Texto de pré-visualização
RESUMO Partindo do princípio de que o Pacto pela Saúde precisa fazer sentido para quem o efetiva nos espaços micropolíticos este estudo buscou compreender a implementação do mesmo na prática cotidiana dos trabalhadores de saúde vinculados à coordenação da rede de Atenção Primária à Saúde e à equipe saúde da família do município de Marília SP Utilizaramse a abordagem qualitativa entrevistas semiestruturadas e análise de conteúdo Surgiu nas entrevistas o modo como as relações entre trabalho e gestão são produzidas e a maneira como as prioridades nacionais se relacionam com essa produção Buscouse trazer o reflexo e a contribuição da prática cotidiana à implementação do Pacto pela Saúde PALAVRASCHAVE Pacto pela Saúde Atenção Primária à Saúde Trabalho Gestão em saúde ABSTRACT From the principle that the Pacto pela Saúde must make sense for those who imple ment it in the micro politic spaces the study has sought to understand its implementation in the daily practice of the health workers attached to the Primary Health Care Network coordination and to the Family Health team in the municipality of MariliaSP The qualitative approach was used with semistructured interviews and content analysis Emerged from the interviews the way relations between work and management are produced and the way national priorities rela te to this production It was intended to bring the reflection and the contribution of daily practice to the implementation of the Pacto pela Saúde KEYWORDS Pact for Health Primary Health Care Work Health management SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 38 N 102 P 429439 JULSET 2014 429 O Pacto pela Saúde na prática cotidiana da Atenção Primária à Saúde The Pact for Health in the daily practice of Primary Health Care Tânia Silva Gomes Carneiro1 Pedro Silveira Carneiro2 Lucieli Dias Pedreschi Chaves3 Janise Braga Barros Ferreira4 Ione Carvalho Pinto5 1 Doutoranda em Enfermagem em Saúde Pública pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo USP Ribeirão Preto SP Brasil jasmimgomesyahoocombr 2 Doutorando em Saúde na Comunidade pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo USP Ribeirão Preto SP Brasil pscarneirogmailcom 3 Livredocente pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo USP Ribeirão Preto SP Brasil Professora associada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo USP Ribeirão Preto SP Brasil dpchaveseerpuspbr 4 Doutora em Enfermagem em Saúde Pública pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo USP Ribeirão Preto SP Brasil Professora da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo USP Ribeirão Preto SP Brasil janisefmrpuspbr 5 Livredocente pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo USP Ribeirão Preto SP Brasil Professora associada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo USP Ribeirão Preto SP Brasil ionecarveerpuspbr ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE DOI 1059350103110420140041 SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 38 N 102 P 429439 JULSET 2014 CARNEIRO T S G CARNEIRO P S CHAVES L D P FERREIRA J B B PINTO I C 430 Introdução Nos 25 anos do Sistema Único de Saúde SUS são apontados avanços na implementação dos seus princípios e diretrizes constitucionais em especial a universalidade e a descentralização com uma importante inclusão social no sistema público de saúde Ocorrem também avanços na gestão do sistema público com a criação dos fundos de saúde dos repasses fundo a fundo das comissões intergestores tripartite e bipartite das normas operacionais básicas pactuadas e recentemente no Pacto pela Saúde em suas três dimensões Pacto pela Vida em Defesa do SUS e de Gestão SANTOS 2010 O Pacto pela Vida compõe um conjunto de compromissos sanitários considerados prioritários expressos em objetivos de processos e resultados que apresentam impacto sobre a situação de saúde da população BRASIL 2006 O Pacto em Defesa do SUS expressa os compromissos entre os gestores do sistema de repolitizar a saúde com a consolidação da Reforma Sanitária Brasileira BRASIL 2006 O Pacto de Gestão estabelece diretrizes para o sistema valorizando o fortalecimento da gestão compartilhada e solidária BRASIL 2006 A partir do Pacto pela Saúde os acordos estabelecidos entre as três esferas de governo são formalizados por meio da assinatura do Termo de Compromisso de Gestão TCG que compreende responsabilidades objetivos e metas associados a indicadores e prioridades definidas nacionalmente A adesão aos termos substitui os antigos processos de habilitação previstos nas normas operacionais do SUS como requisito para transferência de responsabilidades e recursos MACHADO ET AL 2010 p 25 Atualmente com o Decreto no 750811 o TCG será substituído pelo Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde BRASIL 2011 que ainda não está vigente em todo o território nacional O Pacto pela Saúde em suas três dimensões representou uma mudança na forma de atuação do nível federal assim como uma revisão das relações federativas no SUS com aumento da necessidade de cooperação intergovernamental No entanto embora haja ênfase na pactuação federativa como eixo a elaboração dos compromissos pactuados se articula pouco com o planejamento se baseando mais na expectativa de solidariedade entre os entes o que acaba sendo um ponto frágil do Pacto pela Saúde Isso se evidencia pela pouca ênfase no diagnóstico situacional prévio à pactuação pela dificuldade de cada realidade local realizar uma adaptação das metas e prioridades e pela não definição de instrumentos para atingir as metas pactuadas investimentos recursos estruturas etc MACHADO ET AL 2010 Segundo Santos 2007 p 434 as mudanças propostas no Pacto pela Saúde devem ser analisadas sob o ponto de vista da macropolítica e da microgestão A microgestão está atrelada à micropolítica do trabalho em saúde onde está localizado o espaço para acumulação de êxitos visíveis e consecução de mudanças significativas do SUS Nesse sentido as prioridades definidas nacionalmente para o Pacto pela Vida BRASIL 2008 apresentam objetivos metas e indicadores que necessariamente se traduzem em um conjunto de compromissos e responsabilidades para as práticas cotidianas nos serviços de Atenção Primária à Saúde APS articulandoos à finalidade do trabalho Entre estas prioridades está o fortalecimento da própria APS organizada e qualificada pela Estratégia Saúde da Família ESF BRASIL 2008 A Política Nacional da Atenção Básica elege a ESF como a estratégia de reorientação do modelo de atenção à saúde em todo o território nacional Desde a implantação da saúde da família em 1994 houve grande expansão no número SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 38 N 102 P 429439 JULSET 2014 O Pacto pela Saúde na prática cotidiana da atenção primária à saúde 431 de equipes sendo que em setembro de 2010 a cobertura segundo o Ministério da Saúde chegou a 994 milhões de pessoas com 31500 equipes implantadas BRASIL 2008 Contudo para além da expansão questões de qualidade permanecem no debate ao lado de problemas ligados à própria natureza de um programa público universal que almeja a equidade Uma discussão premente centrase na potencialidade para transformação da ESF ao privilegiar outras interfaces do sistema à medida que busca estimular a organização dos sistemas locais e aproximar os serviços à realidade da população envolvendo os atores sociais desses cenários para que possam desenvolver todas as competências necessárias para a produção do cuidado em uma Atenção Básica que ambiciona resolver cerca de 80 dos problemas de saúde apresentados pelos usuários embora nem sempre isso se concretize Atenção Básica que deve ser necessariamente entendida como aquela que disputa seu papel que não deve ser simplesmente reiterado sob o ponto de vista do discurso mas consolidada gradualmente através da ampliação da sua legitimidade perante os usuários como efetivamente resolutiva e coordenadora do cuidado CECILIO ET AL 2012 Assim quanto mais estudos aproximarem os trabalhadores da Atenção Primária à Saúde envolvidos no processo de trabalho dos serviços de saúde com o compromisso político institucional assumido pelo município com o Pacto pela Saúde maiores serão as chances de que este se torne uma política pública efetiva O profissional de saúde produz trabalho vivo no exercício de suas funções ou seja o resultado de seu trabalho é consumido durante sua produção apropriandose dos instrumentos para produção do trabalho e sendo o produto desse trabalho MERHY 1997 2002 Este estudo apoiouse no referencial da micropolítica do trabalho em saúde de Mehry 1997 2002 Este autor conceitua a micropolítica do trabalho vivo em ato que nos permite duvidar analisar e revelar os sentidos e a direcionalidade intencionalidade do processo de trabalho em saúde e seus modos de operar cotidianamente os processos produtivos Esse movimento é fundamental nas dobras da gestão dos estabelecimentos de saúde e de seus resultados como o lugar onde se governam os processos institucionais pois é o espaço da formulação e da decisão de políticas É também o lugar onde se pode imprimir direcionalidade aos atos produtivos ao governar processos de trabalho Na micropolítica o processo de trabalho está sempre aberto à presença do trabalho vivo em ato possibilitando ao trabalhador a criação de novos processos de trabalho interrogando os velhos processos cristalizados Entendese que a simples pactuação não garante que venham a ocorrer mudanças na maneira de se produzir o cotidiano dos serviços de saúde Isto depende também da descentralização do processo de gestão para que os atores locais gestores trabalhadores de saúde prestadores de serviço e usuários tornemse protagonistas na pactuação de novos compromissos e responsabilidades BRÊTAS SILVA 2010 p 31 Diante desse desafio este estudo tem por objetivo compreender o processo de implementação do Pacto pela Saúde na prática cotidiana dos trabalhadores de saúde vinculados à coordenação da Rede de Atenção Primária à Saúde e os vinculados à coordenação da equipe saúde da família Material e método Este estudo é um recorte de uma pesquisa do programa de PósGraduação em Enfermagem em Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo EERPUSP realizada em dez Unidades de Saúde da SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 38 N 102 P 429439 JULSET 2014 CARNEIRO T S G CARNEIRO P S CHAVES L D P FERREIRA J B B PINTO I C 432 Família USF no município de Marília SP No momento do estudo Marília SP contava com uma cobertura de 3671 de ESF com 29 USF MARÍLIA 2008 As USF participantes foram selecionadas tomando se como critérios ter mais de um ano de implantação e adscrição do território em área de risco social segundo o mapeamento realizado pelo município MARÍLIA 2008 Este estudo elegeu a abordagem qualitativa por pretender caracterizar ou conhecer o universo dos símbolos significados subjetividade e intencionalidade dos sujeitos participantes buscando acessar o cotidiano as vivências e as explicações do senso comum das pessoas que vivenciam determinada situação MINAYO 2007 Para a coleta de dados foram realizadas entrevistas semiestruturadas durante o mês de dezembro de 2009 pelos próprios pesquisadores Segundo Minayo 2007 no ato da entrevista a interrelação contempla os planos afetivo e existencial e o contexto do dia a dia das experiências e linguagens que podem ser reveladoras de condições estruturais sistemas de valores normas símbolos concepções e percepções acerca do que se quer conhecer nas pesquisas Foram convidados a participar todos os trabalhadores de saúde vinculados à gestão colegiada da coordenação das equipes de saúde da família médico dentista enfermeiro das dez USF selecionadas e os vinculados à coordenação da rede de Atenção Primária à Saúde municipal Foram critérios de exclusão atuar há menos de dois anos na rede de Atenção Primária municipal atuar há menos de um ano na coordenação ocupada no momento do estudo não aceitar participar do estudo e dessa forma não assinar o termo de consentimento livre e esclarecido TCLE e a impossibilidade de participar da entrevista durante o período em que estas foram realizadas Esclarecemos que no momento do estudo em Marília SP a coordenação das unidades de saúde era realizada de forma colegiada pelos profissionais de nível superior mencionados As coordenações das unidades estavam subordinadas à coordenação da rede de Atenção Primária à Saúde do município que se situa no nível central da Secretaria Municipal de Saúde Assim participaram do estudo 20 trabalhadores de saúde 17 da coordenação da equipe saúde da família e três da coordenação da rede de Atenção Primária à Saúde municipal O roteiro utilizado para as entrevistas construído previamente abordou aspectos da percepção apropriação e compromisso dos trabalhadores de saúde com o Pacto pela Saúde em suas práticas cotidianas no serviço de saúde Após a anuência dos sujeitos participantes as entrevistas foram gravadas permitindo que as informações coletadas fossem transcritas literalmente preservando se a fidedignidade das informações Para a análise dos dados utilizouse a Análise de Conteúdo proposta por Bardin BARDIN 1995 que abrangeu três etapas pré análise exploração do material e tratamento dos resultados e inferência e interpretação Para garantir o anonimato dos participantes suas falas foram codificadas com o uso de letras seguidas de uma numeração Coordenação da equipe saúde da família denominados CE de 1 a 17 e Coordenação da rede de Atenção Primária à Saúde denominados CR de 1 a 3 Em cumprimento aos requisitos éticos a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da EERPUSP e pelo Conselho Municipal de Avaliação em Pesquisa COMAP da Secretaria Municipal de Saúde de Marília SP Resultados e discussão A implementação do Pacto pela Saúde na prática cotidiana Dos 20 trabalhadores de saúde entrevistados 5 25 eram médicos 6 30 odontólogos SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 38 N 102 P 429439 JULSET 2014 O Pacto pela Saúde na prática cotidiana da atenção primária à saúde 433 e 9 45 enfermeiros Deste total 17 85 eram do sexo feminino O tempo de formação variou entre 5 e 27 anos com média de 1135 anos e a idade variou entre 28 e 52 anos com uma média de 355 anos O tempo de trabalho na rede de Atenção Primária à Saúde de Marília SP variou entre 2 e 11 anos com média de 62 que foi semelhante ao tempo daqueles que trabalhavam nas Unidades de Saúde da Família no momento do estudo Assim os participantes deste estudo já trabalhavam no município desde antes de sua adesão ao Pacto pela Saúde em 2007 Em relação à especialização lato sensu 15 75 dos trabalhadores apresentavam alguma forma de pósgraduação sendo 12 60 específicas em saúde da família Nos relatos dos trabalhadores de saúde vinculados à coordenação da equipe saúde da família quando abordados de forma direta sobre o Pacto pela Saúde as três categorias profissionais referiram uma aproximação geral mostrando um conhecimento superficial como segue Sobre o pacto da saúde Então eu não tenho muita informação sobre isso né Eu ouvi falar muito vagamente eu não consigo falar sobre isso CE15 eu acho que estou um pouco distante disso e ainda não tenho informação suficiente talvez pela rotina mesmo pela rotina de trabalho e por falta de informação mesmo CE1 eu tenho uma noção muito sucinta às vezes eu não tenho nada que me aprofunde dentro disso Se me perguntar os tipos de pactos e como que é eu não sei dizer claramente CE6 Tal aproximação é trazida a partir de reuniões em uma pactuação longínqua do cotidiano dos serviços e da comunidade onde se realiza o cuidado em suas conexões sociais econômicas culturais éticas e políticas na conformação do viver de perceber e de se implicar com a produção social da saúde a gente já participou de algumas reuniões com a secretaria foi mencionado isso as metas que o município entra em acordo as metas que o município precisava atingir mas eu não sei te dizer exatamente o que é esse pacto pela saúde foi pinceladas assim em algumas reuniões CE14 Isso se reafirma nas falas dos coordenadores da Rede de Atenção Primária à Saúde sobre a realidade da operacionalização do Pacto pela Saúde no município talvez eles saibam dizer porque eles ouviram falar mas não porque a gestão conseguiu fazer um movimento de envolvêlos no processo CR1 eu acho que hoje a gente não trabalha com a ponta a gente ainda tá assim a gente avalia o que a ponta faz mas não existe a participação da ponta na pactuação desses indicadores dessas metas Então eu ainda acredito que fica um pouco fora da realidade e acredito que isso só vai ser possível quando a gente conseguir agregar os trabalhadores a essas reuniões onde a gente tenta pactuar as metas CR3 Percebese um maior conhecimento sobre o Pacto pela Saúde na fala da coordenação da rede de Atenção Primária o que traz a ideia de que o conhecimento do pacto como instrumento de gestão se acumula na coordenação da rede evidenciando um distanciamento da equipe saúde da família em relação ao real objeto desse pacto o cotidiano dos serviços de atenção primária Como visto nessa fala Então o pacto eu acho que foi um grande avanço no SUS né a gente conseguiu trazer vários nortes que a gente tinha tentava através das NOBs Norma Operacional Básica das NOAS Normas Operacionais da Assistência à Saúde e aí se consolidou tudo e se criou o pacto uma das diretrizes do Pacto pela SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 38 N 102 P 429439 JULSET 2014 CARNEIRO T S G CARNEIRO P S CHAVES L D P FERREIRA J B B PINTO I C 434 Vida é a questão do fortalecimento da Atenção Básica Então eu acho assim que o pacto veio fortalecer os gestores enquanto plenos da do seu sistema né com o Pacto pela Vida o Pacto em Defesa do SUS o Pacto de Gestão trazendo as diretrizes para você pensar a gestão no seu município você colocando através de indicadores métodos o que você faz e o que você não faz se você não faz em quanto tempo você vai fazer Então ele traz um norte para a gestão municipal CR2 A percepção da responsabilidade e da importância do papel do coordenador da rede de Atenção Primária na aproximação dos trabalhadores das equipes saúde da família para a construção do sentido do Pacto pela Saúde no processo de trabalho esteve presente como evidencia o depoimento que segue A coordenação da Atenção Básica ela é fundamental para entender o Pacto pela Saúde e nós somos o canal acredito pra tá levando essas aproximações para as equipes porque por várias aproximações a pessoa vai entender o papel dela como profissional de saúde dentro do Pacto pela Saúde CR1 A pouca aproximação e o distanciamento estão relacionados à maneira como o Pacto pela Saúde foi construído e apresentado no espaço micropolítico Neste sentido Machado et al 2009 discutem que o Pacto pela Saúde ainda se apresenta como normativas e portarias expedidas pelo Ministério da Saúde ou pela Comissão Intergestores Bipartite CIB ou pela Comissão Intergestores Tripartite CIT E essas informações embora disponíveis em sites oficiais demoram a chegar aos profissionais que atuam diretamente na assistência à saúde Assim não basta para a efetivação do Pacto pela Saúde a relação entre os gestores nas comissões interfederativas sendo necessária a participação dos trabalhadores pois são eles que a princípio convivem com a realidade local e podem adequar a qualidade da resposta do sistema às necessidades da população São os resultados construídos a partir do cotidiano concreto pelas ações de quem produz a saúde em ato que reorganizam e sustentam as novas pactuações Nesse sentido a fala da coordenação da rede de Atenção Primária traz a percepção da necessidade de construção de uma lógica ascendente o Pacto pela Saúde traz as prioridades em nível nacional né mas dando essa possibilidade de você agregar a sua realidade quer dizer se você tem uma outra necessidade que não está contemplada ali você deve colocar você deve pensar E aí por isso que seria interessante você fazer essa proposta ascendente porque você fazendo a fragmentada você acaba ficando só no modelinho do que está ali e você trazendo as pessoas para a discussão você vai ampliar o olhar e aí você consegue qualificar e trabalhar realmente com a realidade e as necessidades CR2 É importante que os trabalhadores possam ser e estar envolvidos na adesão crítica e consciente ao projeto e que repensem o seu papel assumindo a dimensão de parceiros construtores desse projeto e não somente de seus executores ACIOLE 2012 p 689 Para Cubas 2011 é no nível local que teria mais conhecimento da realidade e das necessidades de saúde de seu território a serem enfrentadas pelo menos a princípio e de sua capacidade instalada que deveriam ser pactuadas as metas para de fato organizar suas práticas de forma democrática e participativa construindo assim a pactuação das metas em conformidade com o conceito de Atenção Básica Entretanto o que se verifica na realidade é que este movimento de pactuação ainda está distante de ser democrático e participativo A equipe por não possuir espaços de escuta e discussão por vezes é SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 38 N 102 P 429439 JULSET 2014 O Pacto pela Saúde na prática cotidiana da atenção primária à saúde 435 considerada como uma simples executora do plano não tendo consciência do real impacto de suas ações CUBAS 2011 p 1761 O envolvimento com a obra é relativo ao conhecimento e à participação na elaboração das metas municipais pactuadas Em algumas falas aparece a falta de comunicação a respeito das metas e em contrapartida o reconhecimento de que no dia a dia do trabalho nos serviços de saúde podese chegar a atingilas porém sem que se saiba que elas faziam parte de uma das metas pactuadas talvez se eu conhecesse melhor eu acho que talvez eu pudesse desempenhar minha função de uma forma melhor e aí eu acho que poderia até ter uma contribuição maior para que o pacto funcionasse porque a partir do momento que eu desconheço eu nem sei se eu estou contribuindo CE4 Aciole 2012 p 684 corrobora com a importância da participação ao reconhecer a necessidade de um pacto éticopolítico entre gestores e trabalhadores Neste pacto a gestão do sistema deve assumir a perspectiva cotidia na de produção da saúde e nela reconhecer o protagonismo do ator essencial que são os tra balhadores de saúde As relações de contratualidade e os acordos entre os atores envolvidos nem sempre são conhecidas e faladas sendo necessário para analisálas compreender que são construídas politicamente apesar de se apresentarem como técnicas Entendese que este processo de contratualização não é único depende das situações e das maneiras como os atores expressam as intenções lugares e desejos dos momentos de força que ocupam dos modos como jogam no cenário das suas acumulações ou não MERHY ET AL 2007 A corresponsabilidade do trabalhador favorece o entendimento sobre o significado de seu trabalho produzindo um caminho a ser trilhado norteado por objetivos e metas que confiram direcionalidade para o fazer MERHY ET AL 2007 algo que nem sempre está presente no cenário estudado como vemos na seguinte fala às vezes a gente trabalha trabalha trabalha e não vê pra onde a gente tá indo o que a gente tá fazendo a importância da avaliação desses objetivos dessas metas é pra ver justamente se você está indo no caminho certo CE14 Até mesmo para contribuir com o que foi pactuado pelo município é importante conhecer e lidar com indicadores como parâmetros para a prática cotidiana Mesmo nesse contexto em que não são envolvidos no processo de pactuação os trabalhadores vinculados à coordenação da equipe saúde da família consideraram que o desenvolvimento de seu trabalho cotidiano pode contribuir para o cumprimento das metas pactuadas se a gente for ver todo o contexto então a equipe contribui muito para o cumprimento das metas Se nós não tivermos atentos não fazer acontecer não adianta ter a gestão lá em cima CE6 Este aspecto evidencia a potencialidade do trabalhador para o comprometimento com a efetivação do Pacto pela Saúde Ressalta se que este comprometimento não se dá no âmbito de meros executores mas de sujeitos que são portadores de suas críticas como demonstram ao relatar a incompatibilidade de determinadas metas municipais em relação às suas realidades locais Por serem metas homogêneas podem fazer confronto com as realidades das Unidades de Saúde da Família que não são iguais a gente tinha um número muito grande de gestantes adolescentes Isso sempre foi uma pedra no nosso sapato porque sempre foi SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 38 N 102 P 429439 JULSET 2014 CARNEIRO T S G CARNEIRO P S CHAVES L D P FERREIRA J B B PINTO I C 436 estabelecido que as gestantes adolescentes são gestantes de risco que não era conveniente só que a realidade daqui não é essa elas querem engravidar na adolescência Então o que fazer com esse desejo Porque existe um desejo e aí nós trabalhamos junto com a coordenação de saúde da mulher saúde da criança e a coordenação da Atenção Básica e todos nós juntos com a equipe nós chegamos à conclusão de que o papel da unidade nisso é de apoiar essas adolescentes em um ótimo prénatal Nós chegamos à conclusão que assim que a meta de não ter gestantes adolescentes não é para nós A nossa realidade não é não ter gestantes adolescentes é ter gestantes adolescentes em prénatal em acompanhamento regular CE7 Nesse sentido de produção de sujeitos os objetivos indicadores e metas precisam ser geridos não como um modelo a priori de organização do trabalho que dispute com o que já é feito mas como uma forma de trazer interrogações sobre o que está ocorrendo abrindo à possibilidade dos trabalhadores das equipes de saúde construírem novas formas de realizar o trabalho que dialoguem com sua realidade ressignificando as metas pactuadas para que façam sentido Segundo Merhy Magalhães Junior e Franco 2007 o segredo em situações reais é olhar e analisar cada situação na sua singularidade o que depende das relações de contratualidade entre os diversos atores sociais em cena que no Pacto pela Saúde precisam estar claras por meio do diálogo Nas relações de contratualidade do município em estudo além da coordenação da equipe saúde da família e da rede de Atenção Primária foi mencionado nas falas dos participantes outros atores os entrevistados se remetem aos grupos técnicos dos programas assistenciais da Secretaria Municipal de Saúde constituídos no nível central desta mesma secretaria pelos técnicos de cada programa saúde da mulher da criança etc como participantes desse processo de definição de metas processos de trabalho necessidades de saúde No entanto verificouse que essas contratualidades assumem roupagem técnica na forma de planilhas reuniões alimentação de base de dados etc a nível central a gente tem os grupos técnicos tem saúde da mulher saúde da criança saúde do adulto saúde mental então a gente preenche planilhas em determinada época do mês Mais ou menos até o dia 20 eu preencho a planilha referente ao mês anterior o que aconteceu CE11 Essa prática fragmentada e desarticulada com os diversos atores na realidade do município estudado é apontada na fala a seguir equipe saúde da família a gente ainda tem uma dificuldade na secretaria de se trabalhar muito fragmentado que é uma crítica que eu faço ao nosso organograma A gente o organograma tradicional com as caixinhas ele divide muito né as pessoas acabam não se integrando e formando uma roda para se discutir as prioridades conjuntamente né a gente acaba focando mais nas prioridades de cada quadradinho de cada setor Então por exemplo a construção do Pacto se deu em cada setor Então os indicadores são da criança do adulto saúde da mulher CR2 Apesar das dificuldades na relação entre gestão e trabalhadores apontadas pelos participantes do estudo também houve momentos em que a gestão municipal considerou as experiências das realidades locais em iniciativas nas quais os trabalhadores foram convidados a participar da dengue foi feito uma reunião com o representante de cada unidade de saúde do município não só do nível superior como também agente comunitário por exemplo Eu SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 38 N 102 P 429439 JULSET 2014 O Pacto pela Saúde na prática cotidiana da atenção primária à saúde 437 estou te citando foi a última e onde foram todos ouvidos dentro da suas experiências das suas realidades E aí a coordenação da Atenção Básica fez um balanço final propondo novas metas que fossem condizentes com aquilo que o pessoal da ponta indicava CE13 A participação facilita a satisfação de necessidades de realização pessoal e profissional à medida que possibilita a expressão e o uso das potencialidades de contribuição de cada pessoa E ainda mobiliza esforços e acrescenta habilidades individuais que separadamente seriam inúteis ou impossíveis de se utilizar MOTTA 2002 A participação na fala do trabalhador é considerada importante por refletir a oportunidade de dimensionar o todo como uma forma de reconhecer sua realidade local inserida no contexto do município Muito importante a participação porque aí você consegue também ter uma avaliação não só da sua microrregião ali mas também do como que está esse município Não fica só ali em nível central a gente decide a gente discute a gente cobra de vocês Tem que conhecer um pouco qual é a nossa realidade CE11 Assim está presente nas falas dos entrevistados a percepção da necessidade de dialogar com a coordenação da rede de Atenção Primária a fim de poder qualificar o processo de planejamento e desfazer a forma verticalizada da articulação entre as coordenações ideia essa que está presente também na fala da coordenação da rede de Atenção Primária a hora que a gente conseguir fazer essa questão da democracia envolvendo as pessoas fazendo coisas ascendentes entendeu e se a gente conseguir avançar nessa coisa do conjunto do coletivo eu acho que o pacto vai fazer muito mais parte da nossa rotina do que faz hoje CR2 Entendese como essencial realizar um movimento democratizante nos espaços em que é tecida a micropolítica do processo de trabalho que pode fortalecer a construção do Pacto pela Saúde na prática cotidiana dos serviços de saúde Conclusões Discutir a implementação do Pacto pela Saúde a partir da prática cotidiana dos serviços de saúde da Atenção Primária permitiu compreender o modo como as relações entre trabalho e gestão são produzidas e a maneira como as prioridades em nível nacional se relacionam com essa produção Constatouse haver pouca aproximação dos trabalhadores vinculados à coordenação da equipe saúde da família com o Pacto pela Saúde no espaço micropolítico do trabalho revelando inicialmente um conhecimento superficial e uma percepção de distanciamento na elaboração desse pacto frente às realidades do cotidiano dos serviços Esse distanciamento se justifica pelo processo de construção das metas municipais ainda se darem em uma lógica setorizada por programas verticais sem a participação dos atores que desenvolvem as ações previstas Apesar desse contexto entendemos que o Pacto pela Saúde gera direcionalidade nos processos de trabalho ao vermos que nos relatos das cenas do dia a dia trazidos pelos entrevistados surgem as formas de concretização das metas pactuadas pelo município nas atividades desenvolvidas no cotidiano do trabalho na Atenção Primária Os trabalhadores de saúde vinculados à coordenação da equipe saúde da família consideraram que o desenvolvimento de seu trabalho no cotidiano contribui para o cumprimento das metas pactuadas no município inclusive com momentos onde a equipe saúde da família ressignifica a meta pactuada para fazer sentido a partir das realidades singulares de cada equipe SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 38 N 102 P 429439 JULSET 2014 CARNEIRO T S G CARNEIRO P S CHAVES L D P FERREIRA J B B PINTO I C 438 Referências ACIOLE G G Falta um pacto na Saúde elementos para a construção de um Pacto ÉticoPolítico entre gestores e trabalhadores do SUS Saúde em Debate Rio de Janeiro v 36 n 95 p 684694 2012 BRASIL Ministério da Saúde Secretaria Executiva Coordenação de apoio à gestão descentralizada Diretrizes operacionais para os pactos pela vida em defesa do SUS e de gestão Brasília Ministério da Saúde 2006 BRASIL Ministério da Saúde Portaria nº 325 de 21 de fe vereiro de 2008 Estabelece prioridades objetivos e metas do Pacto pela Vida para 2008 os indicadores de monito ramento e avaliação do Pacto pela Saúde e as orientações prazos e diretrizes para a sua pactuação Diário Oficial da União Brasília DF 21 fev 2008 Seção I p 37 BRASIL Presidência da República Casa Civil Subchefia para assuntos Jurídicos Decreto nº 7508 de 28 de junho de 2011 Regulamenta a Lei nº 8080 de 19 Essa realidade não exclui que o comprometimento com o Pacto pela Saúde tenha relação com o conhecimento e a participação na elaboração das metas municipais pactuadas tendo em vista que os elementos desse mesmo pacto chegam de forma filtrada com metas homogêneas para o município que fazem confronto ou nem sempre fazer sentido para a realidade local da atenção primária Tal comprometimento depende da articulação dos diversos atores sociais em cena e da possibilidade de explicação das várias formas de ver o cotidiano e os problemas percebidos passando necessariamente pelo diálogo No entanto houve momentos pontuais de uma participação dialogada na tentativa de ouvir e considerar as realidades locais dos trabalhadores de saúde a exemplo do combate da dengue no município que seria um modo de trazer os trabalhadores para o centro do processo decisório Assim considerase que é possível o trabalhador de saúde no processo de trabalho assumir a autoria de sua obra e de seu empenho com a obra em contínua construção que é o SUS ao interrogar o mundo de seu trabalho possibilitando o entendimento da intencionalidade do trabalho nos planos ético e político É necessário muito diálogo entre gestão e trabalho a fim de aproximar os trabalhadores de saúde da construção de sua obra para com SUS e constituílo a partir daquilo que acontece na realidade local nos espaços da micropolítica do trabalho em saúde Neste estudo identificouse que as mudanças propostas pelo Pacto pela Saúde dependem na prática também das contratualidades dos trabalhadores de saúde envolvidos com o processo de produção da saúde Dessa forma o trabalhador de saúde precisa ser incorporado nas contratualidades do Pacto pela Saúde Entendese que o Pacto pela Saúde não pode ser um fazer por fazer é necessário que faça sentido para quem o efetiva nos espaços micropolíticos pois o fazer dos trabalhadores de saúde tem reflexos e resultados na realidade s SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 38 N 102 P 429439 JULSET 2014 O Pacto pela Saúde na prática cotidiana da atenção primária à saúde 439 de setembro de 1990 para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde SUS o planejamento da saúde a assistência à saúde e a articulação interfedera tiva e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília DF 29 jun 2011 BARDIN L Análise de conteúdo Lisboa Edições 70 1995 BRÊTAS J N SILVA S F Avaliando o Pacto pela Saúde uma oportunidade estratégica para promover avanços no SUS Divulgação em Saúde para Debate Rio de Janeiro n 46 p 2731 maio 2010 CECILIO L C O et al A atenção Básica à Saúde e a construção das redes temáticas de saúde qual pode ser o seu papel Ciência e Saúde Coletiva Rio de Janeiro v 17 n 11 p 28932902 2012 CUBAS M R Desafios para a enfermagem no alcance das metas da Atenção Primária Revista da Escola de Enfermagem da USP Ribeirão Preto v 45 n especial 2 p 17581762 2011 MACHADO R R et al Entendendo o pacto pela saú de na gestão do SUS e refletindo sua implementação Revista Eletrônica de Enfermagem Internet v 11 n 1 p 181187 2009 Disponível em httpwwwfenufgbr revistav11n1v11n1a23htm Acesso em 20 nov 2013 MACHADO C V BAPTISTA T W F LIMA L D O planejamento nacional da política de saúde no Brasil estratégias e instrumentos nos anos 2000 Ciência Saúde Coletiva Rio de Janeiro v 15 n 5 p 23672382 ago 2010 MARÍLIA Prefeitura Municipal de Marília Secretaria Municipal de Saúde Relatório de gestão 2008 Marília Prefeitura Municipal 2008 MERHY E E Em busca do tempo perdido a micro política do trabalho vivo em saúde In MERHY E E ONOCKO R Orgs Agir em saúde um desafio para o público São Paulo Hucitec 1997 p 71112 Saúde a cartografia do trabalho vivo São Paulo Hucitec 2002 MERHY E E MAGALHÃES JUNIOR H M M FRANCO T B O trabalho em saúde olhando e ex perienciando o SUS no cotidiano 4 ed São Paulo Hucitec 2007 MINAYO M C S Org Pesquisa social teoria méto do e criatividade 25 ed Rio de Janeiro Vozes 2007 MOTTA P R Gestão contemporânea a ciência e a arte de ser dirigente Rio de Janeiro Record 2002 SANTOS N R O desenvolvimento do SUS sob o ângulo dos rumos estratégicos e das estratégias para visualização dos rumos a necessidade de acompanha mento Ciência Saúde Coletiva Rio de Janeiro v 12 n 2 p 429435 2007 SANTOS N R Sistema Único de Saúde 2010 espaço para uma virada Mundo saúde São Paulo v 34 n 1 p 819 2010 Recebido para publicação em fevereiro de 2014 Versão final em julho de 2014 Conflito de interesses inexistente Suporte financeiro não houve
Texto de pré-visualização
RESUMO Partindo do princípio de que o Pacto pela Saúde precisa fazer sentido para quem o efetiva nos espaços micropolíticos este estudo buscou compreender a implementação do mesmo na prática cotidiana dos trabalhadores de saúde vinculados à coordenação da rede de Atenção Primária à Saúde e à equipe saúde da família do município de Marília SP Utilizaramse a abordagem qualitativa entrevistas semiestruturadas e análise de conteúdo Surgiu nas entrevistas o modo como as relações entre trabalho e gestão são produzidas e a maneira como as prioridades nacionais se relacionam com essa produção Buscouse trazer o reflexo e a contribuição da prática cotidiana à implementação do Pacto pela Saúde PALAVRASCHAVE Pacto pela Saúde Atenção Primária à Saúde Trabalho Gestão em saúde ABSTRACT From the principle that the Pacto pela Saúde must make sense for those who imple ment it in the micro politic spaces the study has sought to understand its implementation in the daily practice of the health workers attached to the Primary Health Care Network coordination and to the Family Health team in the municipality of MariliaSP The qualitative approach was used with semistructured interviews and content analysis Emerged from the interviews the way relations between work and management are produced and the way national priorities rela te to this production It was intended to bring the reflection and the contribution of daily practice to the implementation of the Pacto pela Saúde KEYWORDS Pact for Health Primary Health Care Work Health management SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 38 N 102 P 429439 JULSET 2014 429 O Pacto pela Saúde na prática cotidiana da Atenção Primária à Saúde The Pact for Health in the daily practice of Primary Health Care Tânia Silva Gomes Carneiro1 Pedro Silveira Carneiro2 Lucieli Dias Pedreschi Chaves3 Janise Braga Barros Ferreira4 Ione Carvalho Pinto5 1 Doutoranda em Enfermagem em Saúde Pública pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo USP Ribeirão Preto SP Brasil jasmimgomesyahoocombr 2 Doutorando em Saúde na Comunidade pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo USP Ribeirão Preto SP Brasil pscarneirogmailcom 3 Livredocente pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo USP Ribeirão Preto SP Brasil Professora associada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo USP Ribeirão Preto SP Brasil dpchaveseerpuspbr 4 Doutora em Enfermagem em Saúde Pública pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo USP Ribeirão Preto SP Brasil Professora da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo USP Ribeirão Preto SP Brasil janisefmrpuspbr 5 Livredocente pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo USP Ribeirão Preto SP Brasil Professora associada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo USP Ribeirão Preto SP Brasil ionecarveerpuspbr ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE DOI 1059350103110420140041 SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 38 N 102 P 429439 JULSET 2014 CARNEIRO T S G CARNEIRO P S CHAVES L D P FERREIRA J B B PINTO I C 430 Introdução Nos 25 anos do Sistema Único de Saúde SUS são apontados avanços na implementação dos seus princípios e diretrizes constitucionais em especial a universalidade e a descentralização com uma importante inclusão social no sistema público de saúde Ocorrem também avanços na gestão do sistema público com a criação dos fundos de saúde dos repasses fundo a fundo das comissões intergestores tripartite e bipartite das normas operacionais básicas pactuadas e recentemente no Pacto pela Saúde em suas três dimensões Pacto pela Vida em Defesa do SUS e de Gestão SANTOS 2010 O Pacto pela Vida compõe um conjunto de compromissos sanitários considerados prioritários expressos em objetivos de processos e resultados que apresentam impacto sobre a situação de saúde da população BRASIL 2006 O Pacto em Defesa do SUS expressa os compromissos entre os gestores do sistema de repolitizar a saúde com a consolidação da Reforma Sanitária Brasileira BRASIL 2006 O Pacto de Gestão estabelece diretrizes para o sistema valorizando o fortalecimento da gestão compartilhada e solidária BRASIL 2006 A partir do Pacto pela Saúde os acordos estabelecidos entre as três esferas de governo são formalizados por meio da assinatura do Termo de Compromisso de Gestão TCG que compreende responsabilidades objetivos e metas associados a indicadores e prioridades definidas nacionalmente A adesão aos termos substitui os antigos processos de habilitação previstos nas normas operacionais do SUS como requisito para transferência de responsabilidades e recursos MACHADO ET AL 2010 p 25 Atualmente com o Decreto no 750811 o TCG será substituído pelo Contrato Organizativo da Ação Pública da Saúde BRASIL 2011 que ainda não está vigente em todo o território nacional O Pacto pela Saúde em suas três dimensões representou uma mudança na forma de atuação do nível federal assim como uma revisão das relações federativas no SUS com aumento da necessidade de cooperação intergovernamental No entanto embora haja ênfase na pactuação federativa como eixo a elaboração dos compromissos pactuados se articula pouco com o planejamento se baseando mais na expectativa de solidariedade entre os entes o que acaba sendo um ponto frágil do Pacto pela Saúde Isso se evidencia pela pouca ênfase no diagnóstico situacional prévio à pactuação pela dificuldade de cada realidade local realizar uma adaptação das metas e prioridades e pela não definição de instrumentos para atingir as metas pactuadas investimentos recursos estruturas etc MACHADO ET AL 2010 Segundo Santos 2007 p 434 as mudanças propostas no Pacto pela Saúde devem ser analisadas sob o ponto de vista da macropolítica e da microgestão A microgestão está atrelada à micropolítica do trabalho em saúde onde está localizado o espaço para acumulação de êxitos visíveis e consecução de mudanças significativas do SUS Nesse sentido as prioridades definidas nacionalmente para o Pacto pela Vida BRASIL 2008 apresentam objetivos metas e indicadores que necessariamente se traduzem em um conjunto de compromissos e responsabilidades para as práticas cotidianas nos serviços de Atenção Primária à Saúde APS articulandoos à finalidade do trabalho Entre estas prioridades está o fortalecimento da própria APS organizada e qualificada pela Estratégia Saúde da Família ESF BRASIL 2008 A Política Nacional da Atenção Básica elege a ESF como a estratégia de reorientação do modelo de atenção à saúde em todo o território nacional Desde a implantação da saúde da família em 1994 houve grande expansão no número SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 38 N 102 P 429439 JULSET 2014 O Pacto pela Saúde na prática cotidiana da atenção primária à saúde 431 de equipes sendo que em setembro de 2010 a cobertura segundo o Ministério da Saúde chegou a 994 milhões de pessoas com 31500 equipes implantadas BRASIL 2008 Contudo para além da expansão questões de qualidade permanecem no debate ao lado de problemas ligados à própria natureza de um programa público universal que almeja a equidade Uma discussão premente centrase na potencialidade para transformação da ESF ao privilegiar outras interfaces do sistema à medida que busca estimular a organização dos sistemas locais e aproximar os serviços à realidade da população envolvendo os atores sociais desses cenários para que possam desenvolver todas as competências necessárias para a produção do cuidado em uma Atenção Básica que ambiciona resolver cerca de 80 dos problemas de saúde apresentados pelos usuários embora nem sempre isso se concretize Atenção Básica que deve ser necessariamente entendida como aquela que disputa seu papel que não deve ser simplesmente reiterado sob o ponto de vista do discurso mas consolidada gradualmente através da ampliação da sua legitimidade perante os usuários como efetivamente resolutiva e coordenadora do cuidado CECILIO ET AL 2012 Assim quanto mais estudos aproximarem os trabalhadores da Atenção Primária à Saúde envolvidos no processo de trabalho dos serviços de saúde com o compromisso político institucional assumido pelo município com o Pacto pela Saúde maiores serão as chances de que este se torne uma política pública efetiva O profissional de saúde produz trabalho vivo no exercício de suas funções ou seja o resultado de seu trabalho é consumido durante sua produção apropriandose dos instrumentos para produção do trabalho e sendo o produto desse trabalho MERHY 1997 2002 Este estudo apoiouse no referencial da micropolítica do trabalho em saúde de Mehry 1997 2002 Este autor conceitua a micropolítica do trabalho vivo em ato que nos permite duvidar analisar e revelar os sentidos e a direcionalidade intencionalidade do processo de trabalho em saúde e seus modos de operar cotidianamente os processos produtivos Esse movimento é fundamental nas dobras da gestão dos estabelecimentos de saúde e de seus resultados como o lugar onde se governam os processos institucionais pois é o espaço da formulação e da decisão de políticas É também o lugar onde se pode imprimir direcionalidade aos atos produtivos ao governar processos de trabalho Na micropolítica o processo de trabalho está sempre aberto à presença do trabalho vivo em ato possibilitando ao trabalhador a criação de novos processos de trabalho interrogando os velhos processos cristalizados Entendese que a simples pactuação não garante que venham a ocorrer mudanças na maneira de se produzir o cotidiano dos serviços de saúde Isto depende também da descentralização do processo de gestão para que os atores locais gestores trabalhadores de saúde prestadores de serviço e usuários tornemse protagonistas na pactuação de novos compromissos e responsabilidades BRÊTAS SILVA 2010 p 31 Diante desse desafio este estudo tem por objetivo compreender o processo de implementação do Pacto pela Saúde na prática cotidiana dos trabalhadores de saúde vinculados à coordenação da Rede de Atenção Primária à Saúde e os vinculados à coordenação da equipe saúde da família Material e método Este estudo é um recorte de uma pesquisa do programa de PósGraduação em Enfermagem em Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo EERPUSP realizada em dez Unidades de Saúde da SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 38 N 102 P 429439 JULSET 2014 CARNEIRO T S G CARNEIRO P S CHAVES L D P FERREIRA J B B PINTO I C 432 Família USF no município de Marília SP No momento do estudo Marília SP contava com uma cobertura de 3671 de ESF com 29 USF MARÍLIA 2008 As USF participantes foram selecionadas tomando se como critérios ter mais de um ano de implantação e adscrição do território em área de risco social segundo o mapeamento realizado pelo município MARÍLIA 2008 Este estudo elegeu a abordagem qualitativa por pretender caracterizar ou conhecer o universo dos símbolos significados subjetividade e intencionalidade dos sujeitos participantes buscando acessar o cotidiano as vivências e as explicações do senso comum das pessoas que vivenciam determinada situação MINAYO 2007 Para a coleta de dados foram realizadas entrevistas semiestruturadas durante o mês de dezembro de 2009 pelos próprios pesquisadores Segundo Minayo 2007 no ato da entrevista a interrelação contempla os planos afetivo e existencial e o contexto do dia a dia das experiências e linguagens que podem ser reveladoras de condições estruturais sistemas de valores normas símbolos concepções e percepções acerca do que se quer conhecer nas pesquisas Foram convidados a participar todos os trabalhadores de saúde vinculados à gestão colegiada da coordenação das equipes de saúde da família médico dentista enfermeiro das dez USF selecionadas e os vinculados à coordenação da rede de Atenção Primária à Saúde municipal Foram critérios de exclusão atuar há menos de dois anos na rede de Atenção Primária municipal atuar há menos de um ano na coordenação ocupada no momento do estudo não aceitar participar do estudo e dessa forma não assinar o termo de consentimento livre e esclarecido TCLE e a impossibilidade de participar da entrevista durante o período em que estas foram realizadas Esclarecemos que no momento do estudo em Marília SP a coordenação das unidades de saúde era realizada de forma colegiada pelos profissionais de nível superior mencionados As coordenações das unidades estavam subordinadas à coordenação da rede de Atenção Primária à Saúde do município que se situa no nível central da Secretaria Municipal de Saúde Assim participaram do estudo 20 trabalhadores de saúde 17 da coordenação da equipe saúde da família e três da coordenação da rede de Atenção Primária à Saúde municipal O roteiro utilizado para as entrevistas construído previamente abordou aspectos da percepção apropriação e compromisso dos trabalhadores de saúde com o Pacto pela Saúde em suas práticas cotidianas no serviço de saúde Após a anuência dos sujeitos participantes as entrevistas foram gravadas permitindo que as informações coletadas fossem transcritas literalmente preservando se a fidedignidade das informações Para a análise dos dados utilizouse a Análise de Conteúdo proposta por Bardin BARDIN 1995 que abrangeu três etapas pré análise exploração do material e tratamento dos resultados e inferência e interpretação Para garantir o anonimato dos participantes suas falas foram codificadas com o uso de letras seguidas de uma numeração Coordenação da equipe saúde da família denominados CE de 1 a 17 e Coordenação da rede de Atenção Primária à Saúde denominados CR de 1 a 3 Em cumprimento aos requisitos éticos a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da EERPUSP e pelo Conselho Municipal de Avaliação em Pesquisa COMAP da Secretaria Municipal de Saúde de Marília SP Resultados e discussão A implementação do Pacto pela Saúde na prática cotidiana Dos 20 trabalhadores de saúde entrevistados 5 25 eram médicos 6 30 odontólogos SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 38 N 102 P 429439 JULSET 2014 O Pacto pela Saúde na prática cotidiana da atenção primária à saúde 433 e 9 45 enfermeiros Deste total 17 85 eram do sexo feminino O tempo de formação variou entre 5 e 27 anos com média de 1135 anos e a idade variou entre 28 e 52 anos com uma média de 355 anos O tempo de trabalho na rede de Atenção Primária à Saúde de Marília SP variou entre 2 e 11 anos com média de 62 que foi semelhante ao tempo daqueles que trabalhavam nas Unidades de Saúde da Família no momento do estudo Assim os participantes deste estudo já trabalhavam no município desde antes de sua adesão ao Pacto pela Saúde em 2007 Em relação à especialização lato sensu 15 75 dos trabalhadores apresentavam alguma forma de pósgraduação sendo 12 60 específicas em saúde da família Nos relatos dos trabalhadores de saúde vinculados à coordenação da equipe saúde da família quando abordados de forma direta sobre o Pacto pela Saúde as três categorias profissionais referiram uma aproximação geral mostrando um conhecimento superficial como segue Sobre o pacto da saúde Então eu não tenho muita informação sobre isso né Eu ouvi falar muito vagamente eu não consigo falar sobre isso CE15 eu acho que estou um pouco distante disso e ainda não tenho informação suficiente talvez pela rotina mesmo pela rotina de trabalho e por falta de informação mesmo CE1 eu tenho uma noção muito sucinta às vezes eu não tenho nada que me aprofunde dentro disso Se me perguntar os tipos de pactos e como que é eu não sei dizer claramente CE6 Tal aproximação é trazida a partir de reuniões em uma pactuação longínqua do cotidiano dos serviços e da comunidade onde se realiza o cuidado em suas conexões sociais econômicas culturais éticas e políticas na conformação do viver de perceber e de se implicar com a produção social da saúde a gente já participou de algumas reuniões com a secretaria foi mencionado isso as metas que o município entra em acordo as metas que o município precisava atingir mas eu não sei te dizer exatamente o que é esse pacto pela saúde foi pinceladas assim em algumas reuniões CE14 Isso se reafirma nas falas dos coordenadores da Rede de Atenção Primária à Saúde sobre a realidade da operacionalização do Pacto pela Saúde no município talvez eles saibam dizer porque eles ouviram falar mas não porque a gestão conseguiu fazer um movimento de envolvêlos no processo CR1 eu acho que hoje a gente não trabalha com a ponta a gente ainda tá assim a gente avalia o que a ponta faz mas não existe a participação da ponta na pactuação desses indicadores dessas metas Então eu ainda acredito que fica um pouco fora da realidade e acredito que isso só vai ser possível quando a gente conseguir agregar os trabalhadores a essas reuniões onde a gente tenta pactuar as metas CR3 Percebese um maior conhecimento sobre o Pacto pela Saúde na fala da coordenação da rede de Atenção Primária o que traz a ideia de que o conhecimento do pacto como instrumento de gestão se acumula na coordenação da rede evidenciando um distanciamento da equipe saúde da família em relação ao real objeto desse pacto o cotidiano dos serviços de atenção primária Como visto nessa fala Então o pacto eu acho que foi um grande avanço no SUS né a gente conseguiu trazer vários nortes que a gente tinha tentava através das NOBs Norma Operacional Básica das NOAS Normas Operacionais da Assistência à Saúde e aí se consolidou tudo e se criou o pacto uma das diretrizes do Pacto pela SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 38 N 102 P 429439 JULSET 2014 CARNEIRO T S G CARNEIRO P S CHAVES L D P FERREIRA J B B PINTO I C 434 Vida é a questão do fortalecimento da Atenção Básica Então eu acho assim que o pacto veio fortalecer os gestores enquanto plenos da do seu sistema né com o Pacto pela Vida o Pacto em Defesa do SUS o Pacto de Gestão trazendo as diretrizes para você pensar a gestão no seu município você colocando através de indicadores métodos o que você faz e o que você não faz se você não faz em quanto tempo você vai fazer Então ele traz um norte para a gestão municipal CR2 A percepção da responsabilidade e da importância do papel do coordenador da rede de Atenção Primária na aproximação dos trabalhadores das equipes saúde da família para a construção do sentido do Pacto pela Saúde no processo de trabalho esteve presente como evidencia o depoimento que segue A coordenação da Atenção Básica ela é fundamental para entender o Pacto pela Saúde e nós somos o canal acredito pra tá levando essas aproximações para as equipes porque por várias aproximações a pessoa vai entender o papel dela como profissional de saúde dentro do Pacto pela Saúde CR1 A pouca aproximação e o distanciamento estão relacionados à maneira como o Pacto pela Saúde foi construído e apresentado no espaço micropolítico Neste sentido Machado et al 2009 discutem que o Pacto pela Saúde ainda se apresenta como normativas e portarias expedidas pelo Ministério da Saúde ou pela Comissão Intergestores Bipartite CIB ou pela Comissão Intergestores Tripartite CIT E essas informações embora disponíveis em sites oficiais demoram a chegar aos profissionais que atuam diretamente na assistência à saúde Assim não basta para a efetivação do Pacto pela Saúde a relação entre os gestores nas comissões interfederativas sendo necessária a participação dos trabalhadores pois são eles que a princípio convivem com a realidade local e podem adequar a qualidade da resposta do sistema às necessidades da população São os resultados construídos a partir do cotidiano concreto pelas ações de quem produz a saúde em ato que reorganizam e sustentam as novas pactuações Nesse sentido a fala da coordenação da rede de Atenção Primária traz a percepção da necessidade de construção de uma lógica ascendente o Pacto pela Saúde traz as prioridades em nível nacional né mas dando essa possibilidade de você agregar a sua realidade quer dizer se você tem uma outra necessidade que não está contemplada ali você deve colocar você deve pensar E aí por isso que seria interessante você fazer essa proposta ascendente porque você fazendo a fragmentada você acaba ficando só no modelinho do que está ali e você trazendo as pessoas para a discussão você vai ampliar o olhar e aí você consegue qualificar e trabalhar realmente com a realidade e as necessidades CR2 É importante que os trabalhadores possam ser e estar envolvidos na adesão crítica e consciente ao projeto e que repensem o seu papel assumindo a dimensão de parceiros construtores desse projeto e não somente de seus executores ACIOLE 2012 p 689 Para Cubas 2011 é no nível local que teria mais conhecimento da realidade e das necessidades de saúde de seu território a serem enfrentadas pelo menos a princípio e de sua capacidade instalada que deveriam ser pactuadas as metas para de fato organizar suas práticas de forma democrática e participativa construindo assim a pactuação das metas em conformidade com o conceito de Atenção Básica Entretanto o que se verifica na realidade é que este movimento de pactuação ainda está distante de ser democrático e participativo A equipe por não possuir espaços de escuta e discussão por vezes é SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 38 N 102 P 429439 JULSET 2014 O Pacto pela Saúde na prática cotidiana da atenção primária à saúde 435 considerada como uma simples executora do plano não tendo consciência do real impacto de suas ações CUBAS 2011 p 1761 O envolvimento com a obra é relativo ao conhecimento e à participação na elaboração das metas municipais pactuadas Em algumas falas aparece a falta de comunicação a respeito das metas e em contrapartida o reconhecimento de que no dia a dia do trabalho nos serviços de saúde podese chegar a atingilas porém sem que se saiba que elas faziam parte de uma das metas pactuadas talvez se eu conhecesse melhor eu acho que talvez eu pudesse desempenhar minha função de uma forma melhor e aí eu acho que poderia até ter uma contribuição maior para que o pacto funcionasse porque a partir do momento que eu desconheço eu nem sei se eu estou contribuindo CE4 Aciole 2012 p 684 corrobora com a importância da participação ao reconhecer a necessidade de um pacto éticopolítico entre gestores e trabalhadores Neste pacto a gestão do sistema deve assumir a perspectiva cotidia na de produção da saúde e nela reconhecer o protagonismo do ator essencial que são os tra balhadores de saúde As relações de contratualidade e os acordos entre os atores envolvidos nem sempre são conhecidas e faladas sendo necessário para analisálas compreender que são construídas politicamente apesar de se apresentarem como técnicas Entendese que este processo de contratualização não é único depende das situações e das maneiras como os atores expressam as intenções lugares e desejos dos momentos de força que ocupam dos modos como jogam no cenário das suas acumulações ou não MERHY ET AL 2007 A corresponsabilidade do trabalhador favorece o entendimento sobre o significado de seu trabalho produzindo um caminho a ser trilhado norteado por objetivos e metas que confiram direcionalidade para o fazer MERHY ET AL 2007 algo que nem sempre está presente no cenário estudado como vemos na seguinte fala às vezes a gente trabalha trabalha trabalha e não vê pra onde a gente tá indo o que a gente tá fazendo a importância da avaliação desses objetivos dessas metas é pra ver justamente se você está indo no caminho certo CE14 Até mesmo para contribuir com o que foi pactuado pelo município é importante conhecer e lidar com indicadores como parâmetros para a prática cotidiana Mesmo nesse contexto em que não são envolvidos no processo de pactuação os trabalhadores vinculados à coordenação da equipe saúde da família consideraram que o desenvolvimento de seu trabalho cotidiano pode contribuir para o cumprimento das metas pactuadas se a gente for ver todo o contexto então a equipe contribui muito para o cumprimento das metas Se nós não tivermos atentos não fazer acontecer não adianta ter a gestão lá em cima CE6 Este aspecto evidencia a potencialidade do trabalhador para o comprometimento com a efetivação do Pacto pela Saúde Ressalta se que este comprometimento não se dá no âmbito de meros executores mas de sujeitos que são portadores de suas críticas como demonstram ao relatar a incompatibilidade de determinadas metas municipais em relação às suas realidades locais Por serem metas homogêneas podem fazer confronto com as realidades das Unidades de Saúde da Família que não são iguais a gente tinha um número muito grande de gestantes adolescentes Isso sempre foi uma pedra no nosso sapato porque sempre foi SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 38 N 102 P 429439 JULSET 2014 CARNEIRO T S G CARNEIRO P S CHAVES L D P FERREIRA J B B PINTO I C 436 estabelecido que as gestantes adolescentes são gestantes de risco que não era conveniente só que a realidade daqui não é essa elas querem engravidar na adolescência Então o que fazer com esse desejo Porque existe um desejo e aí nós trabalhamos junto com a coordenação de saúde da mulher saúde da criança e a coordenação da Atenção Básica e todos nós juntos com a equipe nós chegamos à conclusão de que o papel da unidade nisso é de apoiar essas adolescentes em um ótimo prénatal Nós chegamos à conclusão que assim que a meta de não ter gestantes adolescentes não é para nós A nossa realidade não é não ter gestantes adolescentes é ter gestantes adolescentes em prénatal em acompanhamento regular CE7 Nesse sentido de produção de sujeitos os objetivos indicadores e metas precisam ser geridos não como um modelo a priori de organização do trabalho que dispute com o que já é feito mas como uma forma de trazer interrogações sobre o que está ocorrendo abrindo à possibilidade dos trabalhadores das equipes de saúde construírem novas formas de realizar o trabalho que dialoguem com sua realidade ressignificando as metas pactuadas para que façam sentido Segundo Merhy Magalhães Junior e Franco 2007 o segredo em situações reais é olhar e analisar cada situação na sua singularidade o que depende das relações de contratualidade entre os diversos atores sociais em cena que no Pacto pela Saúde precisam estar claras por meio do diálogo Nas relações de contratualidade do município em estudo além da coordenação da equipe saúde da família e da rede de Atenção Primária foi mencionado nas falas dos participantes outros atores os entrevistados se remetem aos grupos técnicos dos programas assistenciais da Secretaria Municipal de Saúde constituídos no nível central desta mesma secretaria pelos técnicos de cada programa saúde da mulher da criança etc como participantes desse processo de definição de metas processos de trabalho necessidades de saúde No entanto verificouse que essas contratualidades assumem roupagem técnica na forma de planilhas reuniões alimentação de base de dados etc a nível central a gente tem os grupos técnicos tem saúde da mulher saúde da criança saúde do adulto saúde mental então a gente preenche planilhas em determinada época do mês Mais ou menos até o dia 20 eu preencho a planilha referente ao mês anterior o que aconteceu CE11 Essa prática fragmentada e desarticulada com os diversos atores na realidade do município estudado é apontada na fala a seguir equipe saúde da família a gente ainda tem uma dificuldade na secretaria de se trabalhar muito fragmentado que é uma crítica que eu faço ao nosso organograma A gente o organograma tradicional com as caixinhas ele divide muito né as pessoas acabam não se integrando e formando uma roda para se discutir as prioridades conjuntamente né a gente acaba focando mais nas prioridades de cada quadradinho de cada setor Então por exemplo a construção do Pacto se deu em cada setor Então os indicadores são da criança do adulto saúde da mulher CR2 Apesar das dificuldades na relação entre gestão e trabalhadores apontadas pelos participantes do estudo também houve momentos em que a gestão municipal considerou as experiências das realidades locais em iniciativas nas quais os trabalhadores foram convidados a participar da dengue foi feito uma reunião com o representante de cada unidade de saúde do município não só do nível superior como também agente comunitário por exemplo Eu SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 38 N 102 P 429439 JULSET 2014 O Pacto pela Saúde na prática cotidiana da atenção primária à saúde 437 estou te citando foi a última e onde foram todos ouvidos dentro da suas experiências das suas realidades E aí a coordenação da Atenção Básica fez um balanço final propondo novas metas que fossem condizentes com aquilo que o pessoal da ponta indicava CE13 A participação facilita a satisfação de necessidades de realização pessoal e profissional à medida que possibilita a expressão e o uso das potencialidades de contribuição de cada pessoa E ainda mobiliza esforços e acrescenta habilidades individuais que separadamente seriam inúteis ou impossíveis de se utilizar MOTTA 2002 A participação na fala do trabalhador é considerada importante por refletir a oportunidade de dimensionar o todo como uma forma de reconhecer sua realidade local inserida no contexto do município Muito importante a participação porque aí você consegue também ter uma avaliação não só da sua microrregião ali mas também do como que está esse município Não fica só ali em nível central a gente decide a gente discute a gente cobra de vocês Tem que conhecer um pouco qual é a nossa realidade CE11 Assim está presente nas falas dos entrevistados a percepção da necessidade de dialogar com a coordenação da rede de Atenção Primária a fim de poder qualificar o processo de planejamento e desfazer a forma verticalizada da articulação entre as coordenações ideia essa que está presente também na fala da coordenação da rede de Atenção Primária a hora que a gente conseguir fazer essa questão da democracia envolvendo as pessoas fazendo coisas ascendentes entendeu e se a gente conseguir avançar nessa coisa do conjunto do coletivo eu acho que o pacto vai fazer muito mais parte da nossa rotina do que faz hoje CR2 Entendese como essencial realizar um movimento democratizante nos espaços em que é tecida a micropolítica do processo de trabalho que pode fortalecer a construção do Pacto pela Saúde na prática cotidiana dos serviços de saúde Conclusões Discutir a implementação do Pacto pela Saúde a partir da prática cotidiana dos serviços de saúde da Atenção Primária permitiu compreender o modo como as relações entre trabalho e gestão são produzidas e a maneira como as prioridades em nível nacional se relacionam com essa produção Constatouse haver pouca aproximação dos trabalhadores vinculados à coordenação da equipe saúde da família com o Pacto pela Saúde no espaço micropolítico do trabalho revelando inicialmente um conhecimento superficial e uma percepção de distanciamento na elaboração desse pacto frente às realidades do cotidiano dos serviços Esse distanciamento se justifica pelo processo de construção das metas municipais ainda se darem em uma lógica setorizada por programas verticais sem a participação dos atores que desenvolvem as ações previstas Apesar desse contexto entendemos que o Pacto pela Saúde gera direcionalidade nos processos de trabalho ao vermos que nos relatos das cenas do dia a dia trazidos pelos entrevistados surgem as formas de concretização das metas pactuadas pelo município nas atividades desenvolvidas no cotidiano do trabalho na Atenção Primária Os trabalhadores de saúde vinculados à coordenação da equipe saúde da família consideraram que o desenvolvimento de seu trabalho no cotidiano contribui para o cumprimento das metas pactuadas no município inclusive com momentos onde a equipe saúde da família ressignifica a meta pactuada para fazer sentido a partir das realidades singulares de cada equipe SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 38 N 102 P 429439 JULSET 2014 CARNEIRO T S G CARNEIRO P S CHAVES L D P FERREIRA J B B PINTO I C 438 Referências ACIOLE G G Falta um pacto na Saúde elementos para a construção de um Pacto ÉticoPolítico entre gestores e trabalhadores do SUS Saúde em Debate Rio de Janeiro v 36 n 95 p 684694 2012 BRASIL Ministério da Saúde Secretaria Executiva Coordenação de apoio à gestão descentralizada Diretrizes operacionais para os pactos pela vida em defesa do SUS e de gestão Brasília Ministério da Saúde 2006 BRASIL Ministério da Saúde Portaria nº 325 de 21 de fe vereiro de 2008 Estabelece prioridades objetivos e metas do Pacto pela Vida para 2008 os indicadores de monito ramento e avaliação do Pacto pela Saúde e as orientações prazos e diretrizes para a sua pactuação Diário Oficial da União Brasília DF 21 fev 2008 Seção I p 37 BRASIL Presidência da República Casa Civil Subchefia para assuntos Jurídicos Decreto nº 7508 de 28 de junho de 2011 Regulamenta a Lei nº 8080 de 19 Essa realidade não exclui que o comprometimento com o Pacto pela Saúde tenha relação com o conhecimento e a participação na elaboração das metas municipais pactuadas tendo em vista que os elementos desse mesmo pacto chegam de forma filtrada com metas homogêneas para o município que fazem confronto ou nem sempre fazer sentido para a realidade local da atenção primária Tal comprometimento depende da articulação dos diversos atores sociais em cena e da possibilidade de explicação das várias formas de ver o cotidiano e os problemas percebidos passando necessariamente pelo diálogo No entanto houve momentos pontuais de uma participação dialogada na tentativa de ouvir e considerar as realidades locais dos trabalhadores de saúde a exemplo do combate da dengue no município que seria um modo de trazer os trabalhadores para o centro do processo decisório Assim considerase que é possível o trabalhador de saúde no processo de trabalho assumir a autoria de sua obra e de seu empenho com a obra em contínua construção que é o SUS ao interrogar o mundo de seu trabalho possibilitando o entendimento da intencionalidade do trabalho nos planos ético e político É necessário muito diálogo entre gestão e trabalho a fim de aproximar os trabalhadores de saúde da construção de sua obra para com SUS e constituílo a partir daquilo que acontece na realidade local nos espaços da micropolítica do trabalho em saúde Neste estudo identificouse que as mudanças propostas pelo Pacto pela Saúde dependem na prática também das contratualidades dos trabalhadores de saúde envolvidos com o processo de produção da saúde Dessa forma o trabalhador de saúde precisa ser incorporado nas contratualidades do Pacto pela Saúde Entendese que o Pacto pela Saúde não pode ser um fazer por fazer é necessário que faça sentido para quem o efetiva nos espaços micropolíticos pois o fazer dos trabalhadores de saúde tem reflexos e resultados na realidade s SAÚDE DEBATE RIO DE JANEIRO V 38 N 102 P 429439 JULSET 2014 O Pacto pela Saúde na prática cotidiana da atenção primária à saúde 439 de setembro de 1990 para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde SUS o planejamento da saúde a assistência à saúde e a articulação interfedera tiva e dá outras providências Diário Oficial da União Brasília DF 29 jun 2011 BARDIN L Análise de conteúdo Lisboa Edições 70 1995 BRÊTAS J N SILVA S F Avaliando o Pacto pela Saúde uma oportunidade estratégica para promover avanços no SUS Divulgação em Saúde para Debate Rio de Janeiro n 46 p 2731 maio 2010 CECILIO L C O et al A atenção Básica à Saúde e a construção das redes temáticas de saúde qual pode ser o seu papel Ciência e Saúde Coletiva Rio de Janeiro v 17 n 11 p 28932902 2012 CUBAS M R Desafios para a enfermagem no alcance das metas da Atenção Primária Revista da Escola de Enfermagem da USP Ribeirão Preto v 45 n especial 2 p 17581762 2011 MACHADO R R et al Entendendo o pacto pela saú de na gestão do SUS e refletindo sua implementação Revista Eletrônica de Enfermagem Internet v 11 n 1 p 181187 2009 Disponível em httpwwwfenufgbr revistav11n1v11n1a23htm Acesso em 20 nov 2013 MACHADO C V BAPTISTA T W F LIMA L D O planejamento nacional da política de saúde no Brasil estratégias e instrumentos nos anos 2000 Ciência Saúde Coletiva Rio de Janeiro v 15 n 5 p 23672382 ago 2010 MARÍLIA Prefeitura Municipal de Marília Secretaria Municipal de Saúde Relatório de gestão 2008 Marília Prefeitura Municipal 2008 MERHY E E Em busca do tempo perdido a micro política do trabalho vivo em saúde In MERHY E E ONOCKO R Orgs Agir em saúde um desafio para o público São Paulo Hucitec 1997 p 71112 Saúde a cartografia do trabalho vivo São Paulo Hucitec 2002 MERHY E E MAGALHÃES JUNIOR H M M FRANCO T B O trabalho em saúde olhando e ex perienciando o SUS no cotidiano 4 ed São Paulo Hucitec 2007 MINAYO M C S Org Pesquisa social teoria méto do e criatividade 25 ed Rio de Janeiro Vozes 2007 MOTTA P R Gestão contemporânea a ciência e a arte de ser dirigente Rio de Janeiro Record 2002 SANTOS N R O desenvolvimento do SUS sob o ângulo dos rumos estratégicos e das estratégias para visualização dos rumos a necessidade de acompanha mento Ciência Saúde Coletiva Rio de Janeiro v 12 n 2 p 429435 2007 SANTOS N R Sistema Único de Saúde 2010 espaço para uma virada Mundo saúde São Paulo v 34 n 1 p 819 2010 Recebido para publicação em fevereiro de 2014 Versão final em julho de 2014 Conflito de interesses inexistente Suporte financeiro não houve