as latências amplitudes e formas das ondas 24 Seguem quadros de referências dos padrões de normalidade para as latências das ondas I III e V e interpicos IIII IIIV e IV de acordo com a faixa etária 25 Quadro 162 Ondas I III e V do PEATE com estímulo clique a 80 dBnNA em bebês de 1 3 e 9 meses por via aérea 26 Quadro 163 Padrão de normalidade dos valores de latência e interpostos em milissegundos ms das ondas do PEATE a 80 dBnNA para cliques 27 Idade Semanas Onda I Onda III Onda V Interpico IIII Interpico IIIV Interpico IV 33 a 34 1779 4642 7054 2863 2411 5274 28 Figura 161 Ondas I III e V do PEATE com estímulo clique a 80 dBnNA em adulto audiologicamente normal por via aérea 29 Figura 162 Ondas I III e V do PEATE com estímulo clique a 80 dBnNA em bebês de 1 3 e 9 meses 30 Quadro 161 Padrão de normalidade dos valores de latência e interpostos em milissegundos ms do PEATE para indivíduos acima de 24 meses proposto pelo manual do equipamento Sistema Portátil Traveler Express Marca Biologic 35 às 36 1781 4629 7019 2848 2390 5240 Figura 166 Posicionamento dos eletrodos em um préamplificador de dois canais 37 a 38 1741 4544 6939 2803 2345 5171 Quadro 165 Parâmetros utilizados para obtenção do PEATE em adultos crianças e neonatos com o estímulo clique 39 a 40 1718 4422 6816 2704 2379 5090 Quadro 166 Parâmetros utilizados para obtenção do PEATE em adultos crianças e neonatos por frequência específica 41 a 42 1691 4435 6687 2744 2242 4996 43 a 44 1652 4302 6532 2650 2210 4882 PEATE 80 dB nNA Recémnascido 3 meses Por meio da análise da latência das ondas do PEATE a 80 dBnNa é possível inferir sobre o tipo de perda auditiva Nas perdas auditivas condutivas a pesquisa do PEATE em alta intensidade geralmente demonstra um atraso nas latências absolutas das interpic I III e V com normalidade dos interpic IIII IIIV e IV Logo enquanto o estímulo acústico chega atenuado na cóclea estimulando as células ciliadas externas sistema funcional de baixa intensidade e por sua vez estas levam um tempo para sensibilizar as células ciliadas internas o que gera um prolongamento das latências das ondas do PEATE Ressaltase que quanto maior o grau da perda auditiva condutiva maior será o atraso nas latências das ondas no PEATE Nas perdas auditivas neurossensoriais cocleares de grau leve e moderado as latências das ondas I III e V e os interpicos IIII IIIV e IV encontramse normais em alta intensidade havendo uma rápida diminuição das amplitudes das ondas I III e V frente ao decréscimo de intensidade do estímulo acústico Esta característica ocorre pois o estímulo acústico de alta intensidade chega à cóclea estimulando diretamente as células ciliadas internas sistema funcional de alta intensidade e desta forma ocasionando a estimulação direta das fibras neuronais aferentes Nas perdas auditivas neurossensoriais cocleares de grau moderadamente severo a profundo visualizase uma diversidade nos traçados do PEATE desde a ausência da onda I e prolongamento nas latências das ondas III e V em perdas auditivas severas até a ausência total das ondas em perdas auditivas profundas Tais achados são decorrentes da existência de lesão tanto de células ciliadas externas como de células ciliadas internas ocasionando pouca excitação dos neurônios e consequentemente alterações no PEATE No entanto assim como na audiometria tonal só é possível definir o tipo de perda auditiva quando o limiar eletrofisiológico for obtido por via aérea VA ou por via óssea VO permitindo a comparação entre seus resultados e auxiliando no diagnóstico diferencial da perda auditiva condutiva e neurossensorial Em perdas condutivas o limiar eletrofisiológico por VA será mais elevado do que o obtido por VO evidenciando assim a presença de um gap VAVO no entanto em perdas neurossensoriais os limiares de VA e VO serão equivalentes Estímulo Onda Média Desvio padrão Média Desvio padrão Por meio da análise do limiar eletrofisiológico obtido no PEATE é possível predizer o grau da perda auditiva sendo que a faixa de frequência na qual se estabelece o grau da mesma está relacionada com o tipo de estímulo acústico utilizado para elicitar as respostas Para o estímulo acústico do tipo clique que apresenta um espectro amplo de frequências investigase a audição na faixa de frequências médiasaltas em cócleas sadias Por sua vez com o estímulo acústico tone burst podese investigar a audição nas baixas médias e altas frequências visto que este estímulo fornece informações específicas por frequência Devese ressaltar que o limiar eletrofisiológico pode encontrarse mais elevado que o limiar audiológico sendo necessário usar um fator de correção para cada tipo de estímulo acústico bem como para cada forma de avaliação via aérea ou via óssea A utilização do fator de correção medido em dB irá possibilitar o cálculo do nível de audibilidade estimado estimated hearing level EHL que será uma medida em dBEHL decibel estimated hearing level O Quadro 164 sintetiza essas informações de acordo com o estabelecido pelo BC early hearing program BCEHP Clique I 180 015 173 009 Figura 165 Ondas I III e V do PEATE a 80 dBnNA com estímulos clique e tone burst em adulto audiologicamente normal por via aérea A intensidade do estímulo acústico tem uma relação direta com o número de fibras neuronais ativadas ou seja quanto maior a intensidade maior o número de fibras estimuladas Sendo assim devese levar em consideração que um número maior de neurônios responsivos gera mais atividade neuroelétrica e portanto maior amplitude das ondas Devemos ressaltar que a relação intensidade e latência das ondas do PEATE é inversamente proporcional ou seja quanto maior a intensidade menor a latência das ondas Isto ocorre devido ao fato de as intensidades mais fortes estimularem as células ciliadas internas sistema de alta intensidade e portanto proporcionam a estimulação direta das fibras neuronais aferentes ativando mais rapidamente as estruturas do nervo auditivo e tronco encefálico o que geraria uma diminuição no tempo de aparecimento latência das ondas Em intensidades menores as células ciliadas externas sistema de baixa intensidade serão responsáveis por viabilizar que o estímulo sonoro estimule as células ciliadas internasdeflagrando assim a transdução do estímulo para as fibras neuronais aferentes Assim a latência das ondas tornase mais prolongada em intensidades menores pois o sistema baixa intensidade necessita de tempo para interagir com o sistema de alta intensidade III 461 026 434 015 V 688 018 652 021 IIII 280 024 260 017 IIV 232 026 219 018 Castro JR NP Figueiredo MS Audiometria eletrofisiológica In Lopes Filho O Tratado de Fonoaudiologia 1 ed São Paulo Roca 1997 p 201219 Gorga MP Reiland JK Beauchaine KA Auditory brainstem response in a case of highfrequency conductive hearing loss J Speech Hear Disord 1985 5034650 British Columbia Early Hearing Program BCEHP Audiology Assessment Protocol 2012 Version 41 Disponível em httpwwwphsacaNRrdonlyresAFBFBDBCCCB846258CEF1DC77D8300672330BCEHPAudiologyAssessmentProtocolpdf Acesso em 15 Nov 2014 Toma MMT Matas CG Audiometria de tronco encefálico ABR O uso do mascaramento na avaliação de indivíduos portadores de perda auditiva unilateral Rev Bras Otorrinolaringo 2003 69335662 Hall III JW Introduction to auditory evoked response measurement In Hall III JW New handbook of auditory evoked responses Boston Pearson Allyn Bacon 2007 p 58108 Jasper HA The tentwenty system of the International Federation Electroencephalogr Clin Neurophysiol 1958 10 37175 IIIV 510 045 479 025 Tone burst 05 kHz V 855 081 832 071 Tone burst 1 kHz V 850 083 828 062 Por via aérea de acordo com a faixa etária meses Davis 17 foi um dos primeiros a relatar a importância do PEATE como instrumento de avaliação da audição em recémnascidos crianças pequenas indivíduos hiperativos indivíduos com distúrbios emocionais pacientes com alterações neurológicas e indivíduos difíceis de serem avaliados pelos métodos comportamentais Outras aplicações clínicas do PEATE referemse ao monitoramento intraoperatório avaliação do grau de coma e morte encefálica sendo que atualmente o PEATE também é utilizado para monitorar o processo terapêutico Aplicações do PEATE Dentre as formas de utilização clínica do PEATE destacamse duas delas a pesquisa do limiar eletrofisiológico da audição e a pesquisa da integridade da via auditiva Para avaliar a integridade da via auditiva em tronco encefálico o estímulo utilizado frequentemente é o clique em intensidade alta e não variável geralmente em torno de 80 dBnNa decibel nível de audição normal a qual permite a visualização das ondas I III e V e o estudo das suas latências absolutas e interpostos Desta forma é possível verificar a condução do estímulo auditivo desde o nervo coclear até a região do tronco encefálico com intuito de identificar possíveis lesões ou disfunções no sistema nervoso auditivo central No caso de perdas auditivas cocleares é importante ressaltar que para limiares maiores que 50 dB NA nas frequências altas devese considerar um aumento de 01 a 02 ms a cada 10 dB decibéis de perda auditiva no tempo de latência da onda V Diversas são as aplicações clínicas da pesquisa da integridade da via auditiva por meio do PEATE entre elas Detecção de tumores do nervo acústico Detecção de lesões do tronco encefálico Monitorização cirúrgica Avaliação do grau do coma e auxílio no diagnóstico de morte encefálica Identificação de neuropatia auditiva Avaliação da maturação do sistema auditivo central em neonatos Diagnóstico do tipo de perda auditiva Sabese que por meio da aplicação da pesquisa da integridade da via auditiva e análise do tempo de latência das ondas que compõem o PEATE o que está sendo investigado não é a etiologia propriamente dita e sim o impacto funcional que esta lesão está causando no sistema nervoso auditivo central Desta forma tornase importante enfatizar que não existe uma correspondência precisa entre etiologia e anormalidades no PEATE ou seja várias patologias podem causar padrões semelhantes no PEATE desde que afetam a mesma função e nível do sistema Pesquisa do limiar eletrofisiológico A pesquisa do limiar eletrofisiológico permite identificar o grau da perda auditiva no entanto deve ser considerado o tipo de estímulo acústico utilizado pois cada estímulo abrange uma faixa de frequência específica Com a utilização do estímulo clique o grau de perda referese em geral à região das frequências médiasaltas Com o uso do estímulo tone burst o grau será de acordo com as bandas de frequências testadas 500 1000 2000 ou 4000 Hz As Figuras 163 e 164 demonstram exemplos de obtenção do limiar eletrofisiológico para cliques por via aérea com resultado normal e o alterado respectivamente Figura 163 Ondas I III e V do PEATE com estímulo clique em bebê de 5 semanas pesquisa do limiar eletrofisiológico por via aérea dentro da normalidade Latências absolutas e interpostos para cliques em bebê de 5 semanas pesquisa do limiar eletrofisiológico por via aérea Figura 164 Ondas I III e V do PEATE com estímulo clique em bebê de 9 meses pesquisa do limiar eletrofisiológico por via aérea com limiar alterado Para a obtenção do limiar eletrofisiológico da audição a testagem pode ser iniciada em alta intensidade decrescendo geralmente de 20 em 20 dBnNa até o momento em que não seja possível visualizar a onda V Em seguida a intensidade é aumentada em 10 dBnNa até se obter a menor intensidade na qual a onda V seja visualizada obtendose desta forma o limiar eletrofisiológico da audição O procedimento descrito é um método bastante utilizado pois auxilia na identificação da onda V no entanto é possível obter o limiar eletrofisiológico por meio do método ascendente no qual se inicia a coleta pela intensidade mais baixa em geral 10 ou 20 dBnNa marcandose a onda V após sua identificação e replicação ou aumentandose a intensidade a cada 10 dBnNa a fim de visualizar a presença da onda V Este método de coleta pode ser utilizado em bebês pois inicia a testagem em baixa intensidade favorece para que estes não despertem do sono natural Entre as aplicações clínicas da pesquisa do limiar eletrofisiológico por meio do PEATE estão Identificação de limiar eletrofisiológico em neonatos Identificação de limiar eletrofisiológico em crianças difíceis de serem avaliadas por meio dos procedimentos audiológicos de rotina dentre elas crianças muito pequenas com transtornos psiquiátricos com problemas neurológicos Mensuração objetiva da audição em adultos para fins diagnósticos e legais simulaçãodissimulação