·

Psicologia ·

psicologia social

Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora

Fazer Pergunta

Texto de pré-visualização

Resenha Crítica Filme Que horas ela volta O filme Que Horas Ela Volta lançado em 2015 e dirigido por Anna Muylaert emerge como uma reflexão profunda sobre as desigualdades sociais e as dinâmicas de classe que caracterizam a sociedade brasileira O lançamento ocorre em um período significativo no Brasil marcado pela aprovação da chamada PEC das Domésticas em 2013 durante o governo Dilma Rousseff que ampliou os direitos trabalhistas das empregadas domésticas Esse contexto histórico realça a relevância do filme ao enfatizar a discussão sobre direitos igualdade e o papel das empregadas na estrutura social brasileira Entre os personagens principais do filme estão Val Regina Casé Jéssica Camila Márdila Bárbara Karine Teles Carlos Lourenço Mutarelli e Fabinho Michel Joelsas A trama segue a história de Val uma empregada doméstica nordestina que se muda para São Paulo em busca de uma vida melhor para sua filha Jéssica deixandoa no Nordeste enquanto assume o papel de babá do filho de seus patrões uma família de classe média alta Treze anos depois Jéssica decide se juntar à mãe em São Paulo para prestar o vestibular desafiando as normas implícitas e a hierarquia silenciosa que define o relacionamento de Val com seus empregadores A narrativa de Muylaert revela a complexidade dessas relações e as fronteiras que mesmo invisíveis delimitam o espaço social entre empregados e patrões A psicologia social especialmente através dos conceitos de identidade e representações sociais discutidos por Silvia Lane 1981 fornece uma base sólida para entender as interações e conflitos que se desenrolam no filme Além disso as contribuições de Jurema Brites 2010 sobre a estratificação das relações de trabalho no Brasil enriquecem a análise permitindo uma compreensão mais profunda dos mecanismos de desigualdade e das transformações pessoais que ocorrem ao longo da história Ao longo desta resenha serão explorados temas como desigualdade social a formação e ruptura de identidades o impacto da migração nordestina e o processo de empoderamento de Val A análise busca evidenciar como Que Horas Ela Volta transcende a narrativa familiar apresentando uma crítica incisiva às estruturas sociais que mantêm a hierarquia de classe no Brasil e oferecendo ao espectador um convite à reflexão sobre a possibilidade de transformação e emancipação Desigualdade Social e a Estratificação das Relações O longametragem retrata de forma notória as desigualdades sociais no Brasil especialmente no que se refere às diferentes classes representadas pela relação entre Val uma empregada doméstica nordestina e seus patrões uma família de classe média alta em São Paulo A estrutura de classe se manifesta através de uma divisão hierárquica no ambiente doméstico onde Val apesar de morar na casa dos patrões e ser tratada como se fosse da família pela empregadora permanece segregada a um pequeno quarto isolado sendo impedida de compartilhar certos espaços da casa e essa discrepância indica a distinção de status entre empregador e empregado e a naturalização da desigualdade no ambiente familiar A antropóloga Jurema Brites 2010 explora esse tipo de relação em seu estudo destacando como o trabalho doméstico se configura em uma reprodução estratificada de classe gênero e muitas vezes etnia em que a empregada assume um papel subalterno dentro de uma estrutura que a limita e define No filme Val adere às normas tácitas que reforçam essa hierarquia aceitando limitações como não utilizar a piscina não comer na mesa dos patrões e permanecer à margem da convivência familiar Brites define essa prática como a didática da distância social que se reflete nas normas de segregação simbólica e espacial que posicionam a empregada em uma situação de inferioridade e a mantêm socialmente isolada apesar da proximidade física com a família Brites 2010 p 114 Além disso Lapyda 2014 reforça que a posição de Val não é apenas uma circunstância individual mas reflete uma estrutura de poder que sustenta e naturaliza a desigualdade na sociedade brasileira Segundo Lapyda a subordinação dos trabalhadores domésticos é mantida por uma estrutura de relações de poderdominação e de exploração existentes numa sociedade Lapyda 2014 o que torna esses limites sociais invisíveis difíceis de serem contestados e superados Identidade e Representações Sociais Que Horas Ela Volta explora a construção da identidade social de Val e Jéssica moldada pelas expectativas de classe e pelo contexto social em que estão inseridas Segundo Silvia Lane 1981 a identidade social é o conjunto de significados e papeis que os indivíduos assumem na sociedade e que são constantemente construídos e reforçados pelo meio em que vivem No caso de Val sua identidade é definida pelo papel submisso de empregada doméstica uma posição que ela aceita como parte de sua realidade e que rege seus comportamentos e sua visão de mundo As representações sociais descritas por Lane como os sistemas de valores e crenças que estruturam a maneira como as pessoas percebem o mundo e a si mesmas influenciam as atitudes de Val e de seus patrões Ela internaliza o papel de subserviência e inferioridade comportandose de acordo com as normas e limites impostos pelos patrões como não usar a piscina ou comer na mesma mesa que eles Esses comportamentos refletem uma mediação ideológica onde as representações de inferioridade e de hierarquia de classe se tornam parte da identidade de Val sem que ela perceba a profundidade dessa influência Lane 1981 p 22 A chegada de Jéssica no entanto provoca uma ruptura Ao contrário da mãe Jéssica se recusa a aceitar essas representações sociais limitantes Sua postura assertiva e questionadora desafia a identidade submissa que Val assumiu ao longo dos anos expondo as contradições das hierarquias impostas e revelando uma nova forma de conceber a própria identidade sem subordinação Esse confronto entre as identidades de mãe e filha simboliza a luta entre a tradição e a emancipação onde Jéssica representa um impulso de transformação e resistência às representações sociais que limitam a mobilidade social de sua família Migração Nordestina e a Distância Social A migração de Val do Nordeste para São Paulo em busca de melhores condições de vida para sua filha é um tema central em Que Horas Ela Volta e reflete uma experiência compartilhada por muitas famílias brasileiras Essa migração está frequentemente associada a um deslocamento não apenas físico mas também simbólico onde os migrantes enfrentam barreiras culturais sociais e regionais ao tentar se inserir em novos espaços urbanos No caso de Val sua posição como empregada doméstica em uma casa de classe média alta acentua essas barreiras colocandoa em uma situação de subordinação e exclusão social Brites 2010 destaca que as mulheres migrantes nordestinas ao assumirem posições de trabalho doméstico são frequentemente associadas a uma identidade subalterna reforçando as estruturas de classe e a distância social entre empregador e empregado No filme essa relação é evidente Val embora seja vista como parte da família é sempre lembrada de seu lugar na hierarquia da casa mantendose em um quarto de empregada e seguindo normas que a distanciam do espaço familiar Empoderamento e Resistência Social No desenrolar de Que Horas Ela Volta a emancipação de Val se torna um aspecto crucial especialmente quando ela começa a se libertar das amarras que sempre a mantiveram em uma posição submissa Inspirada pela postura assertiva de Jéssica que desafia abertamente as normas da casa dos patrões Val passa a questionar o papel que lhe foi imposto Essa transformação pessoal encontra respaldo nos conceitos de Paulo Freire que em Pedagogia do oprimido 2005 argumenta que a conscientização permite aos indivíduos subalternos reconhecerem sua opressão e resistirem a ela de forma ativa conquistando autonomia Ao longo do filme Val começa a tomar consciência de sua própria subordinação e com o apoio indireto de Jéssica decide romper com esse ciclo de opressão ao se demitir e buscar uma vida independente Esse processo de emancipação também é discutido por bell hooks que em Teaching to Transgress Education as the Practice of Freedom 1994 defende que a resistência e o empoderamento dos marginalizados são formas de educarse para a liberdade A decisão de Val em trilhar um novo caminho e fortalecer os laços com sua filha e neto ilustra uma busca por liberdade e dignidade alinhandose à visão de Hooks sobre o potencial transformador do empoderamento pessoal Conclusão Que Horas Ela Volta excede a narrativa pessoal de uma empregada doméstica e sua filha alcançando uma crítica ampla e complexa sobre a sociedade brasileira e as relações de classe Através das experiências de Val e Jéssica o filme ilustra como a desigualdade social é sustentada por representações e identidades construídas e internalizadas frequentemente sem questionamentos pelos próprios indivíduos subordinados a essas hierarquias A análise dos conceitos de psicologia social de Silvia Lane e das observações de Jurema Brites sobre as relações de trabalho revela a profundidade dos conflitos internos e das transformações vividas pelas personagens Enquanto Val representa a internalização das normas de subordinação e o cumprimento do papel social esperado de uma empregada doméstica Jéssica simboliza a ruptura com essas representações sociais confrontando as barreiras impostas e abrindo caminho para uma visão de identidade mais autônoma e crítica Esse confronto permite que Val reavalie sua posição evidenciando que a transformação pessoal e social pode surgir da conscientização e da resistência às normas e papéis estabelecidos Referências Bibliográficas Brites J 2010 Da porta da cozinha pra lá Gênero e mudança social no filme Que horas ela volta Revista Online de Comunicação Linguagem e Mídias Freire P 2005 Pedagogia do oprimido 41ª ed Paz e Terra Hooks B 1994 Teaching to transgress Education as the practice of freedom Routledge Lane S T M 1981 O que é psicologia social Brasiliense Lapyda I 2014 Classes sociais abordagens clássicas e desenvolvimentos contemporâneos Laboratório Didático USP ensina Sociologia Muylaert A Diretora 2015 Que horas ela voltaFilme Gullane Filmes