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Direito ·
Criminologia
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TEORIA DA SUBCULTURA DELINQÜENTE: COMO SURGEM AS GANGUES JUVENIS\nWILSON DONIZETTI LIBERATI\nDoutor em Direito Civil (USP) e Mestre em Direito das Relações Sociais (PUC-SP); Professor do Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Estadual de Maringá-PR.\n\nResumo: O surgimento das gangues juvenis está relacionado ao preenchimento de certas necessidades, com destaque para o consumo de certos produtos que serão o marco definido do status do jovem dentro da gangue. O texto analisa a origem das gangues juvenis, expondo a opinião de vários autores, dentre eles Albert Cohen, Walter B. Miller, Cloward e Ohlin.\n\nPalavras-chave: Criminologia - Gangues Juvenis - Jovens delinquentes - Subcultura delinquente\n\nAbstract: The emergence of juvenile gangs is related to the supplying of particular needs, with emphasis on consuming of certain products that will be the mark that defines of young's status inside the gang. The text analyses the origin of juvenile gangs, explaining the view of several authors, including Albert Cohen, Walter B. Miller, Cloward and Ohlin.\n\nKey ords: Criminology - Juvenile Gangs - Delinquent boys - Delinquent subculture SUMÁRIO: 1 Introdução à Criminologia: método, objeto e funções; 2 Aspectos gerais da Sociologia Criminal; 3 A Subcultura e o desenvolvimento da Teoria da Subcultura; 4 A teoria da subcultura delinquente; 4.1 Teoria da subcultura delinquente, de Albert Cohen; 4.2 Teoria da cultura da lower-class, de Walter B. Miller; 4.3 A subcultura delinquente na visão de Cloward e Ohlin: a teoria da oportunidade diferencial; 5 Conclusão.\n\n1 INTRODUÇÃO À CRIMINOLOGIA: MÉTODO, OBJETO E FUNÇÕES\n\nO termo Criminologia não é antigo. Considera-se que ele foi utilizado, pela primeira vez, em 1879, pelo antropólogo francês Topinard. Entretanto, foi Garofalo, que, em 1885, a utilizou como título de sua obra. 1\nDefinir Criminologia já foi tarefa árdua; hoje, porém, a evolução permite condensar-se, em três aspectos ou áreas de concentração, a preocupação dessa ciência: seu método, seu objeto e suas funções.\nÉ clássica a definição da Criminologia, como a ciência empírica e interdisciplinar que estuda as causas do crime, a prevenção, a reabilitação e a punição do criminoso. Também a análise da vítima e do controle social.\nUm alerta inicial é proferido por Frederico Marques 2, no sentido de que o simples estudo do crime, pelo método dogmático, identificado das normas e preceitos do ilícito punível, é, ainda, o objeto de estudo do Direito Penal. Assim, se o crime for estudado como fenômeno social, para investigar-lhe a etiologia e a série de seus fatores genéticos, tem-se, então, uma outra ciência penal, diferente da dogmática, em virtude do método científico utilizado.\nA Criminologia é uma ciência nova 4, porque estuda o crime com autonomia, desvinculando da dogmática penal, reunindo informações válidas e confiáveis por meio do método empírico, que tem, na observação dos fatos reais, o seu campo de análise. Por ser ciência, lembra Garcia-Pablos 5, a Criminologia \"dispõe de um objeto de conhecimento próprio, de um método ou métodos e de um sólido corpo doutrinário sobre o fenômeno delitivo, confirmado, por certo, por mais de um século de investigações\".\n\nNeste aspecto, a Criminologia é uma ciência empírica - fruto do status da ciência, quando o positivismo generalizou o emprego do método empírico 6 - ou uma ciência do ser, não sendo considerada uma ciência exata ou definitiva, uma vez que seu paradigma - o homem e suas relações com a realidade - está em continua evolução. Mas, como ciência, a Criminologia, em seu século de existência, foi se desenvolvendo ao mesmo tempo em que a história da própria humanidade, acompanhando e estudando os dados sobre o delito e suas transformações.\n\nMesma forma como uma ciência empírica, ela exerce papel preponderante no combate à criminalidade, ao mesmo tempo em que provoca o aperfeiçoamento da vida social. Entretanto sua preocupação e objetivo não permitem garantir a eliminação do crime, mas \"é lícito esperar-se que o estudo científico e sistemático da criminalidade e sua repressão racional decorram substanciais ensinamentos para a prevenção dos delitos e defesa da sociedade contra os atos que atingem e perturbam a conseqüência do bem comum\". 7\n\nAinda por ser uma ciência que se desenvolve pelo método empírico, a Criminologia oferece ao intérprete dos fatores criminógenos uma percepção provisória e inacabada, porém válida e confiável, da leitura dos fatos sociais, conformando-se com uma informação válida - ainda confiável - dessa mesma realidade. Por isso, a Criminologia não se preocupa nem deve ocupar-se com as causas, e sim, com a causalidade, pois, como lembrou Garcia-Pablos, citando Matza, \"o homem transcende a 'causalidade', à 'relatividade' e à 'força', porque é sujeito, e não objeto do acontecer da história\".\n\nComo ciência do ser, a Criminologia afasta-se do Direito, ciência do dever-ser, de cunho normativo, que, ao contrário daquela, utiliza o 274\nWILSON DONIZETI LIBERATI\nmétodo lógico, abstrato e dedutivo. A Criminologia busca, no caminho da percepção da realidade, seu intuído de conhecer; a observação dos fatos serve de instrumento ao criminólogo, que analisa os dados colhidos e induz a conclusões. Entretanto os fatos verificados prevalecem sobre seus argumentos subjetivos. A Criminologia tenta conhecer a realidade, para poder mais bem explícita-la; interessa-se pelos acontecimentos sociais, visando a compreender o problema do crime, com a finalidade de informar o Direito sobre a melhor forma de valoração do ato criminoso.\nA lemb ranca feita por Frederico Marques de que a Criminologia é \"ciência que cuida das leis e fatores da criminalidade, consagrando-se ao estudo do crime e do delinquente, do ponto de vista causal-explicativo\", mais adiante, concorda com Maritain,quando se afirma que a Criminologia é \"ciência de informação experimental conexa à ciência moral\", provocando a reação de Garcia-Pablos, ao assegurar-se que a Criminologia é uma ciência empírica, porém não necessariamente \"experimental\", porquanto o método experimental é um método empírico, porém não o único. Por outro lado, nem todo método empírico tem, obrigatoriamente, natureza experimental.\n\nIsso, não obstante, não retira da Criminologia sua autonomia e sua perfeita interação com as ciências penais de natureza ética. Ao contrário, como ela não formula juízos axológicos sobre os fatos que observa, permite que seus estudos sejam aproveitados e submetidos a juízos de valor por aquelas outras ciências encarregadas de construir a norma positiva.\nA Criminologia tradicional preocupava-se com o delinquente e o delito. Seu campo de atuação, no entanto, vem crescendo e sendo ampliado, para incluir a vítima e o controle social do crime, possibilitando concluir com uma dimensão pluralista e interacionista daquela ciência.\nNo final do século passado, Garofalo observava que a Criminologia deveria ter uma triplice preocupação, como pesquisa antropológica, socio-lógica e jurídica. Ele, que seguia a orientação naturalista e evolucionista do Direito, considerava que a Criminologia era a \"ciência da criminalidade, do delito e da pena\", tendo incluído, posteriormente, o exame do delinquente. 275\nTEORIA DA SUBCULTURA DELINQUENTE: COMO SURGEM AS GANGUES JUVENIS\nNicéforo, também citado por Frederico Marques, considerava a Criminologia como \"a ciência que estuda o conceito e noção do delito e do delinquente, com seus caracteres somáticos e psíquicos, e, também, a mesologia criminal por meio dos seus diferentes aspectos geográfico, social, intelectual e moral\".\nA teoria de que o delito é o ponto de partida da Criminologia e que esta deve estar ordenada à ciência penal dogmática foi, por muito tempo, a base para a determinação das investigações criminológicas.\nEmbora a Criminologia tradicional considerasse, como conceitos basilares, a definição legal de delito, as teorias etiológicas da criminalidade, o princípio da diversidade do homem delinquente e os fins da pena, sua problematização está sendo, paulatinamente, ampliada - e, por que não dizer, contestada? -, na medida em que outras ciências incidem em novas luzes sobre essa mesma realidade, porém com direcionamentos diferentes, proporcionando o surgimento de um novo paradigma. Esse novo modelo que \"rechaça o conceito jurídico-formal de delito, reclamando maiores e revela uma observação parcial da realidade carente de critérios axológicos. Vale dizer que essa concepção clássica do delito obriga a intervenção punitiva do Estado, pela própria necessidade de validar o princípio da legalidade. Por outro lado, ressalta-se a moderna Criminologia, desencadeada a liberação das exigências arbitrárias do Direito, possibilitando ao criminólogo uma visão aberta do delito, desvinculado de qualquer critério formal de mediação que importe em obstáculo a sua observação e compreensão. 276\nWILSON DONIZETI LIBERATI\nseara do Direito Natural, da ordem moral ou da razão, não atendendo às preocupações da Criminologia, por se tratarem de conceitos ambíguos e imprecisos. Esses conceitos de delito não podem ser imputados ao estudo da Criminologia, sem sofrer a interferência da evolução das relações do homem no convívio da sociedade.\nNão se pode, hoje, manter a visão justa de delito no sentido jurídico-penal, emprestado pelo Direito Penal, a não ser - e tão somente - pelo aspecto de ponto de partida do estudo da Criminologia, porque, lembra García-Pablos, \"o formalismo e o normativismo jurídico resultam incompletivos com as exigências metodológicas de uma ciência empírica, como a Criminologia\".\nEsta visão \"penalista\" do delito é, essencialmente, formal, normativa e revela uma observação parcial da realidade carente de critérios axológicos. Vale dizer que essa concepção clássica do delito obriga a intervenção punitiva do Estado, pela própria necessidade de validar o princípio da legalidade. Por outro lado, ressalta-se a moderna Criminologia, desencadeada a liberação das exigências arbitrárias do Direito, possibilitando ao criminólogo uma visão aberta do delito, desvinculado de qualquer critério formal de mediação que importe em obstáculo a sua observação e compreensão. A interpretação dada pela Sociologia ao conceito de delito, como conduta desviada, também não oferece respaldo suficiente para sua perfeita compreensão, uma vez que \"não expressa uma noção apriorística de delito, valorativamente neutra e objetiva, com respaldo empírico, sólida, segura, construída com abstração das definições legais e válida para a Criminologia\". Toma-se, como exemplo, a teoria do labelling approach, que aponta o controle social como causa da criminalidade. O conceito de delito, neste sentido, impede o criminólogo de ter uma segura referência metodológica para sua análise. Entretanto há uma tendência, na moderna Criminologia, de se considerar o delito como um problema social e comunitário, entendendo-se essas categorias inclusas nas ciências sociais. Oucharzyn-Dewitt e outros. destacaram que \"um determinado fato ou fenômeno deve ser definido como \"problema social\", somente se, para tal, concorrerem as seguintes circunstâncias: que tenha uma incidência massiva na população; que a referida incidência seja dolorosa, aflitiva; persistência espaço-temporal; falta de um inequívoco consenso a respeito de sua etiologia e eficiências técnicas de intervenção no mesmo e consciência social generalizada a respeito de sua negatividade\".\n\nAs circunstâncias acima reveladas nada mais são do que a realidade que se vê e se constrói. É sabido que o crime ocorre no mesmo ambiente em que se vive, razão por que a própria comunidade deve encontrar-lhe soluções, para evitar a criminalidade. Com efeito, não é lógico nem tampouco seguro pensar-se que o criminoso é problema somente do sistema penal e que o crime praticado deve ser resolvido no âmbito do sistema judiciário.\n\nO estudo do delito é, portanto, a preocupação da Criminologia, não somente no sentido jurídico-formal perseguido pela Criminologia clássica mas também cedendo espaço por outros temas, como, por exemplo, as funções que desempenha o delito como indicador do contexto social, seu volume, estrutura, movimento e a forma como o crime se manifesta nas diferentes classes sociais.\n\nA Criminologia estuda, também, o delinquente, que foi alvo de constantes análises pelas diversas correntes de pensamento. É necessário registrar-se que a evolução da Criminologia alcançou notoriedade e expressão científica, com a publicação do L'Uomo Delinquente, de Cesare Lombroso, em 1876, inaugurando a escola positiva italiana.\n\nA teoria do homem delinquente, de Lombroso, também conhecida por antropologia criminal ou por biologia criminal, considerava o homem criminoso como um tipo especial, caracterizado por um conjunto de traços somato-psíquicos, que fazia dele um delinquente nato. A tese principal da teoria lombrosiana é a do atavismo: o criminoso ativo, que poderia ser externamente reconhecido, viria a ser um homem menos civilizado que os seus contemporâneos. Lombroso, em sua teoria, admitiu as seguintes hipóteses: \"o criminoso, propriamente dito é nato, é idêntico ao louco moral, apresenta base epiléptica, constitui, por um conjunto de anomalias, tipo especial (o chamado tipo lombrosiano)\". tais anomalias seriam variáveis segundo a classe do criminoso e, até, do crime. Para Lombroso, a distinção entre louco e criminoso é de quantidade, de grau na regressão atávica, e não de qualidade.\n\nO positivismo criminológico italiano cresceu com as teorias de Enrico Ferri e R. Garófalo, ambos discípulos de Lombroso, que, com ele, fundaram o Archivio di psichiatria e antropologia criminale em 1880, em contraposição à escola penal de Carrara. Suas posições eram diferentes da do mestre. Ferri, empregando a expressão Sociologia Criminal, criou o sistema de substitutivos penais, propondo uma série de medidas preventivas dos crimes, concentrando sua teoria na celebre frase: \"Menos Justiça Penal, mais Justiça Social\". Formulou, inclusive, as chamadas leis de saturação e de supersaturação criminais.\n\nDiscordando da classificação de criminoso, proposta por Lombroso, Ferri apresenta outra, composta de cinco categorias: criminoso nato, ocasional, passional, habitual e louco. Sobre a teoria do crime, Ferri combate o monismo antropológico como teoria multifatorial, assegurando que \"o crime é o resultado de múltiplas causas que, não obstante extremamente interligadas, se podem identificar por meio de um estudo cuidado. As causas do crime podem, assim, analisar-se em individuais ou antropológicas, físicas ou naturais e sociais\". Como se vê, a Escola Positiva estuda o homem como um ser comum, sem poder e sem possibilidade de controlar seus atos, bem como de utilizar o seu \"livre arbítrio\" na condução de sua história e da do universo. É, por conseguinte, a negação do eu-própio do homem, inserindo o seu comportamento na dinâmica de causas e efeitos que rege o mundo natural ou o mundo social.\n\nO positivismo criminológico investigou o homem ao extremo; tornou-o o centro de sua atenção científica, considerando-o como uma realidade biopsicopatológica. A conduta do homem é explicada por vários fatores, endógenos (biológicos) ou exógenos (sociais). Para o positivismo criminológico, portanto, o homem delinquente é um prisioneiro de sua própria patologia (fatores biológicos) ou de situações por ele causadas (fatores sociais); ou seja, ele é cativo da sua carga hereditária, que se isola do mundo e reconhece, pela história, que é um animal selvagem e perigoso.\n\nAnterior as Escola Positiva, as teorias que tentaram explicar o delinquente, principalmente na Escola Clássica, projetavam o homem como ser ideal, sublime, como dono do universo, como senhor absoluto de si mesmo e de seus atos, assim como protagonista da liberdade, que retirava as diferenças qualitativas entre o homem delinquente e o homem não delinquente. O crime, nesta perspectiva, era fruto do mau uso da liberdade em uma situação concreta, e não as razões internas ou influências externas. Por fim, como se expressou García-Pablos, \"para os clássicos, o delinquente é um pecador que optou pelo mal, embora pudesse e devesse respeitar a lei\".\n\nPoder-se-á incluir, neste contexto, as posições da filosofia correctionista e do marxismo, de que trata García-Pablos sobre as diferentes imagens que fazem do delinquente. Não sendo aprofundado o estudo, basta registrar-se que a filosofia correctionista considera o criminoso como um ser inferior, deficiente, incapaz de dirigir-se por si mesmo, necessitando de uma intervenção do Estado, aparecendo, no sistema, como um menor de idade.\n\nNo marxismo, o delinquente é considerado vítima inocente e fungível das estruturas econômicas, que são responsáveis pelo crime, imputando culpabilidade à sociedade. A moderna Criminologia, no entanto, retira o homem do centro das atenções, sem, contudo, deixar de estudá-lo; sua importância reside na superação dos enfoques individualistas, para privilegiar os objetivos político-criminais, de concepção sociológica. O foco de atenção científica da moderna Criminologia deslocou-se da conduta individual do delinquente tendo em vista prestigiar a atuação da vítima e considerar a relevância do controle social na análise dos atos desviantes. A vítima é redescoberta pela moderna análise criminológica. As investigações sobre o papel da vítima no estudo da criminalidade possibilitam focalizar-se sua real participação no fenômeno criminológico, na medida em que traz, a luz, os diversos momentos do acontecimento criminal, como a deliberação, a decisão, a execução, a racionalização e a autojustificação etc. O comportamento da vítima, interagindo no contexto criminológico, permitirá uma visão mais aproximada dos protagonistas do fato criminoso e de suas ações, possibilitando identificarem-se as respostas exigidas pela sociedade e indicando-as ao poder público às ações concretas para a prevenção e combate à criminalidade. Após esse breve resumo sobre a metodologia empregada pela Criminologia e, perfunctoriamente, sobre o seu objeto, indaga-se: quais seriam as funções da Criminologia? Basicamente, a função da Criminologia consiste em \"informar a sociedade e os poderes públicos sobre o delito, o delinquente, a vítima e o controle social, reunindo um núcleo de conhecimentos - o mais seguro e contrastado - que permita compreender, cientificamente, o problema criminal, preveni-lo e intervir, com eficácia e de modo positivo, no homem delinquente\". A Criminologia, por não ser uma ciência exata, preocupa-se com a realidade, com os fatos que acontecem no dia-a-dia, procurando traduzir os conflitos concretos em atitudes concretas, indicando a melhor forma de se viver em comunidade. Esse fato sobreleva-se às demais ciências, tendo em vista que o objeto da Criminologia reside na própria realidade, analisada por aquela, que a esta retorna para transformá-la. Em sua análise da realidade, a Criminologia não pode contentar-se com ser um catálogo de dados sobre o crime - Clearing. O criminólogo não pode contentar-se, tão somente, com as informações que se alteram
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TEORIA DA SUBCULTURA DELINQÜENTE: COMO SURGEM AS GANGUES JUVENIS\nWILSON DONIZETTI LIBERATI\nDoutor em Direito Civil (USP) e Mestre em Direito das Relações Sociais (PUC-SP); Professor do Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Estadual de Maringá-PR.\n\nResumo: O surgimento das gangues juvenis está relacionado ao preenchimento de certas necessidades, com destaque para o consumo de certos produtos que serão o marco definido do status do jovem dentro da gangue. O texto analisa a origem das gangues juvenis, expondo a opinião de vários autores, dentre eles Albert Cohen, Walter B. Miller, Cloward e Ohlin.\n\nPalavras-chave: Criminologia - Gangues Juvenis - Jovens delinquentes - Subcultura delinquente\n\nAbstract: The emergence of juvenile gangs is related to the supplying of particular needs, with emphasis on consuming of certain products that will be the mark that defines of young's status inside the gang. The text analyses the origin of juvenile gangs, explaining the view of several authors, including Albert Cohen, Walter B. Miller, Cloward and Ohlin.\n\nKey ords: Criminology - Juvenile Gangs - Delinquent boys - Delinquent subculture SUMÁRIO: 1 Introdução à Criminologia: método, objeto e funções; 2 Aspectos gerais da Sociologia Criminal; 3 A Subcultura e o desenvolvimento da Teoria da Subcultura; 4 A teoria da subcultura delinquente; 4.1 Teoria da subcultura delinquente, de Albert Cohen; 4.2 Teoria da cultura da lower-class, de Walter B. Miller; 4.3 A subcultura delinquente na visão de Cloward e Ohlin: a teoria da oportunidade diferencial; 5 Conclusão.\n\n1 INTRODUÇÃO À CRIMINOLOGIA: MÉTODO, OBJETO E FUNÇÕES\n\nO termo Criminologia não é antigo. Considera-se que ele foi utilizado, pela primeira vez, em 1879, pelo antropólogo francês Topinard. Entretanto, foi Garofalo, que, em 1885, a utilizou como título de sua obra. 1\nDefinir Criminologia já foi tarefa árdua; hoje, porém, a evolução permite condensar-se, em três aspectos ou áreas de concentração, a preocupação dessa ciência: seu método, seu objeto e suas funções.\nÉ clássica a definição da Criminologia, como a ciência empírica e interdisciplinar que estuda as causas do crime, a prevenção, a reabilitação e a punição do criminoso. Também a análise da vítima e do controle social.\nUm alerta inicial é proferido por Frederico Marques 2, no sentido de que o simples estudo do crime, pelo método dogmático, identificado das normas e preceitos do ilícito punível, é, ainda, o objeto de estudo do Direito Penal. Assim, se o crime for estudado como fenômeno social, para investigar-lhe a etiologia e a série de seus fatores genéticos, tem-se, então, uma outra ciência penal, diferente da dogmática, em virtude do método científico utilizado.\nA Criminologia é uma ciência nova 4, porque estuda o crime com autonomia, desvinculando da dogmática penal, reunindo informações válidas e confiáveis por meio do método empírico, que tem, na observação dos fatos reais, o seu campo de análise. Por ser ciência, lembra Garcia-Pablos 5, a Criminologia \"dispõe de um objeto de conhecimento próprio, de um método ou métodos e de um sólido corpo doutrinário sobre o fenômeno delitivo, confirmado, por certo, por mais de um século de investigações\".\n\nNeste aspecto, a Criminologia é uma ciência empírica - fruto do status da ciência, quando o positivismo generalizou o emprego do método empírico 6 - ou uma ciência do ser, não sendo considerada uma ciência exata ou definitiva, uma vez que seu paradigma - o homem e suas relações com a realidade - está em continua evolução. Mas, como ciência, a Criminologia, em seu século de existência, foi se desenvolvendo ao mesmo tempo em que a história da própria humanidade, acompanhando e estudando os dados sobre o delito e suas transformações.\n\nMesma forma como uma ciência empírica, ela exerce papel preponderante no combate à criminalidade, ao mesmo tempo em que provoca o aperfeiçoamento da vida social. Entretanto sua preocupação e objetivo não permitem garantir a eliminação do crime, mas \"é lícito esperar-se que o estudo científico e sistemático da criminalidade e sua repressão racional decorram substanciais ensinamentos para a prevenção dos delitos e defesa da sociedade contra os atos que atingem e perturbam a conseqüência do bem comum\". 7\n\nAinda por ser uma ciência que se desenvolve pelo método empírico, a Criminologia oferece ao intérprete dos fatores criminógenos uma percepção provisória e inacabada, porém válida e confiável, da leitura dos fatos sociais, conformando-se com uma informação válida - ainda confiável - dessa mesma realidade. Por isso, a Criminologia não se preocupa nem deve ocupar-se com as causas, e sim, com a causalidade, pois, como lembrou Garcia-Pablos, citando Matza, \"o homem transcende a 'causalidade', à 'relatividade' e à 'força', porque é sujeito, e não objeto do acontecer da história\".\n\nComo ciência do ser, a Criminologia afasta-se do Direito, ciência do dever-ser, de cunho normativo, que, ao contrário daquela, utiliza o 274\nWILSON DONIZETI LIBERATI\nmétodo lógico, abstrato e dedutivo. A Criminologia busca, no caminho da percepção da realidade, seu intuído de conhecer; a observação dos fatos serve de instrumento ao criminólogo, que analisa os dados colhidos e induz a conclusões. Entretanto os fatos verificados prevalecem sobre seus argumentos subjetivos. A Criminologia tenta conhecer a realidade, para poder mais bem explícita-la; interessa-se pelos acontecimentos sociais, visando a compreender o problema do crime, com a finalidade de informar o Direito sobre a melhor forma de valoração do ato criminoso.\nA lemb ranca feita por Frederico Marques de que a Criminologia é \"ciência que cuida das leis e fatores da criminalidade, consagrando-se ao estudo do crime e do delinquente, do ponto de vista causal-explicativo\", mais adiante, concorda com Maritain,quando se afirma que a Criminologia é \"ciência de informação experimental conexa à ciência moral\", provocando a reação de Garcia-Pablos, ao assegurar-se que a Criminologia é uma ciência empírica, porém não necessariamente \"experimental\", porquanto o método experimental é um método empírico, porém não o único. Por outro lado, nem todo método empírico tem, obrigatoriamente, natureza experimental.\n\nIsso, não obstante, não retira da Criminologia sua autonomia e sua perfeita interação com as ciências penais de natureza ética. Ao contrário, como ela não formula juízos axológicos sobre os fatos que observa, permite que seus estudos sejam aproveitados e submetidos a juízos de valor por aquelas outras ciências encarregadas de construir a norma positiva.\nA Criminologia tradicional preocupava-se com o delinquente e o delito. Seu campo de atuação, no entanto, vem crescendo e sendo ampliado, para incluir a vítima e o controle social do crime, possibilitando concluir com uma dimensão pluralista e interacionista daquela ciência.\nNo final do século passado, Garofalo observava que a Criminologia deveria ter uma triplice preocupação, como pesquisa antropológica, socio-lógica e jurídica. Ele, que seguia a orientação naturalista e evolucionista do Direito, considerava que a Criminologia era a \"ciência da criminalidade, do delito e da pena\", tendo incluído, posteriormente, o exame do delinquente. 275\nTEORIA DA SUBCULTURA DELINQUENTE: COMO SURGEM AS GANGUES JUVENIS\nNicéforo, também citado por Frederico Marques, considerava a Criminologia como \"a ciência que estuda o conceito e noção do delito e do delinquente, com seus caracteres somáticos e psíquicos, e, também, a mesologia criminal por meio dos seus diferentes aspectos geográfico, social, intelectual e moral\".\nA teoria de que o delito é o ponto de partida da Criminologia e que esta deve estar ordenada à ciência penal dogmática foi, por muito tempo, a base para a determinação das investigações criminológicas.\nEmbora a Criminologia tradicional considerasse, como conceitos basilares, a definição legal de delito, as teorias etiológicas da criminalidade, o princípio da diversidade do homem delinquente e os fins da pena, sua problematização está sendo, paulatinamente, ampliada - e, por que não dizer, contestada? -, na medida em que outras ciências incidem em novas luzes sobre essa mesma realidade, porém com direcionamentos diferentes, proporcionando o surgimento de um novo paradigma. Esse novo modelo que \"rechaça o conceito jurídico-formal de delito, reclamando maiores e revela uma observação parcial da realidade carente de critérios axológicos. Vale dizer que essa concepção clássica do delito obriga a intervenção punitiva do Estado, pela própria necessidade de validar o princípio da legalidade. Por outro lado, ressalta-se a moderna Criminologia, desencadeada a liberação das exigências arbitrárias do Direito, possibilitando ao criminólogo uma visão aberta do delito, desvinculado de qualquer critério formal de mediação que importe em obstáculo a sua observação e compreensão. 276\nWILSON DONIZETI LIBERATI\nseara do Direito Natural, da ordem moral ou da razão, não atendendo às preocupações da Criminologia, por se tratarem de conceitos ambíguos e imprecisos. Esses conceitos de delito não podem ser imputados ao estudo da Criminologia, sem sofrer a interferência da evolução das relações do homem no convívio da sociedade.\nNão se pode, hoje, manter a visão justa de delito no sentido jurídico-penal, emprestado pelo Direito Penal, a não ser - e tão somente - pelo aspecto de ponto de partida do estudo da Criminologia, porque, lembra García-Pablos, \"o formalismo e o normativismo jurídico resultam incompletivos com as exigências metodológicas de uma ciência empírica, como a Criminologia\".\nEsta visão \"penalista\" do delito é, essencialmente, formal, normativa e revela uma observação parcial da realidade carente de critérios axológicos. Vale dizer que essa concepção clássica do delito obriga a intervenção punitiva do Estado, pela própria necessidade de validar o princípio da legalidade. Por outro lado, ressalta-se a moderna Criminologia, desencadeada a liberação das exigências arbitrárias do Direito, possibilitando ao criminólogo uma visão aberta do delito, desvinculado de qualquer critério formal de mediação que importe em obstáculo a sua observação e compreensão. A interpretação dada pela Sociologia ao conceito de delito, como conduta desviada, também não oferece respaldo suficiente para sua perfeita compreensão, uma vez que \"não expressa uma noção apriorística de delito, valorativamente neutra e objetiva, com respaldo empírico, sólida, segura, construída com abstração das definições legais e válida para a Criminologia\". Toma-se, como exemplo, a teoria do labelling approach, que aponta o controle social como causa da criminalidade. O conceito de delito, neste sentido, impede o criminólogo de ter uma segura referência metodológica para sua análise. Entretanto há uma tendência, na moderna Criminologia, de se considerar o delito como um problema social e comunitário, entendendo-se essas categorias inclusas nas ciências sociais. Oucharzyn-Dewitt e outros. destacaram que \"um determinado fato ou fenômeno deve ser definido como \"problema social\", somente se, para tal, concorrerem as seguintes circunstâncias: que tenha uma incidência massiva na população; que a referida incidência seja dolorosa, aflitiva; persistência espaço-temporal; falta de um inequívoco consenso a respeito de sua etiologia e eficiências técnicas de intervenção no mesmo e consciência social generalizada a respeito de sua negatividade\".\n\nAs circunstâncias acima reveladas nada mais são do que a realidade que se vê e se constrói. É sabido que o crime ocorre no mesmo ambiente em que se vive, razão por que a própria comunidade deve encontrar-lhe soluções, para evitar a criminalidade. Com efeito, não é lógico nem tampouco seguro pensar-se que o criminoso é problema somente do sistema penal e que o crime praticado deve ser resolvido no âmbito do sistema judiciário.\n\nO estudo do delito é, portanto, a preocupação da Criminologia, não somente no sentido jurídico-formal perseguido pela Criminologia clássica mas também cedendo espaço por outros temas, como, por exemplo, as funções que desempenha o delito como indicador do contexto social, seu volume, estrutura, movimento e a forma como o crime se manifesta nas diferentes classes sociais.\n\nA Criminologia estuda, também, o delinquente, que foi alvo de constantes análises pelas diversas correntes de pensamento. É necessário registrar-se que a evolução da Criminologia alcançou notoriedade e expressão científica, com a publicação do L'Uomo Delinquente, de Cesare Lombroso, em 1876, inaugurando a escola positiva italiana.\n\nA teoria do homem delinquente, de Lombroso, também conhecida por antropologia criminal ou por biologia criminal, considerava o homem criminoso como um tipo especial, caracterizado por um conjunto de traços somato-psíquicos, que fazia dele um delinquente nato. A tese principal da teoria lombrosiana é a do atavismo: o criminoso ativo, que poderia ser externamente reconhecido, viria a ser um homem menos civilizado que os seus contemporâneos. Lombroso, em sua teoria, admitiu as seguintes hipóteses: \"o criminoso, propriamente dito é nato, é idêntico ao louco moral, apresenta base epiléptica, constitui, por um conjunto de anomalias, tipo especial (o chamado tipo lombrosiano)\". tais anomalias seriam variáveis segundo a classe do criminoso e, até, do crime. Para Lombroso, a distinção entre louco e criminoso é de quantidade, de grau na regressão atávica, e não de qualidade.\n\nO positivismo criminológico italiano cresceu com as teorias de Enrico Ferri e R. Garófalo, ambos discípulos de Lombroso, que, com ele, fundaram o Archivio di psichiatria e antropologia criminale em 1880, em contraposição à escola penal de Carrara. Suas posições eram diferentes da do mestre. Ferri, empregando a expressão Sociologia Criminal, criou o sistema de substitutivos penais, propondo uma série de medidas preventivas dos crimes, concentrando sua teoria na celebre frase: \"Menos Justiça Penal, mais Justiça Social\". Formulou, inclusive, as chamadas leis de saturação e de supersaturação criminais.\n\nDiscordando da classificação de criminoso, proposta por Lombroso, Ferri apresenta outra, composta de cinco categorias: criminoso nato, ocasional, passional, habitual e louco. Sobre a teoria do crime, Ferri combate o monismo antropológico como teoria multifatorial, assegurando que \"o crime é o resultado de múltiplas causas que, não obstante extremamente interligadas, se podem identificar por meio de um estudo cuidado. As causas do crime podem, assim, analisar-se em individuais ou antropológicas, físicas ou naturais e sociais\". Como se vê, a Escola Positiva estuda o homem como um ser comum, sem poder e sem possibilidade de controlar seus atos, bem como de utilizar o seu \"livre arbítrio\" na condução de sua história e da do universo. É, por conseguinte, a negação do eu-própio do homem, inserindo o seu comportamento na dinâmica de causas e efeitos que rege o mundo natural ou o mundo social.\n\nO positivismo criminológico investigou o homem ao extremo; tornou-o o centro de sua atenção científica, considerando-o como uma realidade biopsicopatológica. A conduta do homem é explicada por vários fatores, endógenos (biológicos) ou exógenos (sociais). Para o positivismo criminológico, portanto, o homem delinquente é um prisioneiro de sua própria patologia (fatores biológicos) ou de situações por ele causadas (fatores sociais); ou seja, ele é cativo da sua carga hereditária, que se isola do mundo e reconhece, pela história, que é um animal selvagem e perigoso.\n\nAnterior as Escola Positiva, as teorias que tentaram explicar o delinquente, principalmente na Escola Clássica, projetavam o homem como ser ideal, sublime, como dono do universo, como senhor absoluto de si mesmo e de seus atos, assim como protagonista da liberdade, que retirava as diferenças qualitativas entre o homem delinquente e o homem não delinquente. O crime, nesta perspectiva, era fruto do mau uso da liberdade em uma situação concreta, e não as razões internas ou influências externas. Por fim, como se expressou García-Pablos, \"para os clássicos, o delinquente é um pecador que optou pelo mal, embora pudesse e devesse respeitar a lei\".\n\nPoder-se-á incluir, neste contexto, as posições da filosofia correctionista e do marxismo, de que trata García-Pablos sobre as diferentes imagens que fazem do delinquente. Não sendo aprofundado o estudo, basta registrar-se que a filosofia correctionista considera o criminoso como um ser inferior, deficiente, incapaz de dirigir-se por si mesmo, necessitando de uma intervenção do Estado, aparecendo, no sistema, como um menor de idade.\n\nNo marxismo, o delinquente é considerado vítima inocente e fungível das estruturas econômicas, que são responsáveis pelo crime, imputando culpabilidade à sociedade. A moderna Criminologia, no entanto, retira o homem do centro das atenções, sem, contudo, deixar de estudá-lo; sua importância reside na superação dos enfoques individualistas, para privilegiar os objetivos político-criminais, de concepção sociológica. O foco de atenção científica da moderna Criminologia deslocou-se da conduta individual do delinquente tendo em vista prestigiar a atuação da vítima e considerar a relevância do controle social na análise dos atos desviantes. A vítima é redescoberta pela moderna análise criminológica. As investigações sobre o papel da vítima no estudo da criminalidade possibilitam focalizar-se sua real participação no fenômeno criminológico, na medida em que traz, a luz, os diversos momentos do acontecimento criminal, como a deliberação, a decisão, a execução, a racionalização e a autojustificação etc. O comportamento da vítima, interagindo no contexto criminológico, permitirá uma visão mais aproximada dos protagonistas do fato criminoso e de suas ações, possibilitando identificarem-se as respostas exigidas pela sociedade e indicando-as ao poder público às ações concretas para a prevenção e combate à criminalidade. Após esse breve resumo sobre a metodologia empregada pela Criminologia e, perfunctoriamente, sobre o seu objeto, indaga-se: quais seriam as funções da Criminologia? Basicamente, a função da Criminologia consiste em \"informar a sociedade e os poderes públicos sobre o delito, o delinquente, a vítima e o controle social, reunindo um núcleo de conhecimentos - o mais seguro e contrastado - que permita compreender, cientificamente, o problema criminal, preveni-lo e intervir, com eficácia e de modo positivo, no homem delinquente\". A Criminologia, por não ser uma ciência exata, preocupa-se com a realidade, com os fatos que acontecem no dia-a-dia, procurando traduzir os conflitos concretos em atitudes concretas, indicando a melhor forma de se viver em comunidade. Esse fato sobreleva-se às demais ciências, tendo em vista que o objeto da Criminologia reside na própria realidade, analisada por aquela, que a esta retorna para transformá-la. Em sua análise da realidade, a Criminologia não pode contentar-se com ser um catálogo de dados sobre o crime - Clearing. O criminólogo não pode contentar-se, tão somente, com as informações que se alteram