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Prof Patricia Carfa curso 3 sem História valor R 780 data 07022010 res 43 Teoria da História Pedro Paulo A Funari Glaydson José da Silva tudo é hist Este livro expõe nas linhas essenciais a Teoria da História A partir das suas raízes em Heródoto pai da História chegase até os complexos tempos atuais pósmodernos e seus novos paradigmas de compreensão dos homens das culturas e do mundo O leitor verá examinados nesse processo os dois termos da equação teoria e história para mostrar que ambos evoluem em sua interpretação A teoria desprendese da idéia simples de visão de mundo com seu componente de subjetividade História supera a idéia ainda mais simples de testemunho pessoal ou de passado que na verdade não passa e sim transita num continuum para o futuro As progressivas teorias da História apresentamse nesta síntese de dois professores universitários brasileiros tendo por fonte inspiradora grandes nomes do pensamento historiográfico como Tucídides Cícero Tito Lívio Santo Agostinho Maquiavel Vico Herder Hiebuhr Michelet Hegel Marx Engels Febvre Bloch Monod Burke Braudel Duby Foucault Derrida Le Goff entre outros Copyright desta edição Pedro Paulo Abreu Funari e Glaydson José da Silva Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada armazenada em sistemas eletrônicos fotocopiada reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia da editora Primeira edição 2008 Coordenação editorial Alice Kobayashi Coordenação de produção Roseli Said Projeto Gráfico e Editoração Digitexto Serviços Gráficos Capa Fernando Pires montagem sobre imagem do busto de Heródoto e Tucídides Museo Nazionale di Napoli Revisão Maristela Nóbrega e Karin Oliveira Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Funari Pedro Paulo Abreu Teoria da história Pedro Paulo Abreu Funari Glaydson José da Silva São Paulo Brasiliense 2008 Tudo é história 153 ISBN 9788511001464 1 História Estudo e ensino 2 História Filosofia 3 História Metodologia 4 História Teoria crítica I Silva Glaydson José da II Título III Série D807451 CDD901 Índices para catálogo sistemático 1 História Filosofia e teoria 901 editora e livraria brasiliense Rua Mourato Coelho 111 Pinheiros CEP 05417010 São Paulo SP wwweditorabrasiliensecombr SUMÁRIO Introdução Um campo interdisciplinar9 Os objetivos deste livro10 Capítulo I As origens antigas ou prémodernas13 Capítulo II O surgimento da história e o Positivismo27 Capítulo III A Escola Metódica33 Capítulo IV A concepção de história em Marx43 Capítulo V A escola dos Annales55 Capítulo VI A História nova e outras historiografias69 Capítulo VII O Pósmodernismo81 Considerações finais89 Referências e fontes93 Sugestões de leitura99 Sobre os autores101 Agradecemos a Margareth Rago Jair Batista da Silva e Adilton Luís Martins Mencionamos ainda o apoio institucional do Núcleo de Estudos Estratégicos NEEUnicamp do Departamento de História do CNPq e da Fapesp A responsabilidade pelas idéias restringese aos autores INTRODUÇÃO UM CAMPO INTERDISCIPLINAR A Teoria da História é uma área de pesquisa e de reflexão paradoxal Disciplina obrigatória nos cursos universitários de História constituiu um dos cernes da carreira do historiador seja ele futuro professor seja pesquisador Não se pode prescindir de uma formação sobre os fundamentos epistemológicos da disciplina A própria palavra epistemologia referida na frase anterior contudo nos alerta de que estamos diante de uma área que abrange diversas outras disciplinas Epistemologia o conhecimento logia da ciência episteme remete à Filosofia ao campo de conhecimento voltado para os processos de conhecimento mas levanos também aos gregos antigos Foram os gregos que definiram a episteme como o resultado de uma reflexão diante do que está colocado à nossa frente histemi significa estar em pé e epi é a preposicão sobre Opuseramna a doxa a simples opinião assim como a tekhne a arte ou técnica Mas a Teoria da História não se relaciona apenas à Filosofia Desde o século XIX e ainda mais no século XX diversas disciplinas forneceram modelos de como interpretar a sociedade e as suas transformações e vieram a servir de referência para como os historiadores pensaram sobre a teoria da sua disciplina Foram particularmente relevantes as interpretações sociológicas e antropológicas sem esquecermos aquelas oriundas da Lingüística e dos Estudos Literários Temos aí portanto três grandes vertentes que contribuíram para Teoria da História a Filosofia as Ciências Sociais e as Letras três campos que por sua parte se relacionam também Tudo isso significa que a Teoria da História exige uma necessária interação com as outras ciências OS OBJETIVOS DESTE LIVRO Um dos grandes estudiosos da Teoria da História o historiador francês Henri Irenée Marrou 19041977 enfatizava a importância de se publicarem livros de divulgação Esta obra visa introduzir o leitor no universo da Teoria da História a partir de suas origens até os dias atuais Essa sequência permitirá ao leitor verificar como os autores construíram suas interpretações a partir das experiências anteriores mas não implica nenhum juízo de superioridade das produções mais recentes como se houvesse uma evolução em direçaõ à verdade Apresentamos uma leitura possível dessa trajetória a partir de uma ótica explicitada desde o ínício o pluralismo Como constatou o historiador alemão Chris Lorenz 1998 o pósmodernismo é uma versão radical do pluralismo Partilhamos das preocupações de Margareth Rago 2000 quando esclarece que Já faz algum tempo que os historiadores perceberam as dificuldades do seu ofício não apenas pelos obstáculos de acesso aos documentos mas porque sua atividade não é neutra e nem o passado existe como coisa organizada e pronta à espera de ser desvelado O historiador produz o passado de que fala a partir das fontes documentais que seleciona e recorta compõe uma trama dentre várias outras possíveis e constrói uma interpretação do acontecimento Há múltiplas histórias a serem contadas já que os grupos sociais étnicos sexuais geracionais de baixo ou de cima se constituem de maneiras diversas mas têm diferentes modos de narrálas A História pode mostrar formas diferentes de pensar de organizar a vida de problematizar vivenciadas por outras sociedades em outros momentos históricos Aceitar o desafio proposto por Marrou 1961 e escrever uma obra de divulgação não é tão simples quanto pode parecer O historiador americado Jacoby Russel 1992 lembra que as generalizações sobre disciplinas acadêmicas requerem audácia pois materiais e descobertas volumosas mesmo em áreas muito restritas podem minar se não refutar as interpretações gerais Corremos esse risco mas deixamos claro desde o início que apresentamos uma leitura possível convidando o leitor a fazer seus próprios juízos I As ORIGENS ANTIGAS OU PRÉMODERNAS OS TERMOS E SEUS SIGNIFICADOS Toda a Teoria da História moderna surgida com o racionalismo e o iluminismo do século XVIII surge em continuidade e em oposição à tradição milenar de reflexão sobre o passado Continuidade pois muitas das referências antigas foram retomadas em tempos modernos mas ainda mais em oposição pelo distanciamento das maneiras de se conceber a História nas tradições antigas e medievais Neste capítulo a trajetória de reflexão sobre o passado e como isso se relaciona com a epistemologia será apresentada a partir dos seus primórdios naquilo que se convencionou chamar de tradição ocidental Como veremos reflexões das obras de Platão ou mesmo da Bíblia continuam em pleno século XXI a serem debatidas e usadas como argumento para reconstruir a Teoria da História Antes de tratarmos disso contudo convém abordar dois termos da equação teoria e história termos de origem grega e prenhes de significado Teoria relacionase com o verbo Theáomai enxergar e com thea vista e está portanto no mesmo campo de teatro em grego théatron A teoria é portanto um ponto de vista uma visão e esse termo já é em si muito revelador pois só enxergamos uma parte do que pode ser visto só aquilo que nos permite nosso ângulo de visão e a iluminação externa Assim a visão é subjetiva ela depende de quem olha e ela é também afetada por condições de visibilidade externas ao observador Para os antigos gregos teoria diferenciavase da práxis a ação no mundo mas essa própria prática depende da visão de um ponto de vista A teoria é portanto e inevitavelmente subjetiva Em seguida a História termo grego que já se confunde no senso comum com a noção de passado como se fosse aquilo que aconteceu Na verdade história é um termo grego que significava pesquisa uma observação de novo uma noção ligada a algo investigado pela vista Na origem a palavra não se restringia ao estudo do passado era usada para qualquer pesquisa empírica sobre o movimento dos astros no céu e esse sentido da palavra se mantém em nossa língua na expressão história natural Assim também pelo segundo termo da expressão Teoria da História estamos diante de uma subjetividade ANTES DA INVENÇÃO DA TEORIA E DA HISTÓRIA Antes mesmo da invenção pelos gregos dos termos teoria e história já se pensava sobre o passado e o seu significado As concepções mais retomadas pela historiografia moderna foram as hebraicas parte da tradição ocidental por meio da Bíblia O tempo bíblico é um tempo religioso prenhe de subjetividade e emoção Os termos mais usuais para designar o tempo referemse a um ciclo como dia yom mês khodesh e ano shaná que compõe uma vida uma geração dor A palavra tempo et é de origem desconhecida mas está relacionada ao ciclo da vida em sua acepção religiosa como diz Ezequiel 3116 Na Tua mão estão os meus tempos Esse ciclo da vida encontrase no próprio mundo concebido como tendo uma criação a saída do homem do paraíso e um final a aurora messiânica que representa um retorno superior ao paraíso perdido Estas concepções encaram o presente como parte de um continuum com o passado e o futuro uma etapa em um ciclo que se apresenta no próprio quotidiano Futuro e passado se confundem na perspectiva do presente O estudioso bíblico Walter I Rehfeld propõe que o tempo bíblico corre do futuro para o passado A consciência do presente verá os antepassados como posições fixas anteriores no tempo marchando para frente exatamente na mesma direção De acordo com esta visão o hebraico clássico qualifica o futuro longínquo como o fim dos dias permanecendo parte de trás às nossas costas enquanto que o passado corresponde ao que está em frente no espaço Se o passado for à nossa frente e o futuro às nossas costas então marchamos do futuro para o passado Esse tema será retomado pela Teoria da História no século XX por Walter Benjamin como veremos mais adiante O que nos interessa aqui é apenas destacar que mesmo antes da invenção da História com esse nome já se pensava no sentido do tempo e essas idéias ligadas a ciclos e à salvação serão muitas vezes retomadas e reelaboradas ao longo dos séculos HISTÓRIA BÍBLICA Cíclica Com início meio e fim Do futuro para o passado Religiosa OS GREGOS E A HISTÓRIA Heródoto O estadista romano Marco Túlio Cícero 10643 aC denominou Heródoto de Halicarnasso 484420 aC o pai da História DE LEGIBUS 115 epíteto que desde então difundiuse e tornouse um lugarcomum Heródoto foi o primeiro a adotar a palavra História com o sentido que passaria a ter Logo no início de sua obra explica que Aqui está a exposição das pesquisas de Heródoto de Halicarnasso para que as obras dos homens não sejam esquecidas com o tempo nem as grandes e maravilhosas façanhas realizadas tanto por gregos como por bárbaros fiquem sem glória e para mostrar as causas dos conflitos Nessas primeiras palavras temos todo um programa do que seja a tarefa do historiador Em primeiro lugar tratase de um relato uma estória uma exposição primeiro oral e só depois escrita Heródoto atravessou o mundo a recolher e ver com os próprios olhos e a ouvir com as próprias orelhas relatando essas experiências em praça pública Havia desde o início uma função pública e literária dessas leituras que deviam tanto entreter o público como falar aos sentimentos das pessoas Como sabemos disso É o próprio Heródoto que nos conta e nos reporta à incredulidade dos ouvintes diante do que ele afirmava ser a pura verdade Essas mesmas observações de Heródoto sobre a reação do público demonstram que a sua obra no entanto só se tornou perene com a escrita com a publicação em forma de obra literária reproduzida em tantas cópias e que chegou até nós Heródoto sempre ressalta sua função como testemunho direto Até aqui disse o que vi refleti e averigüei por mim mesmo a partir de agora direi o que contam os egípcios como ouvi ainda que acrescente algo do que vi História 29 Este o sentido primeiro da palavra História testemunho Cabe ao testemunho preservar pela lembrança as ações humanas pela memória para que não sejam esquecidas Essas são todas palavras ligadas à relembrança e não é à toa que palavras como monumento derivem de lembrar A glória aludida por Heródoto no início de sua obra também do âmbito da memória Embora para nós modernamente a memória seja quase sempre ligada à imprecisão e à transmissão oral como lembra o historiador francês Jacques Le Goff 1988 para os antigos a memória e a História estavam ligadas umbilicalmente Por fim Heródoto menciona que busca as causas da guerra entre gregos e persas A preocupação com as causas leva ao papel do juízo lógico do historiador Heródoto usa muito a palavra lógos que significa tanto palavra como conhecimento razão tudo isso como parte de um relato racional Assim diznos que o que me proponho ao largo do meu relato lógos é escrever tal como ouvi o que dizem uns e outros O relato é uma obra literária fundada na razão com a reportagem das opiniões contrastantes As causas são de caráter racional compreensíveis pela contraposição de pontos de vista ainda que as forças divinas não deixem de ser mencionadas assim como aceitas as coisas maravilhosas que não foram bem comprovadas pela vista ou pela audição como a existência de seres esdrúxulos O historiador italiano Arnaldo Momigliano 19081987 em um estudo clássico chegou à conclusão que está ainda conosco com toda a força de seu método de estudar as fontes orais não só no presente como no passado É curioso Heródoto chegou a tornarse de verdade o pai da História só nos tempos modernos Não por acaso Heródoto foi considerado o fundador de campos como a Antropologia e a Geografia além da História Sua Teoria da História encontraria correlatos como veremos na pluridisciplinaridade da História no século XX HISTÓRIA PARA HERÓDOTO Relato racional e agradável logos Investigação da visão e da audição Lembrança dos grandes feitos Busca das causas Tucídides e o Efêmero Tucídides dá continuidade à nascente historiografia grega mas se erige diferente de seu antecessor Heródoto Rompe com a busca das causas últimas e profundas com a escuta dos povos e seus costumes preocupado apenas com a História contemporânea de sua época Despreocupado do que chamaríamos de etnografia Tucídides volta se para as lutas intestinas para a História constitucional Sua distância começa já por sua crítica ao relato de histórias para o público A ausência de estorinhas em minha História irá temo tirar um pouco do seu interesse Contudo se for considerado útil pelos pesquisadores que desejarem um conhecimento preciso do passado como ajuda para interpret ar o futuro ficará coerente Escrever esta obra não como um relato não para receber o vazio do momento mas como uma aquisição para todo o sempre Guerra do Peloponeso 122 Em tão poucas palavras tanta divergência com Heródoto Não falava em praça e não queria saber da opinião das pessoas menos ainda do aplauso ilusório pois vindo da ignorância Não aceita tratar do que ele chama de mítico as estorinhas A precisão do conhecimento também chama a atenção assim como a pretensão de que mais do que pontos de vista como ressaltava Heródoto haveria que produzir uma obra literária para todo o sempre frase que ficou famosa ktema eis aei uma conquista do conhecimento histórico para sempre a ser manter por não depender das opiniões Muitos historiadores modernos no auge do positivismo no século XIX iriam retomar essa busca de transcendência em Tucídides a descrição acurada do efêmero em seu sentido original grego do diaadia Historiador da guerra Tucídides viria também por essa via a ser paradigmático para o moderno positivismo A historiografia do século XX ressaltaria as deficiências das certezas de Tucídides Arnaldo Momigliano destacou um aspecto o caráter por assim dizer jornalístico das explicações de Tucídides centradas nos pequenos desencontros quotidianos sem olhar o grande quadro do contexto histórico e das causas profundas Toda a História diplomática e social dos trinta anos precedentes à Guerra do Peloponeso 431404 aC está talvez irremediavelmente perdida para nós porque não interessava a Tucídides Há tantas coisas que não sabemos porque Tucídides não procurou estudálas A busca da precisão ligavase à visão judiciária da História como se a pesquisa histórica fosse uma investigação das provas de um tribunal em busca da verdade essa ideia seria retomada no século XX pelos paradigmas indiciários como veremos Inseriase também no empirismo empregado pela medicina hipocrática Tudo somado Tucídides será uma referência especialmente importante para a historiografia moderna Tucídides Busca das causas imediatas Escrita de obra literária como referência perene Busca da verdade como em um tribunal ARISTÓTELES POESIA E HISTÓRIA O pensador grego Aristóteles 384322 aC nunca escreveu uma obra de História mas mesmo assim tornouse uma referência obrigatória sobre a epistemologia da História Pode parecer paradoxal apenas na aparência contudo Aristóteles escreveu sobre quase tudo e um comentário seu na Poética tem sido considerado essencial para entender o conhecimento possível por meio da História Quando Aristóteles escreveu essa obra já a História era um gênero literário bem estabelecido e é em sua obra sobre as criações artísticas que ele dedicará um apartado para a relação entre a poesia e a História Segundo Aristóteles Não é ofício de poeta narrar o que aconteceu é sim o de representar o que poderia acontecer quer dizer o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade Com efeito não diferem o historiador e o poeta por escreverem verso ou prosa pois que bem poderiam ser postos em verso as obras de Heródoto e nem por isso deixariam de ser História se fossem em verso o que foram em prosa diferem sim em que diz um as coisas que sucederam e outro as que poderiam suceder Por isso a poesia é algo de mais filosófico e mais sério do que a História pois refere aquela principalmente o universal e esta o particular Por referirse ao universal entendo eu atribuir a um indivíduo de determinada natureza pensamentos e ações que por liame de necessidade e verossimilhança convêm a tal natureza e ao universal assim entendido visa a poesia ainda que dê nomes às suas personas particular pelo contrário é o que fez Alcibíades ou o que lhe aconteceu Poética 950 Aristóteles aponta como característica essencial da História sua preocupação com o efêmero com o acontecimento que não se pode repetir e que por isso mesmo nada nos pode ensinar sobre a natureza humana ou mesmo o mundo O particular por definição nada revela Tucídides G P 2 65 descreve a morte de Péricles ele sobreviveu por dois anos e meio após o início da Guerra do Peloponeso e a correção de suas previsões sobre ela tornaramse claras à época da sua morte O que essa morte nos diz sobre o comportamento humano Já a morte de um personagem trágico não ela apresenta uma lição como no caso de Hipólito filho de Teseu e a amazona Hipólita que morre por recusar o amor de Ártemis Representa entre outras coisas a perdição pela soberba Já a morte de um Péricles por mais importante que tenha sido não possui essa dimensão filosófica profunda Também como veremos o positivismo virá retomar esses argumentos ainda que para valorizar a descrição dos acontecimentos e a falta de ambição epistemológica da História ARISTÓTELES História busca o particular e irrepetível Limitase a narrar o que aconteceu Não ambiciona explicar o homem ou o mundo A HISTORIOGRAFIA GRECOROMANA E O CRISTIANISMO A historiografia de gregos e romanos posteriores aos três autores tratados inspirouse e referiuse a eles ainda que cada um tenha enfatizado alguns aspectos ou características da História Assim Políbio 200118 aC e Salústio 8634 aC enfatizarão a utilidade da História tema que terá grande fortuna entre outros autores antigos como Cícero e sua caracterização da História como mestra da vida Essa ênfase inserese na perspectiva de Tucídides de um monumento para o futuro mas tem ambições práticas como se a própria função da História fosse ensinar Outro aspecto inovador foi a difusão do conceito de decadência como se houvesse uma degradação com o passar do tempo noção que tinha precedentes na mitologia mas que foi aplicada à História com a constatação de Tácito 55120 dC de que o domínio romano levava à paz dos cemitérios aos povos solitudinem faciunt pacem appellant O Cristianismo viria a introduzir modificações profundas uma ruptura como diria o historiador de nossa época Jacques Le Goff Por um lado herdeiro do pensamento hebraico messiânico apresenta uma leitura escatológica visando ao fim dos tempos éskhatos quer dizer último lógo conhecimento Retoma pois a noção de tempo linear com a criação do mundo a queda do homem a vinda do Cristo e a espera do juízo final Deus passa a intervir na História como agente constante e oculto O conhecimento do passado com alguma precisão como pregavam os gregos antigos não faz mais sentido Santo Agostinho 354430 em suas Confissões 14 interrogase sobre o tempo O que é o tempo Se ninguém me pergunta seio se quiser explicar a quem me pergunta não o sei Julgada pelos sentidos a fé é uma verdade cega à diferença da teoria grega que era visível e por isso demonstrável A fé cristã é uma confiança firme no invisível e portanto no que não é demonstrável O historiador toma o passado em uma única dimensão confunde homens e acontecimentos com desinteresse pela sucessão temporal preocupado apenas com os valores eternos e absolutos intemporais A História nada mais é do que o desenvolvimento dos desígnios divinos e assim o raciocínio teológico só deixa lugar para a História ideal eterna Os homens e suas obras perdem interesse pois a atividade humana não pode ser efetiva A historiografia moderna nasceria em reação às concepções teológicas do mundo e da História HISTÓRIA CRISTÃ Linear criação encarnação de Deus juízo final Narrativa baseada na fé Deus e seus desígnios Busca de valores eternos e intemporais O SURGIMENTO DA HISTÓRIA E O POSITIVISMO O Renascimento A tradição historiográfica cristã com sua mescla de temas sagrados e profanos com a onipresença de milagres viria a marcar a reação a partir da releitura dos historiadores gregos e romanos Os escritores da Renascença a partir do século XV entusiasmaramse com as abordagens racionais e seculares dos antigos e começaram a desenvolver uma erudição crítica Lorenzo Vala 14071457 foi um desses pioneiros ao publicar em 1540 um estudo em latim da chamada Doação de Constantino documento que seria transferência de terras à Igreja pelo imperador romano Constantino Demonstrou que a Doação não podia ter sido escrita àquela época e era portanto muito posterior Com a divulgação da imprensa e do uso das línguas vernaculares como o francês italiano ou inglês difundiramse obras históricas de pensadores como Maquiavel 14691527 e Guicciardini 14831540 mas seria apenas com o Iluminismo no século XVIII que teríamos o desenvolvimento da historiografia na época conhecida como era de Voltaire 16941778 e Gibbon 17371794 Já se estava no século XVIII sob o clima de luta declarada contra a influência das igrejas na interpretação do passado e na busca de uma interpretação racional do passado No entanto os iluministas não se preocupavam com a precisão de um Tucídides já que como dizia Voltaire danemse os detalhes pois são o tipo de verme que destrói as grandes obras MARWICK 1976 p 33 Todo o século XVIII produziu uma pletora de eruditos que se preocuparam com a História como Giambattista Vico 16681744 e Johann Gottfried von Herder 17441803 ambos preocupados com a Filosofia da História Ambos destacaram a importância da compreensão dos contextos históricos a diferença do passado diante do presente Era o início do método da empatia que teria grande fortuna na Teoria da História Segundo Von Herder primeiro simpatize com a nação estudada vá à sua época à sua geografia a toda sua História sintase nela Todos escreviam História na tradição da literatura como grandes obras literárias produzidas para o deleite ainda não havia a carreira universitária a História como parte de uma nova organização da ciência na forma da Universidade moderna Teoria da História A HISTÓRIA NA UNIVERSIDADE A Universidade instituição criada em plena Idade Média a partir do século XII caracterizouse até fins do século XVIII pelo conhecimento universal de onde deriva seu nome Formavamse médicos advogados e teólogos todos com uma graduação genérica predominante e com a Teologia no ápice As artes liberais englobavam gramática dialética e retórica trivium além de aritmética música geometria e astronomia quadrivium Tudo em latim sob o controle da Igreja visava à elevação da alma Seria apenas no século XVIII com o avanço do Iluminismo que a Universidade tomaria novo rumo que resultaria no surgimento das disciplinas modernas voltadas para o conhecimento objetivo ou positivo do mundo e das relações humanas A primeira disciplina a surgir no que viria a ser as Ciências Humanas e Sociais foi a Filologia o conhecimento das línguas Se antes na tradição medieval estavase a gramática de uma língua o latim a nova ciência preocupavase com o estudo das línguas suas características e origens Abandonada a explicação bíblica que atribuía diversidade das línguas à Torre de Babel a nova disciplina buscou entender as línguas como se elas fossem plantas como se elas tivessem relações de parentesco entre si e origens partilhadas inspiração que vinha da nascente Biologia Logo surgiram os dois grupos de línguas as línguas indoeuropéias e as semíticas As primeiras congregavam quase todas as línguas européias além do persa e de línguas da Índia e as segundas as línguas do Oriente Médio mais conhecidas na Europa como o hebraico o aramaico e o árabe O surgimento da Filologia permitiu que se iniciasse a História como disciplina acadêmica que está conosco até hoje A Filologia permitiu um conhecimento muito mais rigoroso e aprofundado das línguas antigas e de suas relações A Filologia Histórica preocupada com as origens e interconexões mostrou assim que o latim e o grego compartilhavam muito tanto em termos de estrutura como de vocabulário Permitiu ainda que o conhecimento dos documentos antigos fosse muito mais profundo e objetivo Esse foi o passo decisivo para a criação de um novo conceito de História como conhecimento positivo do passado não mais como literatura ou relato religioso Os pioneiros da História positivista foram escritores de língua alemã em particular a partir da Prússia na chamada revolução historiográfica de Berlim Barthold Georg Niebuhr 17761831 foi um dos fundadores da nova Universidade de Berlim produto do reformismo prussiano o primeiro historiador da nova era se assim podemos dizer Suas palestras sobre a História de Roma ministradas em 18111812 publicadas entre 1827 e 1832 marcam a nova erudição positivista a partir da Filologia estabelecese a crítica textual como pedra angular do positivismo historiográfico Essa crítica visava a saber se os documentos eram verdadeiros e fidedignos Em busca da descrição factual precisa inauguravase o estilo da historiografia positivista árido difícil em tudo diverso da tradição literária da História inaugurada por Heródoto Niebuhr usou a História de Roma do historiador romano Tito Lívio 59 aC17 dC para desacreditála tanto por ser literária como por trazer uma infinidade de histórias inventadas O positivismo visava ao conhecimento objetivo do passado não ao gozo de uma bela leitura e menos ainda a dar guarida à fantasia Leopold von Ranke 17951886 foi o grande historiador acadêmico positivista que daria sequência e aprofundaria a nova teoria positivista da História proposta por Niebuhr Von Ranke pode ser considerado o fundador da moderna disciplina histórica universitária tanto do ponto de vista epistemológico como administrativo Estabeleceu pela primeira vez a disciplina na Universidade algo que tardaria muitas décadas em outros lugares como na França Também foi pioneiro a criação da revista Historische Zeitschrift em 1859 cuja primeira tarefa era apresentar o método verdadeiro da pesquisa histórica e apontar os desvios como se lê no editorial No plano epistemológico o positivismo de Von Ranke marcou a disciplina por muitas décadas a partir de seus apontamentos de 1824 Considerouse que a História deveria julgar o passado instruir o presente para o benefício das gerações futuras Tais grandiosas pretensões não são aspirações desta obra quer apenas mostrar o que propriamente aconteceu wies eigentlich gewesen Mais do que julgar compreender verstehen o passado baseandose na crítica erudita das fontes Quellenforschung essas as pretensões do positivismo historiográfico nascente A referência a Cícero na passagem acima é clara a História não deve ser a mestra da vida Já nos seus inícios a História positivista e acadêmica encontrou seu críticos descontiados da pretensa objetividade do historiador John Gustav Droysen 18081884 professor de História em Berlim ironizou a objetividade de um eunuco de Von Ranke assim como Jacob Burckhardt 18181897 professor de História em Basileia na Suíça denunciou a aridez do estilo descritivo positivista Como veremos a valorização da beleza e da subjetividade desses dois críticos pioneiros será importante no século XX O positivismo no entanto surgia com toda sua pujança A HISTÓRIA POSITIVISTA Rompimento com a tradição literária discurso árido e erudito Crítica das fontes históricas em busca da verdade Descrição do que propriamente aconteceu Institucionalização da disciplina História na Universidade A ESCOLA METÓDICA Conhecimento indireto e confusão marcaram os estudos historiográficos que tiveram a Escola Metódica como objeto Na trajetória do pensamento histórico seus autores são mais citados que conhecidos Um grande número de estudiosos de teorias e métodos que se opuseram aos metódicos em seu contexto ou naqueles da Escola dos Annales e de sua posteridade certamente tomou contato com textos fundacionais dos historiadores metódicos Contudo o lugar que esses textos e historiadores ocuparam e ocupam na história da disciplina histórica conferiulhes paradoxalmente uma espécie de ostracismo tendo subsistido em sua epistemologia sempre por vias indiretas nas alusões nas paráfrases e nas citações das citações Daí uma dedução a Escola Metódica é comumente negligenciada nos estudos historiográficos isso advém não do desconhecimento de suas proposições mas de sua associação a escolas e movimentos que lhe foram contemporâneos eg Historicismo e Positivismo e com os quais partilha algumas proposições Para o senso comum historiográfico os metódicos entram para a epistemologia da disciplina com as críticas de Lucien Febvre 18781956 e Marc Bloch 18861944 a CharlesVictor Langlois 18631929 e Charles Seignobos 18541942 com o advento dos Annales Críticas das quais é necessário abstrair seu grande componente político em benefício de uma valoração maior das continuidades rupturas e transformações nas teorias e nos métodos dessas duas escolas A Escola Metódica se constituiu de um conjunto de historiadores fortemente marcados pela derrota na guerra francoprussina de 1870 e pela pesquisa histórica alemã fatores que muito influenciaram o pensamento histórico na França no contexto da III República 18701940 A derrota do exército francês marca além de um trauma na história do país uma ruptura na historiografia do período conferindo à nação não só a necessidade de uma segunda origem que suplantasse o fracasso militar mas também a de novas formas de se representar a história nacional fundando ou refundando identidades A influência do pensamento histórico alemão está no fato de muitos dos principais historiadores franceses do período terem realizado seus estudos na Alemanha entre eles Gabriel Monod 18441912 Charles Seignobos e Ernest Lavisse 18421922 Formados em meio a grandes eruditos como Theodor Mommsen 18171903 eles influenciariam na formação das futuras gerações de historiadores franceses Como todos os representantes de escolas intelectuais que se pretendem paradigmáticos os metódicos buscam na crítica e no rompimento com aqueles que os precederam a fundamentação de seu modus faciendi pleiteando a constituição de uma história não esvaziada de significado na qual a existência dos documentos sobretudo escritos a ausência da parcialidade e o rigor do método são os requisitos imprescindíveis da empresa e dos procedimentos científicos A geração anterior à derrota de 1870 assinala na historiografia as marcas dos embates do Antigo Regime e da Revolução contra muitas das quais se ergiriam os metódicos para ela 1789 é o berço da França moderna o evento maior da história nacional e a medida para se avaliar o passado Ruptura a Revolução evidencia a presença de uma experiência contraditória que eliminava os liames de continuidade da história nacional vista a impossibilidade de representar a partir de então uma nação que partilhasse de um passado e de valores comuns Dos embates suscitados por preocupações dessa geração de historiadores para os quais a história está no pináculo e opera como meio de legitimação e explicação dos problemas políticos desenvolvese uma historiografia voltada para a história nacional cuja preocupação maior estará na constituição de ideais de identidade continuidade e comunidde de destinos da nação É esse universo intelectual que embasará o trabalho de muitos dos principais historiadores tidos como metódicos O nascimento da escola é habitualmente datado da publicação do primeiro número da Revue Historique 1876 sendo considerado seu Avantpropos assinado por Gabriel Monod e Gustave C Fagniez 18421927 um texto fundador de seus pressupostos Os estudos históricos assumem em nossa época uma importância sempre crescente e tornase cada vez mais difícil mesmo para os sábios da profissão manteremse a par de todas as descobertas de todas as pesquisas novas que se produzem cada dia Cremos responder aos desejos de uma grande parte do público letrado em criando sob o título de Revue historique uma coletânea periódica destinada a favorecer a publicação de trabalhos originais e a fornecer ensinamentos exatos e completos sobre o movimento dos estudos históricos MONOD FAGNIEZ 2006 Deste enunciado que abre o prefácio da revista dois pontos se destacam como representativos de suas proposições o interesse pela história e sua importância sempre crescente no período e a pedagogia da disciplina Ao primeiro se liga a idéia de que é o XIX o século da Revolução da ascensão dos nacionalismos e do surgimento de países como a Itália e a Alemanha Daí advém a necessidade de se explicar as nações é bem o contexto de institucionalização da disciplina história mas também de efervescência de outras áreas do conhecimento Ao segundo se liga as preocupações científicas da disciplina ao anunciar a pretensão da revista de fornecer ensinamentos exatos e completos A esta proposição estaria vinculada a publicação de trabalhos originais voltados para um público maior que teriam por objetivo evitar controvérsias contemporâneas e que deveria se constituir na imparcialidade de espírito manifestação de uma história como um fim em si mesma como observava Monod 2006 com o rigor do método e a ausência da parcialidade A revista não deveria fazer nem obra de polêmica nem de vulgarização nem se constituir numa coletânea de pura erudição Ela a revista não admitirá mais que trabalhos originais e de primeira mão que enriqueçam a ciência seja pelas pesquisas que serão a base seja pelos resultados que serão a conclusão mas sempre aí reclamando de nossos colaboradores procedimentos de exposição estritamente científicos onde cada afirmação seja acompanhada de provas de reportação às fontes e de citações daí excluindo as generalidades vagas e os desdobramentos oratórios conservaremos à Revue historique o caráter literário ao qual os sábios assim como os leitores franceses atribuem com razão tanto valor O adjetivo metódica conferido à escola que se inicia com a Revue Historique não é destituído de significação resume as preocupações de uma escola intelectual que atribui ao rigor do método a única maneira de se chegar ao conhecimento histórico afastandose da especulação e da não objetividade Assumindo como marco históricocronológico a história européia desde a morte de Teodósio 395 até a queda de Napoleão I 1815 Monod e Fagniez justificam isso em virtude do fato de ser para esse período que os arquivos e as bibliotecas conservam o maior dos tesouros inexplorados e também pelo desejo de se abstem de questões contemporâneas O objetivo desinteressado e científico e o espírito de imparcialidade que animam a revista são respaldados pela lista dos 53 colaboradores que antecede o final do prefácio Ligados aos Arquivos Nacionais à Academia de Inscrições à Biblioteca Nacional à École des Carthes e a diferentes universidades quase todos guardam com seus ofícios estreitas relações com práticas documentais de organização gestão e conservação mantendo com isso uma aproximação não ocasional dos pressupostos metódicos Desses aqueles da imparcialidade e da isenção anunciada nos primeiros parágrafos do Prefácio se chocam com o término do mesmo que diz que O estudo do passado da França que será a principal parte de nossa tarefa tem uma importância nacional É por ela que podemos dar a nosso país a unidade e a força morais das quais ele tem necessidade em lhe fazendo conhecer suas tradições históricas e compreender as transformações que elas acarretaram Ainda no primeiro número da Revue Historique segue ao Prefácio aludido um texto de Monod intitulado Do progresso dos estudos históricos na França desde o século XVI cujo objetivo está em apresentar o desenvolvimento dos estudos históricos até o advento da revista que representaria o coroamento da trajetória da disciplina até então Nesse texto Monod faz uma crítica aos historiadores de outros períodos pelo fato de terem em mente mais o presente que o passado dizendo não ter existido e não ter podido existir no sentido exato do termo ciência histórica na Idade Média Para ele é na Renascença que se iniciam Com a união dos pares e organização do ensino superior em uma época mais que outras própria ao estudo imparcial e simpático do passado caberia à História dar conta dos acontecimentos dolorosos da nação que romperam com esse passado e mutilaram a unidade nacional lentamente criada por séculos propiciando a todos se sentirem filhos do mesmo solo crianças da mesma raça não desacreditando nenhuma parte da herança paternal todos filhos da velha França e ao mesmo tempo todos cidadãos da França moderna É assim que a história sem se propor outro objetivo e outro fim que o proveito que tiramos da verdade trabalha de maneira secreta e segura para garantir a grandeza da Pátria e o progresso do gênero humano Vinte e dois anos depois da publicação do primeiro número da Revue Historique 1898 Langlois e Seignobos publicariam sua Introduction aux études historiques texto clássico e representativo dos metódicos e grande tributário dos ideais de Monod e Fagniez que se constituiria no manual formador de gerações sucessivas de historiadores Se os pressupostos metódicos foram estabelecidos pelos idealizados da Revue Historique sua divulgação e posteridade são devidas em grande parte ao impulso historiográfico dessa contribuição e à relevância que confere à formação dos historiadores na busca de uma distinção constante pelo método de pares como Michelet 17891874 e outros românticos Para além da pesquisa acadêmica a influência dos metódicos se faz sentir fortemente na educação em todos os níveis de ensino espaço de expressão máxima de seus pressupostos e de suas contradições mantendo uma relação umbilical com o pensamento sobre a nação A escola é nesse ponto a instância privilegiada de difusão dos valores nacionais Do ensino primário àquele das universidades a educação é reformada durante a III República sob os influxos dos metódicos Manuais como o simbólico Introduction aux études historiques ou o Petit Lavisse marcam as reformas e pretensões da disciplina histórica no período A escola e o ensino de história devem nutrir o sentimento nacional propiciando o amor e a compreensão da pátria dos antepassados gauleses e das glórias nacionais como descrito na Histoire de France 19001912 de Lavisse para o qual importava a crença republicana de que a educação ocupava um papel significativo no projeto nacional Presentes em todo universo intelectual francês particularmente entre 1886 e 1929 mas também até a ruptura de 1940 e depois os metódicos dirigem grandes coleções de História Histoire de France E Lavisse Histoire Générale A Rambaud Peuples et civilisations L Halphen e Ph Sagnac etc participam das reformas do ensino e atuam enfim de modo expressivo na obra escolar da III República Ocupando cátedras em importantes universidades e altos cargos junto ao poder público eles muito contribuem para a difusão de seus axiomas nem sempre incólumes de críticas em seu próprio contexto como o exemplifica aquela feita pelo economista sociólogo e historiador François Simiand 18731935 o denunciante dos três ídolos da tribo dos historiadores político cronológico e individual a Langlois e Seignobos É sob a injunção dessa análise que se estabelecerá posteriormente a crítica da Escola dos Annales à Escola Metódica fundando ambas a crítica e os Annales paradigmas rupturais na história da disciplina A ESCOLA METÓDICA França segunda metade do século XIX Derrota francesa na guerra francoprussiana Investigação históricocientífica rigor do método Importância capital do documento IV A CONCEPÇÃO DE HISTÓRIA EM MARX O marxismo é um dos sistemas de pensamento mais influentes desde o início do século XX suas ideias econômicas políticas e sociais originárias dos influxos de Marx e Engels conheceram diferentes desdobramentos e ainda hoje marcam a epistemologia de diversas áreas Luta de classes ideologia alienação maisvalia proletariado fetichismo socialismo e comunismo são palavras comumente ligadas ao seu vocabulário sendo representativas de um amplo modelo ao qual se associam concepções teóricas e práticas do pensamento social Marx é filho de pais com ascendência judaica convertidos ao protestantismo em virtude das perseguições e restrições impostas aos judeus na Prússia sendo natural de Tréveris na Renânia onde concluiu seus estudos se cundários 1835 No mesmo ano ingressa na Faculdade de Direito de Bonn da qual se transfere no ano seguinte para o mesmo curso na Universidade de Berlim e posteriormente para a Universidade de Jena onde defende em Filosofia 1841 a tese intitulada A Diferença entre a Filosofia da Natureza de Demócrito e a de Epicuro É em Berlim que Marx toma contato com a filosofia de Hegel 17701831 ao ligarse ao círculo dos jovens hegelianos ou hegelianos de esquerda que compunha uma das partes de duas das principais vertentes analíticas da obra de Hegel a outra era denominada direita hegeliana Contrapostas essas tendências marcaram o pensamento filosófico acerca do Estado prussiano e da religião de então manifestandose nos embates em torno de dois aspectos da filosofia de Hegel o metafísico e teológico e o político Para a direita hegeliana inspirada no Idealismo e voltada para o conservadorismo e a ortodoxia o Estado era considerado a mais alta realização do Espírito Geist representando a completude da dialética postulada pelo filósofo a manifestação do desenvolvimento social em sua totalidade Já para os jovens hegelianos uma concepção de mundo pautada em referenciais materiais constituía sua diretiva de interpretação informada pela negação da idéia de Espírito Absoluto Hegel deveria ser interpretado em um sentido revolucionário a sociedade prussiana estava aquém do que vislumbravam os idealistas e o Estado não dava conta de modo satisfatório das mazelas políticosociais Em relação à religião também motivo de dissensão o Cristianismo era a fonte das maiores querelas Ligado principalmente ao Estado prussiano o hegelianismo de direita atinhase ao idealismo metafísico tentando conciliar a doutrina de Hegel e os dogmas cristãos Tentativa essa em larga medida respaldada pela própria obra de Hegel Para a esquerda hegeliana a renúncia às explicações espiritualistas e a crítica ao Cristianismo marcava sua interpretação do filósofo numa espécie de adequação de Hegel aos seus postulados Se por um lado os hegelianos de direita justificavam o Estado e o Cristianismo por outro os de esquerda convertiam o idealismo em materialismo como forma de crítica social voltando Hegel contra si mesmo a essa vertente se ligaram nomes como Bruno e Edgar Bauer 1809188218201886 Max Stirner 18061856 David Strauss 18081874 Ludwig Feuerbach 18041872 Karl Marx e Frederic Engels 18201895 contudo variantes na interpretação da obra de Hegel conduziram a divisões dentro desse próprio segmento Entre jovens hegelianos Feuerbach pode ser considerado a maior influência de Marx mas é de Hegel que advém a matriz de pensamento tanto de um quanto de outro No centro das críticas de Marx dois vetores de suma importância presentes em Hegel o espírito e a dialética Para Hegel 1998 A história do espírito é o seu feito pois ele é somente o que ele faz e o seu feito é o de fazerse e aqui propriamente enquanto espírito objeto da sua consciência de apreenderse expondose para si mesmo Esse apreender é o seu ser e o seu princípio e o acabamento de um estágio do apreender é simultaneamente a sua exteriorização que o aliena de si e a sua passagem a um estágio superior Exprimindo formalmente o espírito que apreende de novo esse aprender e o que é o mesmo que se adentra de novo em si mesmo a partir da sua exteriorizaçãoalienação é o espírito do estágio mais elevado em face de si tal como ele se encontrava nesse primeiro apreender O mundo para Hegel é o vir a ser do Espírito em que a alienação estranhamento do homem em seu meio espaço em que não se reconhece é o grande ponto de partida rumo ao desenvolvimento racional e inexorável da história O mundo material é aí subordinado à lógica do mundo do Espírito mundo no qual tudo se origina e para o qual tudo se volta A crença num Espírito que a tudo antecede é parte da dinâmica que conduz à dialética hegeliana cuja principal referência é o princípio das contradições tese afirmação antítese negação e síntese negação da negação como botão que a flor refuta Do mesmo modo que o fruto faz a flor parecer um falso seráí da planta pondose como sua verdade em lugar da flor essas formas não só se distinguem mas também se repelem como incompatíveis entre si Porém ao mesmo tempo sua natureza fluida faz delas momentos da unidade orgânica na qual longe de se contradizerem todos são igualmente necessários HEGEL 2000 É a história universal a fonte de referências na qual Hegel fundamenta sua dialética O trabalho pode ser visto como uma ilustração de seu método e é por ele que o homem transformadomina a natureza cumprindo o ciclo dialético negando a matériaprima modificandoa e elevandoa Em Hegel esse processo é subordinado à lógica do Espírito já para Marx a dialética aí estava invertida estava de cabeça para baixo o ponto de partida não poderia ser o Espírito mas sim o mundo físico Como para Marx Feuerbach crê que o que garante o conhecimento a ação e a possibilidade de entendimento do mundo não está no universo das ideias mas na matéria A crítica de Feuerbach é antireligiosa e antiteleológica a ideia de Deus justo e bom é atributo humano Para Hegel a razão que entende o mundo o constitui e o transforma é dada a partir do Espírito À concepção teleológica da história de Hegel se junta em Marx um projeto político de libertação da humanidade no qual o processo histórico se dá fora do mundo das ideias Em Marx há uma orientação da ação política a partir da história Se o trabalho que antes libertava o homem e possibilitava a sua realizaçãoafirmação no mundo se tornou a fonte de opressão desse por seus iguais a indagação que se coloca é quais são as causas dessa opressão Da leitura de sua obra se pode depreender que são a divisão social do trabalho a propriedade privada dos meios de produção e a divisão da sociedade em classes A esses fatores se pode atribuir como causa o estranhamento do homem em relação às suas atividades no mundo eg a atividade do marceneiro não dá sentido ao homem quando autômata o estranhamento em relação ao produto eg no qual o sujeito não se reconhece naquilo que realiza o resultado de seu trabalho pode ser feito por qualquer um além do mais não lhe pertence e dele não pode usufruir É a consciência histórica desse processo de opressão que fundamenta a concepção de his tória em Marx não havendo livro ou texto específico no qual Marx ou Marx e Engels tenham trabalhado com o objetivo de estabelecer essa concepção ainda que possa ser apreendida de forma mais completa em textos como A ideologia alemã A miséria da filosofia e o Manifesto do Partido Comunista Inserido nos debates intelectuais de seu contexto na Alemanha e nos demais países europeus Marx intenta ofertar respostas aos problemas apresentados mas seus escritos não devem ser entendidos somente nesse sentido pois há uma preocupação em pensar como é possível agir intervir na realidade Na Questão judaica 1843 por exemplo critica um texto de igual título escrito por Bruno Bauer Num contexto em que a religião é considerada de Estado e no qual os judeus sofriam diferentes tipos de opressão e exclusão Bauer apregoa sua emancipação postulando o imperativo de se despojarem de sua religião como forma de se libertarem do jugo que sofriam A exigência é que o judeu abandone o judaísmo e que o homem em geral abandone a religião para ser emancipado como cidadão MARX 1991 Para Marx tratase da libertação dos homens da humanidade e não só dos judeus pelo que denomina erro a concentração da crítica no Estado cristão ao invés de no Estado em geral A existência da religião não é um fator ao qual se opõe a emancipação política acabada A emancipação política da religião não significa a emancipação da religião visto que a primeira não implica na emancipação humana A emancipação civil a emancipação política implicaria na libertação dos laços feudais e na concessão de direitos civis individuais reiterando o direito a privilégios burgueses como a propriedade não contemplando a totalidade já a emancipação humana contribuiria para a libertação dos homens do império a que estavam submetidos pela desigualdade e pelo individualismo Podese perceber nesse texto da juventude de Marx um dos pilares de seu pensamento que se constitui da ideia de consciência e transformação social afastandose da idéia de Espírito de Hegel e também da religião centrando nos homens e conseqüentemente na história o imperativo de sua emancipação É em A ideologia alemã 18451846 o texto em que Marx e Engels mais desenvolvem sua concepção de história dando continuidade à sua crítica aos jovens e velhos hegelianos Para eles os críticos de Hegel não tinham tentado uma crítica de conjunto do sistema hegeliano e não observavam a conexão entre a filosofia alemã e a realidade alemã a conexão entre a sua crítica e o seu próprio meio material MARXENGELS 1999 Essa leitura dos críticos de Hegel reapareceria em Ad Feuerbach 1888 de Marx em diferentes teses notadamente na tese XI que dizia Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras o que importa é transformálo Para a crítica ao idealismo hegeliano voltase a práxis revolucionária e transformadora em A ideologia Os pressupostos de que partimos não são arbitrários São pressupostos reais de que não se pode fazer abstração a não ser na imaginação São os indivíduos reais sua ação e suas condições materiais de vida tanto aquelas por eles já encontradas como as produzidas por sua própria ação O primeiro pres suposto de toda história humana é naturalmente a existência de indivíduos vivos Toda historiografia deve partir destes fundamentos naturais e de sua modificação no curso da história pela ação dos homens os homens devem estar em condições de viver para poder fazer história Mas para viver é preciso antes de tudo comer beber ter habitação vestirse e algumas coisas mais Marcada pela crítica ao idealismo e ao materialismo vulgar é em A Ideologia que se percebe a crença marxiana de que a compreensão do mundo deve partir dos homens do mundo e da vida real Esses referenciais pautam também a Miséria da filosofia 1847 obra na qual Marx contesta pontualmente os pressupostos de a Filosofia da miséria 1846 de PierreJoseph Proudhon 18091865 Para Marx Proudhon eterniza ao modelo dos economistas relações da produção burguesa divisão do trabalho crédito moeda etc como categorias fixas imutáveis a despeito de todo movimento histórico das relações de produção de que as categorias apenas são a expressão teórica MARX 1978 Para Marx nas eternidades imutáveis e imóveis não há história É no combate às categorias eternas e ao aporte que dele decorre que traz ao pensamento marxiano a idéia de história como processo Nas críticas a Proudhon Marx estabelce pressupostos de seu método e de sua concepção de história colocando o proletariado como classe atuante e transformadora na realidade social ao definir a historicidade das categorias econômicas como princípio basilar de sua crítica A complementaridade da trajetória desse pensamento pode ser observada no Manifesto do partido comunista 1848 obra escrita conjuntamente com Engels De linguagem simples voltada para a divulgação o Manifesto representa a maturidade das reflexões de seus autores a respeito da revolução social que propugnam estabelecendo seus pressupostos e critérios A base da concepção de história em Marx no Manifesto centrase no princípio da contradição A história de toda sociedade até hoje é a história de luta de classes Toda sociedade até aqui existente repousou como vimos no antagonismo entre classes de opressores e classes de oprimidos MARX 1996 Para Marx foram os antagonismos de classe e a exploração de uma parte da sociedade por outra em diferentes épocas fatores determinantes do movimento histórico Em sua atualidade era o proletariado cuja luta contra a burguesia começara com sua própria existência que consistia na classe verdadeiramente revolucionária Chamado à ação o Manifesto pode ser entendido como uma síntese do método marxista e de sua interpretação da história Essas breves incursões na obra de Marx já nos permitem à sistematização de algumas considerações em relação à sua concepção de história uma primeira ligase a seu fundamento materialista O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social política e intelectual em geral Não é a consciência dos homens que determina o seu ser é o seu ser social que inversamente determina a sua consciência MARX 1973 Essa determinação material se dá pela produção e pelas forças produtivas impelindo um caráter evolutivo e contraditório à história A produção resultado das atividades do homem ao longo forças produtivas estabelecendo uma espécie de regularidade do processo histórico cuja idéia teleológica de desenvolvimento contraditório conflitivo e de constante superação seriam em larga medida tributárias da influência hegeliana O conceito de produção é imprescindível para se compreender a noção de história em Marx A produção é social e culturalmente determinada ao longo do processo histórico estando na base da concepção materialista de história Para Engels 1980 foi Marx o primeiro a tentar pôr em relevo na história um processo de desenvolvimento uma conexão interna conexão essa à qual se liga o trato histórico da matéria O desenvolvimento da história postulado por Marx tem na revolução a força motriz da história 1999 e nas bases reais materiais seu principal fundamento conduzindo ao imperativo de que a história deve ser escrita em consonância com critérios situados dentro dela e não fora Podese afirmar que Marx cria uma teoria social que se volta a diferentes grupamentos humanos A concepção etapista de história como sucessão dos modos de produção que atendem a uma lei inexorável na história consiste numa leitura reducionista do pensamento de Marx Essa leitura pode ser imputada ao marxismo vulgar que insiste em ver em Marx somente a práxis economicista do método O pensamento marxiano fundamentalmente ligado à crítica à divisão social do trabalho à propriedade privada e à crítica à desigualdade social consistiu e consiste numa das mais importantes contribuições intelectuais à história da humanidade A dialética materialista esteve e está na base epistemológica de escolas e correntes de pensamento objeto das mais variadas críticas e suscetível às mais diferentes adequações a obra de Marx deve constituirse em leitura obrigatória para todos aqueles interessados numa compreensão mais elaborada dos universos sociais A CONCEPÇÃO DE HISTÓRIA EM MARX Crítica ao idealismo hegeliano A história como obra das ações humanas e o processo histórico é sua objetivação Concepção dialética da história V A ESCOLA DOS ANNALES Da produção intelectual no campo da historiografia no século XX uma importante parcela do que existe de mais inovador notável e significativo originase da França Com esta frase Peter Burke inicia e conclui seu estudo a respeito da Escola dos Annales 1991 Ela não é desprovida de sentido principalmente ao se considerar que os desdobramentos historiográficos que se conhece hoje são em larga medida tributários dos Annales Objeto de confusões e simplificações no meio historiográfico que vão da imprecisão conceitual ao desconhecimento homogeneizador a Escola dos Annales é conhecida por seu caráter paradigmático na história do pensamento histórico É em Estrasburgo que se origina a união entre seus fundadores o especialista no século XVI Lucien Febvre 18781956 e o medievalista Marc Bloch 18861944 Anexada ao Império Germânico com derrota francesa na Guerra francoprussiana Estrasburgo se torna novamente posse francesa com o fim da Primeira Guerra Mundial Com a perda do território em 1870 sua renexação em 1919 é também um marco na historiografia francesa Recémanexada o governo francês faz de sua universidade uma vitrine da pesquisa empreendida que passa a contar com um número significativo de importantes intelectuais que formam um pólo científico visando fazer frente aos ocupantes anteriores Essa referência é de se notar visto a importância que assumirá nas configurações dos Annales Ao lado de grandes ícones como os sociólogos Maurice Halbwachs 18771945 e Gabriel Le Brás 18911970 o psicólogo Charles Blondel os historiadores Georges Lefebvre 18741959 e André Piganiol 18831968 e de outros nomes ligados a diferentes áreas Febvre e Bloch passam a lecionar na Faculdade de Estrasburgo 1920 respectivamente como professor e maitre de conférences Data daí a aproximação daqueles que seriam em 1929 os fundadores da revista Annales dHistoire Économique et Sociale Se os metódicos se insurgiram contra os românticos e pretenderam uma ruptura em relação a eles podese dizer que os historiadores dos Annales também tiveram um alvo para suas críticas e construíram em torno dele o que julgavam ser um novo paradigma Como a Revue Historique pretendera pôr o ponto final na tradição historiográfica que lhe precedera os Annales de igual modo a isso também pretenderam No prefácio do primeiro número da revista à enorme semelhança daquele do primeiro da Revue Historique e de algumas passagens do texto de Monod podese perceber seu caráter ruptural e anunciador nas palavras de Febvre e Bloch 1929 Ainda um periódico Para alguns nossa revista na produção francesa européia ou mundial não é a primeira Cremos que ao lado desses gloriosos ancestrais ela terá seu lugar ao sol Ela se inspira em seus exemplos mas aporta um espírito que lhe é próprio A grande referência ao redor da qual se constrói o novo paradigma está na crítica advinda das Ciências Sociais principalmente aquela dos problemas apontados por François Simiand Tendo em vista os metódicos Simiand criticava 1903 principalmente aquilo a que chamava de ídolos da tribo dos historiadores que para ele eram três O ídolo político o estudo dominante a preocupação perpétua da história política dos fatos políticos das guerras etc o ídolo individual o hábito inveterado de conceber a história como uma história dos indivíduos e o ídolo cronológico o hábito de se perder nos estudos das origens Antigo aluno da École Normale Supérieur Simiand é discípulo de Durkheim 18581917 filiação que torna sintomática a crítica que faz aos historiadores conhecida como uma das mais contundentes à história dita historicizante Simiand se forma intelectualmente no mesmo período de hegemonia da história política tradicional na linha de Monod e Fagniez e de Langlois e Seignobos fazendo da obra desses seu alvo principal Propugna uma análise histórica menos descritiva é mais relacional mais social que encontraria a causalidade nas esferas coletivas e não individuais da sociedade rompendo com a história événementiele Em sua lógica a história se converteria em ciência se descobrisse as regularidades do passado as leis que o moviam É esse o contexto de profundas mudanças nas Ciências Humanas na sociologia de Durkheim por exemplo operações classificatórias ocupam um lugar significativo na composição da idéia de tipo social rompendo com procedimentos que tomavam os fatos como resultados essencialmente das ações individuais de grandes homens O conhecimento adviria pela confirmação obtida da análise de um grande número de fatos no tempo metodologia que colocava a sociologia como tendo um arco cronológico maior histórico A história para Simiand e Durkheim é parte integrante das Ciências Sociais e sob os influxos desta se reelabora Simiand será o autor mais utilizado pelos historiadores dos Annales na crítica aos seus colegas da velha geração De Estrasburgo a revista migra para Paris com a nomeação de Febvre para o College de France 1933 e de Bloch para a Sorbonne 1936 Para Burke levandose em consideração a importância de Paris para a vida intelectual francesa essas transferências são sinais evidentes do sucesso dos Annales Em um plano global o grupo se distinguia dos historiadores anteriores por algumas características centrais percepção do social em detrimento do individual inserção em novos e diferentes campos além do político o econômico o social e o cultural pressuposto de uma história problema em substituição à tradicional história narrativa dos acontecimentos Comumente os historiadores dos Annales foram classificados em três gerações A primeira ligase aos fundadores da revista Febvre e Bloch a segunda principalmente a Fernand Brudel e a terceira já a um conjunto de historiadores 1ª GERAÇÃO 19291945 Febvre e Bloch têm uma trajetória comum foram alunos da prestigiosa École Normale Supérieure e vivenciaram tanto a influência de Durkheim quanto a interdisciplinaridade propiciada pelos anos de Estrasburgo que aportaram a seus trabalhos e orientações importantes contribuições de diferentes áreas numa prática epistemológica que objetivava romper com a história política e dos eventos dos reis das guerras etc aquela à que Burke chamou 1991 de Antigo Régime da historiografia Para Febvre o problema é o começo e o fim de toda história Se não há problemas não há história 1989 Com isso propugnava uma história que formulasse hipóteses que fosse cientificamente conduzida 1989 não automática mas problemática 1989 p 49 que além de não se fazer somente com textos deveria cotejar as ciências vizinhas A mudança aí é não só na concepção de documento mas também da constituição de corpus documental cujo objetivo final é alcançar o homem História ciência do Homem ciência do passado humano E não ciência das coisas ou dos conceitos como observava Febvre 1989 Tal qual ilustrava Bloch 2001 o bom historiador se parece com o agro da lenda Onde fareja carne humana sabe que ali está a sua caça Para Febvre os fatos mas são fatos humanos tarefa do historiador encontrar os homens que os viveram e deles os que mais tarde aí se instalaram com as suas idéias para os interpretar os textos sim mas são textos humanos E as próprias palavras que os formam estão cheias de substância humana mas todos os textos E não só os documentos de arquivos em cujo favor se cria um privilégio o privilégio de daí tirar um nome um lugar uma data uma data um nome um lugar Esse exemplo ilustra bem o equívoco na crença lugarcomum de que a história dos Annales rompe com os textos e com os fatos Os homens são os objetos da história Tomados em sentido mais amplo não apenas os textos mas todos os documentos e sobretudo os que o feliz esforço de disciplinas novas proporciona 1989 Já a importância da interdisciplinaridade comumente reivindicada nas trilhas de Febvre e Bloch talvez mereça uma problematização maior Na sua Introdução aos estudos históricos Langlois e Seignobos 1944 já dedicavam um longo capítulo à importância daquelas às quais chamavam ciências auxiliares fazendo referência à impossibilidade de o historiador exercer seu ofício sem um certo lastro de noções técnicas a que nem disposições naturais nem o método conseguiriam suprir Ainda que não se credite à Escola dos Annales a paternidade do recurso interdisciplinar que antecede os metódicos é com seus representantes que ele se institucionaliza e se consolida no campo da história A maneira do lastro dito por Langlois e Seignobos Bloch 2001 insistia na imprescindibilidade de um verniz que só adviria das ciências auxiliares Para Febvre a especialização era o grande flagelo das ciências Para ambos isolada a história não possibilitaria mais que um conhecimento parcial de seus objetos Muitos foram os influxos legados à disciplina por Febvre e Bloch e pelos demais historiadores dessa geração um dos maiores talvez seja o rompimento da sinonímia estabelecida entre história e passado A história é o estudo do passado mas não o passado em si presente e passado são construções dos historiadores O presente é o lugar temporal à partir do qual a prática histórica é realizada é o lugar das problematizações que orientam essa prática O passado é por definição um dado que nada mais modificará Mas o conhecimento do passado como observava Bloch 2001 é uma coisa em progresso que incessantemente se transforma e aperfeiçoa A essa compreensão é que se associa uma idéia muito presente na Escola dos Annales em todas as suas gerações a de criação dos objetos É contra a idéia de que os fatos deveriam somente ser registrados que também se insurgem fundamentando a idéia de que os fatos são criados não bastando somente um método e a sua aplicação para que o fazer histórico se completasse era necessário se aperceber da dimensão humana que orbitava tanto o documento quanto sua interpretação sendo a escolha o elemento constituinte da criação dos objetos É o historiador quem chama os fatos à vida lembrava Lucien Febvre 1989 logo elaborar um fato é construílo A propósito do livro Introdução à história 1946 de Louis Halphen Febvre 1989 dá um exemplo que se considerado para além do documento escrito pode ilustrar sua crítica aos objetos prontos já dados ao historiador e também sua noção de história historicizante aquela à qual combatia Vou lhe dizer você recolhe os fatos Para isso vai aos Arquivos Esses celeiros de fatos Lá só tem de se baixar para os recolher Cestadas cheias Sacodelhes o pó Pousaos na sua mesa Faz o que fazem as crianças quando se divertem com cubos e trabalham para reconstruir a bela imagem que alguém decompôs para elas A partida está jogada A história está feita História que basta a si mesma e que pretende bastar ao conhecimento histórico como dizia o filósofo Henri Berr 18631954 Citando o debate entre Berr e Louis Halphen 18801950 Febvre 1989 diz O que é de fato um historiador historicizante Henri Berr respondia um homem que trabalhando sobre fatos particulares por ele mesmo escolhidos se propõe ligar esses fatos entre si coordenálos e depois analisar as mudanças políticas sociais e morais que os textos nos revelam num dado momento Eis de fato a grande vidraça dos Annales É importante considerar o componencial discursivo dessa crítica Com sua identidade construída na contestação da geração anterior Febvre e Bloch apresentamse nas palavras de François Dosse como anões confrontandose com um gigante 1992 maior é a conquista quanto maior for o adversário Importa considerar o ambiente intelectual referente as disputas pelo poder nas universidades e a perturbação das certezas decorrentes do pósPrimeira Guerra Sociologia e história disputam o controle de um mesmo campo do saber Nesse contexto a rejeição ao historicismo ao político e a importância do presente marcam o discurso histórico A inclusão do econômico e do social na agenda dessa primeira geração é então o grande mote temático de uma história que objetiva romper com as narrativas tradicionais Levada a termo pela primeira geração essa nova história nova em seus resultados talvez possa ser vista como já anunciada desejada ou mesmo feita desde Voltaire 16941778 e Michelet 17981874 2ª GERAÇÃO 19451968 A segunda geração tem como grande representante Fernand Braudel 19021985 Aquele a quem François Dosse 1992 um dos mais duros críticos dos Annales denominaria de homem intermediário Por estar entre a herança de Febvre e de Bloch absorvendo eou reelaborando suas distintas orientações e entre a primeira e a terceira gerações Podese dizer metaforicamente que há uma escolha pela parte de Braudel do que herdar da primeira geração De Febvre e Bloch segue a orientação interdisciplinar advinda principalmente das influências do primeiro a importância atribuída à geografia e do segundo o enfoque nos aspectos econômicos da sociedade As ideias de mentalidade psicologia social e memória coletiva tornarseiam aspectos mais valorizados pelos sucessores de Braudel sucedendo uma geração para a qual a história econômica tinha sido uma das grandes referências A trajetória acadêmica de Braudel é sintomática para a compreensão da natureza de seus contributos Entre 1923 e 1932 seguindo o percurso comumente realizado por muitos recémformados é professor de colégio na Argélia ainda colônia francesa A essa experiência sucede entre 1935 e 1937 a vinda ao Brasil onde leciona a convite na recémcriada Universidade de São Paulo A ele antecedem o antropólogo Claude LéviStrauss 19081995 o filósofo Jean Mauguié 19041985 e o geógrafo Pierre Monbeig 19081987 Foi no Brasil que me tornei inteligente viria a afirmar Braudel Daix 1999 A experiência no estrangeiro e a pobreza contribuíram para a composição de sua tese auxiliandoo na constituição de seu universo temático e teórico No Brasil indo para o interior achávamos feiras como as que existiam há 150 anos rebanhos selvagens chegando pastores vestidos de couro Músicos cegos um povo que canta e dança O Brasil é a mesma civilização mas não na mesma idade Foi efetivamente o Brasil que me permitiu chegar a uma certa concepção da história que eu não teria alcançado se tivesse permanecido em torno do Mediterrâneo Daix 1999 É já tocado por essas mudanças que Braudel encontra Lucien Febvre em 1937 vindo de um ciclo de conferências na Argentina quando embarcou em Santos rumo à Europa Desse encontro advém a origem de sua maior influência intelectual da qual resultariam a mudança de sujeito de sua tese e sua orientação Filipe II 15271598 e o Mediterrâneo belo tema mas por que não o Mediterrâneo e Filipe II Vêse passar assim de uma história diplomática e personalista a uma história mais ambiciosa na qual o indivíduo ocupa um lugar diminuto em face de um sujeito maior o mar A história de O Mediterrâneo é a história de uma das maiores elaborações teóricometodológicas da segunda geração Tanto a carreira acadêmica quanto a elaboração da tese são interrompidas com os desdobramentos da Segunda Guerra 19391945 Designado oficial francês em junho de 1940 Braudel é preso na sequência e se torna prisioneiro em Mogúncia de onde segue com a elaboração de sua tese e mantém correspondência com Febvre De Mogúncia é transferido para o campo de punição de Lübeck onde permanece até o fim da Guerra dando continuidade à elaboração da tese que defenderá em 1947 Após um longo processo de elaboração O Mediterrâneo consagra Braudel como o historiador da síntese espaçotemporal que objetiva a compreensão da totalidade dos fenômenos humanos mediante a análise social realizada principalmente pela união da Geografia e da História É a Geografia que estará na base do pensamento braudeliano acerca de um dos tripés da estruturação temporal a longa duração minorando o papel dos agentes sociais para dar lugar a um sujeito espacial levando ao limite a importância atribuída por Febvre a essa disciplina O Mediterrâneo dividese em três partes cada uma das quais segundo o autor 1995 pretende ser uma explicação do conjunto sendo elas A primeira a que trata de uma história quase imóvel que é a do homem nas suas relações com o meio que o rodeia uma história lenta Acima desta pode distinguirse uma outra caracterizada por um ritmo lento a história dos grupos e agrupamentos E a terceira da história tradicional necessária se pretendemos uma história não à dimensão do homem mas do indivíduo isto é a da agitação de superfície as vagas levantadas pelo poderoso movimento das marés Nessa divisão tripartite da obra corresponde a cada parte um modo de explicação do passado centrado em uma ordem temporal que pode ser ilustrada em esferas de universos estruturais conjunturais e factuais ou em termos do tempo histórico em um tempo geográfico um tempo social e um tempo individual Na Geografia residiria a explicação de uma história quase imóvel que é repetição lentidão e permanência e que encontraria no mar e nas montanhas do Mediterrâneo situações plenas de consequências que de um ponto de vista histórico importa realçar Para além desses imperativos e determinações Braudel situaria o tempo da história social uma história em que tudo parte do homem dos homens é a história dos grupos dos destinos coletivos e dos movimentos conjuntos já não mais uma história imóvel mas uma história mutante das estruturas econômicas políticas e sociais Essa dinâmica se completa na história dos acontecimentos das políticas e dos homens marcadas pelos conflitos do tempo presente Contudo essa narrativa não se assemelha de modo algum àquelas inspiradas em Langlois e Seignobos Braudel trata da política e da guerra mas desloca o papel comumente atribuído aos indivíduos em prol de explicações que minoram a sua participação Da crítica à impossibilidade de uma história total que não conseguiria contemplar a totalidade do humano ao determinismo aprisionador do homem pela insistência de um mundo insensível ao seu controle O Mediterrâneo é objeto dos mais distintos julgamentos mas sua originalidade principalmente no que concerne à transformação das noções de tempo e de espaço na história é comumente reconhecida pelos seus críticos A obra de Braudel seguramente transcende O Mediterrâneo e a própria segunda geração dos Annales transcende a importância de Braudel mas a tese e seu autor são juntos o que há de mais representativo desse segundo momento da Escola A ESCOLA DOS ANNALES Crítica à história metódica e positivista Importância interdisciplinar Construção do objeto VI A HISTÓRIA NOVA E OUTRAS HISTORIOGRAFIAS Ainda que também tenha sido utilizada para se referir à história da Escola dos Annales em sua totalidade a expressão História Nova designa a história pretendida pelos historiadores da terceira geração do grupo Essa ambigüidade marca uma delimitação em relação à história historicizante e uma reavaliação dos pressupostos teóricometodológicos das gerações anteriores Em ambos aspectos dois trabalhos são significativos a respeito A coleção Faire de lhistoire 1974 cuja novidade está ligada a três processos novos problemas colocam em causa a própria história novas abordagens modificam enriquecem subvertem os setores tradicionais da história novos objetos enfim aparecem no campo epistemológico da história LE GOFF NORA 1995 e o dicionário A história nova 1978 organi 34 zado por Nora que permitiria conhecer o que foi e o que ainda é quanto a suas idéias principais seus objetivos seu território intelectual e científico suas realizações a história que foi chamada nova LE GOFF 1990 Promoção de um novo tipo de história sem dúvida mas como definir a Nova história Um movimento que segundo Peter Burke 1992 1016 está unido apenas naquilo a que se opõe É ainda Burke a auxiliar nessa compreensão contrastando a antiga e a nova história em termos de opostos binários dizendo em face da dificuldade de estabelecer o que ela é o que ela não é É na interface entre avaliação e reelaboração que se situam os historiadores dessa geração que ao contrário das outras tiveram Febvre e Bloch e Braudel a capitanéalas é despersonalizada caracterizandose por uma maior fragmentação intelectual que pode ser entendida como derivada de um contexto de crise da disciplina e das Ciências Humanas em geral Le Goff 1990 já apontava para essa dupla constatação no prefácio à nova edição de A história nova Problemas que decorriram das questões postas da passagem de uma época de pioneiros a uma época de produtores além da repercussão sobre a nova história da incontestável crise das ciências sociais Em outros termos a extensão e os desdobramentos que trouxeram como corolário o aprofundamento da diversidade da nova história econômica e social a longa duração a história das minorias das estruturas das mentalidades do imaginário a Antropologia histórica etc e a crise entendida como a morte das ideologias 35 toriadores da terceira geração A dificuldade em compreendêla talvez se ligue à pouca problematização de que foi objeto Philippe Aries 1990 reproduz de memória uma história contada por Febvre para ilustrar o conceito De madrugada o rei Francisco I saiu da cama da sua amante para voltar incógnito a seu castelo Passou em frente de uma igreja bem no momento em que os sinos chamavam para o ofício Emocionado ele parou para assistir à missa e orar devotamente A essa passagem Aries diz que o homem atual surpreso com a junção de um amor culpado e uma piedade sincera pode escolher entre duas interpretações 1 o sino desperta no rei o arrependimento pelo pecado e ele reza para pedir perdão a Deus ele não poder ser sem hipocrisia o pecador da noite e o devoto da madrugada com o que ele age como o homem de hoje Está convencido de que a coerência moral é natural e necessária Essa normalidade é um valor invariável em certo nível de profundidade e de generalidade a natureza humana não muda Tal interpretação seria a de um historiador clássico tentado a reconhecer em todas as épocas e em todas as culturas a permanência dos mesmos sentimentos 2 aquela do historiador das mentalidades O rei era tão espontânea e ingenuamente sincero em suas devoções quanto em seus amores e ainda não sentia sua contradição Ele entrava na igreja como entrava na cama da sua amante com o mesmo ardor A autenticidade da sua prece não era alterada pelos relentos da alcova Essa ilustração exemplifica bem o risco que o historiador deve evitar de não incorrer naquilo a que Georges Duby chamava de anacronismo psicológico 1973 o pior de todos e o mais insidioso estabelecer práticas e condutas atuais como se sempre tivessem existido desconsiderando tratarse de mentalidades diferentes Duby exemplifica isso com o exemplo de um estudo de Christian Pfister 1885 sobre Roberto o Piedoso que segundo o analista tomado de amor esposa uma comadre e parente tudo fazendo para casarse com ela despezando todas as regras religiosas e cometendo incesto contudo a ideia de amor e de incesto aí expressas são do século XIX e não do rei do ano mil de um contexto de uniões organizadas pelos pais sem consentimentos etc É importante considerar que a ideia de mentalidade transcende os cortes sociais colocando em níveis similares diferentes segmentos aí constituindo uma de suas maiores críticas A mentalidade de uma época seria algo comum ao conjunto da sociedade que nela viveu independemente das inúmeras variações que possam existir entre seus indivíduos e grupos O apego dos historiadores do mental à longa duração e ao estruturalismo consistia no fato de propiciarem uma melhor compreensão da lenta mudança das estruturas mentais das sociedades dos comportamentos coletivos das atitudes diante do amor da morte das crenças Já trabalhos como O problema da descrença no século XVI de Febvre ou Os reis taumaturgo de Marc Bloch ilustravam o interesse desses historiadores pela compreensão das atitudes mentais e a importância que lhe atribuíam fato que persistiria mesmo na segunda geração com a ênfase na história econômica pelo viés demográfico e sua preocupação em compreender os mo vimentos das populações e suas relações com os alimentos a fome as epidemias etc proporcionando à história das mentalidades uma base documentária estatística em que séries numéricas na longa duração revelavam modelos de comportamento de outro modo inacessíveis e clandestinos ARIES 1990 Esse viés viria a ser desenvolvido por historiadores como Duby Robert Mandrou e outros Os novos campos da história hoje podem ser entendidos como tributários de temas e problemas das mentalidades a história das mulheres a história da vida privada do cotidiano do imaginário e num contexto maior a própria história cultural Um outro fator que talvez devesse ser explorado é o das chamadas voltas do acontecimento da narrativa da biografia da história política Mas essas voltas são equívocos Se cada uma delas pode ser aceita pela nova história e se os partidários da nova história não raro deram o exemplo é porque cada um desses gêneros históricos volta com uma problemática profundamente renovada LE GOFF 1990 Um breve retorno ao Febvre de Combates pela história torna simples essa compreensão Ao futuro dessa nova história Le Goff aventa algumas possibilidades absorção das ciências humanas transformandose numa panhistória fusão entre história antropologia e sociologia tornandose história sociológica ou antropologia histórica ou sem fronteiras e sem interdisciplinaridade a história operaria um novo corte epistemológico com uma nova dialética do tempo curto e do tempo longo De nossa parte enfim creemos não ser cedo para se propor uma compreensão a esse respeito e é essa também a diretiva deste livro sua preocupação com a maneira como podemos conhecer o mundo Estudiosos de língua alemã foram pioneiros nessas searas como em outras ao perscrutarem as idéias e representações com as quais procuramos entender o que se passa à nossa volta Não pode haver conhecimento sem um sujeito de conhecimento Em seguida tendo reconhecido que o estudioso tem sempre um ponto de vista que há um sujeito de conhecimento que impede que se chegue ao que realmente aconteceu sem referência ao sujeito surge uma outra limitação essa coletiva a linguagem O aforismo de Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher 17681834 à Academia de Ciências da Prússia em 1829 é revelador A linguagem é o único pressuposto na Hermenêutica pois não há pensamento sem palavras Desde o início da História moderna no século XIX e no centro mesmo prussiano em que surgia o positivismo fundavamse teorias em tudo contrárias à neutralidade pretendida pelos positivistas O próprio conceito de Hermenêutica ligase à tradição filosófica ocidental em primeiro lugar de Aristóteles em seu Peri hermeneias traduzido como Sobre a interpretação A palavra grega retomada pelos alemães deriva do deus da comunicação e dos movimentos Hermes representado na Grécia antiga muitas vezes sem membros pois a palavra prevalece sobre tudo mesmo sem braços e pernas O historiador alemão Reinhardt Koselleck 19232006 representa bem a sofisticação da hermenêutica com sua História dos conceitos voltada para mostrar que os conceitos têm historicidade não são naturais Nação palavra antiga por exemplo só passou a designar um esta do um país no sentido atual da palavra no século XVIII Como dizia o filósofo grego Epíteto 55135 dC não são os fatos a comoverem os homens mas as palavras Toda História é História contemporânea O filósofo italiano Benedetto Croce 18661952 foi um dos responsáveis pela difusão da noção de que o passado só existe hoje na mente do observador e do historiador em particular O que passou passou e não volta mais Apenas resta a possibilidade de pensarmos o passado usando os parâmetros as palavras e os valores de nossa época Essas considerações em última instância ancoradas na Filosofia alemã difundiramse entre os historiadores em tantos países graças a autores como Roger Collinwood e Walter Benjamin por motivos e meios muito diversos O britânico Roger Collinwood 18891943 foi arqueólogo historiador e filósofo combinação que contribui para explicar sua popularidade pois não era apenas um teórico mas foi também um grande pesquisador de campo e autor de obras históricas ainda de referência Em seu clássico A idéia de história publicado em 1944 demonstra a impossibilidade da descrição objetiva do passado Já que o passado em si não é nada o conhecimento do passado em si não é nem pode ser o objetivo do historiador Sua meta comp de qualquer ser pensante é o conhecimento do presente para isto tudo deve retornar em torno disso tudo deve revolver Mas como historiador ele está preocupado com um aspecto específico do presente como chegou a ser o que é Neste sentido o passado é um aspecto ou função do presente Em vertente diversa oriunda do marxismo o alemão Walter Benjamin 18921940 representa outra grande inspiração que ultrapassaria em muito sua época Benjamin combate o mesmo positivismo atacado por Collinwood reconhece que toda interpretação se passa no presente mas tira daí uma conclusão em relação ao futuro a História serve para mudar o mundo Articular o passado historicamente não significa conhecêlo tal como ele propriamente foi A História é objeto de uma construção cujo lugar não é formado pelo tempo homogêneo e vazio mas por aquele saturado pelo tempo de agora O historicismo não tem armação teórica mas seu procedimento é aditivo ele mobiliza a massa de fatos para preencher o tempo homogêneo e vazio Teses sobre a filosofia da história O tempo do positivismo é homogêneo vazio o tempo do relógio enquanto o tempo do historiador é carregado de presente e prenhe de futuro é o do calendário das lembranças no presente do passado A data de um assassinato como o de Júlio César 15 de março de 44 aC como fato histórico que propriamente aconteceu nada significa Já o calendário das festas que se referem àquilo que não precisa sequer ter acontecido como o Êxodo dos judeus do Egito ou a morte de Jesus na cruz é sempre presente voltado para o futuro A História de conhecimento objetivo do passado transformase em prática no presente e até voltada para o futuro VII O PÓSMODERNISMO Muito se tem escrito nas últimas décadas sobre o pósmodernismo Mesmo conceitualmente tanto os termos moderno e pósmoderno e seus desdobramentos assim como as implicações de seus usos foram objetos das mais diversas análises Anderson 1999 Harvey 1992 Jameson 1997 não conduzindo essas ao estabelecimento de formulações definitivas a respeito do que venham a ser David Harley observa que quanto ao sentido do termo talvez só haja concordância em afirmar que o pósmodernismo representa alguma espécie de reação ao modernismo ou de afastamento dele A imensa gama de definições e interpretações a esse respeito levanos a tratar do tema aqui de maneira breve e introdutória pelo que nossa proposição orbita somente algumas reflexões em torno do surgimento de uma dada condição pósmoderna em meio ao ambiente historiográfico 39 Para Perry Anderson 1999 a idéia de pósmodernismo surge pela primeira vez no mundo hispânico na década de 1930 uma geração antes do seu aparecimento na Inglaterra ou nos Estados Unidos com a pretensão de descrever um refluxo conservador dentro do próprio modernismo tendo conhecido diferentes conotações nas décadas consecutivas no campo da literatura das artes e das ciências vide autores anteriormente citados É a partir da Filosofia com a publicação do livro A condição pósmoderna de JeanFrançois Lyotard 19241998 em Paris em 1979 que a expressão pósmoderno ganha força no âmbito das Ciências Humanas Para Lyotard 1989 pósmoderna é a condição do saber nas sociedades mais desenvolvidas designando a expressão o estado da cultura após as transformações que afetaram as regras dos jogos da ciência da literatura e das artes a partir do fim do século XIX Baseado em A Touraine defende a hipótese de que o saber muda de estatuto ao mesmo tempo que as sociedades entram na era dita pósindustrial e as cultural na era dita pósmoderna Essas mudanças trazem em seu bojo novos paradigmas de compreensão dos homens das culturas e do mundo e se configuram de maneira similar nos diversos espaços do conhecimento A natureza do saber não sai intacta nessa transformação geral Nessa lógica dois aspectos podem ser entendidos como definidores da chamada condição pósmoderna ambos críticos da racionalidade iluminista 1 A incredulidade em relação às metanarrativas 2 A morte dos centros Ao primeiro aspecto se liga o descrédito dos grandes discursos e metanarrativas explicadores das experiências humanas e do mundo ao segundo a desconfiança em face e todos essencialismos definidores e dos sujeitos universais que os acompanham A compreensão desses dois pressupostos comumente postulados pelas várias vertentes pósmodernas ligase ao estabelecimento de alguns preceitos entendidos como modernos cuja crise é percebida epistemologicamente a partir do fracasso de um dito projeto social iluminista Caracterizado pela crença no racionalismo e otimismo em relação à ciência e à técnica advinda do Renascimento do XVI e do Racionalismo do XVII o ideário iluminista fundará a base das diferentes ciências nos séculos seguintes Em meio a processos de secularização de algumas sociedades européias em especial a francesa a razão iluminista irá eleger como alvos de uma crítica contundente o Estado Absolutista e o Cristianismo Da religião à razão da transcendência à imanência essa passagem é associada às idéias de civilização e progresso que instaurarão binômios como natural e não natural ciência e espírito conteúdo e forma normal e patológico que se cristalizarão nas sociedades ocidentais e embasarão o solo epistemológico das mais diversas disciplinas A concepção desenvolvimentista e evolucionista forjada em meio a esse ideário irá nortear as nascentes filosofias da história do século XVII concebidas a partir de idéias que preconizavam o devir da matéria a evoluçao das espécies e o progresso incessante dos seres humanos Imbuídas de um marcado pensamento teleológico essas filosofias irão apregoar a orientação da evolução humana para um fim com vistas para o desenvolvimen to de estados sucessórios e ascendentes e a concretização de etapas definitivas e apoteóticas ao findar desse mesmo desenvolvimento Preocupados em demonstrar a evolução da humanidade por meio de grandes metanarrativas explicadoras das experiências humanas pensadores como Comte e Marx irão teorizar em uma perspectiva criticada pela linearidade etapas sociais do desenvolvimento humano seja pelos estados teóricos e a física social de um ou pelos modos de produção do outro Esses grandes modelos explicativos ao lado de muitas outras interpretações de fundo holístico da sociedade passam a ser vistos com suspeição no âmbito das teorias sociais essa desconfiança fundamenta o que se designou de crise dos paradigmas modernos O século XX com todos os seus avanços científicos explicitará o fracasso do ideário iluminista mostrando a utilização nefasta da ciência que a título de salvamento da humanidade muitas vezes põe e ainda põe em risco essa mesma humanidade O ideal salvador trouxe em seu rastro as grandes guerras mundiais a ameaça atômica as autocracias os colonialisimos os imperialismos os conflitos étnicos religiosos econômicos e sexuais das sociedades não resolvidos problemas ecológicos potencializados desemprego violência acirramento de desigualdades miséria entre outros As benesses do progresso quando democratizadas salvaram a muitos quando não o que comumente aconteceu a eleitos consolidando uma crudelíssima política elitista excludente reforçadora dos cortes sociais Representando a não concretização de um projeto moderno iluminista que retiraria a humanidade da barbárie e a inseriria em sociedades civis perfeitas completas o mundo contemporâneo é o locus das incertezas e indefinições reflexo da não linearidade anteriormente prevista e da pressão cumulativa de eventos históricos Ao lado dessa descrença nos grandes discursos que fundamentaram e legitimaram uma história universal figura a falência de categorias ligadas a modelos modernos de sociedade calcados em acepções essenciais ontológicas como família homem mulher classe entre outros Modelos oriundos das necessidades de classificação e naturalização que marcaram as bases do conhecimento científico do século XIX europeu Corroendo as bases em que se configurou a modernidade as ciências hoje põem em questão o estatuto de verdade da epistemologia iluminista assim como também seus modelos racionalizadores As vertentes pósmodernas são em grande medida responsáveis pela irrupção das desessencializações no cenário científico atual com um interesse manifesto no caráter de pluralidade dos modos de pensar e agir no mundo das formas de pensamento e de vida o que marca um rompimento com o tradicional saber positivo Na esteira de filósofos como Friedrich Nietzsche 18441900 Michel Foucault 19261984 Jacques Derrida 19302004 principalmente o império da subjetividade assume lugares cada vez mais consolidados em meio às novas epistemologias Num ambiente intelectual de crise e agonia de modelos empiricistas e positivistas vivenciase uma crítica contundente à busca pelas origens ao desejo de verdade histórica e todos essencialismos A concepção de verdade iluminista como algo existente e por ser apreendido e seus corolários perde espaço para epistemologias menos pretensiosas que de uma perspectiva sociocultural percebe indivíduos e práticas como construções discursivas conferindo à linguagem e seus meandros importante papel na elaboração dos fatos tanto na esfera da produção de um texto por exemplo quanto na da recepçãointerpretação Questões relevantes colocadas pela sociolingüística e pelas diferentes tendências da analítica do discurso como quem fala De onde fala Para quem fala E como é recebida essa fala etc têm auxiliado numa problematização maior da idéia de verdade Essa concepção discursiva do conhecimento aqui exemplificada pela tradição textual mas aplicável aos diferentes suportes documentais para além do texto é substanciada pela compreensão de uma relação intrínseca entre língua linguagem e sociedade Para Helena Nagamine Brandão 1997 nessa relação o discurso é compreendido como o efeito de sentido construído no processo de interlocução opõese a uma concepção de língua como mera transmissão de informação O discurso não é fechado em si mesmo e nem é de domínio exclusivo do locutor aquilo que se diz significa em relação que não se diz ao lugar social do qual se diz para quem se diz em relação a outros discursos O lugar ocupado pela linguagem no cenário pósmoderno é dessa forma essencial na descentralização dos sujeitos Não mais o homem a mulher e a classe mas os homens as mulheres os indivíduos os grupos Paralelo à falência de velhos modelos normatizadores e essencialistas do humano se dá a constituição de uma história mais democrática includente revisionista mesmo dos moldes classificadores e domadores do século XIX instituídos por sujeitos históricos universais europeus burgueses colonialistas brancos machos e cristãos que mais não fizeram do que reificar suas próprias experiências Para o pensamento pósmoderno grosso modo a sociedade contemporânea é representativa do esgotamento da modernidade da desconfiança das verdades absolutas e das grandes generalizações dos discursos totalizantes tendo feito emergir às expensas do fim de valores concepções e modelos tradicionais outros e a partir deles a constituição de uma nova história que irá negar a simples relação entre passado e presente o continuísmo histórico as origens determinadas e as significações ideais Ao postularem a desnaturaliazação de sujeitos e identidades ontológicos essas novas bases têm contribuído para uma melhor compreensão da pluralidade das experiências principalmente ao reconhecerem a elaboração de sujeitos e identidades como produtos de forças culturais conflitantes que operam em meio a jogos de relações de poder marcados pelo conflito Daí as identidades serem percebidas pela epistemologia pósmoderna como plurais móveis diversas versáteis descentradas desunificadas contrárias como observou Stuart Hall 2002 a existência de um núcleo interior que emergia pela primeira vez com o nascimento do indivíduo e com ele se desenvolvia ainda que permanecendo essencialmente o mesmo contínuo ou idêntico a ele ao longo da existência do indivíduo Na trilha desses pressupostos teóricos novos grupos passam a ser incluídos no discurso histórico novas problemáticas são colocadas por e em relação a esses grupos em conjunto com práticas que lhes conferem maior visibilidade e fazem coro a mudanças que se operam no meio historiográfico desde pelo menos os anos 70 do século passado Para Keith Jenkins 2001 não sendo ligado essencialmente à direita à esquerda ou ao centro o pósmodernismo não assume uma característica uniforme E nem é uma prerrogativa da história O legado de suas mudanças para o meio intelectual é inegável visto colocarem para debate ao menos os dois focos aqui tratados Na esteira de muitos valores propugnados pelos pósmodernos segue uma ampla reavaliação de discursos sejam eles da filosofia da lingüística política arte literatura ou história conferindo às ciências humanas uma nova configuração epistemológica configuração essa na qual a História não tem deixado de se inserir O PÓSMODERNISMO Rompimento com as metanarrativas Crítica aos sujeitos universais descentralização do sujeito Reconhecimento da importância da linguagem CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao final desta caminhada pela historiografia esperamos ter semeado inquietações mais do que certezas Desde seus princípios o estudo do passado esteve sempre envolvido na compreensão do mundo presente a partir do que havia ocorrido anteriormente Em certo sentido tem sido sempre o futuro o motor do interesse pelo passado o que é apenas um aparente paradoxo Não era outra a preocupação de Heródoto nem deixa de ser em pleno século XXI As maneiras de explicar essa relação entre o futuro almejado o presente vivido e aquilo que veio antes variaram ao correr dos tempos A moderna ciência histórica procurou romper com uma longa tradição que colocava no centro do ofício do historiador a beleza da narrativa e as explicações subjetivas Vivemos ainda os influxos dessa revolução positivista As últimas décadas testemunharam o colapso dos modelos normativos que enfatizavam todos homogêneos como o estado nacional Multiplicaramse as identidades e a subjetividade passou ao centro tanto da ação política como no campo da epistemologia das ciências A Teoria da História foi particularmente afetada por tais mudanças Alan Munslow foi muito feliz ao resumir como a Teoria da História da nossa época considera o conhecimento do passado Até que ponto a História como uma disciplina é a descoberta e a representação do conteúdo do passado por meio de sua forma popular de narrativa do passado Minha resposta é a seguinte como veículo para a explicação histórica a adequação de sua estrutura narrativa deve ser julgada dentro de uma crítica mais ampla pósmoderna da natureza do significado e da linguagem A consequência mais ampla disto é que a História pode ser nem mais nem menos do que uma representação do passado Tal conceito rejeita de forma explícita a História escrita em primeiro lugar como uma disciplina empírica que visa de forma objetiva representar uma realidade presumível do passado histórico A questão central é a natureza da representação não o processo de pesquisa empírica em si O problema é alertar contra a crença de que podemos realmente saber a realidade do passado por meio de sua representação textual Há ainda uma forte tendência que a História em sua forma narrativa se torne mais real do que a realidade tal como na experiência da fronteira na América representada pela tese da fronteira de Frederick Jackson Turner Para os americanos esta História tornouse tão importante como uma metáfora para o individualismo e a democracia americanos que adquiriu uma dimensão essencial e em tudo mítica Na medida em que o texto histórico se torna mais real do que o próprio passado todas as noções tradicionais de verdade referencialidade e objetividade que de forma paradoxal estiveram na raiz do seu status como verdade histórica acabam por desaparecer O passado não é descoberto ou encontrado É criado e representado pelo historiador como um texto que por sua vez é consumido pelo leitor A História tradicional é dependente em seu poder de explicação como a estátua que preexiste no mármore ou o princípio do trompe loeil Mas esta não é a única História que podemos ter Ao explorarmos a maneira como representamos a relação entre nós e o passado nós podemos nos ver não como observadores distantes do passado mas como Turner participantes na sua criação O passado é complicado e difícil o bastante sem a autoilusão que quanto mais nos engajamos com a evidência mais perto estamos do passado A idéia de descobrir a verdade na evidência é um conceito modernista do século XIX e não há mais lugar para ela na escrita contemporânea sobre o passado Assim como a fronteira americana foi inventada proposta e descoberta a um só tempo por um historiador somos todos instados a nos lançarmos a esse processo de criação interpretativa Abandona a ilusão da descoberta da verdade única e inefável tudo está por ser interpretado Esta é a mensagem deste livro o convite ao leitor sujeito do conhecimento intérprete do mundo Estaremos satisfeitos se este volume servir para incentivar essa busca REFERÊNCIAS E FONTES 1 Indicamos nesta seção obras que substanciaram nossas considerações de modo que o leitor possa se aprofundar na leitura de textos com referências ANDERSON P As origens da pósmodernidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 1999 ARISTÓTELES Poética 9 50 tradução de Eudoro de Souza para a Editora Abril 1 Todos os textos anteriormente citados encontramse com indicação bibliográfica completa nas referências que seguem ARIÈS Philippe A história das mentalidades Em LE GOFF Jacques A história nova São Paulo Martins Fontes 1990 BLOCH M Apologia da história Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 BRAUDEL F O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II Vols I e II São Paulo Martins Fontes 1983 BURKE Peter A escrita da história São Paulo Editora da Unesp 1992 CANFORA L Luso político della storia dalla Pérsia a Stalingrado Em Corriere della Sera 13102005 p 26 CÍCERO De Legibus 115 disponível em versão brasileira Tratado das leis publicado pela Editora da Universidade de Caxias do Sul DOSSE F A história em migalhas dos Annales à nova história Campinas Editora da Unicamp 1992 DUBY Georges Histoire des mentalités Em SAMARAN Charles Lhistoire et ses méthodes Bruges Imprimerie SainteCatherine 1973 ENGELS F A Contribuição à crítica da economia política de Karl Marx Em MARX Karl e ENGELS Friedrich Obras escolhidas São Paulo AlfaOmega 1980 HERÓDOTO História 29 disponível em versão brasileira pela Editora da Universidade de Brasília FEBVRE L Combates pela história Lisboa Presença 1985 FEBVRE L BLOCH M A nos lecteurs Annales dHistoire Économique et Sociale 1re Année 1929 pp 12 HARVEY D Condição pósmoderna São Paulo Edições Loyola 1992 HEGEL G W F Fenomenologia do espírito Petrópolis Vozes 2000 O Estado Campinas IFCHUnicamp 1998 Col Textos Didáticos número 32 JAMESON F Pósmodernismo a lógica cultural do capitalismo tardio São Paulo Ática 1997 LANGLOIS CV SEIGNOBOS C Introdução aos estudos históricos São Paulo Renascença 1946 LE GOFF Jacques A história nova Tradução de Ana Maria Bessa Lisboa Edições 70 sd Histoire et Mémoire Paris Gallimard 1988 NORA Pierre História novas abordagens novos problemas novos objetos Rio de Janeiro Francisco Alves 1995 LIDDELL H G SCOTT R A GreekEnglish Lexicon Oxford Clarendon Press 1966 LOWY M Walter Benjamin aviso de incêndio São Paulo Boitempo 2005 LYOTARD JF A condição pósmoderna Lisboa Gradiva 1989 MARROU H I Comment comprendre le metier dhistorien Em LHistoire et ses méthodes Paris Gallimard 1961 pp 14651539 MARX K A questão judaica Moraes 1991 Contribuição para a crítica da economia política Lisboa Editorial Estampa 1973 Miséria da filosofia Lisboa Estampa 1978 MARX K E Frederich A ideologia alemã São Paulo Hucitec 1986 Manifesto do partido comunista Organização e introdução de Marco Aurélio Nogueira Petrópolis Vozes 1988 MOMIGLIANO A La historiografia griega Barcelona Crítica 1984 MONOD G Introdução Do progresso dos estudos históricos na França desde o século XVI Em SILVA Glaydson J da A Escola Metódica Seleção de textos tradução e organização Campinas IFCHUnicamp 2006 MONOD G FAGNIEZ G Prefácio de Revue Historique Em SILVA Glaydson J da A Escola Metódica Seleção de textos tradução organização e apresentação de Leandro Karnal Campinas IFCHUnicamp 2006 Coleção Textos Didáticos MUNSLOW A Deconstructing History LondresNova York Routledge 1997 RAGO M L Estudo reavalia rumo da Escola dos Annales Em O Estado de S Paulo São Paulo 1162000 D2 SIMILAND F Méthode historique et science sociale Revue de Synthese Historique nº 61903 pp 129157 TUCÍDIDES Guerra do Peloponeso 122 As ponderações sobre epistemologia e outros termos gregos derivam de A GreekEnglish Lexicon nova edição compilado por Henry George Liddell e Robert Scott Oxford Clarendon Press 1996 SUGESTÕES DE LEITURA As obras a seguir são indicadas para os leitores que desejem aprofundar o estudo dos temas tratados BURKE P A Escola dos Annales 19291989 a Revolução Francesa da historiografia São Paulo Editora da Unesp 1991 DAIX P Fernand Braudel Rio de JaneiroSão Paulo Record 1999 HAMILTON P Historicism 2ª ed Londres Nova York Routledge 2003 JENKINS Keith A história repensada São Paulo Contexto 2001 KOSSELECK R Futuro passado contribuição á semântica dos tempos históricos Trad Wilma Patricia Mass e Carlos Almeida Pereira Rio de Janeiro ContrapontoPUCRJ 2007 LORENZ C Postmoderne Herausforderung and die Gesellschaftsgeschichte Em Geschichte und Gesellschaft 24 4 1998 p 619 LOWITH K O sentido da história Lisboa Edições 70 1991 LOZANO J El discurso histórico Madri Alianza 1987 MARTON S Entre o relativo e o transcendente pluralidade de interpretações e ausência de critérios Dissertatio Em Revista de Filosofia nº 1920 2004 pp 343365 MARWICK A The Nature of History Londres Open University 1976 MITRE E Historia y pensamiento histórico Madri Cátedra 1997 MORAIS C Maravilhas do mundo antigo Heródoto pai da história Belo Horizonte Editora da UFMG 2004 NAGAMINE BRANDÃO H Introdução à análise do discurso Campinas Editora da Unicamp 1997 REHFELD W I Tempo e religião São Paulo PerspectivaEdusp 1988 RIDLEY A R G Collinwood São Paulo Editora da Unesp 1999 RUSSEL J A new intellectual history Em American Historical Review 97 2 1992 p 405 SOBRE OS AUTORES PEDRO PAULO A FUNARI Nasci em São Paulo gradueime em História USP 1981 obtive o mestrado em Antropologia Social USP 1985 doutorado em Arqueologia USP 1990 LivreDocência em História Unicamp 1996 fui professor da Universidade Estadual Paulista UnespAssis 19861992 sendo hoje Professor Titular da Universidade Estadual de Campinas 1992 em diante pesquisador associado da Illinois State University Estados Unidos e Universitat de Barcelona Espanha professor também dos Programas de PósGraduação em Arqueologia da Universidade de São Paulo e das Universidades de Catamarca e Nacional Dei Centro de la Província de Buenos Aires ambas na Argen tina e do Programa de Mestrado em Memória e Patrimônio da Universidade Federal de Pelotas RS Atualmente sou coordenador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp Atuo ainda como pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais NepamUnicamp e no doutorado em Ambiente e Sociedade Lidero o Grupo de Pesquisa do CNPq sediado no Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp Publiquei mais de duzentos artigos científicos em revistas acadêmicas brasileiras arbitradas e mais de cinquenta em revistas estrangeiras arbitradas Publiquei dezenas de livros diversos deles editados no exterior como Global Archaeological Theory Nova York Kluwer 2005 Atuei como professor convidado em diversas universidades estrangeiras Meu email é ppfunariuolcombr e os portais são wwwunicampbrneearqueologia e wwwhistoriaehistoriacombr Glaydson José da Silva Sou natural de Franca em São Paulo onde me graduei em História no ano de 1996 pela Universidade Estadual Paulista Unesp Conclui o mestrado 2001 e o doutorado 2005 também em História pela Universidade Estadual de Campinas Unicamp onde lecionei disciplinas de teoria da História 2001 2006 e 2007 e realizo desde dezembro de 2005 estágio pósdoutoral no Departamento de História Sou coorganizador com Pedro Paulo Abreu Funari e Lourdes Conde Feitosa do livro Amor desejo e poder na Antigüidade relações de gênero e representações do feminino Campinas Editora da Unicamp 2003 Traduzi organizei e publiquei em 2006 textos de Gabriel

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Prof Patricia Carfa curso 3 sem História valor R 780 data 07022010 res 43 Teoria da História Pedro Paulo A Funari Glaydson José da Silva tudo é hist Este livro expõe nas linhas essenciais a Teoria da História A partir das suas raízes em Heródoto pai da História chegase até os complexos tempos atuais pósmodernos e seus novos paradigmas de compreensão dos homens das culturas e do mundo O leitor verá examinados nesse processo os dois termos da equação teoria e história para mostrar que ambos evoluem em sua interpretação A teoria desprendese da idéia simples de visão de mundo com seu componente de subjetividade História supera a idéia ainda mais simples de testemunho pessoal ou de passado que na verdade não passa e sim transita num continuum para o futuro As progressivas teorias da História apresentamse nesta síntese de dois professores universitários brasileiros tendo por fonte inspiradora grandes nomes do pensamento historiográfico como Tucídides Cícero Tito Lívio Santo Agostinho Maquiavel Vico Herder Hiebuhr Michelet Hegel Marx Engels Febvre Bloch Monod Burke Braudel Duby Foucault Derrida Le Goff entre outros Copyright desta edição Pedro Paulo Abreu Funari e Glaydson José da Silva Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada armazenada em sistemas eletrônicos fotocopiada reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia da editora Primeira edição 2008 Coordenação editorial Alice Kobayashi Coordenação de produção Roseli Said Projeto Gráfico e Editoração Digitexto Serviços Gráficos Capa Fernando Pires montagem sobre imagem do busto de Heródoto e Tucídides Museo Nazionale di Napoli Revisão Maristela Nóbrega e Karin Oliveira Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Funari Pedro Paulo Abreu Teoria da história Pedro Paulo Abreu Funari Glaydson José da Silva São Paulo Brasiliense 2008 Tudo é história 153 ISBN 9788511001464 1 História Estudo e ensino 2 História Filosofia 3 História Metodologia 4 História Teoria crítica I Silva Glaydson José da II Título III Série D807451 CDD901 Índices para catálogo sistemático 1 História Filosofia e teoria 901 editora e livraria brasiliense Rua Mourato Coelho 111 Pinheiros CEP 05417010 São Paulo SP wwweditorabrasiliensecombr SUMÁRIO Introdução Um campo interdisciplinar9 Os objetivos deste livro10 Capítulo I As origens antigas ou prémodernas13 Capítulo II O surgimento da história e o Positivismo27 Capítulo III A Escola Metódica33 Capítulo IV A concepção de história em Marx43 Capítulo V A escola dos Annales55 Capítulo VI A História nova e outras historiografias69 Capítulo VII O Pósmodernismo81 Considerações finais89 Referências e fontes93 Sugestões de leitura99 Sobre os autores101 Agradecemos a Margareth Rago Jair Batista da Silva e Adilton Luís Martins Mencionamos ainda o apoio institucional do Núcleo de Estudos Estratégicos NEEUnicamp do Departamento de História do CNPq e da Fapesp A responsabilidade pelas idéias restringese aos autores INTRODUÇÃO UM CAMPO INTERDISCIPLINAR A Teoria da História é uma área de pesquisa e de reflexão paradoxal Disciplina obrigatória nos cursos universitários de História constituiu um dos cernes da carreira do historiador seja ele futuro professor seja pesquisador Não se pode prescindir de uma formação sobre os fundamentos epistemológicos da disciplina A própria palavra epistemologia referida na frase anterior contudo nos alerta de que estamos diante de uma área que abrange diversas outras disciplinas Epistemologia o conhecimento logia da ciência episteme remete à Filosofia ao campo de conhecimento voltado para os processos de conhecimento mas levanos também aos gregos antigos Foram os gregos que definiram a episteme como o resultado de uma reflexão diante do que está colocado à nossa frente histemi significa estar em pé e epi é a preposicão sobre Opuseramna a doxa a simples opinião assim como a tekhne a arte ou técnica Mas a Teoria da História não se relaciona apenas à Filosofia Desde o século XIX e ainda mais no século XX diversas disciplinas forneceram modelos de como interpretar a sociedade e as suas transformações e vieram a servir de referência para como os historiadores pensaram sobre a teoria da sua disciplina Foram particularmente relevantes as interpretações sociológicas e antropológicas sem esquecermos aquelas oriundas da Lingüística e dos Estudos Literários Temos aí portanto três grandes vertentes que contribuíram para Teoria da História a Filosofia as Ciências Sociais e as Letras três campos que por sua parte se relacionam também Tudo isso significa que a Teoria da História exige uma necessária interação com as outras ciências OS OBJETIVOS DESTE LIVRO Um dos grandes estudiosos da Teoria da História o historiador francês Henri Irenée Marrou 19041977 enfatizava a importância de se publicarem livros de divulgação Esta obra visa introduzir o leitor no universo da Teoria da História a partir de suas origens até os dias atuais Essa sequência permitirá ao leitor verificar como os autores construíram suas interpretações a partir das experiências anteriores mas não implica nenhum juízo de superioridade das produções mais recentes como se houvesse uma evolução em direçaõ à verdade Apresentamos uma leitura possível dessa trajetória a partir de uma ótica explicitada desde o ínício o pluralismo Como constatou o historiador alemão Chris Lorenz 1998 o pósmodernismo é uma versão radical do pluralismo Partilhamos das preocupações de Margareth Rago 2000 quando esclarece que Já faz algum tempo que os historiadores perceberam as dificuldades do seu ofício não apenas pelos obstáculos de acesso aos documentos mas porque sua atividade não é neutra e nem o passado existe como coisa organizada e pronta à espera de ser desvelado O historiador produz o passado de que fala a partir das fontes documentais que seleciona e recorta compõe uma trama dentre várias outras possíveis e constrói uma interpretação do acontecimento Há múltiplas histórias a serem contadas já que os grupos sociais étnicos sexuais geracionais de baixo ou de cima se constituem de maneiras diversas mas têm diferentes modos de narrálas A História pode mostrar formas diferentes de pensar de organizar a vida de problematizar vivenciadas por outras sociedades em outros momentos históricos Aceitar o desafio proposto por Marrou 1961 e escrever uma obra de divulgação não é tão simples quanto pode parecer O historiador americado Jacoby Russel 1992 lembra que as generalizações sobre disciplinas acadêmicas requerem audácia pois materiais e descobertas volumosas mesmo em áreas muito restritas podem minar se não refutar as interpretações gerais Corremos esse risco mas deixamos claro desde o início que apresentamos uma leitura possível convidando o leitor a fazer seus próprios juízos I As ORIGENS ANTIGAS OU PRÉMODERNAS OS TERMOS E SEUS SIGNIFICADOS Toda a Teoria da História moderna surgida com o racionalismo e o iluminismo do século XVIII surge em continuidade e em oposição à tradição milenar de reflexão sobre o passado Continuidade pois muitas das referências antigas foram retomadas em tempos modernos mas ainda mais em oposição pelo distanciamento das maneiras de se conceber a História nas tradições antigas e medievais Neste capítulo a trajetória de reflexão sobre o passado e como isso se relaciona com a epistemologia será apresentada a partir dos seus primórdios naquilo que se convencionou chamar de tradição ocidental Como veremos reflexões das obras de Platão ou mesmo da Bíblia continuam em pleno século XXI a serem debatidas e usadas como argumento para reconstruir a Teoria da História Antes de tratarmos disso contudo convém abordar dois termos da equação teoria e história termos de origem grega e prenhes de significado Teoria relacionase com o verbo Theáomai enxergar e com thea vista e está portanto no mesmo campo de teatro em grego théatron A teoria é portanto um ponto de vista uma visão e esse termo já é em si muito revelador pois só enxergamos uma parte do que pode ser visto só aquilo que nos permite nosso ângulo de visão e a iluminação externa Assim a visão é subjetiva ela depende de quem olha e ela é também afetada por condições de visibilidade externas ao observador Para os antigos gregos teoria diferenciavase da práxis a ação no mundo mas essa própria prática depende da visão de um ponto de vista A teoria é portanto e inevitavelmente subjetiva Em seguida a História termo grego que já se confunde no senso comum com a noção de passado como se fosse aquilo que aconteceu Na verdade história é um termo grego que significava pesquisa uma observação de novo uma noção ligada a algo investigado pela vista Na origem a palavra não se restringia ao estudo do passado era usada para qualquer pesquisa empírica sobre o movimento dos astros no céu e esse sentido da palavra se mantém em nossa língua na expressão história natural Assim também pelo segundo termo da expressão Teoria da História estamos diante de uma subjetividade ANTES DA INVENÇÃO DA TEORIA E DA HISTÓRIA Antes mesmo da invenção pelos gregos dos termos teoria e história já se pensava sobre o passado e o seu significado As concepções mais retomadas pela historiografia moderna foram as hebraicas parte da tradição ocidental por meio da Bíblia O tempo bíblico é um tempo religioso prenhe de subjetividade e emoção Os termos mais usuais para designar o tempo referemse a um ciclo como dia yom mês khodesh e ano shaná que compõe uma vida uma geração dor A palavra tempo et é de origem desconhecida mas está relacionada ao ciclo da vida em sua acepção religiosa como diz Ezequiel 3116 Na Tua mão estão os meus tempos Esse ciclo da vida encontrase no próprio mundo concebido como tendo uma criação a saída do homem do paraíso e um final a aurora messiânica que representa um retorno superior ao paraíso perdido Estas concepções encaram o presente como parte de um continuum com o passado e o futuro uma etapa em um ciclo que se apresenta no próprio quotidiano Futuro e passado se confundem na perspectiva do presente O estudioso bíblico Walter I Rehfeld propõe que o tempo bíblico corre do futuro para o passado A consciência do presente verá os antepassados como posições fixas anteriores no tempo marchando para frente exatamente na mesma direção De acordo com esta visão o hebraico clássico qualifica o futuro longínquo como o fim dos dias permanecendo parte de trás às nossas costas enquanto que o passado corresponde ao que está em frente no espaço Se o passado for à nossa frente e o futuro às nossas costas então marchamos do futuro para o passado Esse tema será retomado pela Teoria da História no século XX por Walter Benjamin como veremos mais adiante O que nos interessa aqui é apenas destacar que mesmo antes da invenção da História com esse nome já se pensava no sentido do tempo e essas idéias ligadas a ciclos e à salvação serão muitas vezes retomadas e reelaboradas ao longo dos séculos HISTÓRIA BÍBLICA Cíclica Com início meio e fim Do futuro para o passado Religiosa OS GREGOS E A HISTÓRIA Heródoto O estadista romano Marco Túlio Cícero 10643 aC denominou Heródoto de Halicarnasso 484420 aC o pai da História DE LEGIBUS 115 epíteto que desde então difundiuse e tornouse um lugarcomum Heródoto foi o primeiro a adotar a palavra História com o sentido que passaria a ter Logo no início de sua obra explica que Aqui está a exposição das pesquisas de Heródoto de Halicarnasso para que as obras dos homens não sejam esquecidas com o tempo nem as grandes e maravilhosas façanhas realizadas tanto por gregos como por bárbaros fiquem sem glória e para mostrar as causas dos conflitos Nessas primeiras palavras temos todo um programa do que seja a tarefa do historiador Em primeiro lugar tratase de um relato uma estória uma exposição primeiro oral e só depois escrita Heródoto atravessou o mundo a recolher e ver com os próprios olhos e a ouvir com as próprias orelhas relatando essas experiências em praça pública Havia desde o início uma função pública e literária dessas leituras que deviam tanto entreter o público como falar aos sentimentos das pessoas Como sabemos disso É o próprio Heródoto que nos conta e nos reporta à incredulidade dos ouvintes diante do que ele afirmava ser a pura verdade Essas mesmas observações de Heródoto sobre a reação do público demonstram que a sua obra no entanto só se tornou perene com a escrita com a publicação em forma de obra literária reproduzida em tantas cópias e que chegou até nós Heródoto sempre ressalta sua função como testemunho direto Até aqui disse o que vi refleti e averigüei por mim mesmo a partir de agora direi o que contam os egípcios como ouvi ainda que acrescente algo do que vi História 29 Este o sentido primeiro da palavra História testemunho Cabe ao testemunho preservar pela lembrança as ações humanas pela memória para que não sejam esquecidas Essas são todas palavras ligadas à relembrança e não é à toa que palavras como monumento derivem de lembrar A glória aludida por Heródoto no início de sua obra também do âmbito da memória Embora para nós modernamente a memória seja quase sempre ligada à imprecisão e à transmissão oral como lembra o historiador francês Jacques Le Goff 1988 para os antigos a memória e a História estavam ligadas umbilicalmente Por fim Heródoto menciona que busca as causas da guerra entre gregos e persas A preocupação com as causas leva ao papel do juízo lógico do historiador Heródoto usa muito a palavra lógos que significa tanto palavra como conhecimento razão tudo isso como parte de um relato racional Assim diznos que o que me proponho ao largo do meu relato lógos é escrever tal como ouvi o que dizem uns e outros O relato é uma obra literária fundada na razão com a reportagem das opiniões contrastantes As causas são de caráter racional compreensíveis pela contraposição de pontos de vista ainda que as forças divinas não deixem de ser mencionadas assim como aceitas as coisas maravilhosas que não foram bem comprovadas pela vista ou pela audição como a existência de seres esdrúxulos O historiador italiano Arnaldo Momigliano 19081987 em um estudo clássico chegou à conclusão que está ainda conosco com toda a força de seu método de estudar as fontes orais não só no presente como no passado É curioso Heródoto chegou a tornarse de verdade o pai da História só nos tempos modernos Não por acaso Heródoto foi considerado o fundador de campos como a Antropologia e a Geografia além da História Sua Teoria da História encontraria correlatos como veremos na pluridisciplinaridade da História no século XX HISTÓRIA PARA HERÓDOTO Relato racional e agradável logos Investigação da visão e da audição Lembrança dos grandes feitos Busca das causas Tucídides e o Efêmero Tucídides dá continuidade à nascente historiografia grega mas se erige diferente de seu antecessor Heródoto Rompe com a busca das causas últimas e profundas com a escuta dos povos e seus costumes preocupado apenas com a História contemporânea de sua época Despreocupado do que chamaríamos de etnografia Tucídides volta se para as lutas intestinas para a História constitucional Sua distância começa já por sua crítica ao relato de histórias para o público A ausência de estorinhas em minha História irá temo tirar um pouco do seu interesse Contudo se for considerado útil pelos pesquisadores que desejarem um conhecimento preciso do passado como ajuda para interpret ar o futuro ficará coerente Escrever esta obra não como um relato não para receber o vazio do momento mas como uma aquisição para todo o sempre Guerra do Peloponeso 122 Em tão poucas palavras tanta divergência com Heródoto Não falava em praça e não queria saber da opinião das pessoas menos ainda do aplauso ilusório pois vindo da ignorância Não aceita tratar do que ele chama de mítico as estorinhas A precisão do conhecimento também chama a atenção assim como a pretensão de que mais do que pontos de vista como ressaltava Heródoto haveria que produzir uma obra literária para todo o sempre frase que ficou famosa ktema eis aei uma conquista do conhecimento histórico para sempre a ser manter por não depender das opiniões Muitos historiadores modernos no auge do positivismo no século XIX iriam retomar essa busca de transcendência em Tucídides a descrição acurada do efêmero em seu sentido original grego do diaadia Historiador da guerra Tucídides viria também por essa via a ser paradigmático para o moderno positivismo A historiografia do século XX ressaltaria as deficiências das certezas de Tucídides Arnaldo Momigliano destacou um aspecto o caráter por assim dizer jornalístico das explicações de Tucídides centradas nos pequenos desencontros quotidianos sem olhar o grande quadro do contexto histórico e das causas profundas Toda a História diplomática e social dos trinta anos precedentes à Guerra do Peloponeso 431404 aC está talvez irremediavelmente perdida para nós porque não interessava a Tucídides Há tantas coisas que não sabemos porque Tucídides não procurou estudálas A busca da precisão ligavase à visão judiciária da História como se a pesquisa histórica fosse uma investigação das provas de um tribunal em busca da verdade essa ideia seria retomada no século XX pelos paradigmas indiciários como veremos Inseriase também no empirismo empregado pela medicina hipocrática Tudo somado Tucídides será uma referência especialmente importante para a historiografia moderna Tucídides Busca das causas imediatas Escrita de obra literária como referência perene Busca da verdade como em um tribunal ARISTÓTELES POESIA E HISTÓRIA O pensador grego Aristóteles 384322 aC nunca escreveu uma obra de História mas mesmo assim tornouse uma referência obrigatória sobre a epistemologia da História Pode parecer paradoxal apenas na aparência contudo Aristóteles escreveu sobre quase tudo e um comentário seu na Poética tem sido considerado essencial para entender o conhecimento possível por meio da História Quando Aristóteles escreveu essa obra já a História era um gênero literário bem estabelecido e é em sua obra sobre as criações artísticas que ele dedicará um apartado para a relação entre a poesia e a História Segundo Aristóteles Não é ofício de poeta narrar o que aconteceu é sim o de representar o que poderia acontecer quer dizer o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade Com efeito não diferem o historiador e o poeta por escreverem verso ou prosa pois que bem poderiam ser postos em verso as obras de Heródoto e nem por isso deixariam de ser História se fossem em verso o que foram em prosa diferem sim em que diz um as coisas que sucederam e outro as que poderiam suceder Por isso a poesia é algo de mais filosófico e mais sério do que a História pois refere aquela principalmente o universal e esta o particular Por referirse ao universal entendo eu atribuir a um indivíduo de determinada natureza pensamentos e ações que por liame de necessidade e verossimilhança convêm a tal natureza e ao universal assim entendido visa a poesia ainda que dê nomes às suas personas particular pelo contrário é o que fez Alcibíades ou o que lhe aconteceu Poética 950 Aristóteles aponta como característica essencial da História sua preocupação com o efêmero com o acontecimento que não se pode repetir e que por isso mesmo nada nos pode ensinar sobre a natureza humana ou mesmo o mundo O particular por definição nada revela Tucídides G P 2 65 descreve a morte de Péricles ele sobreviveu por dois anos e meio após o início da Guerra do Peloponeso e a correção de suas previsões sobre ela tornaramse claras à época da sua morte O que essa morte nos diz sobre o comportamento humano Já a morte de um personagem trágico não ela apresenta uma lição como no caso de Hipólito filho de Teseu e a amazona Hipólita que morre por recusar o amor de Ártemis Representa entre outras coisas a perdição pela soberba Já a morte de um Péricles por mais importante que tenha sido não possui essa dimensão filosófica profunda Também como veremos o positivismo virá retomar esses argumentos ainda que para valorizar a descrição dos acontecimentos e a falta de ambição epistemológica da História ARISTÓTELES História busca o particular e irrepetível Limitase a narrar o que aconteceu Não ambiciona explicar o homem ou o mundo A HISTORIOGRAFIA GRECOROMANA E O CRISTIANISMO A historiografia de gregos e romanos posteriores aos três autores tratados inspirouse e referiuse a eles ainda que cada um tenha enfatizado alguns aspectos ou características da História Assim Políbio 200118 aC e Salústio 8634 aC enfatizarão a utilidade da História tema que terá grande fortuna entre outros autores antigos como Cícero e sua caracterização da História como mestra da vida Essa ênfase inserese na perspectiva de Tucídides de um monumento para o futuro mas tem ambições práticas como se a própria função da História fosse ensinar Outro aspecto inovador foi a difusão do conceito de decadência como se houvesse uma degradação com o passar do tempo noção que tinha precedentes na mitologia mas que foi aplicada à História com a constatação de Tácito 55120 dC de que o domínio romano levava à paz dos cemitérios aos povos solitudinem faciunt pacem appellant O Cristianismo viria a introduzir modificações profundas uma ruptura como diria o historiador de nossa época Jacques Le Goff Por um lado herdeiro do pensamento hebraico messiânico apresenta uma leitura escatológica visando ao fim dos tempos éskhatos quer dizer último lógo conhecimento Retoma pois a noção de tempo linear com a criação do mundo a queda do homem a vinda do Cristo e a espera do juízo final Deus passa a intervir na História como agente constante e oculto O conhecimento do passado com alguma precisão como pregavam os gregos antigos não faz mais sentido Santo Agostinho 354430 em suas Confissões 14 interrogase sobre o tempo O que é o tempo Se ninguém me pergunta seio se quiser explicar a quem me pergunta não o sei Julgada pelos sentidos a fé é uma verdade cega à diferença da teoria grega que era visível e por isso demonstrável A fé cristã é uma confiança firme no invisível e portanto no que não é demonstrável O historiador toma o passado em uma única dimensão confunde homens e acontecimentos com desinteresse pela sucessão temporal preocupado apenas com os valores eternos e absolutos intemporais A História nada mais é do que o desenvolvimento dos desígnios divinos e assim o raciocínio teológico só deixa lugar para a História ideal eterna Os homens e suas obras perdem interesse pois a atividade humana não pode ser efetiva A historiografia moderna nasceria em reação às concepções teológicas do mundo e da História HISTÓRIA CRISTÃ Linear criação encarnação de Deus juízo final Narrativa baseada na fé Deus e seus desígnios Busca de valores eternos e intemporais O SURGIMENTO DA HISTÓRIA E O POSITIVISMO O Renascimento A tradição historiográfica cristã com sua mescla de temas sagrados e profanos com a onipresença de milagres viria a marcar a reação a partir da releitura dos historiadores gregos e romanos Os escritores da Renascença a partir do século XV entusiasmaramse com as abordagens racionais e seculares dos antigos e começaram a desenvolver uma erudição crítica Lorenzo Vala 14071457 foi um desses pioneiros ao publicar em 1540 um estudo em latim da chamada Doação de Constantino documento que seria transferência de terras à Igreja pelo imperador romano Constantino Demonstrou que a Doação não podia ter sido escrita àquela época e era portanto muito posterior Com a divulgação da imprensa e do uso das línguas vernaculares como o francês italiano ou inglês difundiramse obras históricas de pensadores como Maquiavel 14691527 e Guicciardini 14831540 mas seria apenas com o Iluminismo no século XVIII que teríamos o desenvolvimento da historiografia na época conhecida como era de Voltaire 16941778 e Gibbon 17371794 Já se estava no século XVIII sob o clima de luta declarada contra a influência das igrejas na interpretação do passado e na busca de uma interpretação racional do passado No entanto os iluministas não se preocupavam com a precisão de um Tucídides já que como dizia Voltaire danemse os detalhes pois são o tipo de verme que destrói as grandes obras MARWICK 1976 p 33 Todo o século XVIII produziu uma pletora de eruditos que se preocuparam com a História como Giambattista Vico 16681744 e Johann Gottfried von Herder 17441803 ambos preocupados com a Filosofia da História Ambos destacaram a importância da compreensão dos contextos históricos a diferença do passado diante do presente Era o início do método da empatia que teria grande fortuna na Teoria da História Segundo Von Herder primeiro simpatize com a nação estudada vá à sua época à sua geografia a toda sua História sintase nela Todos escreviam História na tradição da literatura como grandes obras literárias produzidas para o deleite ainda não havia a carreira universitária a História como parte de uma nova organização da ciência na forma da Universidade moderna Teoria da História A HISTÓRIA NA UNIVERSIDADE A Universidade instituição criada em plena Idade Média a partir do século XII caracterizouse até fins do século XVIII pelo conhecimento universal de onde deriva seu nome Formavamse médicos advogados e teólogos todos com uma graduação genérica predominante e com a Teologia no ápice As artes liberais englobavam gramática dialética e retórica trivium além de aritmética música geometria e astronomia quadrivium Tudo em latim sob o controle da Igreja visava à elevação da alma Seria apenas no século XVIII com o avanço do Iluminismo que a Universidade tomaria novo rumo que resultaria no surgimento das disciplinas modernas voltadas para o conhecimento objetivo ou positivo do mundo e das relações humanas A primeira disciplina a surgir no que viria a ser as Ciências Humanas e Sociais foi a Filologia o conhecimento das línguas Se antes na tradição medieval estavase a gramática de uma língua o latim a nova ciência preocupavase com o estudo das línguas suas características e origens Abandonada a explicação bíblica que atribuía diversidade das línguas à Torre de Babel a nova disciplina buscou entender as línguas como se elas fossem plantas como se elas tivessem relações de parentesco entre si e origens partilhadas inspiração que vinha da nascente Biologia Logo surgiram os dois grupos de línguas as línguas indoeuropéias e as semíticas As primeiras congregavam quase todas as línguas européias além do persa e de línguas da Índia e as segundas as línguas do Oriente Médio mais conhecidas na Europa como o hebraico o aramaico e o árabe O surgimento da Filologia permitiu que se iniciasse a História como disciplina acadêmica que está conosco até hoje A Filologia permitiu um conhecimento muito mais rigoroso e aprofundado das línguas antigas e de suas relações A Filologia Histórica preocupada com as origens e interconexões mostrou assim que o latim e o grego compartilhavam muito tanto em termos de estrutura como de vocabulário Permitiu ainda que o conhecimento dos documentos antigos fosse muito mais profundo e objetivo Esse foi o passo decisivo para a criação de um novo conceito de História como conhecimento positivo do passado não mais como literatura ou relato religioso Os pioneiros da História positivista foram escritores de língua alemã em particular a partir da Prússia na chamada revolução historiográfica de Berlim Barthold Georg Niebuhr 17761831 foi um dos fundadores da nova Universidade de Berlim produto do reformismo prussiano o primeiro historiador da nova era se assim podemos dizer Suas palestras sobre a História de Roma ministradas em 18111812 publicadas entre 1827 e 1832 marcam a nova erudição positivista a partir da Filologia estabelecese a crítica textual como pedra angular do positivismo historiográfico Essa crítica visava a saber se os documentos eram verdadeiros e fidedignos Em busca da descrição factual precisa inauguravase o estilo da historiografia positivista árido difícil em tudo diverso da tradição literária da História inaugurada por Heródoto Niebuhr usou a História de Roma do historiador romano Tito Lívio 59 aC17 dC para desacreditála tanto por ser literária como por trazer uma infinidade de histórias inventadas O positivismo visava ao conhecimento objetivo do passado não ao gozo de uma bela leitura e menos ainda a dar guarida à fantasia Leopold von Ranke 17951886 foi o grande historiador acadêmico positivista que daria sequência e aprofundaria a nova teoria positivista da História proposta por Niebuhr Von Ranke pode ser considerado o fundador da moderna disciplina histórica universitária tanto do ponto de vista epistemológico como administrativo Estabeleceu pela primeira vez a disciplina na Universidade algo que tardaria muitas décadas em outros lugares como na França Também foi pioneiro a criação da revista Historische Zeitschrift em 1859 cuja primeira tarefa era apresentar o método verdadeiro da pesquisa histórica e apontar os desvios como se lê no editorial No plano epistemológico o positivismo de Von Ranke marcou a disciplina por muitas décadas a partir de seus apontamentos de 1824 Considerouse que a História deveria julgar o passado instruir o presente para o benefício das gerações futuras Tais grandiosas pretensões não são aspirações desta obra quer apenas mostrar o que propriamente aconteceu wies eigentlich gewesen Mais do que julgar compreender verstehen o passado baseandose na crítica erudita das fontes Quellenforschung essas as pretensões do positivismo historiográfico nascente A referência a Cícero na passagem acima é clara a História não deve ser a mestra da vida Já nos seus inícios a História positivista e acadêmica encontrou seu críticos descontiados da pretensa objetividade do historiador John Gustav Droysen 18081884 professor de História em Berlim ironizou a objetividade de um eunuco de Von Ranke assim como Jacob Burckhardt 18181897 professor de História em Basileia na Suíça denunciou a aridez do estilo descritivo positivista Como veremos a valorização da beleza e da subjetividade desses dois críticos pioneiros será importante no século XX O positivismo no entanto surgia com toda sua pujança A HISTÓRIA POSITIVISTA Rompimento com a tradição literária discurso árido e erudito Crítica das fontes históricas em busca da verdade Descrição do que propriamente aconteceu Institucionalização da disciplina História na Universidade A ESCOLA METÓDICA Conhecimento indireto e confusão marcaram os estudos historiográficos que tiveram a Escola Metódica como objeto Na trajetória do pensamento histórico seus autores são mais citados que conhecidos Um grande número de estudiosos de teorias e métodos que se opuseram aos metódicos em seu contexto ou naqueles da Escola dos Annales e de sua posteridade certamente tomou contato com textos fundacionais dos historiadores metódicos Contudo o lugar que esses textos e historiadores ocuparam e ocupam na história da disciplina histórica conferiulhes paradoxalmente uma espécie de ostracismo tendo subsistido em sua epistemologia sempre por vias indiretas nas alusões nas paráfrases e nas citações das citações Daí uma dedução a Escola Metódica é comumente negligenciada nos estudos historiográficos isso advém não do desconhecimento de suas proposições mas de sua associação a escolas e movimentos que lhe foram contemporâneos eg Historicismo e Positivismo e com os quais partilha algumas proposições Para o senso comum historiográfico os metódicos entram para a epistemologia da disciplina com as críticas de Lucien Febvre 18781956 e Marc Bloch 18861944 a CharlesVictor Langlois 18631929 e Charles Seignobos 18541942 com o advento dos Annales Críticas das quais é necessário abstrair seu grande componente político em benefício de uma valoração maior das continuidades rupturas e transformações nas teorias e nos métodos dessas duas escolas A Escola Metódica se constituiu de um conjunto de historiadores fortemente marcados pela derrota na guerra francoprussina de 1870 e pela pesquisa histórica alemã fatores que muito influenciaram o pensamento histórico na França no contexto da III República 18701940 A derrota do exército francês marca além de um trauma na história do país uma ruptura na historiografia do período conferindo à nação não só a necessidade de uma segunda origem que suplantasse o fracasso militar mas também a de novas formas de se representar a história nacional fundando ou refundando identidades A influência do pensamento histórico alemão está no fato de muitos dos principais historiadores franceses do período terem realizado seus estudos na Alemanha entre eles Gabriel Monod 18441912 Charles Seignobos e Ernest Lavisse 18421922 Formados em meio a grandes eruditos como Theodor Mommsen 18171903 eles influenciariam na formação das futuras gerações de historiadores franceses Como todos os representantes de escolas intelectuais que se pretendem paradigmáticos os metódicos buscam na crítica e no rompimento com aqueles que os precederam a fundamentação de seu modus faciendi pleiteando a constituição de uma história não esvaziada de significado na qual a existência dos documentos sobretudo escritos a ausência da parcialidade e o rigor do método são os requisitos imprescindíveis da empresa e dos procedimentos científicos A geração anterior à derrota de 1870 assinala na historiografia as marcas dos embates do Antigo Regime e da Revolução contra muitas das quais se ergiriam os metódicos para ela 1789 é o berço da França moderna o evento maior da história nacional e a medida para se avaliar o passado Ruptura a Revolução evidencia a presença de uma experiência contraditória que eliminava os liames de continuidade da história nacional vista a impossibilidade de representar a partir de então uma nação que partilhasse de um passado e de valores comuns Dos embates suscitados por preocupações dessa geração de historiadores para os quais a história está no pináculo e opera como meio de legitimação e explicação dos problemas políticos desenvolvese uma historiografia voltada para a história nacional cuja preocupação maior estará na constituição de ideais de identidade continuidade e comunidde de destinos da nação É esse universo intelectual que embasará o trabalho de muitos dos principais historiadores tidos como metódicos O nascimento da escola é habitualmente datado da publicação do primeiro número da Revue Historique 1876 sendo considerado seu Avantpropos assinado por Gabriel Monod e Gustave C Fagniez 18421927 um texto fundador de seus pressupostos Os estudos históricos assumem em nossa época uma importância sempre crescente e tornase cada vez mais difícil mesmo para os sábios da profissão manteremse a par de todas as descobertas de todas as pesquisas novas que se produzem cada dia Cremos responder aos desejos de uma grande parte do público letrado em criando sob o título de Revue historique uma coletânea periódica destinada a favorecer a publicação de trabalhos originais e a fornecer ensinamentos exatos e completos sobre o movimento dos estudos históricos MONOD FAGNIEZ 2006 Deste enunciado que abre o prefácio da revista dois pontos se destacam como representativos de suas proposições o interesse pela história e sua importância sempre crescente no período e a pedagogia da disciplina Ao primeiro se liga a idéia de que é o XIX o século da Revolução da ascensão dos nacionalismos e do surgimento de países como a Itália e a Alemanha Daí advém a necessidade de se explicar as nações é bem o contexto de institucionalização da disciplina história mas também de efervescência de outras áreas do conhecimento Ao segundo se liga as preocupações científicas da disciplina ao anunciar a pretensão da revista de fornecer ensinamentos exatos e completos A esta proposição estaria vinculada a publicação de trabalhos originais voltados para um público maior que teriam por objetivo evitar controvérsias contemporâneas e que deveria se constituir na imparcialidade de espírito manifestação de uma história como um fim em si mesma como observava Monod 2006 com o rigor do método e a ausência da parcialidade A revista não deveria fazer nem obra de polêmica nem de vulgarização nem se constituir numa coletânea de pura erudição Ela a revista não admitirá mais que trabalhos originais e de primeira mão que enriqueçam a ciência seja pelas pesquisas que serão a base seja pelos resultados que serão a conclusão mas sempre aí reclamando de nossos colaboradores procedimentos de exposição estritamente científicos onde cada afirmação seja acompanhada de provas de reportação às fontes e de citações daí excluindo as generalidades vagas e os desdobramentos oratórios conservaremos à Revue historique o caráter literário ao qual os sábios assim como os leitores franceses atribuem com razão tanto valor O adjetivo metódica conferido à escola que se inicia com a Revue Historique não é destituído de significação resume as preocupações de uma escola intelectual que atribui ao rigor do método a única maneira de se chegar ao conhecimento histórico afastandose da especulação e da não objetividade Assumindo como marco históricocronológico a história européia desde a morte de Teodósio 395 até a queda de Napoleão I 1815 Monod e Fagniez justificam isso em virtude do fato de ser para esse período que os arquivos e as bibliotecas conservam o maior dos tesouros inexplorados e também pelo desejo de se abstem de questões contemporâneas O objetivo desinteressado e científico e o espírito de imparcialidade que animam a revista são respaldados pela lista dos 53 colaboradores que antecede o final do prefácio Ligados aos Arquivos Nacionais à Academia de Inscrições à Biblioteca Nacional à École des Carthes e a diferentes universidades quase todos guardam com seus ofícios estreitas relações com práticas documentais de organização gestão e conservação mantendo com isso uma aproximação não ocasional dos pressupostos metódicos Desses aqueles da imparcialidade e da isenção anunciada nos primeiros parágrafos do Prefácio se chocam com o término do mesmo que diz que O estudo do passado da França que será a principal parte de nossa tarefa tem uma importância nacional É por ela que podemos dar a nosso país a unidade e a força morais das quais ele tem necessidade em lhe fazendo conhecer suas tradições históricas e compreender as transformações que elas acarretaram Ainda no primeiro número da Revue Historique segue ao Prefácio aludido um texto de Monod intitulado Do progresso dos estudos históricos na França desde o século XVI cujo objetivo está em apresentar o desenvolvimento dos estudos históricos até o advento da revista que representaria o coroamento da trajetória da disciplina até então Nesse texto Monod faz uma crítica aos historiadores de outros períodos pelo fato de terem em mente mais o presente que o passado dizendo não ter existido e não ter podido existir no sentido exato do termo ciência histórica na Idade Média Para ele é na Renascença que se iniciam Com a união dos pares e organização do ensino superior em uma época mais que outras própria ao estudo imparcial e simpático do passado caberia à História dar conta dos acontecimentos dolorosos da nação que romperam com esse passado e mutilaram a unidade nacional lentamente criada por séculos propiciando a todos se sentirem filhos do mesmo solo crianças da mesma raça não desacreditando nenhuma parte da herança paternal todos filhos da velha França e ao mesmo tempo todos cidadãos da França moderna É assim que a história sem se propor outro objetivo e outro fim que o proveito que tiramos da verdade trabalha de maneira secreta e segura para garantir a grandeza da Pátria e o progresso do gênero humano Vinte e dois anos depois da publicação do primeiro número da Revue Historique 1898 Langlois e Seignobos publicariam sua Introduction aux études historiques texto clássico e representativo dos metódicos e grande tributário dos ideais de Monod e Fagniez que se constituiria no manual formador de gerações sucessivas de historiadores Se os pressupostos metódicos foram estabelecidos pelos idealizados da Revue Historique sua divulgação e posteridade são devidas em grande parte ao impulso historiográfico dessa contribuição e à relevância que confere à formação dos historiadores na busca de uma distinção constante pelo método de pares como Michelet 17891874 e outros românticos Para além da pesquisa acadêmica a influência dos metódicos se faz sentir fortemente na educação em todos os níveis de ensino espaço de expressão máxima de seus pressupostos e de suas contradições mantendo uma relação umbilical com o pensamento sobre a nação A escola é nesse ponto a instância privilegiada de difusão dos valores nacionais Do ensino primário àquele das universidades a educação é reformada durante a III República sob os influxos dos metódicos Manuais como o simbólico Introduction aux études historiques ou o Petit Lavisse marcam as reformas e pretensões da disciplina histórica no período A escola e o ensino de história devem nutrir o sentimento nacional propiciando o amor e a compreensão da pátria dos antepassados gauleses e das glórias nacionais como descrito na Histoire de France 19001912 de Lavisse para o qual importava a crença republicana de que a educação ocupava um papel significativo no projeto nacional Presentes em todo universo intelectual francês particularmente entre 1886 e 1929 mas também até a ruptura de 1940 e depois os metódicos dirigem grandes coleções de História Histoire de France E Lavisse Histoire Générale A Rambaud Peuples et civilisations L Halphen e Ph Sagnac etc participam das reformas do ensino e atuam enfim de modo expressivo na obra escolar da III República Ocupando cátedras em importantes universidades e altos cargos junto ao poder público eles muito contribuem para a difusão de seus axiomas nem sempre incólumes de críticas em seu próprio contexto como o exemplifica aquela feita pelo economista sociólogo e historiador François Simiand 18731935 o denunciante dos três ídolos da tribo dos historiadores político cronológico e individual a Langlois e Seignobos É sob a injunção dessa análise que se estabelecerá posteriormente a crítica da Escola dos Annales à Escola Metódica fundando ambas a crítica e os Annales paradigmas rupturais na história da disciplina A ESCOLA METÓDICA França segunda metade do século XIX Derrota francesa na guerra francoprussiana Investigação históricocientífica rigor do método Importância capital do documento IV A CONCEPÇÃO DE HISTÓRIA EM MARX O marxismo é um dos sistemas de pensamento mais influentes desde o início do século XX suas ideias econômicas políticas e sociais originárias dos influxos de Marx e Engels conheceram diferentes desdobramentos e ainda hoje marcam a epistemologia de diversas áreas Luta de classes ideologia alienação maisvalia proletariado fetichismo socialismo e comunismo são palavras comumente ligadas ao seu vocabulário sendo representativas de um amplo modelo ao qual se associam concepções teóricas e práticas do pensamento social Marx é filho de pais com ascendência judaica convertidos ao protestantismo em virtude das perseguições e restrições impostas aos judeus na Prússia sendo natural de Tréveris na Renânia onde concluiu seus estudos se cundários 1835 No mesmo ano ingressa na Faculdade de Direito de Bonn da qual se transfere no ano seguinte para o mesmo curso na Universidade de Berlim e posteriormente para a Universidade de Jena onde defende em Filosofia 1841 a tese intitulada A Diferença entre a Filosofia da Natureza de Demócrito e a de Epicuro É em Berlim que Marx toma contato com a filosofia de Hegel 17701831 ao ligarse ao círculo dos jovens hegelianos ou hegelianos de esquerda que compunha uma das partes de duas das principais vertentes analíticas da obra de Hegel a outra era denominada direita hegeliana Contrapostas essas tendências marcaram o pensamento filosófico acerca do Estado prussiano e da religião de então manifestandose nos embates em torno de dois aspectos da filosofia de Hegel o metafísico e teológico e o político Para a direita hegeliana inspirada no Idealismo e voltada para o conservadorismo e a ortodoxia o Estado era considerado a mais alta realização do Espírito Geist representando a completude da dialética postulada pelo filósofo a manifestação do desenvolvimento social em sua totalidade Já para os jovens hegelianos uma concepção de mundo pautada em referenciais materiais constituía sua diretiva de interpretação informada pela negação da idéia de Espírito Absoluto Hegel deveria ser interpretado em um sentido revolucionário a sociedade prussiana estava aquém do que vislumbravam os idealistas e o Estado não dava conta de modo satisfatório das mazelas políticosociais Em relação à religião também motivo de dissensão o Cristianismo era a fonte das maiores querelas Ligado principalmente ao Estado prussiano o hegelianismo de direita atinhase ao idealismo metafísico tentando conciliar a doutrina de Hegel e os dogmas cristãos Tentativa essa em larga medida respaldada pela própria obra de Hegel Para a esquerda hegeliana a renúncia às explicações espiritualistas e a crítica ao Cristianismo marcava sua interpretação do filósofo numa espécie de adequação de Hegel aos seus postulados Se por um lado os hegelianos de direita justificavam o Estado e o Cristianismo por outro os de esquerda convertiam o idealismo em materialismo como forma de crítica social voltando Hegel contra si mesmo a essa vertente se ligaram nomes como Bruno e Edgar Bauer 1809188218201886 Max Stirner 18061856 David Strauss 18081874 Ludwig Feuerbach 18041872 Karl Marx e Frederic Engels 18201895 contudo variantes na interpretação da obra de Hegel conduziram a divisões dentro desse próprio segmento Entre jovens hegelianos Feuerbach pode ser considerado a maior influência de Marx mas é de Hegel que advém a matriz de pensamento tanto de um quanto de outro No centro das críticas de Marx dois vetores de suma importância presentes em Hegel o espírito e a dialética Para Hegel 1998 A história do espírito é o seu feito pois ele é somente o que ele faz e o seu feito é o de fazerse e aqui propriamente enquanto espírito objeto da sua consciência de apreenderse expondose para si mesmo Esse apreender é o seu ser e o seu princípio e o acabamento de um estágio do apreender é simultaneamente a sua exteriorização que o aliena de si e a sua passagem a um estágio superior Exprimindo formalmente o espírito que apreende de novo esse aprender e o que é o mesmo que se adentra de novo em si mesmo a partir da sua exteriorizaçãoalienação é o espírito do estágio mais elevado em face de si tal como ele se encontrava nesse primeiro apreender O mundo para Hegel é o vir a ser do Espírito em que a alienação estranhamento do homem em seu meio espaço em que não se reconhece é o grande ponto de partida rumo ao desenvolvimento racional e inexorável da história O mundo material é aí subordinado à lógica do mundo do Espírito mundo no qual tudo se origina e para o qual tudo se volta A crença num Espírito que a tudo antecede é parte da dinâmica que conduz à dialética hegeliana cuja principal referência é o princípio das contradições tese afirmação antítese negação e síntese negação da negação como botão que a flor refuta Do mesmo modo que o fruto faz a flor parecer um falso seráí da planta pondose como sua verdade em lugar da flor essas formas não só se distinguem mas também se repelem como incompatíveis entre si Porém ao mesmo tempo sua natureza fluida faz delas momentos da unidade orgânica na qual longe de se contradizerem todos são igualmente necessários HEGEL 2000 É a história universal a fonte de referências na qual Hegel fundamenta sua dialética O trabalho pode ser visto como uma ilustração de seu método e é por ele que o homem transformadomina a natureza cumprindo o ciclo dialético negando a matériaprima modificandoa e elevandoa Em Hegel esse processo é subordinado à lógica do Espírito já para Marx a dialética aí estava invertida estava de cabeça para baixo o ponto de partida não poderia ser o Espírito mas sim o mundo físico Como para Marx Feuerbach crê que o que garante o conhecimento a ação e a possibilidade de entendimento do mundo não está no universo das ideias mas na matéria A crítica de Feuerbach é antireligiosa e antiteleológica a ideia de Deus justo e bom é atributo humano Para Hegel a razão que entende o mundo o constitui e o transforma é dada a partir do Espírito À concepção teleológica da história de Hegel se junta em Marx um projeto político de libertação da humanidade no qual o processo histórico se dá fora do mundo das ideias Em Marx há uma orientação da ação política a partir da história Se o trabalho que antes libertava o homem e possibilitava a sua realizaçãoafirmação no mundo se tornou a fonte de opressão desse por seus iguais a indagação que se coloca é quais são as causas dessa opressão Da leitura de sua obra se pode depreender que são a divisão social do trabalho a propriedade privada dos meios de produção e a divisão da sociedade em classes A esses fatores se pode atribuir como causa o estranhamento do homem em relação às suas atividades no mundo eg a atividade do marceneiro não dá sentido ao homem quando autômata o estranhamento em relação ao produto eg no qual o sujeito não se reconhece naquilo que realiza o resultado de seu trabalho pode ser feito por qualquer um além do mais não lhe pertence e dele não pode usufruir É a consciência histórica desse processo de opressão que fundamenta a concepção de his tória em Marx não havendo livro ou texto específico no qual Marx ou Marx e Engels tenham trabalhado com o objetivo de estabelecer essa concepção ainda que possa ser apreendida de forma mais completa em textos como A ideologia alemã A miséria da filosofia e o Manifesto do Partido Comunista Inserido nos debates intelectuais de seu contexto na Alemanha e nos demais países europeus Marx intenta ofertar respostas aos problemas apresentados mas seus escritos não devem ser entendidos somente nesse sentido pois há uma preocupação em pensar como é possível agir intervir na realidade Na Questão judaica 1843 por exemplo critica um texto de igual título escrito por Bruno Bauer Num contexto em que a religião é considerada de Estado e no qual os judeus sofriam diferentes tipos de opressão e exclusão Bauer apregoa sua emancipação postulando o imperativo de se despojarem de sua religião como forma de se libertarem do jugo que sofriam A exigência é que o judeu abandone o judaísmo e que o homem em geral abandone a religião para ser emancipado como cidadão MARX 1991 Para Marx tratase da libertação dos homens da humanidade e não só dos judeus pelo que denomina erro a concentração da crítica no Estado cristão ao invés de no Estado em geral A existência da religião não é um fator ao qual se opõe a emancipação política acabada A emancipação política da religião não significa a emancipação da religião visto que a primeira não implica na emancipação humana A emancipação civil a emancipação política implicaria na libertação dos laços feudais e na concessão de direitos civis individuais reiterando o direito a privilégios burgueses como a propriedade não contemplando a totalidade já a emancipação humana contribuiria para a libertação dos homens do império a que estavam submetidos pela desigualdade e pelo individualismo Podese perceber nesse texto da juventude de Marx um dos pilares de seu pensamento que se constitui da ideia de consciência e transformação social afastandose da idéia de Espírito de Hegel e também da religião centrando nos homens e conseqüentemente na história o imperativo de sua emancipação É em A ideologia alemã 18451846 o texto em que Marx e Engels mais desenvolvem sua concepção de história dando continuidade à sua crítica aos jovens e velhos hegelianos Para eles os críticos de Hegel não tinham tentado uma crítica de conjunto do sistema hegeliano e não observavam a conexão entre a filosofia alemã e a realidade alemã a conexão entre a sua crítica e o seu próprio meio material MARXENGELS 1999 Essa leitura dos críticos de Hegel reapareceria em Ad Feuerbach 1888 de Marx em diferentes teses notadamente na tese XI que dizia Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras o que importa é transformálo Para a crítica ao idealismo hegeliano voltase a práxis revolucionária e transformadora em A ideologia Os pressupostos de que partimos não são arbitrários São pressupostos reais de que não se pode fazer abstração a não ser na imaginação São os indivíduos reais sua ação e suas condições materiais de vida tanto aquelas por eles já encontradas como as produzidas por sua própria ação O primeiro pres suposto de toda história humana é naturalmente a existência de indivíduos vivos Toda historiografia deve partir destes fundamentos naturais e de sua modificação no curso da história pela ação dos homens os homens devem estar em condições de viver para poder fazer história Mas para viver é preciso antes de tudo comer beber ter habitação vestirse e algumas coisas mais Marcada pela crítica ao idealismo e ao materialismo vulgar é em A Ideologia que se percebe a crença marxiana de que a compreensão do mundo deve partir dos homens do mundo e da vida real Esses referenciais pautam também a Miséria da filosofia 1847 obra na qual Marx contesta pontualmente os pressupostos de a Filosofia da miséria 1846 de PierreJoseph Proudhon 18091865 Para Marx Proudhon eterniza ao modelo dos economistas relações da produção burguesa divisão do trabalho crédito moeda etc como categorias fixas imutáveis a despeito de todo movimento histórico das relações de produção de que as categorias apenas são a expressão teórica MARX 1978 Para Marx nas eternidades imutáveis e imóveis não há história É no combate às categorias eternas e ao aporte que dele decorre que traz ao pensamento marxiano a idéia de história como processo Nas críticas a Proudhon Marx estabelce pressupostos de seu método e de sua concepção de história colocando o proletariado como classe atuante e transformadora na realidade social ao definir a historicidade das categorias econômicas como princípio basilar de sua crítica A complementaridade da trajetória desse pensamento pode ser observada no Manifesto do partido comunista 1848 obra escrita conjuntamente com Engels De linguagem simples voltada para a divulgação o Manifesto representa a maturidade das reflexões de seus autores a respeito da revolução social que propugnam estabelecendo seus pressupostos e critérios A base da concepção de história em Marx no Manifesto centrase no princípio da contradição A história de toda sociedade até hoje é a história de luta de classes Toda sociedade até aqui existente repousou como vimos no antagonismo entre classes de opressores e classes de oprimidos MARX 1996 Para Marx foram os antagonismos de classe e a exploração de uma parte da sociedade por outra em diferentes épocas fatores determinantes do movimento histórico Em sua atualidade era o proletariado cuja luta contra a burguesia começara com sua própria existência que consistia na classe verdadeiramente revolucionária Chamado à ação o Manifesto pode ser entendido como uma síntese do método marxista e de sua interpretação da história Essas breves incursões na obra de Marx já nos permitem à sistematização de algumas considerações em relação à sua concepção de história uma primeira ligase a seu fundamento materialista O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social política e intelectual em geral Não é a consciência dos homens que determina o seu ser é o seu ser social que inversamente determina a sua consciência MARX 1973 Essa determinação material se dá pela produção e pelas forças produtivas impelindo um caráter evolutivo e contraditório à história A produção resultado das atividades do homem ao longo forças produtivas estabelecendo uma espécie de regularidade do processo histórico cuja idéia teleológica de desenvolvimento contraditório conflitivo e de constante superação seriam em larga medida tributárias da influência hegeliana O conceito de produção é imprescindível para se compreender a noção de história em Marx A produção é social e culturalmente determinada ao longo do processo histórico estando na base da concepção materialista de história Para Engels 1980 foi Marx o primeiro a tentar pôr em relevo na história um processo de desenvolvimento uma conexão interna conexão essa à qual se liga o trato histórico da matéria O desenvolvimento da história postulado por Marx tem na revolução a força motriz da história 1999 e nas bases reais materiais seu principal fundamento conduzindo ao imperativo de que a história deve ser escrita em consonância com critérios situados dentro dela e não fora Podese afirmar que Marx cria uma teoria social que se volta a diferentes grupamentos humanos A concepção etapista de história como sucessão dos modos de produção que atendem a uma lei inexorável na história consiste numa leitura reducionista do pensamento de Marx Essa leitura pode ser imputada ao marxismo vulgar que insiste em ver em Marx somente a práxis economicista do método O pensamento marxiano fundamentalmente ligado à crítica à divisão social do trabalho à propriedade privada e à crítica à desigualdade social consistiu e consiste numa das mais importantes contribuições intelectuais à história da humanidade A dialética materialista esteve e está na base epistemológica de escolas e correntes de pensamento objeto das mais variadas críticas e suscetível às mais diferentes adequações a obra de Marx deve constituirse em leitura obrigatória para todos aqueles interessados numa compreensão mais elaborada dos universos sociais A CONCEPÇÃO DE HISTÓRIA EM MARX Crítica ao idealismo hegeliano A história como obra das ações humanas e o processo histórico é sua objetivação Concepção dialética da história V A ESCOLA DOS ANNALES Da produção intelectual no campo da historiografia no século XX uma importante parcela do que existe de mais inovador notável e significativo originase da França Com esta frase Peter Burke inicia e conclui seu estudo a respeito da Escola dos Annales 1991 Ela não é desprovida de sentido principalmente ao se considerar que os desdobramentos historiográficos que se conhece hoje são em larga medida tributários dos Annales Objeto de confusões e simplificações no meio historiográfico que vão da imprecisão conceitual ao desconhecimento homogeneizador a Escola dos Annales é conhecida por seu caráter paradigmático na história do pensamento histórico É em Estrasburgo que se origina a união entre seus fundadores o especialista no século XVI Lucien Febvre 18781956 e o medievalista Marc Bloch 18861944 Anexada ao Império Germânico com derrota francesa na Guerra francoprussiana Estrasburgo se torna novamente posse francesa com o fim da Primeira Guerra Mundial Com a perda do território em 1870 sua renexação em 1919 é também um marco na historiografia francesa Recémanexada o governo francês faz de sua universidade uma vitrine da pesquisa empreendida que passa a contar com um número significativo de importantes intelectuais que formam um pólo científico visando fazer frente aos ocupantes anteriores Essa referência é de se notar visto a importância que assumirá nas configurações dos Annales Ao lado de grandes ícones como os sociólogos Maurice Halbwachs 18771945 e Gabriel Le Brás 18911970 o psicólogo Charles Blondel os historiadores Georges Lefebvre 18741959 e André Piganiol 18831968 e de outros nomes ligados a diferentes áreas Febvre e Bloch passam a lecionar na Faculdade de Estrasburgo 1920 respectivamente como professor e maitre de conférences Data daí a aproximação daqueles que seriam em 1929 os fundadores da revista Annales dHistoire Économique et Sociale Se os metódicos se insurgiram contra os românticos e pretenderam uma ruptura em relação a eles podese dizer que os historiadores dos Annales também tiveram um alvo para suas críticas e construíram em torno dele o que julgavam ser um novo paradigma Como a Revue Historique pretendera pôr o ponto final na tradição historiográfica que lhe precedera os Annales de igual modo a isso também pretenderam No prefácio do primeiro número da revista à enorme semelhança daquele do primeiro da Revue Historique e de algumas passagens do texto de Monod podese perceber seu caráter ruptural e anunciador nas palavras de Febvre e Bloch 1929 Ainda um periódico Para alguns nossa revista na produção francesa européia ou mundial não é a primeira Cremos que ao lado desses gloriosos ancestrais ela terá seu lugar ao sol Ela se inspira em seus exemplos mas aporta um espírito que lhe é próprio A grande referência ao redor da qual se constrói o novo paradigma está na crítica advinda das Ciências Sociais principalmente aquela dos problemas apontados por François Simiand Tendo em vista os metódicos Simiand criticava 1903 principalmente aquilo a que chamava de ídolos da tribo dos historiadores que para ele eram três O ídolo político o estudo dominante a preocupação perpétua da história política dos fatos políticos das guerras etc o ídolo individual o hábito inveterado de conceber a história como uma história dos indivíduos e o ídolo cronológico o hábito de se perder nos estudos das origens Antigo aluno da École Normale Supérieur Simiand é discípulo de Durkheim 18581917 filiação que torna sintomática a crítica que faz aos historiadores conhecida como uma das mais contundentes à história dita historicizante Simiand se forma intelectualmente no mesmo período de hegemonia da história política tradicional na linha de Monod e Fagniez e de Langlois e Seignobos fazendo da obra desses seu alvo principal Propugna uma análise histórica menos descritiva é mais relacional mais social que encontraria a causalidade nas esferas coletivas e não individuais da sociedade rompendo com a história événementiele Em sua lógica a história se converteria em ciência se descobrisse as regularidades do passado as leis que o moviam É esse o contexto de profundas mudanças nas Ciências Humanas na sociologia de Durkheim por exemplo operações classificatórias ocupam um lugar significativo na composição da idéia de tipo social rompendo com procedimentos que tomavam os fatos como resultados essencialmente das ações individuais de grandes homens O conhecimento adviria pela confirmação obtida da análise de um grande número de fatos no tempo metodologia que colocava a sociologia como tendo um arco cronológico maior histórico A história para Simiand e Durkheim é parte integrante das Ciências Sociais e sob os influxos desta se reelabora Simiand será o autor mais utilizado pelos historiadores dos Annales na crítica aos seus colegas da velha geração De Estrasburgo a revista migra para Paris com a nomeação de Febvre para o College de France 1933 e de Bloch para a Sorbonne 1936 Para Burke levandose em consideração a importância de Paris para a vida intelectual francesa essas transferências são sinais evidentes do sucesso dos Annales Em um plano global o grupo se distinguia dos historiadores anteriores por algumas características centrais percepção do social em detrimento do individual inserção em novos e diferentes campos além do político o econômico o social e o cultural pressuposto de uma história problema em substituição à tradicional história narrativa dos acontecimentos Comumente os historiadores dos Annales foram classificados em três gerações A primeira ligase aos fundadores da revista Febvre e Bloch a segunda principalmente a Fernand Brudel e a terceira já a um conjunto de historiadores 1ª GERAÇÃO 19291945 Febvre e Bloch têm uma trajetória comum foram alunos da prestigiosa École Normale Supérieure e vivenciaram tanto a influência de Durkheim quanto a interdisciplinaridade propiciada pelos anos de Estrasburgo que aportaram a seus trabalhos e orientações importantes contribuições de diferentes áreas numa prática epistemológica que objetivava romper com a história política e dos eventos dos reis das guerras etc aquela à que Burke chamou 1991 de Antigo Régime da historiografia Para Febvre o problema é o começo e o fim de toda história Se não há problemas não há história 1989 Com isso propugnava uma história que formulasse hipóteses que fosse cientificamente conduzida 1989 não automática mas problemática 1989 p 49 que além de não se fazer somente com textos deveria cotejar as ciências vizinhas A mudança aí é não só na concepção de documento mas também da constituição de corpus documental cujo objetivo final é alcançar o homem História ciência do Homem ciência do passado humano E não ciência das coisas ou dos conceitos como observava Febvre 1989 Tal qual ilustrava Bloch 2001 o bom historiador se parece com o agro da lenda Onde fareja carne humana sabe que ali está a sua caça Para Febvre os fatos mas são fatos humanos tarefa do historiador encontrar os homens que os viveram e deles os que mais tarde aí se instalaram com as suas idéias para os interpretar os textos sim mas são textos humanos E as próprias palavras que os formam estão cheias de substância humana mas todos os textos E não só os documentos de arquivos em cujo favor se cria um privilégio o privilégio de daí tirar um nome um lugar uma data uma data um nome um lugar Esse exemplo ilustra bem o equívoco na crença lugarcomum de que a história dos Annales rompe com os textos e com os fatos Os homens são os objetos da história Tomados em sentido mais amplo não apenas os textos mas todos os documentos e sobretudo os que o feliz esforço de disciplinas novas proporciona 1989 Já a importância da interdisciplinaridade comumente reivindicada nas trilhas de Febvre e Bloch talvez mereça uma problematização maior Na sua Introdução aos estudos históricos Langlois e Seignobos 1944 já dedicavam um longo capítulo à importância daquelas às quais chamavam ciências auxiliares fazendo referência à impossibilidade de o historiador exercer seu ofício sem um certo lastro de noções técnicas a que nem disposições naturais nem o método conseguiriam suprir Ainda que não se credite à Escola dos Annales a paternidade do recurso interdisciplinar que antecede os metódicos é com seus representantes que ele se institucionaliza e se consolida no campo da história A maneira do lastro dito por Langlois e Seignobos Bloch 2001 insistia na imprescindibilidade de um verniz que só adviria das ciências auxiliares Para Febvre a especialização era o grande flagelo das ciências Para ambos isolada a história não possibilitaria mais que um conhecimento parcial de seus objetos Muitos foram os influxos legados à disciplina por Febvre e Bloch e pelos demais historiadores dessa geração um dos maiores talvez seja o rompimento da sinonímia estabelecida entre história e passado A história é o estudo do passado mas não o passado em si presente e passado são construções dos historiadores O presente é o lugar temporal à partir do qual a prática histórica é realizada é o lugar das problematizações que orientam essa prática O passado é por definição um dado que nada mais modificará Mas o conhecimento do passado como observava Bloch 2001 é uma coisa em progresso que incessantemente se transforma e aperfeiçoa A essa compreensão é que se associa uma idéia muito presente na Escola dos Annales em todas as suas gerações a de criação dos objetos É contra a idéia de que os fatos deveriam somente ser registrados que também se insurgem fundamentando a idéia de que os fatos são criados não bastando somente um método e a sua aplicação para que o fazer histórico se completasse era necessário se aperceber da dimensão humana que orbitava tanto o documento quanto sua interpretação sendo a escolha o elemento constituinte da criação dos objetos É o historiador quem chama os fatos à vida lembrava Lucien Febvre 1989 logo elaborar um fato é construílo A propósito do livro Introdução à história 1946 de Louis Halphen Febvre 1989 dá um exemplo que se considerado para além do documento escrito pode ilustrar sua crítica aos objetos prontos já dados ao historiador e também sua noção de história historicizante aquela à qual combatia Vou lhe dizer você recolhe os fatos Para isso vai aos Arquivos Esses celeiros de fatos Lá só tem de se baixar para os recolher Cestadas cheias Sacodelhes o pó Pousaos na sua mesa Faz o que fazem as crianças quando se divertem com cubos e trabalham para reconstruir a bela imagem que alguém decompôs para elas A partida está jogada A história está feita História que basta a si mesma e que pretende bastar ao conhecimento histórico como dizia o filósofo Henri Berr 18631954 Citando o debate entre Berr e Louis Halphen 18801950 Febvre 1989 diz O que é de fato um historiador historicizante Henri Berr respondia um homem que trabalhando sobre fatos particulares por ele mesmo escolhidos se propõe ligar esses fatos entre si coordenálos e depois analisar as mudanças políticas sociais e morais que os textos nos revelam num dado momento Eis de fato a grande vidraça dos Annales É importante considerar o componencial discursivo dessa crítica Com sua identidade construída na contestação da geração anterior Febvre e Bloch apresentamse nas palavras de François Dosse como anões confrontandose com um gigante 1992 maior é a conquista quanto maior for o adversário Importa considerar o ambiente intelectual referente as disputas pelo poder nas universidades e a perturbação das certezas decorrentes do pósPrimeira Guerra Sociologia e história disputam o controle de um mesmo campo do saber Nesse contexto a rejeição ao historicismo ao político e a importância do presente marcam o discurso histórico A inclusão do econômico e do social na agenda dessa primeira geração é então o grande mote temático de uma história que objetiva romper com as narrativas tradicionais Levada a termo pela primeira geração essa nova história nova em seus resultados talvez possa ser vista como já anunciada desejada ou mesmo feita desde Voltaire 16941778 e Michelet 17981874 2ª GERAÇÃO 19451968 A segunda geração tem como grande representante Fernand Braudel 19021985 Aquele a quem François Dosse 1992 um dos mais duros críticos dos Annales denominaria de homem intermediário Por estar entre a herança de Febvre e de Bloch absorvendo eou reelaborando suas distintas orientações e entre a primeira e a terceira gerações Podese dizer metaforicamente que há uma escolha pela parte de Braudel do que herdar da primeira geração De Febvre e Bloch segue a orientação interdisciplinar advinda principalmente das influências do primeiro a importância atribuída à geografia e do segundo o enfoque nos aspectos econômicos da sociedade As ideias de mentalidade psicologia social e memória coletiva tornarseiam aspectos mais valorizados pelos sucessores de Braudel sucedendo uma geração para a qual a história econômica tinha sido uma das grandes referências A trajetória acadêmica de Braudel é sintomática para a compreensão da natureza de seus contributos Entre 1923 e 1932 seguindo o percurso comumente realizado por muitos recémformados é professor de colégio na Argélia ainda colônia francesa A essa experiência sucede entre 1935 e 1937 a vinda ao Brasil onde leciona a convite na recémcriada Universidade de São Paulo A ele antecedem o antropólogo Claude LéviStrauss 19081995 o filósofo Jean Mauguié 19041985 e o geógrafo Pierre Monbeig 19081987 Foi no Brasil que me tornei inteligente viria a afirmar Braudel Daix 1999 A experiência no estrangeiro e a pobreza contribuíram para a composição de sua tese auxiliandoo na constituição de seu universo temático e teórico No Brasil indo para o interior achávamos feiras como as que existiam há 150 anos rebanhos selvagens chegando pastores vestidos de couro Músicos cegos um povo que canta e dança O Brasil é a mesma civilização mas não na mesma idade Foi efetivamente o Brasil que me permitiu chegar a uma certa concepção da história que eu não teria alcançado se tivesse permanecido em torno do Mediterrâneo Daix 1999 É já tocado por essas mudanças que Braudel encontra Lucien Febvre em 1937 vindo de um ciclo de conferências na Argentina quando embarcou em Santos rumo à Europa Desse encontro advém a origem de sua maior influência intelectual da qual resultariam a mudança de sujeito de sua tese e sua orientação Filipe II 15271598 e o Mediterrâneo belo tema mas por que não o Mediterrâneo e Filipe II Vêse passar assim de uma história diplomática e personalista a uma história mais ambiciosa na qual o indivíduo ocupa um lugar diminuto em face de um sujeito maior o mar A história de O Mediterrâneo é a história de uma das maiores elaborações teóricometodológicas da segunda geração Tanto a carreira acadêmica quanto a elaboração da tese são interrompidas com os desdobramentos da Segunda Guerra 19391945 Designado oficial francês em junho de 1940 Braudel é preso na sequência e se torna prisioneiro em Mogúncia de onde segue com a elaboração de sua tese e mantém correspondência com Febvre De Mogúncia é transferido para o campo de punição de Lübeck onde permanece até o fim da Guerra dando continuidade à elaboração da tese que defenderá em 1947 Após um longo processo de elaboração O Mediterrâneo consagra Braudel como o historiador da síntese espaçotemporal que objetiva a compreensão da totalidade dos fenômenos humanos mediante a análise social realizada principalmente pela união da Geografia e da História É a Geografia que estará na base do pensamento braudeliano acerca de um dos tripés da estruturação temporal a longa duração minorando o papel dos agentes sociais para dar lugar a um sujeito espacial levando ao limite a importância atribuída por Febvre a essa disciplina O Mediterrâneo dividese em três partes cada uma das quais segundo o autor 1995 pretende ser uma explicação do conjunto sendo elas A primeira a que trata de uma história quase imóvel que é a do homem nas suas relações com o meio que o rodeia uma história lenta Acima desta pode distinguirse uma outra caracterizada por um ritmo lento a história dos grupos e agrupamentos E a terceira da história tradicional necessária se pretendemos uma história não à dimensão do homem mas do indivíduo isto é a da agitação de superfície as vagas levantadas pelo poderoso movimento das marés Nessa divisão tripartite da obra corresponde a cada parte um modo de explicação do passado centrado em uma ordem temporal que pode ser ilustrada em esferas de universos estruturais conjunturais e factuais ou em termos do tempo histórico em um tempo geográfico um tempo social e um tempo individual Na Geografia residiria a explicação de uma história quase imóvel que é repetição lentidão e permanência e que encontraria no mar e nas montanhas do Mediterrâneo situações plenas de consequências que de um ponto de vista histórico importa realçar Para além desses imperativos e determinações Braudel situaria o tempo da história social uma história em que tudo parte do homem dos homens é a história dos grupos dos destinos coletivos e dos movimentos conjuntos já não mais uma história imóvel mas uma história mutante das estruturas econômicas políticas e sociais Essa dinâmica se completa na história dos acontecimentos das políticas e dos homens marcadas pelos conflitos do tempo presente Contudo essa narrativa não se assemelha de modo algum àquelas inspiradas em Langlois e Seignobos Braudel trata da política e da guerra mas desloca o papel comumente atribuído aos indivíduos em prol de explicações que minoram a sua participação Da crítica à impossibilidade de uma história total que não conseguiria contemplar a totalidade do humano ao determinismo aprisionador do homem pela insistência de um mundo insensível ao seu controle O Mediterrâneo é objeto dos mais distintos julgamentos mas sua originalidade principalmente no que concerne à transformação das noções de tempo e de espaço na história é comumente reconhecida pelos seus críticos A obra de Braudel seguramente transcende O Mediterrâneo e a própria segunda geração dos Annales transcende a importância de Braudel mas a tese e seu autor são juntos o que há de mais representativo desse segundo momento da Escola A ESCOLA DOS ANNALES Crítica à história metódica e positivista Importância interdisciplinar Construção do objeto VI A HISTÓRIA NOVA E OUTRAS HISTORIOGRAFIAS Ainda que também tenha sido utilizada para se referir à história da Escola dos Annales em sua totalidade a expressão História Nova designa a história pretendida pelos historiadores da terceira geração do grupo Essa ambigüidade marca uma delimitação em relação à história historicizante e uma reavaliação dos pressupostos teóricometodológicos das gerações anteriores Em ambos aspectos dois trabalhos são significativos a respeito A coleção Faire de lhistoire 1974 cuja novidade está ligada a três processos novos problemas colocam em causa a própria história novas abordagens modificam enriquecem subvertem os setores tradicionais da história novos objetos enfim aparecem no campo epistemológico da história LE GOFF NORA 1995 e o dicionário A história nova 1978 organi 34 zado por Nora que permitiria conhecer o que foi e o que ainda é quanto a suas idéias principais seus objetivos seu território intelectual e científico suas realizações a história que foi chamada nova LE GOFF 1990 Promoção de um novo tipo de história sem dúvida mas como definir a Nova história Um movimento que segundo Peter Burke 1992 1016 está unido apenas naquilo a que se opõe É ainda Burke a auxiliar nessa compreensão contrastando a antiga e a nova história em termos de opostos binários dizendo em face da dificuldade de estabelecer o que ela é o que ela não é É na interface entre avaliação e reelaboração que se situam os historiadores dessa geração que ao contrário das outras tiveram Febvre e Bloch e Braudel a capitanéalas é despersonalizada caracterizandose por uma maior fragmentação intelectual que pode ser entendida como derivada de um contexto de crise da disciplina e das Ciências Humanas em geral Le Goff 1990 já apontava para essa dupla constatação no prefácio à nova edição de A história nova Problemas que decorriram das questões postas da passagem de uma época de pioneiros a uma época de produtores além da repercussão sobre a nova história da incontestável crise das ciências sociais Em outros termos a extensão e os desdobramentos que trouxeram como corolário o aprofundamento da diversidade da nova história econômica e social a longa duração a história das minorias das estruturas das mentalidades do imaginário a Antropologia histórica etc e a crise entendida como a morte das ideologias 35 toriadores da terceira geração A dificuldade em compreendêla talvez se ligue à pouca problematização de que foi objeto Philippe Aries 1990 reproduz de memória uma história contada por Febvre para ilustrar o conceito De madrugada o rei Francisco I saiu da cama da sua amante para voltar incógnito a seu castelo Passou em frente de uma igreja bem no momento em que os sinos chamavam para o ofício Emocionado ele parou para assistir à missa e orar devotamente A essa passagem Aries diz que o homem atual surpreso com a junção de um amor culpado e uma piedade sincera pode escolher entre duas interpretações 1 o sino desperta no rei o arrependimento pelo pecado e ele reza para pedir perdão a Deus ele não poder ser sem hipocrisia o pecador da noite e o devoto da madrugada com o que ele age como o homem de hoje Está convencido de que a coerência moral é natural e necessária Essa normalidade é um valor invariável em certo nível de profundidade e de generalidade a natureza humana não muda Tal interpretação seria a de um historiador clássico tentado a reconhecer em todas as épocas e em todas as culturas a permanência dos mesmos sentimentos 2 aquela do historiador das mentalidades O rei era tão espontânea e ingenuamente sincero em suas devoções quanto em seus amores e ainda não sentia sua contradição Ele entrava na igreja como entrava na cama da sua amante com o mesmo ardor A autenticidade da sua prece não era alterada pelos relentos da alcova Essa ilustração exemplifica bem o risco que o historiador deve evitar de não incorrer naquilo a que Georges Duby chamava de anacronismo psicológico 1973 o pior de todos e o mais insidioso estabelecer práticas e condutas atuais como se sempre tivessem existido desconsiderando tratarse de mentalidades diferentes Duby exemplifica isso com o exemplo de um estudo de Christian Pfister 1885 sobre Roberto o Piedoso que segundo o analista tomado de amor esposa uma comadre e parente tudo fazendo para casarse com ela despezando todas as regras religiosas e cometendo incesto contudo a ideia de amor e de incesto aí expressas são do século XIX e não do rei do ano mil de um contexto de uniões organizadas pelos pais sem consentimentos etc É importante considerar que a ideia de mentalidade transcende os cortes sociais colocando em níveis similares diferentes segmentos aí constituindo uma de suas maiores críticas A mentalidade de uma época seria algo comum ao conjunto da sociedade que nela viveu independemente das inúmeras variações que possam existir entre seus indivíduos e grupos O apego dos historiadores do mental à longa duração e ao estruturalismo consistia no fato de propiciarem uma melhor compreensão da lenta mudança das estruturas mentais das sociedades dos comportamentos coletivos das atitudes diante do amor da morte das crenças Já trabalhos como O problema da descrença no século XVI de Febvre ou Os reis taumaturgo de Marc Bloch ilustravam o interesse desses historiadores pela compreensão das atitudes mentais e a importância que lhe atribuíam fato que persistiria mesmo na segunda geração com a ênfase na história econômica pelo viés demográfico e sua preocupação em compreender os mo vimentos das populações e suas relações com os alimentos a fome as epidemias etc proporcionando à história das mentalidades uma base documentária estatística em que séries numéricas na longa duração revelavam modelos de comportamento de outro modo inacessíveis e clandestinos ARIES 1990 Esse viés viria a ser desenvolvido por historiadores como Duby Robert Mandrou e outros Os novos campos da história hoje podem ser entendidos como tributários de temas e problemas das mentalidades a história das mulheres a história da vida privada do cotidiano do imaginário e num contexto maior a própria história cultural Um outro fator que talvez devesse ser explorado é o das chamadas voltas do acontecimento da narrativa da biografia da história política Mas essas voltas são equívocos Se cada uma delas pode ser aceita pela nova história e se os partidários da nova história não raro deram o exemplo é porque cada um desses gêneros históricos volta com uma problemática profundamente renovada LE GOFF 1990 Um breve retorno ao Febvre de Combates pela história torna simples essa compreensão Ao futuro dessa nova história Le Goff aventa algumas possibilidades absorção das ciências humanas transformandose numa panhistória fusão entre história antropologia e sociologia tornandose história sociológica ou antropologia histórica ou sem fronteiras e sem interdisciplinaridade a história operaria um novo corte epistemológico com uma nova dialética do tempo curto e do tempo longo De nossa parte enfim creemos não ser cedo para se propor uma compreensão a esse respeito e é essa também a diretiva deste livro sua preocupação com a maneira como podemos conhecer o mundo Estudiosos de língua alemã foram pioneiros nessas searas como em outras ao perscrutarem as idéias e representações com as quais procuramos entender o que se passa à nossa volta Não pode haver conhecimento sem um sujeito de conhecimento Em seguida tendo reconhecido que o estudioso tem sempre um ponto de vista que há um sujeito de conhecimento que impede que se chegue ao que realmente aconteceu sem referência ao sujeito surge uma outra limitação essa coletiva a linguagem O aforismo de Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher 17681834 à Academia de Ciências da Prússia em 1829 é revelador A linguagem é o único pressuposto na Hermenêutica pois não há pensamento sem palavras Desde o início da História moderna no século XIX e no centro mesmo prussiano em que surgia o positivismo fundavamse teorias em tudo contrárias à neutralidade pretendida pelos positivistas O próprio conceito de Hermenêutica ligase à tradição filosófica ocidental em primeiro lugar de Aristóteles em seu Peri hermeneias traduzido como Sobre a interpretação A palavra grega retomada pelos alemães deriva do deus da comunicação e dos movimentos Hermes representado na Grécia antiga muitas vezes sem membros pois a palavra prevalece sobre tudo mesmo sem braços e pernas O historiador alemão Reinhardt Koselleck 19232006 representa bem a sofisticação da hermenêutica com sua História dos conceitos voltada para mostrar que os conceitos têm historicidade não são naturais Nação palavra antiga por exemplo só passou a designar um esta do um país no sentido atual da palavra no século XVIII Como dizia o filósofo grego Epíteto 55135 dC não são os fatos a comoverem os homens mas as palavras Toda História é História contemporânea O filósofo italiano Benedetto Croce 18661952 foi um dos responsáveis pela difusão da noção de que o passado só existe hoje na mente do observador e do historiador em particular O que passou passou e não volta mais Apenas resta a possibilidade de pensarmos o passado usando os parâmetros as palavras e os valores de nossa época Essas considerações em última instância ancoradas na Filosofia alemã difundiramse entre os historiadores em tantos países graças a autores como Roger Collinwood e Walter Benjamin por motivos e meios muito diversos O britânico Roger Collinwood 18891943 foi arqueólogo historiador e filósofo combinação que contribui para explicar sua popularidade pois não era apenas um teórico mas foi também um grande pesquisador de campo e autor de obras históricas ainda de referência Em seu clássico A idéia de história publicado em 1944 demonstra a impossibilidade da descrição objetiva do passado Já que o passado em si não é nada o conhecimento do passado em si não é nem pode ser o objetivo do historiador Sua meta comp de qualquer ser pensante é o conhecimento do presente para isto tudo deve retornar em torno disso tudo deve revolver Mas como historiador ele está preocupado com um aspecto específico do presente como chegou a ser o que é Neste sentido o passado é um aspecto ou função do presente Em vertente diversa oriunda do marxismo o alemão Walter Benjamin 18921940 representa outra grande inspiração que ultrapassaria em muito sua época Benjamin combate o mesmo positivismo atacado por Collinwood reconhece que toda interpretação se passa no presente mas tira daí uma conclusão em relação ao futuro a História serve para mudar o mundo Articular o passado historicamente não significa conhecêlo tal como ele propriamente foi A História é objeto de uma construção cujo lugar não é formado pelo tempo homogêneo e vazio mas por aquele saturado pelo tempo de agora O historicismo não tem armação teórica mas seu procedimento é aditivo ele mobiliza a massa de fatos para preencher o tempo homogêneo e vazio Teses sobre a filosofia da história O tempo do positivismo é homogêneo vazio o tempo do relógio enquanto o tempo do historiador é carregado de presente e prenhe de futuro é o do calendário das lembranças no presente do passado A data de um assassinato como o de Júlio César 15 de março de 44 aC como fato histórico que propriamente aconteceu nada significa Já o calendário das festas que se referem àquilo que não precisa sequer ter acontecido como o Êxodo dos judeus do Egito ou a morte de Jesus na cruz é sempre presente voltado para o futuro A História de conhecimento objetivo do passado transformase em prática no presente e até voltada para o futuro VII O PÓSMODERNISMO Muito se tem escrito nas últimas décadas sobre o pósmodernismo Mesmo conceitualmente tanto os termos moderno e pósmoderno e seus desdobramentos assim como as implicações de seus usos foram objetos das mais diversas análises Anderson 1999 Harvey 1992 Jameson 1997 não conduzindo essas ao estabelecimento de formulações definitivas a respeito do que venham a ser David Harley observa que quanto ao sentido do termo talvez só haja concordância em afirmar que o pósmodernismo representa alguma espécie de reação ao modernismo ou de afastamento dele A imensa gama de definições e interpretações a esse respeito levanos a tratar do tema aqui de maneira breve e introdutória pelo que nossa proposição orbita somente algumas reflexões em torno do surgimento de uma dada condição pósmoderna em meio ao ambiente historiográfico 39 Para Perry Anderson 1999 a idéia de pósmodernismo surge pela primeira vez no mundo hispânico na década de 1930 uma geração antes do seu aparecimento na Inglaterra ou nos Estados Unidos com a pretensão de descrever um refluxo conservador dentro do próprio modernismo tendo conhecido diferentes conotações nas décadas consecutivas no campo da literatura das artes e das ciências vide autores anteriormente citados É a partir da Filosofia com a publicação do livro A condição pósmoderna de JeanFrançois Lyotard 19241998 em Paris em 1979 que a expressão pósmoderno ganha força no âmbito das Ciências Humanas Para Lyotard 1989 pósmoderna é a condição do saber nas sociedades mais desenvolvidas designando a expressão o estado da cultura após as transformações que afetaram as regras dos jogos da ciência da literatura e das artes a partir do fim do século XIX Baseado em A Touraine defende a hipótese de que o saber muda de estatuto ao mesmo tempo que as sociedades entram na era dita pósindustrial e as cultural na era dita pósmoderna Essas mudanças trazem em seu bojo novos paradigmas de compreensão dos homens das culturas e do mundo e se configuram de maneira similar nos diversos espaços do conhecimento A natureza do saber não sai intacta nessa transformação geral Nessa lógica dois aspectos podem ser entendidos como definidores da chamada condição pósmoderna ambos críticos da racionalidade iluminista 1 A incredulidade em relação às metanarrativas 2 A morte dos centros Ao primeiro aspecto se liga o descrédito dos grandes discursos e metanarrativas explicadores das experiências humanas e do mundo ao segundo a desconfiança em face e todos essencialismos definidores e dos sujeitos universais que os acompanham A compreensão desses dois pressupostos comumente postulados pelas várias vertentes pósmodernas ligase ao estabelecimento de alguns preceitos entendidos como modernos cuja crise é percebida epistemologicamente a partir do fracasso de um dito projeto social iluminista Caracterizado pela crença no racionalismo e otimismo em relação à ciência e à técnica advinda do Renascimento do XVI e do Racionalismo do XVII o ideário iluminista fundará a base das diferentes ciências nos séculos seguintes Em meio a processos de secularização de algumas sociedades européias em especial a francesa a razão iluminista irá eleger como alvos de uma crítica contundente o Estado Absolutista e o Cristianismo Da religião à razão da transcendência à imanência essa passagem é associada às idéias de civilização e progresso que instaurarão binômios como natural e não natural ciência e espírito conteúdo e forma normal e patológico que se cristalizarão nas sociedades ocidentais e embasarão o solo epistemológico das mais diversas disciplinas A concepção desenvolvimentista e evolucionista forjada em meio a esse ideário irá nortear as nascentes filosofias da história do século XVII concebidas a partir de idéias que preconizavam o devir da matéria a evoluçao das espécies e o progresso incessante dos seres humanos Imbuídas de um marcado pensamento teleológico essas filosofias irão apregoar a orientação da evolução humana para um fim com vistas para o desenvolvimen to de estados sucessórios e ascendentes e a concretização de etapas definitivas e apoteóticas ao findar desse mesmo desenvolvimento Preocupados em demonstrar a evolução da humanidade por meio de grandes metanarrativas explicadoras das experiências humanas pensadores como Comte e Marx irão teorizar em uma perspectiva criticada pela linearidade etapas sociais do desenvolvimento humano seja pelos estados teóricos e a física social de um ou pelos modos de produção do outro Esses grandes modelos explicativos ao lado de muitas outras interpretações de fundo holístico da sociedade passam a ser vistos com suspeição no âmbito das teorias sociais essa desconfiança fundamenta o que se designou de crise dos paradigmas modernos O século XX com todos os seus avanços científicos explicitará o fracasso do ideário iluminista mostrando a utilização nefasta da ciência que a título de salvamento da humanidade muitas vezes põe e ainda põe em risco essa mesma humanidade O ideal salvador trouxe em seu rastro as grandes guerras mundiais a ameaça atômica as autocracias os colonialisimos os imperialismos os conflitos étnicos religiosos econômicos e sexuais das sociedades não resolvidos problemas ecológicos potencializados desemprego violência acirramento de desigualdades miséria entre outros As benesses do progresso quando democratizadas salvaram a muitos quando não o que comumente aconteceu a eleitos consolidando uma crudelíssima política elitista excludente reforçadora dos cortes sociais Representando a não concretização de um projeto moderno iluminista que retiraria a humanidade da barbárie e a inseriria em sociedades civis perfeitas completas o mundo contemporâneo é o locus das incertezas e indefinições reflexo da não linearidade anteriormente prevista e da pressão cumulativa de eventos históricos Ao lado dessa descrença nos grandes discursos que fundamentaram e legitimaram uma história universal figura a falência de categorias ligadas a modelos modernos de sociedade calcados em acepções essenciais ontológicas como família homem mulher classe entre outros Modelos oriundos das necessidades de classificação e naturalização que marcaram as bases do conhecimento científico do século XIX europeu Corroendo as bases em que se configurou a modernidade as ciências hoje põem em questão o estatuto de verdade da epistemologia iluminista assim como também seus modelos racionalizadores As vertentes pósmodernas são em grande medida responsáveis pela irrupção das desessencializações no cenário científico atual com um interesse manifesto no caráter de pluralidade dos modos de pensar e agir no mundo das formas de pensamento e de vida o que marca um rompimento com o tradicional saber positivo Na esteira de filósofos como Friedrich Nietzsche 18441900 Michel Foucault 19261984 Jacques Derrida 19302004 principalmente o império da subjetividade assume lugares cada vez mais consolidados em meio às novas epistemologias Num ambiente intelectual de crise e agonia de modelos empiricistas e positivistas vivenciase uma crítica contundente à busca pelas origens ao desejo de verdade histórica e todos essencialismos A concepção de verdade iluminista como algo existente e por ser apreendido e seus corolários perde espaço para epistemologias menos pretensiosas que de uma perspectiva sociocultural percebe indivíduos e práticas como construções discursivas conferindo à linguagem e seus meandros importante papel na elaboração dos fatos tanto na esfera da produção de um texto por exemplo quanto na da recepçãointerpretação Questões relevantes colocadas pela sociolingüística e pelas diferentes tendências da analítica do discurso como quem fala De onde fala Para quem fala E como é recebida essa fala etc têm auxiliado numa problematização maior da idéia de verdade Essa concepção discursiva do conhecimento aqui exemplificada pela tradição textual mas aplicável aos diferentes suportes documentais para além do texto é substanciada pela compreensão de uma relação intrínseca entre língua linguagem e sociedade Para Helena Nagamine Brandão 1997 nessa relação o discurso é compreendido como o efeito de sentido construído no processo de interlocução opõese a uma concepção de língua como mera transmissão de informação O discurso não é fechado em si mesmo e nem é de domínio exclusivo do locutor aquilo que se diz significa em relação que não se diz ao lugar social do qual se diz para quem se diz em relação a outros discursos O lugar ocupado pela linguagem no cenário pósmoderno é dessa forma essencial na descentralização dos sujeitos Não mais o homem a mulher e a classe mas os homens as mulheres os indivíduos os grupos Paralelo à falência de velhos modelos normatizadores e essencialistas do humano se dá a constituição de uma história mais democrática includente revisionista mesmo dos moldes classificadores e domadores do século XIX instituídos por sujeitos históricos universais europeus burgueses colonialistas brancos machos e cristãos que mais não fizeram do que reificar suas próprias experiências Para o pensamento pósmoderno grosso modo a sociedade contemporânea é representativa do esgotamento da modernidade da desconfiança das verdades absolutas e das grandes generalizações dos discursos totalizantes tendo feito emergir às expensas do fim de valores concepções e modelos tradicionais outros e a partir deles a constituição de uma nova história que irá negar a simples relação entre passado e presente o continuísmo histórico as origens determinadas e as significações ideais Ao postularem a desnaturaliazação de sujeitos e identidades ontológicos essas novas bases têm contribuído para uma melhor compreensão da pluralidade das experiências principalmente ao reconhecerem a elaboração de sujeitos e identidades como produtos de forças culturais conflitantes que operam em meio a jogos de relações de poder marcados pelo conflito Daí as identidades serem percebidas pela epistemologia pósmoderna como plurais móveis diversas versáteis descentradas desunificadas contrárias como observou Stuart Hall 2002 a existência de um núcleo interior que emergia pela primeira vez com o nascimento do indivíduo e com ele se desenvolvia ainda que permanecendo essencialmente o mesmo contínuo ou idêntico a ele ao longo da existência do indivíduo Na trilha desses pressupostos teóricos novos grupos passam a ser incluídos no discurso histórico novas problemáticas são colocadas por e em relação a esses grupos em conjunto com práticas que lhes conferem maior visibilidade e fazem coro a mudanças que se operam no meio historiográfico desde pelo menos os anos 70 do século passado Para Keith Jenkins 2001 não sendo ligado essencialmente à direita à esquerda ou ao centro o pósmodernismo não assume uma característica uniforme E nem é uma prerrogativa da história O legado de suas mudanças para o meio intelectual é inegável visto colocarem para debate ao menos os dois focos aqui tratados Na esteira de muitos valores propugnados pelos pósmodernos segue uma ampla reavaliação de discursos sejam eles da filosofia da lingüística política arte literatura ou história conferindo às ciências humanas uma nova configuração epistemológica configuração essa na qual a História não tem deixado de se inserir O PÓSMODERNISMO Rompimento com as metanarrativas Crítica aos sujeitos universais descentralização do sujeito Reconhecimento da importância da linguagem CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao final desta caminhada pela historiografia esperamos ter semeado inquietações mais do que certezas Desde seus princípios o estudo do passado esteve sempre envolvido na compreensão do mundo presente a partir do que havia ocorrido anteriormente Em certo sentido tem sido sempre o futuro o motor do interesse pelo passado o que é apenas um aparente paradoxo Não era outra a preocupação de Heródoto nem deixa de ser em pleno século XXI As maneiras de explicar essa relação entre o futuro almejado o presente vivido e aquilo que veio antes variaram ao correr dos tempos A moderna ciência histórica procurou romper com uma longa tradição que colocava no centro do ofício do historiador a beleza da narrativa e as explicações subjetivas Vivemos ainda os influxos dessa revolução positivista As últimas décadas testemunharam o colapso dos modelos normativos que enfatizavam todos homogêneos como o estado nacional Multiplicaramse as identidades e a subjetividade passou ao centro tanto da ação política como no campo da epistemologia das ciências A Teoria da História foi particularmente afetada por tais mudanças Alan Munslow foi muito feliz ao resumir como a Teoria da História da nossa época considera o conhecimento do passado Até que ponto a História como uma disciplina é a descoberta e a representação do conteúdo do passado por meio de sua forma popular de narrativa do passado Minha resposta é a seguinte como veículo para a explicação histórica a adequação de sua estrutura narrativa deve ser julgada dentro de uma crítica mais ampla pósmoderna da natureza do significado e da linguagem A consequência mais ampla disto é que a História pode ser nem mais nem menos do que uma representação do passado Tal conceito rejeita de forma explícita a História escrita em primeiro lugar como uma disciplina empírica que visa de forma objetiva representar uma realidade presumível do passado histórico A questão central é a natureza da representação não o processo de pesquisa empírica em si O problema é alertar contra a crença de que podemos realmente saber a realidade do passado por meio de sua representação textual Há ainda uma forte tendência que a História em sua forma narrativa se torne mais real do que a realidade tal como na experiência da fronteira na América representada pela tese da fronteira de Frederick Jackson Turner Para os americanos esta História tornouse tão importante como uma metáfora para o individualismo e a democracia americanos que adquiriu uma dimensão essencial e em tudo mítica Na medida em que o texto histórico se torna mais real do que o próprio passado todas as noções tradicionais de verdade referencialidade e objetividade que de forma paradoxal estiveram na raiz do seu status como verdade histórica acabam por desaparecer O passado não é descoberto ou encontrado É criado e representado pelo historiador como um texto que por sua vez é consumido pelo leitor A História tradicional é dependente em seu poder de explicação como a estátua que preexiste no mármore ou o princípio do trompe loeil Mas esta não é a única História que podemos ter Ao explorarmos a maneira como representamos a relação entre nós e o passado nós podemos nos ver não como observadores distantes do passado mas como Turner participantes na sua criação O passado é complicado e difícil o bastante sem a autoilusão que quanto mais nos engajamos com a evidência mais perto estamos do passado A idéia de descobrir a verdade na evidência é um conceito modernista do século XIX e não há mais lugar para ela na escrita contemporânea sobre o passado Assim como a fronteira americana foi inventada proposta e descoberta a um só tempo por um historiador somos todos instados a nos lançarmos a esse processo de criação interpretativa Abandona a ilusão da descoberta da verdade única e inefável tudo está por ser interpretado Esta é a mensagem deste livro o convite ao leitor sujeito do conhecimento intérprete do mundo Estaremos satisfeitos se este volume servir para incentivar essa busca REFERÊNCIAS E FONTES 1 Indicamos nesta seção obras que substanciaram nossas considerações de modo que o leitor possa se aprofundar na leitura de textos com referências ANDERSON P As origens da pósmodernidade Rio de Janeiro Jorge Zahar 1999 ARISTÓTELES Poética 9 50 tradução de Eudoro de Souza para a Editora Abril 1 Todos os textos anteriormente citados encontramse com indicação bibliográfica completa nas referências que seguem ARIÈS Philippe A história das mentalidades Em LE GOFF Jacques A história nova São Paulo Martins Fontes 1990 BLOCH M Apologia da história Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 BRAUDEL F O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II Vols I e II São Paulo Martins Fontes 1983 BURKE Peter A escrita da história São Paulo Editora da Unesp 1992 CANFORA L Luso político della storia dalla Pérsia a Stalingrado Em Corriere della Sera 13102005 p 26 CÍCERO De Legibus 115 disponível em versão brasileira Tratado das leis publicado pela Editora da Universidade de Caxias do Sul DOSSE F A história em migalhas dos Annales à nova história Campinas Editora da Unicamp 1992 DUBY Georges Histoire des mentalités Em SAMARAN Charles Lhistoire et ses méthodes Bruges Imprimerie SainteCatherine 1973 ENGELS F A Contribuição à crítica da economia política de Karl Marx Em MARX Karl e ENGELS Friedrich Obras escolhidas São Paulo AlfaOmega 1980 HERÓDOTO História 29 disponível em versão brasileira pela Editora da Universidade de Brasília FEBVRE L Combates pela história Lisboa Presença 1985 FEBVRE L BLOCH M A nos lecteurs Annales dHistoire Économique et Sociale 1re Année 1929 pp 12 HARVEY D Condição pósmoderna São Paulo Edições Loyola 1992 HEGEL G W F Fenomenologia do espírito Petrópolis Vozes 2000 O Estado Campinas IFCHUnicamp 1998 Col Textos Didáticos número 32 JAMESON F Pósmodernismo a lógica cultural do capitalismo tardio São Paulo Ática 1997 LANGLOIS CV SEIGNOBOS C Introdução aos estudos históricos São Paulo Renascença 1946 LE GOFF Jacques A história nova Tradução de Ana Maria Bessa Lisboa Edições 70 sd Histoire et Mémoire Paris Gallimard 1988 NORA Pierre História novas abordagens novos problemas novos objetos Rio de Janeiro Francisco Alves 1995 LIDDELL H G SCOTT R A GreekEnglish Lexicon Oxford Clarendon Press 1966 LOWY M Walter Benjamin aviso de incêndio São Paulo Boitempo 2005 LYOTARD JF A condição pósmoderna Lisboa Gradiva 1989 MARROU H I Comment comprendre le metier dhistorien Em LHistoire et ses méthodes Paris Gallimard 1961 pp 14651539 MARX K A questão judaica Moraes 1991 Contribuição para a crítica da economia política Lisboa Editorial Estampa 1973 Miséria da filosofia Lisboa Estampa 1978 MARX K E Frederich A ideologia alemã São Paulo Hucitec 1986 Manifesto do partido comunista Organização e introdução de Marco Aurélio Nogueira Petrópolis Vozes 1988 MOMIGLIANO A La historiografia griega Barcelona Crítica 1984 MONOD G Introdução Do progresso dos estudos históricos na França desde o século XVI Em SILVA Glaydson J da A Escola Metódica Seleção de textos tradução e organização Campinas IFCHUnicamp 2006 MONOD G FAGNIEZ G Prefácio de Revue Historique Em SILVA Glaydson J da A Escola Metódica Seleção de textos tradução organização e apresentação de Leandro Karnal Campinas IFCHUnicamp 2006 Coleção Textos Didáticos MUNSLOW A Deconstructing History LondresNova York Routledge 1997 RAGO M L Estudo reavalia rumo da Escola dos Annales Em O Estado de S Paulo São Paulo 1162000 D2 SIMILAND F Méthode historique et science sociale Revue de Synthese Historique nº 61903 pp 129157 TUCÍDIDES Guerra do Peloponeso 122 As ponderações sobre epistemologia e outros termos gregos derivam de A GreekEnglish Lexicon nova edição compilado por Henry George Liddell e Robert Scott Oxford Clarendon Press 1996 SUGESTÕES DE LEITURA As obras a seguir são indicadas para os leitores que desejem aprofundar o estudo dos temas tratados BURKE P A Escola dos Annales 19291989 a Revolução Francesa da historiografia São Paulo Editora da Unesp 1991 DAIX P Fernand Braudel Rio de JaneiroSão Paulo Record 1999 HAMILTON P Historicism 2ª ed Londres Nova York Routledge 2003 JENKINS Keith A história repensada São Paulo Contexto 2001 KOSSELECK R Futuro passado contribuição á semântica dos tempos históricos Trad Wilma Patricia Mass e Carlos Almeida Pereira Rio de Janeiro ContrapontoPUCRJ 2007 LORENZ C Postmoderne Herausforderung and die Gesellschaftsgeschichte Em Geschichte und Gesellschaft 24 4 1998 p 619 LOWITH K O sentido da história Lisboa Edições 70 1991 LOZANO J El discurso histórico Madri Alianza 1987 MARTON S Entre o relativo e o transcendente pluralidade de interpretações e ausência de critérios Dissertatio Em Revista de Filosofia nº 1920 2004 pp 343365 MARWICK A The Nature of History Londres Open University 1976 MITRE E Historia y pensamiento histórico Madri Cátedra 1997 MORAIS C Maravilhas do mundo antigo Heródoto pai da história Belo Horizonte Editora da UFMG 2004 NAGAMINE BRANDÃO H Introdução à análise do discurso Campinas Editora da Unicamp 1997 REHFELD W I Tempo e religião São Paulo PerspectivaEdusp 1988 RIDLEY A R G Collinwood São Paulo Editora da Unesp 1999 RUSSEL J A new intellectual history Em American Historical Review 97 2 1992 p 405 SOBRE OS AUTORES PEDRO PAULO A FUNARI Nasci em São Paulo gradueime em História USP 1981 obtive o mestrado em Antropologia Social USP 1985 doutorado em Arqueologia USP 1990 LivreDocência em História Unicamp 1996 fui professor da Universidade Estadual Paulista UnespAssis 19861992 sendo hoje Professor Titular da Universidade Estadual de Campinas 1992 em diante pesquisador associado da Illinois State University Estados Unidos e Universitat de Barcelona Espanha professor também dos Programas de PósGraduação em Arqueologia da Universidade de São Paulo e das Universidades de Catamarca e Nacional Dei Centro de la Província de Buenos Aires ambas na Argen tina e do Programa de Mestrado em Memória e Patrimônio da Universidade Federal de Pelotas RS Atualmente sou coordenador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp Atuo ainda como pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais NepamUnicamp e no doutorado em Ambiente e Sociedade Lidero o Grupo de Pesquisa do CNPq sediado no Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp Publiquei mais de duzentos artigos científicos em revistas acadêmicas brasileiras arbitradas e mais de cinquenta em revistas estrangeiras arbitradas Publiquei dezenas de livros diversos deles editados no exterior como Global Archaeological Theory Nova York Kluwer 2005 Atuei como professor convidado em diversas universidades estrangeiras Meu email é ppfunariuolcombr e os portais são wwwunicampbrneearqueologia e wwwhistoriaehistoriacombr Glaydson José da Silva Sou natural de Franca em São Paulo onde me graduei em História no ano de 1996 pela Universidade Estadual Paulista Unesp Conclui o mestrado 2001 e o doutorado 2005 também em História pela Universidade Estadual de Campinas Unicamp onde lecionei disciplinas de teoria da História 2001 2006 e 2007 e realizo desde dezembro de 2005 estágio pósdoutoral no Departamento de História Sou coorganizador com Pedro Paulo Abreu Funari e Lourdes Conde Feitosa do livro Amor desejo e poder na Antigüidade relações de gênero e representações do feminino Campinas Editora da Unicamp 2003 Traduzi organizei e publiquei em 2006 textos de Gabriel

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