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Revista eCurriculum São Paulo v 20 n 1 p 262278 janmar 2022 eISSN 18093876 Programa de PósGraduação em Educação Currículo PUCSP httprevistaspucspbrindexphpcurriculum 262 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento indissociabilidade diversidade diferença Lei 116452008 e a educação territorializada Xakriabá Heiberle Hirsgberg HORÁCIOi Resumo Este artigo objetiva apresentar a necessária compreensão da indissociabilidade entre Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento Indígena para a realização de atividades nas escolas não indígenas em observância à Lei 116452008 que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura AfroBrasileira e Indígena O problema que o orienta tem relação com certa concepção que mobiliza a Literatura Indígena de modo estanque e desconsiderando as dinâmicas próprias que as literaturas desses povos possuem negligenciando suas diversidades e as diferenças sobretudo com relação a determinadas literaturas não indígenas O artigo foi construído a partir de leituras de referências de diferentes áreas mas principalmente da relação do autor deste artigo com as literaturas e com professorases indígenas especialmente professores e obras Xakriabá Palavraschave literatura indígena educação Xakriabá diversidade Indigenous Literature and Knowledge Regimes indissociability diversity difference Law 116452008 and the territorialized education Xakriabá Abstract This article aims to present the necessary understanding of the indissociability between Indigenous Literature and Indigenous Knowledge Regimes for carrying out activities in nonindigenous schools in compliance with Law 116452008 which includes in the official curriculum of the education network the mandatory nature of the theme History and AfroBrazilian and Indigenous Culture The problem that guides it is related to a certain conception that mobilizes indigenous literature in a watertight way and disregarding the specific dynamics that the literatures of these peoples have neglecting their diversities and their differences especially with regard to certain nonindigenous literatures The article was built from readings of references from different areas but mainly from the relationship of the author of this article with indigenous literature and teachers especially Xakriabá teachers and works Keywords indigenous literature education Xakriabá diversity i Realizou PósDoutorado em Ciências Sociais UFJF Professor do Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Estadual de Montes Claros Unimontes Email conhecimentoindigenaoutlookcom ORCID iD httpsorcidorg0000000244861764 Heiberle Hirsgberg HORÁCIO Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento indissociabilidade diversidade diferença Lei 116452008 e a educação territorializada Xakriabá 263 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 Literatura Indígena y Regímenes de Conocimiento inseparabilidad diversidad diferencia Ley 116452008 y la educación territorializada Xakriabá Resumen Este artículo tiene como objetivo presentar la necesaria comprensión de la inseparabilidad entre Literatura Indígena y Regímenes de Conocimiento Indígena para la realización de actividades en las escuelas no indígenas en cumplimiento de la Ley 116452008 que incluye en el currículo oficial del sistema educativo la obligatoriedad del tema Historia y Cultura Afrobrasileña e Indígena El problema que lo orienta se relaciona con cierta concepción que moviliza la literatura indígena de manera estanca y desconoce la dinámica propia que tienen las literaturas de estos pueblos descuidando sus diversidades y diferencias especialmente en relación con ciertas literaturas no indígenas El artículo se construyó a partir de lecturas de referencias de diferentes áreas pero principalmente de la relación del autor de este artículo con las literaturas y con los maestros indígenas especialmente los maestros y obras Xakriabá Palabras clave literatura indígena educación Xakriabá diversidad 1 INTRODUÇÃO Ao adentrar no território acadêmico umas das minhas inquietações foi ver o conhecimento ser produzido de forma fragmentada Tudo se discute em seção com os recortes dos recortes Mas para nós Xakriabá no território e no movimento da vida não é assim que acontece já que os conhecimentos produzidos em torno destes elementos operam de maneira articulada XAKRIABÁ 2018 np Neste artigo argumento sobre a necessária compreensão da indissociabilidade entre Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento Indígena para a realização de atividades sobretudo a partir da literatura nas escolas não indígenas em observância à Lei 116452008 que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura AfroBrasileira e Indígena O problema que orienta este artigo tem relação com certas atividades e programas que trabalham com a Literatura Indígena de modo estanque e sem levar em conta as dinâmicas próprias que as literaturas desses povos possuem negligenciando assim suas diversidades e suas diferenças sobretudo diferenças com relação à determinada literatura não indígena desconsiderando também que as Literaturas Indígenas ésão constituintes e constituidoras dos Regimes de Conhecimento Indígena que são epistemologias nativas Revista eCurriculum São Paulo v 20 n 1 p 262278 janmar 2022 eISSN 18093876 Programa de PósGraduação em Educação Currículo PUCSP httprevistaspucspbrindexphpcurriculum 264 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 XAKRIABÁ 2018 Importa destacar que para trabalhar a literatura indígena na escola é preciso reconhecer a diferença entender que se trata de outra cultura e não tentar enquadrála nos nossos conceitos CAIROU 2021 Vale mencionar também a imprescindibilidade de considerar as especificidades dos diversos povos indígenas e as peculiaridades de seus diferentes multiversos até porque conforme ressalta sobre as sociedades indígenas a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha essas sociedades são diferentes das nossas e também diferentes entre si CUNHA CESARINO 2016 p 10 Além disso questionamentos sobre certas concepções monoepistêmicas dos currículos e das escolas FARIA SILVA 2020 certamente potencializariam as atividades em escolas não indígenas Ademais pelos fatores aludidos e pela necessidade de que as escolas trabalhem a temática indígena combatendo os estereótipos e as discriminações contra os indígenas o artigo aponta ainda a imprescindibilidade da mobilização da literatura feita pelos indígenas Os entendimentos supracitados nasceram não só da leitura de produções de estudiosas e estudiosos da Etnologia Indígena dos estudos e pesquisas sobre Currículos e a Lei 116452008 de estudos das Literaturas Indígenas1 inclusive por indígenas mas principalmente da minha relação de anos com as Literaturas Indígenas e com professoras e professores indígenas sobretudo com professores e criações Xakriabá Além disso orienta este artigo a compreensão de que as escolas não indígenas devem realizar atividades que observem o respeito aos direitos desses povos assegurados na Lei 116452008 nos artigos 210 e 235 da Constituição Federal de 1988 na Lei de Diretrizes e Bases da Educação LDB Lei 93941996 na Convenção 169 da OIT e na Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas Por sua vez a imprescindibilidade do trabalho com a literatura feita pelos próprios indígenas se dá porque é fundamental respeitar e defender os direitos dos povos indígenas bem como questionar a razão pela qual em muitos momentos os povos indígenas estiveram presentes na produção literária brasileira de maneira estereotipada seja como alvo depara conversão religiosa ou em narrativas que enunciavam esses povos como portadores de uma suposta identidade brasileira sobretudo pela literatura indianista2 ou por estarem presentes na literatura não indígena apenas como personagens de histórias narradas por escritores muitas vezes etnocêntricos e em uma lógica da colonialidade3 GROSFOGUEL Heiberle Hirsgberg HORÁCIO Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento indissociabilidade diversidade diferença Lei 116452008 e a educação territorializada Xakriabá 265 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 MALDONADOTORRES COSTABERNARDINO 2020 QUIJANO 2005 que retratou o indígena de forma estereotipada e reducionista Há atualmente uma importante ocupação dos espaços não indígenas pelas construções de obras de indígenas a qual que se efetiva em especial pela potência das narrativas indígenas que sempre existiram e foram continuamente pujantes embora apenas nos últimos anos os não indígenas venham tomando contato com elas não só com a Literatura Indígena mas também com o Cinema Indígena e outros tipos de criações4 Desse modo levando em consideração que uma das propostas para pensar a Literatura Indígena é observar as especificidades de cada povo este artigo estabelece um diálogo direto com trabalhos de indígenas Xakriabá XAKRIABÁ 1997 2005c 2018 FARIA SILVA 2020 que versam sobre seu Regime de Conhecimento seus processos educativos e educacionais e acerca das Artes Indígenas 2 LITERATURA INDÍGENA E POSSIBILIDADES NAS ESCOLAS Há muitas reflexões possíveis sobre a Literatura Indígena e a relação desta com os processos educacionais e educativos reflexões tão diversas que vão desde trabalhos como os de Cesarino 2012 p 75 o qual se dedica às transformações do conhecimento xamanístico dos Marubo povo falante de língua Pano do Vale do Javari AM em sua relação com a escrita até aqueles que tratam sobre pluralidade étnica e cultural nos Parâmetros Curriculares Nacionais PCN que falam sobre textualidades indígenas bem como a respeito das chamadas etnopoéticas5 THIÉL QUIRINO 2011 Há ainda trabalhos que levantam questões atinentes a relação entre literatura indígena e as novas formas literárias as questões sobre uma literatura oralritualística questões relacionadas à autoria se são produções individuais ou coletivas por exemplo discussões sobre o modo como não indígenas na universidade no mercado editorial nas escolas nos órgãos governamentais se relacionam com as literaturas indígenas sobre os equívocos de uma literatura indianista questões relacionadas às reificações e projeções produzidas pela universidade não indígena sobre a literatura indígena a relação entre literatura indígena e certo etnocentrismo da teoria literária questões sobre como as narrativas indígenas parecem participar de vários gêneros sem se fixar em nenhum deles SÁ 2012 além das questões que dizem respeito à literatura como Revista eCurriculum São Paulo v 20 n 1 p 262278 janmar 2022 eISSN 18093876 Programa de PósGraduação em Educação Currículo PUCSP httprevistaspucspbrindexphpcurriculum 266 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 elemento de resistência para a defesa dos direitos indígenas e como crítica do presente HORÁCIO 2021 p 3 Mesmo tomando em conta a grande importância de todas as diferentes reflexões supracitadas aquela relacionada à necessidade de pensar a Literatura Indígena indissociada dos Regimes de Conhecimento Indígena ganha neste texto especial relevo porque além de todas as reflexões sobre as questões anteriormente referidas ganharem maior rendimento ao serem consideradas em conjunto a compreensão da indissociabilidade supramencionada que é destacada por diferentes indígenas ainda precisa ser incorporada na mobilização dessa Literatura Indígena em escolas não indígenas Ademais o entendimento indicado busca sobretudo orientarse pelo respeito às construções dos povos indígenas BRITO SOUZA FILHO CÂNDIDO 2018 uma vez que essas produções são necessariamente elementos de resistência e críticas do presente DORRICO et al 2018 devendo assim ser compreendidas em sua integralidade Importa salientar que o necessário entendimento da indissociabilidade entre Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento Indígenas pode encontrar dificuldades de ser realizado em escolas permeadas por concepções monoepistêmicas FARIA SILVA 2020 A esse respeito vale mencionar uma das perguntas feitas pelo indígena Nei Leite Silva Xakriabá e pelo professor Tales Faria em um texto sobre os desafios metodológicos relacionados ao trabalho com as Artes Xakriabá nas escolas não indígenas como ensinar uma cultura de bases epistemológicas desconhecidas para a escola de tradição monoepistêmica FARIA SILVA 2020 p 553 Na esteira dessa questão os autores fizeram ainda significativa observação destacando que o estudo de culturas fundadas em axiologias epistemologias ontologias e metodologias de ensinoaprendizagem distintas das celebradas pela escola requer o desenvolvimento de metodologias de pesquisa e ensino adequados a elas FARIA SILVA 2020 p 560 A despeito do importantíssimo apontamento feito pelos autores acerca da necessária relação entre as epistemologias e os métodos e metodologias outro aspecto a ser considerado igualmente indicado na fala deles é quando se fala que requerse o desenvolvimento de metodologias de pesquisa e ensino adequados às culturas indígenas cabe perguntar adequados a quais culturas indígenas ou melhor à cultura de qual povo indígena FARIA SILVA 2020 p 561 Continuam os autores diante de universos epistemológicos e Heiberle Hirsgberg HORÁCIO Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento indissociabilidade diversidade diferença Lei 116452008 e a educação territorializada Xakriabá 267 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 axiológicos tão distintos entre si e diferentes acepções de arte cultura e educação é preciso definir um deles para engendrar diálogos e pesquisas e compreendêlo minimamente FARIA SILVA 2020 p 559 Concordo em diálogo com os autores tanto sobre a necessária relação entre epistemologias e metodologias quanto a respeito da imprescindibilidade de levar em conta as peculiaridades de universos tão distintos bem como de se atentar às especificidades de cada povo Pelos motivos supracitados considero que a indissociabilidade que deve ser observada entre Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento além do trabalho com a própria Literatura Indígena pode ser alternativa importante para melhores trabalhos nas escolas não indígenas Alternativa importante mesmo não sendo ela a rigor método ou metodologia porque no mínimo é uma tentativa que procura sobretudo respeitar a potência das produções desses povos indígenas importandose com o que Célia Xakriabá 2018 chama de raízes profundas Pondero que o aprofundamento e a necessidade do respeito à especificidade de cada povo assim como a observação da indissociabilidade entre Literatura e Regimes de conhecimento tendem a fazer com que haja uma potencialização da literatura que está sendo mobilizada evitando que ela seja tomada como simples peça de entretenimento descontextualizada ou elemento de instrumentalização simplificada Para pensar esse ponto vale refletir tendo pelo menos como inspiração a partir das palavras do antropólogo Bruce Albert que mesmo falando do fazer etnográfico e não do trabalho com literatura indígena foi responsável por colaborar para a construção de uma obra magnífica A queda do céu com o xamã yanomami David Kopenawa Bruce Albert pode servir de orientação quando ao escrever sobre os imperativos do fazer etnográfico menciona que ele deve fazer justiça de modo escrupuloso à imaginação conceitual dos anfitriões levar em conta com todo o rigor o contexto sociopolítico local e global com o qual a sua sociedade está confrontada e por fim manter um olhar crítico sobre o quadro da pesquisa etnográfica em si KOPENAWA ALBERT 2015 p 520 É relevante também mencionar as ponderações do antropólogo Viveiros de Castro 2018 sobre os imperativos destacados por Bruce Albert pois considero que as exigências colocadas por aquele são fundamentais e complementam as orientações de Albert para Revista eCurriculum São Paulo v 20 n 1 p 262278 janmar 2022 eISSN 18093876 Programa de PósGraduação em Educação Currículo PUCSP httprevistaspucspbrindexphpcurriculum 268 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 toda e qualquer atividade que envolva a causa e temática indígena Viveiros de Castro considera que os imperativos de Albert não são o bastante Como prossegue Albert o etnógrafo deve estar preparado para compreender que o objetivo principal dos seus interlocutores indígenas e o fundamento de sua cooperação é o de converter o pesquisador em um aliado político em seu representante diplomático ou intérprete junto à sociedade de onde ele provém invertendo assim tanto quanto possível os termos da troca desigual subjacente à relação etnográfica Os nativos aceitam se objetivar perante o observador estrangeiro na medida em que este aceite e esteja tecnicamente preparado para isso representálos adequadamente perante a sociedade que os acossa e assedia tal é o pacto etnográfico mediante o qual os sentidos político e científico da ideia de representação são levados por força pela força das coisas a coincidir VIVEIROS DE CASTRO 2015 p 31 Mesmo considerando que o trabalho com a Literatura Indígena na escola não é semelhante ao trabalho etnográfico pondero que as exigências dos etnólogos inclusive aquelas sobre o rigor na observação do contexto sociopolítico local e global o respeito e justiça à imaginação conceitual do povo indígena e o de ser aliado político são imprescindíveis como já mencionei para atividades relacionadas à causa e temática indígena e no caso específico do argumento deste artigo quando se procuram meios de efetivar a não dissociação entre Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento Indígena bem como efetuar o devido respeito às especificidades de cada povo e de sua literatura Ademais tais elementos supracitados em nada contradizem para que no trabalho com a Literatura Indígena buscando o respeito à potência dessa literatura nas escolas valorizem se os aspectos do modo de vida como o manejo do território as histórias de lutas reconhecimento dos mais velhos tudo isso fundamental aos povos indígenas XAKRIABÁ 2018 As observações referidas procuram também dialogar com o que mencionam os autores Nei Leite Silva Xakriabá e Faria 2020 quando tratam da arte Xakriabá Eles chamam a atenção por meio de questionamentos para a importância de considerar a operacionalização de conceitos fundamentais aos povos indígenas que envolvem sua arte Embora escrevam no trabalho específico aqui aludido sobre as moringas6 de barro feitas por Nei Xakriabá e não sobre a Literatura Indígena e a Lei 116452008 vale assinalar as questões colocadas por eles no mínimo a título de reflexão Heiberle Hirsgberg HORÁCIO Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento indissociabilidade diversidade diferença Lei 116452008 e a educação territorializada Xakriabá 269 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 É preciso perguntar como pensar o grafismo da moringa de Nei Xakriabá sem considerar a estética da pintura corporal do povo sem pensar a pintura corporal como desenho do espírito o costume das idas aos barreiros em consonância com as fases da Lua e da germinação dos brotos o manejo do território e a luta contra a sua invasão e destruição Como pensar a arte de Nei Xakriabá apartada da sua aprendizagem com os mais velhos da sua participação no manejo do território na manipulação do barro como parte da carne do território da observação do fazer da sua mãe FARIA SILVA 2020 p 575 Inspirado pelas questões supracitadas indicadas pelos autores sobre as moringas feitas por Nei Xakriabá nas páginas seguintes levanto apontamentos relacionados a uma narrativa Xakriabá da Onça Cabocla Iaiá para pensar como ela compõe um Regime de Conhecimento ou seja a epistemologia nativa Xakriabá HORÁCIO 2021 O intuito é pelo menos ressaltar a partir da experiência Xakriabá trazida a importância da compreensão da literatura dos indígenas indissociada de seus regimes de conhecimento desejando colaborar de alguma forma para que o professor ou professora que optar por mobilizar a Literatura Indígena ao realizar o estabelecido na Lei 116452008 façao de maneira integrada uma vez que a narrativa Xakriabá apresentada como referência assim como todas deve ser pensada na relação integrada com a concepção de território das lutas do povo e com a epistemologia nativa7 3 REGIME DE CONHECIMENTO NARRATIVA E CORPOTERRITÓRIO XAKRIABÁ Iaiá era uma vó ela era uma índia igual nós Ela saiu Ela e um irmão dela Aí quando ela chegô no mato ela tava com fome Aí ela disse pro irmão Ieu não come carne Ieu vou matar uma réis só vô bebê o sangue pruquê eu num come carne Aí ela falô Toma aqui esse cachimbo e fica cum ele Eu vou mata a réis e bebê o sangue e vô vim cum a boca aberta Aí ela cendeu o cachimbo e tirou três fumaçada e deu ele o cachimbo pra ele segurá e falô Quando ieu volta cum a boca aberta ucê põe o cachimbo na minha boca Aí quando ele viu ela como uma onça ele ficô cum medo e correu cum o cachimbo na mão Aí não deu tempo dela desencantar Aí ela continuou sendo onça encantada pro resto da vida Ela é a protetora dos índios xacriabá abaixo de Deus Seu Emílio liderança Xakriabá8 Revista eCurriculum São Paulo v 20 n 1 p 262278 janmar 2022 eISSN 18093876 Programa de PósGraduação em Educação Currículo PUCSP httprevistaspucspbrindexphpcurriculum 270 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 O povo indígena Xakriabá habita a Terra Indígena Xakriabá localizada no Alto Médio São Francisco à margem esquerda do rio entre os biomas da caatinga e do cerrado na microrregião do Vale do Peruaçu em São João das Missões MG SILVA 2014 A Terra Indígena Xakriabá possui aproximadamente 54000 hectares dos quais 47000 hectares foram homologados em 1988 e outra parte a Terra Indígena Rancharia de 6798 hectares foi homologada somente no ano de 2003 HORÁCIO 2018b São 11 mil indígenas Xakriabá que vivem nessa Terra XAKRIABÁ 2016 A Terra Indígena Xakriabá teve sua demarcação ainda incompleta e a homologação dessa demarcação somente depois de ter sofrido várias tentativas de invasões e atentados funestos como o denominado Curral de Varas que levou ao desaparecimento e morte de muitos Xakriabá SANTOS 1997 e após o genocídio sofrido por esse povo indígena em 12 de fevereiro de 1987 quando foram assassinados por invasores do território os indígenas Manoel Fiúza José Santana e o Cacique Rosalino liderança Xakriabá9 Sobre essa Terra Indígena menciono as palavras da indígena Xakriabá Dona Ercina Terra é Mãe XAKRIABÁ 2005b p 22 Cito também as ponderações do Sr Vicente pajé Xakriabá A Terra é mãe de todos nós HORÁCIO 2018b p 35 Essas falas são consoantes ao que escreveu a indígena Célia Xakriabá quem tem território tem mãe quem tem mãe tem colo quem tem colo tem lugar para onde voltar e quem tem para onde voltar tem cura10 Nesse sentido segundo o pesquisador Costa e Santos 2010 p 65 a Terra Indígena além de ser uma herança indivisa provedora da fartura e doada aos índios a terra tem uma dimensão cosmológica anterior e muito forte A Onça Cabocla e outros encantados possuem uma ligação imanente com a terra e muito da atuação dos chefes gerais passava pela relação com estes Há encantados o principal deles a Onça Cabocla Iaiá que constituem a Terra Indígena Xakriabá A Onça Cabocla é protetora dos Xakriabá e da Terra Indígena sendo ela parte da própria Terra Indígena bem como considerada um ancestral comum ou seja um antigo que se encantou e como alguns mencionam a avó de todos os Xakriabá HORÁCIO 2018b p 65 Nas palavras de Edgar Xakriabá 2019 p 122 é com ela que desde os troncos velhos11 os antigos pajés mantinham uma estreita relação por meio de negociações e auxílios que orientavam os processos de cura Heiberle Hirsgberg HORÁCIO Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento indissociabilidade diversidade diferença Lei 116452008 e a educação territorializada Xakriabá 271 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 Inclusive há na Terra Indígena Xakriabá para a comunicação com a Onça Cabocla Iaiá a realização em segredo de um conjunto ritual o Toré Nas palavras de Edgar Xakriabá 2019 p 98 uma das formas pelas quais os Xakriabá pensam o mundo do tempo dos antigos e o conectam ao tempo dagora está ligada ao ritual do Toré Assim O Toré é um conjunto ritual durante o qual se faz uso do tabaco e ingestão da jurema realizado no terreiro que é arrumado pelo cozinheiro que também prepara a jurema Os objetos utilizados no ritual chamados de tralhas são as tigelas as bebidas as vestimentas e o bastão O pajé possui função essencial no Toré organizando e sendo responsável pelo andamento do mesmo Além do pajé são componentes para o andamento do Toré a madrinha a mestra do terreiro que guarda as tralhas os raizeiros os benzedeiros e curandeiros HORÁCIO 2018a p 63 Portanto a existência de um ritual de comunicação com a Onça Cabocla Iaiá a relação que há entre a Onça Cabocla Iaiá e a Terra Indígena com os tronco véio com os acontecimentos políticoterritoriais e as ações do povo indígena Xakriabá pela Terra e com a Terra são elementos significativos para demonstrar que a narrativa relacionada à Onça Cabocla Iaiá que constitui a Literatura Xakriabá não deve ser mobilizada de modo indissociado descontextualizado ao ser apresentada para crianças jovens e adultos não indígenas Ademais as narrativas relacionadas à Onça Cabocla Iaiá e à Terra Indígena Xakriabá podem inclusive ser mais bem entendidas quando por exemplo observamse os potentes pensamentos de indígenas Xakriabá como os compartilhados por Célia Xakriabá sobre o que ela chama de Educação Territorializada a qual é um saber corporificado que para Célia Xakriabá está ancorado no território HORÁCIO 2021 e que nas palavras de Célia constitui a todos nós Xakriabá como corpoterritório XAKRIABÁ 2018 p65 Compartilha Célia Xakriabá 2018 p 80 que a Educação Territorializada Xakriabá é o movimentar da educação para outros espaços onde se constituem e se conecta a outros saberes por meio do deslocamento da mente e dos corpos para vivenciar experiência de aprendizado ancorada com a interação de acordo a dinâmica do território Tomando novamente as palavras de Célia Xakriabá 2018 p 80 nas quais os indígenas são territórios corporificados marcados pelas ancestralidades e que por isso a sociedade precisa considerar o território como um importante elemento que nos alimenta e Revista eCurriculum São Paulo v 20 n 1 p 262278 janmar 2022 eISSN 18093876 Programa de PósGraduação em Educação Currículo PUCSP httprevistaspucspbrindexphpcurriculum 272 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 constitui o nosso ser pessoa no mundo não sendo possível nos ver apartados do território pois somos também parte indissociável dele nosso próprio corpo Por conseguinte para reforçar a compreensão de que a Literatura Xakriabá não deve ser trabalhada na escola indissociada dos elementos que compõem o Regime de Conhecimento Xakriabá adiciono ao argumento referido o entendimento do corpo território compartilhado por Célia Xakriabá 2018 uma vez que ele faz parte de uma organicidade oriunda da relação umbilical estabelecida entre o povo indígena Xakriabá o território a Terra Indígena Xakriabá e as lutas estabelecidas por ela e a narrativa da Onça Cabocla Iaiá 4 CONCLUSÃO Nas linhas anteriores argumentei sobre a necessidade do trabalho com a própria Literatura Indígena não só em atividades relacionadas à observância da Lei 116452008 Assinalei principalmente a imprescindibilidade da compreensão e trabalho da Literatura Indígena indissociada dos Regimes de Conhecimento Indígenas Isso porque primeiramente é o que indicam os indígenas de acordo com diferentes manifestações que ouvi e li12 Além disso o trabalho com a própria Literatura Indígena em sua integralidade indissociada dos Regimes de Conhecimento deve servir para o questionamento de certa literatura indianista a qual como já fora indicado foi muitas vezes eurocêntrica e operou em uma lógica da colonialidade retratando por conseguinte o indígena de maneira estereotipada e reducionista Vale destacar a importante ocupação dos espaços não indígenas pela Literatura Indígena sobretudo pela potência das narrativas indígenas que sempre existiram e foram continuamente pujantes conquanto só nos últimos anos alguns lugares e pessoas tenham se permitido a tomar contato com elas em alguns casos em razão da obrigatoriedade da Lei 116452008 No entanto em determinados lugares nem com a obrigatoriedade estabelecida pela lei supracitada a temática indígena tem sido trabalhada uma vez que há pesquisas significativas que demonstram como diversas instituições de ensino não têm respeitado efetivamente a lei ou têm procurado estratagemas para burlála como instituições que lamentavelmente só trabalham com a temática no dia 19 de abril Heiberle Hirsgberg HORÁCIO Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento indissociabilidade diversidade diferença Lei 116452008 e a educação territorializada Xakriabá 273 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 A respeito da compreensão da indissociabilidade entre a Literatura Indígena e os Regimes de Conhecimento argumentei que ela é necessária porque em conjunto essa literatura é potencializada no sentido de que ela só pode ser entendida em sua integralidade se observada como constituinte e constituidora das epistemologias nativas XAKRIABÁ 2018 Além disso por serem elementos de resistência e críticas do presente o tratamento fragmentado e descontextualizado é um atentado a seu caráter político e consequentemente ao assim proceder a professora ou o professor deixa de ser um aliado político condição necessária para o trabalho com a causa e temática indígena Ressaltase que um aliado político é aquele ou aquela que observa a garantia do respeito aos direitos dos povos originários que são inquestionáveis e intocáveis como assegurado na Constituição Federal de 1988 na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas adotada pela Assembleia Geral da ONU em 2007 na LDB e na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho ratificada pelo Brasil em 2004 Importa ainda mencionar que para a efetivação do trabalho indissociado é preciso considerar a necessária relação entre as epistemologias e as metodologias o que passa pelos questionamentos aos modos de fazer das escolas não indígenas chamadas de monoepistêmicas pelos autores mobilizados neste texto FARIA SILVA 2020 Aqui saliento que a própria Literatura Indígena pode pela sua força contribuir para o questionamento dessa estrutura monoepistêmica pois as diferentes narrativas indígenas possuem em comum de acordo com pessoas que se relacionam há anos diretamente com elas uma multimodalidade discursiva THIÉL QUIRINO 2011 p 25 participam de diferentes gêneros sem se fixarem em nenhum deles SÁ 2012 p 111 e possuem caráter transdisciplinar que de acordo com a pesquisadora Almeida 2014 p 11 é uma possibilidade de literatura que não separa as vidas mas que trata ciência terra literatura juntas Há traços específicos da Literatura Indígena mas não só dela como sua oralidade que no caso do povo Xakriabá são as loas13 Sendo que loas é transmissão de saberes As Loas são até hoje uma forma de passar conhecimentos LOPES 2016 p 1819 segundo a pesquisadora Xakriabá Luzionira de Souza Lopes Observar a indissociabilidade ente Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento além de levar em conta os traços comuns supramencionados deve necessariamente considera as especificidades dos diferentes povos indígenas e as peculiaridades de seus Revista eCurriculum São Paulo v 20 n 1 p 262278 janmar 2022 eISSN 18093876 Programa de PósGraduação em Educação Currículo PUCSP httprevistaspucspbrindexphpcurriculum 274 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 diferentes multiversos porque respeitar essas especificidades colabora para que os não indígenas façam justiça de modo escrupuloso à imaginação conceitual dos indígenas bem como colabora para resguardar com rigor o contexto sociopolítico local e global dos povos KOPENAWA ALBERT 2015 p 520 com suas lutas e resistências embora isso não deva levar ao esquecimento da luta conjunta e comum desses povos e do respeito a seus direitos comuns como a demarcação das Terras Indígenas REFERÊNCIAS ALMEIDA Maria Inês de O caminho de um pensamento vivo e a estética orgânica a escola indígena a partir da experiência literária Patrimônio e Memória São Paulo v 10 n 2 p 1734 juldez 2014 Disponível em httpspemassisunespbrindexphppemarticleview464764 Acesso em 18 jun 2021 BRITO Tarsilla Couto de SOUZA FILHO Sinval Martins de CÂNDIDO Gláucia Vieira O avesso do direito à literatura por uma definição de literatura indígena Revista de Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea n 53 p 177197 janabr 2018 Disponível em httpswwwscielobrjelbcav8Mq5p4P6j9vRKVMXJ5WjPCformatpdflangpt Acesso em 18 jun 2021 CAIROU Jussara Outra História do Brasil Revista Conhecimento Prático Língua Portuguesa e Literatura impresso São Paulo ano 8 edição 86 p 4650 2021 CESARINO Pedro de Niemeyer A escrita e os corpos desenhados transformações do conhecimento xamanístico entre os Marubo Revista de Antropologia impresso São Paulo v 55 p 7588 2012 COSTA E SANTOS Rafael Barbi A cultura o segredo e o índio diferença e cosmologia entre os Xakriabá de São João das MissõesMG 2010 Dissertação Mestrado em Antropologia Social Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2010 CUNHA Manuela Carneiro da CESARINO Pedro de Niemeyer Org Políticas culturais e povos indígenas São Paulo Editora Unesp 2016 DORRICO Julie Eu sou Macuxi e outras histórias Belo Horizonte Caos e Letras 2019 DORRICO Julie DANNER Leno Francisco CORREIA Heloisa Helena Siqueira DANNER Fernando Org Literatura indígena brasileira contemporânea criação crítica e recepção Porto Alegre Editora Fi 2018 FARIA Tales Bedeschi SILVA Vanginei Leite Artes do povo Xakriabá e a escola monoepistêmica desafios metodológicos Revista GEARTE Porto Alegre v 7 n 3 p 553 580 setdez 2020 Disponível em httpseerufrgsbrgearte Acesso em 25 fev 2022 Heiberle Hirsgberg HORÁCIO Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento indissociabilidade diversidade diferença Lei 116452008 e a educação territorializada Xakriabá 275 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 GIMENO SACRISTÁN José org Saberes e incertezas sobre o currículo Porto Alegre Penso 2013 GROSFOGUEL Ramon MALDONADOTORRES Nelson COSTABERNARDINO Joaze Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico Belo Horizonte Autêntica 2020 HORÁCIO Heiberle Hirsgberg As narrativas do povo indígena Xakriabá sobre o encantado Onça Cabocla Iaiá Revista Relicário v 5 p 1928 2018a Disponível em httpsrevistarelicariomuseudeartesacrauberlandiacombrindexphprelicarioarticleview32 Acesso em 18 jun 2021 HORÁCIO Heiberle Hirsgberg Aspectos da religiosidade do Povo Indígena Xakriabá Revista Mundaú n 4 p 3051 2018b Disponível httpswwwseerufalbrindexphprevistamundauarticleview4222 Acesso em 18 jun 2021 HORÁCIO Heiberle Hirsgberg Apontamentos sobre a dinâmica da religiosidade do Povo Indígena Xakriabá a partir da relação afroindígena Numen Revista de Estudos e Pesquisa da Religião Juiz de Fora v 23 n 1 p 7186 janjun 2020 Disponível httpsperiodicosufjfbrindexphpnumenarticleview33139 Acesso em 18 jun 2021 HORÁCIO Heiberle Hirsgberg Narrativas e Regime de Conhecimento do povo Xakriabá no Sertão das Gerais e atravessamentos entre Educação Territorializada alternativas epistemológicas ecologias de saberes e ecologia política In DUARTE Sandra LUCAS Flávia C A Religião e ecologia Belém EDUEPA 2021 p 112132 KOPENAWA Davi ALBERT Bruce A queda do céu Palavras de um xamã yanomami São Paulo Companhia das Letras 2015 LÉVISTRAUSS Claude Le Cru e cuit Paris Plon 1964 LOPES Luzionira de Sousa Loas e versos Xakriabá tradição e oralidade 2016 Trabalho de Conclusão de Curso Licenciatura Faculdade de Educação Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2016 QUIJANO Aníbal Colonialidade do poder eurocentrismo e América Latina In LANDER Edgardo Org A colonialidade do saber eurocentrismo e ciências sociais Perspectivas Latinoamericanas Buenos Aires GLACSO 2005 p 227278 RIBEIRO Márden de Pádua Fim do sujeito Crítica aos extremos pósmodernos e pós estruturalistas da Teoria Curricular Revista Olhar de Professor v 20 n 2 p 171191 2017 Disponível em httpswwwredalycorgjatsRepo68468460124001htmlindexhtml Acesso em 18 jun 2021 SÁ Lúcia Literatura da floresta textos amazônicos e cultura latinoamericana Rio de Janeiro EdUERJ 2012 Revista eCurriculum São Paulo v 20 n 1 p 262278 janmar 2022 eISSN 18093876 Programa de PósGraduação em Educação Currículo PUCSP httprevistaspucspbrindexphpcurriculum 276 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 SANTOS Ana Flávia Moreira Do terreno dos caboclos do Sr São João à Terra indígena Xakriabá as circunstâncias da formação de um povo Um estudo sobre a construção social de fronteiras 1997 Dissertação Mestrado em Antropologia Universidade de Brasília Brasília 1997 SILVA Cássio Alexandre da A natureza de um território no sertão do Norte de Minas a ação terrotoriar dos Xakriabá 2014 Tese Doutorado em Geografia Universidade Federal de Uberlândia Uberlândia 2014 SILVA Tomaz Tadeu da Documentos de identidade uma introdução às teorias do currículo Belo Horizonte Autêntica 2010 SILVEIRA Elza da Sobre a literatura Xakriabá Belo Horizonte FALEUFMG 2005 THIÉL Janice Cristine QUIRINO Vanessa Ferreira dos Santos A literatura indígena na escola um caminho para a reflexão sobre a pluralidade cultural In X CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO EDUCERE Anais Curitiba 2011 Disponível em httpseducerebruccombrCD2011 Acesso em 15 jun 2021 TORRES SANTOMÉ Jurjo O currículum oculto Porto Porto Editora 1995 VIVEIROS DE CASTRO Eduardo Prefácio In KOPENAWA Davi ALBERT Bruce A queda do céu Palavras de um xamã yanomami São Paulo Companhia das Letras 2015 p1141 VIVEIROS DE CASTRO Eduardo Metafísicas canibais elementos para uma antropologia pósestrutural São Paulo Ubu Editora N1 edições 2018 XACRIABÁ Povo O tempo passa e a história fica Coordenação editorial Maria Inês de Almeida Belo Horizonte SEEDUCMG 1997 XACRIABÁ Povo Com os mais velhos Belo Horizonte FALEUFMG CGEEISECADMEC 2005a XACRIABÁ Povo Iaiá Cabocla Belo Horizonte FALEUFMG CGEEISECADMEC 2005b XAKRIABÁ Povo Revelando os conhecimentos Organização de Nelson Gomes de Oliveira e Geovana Paulo Santiago Belo Horizonte Cipó Voador 2005c XAKRIABÁ Célia Nunes Corrêa Tecendo história Xakriabá Manzuá impresso n 1 set p 2226 2016 XAKRIABÁ Célia Nunes Corrêa O barro o genipapo e o giz no fazer epistemológico 2018 Dissertação Mestrado Profissional em Sustentabilidade junto a Povos e Terras Tradicionais Universidade de Brasília Brasília 2018 Heiberle Hirsgberg HORÁCIO Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento indissociabilidade diversidade diferença Lei 116452008 e a educação territorializada Xakriabá 277 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 XAKRIABÁ Edgar Nunes Correa Kanaykõ Etnovisão o olhar indígena que atravessa a lente Dissertação Mestrado em Antropologia Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2019 XAKRIABÁ Nei Leite Manual de cerâmica Xakriabá Belo Horizonte Fino Traço 2017 NOTAS 1 Para o primeiro campoárea ver Viveiros de Castro 2018 Cunha e Cesarino 2012 Horácio 2018 Para o segundo campoárea ver Silva 2010 Ribeiro 2017 Gimeno Sacristán 2013 Torres Santomé 1995 Para o terceiro campoárea ver Sá 2012 Almeida 2014 Dorrico 2019 Silveira 2005 Xakriabá 2018 Thiél e Quirino 2011 Kopenawa e Albert 2015 Ver Brito Souza Filho Cândido 2018 2 O termo indianista referese mais especificamente à produção literária de escritores não índios de tradição ocidental do período romântico brasileiro período voltado para a construção de uma identidade nacional THIÉL QUIRINO 2011 p 33 3 Importa destacar a distinção entre que colonialismo colonialismo moderno e colonialidade destacam que colonialidade é uma lógica global de desumanização que é capaz de existir até mesmo na ausência de colônias formais Ao contrário do padrão e do conceito histórico ou puramente empírico do colonialismo colonialidade é uma lógica que está embutida na modernidade e decolonialidade é uma luta que busca alcançar não uma diferente modernidade mas alguma coisa maior que a modernidade GROSFOGUEL MALDONADOTORRES COSTABERNARDINO 2020 p 42 Quijano 2005 entre outros assinala a existência da colonialidade do poder colonialidade do saber e colonialidade do ser 4 Para um importante trabalho indígena sobre audiovisual ver a dissertação de Xakriabá 2019 5 Considerada extraocidental por estar à margem da poética de tradição europeia de ideologia dominante a produção literária indígena é geralmente associada à etnopoética denominação que não implica ser esta literatura precária ou menor pois todas as poéticas podem ser consideradas etnopoéticas já que concebidas e configuradas de acordo com perspectivas étnicas e normas próprias a cada cultura produtora de textualidade THIÉL QUIRINO 2011 p 25 6 De acordo com Xakriabá 2017 p 16 porungas é o modo que os antigos falavam ao se referir as botijas moringas e cabaças Há várias formas modelos de porungas as chamadas botijas moringas e cabaças A cabaça de barro tem a forma da cabaça nativa bom bojo pescoço com cintura A botija é mais baixa e arredondada A moringa é mais alta e com pescoço mais comprido 7 Não se trata aqui de fazer um exercício demonstrando como certa narrativa da Onça Cabocla Iaiá deve ser mobilizada nas escolas não indígenas tampouco é o caso de uma análise dessa mitologia LÉVISTRAUSS 1964 Tratase apenas de uma pequena tentativa de evidenciar o conjunto de elementos que compõem esta e qualquer narrativa indígena e da importância de esse conjunto ser levado em consideração evitando o trabalho com narrativas isoladas Ademais destaco que essas narrativas só foram trazidas porque disponibilizadas também em livros pelos próprios Xakriabá 8 Saliento que essas narrativas só foram trazidas porque foram disponibilizadas em livros pelos próprios indígenas uma vez que há narrativas Xakriabá que operam em segredo ou só dentro da Terra Indígena e essas nunca teriam sido trazidas 9 Nos anos de 2017 2018 30 e 31 anos respectivamente após o genocídio sofrido pelo povo Xakriabá e aproximadamente 10 anos depois de um evento articulado pelos missionários do Cimi intitulado Romaria dos Mártires Xakriabá 20 anos de luta e esperança16 ocorreram as Celebrações da Memória dos Mártires da Terra Indígena Xakriabá HORÁCIO 2018b 2020 A celebração de 2019 não ocorreu em virtude da morte de um indígena às vésperas do dia 12 de fevereiro e em 2020 não se realizou em razão da observância às medidas de prevenção à Covid19 10 Disponível em httpsecoaorgbrnocerradomulheresempenhadasnalutapeloterritorioesuas identidades 2textE2809CQuem20tem20territC3B3rio20tem20mC3A3e2C20tem20cura E2809D2C20afirma Acesso em 20 jan 2022 Revista eCurriculum São Paulo v 20 n 1 p 262278 janmar 2022 eISSN 18093876 Programa de PósGraduação em Educação Currículo PUCSP httprevistaspucspbrindexphpcurriculum 278 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 11 Os troncos velhos os antigos de onde vêm a ciência os saberes Xakriabá de onde se origina o fortalecimento ancestral XAKRIABÁ 2019 12 Conforme as obras e indicações que estão nas referências 13 As Loas são versos Sua particularidade está no sentido e no significado que elas ganham na cerimônia de casamento sendo falada em festas de casamento no Xakriabá A tradição oral apresenta um movimento constante em que suas expressões não ficam restritas a um único território existindo apropriações transcriações mas o entoar da palavra Xakriabá apresenta características próprias Pode se constatar que são nos escritos com rimas onde povo Xakriabá mais guarda elementos da tradição e da identidade XAKRIABÁ 2018 p 16 Recebido em 27062021 Aprovado em 11112021
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Revista eCurriculum São Paulo v 20 n 1 p 262278 janmar 2022 eISSN 18093876 Programa de PósGraduação em Educação Currículo PUCSP httprevistaspucspbrindexphpcurriculum 262 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento indissociabilidade diversidade diferença Lei 116452008 e a educação territorializada Xakriabá Heiberle Hirsgberg HORÁCIOi Resumo Este artigo objetiva apresentar a necessária compreensão da indissociabilidade entre Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento Indígena para a realização de atividades nas escolas não indígenas em observância à Lei 116452008 que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura AfroBrasileira e Indígena O problema que o orienta tem relação com certa concepção que mobiliza a Literatura Indígena de modo estanque e desconsiderando as dinâmicas próprias que as literaturas desses povos possuem negligenciando suas diversidades e as diferenças sobretudo com relação a determinadas literaturas não indígenas O artigo foi construído a partir de leituras de referências de diferentes áreas mas principalmente da relação do autor deste artigo com as literaturas e com professorases indígenas especialmente professores e obras Xakriabá Palavraschave literatura indígena educação Xakriabá diversidade Indigenous Literature and Knowledge Regimes indissociability diversity difference Law 116452008 and the territorialized education Xakriabá Abstract This article aims to present the necessary understanding of the indissociability between Indigenous Literature and Indigenous Knowledge Regimes for carrying out activities in nonindigenous schools in compliance with Law 116452008 which includes in the official curriculum of the education network the mandatory nature of the theme History and AfroBrazilian and Indigenous Culture The problem that guides it is related to a certain conception that mobilizes indigenous literature in a watertight way and disregarding the specific dynamics that the literatures of these peoples have neglecting their diversities and their differences especially with regard to certain nonindigenous literatures The article was built from readings of references from different areas but mainly from the relationship of the author of this article with indigenous literature and teachers especially Xakriabá teachers and works Keywords indigenous literature education Xakriabá diversity i Realizou PósDoutorado em Ciências Sociais UFJF Professor do Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Estadual de Montes Claros Unimontes Email conhecimentoindigenaoutlookcom ORCID iD httpsorcidorg0000000244861764 Heiberle Hirsgberg HORÁCIO Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento indissociabilidade diversidade diferença Lei 116452008 e a educação territorializada Xakriabá 263 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 Literatura Indígena y Regímenes de Conocimiento inseparabilidad diversidad diferencia Ley 116452008 y la educación territorializada Xakriabá Resumen Este artículo tiene como objetivo presentar la necesaria comprensión de la inseparabilidad entre Literatura Indígena y Regímenes de Conocimiento Indígena para la realización de actividades en las escuelas no indígenas en cumplimiento de la Ley 116452008 que incluye en el currículo oficial del sistema educativo la obligatoriedad del tema Historia y Cultura Afrobrasileña e Indígena El problema que lo orienta se relaciona con cierta concepción que moviliza la literatura indígena de manera estanca y desconoce la dinámica propia que tienen las literaturas de estos pueblos descuidando sus diversidades y diferencias especialmente en relación con ciertas literaturas no indígenas El artículo se construyó a partir de lecturas de referencias de diferentes áreas pero principalmente de la relación del autor de este artículo con las literaturas y con los maestros indígenas especialmente los maestros y obras Xakriabá Palabras clave literatura indígena educación Xakriabá diversidad 1 INTRODUÇÃO Ao adentrar no território acadêmico umas das minhas inquietações foi ver o conhecimento ser produzido de forma fragmentada Tudo se discute em seção com os recortes dos recortes Mas para nós Xakriabá no território e no movimento da vida não é assim que acontece já que os conhecimentos produzidos em torno destes elementos operam de maneira articulada XAKRIABÁ 2018 np Neste artigo argumento sobre a necessária compreensão da indissociabilidade entre Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento Indígena para a realização de atividades sobretudo a partir da literatura nas escolas não indígenas em observância à Lei 116452008 que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura AfroBrasileira e Indígena O problema que orienta este artigo tem relação com certas atividades e programas que trabalham com a Literatura Indígena de modo estanque e sem levar em conta as dinâmicas próprias que as literaturas desses povos possuem negligenciando assim suas diversidades e suas diferenças sobretudo diferenças com relação à determinada literatura não indígena desconsiderando também que as Literaturas Indígenas ésão constituintes e constituidoras dos Regimes de Conhecimento Indígena que são epistemologias nativas Revista eCurriculum São Paulo v 20 n 1 p 262278 janmar 2022 eISSN 18093876 Programa de PósGraduação em Educação Currículo PUCSP httprevistaspucspbrindexphpcurriculum 264 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 XAKRIABÁ 2018 Importa destacar que para trabalhar a literatura indígena na escola é preciso reconhecer a diferença entender que se trata de outra cultura e não tentar enquadrála nos nossos conceitos CAIROU 2021 Vale mencionar também a imprescindibilidade de considerar as especificidades dos diversos povos indígenas e as peculiaridades de seus diferentes multiversos até porque conforme ressalta sobre as sociedades indígenas a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha essas sociedades são diferentes das nossas e também diferentes entre si CUNHA CESARINO 2016 p 10 Além disso questionamentos sobre certas concepções monoepistêmicas dos currículos e das escolas FARIA SILVA 2020 certamente potencializariam as atividades em escolas não indígenas Ademais pelos fatores aludidos e pela necessidade de que as escolas trabalhem a temática indígena combatendo os estereótipos e as discriminações contra os indígenas o artigo aponta ainda a imprescindibilidade da mobilização da literatura feita pelos indígenas Os entendimentos supracitados nasceram não só da leitura de produções de estudiosas e estudiosos da Etnologia Indígena dos estudos e pesquisas sobre Currículos e a Lei 116452008 de estudos das Literaturas Indígenas1 inclusive por indígenas mas principalmente da minha relação de anos com as Literaturas Indígenas e com professoras e professores indígenas sobretudo com professores e criações Xakriabá Além disso orienta este artigo a compreensão de que as escolas não indígenas devem realizar atividades que observem o respeito aos direitos desses povos assegurados na Lei 116452008 nos artigos 210 e 235 da Constituição Federal de 1988 na Lei de Diretrizes e Bases da Educação LDB Lei 93941996 na Convenção 169 da OIT e na Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas Por sua vez a imprescindibilidade do trabalho com a literatura feita pelos próprios indígenas se dá porque é fundamental respeitar e defender os direitos dos povos indígenas bem como questionar a razão pela qual em muitos momentos os povos indígenas estiveram presentes na produção literária brasileira de maneira estereotipada seja como alvo depara conversão religiosa ou em narrativas que enunciavam esses povos como portadores de uma suposta identidade brasileira sobretudo pela literatura indianista2 ou por estarem presentes na literatura não indígena apenas como personagens de histórias narradas por escritores muitas vezes etnocêntricos e em uma lógica da colonialidade3 GROSFOGUEL Heiberle Hirsgberg HORÁCIO Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento indissociabilidade diversidade diferença Lei 116452008 e a educação territorializada Xakriabá 265 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 MALDONADOTORRES COSTABERNARDINO 2020 QUIJANO 2005 que retratou o indígena de forma estereotipada e reducionista Há atualmente uma importante ocupação dos espaços não indígenas pelas construções de obras de indígenas a qual que se efetiva em especial pela potência das narrativas indígenas que sempre existiram e foram continuamente pujantes embora apenas nos últimos anos os não indígenas venham tomando contato com elas não só com a Literatura Indígena mas também com o Cinema Indígena e outros tipos de criações4 Desse modo levando em consideração que uma das propostas para pensar a Literatura Indígena é observar as especificidades de cada povo este artigo estabelece um diálogo direto com trabalhos de indígenas Xakriabá XAKRIABÁ 1997 2005c 2018 FARIA SILVA 2020 que versam sobre seu Regime de Conhecimento seus processos educativos e educacionais e acerca das Artes Indígenas 2 LITERATURA INDÍGENA E POSSIBILIDADES NAS ESCOLAS Há muitas reflexões possíveis sobre a Literatura Indígena e a relação desta com os processos educacionais e educativos reflexões tão diversas que vão desde trabalhos como os de Cesarino 2012 p 75 o qual se dedica às transformações do conhecimento xamanístico dos Marubo povo falante de língua Pano do Vale do Javari AM em sua relação com a escrita até aqueles que tratam sobre pluralidade étnica e cultural nos Parâmetros Curriculares Nacionais PCN que falam sobre textualidades indígenas bem como a respeito das chamadas etnopoéticas5 THIÉL QUIRINO 2011 Há ainda trabalhos que levantam questões atinentes a relação entre literatura indígena e as novas formas literárias as questões sobre uma literatura oralritualística questões relacionadas à autoria se são produções individuais ou coletivas por exemplo discussões sobre o modo como não indígenas na universidade no mercado editorial nas escolas nos órgãos governamentais se relacionam com as literaturas indígenas sobre os equívocos de uma literatura indianista questões relacionadas às reificações e projeções produzidas pela universidade não indígena sobre a literatura indígena a relação entre literatura indígena e certo etnocentrismo da teoria literária questões sobre como as narrativas indígenas parecem participar de vários gêneros sem se fixar em nenhum deles SÁ 2012 além das questões que dizem respeito à literatura como Revista eCurriculum São Paulo v 20 n 1 p 262278 janmar 2022 eISSN 18093876 Programa de PósGraduação em Educação Currículo PUCSP httprevistaspucspbrindexphpcurriculum 266 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 elemento de resistência para a defesa dos direitos indígenas e como crítica do presente HORÁCIO 2021 p 3 Mesmo tomando em conta a grande importância de todas as diferentes reflexões supracitadas aquela relacionada à necessidade de pensar a Literatura Indígena indissociada dos Regimes de Conhecimento Indígena ganha neste texto especial relevo porque além de todas as reflexões sobre as questões anteriormente referidas ganharem maior rendimento ao serem consideradas em conjunto a compreensão da indissociabilidade supramencionada que é destacada por diferentes indígenas ainda precisa ser incorporada na mobilização dessa Literatura Indígena em escolas não indígenas Ademais o entendimento indicado busca sobretudo orientarse pelo respeito às construções dos povos indígenas BRITO SOUZA FILHO CÂNDIDO 2018 uma vez que essas produções são necessariamente elementos de resistência e críticas do presente DORRICO et al 2018 devendo assim ser compreendidas em sua integralidade Importa salientar que o necessário entendimento da indissociabilidade entre Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento Indígenas pode encontrar dificuldades de ser realizado em escolas permeadas por concepções monoepistêmicas FARIA SILVA 2020 A esse respeito vale mencionar uma das perguntas feitas pelo indígena Nei Leite Silva Xakriabá e pelo professor Tales Faria em um texto sobre os desafios metodológicos relacionados ao trabalho com as Artes Xakriabá nas escolas não indígenas como ensinar uma cultura de bases epistemológicas desconhecidas para a escola de tradição monoepistêmica FARIA SILVA 2020 p 553 Na esteira dessa questão os autores fizeram ainda significativa observação destacando que o estudo de culturas fundadas em axiologias epistemologias ontologias e metodologias de ensinoaprendizagem distintas das celebradas pela escola requer o desenvolvimento de metodologias de pesquisa e ensino adequados a elas FARIA SILVA 2020 p 560 A despeito do importantíssimo apontamento feito pelos autores acerca da necessária relação entre as epistemologias e os métodos e metodologias outro aspecto a ser considerado igualmente indicado na fala deles é quando se fala que requerse o desenvolvimento de metodologias de pesquisa e ensino adequados às culturas indígenas cabe perguntar adequados a quais culturas indígenas ou melhor à cultura de qual povo indígena FARIA SILVA 2020 p 561 Continuam os autores diante de universos epistemológicos e Heiberle Hirsgberg HORÁCIO Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento indissociabilidade diversidade diferença Lei 116452008 e a educação territorializada Xakriabá 267 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 axiológicos tão distintos entre si e diferentes acepções de arte cultura e educação é preciso definir um deles para engendrar diálogos e pesquisas e compreendêlo minimamente FARIA SILVA 2020 p 559 Concordo em diálogo com os autores tanto sobre a necessária relação entre epistemologias e metodologias quanto a respeito da imprescindibilidade de levar em conta as peculiaridades de universos tão distintos bem como de se atentar às especificidades de cada povo Pelos motivos supracitados considero que a indissociabilidade que deve ser observada entre Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento além do trabalho com a própria Literatura Indígena pode ser alternativa importante para melhores trabalhos nas escolas não indígenas Alternativa importante mesmo não sendo ela a rigor método ou metodologia porque no mínimo é uma tentativa que procura sobretudo respeitar a potência das produções desses povos indígenas importandose com o que Célia Xakriabá 2018 chama de raízes profundas Pondero que o aprofundamento e a necessidade do respeito à especificidade de cada povo assim como a observação da indissociabilidade entre Literatura e Regimes de conhecimento tendem a fazer com que haja uma potencialização da literatura que está sendo mobilizada evitando que ela seja tomada como simples peça de entretenimento descontextualizada ou elemento de instrumentalização simplificada Para pensar esse ponto vale refletir tendo pelo menos como inspiração a partir das palavras do antropólogo Bruce Albert que mesmo falando do fazer etnográfico e não do trabalho com literatura indígena foi responsável por colaborar para a construção de uma obra magnífica A queda do céu com o xamã yanomami David Kopenawa Bruce Albert pode servir de orientação quando ao escrever sobre os imperativos do fazer etnográfico menciona que ele deve fazer justiça de modo escrupuloso à imaginação conceitual dos anfitriões levar em conta com todo o rigor o contexto sociopolítico local e global com o qual a sua sociedade está confrontada e por fim manter um olhar crítico sobre o quadro da pesquisa etnográfica em si KOPENAWA ALBERT 2015 p 520 É relevante também mencionar as ponderações do antropólogo Viveiros de Castro 2018 sobre os imperativos destacados por Bruce Albert pois considero que as exigências colocadas por aquele são fundamentais e complementam as orientações de Albert para Revista eCurriculum São Paulo v 20 n 1 p 262278 janmar 2022 eISSN 18093876 Programa de PósGraduação em Educação Currículo PUCSP httprevistaspucspbrindexphpcurriculum 268 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 toda e qualquer atividade que envolva a causa e temática indígena Viveiros de Castro considera que os imperativos de Albert não são o bastante Como prossegue Albert o etnógrafo deve estar preparado para compreender que o objetivo principal dos seus interlocutores indígenas e o fundamento de sua cooperação é o de converter o pesquisador em um aliado político em seu representante diplomático ou intérprete junto à sociedade de onde ele provém invertendo assim tanto quanto possível os termos da troca desigual subjacente à relação etnográfica Os nativos aceitam se objetivar perante o observador estrangeiro na medida em que este aceite e esteja tecnicamente preparado para isso representálos adequadamente perante a sociedade que os acossa e assedia tal é o pacto etnográfico mediante o qual os sentidos político e científico da ideia de representação são levados por força pela força das coisas a coincidir VIVEIROS DE CASTRO 2015 p 31 Mesmo considerando que o trabalho com a Literatura Indígena na escola não é semelhante ao trabalho etnográfico pondero que as exigências dos etnólogos inclusive aquelas sobre o rigor na observação do contexto sociopolítico local e global o respeito e justiça à imaginação conceitual do povo indígena e o de ser aliado político são imprescindíveis como já mencionei para atividades relacionadas à causa e temática indígena e no caso específico do argumento deste artigo quando se procuram meios de efetivar a não dissociação entre Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento Indígena bem como efetuar o devido respeito às especificidades de cada povo e de sua literatura Ademais tais elementos supracitados em nada contradizem para que no trabalho com a Literatura Indígena buscando o respeito à potência dessa literatura nas escolas valorizem se os aspectos do modo de vida como o manejo do território as histórias de lutas reconhecimento dos mais velhos tudo isso fundamental aos povos indígenas XAKRIABÁ 2018 As observações referidas procuram também dialogar com o que mencionam os autores Nei Leite Silva Xakriabá e Faria 2020 quando tratam da arte Xakriabá Eles chamam a atenção por meio de questionamentos para a importância de considerar a operacionalização de conceitos fundamentais aos povos indígenas que envolvem sua arte Embora escrevam no trabalho específico aqui aludido sobre as moringas6 de barro feitas por Nei Xakriabá e não sobre a Literatura Indígena e a Lei 116452008 vale assinalar as questões colocadas por eles no mínimo a título de reflexão Heiberle Hirsgberg HORÁCIO Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento indissociabilidade diversidade diferença Lei 116452008 e a educação territorializada Xakriabá 269 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 É preciso perguntar como pensar o grafismo da moringa de Nei Xakriabá sem considerar a estética da pintura corporal do povo sem pensar a pintura corporal como desenho do espírito o costume das idas aos barreiros em consonância com as fases da Lua e da germinação dos brotos o manejo do território e a luta contra a sua invasão e destruição Como pensar a arte de Nei Xakriabá apartada da sua aprendizagem com os mais velhos da sua participação no manejo do território na manipulação do barro como parte da carne do território da observação do fazer da sua mãe FARIA SILVA 2020 p 575 Inspirado pelas questões supracitadas indicadas pelos autores sobre as moringas feitas por Nei Xakriabá nas páginas seguintes levanto apontamentos relacionados a uma narrativa Xakriabá da Onça Cabocla Iaiá para pensar como ela compõe um Regime de Conhecimento ou seja a epistemologia nativa Xakriabá HORÁCIO 2021 O intuito é pelo menos ressaltar a partir da experiência Xakriabá trazida a importância da compreensão da literatura dos indígenas indissociada de seus regimes de conhecimento desejando colaborar de alguma forma para que o professor ou professora que optar por mobilizar a Literatura Indígena ao realizar o estabelecido na Lei 116452008 façao de maneira integrada uma vez que a narrativa Xakriabá apresentada como referência assim como todas deve ser pensada na relação integrada com a concepção de território das lutas do povo e com a epistemologia nativa7 3 REGIME DE CONHECIMENTO NARRATIVA E CORPOTERRITÓRIO XAKRIABÁ Iaiá era uma vó ela era uma índia igual nós Ela saiu Ela e um irmão dela Aí quando ela chegô no mato ela tava com fome Aí ela disse pro irmão Ieu não come carne Ieu vou matar uma réis só vô bebê o sangue pruquê eu num come carne Aí ela falô Toma aqui esse cachimbo e fica cum ele Eu vou mata a réis e bebê o sangue e vô vim cum a boca aberta Aí ela cendeu o cachimbo e tirou três fumaçada e deu ele o cachimbo pra ele segurá e falô Quando ieu volta cum a boca aberta ucê põe o cachimbo na minha boca Aí quando ele viu ela como uma onça ele ficô cum medo e correu cum o cachimbo na mão Aí não deu tempo dela desencantar Aí ela continuou sendo onça encantada pro resto da vida Ela é a protetora dos índios xacriabá abaixo de Deus Seu Emílio liderança Xakriabá8 Revista eCurriculum São Paulo v 20 n 1 p 262278 janmar 2022 eISSN 18093876 Programa de PósGraduação em Educação Currículo PUCSP httprevistaspucspbrindexphpcurriculum 270 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 O povo indígena Xakriabá habita a Terra Indígena Xakriabá localizada no Alto Médio São Francisco à margem esquerda do rio entre os biomas da caatinga e do cerrado na microrregião do Vale do Peruaçu em São João das Missões MG SILVA 2014 A Terra Indígena Xakriabá possui aproximadamente 54000 hectares dos quais 47000 hectares foram homologados em 1988 e outra parte a Terra Indígena Rancharia de 6798 hectares foi homologada somente no ano de 2003 HORÁCIO 2018b São 11 mil indígenas Xakriabá que vivem nessa Terra XAKRIABÁ 2016 A Terra Indígena Xakriabá teve sua demarcação ainda incompleta e a homologação dessa demarcação somente depois de ter sofrido várias tentativas de invasões e atentados funestos como o denominado Curral de Varas que levou ao desaparecimento e morte de muitos Xakriabá SANTOS 1997 e após o genocídio sofrido por esse povo indígena em 12 de fevereiro de 1987 quando foram assassinados por invasores do território os indígenas Manoel Fiúza José Santana e o Cacique Rosalino liderança Xakriabá9 Sobre essa Terra Indígena menciono as palavras da indígena Xakriabá Dona Ercina Terra é Mãe XAKRIABÁ 2005b p 22 Cito também as ponderações do Sr Vicente pajé Xakriabá A Terra é mãe de todos nós HORÁCIO 2018b p 35 Essas falas são consoantes ao que escreveu a indígena Célia Xakriabá quem tem território tem mãe quem tem mãe tem colo quem tem colo tem lugar para onde voltar e quem tem para onde voltar tem cura10 Nesse sentido segundo o pesquisador Costa e Santos 2010 p 65 a Terra Indígena além de ser uma herança indivisa provedora da fartura e doada aos índios a terra tem uma dimensão cosmológica anterior e muito forte A Onça Cabocla e outros encantados possuem uma ligação imanente com a terra e muito da atuação dos chefes gerais passava pela relação com estes Há encantados o principal deles a Onça Cabocla Iaiá que constituem a Terra Indígena Xakriabá A Onça Cabocla é protetora dos Xakriabá e da Terra Indígena sendo ela parte da própria Terra Indígena bem como considerada um ancestral comum ou seja um antigo que se encantou e como alguns mencionam a avó de todos os Xakriabá HORÁCIO 2018b p 65 Nas palavras de Edgar Xakriabá 2019 p 122 é com ela que desde os troncos velhos11 os antigos pajés mantinham uma estreita relação por meio de negociações e auxílios que orientavam os processos de cura Heiberle Hirsgberg HORÁCIO Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento indissociabilidade diversidade diferença Lei 116452008 e a educação territorializada Xakriabá 271 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 Inclusive há na Terra Indígena Xakriabá para a comunicação com a Onça Cabocla Iaiá a realização em segredo de um conjunto ritual o Toré Nas palavras de Edgar Xakriabá 2019 p 98 uma das formas pelas quais os Xakriabá pensam o mundo do tempo dos antigos e o conectam ao tempo dagora está ligada ao ritual do Toré Assim O Toré é um conjunto ritual durante o qual se faz uso do tabaco e ingestão da jurema realizado no terreiro que é arrumado pelo cozinheiro que também prepara a jurema Os objetos utilizados no ritual chamados de tralhas são as tigelas as bebidas as vestimentas e o bastão O pajé possui função essencial no Toré organizando e sendo responsável pelo andamento do mesmo Além do pajé são componentes para o andamento do Toré a madrinha a mestra do terreiro que guarda as tralhas os raizeiros os benzedeiros e curandeiros HORÁCIO 2018a p 63 Portanto a existência de um ritual de comunicação com a Onça Cabocla Iaiá a relação que há entre a Onça Cabocla Iaiá e a Terra Indígena com os tronco véio com os acontecimentos políticoterritoriais e as ações do povo indígena Xakriabá pela Terra e com a Terra são elementos significativos para demonstrar que a narrativa relacionada à Onça Cabocla Iaiá que constitui a Literatura Xakriabá não deve ser mobilizada de modo indissociado descontextualizado ao ser apresentada para crianças jovens e adultos não indígenas Ademais as narrativas relacionadas à Onça Cabocla Iaiá e à Terra Indígena Xakriabá podem inclusive ser mais bem entendidas quando por exemplo observamse os potentes pensamentos de indígenas Xakriabá como os compartilhados por Célia Xakriabá sobre o que ela chama de Educação Territorializada a qual é um saber corporificado que para Célia Xakriabá está ancorado no território HORÁCIO 2021 e que nas palavras de Célia constitui a todos nós Xakriabá como corpoterritório XAKRIABÁ 2018 p65 Compartilha Célia Xakriabá 2018 p 80 que a Educação Territorializada Xakriabá é o movimentar da educação para outros espaços onde se constituem e se conecta a outros saberes por meio do deslocamento da mente e dos corpos para vivenciar experiência de aprendizado ancorada com a interação de acordo a dinâmica do território Tomando novamente as palavras de Célia Xakriabá 2018 p 80 nas quais os indígenas são territórios corporificados marcados pelas ancestralidades e que por isso a sociedade precisa considerar o território como um importante elemento que nos alimenta e Revista eCurriculum São Paulo v 20 n 1 p 262278 janmar 2022 eISSN 18093876 Programa de PósGraduação em Educação Currículo PUCSP httprevistaspucspbrindexphpcurriculum 272 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 constitui o nosso ser pessoa no mundo não sendo possível nos ver apartados do território pois somos também parte indissociável dele nosso próprio corpo Por conseguinte para reforçar a compreensão de que a Literatura Xakriabá não deve ser trabalhada na escola indissociada dos elementos que compõem o Regime de Conhecimento Xakriabá adiciono ao argumento referido o entendimento do corpo território compartilhado por Célia Xakriabá 2018 uma vez que ele faz parte de uma organicidade oriunda da relação umbilical estabelecida entre o povo indígena Xakriabá o território a Terra Indígena Xakriabá e as lutas estabelecidas por ela e a narrativa da Onça Cabocla Iaiá 4 CONCLUSÃO Nas linhas anteriores argumentei sobre a necessidade do trabalho com a própria Literatura Indígena não só em atividades relacionadas à observância da Lei 116452008 Assinalei principalmente a imprescindibilidade da compreensão e trabalho da Literatura Indígena indissociada dos Regimes de Conhecimento Indígenas Isso porque primeiramente é o que indicam os indígenas de acordo com diferentes manifestações que ouvi e li12 Além disso o trabalho com a própria Literatura Indígena em sua integralidade indissociada dos Regimes de Conhecimento deve servir para o questionamento de certa literatura indianista a qual como já fora indicado foi muitas vezes eurocêntrica e operou em uma lógica da colonialidade retratando por conseguinte o indígena de maneira estereotipada e reducionista Vale destacar a importante ocupação dos espaços não indígenas pela Literatura Indígena sobretudo pela potência das narrativas indígenas que sempre existiram e foram continuamente pujantes conquanto só nos últimos anos alguns lugares e pessoas tenham se permitido a tomar contato com elas em alguns casos em razão da obrigatoriedade da Lei 116452008 No entanto em determinados lugares nem com a obrigatoriedade estabelecida pela lei supracitada a temática indígena tem sido trabalhada uma vez que há pesquisas significativas que demonstram como diversas instituições de ensino não têm respeitado efetivamente a lei ou têm procurado estratagemas para burlála como instituições que lamentavelmente só trabalham com a temática no dia 19 de abril Heiberle Hirsgberg HORÁCIO Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento indissociabilidade diversidade diferença Lei 116452008 e a educação territorializada Xakriabá 273 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 A respeito da compreensão da indissociabilidade entre a Literatura Indígena e os Regimes de Conhecimento argumentei que ela é necessária porque em conjunto essa literatura é potencializada no sentido de que ela só pode ser entendida em sua integralidade se observada como constituinte e constituidora das epistemologias nativas XAKRIABÁ 2018 Além disso por serem elementos de resistência e críticas do presente o tratamento fragmentado e descontextualizado é um atentado a seu caráter político e consequentemente ao assim proceder a professora ou o professor deixa de ser um aliado político condição necessária para o trabalho com a causa e temática indígena Ressaltase que um aliado político é aquele ou aquela que observa a garantia do respeito aos direitos dos povos originários que são inquestionáveis e intocáveis como assegurado na Constituição Federal de 1988 na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas adotada pela Assembleia Geral da ONU em 2007 na LDB e na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho ratificada pelo Brasil em 2004 Importa ainda mencionar que para a efetivação do trabalho indissociado é preciso considerar a necessária relação entre as epistemologias e as metodologias o que passa pelos questionamentos aos modos de fazer das escolas não indígenas chamadas de monoepistêmicas pelos autores mobilizados neste texto FARIA SILVA 2020 Aqui saliento que a própria Literatura Indígena pode pela sua força contribuir para o questionamento dessa estrutura monoepistêmica pois as diferentes narrativas indígenas possuem em comum de acordo com pessoas que se relacionam há anos diretamente com elas uma multimodalidade discursiva THIÉL QUIRINO 2011 p 25 participam de diferentes gêneros sem se fixarem em nenhum deles SÁ 2012 p 111 e possuem caráter transdisciplinar que de acordo com a pesquisadora Almeida 2014 p 11 é uma possibilidade de literatura que não separa as vidas mas que trata ciência terra literatura juntas Há traços específicos da Literatura Indígena mas não só dela como sua oralidade que no caso do povo Xakriabá são as loas13 Sendo que loas é transmissão de saberes As Loas são até hoje uma forma de passar conhecimentos LOPES 2016 p 1819 segundo a pesquisadora Xakriabá Luzionira de Souza Lopes Observar a indissociabilidade ente Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento além de levar em conta os traços comuns supramencionados deve necessariamente considera as especificidades dos diferentes povos indígenas e as peculiaridades de seus Revista eCurriculum São Paulo v 20 n 1 p 262278 janmar 2022 eISSN 18093876 Programa de PósGraduação em Educação Currículo PUCSP httprevistaspucspbrindexphpcurriculum 274 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 diferentes multiversos porque respeitar essas especificidades colabora para que os não indígenas façam justiça de modo escrupuloso à imaginação conceitual dos indígenas bem como colabora para resguardar com rigor o contexto sociopolítico local e global dos povos KOPENAWA ALBERT 2015 p 520 com suas lutas e resistências embora isso não deva levar ao esquecimento da luta conjunta e comum desses povos e do respeito a seus direitos comuns como a demarcação das Terras Indígenas REFERÊNCIAS ALMEIDA Maria Inês de O caminho de um pensamento vivo e a estética orgânica a escola indígena a partir da experiência literária Patrimônio e Memória São Paulo v 10 n 2 p 1734 juldez 2014 Disponível em httpspemassisunespbrindexphppemarticleview464764 Acesso em 18 jun 2021 BRITO Tarsilla Couto de SOUZA FILHO Sinval Martins de CÂNDIDO Gláucia Vieira O avesso do direito à literatura por uma definição de literatura indígena Revista de Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea n 53 p 177197 janabr 2018 Disponível em httpswwwscielobrjelbcav8Mq5p4P6j9vRKVMXJ5WjPCformatpdflangpt Acesso em 18 jun 2021 CAIROU Jussara Outra História do Brasil Revista Conhecimento Prático Língua Portuguesa e Literatura impresso São Paulo ano 8 edição 86 p 4650 2021 CESARINO Pedro de Niemeyer A escrita e os corpos desenhados transformações do conhecimento xamanístico entre os Marubo Revista de Antropologia impresso São Paulo v 55 p 7588 2012 COSTA E SANTOS Rafael Barbi A cultura o segredo e o índio diferença e cosmologia entre os Xakriabá de São João das MissõesMG 2010 Dissertação Mestrado em Antropologia Social Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2010 CUNHA Manuela Carneiro da CESARINO Pedro de Niemeyer Org Políticas culturais e povos indígenas São Paulo Editora Unesp 2016 DORRICO Julie Eu sou Macuxi e outras histórias Belo Horizonte Caos e Letras 2019 DORRICO Julie DANNER Leno Francisco CORREIA Heloisa Helena Siqueira DANNER Fernando Org Literatura indígena brasileira contemporânea criação crítica e recepção Porto Alegre Editora Fi 2018 FARIA Tales Bedeschi SILVA Vanginei Leite Artes do povo Xakriabá e a escola monoepistêmica desafios metodológicos Revista GEARTE Porto Alegre v 7 n 3 p 553 580 setdez 2020 Disponível em httpseerufrgsbrgearte Acesso em 25 fev 2022 Heiberle Hirsgberg HORÁCIO Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento indissociabilidade diversidade diferença Lei 116452008 e a educação territorializada Xakriabá 275 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 GIMENO SACRISTÁN José org Saberes e incertezas sobre o currículo Porto Alegre Penso 2013 GROSFOGUEL Ramon MALDONADOTORRES Nelson COSTABERNARDINO Joaze Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico Belo Horizonte Autêntica 2020 HORÁCIO Heiberle Hirsgberg As narrativas do povo indígena Xakriabá sobre o encantado Onça Cabocla Iaiá Revista Relicário v 5 p 1928 2018a Disponível em httpsrevistarelicariomuseudeartesacrauberlandiacombrindexphprelicarioarticleview32 Acesso em 18 jun 2021 HORÁCIO Heiberle Hirsgberg Aspectos da religiosidade do Povo Indígena Xakriabá Revista Mundaú n 4 p 3051 2018b Disponível httpswwwseerufalbrindexphprevistamundauarticleview4222 Acesso em 18 jun 2021 HORÁCIO Heiberle Hirsgberg Apontamentos sobre a dinâmica da religiosidade do Povo Indígena Xakriabá a partir da relação afroindígena Numen Revista de Estudos e Pesquisa da Religião Juiz de Fora v 23 n 1 p 7186 janjun 2020 Disponível httpsperiodicosufjfbrindexphpnumenarticleview33139 Acesso em 18 jun 2021 HORÁCIO Heiberle Hirsgberg Narrativas e Regime de Conhecimento do povo Xakriabá no Sertão das Gerais e atravessamentos entre Educação Territorializada alternativas epistemológicas ecologias de saberes e ecologia política In DUARTE Sandra LUCAS Flávia C A Religião e ecologia Belém EDUEPA 2021 p 112132 KOPENAWA Davi ALBERT Bruce A queda do céu Palavras de um xamã yanomami São Paulo Companhia das Letras 2015 LÉVISTRAUSS Claude Le Cru e cuit Paris Plon 1964 LOPES Luzionira de Sousa Loas e versos Xakriabá tradição e oralidade 2016 Trabalho de Conclusão de Curso Licenciatura Faculdade de Educação Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2016 QUIJANO Aníbal Colonialidade do poder eurocentrismo e América Latina In LANDER Edgardo Org A colonialidade do saber eurocentrismo e ciências sociais Perspectivas Latinoamericanas Buenos Aires GLACSO 2005 p 227278 RIBEIRO Márden de Pádua Fim do sujeito Crítica aos extremos pósmodernos e pós estruturalistas da Teoria Curricular Revista Olhar de Professor v 20 n 2 p 171191 2017 Disponível em httpswwwredalycorgjatsRepo68468460124001htmlindexhtml Acesso em 18 jun 2021 SÁ Lúcia Literatura da floresta textos amazônicos e cultura latinoamericana Rio de Janeiro EdUERJ 2012 Revista eCurriculum São Paulo v 20 n 1 p 262278 janmar 2022 eISSN 18093876 Programa de PósGraduação em Educação Currículo PUCSP httprevistaspucspbrindexphpcurriculum 276 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 SANTOS Ana Flávia Moreira Do terreno dos caboclos do Sr São João à Terra indígena Xakriabá as circunstâncias da formação de um povo Um estudo sobre a construção social de fronteiras 1997 Dissertação Mestrado em Antropologia Universidade de Brasília Brasília 1997 SILVA Cássio Alexandre da A natureza de um território no sertão do Norte de Minas a ação terrotoriar dos Xakriabá 2014 Tese Doutorado em Geografia Universidade Federal de Uberlândia Uberlândia 2014 SILVA Tomaz Tadeu da Documentos de identidade uma introdução às teorias do currículo Belo Horizonte Autêntica 2010 SILVEIRA Elza da Sobre a literatura Xakriabá Belo Horizonte FALEUFMG 2005 THIÉL Janice Cristine QUIRINO Vanessa Ferreira dos Santos A literatura indígena na escola um caminho para a reflexão sobre a pluralidade cultural In X CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO EDUCERE Anais Curitiba 2011 Disponível em httpseducerebruccombrCD2011 Acesso em 15 jun 2021 TORRES SANTOMÉ Jurjo O currículum oculto Porto Porto Editora 1995 VIVEIROS DE CASTRO Eduardo Prefácio In KOPENAWA Davi ALBERT Bruce A queda do céu Palavras de um xamã yanomami São Paulo Companhia das Letras 2015 p1141 VIVEIROS DE CASTRO Eduardo Metafísicas canibais elementos para uma antropologia pósestrutural São Paulo Ubu Editora N1 edições 2018 XACRIABÁ Povo O tempo passa e a história fica Coordenação editorial Maria Inês de Almeida Belo Horizonte SEEDUCMG 1997 XACRIABÁ Povo Com os mais velhos Belo Horizonte FALEUFMG CGEEISECADMEC 2005a XACRIABÁ Povo Iaiá Cabocla Belo Horizonte FALEUFMG CGEEISECADMEC 2005b XAKRIABÁ Povo Revelando os conhecimentos Organização de Nelson Gomes de Oliveira e Geovana Paulo Santiago Belo Horizonte Cipó Voador 2005c XAKRIABÁ Célia Nunes Corrêa Tecendo história Xakriabá Manzuá impresso n 1 set p 2226 2016 XAKRIABÁ Célia Nunes Corrêa O barro o genipapo e o giz no fazer epistemológico 2018 Dissertação Mestrado Profissional em Sustentabilidade junto a Povos e Terras Tradicionais Universidade de Brasília Brasília 2018 Heiberle Hirsgberg HORÁCIO Literatura Indígena e Regimes de Conhecimento indissociabilidade diversidade diferença Lei 116452008 e a educação territorializada Xakriabá 277 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 XAKRIABÁ Edgar Nunes Correa Kanaykõ Etnovisão o olhar indígena que atravessa a lente Dissertação Mestrado em Antropologia Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2019 XAKRIABÁ Nei Leite Manual de cerâmica Xakriabá Belo Horizonte Fino Traço 2017 NOTAS 1 Para o primeiro campoárea ver Viveiros de Castro 2018 Cunha e Cesarino 2012 Horácio 2018 Para o segundo campoárea ver Silva 2010 Ribeiro 2017 Gimeno Sacristán 2013 Torres Santomé 1995 Para o terceiro campoárea ver Sá 2012 Almeida 2014 Dorrico 2019 Silveira 2005 Xakriabá 2018 Thiél e Quirino 2011 Kopenawa e Albert 2015 Ver Brito Souza Filho Cândido 2018 2 O termo indianista referese mais especificamente à produção literária de escritores não índios de tradição ocidental do período romântico brasileiro período voltado para a construção de uma identidade nacional THIÉL QUIRINO 2011 p 33 3 Importa destacar a distinção entre que colonialismo colonialismo moderno e colonialidade destacam que colonialidade é uma lógica global de desumanização que é capaz de existir até mesmo na ausência de colônias formais Ao contrário do padrão e do conceito histórico ou puramente empírico do colonialismo colonialidade é uma lógica que está embutida na modernidade e decolonialidade é uma luta que busca alcançar não uma diferente modernidade mas alguma coisa maior que a modernidade GROSFOGUEL MALDONADOTORRES COSTABERNARDINO 2020 p 42 Quijano 2005 entre outros assinala a existência da colonialidade do poder colonialidade do saber e colonialidade do ser 4 Para um importante trabalho indígena sobre audiovisual ver a dissertação de Xakriabá 2019 5 Considerada extraocidental por estar à margem da poética de tradição europeia de ideologia dominante a produção literária indígena é geralmente associada à etnopoética denominação que não implica ser esta literatura precária ou menor pois todas as poéticas podem ser consideradas etnopoéticas já que concebidas e configuradas de acordo com perspectivas étnicas e normas próprias a cada cultura produtora de textualidade THIÉL QUIRINO 2011 p 25 6 De acordo com Xakriabá 2017 p 16 porungas é o modo que os antigos falavam ao se referir as botijas moringas e cabaças Há várias formas modelos de porungas as chamadas botijas moringas e cabaças A cabaça de barro tem a forma da cabaça nativa bom bojo pescoço com cintura A botija é mais baixa e arredondada A moringa é mais alta e com pescoço mais comprido 7 Não se trata aqui de fazer um exercício demonstrando como certa narrativa da Onça Cabocla Iaiá deve ser mobilizada nas escolas não indígenas tampouco é o caso de uma análise dessa mitologia LÉVISTRAUSS 1964 Tratase apenas de uma pequena tentativa de evidenciar o conjunto de elementos que compõem esta e qualquer narrativa indígena e da importância de esse conjunto ser levado em consideração evitando o trabalho com narrativas isoladas Ademais destaco que essas narrativas só foram trazidas porque disponibilizadas também em livros pelos próprios Xakriabá 8 Saliento que essas narrativas só foram trazidas porque foram disponibilizadas em livros pelos próprios indígenas uma vez que há narrativas Xakriabá que operam em segredo ou só dentro da Terra Indígena e essas nunca teriam sido trazidas 9 Nos anos de 2017 2018 30 e 31 anos respectivamente após o genocídio sofrido pelo povo Xakriabá e aproximadamente 10 anos depois de um evento articulado pelos missionários do Cimi intitulado Romaria dos Mártires Xakriabá 20 anos de luta e esperança16 ocorreram as Celebrações da Memória dos Mártires da Terra Indígena Xakriabá HORÁCIO 2018b 2020 A celebração de 2019 não ocorreu em virtude da morte de um indígena às vésperas do dia 12 de fevereiro e em 2020 não se realizou em razão da observância às medidas de prevenção à Covid19 10 Disponível em httpsecoaorgbrnocerradomulheresempenhadasnalutapeloterritorioesuas identidades 2textE2809CQuem20tem20territC3B3rio20tem20mC3A3e2C20tem20cura E2809D2C20afirma Acesso em 20 jan 2022 Revista eCurriculum São Paulo v 20 n 1 p 262278 janmar 2022 eISSN 18093876 Programa de PósGraduação em Educação Currículo PUCSP httprevistaspucspbrindexphpcurriculum 278 DOI httpdxdoiorg1023925180938762022v20i1p262278 11 Os troncos velhos os antigos de onde vêm a ciência os saberes Xakriabá de onde se origina o fortalecimento ancestral XAKRIABÁ 2019 12 Conforme as obras e indicações que estão nas referências 13 As Loas são versos Sua particularidade está no sentido e no significado que elas ganham na cerimônia de casamento sendo falada em festas de casamento no Xakriabá A tradição oral apresenta um movimento constante em que suas expressões não ficam restritas a um único território existindo apropriações transcriações mas o entoar da palavra Xakriabá apresenta características próprias Pode se constatar que são nos escritos com rimas onde povo Xakriabá mais guarda elementos da tradição e da identidade XAKRIABÁ 2018 p 16 Recebido em 27062021 Aprovado em 11112021