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LUÍS EDUARDO LOBIANCO O OUTONO DA JUDÉIA SÉCULOS I aC I dC RESISTÊNCIA E GUERRAS JUDAICAS SOB O DOMÍNIO ROMANO FLÁVIO JOSEFO E SUA NARRATIVA Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História da Universidade Federal Fluminense como requisito para a obtenção do grau de Mestre em História OrientadorProfessor Doutor CIRO FLAMARION SANTANA CARDOSO Niterói 1999 L 797 Lobianco Luís Eduardo O Outono da Judéia séculos I aC I dC Resistência e Guerras Judaicas sob o Domínio Romano Flávio Josefo e sua Narrativa Luís Eduardo Lobianco Niterói sn 1999 207 p Dissertação Mestrado Programa de PósGraduação em História Universidade Federal Fluminense 1999 1 História social séculos I aC I dC 2 História antiga I título CDD 3091 LUÍS EDUARDO LOBIANCO O OUTONO DA JUDÉIA SÉCULOS I aC I dC RESISTÊNCIA E GUERRAS JUDAICAS SOB O DOMÍNIO ROMANO FLÁVIO JOSEFO E SUA NARRATIVA Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História da Universidade Federal Fluminense como requisito para a obtenção do grau de Mestre em História BANCA EXAMINADORA Professor Doutor Ciro Flamarion Santana Cardoso Orientador Universidade Federal Fluminense Professora Doutora Sílvia Damasceno Universidade Federal Fluminense Professora Doutora Norma Musco Mendes Universidade Federal do Rio de Janeiro Niterói 1999 4 A meus pais Nelma e Wanderley Lobianco que me deram a vida e a felicidade de viver que me ensinaram a ser sincero honesto e verdadeiro que têm sido para mim um exemplo de dedicação à profissão e que acima de tudo me amaram me amam e me amarão para sempre 5 AGRADECIMENTOS A meu Orientador Professor Doutor Ciro Flamarion Santana Cardoso por sua amizade e dedicação e por toda a erudição que me transmitiu sem as quais esta Dissertação não seria possível Ao CNPq pela bolsa de estudos que me concedeu para a realização desta pesquisa A meus avós Dinah Assunta Quito e Settimio por me terem dado meus pais e por estarem junto a Deus há tantos anos cuidando de mim A meu irmão Wanderley Junior e à minha cunhada Terezinha Tetê por sua grande amizade e incentivo permanentes e à minha sobrinha Daniela porque trouxe mais felicidade à minha vida A meus primos Adriana e José Eduardo por seu carinho e apoio constantes A meus amigos Maria Clara Kakala e José Rodrigues e Clarice e Alessandro por sua grande amizade Aos Professores Sílvia Damasceno Manuel Rolph Maria Paula Graner Francisco José Silva Gomes Neyde Theml Norma Musco Mendes Maria Regina Cândido e Cláudia Andréia Prata Ferreira por acreditarem em meu trabalho Aos colegas historiadores Carlos Augusto Keila e Marcela por seu grande apoio Às primas Isabela Carla Cláudia e Flávia e às amigas Ana Paula Maria Aparecida Denise e Solange por seu carinho E sempre a Deus por me permitir existir e por me abençoar e amar infinitamente 6 SUMÁRIO INTRODUÇÃO12 CAPÍTULO PRIMEIRO A JUDÉIA ROMANA DOMINAÇÃO E RESISTÊNCIA25 10 PREÂMBULO 26 11 JUDÉIA28 12 TEORIA PÓSCOLONIAL 32 13 ROMANIZAÇÃO ACULTURAÇÃO E ASSIMILAÇÃO 35 14 O PODER POLÍTICO ROMANO SOBRE A JUDÉIA QUADRO 1145 141 O Poder Político na Judéia antes de Roma 48 142 142 O Poder Político na Judéia a partir da chegada de Roma49 143 As instituições políticoreligiosas da Judéia sob o domínio romano51 144 Os Judeus e os Líderes Judaicos e Romanos da Judéia Caifás e Pilatos52 15 RESISTÊNCIA PASSIVA O PODER DO JUDAÍSMO 56 16 FENOMENOLOGIA DO DISSENSO62 17 A SUPERESTRUTURA DO BLOCO HISTÓRICO64 171 No concernente à guerra judaicoromana66 172 No concernente à guerra civil judaica67 18 RESISTÊNCIA ATIVA RUMO À GUERRA JUDAICO ROMANA 66 7369 181 As questões sóciopolíticoculturais 72 182 As questões sócioeconômicas 73 183 As questões sóciopolíticoreligiosas75 184 As questões sóciopolíticas 85 185 As questões da fonte primária90 19 A GUERRA CIVIL JUDAICA 66 7092 191 As questões sócioeconômicas 93 7 192 As questões sóciopolíticas 93 193 As questões sóciopolíticoreligiosas94 194 A pluralidade de líderes e facções 98 195 As questões da fonte primária103 110 EPÍLOGO 106 CAPÍTULO SEGUNDO FLÁVIO JOSEFO BEN MATTHIAS UMA ETNIA DUPLA IDENTIDADE 108 20 PREÂMBULO 109 21 JOSEFO DA JUDÉIA À ROMA109 211 A Trajetória Quadro 21110 212 O Nome 113 22 ETNIA JUDAICA117 23 IDENTIDADE DE FLÁVIO JOSEFO126 231 Josefo Identidade por AutoReconhecimento 126 232 Josefo Identidade por Origem e por Aquisição128 233 Josefo Identidade pela Alteridade 130 24 FLÁVIO JOSEFO UM JUDEU EM ROMA130 25 FLÁVIO JOSEFO O HISTORIADOR JUDEU DA JUDÉIA E DE ROMA132 26 EPÍLOGO 133 CAPÍTULO TERCEIRO HISTÓRIA DA GUERRA DOS JUDEUS CONTRA OS ROMANOS QUÁDRUPLA AMBIGÜIDADE135 30 PREÂMBULO 136 31 OS IDIOMAS DA OBRA ARAMAICO E GREGO137 32 AMBIGÜIDADE NO TÍTULO 139 33 AMBIGÜIDADE NA ORIGEM141 8 331 Verdade ou Propaganda 141 332 Teoria do Discurso Colonial144 34 AMBIGÜIDADE DE ESTRUTURA148 341 Josefo duas noções de história 148 342 Antigas noções grecoromanas de história149 343 Tucídides o paradigma historiográfico de Josefo 151 344 Josefo historiador grecoromano 160 345 445 Antigas noções hebraicojudaicas de história 168 346 Josefo historiador hebraicojudaico169 35 AMBIGÜIDADE NO CONTEÚDO174 351 Josefo PróRomano177 352 Josefo AntiJudaico180 353 Josefo PróJudaico 189 354 Josefo AntiCalígula não antiRomano192 36 EPÍLOGO 196 CONCLUSÃO 197 FONTES 203 BIBLIOGRAFIA204 9 LISTA DE FIGURAS Figura 11 O Império Romano no Século II dC 28 Figura 12 A Judéia amplo sentido sob domínio romano 63 aC132 dC 31 Figura 13 Judéia amplo sentido Guerra JudaicoRomana 66 73 dC 89 Figura 14 Os grupos religiosos na Judéia amplo sentido séc I dC 96 Figura 15 Maquete de Jerusalém século I dC anterior ao ano 70 100 Figura 16 Mapa de Jerusalém século I dC anterior ao ano 70 101 Figura 17 O cerco de Tito à Jerusalém verão de 70 dC 102 Quadro 11 Imperadores Romanos Prefeitos e Procuradores Romanos da Judéia de Augusto à Vespasiano séculos I aC I dC 45 Quadro 21 Curriculum Vitae de Flávio Josefo ben Matthias 110 Quadro 22 A Genealogia de Josefo 114 RESUMO Esta dissertação tem um tríplice objetivo Primeiramente analisar a sociedade judaica no período em que a Judéia esteve sob o domínio de Roma Em seguida refletir sobre a vida e a obra do historiador Flávio Josefo Por fim discutir sua primeira obra Istoriva Ioudaikou Polevmou proVY RwmaivouY Istoría Ioudaïkou Polémou pròs Romaious História da Guerra dos Judeus contra os Romanos que narra a resistência judaica face ao domínio romano bem como as guerras judaicoromana 6674 e civil judaica 6670 ABSTRACT The aim of this dissertation is threefold Firstly it analyses the jewish society during the period when Judaea was under Roman rule Secondly it considers the historian Flavius Josephuss life and work Finally it discusses his first work The Jewish War Istoriva Ioudaikou Polevmou proVY RwmaivouY Istoría Ioudaïkou Polémou pròs Romaious which describes the jewish resistance against the roman rule as well as the jewishroman war6674 and the jewish civil war 6670 INTRODUÇÃO Entendo por Outono da Judéia o lento e gradual declínio da autonomia dos judeus em seu solo ancestral a gestação do processo de desagregação da comunidade judaica neste território na medida em que o domínio romano crescia sobre esta mesma sociedade bem como aumentava a rejeição desta contra tal dominação por fim as treze décadas e três anos que presenciaram o controle cada vez mais rígido de Roma sobre a Judéia 63 aC a 70 dC sendo meu objetivo compreender como este outono se desenvolveu O que tenho a pesquisar portanto é o ambiente de hostilidades que pulsou na Judéia desde a década de 60 do século I aC até a década de 60 do século I dC cujo ápice foi a guerra judaicoromana iniciada no verão de 66 e praticamente encerrada no outono de 70 queda de Jerusalém estendendose porém até 73 queda de Massada Neste cenário de choques destaco em especial o período do reinado de Herodes Magno 37 a 4 aC e a época dos prefeitos e procuradores romanos respectivamente 641 e 4466 dC 13 O que aqui pesquiso então é exatamente o antagonismo que se fez presente no tempo e espaço supracitados e que se traduziu pela seguinte oposição dominação romana x resistência judaica e para tanto não conto com o auxílio de qualquer fonte não literária uma vez que a arqueologia pouco pode auxiliarme para o desenvolvimento do presente trabalho Entretanto ela fornece material que ilustra dentro do conceito de romanização tanto as práticas de resistência quanto as de assimilaçãoaculturação com relação à comunidade judaica Da mesma forma a numismática não traz grandes contribuições a esta pesquisa porém ela fornece material que alimenta a especificidade da Judéia no aspecto econômico singularidade esta que confronta com o conceito de romanização e por fim a epigrafia também tem pouca utilidade neste estudo mas ela sinaliza práticas de aculturação da elite judaica portanto uma vez mais tocando ao mesmo conceito acima referido Como apenas emprego poucos dados arqueológicos numismáticos e epigráficos optei por trazêlos a este estudo por via da bibliografia Então praticamente uma só fonte opero na presente dissertação que considero basicamente judaica mas também romana Do seio da sociedade judaica de sua elite emergiu no século I dC um fariseu que posteriormente se tornou não só cidadão romano como também um historiador da Judéia e de Roma de grande importância e cuja primeira obra trata clara e profundamente do período pertinente ao presente estudo da época em que a Judéia estava sob a dominação selêucida século II aC até o final da guerra contra Roma em 73 dC portanto é uma narrativa que fornece material suficiente para a reflexão do complicado contato entre judeus e romanos na Judéia sobretudo de 63 aC a 70 dC É o melhor mais preciso e completo relato para tal reflexão por conseguinte é a fonte primária central deste estudo Tratase de Flávio Josefo nascido ben Matthias e de Istoriva Ioudaikou Polevmou proVY RwmaivouY Istoría Ioudaïkou Polémou pròs Romaious História da Guerra dos Judeus contra os Romanos ou PeriV Tou Ioudaikou Polevmou Perì Toû Ioudaïkoû Polémou No Concernente à Guerra dos Judeus em geral conhecida por Guerra Judaica1 obra em sete livros publicada no final do reinado de Vespasiano entre 75 79 dC Embora Josefo também posteriormente tenha concluído 9394 dC outra obra de grande importância IoudaikhV Arcaiologiva Ioudaïkè Archaiología Antigüidades Judaicas que abrange o longo período que vai da criação do mundo para os judeus até o governo do Procurador Floro logo imediatamente anterior à deflagração da guerra contra Roma em 66 dC esta última será utilizada neste trabalho apenas a nível informativo já que não se detém com a mesma profundidade no período ora estudado e muito menos trata do referido conflito bélico 1 Estes dois títulos serão tema de análise do item Ambigüidade no Título no Capítulo Tercerio e doravante utilizarei por toda a Dissertação o título Istoriva Ioudaikou Polevmou proVY RwmaivouY Istoría Ioudaïkou Polémou pròs Romaious História da Guerra dos Judeus contra os Romanos pois é este que consta no início da narrativa da fonte Quanto às demais fontes literárias romanas que fazem referência ao contato romanojudaico na Judéia ao longo do século I dC em especial sobre a guerra de 6673 há as obras de i Tácito Histórias e Anais ii Suetônio A Vida dos Doze Césares em especial os Livros que tratam das biografias de Vespasiano e Tito e ainda iii Dio Cássio História Romana Todas entretanto são insuficientes para meu trabalho pois tratam apenas em pequenos trechos do tema de minha pesquisa Quanto às demais fontes literárias judaicas que igualmente fazem referência a este mesmo contato há a obra de Filon de Alexandria Embaixada a Caio Calígula que noticia brevemente a relação deste Imperador com os judeus em todo o mundo romano e na Judéia portanto uma vez mais insuficiente A exceção ao uso de Istoriva Ioudaikou Polevmou proVY RwmaivouY Istoría Ioudaikoû Polémou pròs Romaíous História da Guerra dos Judeus contra os Romanos como única fonte primária de pesquisa será o emprego de curtos excertos de duas obras da Antigüidade uma grega e outra hebraicojudaica A primeira é Qoukudivdou Istorivai Thoukydídou Istoríai Histórias de Tucídides em geral conhecida como História da Guerra do Peloponeso cuja redação ocorreu no século V aC tratando do litígio entre Atenienses e Peloponésios Assim é óbvio que esta fonte não pode tratar dos acontecimentos ocorridos cerca de meio milênio depois na Judéia séculos I aC e I dC tempo e lugar trabalhados nesta dissertação ou seja esta fonte não tem com a fonte central de pesquisa deste estudo nenhum vínculo de conteúdo narrativo e portanto por este aspecto não daria apoio a este 16 estudo contudo dá sustentação quando revela grande ligação de estrutura narrativa já que como se verá no Capítulo Terceiro Tucídides foi o paradigma historiográfico de Josefo A segunda é a 2 Tanach Bíblia Hebraica e como ensina Cláudia Andréa Prata Ferreira3 o nome hebraico Tanach é uma acrossemia das palavras Torah Pentateuco Neviim Profetas e Ketuvim Escritos ou Hagiógrafos ou seja é o conjunto dos vinte e quatro livros do Cânon Judaico a Bíblia Hebraica chamado pelos cristãos de Antigo Testamento A redação desta obra ocorreu ao longo do Iº milênio aC e sua configuração completa foi demarcada pela assembléia rabínica acontecida na localidade de Jâmnia poucos quilômetros a oeste de Jerusalém no final do século I dC cerca do ano 90 contudo sua forma final já encontravase pronta no século II aC Assim é óbvio que esta fonte não pode tratar dos acontecimentos dos dois séculos seguintes na Judéia repito tempo e lugar trabalhados nesta dissertação e portanto por este aspecto não daria apoio a esta pesquisa contudo dá sustentação para a realização deste trabalho uma vez que tratase da mais importante obra produzida pelos hebreus judeus na Antigüidade porque desde então e até hoje é a base 2 Todas as palavras hebraicas foram grafadas em caracteres hebraicos pela Profª Cláudia Andréa Prata Ferreira de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ 3 FERREIRA Cláudia Andréa Prata A Literatura Hebraica Bíblica A Construção da Identidade e o Pacto da Memória in Anais do V Congresso Internacional da ABRALIC v 3 pp 627 635 Rio de Janeiro ABRALIC UFRJ 1998 da identidade judaica ancorada no judaísmo e também alicerce da resistência dos judeus ao domínio romano portanto é essencial para a compreensão da relação judaicoromana que ora analiso e que por sua vez é o tema do Capítulo Primeiro Portanto para compreensão do que chamei Outono da Judéia três fatores devem interagir entre si 1 a oposição dominação romana x resistência judaica 2 a obra Istoriva Ioudaikou Polevmou proVY RwmaivouY Istoría Ioudaikoû Polémou pròs Romaíous História da Guerra dos Judeus contra os Romanos e 3 o historiador judeu e também portador da cidadania romana Flávio Josefo nascido ben Mathias Logo o tema desta pesquisa nada mais é que a reunião destes três tópicos a problemáticа que aqui emerge também toca os três e ainda cada um deles transformouse um capítulo desta dissertação Assim o Capítulo Primeiro A Judéia Romana tem como ponto central de reflexão a oposição dominação romana x resistência judaica que necessariamente tem que apoiarse na sociedade judaica Tal reflexão pode perfeitamente ser desenvolvida sob um enfoque sócioeconômico mas prefiro fazêlo sob um enfoque sóciopolíticocultural Optei por tal abordagem em primeiro lugar porque na sociedade judaica é comum observarse que religião e poder se articulam com muita facilidade e atuam com objetivos comuns em segundo lugar porque no caso da Judéia Roma ali opera pondo em prática nitidamente esta articulação e em terceiro lugar porque há na fonte primária que ora utilizo claras e suficientes referências desta simbiose Este capítulo buscando nortear a primeira parte da dissertação isto é analisar a grande oposição dominação romana x resistência judaica 18 pretende unir o conhecimento da religião dos judeus base de sua identidade e sociedade com a trajetória política da Judéia sobretudo no período romano no Outono da Judéia Como base teórica deste capítulo utilizo a teoria póscolonial e os conceitos de romanização e resistência nela inseridas bem como os conceitos de revolta e reivindicação de Gualberto Gualerni como ainda a análise de Gramsci acerca da superestrutura do bloco histórico e suas duas esferas essenciais sociedade política e sociedade civil que dão sustentação à toda a análise que desenvolvo acerca de domíniosubmissãoinsubmissão na Judéia Romana Por fim neste Capítulo Primeiro proponho duas hipóteses de pesquisa 1 A resistência dos judeus ao domínio de Roma aumentava na medida em que os líderes romanos da Judéia desrespeitavam a religião judaica e diminuía na medida em que estes líderes a respeitavam 2 O ápice da resistência judaica contra a dominação romana a deflagração da guerra de 6673 dC teve como causa um fator político a ruptura da aliança entre as então classes dirigentes judaica e romana para o comando da Judéia O Capítulo Segundo Flávio Josefo nascido ben Mathias tem como ponto central de reflexão a etnia judaica e a identidade de Josefo nascido judeu Josefo ben Mathias filho de Mathias e que na segunda metade de sua vida após receber do Imperador Vespasiano a cidadania romana passou a chamarse Flávio Josefo 19 Tal reflexão pode perfeitamente ser desenvolvida conhecendose a trajetória conflituosa deste homem que se divide entre duas civilizações a judaica e a romana sobretudo no Oriente logo fortemente influenciado pelo mundo grego Esta tríplice influência leva à constatação desde logo do envolvimento deste homem com estas três culturas fato que sem dúvida alguma refletiuse em seu ofício de historiador em geral conhecido como o maior dos historiadores judeus da Antigüidade e em geral também pouco lembrado como historiador romano Este capítulo buscando nortear a segunda parte da dissertação não só pretende apresentar a trajetória de Josefo como também a partir dela considerar o valor de seu papel muitas vezes como testemunha ocular sobre a situação de domínio romano da Judéia nos séculos I aC e I dC O Outono da Judéia uma vez que viveu muito próximo e mesmo dentro desse período Jerusalém 3738 Roma cerca de 100 mudandose da Judéia para Roma no ano 70 Como base teórica deste capítulo utilizarei os conceitos de etnia identidade individual por origem por aquisição e também de identidade sóciocultural a nível igualmente individual que dão sustentação a toda a análise que desenvolvo acerca de Josefo Por fim neste Capítulo Segundo proponho uma hipótese de pesquisa Nascido judeu e tornandose cidadão romano Josefo pode ser considerado apesar destas duas condições e de sua trajetória conflituosa dividida entre Judéia e Roma como um homem vinculado à etnia judaica e portador de uma única identidade a judaica O Capítulo Terceiro História da Guerra dos Judeus contra os Romanos tem como ponto central de reflexão a primeira e mais significativa obra de Josefo exatamente Istoriva Ioudaikou Polevmou proVY RwmaivouY Istoría Ioudaikoû Polémou pròs Romaíous História da Guerra dos Judeus contra os Romanos4 e que é a única fonte primária a ilustrar esta pesquisa à exceção de pequenas passagens da ךת Tanach Bíblia Hebraica e de Qoukudivdou Istorivai Thoukydídou Istoríai Histórias de Tucídides História da Guerra do Peloponeso como já antes referido Tal reflexão pode perfeitamente ser desenvolvida a partir da principal característica desta obra a ambigüidade que está presente tanto no nome quanto na origem bem como na estrutura e ainda no conteúdo desta narrativa No primeiro caso ambigüidade no nome há dois títulos um sob uma ótica romana e outro sob um ponto de vista judaico No segundo caso ambigüidade na origem emerge a seguinte dúvida este relato foi produzido para apoiar a dinastia dos Flávios Vespasiano Tito Domiciano 69 96 ou para que uma testemunha ocular Josefo contasse a verdade sobretudo para seu povo os judeus mas também para outros vizinhos e mesmo gregos e romanos No 4 Doravante apenas irei me referir a esta obra por História da Guerra dos Judeus contra os Romanos terceiro caso ambigüidade na estrutura há nitidamente nesta produção literária o emprego dos antigos modelos e entendimentos grego e hebraicojudaico de história No quarto caso ambigüidade no conteúdo este discurso oscila entre argumentos ora prójudaicos ora próromanos e ainda antijudaicos mas nunca anti romanos no máximo contrário a alguns líderes do Império A presença da ambigüidade nesta obra de Josefo em todos os três níveis acima apontados é nitidamente um reflexo da própria trajetória do autor entre Judéia e Roma Este capítulo buscando nortear a terceira parte da dissertação pretende conhecer e avaliar a mais detalhada e praticamente única narrativa que ilumina o período do Outono da Judéia Como base teórica deste capítulo utilizo a abordagem que Carlo Ginzburg5 faz acerca dos antigos modelo e entendimento gregos de história os quais os romanos também utilizaram e onde emergem os termos de enavrgeia enárgeia clareza autoyiva autopsía o ver com os próprios olhos e ekfrasiY ékfrasis descrição que são os três pilares deste modelo bem como a reflexão de Millar Burrows6 no tocante aos antigos modelo e entendimento hebraicosjudaicos de história onde a 5 GINZBURG Carlo Apontar e Citar a Verdade da História in Revista de História nº 23 Campinas Unicamp 1991 pp 91100 6 BURROWS Millar Ancient Israel in DENTAN Robert ed The Idea of History in the Ancient Near East New Haven American Oriental Society Yale University 1983 pp 128130 22 presença de seu Deus YHWH é muito relevante modelos que são a base da construção de História da Guerra dos Judeus contra os Romanos e dão sustentação ao aspecto híbrido desta obra já radiografado nos quatro níveis de ambiguidade acima expostos Por fim neste Capítulo Terceiro proponho uma hipótese de pesquisa História da Guerra dos Judeus contra os Romanos é uma obra que reflete um relato histórico repleto de ambigüidades no título na origem na estrutura e no conteúdo sempre oscilando entre as influências judaica e romana que atingem seu autor Por fim tendo em vista que praticamente só possuo uma fonte para operar em minha pesquisa e ainda que esta constituise em um relato que tem como principal característica a ambigüidade e cujo autor é portador de uma trajetória conflituosa decidi eleger como metodologia de trabalho a ser aplicada a este documento uma técnica de análise textual baseada em reflexões que opõem duas idéias centrais contidas na narrativa uma apoiada por seu autor outra por ele rejeitada Logo refirome à semiótica textual apresentada pelo Prof Ciro Cardoso7 e em especial à construção de quadrados semióticos uma elaboração de Algirdas Julien Greimas quadrados que são portadores de investimentos tímicos emocionais o que me possibilita claramente perceber a expressão gráfica do sentido do documento sob análise e que reflete a intenção de seu autor 23 Ademais pelo tipo de fonte que manipulo uma narrativa longa e cronologicamente linear a semiótica textual se apresenta como metodologia que fornece excelentes resultados ao que acrescento ainda que a sua utilização tem sido uma inovação em trabalhos de história Por conseguinte entendo que tal método de análise da fonte me permite tentar comprovar as hipóteses que formulei nesta pesquisa supracitadas uma vez que o aspecto conflituoso presente em todas elas está espelhado na própria obra de Josefo sob estudo e uma vez que todo conflito se traduz por oposições os quadrados semióticos que aqui emprego sempre refletem dois pólos antagônicos por esta razão é que como dito acima tais quadrados apresentam investimentos tímicos que incidem em suas dêixis levandoas à euforização valorização positiva ou disforização valorização negativa e seus dois percursos possíveis serão indicados quando de suas análises Contudo será apontado o percurso pretendido pelo narrador aquele que parte da dêixis disforizada e desemboca na dêixis euforizada assim como o percurso por ele rejeitado que parte da dêixis euforizada e chega na dêixis disforizada se reconhecendo portanto a intenção do narrador tanto pelo apoio quanto pelo repúdio dado a uma idéia contida no texto Os quadrados surgirão ao longo deste trabalho após alguns textos trechos de fonte primária alguns de Josefo e excepcionalmente um de Tucídidides exatamente com o objetivo de analisálos 7 CARDOSO Ciro Flamarion Santana Narrativa Sentido História São Paulo Papirus 1997 cap III 24 Portanto nesta Introdução procurei sinalizar todos os passos que dei rumo à elaboração de minha dissertação que se desenvolve nos próximos três capítulos e conclusão e cujo objetivo é vale lembrar compreender o que foi o período que decidi chamar de Outono da Judéia 25 CAPÍTULO PRIMEIRO A JUDÉIA ROMANA Dominação e Resistência 26 10 Preâmbulo Roma do século III aC ao II dC lenta e gradualmente foi se expandindo em todas as direções a ponto de que no apogeu do Império final do século I dC ao início do século III dC este era banhado por todo o Mar Mediterrâneo e atingira toda a Europa Ocidental e Meridional a Ásia Menor o Oriente Próximo e todo o norte da África Tendo a cidade de Roma como referência uma das mais distantes regiões sob controle romano inicialmente como um reino cliente e em seguida contida dentro da província da Síria sendo governada por um Prefeito e mais tarde por um Procurador localizavase na porção extremooriental do Império área estratégica entre o Egito e a Síria e que separava o Império Parta do Mediterrâneo a Judéia Figura 118 8 Mapa extraído de CORNELL Tim e MATTHEWS John Roma Legado de um Império vol1 Tradução de Maria Emilia Vidigal Madrid Edições del Prado 1996 pp106107 Map image with various geographical labels and boundaries no text extracted 28 Figura 11 O Império Romano no Século II dC 11 Judéia A Judéia era uma região que juntamente com poucas outras como o Egito por exemplo desde sempre foi portadora de uma singularidade que a tornou um caso excepcional na relação de domínio de Roma sobre suas províncias ou áreas a ela subordinadas Tal especificidade revelase em três diferentes níveis o cronológico o espacial e o etimológico No primeiro caso tratase de uma área já delimitada e reconhecida como unidade administrativa cerca de meio milênio antes de Roma entrar no cenário mundial sobretudo do Oriente e que assim cronologicamente já sobrevivera até a época romana ao domínio de três grandes Estados o Império Persa Aquemênida e os Reinos Lágida e Selêucida No segundo caso espacialmente conseguiu manter seu território durante todo este período de tempo e por fim no terceiro caso etimologicamente era profunda e ancestralmente ligada à população que majoritariamente a habitava de há muito os judeus Cronologicamente Judéia foi o nome do território ocupado pelos judeus da segunda metade do século VI aC à primeira metade do século II dC que sucessivamente passou pelos domínios persa 538 331 aC helenístico em três fases macedônico 331 301 aC da dinastia Lágida 301 200 aC e da dinastia selêucida 200 164 aC judaico dos irmãos Macabeus Judas Jônathas e Simão 164 142 aC e sua descendente 29 dinastia dos Asmoneus 142 63 aC e por fim romano indireto 63 aC 6 dC e direto 6 135 dC9 Espacialmente Maurice Sartre10 revela que o termo Judéia é portador de dois sentidos no estrito ele se aplica à região de Jerusalém que separa a Samaria ao norte da Iduméia ao sul no lato ele referese aos limites do reino de Herodes Magno portanto abrangendo não só a Judéia propriamente dita bem como a Samaria e a Galiléia Logo embora a extensão territorial da Judéia tenha variado ao longo dos períodos supra elencados levandose em conta o sentido lato do termo apresentado por Sartre podese afirmar que aproximadamente a Judéia estendiase em torno da estreita faixa de terra que tem como marco norte o Mar da Galiléia sul o Mar Morto leste o Rio Jordão e oeste o Mar Mediterrâneo 11 9 Utilizo as datas fornecidas por John Bright in História de Israel São Paulo Paulinas 1980 p 488 e André Paul in O Judaísmo Tardio História Política São Paulo Paulinas 1983 pp 22 62 10 SARTRE Maurice LOrient Romain Province et sociétés provinciales en Méditerranée Orientale dAuguste aux Sévères 31 avant JC 235 après JC Paris Éditions du Seuil 1991 p 357 11 Mapa extraído de BARNAVI Éliedir História Universal dos Judeus Da Gênese ao Fim do Século XX Coordenação de Tradução Beatriz Sidou São Paulo Cejup 1995 p49 Map image with textual labels about historical regions and places no plain text suitable for keyvalue extraction Figura 12 A Judéia amplo sentido sob domínio romano 63 aC132 dC A etimologia mostra a grande importância do termo Judéia dentro do contexto da civilização judaica na Antigüidade Como afirma André Paul12 para persas gregos e romanos a Judéia era uma unidade geográfica ou administrativa nunca religiosa Entretanto devido exatamente a sua etimologia tal nome era portador para os judeus de um valor quase patronímico visto que estava diretamente vinculado a Judah filho de Jacó ou Israel logo bisneto de Abraão considerado pela tradição judaica como o primeiro patriarca hebreu De fato em hebraico a palavra יהודה cuja transliteração é Iehudah traduzse por Judah ou Judéia Em grego o mesmo autor13 esclarece que a palavra Ioudaiva ioudaía que era o feminino de IoudaioY ioudaiôs judeu era adjetivada e vinculavase ao termo gh gê terra país ou cwvra chóra lugar território região país em geral zona rural14 Posteriormente transformouse em substantivo assim Ioudaiva Ioudáia significava Judéia Em latim a expressão Iudaea Judéia está vinculada àquele que é ancestralmente seu principal habitante o iudaeus judeu 31 André Paul15 resume esta questão dos nomes Judeu e Judéia de forma bastante didática e sucinta valendo a pena portanto transcrever parte de seu texto16 assim O termo judeu vem do latim judaeus tradução do grego ioudaiôs IoudaioY que por sua vez é a transliteração mais ou menos estrita do hebraico yehudi יהודי plural yehudim יהודים Adjetivo depois substantivo este termo tem por base primeira o hebraico yehudah יהודה em aramaico yehud יהוד em grego Iouda Iouda ou Ioudaía Ioudaiva em latim Judaea em português Judéia nome do antigo reino do Sul chamado Judá Já na época do primeiro Templo de 940 a 587 aC o termo hebraico yehudim יהודים judeus designava os originários do reino de Judá Em seguida judeu foi aplicado ao povo de Israel em seu todo Além disso depois do exílio assírioquando aquilo que restava de Israel estava concentrado em Judájudeuyehudi יהודי era sinônimo de israelitaisraeli ישראלי ou de hebreuivri ברי ע 12 Teoria PósColonial Como um dos alicerces teóricos deste Capítulo Primeiro lanço mão de três artigos produzidos na esteira de um simpósio realizado em novembro de 1994 na Universidade de Leicester Reino Unido cujo resultado foi a publicação da obra Imperialismo Romano Perspectivas PósColoniais17 que reuniu eruditos de vários campos profissionais 32 Inicialmente ao construir a Fortaleza e a Torre vizinhas à área do Templo de Jerusalém e que ao tempo da administração direta romana 6 41 e 4466 dC 28 era o local de onde o Procurador espreitava a movimentação dos judeus na Esplanada do Templo sobretudo quando das grandes festas de peregrinação de seu calendário29 Herodes nomeouas Antônia em honra a Marco Antônio a quem o rei apoiou até sua derrota em Ácio no final do verão de 31 aC Em seguida sendo forte aliado de Otávio podese apontar de acordo com André Paul30 a ampliação de duas antigas cidades Samaria e Torre Straton cujos novos nomes eram uma homenagem a Otávio na verdade ao então imperador entitulado Augusto Samaria passou a se chamar Sebaste em grego SebastovY Sebastós que significa Reverenciado Augusto inaugurada por volta de 25 aC e Torre Straton recebeu o novo nome de Cesaréia em honra a Augusto César e inaugurada em 13 aC e que durante as seis décadas de administração direta era o local de residência permanente dos Prefeitos 33 intimamente vinculados à Antigüidade tais como Arqueologia Romana História Antiga e Estudos Clássicos cujo principal objetivo foi realizar o debate de temas centrais da teoria póscolonial e sua íntima conexão na análise do Império Romano Desta forma de Jane Webster Imperialismo Romano e a Idade PósImperial extraise a definição de teoria PósColonial de Simon Clarke Aculturação e Continuidade Reavaliando o Significado da Romanização no Interior de Gloucester e Cirencester obtémse a conceituação de Romanização e uma avaliação do caso da Britânia18 Romana e por fim de Richard Hingley O Legado de Roma a Ascensão Declínio e Queda da Teoria da Romanização retomase o conceito de Romanização adicionandose ainda propostas sobre assimilação e aculturação bem como oposição e resistência Obviamente todos estes artigos ilustram a questão da alteridade no contato romanoprovincial Pelo acima exposto é possível detectarse que tais escritos utilizam como estudo de caso regiões colonizadas por Roma na porção ocidental de seu Império sobretudo a Britânia Entretanto como região a ser confrontada com as teorias acima apontadas minha pesquisa opera não com uma província do Ocidente mas ao contrário uma área que se localizava na porção extremooriental do Império e cuja população majoritária guardava desde muitos séculos antes da entrada de Roma no cenário mundial uma identidade 18 O termo aqui em português referese a Britannia Romana hoje Inglaterra e País de Gales 34 bastante específica Por esta razão a singularidade da Judéia já amplamente comentada anteriormente torna seu estudo de caso uma referência sem igual dentro do contexto do Império Romano Segundo Jane Webster19 a teoria póscolonial pesquisa a política cultural colonial tendo como meta produzir uma nova história descentralizando as versões elaboradas pelo Ocidente Esta teoria formouse nos anos 70 do século XX a partir dos movimentos nativistas que floresceram nos países pré ou recém independentes e da análise do discurso colonial isto é de textos produzidos pelo Ocidente a propósito dos países colonizados O embrião desta teoria para Robert Young20 bem como para muitos outros eruditos foi a obra de Franz Fanon O Miserável da Terra de 1961 um estudo que se constituía em manifesto revolucionário pela descolonização e também em uma reflexão primeira dos efeitos que o colonialismo legou aos povos colonizados e suas culturas Ainda de acordo com Jane Webster21 a teoria póscolonial não se traduz por um bloco homogêneo sendo detentora contudo de algumas propostas centrais como a condenar a dominação do que se entende por centro ou seja o colonizador e 19 WEBSTER Jane Roman Imperialism and the Post Imperial Age in WEBSTER Jane e COOPER Nick eds Opcit pp 68 20 YOUNG Robert White Mythologies Writing History and the West APUD WEBSTER Jane e COOPER Nick eds Opcitpp68 21 WEBSTER Jane Roman Imperialism and the Post Imperial Age in WEBSTER Jane e COOPER Nick eds Opcit pp68 35 promover a história do que se considera as margens isto é os colonizados incluindo aí suas formas de resistência ativa e passiva b desconstruir as oposições por meio das quais o Ocidente definiuse a si mesmo e classificou o outro criando modelos binários tais como eu outro metrópole colônia centro periferia segundo sugeriu Mc Clintock22 c criticar o chamado imperialismo de representação quer dizer a relação entre poder e conhecimento no ato de elaboração do outro em um contexto colonial Emergiu daí a análise do discurso colonial também chamada teoria do discurso colonial melhor apresentada no Capítulo Terceiro 13 Romanização Aculturação e Assimilação Martin Millet23 afirma que o conceito de romanização continua a ser essencial para as relações sociais no corpo do Império Romano Simon Clarke24 lembra que tal conceito 22 Mc CLINTOCK A The Angel of Progress pitfalls of the term postcolonialism APUD WEBSTER Jane Roman Imperialism and the Post Imperial Age in WEBSTER Jane e COOPER Nick eds Opcit pp 68 23 MILLET Martin The Romanization of Britain An Essay in Archaeological Interpretation Cambridge 1990 APUD CLARKE Simon Acculturation and Continuity Re assessing the Significance of Romanization in the Hinterlands of Gloucester and Cirencester in WEBSTER Jane e COOPER Nick eds Op cit p 71 24 CLARKE Simon Acculturation and Continuity Reassessing the Significance of Romanization in the Hinterlands of Gloucester and Cirencester in WEBSTER Jane e COOPER Nick eds Op cit p 71 36 foi pela primeira vez elaborado por Haverfield25 em 1912 quando ele sugeriu a existência de um processo por meio do qual a cultura nativa lentamente tornavase parecida com a de Roma Naquela época no entender de Clarke26 tal modelo foi um grande passo nas reflexões acadêmicas já que pela primeira vez a seqüência dos fatos ocorridos na Britânia Romana não foi entendida como conseqüência da imigração de pessoas vindas do Mediterrâneo mas na verdade como resultado das adaptações ocorridas junto aos nativos bretões Arqueologicamente afirma este mesmo autor na Britânia Romana o processo de romanização manifestouse pelas grandes mudanças que se observaram na cultura material local sobretudo nos utensílios e na arquitetura ocorrendo ainda uma alteração na estrutura da própria sociedade No tocante à Judéia no início do período romano de sua história podese igualmente detectar vários traços de modificação de sua cultura material revelandose a presença de aspectos da cultura ocidental inicialmente trazida pela helenização e cuja continuidade foi 25 HAVERFIELD FJ The Romanization of Britain 2ª ed Oxford 1912 APUD CLARKE Simon Acculturation and Continuity Reassessing the Significance of Romanization in the Hinterlands of Gloucester and Cirencester in WEBSTER Jane e COOPER Nick eds Op cit p 71 26 CLARKE Simon Acculturation and Continuity Reassessing the Significance of Romanization in the Hinterlands of Gloucester and Cirencester in WEBSTER Jane e COOPER Nick eds Op cit p 71 37 assegurada pela romanização Segundo informam Jonathan Tubb e Rupert Chapman27 as pesquisas arqueológicas em Israel e na Palestina têm demonstrado alterações ocorridas no contexto do processo de helenização como se vê de cidades e vilas que foram edificadas ou restauradas sob linhas arquitetônicas de influência grega No espaço de tempo em que os judeus obtiveram independência política entre o domínio selêucida e o romano isto é durante os anos da dinastia dos Asmoneus 142 37 aC a helenização foi ameaçada mas não se diluiu ao contrário preservouse e ampliouse graças à entrada definitiva dos romanos na cena judaica De qualquer forma as construções helenísticas foram sobrepostas pelas romanas Herodes Magno o idumeu judaizado e Rei de toda a Judéia lato sensu um reino cliente Figura 12 era um líder fantoche nas mãos de Roma e exemplo da parcial aculturação da elite local Durante seu razoavelmente longo reinado 37 4 aC ele foi o responsável pelas mais notáveis obras de arquitetura realizadas no início do período em que a romanização começou a fazer efeito na Judéia Tal era o grau de influência romana sobre o rei que os nomes por ele dados a prédios novos e a cidades que foram ampliadas e restauradas edificações vinculadas à vida política local receberam nomes em homenagem aos dois maiores líderes romanos do período 27 TUBB Jonathan N e CHAPMAN Rupert L Archaeology and the Bible London British Museum Publications Ltd 1990 e Procuradores sendo ainda em período posterior a capital das Palestinas Romana e Bizantina Em Cesaréia Herodes determinou a construção de um porto que era considerado maior que o Pireu de Atenas e ao qual denominou porto Sebaste do grego SebastovY limhvn Sebastós limén ou seja porto Augusto Para que se pudesse distinguila de outra localidade homônima no caso Cesaréia de Felipe a antiga Torre Straton às margens do Mediterrâneo e por essa razão era também chamada de Cesaréia Marítima ou Cesaréia de Straton e mais tarde de Cesaréia da Palestina De acordo com Peter Connolly31 Cesaréia Marítima representava um forte elo entre Herodes e o mundo grecoromano os judeus eram minoritários na cidade nela havia um templo dedicado a Augusto e a mesma era detentora de todo o tipo de edificações para entretenimentos de molde da cultura clássica ocidental como teatro anfiteatro estádio e termas públicas Era uma cidade gentia de claras linhas arquitetônicas grecoromanas Entretanto nem todas as edificações lançadas por Herodes eram voltadas para a cultura clássica ou se constituíam em produtos da romanização da Judéia O grande exemplo encontravase na cidade de Jerusalém seu Templo em hebraico ביתהמקדש Beit HaMikdash maior instituição judaica na época romana e símbolo da 40 resistência local no caso passiva uma vez que sua própria existência demonstrava a força que o judaísmo em plena atividade tinha como poder bloqueador do desenvolvimento do processo de aculturação romanização plena da Judéia O rei tratou de ampliálo e embelezálo uma vez que o modesto prédio do Templo até então edificado havia sido construído no início do período persa pósexílico e inaugurado em 516 aC no local do antigo Templo de Salomão destruído por ordem de Nabucodonosor em 587 aC As reformas ordenadas por Herodes iniciaramse em 20 aC e já no ano seguinte os cultos já se realizavam As obras só foram concluídas em 64 dC quase sete décadas após sua morte em 4 aC e apenas dois anos antes da deflagração da 1ª Guerra Judaica contra Roma e seis antes de sua total destruição a mando de Tito que comadou os exércitos romanos que saquearam Jerusalém no verão do ano 70 dC Ainda levandose em conta as considerações de Peter Connolly32 bem como as informações contidas na Enciclopédia Ilustrada da Bíblia33 em seu livro sobre arqueologia do Novo Testamento podese apontar que a maioria das residências de Jerusalém do tempo de Herodes Magno portanto da Judéia Romana possuíam banheiros onde se podia praticar o mikveh banho ritual por imersão para purificação segundo as normas judaicas 32 Idem 33 ALEXANDER Pat dir Enciclopédia Ilustrada da Bíblia São Paulo Paulinas 1987 p 76 41 Como esclarece Alan Unterman34 a palavra hebraica mikveh significa reunião ajuntamento e tratase de uma piscina cuja água tem origem pluvial ou vem de uma fonte água esta utilizada no ritual de purificação ablução No período da existência do Templo em Jerusalém portanto anterior a 70 dC o mikveh era o responsável pela remoção de muitas impurezas e era utilizado sobretudo na conversão de prosélitos ao judaísmo que influenciou o batismo cristão na origem e na purificação de utensílios de cozinha de procedência gentia antes do preparo de alimentos Entretanto segundo Connolly e a Enciclopédia da Bíblia no setor de Arqueologia retrocitados foram também encontradas em residências de pessoas ricas desta mesma cidade tigelas e taças de pedra não sujeitas a estas mesmas leis de purificação ritual o que indica que ao menos parte da aristrocracia pouco se preocupava com as tradições locais e portanto aculturavase Retomando Simon Clarke35 e sua abordagem sobre a romanização da Britânia o autor enfatiza que tal processo ali produzira a adoção de novos padrões de comportamento destacando o desenvolvimento de um novo sistema econômico fundamentado no comércio e na utilização de moedas 34 UNTERMAN Alan Dicionário Judaico de Lendas e Tradições Tradução de Paulo Geiger Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1997 pOp cit p 175 42 No tocante à Judéia o uso de moeda inclusive de cunhagem local é atestado desde o período persa portanto pelo menos quatro séculos antes de Roma conquistála Com base na análise de Hans Kippenberg36 a existência e a expansão do uso da moeda traduziramse por uma novidade para a economia da Judéia e serve como um dos marcos divisórios entre a época do domínio persa e tempos anteriores Antes mesmo da utilização da moeda já era prática na região o uso do ouro e da prata nas transações comerciais metais estes que eram avaliados pesados a partir do método sumériobabilônico sekel As dracmas persas de ouro foram as primeiras moedas a que a Tanach a Bíblia Hebraica faz referência no caso no Livro de Neemias Ne 77072 Paralelamente a estas durante a época de domínio persa com base na arqueologia eram correntes na Judéia as moedas de prata de Atenas Contudo o mais relevante é o fato de que as províncias do Império Aquemênida tinham liberdade em cunhar suas próprias moedas assim no caso da Judéia podese apontar as moedas Yehud que eram de prata pesavam 208 g cada e eram apropriadas para o pagamento de tributos aos persas 35 CLARKE Simon Acculturation and Continuity Reassessing the Significance of Romanization in the Hinterlands of Gloucester and Cirencester in WEBSTER Jane e COOPER Nick eds Op cit p 71 36 KIPPENBERG Hans G Religião e Formação de Classes na Antiga Judéia São Paulo Paulinas 1988 pp 46 47 43 Richard Hingley37 lembra que as abordagens da nova geração de romanistas formados durante e a partir do declínio do Império Britânico tais como Millet Jones Wolf e Hanson apontam que a romanização não é mais encarada como progresso social porém mais como aculturação ou seja pela adoção da cultura romana por parte das sociedades nativas em um processo de assimilação Na verdade esta adoção sofreu modificações por parte dos grupos indígenas Millet38 argumentou que nas províncias do Ocidente a elite local apropriouse de símbolos materias romanos com o objetivo de reforçar sua posição social estabelecendo uma identidade com Roma Na Judéia é verdade que ao menos parte da elite se aculturou em especial o Rei Herodes Magno o que se explica não apenas por sua paixão pela cultura de Roma como também e principalmente pelo poder que esta lhe assegurava Entretanto apesar de Roma igualmente ter apoiado politicamente os sumosacerdotes líderes de há muito na Judéia e também durante a época dos Prefeitos e Procuradores não se pode dizer que estes tenham se aculturado nas proporções de Herodes porque por sua própria função religiosa deveriam manterse fiéis ao judaísmo 37 HINGLEY Richard The legacy of Rome the rise decline and fall of the theory of Romanization in WEBSTER Jane e COOPER Nick eds Op cit pp 3943 38 MILLET M Romanization historical issues and archaeological interpretations in BLAGG T e MILLET M eds The Early Roman Empire in the West Oxford 1990 APUD HINGLEY Richard The legacy of Rome the rise decline and fall of the theory of Romanization in WEBSTER Jane e COOPER Nick eds Op cit pp 3943 44 Contudo em recente artigo Carsten Peter Thiede39 diretor do Instituto de Pesquisas Científicas de Pederborn afirma que o arqueólogo Zvi Greenhut encontrou o túmulo da família de Caifás sumo sacerdote no momento da prisão de Jesus de Nazaré segundo relatam os Evangelho de João 18 13 e de Mateus 26 57 O túmulo está localizado em Talpiot leste à sudeste de Jerusalém Dentro dele encontrouse um ossário adornado com a epígrafe Joseph bar Kaiaphas40 e segundo Thiede pertence ao próprio Caifás citado no Novo Testamento Igualmente foi encontrado no mesmo local em um recipiente menor o crânio de outro familiar uma mulher de nome Miriam de acordo com a epígrafe Sob o palato havia uma moeda do Rei Herodes Agripa I que reinou entre 41 e 44 Tal atitude como explica Thiede era um costume pagão vinculado à mitologia grega uma vez que a moeda teria como finalidade pagar ao barqueiro dos mortos a travessia para outro mundo 39 THIEDE Carsten Peter Nos Passos de Jesus de Nazaré in Revista 30Dias nº 8 setembro de 1993 40 José filho de Kaifás em aramaico 45 14 O Poder Político Romano sobre a Judéia Quadro 1141 Quadro 11 Imperadores Romanos Prefeitos e Procuradores Romanos da Judéia de Augusto à Vespasiano séculos I aC I dC Martin Millet42 afirma que 41 Quadro extraído de MEIER John P Um Judeu Marginal Repensando o Jesus Histórico 46 O Império Romano como muito Impérios posteriores administrou suas províncias não através de coerção mas por meio da cooperação das elites nativas Hingley43 defende que a administração provincial assumiu o controle da organização nativa que préexistia à chegada de Roma sempre que possível visando estruturar as novas províncias cooptando para tanto a elite local no sentido de manejar os novos civitates efetuar a coleta de tributos e dirigir o conselho local como reforçam Garnsey44 e Saller45 Compartilhando deste argumento Maurice Sartre46 diz que na Judéia como em todas as Tradução de Laura Rumchinsky Rio de Janeiro Imago 1991 p 430 42 MILLET Martin Romanization historical issues and archaeological interpretations in BLAGG T e MILLET M eds The Early Roman Empire in the West Oxford 1990 e MILLET Martin The Romanization of Britain An Essay in Archaeologial Interpretation Cambridge 1990 APUD WEBSTER Jane e COOPER Nick eds Op cit p 8 43 HINGLEY Richard The legacy of Rome the rise decline and fall of the theory of Romanization in WEBSTER Jane e COOPER Nick eds Op cit pp 3943 44 GARNSEY P Romes African Empire under the Principate in GARNSEY P e WHITTAKER C eds Imperialism in the Ancient World Cambridge 1978 e GARNSEY P e SALLER R The Roman Empire economy society and culture London 1987 APUD HINGLEY Richard The legacy of Rome the rise decline and fall of the theory of Romanization in WEBSTER Jane e COOPER Nick eds Op cit pp 3943 45 SALLER R e GARNSEY P The Roman Empire economy society and culture London 1987 APUD HINGLEY Richard The legacy of Rome the rise decline and fall of the theory of Romanization in WEBSTER Jane e COOPER Nick eds Op cit pp 3943 46 SARTRE Maurice Opcit 47 regiões Roma buscava o apoio das instituições existentes nas comunidades nativas e contava com a elite local para mantêlas em atividade Ainda com referência à Judéia Martin Goodman47 reafirma tal proposta relatando ser uma prática comum de Roma no momento da criação e conseqüente incorporação de uma nova província ao Império manter sem alterações as instituições locais já existentes bem como apoiar as lideranças nativas que já controlavam a região só as tirando do poder em casos extremos Acrescenta ainda o mesmo autor que por sua atuação a serviço de Roma as aristocracias nativas podiam em geral contar em receber o apoio romano a seu prestígio local e ainda obter vantagens com a coleta de impostos e a concessão da cidadania romana Como então Roma interagiu com a elite e as instituições judaicas Para responder tal indagação é necessário que se perceba quem eram os notáveis ou seja como era formada a elite e ainda quais eram as instituições existentes na Judéia no momento da interferência romana com a chegada de Pompeu em 63 aC e que se prolongaram pela segunda metade do século I aC e pelas seis primeiras décadas do século I dC Para tanto tornase conveniente uma rápida apresentação do poder local desde o período persa quando já se pode utilizar o termo Judéia até a época romana 47 GOODMAN Martin A Classe Dirigente da Judéia As Origens da Revolta Judaica contra Roma 66 70 dC Rio de Janeiro Imago 1994 p 41 48 141 O Poder Político na Judéia antes de Roma Martin Goodman48 de forma sucinta informa que com o apoio dado pelo Rei aquemênida Ciro os judeus iniciaram a reimplantação de sua vida nacional nas terras do antigo Reino de Judá destruído meio século antes pelos babilônicos que por sua vez foram derrotados pelos persas Desta forma no início do período de dominação persa fins do séc VI a fins do século IV aC o Templo de Jerusalém de Salomão destruído no verão de 587 aC quando da queda de Jerusalém frente às tropas de Nabucodonosor foi reerguido e reinaugurado no ano 516 aC Por essa razão o elemento da sociedade local que mais se vinculava ao Templo no caso o Sumo Sacerdote foi identificado e aceito pelos Aquemênidas como o líder da comunidade judaica que assim ao fim da dominação persa encontravase relativamente em posição de razoável autonomia sobretudo no tocante à religião tendo como centro o Templo de Jerusalém e a figura do sumo sacerdote Aliás em 70 o fim do Templo e do sumo sacerdócio fecharam uma longa etapa de poder dentro da sociedade judaica a época conhecida por período do Segundo Templo Durante a época helenística como lembra Goodman49 fins do séc IV a meados do séc II aC seja sob o domínio Lágida seja sob o Selêucida os sumo sacerdotes 48 Ibidem pp 4144 49 Ibidem pp 4144 49 mantiveramse como os governantes da Judéia As mudanças no concernente aos dirigentes judeus só começaram a ocorrer no espaço de tempo entre o fim do domínio direto dos selêucidas e a chegada de Pompeu à Jerusalém portanto entre 142 e 63 aC Esta foi a época do auge do poder político dos asmoneus sucessores dos irmãos macabeus Judas Jônathas e Simão que influenciados por seu pai Matatias deflagraram a insurreição dos Macabeus e obtiveram a independência política da Judéia quando então o título de rei voltou àquelas terras encarnado na pessoa do líder asmoneu Alexandre Janeu 103 76 aC Assim como conclui o mesmo autor já se delineava a idéia de que a autoridade secular podia estar desvinculada do cargo de sumo sacerdote informando que este era o quadro político que Pompeu no caso Roma encontrou ao chegar à Judéia 142 142 O Poder Político na Judéia a partir da chegada de Roma Prosseguindo o mesmo autor informa que em 67 aC com a morte da rainha asmonéia Salomé Alexandra seus filhos iniciaram uma forte disputa pelo trono Hircano o mais velho teve seu poder retirado por Aristóbulo Pompeu interveio e reconduziu aquele a sua posição anterior de mando contudo apenas no tocante ao sumo sacerdócio privandoo do título de rei Assim Hircano comandava Jerusalém sob taxação e controle ainda que indireto romanos Aristóbulo e seu filho Alexandre perceberam a clara manobra romana que esvaziava o poder dos asmoneus ao lhes conceder um papel unicamente religioso e se insurgiram Na 50 verdade os romanos observaram que seria mais seguro terem como aliados dirigentes da Judéia pessoas estranhas à dinastia asmonéia como se vê da valorização que Júlio César dava à Antípater o idumeu conselheiro mais próximo de Hircano Com o afastamento deste feito prisioneiro dos partos e com a morte de Antípater seu filho Herodes foi declarado pelo Senado Romano rei da Judéia cargo que exerceu de 37 a 4 aC quando faleceu Herodes lembro foi um soberano manipulado por Roma inicialmente estando ligado e sendo admirador de Antônio e após o episódio de Ácio não por acaso o vínculo e a admiração passaram à pessoa de Otávio como já referido acima Com a deposição do filho de Herodes Arquelau 6 dC que governou a Judéia por dez anos após sua morte o reino cliente da Judéia desapareceu ermergindo em seu lugar uma região administrativa subordinada à Província da Síria Roma passou a exercer um controle a partir do regime de administração direta cristalizada pelo papel inicialmente dos prefeitos 641 dC e após o breve reinado de Agripa I neto de Herodes 4144 dC dos procuradores 4466 dC entretanto como ainda informa Goodman50a nível local Roma entregou o poder ao sumo sacerdote que portanto mais uma vez voltava a ser ainda que submetido a um Prefeito e depois a um Procurador a máxima liderança da Judéia região sobre a qual na prática podese identificar três etapas nas quais se vê a gradativa e crescente interferência política romana sempre buscando cooptar as elites nativas reis ou sumo sacerdotes e 50 Ibidem pp 53 54 51 tolerando a manutenção do funcionamento das duas principais instituições locais o Templo de importância não só religiosa bem como política e econômica e o Sinédrio conselho religioso e supremo com funções jurídicas 143 As instituições políticoreligiosas da Judéia sob o domínio romano De acordo uma vez mais com Alan Unterman51 o Templo em hebraico chamase beit hamikdash que significa casa do que vem do sagrado Tratavase de edifício central localizado em Jerusalém onde se realizavam os cultos do sacrifício sendo que os sacerdotes e os levitas eram os responsáveis por seu zelo e manutenção No local mais sagrado e interior do templo o Santo dos Santos se encontrava a pedra fundamental sobre a qual esteve a Arca da Aliança de Deus com os hebreus no Sinai realizada por intermédio de Moisés Os judeus deviam rasgar suas roupas no momento em que vissem o Templo pela primeira vez ou passado um período de trinta dias e em cada lar judaico parte de uma parede não devia ser decorada em razão da destruição do Templo Ainda é Unterman52 quem disserta acerca do Sinédrio A palavra hebraica Sanhedrin vem da grega sunevdrion sunédrion que significa não só um corpo de homens reunidos em assembléia um conselho e mesmo o Sanhedrin Judaico Tratava se de um conselho religioso supremo composto de 70 ou 71 anciãos localizado no Monte 51 UNTERMAN Alan Opcit p 261 52 Ibidem p 230 52 do Templo em Jerusalém As questões mais importantes eram levadas ao grande Sinédrio que também demarcava o calendário religioso Em seu interior os juízes sentavamse em semicírculo ficando o presidente do tribunal ao centro Após a destruição do Segundo Templo o Sinédrio deslocouse para Jabne Jâmnia localidade que após a queda de Jerusalém em 70 dC garantiu a sobrevivência da cultura judaica organizando por exemplo o cânon definitivo encontrado no Tanach e daquela localidade rumou para a Galiléia onde no início do século V desapareceu 144 Os Judeus e os Líderes Judaicos e Romanos da Judéia Caifás e Pilatos Retomando a história política da Judéia Romana em resumo a primeira interferência ocorreu ainda através dos asmoneus 63 37 aC em especial em um primeiro momento na pessoa de Hircano e posteriormente na de seu conselheiro Antípater a segunda com Herodes o rei fantoche e seu filho Arquelau 37 aC 6 dC e a terceira por meio dos Prefeitos e Procuradores apesar da autoridade nativa do Sumo Sacerdote 6 66 dC A figura do rei surgida com Alexandre Janeu no auge da dinastia asmonéia havia desaparecido com Herodes Assim o quadro de lideranças locais de pessoas ou instituições modificavase uma vez mais 53 Como ensina o Professor Ciro Cardoso53 em Jerusalém a autoridade era representada pela figura do Sumo Sacerdote e pelo conselho tribunal do Sinédrio Entretanto o prestígo daquele cargo vinha perdendo força assim o Sumo Sacerdote já não exercia um poder vigoroso nem representava a totalidade do povo judeu sendo seu papel fundamentalmente religioso comandando o Templo e jurídico liderando o Sinédrio Então a falta de prestígio das instituições tradicionais não só em Jerusalém como também em toda a Judéia dava apoio às múltiplas interferências dos Procuradores romanos em todos os graus da vida desta região De fato o processo de afastamento e descrédito da população judaica de seus líderes já se iniciara no período do reinado de Herodes Magno e se prolongou durante a época de controle direto dos Prefeitos e Procuradores até o início da guerra judaicoromana em 66 Goodman54 informa que a maioria dos Sumo Sacerdotes nomeados por Herodes eram oriundos da Babilônia e de Alexandria de famílias totalmente desvinculadas da política da Judéia A partir do domínio direto romano Haim Cohn55 afirma que embora para os judeus os Sumos Sacerdotes devessem permanecer no posto vitaliciamente os líderes 53 CARDOSO Ciro Flamarion Exemplos de Conflitos Políticos na Antigüidade Notas de aula da disciplina Métodos e Técnicas de Pesquisa em História Antiga e Medieval ministrada no Programa de PósGraduação em História da Universidade Federal Fluminense no primeiro semestre de 1997 54 GOODMAN Martin Opcit p 52 54 romanos os nomearam e removeram sem respeitar tal regra dando o exemplo de Valério Grácio ou Crato Prefeito de 15 a 26 líder que segundo narra Josefo em IoudaikhV Arcaiologiva Ioudaïkè Archaiología Antigüidades Judaicas nomeou e depôs quatro Sumos Sacerdotes o último dos quais Caifás que mantevese no posto de 18 a 36 No que concerne ao relacionamento entre as classes dirigentes judaica e romana na Judéia em especial entre Caifás e Pôncio Pilatos sucessor de Valério Grácio ou Crato56 Cohn57 informa que embora se considere que a permanência pacífica do primeiro como Sumo Sacerdote durante o governo do segundo tenha sido conseqüência da amizade entre ambos o real motivo que explica o apoio de Pilatos à autoridade de Caifás até o fim de seu governo como Prefeito Pilatos e Caifás perderam seus postos no ano 36 pode estar vinculado à compra do cargo de Sumo Sacerdote uma vez que sabese que a nomeação para tal posto proporcionava uma receita privada lucrativa para os governantes romanos No que concerne à relação do povo judeu com a classe dirigente judaica prossegue Cohn58 afirmando que no período do domínio romano da Judéia poucas famílias estavam 55 COHN Haim O Julgamento e a Morte de Jesus Tradução de Henrique de Araújo Mesquita Rio de Janeiro Imago 1994 p 45 56 Ver quadro 11 57 COHN Haim Opcit p46 58 Ibidem ligadas ao Sumo Sacerdócio sendo todas elas integrantes da aristocracia saduceía O mesmo autor lembra que a população judaica não apenas odiava os romanos bem como desaprovava e desprezava não apenas a dependência dos Sumos Sacerdotes perante os romanos mas também a colaboração daqueles com estes Martin Goodman59 sustenta que a classe dirigente judaica por muitas vezes foi omissa apesar da injustiça dos governantes romanos e que estes líderes judeus faziam concessões já que seu poder dependia dos Prefeitos e Procuradores Por esta razão a população judaica não confiava em seus líderes e assim os judeus agiam em grupo em casos de extrema ameaça como por exemplo quando Pilatos colocou as imagens de Tibério em Jerusalém É relevante a meu juízo que se mencione aqui desde já o texto II que se encontra adiante Tratase do caso acima lembrado por Goodman O texto proveniente de Istoriva Ioudaikou Polevmou proV RwmaivouY Istoría Ioudaikou Polémou pròs Romaious História da Guerra dos Judeus contra os Romanos em momento algum cita a pessoa de Caifás que como já antes aqui registrado foi o Sumo Sacerdote por todo o período do governo do Prefeito Pôncio Pilatos Ora se Josefo cita Caifás em IoudaikhV Arcaiologiva Ioudaïkè Archaiología Antigüidades Judaicas como também se registrou anteriormente por que então o omitiu no fragmento que chamo texto II Certamente porque o Sumo Sacerdote nada fez foi omisso e fez concessões a Pilatos como de fato indicou Goodman acima 56 15 Resistência Passiva o Poder do Judaísmo Ainda retomando a questão da romanização Richard Hingley60 afirma que para se ajustar às necessidades locais sobretudo aquelas das elites nativas conceitos foram adotados ou sofreram adaptações Tal proposta é perfeitamente aplicável no concernente à Judéia não apenas com relação à elite mas também à toda a população como se deduz de uma série de práticas judaicas que foram mantidas porque toleradas por Roma Tais práticas foram chamadas por Sartre61 de liberdades judaicas Para a Judéia este autor aponta que no concernente ao respeito dos direitos locais Roma reconhecia a Torah como a lei dos judeus de base religiosa Assim por exemplo devido a uma série de restrições do judaísmo no tocante à alimentação à pureza ritual e à proibição de vínculo a outros cultos seus seguidores eram isentados do serviço militar pela impossibilidade de plena interação com os chamados pagãos Porém genericamente todas as normas que os romanos respeitavam no tocante ao Templo à cidade de Jerusalém aos livros sagrados e às sinagogas eram conseqüência do respeito pela Torah que não só regia a vida religiosa como também a civil dos judeus que eram portanto portadores de uma situação singular no seio das províncias orientais do Império 60 HINGLEY Richard The legacy of Rome the rise decline and fall of the theory of Romanization in WEBSTER Jane e COOPER Nick eds Op cit pp 3942 61 SARTRE Maurice Op cit pp 364365 57 Aliás a singularidade desta comunidade estava intimamente vinculada ao fato de que ao contrário das grandes civilizações do Oriente ela era basicamente identificada por uma questão religiosa o monoteísmo Alan Unterman62 esclarece que o nome do Deus judaico é formado por quatro letras o Tetragrama YHWH e é impronunciável utilizandose em substituição o termo Adonai que significa meu Senhor Ainda igualmente ensina 63 que a palavra hebraica Torah significa ensinamento sendo um dos principais conceitos do judaísmo e pode ser entendida em sentido estrito como o ensinamento da Chumash o Pentateuco sendo este o mais comum outrossim pode ser compreendida como a Tanach toda a Bíblia Hebraica ou em sentido mais amplo ainda pode significar toda a tradição judaica Lembra ainda Sartre64 que as instituições básicas romanas tais como o culto imperial o desfile de insígnias militares e a nudez atlética não eram praticadas em Jerusalém bem como era aceito que um judeu não fosse convocado perante as autoridades judaicas ou romanas durante o Shabat 62 UNTERMAN Alan Opcit p262 63 Idem Opcit p264 64 SARTRE Maurice Op cit pp 364365 58 Segundo ensina Alan Unterman65 a palavra sinagoga tem origem grega e não hebraica porém em ambas as línguas tem significado praticamente igual já que sunagwghv sunagogé sinagoga significa lugar de reunião enquanto que beit hakenesset significa casa de reunião afirmando ainda que calculase que a sinagoga tenha tido seu nascimento como instituição durante o exílio da Babilônia século VI aC portanto logo em seguida à destruição do Primeiro Templo porém de acordo com a tradição judaica as sinagogas já existiriam desde a época dos Patriarcas bem como do Êxodo IIº milênio aC De qualquer forma no período pós exílico logo a partir da época persa passaram a conviver em Jerusalém com o Templo agora o Segundo contudo após a destruição deste no ano 70 dC ao final da primeira guerra judaicoromana as sinagogas tornaramse instituições por si mesmas onde os judeus liam a Torah oravam e tratavam de assuntos comunitários Segundo uma vez mais o ensinamento de Alan Unterman66 o Shabat que se inicia no anoitecer de sextafeira e encerrase no sábado à noite é para os judeus o dia abençoado por seu Deus que nele descansou dos esforços da Criação ocorrida em seis dias logo assim como Deus o judeu deve descansar neste dia sagrado evitando qualquer trabalho que represente a interferência do homem sobre a natureza 65 UNTERMAN Alan Op cit p 250 66 Idem p 237 59 A liberdade garantida aos judeus acima apresentada ou em outras palavras a preservação da prática de sua religião representava uma forma de resistência passiva ao poder romano pois tanto o poder político quanto o cultural de Roma sobre a Judéia eram por causa do judaísmo diminuídos Vejase que sem partir para o confronto bélico a comunidade judaica sobretudo as classes inferiores conseguia deter não apenas o avanço da romanização ou seja do domínio cultural do invasor aculturação que de fato ocorria como já visto entre ao menos parte da elite bem como conseguia evitar o total domínio político do Império sobre seu território Se está correta a narrativa de Josefo sobre a chegada de Pompeu a Jerusalém em 63 aC então temse aí um exemplo de resistência passiva judaica face ao domínio romano logo no primeiro contato diretamente travado entre Roma e Judéia O texto a seguir67 será seguido de um quadrado semiótico Narra pois Josefo TEXTO I 68 67 JOSEFO Flávio No Concernente à Guerra Judaica Livro I 152153 68 Todas as traduções de grego para português dos textos de Josefo e de Tucídides e todas as transliterações das palavras gregas para o alfabeto latino foram feitas pela Professora Doutora Sílvia Damasceno de Língua e Literatura Gregas do Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense e da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro 60 Nas calamidades até aquele momento nada agrediu tanto a nação como o Templo até então não visto ter sido desvelado pelos estrangeiros Pompeu em companhia de seus seguidores tendo na verdade entrado na parte mais sagrada do Templo lugar em que somente ao Sumo Sacerdote era permitido entrar contemplou os objetos do interior o candelabro e luminárias a mesa os vasos para libação e incensórios todos de ouro maciço um acúmulo de fragrâncias e o depósito de dinheiro sagrado que somava dois mil talentos Ele Pompeu porém não tocou nem nestes nem em quaisquer outros dentre os tesouros do Templo entretanto no dia seguinte à sua captura ordenou aos guardiães purificar o Templo e dar prosseguimento aos sacrifícios como de costume JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 169 152153 S1 PROFANAÇÃO DO TEMPLO Pompeu tendo na verdade entrado na parte mais sagrada do Templo lugar em que somente ao Sumo Sacerdote era permitido entrar S2 FORTALECIMENTO DO JUDAÍSMO no dia seguinte ordenou aos guardiães purificar o Templo e dar prosseguimento aos sacrifícios como de costume 69 Livro 61 S2 ENFRAQUECIMENTO DO JUDAÍSMO Nas calamidades até aquele momento nada agrediu tanto a nação como o Templo até então não visto ter sido desvelado pelos estrangeiros S1 REVERÊNCIA AO TEMPLO Ele Pompeu porém não tocou nem nestes nem em quaisquer outros dentre os tesouros do Templo O texto revela o primeiro contato direto 63 aC de uma autoridade romana Pompeu com o espaço de culto mais importante para o judaísmo o Templo de Jerusalém Deste encontro observase a princípio o desrespeito do comandante estrangeiro com o santuário a profanação do Templo por sua entrada no local mais sagrado e interno da edificação o Santo dos Santos recinto onde apenas a mais alta autoridade religiosa judaica o Sumo Sacerdote era permitida entrar Tal ocorrência revela o enfraquecimento do judaísmo uma vez que seu espaço cultual segundo o autor até então não visto mostrouse vulnerável contudo logo a seguir ele relata que se fez presente a reverência ao Templo por Pompeu já que este não tocou em seus tesouros e ainda mais mandou purificálo e restaurar seus cultos o que significa o fortalecimento do judaísmo ao final deste episódio fato que ilustra a redução da intensidade do domínio romano perante os judeus por ação única do judaísmo que saiu fortalecido do episódio e assim assegurou a preservação da atividade cultural local A manutenção da prática religiosa dos judeus foi um forte ingrediente no processo de resistência deste povo face à dominação romana no caso de resistência passiva uma vez que não houve necessidade de protestos para que Pompeu respeitasse o Templo e determinasse o reestabelecimento de seu culto 62 No quadrado proposto para análise a dêixis positiva encontrase disforizada por palavras como entrado lugar somente ao Sumo Sacerdote era permitido entrar que revelam a profanação do Templo e por expressões como Nas calamidades agrediu a nação Templo desvelado pelos estrangeiros que indicam o enfraquecimento do judaísmo Em contrapartida a dêixis negativa é euforizada tanto por não tocou em quaisquer tesouros do Templo que mostram o respeito de Pompeu sua reverência ao Templo quanto por purificar o Templo e dar prosseguimento aos sacrifícios que demonstram o fortalecimento do judaísmo O percurso proposto pelo autor é S1 S1 S2 ou seja parte da profanação do santuário provocada pelo líder romano passa por sua reverência a este prédio sagrado e por fim conduz ao fortalecimento do judaísmo já revelando sua força e o papel que teria diante da dominação romana que então se iniciava O percurso inverso S2 S2 S1 que parte do fortalecimento do judaísmo e passando por seu enfraquecimento chega à profanação de seu mais importante espaço cultual é rejeitado pelo autor visto que esta violação é desvalorizada por ele diante da reverência final 16 Fenomenologia do Dissenso Uma vez que agora passarei a apresentar o quadro da resistência ativa judaica julgo conveniente enquadrar tal processo dentro dos movimentos elencados por Giovanni 63 Bianchi e Renzo Salvi70 no que concerne à fenomenologia do dissenso São eles a reivindicação a revoltarebelião a oposição ao sistema constituído a contestação e a secessão Destes os dois primeiros servem como base para as reflexões acerca da guerra judaicoromana de 6673 exemplo maior da resistência ativa judaica contra Roma Segundo Gualberto Gualerni71 a reivindicação objetiva um maior grau de participação em determinado sistema entretanto não questiona nem os valores nem as instituições básicas da sociedade e de acordo com Bianchi e Salvi a revolta ou rebelião é a expressão de grupos insatisfeitos Ora uma vez que concordo com a teoria de Martin Goodman como se verá a seguir que sustenta que a classe dirigente judaica esteve desde sempre no comando da guerra contra Roma e só com a sua participação ativa o conflito foi deflagrado não posso deixar de perceber que neste episódio estão presentes os dois movimentos acima apontados já que ao perder o apoio dos líderes romanos para governar a Judéia a classe dirigente local não só tornouse profundamente insatisfeita com esta situação que lhe esvaziava o poder bem como ao promover a revolta obviamente não questionava os valores nem muito menos as instituições centrais de sua sociedade pois é inconcebível que esta elite ainda que 70 BIANCHI Giovanni e SALVI Renzo Elementi di Sociologia Politica in MELOTTI Umberto org Introduzione alla Sociologia Milão Centro Studi Terzo Mondo 1980 p 194 71 GUALERNI Gualberto Tipologia del dissenso APUD BIANCHI Giovanni e SALVI Renzo Elementi di Sociologia Politica in MELOTTI Umberto org Op cit p 194 64 parcialmente sob os efeitos da romanização pusesse em debate os ensinamentos da Torah portanto os valores de sua religião bem como a importância do Templo e do Sinédrio suas mais fortes instituições que além do mais representavam o poder local 17 A Superestrutura do Bloco Histórico Ainda antes de passar à reflexão sobre a resistência ativa judaica face ao domínio romano que é base da guerra judaicoromana dentro da qual por sua vez emergiu a guerra civil judaica julgo conveniente apresentar uma base teórica que dá sustentação não só à relação de Roma com suas províncias bem como esclarece a posição que a classe dirigente judaica assumiu nos anos 60 do século I dC e que foi a meu entendimento concordando com Martin Goodman como se verá o maior símbolo deste tipo de resistência uma vez que aí a guerra contra Roma começou Tratase da noção de Superestrutura do Bloco Histórico Hugues Portelli72 produziu importante obra que se refere aos Quaderni della Carcere Cadernos do Cárcere de Antonio Gramsci e reúne suas idéias centrais acerca do conceito de Bloco Histórico que segundo Portelli é considerado por muitos como o conceitochave do pensamento de Gramsci Lembra Portelli73 que no Bloco Histórico há uma estrutura 72 PORTELLI Hugues Gramsci e o Bloco Histórico São Paulo Paz e Terra 1990 73 Ibidem pp 15 19 20 30 65 social bem como uma superestrutura ideológica e política sendo esta última formada por dois elementos básicos que se opõem a sociedade política e a sociedade civil Esta precisamente é definida por Gramsci nos Quaderni Cadernos como a hegemonia cultural e política de um grupo social sobre o conjunto da sociedade Por sua vez a sociedade política tem algumas definições também nos Quaderni Cadernos a saber Sociedade política ou Estado que corresponde à função de dominação direta ou de comando que se exprime no Estado ou no governo jurídico Sociedade política ou ditadura ou aparelho coercitivo e Governo político isto é aparelho de coerção de Estado Portanto como lembra Portelli74 a definição gramscista de Estado é a seguinteEstado isto é sociedade civil mais sociedade política hegemonia encouraçada de coerção Das definições de sociedade política Portelli conclui que para Gramsci a obtenção do poder político leva ao controle da sociedade lembrando ainda que a sociedade política exerce coerção preserva a ordem porém não apenas sob bases militares mas também sob as leis e ainda indica Portelli que na prátrica Gramsci aponta que em situação excepcional a classe dirigente perdendo o domínio sobre a socidade civil amparase na sociedade política para preservar sua dominação 74 Ibidem pp 3536 66 171 No concernente à guerra judaicoromana Refletindo não apenas acerca da relação políticocultural que orientou a história do domínio do Estado romano sobre a Judéia parte integrante do mesmo bem como acerca da guerra judaicoromana volto ao conceito de Estado para Gramsci ou seja sociedade civil mais sociedade política hegemonia encouraçada de coerção Roma apesar de em geral proporse a no ato da dominação de uma província no caso da Judéia subordinada à Província da Síria como se verá adiante cooptar as elites locais evitando o uso da força não segue tal postura na íntegra Vejase que é ela Roma quem detém a hegemonia cultural e política no conjunto do Império ainda que na Judéia isto ocorra em menor escala e é ela quem possui o aparelho coercitivo se assim não fosse a guerra judaico romana teria sido um sucesso para os judeus Ademais o caso de excepcionalidade lembrado por Gramsci quanto à classe dirigente pode ser aplicado à política interna da Judéia que posteriormente abalou as relações judaicoromanas Ao perderem seu domínio sobre a sociedade civil ou seja quando os líderes judeus sobretudo os Sumo Sacerdotes não mais eram portadores da mesma hegemonia política e cultural de outrora frente ao conjunto de sua sociedade fato inclusive que levou os líderes romanos a retirarlhes o poder a classe dirigente judaica de fato lançou mão da sociedade política coerção para preservar seu poder e deflagrou a guerra contra Roma aliás esta é a teoria de Martin Goodman para explicar o início desta guerra à frente teoria na qual me filio e argumento que está diretamente vinculado à segunda hipótese que formulei com relação a este Capítulo Primeiro 67 172 No concernente à guerra civil judaica Refletindo também acerca do belicismo que foi na maior parte do tempo o principal elemento que emergiu da relação entre as facções judaicas em guerra civil retorno uma vez mais ao conceito de conceito de Estado para Gramsci sociedade civil mais sociedade política hegemonia encouraçada de coerção Uma guerra demonstra que a hegemonia de um grupo temporariamente líder é exercitada pela coerção sobretudo caso se trate de um conflito civil o que conduz à estruturação do Estado ora sob disputa E este precisamente é o caso da guerra civil judaica onde as várias facções desejam a hegemonia dentro do Estado Independente Judeu lançando mão de ingredientes coercitivos Aliás este Estado sobreviveu na Judéia em rebelião de 67 a 70 portanto com o poder romano naquele instante afastado até devido à guerra civil em Roma no período de 6869 quando houve a rápida sucessão de três Imperadores Galba Otho e Vitélio entre Nero 5468 e Vespasiano 6979 Ademais Gramsci75 vincula a supremacia de um grupo social ao domínio e à direção intelectual e moral esclarecendo que tal grupo é dominante em face de outros rivais os quais busca aniquilar ou ao menos subjugar empregando inclusive o uso das armas e é dirigente de grupos que lhe são próximos ou aliados Lembra ainda que um grupo social deve ser portador de liderança mesmo antes de chegar ao poder que por 75 GRAMSCI Antonio Antología Seleção tradução e notas de Manuel Sacristán Cidade do México Siglo XXI p 486 68 sinal é uma das condições fundamentais para assenhorarse dele e posteriormente ao exercer o poder tornase dominante contudo precisa manter sua liderança Com relação à supremacia de um grupo social Gramsci lembra que este para obter sua liderança com o objetivo de destruir ou dominar seus adversários pode chegar ao confronto armado bélico Ora uma guerra no presente caso a civil judaica é o melhor exemplo disto Nela a política de alianças ainda que instáveis entre as facções em luta interna reflete uma prática de liderança entre partidários ou aliados Entretanto o caráter efêmero do domínio de cada facção e seus dirigentes sobre Jerusalém comprova o entendimento de Gramsci acerca da necessidade da preservação do poder por parte de um grupo social após sua conquista A fragilidade do domínio de um líder ou de uma facção em confronto bélico pelo controle do Estado Independente da Judéia tem raízes igualmente nas propostas do referido pensador no sentido de que o grupo dominante deveria ser portador de liderança antes de alcançar o poder fato não ocorrido na então sociedade judaica em guerra civil A reforçar tais abordagens gramscianas acrescento a teoria de Martin Goodman76 que defende claramente que a guerra civil judaica foi em parte fruto da disputa pelo poder político dentro da classe dirigente que se traduz por uma luta de facções e seus líderes pelo controle da população e do Estado Independente Judeu de 67 a 70 dC Estado este que era o objetivo de todas as facções 69 18 Resistência Ativa Rumo à Guerra Judaico Romana 66 73 Ao longo das seis primeiras décadas do século I dC o período dos PrefeitosProcuradores questões sóciopolíticoculturais o choque entre judeus e não judeus em cidades helenísticas ou sócioeconômicas a excessiva tributação romana segundo vários autores contemporâneos formaram o cenário de protestos que de alguma forma se vinculou com a guerra contra Roma a partir de 66 dC Na realidade a meu juízo e com base no relato de Josefo em História da Guerra dos Judeus contra os Romanos e em tese de Martin Goodman as manifestações marcantes de revolta na Judéia ocorreram a partir de questões sóciopolíticoreligiosas manifestações estas que contudo não deflagraram a guerra cujo início só se deu por um fator sóciopolítico As duas hipóteses de pesquisa que formulei para este Capítulo Primeiro esclarecem tal argumento A época em que Roma seja através dos Prefeitos 6 41 dC seja dos Procuradores 44 66 dC dominou a Judéia houve ali grande efervescência social e entendo que os principais protestos foram conseqüência basicamente do desrespeito dos romanos às liberdades antes citadas leiase à prática do judaísmo Assim quando o exercício de sua religião era limitado pela interferência sobretudo de lideranças romanas a resistência dos judeus perdia seu aspecto passivo e manifestavase de forma ativa com grande tumulto sendo que a situação só arrefecia quando tal interferência era revogada É o caso a ser apreciado mais adiante textos II e III e seus respectivos quadrados semióticos entre 76 GOODMAN Martin Opcit pp 34 182 200 e capítulo 8 70 inicialmente Pilatos 26 dC e posteriormente Calígula 41 dC e os judeus A deflagração da guerra ocorreu em 66 dC logo vinte e cinco anos após o grave incidente com Calígula e após sessenta anos de controle direto de Roma sobre a Judéia Se por todos estes anos e mesmo desde a chegada de Pompeu à Jerusalém em 63 aC a relação dos romanos com os judeus foi marcada ora pela resistência passiva ora pela resistência ativa destes contra aqueles o que fez com que esta última se cristalizasse na forma de guerra É importante voltar uma vez mais às opiniões de Richard Hingley77 a propósito das questões acerca de reação oposição e resistência Este autor afirma que alguns romanistas em geral propõem que uma vez conquistadas e pacificadas as novas províncias trazidas para o seio do Império a oposição ao domínio romano era rara ou de pequenas proporções Salvo algumas revoltas no início do período de controle romano estas novas áreas tornadas romanas podiam ser consideradas territórios pacíficos em favor do dominador As informações de romanistas lembrados por Hingley antes descritas no tocante à rápida pacificação das novas províncias são totalmente divergentes no caso da Judéia por duas razões Em primeiro lugar era claro que a Judéia dispensava qualquer proposta de civilização de Roma Os judeus desde muitos séculos antes de Roma se erguer já haviam constituído uma civilização bastante sólida no contexto do mundo antigo e em segundo 77 HINGLEY Richard The legacy of Rome the rise decline and fall of the theory of Romanization in WEBSTER Jane e COOPER Nick eds Op cit p 42 71 lugar o impacto traumático da conquista romana na realidade nunca passara apesar das liberdades concedidas por Roma aos judeus estes eram cientes da perda de sua independência desde o fim do Reino dos Asmoneus e o estado de inquietação da Judéia prosseguiu fortemente durante o período da administração direta romana lembro a época dos Prefeitos e Procuradores sobretudo quando as liberdades lembradas por Sartre e que eram uma forma de resistência passiva como já esclarecido eram quebradas por demonstrações de poder verdadeiras provocações conscientes ou não por parte de Prefeitos inábeis como Pôncio Pilatos ou de Imperadores arrogantes como Calígula como se verá Portanto as sete décadas do século I dC que antecederam a primeira revoltaguerra judaica contra Roma foram marcadas por uma série de rebeliões que demonstravam a força da resistência ativa por parte dos nativos da Judéia que veio somarse à já existente oposição de tipo passivo que naturalmente antagonizava com o processo de aculturação e assimilação leiase romanização que parcialmente ocorrera na região Na primeira metade do Livro 2 de História da Guerra dos Judeus contra os Romanos Josefo narra com grande riqueza de detalhes e com enorme clareza conflitos que opuseram judeus a samaritanos gregos e romanos na Judéia durante a época dos Prefeitos e Procuradores Tais revoltas ancoraramse ora em questões sociais ora econômicas ora culturais em especial religiosas e ora políticas e vários fragmentos do texto de Josefo na obra supracitada dão base às diferentes reflexões de vários 72 pesquisadores do tema acerca do ambiente tenso que se apoderou da Judéia ao longo de boa parte do século I dC em especial a partir do ano 6 181 As questões sóciopolíticoculturais André Paul78 indica que as causas desta guerra podem ser observadas junto à questões sócioculturais e políticas ancoradas nos espaços das cidades da Judéia sentido lato que opunha seus habitantes judeus e nãojudeus sustentando ainda que nesta região quando subordinada ao controle helenístico inicialmente Lágida 301200 aC e em seguida Selêucida 200167 aC iniciouse e desenvolveuse uma prática de urbanização helenização sendo que a mesma foi neutralizada e combatida a partir da Revolta dos Macabeus 167142 aC e sobretudo durante o governo dos judeus Asmoneus 142 37 aC período em que ali foi estimulado um processo de judaização Este quadro tornou a alterarse durante o reinado de Herodes Magno 374 aC que nos limites de seu Estado como já visto deu grande impulso ao processo de Romanização embora lembro desse ao menos em proporções menores importância à cultura judaica Paul79 prossegue afirmando que Herodes Magno voltou a adotar a política de urbanização e helenização da Judéia em sentido lato assegurando ainda que após sua morte e ao longo dos anos de domínio direto romano sobre esta província época dos Procuradores 666 78 PAUL André Op cit pp 227 228231 79 Idem 73 dC o que se observou foi que esta política herodiana abriu caminho para a ocorrência de sérios confrontos em muitas cidades consideradas gregas onde floresceu forte oposição entre seus habitantes judeus minoritários e não judeus concluindo que houve nestas localidades profundos tumultos que de alguma forma contribuíram para a deflagração ou o desenrolar da guerra dos judeus contra RomaTais localidades são Sebaste antiga Samaria Cesaréia Marítima antiga Torre Straton Ptolemaida Ascalon Hipos e Citópolis Figura 12 182 As questões sócioeconômicas Maurice Sartre80 no concernente a esta guerra tece a partir de questões econômicas um quadro de graves antagonismos entre judeus e romanos lembrando que a partir do ano 6 da era cristã uma forte carga tributária era imposta pelos romanos à Judéia carga esta que se refletia no tributum soli 125 e na capitatio estabelecidos e amparados desde este ano nos constantes recenseamentos impostos por Roma a esta região e que eram repudiados pelos judeus devido a sua função fiscal opressora Ademais o peso do fisco era igualmente expressado por várias taxas que incidiam sobre as moradias e as vendas e que também emergiam através de alfândegas internas e pedágios elementos que reduziam o comércio local tributos os quais ainda recebiam uma sobrecarga graças à ação dos publicanos cobradores de impostos ávidos por aumentar sua riqueza Por fim os camponeses judeus eram subordinados a um sistema de corvéias 74 Hans Kippenberg81 aponta uma questão econômica intimamente vinculada ao âmago desta guerra que repousa na ligação direta entre a tributação romana e a escravidão judaica ou seja para os judeus a escravidão era reflexo da exigência dos romanos em tributar as regiões incorporadas ao Império lembrando com amparo na IoudaikhV Arcaiologiva Ioudaïkè Archaiología Antigüidades Judaicas de Josefo que o povo judeu representado por Judas de Gamala considerou como o início de uma plena escravidão a determinação romana de registrarse os bens privados para fins de tributação no ano 6 dC o primeiro da época do controle imperial direto sobre a Judéia Por fim Lucien Poznanski82 defende uma proposta sob um panorama econômico que revela o ambiente tenso que se apoderou da Judéia e que dava sustentação à deflagração desta guerra no caso o empobrecimento dos judeus em conseqüência da ambição romana que aumentava a carga tributária sobre a Judéia 80 SARTRE Maurice Opcit p 368 81 KIPPENBERG Hans G Opcit p 123 82 POZNANSKI Lucien La Chute du Temple de Jérusalem Bruxelas Éditions Complexe 1997 p 51 75 183 As questões sóciopolíticoreligiosas Ainda Poznanski83 em nível sócioreligioso que demonstra a situação da Judéia no século I dC informa que chegara a era messiânica sinônimo de libertação do domínio estrangeiro e do fim dos infortúnios até então presentes na região Retorno uma vez mais a Alan Unterman84 que ensina que a palavra hebraica Mashiach que se traduz por Messias significa ungido Tratase para os judeus do rei ungido descendente de David enviado por Deus com o objetivo de começar a redenção final no fim dos tempos Ao longo do reinado do Messias ocorrerá a ressurreição dos mortos e posteriormente o Dia do Juízo que atingirá toda a humanidade Ainda vinculado ao âmago da guerra Kippenberg85 aponta que o elo religioso entre Deus YHWH e o povo eleito inicialmente os hebreus e em seguida os judeus estabelecido na Aliança do Sinai restringia as diferenças sociais sendo que a venda de um judeu devido à insolvência era um ato que derrubava tal restrição Maurice Sartre86 ainda no concernente ao clima tenso que antecedeu a guerra de 66 73 tece a partir de questões políticoreligiosas um quadro de graves antagonismos entre 83 POZNANSKI Lucien Opcit p 51 84 UNTERMAN Alan Opcit p 172 85 KIPPENBERG Hans G Opcit pp 124125 86 SARTRE Maurice Opcit pp 369 373374 76 judeus e romanos especificamente com líderes do Império no caso o Prefeito Pôncio Pilatos que esteve no comando da Judéia de 26 a 36 e o Imperador Gaio cognominado Calígula que governou de 37 a 41 e apesar da existência das liberdades judaicas que este mesmo autor lembrou anteriormente frente ao domínio imperial os levantes sobretudo de base religiosa não foram poucos até mesmo porque ainda segundo Sartre a presença romana para os judeus religiosos era bastante contestada uma vez que ela obstruía a plena observação da Torah Os textos abaixo todos fragmentos extraídos de História da Guerra dos Judeus contra os Romanos mostram claramente o desrespeito das lideranças romanas face às regras da Torah O texto II narra o choque ocorrido entre Pilatos e os judeus e o seguinte texto III relata o conflito entre Calígula e este mesmo povo No primeiro caso Josefo expõe a situação de agitação que se instalou em Jerusalém quando os judeus descobriram ao amanhecer que na madrugada anterior o recém chegado Procurador Pilatos 26 dC mandara instalar na cidade símbolos do culto imperial no caso estandartes com a efígie do Imperador Tibério atitude não comum como visto anteriormente Frente ao protesto por parte do judeus Pilatos segundo Josefo admirado com o respeito que aquele povo tinha por sua religião voltou atrás e retirou estes símbolos TEXTO II Pilatos tendo sido enviado à Judéia sob Tibério como procurador epivtropoY epítropos87 introduziu à noite em Jerusalém as efígies de César cobertas as quais são chamadas de estandartes Isto provocou grande agitação entre os judeus durante o dia Estes ficaram consternados diante da visão como se as suas leis tivessem sido esmagadas com os pés pois não era permitido colocar imagens na cidade enquanto a indignação do povo da cidade agitava as pessoas do campo thY cwvraY laovY tês chóras laós88 que afluíam juntas em multidão Dirigindose às pressas a Pilatos indo a Cesaréia os judeus imploraramlhe retirar os estandartes de Jerusalém e guardar respeitar as leis de seu antepassados Quando Pilatos recusouse eles caíram prostrados ao redor de sua casa e por cinco dias e noites inteiros permaneceram imóveis naquela posição No dia seguinte Pilatos tomou seu assento de magistrado no grande estádio e convocando a multidão com a aparente intenção de responderlhe deu o sinal combinado a seus soldados armados para cercarem os judeus Encontrandose estes dentro de um anel triplo de tropas os judeus ficaram em silêncio face a esta visão inesperada Pilatos após ameaçar trucidálos caso eles se recusassem em admitir imagens de César fez sinal a seus soldados para desembainharem suas espadas Em consequência disso os judeus em ação combinada atiraramse em conjunto ao chão estenderam seus pescoços e exclamaram que eles estavam mais preparados para morrer do que para transgredir a lei Pilatos enormemente admirado com a pureza do fervor religioso ordenou retirar imediatamente os estandartes de Jerusalém JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 2 169174 laós e procurador epivtropoY epítropos serão analisadas à frente quando estiverem agrupadas a outras expressões que no contexto darão relevância a tal reflexão S1 TRANSGRESSÃO DA LEI JUDAICA Pilatos introduziu à noite em Jerusalém as efígíes de César cobertas as quais são chamadas de estandartes S2 INTRANSIGÊNCIA ROMANA Quando Pilatos recusouse Pilatos convocando a multidão com a aparente intenção de responderlhe deu o sinal combinado a seus soldados armados para cercarem os judeus Pilatos após ameaçar trucidálos fez sinal a seus soldados para desembainharem suas espadas S2 TRANSIGÊNCIA ROMANA Pilatos enormemente admirado com a pureza do fervor religioso ordenou retirar imediatamente os estandartes de Jerusalém S1 MANUTENÇÃO DA LEI JUDAICA os judeus imploraramlhe retirar os estandartes de Jerusalém e guardar respeitar as leis de seus antepassados 79 Neste trecho o autor relata um dos mais graves conflitos deflagrados entre o Prefeito Pôncio Pilatos que liderou a Judéia de 26 a 36 e o conjunto da sociedade judaica que a ele se opõe portanto tratase de caso de resistência ativa A intransigência romana foi conhecida quando este introduziu imagens de César o Imperador Tibério que governou de 14 a 37 em Jerusalém o que era uma afronta à determinação da Torah que proibia a confecção e o culto de imagens A manutenção delas em Jerusalém representava a trangressão da lei judaica contudo Josefo mostra que Pilatos se curvou frente à grande religiosidade dos judeus e assim a manutenção da lei judaica leva à transigência romana A dêixis negativa encontrase euforizada pelas expressões enormemente admirado pureza do fervor religioso retirar os estandartes que revelam a transigência romana e guardarrespeitar as leis de seus antepassados que apontam a manutenção da Lei judaica A dêixis positiva encontrase disforizada pelas palavras ameaçar trucidálos desembainharem suas espada soldados armados cercarem os judeus que indica a intransigência do procurador e introduziu em Jerusalém efígies de César que exemplificam a intransigência ao judaísmo O percurso defendido por Josefo é S1 S1 S2 que parte da transgressão da Lei judaica e passando por sua manutenção e levando à transigência de Pilatos O processo inverso S2 S2 S1 que vai da transigência romana à transgressão da Lei judaica é repudiado pelo autor No segundo caso Calígula no final de seu curto período como Imperador 3741 superou Pilatos na imposição de símbolos romanos em Jerusalém determinando que 80 fossem erguidas estátuas de sua própria pessoa dentro do Templo A reação judaica foi igualmente ancorada em sua regra religiosa mas neste caso a ordem foi cancelada não por iniciativa do Imperador mas sim devido a sua morte como conta Josefo TEXTO III Gaios enviou Petrônio com um exército a Jerusalém para erigir no Templo estátuas do próprio Gaios tendo ordenado caso os judeus não aceitassem condenar à morte os recalcitrantes e reduzir à escravidão todo o restante do povo Estas ordens porém estavam sob os cuidados de Deus Petrônio por conseguinte com três legiões e um grande contingente de auxiliares sírios deixou Antióquia em marcha para a Judéia Entre os judeus alguns não acreditavam nos rumores de guerra outros creram mas não viram meios de defesa o alarme entretanto logo tornouse universal o exército tendo já atingido Ptolemaida Os judeus reuniramse com suas esposas e filhos na planície de Ptolemaida e imploraram a Petrônio para primeiro dar atenção às leis de seus antepassados e em seguida a eles mesmos Até então transigindo com a vasta multidão e suas súplicas ele deixou as estátuas e suas tropas em Ptolemaida e avançou em direção à Galiléia onde ele convocou para Tiberíades a população inclusive todas as pessoas de distinção Lá ele frisou o poder dos romanos e as ameaças do Imperador e além disso apontou a imprudência da solicitação deles todas as nações súditas ele advertiu haviam erigido em cada uma de suas cidades estátuas de César juntamente com aquelas de seus outros deuses e que somente eles os judeus se oporiam a esta prática o que equivalia quase a uma rebelião agravada por insulto Quando os judeus expuseram o costume e as leis de seu povo que não permitiam colocar imagem nem de Deus nem de homem não apenas no interior do seu Templo nem em qualquer lugar do campo Petrônio tomando a palavra disse Mas eu também devo fazer cumprir a lei do meu senhor se eu transgredíla e os poupar eu serei morto com justiça Guerra será feita sobre vocês por ele que me enviou não por mim já que eu também como vocês estou sob ordens Com isto a multidão gritou que estava pronta para suportar tudo pela lei Petrônio tendo verificado seu clamor disse Então vocês vão à guerra com César Os judeus responderam que eles ofereciam sacrifício duas vezes ao dia a César e ao povo romano mas que caso ele desejasse erguer estas estátuas ele primeiro deveria sacrificar toda a nação judaica e então eles próprios 81 se apresentaram suas esposas e seus filhos prontos para o massacre Estas palavras encheram Petrônio de admiração e piedade diante de um espetáculo de incomparável devoção deste povo a sua religião e sua inabalável resignação à morte Então por ora ele os dispensou nada sendo decidido Desta cidade Antióquia ele Petrônio dirigiuse às pressas para relatar a César sua expedição na Judéia e as súplicas da nação acrescentado que a não ser que ele desejasse destruir o país assim como seus habitantes ele deveria respeitar a lei deles e revogar as ordens A este despacho Gaios respondeu em termos desmedidos ameaçando matar Petrônio por seu atraso na execução de suas ordens Entretanto aconteceu que os portadores desta mensagem ficaram retidos pelo mau tempo por três meses no mar enquanto outros que trouxeram a notícia da morte de Gaios tiveram uma viagem afortunada Então Petrônio recebeu esta última informação vinte e sete dias mais cedo do que a carta que trazia sua própria sentença de morte JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 2 184203 82 S1 VIOLAÇÃO DA TORAH Gaios enviou Petrônio com um exército a Jerusalém para erigir no Templo estátuas do próprio Gaios S2 DESCUMPRIMENTO DAS ORDENS DE CALÍGULA Até então transigindo com a vasta multidão e suas súplicas ele deixou as estátuas e suas tropas em Ptolemaida Petrônio disse a lei do meu senhor se eu transgredíla e os poupar eu serei morto com justiça Então por ora ele os dispensou nada sendo decidido ele deveria respeitar a lei deles e revogar as ordens trouxeram a notícia da morte de Gaios S2 CUMPRIMENTO DAS ORDENS DE CALÍGULA tendo ordenado Gaios caso os judeus não aceitassem condenar à morte os recalcitrantes e reduzir à escravidão todo o restante do povo Petrônio por conseguinte com três legiões e um grande contingente de auxiliares sírios deixou Antióquia em marcha para a Judéia avançou em direção à Galiléia Lá ele frisou o poder dos romanos e as ameaças do Imperador Petrônio tomando a palavra disse Mas eu também devo fazer cumprir a lei do meu senhor Guerra será feita sobre vocês por ele que me enviou não por mim já que eu também estou sob ordens caso ele desejasse erguer estas estátuas ele primeiro deveria sacrificar toda a nação judaica e então eles próprios se apresentaram suas esposas e seus filhos prontos para o massacre S1 PRESERVAÇÃO DA TORAH Os judeus reuniramse com suas esposas e filhos e imploraram a Petrônio para primeiro dar atenção às leis de seus antepassados e em seguida a eles mesmos os judeus expuseram o costume e as leis de seu povo a multidão gritou que estava pronta para suportar tudo pela lei Estas palavras encheram Petrônio de admiração e piedade diante de um espetáculo de incomparável devoção deste povo a sua religião 83 Este extrato narra um dos mais sérios incidentes entre um líder romano e a nação judaica antes da guerra de 66 73 logo de resistência ativa O Imperador Gaios cognominado Calígula determinou assim como já fizera com relação a outras províncias que estátuas suas fossem erguidas no Templo de Jerusalém Coube a Petrônio o cumprimento das ordens de Calígula porém caso isto ocorresse seria necessário que se fizesse presente também a violação da Torah que como visto no caso de Pilatos proibia a confecção e o culto de imagens não só de sua própria divindade quanto mais a de um líder estrangeiro Claro ficou que para a preservação da Torah era necessário que também ocorresse o descumprimento das ordens de Calígula Neste caso a disforização da dêixis positiva é claríssima pelas seguintes expressões condenar à morte reduzir à escravidão ameaças do Imperador guerra que revelam a agressividade de Calígula e ainda sacrificar toda a nação judaica prontos para o massacre que mostram a que ponto os judeus chegaram por respeito a sua lei Em contrapartida a euforização da dêixis negativa é nítida pelas seguintes palavras transigindo poupar nada sendo decidido e revogar as ordens com relação à atitude tolerante de Petrônio e suportar tudo pela lei admiração e piedade incomparável devoção palavras que indicam a fidelidade dos judeus no cumprimento da Torah S1 S1 S2 é o percurso apoiado pelo autor ou seja aquele que parte da violação da Torah e termina no descumprimento das ordens de Calígula logo na manutenção da lei judaica esta triunfando Por conseguinte S2 S2 S1 que leva à violação desta mesma lei é o percurso rejeitado por Josefo 84 É interessante observar que são exemplos de resistência ativa sobre bases sócio políticoreligiosas que envolvem a classe dirigente romana e a população judaica em geral e não sua classe dirigente Notese que Josefo não cita em nenhum dos dois casos ocorridos respectivamente em 26 e 4041 dC o nome de um líder judeu o que me faz pensar que provavelmente de fato tratavase de uma insurreição da população e não especificamente da classe dirigente judaica contra Roma Embora Josefo relate que tais conflitos cessaram por recuo acidental ou proposital das lideranças romanas estas passagens reforçam a tese de Martin Goodman adiante apresentada de que a guerra só iniciouse quando a classe dirigente judaica entrou em ação O texto a seguir complementa os dois imediatamente acima isto porque revelam o conteúdo das normas que os judeus respeitavam e que foram desconsideradas tanto por Pilatos quanto por Calígula ou seja a proibição da confecção e adoração de imagens sobretudo de estrangeiros Trago uma passagem da Tanach Bíblia Hebraica em especial da Torah aqui sinônimo de Chumash o Pentateuco mais especificamente ainda do segundo livro da Bíblia o Shemot o Êxodo Trecho praticamente igual pode ser encontrado no quinto livro da Bíblia o Devarim Deuteronômio o qual não acrescentei a seguir exatamente devido a esta semelhança que se explica pelo fato de que este último livro apesar de não ser uma repetição dos quatro livros que o antecedem de certa forma volta a alguns de seus temas portanto há dois registros praticamente idênticos 85 do decálogo sobre o qual disserta Félix Garcia López 89 indicando que em ambas as versões o início do decálogo constituise em um discurso direto de Deus YHWH portanto de grande força dentro de um contexto sagrado TEXTO IV 1 E falou Deus todas estas palavras dizendo 2 Eu sou o Eterno teu Deus que te tirei da terra do Egito da casa dos escravos 3 Não terás outros deuses diante de mim 4 Não farás para ti imagem de escultura figura alguma do que há em cima nos céus e abaixo na terranem nas águas debaixo da terra 5 Não te prostarás diante deles nem os servirás pois Eu sou o Eterno teu Deus Shemot Êxodo 20 1590 184 As questões sóciopolíticas Hans Kippenberg91 ainda no concernente ao âmago da guerra judaicoromana propõe que este conflito não seria possível sem o engajamento da aristocracia ligada ao Sanhedrin Sinédrio 89 LÓPEZ Félix García Os Dez Mandamentos Caminhos de Vida e Liberdade in LÓPEZ Félix García org O Pentateuco Trad José Afonso Beraldin da Silva S Paulo Paulinas 1998 p 65 90 A Lei de Moisés e as Haftarot São Paulo Templo Israelita Brasileiro Ohel Yaacov 1996 pp 134135 91 KIPPENBERG Hans G Opcit p 125 86 Por fim Martin Goodman92 em uma abordagem sóciopolítica dos fatores que levaram à deflagração desta guerra sustenta que ao contrário das elites de boa parte das outras províncias a elite judaica nunca fez parte da classe dirigente romana sendo rara a concessão da cidadania romana aos governantes judeus acrescentando que em divergência ao que ocorria em outras localidades do Império os governadores romanos opunhamse a considerar como seus semelhantes a classe dirigente judaica classe esta que ainda segundo Goodman liderou este conflito desde o princípio com o escopo de preservar sua relevância em sua sociedade quando lhe foi retirada a sustentação antes concedida por Roma assim para Goodman o fator que explica a eclosão da guerra em 66 foi unicamente político ou seja a ruptura do pacto de governabilidade entre as classes dirigentes romanas e judaicas para o controle da Judéia Segundo Goodman 93 em História da Guerra dos Judeus contra os Romanos Josefo por pertencer à classe dirigente judaica tentou defendêla tratandoa como uma vítima da guerra e embora ele tenha evitado reconhecer e demonstrar o papel fundamental desta classe neste conflito Goodman 94 a partir desta mesma narrativa desenvolve uma reflexão fornecendo dois dados que comprovam o alto envolvimento da classe dirigente judaica na revoltaguerra 92 GOODMAN Martin Opcit pp 5960 173174 93 Ibidem pp 171172 94 Ibidem pp 172173 87 O primeiro dado revela que muitos integrantes deste grupo permaneciam em Jerusalém no momento da derrota do governador da Síria Céstio Galo e lá ficaram mesmo após tal episódio As duas transcrições abaixo segundo notas da edição da Loeb da obra supracitada referemse respectivamente ao verão de 66 dC e a novembro do mesmo ano TEXTO V Eleazar filho de Ananias o sumo sacerdote um jovem muito ousado então sustentando a posição de capitão do Templo persuadiu aqueles que oficiavam nos serviços do Templo a não aceitar presente ou sacrifício de um estrangeiro Esta atitude foi o marco inicial da guerra com os romanos visto que os sacrifícios 95 oferecidos em nome daquela nação e do Imperador foram em conseqüência rejeitados JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 2 409 TEXTO VI Após esta catástrofe de Céstio muitos judeus notáveis abandonaram a cidade como nadadores deserdam de um navio que naufraga JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 2 556 Goodman cita esta última passagem que de fato não deixa dúvidas de que na hora da vitória judaica sobre Céstio Galo muitos da elite judaica ainda encontravamse em 95 De acordo com nota da edição da Loeb Estes sacrifícios oferecidos duas vezes ao dia foram instituídos por Augusto e consistiam em dois cordeiros e um touro As despesas de acordo com Fílon de Alexandria eram suportadas pelo Imperador de acordo com Josefo pela nação judaica 88 Jerusalém e a se levar em conta não só o fragmento imediatamente anterior bem como a interação destes dois trechos podese perceber que meses após o início da guerra Jerusalém ainda abrigava boa parte da classe dirigente local O segundo dado mostra que após a derrota de Galo os generais judeus escolhidos para a condução da guerra eram oriundos da classe alta incluindo o próprio Josefo que partiu em defesa da Galiléia Aliás este conflito desenvolveuse em regressão territorial ou seja inicialmente abrangia toda a Judéia em sentido lato com o passar dos anos o teatro de operações concentrouse na Judéia em sentido estrito até a queda de Jerusalém em 70 e as fortalezas de Herodium e Machaeros 71 e por fim de Massada 73 Figura 1396 96 Mapa extraído de BARNAVI Éliedir História Universal dos Judeus Da Gênese ao Fim do Século XX Coordenação de Tradução Beatriz Sidou São Paulo Cejup 1995 p53 89 Figura 13 Judéia amplo sentido Guerra JudaicoRomana 66 73 dC 90 185 As questões da fonte primária Acima a partir de opiniões ora divergentes e ora convergentes de vários estudiosos da Judéia Romana busquei elaborar um quadro em diferentes níveis de análise do ambiente judaico do século I dC que antecedeu a eclosão da guerra quadro que apresenta diversas argumentações que se vinculam a situaçõescausas que geraram este conflito sendo que a meu juízo as que foram apresentadas por Martin Goodman são mais sólidas Neste subitem trago as considerações de Josefo sobre esta mesma questão Como já referido anteriormente Josefo preocupouse em narrar uma série de episódios que revelam o quadro de tensões sociais que floresceram na Judéia ao longo das seis primeiras décadas do século I dC Contudo em nenhum daqueles momentos a guerra contra Roma foi deflagrada Uma vez que a narrativa de Josefo obedece uma seqüência cronológica dos fatos chega portanto a hora em que ele deve fornecer a seus leitores as razões as causas os culpados ou responsáveis pela guerra finalmente desencadeada entre a primavera e o verão de 66 dC Porém ele não o faz Ao invés de apresentar uma razão um culpado um responsável ou uma causa ele relata um pretexto que é no meu entender uma cortina de fumaça lançada pelo narrador com o objetivo de silenciar sobre a real causa da guerra muito provavelmente pelas razões defendidas por Martin Goodman supracitadas Segundo Josefo em História da Guerra dos Judeus contra os Romanos o pretexto foi um conflito entre judeus e gregos em Cesaréia Marítima de base religiosa 2 284 291 agravado logo em seguida pela ambição e crueldade do Procurador Floro 2 292 308 e que acabou levando ao início da guerra com o fim dos sacrifícios realizados em Jerusalém em nome do Imperador e do povo romano 2 409 Narra portanto Josefo TEXTO VII No que diz respeito à extensão dos infortúnios oriundos da guerra não houve pretexto provfasin de valor que a justificasse JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos2 284285 A meu juízo é fundamental aqui analisarse a palavra grega provfasin prófasin no caso acusativo do nominativo provfasiY prófasis utilizada por Josefo e traduzida por pretexto Liddell e Scott 97 apresentam a palavra provfasiY como sendo em geral utilizada em sentido pejorativo como um mero pretexto uma aparência um fingimento uma simulação uma desculpa em especial empregado por Tucídides paradigma de Josefo em oposição à aitiva aitía causa verdadeira Portanto posso deduzir que ao empregar o termo provfasin prófasin Josefo simplesmente deixa de fornecer as causas responsáveis por este conflito Reforçando este argumento trago a seguir o último capítulo do primeiro Livro da conhecida obra de Tucídides História da Guerra do Peloponeso onde em um mesmo trecho o ateniense 97 LIDDEL and SCOTTS Opcit pp 703704 93 191 As questões sócioeconômicas Paul Johnson 100 ao elaborar seus argumentos sobre bases sócioeconômicas explica que uma das primeiras atitudes dos nacionalistas radicais ao tomar Jerusalém foi incendiar os arquivos do Templo cujo escopo era a destruição dos registros de dívidas em clara oposição aos ricos 192 As questões sóciopolíticas Uma vez mais Paul Johnson 101 ao construir seus argumentos sobre bases sócio políticas propõe que na esteira dos acontecimentos iniciais da guerra contra Roma ou seja o litígio entre gregos e judeus em Cesaréia Marítima a ambição do Procurador Floro face ao tesouro do Templo a crueldade dos romanos contra Jerusalém e a paralisação dos sacrifícios em favor destes e de seu Imperador emergiram debates violentos que antagonizaram judeus moderados e judeus militantes concluindo que a grande insurreição de 66 dC isto é a guerra contra Roma foi uma guerra civil que atingiu a sociedade judaica André Paul 102 sobre bases sóciopolíticas informa que após a queda dos Asmoneus e com o controle romano sobre a Judéia pôdese observar o reaparecimento de um velho 100 JOHNSON Paul História dos Judeus Tradução de Henrique Mesquita e Jacob Volfzon Filho Rio de Janeiro Imago 1995 pp 145146 148 101 Ibidem 102 PAUL André Opcit pp 227 235 250 emprega os dois termos causas aitivai e pretexto provfasiY revelando a diferença entre ambos TEXTO VIII Estas são as causas aitivai e as diferenças que ocorreram para ambos os lados antes da guerra tendo ela começado diretamente a partir dos fatos em Epidamo e Corcyra Entretanto as duas partes continuaram a manter relações recíprocas e a se visitarem sem se anunciarem embora sob suspeita Na realidade a situação era de rompimento de alianças e pretexto provfasiY para guerrear Tucídides Histórias de Tucídides História da Guerra do Peloponeso I98 CXLVI99 19 A Guerra Civil Judaica 66 70 Dentro do período de tempo que testemunhou a guerra judaicoromana 6673 desenrolouse também na Judéia e sobretudo em Jerusalém um outro conflito desta vez local uma guerra civil que se iniciou praticamente junto com a outra e terminou quando Tito cercava Jerusalém portanto estendeuse de 66 a 70 Utilizando o mesmo critério empregado acima a partir de opiniões ora divergentes e ora convergentes de vários estudiosos da Judéia Romana busquei elaborar um quadro em diferentes níveis de análise que explique o que foi este conflito 98 Livro 99 Capítulo Com relação aos dois líderes judeus mais importantes João de Giscala e Simão bar Giora é necessário lembrar que segundo Martin Goodman 113 tanto um quanto outro apesar dos dados não os classificarem como membros da elite judaica pelo tratamento dado por Tito a ambos após a guerra nenhum deles pode ser considerado como pessoa não pertencente à classe dirigente judaica 195 As questões da fonte primária Da mesma forma como elaborei a análise da guerra judaicoromana com relação à guerra civil igualmente recolhi opiniões desta vez todas divergentes propostas por estudiosos da Judéia Romana e busquei elaborar um quadro em diferentes níveis de análise do ambiente do conflito civil judaico Neste subitem trago as considerações de Josefo sobre esta mesma questão Em História da Guerra dos Judeus contra os Romanos Josefo informa sua crença de que a stavsiY oikevia stásis oikeia sedição domésticainterna guerra civil judaica foi a responsável pela catástrofe que se abateu sobre a Judéia Narra portanto Josefo 113 Idem pp 204206 A Palestina das seitas Fronteira da província no tempo de Pôncio Pilatos Samaritanos Essênios Judaicocristãs Saduceus Centro rabínico Fariseus Tiro Dafna Cesaréia Fillipi Gush Khalav GALILÉIA Meron Kfar Naum Cafarnaum Júlias Beit Tsaida Ptolemais Yodfat Yanah Tsipori Autocratis Tiberiades Hipos Nazare Gadara Kfar Otnai Cesareia Citópolis Beit Shean P Ela Ein Ganim Antipas Archelais Alexadrion Baxtera Akraba Magitha Gada Fasaelis Loa Codna Betel Jerusalém Emauis Bethar Belém Hircânia Hebron Massada Tsoar Azotos Asdod Ekron Medeba Machaeros Mikhvar Ascalon Antidon Gaza MAD MEDITERRÂNEO IDUMEIA MAR MORTO 96 Figura 14 Os grupos religiosos na Judéia amplo sentido séc I dC É ainda Mireille HadasLebel quem explica que os fariseus tinham como ponto central de sua doutrina a imortalidade da alma bem como interagiam o livrearbítrio com a providência Em contrapartida os saduceus não acreditavam na imortalidade da alma logo não criam na ressurreição e por fim os essênios se reuniam e se organizavam em comunidades homogêneas ascéticas sob rígidos padrões de comportamento incluindo regras de iniciação e exclusão Maurice Sartre106 fornece um quadro sóciopolítico da guerra civil judaica a ele acrescentando um fator religioso informando assim que com relação às três grandes escolhas seitas religiosas ou escolas perfeitamente constituídas dentro da sociedade judaica no século I dC suas posturas políticoreligiosas frente à dominação romana eram as seguintes os essênios optaram por se isolar no deserto e aguardar dentro das regras da Torah o final dos tempos que acreditavam iminente que os fariseus igualmente fiéis às determinações da Torah eram conscientes de que sua obrigação era permanecer no seio da sociedade judaica e que por fim os saduceus vinculados ao sacerdócio ao Sumo Sacerdócio e às funções religiosas do Templo de Jerusalém não se opunham a qualquer poder portanto ao controle romano da Judéia Há 106 SARTRE Maurice Opcit p369 97 ainda um quarto grupo cujo dogma central segundo Goodman 107 é a crença de que os judeus deveriam optar pela morte a ter que se submeter a outro senhor que não fosse seu Deus sobretudo um mortal Tratase da chamada Quarta Filosofia nascida do movimento de insurreição liderado por Judas de Gamala no ano 6 dC como ilustra passagem de Josefo a ser utilizada no Capítulo Terceiro Entretanto afirma ainda Sartre 108 que a ampla maioria dos judeus desejava um EstadoNação independente livre tanto do jugo da cultura helenística quanto da exploração romana Tal Estado para alguns poderia ser organizado por um estatuto de uma etnia que portasse autonomia tributária governado pelo Sumo Sacerdote e pelo Sinédrio onde entretanto a conservação do domínio de Roma poderia ser eficaz para a preservação da ordem em áreas que sofriam a ação de ladrões bem como para a proteção dos judeus face aos massacres que lhes eram direcionados nas cidades gregas da região Figura 12 Todavia é óbvio que tal Estado para ser realmente independente não poderia contar com nenhuma forma de interferência romana Martin Goodman 109 amparado em questões sóciopolíticas e também tangenciando questões políticoreligiosas disserta sobre uma luta de facções na classe dirigente judaica que se desenvolveu ao longo da efêmera existência 6770 dC do que chamou de Estado 107 GOODMAN Martin Opcit p 101 108 SARTRE Maurice Opcit p369 109 GOODMAN Martin Opcit capítulo 8 em especial pp 180182m 210211 98 Judeu Independente que portanto emergiu durante a guerra contra Roma ou seja quando o controle do Império sobre a Judéia encontravase afastado No campo religioso Goodman mostra que a divisão dos judeus nas facções em guerra civil não guardava qualquer paralelo com o fracionamento desta comunidade nas seitas religiosas escolas filosofias ou escolhas então em vigor No campo político Goodman lembra que o intuito de todas estas facções era basicamente o mesmo a implantação de um Estado Judeu autônomo informando ainda que a verdadeira explicação para o violento combate entre as facções era o desejo por um monopólio de poder em Jerusalém onde os que estavam no comando pretendiam mais comando 194 A pluralidade de líderes e facções Quanto à pluralidade de lideranças e facções em guerra civil a partir das informações de André Paul Paul Johnson e Martin Goodman nas mesmas obras já citadas podese identificar três grandes grupos idumeus sicários e zelotas e três grandes líderes Eleazar ou Eleezer ben Simon João de Giscala e Simão bar Giora bem como outros grupos apenas reconhecidos como partidários destes líderes Todos estes atuaram em uma política de alianças e rupturas ao longo da guerra civil contudo em 70 quando Tito cercou Jerusalém a cidade encontravase dividida em três áreas cada qual ocupada por um destes líderes 99 Assim Eleazar Eleezer ben Simon encontravase na Antônia e no pátio interior do Templo João de Giscala controlava a área externa do Templo e a Cidade Baixa enquanto Simão bar Giora dominava a Cidade Alta Entretanto próximo do iminente ataque romano contra o inimigo externo comum todos os líderes se uniram Para que se possa contemplar o cenário final desta guerra civil Jerusalém abaixo seguem uma reprodução de maquete desta cidade e dois mapas da mesma que indicam suas principais edificações e as zonas de ocupação das três grandes facções judaicas em luta interna Figura 15110 Figura 16111 e Figura 17112 110 Maquete extraída de ISRAËL Gérard e LEBAR Jacques Quand Jérusalem Brûlait En lan 70 le 29 août Paris Éditions Robert Laffont 1970 111 Mapa extraído de JOSEPHUS The Jewish War Livros I a VII tradução do grego para inglês de H ST J THACKERAY CambridgeMassachusetts e Londres Loeb Classical Library Harvard University Press 1989 112 Mapa extraído de HADASLEBEL Mireille Flávio Josefo O Judeu de Roma Tradução de Paula Rosas Rio de Janeiro Imago 1991 p 177 100 Figura 15 Maquete de Jerusalém século I dC anterior ao ano 70 101 Figura 16 Mapa de Jerusalém século I dC anterior ao ano 70 102 Figura 17 O cerco de Tito à Jerusalém verão de 70 dC antagonismo entre duas tendências políticas da Judéia a progressista simpática à helenização e a nacionalista que apoiava os Macabeus e os Asmoneus acrescentando que após a morte de Herodes Magno especialmente durante a época dos Prefeitos e dos Procuradores foram registrados sérios conflitos urbanos na Judéia onde judeus de uma mesma cidade separaramse em tendências políticas que se opunham 193 As questões sóciopolíticoreligiosas Uma análise sóciocultural da Judéia do século I dC leva ao encontro de três grupos judaicos distintos os saduceus os fariseus e os essênios Figura 14103 os quais segundo Mireille HadasLebel 104 Josefo designou pela palavra grega airesiY háiresis e cuja melhor tradução é escolha De fato Liddel e Scott105 informam que airesiY háiresis pode ser traduzida como escola seita religiosa como saduceus e fariseus no Novo Testamento heresia em linguagem eclesiástica contudo para Tucídides e Platão a tradução é realmente escolha Ainda a mesma autora acrescenta que Josefo igualmente se refere a estes três grupos como filosofias termo voltado ao mundo grecoromano familiarizado com escolas filosóficas 103 Mapa extraído de BARNAVI Éliedir História Universal dos Judeus Da Gênese ao Fim do Século XX Coordenação de Tradução Beatriz Sidou São Paulo Cejup 1995 p42 104 HADASLEBEL Mireille Flávio Josefo O Judeu de Roma Tradução de Paula Rosas Rio de Janeiro Imago 1991 pp 3742 105 LIDDEL and SCOTTS Opcit p 22 104 TEXTO IX relatarei oferecendo meus próprios sofrimentos ao lamentar os infortúnios da minha pátria porque a sedição interna guerra civil a destruiu JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 1 910 Ainda na mesma obra Josefo relata dois momentos desta guerra civil judaica que julgo merecer destaque O primeiro revela um conflito urbano em Jerusalém entre um grupo favorável à paz portanto à ordem vigente na prática o domínio romano com outro que desejava a guerra contra o Império logo antiromano Narra Josefo T E X T O X os mais poderosos em companhia dos mais eminentes sacerdotes e todo aquele da população que amava a paz apoderaramse da cidade alta visto que a rebelião dominava a cidade baixa e o Templo JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 2 422 O segundo mostra que a insurreição e o conflito de facções na Judéia iniciouse em sua área rural e apenas posteriormente alastrouse para a cidade de Jerusalém Narra Josefo T E X T O XI Se por um lado efetivamente o povo dhmoƔ estava em tão grande confusão por outro a população o populacho rural thVn cwvran plhqoƔ já havia começado a se desunir antes da sedição em Jerusalém JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 4 129 Aqui é relevante fazerse uma observação Bailly114 apresenta a palavra plhqoƔ plêthos também como populacho por oposição a povo dhmoƔ dêmos como utilizou Xenofonte em Governo dos Atenienses 2 18 e ainda informa que o termo plhqoƔ plêthos foi utilizado por Heródoto em Histórias 381 e por Tucídios Em História da Guerra do Peloponeso 1 9 com valor de multidão em oposição à aristocracia ou à realeza Portanto é óbvio que não foi gratuita a escolha de Josefo destas duas palavras de significação próxima empregandoas em uma mesma passagem O que ele quis revelar é que uma plhqoƔ plêthos multidão nada aristocrata o populacho não o povo dhmoƔ dêmos em seu todo e em especial o populacho rural thVn cwvran plhqoƔ tèn chóran plêthos foi quem iniciou a sedição Na realidade a ratificar o fato de que Josefo apresentou a população rural como nada aristocrata basta observarse as 114 BAILLY A Dictionnaire GrecFrançais Paris Hachette 1968 p 1570 107 fim ao menos como entidade geopolítica uma vez que a região cada vez menos habitada por judeus já sob o forte efeito da diáspora passou por ordens deste soberanoa chamarse Palestina no que considero por conseguinte como o Ocaso da Judéia palavras que o autor empregou para se referir a esta camada da população no texto II quando narrou as escaramuças entre Pilatos e os judeus no caso dos estandartes com a imagem do Imperador Tibério A expressão utilizada por Josefo foi thƔ cwvraƔ laovƔ tês chóras laós o povo do campo rural Aqui mais uma vez povo é representado por termo que diferencia a população geral da elite Um dos sentidos da palavra laovƔ laós apresentado por Liddell e Scott115 é o povo os homens comuns em oposição a seus líderes A partir dos dois últimos trechos acima transcritos observo que Josefo descreve o surgimento da stavsiƔikeiva stásis oikéia guerra civil dos judeus como se havendo iniciado na zona rural da Judéia e não em Jerusalém e ali como tendo sido ao menos no início uma luta judaica entre de um lado insurgentes e de outro dirigentes os mais poderosos em companhia dos mais eminentes sacerdotes que se uniram a todo aquele da população que amava a paz o que confirma a tese de Martin Goodman de que Josefo tentou proteger a classe dirigente da qual fazia parte 115 LIDDEL and SCOTTS Opcit p 465 110 Epílogo Vale lembrar que após o ano 70 dC a situação dos judeus na Judéia tornouse cada vez pior atingindo contornos ainda mais trágicos e irreversíveis quando após a segunda revolta contra Roma 132135 esta na pessoa do Imperador Adriano levou a Judéia ao 108 CAPÍTULO SEGUNDO FLÁVIO JOSEFO BEN MATTHIAS Uma Etnia Dupla Identidade 109 20 Preâmbulo Uma vez apresentado o quadro conflituoso que se desenvolveu na Judéia sob a dominação romana é necessário tecer alguns comentários sobre o homem que viveu neste período e que foi testemunha ocular das guerras judaicoromana e civil judaica É importante ressaltar a etnia da qual faz parte sua identidade individual seu ofício de historiador e a importância de seu legado para os mundos judaico e romano 21 Josefo da Judéia à Roma Josefo é portador de uma trajetória dividida cronologicamente por uma guerra e marcada por sua participação em dois mundos o judaico e o romanooriental leiase de base grega Viveu na Judéia desde seu nascimento em Jerusalém até a guerra judaico romana 37 70 e em Roma do final da guerra isto é da queda do Templo e de Jerusalém até sua morte 70 cerca de 100 110 211 A Trajetória Quadro 21116 Quadro 21 Curriculum Vitae de Flávio Josefo ben Matthias 116 Quadro extraído de HADASLEBEL Mireille Flávio Josefo O Judeu de Roma 112 É perante o então general Vespasiano e também na presença do filho deste Tito que Josefo segundo sua própria narrativa diz a ambos que em breve serão os líderes de Roma As palavras grafadas em sua primeira obra representam a meu juízo o exato divisor de águas da vida de Josefo ou seja o momento preciso em que ele apesar de permanecer judeu passa a ser parte do mundo romano mais especificamente do mundo dos Flávios Narra Josefo T E X T O XII Vós sereis César Vespasiano vós sereis Imperador vós e e vosso filho aqui JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 3 401 Passa a ser parte dos mundos romano e Flávio pois após tornarse Imperador em 69 Vespasiano concedeu a Josefo a cidadania romana Este ainda tornouse intérprete e porta voz de Tito junto aos judeus rebelados e sitiados em Jerusalém em 70 e após a guerra foi viver em Roma sem mais retornar à sua terra natal Embora já tivesse sido casado na Judéia na realidade casouse por quatro vezes Em Roma Josefo foi pai de três filhos e apesar do contato com a língua latina desenvolveu seu trabalho de historiador escrevendo em língua grega embora seus idiomas natais fossem o aramaico língua corrente na Judéia e o hebraico Redigiu quatro obras História da Guerra dos Judeus contra os 117 HADASLEBEL Mireille Opcit pp24 37 47 54 58 Josefo filho de Matthias nasceu no ano 37 dC em Jerusalém na Judéia Mireille HadasLebel117 muito informa sobre a trajetória de Josefo Quadro 21 Este judeu educado dentro das regras da תורה Torah buscou na adolescência conhecer cada airesiƔ háiresis que como visto acima é uma palavra de múltiplas traduções como escola seita corrente religiosa escolha ou filosofia então existente na Judéia na verdade em número de três a airesiƔ háiresis dos saduceus a dos essênios e a dos fariseus Entre dezesseis e dezenove anos após ter conhecido cada uma das três Josefo esteve no deserto junto ao eremita Banus período ao final do qual o jovem optou por seguir a doutrina farisaica Aos vinte e sete anos no ano 64 Josefo dirigiuse a Roma com a missão que foi bem sucedida de libertar alguns sacerdotes Durante a guerra judaicoromana 6674 é que se pode estabelecer um marco na trajetória de Josefo que dividiu para sempre sua vida em dois períodos o primeiro vivido na Judéia o segundo em Roma contudo como se verá ao longo deste Capítulo apesar de cidadão romano ele nunca perdeu sua identidade judaica nem deixou de ser parte integrante de seu grupo social de origem estando sempre vinculado à etnia judaica Indicado ao final de 66 como general para defender a Galiléia missão que desta vez não foi bem sucedida com a queda da Fortaleza de Jotapata em 67 Josefo foi feito prisioneiro dos romanos Tradução de Paula Rosas Rio de Janeiro Imago 1991 p 15 113 Romanos Contra Apião Autobiografia e Antigüidades Judaicas e por fim faleceu por volta do 100 212 O Nome Segundo uma vez mais Mireille HadasLebel118 de acordo com a tradição dos judeus quando nasceu Josefo a este foi dado o prenome de seu avô paterno da mesma forma como a seu pai Matthias fora dado o do seu avô bisavô de Josefo Quadro 22119 Este último se casara com uma filha de Jônathas Macabeu fato que vincula Josefo aos irmãos Macabeus responsáveis pela insurreição vitoriosa que afastou o domínio selêucida da Judéia bem como o liga à dinastia asmonéia que governara a Judéia totalmente independente entre os períodos de domínios helenísticoselêucida e romano 164 63 aC Josefo então é descendente de líderes que lutaram pela liberdade da Judéia 118 Ibidem p24 119 Quadro extraído de HADASLEBEL Mireille Flávio Josefo O Judeu de Roma Tradução de Paula Rosas Rio de Janeiro Imago 1991 p 21 114 Quadro 22 A Genealogia de Josefo Segundo Cláudia Andréa Prata Ferreira120 o nome hebraico de origem de Josefo é Iossef Yossef ben Matatiahu José ben filho de Matatias Matias Iossef Yossef significa que Deus ajunta acréscimo de Deus Matatiahu significa Dom de Deus Matias é abreviação haplológica de Matatias 120 Professora de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ Ao apresentarse no início de sua primeira obra História da Guerra dos Judeus contra os Romanos Josefo grafa em grego seu nome de origem hebraico assim IwvhspoY Matqivou Pai Iósepos Matthíou Paîs José filho de Matthias Na segunda metade de sua vida após receber do Imperador Vespasiano a cidadania romana novamente de acordo com Mireille HadasLebel Josefo teve seu nome modificado para Titus Flavius Josephus Quadro 22 Lucien Poznanski121 em discordância defende que não se pode sustentar que Josefo tenha adotado o prenome Titus e prossegue afirmando que ele simplesmente utilizou a regra onomástica habitual de um recémcidadão incorporando a seu nome de origem José o nomen nome de família do Imperador no caso de Vespasiano Flavius Flávio Desta forma passou a chamarse Flavius Josephus seu nome romano assim grafado em latim Portanto a referência aos dois nomes de Josefo o de origem e o de aquisição ou seja o hebraico grafa do em hebraico e grego e o romano grafa do em latim foram propositalmente apresentados para que se perceba desde logo o grau de envolvimento deste homem com estes três mundos o judaico o grego e o romano fato que influenciou seu ofício de historiador Aliás em geral Josefo é apresentado como o maior dos historiadores judeus da Antigüidade e também em geral como historiador romano ou melhor de Roma é esquecido 121 POZNANSKI Lucien Op cit pp 115116 A partir dos nomes יוסף Iossef Yossef IwvhspoYIósepos e Josephus qual seria a correta tradução José ou Josefo No que concerne ao nome em hebraico Cláudia Andréa Prata Ferreira122 ensina que José é a forma mais correta e usual de se traduzir יוסף Iossef Yossef Os nomes Josefo Joseph e Josef são variantes Com relação ao nome em grego há duas grafias a serem analisadas Inicialmente aquela que consta da narrativa evangélica logo de um relato escrito na mesma época da redação de História da Guerra dos Judeus contra os Romanos segunda metade do século I dC Tratase portanto de um nome em grego koinhv koiné comum No início do relato de Mateus123 118 o evangelista ao tratar da origem de Jesus Cristo cita sua mãe Maria que estava comprometida em casamento com José Este nome no texto grego está grafa do Iwshvf Ioséf Ademais F Wilbur Gingrich em obra específica acerca do Novo Testamento124 indica que o nome Iwshvf Ioséf traduzse por José É curioso entretanto que em sua primeira obra Josefo grafe seu nome assim IwvhspoY Iósepos Bailly125 porém informa que a palavra Iósepos se traduz por José e indica tratarse do nome do historiador Por fim como já referido acima em Roma a grafia latina do nome foi Josephus Pelo relatado fica claro que o nome do historiador deveria ser José e não Josefo Quem esclarece esta questão é Mireille HadasLebel126 que explica que a ortografia Josefo foi imposta no século XVIII pelo padre Hardouin um jesuíta francês com o objetivo de diferenciar o historiador dos santos homônimos Então o nome Josefo passou a ser utilizado para este historiador judeu Seu nome portanto em português é Flávio Josefo e não Flávio José 22 Etnia Judaica Para conceituar etnia é necessário desenvolverse uma análise dos termos gregos eqnoYéthnos e gevnoY génos Anthony D Smith127 informa que o primeiro é portador de grande extensão de uso em geral entendido como um conjunto de pessoas que vivem e agem em coletividade lembrando porém que estes indivíduos não obrigatoriamente precisam pertencer a uma mesma tribo ou a um mesmo clã Com relação ao segundo termo o mesmo autor informa que em Heródoto podese encontrar gevnoY génos como povo nação ou raça ou ainda como tribo subdivisão de um eqnoYéthnos É relevante informar que segundo Liddell e Scott128 o termo gevnoYgénos foi utilizado por Platão como uma tribo como subdivisão do eqnoY éthnos Anthony D Smith ademais afirma que não se percebe junto aos gregos a diferença entre tribos ou nações Abaixo trago três passagens de História da Guerra dos Judeus contra os Romanos Josefo emprega na primeira e na segunda o termo gevnoY génos na última a palavra eqnoY éthnos Ao referirse a seu povo de origem usa o termo gevnoY génos e não eqnoY éthnos como se vê do fragmento que ora transcrevo do texto XXI que virá a seguir eu por minha vez Josefo filho de Mathias um hebreu por raça gevnei EbraioY um sacerdote de Jerusalém JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 1 13 Ao referirse a seu povo de origem usa uma vez mais o termo gevnoY génos e não eqnoYéthnos como se vê do fragmento que ora transcrevo do texto XVII que se encontra adiante Que eu não possa jamais viver para tornarme tanto um prisioneiro abjeto quanto para abjurar abandonar minha raça pauvsomai tou gevnouY ou esquecer as tradições de meus antepassados JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 6 107 Uma vez mais referese a seu povo de origem porém desta vez emprega o termo eqnoYéthnos e não gevnoY génos como se vê do fragmento que ora transcrevo do texto III já apresentado Desta cidade Antióquia ele Petrônio dirigiuse às pressas para relatar a César sua expedição na Judéia e as súplicas da nação kaiV taVY ikesivaY tou eqnouY JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 2 202 Como sugeri na tradução acima até mesmo para diferenciar os dois termos gevnoY génos é raça e eqnoYéthnos é nação Qual seria entretanto a diferença entre ambos em sua utilização por Josefo sempre se referindo a seu povo de origem O que se percebe a meu ver dos três fragmentos acima é que nos dois primeiros ou seja quando Josefo utiliza a palavra gevnoY génos ele se refere a seu povo de origem a partir de uma perspectiva individual ou seja ele Josefo pertence ao gevnoY génos judaico ao passo que ao empregar o termo eqnoY éthnos referese a seu povo de origem agora a partir de uma perspectiva coletiva isto é o eqnoY éthnos judaico todo o povo Anthony D Smith129 afirma ainda que o termo gevnoY génos muito mais do que eqnoY éthnos revelase destinado a grupos alicerçados no parentesco pelo contrário eqnoY éthnos está associado às semelhanças culturais de um determinado grupo Tratando da extensão do tema etnia e buscando definir a etnicidade prossegue o mesmo autor130 elencando seis elementos os quais chama componentes da etnia são eles um nome coletivo um mito de origem comum uma história partilhada uma cultura especial partilhada uma associação com um território específico e um senso de solidariedade Analisálosei um a um conectandoos ao povo judeu Um nome coletivo segundo o autor131 ao longo da história este elemento é o ponto de identificação de um etnia Na Antigüidade dar nome a alguém ou a uma divindade era o mesmo que identificar a essência desta pessoa ou deus algo que a reverência e o temor religioso proibiam e um bom exemplo dessa interdição lembrado por Anthony D Smith encontrase no judaísmo onde o nome de seu Deus único é impronunciável Como se vê na própria תורה Torah a divindade se revelou sem dizer um nome como informa o texto abaixo razão pela qual o nome de Deus é representado pelo tetagrama יהוה YHWH e como dito acima não pode ser pronunciado 121 T E X T O XIII E disse Moisés a Deus Eis que quando eu vier aos filhos de Israel e lhes disser o Deus de vossos pais envioume a vós e dirão para mim Qual é o seu nome Que direi a eles E disse Deus a Moisés Serei O que serei E disse Assim dirás aos filhos de Israel Serei envioume a vós Shemot Êxodo 3 1314 O mesmo autor lembra que em regra geral não há etnias sem nome contudo na África pequenos grupos étnicos só foram registrados por etnógrafos modernos que distinguiram tais grupos de outros vizinhos através do nome Um outro exemplo que envolve os judeus e lembrado por Anthony D Smith é o caso de um grupo africano que se considera ligado à casa de Israel embora afastado dos demais Israelitas por séculos mas sempre considerando a terra de Israel como seu centro religioso Para seus vizinhos eles são exilados estrangeiros Falashas na língua amárica os próprios Falashas porém nomeiamse Beta Israel Um mito comum de origem de acordo com o autor132 um mito de origem procura esclarecer dúvidas acerca da semelhança entre determinadas pessoas que se unem em uma 132 Ibidem p 24 mesma comunidade A explicação repousa no fato de serem oriundas de um mesmo lugar de uma mesma época e de serem descendentes de um mesmo antepassado Esta explicação segundo Smith converge a idéia de viver em coletividade com a de partilhar cultura semelhante componentes do termo e qnoY éthnos Retomando o texto do שמות Shemot Êxodo no prosseguimento imediato do acima transcrito observase registrado os três primeiros patriarcas hebreus segundo a narrativa da תורה Torah Abraão Isaac e Jacó ou Israel T E X T O XIV E disse ainda Deus a Moisés Assim dirás aos filhos de Israel O Eterno Deus de vossos pais o Deus de Abraão o Deus de Isaac e o Deus de Jacob envioume a vós שמות Shemot Êxodo 3 15 Segundo John Bright133 Abraão Isaac e Jacó ou Israel devem ser reconhecidos com toda a certeza como indivíduos históricos reais Ainda que eles sejam considerados personagens históricos não se pode afirmar isto em totalidade pois no caso dos patriarcas a eles foi atribuído um papel mítico ou seja fundadores de uma nação 133 BRIGHT John História de Israel Tradução Euclides Carneiro da Silva São Paulo Paulinas 1980 p 116 123 Uma história compartilhada como informa Anthony D Smith134 uma história comum vincula gerações que se seguem cada uma das quais fornecendo suas próprias experiências à linhagem comum ou em resumo a sucessão histórica auxilia experiências posteriores Uma cultura característica compartilhada o autor135 sustenta que as etnias se diferenciam a partir de elementos culturais os quais ao mesmo tempo que unem seus integrantes também os afastam dos estrangeiros Para Anthony D Smith os pontos mais comuns dessa cultura compartilhada são a língua e a religião contudo também as leis as instituições os costumes vestuário culinária música arte e arquitetura têm sua influência como elementos seja de coesão seja de dispersão das etnias Com relação à religião o historiador Élie Barnavi 136 afirma que a Torah pode ser apresentada como a constituição sagrada dos hebreus do povo não do Estado que se constituiu como lei divina gerada a partir do Deus único YHWH reguladora ainda de todo o povo de Israel sendo por conseguinte o judaísmo sua religião nacional No que concerne à língua na Antigüidade lembro a importância do hebraico língua sagrada 134 Ibidem p 25 135 Ibidem p 26 136 BARNAVI Élie dir História Universal dos Judeus Da Gênese ao Fim do Século XX Tradução de Beatriz Sidou coord et alli São Paulo Cejup 1995 p 18 Professora de Língua e Literatura Hebraicas do Departamento de Letras Orientais e Eslavas da Faculdade de Letras da UFRJ 124 para os judeus utilizada para escrever a maioria dos livros da Bíblia judaica e do aramaico que se encontra na redação de alguns textos bíblicos Uma assossição com um território específico Anthony D Smith 137 registra que a etnia sempre está vinculada a um território que considera seu O grupo étnico pode viver ali porém isto não é necessário ou seja ele não tem que ter a posse da terra o que de fato é fundamental é que haja um espaço geográfico simbólico sagrado como se fosse um lar para o qual se possa ainda que de forma simbólica retornar mesmo que os integrantes deste grupo estejam em dispersão pelo mundo ainda que há muitos séculos A etnia não perde sua essência quando seus integrantes estão espalhados por outros territórios privados de seu lar já que a etnicidade compõese de mitos memórias valores e símbolos não necessitando de possessões materiais ou poder político e são estes dois últimos elementos que exigem um lugar um território para que sejam postos em prática Para o autor o território é de extrema importância para a etnicidade uma vez que há uma simbiose entre a terra e seu povo Com relação ao acima dito isto é a ocupação de um território por uma etnia e o retorno da mesma a este espaço geográfico não perdendo de vista que o período que estudo é anterior à diáspora maciça iniciada em 70 dC mas em plena atividade a partir de 135 dC posso fazer alguns comentários É muito forte a ligação dos judeus com a terra de Israel e depois Judah e Judéia ambas sendo a mesma palavra hebraica The New Testament Londres Trinitarian Bible Society 1994 texto do Novo Testamento em grego 125 Iehudah como já explicado Naquela oportunidade indiquei que afirmou André Paul138 que devido à sua etimologia o nome Judéia era portador para os judeus de um valor quase patronímico visto que estava diretamente vinculado a Judah filho de Jacó ou Israel logo bisneto de Abraão considerado pela tradição judaica como o primeiro patriarca hebreu Além disso a própria Torah uma vez mais no Shemot Êxodo revela que Deus YHWH encaminhou o povo hebreu a uma terra especial como se vê a seguir T E X T O XV E disse o Eterno Tenho visto a aflição do meu povo que está no Egito e o seu clamor ouvi por causa de seus fiscais de trabalho porque conheci as suas dores E desci para o livrar do poder do Egito e para o fazer subir daquela terra para uma terra boa e espaçosa para uma terra que emana leite e melpara o lugar do Cananeu e do Hiteu e do Amoreu e do Periseu e do Heveu e do Jebuseu Shemot Êxodo 3 78 Vale observar que a terra dos cananeus Canaã foi ocupada pelas tribos de Israel e que quando Davi conquistou Jerusalém a cidade pertencia aos jebuseus Após o exílio de quase meio século 587 539 aC na Babilônia com a autorização do rei persa Ciro os judeus apenas parte retornaram à Judéia Neste período a manutenção simbólica de seu 137 SMITH Anthony D Op cit p 28 138 PAUL André Opcit pp9496 GINGRICH F Wilbur Léxico do Novo Testamento GregoPortuguês Tradução de Júlio PT Zabatiero São Paulo Edições Vida Nova 1993 p 104 126 lar Judah e seu centro de peregrinação sagrado Jerusalém os manteve unidos apesar da falta do domínio do território e por conseguinte da autodeterminação política devido à ocupação babilônica e da destruição do Templo de Salomão só reerguido após o retorno sob os Aquemênidas Um senso de solidariedade Por fim o autor139 mostra que uma etnia além de estar vinculada a todos os cinco ítens acima também é uma comunidade com noções precisas de identidade e solidariedade 23 Identidade de Flávio Josefo Uma vez feita a análise da etnia judaica passo agora a refletir acerca da pessoa de Josefo e da formação e cristalização de sua identidade De acordo com o antropólogo Gilberto Velho140 a antropologia vem recentemente desenvolvendo amplos estudos acerca do tema da identidade a partir de reflexões sobre a questão da diferença 231 Josefo Identidade por AutoReconhecimento Carmelo Distante141 sustenta que a identidade sóciocultural de um indivíduo revela se na capacidade que ele tem de reconhecer o modo de ser e de se expressar de um povo 139 SMITH Anthony D Op cit p 29 140 VELHO Gilberto Memória Identidade e Projeto in VELHO Gilberto Projeto e Metamorfose Rio de Janeiro Zahar 1994 p 97 141 DISTANTE Carmelo Memória e Identidade in Op cit p 81 BAILLY A Opcit p 989 HADASLEBEL Mireille Opcit p12 com os seus próprios Portanto com relação à pessoa de Josefo lembrese um judeu portador de cidadania romana tornase fundamental estabelecer o processo de cristalização de sua identidade sobretudo por seu próprio autoreconhecimento perante o modo de vida dos dois povos nos quais se inseriu Em outras palavras a partir de seu histórico de vida Josefo se considerava judeu ou romano Parece que nada melhor do que as próprias palavras do autor para responder a tal indagação Eis aqui dois pequenos excertos do início de sua primeira e mais importante obra História da Guerra dos Judeus contra os Romanos sendo que o primeiro é parte do texto XXI parte esta que já foi apresentada acima e virá também a seguir eu por minha vez Josefo filho de Mathias um hebreu por raça qevnei EbraiOý um sacerdote de Jerusalém JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 1 13 T E X T O XVI em minhas reflexões sobre os acontecimentos eu não posso ocultar meus sentimentos particulares nem recusar minha pessoal solidariedade em prantear as desventuras de meu país JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 1 910 Já pelos curtos fragmentos de autoria de Josefo acima transcritos tornase bastante transparente o fato de que ele se reconhecia como judeu e nunca como romano não só por uma mera leitura de suas palavras mas também porque ele mesmo revela que sua ascendência e prática religiosa eram aquelas dos judeus jamais as dos romanos 128 232 Josefo Identidade por Origem e por Aquisição Gilberto Velho142 mostra que há duas dimensões bastante diversas acerca da identidade individual A primeira diz respeito àquela de origem ou seja determinada sobretudo pela etnia A segunda está vinculada a uma aquisição efetuada graças a uma trajetória que implica em escolhas e opções Tais afirmações teóricas do antropólogo são totalmente pertinentes à vida de Josefo que nasceu judeu e na metade de sua existência recebeu a cidadania romana como se pode constatar de todo o raciocínio desenvolvido acima Entretanto como se pôde observar e como se verá com base em sua própria narrativa Josefo não se apresentou como romano e de fato sempre foi judeu Lucien Poznanski143 sustenta não se poder alegar que Josefo abandonara suas raízes judaicas pelo contrário apesar de cidadão romano Josefo permaneceu a serviço de seu Deus Reforçando tal postura ou seja a de que a identidade de origem era mais forte do que a adquirida Tessa Rajak144 indica que Josefo nunca deixou de ser judeu e como 142 VELHO Gilberto Memória Identidade e Projeto in Op cit pp 97 e 101 143 Ibidem p 117 144 RAJAK Tessa Josephus The Historian and his Society London Duckworth 1983 pp 1112 SMITH Anthony D The Ethnic Origins of Nations Oxford Blackwell 1986 p 21 129 escritor mantevese vinculado ao judaísmo apesar de por vezes terse posicionado diplomaticamente em direção às questões romanas afirmando ainda que seu pensamento sofria múltiplas influências sendo aquelas provenientes de Jerusalém bastante relevantes já que qualquer indivíduo no entender da autora é moldado pelos padrões da educação que recebeu sustenta igualmente que Josefo como homem de letras não se afastou da educação de sua infância e acrescenta que não buscou tornarse um romano apesar da cidadania que lhe foi concedida pelo Imperador Tais afirmações são amparadas em uma pequena passagem próxima do final de História da Guerra dos Judeus contra os Romanos e a partir da qual a mesma historiadora sentencia que Josefo manifestou intenção de manter enquanto vivesse vínculos de lealdade não apenas com relação à seu grupo social de origem como também às tradições deste povo A passagem à qual a autora se refere e que se encontra abaixo transcrita referese ao momento do cerco final de Jerusalém quando Tito e suas tropas avançaram contra a Fortaleza Antônia edificação vizinha ao Templo relato este que traz as palavras pronunciadas pelo próprio Josefo quando portavoz do comandante romano dirigidas ao líder revoltoso judeu João de Giscala T E X T O XVII contudo eu posso ainda te garantir o perdão dos romanos Lembrete também que eu que o admoesto sou teu compatriota que eu que faço esta promessa sou um JudeuQue eu não possa jamais viver para tornarme tanto um prisioneiro abjeto quanto para abjurar abandonar minha raça ou esquecer as tradições de meus antepassados JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 6 107 233 Josefo Identidade pela Alteridade Na identidade por autoreconhecimento Josefo se via como judeu com relação às identidades por origem e por aquisição ele teoricamente poderia ter oscilado entre as duas e nelas se apoiado a judaica e a romana mas como visto não o fez porque vinculouse à judaica Por fim em confronto com outros povos não se reconheceu como pertencente a um deles no caso gregos ou romanos como se vê do fragmento abaixo parte do início da obra T E X T O XVIII E eu que sou estrangeiro de outra tribo allovfuloÝ dedico a memória dos feitos tanto a gregos quanto a romanos JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 1 16 Fica portanto claro que Josefo se via como um judeu esta era sua verdadeira identidade 24 Flávio Josefo um Judeu em Roma Para que se possa analisar a relação entre Josefo sua identidade pessoal e sua trajetória sobretudo a segunda metade dela ou seja sua vida em Roma é necessário verificarse inicialmente como os judeus e em seguida Josefo lá se inseriram É Martin 131 Goodman145 quem apresenta este quadro Lembra o autor que desde meados do século I aC podese detectar a existência de uma comunidade judaica em Roma acrescentando ser factível afirmar que tal comunidade estava integrada à sociedade romana e que os judeus se identificavam ao menos parcialmente com a cultura romana Isto porque a maior parte deles era de cidadãos romanos Estes se entendiam como romanos de fé judaica isto é portadores de uma dupla identidade O mesmo autor prossegue afirmando que após a guerra judaicoromana houve um abalo neste equilíbrio alguns judeus romanos mais integrados à sociedade romana rejeitaram o judaísmo querendo doravante ser considerados puramente romanos Entretanto outros mantendo sua dupla vinculação romanojudaica preservaram sua prática religiosa ancestral o portavoz deste grupo era Josefo visto provavelmente pelos judeus como um defensor de seus interesses por sua relevância sócio política em Roma Com relação à Josefo Goodman146 afirma que sem dúvida apresentouse como um judeu devoto ainda que poderia terse identificado com Roma ter reforçado sua identidade romana porque sabia que era possível que estrangeiros como ele se identificassem com o Império Romano apenas pelo fato de serem portadores de sua 145 GOODMAN Martin Josephus as Roman Citizen in Josephus the History of the GrecoRoman Period Leiden EJBrill 1994 pp 329332 146 Idem p p 333 336 132 cidadania O mesmo autor147 lembra entretanto que Josefo não se apresentava como um romano e julgava sua cidadania uma mera honra concedida pelo Imperador e com relação à sua produção historiográfica diz que Josefo era mais um autor judeu do que romano De fato sim mas sua relevância como historiador de Roma deve ser apontada e este é o tema do próximo subitem 25 Flávio Josefo o historiador judeu da Judéia e de Roma Mireille HadasLebel148 lembra que Josefo é conhecido como um historiador judeu eventualmente grego devido à língua utilizada na redação de suas obras entretanto nunca é apresentado como um historiador romano Esta posição porém é frontalmente contestada pela autora na medida em que ela sustenta que Josefo é um historiador romano e exemplifica recordando que em IoudaikhV Arcaiologiva Ioudaïkè Archaiología Antigüidades Judaicas 1820149 é possível encontrarse relatos não apenas unicamente voltados para a história romana bem como mais detalhados do que trechos de Tácito e Suetônio 147 Idem pp 336337 148 HADASLEBEL Mireille Flavius Josephus Historian of Rome in Josephus the History of the GrecoRoman Period Leiden EJBrill 1994 p 97 149 Livros 133 HadasLebel150 informa que de início pelo fato de Josefo ter participado e assistido de muito perto a guerra judaicoromana parte da história de Roma ele forneceu aos historiadores deste Império grande quantidade de informações A autora aponta três exemplos i em Tácito um opositor ao judaísmo não se encontra relatada a proteção que o Imperador Cláudio que reinou de 41 a 54 ofereceu a Agripa I E tal informação para ela é de vital importância porque não se trata apenas de fato que pertence à história judaica mais sim de episódio que também faz parte do estudo das relações do Império com seus súditos ii o relato da morte de Tibério que reinou de 14 a 37 e sua sucessão é bem mais minucioso em Josefo do que em Tácito ou Suetônio iii a ascensão de Vespasiano ao trono 69 tem em Josefo uma testemunha ocular e foi primeiramente narrada por ele em 75 História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 4 616620 seguido do relato de Tácito em 106 Histórias 281 e do de Suetônio em 120 Vespasiano6 Para a autora a narrativa de Josefo é literariamente melhor e mais convincente do que a dos outros dois 26 Epílogo O que se percebe neste Capítulo Segundo e na trajetória de Josefo é que apesar de pertencer à etnia judaica era portador de duas identidades a primeira por origem e a segunda por aquisição graças à cidadania que lhe foi concedida pelo Imperador 150 Ibidem pp 103105 134 Vespasiano Embora fosse um historiador da Judéia também o era de Roma Por fim ainda que pudesse terse considerado um romano sempre se entendeu como um judeu ainda que divido entre Judéia e Roma 135 CAPÍTULO TERCEIRO HISTÓRIA DA GUERRA DOS JUDEUS CONTRA OS ROMANOS Quádrupla Ambigüidade 30 Preâmbulo Após a queda de Jerusalém no início do outono de 70 dC Josefo partiu para Roma nunca mais retornando à sua terra natal Lá já cidadão do Império residindo na antiga casa do Imperador Vespasiano e recebendo uma pensão do Estado passou a dedicarse ao ofício de escritor na realidade sua pretensão desde então já era a de se tornar historiador Tanto assim que logo após a guerra e ainda no reinado deste mesmo líder elaborou um relato que tratava da história da Judéia desde o fim do domínio selêucida primeira metade do século II aC até a queda de Massada 73 dC último foco de resistência judaica no interior da Judéia Tal narrativa tornada pública entre 75 e 79 dC foi a primeira de quatro grandes obras de Josefo e é caracterizada por uma quádrupla ambigüidade no nome na origem na estrutura e no conteúdo que emerge nitidamente nos três primeiros parágrafos da obra como se verá e tamanha é sua importância para esta Dissertação que se tornou um de seus capítulos Tratase pois de Istoriva Ioudaikou Polevmou proVY RwmaivouY Istoría Ioudaïkoû Polémou pròs Romaious História da Guerra dos Judeus contra os Romanos ou PeriV Tou Ioudaikou Polevmou Perì Toû Ioudaïkoû Polémou No Concernente à Guerra dos Judeus em geral conhecida por Guerra Judaica 151 137 31 Os idiomas da obra aramaico e grego Com relação aos dois idiomas H St J Thackeray152 após chamar a atenção para as primeiras linhas texto XXI a seguir onde Josefo informa que a narrativa em grego fora precedida de outra em aramaico revela que a versão aramaica se perdeu e que ao contrário do que afirma Poznanski ou seja que apenas se preservou até nossos dias a tradução deste relato para a língua grega o texto grego não é uma tradução literal do anterior pois nele não se encontra qualquer sinal de linguagem semítica portanto para Thackeray a narrativa aramaica foi praticamente reescrita O grego registrado nesta obra não se apresenta em sua configuração própria do século I dC data de sua redação a forma comum koinhv koiné André Paul153 esclarece que a partir do avanço de Alexandre Magno para o Oriente e até o período bizantino a língua grega que floresceu por todo o Mediterrâneo Oriental e o Oriente Próximo era a chamada língua comum koinhv koiné que foi empregada a nível político administrativo bem como educacional e comercial Dependendo da região de sua atuação esta versão da língua grega predominava sobre o idioma antes falado ou não No caso da Judéia coexistiram no século I dC o grego basicamente falado pelos de origem helenística e o aramaico essencialmente usado pelos judeus e ainda o hebraico língua da 152 Idem pp ix e x 153 PAUL André Opcit p 19 138 elite judaica Conclui este autor afirmando que a koinhv koiné era uma versão simplificada do dialeto ático mesclado com elementos jônicos É ainda Lucien Poznanski154 quem lembra que o grego de História da Guerra dos Judeus contra os Romanos tem uma forma ática cópia do grego clássico de Tucídides e não os traços do chamado grego comum koinhv koiné utilizado por Políbio da época helenística De acordo com Poznanski tal atitude foi proposital já que Josefo pretendia posicionarse como grande historiador seguindo seu paradigma Tucídides cuja trajetória e produção historiográfica se assemelham à de Josefo razão pela qual as narrativas sobre as Guerras do Peloponeso e dos Judeus contra Roma terão uma análise em paralelo à frente Martin Goodman155 reforça que Josefo segue o modelo historiográfico de Tucídides Uma vez mais Thackeray156 diverge de Poznanski não quando afirma que História da Guerra dos Judeus contra os Romanos é uma obra literária que se constitui em um exemplo de texto grego aticizado considerado de bom gosto no século I dC grego este que foi proposto pela escola que pretendia reviver a forma da língua do período clássico ao mesmo tempo que deter o avanço do emprego da koinhv koiné mas sim quando afirma que o grego de Josefo segue um estilo clássico sem ser contudo uma repetição uma cópia do modelo clássico 154 POZNANSKI Lucien Opcit p 119 155 GOODMAN Martin Opcit p 33 156 THACKERAY in Introduction Opcit pp xiii e xiv Analisandose esta obra emergem alguns exemplos do distanciamento lingüístico em relação aos padrões clássicos Um caso a ser citado é o superlativo da palavra agaqovY agathós bom utilizado por Josefo não em sua forma clássica aristoY áristos ótimo melhor porém em uma versão mais simplificada resultado da adição de agaqovY agathós com o sufixo que indica superlativo taton taton na forma neutra ou seja agaqwvtaton agathótaton registro que se encontra no Livro 2 277 Outro caso que merece relevância é o emprego de um verbo que é registrado por Bailly 157 como unicamente utilizado por Josefo nesta obra tratase de prodievsth prodiéste que está no Livro 4 129 texto XI que vem de prodiivsthmi prodiístemi cujo significado é ter começado a se desunir estar já em dissensão 32 Ambigüidade no Título O primeiro nível de ambigüidade que desejo comentar neste capítulo é o que se encontra no título da obra que em geral é conhecida como Guerra Judaica mas que na realidade é portadora de dois títulos fornecidos por Josefo um no corpo da própria narrativa e outro em relatos posteriormente por ele escritos Como lembra Thackeray 158 em suas obras subseqüentes Josefo se refere a esta narrativa como PeriV Tou Ioudaikou Polevmou Perì Toû Ioudaïkoû Polémou No Concernente à Guerra dos Judeus ao passo que no início do primeiro Livro está grafado Istoriva Ioudaikou Polevmou proVY RwmaivouY Istoría Ioudaïkoû Polémou pròs Romaious História da Guerra dos Judeus contra os Romanos Laqueur 159 sugere que a primeira forma acima revela o ponto de vista romano de Josefo e é ainda Thackeray 160 quem diz que a segunda forma pode ser uma tentativa de Josefo no sentido de amenizar o aspecto ofensivo da anterior Em minha opinião o primeiro título é mais genérico pois não esclarece com precisão a que guerra dos judeus se refere por exemplo contra quem eles lutam contudo há de fato no título um ponto de vista romano do conflito onde a ênfase da ação está contida muito mais na guerra do que no povo judeu ou seja houve uma guerra dentro do Império Romano neste caso envolvendo os judeus O segundo título é mais específico já que nele sabese de que guerra se está tratado por exemplo contra quem se combate e há uma inclinação para o ponto de vista judaico do litígio onde a ênfase da ação está presente 141 bem mais no povo judeu em guerra do que na guerra em si isto é os judeus promoveram uma guerra dentro do Império contra os romanos 33 Ambigüidade na Origem O segundo nível de ambigüidade que desejo ressaltar neste capítulo é o que se encontra na origem da obra e que se pode compreender a partir da trajetória de Josefo apresentada no Capítulo Segundo que revelou um homem dividido entre Judéia e Roma Josefo esforçase em justificar a redação de História da Guerra dos Judeus contra os Romanos alegando que era necessário que não só os judeus mas também os povos vizinhos no Oriente Próximo e ainda gregos e romanos soubessem da verdade dos fatos sobre tal conflito bélico Em contrapartida a bibliografia recente baseada inclusive no próprio discurso de Josefo insiste que esta narrativa foi elaborada com objetivo de propaganda da dinastia Flávia É sobre esta ambigüidade na origem da obra que passo a dissertar 331 Verdade ou Propaganda Paul Johnson161 afirma que Josefo no início de suas atividades como escritor foi um defensor dos romanos Seth Schwartz162 sustenta que entre 71 e 72 portanto após a 161 JOHNSON Paul Opcit p 147 162 SCHWARTZ Seth Josephus and Judean Politics Leiden EJ Brill 1990 pp 9 13 142 queda de Jerusalém Vespasiano reestruturou as fronteiras orientais de Roma e na esteira desta política voltada para o Oriente este mesmo Imperador encarregou Josefo de elaborar em aramaico uma obra com contornos de propaganda cujo tema fosse a revolta dos judeus destinada a partas babilônios árabes aos habitantes de Adiabene e aos judeus que viviam à leste do Eufrates afirmação oriunda da própria narrativa de Josefo concluindo que naquele momento ele demonstrava sua submissão a seus patronos romanos os Flávios pois tornarase um fiel propagandista dos mesmos Tessa Rajak163 lembra que é quase unânime o reconhecimento de que História da Guerra dos Judeus contra os Romanos foi redigida como história oficial como propaganda autorizada pelos Flávios tendo em seu âmago interesses desta dinastia bem como do próprio Império Lucien Poznanski164 diz que o primeiro ato de Josefo como escritor foi redigir História da Guerra dos Judeus contra os Romanos na língua mais falada na Judéia o aramaico que aliás havia sido o idioma administrativo do Império Persa sendo ainda objetivo do autor apresentar aos povos vizinhos do Oriente Próximo os equívocos praticados pelos judeus em seu relacionamento com os romanos como uma forma de padrão de comportamento de exemplo histórico para tais populações Ratificando tal opinião é importante registrar que 163 RAJAK Tessa Josephus The Historian and His Society Londres Duckworth 1983 P10 164 POZNANSKI Lucien Opcit p 119 143 H St J Thackeray 165 não só afirma que esta obra foi um manifesto cujo objetivo era mostrar ao Oriente a inutilidade de novas insurreições bem como lembra que sendo uma ameça constante uma revolta dos partas é relevante que estes sejam os primeiros dentre os povos citados aos quais esta narrativa se destina É claro que Josefo não diz estar redigindo uma obra encomendada pelo Imperador como propaganda A razão que declara para elaborar esta narrativa vem logo nas primeiras linhas onde mostra sua preocupação com a verdade dos fatos em oposição a tantos relatos imprecisos sobre o conflito entre judeus e romanos Na abertura da obra 1 13 e 6 textos XXI e XXII a seguir se esclarece toda a argumentação acima tanto de Josefo quando dos autores contemporâneos Josefo escreve em especial para os seus compatriotas os judeus bem como para os romanos sempre lembro no sentido de garantir que a origem desta obra é a necessidade de relatarse a verdade e não fazer propaganda como é a opinião praticamente unânime dos estudiosos de Josefo Logo ainda no início de História da Guerra dos Judeus contra os Romanos ele se dirige a estes dois povos explicando a cada um deles sua decisão para redigíla Aos romanos lembrando que Josefo fora recémincorporado à sua sociedade a explicação restringese a um passado também recente ao exato momento da guerra 165 THACKERAY H ST J Introduction in JOSEPHUS The Jewish War Loeb 144 Assim o autor revela que sua decisão em redigir tal obra foi fruto da desinformação que chegaria em especial àqueles por vias oblíquas Aos judeus lembrando que Josefo fora desde sempre incorporado à sua sociedade a explicação é mais abrangente alcançando um passado remoto que igualmente desde sempre foi seu Portanto sua justificativa para escrever este relato não se restringe às questões unicamente referentes à guerra mas sim a um período bem maior de tempo assim esclarece que inicia sua narrativa no ponto em que os historiadores que contavam as origens do povo judeu e seus profetas concluíram 332 Teoria do Discurso Colonial No Capítulo Primeiro detiveme nas reflexões da Teoria PósColonial registradas na obra Roman Imperialism PostColonial Perspectives Naquela oportunidade indiquei que abordaria neste Capítulo Terceiro a Teoria do Discurso Colonial isto porque a obra que ora analiso e seu autor são uma exceção dentro desta reflexão Jane Webster166 em seu artigo Imperialismo Romano e a Idade PósImperial trata do que vem a ser a teoria do discurso colonial ou análise do discurso colonial que ganhou impulso a partir da obra de Edward Said Orientalismo datada de 1978 que buscava estudar a estruturação do Oriente no discurso ocidental pesquisando a multiplicidade de formas textuais através das quais o Ocidente criou e classificou o Classical Library Cambrigde Massachusetts e Londres Harvard University Press p x 166 WEBSTER Jane Roman Imperialism and the Post Imperial Age in WEBSTER Jane e COOPER Nick eds Op cit pp 68 145 conhecimento acerca de muitas regiões e culturas estranhas à metrópole e que se encontravam sob domínio colonial como apontam Williams e Chrisman 167 Em resumo ainda segundo Jane Webster a análise ou teoria do discurso colonial objetiva compreender como o Ocidente elaborou o outro colonizado ou seja reconhecer a alteridade na construção da relação Ocidente Oriente a partir do enfoque do primeiro Richard Hingley168 em seu artigo O Legado de Roma a Ascensão Declínio e Queda da Teoria da Romanização complementa a teoria do discurso colonial partindo das questões acerca de reação oposição e resistência Este autor lembro afirma que alguns romanistas em geral propõem que uma vez conquistadas e pacificadas as novas províncias trazidas para o seio do Império a oposição ao domínio romano era rara ou de pequenas proporções Salvo algumas revoltas no início do período de controle romano estas novas áreas tornadas romanas podiam ser consideradas territórios pacíficos em relação do dominador como já referido no Capítulo Primeiro Para Hingley porém a dificuldade em darse crédito à visão de que há uma pacificação prematura próromana nas novas províncias incorporadas ao Império consiste 167 WILLIAMS P e CHRISMAN L Colonial Discourse and PostColonial Theory an Introduction in WILLIAMS P e CHRISMAN L eds Colonial Discourse and PostColonial Theory London 1993 APUD WEBSTER Jane Roman Imperialism and the Post Imperial Age in WEBSTER Jane e COOPER Nick eds Op cit pp 68 146 no fato de que as fontes literárias romanas foram redigidas sob um ponto de vista específico e que não sobreviveram até hoje as opiniões dos que foram submetidos ao Império Romano Afirma o mesmo autor que a sociedade da Britânia préromana assim como da maioria das regiões incorporadas ao Império em sua porção ocidental não era letrada e que aqueles da Britânia já romanizada que eram capazes de elaborar escritos que chegaram à atualidade eram pessoas que provavelmente se beneficiavam de Roma No concernente à Judéia sua elite era letrada e há um forte exemplo de discurso produzido por um nativo Flávio Josefo contudo concordando com Hingley o historiador judeu recebeu de fato grandes favorecimentos do Império citados no preâmbulo deste capítulo Lembro que a tendência majoritária praticamente unânime da historiografia aponta no sentido de que História da Guerra dos Judeus contra os Romanos foi uma obra encomendada pela dinastia Flávia como indicaram Poznanski e Tackeray para prevenir às demais populações das províncias e regiões do Oriente de que não seguissem o caminho dos judeus afirmação que se sustenta no fato de que segundo o próprio Josefo esta obra fora inicialmente redigida em aramaico língua ainda bastante difundida no Oriente Próximo do século I dC e dirigida para os povos vizinhos e em seguida traduzida para grego texto XXI e XXII obviamente para que não só o Oriente 168 HINGLEY Richard The legacy of Rome the rise decline and fall of the theory of Romanization in WEBSTER Jane e COOPER Nick eds Op cit p 42 147 Próximo mas todo o Mediterrâneo Oriental tomasse conhecimento da guerra recém terminada Teria sido então Josefo um redator nativo uma singularidade no seio do Império Romano que apenas produziu um discurso de encomenda Ou seria esta narrativa fruto de sua necessidade de contar a verdade como ele mesmo disse A obra ora sob análise é uma fonte literária que revela com riqueza de detalhes a história da Judéia do século I aC e I dC Teria ela sido produzida apenas por ter sido autorizada por Roma ou esta mesma fonte no fundo fora redigida por interesse particular de seu autor Seria propaganda dos Flávios ou da Judéia ainda que já em seu outono A narrativa continha uma mensagem nativa totalmente manipulada por Roma ou não No meu entender convergindo com os especialistas antes citados História da Guerra dos Judeus contra os Romanos foi de fato uma obra autorizada pelos Flávios com objetivo de sua autopromoção e exemplo histórico portanto propaganda contudo não posso deixar de reconhecer que este discurso não é totalmente encomendado afinal sem dúvida alguma há forte carga local já que como visto no Capítulo Segundo Josefo nunca deixou de ser judeu e como se verá no final deste capítulo há trechos em que o autor exalta os judeus e o judaísmo 148 34 Ambigüidade de estrutura O terceiro nível de ambigüidade que desejo comentar neste capítulo é o que se encontra na estrutrura da obra e que se pode compreender a partir da trajetória de Josefo apresentada no Capítulo Segundo que revelou um homem dividido entre Judéia e Roma No momento em que este tornouse um historiador é certo que nele floresceram dois entendimentos bastante diversos de história um oriental e outro ocidental ou seja um hebraicojudaico e outro grecoromano Isto resulta em uma ambigüidade na estrutura de sua obra onde emergem as antigas noções grecoromanas e hebraicojudaicas de história e é sobre isto que passo a dissertar 341 Josefo duas noções de história Como indica Poznanski169 Josefo é um historiador que uniu em sua redação a tradição historiográfica grega clássica de Tucídides e helenística de Políbio à qual se vinculava com seu próprio entendimento fruto de uma história judaica que ele considerava sob a proteção de YHWH De fato em sua obra há vários exemplos que revelam em Josefo as noções entendimentos antigos para gregosromanos e hebreusjudeus do que era a história o que se percebe quando procurando ainda justificar sua redação o autor se apresenta como o paradigma da verdade por ser testemunha ocular dos acontecimentos e assim poder 149 descrevêlos com precisão sem perder de vista a fidelidade a seu Deus Estas características do autor são nítidas uma vez que quando redigiu sua obra ora analisada não só já se encontrava em Roma como conhecia bem dois mundos completamente distintos o judaico e o romano oriental leiase de base grega Portanto não é estranho que se perceba em Josefo a influência dos modelos de produção historiográfica pertinentes a estes mesmos dois mundos Josefo equilibrouse como historiador entre duas concepções de história que floresceram na Idade Antiga seja ocidental a grega sobretudo clássica seja oriental a judaica sendo assim necessário aqui demonstrarse os ensinamentos que se referem a estas duas formas de produção histórica isto é a compreensão do que era a história para estes dois mundos tão distintos duas noções de história unidas no texto de Josefo sendo esta portanto a ambigüidade de estrutura da presente obra 342 Antigas noções grecoromanas de história Com relação aos antigos modelo e entendimento gregos de história utilizados por Josefo Carlo Ginzburg170 aponta que os historiadores clássicos pretendiam transmitir uma sensação de verdade que era um componente de seu ofício indicando ademais que as três grandes noçõespilares que sustentavam a historiografia grega na Antigüidade eram a 169 POZNANSKI Lucien Op cit p 121 170 GINZBURG Carlo Apontar e Citar A Verdade da História in Opcit pp 91100 enavrgeia enárgeia a autoyiva autopsía e a ekfrasiY ékfrasis que respectivamente significam visão clara ou clareza o ver com os próprios olhos e descrição enavrgeia enárgeia Ginzburg esclarece que este indica o que é claro que imprime vida vinculandose à experiência direta enquanto seu adjetivo enarghvY enargés significa claro palpável concluindo que enavrgeia enárgeia remete à certeza da verdade histórica Ou seja um historiador clássico reconhecia que a verdade de suas palavras era transmitida por meio de enavrgeia enárgeia com o objetivo de convencer seu leitor No que tange ao termo autoyiva autopsía o mesmo autor lembra que na Grécia era comum e desejado que o historiador fosse uma testemunha bastante vinculada aos fatos que relatava levandose em conta a autoyiva autopsía que remetia à visão direta olhar este que demonstrava que as informações chegadas por meio de boatos eram tidas como inferiores isto é menos relevantes No tocante ao termo ekfrasiY ékfrasis Ginzburg aponta que seu conceito abrangia um campo amplo que ia da descrição de ações como a guerra ou de situações como a peste às descrições geográficas e etnográficas As três noçõespilares supracitadas se articulam a partir da primeira como o mesmo autor ainda demonstra afirmando que a enavrgeia enárgeia era um instrumento adequado para transmitir a autoyiva autopsía ou seja era conferido ao historiador relatar sua experiência direta como testemunha àqueles aos quais se dirigia apresentando a estes uma realidade impalpável e ainda ressaltando que a ekfrasiY ékfrasis tinha como meta a enavrgeia enárgeia que por sua vez como já dito remetia à sensação de verdade ou de forma mais clara como emerge da sucessão a seguir de autoria de Ginzburg narração histórica descrição impressão de vida verdade Portanto vêse que um historiador que se propusesse enquadrar no método de produção historiográfica grega da Antigüidade aliás também empregado pelos romanos deveria levar em conta a convergência das três noções acima referidas enavrgeia enárgeia autoyiva autopsía e ekfrasiY ékfrasis cuja justaposição leva ao seguinte resultado um historiador portador de uma descrição amparada em uma visão clara oriunda de seus próprios olhos garantindo a verdade que se esperava obter a partir de uma precisão direta e concreta 343 Tucídides o paradigma historiográfico de Josefo Como já indicado acima Tucídides e Josefo são portadores de trajetórias semelhantes Thackeray171 lembra que assim como Tucídides Josefo foi general e historiador igualmente como aquele este não foi bem sucedido como comandante ambos tiveram contato com o inimigo e assim puderam conhecer o ponto de vista das duas partes em litígio no primeiro caso entre atenienes e peloponesos e no segundo entre judeus e romanos e assim redigiram a história das guerras em que tomaram parte respectivamente do Peloponeso 431 404 aC e judaicoromana 66 73 dC Do mesmo modo como já afirmado Josefo segue o modelo historiográfico de Tucídides portanto ambos apresentam em suas obras a convergência das noções de enavrgeia enárgeia autoyiva autopsía e ekfrasiY ékfrasis e isto fica muito claro ao se observar fragmentos do início de suas narrativas respectivamente Istoriva Ioudaikou Polevmou proVY RwmaivouY Istoría Ioudaïkoì Polémou pròs Romaíous História da Guerra dos Judeus contra os Romanos em geral conhecida por Guerra Judaica e em Qoukudivdou Istorivai Thoukudídou Istoríaí Histórias de Tucídides em geral conhecida como História da Guerra do Peloponeso Esta afirmação pode ser fortemente sustentada a partir de dois quadros semióticos que construí e que foram aplicados ambos tanto a dois fragmentos de Josefo do início de sua narrativa respectivamente textos XXI e XXII quanto a um trecho de Tucídides texto XX igualmente do começo de sua obra passagens que revelam a decisão dos dois historiadores de produzirem seus relatos acerca das guerras Analisarei portanto em primeiro lugar o texto deste e em seguida os daquele T E X T O XX Quanto aos fatos ocorridos na guerra julguei conveniente escrever procurando saber não a partir de informações de pessoas estando presentes por acaso tou paratucovnte0í aos fatos nem em conformidade com minha opinião mas sim relatando minuciosamente com exatidão cada um dos fatos aos quais tanto eu mesmo estive presente como testemunha ocular autovY parhn quanto por informações obtidas da parte de outros com o maior rigor possível Eu fiz descobertas porém de maneira muito trabalhosa porque os que estando presentes as testemunhas oculares oi pavronteY a cada um dos acontecimentos não disseram as mesmas coisas acerca deles mas sim disseram segundo sua parcialidade ou conforme sua lembrança Talvez a falta do fabuloso no relato pareça menos agradável ao ouvido no entanto todos aqueles que desejarem examinar não só a clareza a verdade clara toV safeVY dos fatos ocorridos como também a dos vindouros de modo semelhante pelo conteúdo humano julgarão o meu relato útil e isto bastará TUCÍDIDES Histórias de Tucídides História da Guerra do Peloponeso I XXII 2 Antes de passar à apresentação dos dois quadrados semióticos que serão aplicados ao texto acima julgo necessário tecer alguns comentários acerca das palavras em negrito porque intimamente vinculadas às noções de enavrgeia enárgeia autoyiva autopsía e a ekfrasiY ékfrasis supracitadas e porque pelo menos uma delas estará também presente em Josefo O termo toV safeVY tò safés como informa Bailly pode ser traduzido não só por clareza como também por evidência ou mesmo precisão enquanto que Liddell e Scotts lembram que Eurípides utilizava tal termo como a verdade clara As expressões tou paratucovntoY toû paratychóntos pessoas estando presentes por acaso parhn parên estive presente como testemunha ocular e oi pavronteY hoi páro ntes os que estando presentes as testemunhas oculares parecem a um primeiro olhar sinônimas mas não o são Na realidade as duas últimas estão vinculadas ao mesmo verbo pavreimi páreimi estar presente em ou a e a primeira está ligada ao verbo paratugcavnw paratygháno acontecer de estar presente estar presente por acaso Como ensina a Profª Sílvia Damasceno este último verbo possui em seu radical a palavra tuvvch týche acaso eventualidade é por esta razão que ele não apenas se traduz por acontecer de estar presente ou estar presente por acaso como também esta presença não tem intencionalidade ou seja a pessoa presente não tinha o objetivo explícito de assistir aos fatos ao passo que tanto o verbo pavreimi páreimi estar presente em ou a como o verbo sinônimo paragivgnomai paragígnomai estar presente em que surgirá no próximo fragmento de Josefo ambos têm valor de testemunho ocular o que faz uma enorme diferença com relação à noção de autoyiva autopsía Observese que Tucídides faz questão de valorizar a importância de sua própria visão dos fatos e por isso diz 1 julguei conveniente escrever procurando saber não a partir de informações de pessoas estando presentes por acaso tou paratucovntoY aos fatos ou seja pessoas sem valor de testemunhas oculares e 2 os que estando presentes as testemunhas oculares oi pavronteY a cada um dos acontecimentos não disseram as mesmas coisas acerca deles isto é ainda que sendo pessoas com valor de testemunhas oculares não relataram corretamente os fatos e por isso só a autoyiva autopsía o ver com os próprios olhos no caso de Tucídides pode levar à convergência das três noções que devem fazer parte da historiografia grega e é então que ele diz em seu texto acima 3 mas sim relatando minuciosamente com exatidão cada um dos fatos aos quais eu mesmo estive presente como testemunha ocular autovY parhn Passo agora à apresentação do quadrado semiótico também aplicado ao texto inicial da obra de Josefo a seguir O 1º QUADRADO PARA O TEXTO XX S1 DESCREVER OS FATOS COM CLAREZA EKFRASIS ENAvRGEIA ÉKFRASIS ENÁRGEIA Quanto aos fatos ocorridos na guerra julguei conveniente escrever relatando minuciosamente com exatidão cada um dos fatos com o maior rigor possível todos aqueles que desejarem examinar a clareza a verdade clara toV safeVY dos fatos ocorridos julgarão o meu relato útil e isto bastará S2 TUCÍDIDES TESTEMUNHA OCULAR relatando cada um dos fatos aos quais eu mesmo estive presente como testemunha ocular autovY parhn S2 OUTRAS TESTEMUNHAS OCULARES os que estando presentes as testemunhas oculares oi pavronteY a cada um dos acontecimentos não disseram as mesmas coisas acerca deles S1 NÃO DESCREVER OS FATOS COM CLAREZA Ausência de EKFRASIS ENAVRGEIA ÉKFRASIS ENÁRGEIA disseram segundo sua parcialidade ou conforme sua lembrança O 2º QUADRADO PARA O TEXTO XX S1 VERDADE NA NARRATIVA DE TUCÍDIDES todos aqueles que desejarem examinar a clareza a verdade clara toV safeVY dos fatos ocorridos julgarão o meu relato útil e isto bastará S2 INFORMAÇÃO IMPRECISA DOS FATOS informações de pessoas estando presentes por acaso tou paratucovntoY aos fatos os que estando presentes as testemunhas oculares oi pavronteY a cada um dos acontecimentos não disseram as mesmas coisas acerca deles S2 INFORMAÇÃO PRECISA DOS FATOS Quanto aos fatos ocorridos na guerra julguei conveniente escrever relatando minuciosamente com exatidão cada um dos fatos com o maior rigor possível FICÇÃO DAS DEMAIS NARRATIVAS mas sim disseram segundo sua parcialidade ou conforme sua lembrança O presente fragmento encontrase no início da fonte sob exame e revela a presença dos elementos que faziam parte da antiga noção grecoromana de história Assim o autor se preocupa em descrever os fatos com clareza ekfrasiY ékfrasis enavrgeia enárgeia ligando tal ato à importância de ser ele Tucídides testemunha ocular ou seja ter ele próprio a visão com seus próprios olhos autoyiva autopsía Em oposição o autor repudia a situação de não descrever os fatos com clareza ausência de ekfrasiY ékfrasis enavrgeia enárgeia vinculando tal atitude à ação de outras pessoas que embora sejam testemunhas oculares informam falsamente Há euforização da dêixis positiva nas seguintes expressões julguei conveniente escrever relatando minuciosamente com exatidão com o maior rigor possível a clareza a verdade clara dos fatos ocorridos meu relato útil e ainda por eu mesmo estive presente como testemunha ocular Em contrapartida há disforização da dêixis negativa em não disseram as mesmas coisas e disseram segundo sua parcialidade O percurso proposto por Tucídides é aquele que leva à descrição dos fatos com clareza que só pode ser elaborado a partir do momento em que ele mesmo seja testemunha ocular isto é há aqui a tripla presença da ekfrasiY ékfrasis da enavrgeia enárgeia e da autoyiva autopsía S2 S2 S1 O percurso inverso S1 S1 S2 é condenado pelo autor Como se vê ao mesmo texto XX pode ser aplicado outro quadrado semiótico que revela a preocupação do historiador grego com a precisão a objetividade e a verdade de sua narrativa elementos que complementam as três noções pilares da historiografia grega clássica Assim estes dois quadrados aplicados em conjunto a Tucídides e que repito também serão aplicados a fragmentos iniciais da narrativa de Josefo ratificam o argumento de que um historiador enquadrado no método de produção historiográfica grega e também romana na Antigüidade reunia em sua obra as noções de enavrgeia enárgeia autoyiva autopsía e ekfrasiy ékfrasis cuja justaposição como já dito anteriormente mas é pertinente lembrar aqui leva ao seguinte resultado ser portador de uma descrição amparada em uma visão clara oriunda de seus próprios olhos garantindo a verdade que se esperava obter a partir de uma objetividade uma precisão direta e concreta Para o caso do presente quadrado apesar de se tratar do mesmo texto a ênfase dada na análise é outra ou seja não às noções pilares supracitadas mas sim à importância da verdade e da precisão e objetividade de sua narrativa Assim o que se percebe no autor é a preocupação em justificar a elaboração de seu relato a necessidade de se apresentar aos leitores a verdade dos fatos logo vêse a defesa da verdade na narrativa de Tucídides através da informação precisa dos fatos que ele fornece e isto se opõe à informação imprecisa dos fatos consequência da ficção das demais narrativas sejam oriundas de pessoas presentes por acaso aos fatos tou paratucovntoy sem valor de testemunha ocular ou mesmo de testemunhas oculares oi pavrontey mas que não são confiáveis Percebese a euforização da dêixis positiva por a clareza a verdade clara dos fatos ocorridos meu relato útil julguei conveniente escrever relatando minuciosamente com exatidão com o maior rigor possível e a disforização da dêixis negativa por informações de pessoas estando presentes por acaso aos fatos as testemunhas oculares não disseram as mesmas coisas disseram segundo sua parcialidade Assim o percurso proposto pelo autor é S2 S2 S1 isto é a informação precisa dos fatos conduz à verdade na narrativa de Tucídides ao passo que o percurso S1 S1 S2 é condenado porque a ficção de outras narrativas leva à informação imprecisa dos fatos 344 Josefo historiador grecoromano Por todo o exposto podese perceber em Josefo os traços de um historiador grecoromano como se vê dos dois exemplos abaixo o primeiro aliás fragmento dos parágrafos 1 a 3 do Livro 1 ou seja logo na abertura da obra Josefo esclarece que decidiu escrever não apenas para relatar a verdade dos fatos como já explicado mas também por oposição a relatos desencontrados que como visto acima não se enquadram às noções grecoromanas de história já que os mesmos são boatos oriundos de narradores não presentes aos fatos portanto não portadores de autoyiva autopsía relatos ainda que segundo Josefo mesmo oriundos de testemunhas oculares não eram nem claros nem verdadeiros logo ausentes de enavrgeia enárgeia e nem precisos por conseguinte sem ekfrasiY ékfrasis T E X T O XXI Quando se estabeleceu a guerra dos judeus contra os romanos os não presentes por acaso oi ou paratucovvntey aos acontecimentos mas reunindo a partir do que ouviram dizer relatos fortuitos e discordantes escreveram de forma sofística ao passo que os que estavam presentes as testemunhas oculares oi paragenovmenoi relataram falsamente os fatos ou por adulação aos romanos ou ódio aos judeus os escritos deles continham ora acusação ora elogio porém de nenhuma maneira precisão histórica Nestas circunstâncias eu por minha vez Josefo filho de Mathias um hebreu por raça um sacerdote de Jerusalém que no início da guerra lutei contra os romanos posteriormente tendo estado presente por acaso paratucwvn entre eles por coação necessidade ex anavgkhy proponho relatar detalhadamente aos que estão sob a hegemonia romana traduzindo para a língua grega aquilo que tendo composto em minha língua pátria anteriormente enviara aos bárbaros do interior JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 1 13 Da mesma forma que ocorreu quando analisava o texto de Tucídides antes de apresentar o quadrado semiótico que será aplicado à passagem imediatamente acima passo a tecer alguns comentários sobre as palavras em negrito não apenas porque intimamente vinculadas às noções de enavrgeia enárgeia autoyiva autopsía e a ekfrasiY ékfrasis mas também porque no caso de Josefo envolvem questão de sua posição perante os judeus a partir do momento em que passa a acompanhar os acontecimentos da guerra do lado romano Quando da análise de Tucídides esclareci a importância da diferença entre os verbos paratugcavnw paratygcháno acontecer de estar presente estar presente por acaso que surgiu naquele texto e reaparece agora na passagem acima e paragivgnomai paragígnomai estar presente em que naquela oportunidade indiquei que apareceria no texto de Josefo como de fato ocorreu O primeiro verbo não tem valor de intencionalidade do espectador enquanto o segundo sim pormenor que interfere na noção de autoyiva autopsía e é de extrema relevância para Josefo que o historiador se ampare nesta noção ver com seus próprios olhos os fatos que vai narrar Desta forma assim como para Tucídides Josefo faz questão de valorizar a importância de sua própria visão dos fatos e por isso diz 1 os não presentes por acaso aos acontecimentos oi ou paratucovnteY escreveram de forma sofística ou seja pessoas presentes sem intencionalidade como espectadoras tanto por obviamente não terem assistido aos fatos como também por serem paratucovnteY paratychóntes 2 ao passo que os que estavam presentes as testemunhas ocularesoi paragenovmenoi relataram falsamente os fatos isto é ainda que sendo pessoas com valor de testemunhas oculares não relataram corretamente os fatos É por isso que para Josefo somente sua autoyiva autopsía pode levar à convergência das três noções que devem fazer parte da historiografia grega no seu caso grecoromana e é por isso que ele diz em seu texto acima 3 que no início da guerra lutei contra os romanos posteriormente tendo estado presente por acaso paratucwVn entre eles por coação necessidadeex anavgkhY proponho relatar detalhadamente Se Josefo lutou contra os romanos e depois esteve junto deles então assistiu à guerra e era uma testemunha ocular Ocorre que se ele escreve dizendo estar presente por acaso paratucwVn esvazia sua proposta já que este verbo não revela uma intencionalidade do sujeito como espectador Por que então ele não voltou a utilizar o verbo de que lançara mão algumas linhas antes e que lhe daria o conteúdo de testemunha ocular paragivgnomai paragígnomai Por que ele não se declarou um paragenovmenoY paragenómenos Em minha opinião Josefo usou a palavra paratucwVn paratychón propositalmente ainda que arriscando enfraquecer sua função de testemunha ocular É que como ele próprio narrou História da Guerra dos Judeus contra os Romanos no Livro 3 438 os hierosolimitas revoltaramse e o consideraram um covarde e traidor quando souberam que ele havia sobrevivido à queda de Jotapata e estava junto aos romanos Assim sendo um paratucwVn paratychón presente por acaso ele mostrou a seus compatriotas que não planejou estar entre os romanos tentando fugir da acusação de deserção A reforçar tal posição ele diz que lá esteve por coação necessidadeex anavgkhY ecs anágkes Esta última expressão contudo também a meu juízo foi posta na narrativa não apenas para reforçar sua presença forçada e involuntária junto aos romanos mas basicamente para que Josefo voltasse a ter a força de uma testemunha ocular perdida no emprego de verbo impróprio Vejase que se alguém está presente em algum lugar ainda que por acaso mas por necessidade por coação significa que também está na verdade por obrigação e não por acaso por isso pode pleitear para si o papel de testemunha ocular S1 DESCREVER OS FATOS COM CLAREZA EKFRASIS ENAvRGEIAÉKFRASIS ENÁRGEIA eu Josefo proponho relatar detalhadamente S2 OUTRAS TESTEMUNHAS OCULARES os que estavam presentes as testemunhas oculares oi paragenovmenoi relataram falsamente os fatos ou por adulação aos romanos ou ódio aos judeus JOSEFO TESTEMUNHA OCULAR eu no início da guerra lutei contra os romanos posteriormente tendo estado presente por acaso paratucwVn entre eles por coação por necessidade ex anavgkhY NÃO DESCREVER OS FATOS COM CLAREZA AUSÊNCIA de EKFRASIS ENAvRGEIA ÉKFRASIS ENÁRGEIA reunindo a partir do que ouviram dizer relatos fortuitos e discordantes escreveram de forma sofística os escritos deles continham ora acusação ora elogio porém de nenhuma maneira precisão histórica 166 JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 1 6 S1 VERDADE NA NARRATIVA DE JOSEFO julguei inconcebível permitir que a verdade sobre questões de tal momento se perdesse S2 INFORMAÇÃO IMPRECISA DOS FATOS permaneceriam ignorantes sobre estes fatos S2 INFORMAÇÃO PRECISA DOS FATOS estavam por meu zelo precisamente informados sobre a origem da guerra as várias fases da calamidade pelas quais ela passou e seu desfecho S1 FICÇÃO DAS DEMAIS NARRATIVAS tendo narrativas bajuladoras ou fictícias como seu único guia 167 Este trecho também inicial da fonte mostra a preocupação de Josefo em justificar sua decisão em elaborar o presente relato a necessidade de se apresentar a seus leitores a verdade dos fatos logo vêse a defesa da verdade na narrativa de Josefo através da informação precisa dos fatos que ele fornece e isto se opõe à informação imprecisa dos fatos que conduz à ficção das demais narrativas Percebese a euforização da dêixis positiva por inconcebível permitir que a verdade se perdesse e por meu zelo precisamente informados e a disforização da dêixis negativa por permaneceriam ignorantes e tendo narrativas bajuladoras ou fictícias Assim o percurso proposto pelo autor é S2 S2 S1 e o condenado é S1 S1 S2 Logo a seguir parágrafos 78 do Livro 1 Josefo afirma que tais redatores não podem considerar seus trabalhos história obviamente a meu juízo porque neles faltam as três noções pilares de história para o mundo clássico como visto no exemplo imediatamente acima T E X T O XXIII Embora os escritores em questão atrevamse a dar a seus trabalhos o título de histórias contudo ao longo destes exceto pela absoluta falta de informação segura eles parecem em minha opinião não alcançar seus próprios objetivos JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 1 7 8 168 345 445 Antigas noções hebraicojudaicas de história Com relação aos antigos modelo e entendimento hebraicojudaicos de história igualmente utilizados por Josefo Millar Burrows 176 informa que as reflexões antigas hebraicas por conseguinte judaicas no concernente à história ancoravamse na certeza de que na história da humanidade YHWH o Deus de Israel atuava pelo bem em primeiro plano de seu povo eleito os hebreus e na seqüência os judeus e posteriormente dos demais homens Esta interferência divina concretizavase na luta contra os homens imprudentes e inflexíveis oferecendo promessas efetuando advertências julgamentos e punições que podiam ser convertidas em destruições contudo em contrapartida proporcionava também salvação e bênçãos àqueles que se submetessem à ordem e à lei ou seja assegurava a recompensa pela obediência Deste modo de acordo com Burrows ainda o entendimento central de história para os hebreus e os judeus garantia que YHWH Deus os elegera seu povo o que abrangia não apenas direitos mas igualmente deveres como a Tanach Bíblia Hebraica revela no Livro de Isaías pela definição do profeta conhecido como Segundo Isaías no sentido de que Israel é o servo de YHWH Deus ao que acrescenta John Bright 177 que ainda o Segundo Isaías garantiu ao povo eleito que YHWH Deus era senhor do controle total da história Por fim é mais uma vez Burrows quem 176 BURROWS Millar Ancient Israel in DENTAN Robert ed Opcit pp 128130 177 BRIGHT John Opcit p481 169 esclarece que caso este povo fosse atingido por um infortúnio este era visto e absorvido como um castigo justo e merecido e admitiase que antes de uma restauração o arrependimento tornavase essencial O que se observa da obra ora sob análise é que Josefo busca elaborar uma narrativa extensa a partir da clara descrição dos fatos os quais viu com seus próprios olhos pretendendo chegar à realidade e à verdade incluindo neste mesmo relato a convicção do papel fundamental do Deus hebraicojudaico YHWH como senhor e agente decisivo na interferência da trajetória humana sobretudo do povo eleito do qual o narrador era parte integrante 346 Josefo historiador hebraicojudaico Ainda por todo o exposto podese perceber em Josefo os traços de um historiador hebraicojudaico onde a figura de YHWH Adonai é central e essencial para o controle e o desenrolar da história do povo judeu como se vê dos dois exemplos abaixo O primeiro relata o momento da decisão do Imperador Calígula em colocar estátuas suas no Templo de Jerusalém desrespeitando a Torah que como visto ensinava que não se poderia cultuar imagens Esta passagem já foi citada no Capítulo Primeiro entretanto naquela oportunidade deixei de dar relevâcia a algumas palavras o que ora faço já que aqui estas palavras em negrito servem de nítido exemplo da presença das noções hebraicojudaicas de história em Josefo 170 Gaios enviou Petrônio com um exército para Jerusalém para erigir no Templo estátuas do próprio Gaios tendo ordenado caso os judeus não aceitassem condenar à morte os recalcitrantes e reduzir à escravidão todo o restante do povo Essas ordens estavam sob o cuidado de Deus JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 2 184 186 T E X T O III Gaios enviou Petrônio com um exército para Jerusalém para erigir no Templo estátuas do próprio Gaios tendo ordenado caso os judeus não aceitassem condenar à morte os recalcitrantes e reduzir à escravidão todo o restante do povo Estas ordens porém estavam sob os cuidados de Deus Petrônio por conseguinte com três legiões e um grande contingente de auxiliares sírios deixou Antióquia em marcha para a Judéia Entre os judeus alguns não acreditavam nos rumores de guerra outros creram mas não viram meios de defesa o alarme entretanto logo tornouse universal o exército tendo já atingido Ptolemaida Os judeus reuniramse com suas esposas e filhos na planície de Ptolemaida e imploraram a Petrônio para primeiro dar atenção às leis de seus antepassados e em seguida a eles mesmos Até então transigindo com a vasta multidão e suas súplicas ele deixou as estátuas e suas tropas em Ptolemaida e avançou em direção à Galiléia onde ele convocou para Tiberíades a população inclusive todas as pessoas de distinção Lá ele frisou o poder dos romanos e as ameaças do Imperador e além disso apontou a imprudência da solicitação deles todas as nações súditas ele advertiu haviam erigido em cada uma de suas cidades estátuas de César juntamente com aquelas de seus outros deuses e que somente eles os judeus se oporiam a esta prática o que equivalia quase a uma rebelião agravada por insulto Quando os judeus expuseram o costume e as leis de seu povo que não permitiam colocar imagem nem de Deus nem de homem não apenas no interior do seu Templo nem em qualquer lugar do campo Petrônio tomando a palavra disse Mas eu também devo fazer cumprir a lei do meu senhor se eu transgredíla e os poupar eu serei morto com justiça Guerra será feita sobre vocês por ele que me enviou não por mim já que eu também como vocês estou sob ordens Com isto a multidão gritou que estava pronta para suportar tudo pela lei Petrônio tendo verificado seu clamor disse Então vocês vão à guerr com César Os judeus responderam que eles ofereciam sacrifício duas vezes ao dia a César e 171 ao povo romano mas que caso ele desejasse erguer estas estátuas ele primeiro deveria sacrificar toda a nação judaica e então eles próprios se apresentaram suas esposas e seus filhos prontos para o massacre Estas palavras encheram Petrônio de admiração e piedade diante de um espetáculo de incomparável devoção deste povo a sua religião e sua inabalável resignação à morte Então por ora ele os dispensou nada sendo decidido Desta cidade Antióquia ele Petrônio dirigiuse às pressas para relatar a César sua expedição na Judéia e as súplicas da nação acrescentado que a não ser que ele desejasse destruir o país assim como seus habitantes ele deveria respeitar a lei deles e revogar as ordens A este despacho Gaios respondeu em termos desmedidos ameaçando matar Petrônio por seu atraso na execução de suas ordens Entretanto aconteceu que os portadores desta mensagem ficaram retidos pelo mau tempo por três meses no mar enquanto outros que trouxeram a notícia da morte de Gaios tiveram uma viagem afortunada Então Petrônio recebeu esta última informação vinte e sete dias mais cedo do que a carta que trazia sua própria sentença de morte JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 2 184 203 172 S1 PODER DE YHWH Estas ordens porém estavam sob os cuidados de Deus S2 INFORTÚNIO DOS JUDEUS Entre os judeus alguns não acreditavam nos rumores de guerra outros creram mas não viram meios de defesa o alarme entretanto logo tornou se universal o exército tendo já atingido Ptolemaida S2 BOA FORTUNA DOS JUDEUS aconteceu que os portadores desta mensagem ficaram retidos pelo mau tempo por três meses no mar enquanto outros que trouxeram a notícia da morte de Gaios tiveram uma viagem afortunada Então Petrônio recebeu esta última informação vinte e sete dias mais cedo do que a carta que trazia sua própria sentença de morte S1 PODER DE CALÍGULA A este despacho Gaios respondeu em termos desmedidos ameaçando matar Petrônio por seu atraso na execução de suas ordens 173 O quadrado semiótico acima foi construído e aplicado sobre o mesmo texto que serviu à aplicação de diferente quadrado no Capítulo Primeiro contudo aqui a questão a ser refletida é bem diversa não se trata mais de resistência mas sim de antiga noção hebraico judaica de história Josefo sendo um historiador judeu a adotava ou seja acreditava que YHWH seu Deus era o senhor da história portanto o poder dessa divindade estava acima de qualquer outro No presente caso o autor destaca a boa fortuna dos judeus que é fruto do poder de YHWH e assim o poder de Calígulaque promove o infortúnio dos judeus é derrubado A dêixis positiva encontrase euforizada por expressões como ordens sob os cuidados de Deus referindo ao controle divino sobre as determinações autoritárias de Calígula e por palavras como morte de Gaios e viagem afortunada ou seja o acaso para Josefo obra que revela o poder de seu Deus fez com que a notícia da morte do Imperador logo do automático cancelamento de sua ordem contra os judeus e sua fé chegasse antes em conseqüência de uma viagem feliz do que a outra notícia que condenava Petrônio à morte A dêixis negativa encontrase disforizada por rumores de guerra não viram meios de defesa e alarme com relação ao infortúnio que se anunciava sobre os judeus e ainda termos desmedidos ameaçando matar atraso na execução o que indica a ira de Calígula sobre Petrônio que insistia em desobedecer suas ordens Logo o percurso apoiado por Josefo é S2 S2 S1 e por ele rejeitado é S1 S1 S2 174 O segundo exemplo extrai do final da obra mais especificamente do Livro VI quando Josefo então portavoz e intérprete de Tito que promovia o cerco de Jerusalém em 70 dC relata seu diálogo com João de Giscala líder que comandava uma das facções judaicas que controlavam Jerusalém naquele momento como visto no Capítulo Primeiro Josefo tentava segundo ele diz convencer tal líder a se entregar aos romanos e para tanto lançou mão da presença de YHWH Adonai na história judaica logo aí se vê a noção hebraicojudaica de história bem como se referiu a seu próprio entendimento farisaico que unia as noções de livrearbítrio e de prédestinação como visto no Capítulo Segundo T E X T O XXIV Uma vez mais tu irritandote e vociferando injúrias a mim que até mereço as coisas mais cruéis por oferecer advertência e a mim que aconselho algo contra o destino e luto para salvar aqueles que foram condenados por Deus Um dia eles os profetas anunciaram que a captura dela da cidade de Jerusalém seria quando alguém começasse a matar o próprio compatriota A cidade e o Templo não estão totalmente repletos de vossos cadáveres Deus ele próprio está trazendo com os romanos o fogo purificador e vai destruir para ele a cidade sobrecarregada dessas de tamanhas impurezas JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 6 108 110 35 Ambigüidade no Conteúdo O quarto nível de ambigüidade que desejo ressaltar neste capítulo é o que se encontra no conteúdo da obra e que se pode compreender a partir da biografia de Josefo apresentada no Capítulo Segundo que revelou um homem dividido entre Judéia e Roma 175 A ambigüidade de História da Guerra dos Judeus contra os Romanos não se restringe apenas a um relato ora prójudaico ora próromano mas também apresentase em outros dois níveis ora especificamente antijudaico embora nunca antiromano nunca contrário à estrutura do Império no máximo em oposição a um líder romano em especial como por exemplo Calígula Tamanha oscilação entre diferentes graus de acusação e apologia tem a meu ver sua razão de ser Ao redigir esta obra apesar de ainda e sempre judeu como se viu também no Capítulo Segundo Josefo já era cidadão romano vivia em Roma e estava sob a forte influência dos Flávios Por isso subdividi este item 34 em quatro partes que mostram um Josefo ora antiCalígula ora próromano ora antijudaico e por fim prójudaico partes que formam um mosaico que a meu juízo esclarece e mesmo justifica a postura de Josefo ao redigir sua primeira obra dentro do contexto sóciopolítico em que vivia e que envolvia Judéia e Roma Para compor este quadro de ambigüidades selecionei para cada um dos quatro sub ítens a seguir um trecho desta narrativa logo são quatro textos que se complementam a partir do modo em que Josefo apresenta cada um dos líderes personagens centrais de cada uma das quatro ações Cronologicamente o primeiro texto trata de Pompeu o segundo de Judas de Gamala o terceiro de Pilatos e o quarto de Calígula Os textos se complementam a meu juízo porque no primeiro próromano Josefo apresenta Pompeu como um líder que preservou a ordem judaica após sua chegada à Jerusalém ou seja o primeiro líder romano não desestruturou aquela sociedade que a partir de então começaria a ser lenta e gradualmente anexada ao Estado Romano no segundo antijudaico Josefo 176 revela seu ódio por Judas de Gamala que levou parte da população judaica a se distanciar da ordem então vigente isto é o domínio romano já instaurado o qual aliás Josefo parece aceitar no terceiro prójudaico Josefo demonstra sua admiração pela força da fé dos judeus que conseguem preservar a força e a prática da Torah ainda que para que isso ocorra tenham que dar em troca suas próprias vidas por no quarto antiCalígula Josefo demonstra a crueldade e intransigência do Imperador Dos quatro trechos acima referidos de História da Guerra dos Judeus contra os Romanos pude construir para cada um um quadrado semiótico que me auxiliou na reflexão das posturas de Josefo presentes na obra respectivamente próromana anti judaica prójudaica e antiCalígula Lembro que o texto relativo a Judas é inédito neste trabalho porém os referentes à Pompeu Pilatos e Calígula já surgiram no Capítulo Primeiro contudo como o objeto de análise naquela ocasião era a resistência judaica face à dominação romana e não os diversos níveis de conteúdo da narrativa de Josefo é claro que os quadrados que construí para os dois primeiros excertos naquela oportunidade não são os mesmos construídos agora Com relação ao quarto fragmento da obra o texto que se refere a Calígula devo tecer uma consideração especial Este trecho já surgiu tanto no Capítulo Primeiro como neste Terceiro Em cada um desses momentos construí um quadrado semiótico para análise no primeiro caso com relação ao processo de resistência judaica face à Roma e no segundo demonstrando Josefo como historiador hebraicojudaico Neste terceiro repito o quadrado construído no Capítulo Primeiro pois neste caso ele se aplica a uma análise que se propõe 177 antiCalígula É importante que se explique que apenas consegui utilizar um quadrado antiCalígula simplesmente porque não pude construir um quadrado para uma análise antiromana da narrativa de Josefo Tal fato tem um forte significado para mim Se não foi possível aplicar a metodologia deste estudo a este texto no sentido de proválo anti romano e também não o foi com relação a nenhum outro que selecionei significa que nenhum destes fragmentos de fato é antiromano e então concluo que a narrativa de Josefo em História da Guerra dos Judeus contra os Romanos nada tem de antiromana à exceção de poucas passagens com críticas isoladas como contra o Imperador Calígula A seguir transcrevo os quatro textos e os quatro quadrados e suas respectivas análises que me foi possível elaborar 351 Josefo PróRomano Pompeu o respeito ao povo conquistado TEXTO XXV Nas calamidades até aquele momento nada agrediu tanto a nação como o Templo até então não visto ter sido desvelado pelos estrangeiros Pompeu em companhia de seus seguidores tendo na verdade entrado na parte mais sagrada do Templo lugar em que somente ao Sumo Sacerdote era permitido entrar contemplou os objetos do interior o candelabro e luminárias a mesa os vasos para libação e incensórios todos de ouro maciço um acúmulo de fragrâncias e o depósito de dinheiro sagrado que somava dois mil talentos Ele Pompeu porém não tocou nem nestes nem em quaisquer outros dentre os tesouros do Templo entretanto no dia seguinte à sua captura ordenou aos guardiães purificar o Templo e dar prosseguimento aos sacrifícios como de costume JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 1 152153 178 S1 DESRESPEITO AO TEMPLO Pompeu tendo na verdade entrado na parte mais sagrada do Templo lugar em que somente ao Sumo Sacerdote era permitido entrar S2 RETORNO À NORMALIDADE DA VIDA JUDAICA dar prosseguimento aos sacrifícios como de costume S2 RUPTURA DA NORMALIDADE DA VIDA JUDAICA Nas calamidades até aquele momento nada agrediu tanto a nação como o Templo até então não visto ter sido desvelado pelos estrangeiros S1 RESPEITO AO TEMPLO Ele Pompeu porém não tocou nem nestes nem em quaisquer outros dentre os tesouros do Templo no dia seguinte ordenou aos guardiães purificar o Templo O texto revela o primeiro contato direto 63 aC de uma autoridade romana Pompeu com o espaço de culto mais importante para o judaísmo o Templo de Jerusalém Deste encontro observase a princípio a violação do santuário ser cometida pelo comandante estrangeiro o desrespeito ao Templo por sua entrada no local mais sagrado e interno da edificação o Santo dos Santos recinto onde apenas à mais alta autoridade religiosa judaica o Sumo Sacerdote era permitida a entrada Tal ocorrência 179 reflete a ruptura da normalidade da vida judaica pois os sacrifícios foram paralisados já que no dia seguinte como narra Josefo se fez presente a reverência ao espaço sagrado logo o respeito ao Templo por Pompeu já que este não tocou em seus tesouros e ainda mais mandou purificar e restaurar seus cultos o que significa o retorno à normalidade da vida judaica ao final deste episódio fato que neste item mostra que Josefo produz uma narrativa próromana na medida em que o Templo e a vida quotidiana judaica foram preservadas por Pompeu ou seja o conquistador mostrouse segundo narra o autor benevolente para com o povo recém conquistado No quadrado proposto para análise a dêixis positiva encontrase disforizada por palavras como entrado lugar somente ao Sumo Sacerdote permitido entrar que revelam o desrespeito ao Templo e por expressões como nas calamidades nada agrediu tanto a nação o Templo não visto ter sido desvelado pelos estrangeiros que indicam a ruptura da normalidade da vida judaica Em contrapartida a dêixis negativa é euforizada tanto por não tocou em quaisquer tesouros do Templo e purificar o Templo que mostram o respeito de Pompeu sua reverência ao Templo quanto por e prosseguimento aos sacrifícios que demonstram o retorno à normalidade da vida judaica O percurso proposto pelo autor é S1 S1 S2 ou seja parte do desrespeito ao santuário provocada pelo líder romano passa por seu respeito a este prédio sagrado e por fim conduz ao retorno à normalidade da vida judaica graças ao desejo e às ordens de Pompeu O percurso inverso S2 S2 S1 que parte da normalidade da vida judaica e 180 chega a sua profanação ao desrespeito é rejeitado pelo autor visto que não daria sustentação a sua narrativa próromana 352 Josefo AntiJudaico Judas a apostasia a Quarta filosofia e a ruína judaica O texto deixa emergir a repulsa que Josefo demonstra por Judas o fundador da Quarta Filosofia que seguiu às outras três a dos saduceus fariseus e essênios No final do Capítulo Primeiro mostrei que segundo Martin Goodman178 este quarto grupo tinha como dogma central a crença de que os judeus deveriam optar pela morte para não terem que se submeterem a outro senhor que não fosse seu Deus sobretudo um mortal como se vê do texto a seguir também oriundo da mesma obra acima O ódio de Josefo por Judas pode ser explicado por seu horror à Quarta Filosofia já que esta foi a causadora da ruína da Judéia segundo narra Josefo em IoudaikhV Arcaiologiva Ioudaïkè Archaiología Antigüidades Judaicas 189 como informa Mireille HadasLebel179 Lembrando esta mesma passagem na realidade Antigüidades Judaicas 18610 Martin Goodman180 afirma que Josefo culpa explicitamente a Quarta Filosofia pela Guerra T E X T O XXVII 178 ver nota nº 91 179 HADASLEBEL Mireille Opcit p 50 180 GOODMAN Martin Opcit p 102 O presente fragmento encontrase no início da fonte sob exame e revela a presença dos elementos que faziam parte da antiga noção grecoromana de história a descrição ekfrasiYékfrasis com clareza enavrgeia enárgeia daquilo que se viu com os próprios olhos autoyiva autopsía Assim o autor se preocupa em descrever os fatos com clareza ligando tal ato à importância de ser ele Josefo testemunha ocular e repudia a proposta de não descrever os fatos com clareza vinculandoo ao papel de outras testemunhas oculares Há euforiação da dêixis positiva em relatar detalhadamente e estando presente e em contrapartida há disforização da dêixis negativa em relataram falsamente os fatos relatos fortuitos e discordantes e forma sofística O percurso proposto por Josefo é aquele que leva à descrição dos fatos com clareza que só pode ser elaborado sendo ele uma testemunha ocular ou seja há aqui a tripla presença da enavrgeia enárgeia da ekfrasiY ékfrasis e da autoyiva autopsía S2 S2 S1 O percurso inverso S1 S1 S2 é condenado pelo autor TEXTO XXII Portanto julguei inconcebível permitir que a verdade sobre questões de tal momento se perdesse e que enquanto partes e babilônios e a mais distantes tribos da Arábia com nossos compatriotas além do Eufrates e os habitantes de Adiabene estavam por meu zelo precisamente informados sobre a origem da guerra as várias fases da calamidade pelas quais ela passou e seu desfecho os gregos bem como os romanos que não estiveram envolvidos na luta permaneceriam ignorantes sobre estes fatos tendo narrativas bajuladoras ou fictícias como seu único guia Tendo sido o território de Arquelau delimitado em uma província prefeitura eparcivan Copônio um romano da ordem eqüestre foi enviado como procurador epivtropoY recebendo de César Augusto autoridade até para matar Sob sua administração um Galileu chamado Judas levou seus compatriotas à apostasia apovstasín reprovandoos por consentirem pagar tributo aos romanos e depois de terem Deus submeteremse a líderes mortais Este homem era um sofista que fundou sua própria seita airevsewY que nada tinha em comum com as outras JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 2 117118 Antes de passar ao quadrado semiótico que empreguei para a análise deste texto necessito tecer alguns comentários acerca das palavras em negrito acima à exceção da última já foi trabalhada anteriormente ver nota respectiva As duas primeiras estão vinculadas à estrutura políticoadministrativa do Império Romano os termos eparcivan eparchían caso acusativo de eparciva eparchía que foi grafado no texto acima e epivtropoY epítropos registrado neste bem como no texto II anteriormente Segundo Bailly a palavra eparciva eparchía foi utilizada por Políbio e Plutarco e traduzse por Província ou Prefeitura ao passo que para Liddell e Scott o termo eparcoY éparchos empregado por Plutarco traduzse por Praefectus o Prefeito Romano Quanto à palavra epivtropoY epítropos novamente de acordo com Bailly foi grafada uma vez mais por Plutarco e também por Estrabão e significa Procurator o Procurador Romano Alguns eruditos especialistas na história da Judéia apresentam uma reflexão sobre tais termos Tanto Mireille HadasLebel quanto André Paul e ainda John Meier são precisos ao afirmarem que de 6 a 66 os governantes romanos da Judéia tiveram dois diferentes títulos em três fases que se sucederam De 6 a 41 o de Praefectus Prefeito e de 44 e até 66 data do início da guerra o de Procurator Procurador De 41 a 44 por ordem do Imperador Cláudio 41 54 o neto de Herodes Magno Agripa I foi Rei dos judeus Quadro 11 Os três autores ainda recordam que em 1961 foi descoberta em Cesareia Marítima hoje Cesareia em Israel uma inscrição que afirmava ser Pôncio Pilatos Praefectus Judaeae Prefeito da Judéia logo ele não era Procurador Em especial John Meier informa que sob Augusto que governou de 27 aC a 14 AD e Tibério que reinou de 14 a 37 os governadores da Judéia eram oriundos da ordem eqüestre não da senatorial e tinham em geral o título de Prefeito envolvido com funções militares enquanto que o Procurador estava vinculado à administração financeira e representação pessoal do Imperador A diferença entre os dois títulos parecia insignificante em uma região tão distante de Roma como a Judéia e assim a população provavelmente confundia os dois termos Prefeito e Procurador por isso há imprecisão em Tácito que por exemplo chamou Pilatos de Procurador e em Josefo Este aliás como visto no texto XXVII acima chama o antigo território de Arquelau de Prefeitura eparcivan eparchían e seu primeiro dirigente Copônio de Procurador epivtropoY epítropos e não de Prefeito eparcoY éparchos Entretanto como se observa no mesmo texto e na explicação acima eparciva eparchía também pode ser traduzida por Província Se esta era a idéia de Josefo então mais impreciso ainda ele foi quanto à divisão políticoadministrativa romana no Oriente Próximo envolvendo a Judéia e a Síria uma vez que neste caso ele considerou a Judéia uma província romana já em 6 dC quando da queda de Arquelau e nesta data a Judéia não era ainda uma Província Posso sustentar esta afirmação a partir do que informa objetivamente Maurice Sartre190 e que por isso a meu juízo merece ser transcrito Desde 6 dC Arquelau foi deposto e seus Estados anexados à província da Síria Mas um prefeito foi encarregado da Judéia sob a tutela do governador da Síria Quirino 190 SARTRE Maurice Opcit p362 John Meie 191 acrescenta que o Imperador Cláudio promoveu mudanças no título do governante romano na Judéia de Prefeito para Procurador e lembra que segundo alguns estudiosos isto se tratou de uma elevação do cargo devido ao aumento das dificuldades na relação com os judeus e esclarece ainda que é possível que a modificação do título na Judéia estivesse contido em uma reforma realizada por este mesmo Imperador com o objetivo de aumentar seu vínculo e controle sobre o líder romano local afastandoo da influência do Senado já que como visto o Procurador era um representante pessoal do Imperador A terceira palavra em negrito e última a analisar aqui é apostasia apovstasin apóstasin caso acusativo de apovstasiY apóstasis palavra que como informam Liddell e Scott192 se traduz por defecção revolta empregado por Tucídides e como indica Bailly193 se traduz por ação de se afastar abandono deserção de uma aliança utilizado por Tucídides Pelo conjunto de traduções percebo que esta palavra não só transmite a idéia de rebelião revolta como também de rompimento e afastamento de um pacto em vigor deserção de uma aliança 191 MEIER John P Opcit p 106 192 LIDDEL e SCOTT Opcit p107 193 BAILLY A Opcit p 244 De fato o sentido desta palavra no período clássico é totalmente político mas já na época helenística também é religioso O Novo Dicionário da Bíblia194 informa que no grego clássico o termo apostasiva apostasía significava revolta ou defecção política e que na Septuaginta século III aC tal palavra sempre esteve vinculada à rebelião contra Deus No judaísmo política e religião operam em um mesmo movimento É interessante observar assim os dois sentidos político e religioso da palavra apostasiva apostasía forma tardia do termo apovstasiY apóstasis embora sempre se trate de uma rebelião um afastamento O que percebo no texto XXVII é que há a idéia da apostasia religiosa em Judas ao criticar seus compatriotas por aceitarem outros líderes que não Deus e há em contrapartida a noção de apostasia política em Josefo quando este claramente afirma que um Galileu chamado Judas levou seus compatriotas à apostasia apovstasin É sobre este sentido político que passo a refletir Dentro dos movimentos elencados no que concerne à fenomenologia do dissenso recordando Giovanni Bianchi e Renzo Salvi a revolta ou rebelião é a expressão de grupos insatisfeitos195 logo a idéia que Josefo passa no texto XXVII acima é a de que Judas de Gamala levou seus conterrâneos à revolta à manifestação de insatisfação entretanto há 194 DOUGLAS JD org Novo Dicionário da Bíblia Tradução de João Bentes São Paulo Edições Vida Nova 1990 p 95 195 Rever o item 16 Fenomenologia do Dissenso mais Se posso também entender a apovstasiY apóstasis apostasía como deserção de uma aliança posso concluir que Josefo nas entrelinhas deixa emergir seu sentimento de aceitação ao domínio romano Vejase que ele condena não só por chamar de sofista196 como também por ser fundador de nova airesiY háresis que nada tinha a ver com as demais tradicionais o homem que conduziu seu povo não só a se rebelar como também a romper um pacto tacitamente estabelecido com Roma uma vez que já era uma realidade em ação não apenas a tributação romana bem como a presença de líderes do Império senhores mortais que comandavam a Judéia Segue o quadrado para análise 196 Segundo Liddell Scott Opcit p 738 a palavra sofisthvY sofistés tem um sentido positivo e um negativo Assim ela pode ser traduzida ora por homem sábio ora por impostor trapaceiro Pelo conteúdo do texto de Josefo texto XXVII não tenho dúvidas de que ele utiliza o segundo sentido da palavra para se referir a Judas de Gamala S1 ACEITAR O DOMÍNIO ROMANO consentirem pagar tributo aos romanos e submeteremse a líderes mortais S2 LIDERANÇA JUDAICA um Galileu chamado Judas Este homem era um sofista que fundou sua própria seita airevsewY que nada tinha em comum com as outras S2 S1 LIDERANÇA ROMANA Copônio um romano da ordem eqüestre foi enviado como procurador epivtropoY recebendo de César Augusto autoridade até para matar REPUDIAR O DOMÍNIO ROMANO Judas levou seus compatriotas à apostasia apovstasin reprovandoos Este fragmento narra o exato momento em que pela primeira vez Roma coloca no comando da Judéia passando a governála de forma direta um romano Copônio Chega assim ao fim à exceção de Agripa I 4144 o reinado da dinastia herodiana sobre esta mesma área Aqui o autor demonstra sua reprovação à liderança judaica no caso à pessoa 188 de Judas de Gamala que ele considera um sofista197 o fundador da chamada Quarta Filosofia e que por fim por repudiar o domínio romano levou seu povo à apostasia ao rompimento do status quo que Josefo demonstra aprovar tanto que ele não apenas admira a liderança romana identificando Copônio e apresentando a importância de sua função administrativa bem como registra o que julga ser o apoio dado pelos judeus à nova ordem que parecem aceitar o domínio romano Neste caso a dêixis negativa é disforizada já que Josefo revela seu total desprezo por Judas de Gamala ou da Galiléia por considerálo um homem não confiável e marginal à ordem então vigente como se vê de palavras como Este homem era um sofista que fundou sua própria seita e ainda notase a disforização em Judas levou seus compatriotas à apostasia Em oposição a dêixis positiva está euforizada por palavras como Copônio foi enviado como procurador recebendo de César Augusto autoridade que revelam o respeito do autor pelo cargo e posição social ocupados por Copônio bem como pelos poderes que lhe haviam sido conferidos pelo Imperador e ainda por expressões como consentirem e submeteremse que registram a aceitação do povo e mesmo de Josefo ao domínio romano O percurso proposto pelo autor é S2 S2 S1 que parte da liderança judaica que ele não concorda rumando à liderança romana e chegando à aceitação do domínio do 197 Ver nota anterior 189 Império Em contrapartida S1 S1 S2 é o caminho rejeitado por Josefo já que parte do controle de Roma e leva à liderança de Judas 353 Josefo PróJudaico A vitória da fé judaica perante Pilatos T E X T O II Pilatos tendo sido enviado à Judéia por Tibério como procurador introduziu furtivamente à noite em Jerusalém as efígies de César cobertas as quais são chamadas de estandartes Isto provocou grande agitação entre os judeus durante o dia Estes ficaram consternados diante da visão como se as suas leis tivessem sido esmagadas com os pés pois não era permitido colocar imagens na cidade enquanto a indignação do povo da cidade agitava as pessoas do campo que afluíam juntas em multidão Apoiandose em Pilatos indo a Cesaréia os judeus imploraramlhe retirar os estandartes de Jerusalém e guardar respeitar as leis de seu antepassados Quando Pilatos recusouse eles caíram prostrados ao redor de sua casa e por cinco dias e noites inteiros permanceram imóveis naquela posição No dia seguinte Pilatos tomou seu assento de magistrado no grande estádio e convocando a multidão com a aparente intenção de respondêla deu o sinal combinado a seus soldados armados para cercarem os judeus Encontrandose estes dentro de um anel triplo de tropas os judeus ficaram em silêncio face a esta visão inesperada Pilatos após ameaçar trucidálos caso eles se recusassem em admitir imagens de César fez sinal a seus soldados para desembainharem suas espadas Em consequência disso os judeus em ação combinada atiraramse em conjunto ao chão estenderam seus pescoços e exclamaram que eles estavam mais preparados para morrer do que para transgredir a lei Pilatos enormemente admirado com a pureza do fervor religioso ordena retirar imediatamente os estandartes de Jerusalém JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 2 169 174 190 S1 PILATOS CONTRA A TORAH Pilatos introduziu furtivamente à noite em Jerusalém as efígies de César cobertas as quais são chamadas de estandartes S2 RESPEITO À TORAH Pilatos enormemente admirado com a pureza do fervor religioso ordena retirar imediatamente os estandartes de Jerusalém S2 DESRESPEITO À TORAH Isto provocou grande agitação entre os judeus durante o dia Estes ficaram consternados diante da visão como se as suas leis tivessem sido esmagadas com os pés pois não era permitido colocar imagens na cidade S1 JUDEUS EM DEFESA DA TORAH os judeus imploraramlhe retirar os estandartes de Jerusalém e guardar respeitar as leis de seus antepassados os judeus em ação combinada atiraram se em conjunto ao chão estenderam seus pescoços e exclamaram que eles estavam mais preparados para morrer do que para transgredir a lei Neste trecho como já visto o autor relata um dos mais graves conflitos deflagrados entre o Prefeito Pôncio Pilatos que liderou a Judéia de 26 a 36 e o conjunto da sociedade judaica que a ele se opõe Naquela oportunidade no caso da resisência estudada no Capítulo Primeiro o sujeito central da ação era o Prefeito Pôncio Pilatos já que minha 191 intenção era comprovar a hipótese formulada de que o respeito ou desrespeito da liderança romana pela Torah determinava o maior ou menor grau de resistência judaica Aqui o sujeito central da ação são os judeus que com sua determinação em morrer pela Lei conseguem por seu fervor religioso a vitória do cumprimento e respeito da mesma Assim no presente caso o desrespeito à Torah foi conhecido quando o Prefeito romano não só introduziu imagens de Tibério em Jerusalém o que era uma afronta à determinação do texto sagrado judaico que proibia a confecção e o culto de imagens como também as quis manter lá Josefo contudo mostra que Pilatos se curvou frente à grande religiosidade dos judeus e assim estando Pilatos contra a Torah transgrediu a Lei judaica tal atitude foi desfeita graças à ação dos judeus em defesa da Torah o que levou ao respeito à Torah à sua manutenção Neste caso Josefo produz um texto prójudaico valorizando o poder da fé e a coragem de seu povo diante do poder do Prefeito A dêixis negativa encontrase euforizada pelas expressões enormemente admirado pureza do fervor religioso retirar os estandartes que revelam a vitória dos judeus e do judaísmo na preservação da prática da Torah e guardarrespeitar as leis de seus antepassados e os judeus estavam mais preparados para morrer do que para transgredir a lei que apontam não só o desejo dos judeus em manter sua prática religiosa bem como sua ação corajosa para tal manutenção A dêixis positiva encontrase disforizada pelas palavras ameaçar trucidálos desembainharem suas espadas soldados 192 armadoscercarem os judeus que indica a intransigência da ação do Prefeito e introduziu furtivamenteem Jerusalém efígies de César que exemplificam a quebra da observação da Torah O percurso defendido por Josefo é S1 S1 S2 que parte da ação de Pilatos passa pela ação dos judeus e chega à manutenção da observação da Lei logo à vitória do judaísmo obtida pela força da fé dos judeus o que demonstra o texto prójudaico de Josefo O percurso inverso S2 S2 S1 que vai da manutenção à quebra da observação da Torah e por fim chega à ação transgressora de Pilatos é repudiado pelo autor 354 Josefo AntiCalígula não antiRomano Calígula crueldade e arrogância T E X T O III Gaios enviou Petrônio com um exército a Jerusalém para erigir no Templo estátuas do próprio Gaios tendo ordenado caso os judeus não aceitassem condenar à morte os recalcitrantes e reduzir à escravidão todo o restante do povo Estas ordens porém estavam sob os cuidados de Deus Petrônio por conseguinte com três legiões e um grande contingente de auxiliares sírios deixou Antióquia em marcha para a Judéia Entre os judeus alguns não acreditavam nos rumores de guerra outros creram mas não viram meios de defesa o alarme entretanto logo tornouse universal o exército tendo já atingido Ptolemaida Os judeus reuniramse com suas esposas e filhos na planície de Ptolemaida e imploraram a Petrônio para primeiro dar atenção às leis de seus antepassados e em seguida a eles mesmos Até então transigindo 193 com a vasta multidão e suas súplicas ele deixou as estátuas e suas tropas em Ptolemaida e avançou em direção à Galiléia onde ele convocou para Tiberíades a população inclusive todas as pessoas de distinção Lá ele frisou o poder dos romanos e as ameaças do Imperador e além disso apontou a imprudência da solicitação deles todas as nações súditas ele advertiu haviam erigido em cada uma de suas cidades estátuas de César juntamente com aquelas de seus outros deuses e que somente eles os judeus se oporiam a esta prática o que equivalia quase a uma rebelião agravada por insulto Quando os judeus expuseram o costume e as leis de seu povo que não permitiam colocar imagem nem de Deus nem de homem não apenas no interior do seu Templo nem em qualquer lugar do campo Petrônio tomando a palavra disse Mas eu também devo fazer cumprir a lei do meu senhor se eu transgredíla e os poupar eu serei morto com justiça Guerra será feita sobre vocês por ele que me enviou não por mim já que eu também como vocês estou sob ordens Com isto a multidão gritou que estava pronta para suportar tudo pela lei Petrônio tendo verificado seu clamor disse Então vocês vão à guerra com César Os judeus responderam que eles ofereciam sacrifício duas vezes ao dia a César e ao povo romano mas que caso ele desejasse erguer estas estátuas ele primeiro deveria sacrificar toda a nação judaica e então eles próprios se apresentaram suas esposas e seus filhos prontos para o massacre Estas palavras encheram Petrônio de admiração e piedade diante de um espetáculo de incomparável devoção deste povo a sua religião e sua inabalável resignação à morte Então por ora ele os dispensou nada sendo decidido Desta cidade Antióquia ele Petrônio dirigiuse às pressas para relatar a César sua expedição na Judéia e as súplicas da nação acrescentado que a não ser que ele desejasse destruir o país assim como seus habitantes ele deveria respeitar a lei deles e revogar as ordens A este despacho Gaios respondeu em termos desmedidos ameaçando matar Petrônio por seu atraso na execução de suas ordens Entretanto aconteceu que os portadores desta mensagem ficaram retidos pelo mau tempo por três meses no mar enquanto outros que trouxeram a notícia da morte de Gaios tiveram uma viagem afortunada Então Petrônio recebeu esta última informação vinte e sete dias mais cedo do que a carta que trazia sua própria sentença de morte JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 2 184 203 194 S1 VIOLAÇÃO DA TORAH Gaios enviou Petrônio com um exército a Jerusalém para erigir no Templo estátuas do próprio Gaios S2 DESCUMPRIMENTO DAS ORDENS DE CALÍGULA Até então transigindo com a vasta multidão e suas súplicas ele deixou as estátuas e suas tropas em Ptolemaida Petrônio disse a lei do meu senhor se eu transgredíla e os poupar eu serei morto com justiça Então por ora ele os dispensou nada sendo decidido ele deveria respeitar a lei deles e revogar as ordens trouxeram a notícia da morte de Gaios S2 CUMPRIMENTO DAS ORDENS DE CALÍGULA tendo ordenado Gaios caso os judeus não aceitassem condenar à morte os recalcitrantes e reduzir à escravidão todo o restante do povo Petrônio por conseguinte com três legiões e um grande contingente de auxiliares sírios deixou Antióquia em marcha para a Judéia avançou em direção à Galiléia Lá ele frisou o poder dos romanos e as ameaças do Imperador Petrônio tomando a palavra disse Mas eu também devo fazer cumprir a lei do meu senhor Guerra será feita sobre vocês por ele que me enviou não por mim já que eu também estou sob ordens S1 PRESERVAÇÃO DA TORAH Os judeus reuniramse com suas esposas e filhos e imploraram a Petrônio para primeiro dar atenção às leis de seus antepassados e em seguida a eles mesmos os judeus expuseram o costume e as leis de seu povo a multidão gritou que estava pronta para suportar tudo pela lei Estas palavras encheram Petrônio de admiração e piedade diante de um espetáculo de incomparável devoção deste povo a sua religião Este extrato narra um dos mais sérios incidentes entre um líder romano e a nação judaica antes da guerra de 66 73 O Imperador Gaios cognominado Calígula que reinou 195 de 37 a 41 determinou assim como já fizera com relação a outras províncias que estátuas suas fossem erguidas no Templo de Jerusalém Coube a Petrônio o cumprimento das ordens de Calígula porém caso isto ocorresse seria necessário que se fizesse presente também a violação da Torah que como visto no caso de Pilatos proibia a confecção e o culto de imagens não só de sua própria divindade quanto mais a de um líder estrangeiro Claro ficou que para a preservação da Torah era necessário que também ocorresse o descumprimento das ordens de Calígula Neste caso a disforização da dêixis positiva é claríssima pelas seguintes expressões condenar à morte reduzir à escravidão ameaças do Imperador guerra que revelam a agressividade de Calígula e ainda sacrificar toda a nação judaica prontos para o massacre que mostram a que ponto os judeus chegaram por respeito a sua lei Em contrapartida a euforização da dêixis negativa é nítida pelas seguintes palavras transigindo poupar nada sendo decidido e revogar as ordens com relação à atitude tolerante de Petrônio e suportar tudo pela lei admiração e piedade incomparável devoção palavras que indicam a fidelidade dos judeus no cumprimento da Torah S1 S1 S2 é o percurso apoiado pelo autor ou seja aquele que parte da violação da Torah e termina no descumprimento das ordens de Calígula logo na manutenção da lei judaica esta triunfando Por conseguinte S2 S2 S1 que leva à violação desta mesma lei é o percurso rejeitado por Josefo 196 36 Epílogo Josefo em quádrupla ambigüidade produziu seu primeiro trabalho de historiografia No nome oscilou entre um título mais pertinente ao ponto de vista romano do conflito e outro mais vinculado à otica judaica do mesmo Na origem alegou ter que dizer a verdade enquanto ele mesmo demonstra que manda mensagem aos vizinhos do Oriente tendo os partas como os primeiros da lista Em seguida tendo Tucídides como paradigma mas sem perder de vista sua formação farisaica constrói uma narrativa com as caracteríticas do historiador grego no caso da época de Josefo grecoromano e hebraicojudaico Por fim não se pode dizer que o conteúdo de sua obra seja próromano ou prójudaico e se fosse um ou outro caso não necessariamente estaria a obra livre de passagens também anti judaicas e antiromanas Portanto constatei quatro níveis de ambigüidade de conteúdo Entretanto não esquecendo que Josefo redigiu este relato em Roma com o apoio dos Flávios é óbvio que ele não poderia deixar de dizer que Então contrário aos desejos de César Tito o Templo foi incendiado JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 6 266 Tito apiedouse da população adiou a captura da cidade e deu aos criminosos tempo para arrependimento JOSEFO História da Guerra dos Judeus contra os Romanos 1 10 CONCLUSÃO O que aqui pretendo ao encerrar a presente Dissertação é apresentar minhas conclusões acerca de três tópicos os três objetos centrais de minha pesquisa i a pessoa de Flávio Josefo ii a Istoriva Ioudaikou Polevmou provY RwmaivouY Istoría Ioudaikôû Polémou pròs Romaious História da Guerra dos Judeus contra os Romanos sua primeira e mais significativa obra e iii o ambiente que não só antecedeu imediatamente seu nascimento como também foi o pano de fundo de sua existência a Judéia sob a ocupação romana 198 Priorizei neste estudo o processo de resistência judaica face à dominação romana seja de modo passivo seja ativo cujo ápice foi a guerra contra Roma dentro da qual emergiu a guerra civil judaica Dei relevância ainda à análise da trajetória do historiador Flávio Josefo Por fim refleti acerca de sua primeira obra minha fonte central de pesquisa Para a operacionalização deste trabalho formulei quatro hipóteses e após consulta à vasta bibliografia e à fontes a central e outras secundárias e aplicação de determinada metodologia à fonte central da pesquisa pude comproválas Minhas considerações finais portanto se referem às quatro hipóteses 1 A resistência dos judeus ao domínio de Roma aumentava na medida em que os líderes romanos da Judéia desrespeitavam a religião judaica e diminuía na medida em que estes líderes a respeitavam 2 O ápice da resistência judaica contra a dominação romana a deflagração da guerra de 6673 dC teve como causa um fator político a ruptura da aliança entre as classes dirigentes judaica e romana para o comando da Judéia 3 Nascido judeu e tornandose cidadão romano Josefo pode ser considerado apesar destas duas condições e de sua trajetória conflituosa dividida entre Judéia e Roma como um homem vinculado à etnia judaica e portador de uma única identidade a judaica 199 4 História da Guerra dos Judeus contra os Romanos tratase de uma obra que reflete um relato histórico repleto de ambigüidades no nome na origem na estrutura e no conteúdo sempre oscilando entre as influências judaica e romana que atingem seu autor Com relação à primeira hipótese através da metodologia comprovei diretamente no próprio texto de Josefo que ele demonstra que na medida em que as lideranças romanas tentam quebrar o cumprimento da Torah os judeus reagem fortemente pela manutenção da sua prática religiosa preservação essa que era a regra geral assegurada por Roma aos judeus Portanto esta hipótese comprovada se refere a casos de períodos de exceção na história política da Judéia no período aqui pesquisado Quanto à segunda hipótese a comprovação não pôde ser feita pela aplicação da metodologia escolhida simplesmente porque Josefo em História da Guerra dos Judeus contra os Romanos procura isentar de culpa a classe dirigente judaica pelo início da guerra Martin Goodman ao comentar historicamente a obra é quem ilumina esta questão mostrando no próprio texto de Josefo sinais de que esta classe era a responsável pela guerra Contudo os pequenos fragmentos da narrativa que permitem levar a esta conclusão não são suficientes para a construção de quadrados semióticos No que concerne à terceira hipótese busquei sua comprovação tanto na fonte quanto na bibliografia Ambas deixam claro que Josefo pertencia à etnia judaica Apesar de poder ser detentor de duas identidades a romana e a judaica ele sempre se reconheceu como judeu O pouco número de palavras utilizadas por Josefo para se apresentar como judeu e 202 Concluo por fim que pesquisar a Judéia no tempo em que esteve sob o domínio romano a fonte literária que mais dados fornece sobre este momento e seu autor me fez refletir sobre o Outono da Judéia um período relevante da história romana e acima de tudo uma época de grande importância para a história judaica 203 FONTES JOSEPHUS The Jewish War Livros I a VII tradução do grego para inglês de H ST J THACKERAY 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