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Rev Carta Inter Belo Horizonte v 11 n 3 2016 p 199221 199 Bruno Hendler Isabela Nogueira O Sudeste Asiático entre Estados Unidos e China arquipélago de economias de mercado ou palco da competição interestatal capitalista Southeast Asia amidst the United States and China market economies archipelago or intercapitalist competition stage DOI 1021530civ11n32016489 Bruno Hendler1 Isabela Nogueira2 Resumo Este artigo examina a projeção da China sobre o Sudeste SE Asiático a partir de três ciclos recentes 19901997 19972008 e de 2008 até hoje Temse como hipótese que o SE Asiático tem se tornado um palco de grande relevância no jogo de poder e riqueza entre EUA e China desde 2008 e se afastado do cenário proposto por Giovanni Arrighi e Beverly Silver de formação de um arquipélago de economias de mercado no qual as disputas por poder estariam subordinadas a ganhos coletivos por meio da interdependência econômica Com foco na relação histórica SE AsiáticoChina argumentase que apesar do esforço diplomático desse país o terceiro ciclo de relações com a região é mais agressivo e tem elevado as assimetrias nas esferas comercial financeira e políticomilitar Somandose isso ao pivô estratégico da administração Obama concluímos que o acirramento da disputa entre as potências é um cenário provável PalavrasChave Relações ChinaSudeste Asiático Arquipélago de Economias de Mercado Competição Interestatal Pivô Estratégico Abstract The article analyses Chinas projection on Southeast SE Asia based on three recent cycles 19901997 19972008 and 2008 to date Our hypothesis is that SE Asia has become an increasingly important stage in the game of power and wealth between the US and China ever 1 Doutorando do Programa de PósGraduação em Economia Política Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador do LabChina Laboratório de Estudos em Economia Política da China 2 Professora Adjunta do Instituto de Economia e do Programa de PósGraduação em Economia Política Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenadora do LabChina Artigo submetido em 14062016 e aprovado em 03112016 200 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 11 n 3 2016 p 199221 O Sudeste Asiático entre Estados Unidos e China arquipélago de economias de mercado since 2008 moving away from the proposed scenario by Giovanni Arrighi and Beverly Silver of a world market economy in which power disputes would be subordinated to collective gains obtained through economic interdependence Focusing on SE AsiaChina historical relationship we argue that despite the latters diplomatic effort the third cycle from 2008 onwards is more aggressive and generates higher asymmetries through trade financial and politicalmilitary spheres This process coinciding with the strategic pivot of the Obama administration tends to intensify the dispute between the great powers over the region Keywords ChinaSoutheast Asia Relations Market Economies Archipelago InterState Competition Strategic Pivot Introdução As mudanças tectônicas que a ascensão da China vem provocando no sistemamundo estão como era de se esperar promovendo transformações estruturais na periferia asiática Encravado entre o Subcontinente Indiano o Nordeste Asiático e a Oceania localizado entre as principais rotas navais do Pacífico e do Índico e berço de um dos principais blocos econômicos da atualidade o Sudeste SE Asiático é um dos palcos principais das disputas internacionais por poder e riqueza da contemporaneidade Juntos os países da Associação das Nações do Sudeste Asiático ASEAN respondem por um PIB de US 257 trilhões dados de 2014 e têm de lidar com a bençãomaldição da proximidade com a China um mercado consumidor em expansão principalmente de commodities e de produtos industriais de baixo valor agregado mas também um concorrente de empresas nativas que buscam saltos na cadeia produtiva Na esfera geopolítica o SE Asiático é também uma região extremamente dinâmica pois a ausência de dilemas nucleares faz com que as esferas convencionais de poder militar e de diplomacia tenham margens ainda maiores de atuação e transformação Mas a ausência de Estados nucleares significa maior vulnerabilidade às pressões sistêmicas das grandes potências seja na Guerra Fria entre URSS e EUA ou no pósGuerra Fria entre China e EUA Diante disso o presente artigo tem como hipótese a ocorrência de um novo e terceiro ciclo de interações do SE Asiático com as pressões sistêmicas no pós Guerra Fria O primeiro de 1989 a 1997 foi marcado pela normalização das relações bilaterais com a China e a gradual redução das forças de Washington que na ausência da URSS buscava o isolamento de Pequim com base na ameaça geopolítica e nas violações dos Direitos Humanos em Tiananmen O segundo de Rev Carta Inter Belo Horizonte v 11 n 3 2016 p 199221 201 Bruno Hendler Isabela Nogueira 1997 a 2008 caracterizouse pela ofensiva multilateral chinesa aderindo a normas e organizações regionais para reduzir a percepção de ameaça de sua ascensão pacífica e acima de tudo pelos empréstimos a juros baixos e valorização do renminbi como formas de resgate das economias do SE Asiático atingidas pela crise financeira de 1997 A atuação chinesa tornase ainda mais decisiva nesse período diante do vácuo de poder deixado pelos norteamericanos cujo foco na Guerra ao Terror deslocara boa parte das atenções de Washington para o Oriente Médio Por fim o terceiro ciclo ainda em andamento é marcado por três processos o retorno dos EUA à Ásia com o advento do pivô estratégico do governo Obama uma nova política externa chinesa para o mundo e para a região muito mais assertiva e propositiva e o aprofundamento dos laços econômicos da China com o SE Asiático acompanhado de uma dubiedade entre discurso e postura em relação aos litígios territoriais no Mar do Sul da China especialmente com Vietnã e Filipinas E é precisamente essa encruzilhada de projeções sistêmicas que corrobora nossa hipótese de que o SE Asiático se torna uma região mais distante de um arquipélago de economias de mercado conforme sugerido por Giovanni Arrighi e mais próxima do sistema interestatal capitalista pautado pela competição entre Estados e empresas Este artigo está dividido em seis partes além desta introdução Na seção seguinte apresentamos a tese de Arrighi e Silver de bifurcação das capacidades sistêmicas e da suposta constituição de um arquipélago de economias de mercado integrado na região e na seção três fazemos uma breve revisão da história das relações da China com o Sudeste Asiático A seção quatro está dedicada à análise das duas primeiras fases das relações econômicas e políticas no pósGuerra Fria E a seção cinco detalha a pressão competitiva e conflituosa e mais recente sendo sucedida pelas considerações finais Do arquipélago de economias de mercado à competição capitalista Em sua última obra de grande porte Arrighi 2008 p 22 defendia a tese de que o gradual desengajamento norteamericano da Ásia Oriental no contexto de auge do atoleiro militar do Iraque em 2008 implicaria em um processo de integração econômica das nações asiáticas que teria a China como principal força motriz e ofuscaria as principais tensões geopolíticas da região em prol do desenvolvimento Para o autor 2008 p 308 não haveria razão para uma corrida 202 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 11 n 3 2016 p 199221 O Sudeste Asiático entre Estados Unidos e China arquipélago de economias de mercado armamentista na Ásia que beneficiaria em última instância a indústria bélica e a economia dos EUA e solaparia a posição de credor que constitui a principal fonte do poder dos Estados asiáticos No contexto da Guerra do Iraque e da crise financeira nos EUA em 2008 bem como da aproximação bilateral e multilateral da China com seus vizinhos ao longo dos anos 1990 e 2000 a conformação de um arquipélago de economias de mercado menos preocupadas com dilemas de segurança na Ásia Oriental parecia uma possibilidade concreta Mas o retorno dos EUA à Ásia Oriental com o pivô estratégico do governo Obama e a posição mais assertiva da China no tocante a questões de comércio segurança e defesa recolocam a região no caminho normal da competição interestatal e capitalista que caracterizam o sistemamundo moderno Para colocar essas transformações em perspectiva de longa duração é preciso resgatar a tese de Arrighi 2008 e Arrighi e Silver 2001 2011 sobre a bifurcação das capacidades sistêmicas Para os autores a atual crise hegemônica norteamericana iniciada com a chamada crise sinalizadora dos anos 1970 concentrou ainda mais os recursos militares globais nas mãos do Ocidente em especial do próprio EUA ao passo que deslocou os recursos financeiros globais para a Ásia Oriental em especial para a China que estaria rumando para a formação de um arquipélago de economias de mercado cujas unidades políticas embora fortalecidas em relação ao Ocidente seriam movidas pela busca de riqueza nas cadeias de mercadorias sob a hegemonia do regime militar norteamericano Arrighi e Silver 2011 estão corretos ao apontar a China como principal ator de reciclagem da liquidez mundial para o Sul Global e para o Sudeste Asiático em particular e como uma base manufatureira com cada vez maior capacidade de ditar elementos da dinâmica de acumulação de capital mundial Porém os cenários apontados a partir desse processo são incertos e deixam algumas lacunas Para os autores uma nova hegemonia um Estado uma coalização de Estados ou um Estadomundo teria que acomodar e promover uma maior igualdade entre o Norte e o Sul Global Nossa crítica entretanto está na fraqueza do conceito de hegemonia utilizado nos ciclos sistêmicos de acumulação que não prevê a possibilidade de fissão de capacidades sistêmicas e aponta para o estabelecimento de um modelo híbrido no qual o poder políticomilitar seria mantido no Ocidente e o poder econômico na Ásia Tal modelo híbrido entretanto é falacioso tanto na sua perspectiva política quanto econômica Ainda que os EUA tenham aumentado suas capacidades Rev Carta Inter Belo Horizonte v 11 n 3 2016 p 199221 203 Bruno Hendler Isabela Nogueira militares globais em termos regionais a China tem buscado firmarse como um contrapeso geopolítico China e Rússia também exercem pressões competitivas sobre a faixa do rimland da Eurásia da Europa Oriental passando pelo Oriente Médio Cáucaso Ásia Central e Ásia Oriental que ameaçam os arranjos geopolíticos construídos pelos EUA durante e após a Guerra Fria Isso significa dizer que a centralização das capacidades militares globais nas mãos dos EUA tem garantido cada vez menos retornos de poder quando dinâmicas regionais envolvendo Rússia e China estão em jogo Em segundo lugar do ponto de vista do poder econômico a suposta bifurcação também não se sustenta Ainda que uma parte crescente e já crucial da acumulação de capital em escala global esteja se dando na China as cadeias globais de valor e sua dimensão hierárquica continuam fazendo com que os detentores das grandes corporações e das marcas ocidentais continuem sendo aqueles que absorvem a maior parte da agregação de valor Ainda que esteja havendo um processo contínuo de transformação estrutural e de subida da China nas cadeias globais o país ainda está distante da capacidade das firmas norteamericanas de coordenação das cadeias e de absorção da massa de maisvalia assegurada justamente em função da elevada taxa de exploração da mão de obra chinesa De toda forma o Sudeste Asiático aparece como um laboratório de análise dessa problemática precisamente porque se tornou uma região estratégica tanto do ponto de vista dos novos padrões de acumulação de capital em escala global via sua inserção nas cadeias globais de valor que passam pela China quanto por conta da dinâmica do poder regional fortemente afetada pela atuação dos EUA e da própria China Dessa forma ao cruzar fatores econômicos com políticoestratégicos pretendese argumentar que ao invés de um arquipélago de economias de mercado no sentido smithiano submetido à carapaça militar unilateral dos EUA a Ásia Oriental e uma subregião específica o Sudeste Asiático já se tornou um palco privilegiado de disputas capitalistas no sentido braudeliano e interestatais com o protagonismo tanto de EUA e quanto da China Breve história da relação ChinaSudeste Asiático Na condição de um dos principais territórios tributários da China imperial o SE Asiático tem um histórico milenar de relações com o que chamamos de China moderna Spence 2000 p 129130 narra que em contraste com as relações 204 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 11 n 3 2016 p 199221 O Sudeste Asiático entre Estados Unidos e China arquipélago de economias de mercado conflituosas com os mongóis zunghars e russos ao norte ou com as relações de desconfiança com os missionários europeus as relações com países como Vietnã Tailândia e a antiga Birmânia eram administradas pelo Ministério dos Rituais com enorme poder simbólico e peso dos costumes Isso só era possível porque esses países compartilhavam em algum grau da prática do confucionismo e do budismo de algum tipo de organização burocrática similar e de muitos dos valores básicos da cultura chinesa Sob essa perspectiva a lógica constitutiva do poder imperial chinês muito menos expansionista se comparada à dinâmica europeia e muito mais ancorada na manutenção de um sistema construído ao redor de uma economia política agrária fez com que a diplomacia com os povos fronteiriços ao sul fosse vista como mais um aspecto da tarefa de gerenciar a grande harmonia que metafisicamente cabia ao imperador chinês Isso permitiu o estabelecimento de um sistema baseado em poucos gastos militares e extensivo uso de rituais mas igualmente abundante na manipulação das forças rivais do SE Asiático o que na prática promovia uma periferia dividida mas não completamente caótica ou materialmente desprovida AGLIETTA BAI 2013 SPENCE 2000 Embora a corrente historiográfica que enfatiza a harmonia nas relações da China com o SE Asiático seja coerente e bem fundamentada arriscamonos a propor uma interpretação distinta A formação e a expansão do Estado chinês a partir das dinastias clássicas Qin e Han entre os séculos III aC e III dC foi concebida a partir de duas noções diferentes de fronteira De um lado os limites territoriais ao norte defensivos e militarizados para conter as sucessivas agressões dos povos nômades das estepes reforçam a tese da natureza autocentrada pacifista e não expansionista do Estado chinês Nessa região devido a elementos geográficos e sociológicos a fronteira da China permaneceu muito semelhante à atual De outro lado a tese do caráter não expansionista do Estado chinês choca se com o processo milenar de expansão das fronteiras do império na direção sul chegando até o atual norte do Vietnã na dinastia Tang 618907 Embora a expansão também tenha ocorrido para o oeste em função da rota da seda é no processo de incorporação de terras ao sul do Yangtzé com o adensamento demográfico da etnia Han melhoramento das técnicas agrícolas para o cultivo do arroz incentivo ao comércio marítimo e difusão dos valores confucianos que a China adquire o contorno territorial semelhante ao atual Nesse sentido a fronteira sul chinesa muito se assemelhou à fronteira oeste dos Estados Unidos no século XIX uma verdadeira plataforma de difusão dos valores instituições e população do núcleo civilizacional a costa leste para os EUA e a planície em torno de Pequim para a Rev Carta Inter Belo Horizonte v 11 n 3 2016 p 199221 205 Bruno Hendler Isabela Nogueira China sobre sociedades com instituições e estratificações sociais menos complexas e regiões repletas de riquezas naturais A inexistência de uma grande muralha no sul do país é uma pequena ilustração do caráter móvel da fronteira nessa direção E embora o Vietnã tenha se tornado o grande freio ao expansionismo chinês desde sua independência no século X o Império do Meio protagonizou inúmeras investidas militares principalmente sobre o SE Asiático continental Vietnã e pequenos reinos da região de Burma Laos e Tailândia mas também insular Java e Formosa STUARTFOX 2003 Com isso argumentamos que além da simples influência comercial e civilizacional da China sobre o SE Asiático um terceiro elemento precisa ser levado em conta a esfera militar É claro que incursões militares como as levadas à cabo pela China imperial são altamente improváveis atualmente mas a concepção geopolítica de que a projeção sobre o ventre mole do SE Asiático é um caminho possível faz parte do cálculo das lideranças chinesas Tal como os EUA projetou se sobre a América Central com uma renovada narrativa expansionista após fechar suas fronteiras do oeste selvagem a China pode fazer o mesmo sobre o SE Asiático Assim Robert Kaplan 2014 afirma que a China tem atuado como um Estado westfaliano agressivo e inseguro nos litígios territoriais do Mar do Sul da China mas se olharmos para a história das longas durações perceberemos que a China tem apenas lançado mão de mais um de seus artifícios de núcleo do sistema sinocêntrico tradicional Em outras palavras a obsessão chinesa pelo controle dos conjuntos de ilhotas na região pode ser interpretada como a expansão de um Estado westfaliano agressivo e inseguro ou como a mais recente versão de uma concepção geopolítica milenar que encara as fronteiras meridionais antes terrestres e agora marítimas como uma extensão natural da influência chinesa Em suma a relação ChinaSE Asiático é historicamente hierárquica e desproporcional Ela opunha de um lado o vasto território chinês continental e unificado de clima temperado e berço de uma importante capacidade de geração de excedente agrícola a uma região de clima tropical composta por uma mescla de arquipélagos e porções continentais irregulares habitados por povos que em geral não atingiram o grau de complexidade e organização social da China devido essencialmente à menor capacidade de geração de excedente agrícola e de consolidação de um Estado unificado Em se tratando de um mundo pré industrial a explicação do excedente produtivo como causa da assimetria de poder riqueza e prestígio entre a China e os povos do SE Asiático faz sentido vide por exemplo as obras de Janet AbuLughod 1989 Andre Gunder Frank 206 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 11 n 3 2016 p 199221 O Sudeste Asiático entre Estados Unidos e China arquipélago de economias de mercado 1998 e Jared Diamond 2006 Ademais justifica a existência por séculos do chamado sistema comercialtributário em que as nações desta região prestavam deferência ao imperador da China em troca do direito de fazer negócios e de promover missões comerciais periódicas com o Império do Meio Com a fundação da República Popular da China RPC em 1949 e o processo de descolonização da Ásia nas décadas seguintes a relação desse país com o SE Asiático adquiriu novos contornos No contexto de autoafirmação da RPC e de consolidação da soberania dos Estados do SE Asiático em plena Guerra Fria nada era tão improvável quanto o ressurgimento do sistema comercialtributário Isso porque a percepção de ameaças era mútua a China de Mao isolada das grandes potências via os países recémindependentes do SE Asiático caírem sob a esfera de influência tanto da URSS Vietnã quanto dos EUA Tailândia Filipinas Indonésia Malásia e Cingapura gerando uma sensação de duplo cerco Por outro lado o discurso revolucionário de Mao e o apoio material e ideológico às diásporas chinesas principalmente aquelas vinculadas a partidos comunistas fez com que muitos desses países rompessem relações com a RPC e tivessem na China comunista a principal ameaça às suas soberanias A abertura econômica chinesa em fins dos anos 1970 e o reatamento de relações comerciais com os países do SE Asiático nos anos 1980 foram o prelúdio para o processo de normalização das relações diplomáticas com a região nos anos 1990 inclusive com o Vietnã que travara uma guerra de fronteira com a China em 1978 A partir de então a política externa chinesa para seus vizinhos do SE Asiático passou da desconfiança para a aproximação e a cooperação pragmática ainda que desentendimentos continuassem latentes A política externa da China para o SE Asiático da normalização das relações bilaterais à charm offensive Dois momentos moldaram a percepção da China sobre o SE Asiático aproximandoa dessa região O primeiro em 1989 foi o contexto da dissolução da União Soviética e da crise política em Tiananmen Com o fim da Guerra Fria a China perdeu parte do poder de barganha junto aos EUA e tornouse o alvo principal das críticas e sanções do Ocidente por violações de direitos humanos uma vez que a contenção da URSS não era mais necessária Porém ao contrário dos ocidentais os países asiáticos optaram por um tom moderado e reagiram a Rev Carta Inter Belo Horizonte v 11 n 3 2016 p 199221 207 Bruno Hendler Isabela Nogueira Tiananmen como uma questão interna chinesa Até o Japão que endossara as sanções retirouse da coalizão ocidental antichinesa no ano seguinte LI 2009 p 28 Assim pela afinidade ao princípio da não intervenção em assuntos internos e pelo pragmatismo de romper com o isolamento ocidental a China buscou no começo dos anos 1990 a normalização das relações diplomáticas com boa parte dos países do SE Asiático Somados ao contexto de integração regional na América do Norte e na Europa esses acontecimentos nutriram nas lideranças chinesas a percepção de que cooperação e integração regional seriam um caminho fundamental para a estabilidade e o desenvolvimento Assim o segundo momento veio ao final dos anos 1990 Em essência as lideranças chinesas perceberam que uma abordagem multilateral em torno da ASEAN poderia diminuir a percepção de ameaça dos vizinhos em relação à ascensão chinesa além de contrabalancear a presença norteamericana na Ásia LI 2009 p 29 Até o final dos anos 1990 os Estados Unidos conseguiram ditar boa parte da institucionalização da dinâmica regional via seu controle na APEC AsiaPacific Economic Cooperation Nesse sentido a ASEAN e seus vários desdobramentos representavam a possibilidade de consolidação de um regionalismo com menor interferência norteamericana É nesse momento que a China passa a adotar o que muitos especialistas denominaram de charm offensive ACHARYA 2008 p 4 interpretandoo como o próprio uso do soft power enquanto políticas que deixam de lado o uso da força em prol de uma postura de diálogo negociação e cooptação Essa charm offensive foi operacionalizada em diversas frentes No âmbito econômico a China solidarizouse aos impactos da crise financeira de 1997 que atingiu em cheio muitas nações do SE Asiático Ao contrário do FMI o país forneceu pacotes de auxílio financeiro sem exigir contrapartidas políticas ou condicionalidades econômicas além de resistir à desvalorização de sua moeda para incentivar as exportações dos países da região ACHARYA 2008 p 3 KHAN 2012 p 98 A China também participou ativamente da criação da Iniciativa Chiang Mai um mecanismo multilateral de swap que busca proteger os países asiáticos em caso de ataques especulativos Buscouse não apenas trocar informações sobre fluxos de capitais e monitorar possíveis abalos financeiros mas estabelecer arranjos regionais que complementassem os instrumentos multilaterais existentes e evitassem novos choques sistêmicos Como as trocas envolvem potencialmente as reservas chinesas as pressões especulativas regionais estariam em tese minimizadas Em conjunto esses esforços visam evitar novas ingerências do FMI 208 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 11 n 3 2016 p 199221 O Sudeste Asiático entre Estados Unidos e China arquipélago de economias de mercado do Banco Mundial e das potências Ocidentais nas economias asiáticas buscando na cooperação regional alguma fonte de autonomia em relação às interferências dos organismos multilaterais NOGUEIRA 2008 É também nesse momento que o país se consolida como o duplo polo na economia mundial MEDEIROS 2008 p 256 com altíssimos déficits comerciais com o Sul Global inclusive com o SE Asiático e superávits comerciais ainda maiores com os países desenvolvidos Isto é enquanto as exportações chinesas cresciam em direção à tríade desenvolvida EUA UE e Japão esses superávits eram transmitidos aos países semiperiféricos e periféricos do Sudeste e Leste da Ásia via integração produtiva vertical Segundo Mu e SiamHeng 2011 p 131 Para recuperar sua competitividade as economias da ASEAN alavancaram o novo papel da China alinhandose mais de perto com a fase de processamento da produção da China Isto é ilustrado pelas alterações das exportações da ASEAN para a China a partir do final dos anos 1990 Ao invés de bens manufaturados os produtos intermediários e matériasprimas tornaram se a maior parcela das exportações da ASEAN para a China Este acordo económico entre a China e a ASEAN complementou a estratégia orientada para a exportação de ambos os lados3 Ainda no contexto de resgate das economias vizinhas após a crise de 1997 a China propôs um programa chamado Early Harvest que derrubava as tarifas chinesas para produtos agrícolas oriundos da ASEAN De fato quando o projeto entrou em vigor muitos dos países do SE Asiático foram beneficiados com o acesso privilegiado ao mercado chinês e apresentaram alto crescimento E é precisamente o déficit comercial com os vizinhos da Ásia que passou a ser utilizado pela China como argumento para a integração regional e para a boa vizinhança em um jogo de soma positiva em que todos sairiam ganhando No tocante à diplomacia multilateral quatro temores persistiam a o possível predomínio da agenda dos EUA b a internacionalização da disputa pelas Ilhas Spratly c a inclusão da questão de Taiwan como um assunto regional e não de foro interno chinês e d as possíveis exigências de transparência militar LI 2009 p 30 Apesar desses temores a China iniciou uma ofensiva multilateral 3 To regain their competitiveness ASEAN economies leveraged Chinas newfound role by aligning themselves more closely with the processing phase of Chinas production This is illustrated by ASEANs changes to its exports to China from the late 1990s onwards Instead of manufacturing goods intermediate products and raw materials became the primary composition of ASEANs exports to China This economic arrangement between China and ASEAN complemented the exportoriented strategy of both sides MU SIAMHENG 2011 p 131 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 11 n 3 2016 p 199221 209 Bruno Hendler Isabela Nogueira assegurandose que o ASEAN way ou seja a tomada de decisão gradual e por consenso prevaleceria em 1994 a China participou do ASEAN Regional Forum ARF pela primeira vez em 1997 foi cofundadora do ASEAN 3 em 2002 assinou quatro acordos com o ASEAN incluindo a Declaração de Conduta das Partes no Mar do Sul da China e em 2005 aderiu ao Tratado de Amizade e Cooperação da ASEAN obtendo o direito de participar do East Asia Summit NATHAN SCOBELL 2012 Na esteira dessa aproximação o acordo de livre comércio entre China e ASEAN CAFTA entrou em vigor em 2010 e seus impactos já podem ser sentidos Apesar da ofensiva multilateral a diplomacia bilateral não foi enfraquecida A maior parte dos litígios de fronteiras terrestres foi resolvida especialmente com Laos e Vietnã exercícios militares conjuntos com Tailândia e Cingapura tiveram lugar a cooperação com os países da Bacia do Rio Mekong se fortaleceu e o SE Asiático passou a receber visitas sucessivas de diplomatas acadêmicos e militares chineses Ademais o país prestou relevante serviço humanitário no combate à SARS em 2003 e na reparação da devastação causada pelo tsunami de 2004 fortalecendo ainda mais a charm offensive O terceiro ciclo pósGuerra Fria o retorno dos EUA e a projeção da China Assumindo as rédeas do país em meio à crise financeira de 2008 Barack Obama não tardou em alterar os rumos da política externa dos EUA Uma das principais guinadas foi o chamado pivô estratégico para a Ásia e o uso contínuo do termo ÁsiaPacífico ao invés de Ásia Oriental dando a entender que os norteamericanos assim como os chineses fazem parte da mesma Bacia do Pacífico e portanto têm interesses legítimos na região No tocante ao SE Asiático o pivô estratégico surge como uma iniciativa mais complexa do que a levada a cabo por George W Bush nos anos anteriores a qual foi pouco atuante nas esferas diplomática e econômica e pautouse majoritariamente pela cooperação militar e de inteligência no âmbito da Guerra ao Terror Percebendo a crescente relevância da ÁsiaPacífico Obama tratou de deslocar o foco de sua política externa do Oriente Médio com a retirada de tropas do Iraque e do Afeganistão para aquela região canalizando esforços militares diplomáticos e econômicos E embora Japão Coreia do Sul e Taiwan atraíssem 210 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 11 n 3 2016 p 199221 O Sudeste Asiático entre Estados Unidos e China arquipélago de economias de mercado mais a atenção de Washington o SE Asiático também ganhou importância principalmente pelos efeitos da ascensão chinesa A ofensiva diplomática multilateral começou em 2009 quando Obama tornou se o primeiro presidente norteamericano a encontrarse oficialmente com os dez membros da ASEAN no que viria a ser chamado em 2013 de USASEAN Summit Em 2010 foi criada a missão permanente dos EUA para a ASEAN e já no segundo encontro com o bloco as partes emitiram uma nota em defesa da livre navegação do Mar do Sul da China em nítida referência à projeção da marinha chinesa na região KHAN 2012 p 102 Por fim seguindo a linha do engajamento com o SE Asiático a diplomacia dos EUA tem atuado ativamente em diversos foros como o Asean Regional Forum o East Asia Summit o diálogo entre ministros de Defesa e o combate a crimes transnacionais e cibernéticos Embora o pivô estratégico tente apresentarse como um instrumento diplomático sua execução não pode ser dissociada da esfera militar MAJID 2013 p 27 Assim tanto aliados de longa data como as Filipinas quanto antigos rivais como o Vietnã têm recebido atenção especial dos EUA seja com a reativação de bases militares Filipinas ou com a execução de exercícios militares conjuntos Indonésia Vietnã Tailândia Cingapura No entanto o confuso processo decisório nos EUA e a existência de agendas de segurança mais urgentes lançam dúvidas sobre o compromisso norteamericano em proteger seus aliados asiáticos em caso de possíveis agressões chinesas O chamado pivô estratégico também está intrinsicamente atrelado à economic statecraft dos EUA Embora tenha acordos bilaterais de comércio com países da região a criação do Transpacific Partnership TPP com a inclusão de Malásia Brunei Cingapura e Vietnã é a mais recente materialização da estratégia norte americana para responder ao desafio competitivo e geopolítico da China via acordos megarregionais O TPP busca forjar um novo arcabouço institucional e regulatório tentando imprimir o direcionamento estratégico dos EUA à remodelação do regime global de acordos internacionais de investimentos E tenta assim contraporse à expansão econômica e política da China e assegurar a capacidade norteamericana que vem desde o fim da Segunda Guerra de ditar regras no Pacífico Os próprios documentos do governo sobre o TPP explicitam a disposição norteamericana de exercer a liderança na Ásia buscando evitar a predominância do que eles chamam de modelos menos abertos e que não compartilham dos nossos interesses ou valores Rev Carta Inter Belo Horizonte v 11 n 3 2016 p 199221 211 Bruno Hendler Isabela Nogueira As regras do caminho estão em jogo na Ásia Se não aprovarmos este acordo e escrevermos essas regras nossos concorrentes estabelecerão regras fracas ameaçando empregos e trabalhadores americanos e minando a liderança dos EUA na Ásia Para enfrentar esse desafio os Estados Unidos devem desempenhar um papel de liderança na elaboração de regras de estrada que fortaleçam nossa economia e promovam um sistema econômico global justo O TPP é como fazemos isso E se não liderarmos no comércio outros que não compartilham nossos interesses ou valores preencherão este vácuo UNITED STATES TRADE REPRESENTATIVE 2015 p 124 Para além do comércio o TPP inova ao propor um arcabouço regulatório e institucional que é abertamente contrário ao modelo de desenvolvimento chinês e que tem o potencial de constranger a expansão dos investimentos chineses na região O acordo limita a possibilidade de utilização de instrumentos de política industrial largamente empregados na China nas últimas três décadas como transferência de tecnologia e compras públicas mina alguns dos pilares da internacionalização de empresas chinesas sobretudo de empresas estatais e estimula o uso de instrumentos de solução de conflitos como o InvestorState Dispute Settlement ISDS que colocam empresas transnacionais acima das leis de Estados nacionais soberanos CARNEIRO 2014 GEORGE 2015 O segundo processo em questão é a transição da liderança de Hu Jintao para Xi Jinping e a marcada mudança na política externa chinesa que trocou seu lema da ascensão pacífica para o sonho chinês zhongguo meng 中国梦 Desde que Xi assumiu o poder a política externa chinesa tornouse muito mais assertiva e nacionalista migrando de um padrão que buscava evitar chamar atenção para um padrão de busca por resultados fen fa you wei 奋发有为 A defesa geral é por uma política externa mais ativa que garanta que os interesses chineses sejam expressados durante o processo de influenciar a ordem internacional SØRENSEN 2015 O novo lema do sonho chinês condensa uma série de conquistas nacionais e internacionais necessárias para o grande rejuvenescimento nacional e implica sobretudo transformar a China em uma nação rica e forte em 2049 quando a RPC deve completar 100 anos o que inclui projeção internacional de poder econômico 4 The rules of the road are up for grabs in Asia If we dont pass this agreement and write those rules our competitors will set weak rules of the road threatening American jobs and workers and undermining US leadership in Asia To meet this challenge the United States must play a leadership role in writing rules of the road that strengthen our economy and promote a fair global economic system TPP is how we do that And if we dont lead on trade others who dont share our interests or values will fill the void UNITED STATES TRADE REPRESENTATIVE 2015 pp 12 212 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 11 n 3 2016 p 199221 O Sudeste Asiático entre Estados Unidos e China arquipélago de economias de mercado político cultural e militar No final da década de 2000 Kissinger 2011 p 484 já havia captado essa transição ao enfatizar o impacto dentro da China do lançamento de uma obra nacionalista que apresenta como grande meta nacional desbancar os EUA e tornar a China o número um do mundo O livro China Dream the Great Power Thinking and Strategic Posture in the PostAmerican Era do coronel Liu Mingfu tornouse um bestseller na China após seu lançamento em 2009 e uma referência para o nacionalismo moderno chinês Tal assertividade da política externa chinesa já começa a se materializar em projetos ambiciosos e a centralidade da Ásia e especificamente do SE Asiático é marcada O primeiro grande símbolo de uma política externa assertiva é o Banco de Infraestrutura e Investimento da Ásia AIIB na sigla em inglês criado em meados de 2015 com mais de 50 países membros e com a ruidosa exceção de EUA e Japão que se opuseram ao projeto O AIIB quer financiar a expansão dos investimentos chineses na região sobretudo para ampliar a capacidade produtiva e a conectividade regional E vai oferecer alternativas de investimento às construtoras e ao capital chinês já saturados com um mercado interno que sofre com o excesso de capacidade em aço e equipamento pesado e que tenta fazer a transição para um padrão de acumulação menos centrado no investimento e mais centrado no consumo BATSON 2015 MILLER 2015 Outro grande símbolo da política externa assertiva para a região é a nova rota da seda que pretende reestabelecer as antigas rotas terrestres e marítimas da China Tratase de um conjunto ambicioso de portos ferrovias rodovias grandes unidades de geração de energia e planos de urbanização ao longo de rotas que são comercial e estrategicamente relevantes para o entorno chinês O SE Asiático assim como a Ásia Central são os pilares da nova rota Além de obedecer à mesma lógica do AIIB de geração de demanda efetiva para as exportações e para os investidores chineses fora do país a rota da seda marítima em torno do SE Asiático tem claramente objetivos geopolíticos Ela busca facilitar a influência chinesa sobre o Mar do Sul da China além de criar alternativas e controle indireto sobre rotas já bastante utilizadas e geopoliticamente vulneráveis para os chineses como o estreito de Malaca por onde passa cerca de 50 do comércio marítimo mundial A resposta dos países do SE Asiático à assertividade chinesa nas esferas comercial financeira e políticomilitar tem sido um misto de desconfiança com tentativas de aproveitamento da onda de liquidez aberta Conforme essas nações começam a gestar percepções mais claras da China enquanto ameaça e não apenas Rev Carta Inter Belo Horizonte v 11 n 3 2016 p 199221 213 Bruno Hendler Isabela Nogueira oportunidade tornamse plataformas para o retorno dos EUA para a Ásia e colocam a hipótese de Arrighi cada vez mais distante da realidade A maior parte dos países do SE Asiático parece operar de maneira dual engajandose tanto com os acordos propostos pela China quanto ao mesmo tempo aproximandose dos EUA conforme sua nova agenda para a Ásia se torna mais explícita O terceiro grande processo que caracteriza esse mais recente ciclo é marcado por uma série de contradições e tensões comerciais e militares O comércio entre a China e os países da ASEAN foi fundamental para a integração econômica da Ásia Oriental e para o desenvolvimento da região um processo que ficou conhecido como uma segunda geração de voo dos gansos A relação ChinaASEAN havia se figurado como o estado das artes das cadeias de valor globais com os países do Sudeste fornecendo partes peças componentes e matériasprimas para bens montados e consolidados na China continental Não por acaso havia se formado a partir dos anos 1990 um jogo de soma positiva em que o SE Asiático obtinha expressivo superávit comercial com a China pela exportação de produtos de baixo valor agregado e essa por sua vez operava como um duplo polo ao exportar produtos manufaturados para os países centrais A reação chinesa à crise asiática de 1997 apenas acentuou tal processo com o esforço para impedir a desvalorização do renminbi e assim preservar as exportações de seus vizinhos Mas com a entrada em vigor do ChinaASEAN Free Trade Agreement CAFTA5 em 2010 com o desaquecimento do modelo chinês puxado pelos investimentos com a persistente crise de demanda nos países centrais e com a queda nos preços internacionais das commodities a assimetria entre as economias tornouse evidente e o saldo dos fluxos comerciais se inverteu Conforme mostra o gráfico abaixo o saldo comercial da China com a ASEAN mudou bruscamente após 2012 rompendo com o padrão histórico de déficit chinês Tal processo sugere a importância de mercados regionais periféricos para diversificar a dependência chinesa da demanda dos países centrais notadamente dos EUA e da Europa LI 2009 p 20 E evidencia o desafio competitivo que a indústria chinesa representa para a periferia asiática sobretudo quando começa a se afastar da posição de chão de fábrica das manufaturas globais para se tornar também promotora de uma indústria com marcas próprias e mais agregação de valor em toda cadeia 5 O CAFTA passou a valer em 2010 para a China e os seis membros fundadores da ASEAN Tailândia Indonésia Malásia Filipinas Brunei e Cingapura Para os demais membros da ASEAN Vietnã Laos Camboja e Mianmar o acordo passaria a valer em 2015 214 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 11 n 3 2016 p 199221 O Sudeste Asiático entre Estados Unidos e China arquipélago de economias de mercado Gráfico 1 Saldo Comercial da China com a ASEAN US bilhão 30 20 10 0 10 20 30 40 50 60 70 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 Fonte Trade Map 2016 O gráfico abaixo apresenta a participação de China e EUA nas importações da ASEAN e novamente a virada da última década marca o início do salto chinês Um breve exame qualitativo desse processo aponta para um aumento expressivo de produtos de maior valor agregado principalmente celulares e computadores Por outro lado a pauta de exportações da ASEAN para a China está em fase de reprimarização com a redução de manufaturados e a elevação de matériasprimas e produtos básicos Gráfico 2 Participações de EUA e China nas importações da ASEAN 0 5 10 15 20 2009 2010 2011 2012 2013 2014 China EUA Fonte ASEAN 2016 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 11 n 3 2016 p 199221 215 Bruno Hendler Isabela Nogueira Os impactos de longo prazo do CAFTA ainda são pouco conhecidos mas a inversão do saldo comercial em favor da China é um indício de que o país persegue em sua vizinhança uma periferia de mercados consumidores para além da já estabelecida rede de fornecedores de matériasprimas Se tal é a tendência de longo prazo é algo a ser analisado em futuras pesquisas já que os formuladores de política externa chinesa também tendem a se mostrar minimamente alertas à crise internacional e ao desequilíbrio que a reprimarização das exportações causa na periferia Ademais essa tendência precisa ser analisada sob o prisma da transição do modelo de desenvolvimento chinês baseado em investimentos e exportações para um modelo ainda em construção voltado para a elevação da renda dos trabalhadores e para a expansão do mercado consumidor interno e regional Nesse sentido conforme a China galga degraus na cadeia produtiva e expande seu mercado interno começa a criar uma periferia econômica em seu entorno regional que embora tenha um poder aquisitivo muito abaixo dos países desenvolvidos contribui para reduzir a dependência chinesa de mercados no Ocidente E esse fenômeno é ainda mais impactante quando visto em termos absolutos a partir da perspectiva da ASEAN gráfico abaixo Gráfico 3 ASEAN principais parceiros comerciais 2014 em US milhões 0 100000 200000 300000 400000 500000 600000 700000 ASEAN China UE 28 Japão EUA Exportações Importações Fonte ASEAN 2016 A crise de 2008 e seus impactos nos mercados ocidentais provocaram reflexões sobre o modelo de desenvolvimento que fez a fortuna da Ásia Oriental desde 216 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 11 n 3 2016 p 199221 O Sudeste Asiático entre Estados Unidos e China arquipélago de economias de mercado os anos 1960 e que depende da demanda efetiva dos Estados Unidos e da Europa para se materializar Na mesma linha as cadeias produtivas estabelecidas na região devem passar por um processo de redefinição buscando a partir de agora incentivar cada vez mais o fortalecimento de mercados domésticos na China e no SE Asiático O apetite dos consumidores ocidentais levou ao colapso da demanda por bens fabricados a partir de componentes e matériasprimas de países asiáticos africanos e latinoamericanos e montados na China Diante dessa mudança na ordem mundial é necessário que a China e a ASEAN revisem seu papel na economia global para assegurar a continuidade de seu desenvolvimento econômico MU SIAMHENG 2011 p 1326 Além de comércio também tem crescido o volume de investimentos estrangeiros diretos da China na ASEAN muito embora EUA Japão União Europeia e o investimento intrabloco continuem muito superiores gráfico 4 A criação do Banco de Infraestrutura e Investimento da Ásia AIIB com sede em Pequim deve contribuir para mudar tal quadro tornandose uma das principais ferramentas de investimentos da China no SE Asiático nos próximos anos Gráfico 4 ASEAN 10 principais fontes de IED em 0 5 10 15 20 25 União Europeia ASEAN Japão EUA Kong China Austrália Coreia do Sul Taiwan Canadá 2012 2013 2014 Hong Fonte ASEAN 2016 6 Thriftiness on the part of Western consumers has led to a collapse of the appetite for goods made from components and raw materials from Asian African and Latin American countries and assembled in China Facing this changing world order it is necessary for China and ASEAN to revise their role in the global economy in order to ensure a continuation of their economic development MU SIAMHENG 2011 p 132 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 11 n 3 2016 p 199221 217 Bruno Hendler Isabela Nogueira A China tornouse o principal parceiro comercial de boa parte dos países do mundo O mesmo ocorreu com as nações da ASEAN A diferença é que o avanço comercial e financeiro chinês no SE Asiático é escorado em um economic statecraft que abrange a atuação de bancos estatais empresas estatais política externa ativa e uma política de segurança e defesa com crescente aporte financeiro e tecnológico REILLY 2011 A ocupação de espaços estratégicos também se dá pela diplomacia movida pelo temor de surgimento de uma aliança antichinesa liderada pelos EUA LI 2009 p 18 Visitas de políticos diplomatas de alto escalão militares e acadêmicos ao SE Asiático são cada vez mais frequentes geralmente reiterando o discurso da boa vizinhança e da construção de um ambiente de confiança mútua tão prezado pelos membros da ASEAN Ademais no âmbito multilateral a China foi o primeiro país a criar uma representação permanente para essa organização No entanto a retórica da boa vizinhança e da cooperação bi e multilateral chocase com a postura chinesa no tocante aos litígios territoriais envolvendo Filipinas Vietnã Brunei Malásia e Taiwan no Mar do Sul da China A percepção da China como uma ameaça por esses países é fortalecida pelo contexto de modernização das forças armadas pela atuação belicosa da marinha chinesa ao lidar com barcos pesqueiros estrangeiros em áreas em disputa e pela construção de bases militares e povoamentos civis em ilhotas na região Os investimentos militares da China embora estejam crescendo no mesmo ritmo de expansão da economia e representem hoje cerca de 2 do PIB agravam a percepção de ameaça na região principalmente pelas altas cifras em valores absolutos Ademais criam a sensação de que mais cedo ou mais tarde a periferia econômica da China tornarseá também uma periferia geopolítica em que os EUA terão gradualmente menos influência Ao longo dos últimos anos tem se tornado claro que a China leva adiante um projeto que busca combinar uma política de boa vizinhança com a ASEAN a uma política agressiva de controle de recifes e ilhotas que contêm reservas de recursos minerais e estão estrategicamente localizados entre as principais rotas navais do mundo Há evidentemente uma tensão latente entre essas duas políticas contraditórias do ponto de vista da periferia do sistema A postura unilateral sobre o impasse que persiste há décadas bem como a percepção de ameaça entre as elites dos países menores principalmente Filipinas e Vietnã e a consequente aproximação desses entre si ao preferir negociar em bloco e 218 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 11 n 3 2016 p 199221 O Sudeste Asiático entre Estados Unidos e China arquipélago de economias de mercado com os EUA evidenciam que o arquipélago de economias de mercado da Ásia Oriental onde a riqueza vem antes do poder está longe de se tornar realidade Portanto apesar da atuação diplomática da China e do discurso de boa vizinhança o terceiro ciclo de relações com o SE Asiático torna mais nítido o processo de construção de uma periferia chinesa por meio das esferas comercial financeira e políticomilitar Com o retorno dos EUA à Ásia por meio do pivô estratégico do governo Obama e a possível continuidade da política de cercamento da China por parte da nova administração Trump talvez de forma ainda mais agressiva esse processo tende a enfrentar desafios em todas as áreas e tornarse um projeto gradual e de longo prazo Conclusões A hipótese de Arrighi sobre a possível formação de um arquipélago de economias de mercado na Ásia Oriental resiste até o ponto em que as demais nações da região não percebam o avanço chinês como ameaça a sua autonomia e a seus interesses nacionais e confiem na centralização das capacidades militares globais nas mãos dos EUA Porém ambos os processos não parecem nítidos e muitos dos países do SE Asiático tendem a rumar para um caminho intermediário em que obtêm cada vez menos retornos econômicos e geopolíticos com a ascensão chinesa e não reconhecem ou tampouco confiam apenas na supremacia militar norteamericana para lidar com a China A tendência da relação ChinaSE Asiático após 2008 nunca esteve tão longe da seguinte afirmação de Arrighi e Silver Uma vez que as economias da Ásia Oriental devem suas fortunas a uma rigorosa especialização na busca da riqueza e não do poder não se pode esperar que nenhum deles venha a mudar de rumo tentando transformarse em uma potência militar de importância mais do que local ARRIGHI SILVER 2001 p 288 A projeção chinesa sobre a Ásia Oriental e especificamente sobre o SE Asiático dá sinais claros de que o país tem buscado se transformar em uma potência regional em todos os sentidos inclusive militar ainda que escorada em pilares econômicos cada vez mais assimétricos em relação a seus vizinhos A partir disso duas tendências podem ser depreendidas do terceiro ciclo pósGuerra Fria Rev Carta Inter Belo Horizonte v 11 n 3 2016 p 199221 219 Bruno Hendler Isabela Nogueira 1 O retorno multifacetado dos EUA à Ásia com o redirecionamento gradual do aparato militar e diplomático por meio do pivô estratégico Enquanto o governo W Bush esteve mais focado no Oriente Médio com a Guerra ao Terror nos anos 2000 o governo Obama parece muito mais atento à Ásia Oriental reduzindo a margem de manobra da China com uma diplomacia ativa e uma crescente projeção militar que vai da Austrália ao Japão passando por Indonésia Cingapura Tailândia Filipinas e Taiwan Ademais os megaacordos regionais como a Parceria Transpacífico e os vários acordos bilaterais já existentes dão mostras de que a atuação dos EUA vai muito além da esfera militar O TPP por exemplo é um acordo explicitamente feito para tentar conter a expansão chinesa na Ásia e para forjar um novo regime internacional de comércio e investimento sob a égide norteamericana 2 A formação de uma periferia econômica chinesa a partir da transição do modelo de desenvolvimento voltado para o investimento interno e as exportações para a expansão do mercado de consumo e de mercados regionais O modelo que vigorou até os anos 2000 em que a China funcionava como um duplo polo tem dado sinais de exaustão sendo gradualmente substituído por políticas que elevam os salários dos trabalhadores e estimulam a demanda doméstica e regional Muitas empresas do SE Asiático têm sofrido com essa mudança pois não conseguem concorrer com empresas chinesas e ocidentais O déficit comercial da China com o SE Asiático era um forte argumento para a criação da área de livrecomércio ChinaASEAN mas os números póscrise de 2008 mostram que os países do bloco se tornaram altamente deficitários no comércio com o gigante asiático e suas exportações foram reprimarizadas principalmente após a entrada em vigor do CAFTA em 2010 Como consequência dos pontos 1 e 2 o SE Asiático tende a se tornar um palco de grande relevância no jogo por poder e riqueza entre EUA e China e se afastar do cenário proposto por Arrighi de formação de um arquipélago de economias de mercado Do ponto de vista chinês o ganho máximo seria a gradual formação de uma periferia geopolítica acoplada a uma periferia econômica mais consolidada Do ponto de vista norteamericano o ganho máximo seria evitar a gravitação econômica do SE Asiático em torno da China e se isso não for possível evitar que essa periferia se transforme também em uma periferia geopolítica o que 220 Rev Carta Inter Belo Horizonte v 11 n 3 2016 p 199221 O Sudeste Asiático entre Estados Unidos e China arquipélago de economias de mercado minaria posições estratégicas dos EUA na Ásia construídas desde antes da Guerra Fria Entre esses dois polos de ganhos máximos há uma ampla zona cinzenta em que os fatos ocorrem e tendem a ser moldados pelas conjunturas e estruturas de mais longa duração Referências Bibliográficas ABULUGHOD Janet Before European hegemony The world system AD 12501350 Oxford Oxford University Press 1989 ACHARYA Amitav Asia Rising who is leading Singapura World Scientific Publishing Co 2008 AGLIETTA Michel BAI Guo Chinas Development Capitalism and empire Londres e Nova York Routledge 2013 ARRIGHI Giovanni Adam Smith em Pequim origens e fundamentos do século XXI São Paulo Boitempo 2008 ARRIGHI Giovanni SILVER Beverly J Caos e governabilidade no moderno sistema mundial Rio de Janeiro Contraponto Editora UFRJ 2011 ARRIGHI Giovanni SILVER Beverly J 2011 The End of the Long Twenieth Century In Business as usual the roots of the global financial meltdown New York New York University Press 2011 ASEAN Site oficial da ASEAN Disponível em httpaseanorg Acesso em 14082016 BATSON A Can the New Silk Road Revive Chinas Exports Gavekal Dragonomics 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1997 sendo caracterizado pela regularização das relações bilaterais com a China e pela diminuição gradativa do poder dos Estados Unidos que com o fim da Guerra Fria passaram a promover um isolamento em relação à China O segundo ciclo ocorreu entre 1997 e 2008 e foi marcado pela ofensiva multilateral chinesa diante do apoio às normas e organizações regionais que visavam reduzir a visão de ameaça de sua ascensão pacífica e sobretudo pelos empréstimos a juros baixos e valorização do renminbi como formas de resgate das economias do SE Asiático após a crise financeira de 1997 Os autores ressaltam que a atuação da China nesse período foi fundamental diante do vácuo de poder causado pelos norte americanos após redirecionar seu foco para o Oriente Médio O terceiro ciclo teve início em 2008 e se estende até os dias atuais e segundo os autores caracterizase por três processos o retorno do foco dos EUA à região a elaboração de uma nova política externa chinesa mais assertiva e propositiva e o estreitamento das relações econômicas entre a China e o Sudeste Asiático além da ambiguidade entre discurso e postura voltados para os litígios territoriais no Mar do Sul da China A fim de desenvolver seus argumentos ao longo do texto os autores dividem o artigo em introdução quatro partes de desenvolvimento consideradas essenciais e a conclusão A primeira parte Do arquipélago de economias de mercado à competição capitalista tem como base o argumento de Arrighi e Silver de bifurcação das capacidades sistêmicas e da suposta constituição de um arquipélago de economias de mercado integrado na região Assim defendiase que a redução da atuação norteamericana na Ásia Oriental contribuiu para a integração econômica dos países da região com a China resultando em redução das principais tensões geopolíticas da região em nome do desenvolvimento e configuração de um arquipélago de economias de mercado que não priorizava os dilemas de segurança na Ásia Oriental Em contrapartida com o retorno da atenção dos Estados Unidos à região a partir de 2008 durante o governo Obama e com as transformações das políticas chinesas voltadas para o comércio segurança e defesa fizeram com que a região retornasse à posição de competição entre essas duas potências Nessa perspectiva os autores trazem a ideia de Arrighi e Silver sobre a bifurcação das capacidades sistêmicas a qual defende que a atual crise hegemônica norte americana cujo início se deu na década de 1970 teria concentrado os recursos militares do âmbito global no Ocidente enquanto moveu os recursos financeiros para a Ásia oriental sobretudo para a China Segundo esses autores com isso a China estaria visando a consolidação de um arquipélago de economias de mercado cujas unidades políticas apesar de serem mais fortes em comparação com o Ocidente seriam ocasionadas através da busca de riqueza nas cadeias de mercadorias sob a hegemonia do regime militar norteamericano Assim sendo Hendler e Nogueira afirmam que Arrighi e Silver acertaram em denominar a China como o maior ator de reciclagem da liquidez mundial para o Sul Global sobretudo para o Sudeste Asiático e como uma base manufatureira cuja capacidade de determinar elementos da dinâmica de acumulação de capital mundial cresce gradativamente Por outro lado os autores defendem que os cenários apontados por meio desse processo seriam imprecisos e propícios de deixar brechas Hendler e Nogueira ainda questionam o modelo híbrido que defende que o poder políticomilitar estaria retido no Ocidente e o poder econômico na Ásia apontado por Arrighi e Silver ao admitirem que apesar do reforço das capacidades militares dos Estados Unidos no âmbito global a China vem tentando se estabelecer como um contrapeso geopolítico A segunda parte Breve história da relação ChinaSudeste Asiático é pautada em uma revisão da história envolvendo esses países Para os autores historicamente a relação ChinaSE Asiático é hierárquica e desproporcional diante das características expansionistas e comerciais da China além da característica militar ao longo da história Os autores ressaltam ainda uma mudança na relação entre esses países a partir da fundação da República Popular da China em 1949 e do processo de descolonização da Ásia que se sucederam resultando em abertura econômica da China e regularização das relações comerciais e diplomáticas entre a China e os países do Sudeste Asiático A terceira parte A política externa da China para o SE Asiático da normalização das relações bilaterais à charm offensive se dedica a analisar as duas primeiras fases das relações econômicas e políticas no pósGuerra Fria A primeira fase ocorreu em 1989 diante do cenário do fim da União Soviética e da crise política em Tiananmen Nesse contexto a ofensiva do Ocidente que antes era direcionada à União Soviética passou a ser direcionada para a China realizando algumas críticas e sanções diante de violações de direitos humanos no país A fim de reverter esse isolamento ocidental a China procurou regularizar suas relações diplomáticas com os países do Sudeste Asiático a partir de 1990 De acordo com os autores acreditavase que uma abordagem multilateral em torno da ASEAN seria capaz de reduzir a visão de ameaça dos vizinhos em relação à ascensão chinesa e também capaz de contrabalancear a influência norte americana na Ásia Dessa forma na tentativa de estabelecer um regionalismo na Ásia para fazer frente aos Estados Unidos a China adota a política denominada de charm offensive a qual reconhece o próprio uso do soft power enquanto políticas que incentivam políticas voltadas para o diálogo negociação e cooptação em detrimento do uso da força Essa política do charm offensive teria algumas frentes no âmbito econômico e diplomacia multilateral foi operacionalizada em diversas frentes A quarta parte O terceiro ciclo pósGuerra Fria o retorno dos EUA e a projeção da China trata da pressão competitiva e conflituosa e mais recente na região Os autores apontam o denominado pivô estratégico por parte dos Estados Unidos o qual gerou mudanças na política externa do país direcionandoa para a Ásia sob a justificativa das regiões fazerem parte da Bacia do Pacífico Dessa forma diante do crescimento da importância da ÁsiaPacífico essa iniciativa reuniu esforços militares diplomáticos e econômicos Os autores ressaltam que apesar da concentração dessa iniciativa no âmbito diplomático é importante reconhecer também sua atuação no âmbito militar Em compensação os autores destacam que a partir da chegada de Xi Jinping à liderança da China a política externa do país mudou da ascensão pacífica para o sonho chinês Essa mudança segundo os autores teria tornado a política externa chinesa mais assertiva e nacionalista visando uma política mais ativa capaz de sustentar que os interesses chineses fossem expressados durante o processo de influenciar a ordem internacional Como resultado dessa mudança temse o aumento de projetos ambiciosos como a nova rota da seda Nessa perspectiva os autores reconhecem que os países do Sudeste Asiático respondem a essa dinâmica como possível ameaça levandoos a promover o retorno dos Estados Unidos à região Para os autores esse entendimento vai de encontro ao que foi defendido por Arrighi Ainda assim a maioria dos países do Sudeste Asiático realizam acordos tanto com os Estados Unidos quanto com a China Ademais os autores destacam a presença de inúmeras contradições e tensões nos âmbitos comercial e militar neste ciclo atual Apesar da integração econômica e desenvolvimento frutos do comércio entre os países do Sudeste Asiático e a China o desaquecimento do modelo chinês voltado para os investimentos e a crise de demanda nos países centrais ocasionou um aumento nas assimetrias entre as economias e inversão do saldo dos fluxos comerciais Com isso diante da expansão do mercado interno chinês surge uma periferia econômica em seu entorno regional capaz de diminuir a dependência do país de mercados no Ocidente Os autores apontam também que com os investimentos militares da China contribuem para a percepção de ameaça na região levando ao entendimento de que logo a periferia econômica da China se tornará também uma periferia geopolítica onde os Estados Unidos terão cada vez menos influência Por fim nas considerações finais os autores defendem que a ideia de existência de um arquipélago de economias de mercado na Ásia Oriental proposta por Arrighi persiste enquanto os outros países da região não reconhecem o avanço chinês como ameaça a sua autonomia e a seus interesses nacionais e conferem aos Estados Unidos a centralização das capacidades militares globais Segundo Hendler e Nogueira os países do Sudeste Asiático ainda enfrentam problemas para reconhecer ambos os processos levandoos a caminhar a um ponto intermediário entre eles o qual traria gradativamente menos retornos econômicos e geopolíticos diante da ascensão chinesa e não acreditariam na capacidade de supremacia militar norteamericana para lidar com a China Os autores ressaltam que a projeção da China em relação aos países do Sudeste Asiático torna nítida a intenção do país em se consolidar como uma potência regional em todos os sentidos inclusive militar apesar do apoio em pilares econômicos gradativamente mais assimétricos em relação a seus vizinhos Nessa perspectiva os autores apontam duas tendências poderiam ser deduzidas por meio do terceiro ciclo pósGuerra Fria o primeiro diz respeito ao retorno multifacetado dos EUA à Ásia por meio do redirecionamento gradual do instrumento militar e diplomático com base no pivô estratégico e o segundo se refere à construção de uma periferia econômica chinesa diante da transição do modelo de desenvolvimento pautado no investimento interno e nas exportações para a expansão do mercado de consumo e de mercados regionais Sendo assim para Hendler e Nogueira as duas tendências resultaram do Sudeste Asiático como sendo um palco de grande relevância no jogo por poder e riqueza entre EUA e China além de se distanciar do cenário proposto por Arrighi de formação de um arquipélago de economias de mercado De fato na atualidade é possível perceber a disputa de poder e influência da China e dos Estados Unidos no âmbito global como um todo e na região do Sudeste Asiático Essa dinâmica reforça a concepção de enfraquecimento da hegemonia dos Estados no sistema internacional e a projeção de ascensão da China como hegemonia não somente regional mas também mundial Elaborar uma resenha crítica do mesmo Da resenha crítica devem constar 1 apresentação das principais ideias e argumentos do texto 2 uma avaliação crítica do texto O artigo O Sudeste Asiático entre Estados Unidos e China arquipélago de economias de mercado ou palco da competição interestatal capitalista dos autores Bruno Hendler e Isabela Nogueira trata a projeção da China em relação ao Sudeste Asiático por meio da divisão de três períodos sendo eles 19901997 19972008 e de 2008 até os dias de hoje Nesse contexto os autores reconhecem a região como importante para o jogo de poder e riqueza entre EUA e China que ocorre desde 2008 tornandose um dos cenário mais importantes das disputas internacionais nesse sentidoCom isso os autores destacam três ciclos de interações do Sudeste Asiático com as pressões do sistema internacional que vem ocorrendo desde o fim da Guerra Fria O primeiro ciclo ocorreu entre 1989 e 1997 sendo caracterizado pela regularização das relações bilaterais com a China e pela diminuição gradativa do poder dos Estados Unidos que com o fim da Guerra Fria passaram a promover um isolamento em relação à China O segundo ciclo ocorreu entre 1997 e 2008 e foi marcado pela ofensiva multilateral chinesa diante do apoio às normas e organizações regionais que visavam reduzir a visão de ameaça de sua ascensão pacífica e sobretudo pelos empréstimos a juros baixos e valorização do renminbi como formas de resgate das economias do SE Asiático após a crise financeira de 1997 Os autores ressaltam que a atuação da China nesse período foi fundamental diante do vácuo de poder causado pelos norteamericanos após redirecionar seu foco para o Oriente Médio O terceiro ciclo teve início em 2008 e se estende até os dias atuais e segundo os autores caracterizase por três processos o retorno do foco dos EUA à região a elaboração de uma nova política externa chinesa mais assertiva e propositiva e o estreitamento das relações econômicas entre a China e o Sudeste Asiático além da ambiguidade entre discurso e postura voltados para os litígios territoriais no Mar do Sul da China A fim de desenvolver seus argumentos ao longo do texto os autores dividem o artigo em introdução quatro partes de desenvolvimento consideradas essenciais e a conclusão A primeira parte Do arquipélago de economias de mercado à competição capitalista tem como base o argumento de Arrighi e Silver de bifurcação das capacidades sistêmicas e da suposta constituição de um arquipélago de economias de mercado integrado na região Assim defendiase que a redução da atuação norteamericana na Ásia Oriental contribuiu para a integração econômica dos países da região com a China resultando em redução das principais tensões geopolíticas da região em nome do desenvolvimento e configuração de um arquipélago de economias de mercado que não priorizava os dilemas de segurança na Ásia Oriental Em contrapartida com o retorno da atenção dos Estados Unidos à região a partir de 2008 durante o governo Obama e com as transformações das políticas chinesas voltadas para o comércio segurança e defesa fizeram com que a região retornasse à posição de competição entre essas duas potências Nessa perspectiva os autores trazem a ideia de Arrighi e Silver sobre a bifurcação das capacidades sistêmicas a qual defende que a atual crise hegemônica norteamericana cujo início se deu na década de 1970 teria concentrado os recursos militares do âmbito global no Ocidente enquanto moveu os recursos financeiros para a Ásia oriental sobretudo para a China Segundo esses autores com isso a China estaria visando a consolidação de um arquipélago de economias de mercado cujas unidades políticas apesar de serem mais fortes em comparação com o Ocidente seriam ocasionadas através da busca de riqueza nas cadeias de mercadorias sob a hegemonia do regime militar norteamericano Assim sendo Hendler e Nogueira afirmam que Arrighi e Silver acertaram em denominar a China como o maior ator de reciclagem da liquidez mundial para o Sul Global sobretudo para o Sudeste Asiático e como uma base manufatureira cuja capacidade de determinar elementos da dinâmica de acumulação de capital mundial cresce gradativamente Por outro lado os autores defendem que os cenários apontados por meio desse processo seriam imprecisos e propícios de deixar brechas Hendler e Nogueira ainda questionam o modelo híbrido que defende que o poder políticomilitar estaria retido no Ocidente e o poder econômico na Ásia apontado por Arrighi e Silver ao admitirem que apesar do reforço das capacidades militares dos Estados Unidos no âmbito global a China vem tentando se estabelecer como um contrapeso geopolítico A segunda parte Breve história da relação ChinaSudeste Asiático é pautada em uma revisão da história envolvendo esses países Para os autores historicamente a relação ChinaSE Asiático é hierárquica e desproporcional diante das características expansionistas e comerciais da China além da característica militar ao longo da história Os autores ressaltam ainda uma mudança na relação entre esses países a partir da fundação da República Popular da China em 1949 e do processo de descolonização da Ásia que se sucederam resultando em abertura econômica da China e regularização das relações comerciais e diplomáticas entre a China e os países do Sudeste Asiático A terceira parte A política externa da China para o SE Asiático da normalização das relações bilaterais à charm offensive se dedica a analisar as duas primeiras fases das relações econômicas e políticas no pósGuerra Fria A primeira fase ocorreu em 1989 diante do cenário do fim da União Soviética e da crise política em Tiananmen Nesse contexto a ofensiva do Ocidente que antes era direcionada à União Soviética passou a ser direcionada para a China realizando algumas críticas e sanções diante de violações de direitos humanos no país A fim de reverter esse isolamento ocidental a China procurou regularizar suas relações diplomáticas com os países do Sudeste Asiático a partir de 1990 De acordo com os autores acreditavase que uma abordagem multilateral em torno da ASEAN seria capaz de reduzir a visão de ameaça dos vizinhos em relação à ascensão chinesa e também capaz de contrabalancear a influência norteamericana na Ásia Dessa forma na tentativa de estabelecer um regionalismo na Ásia para fazer frente aos Estados Unidos a China adota a política denominada de charm offensive a qual reconhece o próprio uso do soft power enquanto políticas que incentivam políticas voltadas para o diálogo negociação e cooptação em detrimento do uso da força Essa política do charm offensive teria algumas frentes no âmbito econômico e diplomacia multilateral foi operacionalizada em diversas frentes A quarta parte O terceiro ciclo pósGuerra Fria o retorno dos EUA e a projeção da China trata da pressão competitiva e conflituosa e mais recente na região Os autores apontam o denominado pivô estratégico por parte dos Estados Unidos o qual gerou mudanças na política externa do país direcionandoa para a Ásia sob a justificativa das regiões fazerem parte da Bacia do Pacífico Dessa forma diante do crescimento da importância da ÁsiaPacífico essa iniciativa reuniu esforços militares diplomáticos e econômicos Os autores ressaltam que apesar da concentração dessa iniciativa no âmbito diplomático é importante reconhecer também sua atuação no âmbito militar Em compensação os autores destacam que a partir da chegada de Xi Jinping à liderança da China a política externa do país mudou da ascensão pacífica para o sonho chinês Essa mudança segundo os autores teria tornado a política externa chinesa mais assertiva e nacionalista visando uma política mais ativa capaz de sustentar que os interesses chineses fossem expressados durante o processo de influenciar a ordem internacional Como resultado dessa mudança temse o aumento de projetos ambiciosos como a nova rota da seda Nessa perspectiva os autores reconhecem que os países do Sudeste Asiático respondem a essa dinâmica como possível ameaça levandoos a promover o retorno dos Estados Unidos à região Para os autores esse entendimento vai de encontro ao que foi defendido por Arrighi Ainda assim a maioria dos países do Sudeste Asiático realizam acordos tanto com os Estados Unidos quanto com a China Ademais os autores destacam a presença de inúmeras contradições e tensões nos âmbitos comercial e militar neste ciclo atual Apesar da integração econômica e desenvolvimento frutos do comércio entre os países do Sudeste Asiático e a China o desaquecimento do modelo chinês voltado para os investimentos e a crise de demanda nos países centrais ocasionou um aumento nas assimetrias entre as economias e inversão do saldo dos fluxos comerciais Com isso diante da expansão do mercado interno chinês surge uma periferia econômica em seu entorno regional capaz de diminuir a dependência do país de mercados no Ocidente Os autores apontam também que com os investimentos militares da China contribuem para a percepção de ameaça na região levando ao entendimento de que logo a periferia econômica da China se tornará também uma periferia geopolítica onde os Estados Unidos terão cada vez menos influência Por fim nas considerações finais os autores defendem que a ideia de existência de um arquipélago de economias de mercado na Ásia Oriental proposta por Arrighi persiste enquanto os outros países da região não reconhecem o avanço chinês como ameaça a sua autonomia e a seus interesses nacionais e conferem aos Estados Unidos a centralização das capacidades militares globais Segundo Hendler e Nogueira os países do Sudeste Asiático ainda enfrentam problemas para reconhecer ambos os processos levandoos a caminhar a um ponto intermediário entre eles o qual traria gradativamente menos retornos econômicos e geopolíticos diante da ascensão chinesa e não acreditariam na capacidade de supremacia militar norteamericana para lidar com a China Os autores ressaltam que a projeção da China em relação aos países do Sudeste Asiático torna nítida a intenção do país em se consolidar como uma potência regional em todos os sentidos inclusive militar apesar do apoio em pilares econômicos gradativamente mais assimétricos em relação a seus vizinhos Nessa perspectiva os autores apontam duas tendências poderiam ser deduzidas por meio do terceiro ciclo pósGuerra Fria o primeiro diz respeito ao retorno multifacetado dos EUA à Ásia por meio do redirecionamento gradual do instrumento militar e diplomático com base no pivô estratégico e o segundo se refere à construção de uma periferia econômica chinesa diante da transição do modelo de desenvolvimento pautado no investimento interno e nas exportações para a expansão do mercado de consumo e de mercados regionais Sendo assim para Hendler e Nogueira as duas tendências resultaram do Sudeste Asiático como sendo um palco de grande relevância no jogo por poder e riqueza entre EUA e China além de se distanciar do cenário proposto por Arrighi de formação de um arquipélago de economias de mercado De fato na atualidade é possível perceber a disputa de poder e influência da China e dos Estados Unidos no âmbito global como um todo e na região do Sudeste Asiático Essa dinâmica reforça a concepção de enfraquecimento da hegemonia dos Estados no sistema internacional e a projeção de ascensão da China como hegemonia não somente regional mas também mundial