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Geografia ·

Metodologia da Pesquisa

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Texto 1 Jorge Luís Borges Sobre o Rigor na Ciência Desconfiar das palavras o suficiente para acreditar no mundo desconfiar do mundo o suficiente para acreditar nas palavras Será talvez isso a literatura um mesmo movimento de afirmação e de recusa de crença e de dúvida Esta relação ambígua entre as palavras e o mundo é extensível a outras formas de modelar a experiência enquanto representação A imagem fotográfica por exemplo supõe uma relação com o mundo que se define por uma paradoxal e simultânea afirmação da identidade e de produção da distância ao mesmo tempo no mundo e fora dele com o mundo e contra ele Todas as formas de modelação do mundo enquanto coisa humana supõem esta ambiguidade exigem a remissão da representação para a coisa mas implicam com a mesma força a consciência da sua intransponível dissociação Sobre as cinzas dos projectos totalitários da ciência de raiz iluminista é identificável na escrita de Jorge Luís Borges a consciência da natureza paradoxal da relação de representação Sobre o Rigor na Ciência Naquele império a Arte da Cartografia alcançou tal Perfeição que o mapa de uma única Província ocupava uma cidade inteira e o mapa do Império uma Província inteira Com o tempo estes Mapas Desmedidos não bastaram e os Colégios de Cartógrafos levantaram um Mapa do Império que tinha o Tamanho do Império e coincidia com ele ponto por ponto Menos Dedicadas ao Estudo da Cartografia as gerações seguintes decidiram que esse dilatado Mapa era Inútil e não sem Impiedade entregaramno às Inclemências do sol e dos Invernos Nos Desertos do Oeste perduram despedaçadas Ruínas do Mapa habitadas por Animais e por Mendigos em todo o País não há outra relíquia das Disciplinas Geográficas Suárez Miranda Viajes de Varones Prudentes libro cuarto capítulo XIV Lérida 1658 1 O mapa que coincide com a realidade que representa encena aqui os limites da representação Não os limites ditados pela incapacidade da palavra ou da imagem em apreender o mundo e transpôlo para os seus discursos mas os limites interiores das próprias representações O sucesso absoluto da representação significaria o seu fim condenada de então em diante a esboroarse num tempo privado de representações Ao tom decadentista que atravessa este texto não serão alheios os ecos do projecto hegeliano de produção do saber absoluto a completa identificação entre a representação e o real produziria necessariamente a realização da representação a negação da sua natureza representacional o seu fim Fim da arte da ciência ou da história a redução do mundo à sua própria imagem ou às suas próprias palavras implicaria a supressão destas enquanto experiência autónoma ou significante A realização da representação não traduz aqui o questionar da realidade do real mas o questionar da convencionalidade da representação Fazer da palavra coisa significa anular a distância sem a qual a palavra não vive Naturalmente que para além da fé cénica na representação que subjaz ao texto de Borges a narrativa exigiria a constância do próprio mundo o discurso só poderia cobrir em absoluto a realidade porque esta escaparia à transformação Distintamente aprendemos a desconfiar no mesmo plano das palavras e da realidade das coisas e dos seus correlatos representacionais Não apenas as palavras não são susceptíveis de coincidir com as coisas como estas não coincidem consigo mesmas 1 Jorge Luís Borges Sobre o Rigor na Ciência in História Universal da Infâmia trad de José Bento Assírio e Alvim1982 117 A partir dos dois textos de JBorges reflita sobre os dilemas apresentados pelo realismo mágico 1A partir dos eventos absurdos do conto sobre o mapa na escala 11 e da maldição de um pensador que a tudo observa e recorda reflita qual a importância da construção de conceitos generalizações e nomeações de processos para a condução das pesquisas científicas 2A partir das discussões em aula sobre a potencialidade do cruzamento intencional entre exercícios de classificação e descrição em Geografia discorra sobre os desafios que incorrem o uso destes procedimentos sem a reflexão orientada Ou seja o que pior pode acontecer numa pesquisa exageradamente classificatória e descritiva 3Diante dessas questões quais cuidados você enxerga na condução dos procedimentos metodológicos de sua própria pesquisa Anexos Funes o memorioso JL Borges 1942 Recordoo não tenho o direito de pronunciar esse verbo sagrado apenas um homem na terra teve o direito e tal homem está morto com uma obscura passiflórea na mão vendoa como ninguém jamais a vira ainda que a contemplasse do crepúsculo do dia até o da noite uma vida inteira Recordoo o rosto taciturno e indianizado e singularmente remoto por trás do cigarro Recordo creio suas mãos delicadas de trançador Recordo próximo dessas mãos um mate com as armas da Banda Oriental recordo na janela da casa uma esteira amarela com uma vaga paisagem lacustre Recordo claramente a sua voz a voz pausada ressentida e nasal de orillero antigo sem os assobios italianos de agora Mais de três vezes não o vi a última em 1887 Pareceme muito feliz o projeto de que todos aqueles que o conheceram escrevam sobre ele meu testemunho será por certo o mais breve e sem dúvida o mais pobre porém não o menos imparcial do volume que vós editareis A minha deplorável condição de argentino impedirmeá de incorrer no ditirambo gênero obrigatório no Uruguai quando o tema é um uruguaio Literato cajetilla porteño Funes não disse essas palavras injuriosas mas de um modo suficiente me consta que eu representava para ele tais desventuras Pedro Leandro Ipuche escreveu que Funes era um precursor dos superhomens Um Zaratustra cimarrón e vernáculo não o discuto mas não se deve esquecer que era também natural de Fray Bentos com certas limitações incuráveis A minha primeira lembrança de Funes é muito clara Vejoo em um entardecer de Março ou Fevereiro do ano de 1884 Meu pai nesse ano levarame a veranear em Fray Bentos Voltava com meu primo Bernardo Haedo da estância de San Francisco Voltávamos cantando a cavalo e essa não era a única circunstância da minha felicidade Após um dia abafado uma enorme tempestade cor cinza escura havia escondido o céu Alentavame o vento Sul já enlouqueciamse as árvores eu tinha o temor a esperança de que nos surpreenderia em um descampado a água elemental Apostamos uma espécie de corrida com a tempestade Entramos em um desfiladeiro que se aprofundava entre duas veredas altíssimas de tijolo Escurecera repentinamente ouvi passos rápidos e quase secretos no alto levantei os olhos e vi um rapaz que corria pela vereda estreita e esburacada como que por uma parede estreita e esburacada Recordo a bombacha as alpargatas recordo o cigarro no rosto duro contra a densa nuvem já sem limites Bernardo gritoulhe imprevisivelmente Que horas são Ireneo Sem consultar o céu sem deterse o outro respondeu Faltam quatro minutos para as oito jovem Bernardo Juan Francisco A voz era aguda zombeteira Sou tão distraído que o diálogo a que acabo de me referir não teria chamado a minha atenção se não o tivesse enfatizado o meu primo a quem estimulavam creio certo orgulho local e o desejo de mostrarse indiferente à réplica tripartite do outro Disseme que o rapaz do desfiladeiro era um tal Ireneo Funes conhecido por algumas peculiaridades como a de não se dar com ninguém e a de saber sempre a hora como um relógio Complementou dizendo que era filho de uma passadeira do povo Maria Clementina Funes e que alguns diziam que seu pai era um médico de saladeiro um inglês OConnor e outros um domador ou rastreador do departamento de Salto Vivia com a sua mãe na curva da quinta dos Laureles Nos anos de 1885 e 1886 veraneamos na cidade de Montevideo Em 1887 voltei a Fray Bentos Perguntei como é natural por todos os conhecidos e finalmente pelo cronométrico Funes Responderamme que um redomão o havia derrubado na estância de San Francisco e que havia se tornado paralítico sem esperança Recordo a sensação de incômoda magia que a notícia despertoume a única vez que eu o vi vínhamos a cavalo de San Francisco e ele andava em um lugar alto o fato na boca do meu primo Bernardo tinha muito de sonho elaborado com elementos anteriores Disseramme que não se movia da cama os olhos repousados na figueira do fundo ou em uma teia de aranha Ao entardecer permitia que o levassem para perto da janela Levava a arrogância ao ponto de simular que era benéfico o golpe que o havia fulminado Duas vezes o vi atrás da relha que toscamente enfatizava a sua condição de eterno prisioneiro uma imóvel com os olhos cerrados outra imóvel também absorto na contemplação de um aromático galho de santonina Não sem um certo orgulho havia iniciado naquele tempo o estudo metódico do latim A minha mala incluía o De viris illustribus de Lhamond o Thesaurus de Quicherat os comentários de Júlio César e um volume ímpar da Naturalis historia de Plínio que excedia e continua excedendo as minhas modestas virtudes de latinista Tudo se propaga em um povoado Ireneo em seu rancho das orillas não tardou em enteirarse da chegada desses livros anômalos Dirigiume uma carta florida e cerimoniosa na qual recordava no encontro desditosamente fugaz do dia 7 de Fevereiro de 1884 ponderava os gloriosos serviços que Don Gregorio Haedo meu tio falecido nesse mesmo ano havia prestado às duas pátrias na valorosa jornada de Ituzaingó e me solicitava o empréstimo de qualquer dos volumes acompanhado de um dicionário para a boa intelecção do texto original pois todavia ignoro o latim Prometia devolvêlos em bom estado quase imediatamente A letra era perfeita muito perfilada a ortografia do tipo que Andrés Bello preconizou i por y j por g A princípio suspeitei naturalmente tratarse de uma zombaria Meus primos asseguraram que não que eram coisas de Ireneo Não sabia se atribuía ao atrevimento à ignorância ou à estupidez a idéia de que o árduo latim não requeresse mais instrumento do que um dicionário para desencorajálo completamente envieilhe o Gradus ad parnassum de Quicherat e a obra de Plínio No dia 14 de Fevereiro telegrafaramme de Buenos Aires que voltasse imediatamente pois meu pai não estava nada bem Deus me perdôe o prestígio de ser o destinatário de um telegrama urgente o desejo de comunicar a toda Fray Bentos a contradição entre a forma negativa da notícia e o peremptório advérbio a tentação de dramatizar a minha dor fingindo um estoicismo viril talvez distraíramme de toda a possibilidade de dor Ao fazer a mala notei que me faltavam o Gradus e o primeiro tomo da Naturalis historia O Saturno sarpava no dia seguinte pela manhã essa noite depois da janta dirigime à casa de Funes Assombroume que a noite fora não menos pesada que o dia No humilde rancho a mãe de Funes recebeume Disseme que Ireneo estava no quarto dos fundos e que não me estranhasse encontrálo às escuras pois Ireneo preferia passar as horas mortas sem acender a vela Atrevessei o pátio de lajota o pequeno corredor cheguei ao segundo pátio Havia uma parreira a escuridão pareceume total Ouvi prontamente a voz alta e zombeteira de Ireneo Essa voz falava em latim essa voz que vinha das trevas articulava com moroso deleite um discurso ou prece ou encantamento Ressoavam as sílabas romanas no pátio de terra o meu temor as tomava por indecifráveis intermináveis depois no enorme diálogo dessa noite soube que formavam o primeiro parágrafo do 24o capítulo do 7o livro da Naturalis historia O tema desse capítulo é a memória as últimas palavras foram ut nihil non iisdem verbis redderetur auditum Sem a menor mudança de voz Ireneo disseme o que se passara Estava na cama funmando Pareceme que não vi o seu rosto até a aurora creio lembrarme da brasa momentânea do cigarro O quarto exalava um vago odor de umidade Senteime repeti a estória do telegrama e da enfermidade de meu pai Chego agora ao ponto mais difícil do meu relato Este é bem verdade que já o sabe o leitor não tem outro argumento senão esse diálogo de há já meio século Não tratarei de reproduzir as suas palavras irrecuperáveis agora Prefiro resumir com veracidade as muitas coisas que me disse Ireneo O estilo indireto é remoto e débil eu sei que sacrifico a eficácia do meu relato que os meus leitores imaginem os períodos entrecortados que me abrumaram essa noite Ireneo começou por enumerar em latim e espanhol os casos de memória prodigiosa registrados pela Naturalis historia Ciro rei dos persas que sabia chamar pelo nome todos os soldados de seus exércitos Metríadates e Eupator que administrava a justiça dos 22 idiomas de seu império Simónides inventor da mnemotecnia Metrodoro que professava a arte de repetir com fidelidade o escutado de uma só vez Com evidente boa fé maravilhouse de que tais casos maravilharam Disseme que antes daquela tarde chuvosa em que o azulego o derrubou ele havia sido o que são todos os cristãos um cego um surdo um tolo um desmemoriado Tratei de recordarlhe a percepção exata do tempo a sua memória de nomes próprios não me fez caso Dezenove anos havia vivido como quem sonha olhava sem ver ouvia sem ouvir esqueciase de tudo de quase tudo Ao cair perdeu o conhecimento quando or ecobrou o presente era quase intolerável de tão rico e tão nítido e também as memórias mais antigas e mais triviais Pouco depois averiguou que estava paralítico Fato pouco o interessou Pensou sentiu que a imobilidade era um preço mínimo Agora a sua percepção e sua memória eram infalíveis Num rápido olhar nós percebemos três taças em uma mesa Funes todos os brotos e cachos e frutas que se encontravam em uma parreira Sabia as formas das nuvens austrais do amanhecer de trinta de abril de 1882 e podia comparálos na lembrança às dobras de um livro em pasta espanhola que só havia olhado uma vez e às linhas da espuma que um remo levantou no Rio Negro na véspera da ação de Quebrado Essas lembranças não eram simples cada imagem visual estava ligada a sensações musculares térmicas etc Podia reconstruir todos os sonhos todos os entresonhos Duas ou três vezes havia reconstruído um dia inteiro não havia jamais duvidado mas cada reconstrução havia requerido um dia inteiro Disseme Mais lembranças tenho eu do que todos os homens tiveram desde que o mundo é mundo E também Meus sonhos são como a vossa vigília E também até a aurora Minha memória senhor é como depósito de lixo Uma circunferência em um quadronegro um triângulo retângulo um losango são formas que podemos intuir plenamente o mesmo se passava a Ireneo com as tempestuosas crinas de um potro com uma ponta de gado em um coxilha com o fogo mutante e com a cinza inumerável com as muitas faces de um morto em um grande velório Não sei quantas estrelas via no céu Essas coisas me disse nem então nem depois coloqueias em dúvida Naquele tempo não havia cinematógrafos nem fonógrafos é no entanto verossímil e até incrível que ninguém fizera um experimento com Funes O cérto é que vivemos postergando todo o postergável talvez todos saibamos pronfundamente que somos imortais e que mais cedo ou mais tarde todo homem fará todas as coisas e saberá tudo A voz de Funes vinda da escuridão seguia falando Disseme que em 1886 havia elaborado um sistema original de numeração e que em muito poucos dias havia ultrapassado vinte e quatro mil Não o havia escrito porque o pensado uma só vez já não podia desvanecerlhe Seu primeiro estímulo creio foi o descontentamento de que os trinta e três uruguaios requeressem dois signos e três palavras em lugar de uma só palavra e um só signo Aplicou logo esse desparatado princípio aos outros números Em lugar de sete mil e treze dizia por exemplo Máximo Pérez em lugar de sete mil e catorze A Ferrovia outros números eram Luis Melián Lafinur Olivar enxofre os rústicos a baleia o gás a caldeira Napoleão Agustín de Vedia Em lugar de quinhentos dizia nove Cada palavra tinha um signo particular uma espécie de marca as últimas eram muito complicadas Eu tratei de explicarlhe que essa rapsódia de vozes desconexas era precisamente o contrário de um sistema de numeração Eu lhe observei que dizer 365 era dizer três centenas seis dezenas cinco unidades análise que não existe nos números O Negro Timoteo a manta de carne Funes não me entendeu ou não quis me entender Locke no século XVII postulou ou reprovou um idioma impossível no qual cada coisa individual cada pedra cada pássaro e cada ramo tivesse um nome próprio Funes projetou alguma vez um idioma análogo mas o desejou por parecerlhe demasiado geral demasiado ambígüo De fato Funes não apenas recordava cada folha de cada árvore de cada monte mas também cada uma das vezes que a havia percebido ou imaginado Resolveu reduzir cada uma de suas jornadas pretéritas a umas setenta mil lembranças que definiria logo por cifras Dissuadiramno duas considerações a consciência de que a tarefa era interminável a consciência de que era inútil Pensou que na hora da morte não havia acabo ainda de classificar todas as lembranças da infância Os dois projetos que foi indicado um vocabulário infinito para a série natural dos números um inútil catálogo mental de todas as imagens da lembrança são insensatos mas revelam certa balbuciante grandeza Nos deixam vislumbrar ou inferir o vertiginoso mundo de Funes Este não o esqueçamos era quase incapaz de idéias gerais platônicas Não apenas lhe custava compreender que o símbolo genérico cão abarcava tantos indivíduos díspares de diversos tamanhos e diversa forma perturbavalhe que o cão das três e catorze visto de perfil tivesse o mesmo nome que o cão das três e quatro visto de frente Sua própria face no espelho suas próprias mãos surpreendiamno cada vez Comenta Swift que o imperador de Lilliput discernia o movimento do ponteiro dos minutos Funes discernia continuamente os avanços tranqüilos da corrupção das cáries da fatiga Notava os progressos da morte da umidade Era o solitário e lúcido espectador de um mundo multiforme instantâneo e quase intolerantemente preciso Babilônia Londres e Nova York têm preenchido com feroz esplendor a imaginação dos homens ninguém em suas torres populosas ou em suas avenidas urgentes sentira o calor e a pressão de uma realidade tão infatigável como a que dia e noite convergia sobre o infeliz Ireneo em seu pobre subúrbio sulamericano Erallhe muito difícil dormir Dormir é distrairse do mundo Funes de costas na cama na sombra figurava a si mesmo cada rachadura e cada moldura das casas distintas que o redoavam Repito que o menos importante das suas lembranças era mais minucioso e mais vivo que nossa percepção de um gozo físico ou de um tormento físico Em direção ao leste em um trecho não pavimentado havia casas novas desconhecidas Funes as imaginava negras compactas feitas de treva homogênea nessa direção virava o rosto para dormir Também era seu costume imaginarse no fundo do rio mexido e anulado pela corrente Havia aprendido sem esforço o inglês o francês o português o latim Suspeito contudo que não era muito capaz de pensar Pensar é esquecer diferenças é generalizar abstrair No mundo abarrotado de Funes não havia senão detalhes quase imediatos A receosa claridade da madrugada entrou pelo pátio de terra Então vi a face da voz que toda a noite havia falado Ireneo tinha dezenove anos havia nascido em 1868 pareceume tão monumental como o bronze mais antigo que o Egito anterior às profecias e às pirâmides Pensei que cada uma das minhas palavras que cada um dos meus gestos perduraria em sua implacável memória entorpeceume o temor de multiplicar trejeitos inúteis Ireneo Funes morreu em 1889 de uma congestão pulmonar 1 A importância da construção de conceitos generalizações e nomeações de processos nas pesquisas científicas Nos textos de Jorge Luis Borges tanto o conto sobre o mapa em escala 11 quanto a história de Funes o Memorioso apresentam questões que desafiam o entendimento da representação da realidade O conto do mapa que se torna tão grande quanto o próprio território questiona a utilidade de uma representação que tenta ser exata ao extremo tornandose inútil por sua perfeição Esse evento absurdo nos leva a refletir sobre a necessidade de simplificações e generalizações na ciência A ciência não pode abarcar o mundo em sua totalidade de detalhes ela precisa operar com abstrações criando conceitos e classificações que nos ajudem a compreender a complexidade do real Sem isso como no caso do mapa estaríamos sobrecarregados por uma quantidade infinita de informações incapazes de interpretar ou dar sentido a elas Em Funes o Memorioso o personagem é abençoado ou amaldiçoado com uma memória perfeita e uma percepção absoluta de cada detalhe o que paradoxalmente o impede de pensar de maneira abstrata Funes é incapaz de generalizar para ele cada percepção é única e ele não pode reunir diferentes experiências sob um mesmo conceito Isso nos mostra que sem a capacidade de generalizar e abstrair o pensamento científico fica paralisado Assim como Funes que não pode categorizar ou nomear os processos que percebe a ciência sem conceitos se afoga em detalhes e não avança A construção de conceitos e a generalização são portanto pilares fundamentais da ciência Eles permitem que os pesquisadores formulem hipóteses estabeleçam relações entre fenômenos e desenvolvam teorias que explicam padrões maiores a partir de observações particulares O pensamento científico exige uma organização metódica da realidade e isso só é possível por meio da nomeação de processos e da capacidade de abstrair Sem essa simplificação a ciência se torna inoperante como o mapa gigantesco do conto de Borges que perde sua função 2 Desafios no uso de procedimentos classificatórios e descritivos sem reflexão orientada Os procedimentos de classificação e descrição são essenciais em diversas áreas do conhecimento incluindo a geografia mas seu uso indiscriminado e sem reflexão pode gerar problemas sérios Em geografia por exemplo a classificação de tipos de relevo climas ou biomas ajuda a compreender a diversidade do espaço geográfico e suas dinâmicas No entanto como indicado pelas lições de Borges se esses procedimentos forem exagerados e aplicados sem uma reflexão crítica podem tornarse armadilhas que impedem o avanço do conhecimento O principal perigo de uma pesquisa excessivamente classificatória e descritiva é a produção de um acúmulo de dados que não leva a uma compreensão verdadeira dos processos subjacentes Assim como no conto do mapa que ao tentar ser extremamente preciso perde sua função prática uma pesquisa que se limita a descrever e classificar sem análise crítica pode produzir um volume de informações tão grande que se torna inútil para o avanço do conhecimento Em geografia por exemplo criar mapas e tabelas sem um entendimento profundo dos processos espaciais pode resultar em uma pesquisa que não vai além da superfície incapaz de interpretar as relações entre os fenômenos geográficos Além disso uma abordagem puramente descritiva corre o risco de perpetuar padrões que não refletem a dinâmica real dos fenômenos Ao classificar sem critério sem reflexão orientada correse o risco de ignorar mudanças tendências e particularidades que poderiam oferecer uma compreensão mais rica e dinâmica do objeto de estudo Nesse sentido a falta de uma reflexão crítica pode impedir a formulação de novas hipóteses e teorias deixando a pesquisa estagnada em uma mera catalogação de dados 3 Cuidados na condução dos procedimentos metodológicos em minha própria pesquisa Refletindo sobre os dilemas apresentados por Borges tornase evidente que a condução de uma pesquisa científica requer equilíbrio entre a descrição detalhada e a interpretação crítica Na minha própria pesquisa o principal cuidado que vejo necessário é evitar o excesso de detalhamento ou a acumulação de dados sem um propósito claro de análise Assim como Funes que se perdeu em sua própria capacidade de perceber cada detalhe sem conseguir organizálos de forma significativa minha pesquisa deve evitar a armadilha de coletar informações sem transformálas em conhecimento Outro cuidado importante é garantir que as classificações e descrições feitas ao longo do processo metodológico estejam sempre orientadas por perguntas de pesquisa bem definidas Isso significa que não basta apenas coletar dados e categorizálos é necessário sempre interpretar os resultados à luz de um objetivo claro A pesquisa não pode se tornar um mapa em escala 11 onde o detalhamento excessivo ofusca o propósito da investigação Além disso é fundamental estar atento às limitações das ferramentas e dos métodos empregados Assim como Borges questiona a utilidade de uma representação que coincide exatamente com a realidade também devo estar consciente de que os modelos e classificações que utilizo são aproximações e que às vezes o excesso de precisão pode impedir a compreensão de fenômenos mais amplos A condução de minha pesquisa deve portanto ser guiada pelo princípio de que a ciência precisa de abstrações e simplificações para avançar sempre com a reflexão sobre os limites e as implicações desses procedimentos Esses cuidados garantirão que a pesquisa seja produtiva gerando não apenas uma acumulação de dados mas também insights e avanços reais no campo de estudo A ciência assim como a literatura de Borges nos ensina a desconfiar da precisão absoluta e a valorizar a interpretação crítica e o pensamento reflexivo