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Ciências Políticas

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6 Anarquismo A palavra anarquia vem do grego e significa literalmente sem governo O termo anarquismo vem sendo usado desde a Revolução Francesa e no início era empregado com um sentido crítico ou negativo para indicar o rompimento com a ordem civilizada ou previsível Na linguagem cotidiana anarquia sugere caos e desordem mas obviamente os anarquistas rejeitam com veemência tais associações Foi só quando PierreJoseph Proudhon declarou com orgulho Sou anarquista em sua obra O que é a propriedade What is property 1840 1970 que a palavra passou a ser associada a um conjunto positivo e sistemático de ideias políticas A ideologia anarquista baseiase no princípio de que a autoridade política é nociva e desnecessária em todas as suas formas em especial na forma de Estado Os anarquistas portanto aspiram à criação de uma sociedade sem a presença dele por meio da abolição da lei e do governo Eles consideram o Estado nocivo porque como repositório da autoridade soberana compulsória e coerciva ele é uma ofensa aos princípios de liberdade e igualdade Dessa forma o valor fundamental do anarquismo é a autonomia pessoal irrestrita Também consideram o Estado desnecessário porque acreditam na possibilidade de a ordem e a harmonia social surgirem natural e espontaneamente não tendo de ser impostas de cima para baixo pelo governo Isso chama a atenção para o caráter utópico do pensamento anarquista que se reflete sobretudo em pressuposições extremamente otimistas acerca da natureza humana O anarquismo baseiase em duas tradições ideológicas bem diferentes o liberalismo e o socialismo e tal fato resultou em duas formas antagônicas de anarquismo o individualista e o coletivista Embora ambas as formas aceitem a meta da inexistência do Estado elas sugerem modelos muito diferentes para a sociedade anarquista do futuro Origens e evolução A origem das ideias anarquistas já foi algumas vezes associada aos conceitos taoistas ou budistas aos estoicos e cínicos da Grécia Antiga ou aos diggers da Guerra Civil In Os diggers escavadores faziam parte de um movimento de trabalhadores rurais durante a Guerra Civil Inglesa no século XVII Eles reivindicavam a soberania popular e pretendiam tomar terras do Estado da nobreza e do clero anglicano glesa Entretanto a primeira e num certo sentido clássica declaração dos princípios anarquistas foi elaborada por William Godwin veja na p 185 no livro Investigação acerca da justiça política Enquiry concerning political justice 1793 1971 ainda que o autor nunca tenha se definido como anarquista Durante o século XIX o anarquismo representou um componente importante de um movimento socialista amplo e crescente Em 1864 os seguidores de Proudhon veja na p 191 juntaramse aos de Marx veja na p 128 para fundar a Associação Internacional dos Trabalhadores ou a Primeira Internacional Esta chegou ao fim em 1871 em decorrência do crescente antagonismo entre os marxistas e os anarquistas liderados por Mikhail Bakunin veja na p 188 No final do século XIX os anarquistas buscaram apoio maciço entre os camponeses sem terra da Rússia e da Europa meridional e com maior êxito entre as classes operárias da indústria por meio do anarcosindicalismo O sindicalismo era muito difundido na França na Itália e na Espanha e ajudou a transformar o anarquismo em um autêntico movimento de massa no início do século XX A CGT poderosa organização sindical francesa foi dominada pelos anarquistas antes de 1914 assim como a CNT na Espanha que alegava ter mais de dois milhões de afiliados durante a Guerra Civil Espanhola 19361939 Outros movimentos anarcosindicalistas surgiram também na América Latina no início do século XX sobretudo na Argentina e no Uruguai e foram as ideias sindicalistas que influenciaram a Revolução Mexicana liderada por Emiliano Zapata Porém a disseminação do autoritarismo e da repressão política acabou enfraquecendo o anarquismo na Europa e na América Latina A vitória do general Franco na Guerra Civil Espanhola pôs fim ao anarquismo como movimento de massa A CNT foi extinta e os anarquistas juntamente com os esquerdistas em geral sofreram perseguições do governo A influência do anarquismo também se enfraqueceu em virtude do sucesso de Lênin e dos bolcheviques em 1917 e portanto do crescente prestígio do comunismo entre os movimentos socialistas e revolucionários Entre as ideologias políticas o anarquismo é peculiar na medida em que nunca conseguiu ganhar o poder ao menos em nível nacional Nenhuma sociedade ou nação foi moldada de acordo com os princípios anarquistas Assim há uma propensão a considerálo uma ideologia menos importante do que por exemplo o liberalismo o socialismo o conservadorismo ou o fascismo uma vez que cada um deles mostrouse capaz de subir ao poder e reformar sociedades O mais perto que os anarquistas chegaram de atingir o poder foi durante a Guerra Civil Espanhola quando por um curto período controlaram algumas partes do Leste da Espanha e fundaram cooperativas de trabalhadores e camponeses por toda a Catalunha Por conseguinte os anarquistas procuraram identificar sociedades históricas que refletissem seus princípios como as cidades da Grécia Antiga ou da Europa medieval ou ainda comunidades tradicionais de camponeses como o mir russo Além disso sindicalismo forma de organização revolucionária de defesa dos trabalhadores baseiase numa noção pouco aprofundada de luta de classes e preconiza o uso da ação direta e da greve geral sempre enfatizaram a natureza não hierárquica e igualitária de muitas sociedades tradicionais por exemplo dos nuer na África e apoiaram experimentos de vida comunitária em pequena escala na sociedade ocidental O apelo do anarquismo como movimento político tornouse restrito tanto por causa de seus fins quanto de seus meios Seu objetivo abolir o Estado e desmantelar todas as formas de autoridade política é por muitos considerado irrealista e até impossível A maioria das pessoas aliás avalia o conceito de uma sociedade sem Estado como um sonho utópico na melhor das hipóteses Já no que diz respeito aos meios os anarquistas consideram corruptos e corruptores os meios convencionais de exercer influência política a formação de partidos políticos o apoio às eleições a procura de um cargo público e assim por diante Dessa forma eles acabaram se privando das vantagens da organização política e do planejamento estratégico muitas vezes apostando ao contrário na espontaneidade das massas e na sede de liberdade do povo Ainda assim o anarquismo se recusa a morrer São precisamente o ativismo político e sua atitude inflexível perante a autoridade que lhe conferem um apelo moral duradouro e muitas vezes forte com maior impacto entre os jovens Podese observar isso por exemplo na proeminência das ideias slogans e grupos anarquistas no emergente movimento anticapitalista ou antiglobalização Temas principais Contra o Estado A característica determinante do anarquismo é sua oposição ao Estado e às instituições governamentais e jurídicas a ele relacionadas Os anarquistas preferem uma sociedade sem a presença do Estado em que os indivíduos administram seus interesses por meio de acordos voluntários sem imposição ou coerção Entretanto dois fatores obscurecem o caráter ideológico do anarquismo Primeiro o anarquismo é sem dúvida mais forte na asserção moral do que na análise e explicação Uma vez que ele se baseia no pressuposto de que os seres humanos são em essência criaturas morais atraídas por instinto para a liberdade e a autonomia suas forças foram muitas vezes mais direcionadas a despertar tais instintos morais do que a analisar o sistema de opressão do Estado e a explicar como ele pode ou deve ser combatido Segundo o anarquismo é em certo sentido mais um ponto de sobreposição entre duas ideologias rivaisliberalismo e socialismo o ponto em que ambas chegam a conclusões antiestatistas do que uma ideologia unificada e coerente em si A figura 61 na próxima página ilustra essa situação O anarquismo tem portanto caráter dual pode ser interpretado como uma forma de ultraliberalismo que se assemelha a um individualismo liberal extremo ou como uma forma de ultrassocialismo lembrando o coletivismo socialista extremo No entanto ele é tratado como uma ideologia à parte porque seus defensores embora se baseiem autonomia literalmente o autogoverno A capacidade de controlar o próprio destino por ser independente de influências externas Ideologias políticas Do liberalismo ao fascismo v 1 Figura 61 A natureza do anarquismo socialismo anarquismo liberalismo em tradições políticas muito diferentes unemse por uma série de princípios e posições mais amplos Os mais importantes são antiestatismo ordem natural anticlericalismo liberdade econômica Antiestatismo Na Enciclopédia anarquista Sébastien Faure definiu o anarquismo como a negação do princípio da autoridade O argumento anarquista contra a autoridade é simples e claro a autoridade constitui uma ofensa aos princípios da liberdade e da igualdade A singularidade do anarquismo está no fato de ele endossar os princípios da liberdade absoluta e da igualdade política irrestrita À luz desses princípios a autoridade embasada como é na desigualdade política e no suposto direito de uma pessoa influenciar o comportamento de outras escraviza oprime e limita a vida humana prejudicando e corrompendo tanto quem está submetido a ela quanto quem a tem Uma vez que os seres humanos são criaturas livres e autônomas sujeitarse à autoridade é ser depreciado é ter a própria natureza essencial anulada e com isso sucumbir à dependência debilitante Ter autoridade mesmo a chamada autoridade de especialista dos médicos e professores resultante da distribuição desigual de conhecimento na sociedade significa adquirir gosto por prestígio controle e por fim dominação A autoridade portanto gera a psicologia do poder fundamentada em um padrão de dominação e submissão uma sociedade em que segundo o anarquista e crítico social americano Paul Goodman 19111972 muitos são cruéis e a maioria vive com medo 1977 Na prática a crítica anarquista à autoridade costuma se concentrar na autoridade política em particular quando esta tem o respaldo da máquina do Estado moderno O anarquismo se define pela rejeição radical do poder do Estado uma posição que o diferencia das demais ideologias políticas com exceção do marxismo O tom dessa crítica anarquista à lei e ao governo é transmitido por uma das famosas diatribes de Proudhon Ser governado é ser vigiado inspecionado espionado dirigido legislado arregimentado encurralado doutrinado catequizado controlado examinado avaliado censurado comandado tudo por criaturas que não têm o direito nem a sabedoria tampouco a virtude apud Marshall 1993 p 245 182 Anarquismo Estado OS LIBERAIS veem o Estado como um árbitro neutro em disputas de interesses individuais e de grupos da sociedade uma garantia vital da ordem social Enquanto os liberais clássicos tratam o Estado como um mal necessário e exaltam as virtudes de um Estado de presença mínima ou Estado gendarme os modernos admitem seu papel positivo na expansão da liberdade e na promoção da igualdade de oportunidades Os CONSERVADORES associam o Estado à necessidade de proporcionar autoridade e disciplina e de proteger a sociedade do caos e da desordem daí sua tradicional preferência por um Estado forte Contudo enquanto os conservadores tradicionais apoiam um equilíbrio pragmático entre o Estado e a sociedade civil os neoliberais preferem conferir poder restrito ao Estado uma vez que ele ameaça a prosperidade econômica e é movido fundamentalmente por interesses próprios e burocráticos Os SOCIALISTAS adotam perspectivas conflitantes do Estado Os marxistas enfatizam a ligação entre o sistema de classes e o Estado considerando este um instrumento de controle de classes ou um meio de amenizar as tensões de classe Outros socialistas entretanto veem o Estado como a personificação do bem comum aprovando assim o intervencionismo tanto em sua forma socialdemocrática quanto coletivistaestatal Os ANARQUISTAS rejeitam completamente o Estado considerandoo um mal desnecessário A autoridade soberana compulsória e coerciva do Estado é vista como nada menos que uma opressão legalizada que age segundo o interesse dos poderosos proprietários e privilegiados Uma vez que o Estado é inerentemente nocivo e opressor todos os Estados têm o mesmo caráter essencial Os FASCISTAS sobretudo na tradição italiana consideram o Estado o ideal ético supremo que reflete os interesses de toda a comunidade nacional Daí sua crença no totalitarismo veja na p 218 Os nazistas porém enxergam o Estado como um recipiente que contém a raça ou a nação ou como uma ferramenta a serviço delas As FEMINISTAS entendem o Estado como um instrumento do poder masculino o Estado patriarcal que atua a fim de excluir as mulheres da esfera pública ou política da vida ou para subordinálas a ela As feministas liberais no entanto consideram o Estado um instrumento de reforma suscetível a pressões eleitorais e de outros tipos Os FUNDAMENTALISTAS adotam uma atitude bastante positiva em relação ao Estado considerandoo um meio para a realização de renovação social moral e cultural Assim o Estado fundamentalista é tido como uma manifestação política da autoridade e sabedoria religiosa 183 Ideologias políticas Do liberalismo ao fascismo v 1 O Estado é um organismo soberano que exerce a autoridade suprema sobre todos os indivíduos e associações existentes em uma área geográfica definida Os anarquistas enfatizam que a autoridade do Estado é absoluta e ilimitada a lei pode restringir o comportamento da população limitar a atividade política regular a vida econômica interferir na moralidade e no pensamento privados e assim por diante A autoridade do Estado é também compulsória Os anarquistas rejeitam a noção liberal de que a autoridade política surge do acordo voluntário por meio de alguma forma de contrato social e argumentam que os indivíduos se veem submetidos à autoridade do Estado ou por terem nascido em determinado país ou por meio de conquistas territoriais Além disso o Estado é um organismo coercivo cujas leis são cumpridas em virtude da ameaça de punição Segundo Emma Goldman 18691940 anarquista americana nascida na Rússia o governo era simbolizado pelo porrete pelo revólver pela algema ou pela prisão O Estado pode privar os indivíduos de sua propriedade da liberdade e por meio da pena capital da vida Além disso ele é explorador pois despoja os indivíduos de seus bens por meio de um sistema tributário mais uma vez amparado pela força da lei e pela possibilidade de punição Os anarquistas frequentemente argumentam que o Estado age em aliança com os ricos e privilegiados e dessa forma oprime os pobres e fracos Enfim o Estado é destrutivo Na avaliação do anarquista americano Randolph Bourne 18861918 a guerra é a saúde do Estado 1977 Os indivíduos são obrigados a lutar matar e morrer em guerras invariavelmente movidas pela busca de expansão territorial pilhagem ou pela glória nacional de um Estado em detrimento de outros A base dessa crítica ao Estado está na visão anarquista da natureza humana Embora os anarquistas endossem uma visão bastante otimista quando não utópica do potencial humano eles são ao mesmo tempo muito pessimistas acerca da influência corruptora da autoridade política e da desigualdade econômica Os seres humanos podem ser tanto bons quanto maus dependendo das circunstâncias políticas e sociais em que vivem Pessoas que em geral seriam cooperativas solidárias e sociáveis tornamse tiranos opressores quando se sobrepõem às demais pelo poder por privilégios ou pela riqueza Em outras palavras o alerta liberal de que o poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente Lorde Acton 1956 é substituído pela visão anarquista mais radical e alarmante de que o poder sob qualquer aspecto corrompe de maneira absoluta O Estado como repositório da autoridade soberana compulsória e coerciva nada mais é portanto do que uma forma concentrada de perversidade Mas essa teoria anarquista do Estado também suscitou críticas Independentemente das considerações sobre a teoria da natureza humana em que se baseia a ideia de que a opressão do Estado resulta da corrupção dos indivíduos por suas próprias circunstâncias políticas e sociais é circular e não explica a origem da autoridade política Ordem natural Além de definirem o Estado como nocivo os anarquistas também o consideram desnecessário William Godwin procurou demonstrar isso invertendo a mais celebrada justificativa para a existência do Estado a teoria do contrato social Os argumentos de 184 William Godwin 17561836 Filósofo e romancista britânico Foi pastor presbiteriano mas perdeu a fé e acabou por se tornar escritor profissional Seu romance de maior sucesso foi Caleb Williams 1794 Liderou um círculo de intelectuais que incluía sua esposa Mary Wollstonecraft veja na p 33 do v2 e um grupo de aspirantes a escritores entre os quais se encontravam William Wordsworth e Percy Shelley seu genro A reputação política de Godwin estabeleceuse com a obra Investigação acerca da justiça política 1773 1971 que com uma crítica meticulosa ao autoritarismo foi a primeira exposição completa das crenças anarquistas Godwin desenvolveu uma forma radical de racionalismo liberal que resultou em um argumento para o aperfeiçoamento humano com base na educação e no condicionamento social Embora fosse individualista acreditava que as pessoas são capazes de uma bondade genuinamente desinteressada Utopismo Uma utopia do grego outopia que significa lugar nenhum ou eutopia lugar bom é literalmente uma sociedade ideal ou perfeita Embora se possam imaginar utopias de diversos tipos a maioria se caracteriza pela eliminação da pobreza a ausência do conflito e o repúdio à opressão e à violência O utopismo é um estilo de teorização política que desenvolve a crítica à ordem existente por meio da construção do modelo de alternativa ideal ou perfeita Bons exemplos disso são o anarquismo e o marxismo Em geral as teorias utópicas pressupõem possibilidades ilimitadas para o autoaperfeiçoamento humano Contudo o utopismo muitas vezes é usado como termo pejorativo para indicar um pensamento ilusório ou fantasioso ou ainda uma crença em um objetivo irreal e inatingível Anticlericalismo Embora o Estado seja o principal alvo da hostilidade anarquista as mesmas críticas se aplicam a qualquer outra forma de autoridade compulsória Com efeito os anarquistas chegaram a manifestar sua mordacidade não apenas em relação ao Estado mas também para com a Igreja sobretudo no século XIX Talvez isso explique por que o anarquismo prosperou em países de forte tradição religiosa como a Espanha católica a França a Itália e os países da América Latina onde ajudou a articular sentimentos anticlericais As objeções anarquistas à religião organizada servem para enfatizar críticas mais amplas à autoridade em geral A religião por exemplo muitas vezes é vista como a própria origem da autoridade A ideia de Deus representa a noção de um ser supremo que detém a autoridade definitiva e inquestionável Para anarquistas como Proudhon e Bakunin a filosofia política anarquista tinha de ser embasada na rejeição ao cristianismo pois só assim os seres humanos poderiam ser considerados livres e independentes Além disso os anarquistas suspeitam que em geral a religião e a autoridade política trabalham de mãos dadas Bakunin afirmou que a eliminação da Igreja e do Estado deve ser a condição primordial e indispensável para a verdadeira libertação da sociedade Para os anarquistas a religião é um dos pilares do Estado pois propaga uma ideologia de obediência e submissão tanto a líderes espirituais quanto a governantes mundanos Como diz a Bíblia Dai a César o que é de César Os governantes deste mundo sempre recorreram à religião para legitimar seu poder algo bastante óbvio na doutrina do direito divino dos reis Por fim a religião tenta impor uma série de princípios morais sobre o indivíduo e estabelecer um código de conduta aceitável A fé religiosa exige a submissão aos modelos de bem e de mal os quais são definidos e fiscalizados por pessoas com autoridade religiosa como padres imames e rabinos Com isso roubamse do indivíduo a autonomia moral e a capacidade de fazer julgamentos éticos Mas o anarquismo não rejeita completamente o impulso religioso Existe nele um claro traço místico Podese dizer que os anarquistas detêm uma concepção essencialmente espiritual da natureza humana uma fé utópica nas possibilidades quase ilimitadas do autoaperfeiçoamento dos homens e nos laços que unem a humanidade bem como todas as coisas viventes Os primeiros anarquistas chegaram a ser influenciados pelo milenarismo Aliás o anarquismo foi muitas vezes retratado como uma forma de milenarismo político Além disso alguns anarquistas modernos se interessam por religiões como o taoismo e o zen budismo que apresentam uma perspectiva de autoconhecimento e pregam valores como tolerância respeito e harmonia natural classes operárias e tinham uma filosofia amplamente socialista O capitalismo era entendido em termos de classes uma classe dominante explora e oprime as massas Contudo não se interpretava essa classe dominante em termos econômicos restritos como ocorre no marxismo e sim como algo que abrangia todos os que dominavam a riqueza o poder ou os privilégios na sociedade Assim ela incluía reis e príncipes políticos e funcionários públicos de alto escalão juízes e policiais bispos e padres bem como industriais e banqueiros Bakunin argumentava que em toda sociedade desenvolvida podemse identificar três grupos sociais uma imensa maioria que é explorada uma minoria que é explorada mas também explora outros em igual medida e o Estado governante supremo formado por uma pequena minoria de exploradores e opressores pura e simplesmente Assim os anarquistas do século XIX se identificaram com os pobres e oprimidos e procuraram empreender uma revolução social em nome das massas exploradas em que tanto o capitalismo como o Estado seriam destruídos Todavia é a estrutura econômica da vida que expõe de maneira mais profunda as tensões no anarquismo Embora muitos anarquistas reconheçam certa afinidade com o socialismo tomando como base a aversão pela propriedade e pela desigualdade outros defendem os direitos de propriedade e até reverenciam o capitalismo competitivo Isso destaca a diferença entre as duas tradições anarquistas mais importantes a coletivista e a individualista Os anarquistas coletivistas defendem uma economia com base na cooperação e na propriedade coletiva enquanto os individualistas apoiam o mercado e a propriedade privada Apesar dessas distinções fundamentais os anarquistas concordam em um ponto todos têm aversão aos sistemas econômicos que dominaram grande parte do século XX Eles se opõem ao capitalismo gerenciado que floresceu nos países ocidentais depois de Mikhail Bakunin 18141876 Anarquista e revolucionário russo Bakunin nasceu em uma próspera família aristocrática Renunciou à carreira militar e depois de estudar filosofia interessouse pelo ativismo político por causa das revoluções de 1848 Na década de 1860 já havia renunciado ao nacionalismo eslavo em favor do anarquismo e passou o resto da vida como agitador e propagandista político conhecido por seu interesse pelas sociedades secretas e o infindável apetite pela intriga política O anarquismo de Bakunin baseouse na fé na sociabilidade humana manifestada pelo desejo de liberdade em uma comunidade de iguais e pelo instinto sagrado de revolta Ele via o coletivismo como comunidades autogovernadas de indivíduos livres o que o colocou em desacordo com Marx e seus seguidores Porém a verdadeira importância de Bakunin está no fato de ter sido o fundador do movimento anarquista histórico e não tanto por ter sido um pensador original ou um teórico do anarquismo 1945 Os anarquistas coletivistas argumentam que a intervenção do Estado sustenta um sistema de exploração de classes e dá um rosto humano ao capitalismo Já os anarquistas individualistas afirmam que a intervenção desfigura o mercado competitivo e cria economias dominadas pelos monopólios públicos e privados A união dos anarquistas fica ainda mais forte no que diz respeito à desaprovação do socialismo estatal ao estilo soviético Os anarquistas individualistas opõemse às violações dos direitos de propriedade e da liberdade individual que segundo declaram ocorrem numa economia planejada enquanto os coletivistas argumentam que o socialismo estatal é uma contradição em termos já que o Estado apenas substitui a classe capitalista como principal fonte de exploração Todas as categorias de anarquistas preferem uma economia em que indivíduos livres administrem os próprios negócios sem a necessidade de regulamentação ou propriedade estatal Contudo isso lhes permitiu endossar uma série de sistemas econômicos muito distintos do anarcocomunismo ao anarcocapitalismo Anarquismo coletivista As raízes filosóficas do anarquismo coletivista estão no socialismo e não no liberalismo É possível chegar a conclusões anarquistas levando o coletivismo socialista ao limite O coletivismo veja na p 111 é em essência a convicção de que os seres humanos são animais sociais mais bem adaptados a trabalhar em conjunto para o bem comum do que a lutar individualmente por interesses próprios Às vezes chamado de anarquismo social o anarquismo coletivista enfatiza a capacidade humana para a solidariedade social ou o que Kropotkin denominou ajuda mútua Conforme já observamos isso não corresponde a uma crença ingênua na bondade natural mas ao contrário destaca o potencial para a bondade que reside em todos os seres humanos No fundo os seres humanos são criaturas sociáveis gregárias e cooperativas Desse modo o relacionamento natural e apropriado entre as pessoas envolve solidariedade afeição e harmonia Quando as pessoas estão interligadas pelo reconhecimento de uma humanidade comum não precisam ser reguladas ou controladas pelo governo Conforme Bakunin 1973 proclamou a solidariedade social é a primeira lei humana liberdade é a segunda Além de o governo ser inútil ele impossibilita a solidariedade social ao substituir a liberdade pela opressão As sobreposições filosóficas e ideológicas entre o anarquismo e o socialismo em especial o socialismo marxista ficam evidentes se lembrarmos que os anarquistas muitas vezes atuaram em um amplo movimento socialista revolucionário A Primeira Internacional 18641871 por exemplo foi fundada por partidários de Proudhon e Marx Podese identificar uma série de paralelos teóricos claros entre o anarquismo coletivista e o marxismo Fundamentalmente ambos rejeitam o capitalismo considerandoo um sistema de exploração de classes e de injustiça estrutural Ambos apoiam a revolução como o melhor meio para realizar mudanças políticas Ambos demonstram preferência pela propriedade coletiva da riqueza e pela organização comunal da vida social Ambos acreditam que uma sociedade plenamente comunista seria anárquica conforme manifes tado por Marx na teoria do desaparecimento gradual do Estado Ambos portanto concordam que os seres humanos têm uma grande capacidade de ordenar seus interesses sem a necessidade de autoridade política Entretanto o anarquismo e o socialismo divergem em uma série de aspectos principalmente em relação ao socialismo parlamentar Os anarquistas o rejeitam considerandoo uma contradição em termos Além de ser impossível reformar ou humanizar o capitalismo por meio dos mecanismos corruptos e corruptores de governo qualquer ampliação do papel e das responsabilidades do Estado só pode servir para reforçar a opressão ainda que em nome da igualdade e da justiça social Mas a desavença mais feroz entre os anarquistas coletivistas e os marxistas concentrase nas concepções conflitantes da transição do capitalismo para o comunismo Os marxistas exigem uma ditadura do proletariado revolucionária Tal Estado proletário no entanto desaparecerá aos poucos à medida que diminuírem os antagonismos de classes do capitalismo Sob esse ponto de vista o poder do Estado não é mais que um reflexo do sistema de classes sendo o Estado em essência um instrumento da opressão de classes Já os anarquistas consideram o Estado perverso e opressor por si só ele é pela própria natureza um organismo corrupto e corruptor Logo não fazem distinção entre os Estados burgueses e os proletários Para um anarquista a autêntica revolução exige não só a eliminação do capitalismo como também a derrocada imediata e definitiva do poder do Estado Não se pode permitir que o Estado definhe ele deve ser abolido Mutualismo A crença anarquista na solidariedade social tem sido usada para justificar várias formas de comportamento cooperativo Em um extremo isso tem levado à fé no comunismo puro mas também tem gerado as ideias do mutualismo mais modestas relacionadas a Proudhon De certa forma o socialismo libertário de Proudhon localizase entre as tradições individualista e coletivista do anarquismo e suas ideias têm muita coisa em comum com as de individualistas americanos como Josiah Warren 17981874 Em O que é a propriedade What is property 1840 1970 Proudhon apresentou a famosa declaração a propriedade é um roubo e condenou o sistema de exploração econômica baseado no acúmulo de capital Todavia ao contrário de Marx ele não se opôs a todas as formas de propriedade privada fazendo distinção entre propriedade e o que chamava de possessões Em particular admirava a independência e a iniciativa dos pequenos proprietários de terra artífices e artesãos Com o mutualismo Proudhon procurou estabelecer um sistema de propriedade de bens que evitasse a exploração e promovesse a harmonia social A interação social em tal sistema seria voluntária mutuamente benéfica e harmoniosa sem demandar assim nenhuma regulamentação ou interferência do governo Os adeptos de Proudhon tentaram colocar essas ideias em prática estabelecendo bancos de crédito mútuo na França e na Suíça que ofereciam mutualismo sistema de troca justa e equitativa em que indivíduos ou grupos negociam entre si comercializando bens e serviços sem especulação ou exploração PierreJoseph Proudhon 18091865 Anarquista francês Era um tipógrafo autodidata que foi atraído para a política radical em Lyon antes de se estabelecer em Paris em 1847 Como membro da Assembleia Constituinte de 1848 votou contra a Constituição porque era uma Constituição Mais tarde passou três anos preso Depois disso desiludido com a vida política dedicouse a escrever e a teorizar Sua obra mais famosa O que é a propriedade 1840 1970 ataca tanto os direitos de propriedade tradicionais quanto o comunismo e argumenta em favor do mutualismo um sistema de produção cooperativo direcionado para a necessidade em vez do lucro e organizado em comunidades autogovernadas Todavia no final da vida Proudhon buscou uma aliança com o movimento trabalhista e na obra Do princípio federativo 1863 reconheceu a necessidade do Estado mínimo para fazer as coisas andarem comunismo princípio da propriedade comum da riqueza O termo costuma ser usado de maneira mais ampla em referência aos movimentos ou regimes que se baseiam nos princípios marxistas Anarcossindicalismo Embora o mutualismo e o anarcocomunismo tenham exercido uma importante influência no movimento socialista no final do século XIX e no início do século XX o anarquismo só passou a ser um movimento de massa na forma do anarcossindicalismo O sindicalismo é um tipo de organização revolucionária cujo nome foi extraído da palavra francesa syndicat que significa união ou grupo O sindicalismo surgiu na França e foi adotado pela poderosa CGT no período anterior a 1914 As ideias sindicalistas espalharamse pela Itália pela América Latina e pelos Estados Unidos e de maneira mais relevante pela Espanha onde recebeu apoio do maior sindicato do país a CNT A teoria sindicalista inspirouse nas ideias socialistas e desenvolveu uma primeira noção da luta de classes Os trabalhadores e camponeses foram considerados uma classe oprimida e os industriais proprietários de terras políticos juízes e policiais caracterizados como exploradores Para se defender os trabalhadores poderiam organizar sindicatos baseados em ofícios setores ou profissões específicos A curto prazo esses sindicatos atuariam como organizações trabalhistas convencionais obtendo aumentos de salário redução de carga horária e melhoria das condições de trabalho Mas os sindicalistas eram também revolucionários que visavam à erradicação do capitalismo e à tomada do poder pelos trabalhadores Em Reflexões sobre a violência Reflections on violence 1908 1950 Georges Sorel 18471922 influente teórico sindicalista francês Anarcocomunismo Em sua forma mais radical a crença na solidariedade social conduz ao coletivismo e ao comunismo pleno Seres humanos sociáveis e gregários devem compartilhar uma existência comum Por exemplo o trabalho é uma experiência social as pessoas trabalham junto com outros seres humanos e a riqueza que produzem deve assim pertencer a toda a comunidade em vez de a um único indivíduo Nesse sentido todas as formas de propriedade privada constituem roubo representam a exploração de trabalhadores que geram riqueza por empregadores que apenas a possuem Além disso a propriedade privada estimula o egoísmo e de maneira especialmente ofensiva aos anarquistas promove o conflito e a desarmonia social A desigualdade na distribuição da riqueza alimenta a ganância a inveja e o ressentimento gerando o crime e a desordem As raízes do anarcocomunismo estão fincadas em convicções bastante otimistas acerca da capacidade humana de cooperar expressas de maneira mais conhecida pela teoria da ajuda mútua de Piotr Kropotkin Ele tentou elaborar um fundamento biológico para a solidariedade social ao reexaminar a teoria da evolução de Darwin Enquanto democracia direta autogoverno popular caracterizado pela participação direta e contínua dos cidadãos nas tarefas administrativas Piotr Kropotkin 18421921 Geógrafo e teórico anarquista russo Filho de família nobre serviu o czar Alexandre II Conheceu as ideias anarquistas quando trabalhava na região de Jura na fronteira francosuíça Em 1874 foi preso em São Petersburgo Depois de obter a liberdade viajou muito pela Europa retornando à Rússia depois da Revolução de 1917 Seu anarquismo era imbuído do espírito científico e baseado em uma teoria da evolução alternativa à de Darwin Por enxergar a ajuda mútua como o principal meio de desenvolvimento humano e animal afirmava ter uma base empírica tanto para o anarquismo quanto para o comunismo Entre suas principais obras encontramse Ajuda mútua Um fator de evolução 1897 1914 Campos fábricas e oficinas 1901 e A conquista do pão 1906 pensadores sociais como Herbert Spencer 18201903 usaram o darwinismo para corroborar a ideia de que a humanidade é competitiva e agressiva por natureza Kropotkin argumentava que as espécies são bemsucedidas exatamente por conseguirem usar as forças coletivas por meio da cooperação Assim o processo de evolução fortalece a sociabilidade e favorece a cooperação em detrimento da competição Ele chegou à conclusão de que as espécies bemsucedidas como a espécie humana apresentam uma forte propensão à ajuda mútua Afirmava que a ajuda mútua havia florescido por exemplo nas cidadesestado da Grécia Antiga e na Europa medieval mas fora depois subvertida pelo capitalismo competitivo ameaçando a continuidade da evolução da espécie humana Embora Proudhon tenha alertado que o comunismo só poderia ser viabilizado por um Estado autoritário anarcocomunistas como Kropotkin e Malatesta 18531932 defendiam que o verdadeiro comunismo exige a eliminação do Estado Os anarcocomunistas admiram as comunidades pequenas autoadministradas de acordo com os moldes de cidadesestado medievais ou as comunas de camponeses Kropotkin imaginava que uma sociedade anárquica seria constituída de um conjunto de comunas autossuficientes que dividiriam a riqueza em comum Do ponto de vista anarcocomunista esse modelo de organização da vida econômica e social apresenta três vantagens principais Primeiro uma vez que as comunas se baseiam nos princípios do esforço compartilhado e coletivo elas fortalecem os laços de compaixão e solidariedade e ajudam a ter sob controle o rancor e o egoísmo Segundo nas comunas as decisões são tomadas por meio de um processo de democracia direta ou participativa que garante um nível elevado de participação popular e igualdade política O autogoverno popular é a única forma de governo aceitável para os anarquistas Terceiro as comunidades são comunidades em pequena escala ou em escala humana que permitem às pessoas administrar os próprios negócios por meio da interação direta Do ponto de vista anarquista a centralização está sempre ligada a processos sociais impessoais e burocráticos Ideologias políticas Do liberalismo ao fascismo v 1 Anarquismo individualista A base filosófica do anarquismo individualista repousa na ideia liberal do indivíduo soberano De muitas maneiras ao levar o individualismo liberal veja na p 41 ao seu extremo lógico chegase a conclusões anarquistas Por exemplo o anarquismo de William Godwin resulta em uma forma de liberalismo clássico extremo No cerne do liberalismo encontrase a crença na primazia do indivíduo e na suma importância da liberdade individual Na visão liberal clássica a liberdade é negativa consiste na ausência de restrições externas sobre o indivíduo Quando se leva o individualismo ao extremo ele implica soberania individual a ideia de que a autoridade absoluta e ilimitada está dentro de cada ser humano Sob essa ótica qualquer restrição ao indivíduo é nociva mas quando tal restrição é imposta pelo Estado um organismo soberano compulsório e coercivo por definição então ela atinge a perversão absoluta Em termos bem simples o indivíduo não pode ser soberano em uma sociedade regrada pela lei e pelo governo O individualismo e o Estado são portanto princípios incompatíveis Embora esses argumentos sejam de inspiração liberal existem diferenças significativas entre o liberalismo e o anarquismo individual Em primeiro lugar ao mesmo tempo que os liberais aceitam a importância da liberdade individual não acreditam que ela possa ser garantida em uma sociedade sem a presença do Estado Os liberais clássicos argumentam que o Estado mínimo ou gendarmé é necessário para evitar que oportunistas abusem uns dos outros por meio de roubo intimidação violência ou mesmo homicídio Portanto a lei existe para proteger a liberdade e não para restringila Os liberais modernos levam esse argumento mais longe e defendem a intervenção do Estado sob a alegação de que ela amplia a liberdade positiva Por outro lado os anarquistas entendem que os indivíduos conseguem ter uma conduta pacífica harmoniosa e próspera por si sós sem a necessidade de um governo para policiar a sociedade e proteger os seres humanos uns dos outros Os anarquistas divergem dos liberais pois acreditam que indivíduos livres podem viver e trabalhar em conjunto de maneira construtiva porque são criaturas racionais e morais A razão dita que onde houver conflito ele deverá ser resolvido por meio de arbitragem ou do debate e não pela violência Em segundo lugar os liberais defendem que o poder do governo pode ser domado e controlado pelo avanço das instituições constitucionais e representativas As constituições alegam proteger o indivíduo por meio da imposição de limites ao poder do governo e da criação do equilíbrio de forças entre suas diversas instituições O objetivo da periodicidade das eleições é obrigar o governo a prestar contas à população ou pelo menos à maioria do eleitorado Os anarquistas repudiam a ideia de governo limitado constitucional ou representativo e consideram o constitucionalismo e a democracia como simples constitucionalismo crença de que o poder do governo deve ser exercido conforme uma estrutura de regras uma Constituição que define os deveres poderes e funções das instituições do governo e os direitos do indivíduo veja também a p 52 194 Anarquismo fachadas que disfarçam a nítida opressão política em andamento Todas as leis infringem a liberdade individual independentemente de o governo que as promulga ser constitucional ou arbitrário democrático ou autoritário Em outras palavras todos os Estados são uma ofensa à liberdade individual Egoísmo A declaração mais audaciosa das convicções anarquistas construída sobre a ideia do indivíduo soberano encontrase na obra O único e a sua propriedade The ego and his own 1845 1971 de Max Stirner Assim como Marx o filósofo alemão Stirner 18061856 sofreu profunda influência das ideias de Hegel 17701831 embora os dois tenham chegado a conclusões bastante distintas As teorias de Stirner representam uma forma extrema de individualismo O termo egoísmo pode ter dois significados Pode sugerir que os indivíduos se ocupam essencialmente de seu ego ou seu eu e que têm interesses pessoais ou são oportunistas afirmação que seria aceita por pensadores como Hobbes e Locke Os interesses pessoais contudo podem gerar conflitos entre os indivíduos e justificar a existência de um Estado que teria o papel de coibir cada indivíduo de prejudicar ou abusar de outros Na visão de Stirner o egoísmo é uma filosofia que coloca o eu individual no centro do universo moral O indivíduo sob esse ponto de vista simplesmente agiria conforme sua escolha sem nenhuma consideração por leis convenções sociais princípios religiosos ou morais Tal posição resulta em uma forma de niilismo literalmente a crença em nada e aponta sem dúvida para o ateísmo e para um modelo extremo de anarquismo individualista Todavia como o anarquismo de Stirner também virou as costas de maneira drástica para os princípios do iluminismo e apresentou poucas propostas acerca de como manter a ordem em uma sociedade sem a presença do Estado seu impacto sobre o nascente movimento anarquista foi menor No entanto suas ideias influenciaram Nietzsche e o existencialismo do século XX Libertarismo A argumentação individualista se desenvolveu de forma mais plena nos Estados Unidos com pensadores libertários como Henry David Thoreau 18171862 Lysander Spooner 18081887 Benjamin Tucker 18541939 e Josiah Warren A busca de Thoreau pela verdade espiritual e pela autoconfiança levouo a fugir da vida civilizada e a viver recluso por muitos anos junto à natureza uma experiência que descreveu em Walden 1854 1983 Em sua obra mais política Desobediência civil Civil disobedience 1849 1983 ele aprova o lema liberal de Jefferson o melhor governo é o que governa menos mas o adapta para se adequar a seu próprio sentimento anarquista O melhor governo é o que não governa absolutamente nada Para ele o individualismo conduz à desobediência civil o indivíduo precisa ser fiel à sua consciência e fazer só o que acredita ser certo sem se ater às exigências da sociedade ou às leis criadas pelo governo Seu anarquismo coloca a 195 Ideologias políticas Do liberalismo ao fascismo v 1 consciência individual acima das demandas da obrigação política No caso de Thoreau isso o levou a desobedecer a um governo americano que ele considerou estar agindo de forma imoral tanto ao apoiar a escravidão quanto ao travar guerras contra outros países Benjamin Tucker deu prosseguimento ao libertarismo veja na p 95 ao pensar em como os indivíduos autônomos poderiam viver e trabalhar uns com os outros sem o perigo de conflitos ou de perturbação da ordem Para o individualista existem duas soluções possíveis para esse problema A primeira destaca a racionalidade humana e sugere que ao surgirem conflitos ou desavenças eles podem ser solucionados por meio de discussão razoável Essa foi por exemplo a posição adotada por William Godwin que acreditava que a verdade sempre tende a afastar a mentira A segunda solução é encontrar algum tipo de mecanismo por meio do qual as ações independentes de indivíduos livres possam se harmonizar umas com as outras Individualistas extremos como Warren e Tucker entendiam que um sistema de mercado poderia viabilizar tal situação Warren considerava que os indivíduos têm o direito soberano aos bens que eles mesmos produzem mas também são forçados pela lógica econômica a trabalhar com outros para obter as vantagens da divisão do trabalho Sugeriu que se chegasse a isso por meio de um sistema de troca de trabalho por trabalho e abriu lojas de tempo nas quais o trabalho de uma pessoa podia ser trocado pela promessa da devolução do trabalho em espécie Tucker argumentava que o anarquismo genuíno é o manchesterismo coerente em referência aos princípios do livre comércio do século XIX delineados por Richard Cobden e John Bright veja Nozick 1974 Anarcocapitalismo O ressurgimento do interesse pela economia de livre mercado no final do século XX levou a conclusões políticas cada vez mais radicais Os novos conservadores de direita apegados à economia clássica queriam afastar o governo dos negócios e deixar que a economia fosse disciplinada pelas forças de mercado em vez de administrada por um Estado intervencionista Libertários de direita como Robert Nozick veja na p 100 ressuscitaram a ideia do Estado mínimo cuja principal função é proteger os direitos individuais Outros pensadores por exemplo Ayn Rand 19051982 Murray Rothbard 19261995 e David Friedman 1945 levaram as ideias do livre mercado ao limite e desenvolveram uma forma de anarcocapitalismo Defendiam que é possível abolir o governo e substituílo por uma concorrência de mercado desregulamentada Os bens deveriam ser de propriedade de indivíduos soberanos que poderiam optar se assim o quisessem por celebrar contratos voluntários com outros na busca do interesse próprio Com isso o indivíduo permanece livre e o mercado longe do controle de qualquer indivíduo ou grupo regula toda a interação social libertarismo crença de que o indivíduo deve usufruir do escopo mais amplo possível de liberdade Implica a remoção das restrições externas e internas impostas ao indivíduo 196 Os anarcocapitalistas vão muito além das ideias do liberalismo de livre mercado Os liberais entendem que o mercado é um mecanismo eficaz e eficiente para fornecer a maioria dos bens mas afirmam que ele também tem seus limites Alguns serviços como a manutenção da ordem interna o cumprimento de contratos e a proteção contra ataques externos são bens públicos que devem ser fornecidos pelo Estado pois não podem ser supridos pela concorrência de mercado Porém os anarcocapitalistas acreditam que o mercado consegue satisfazer todas as carências humanas Por exemplo Rothbard 1978 admitiu que em uma sociedade anarquista os indivíduos procuram se proteger uns dos outros mas argumentou que tal proteção poderia ser oferecida de maneira competitiva por associações de proteção particulares e tribunais privados sem a necessidade de uma força policial ou de um sistema estatal de tribunais De fato de acordo com os anarcocapitalistas as agências de proteção que visam ao lucro ofereceriam um serviço melhor do que a atual força policial uma vez que a concorrência facultaria aos consumidores a possibilidade de escolha e assim essas agências acabariam sendo acessíveis eficientes e sensíveis às necessidades do consumidor Da mesma forma os tribunais privados seriam obrigados a construir uma reputação de imparcialidade o que acabaria atraindo cada vez mais os indivíduos desejosos de resolver um conflito O mais importante é que diferentemente da autoridade dos organismos públicos os contratos assim celebrados com agências privadas seriam voluntários regulados apenas pelas forças impessoais do mercado Por mais radicais que essas propostas possam parecer a política de privatização já produziu avanços significativos em muitos países ocidentais Nos Estados Unidos diversos estados já dispõem de estabelecimentos prisionais privados e há também muitas experiências bemsucedidas com tribunais e serviços de arbitragem privados Na Inglaterra os estabelecimentos prisionais privados e o uso de agências de proteção particulares já se tornaram corriqueiros e projetos como o vigia do bairro ajudaram a transferir a responsabilidade pela ordem pública até então exclusiva da polícia para a comunidade Os caminhos para a anarquia Os anarquistas têm sido mais bemsucedidos em descrever suas ideias em livros e panfletos do que em colocálas em prática Com muita frequência eles se afastam do cenário político concentrandose em vez disso em escrever ou então em experimentar o modo de vida comum ou cooperativo Eles têm se mostrado não apenas apolíticos mas também decididamente antipolíticos repelidos pelos processos convencionais e pela máquina política O problema enfrentado pelo anarquismo é que se o Estado é tido como nocivo e opressor qualquer tentativa de ganhar o poder do governo ou mesmo de influenciálo deve ser corruptora ou doentia Por exemplo a política eleitoral baseiase no modelo da democracia representativa que os anarquistas rejeitam com determinação O poder político é igualmente opressor seja ele conquistado nas urnas ou sob a mira de um revólver Da mesma forma os anarquistas desiludiramse com os partidos políticos tanto parlamentaristas quanto revolucionários pois são organizações burocráticas e hierárquicas A ideia de um governo um partido político ou um político anarquista é portanto uma contradição Como não existe um caminho para a anarquia que seja convencional os anarquistas têm sido obrigados a explorar meios menos ortodoxos do ativismo político Violência revolucionária No século XIX líderes anarquistas tentaram despertar as massas oprimidas para a insurreição e a revolta Mikhail Bakunin por exemplo liderou uma fraternidade conspiratória a Aliança para a SocialDemocracia e participou de levantes anarquistas na França e Itália Outros anarquistas como Malatesta na Itália os revolucionários de Zapata no México e os Populistas da Rússia trabalharam pela revolução camponesa Mas os levantes anarquistas acabaram por fracassar em parte porque se baseavam na crença da revolta espontânea em vez de na organização meticulosa No final do século XIX muitos anarquistas tinham voltado a atenção ao potencial revolucionário do movimento sindicalista e durante o século XX o anarquismo foi perdendo apoio para o movimento comunista mais bem organizado e regido por uma férrea disciplina Todavia alguns anarquistas continuaram a dar destaque ao potencial revolucionário do terrorismo e da violência A violência anarquista foi mais perceptível em dois períodos no final do século XIX atingindo o ponto máximo na década de 1890 e nos anos 1970 Os anarquistas lançaram mão do terrorismo ou da violência clandestina que normalmente envolvem assassinatos ou o uso de bombas com o objetivo de criar uma atmosfera de terror e preocupação Entre suas vítimas estão o czar Alexandre II o rei Humberto da Itália a imperatriz Elizabeth da Áustria e os presidentes Carnot da França e McKinley dos Estados Unidos O terrorista anarquista típico era ou um indivíduo que agia sozinho como no caso de Émile Henry que foi guilhotinado em 1894 depois de colocar uma bomba no Café Terminus em Paris ou grupos clandestinos como o Vontade do Povo da Rússia que assassinou Alexandre II Nos anos 1970 a violência anarquista foi empreendida por grupos como o BaaderMeinhof da Alemanha ocidental as Brigadas Vermelhas italianas o Exército Vermelho do Japão e a Angry Brigade da Inglaterra O argumento anarquista para o uso da violência é bastante específico uma vez que os atentados à bomba e os homicídios são considerados corretos e justos em si e não simplesmente um modo de exercer influência política Na visão anarquista a violência é um tipo de vingança ou retribuição que tem origem na opressão e exploração cometidas por políticos industriais juízes e policiais contra as massas trabalhadoras Dessa maneira a violência anarquista seria o mero reflexo da violência cotidiana da sociedade a qual seria direcionada para os verdadeiros culpados constituindose portanto em uma forma de justiça revolucionária Ainda se considera a violência como um modo de desmoralização das classes dominantes para leválas a perder o controle sobre o poder e os privilégios Além disso é uma forma de despertar a consciência política e motivar as massas para que se revoltem Os populistas russos acreditavam que a violência era uma espécie de propaganda pelo ato uma demonstração de que a classe dominante é fraca e indefesa e que esperavam encorajaria a insurreição popular entre os camponeses Na prática contudo a violência anarquista é na melhor das hipóteses contraproducente Longe de acordar as massas para a realidade de sua opressão a violência política costuma provocar sentimentos de horror e ultraje na população Sem dúvida a ligação entre o anarquismo e a violência prejudicou o apelo popular da ideologia Mais ainda a violência se mostra como uma forma pouco promissora de convencer a classe dominante a abrir mão do poder A violência e a coerção desafiam o Estado justamente no terreno em que sua superioridade é mais forte Os atentados terroristas dos anos 1890 e 1970 só incentivaram o Estado a ampliar e fortalecer sua máquina opressora em geral com o respaldo da opinião pública Ação direta Além do ataque revolucionário à sociedade existente os anarquistas muitas vezes empregaram a tática da ação direta que pode variar entre a resistência pacífica e o terrorismo Os anarcossindicalistas por exemplo recusavamse a se envolver com a política convencional representativa Preferiam em vez disso exercer pressão direta sobre os empregados por meio de boicotes a seus produtos sabotagem de seu maquinário e organização de greves O atual movimento antiglobalização ou anticorporativo influenciado pelo anarquismo também empregou estratégias de protesto popular de massas e envolvimento político direto Do ponto de vista anarquista a ação direta apresenta duas vantagens A primeira é que ela não está contaminada pelos processos do governo e da máquina do Estado A oposição e o descontentamento político podem assim ser manifestados com transparência e honestidade As forças da oposição não são desviadas para uma direção constitucional e não podem ser manobradas por políticos profissionais O segundo ponto forte da ação direta é que ela é uma forma de ativismo político popular que pode ser organizada com base na descentralização e na tomada de decisão participativa Por vezes isso é visto como a nova política que se afasta dos partidos estabelecidos dos grupos de interesses e dos processos representativos dirigindose a uma forma mais inovadora e teatral de política de protestos É possível identificar o impacto claro do anarquismo nos chamados novos movimentos sociais como os grupos ambientalistas antiglobalização feministas e dos direitos dos homossexuais entre outros já que eles tendem a se engajar numa política antipolítica Porém a ação direta também tem suas desvantagens Uma das principais é que ela pode comprometer o apoio público ao deixar os movimentos e grupos políticos que a empregam vulneráveis a acusações de irresponsabilidade ou extremismo Ademais embora a ação direta atraia a mídia e a atenção popular ela pode restringir a influência política pois define o grupo ou movimento como um excluído político sem acesso ao processo de tomada de decisões Não violência Na prática a maioria dos anarquistas entende que a violência é desaconselhável em termos táticos mas outros como os seguidores de Godwin e Proudhon consideramna abominável por princípio Estes últimos sempre foram atraídos pelos princípios da não violência e do pacifismo cultivados pelo romancista russo Liev Tolstói 18281910 e pelo líder indiano Mahatma Gandhi veja na p 100 do v 2 Apesar de nenhum dos dois ter sido propriamente um anarquista ambos de maneiras distintas manifestaram ideias concordantes com o anarquismo Em seus textos políticos Tolstói desenvolveu a imagem de uma civilização moderna corrupta e falsa Propunha que seria possível chegar à salvação ao se viver de acordo com os princípios religiosos e ao se retornar à existência simples e rural baseada no estilo de vida tradicional do campesinato russo Para Tolstói 1937 o respeito cristão pela vida exige que ninguém empregue a violência contra alguém em hipótese nenhuma Gandhi fez campanha contra a discriminação racial e liderou na Índia o movimento de independência pacifismo rejeição por princípio da guerra e de todas as formas de violência vistas como fundamentalmente nocivas 200 que acabou sendo concedida pelo Reino Unido em 1947 Seu método político se baseava na ideia da satyagraha ou a resistência não violenta influenciada pelos ensinamentos de Tolstói e pelos princípios religiosos hindus O princípio da não violência atraiu os anarquistas por duas razões Em primeiro lugar ele reflete o respeito pelos seres humanos como criaturas morais e autônomas A visão otimista que os anarquistas têm da natureza humana determina que as outras pessoas sejam tratadas com compaixão e respeito Em segundo lugar a não violência era atraente como estratégia política Abdicar do uso da força principalmente estandose sujeito a intimidação e provocação é sinal de convicções robustas e moralmente puras Contudo os anarquistas que se viram atraídos pelos princípios do pacifismo e da não violência tenderam a fugir do ativismo político de massa dando preferência à construção de comunidadesmodelo que refletem os princípios da cooperação e do respeito mútuo Eles esperam que as ideias anarquistas sejam disseminadas não por meio de campanhas políticas e manifestações mas sim pelo contraste radical entre a paz vivenciada em tais comunidades e o sereno desespero segundo as palavras de Thoreau que caracteriza a vida na sociedade convencional O anarquismo no século XXI Seria fácil descartar toda a ideia do anarquismo no século XXI e considerála uma simples fantasia Afinal não se pode dizer que ele tenha existido como movimento político relevante antes do início do século XX e mesmo então não conseguiu oferecer as bases para a reconstrução política em nenhuma sociedade importante Entretanto a duradoura relevância do anarquismo talvez se deva menos ao fato de ter oferecido uma base ideológica para a aquisição e retenção de poder político do que por ter questionado e assim fertilizado outros credos políticos Os anarquistas evidenciaram a natureza coerciva e destrutiva do poder político e ao fazêlo opuseramse a tendências estatizantes de outras ideologias com destaque para o liberalismo o socialismo e o conservadorismo De fato nesse sentido o anarquismo exerceu uma influência cada vez maior no pensamento político moderno Tanto a nova esquerda quanto a nova direita por exemplo manifestam tendências libertárias que trazem a marca das ideias anarquistas A nova esquerda abrange uma grande variedade de movimentos que foram importantes nos anos 1960 e no início dos 1970 inclusive o ativismo estudantil o anticolonialismo o feminismo e o ecologismo O tema unificador na nova esquerda era o objetivo da libertação entendido como a realização pessoal Ele endossava o estilo ativista de política baseado no protesto popular e na ação direta e era claramente influenciado pelo anarquismo A nova direita também enfatiza a importância da liberdade individual porém acredita que ela só pode ser garantida pela concorrência no mercado Os anarcocapitalistas procuraram destacar o que consideram ser os males da intervenção do Estado e notabilizaramse pela redescoberta da economia de livre mercado 201 Perguntase isso significa que o anarquismo no século XXI está destinado a ser apenas um conjunto de ideias em que outros pensadores e tradições políticas podem se basear à vontade O anarquismo tem hoje importância apenas filosófica Na verdade podese pintar uma imagem mais otimista do futuro do anarquismo Em determinados aspectos sua importância prática está oculta por trás de seu caráter cada vez mais diversificado Hoje além de abordarem a política estabelecida e a luta de classes os anarquistas versam sobre poluição e destruição do meio ambiente consumismo desenvolvimento urbano a relação homemmulher e a desigualdade mundial assuntos que muitas vezes acabam até substituindo aqueles primeiros Muitas dessas preocupações são manifestadas por movimentos sociais modernos como o movimento anticapitalista ou antiglobalização que apesar da grande coalescência de forças ideológicas trazem a marca de traços anarquistas Por exemplo Noam Chomsky a influência teórica mais importante no movimento antiglobalização desenvolveu suas ideias com base nas afirmações anarquistas Dizer que o anarquismo é irrelevante porque há muito deixou de ser um movimento de massa por seu legítimo direito talvez seja ignorar o sentido exato da questão Com o mundo cada vez mais complexo e fragmentado pode ser que a própria política de massas tenha morrido De acordo com esse ponto de vista o anarquismo em virtude de sua relação com valores como o individualismo a participação a descentralização e a igualdade talvez esteja mais bem equipado do que muitos outros credos políticos para enfrentar os desafios da pósmodernidade consumismo fenômeno psicológico e social por meio do qual a felicidade pessoal é equacionada com o consumo de posses materiais Noam Chomsky 1928 Teórico linguista e intelectual radical americano Sua obra Estruturas sintáticas 1957 revolucionou o estudo da linguística por meio da teoria da gramática transformacional que propõe que o ser humano tem uma capacidade inata de adquirir a linguagem Seu radicalismo político baseiase nos princípios anarquistas em especial na desconfiança de todas as instituições humanas e na fé no senso moral dos cidadãos Sua crítica à autoridade arbitrária apresentase com maior eloquência na crítica à política externa americana que ele classifica de neocolonialista e militarista Essas ideias foram desenvolvidas em mais de 30 livros incluindo O poder americano e os novos mandarins 1969 O novo humanismo militar 1999 e 11 de setembro 2003 Seus ataques à democracia americana colocam maior ênfase na capacidade da mídia de manipular os cidadãos comuns conforme argumenta em A manufatura do consentimento com Edward Herman 1988 Chomsky é o dissidente político de maior destaque dos Estados Unidos 202 Questões para discussão Por que os anarquistas consideram o Estado nocivo e opressor Como e por que o anarquismo se relaciona com o utopismo A teoria anarquista a respeito da natureza humana é convincente O anarquismo coletivista é apenas uma forma extrema de socialismo Em que pontos os anarcocomunistas e os marxistas concordam e em quais discordam De que maneira os anarquistas individualistas conciliam o egoísmo e a ausência do Estado O anarcocomunismo é simplesmente o liberalismo de livre mercado levado à sua conclusão mais lógica Por que os movimentos sociais modernos se interessam pelas ideias anarquistas De que modo o anarquismo influencia a análise da política internacional Sugestões de leitura CARTER A The political theory of anarchism Londres Routledge Kegan Paul 1971 Análise interessante e objetiva das ideias anarquistas que compara o anarquismo com teorias políticas mais ortodoxas MARSHALL P Demanding the impossible A history of anarchism Londres Fontana 1993 Explicação bem abrangente abalizada e entusiástica de toda a gama de teorias e crenças anarquistas MILLER D Anarchism Londres Dent 1984 Uma excelente introdução às ideias e teorias anarquistas PURKIS J BOWEN J Twentyfirst century anarchism Unorthodox ideas for a new millennium Londres Cassell 1997 Interessante coletânea de ensaios sobre ideias e ações anarquistas do final do século XX ROUSSOPOULOS D org The anarchist papers Nova York e Londres Black Rose Books 2002 Coletânea de artigos escritos por pensadores anarquistas que reflete o escopo das questões anarquistas modernas WOLFF R P In defence of anarchism 2ª ed Berkeley CA University of California Press 1998 Avaliação moderna da base filosófica do pensamento anarquista que contesta as principais críticas ao anarquismo WOODCOCK G Anarchism A history of libertarian ideas and movements Harmondsworth e Nova York Penguin 1962 Por algum tempo referênciapadrão sobre o anarquismo como ideia e movimento ainda digno de consulta 25 No text 26 Fascismo O termo fascismo deriva da palavra italiana fasces um feixe de varas ligado a uma lâmina de machado que simbolizava a autoridade dos magistrados do Império Romano Na década de 1890 a palavra fascia era usada na Itália como referência a grupos políticos em geral de socialistas revolucionários O termo fascismo só adquiriu um significado claramente ideológico depois que Mussolini o empregou para descrever os grupos paramilitares armados que organizou durante e após a Primeira Guerra Mundial A ideia definidora do fascismo é a de uma comunidade nacional organicamente unificada expressa na crença na força por meio da união Segundo essa ideologia o indivíduo em sentido literal não é nada a identidade individual deve ser totalmente absorvida pela comunidade ou pelo grupo social O ideal fascista é o do novo homem um herói motivado pelo dever pela honra e pela abnegação pronto para dedicar a vida à glória de sua nação ou da raça a que pertence e para obedecer de modo incondicional a um líder supremo De várias maneiras o fascismo constituiu uma revolta contra as ideias e os valores que dominavam o pensamento político ocidental desde a Revolução Francesa Conforme pregava o slogan fascista italiano 1789 morreu Valores como o racionalismo o progresso a liberdade e a igualdade foram subvertidos em nome da luta da liderança do poder do heroísmo e da guerra Assim o fascismo tem um caráter fortemente anti ele é antirracional antiliberal anticonservador anticapitalista antiburguês anticomunista e assim por diante No entanto é um fenômeno histórico complexo que abrange segundo muitos duas tradições distintas O fascismo italiano era em sua essência uma forma radical de estatismo baseada na fidelidade absoluta a um Estado totalitário Já o fascismo alemão ou nazismo foi fundado por sua vez com base em teorias raciais que caracterizavam o povo ariano como a raça superior e apresentou uma primeira forma virulenta de antissemitismo Origens e evolução Enquanto o liberalismo o conservadorismo e o socialismo são ideologias do século XIX o fascismo é filho do século XX e alguns ainda diriam que especificamente do período entre as duas guerras mundiais Aliás o fascismo surgiu sobretudo 205 como uma revolta contra a modernidade contra as ideias e os valores do iluminismo e dos credos políticos dele decorrentes Os nazistas na Alemanha por exemplo proclamaram que 1789 está eliminado Na Itália fascista slogans como acredita obedece luta e ordem autoridade justiça substituíram os princípios mais conhecidos da Revolução Francesa liberdade igualdade fraternidade O fascismo não só surgiu do nada conforme OSullivan 1983 descreveu como também tentou refazer o mundo político para literalmente desarraigar e destruir a herança do pensamento político convencional Embora as principais ideias e doutrinas do fascismo possam ser encontradas no século XIX elas foram amalgamadas e formadas pela Primeira Guerra Mundial e suas consequências em especial pela poderosa combinação de guerra e revolução O fascismo surgiu de maneira mais radical na Itália e na Alemanha Na Itália formouse um Partido Fascista em 1919 e seu líder Benito Mussolini veja na p 219 foi nomeado primeiroministro em 1922 Em 1926 foi estabelecido um Estado fascista monopartidário Também formado em 1919 sob a liderança de Adolf Hitler veja na p 212 o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães conhecido como Partido Nazista deliberadamente adotou o estilo dos fascistas de Mussolini Hitler foi nomeado chanceler alemão em 1933 e em pouco mais de um ano transformou a Alemanha em uma ditadura nazista Durante esse mesmo período a democracia desmoronou ou foi derrubada em grande parte da Europa sendo muitas vezes substituída por regimes direitistas autoritários ou abertamente fascistas sobretudo no Leste europeu Regimes com alguma relação com o fascismo também se desenvolveram fora da Europa em especial no Japão Imperial da década de 1930 e na Argentina sob o governo de Perón 19451955 As origens e o significado do fascismo geram um grande interesse histórico e não raro desentendimentos ferozes Não há um fator único por si só que tenha sido o responsável por seu aparecimento ao contrário ele surgiu de uma complexa variedade de forças históricas existentes no período entreguerras Em primeiro lugar alguns governos democráticos haviam se estabelecido recentemente em muitas partes do continente europeu mas os valores políticos democráticos não haviam substituído os mais antigos autocráticos Além disso os governos democráticos que representavam uma coalizão de interesses ou partidos muitas vezes pareciam fracos e instáveis diante de crises econômicas e políticas Nesse contexto a perspectiva de uma liderança forte viabilizada por um governo pessoal trazia em seu cerne uma forte sedução Em segundo lugar a sociedade europeia fora desmantelada pela experiência da industrialização que ameaçava sobretudo a classe média baixa formada por comerciantes pequenos empresários fazendeiros e artesãos que se espremeia entre o poder crescente das grandes empresas de um lado e o poder nascente do trabalho organizado de outro Grande parte do apoio aos movimentos fascistas e dos integrantes desses movimentos veio dessa classe média baixa De certa maneira o fascismo era um extremismo de cen tro Lipset 1983 uma revolta da classe média baixa o que ajuda a explicar a hostilidade do fascismo em relação ao capitalismo e ao comunismo Em terceiro lugar o período após a Primeira Guerra Mundial foi profundamente afetado pela Revolução Russa e pelo medo das classes proprietárias de que a revolução social estivesse prestes a se espalhar por toda a Europa Os grupos fascistas sem dúvida obtiveram apoio político e financeiro das empresas Em resultado historiadores marxistas interpretaram o fascismo como uma forma de contrarrevolução uma tentativa da burguesia de se agarrar ao poder por meio do apoio a ditadores fascistas Em quarto lugar a crise econômica mundial da década de 1930 deu o golpe de misericórdia nas democracias já fragilizadas O aumento do desemprego e a falência econômica criaram uma atmosfera de crise e pessimismo que foi explorada por demagogos e extremistas políticos Por fim a Primeira Guerra Mundial não conseguiu resolver os conflitos e rivalidades internacionais deixando uma herança amarga de nacionalismo frustrado e um desejo de vingança As tensões nacionalistas eram mais fortes nas nações desprovidas que haviam sido derrotadas na guerra como a Alemanha ou que haviam ficado decepcionadas com os termos do tratado de paz de Versalhes como a Itália e o Japão Além disso a experiência da guerra em si criou uma forma de nacionalismo particularmente militante e o impregnou de valores militaristas Os regimes fascistas não foram derrubados por revolta popular nem por protestos e sim por causa da derrota na Segunda Guerra Mundial Desde 1945 os movimentos fascistas só conseguiram sucesso marginal o que levou alguns a acreditar que o fascismo fosse um fenômeno específico do entreguerras ligado à combinação singular de circunstâncias históricas que caracterizou aquele período Nolte 1965 Outros entretanto consideram o fascismo um perigo onipresente e veem suas raízes na psicologia humana Ou na definição de Erich Fromm 1984 tratase do medo da liberdade A civilização moderna produziu maior liberdade individual mas com ela veio o perigo do isolamento e da insegurança Em tempos de crise os indivíduos podem fugir da liberdade buscando segurança na submissão a um líder todopoderoso ou a um Estado totalitário Portanto a instabilidade política ou uma crise econômica pode criar condições para que o fascismo reapareça Houve até manifestações de temor em relação ao crescimento do neofascismo em parte do Leste europeu depois da queda dos governos comunistas 19891991 Da mesma forma as pressões geradas pela globalização econômica e cultural e os crescentes movimentos transnacionais de populações criaram oportunidades para o ativismo nacionalista radical ou para o ativismo político com características fascistas Uma vez que a combinação de crise econômica instabilidade política e nacionalismo frustrado já proporcionou terreno fértil para os movimentos fascistas no passado seria ingênuo desprezar a possibilidade do ressurgimento do fascismo no futuro Na seção final deste capítulo discutemse as perspectivas para o fascismo no século XXI Temas principais A força por meio da união O fascismo é uma ideologia difícil de analisar e isso ocorre por no mínimo duas razões Em primeiro lugar não há certeza de que ele pode ser visto de maneira significativa como uma ideologia Por não ter uma base racional e coerente o fascismo parece como Hugh TrevorRoper expressou uma disparatada miscelânea de ideias Woolf 1981 Hitler por exemplo preferia descrever suas ideias mais como uma Weltanschauung ou visão de mundo do que como uma ideologia sistemática Nesse sentido uma visão de mundo é um conjunto de atitudes completo quase religioso que exige comprometimento e fé e não um convite a análise e debate fundamentados Os fascistas se interessavam por ideias e teorias não tanto porque elas ajudavam a encontrar um sentido para o mundo em termos racionais mas sobretudo porque elas tinham a capacidade de estimular o ativismo político O fascismo pode então ser mais bem descrito como um movimento político ou mesmo uma religião política do que como uma ideologia Em segundo lugar o fascismo foi um fenômeno histórico tão complexo que é difícil identificar seus princípios fundamentais ou um mínimo fascista por vezes visto como um fascismo genérico Onde começa e onde termina o fascismo Que movimentos e regimes podem ser classificados como autenticamente fascistas Existem dúvidas por exemplo se o Japão Imperial a França de Vichy a Espanha de Franco a Argentina de Perón ou mesmo a Alemanha de Hitler podem ser classificados como fascistas É bastante controvertida a relação entre grupos de direita radicais modernos como a Frente Nacional na França e o Partido Nacional Britânico no Reino Unido e o fascismo esses grupos são fascistas neofascistas pósfascistas nacionalistas radicais ou o quê Entre as tentativas de se definir a base ideológica do fascismo encontramse a teoria de Ernst Nolte 1965 de que ele é uma resistência à transcendência a crença de A J Gregor 1969 de que ele almeja a construção de uma comunidade carismática total a afirmação de Roger Griffin 1993 de que constitui um ultranacionalismo palingenésico o termo palingenesia significando renascimento e ainda a afirmação de Roger Eatwell 1996 de que ele é uma terceira via radical holísticonacional Sem dúvida cada um deles destaca um aspecto importante do fascismo mas é difícil aceitar que uma fórmula de uma só frase possa sintetizar um fenômeno tão disforme quanto a ideologia fascista Talvez o melhor que se possa conseguir seja identificar uma série de temas que quando considerados em conjunto constituam a base estrutural do fascismo Os mais importantes são antirracionalismo luta liderança e elitismo socialismo ultranacionalismo Fascismo Antirracionalismo Embora os movimentos políticos fascistas tenham nascido das transformações sociais que se seguiram à Primeira Guerra Mundial eles se basearam em ideias e teorias que já vinham circulando desde o final do século XIX Entre as mais relevantes estão o antirracionalismo e o crescimento generalizado do contrailuminismo O iluminismo baseado nas ideias da razão universal da bondade natural e do progresso inevitável estava comprometido com a libertação da humanidade das trevas do irracionalismo e da superstição No final do século XIX no entanto os pensadores passaram a ressaltar os limites da razão humana e a dirigir a atenção para outros estímulos e impulsos talvez mais poderosos Por exemplo para Friedrich Nietzsche os seres humanos são motivados por emoções fortes a vontade em vez da mente racional e em especial pelo que chamou de vontade de poder Em sua obra Reflexões sobre a violência 1908 1950 o sindicalista francês Georges Sorel 18471922 destacou a importância dos mitos políticos e em especial do mito da greve geral que não são descrições passivas da realidade política e sim expressões da vontade que mobilizam as emoções e provocam a ação Já Henri Bergson 18591941 filósofo francês apresentou a primeira teoria do vitalismo que sugere que o propósito da existência humana é manifestar a força da vida e evitar que ela seja restringida ou corrompida pela tirania da razão fria ou do raciocínio sem sentimento Embora o antirracionalismo não tenha necessariamente um caráter direitista ou protofascista o fascismo deu expressão política às formas mais radicais e extremas do pensamento contrailuminista O antirracionalismo influenciou o fascismo de várias maneiras Em primeiro lugar deu ao fascismo um acentuado antiintelectualismo refletido na tendência a menosprezar o pensamento abstrato e a reverenciar a ação Por exemplo alguns dos slogans favoritos de Mussolini eram Ação não palavras e A inatividade é a morte A vida intelectual foi desvalorizada e até desprezada ela é fria seca e morta O fascismo ao contrário lida com a alma as emoções e os instintos Suas ideias têm pouca coerência ou rigor mas procuram exercer um apelo mítico Seus principais ideólogos em particular Hitler e Mussolini eram essencialmente propagandistas políticos interessados em ideias e teorias em grande parte por causa do poder delas de provocar uma reação emocional e incitar as massas à ação O fascismo portanto pratica a política da vontade Em segundo lugar a rejeição ao iluminismo deu ao fascismo um caráter predominantemente negativo ou destrutivo Em outras palavras em geral os fascistas deixaram claro tudo aquilo que são contra raramente expressando aquilo que apoiam O fascismo assim parece uma antifilosofia é antirracional antiliberal anticonservador anticapitalista antiburguês anticomunista e assim por diante mito político crença que é capaz de provocar a ação política em virtude de seu poder emocional em vez do apelo à razão vitalismo teoria segundo a qual os organismos vivos derivam suas propriedades características de uma força de vida universal O vitalismo implica a ênfase no instinto e no impulso e não no intelecto e na razão 209 Ideologias políticas Do liberalismo ao fascismo v 1 Friedrich Nietzsche 18441900 Filósofo alemão Foi professor de grego na Basileia Suíça até os 25 anos de idade quando abandonou a filologia e influenciado pelas ideias de Schopenhauer 17881860 dedicouse a desenvolver uma crítica à religião tradicional e ao pensamento filosófico Depois de 1889 com a saúde deteriorada e um quadro de insanidade cada vez pior ficou sob os cuidados da irmã Elizabeth que editou e deturpou sua obra O trabalho complexo e ambicioso de Nietzsche enfatizou a importância da vontade em especial a vontade de poder e prenunciou o existencialismo moderno ao declarar que as pessoas criam o próprio mundo e constroem os próprios valores Deus está morto Crítico feroz do cristianismo e contrário ao igualitarismo e ao nacionalismo suas ideias influenciaram o anarquismo o feminismo e o fascismo As obras mais famosas de Nietzsche incluem Assim falou Zaratustra 18831884 Além do bem e do mal 1886 e A genealogia da moral 1887 niilismo literalmente a crença em nada a rejeição de todos os princípios morais e políticos O niilismo é por vezes embora não necessariamente associado à destruição e ao uso da violência Diante disso há quem o caracterize como um exemplo do niilismo O nazismo em particular foi descrito como uma revolução do niilismo Porém o fascismo não se resume à negação de crenças e princípios estabelecidos é na verdade uma tentativa de inverter a herança do iluminismo Ele representa o lado mais escuro da tradição política ocidental os valores centrais e duradouros que não foram abandonados mas sim transformados ou virados de cabeça para baixo Por exemplo no fascismo liberdade passou a significar submissão cega democracia foi equiparada à ditadura absoluta e progresso implicou lutas e guerras constantes Além disso apesar da indubitável inclinação ao niilismo à guerra e à morte o fascismo se via como uma força criativa um meio para a construção de uma nova civilização por meio da destruição criativa Aliás a conjunção de nascimento e morte criação e destruição pode ser vista como um dos aspectos característicos da visão de mundo fascista Em terceiro lugar por abandonar o critério da razão universal o fascismo coloca sua fé inteiramente na história na cultura e na ideia de comunidade orgânica Essa comunidade é formada não pelo raciocínio e pelos interesses de indivíduos racionais mas pela lealdade inata e pelos laços emocionais forjados por um passado comum No fascismo essa ideia de unidade orgânica é levada ao extremo A comunidade nacional ou como os nazistas a chamavam Volksgemeinschaft era vista como um todo indivisível sendo todas as rivalidades e conflitos subordinados a um propósito maior coletivo A força da nação ou da raça portanto é um reflexo de sua unidade moral e cultural Essa perspectiva de coesão social incondicional foi expressa pelo slogan nazista A força por meio da união A revolução que os fascistas buscavam era desse modo a revolução do espírito visando à criação de um novo tipo de ser humano sempre entendido em termos mas 210 Fascismo culinos Esse era o novo homem ou o homem fascista um herói motivado pelo dever pela honra e pela abnegação e preparado para dissolver sua personalidade em meio à do todo social Luta As ideias desenvolvidas pelo biólogo britânico Charles Darwin 18091882 em A origem das espécies On the origin of species 1859 1972 popularmente conhecidas como a teoria da seleção natural exerceram forte impacto sobre as ciências naturais e também no final do século XIX sobre o pensamento social e político A noção de que a existência humana se baseia na competição ou na luta ganhou uma importância especial no período de rivalidade internacional intensa que acabou levando à guerra de 1914 O darwinismo social também exerceu um impacto considerável no surgimento do fascismo Em primeiro lugar os fascistas viam a luta como uma condição natural e inevitável da vida social e internacional Só a competição e o conflito garantem o progresso humano e asseguram que os mais adaptados e os mais fortes prosperem Conforme Hitler disse a cadetes alemães em 1944 A vitória é para os fortes e os fracos devem ser aniquilados Se o laboratório de testes da existência humana é a competição e a luta então o teste definitivo é a guerra que Hitler descreveu como uma lei imutável da vida Entre as ideologias políticas o fascismo tem uma peculiaridade vê a guerra como algo bom em si mesmo uma interpretação que pode ser vista na crença de Mussolini de que a guerra é para os homens o que a maternidade é para as mulheres O pensamento darwinista também revestiu o fascismo de um conjunto característico de valores políticos que equipara bondade a força e maldade a fraqueza Na contramão dos valores tradicionais humanistas e religiosos como a generosidade a solidariedade e a compaixão os fascistas respeitam um conjunto bem diferente de valores marcials a lealdade o dever a obediência e a abnegação Quando a vitória dos fortes é glorificada o poder e a força são reverenciados em benefício próprio Da mesma forma a fraqueza é desprezada e a eliminação dos fracos e dos não adaptados é vista de maneira positiva eles devem ser sacrificados em nome do bem comum assim como a sobrevivência de uma espécie é mais importante do que a vida de qualquer membro individual daquela espécie Portanto a fraqueza e a deficiência não devem ser toleradas mas sim removidas Isso ficou ilustrado com mais nitidez no programa de eugenia introduzido pelos nazistas na Alemanha por meio do qual as pessoas mental e fisicamente deficientes foram esterilizadas à força num primeiro momento e na sequência entre 1939 e 1941 sistematicamente assassinadas A retirada dos nazistas de exterminar os judeus europeus a partir de 1941 foi nesse sentido um exemplo de eugenia racial seleção natural teoria segundo a qual as espécies passam por um processo de mutações aleatórias que adapta algumas a sobreviver e possivelmente prosperar enquanto outras são extintas eugenia teoria ou prática da reprodução seletiva alcançada ao se favorecer a procriação entre os membros adaptados de uma espécie ou ao se evitar a procriação dos não adaptados 211 Adolf Hitler 18891945 Ditador nazista alemão Filho de um inspetor de alfândega austríaco Hitler juntouse ao Partido dos Trabalhadores Alemães mais tarde conhecido como NSDAP ou Partido Nazista em 1919 tornandose seu líder em 1921 Assumiu o cargo de chanceler em 1933 e declarouse Führer líder da Alemanha no ano seguinte Seu regime foi marcado pelo expansionismo militar implacável e pela tentativa de exterminar os judeus europeus Embora estivesse longe de ser um pensador original em Minha luta 1925 1969 Hitler elaborou um programa nazista quase sistemático no qual juntou o nacionalismo alemão expansionista o antissemitismo racial e a crença na luta implacável O principal aspecto de sua visão de mundo era a teoria histórica que destacava a infindável batalha entre alemães e judeus representando respectivamente as forças do bem e do mal elitismo crença no governo de uma elite ou minoria O governo de elite pode ser considerado desejável quando a elite tem talentos e habilidades superiores ou inevitável quando o igualitarismo é simplesmente impraticável Fascismo carisma encanto ou poder pessoal A capacidade de inspirar lealdade dependência emocional e devoção em outros vontade geral interesses genuínos de um organismo coletivo equivalente ao bem comum Referese a vontade de todos contanto que cada pessoa aja de maneira altruísta A SS sigla do alemão Schutzstaffel que significa Tropa de Proteção era uma organização militar e política que atuava como tropa regular de elite do Partido Nazista alemão N da RT Autoridade Os liberais acreditam que a autoridade vem de baixo para cima por intermédio do consentimento dos governados Apesar de ser uma exigência da existência ordenada a autoridade é racional dotada de objetivo e limitada uma visão que se reflete na preferência por uma dominação racionallegal e pela responsabilidade pública Os conservadores veem a autoridade como decorrente de uma necessidade natural sendo exercida de cima para baixo em virtude da distribuição desigual de experiência posição social e sabedoria A autoridade é tão benéfica quanto necessária pois alimenta o respeito e a lealdade além de estimular a coesão social Os socaustas em princípio desconfiam da autoridade que é vista como tacitamente opressora e em geral ligada aos interesses dos poderosos e privilegiados Apesar disso as sociedades socialistas endossam a autoridade do organismo coletivo independentemente de sua forma de manifestação como meio de conter o individualismo e a ganância Os anarquistas veem todas as formas de autoridade como desnecessárias e destrutivas e equiparam a autoridade à opressão e à exploração Uma vez que não estabelecem diferenças entre autoridade e poder todo o controle sobre a autoridade e todas as formas de responsabilização são completamente falsos Os fascistas consideram a autoridade uma expressão da liderança ou do carisma pessoal uma qualidade de indivíduos extraordinariamente talentosos quando não únicos Essa autoridade carismática é e deve ser absoluta e inquestionável e apresenta portanto um caráter totalitário de maneira implícita ou explícita Os fundamentalistas religiosos veem a autoridade como um reflexo do acesso desigual à sabedoria religiosa sendo a autoridade no fundo uma qualidade essencialmente moral de indivíduos iluminados Uma vez que essa autoridade tem caráter carismático é difícil contestála ou conciliála com o constitucionalismo veja na p 52 democracia totalitária ditadura absoluta disfarçada de democracia tipicamente baseada na pretensão do líder a um monopólio da sabedoria ideológica Socialismo Mussolini e Hitler caracterizaram algumas vezes suas ideias como formas de socialismo Mussolini já fora um membro influente do Partido Socialista Italiano e editor do jornal do partido Avanti enquanto o Partido Nazista adotava uma filosofia que chamou de nacionalsocialismo Até certo ponto isso sem dúvida representou uma tentativa cínica de obter o apoio dos trabalhadores urbanos Entretanto apesar da óbvia rivalidade ideológica entre o fascismo e o socialismo os fascistas tinham de fato afinidade com algumas ideias e posições socialistas Em primeiro lugar os ativistas fascistas da classe média baixa nutriam uma profunda aversão ao capitalismo de grande escala refletida em um ressentimento dirigido às grandes empresas e instituições financeiras Por exemplo os pequenos comerciantes eram ameaçados pela expansão das lojas de departamento os minifundiários estavam perdendo para a agricultura em grande escala e os pequenos empresários deviam cada vez mais para os bancos Com isso as ideias socialistas ou esquerdistas ganhavam importância em organizações populares alemãs como a SA ou camisas pardas que recrutavam muitas pessoas da classe média baixa Em segundo lugar o fascismo assim como o socialismo endossa o coletivismo colocandoo em divergência com os valores burgueses do capitalismo O fascismo eleva a comunidade acima do indivíduo As moedas nazistas por exemplo traziam a inscrição o bem comum acima do bem privado O capitalismo por sua vez baseiase na busca do interesse próprio e portanto ameaça enfraquecer a coesão da nação ou da raça Os fascistas também desprezam o materialismo que o capitalismo alimenta o desejo de riqueza ou lucro opõese à visão idealística da regeneração nacional ou da conquista mundial que inspira os fascistas Em terceiro lugar os regimes fascistas praticavam políticas econômicas ao estilo socialista com o objetivo de regular ou controlar o capitalismo Dessa maneira o capitalismo estava subordinado aos objetivos ideológicos do Estado fascista Segundo Oswald Mosley líder da União Britânica dos Fascistas o capitalismo é um sistema por meio do qual o capital usa a nação para seus próprios fins O fascismo é um sistema por meio do qual a nação usa o capital para seus próprios fins Os regimes italiano e alemão tentaram submeter as grandes empresas a seus objetivos políticos por meio de políticas de nacionalização e de regulamentação estatal Por exemplo depois de 1939 o capitalismo alemão foi reorganizado de acordo com o Plano de Quatro Anos de Hermann Göring moldado deliberadamente na ideia soviética dos Planos de Cinco Anos Entretanto a noção de socialismo fascista tem sérias limitações Por exemplo elementos esquerdistas dentro dos movimentos fascistas como a SA na Alemanha e os sindicalistas revolucionários sorelianos na Itália foram rapidamente marginalizados assim que os partidos fascistas ganharam o poder na esperança de A SA sigla do alemão Sturmabteilung que significa Divisões de Assalto era uma espécie de milícia particular do Partido Nazista Foi importante para a ascensão de Adolf Hitler mas perdeu lugar posteriormente para a SS N da RT 215 cultivarem o apoio das grandes empresas Isso ocorreu de maneira mais drástica na Alemanha nazista por meio da limpeza da SA e do assassinato de seu líder Ernst Röhm na Noite das Facas Longas em 1934 Os marxistas então argumentaram que o propósito do fascismo era salvar o capitalismo e não subvertêlo Além disso as ideias fascistas acerca da organização da vida econômica eram vagas na melhor das hipóteses e às vezes incoerentes Era o pragmatismo e não a ideologia que determinava a política econômica fascista Por fim o anticomunismo tinha mais destaque dentro do fascismo do que o anticapitalismo O objetivo essencial do fascismo era seduzir a classe operária para que esta abandonasse o marxismo e o bolchevismo que pregavam a ideia insidiosa e até desleal da solidariedade internacional entre os membros da classe operária e defendiam os valores equivocados da cooperação e da igualdade Os fascistas se dedicavam à união nacional e à integração e queriam que a fidelidade à raça e à nação fosse mais forte do que a fidelidade à classe social Ultranacionalismo O fascismo adotou uma versão radical do nacionalismo chauvinista e expansionista Segundo essa tradição as nações não eram entidades iguais e interdependentes mas sim rivais em uma luta pela dominação O nacionalismo fascista não pregava o respeito às culturas e às tradições nacionais ao contrário afirmava a superioridade de uma nação sobre todas as demais No nacionalismo explicitamente racial do nazismo isso se refletia na ideia do arianismo ou seja a convicção de que o povo alemão era a raça superior No entreguerras esse nacionalismo militante foi estimulado por uma herança de rancor e frustração resultante da Primeira Guerra Mundial e suas consequências O fascismo procura estimular mais do que o mero patriotismo ou o amor ao próprio país Ele deseja de fato estabelecer um sentido intenso e militante de identidade nacional que Charles Maurras 18681952 líder do jornal Action Française chamou de nacionalismo integral O fascismo personifica um sentimento de missão messiânica ou fanática a perspectiva de regeneração nacional e o renascimento do orgulho nacional Aliás o apelo popular que o fascismo exerceu baseiase muito na promessa de grandeza nacional Segundo Griffin 1993 a essência mítica do fascismo genérico é a conjunção das ideias da palingenesia ou o renascimento recorrente e do ultranacionalismo populista Todos os movimentos fascistas destacam a falência moral e a decadência cultural da sociedade moderna mas anunciam a possibilidade de rejuvenescimento oferecendo a imagem da nação que como a fênix renasce das próprias cinzas Com isso o fascismo funde os mitos sobre um passado glorioso com a imagem de um futuro caracterizado pela renovação e por um novo despertar daí a ideia de um homem novo Na Itália isso se refletiu nas tentativas de recuperação das glórias do Império Romano Já na Alemanha o regime nazista se caracterizou como o Ter 216 nacionalismo integral forma intensa até histérica de entusiasmo nacionalista em que a identidade individual se dilui na comunidade nacional ceiro Reich na sucessão ao Primeiro Reich de Carlos Magno e ao Segundo Reich de Bismarck Porém na prática a regeneração nacional invariavelmente significava a afirmação do poder sobre outras nações por meio do expansionismo da guerra e da conquista Influenciado pelo darwinismo social e pela crença na superioridade nacional e às vezes racial o nacionalismo fascista estabeleceu uma forte ligação com o militarismo e o imperialismo A Alemanha nazista almejava construir uma Grande Alemanha e criar um império que se estenderia até a União Soviética um Lebensraum no Leste A Itália fascista pretendia fundar um império africano por meio da invasão da Abissínia em 1934 O Japão Imperial ocupou a região da Manchúria em 1931 para fundar uma esfera de coprosperidade em uma nova Ásia governada pelos japoneses Esses impérios deveriam ser autárquicos baseados na completa autossuficiência Na visão fascista a força econômica se baseia na capacidade de uma nação de contar apenas com os recursos e energias que ela controla diretamente Portanto a conquista e o expansionismo são meios de adquirir segurança econômica e grandeza nacional A regeneração nacional e o progresso econômico ficam assim intimamente ligados ao poderio militar O fascismo e o Estado Embora seja possível identificar um conjunto comum de valores e princípios fascistas a Itália fascista e a Alemanha nazista representavam versões distintas do fascismo e foram inspiradas por crenças diferentes e às vezes rivais Os regimes e movimentos fascistas corresponderam desse modo a uma de duas tradições principais A do fascismo italiano prega o ideal de um Estado todopoderoso e totalitário na forma de um estatismo radical A outra da Alemanha nazista ou nacionalsocialista destaca a importância da raça e do racialismo O ideal totalitário O totalitarismo é um conceito controvertido Ele atingiu seu ponto alto de popularidade durante a Guerra Fria quando foi usado para chamar atenção para os paralelos entre o regime fascista e o comunista destacando os aspectos brutais de ambos Desse modo ele se tornou um veículo de manifestação de visões anticomunistas e em particular de hostilidade contra a União Soviética Apesar disso o totalitarismo ainda é um conceito útil para a análise do fascismo O fascismo genérico tende ao totalitarismo em pelo menos três aspectos Primeiro o coletivismo radical que está no âmago da ideologia fascista a meta da criação do homem fascista leal dedicado e obediente acaba de vez com a dife autarquia autossuficiência econômica viabilizada por meio do expansionismo que visa assegurar mercados e fontes de matériaprima ou por intermédio de isolamento em relação à economia internacional estatismo crença de que o Estado é o meio mais adequado de resolver problemas e garantir o desenvolvimento econômicosocial raça grupo de pessoas que compartilham uma herança genética comum e são assim diferenciadas das demais por fatores biológicos 217 Totalitarismo O totalitarismo é um amplo sistema de governo normalmente estabelecido por meio da manipulação ideológica generalizada do terror e da brutalidade Ele é diferente da autocracia do autoritarismo e da ditadura tradicional pois busca o poder total por intermédio da politização de todos os aspectos da existência social e pessoal O totalitarismo implica a completa abolição da sociedade civil a abolição do privado O fascismo e o comunismo são às vezes vistos como formas direitista e esquerdista do totalitarismo tomando como base sua rejeição à tolerância ao pluralismo e à sociedade aberta Entretanto alguns pensadores radicais como Marcuse veja na p 135 alegaram que as democracias liberais também apresentam aspectos totalitários monismo crença em uma única teoria ou valor Na política o monismo se reflete pela obediência imposta a um poder unitário e é assim implicitamente totalitário Benito Mussolini 18831945 Ditador fascista italiano Professor e jornalista quando jovem Mussolini tornouse membro da liderança do Partido Socialista até que foi expulso em 1914 por apoiar a intervenção na Primeira Guerra Mundial Fundou o Partido Fascista em 1919 foi nomeado primeiroministro em 1922 e em três anos havia estabelecido um Estado fascista monopartidário Mussolini gostava de dizer que era o fundador do fascismo embora seus discursos e textos sempre tenham sido preparados por intelectuais Um ponto básico de sua filosofia política era a crença de que a existência humana só tem sentido se for mantida e decidida pela comunidade Entretanto isso exige que o Estado seja reconhecido como a vontade ética universal uma noção personificada no totalitarismo Fora do Estado nenhum valor humano ou espiritual pode existir muito menos ter valor Corporativismo No sentido mais amplo corporativismo é o meio de incorporar interesses organizados no processo de governo Existem duas faces do corporativismo O corporativismo autoritário estreitamente associado à Itália fascista é uma ideologia e um modelo econômico Como ideologia ele oferece uma alternativa ao capitalismo e ao socialismo baseada no holismo e na integração do grupo Como modelo econômico caracterizase pela extensão do controle político direto sobre a indústria e o trabalho organizado Já o corporativismo liberal neocorporativismo ou corporativismo social referese à tendência encontrada nas democracias liberais há muito estabelecidas de garantir aos interesses organizados acesso privilegiado e institucional à formulação de políticas Ao contrário da variante autoritária o corporativismo liberal fortalece grupos e não o governo futurismo movimento do início do século XX no campo das artes que glorificava as fábricas o maquinário e a vida industrial de um modo geral por Filippo Marinetti 18761944 Depois de 1922 Marinetti e outros líderes futuristas foram absorvidos pelo fascismo trazendo com eles a crença no dinamismo o culto à máquina e a rejeição do passado Para Mussolini um Estado todopoderoso era atraente em parte porque ajudaria a Itália não só a romper com o retrocesso e a tradição como também a se tornar um país industrializado voltado para o futuro O fascismo e o racialismo Nem todas as formas de fascismo envolvem um racialismo explícito nem todos os racialistas são necessariamente fascistas O fascismo italiano por exemplo baseavase sobretudo na supremacia do Estado fascista sobre o indivíduo e na submissão à vontade de Mussolini Era portanto uma forma voluntarista de fascismo pois ao menos em teoria poderia abranger todas as pessoas independentemente de raça cor ou país de nascimento Quando Mussolini aprovou as leis antissemiticas posteriores a 1937 ele o fez em grande parte para apaziguar Hitler e os alemães e não por algum propósito ideológico Apesar disso o fascismo sempre se harmonizou com as ideias racialistas e nasceu delas Há quem argumente que a ênfase no nacionalismo militante significa que todas as formas de fascismo são simpáticas ao racialismo ou acolhem doutrinas racialistas implícitas ou explícitas Griffin 1993 Em nenhum outro lugar essa ligação entre raça e fascismo ficou tão evidente quanto na Alemanha nazista onde a ideologia oficial às vezes implicava pouco mais que um antissemitismo histérico e pseudocientífico A política da raça O termo raça sugere que existem diferenças biológicas ou genéticas significativas entre os seres humanos Se por um lado é possível abandonar uma identidade nacional e assumir outra por meio de um processo de naturalização por outro é impossível mudar a raça de uma pessoa uma vez que ela é definida no nascimento na verdade antes do nascimento pela identidade racial dos pais Os símbolos da raça o tom da pele a cor do cabelo a fisionomia e o sangue são predeterminados e imutáveis O uso de termos e categorias raciais tornouse lugarcomum no Ocidente durante o século XIX à medida que o imperialismo pôs as raças europeias predominantemente brancas cada vez mais em contato com as raças negra parda e amarela da África e da Ásia Entretanto as categorias raciais refletem em grande medida estereótipos culturais e têm pouca base científica quando a têm As classificações raciais mais gerais como aquelas fundamentadas na cor da pele branca parda amarela e assim por diante são na melhor das hipóteses equivocadas ou na pior construções arbitrárias Teorias raciais mais detalhadas e ambiciosas como a dos nazistas simplesmente produziram anomalias A mais evidente talvez seja o fato de que o próprio Adolf Hitler com certeza não se voluntarismo teoria que enfatiza o livrearbítrio e o comprometimento pessoal em detrimento de qualquer forma de determinismo antissemitismo preconceito ou ódio contra os judeus O antissemitismo pode assumir uma forma religiosa econômica ou racial veja também a p 224 Racialismo O racialismo é de modo geral a crença de que conclusões políticas ou sociais podem ser obtidas com base na ideia de que a humanidade é dividida em raças biologicamente distintas As teorias racialistas se apoiam em duas premissas A primeira é de que existem diferenças fundamentais genéticas ou de espécie entre os povos do mundo A segunda é que essas divisões genéticas se refletem em diferenças culturais intelectuais eou morais tornandoas significativas nos aspectos político e social O racialismo político se manifesta nas exigências de segregação racial por exemplo o apartheid e nas doutrinas da superioridade ou inferioridade do sangue por exemplo o arianismo ou o antissemitismo Racialismo e racismo são usados com frequência de forma intercambiável mas o último é mais bem empregado para se referir ao preconceito e à hostilidade contra pessoas por causa de sua origem racial e isso nem sempre está ligado a alguma teoria racial elaborada enquadrava no estereótipo racial do ariano alto de ombros largos loiro e de olhos azuis predominante na literatura nazista O pressuposto essencial do racialismo é que conclusões políticas e sociais podem se basear na ideia de que existem diferenças inatas ou fundamentais entre as raças do mundo No fundo a genética determina a política teorias políticas racialistas podem remontar a premissas biológicas conforme ilustrado na figura 71 Uma forma de racialismo implícito é associada ao nacionalismo conservador Ela se baseia na crença de que sociedades estáveis e bemsucedidas devem se unir por meio de uma cultura comum e de valores compartilhados Por exemplo Enoch Powell no Reino Unido nos anos 1960 e JeanMarie Le Pen na França desde os anos 1980 posicionamse contra a imigração não branca para seus países sob a alegação de que a cultura e as tradições características da comunidade receptora branca estariam ameaçadas Porém as formas mais sistemáticas e desenvolvidas de racialismo baseiamse em pressupostos explícitos acerca do caráter da capacidade e do destino de diferentes grupos raciais Em muitos casos esses pressupostos têm base religiosa Por exemplo o imperialismo europeu do século XIX era justificado em parte pela alegada superioridade dos povos cristãos da Europa sobre os povos pagãos da África e da Ásia A justificativa bíblica também foi oferecida pelas doutrinas de segregação racial pregadas pela Ku Klux Klan formada nos Estados Unidos depois da guerra civil americana e pelos fundadores do sistema do apartheid segregação em africâner que vigorou na África do Sul desde os anos 1940 até 1993 Na Alemanha nazista porém o racialismo era fundamentado em premissas biológicas e portanto pseudocientíficas As teorias raciais embasadas na biologia ao contrário das que são ligadas à cultura ou à religião são mais militantes e radicais pois fazem alegações acerca da natureza essencial e inevitável de um povo contando com o suposto respaldo da certeza e da objetividade de um argumento científico Figura 71 A natureza do racialismo Cultura Características intelectuais morais e sociais Raça Características genéticas biológicas e físicas Teorias raciais nazistas A ideologia nazista foi moldada a partir da combinação de antissemitismo racial e darwinismo social O antissemitismo sempre fora uma força na política europeia em especial no Leste europeu desde o início da era cristã Sua origem é em grande parte teológica os judeus foram os responsáveis pela morte de Cristo e ao se recusarem a se converter ao cristianismo estavam negando a divindade de Jesus e colocando em risco suas próprias almas imortais A associação entre os judeus e o mal portanto não foi uma criação dos nazistas mas remonta à Idade Média cristã período em que pela primeira vez os judeus foram confinados em guetos e excluídos da sociedade respeitável Contudo o antissemitismo ganhou força no final do século XIX À medida que o nacionalismo e o imperialismo se espalhavam pela Europa em muitos países os judeus eram cada vez mais submetidos à perseguição Na França isso levou ao famoso caso Dreyfus 18941906 na Rússia refletiuse em uma série de massacres realizados contra os judeus pelo reinado de Alexandre III O caráter do antissemitismo também mudou durante o século XIX O crescimento de uma ciência racial que aplicava ideias pseudocientíficas a questões sociais e políticas fez que os judeus fossem considerados uma raça e não um grupo religioso econômico e cultural Depois disso os judeus foram inevitavelmente definidos por fatores biológicos como a cor do cabelo as características faciais e o sangue Então o antissemitismo evoluiu para uma teoria racial que atribuiu aos judeus um estereótipo racial pernicioso e degradante A primeira tentativa de desenvolver uma teoria científica do racialismo foi feita pelo teórico social francês JosephArthur Gobineau 18161882 Seu Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas Essay on the inequali Alfred Dreyfus judeu e oficial do Exército foi acusado de traição à pátria por ser espião para o Reich alemão Foi condenado em 1894 ao degredo perpétuo mas alguns anos depois descobriuse que tudo não passara de erro judicial o culpado era outro militar A França então dividiuse entre os que lutavam pela liberdade de Dreyfus argumentando que ele continuava preso apenas por ser judeu e aqueles na maioria antissemitas que ainda defendiam sua condenação N da RT Antissemitismo Pela tradição os semitas são descendentes de Sem filho de Noé e formam a maioria dos povos do Oriente Médio O antissemitismo se refere especificamente ao preconceito e ódio em relação aos judeus Em sua forma sistemática mais antiga tinha um caráter religioso que refletia a hostilidade dos cristãos contra os judeus baseada em sua cumplicidade no assassinato de Jesus e em sua recusa em reconhecêlo como o Filho de Deus O antissemitismo econômico se desenvolveu a partir da Idade Média expressando uma aversão aos judeus vistos como agiotas e negociantes O século XIX testemunhou o nascimento do antissemitismo racial nas obras de Wagner e H S Chamberlain que condenavam os povos judeus como fundamentalmente maus e destrutivos Essas ideias ofereceram a base ideológica para o nazismo alemão e conheceram sua expressão mais grotesca no Holocausto Fascismo do respectivamente as forças do bem e do mal O próprio Hitler dividia as raças do mundo em três categorias A primeira os arianos era a Herrenvolk a raça superior Hitler descrevia os arianos como os fundadores da cultura e de fato acreditava que eles fossem os responsáveis por toda criatividade tanto nas artes na música na literatura e na filosofia quanto no pensamento político Em segundo lugar havia os portadores da cultura povos capazes de usar as ideias e invenções do povo alemão mas incapacitados de criatividade Por último estavam os judeus que Hitler descreveu como os destruidores da cultura opondose em uma luta sem fim contra os nobres e criativos arianos A visão de mundo maniqueísta de Hitler estava dominada pela ideia do conflito entre o bem e o mal refletida em uma luta racial entre alemães e judeus um conflito que só poderia acabar com a dominação mundial ariana e a eliminação dos judeus ou com a vitória final dos judeus e a destruição da Alemanha Essa ideologia levou Hitler e os nazistas a caminhos aterradores e trágicos Em primeiro lugar a teoria da raça ariana a convicção de que os arianos são uma raça superior de criatividade singular ditou uma política de expansionismo e guerra Se os alemães são dotados de superioridade racial as demais raças são biologicamente relegadas a uma posição inferior e subserviente A ideologia nazista ditou uma política externa agressiva na busca de um império racial e por fim a dominação mundial Em segundo lugar os nazistas acreditavam que a Alemanha nunca estaria segura enquanto seus arquiinimigos os judeus continuassem a existir Os judeus tinham de ser perseguidos aliás eles mereciam ser perseguidos pois representavam o mal As leis de Nuremberg aprovadas em 1935 proibiam o casamento e as relações sexuais entre alemães e judeus Depois da Kristallnacht a noite dos cristais quebrados em 1938 o povo judeu foi definitivamente excluído da economia Porém as teorias raciais nazistas levaram Hitler de uma política de perseguição a uma de terror e por fim ao genocídio e à exterminação racial Em 1941 com uma guerra mundial ainda a ser vencida o regime nazista iniciou o que chamou de solução final uma tentativa de exterminar a população judia da Europa em um processo sem paralelo de assassinato em massa que levou à morte cerca de seis milhões de judeus A ideologia camponesa Outra diferença entre os tipos de fascismo italiano e alemão é que o último foi o precursor de uma filosofia singular com características antimodernas Enquanto o fascismo italiano ansiava por se caracterizar como uma força modernizadora e por abraçar os benefícios da indústria e da tecnologia o nazismo insultava grande parte da civilização moderna definindoa como decadente e corrupta Isso se aplicava em especial à urbanização e à industrialização Na visão nazista os alemães são na verdade um povo camponês apto a uma existência simples vivida junto à terra e enobrecida pelo trabalho físico Porém a vida em cidades superpovoadas embrutecedoras e insalubres enfraqueceu o espírito alemão e ameaçou fragilizar a linhagem racial Esses temores foram expressos nas ideias de sangue e solo do líder camponês nazista Walther Darré Elas também maniqueísmo religião persa do século III que descreve o mundo em termos do conflito entre luz e escuridão bem e mal Tensões no FASCISMO Fascismo X Nazismo veneração do Estado Estado como instrumento nacionalismo chauvinista racialismo radical voluntarismo essencialismo grandeza nacional superioridade biológica união orgânica pureza racialeugenia antissemitismo pragmático antissemitismo genocida futurismomodernismo ideologia camponesa corporativismo economia de guerra expansão colonial dominação mundial explicam por que os nazistas exaltavam as virtudes da Kultur que personificava as tradições populares e as habilidades artesanais dos povos alemães acima dos produtos essencialmente vazios da civilização ocidental Essa ideologia camponesa teve implicações importantes na política externa Em particular ela ajudou a estimular as tendências expansionistas por meio do fortalecimento dos encantos do Lebensraum Apenas por intermédio da expansão territorial é que a superlotada Alemanha conseguiria espaço para que a população retomasse sua existência apropriada camponesa Entretanto essa política se fundamentava em uma profunda contradição A guerra e a expansão militar mesmo quando justificadas por uma ideologia camponesa não podem deixar de ser buscadas por meio de técnicas e processos de uma sociedade industrial moderna Os objetivos ideológicos centrais do regime nazista eram a conquista e a formação de um império e isso ditou a expansão da base industrial e o desenvolvimento da tecnologia de guerra Longe de levar o povo alemão de volta ao campo o período de Hitler testemunhou a rápida industrialização e o crescimento das grandes cidades tão desprezadas pelos nazistas A ideologia camponesa mostrouse assim pouco mais que retórica O militarismo também viabilizou movimentos culturais significativos Enquanto a arte nazista permaneceu estagnada com imagens simplistas da vida rural e em cidades pequenas a propaganda política constantemente bombardeava o povo alemão com imagens de tecnologia moderna como o bombardeiro de mergulho Stuka o tanque Panzer e os foguetes V1 e V2 O fascismo no século XXI Alguns teóricos argumentam que o fascismo entendido como se deve não sobreviveu à segunda metade do século XX nem poderia ter continuado ao longo do século XXI Na clássica análise de Ernst Nolte 1965 por exemplo o fascismo é visto como uma revolta historicamente específica contra a modernização ligada ao desejo de preservação da união cultural e espiritual da sociedade tradicional Uma vez que esse momento do processo de modernização já passou todas as referências ao fascismo devem ser feitas no passado O suicídio de Hitler no bunker do Führer em abril de 1945 enquanto o Exército Vermelho soviético se aproximava dos portões de Berlim pode ter marcado o Götterdämmerung do fascismo seu crepúsculo dos deuses No entanto é bem mais difícil sustentar essas interpretações em vista do ressurgimento do fascismo ou pelo menos de movimentos do tipo fascista no final do século XX embora estes tenham adotado estratégias e estilos muito diferentes De certo modo as circunstâncias históricas desde o final do século XX confirmam algumas lições do período entreguerras por exemplo que o fascismo surge de condições de crise incerteza e desordem O crescimento econômico regular e a estabilidade política no início do período pós1945 provaram ser um antídoto muito eficaz contra a política de ódio e ressentimento tão associada à extrema direita Porém a incerteza na economia mundial e a crescente desilusão com a capacidade dos partidos estabelecidos em lidar com os problemas políticos e sociais abriram oportunidades para o radicalismo direitista em geral baseado nos temores relacionados à imigração e ao enfraquecimento da identidade nacional De certo modo o fim da Guerra Fria e o avanço da globalização fortaleceram esses fatores O fim do governo comunista no Leste europeu permitiu que rivalidades nacionais e ódios raciais por muito tempo suprimidos reaparecessem gerando sobretudo na antiga Iugoslávia formas de nacionalismo radical com aspectos fascistas A globalização por sua vez contribuiu para o crescimento de formas isoladas de nacionalismo baseadas em aspectos étnicos ou raciais por meio do enfraquecimento do Estadonação fragilizando as formas cívicas de nacionalismo Por exemplo há quem trace paralelos entre o surgimento do fundamentalismo religioso examinado no capítulo 4 do volume 2 e o aparecimento do fascismo vendo o islã militante até mesmo como um tipo de fascismo islâmico Por outro lado embora os grupos antiimigração e de extrema direita abracem temas que fazem lembrar o fascismo clássico as circunstâncias que os moldam e os desafios que enfrentam são bem diferentes daqueles encontrados no período posterior à Primeira Guerra Mundial Por exemplo em vez de se basear na herança do imperialismo europeu a extrema direita moderna atua em um contexto de póscolonização Além disso o avanço do multiculturalismo abordado no capítulo 5 do volume 2 em diversas sociedades ocidentais já é tão significativo que a perspectiva de criar comunidades nacionais étnica ou racialmente puras parece fora da realidade Da mesma forma as divisões de classe tradicionais que tanto influenciam na formação do caráter e do sucesso do fascismo entreguerras deram lugar a formações sociais pósindustriais mais complexas e pluralizadas Por fim a globalização econômica atua como uma poderosa restrição ao crescimento de movimentos fascistas clássicos Enquanto o capitalismo mundial continua a enfraquecer a importância das fronteiras nacionais a ideia do renascimento 227 nacional viabilizado por meio da guerra do expansionismo e da autarquia parecerá de fato pertencer a uma era passada Contudo os grupos e partidos fascistas modernos adotam que tipo de fascismo Enquanto alguns grupos em grande parte clandestinos ainda endossam o fascismo militante ou revolucionário e remetem com orgulho à herança de Hitler ou Mussolini a maioria dos partidos e movimentos mais significativos alega que rompeu ideologicamente com seu passado ou nega ser ou ter sido fascista Por falta de um termo melhor esses últimos podem ser classificados como neofascistas Grupos como a Frente Nacional Francesa o Partido da Liberdade na Áustria o Partido Nacional Britânico a Alleanza Nazionale na Itália e os grupos antiimigração na Holanda na Bélgica e na Dinamarca alegam diferir do fascismo sobretudo no que diz respeito à aceitação do pluralismo político e da democracia eleitoral Em outras palavras o fascismo democrático é o fascismo separado de princípios como a liderança absoluta o totalitarismo e o racialismo explícito De certa maneira essa forma de fascismo pode estar bem posicionada para prosperar no século XXI Por um lado ao se adaptar à democracia liberal ela parece ter enterrado seu passado e não mais estar manchada pela barbárie do período de Hitler e Mussolini Por outro ela ainda tem a habilidade de propor uma política de união orgânica e coesão social no caso de o século XXI apresentar alguma crise econômica e mais instabilidade política Essa forma de política parece ainda mais atraente quando a perspectiva de um governo forte é personificada em um líder carismático como vemos no caso de JeanMarie Le Pen na França Jörg Haider na Áustria e Pim Fortuyn na Holanda A avaliação das perspectivas do neofascismo exige o exame de duas possibilidades A primeira é que não se sabe ao certo se o fascismo conseguirá se manter fiel aos princípios estabelecidos enquanto ao mesmo tempo movese em direção a uma adaptação ao liberalismo A ênfase na união orgânica da comunidade nacional dá ao fascismo uma nítida característica antiliberal e o coloca em divergência com ideias como o pluralismo a tolerância o individualismo e o pacifismo Isso cria a possibilidade talvez paralela ao desenvolvimento do socialismo democrático de a luta pela viabilidade eleitoral acabar forçando os partidos fascistas democráticos a abandonar aos poucos seus valores e crenças tradicionais A democracia assim prevalecerá sobre o fascismo A segunda possibilidade é que a adaptação fascista à democracia liberal seja essencialmente tática Isso pressupõe que o autêntico espírito do fascismo continua a existir e só está sendo oculto pelos neofascistas com o propósito de conseguir respeitabilidade e chegar ao poder Afinal de contas essa é a estratégia tradicional do fascismo Hitler e os nazistas por exemplo continuaram a proclamar seu apoio à democracia parlamentar até o momento em que chegaram ao poder em 1933 Se os partidos e os movimentos neofascistas estão usando a democracia como um mero dispositivo tático isso só será revelado se eles também forem bemsucedidos 228 Questões para discussão O fascismo foi apenas um produto de circunstâncias históricas do período entreguerras Como o antirracionalismo moldou a ideologia fascista Por que os fascistas valorizam a luta e a guerra Como o princípio fascista do líder pode ser visto como uma forma de democracia Podese dizer que o fascismo é apenas uma forma radical de nacionalismo Até que ponto o fascismo pode ser visto como uma mistura de nacionalismo e socialismo Como e por que o fascismo está ligado ao totalitarismo Todos os fascistas são racialistas Ou só alguns O fascismo morreu Sugestões de leitura Eatwell R Fascism A history Londres Vintage 1996 Uma história do fascismo elaborada de maneira meticulosa erudita e acessível considerando importante a questão da ideologia Abrange o fascismo entreguerras e pósguerra Griffin R org Fascism Oxford e Nova York Oxford University Press 1995 Excelente e amplo manual de leitura sobre o fascismo Documenta as visões fascistas e suas interpretações International fascism Theories causes and the new consensus Londres Arnold e Nova York Oxford University Press 1998 Uma série de ensaios que examina as interpretações contrastantes do fascismo chegando a uma teoria inovadora Kallis A A org The fascist reader Londres e Nova York Routledge 2003 Introdução abrangente às complexas manifestações do fascismo e às interpretações clássicas e modernas dessa ideologia Laqueur W org Fascism A readers guide Harmondsworth Penguin 1979 Importante série de estudos sobre vários aspectos do fascismo escrita por autoridades de renome Neocleous M Fascism Milton Keynes Open University Press 1997 Panorama breve e acessível do fascismo situandoo no contexto das contradições da modernidade e do capitalismo Passmore K Fascism A very short introduction Oxford e Nova York Oxford University Press 2002 Introdução clara e estimulante à natureza e às causas do fascismo 229 O anarquismo e o fascismo são duas ideologias políticas diametralmente opostas que emergiram em contextos históricos distintos carregando consigo princípios objetivos e visões de sociedade profundamente contrastantes Embora representem extremos opostos do espectro político é fundamental entender suas características distintivas para apreciar a complexidade das dinâmicas sociais e políticas que essas ideologias têm engendrado O anarquismo é uma ideologia que busca a completa eliminação do Estado e das hierarquias de poder promovendo uma sociedade baseada na cooperação voluntária e na autogestão Os anarquistas argumentam que a opressão e a desigualdade são perpetuadas pelo Estado e pelo sistema capitalista Eles aspiram a uma sociedade em que as decisões sejam tomadas por consenso sem a necessidade de uma autoridade central No coração do anarquismo está o princípio da autonomia individual onde as pessoas são vistas como capazes de autodirecionamento e autodeterminação O movimento abrange várias vertentes desde o anarcocomunismo que defende a propriedade coletiva e a distribuição igualitária de recursos até o anarcoindividualismo que enfatiza a liberdade individual e a autossuficiência Por outro lado o fascismo é uma ideologia nacionalista e autoritária que valoriza a autoridade do Estado e a conformidade nacionalista O fascismo emergiu durante o século XX notadamente nas décadas de 1920 e 1930 em resposta às mudanças sociais e econômicas após a Primeira Guerra Mundial Os fascistas frequentemente exaltam a nação como uma entidade superior buscando unificar o povo em torno de uma ideologia comum Os regimes fascistas historicamente enfatizaram o autoritarismo frequentemente sob lideranças carismáticas e a supressão de dissidência política A busca por uma ordem social rígida que frequentemente marginaliza ou persegue minorias é uma característica recorrente do fascismo O movimento também pode exibir tendências militaristas e expansionistas Enquanto o anarquismo preconiza uma sociedade sem Estado baseada na igualdade e na autogestão o fascismo valoriza a autoridade estatal promove o nacionalismo extremo e frequentemente recorre à violência para impor sua visão O anarquismo é enraizado em princípios de liberdade e autonomia individual enquanto o fascismo prioriza a unidade nacional muitas vezes à custa das liberdades individuais e da diversidade O anarquismo e o fascismo deixaram marcas duradouras na história e na sociedade O anarquismo inspirou movimentos de protesto e resistência ao redor do mundo destacando questões de desigualdade exploração e opressão Sua ênfase na liberdade individual e na cooperação voluntária influenciou lutas por direitos civis trabalhistas e sociais Por outro lado o fascismo é frequentemente associado a regimes totalitários notórios como o de Adolf Hitler na Alemanha nazista e Benito Mussolini na Itália fascista Esses regimes perpetuaram atrocidades e genocídios resultando em tragédias humanas de proporções inimagináveis A ideologia fascista com seu nacionalismo extremo e autoritarismo serve como lembrete das perigosas consequências da supressão de direitos individuais em nome de uma autoridade centralizada Embora muitas das manifestações históricas do fascismo tenham ocorrido durante o século XX ainda podemos observar resquícios dessa ideologia em alguns movimentos e grupos contemporâneos que defendem a supremacia étnica o autoritarismo estatal e a rejeição de valores liberais O anarquismo por sua vez continua a influenciar movimentos de protesto e resistência que buscam questionar estruturas de poder e promover uma sociedade mais justa e igualitária A comparação entre o anarquismo e o fascismo revela duas visões opostas da organização social e do papel do Estado Enquanto o anarquismo defende a liberdade individual e a abolição do Estado em favor da autogestão o fascismo enfatiza a autoridade estatal o nacionalismo extremo e frequentemente adota a violência para impor sua visão Ambas as ideologias tiveram e continuam a ter impactos significativos na história e na sociedade destacando a importância de entender suas raízes características e consequências para uma compreensão mais completa das dinâmicas políticas e sociais