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1 O Adolescente em Conflito com a Lei e o Debate sobre a Redução da Maioridade Penal esclarecimentos necessários Enid Rocha Andrade da Silva Raissa Menezes de Oliveira Brasília junho de 2015 Nº 20 2 O Adolescente em conflito com a Lei e o debate sobre a Redução da Maioridade Penal esclarecimentos necessários Enid Rocha Andrade Silva1 Raissa Menezes de Oliveira2 1 INTRODUÇÃO Por ocasião da divulgação dos crimes considerados hediondos que envolvem adolescentes é comum o acirramento do debate sobre a redução da maioridade penal O reaparecimento dessa questão de tempo em tempos é pautado em matérias veiculadas na grande mídia e ganham tons alarmistas aumentando o medo e a sensação de insegurança Por se tratar de medida com forte impacto na vida de milhares de adolescentes e suas famílias a redução da maioridade penal requer maiores reflexões e discussões pautadas em dados e informações inequívocas capazes de retratar a real dimensão do envolvimento de adolescentes em delitos de alta gravidade Não menos importante é a necessidade de esclarecer a sociedade sobre os dispositivos e sanções existentes no sistema brasileiro de justiça juvenil para os adolescentes que cometem atos infracionais Existem diversas propostas para a modificação da legislação a respeito da maioridade penal seja para diminuir de forma direta abaixando a idade seja de forma indireta aumentando o tempo de internação3 Tais projetos vêm ganhando força atualmente em um contexto em que parte da população se mostra indignada com a impunidade com a violência e parece perder a confiança nas instituições de justiça Esse fenômeno que pode ser descrito sociologicamente como uma forte onda de 1 Técnica de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais DISOCIPEA Economista Mestre em Economia e Doutora em Ciências Sociais pela Unicamp 2 Pesquisadora do Subprograma de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional PNDP na DISOCIPEA Mestre em Sociologia pela UNB 3 Além da PEC 1711993 reaberta no início deste ano outras propostas recentes são o anteprojeto de novo Código Penal PLS 2362012 onde a redução da maioridade penal proposta não foi aceita por tratarse de cláusula pétrea Ainda em tramitação Proposta de emenda constitucional 332012 do senador Aloysio Nunes Ferreira PSDBSP propõe redução da idade penal para 16 anos quando for reincidente ou quando cometer um ato correspondente a crime hediondo tráfico de drogas terrorismo e tortura Proposta de emenda constitucional 742011 senador Acir Gurgacz PDTRO propõe a diminuição da imputabilidade para 15 anos nos casos de homicídio doloso e roubo seguido de morte alegando o aumento do discernimento dos adolescentes nos dias atuais Proposta de emenda constitucional 832011 senador Clésio Andrade PMDBMG propõe a maioridade a partir dos 16 anos afirmando que a pessoa capaz de exercer todos seus direitos civis também deve ser penalmente imputável Projeto de Decreto Legislativo 5392012 do senador Ivo Cassol PPRO sugere a realização de um plebiscito sobre a diminuição da maioridade penal para 16 Projeto de Lei 3462011 da deputada Andreia Zito PSDBRJ aumenta a duração da internação para até oito anos 3 intolerância moral ao crime não é algo singular da sociedade brasileira Tratase de um aspecto muito estudado por especialistas da área em todo o mundo Tonry 20064 sociólogo americano mostra que em diversos países do ocidente o crime ordinário geralmente é visto como produto de desvantagens pessoais ou falha e desorganização social Porém este autor mostra que nos EUA surgiam de tempos em tempos ondas de intolerância que fortaleciam o entendimento de que a causa do crime está ou no indivíduo que os criminosos são pessoas más ou nas leis que não são suficientemente severas Essas impressões fundamentavam a modificação na legislação penal e nas políticas de segurança pública Atualmente o Brasil vive uma situação análoga O autor argumenta ainda que o crescimento da ansiedade pública e do pânico social sobre o tema da violência geralmente não é acompanhado da elevação real dos números de crime mas tornase uma questão de jogo político onde governos e parlamentares buscam apresentar respostas rápidas e incisivas para conter a insatisfação pública Assim Tonry 2006 demonstra que em décadas recentes o controle do crime tem sido o centro das discussões dentro dos governos mas que as políticas não têm sido formuladas baseandose em conhecimento e sim em discursos retóricas e na confusão da utilização dos conceitos de opinião pública e de julgamento público Ainda segundo o autor a vulnerabilidade da classe média diante da crise econômica promove maior receptividade aos apelos populistas o que torna a onda de intolerância mais forte No ano de 2015 foi aprovado na Câmara dos Deputados um projeto de lei que modifica as penas para os assassinatos cometidos contra agentes públicos de segurança e seus familiares e para a lesão corporal cometida contra policiais tipificando esses crimes como hediondos5Ao mesmo tempo o projeto6 que torna ilegal o auto de resistência medida administrativa criada durante a Ditadura Militar perde força Como se vê as discussões em torno da redução da maioridade penal não é um tema isolado Faz parte de um fenômeno moral de tolerância zero ao crime composto por sentimentos fortes de revolta punição vingança e pelo apelo à maior repressão 4TONRY Micheal H Thinking about crime sense and Sensibility in American Penal Culture Oxford Oxford University Press 2006 ISBN 9780195304909 5PL 313108 do Senado 6 Projeto de Lei 447112 que prevê a investigação de qualquer morte violenta envolvendo forças policiais 4 policial Não por acaso é acompanhado pelo aumento dos casos de linchamentos7 quando pessoas civis decidem praticar a justiça com as próprias mãos Nesses momentos aparecem soluções desvirtuadas da ideia de justiça A defesa da redução da maioridade penal possui algumas características em comum com as acima colocadas é baseada na crença de que a repressão e a punição são os melhores caminhos para lidar com os conflitos e escorada na tese de que a legislação atual deve ser mudada pois estimula a prática de crimes Parecem soluções fáceis para lidar com o problema da violência mas surtem o efeito oposto ou seja aumentam a violência principalmente quando se leva em conta as condições atuais dos espaços das prisões brasileiras Esta Nota Técnica tem a pretensão de cumprir um duplo objetivo O primeiro é o de chamar atenção para alguns aspectos da desigualdade social e de renda que cercam a vida de milhares de jovens adolescentes brasileiros que vivem nas periferias das grandes cidades do país São adolescentes que apesar da tenra idade estudam e trabalham Há os que já abandonaram precocemente a escola e só trabalham nos mercados informais sem nenhuma proteção social E ainda há os que não estudam e não trabalham O segundo objetivo é trazer à baila questões importantes para a discussão em pauta da redução da maioridade penal como por exemplo Quem são Quantos são os jovens adolescentes infratores Quais são os principais delitos cometidos por esses adolescentes À quais sanções estão sujeitos os adolescentes que cometem ato infracional Onde cumprem as medidas socioeducativas de privação de liberdade Qual é a situação das instituições de execução das medidas de privação de liberdade ao adolescente em conflito com a lei no Brasil Como estão sendo aplicadas as medidas socioeducativas em meio aberto Para a concretização do primeiro objetivo de realizar um diagnóstico sobre a situação dos jovens adolescentes no país de 12 a 17 anos esta Nota Técnica lançou 7Segundo dados do Núcleo de Estudos da Violência da USP os casos registrados de linchamento vinham caindo no Brasil desde 2000 passando de 59 para 9 em 2006 último ano monitorado pelo grupo Em 2014 o site de notícias G1 divulga uma reportagem especial com os 50 casos de linchamentos ocorridos até julho daquele ano httpg1globocompoliticadiasde intoleranciaplatbinicio O sociólogo José de Souza Martins que documenta esses casos no país há mais de 20 anos disse em entrevista em fevereiro ao jornal Folha de S Paulo que atualmente há uma média de um linchamento por dia no Brasil Segundo o sociólogo uma ligeira intensificação de ocorrências aconteceu nos últimos tempos httpjornalismospespmbrpluralaumentodoscasosde linchamentobrasilpreocupaespecialistas Vide ainda os recentes casos de infratores amarrados a postes que deixam claro que a violência está sendo usada como uma das soluções para a criminalidade 5 mão de indicadores elaborados com base nos micro dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE PNAD para o ano de 2013 Na consecução do segundo objetivo é necessário esclarecer que existem poucos dados sistematizados disponíveis As informações existentes são fragmentadas oriundas de fontes diversas e na maior parte desatualizadas Por essa razão nesse tópico as discussões serão realizadas com base em dados de pesquisas e de informações já divulgados anteriormente pelo IPEA e por outras instituições de referência 2 Quem são os Adolescentes Brasileiros algumas características No Brasil o Estatuto da Criança e do Adolescente ECA considera adolescência a faixa etária dos 12 até os 18 anos de idade incompletos Em outras áreas do conhecimento como a psicologia é usual definir a adolescência como um momento crucial da vida de um indivíduo quando ocorre a perda definitiva da condição de criança que implica na finalização de um processo de desprendimento que começou no nascimento Aberastury 2008 p18 Outro importante psiquiatra e estudioso da área da infância e da adolescência Levisky 1995 p 15 prefere se utilizar do termo revolução em sua definição sobre adolescência Para esse autor adolescência é um processo que ocorre durante o desenvolvimento evolutivo da pessoa humana caracterizado por uma revolução biopsicossocial Por sua vez a literatura médica sobre adolescência foca sua atenção principalmente nas mudanças provocadas pela puberdade com destaque para a aceleração e desaceleração do crescimento físico mudança da composição corporal eclosão hormonal e evolução da maturação sexual Brasil 20078 Apesar das diferentes definições é certo que a adolescência é um período que merece atenção e cuidado em vista das mudanças riscos e oportunidades que encerra A própria Constituição Brasileira em seu artigo 227 reconhece o conjunto de responsabilidades da família do Estado e da sociedade coma infância e a adolescência da seguinte forma É dever da família da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente com absoluta prioridade o direito à vida à saúde à alimentação à educação ao lazer à profissionalização à cultura à dignidade ao respeito à 8 Brasil Ministério da Saúde Secretaria de Atenção à Saúde Área de Saúde do Adolescente e do Jovem Marco legal saúde um direito de adolescentes Ministério da Saúde Secretaria de Atenção à Saúde Área de Saúde do Adolescente e do Jovem Brasília Editora do Ministério da Saúde 2007 60 p il Série A Normas e Manuais Técnicos ISBN 8533408560 6 liberdade e à convivência familiar e comunitária além de colocálos a salvo de toda forma de negligência discriminação exploração violência crueldade e opressão Para muitos jovens adolescentes do país esses direitos estão longe de serem alcançados A despeito dos avanços conquistados na última década na redução das desigualdades sociais na ampliação da escolaridade no aumento do número de empregos gerados para os jovens há ainda inúmeros fatores limitantes que se interpõem ao desenvolvimento pleno da população de 15 a 17 anos Apontar as fragilidades sociais de renda escola e trabalho de parte significativa dos adolescentes brasileiros no contexto da discussão da redução da maioridade penal é importante para evidenciar o tamanho da dívida social do Estado e da Sociedade com esses meninos e meninas Será mostrado mais adiante neste estudo que os adolescentes em conflito com a lei padecem de vulnerabilidades semelhantes às fragilidades sociais de parte da adolescência brasileira Ou seja quando cometeram o delito tinham em torno de 16 anos não haviam concluído o ensino fundamental não estudavam e não trabalhavam SILVA Enid Rocha GUERESI Simone 2003 Assim é impossível não questionar sobre o que teriam sido os jovens infratores de hoje se tivessem tido acesso à proteção integral de seus direitos conforme garantidos na Constituição Federal e no ECA 21 Juventude brasileira avanços recentes conquistados A última década no Brasil assistiu a expressivos avanços na ampliação do acesso aos direitos sociais com destaque para a educação visando preparar os jovens para a entrada na vida adulta e promover no tempo certo a inserção qualificada no mercado de trabalho Entre 1992 e 2013 a proporção de jovens brasileiros com idade de 15 a 17 anos que frequentavam a escola se elevou de 597 para 844 De 2004 a 2013 o percentual de jovens dessa mesma faixa etária que frequentava o ensino médio aumentou de 442 para 552 De acordo com dados do Ministério da Educação entre 2011 e 2014 foram realizadas mais de oito milhões de matrículas entre cursos técnicos e de formação inicial e continuada por meio do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego Pronatec Em relação ao ensino superior público e privado no período de 2001 a 2013 a taxa de frequência líquida registrou um aumento expressivo de 89 para 165 7 Grande parte desses avanços é consequência direta de programas sociais de alcance nacional voltados para o público jovem como o PRONATEC o Programa Nacional de Inclusão de Jovens Projovem Urbano o Programa Universidade para Todos ProUni o Programa Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil PETI entre outros A despeito das conquistas recentes há ainda inúmeros fatores limitantes que se interpõem ao desenvolvimento pleno da população de 15 a 29 anos A redução da maioridade penal é uma medida que não responde aos desafios da juventude brasileira Assim para essa discussão apontar as fragilidades sociais de renda escola e trabalho que ainda persistem para parte significativa dos adolescentes brasileiros 22 Jovens adolescentes características demográficas Os adolescentes brasileiros de 12 a 18 anos incompletos totalizavam em 2013 211 milhões o que correspondia a 11 da população brasileira e encontravamse distribuídos em todas as regiões do país A região Sudeste concentrava a maior proporção dos adolescentes 387 seguida pela região Nordeste com 304 Posteriormente seguem as regiões Sul com 133 a Norte 102 e a CentroOeste 74 Conforme se observa pelas informações contidas na Tabela 1 entre os adolescentes dessa faixa etária predomina certa igualdade na proporção por sexo que em 2013 era de 5119 de homens e 4881 de mulheres No quesito raçacor 589 dos adolescentes de 12 a 17 anos se autodeclararam negros pretos e pardos 404 se autodeclararam brancos e menos de 1 se declarou de outras raças amarela ou indígena Mais de 80 da população de 12 a 17 anos viviam em domicílios situados em áreas urbanas na proporção de quase cinco adolescentes para apenas um vivendo em residências situadas em áreas rurais As informações sobre a escolaridade dos jovens adolescentes brasileiros mostram que há uma grande defasagem entre a idade e o grau de escolaridade atingido principalmente entre aqueles entre e 15 e 17 anos que deveriam estar cursando o ensino médio ou já têlo concluído Em 2013 cerca de um terço dos adolescentes de 15 a 17 anos ainda não havia terminado o ensino fundamental e menos de 2 132 haviam concluído o ensino médio Na faixa etária de 12 a 14 anos que corresponde aos últimos anos do ensino fundamental os dados mostraram que a 8 imensa maioria 933 tinha o fundamental incompleto e apenas 347 haviam completado esse nível de ensino 22 Estudo e Trabalho Apesar de a adolescência ser um período onde se considera que a atividade mais importante seja o estudo em detrimento do trabalho os dados da PNAD 2013 revelam que o Brasil tem ainda enormes desafios para garantir que todos os jovens adolescentes estejam estudando e concluindo a escolaridade básica Conforme apontam os dados contidos na Tabela 2 em 2013 dos 106 milhões de jovens de 15 a 17 anos mais de 10 milhão não estudavam e nem trabalhavam9 5842 mil só trabalhavam e não estudavam e aproximadamente 18 milhão conciliavam as atividades de estudo e trabalho Entre os jovens não estudam não trabalham e não procuraram emprego na semana de referência da pesquisa observamse as características típicas de exclusão social do país a maior parte é da raça negra 6487 58 são mulheres e a imensa 9 Não estudavam e estavam fora da população economicamente ativa PEA 9 maioria 835 é pobre e vive em famílias com renda per capta inferior a um salário mínimo Os jovens adolescentes que já estão fora da escola e só trabalham apresentam perfil semelhante a dos adolescentes acima destacados com a diferença de que nesse grupo os homens são a maior parte e representam 7065 enquanto que as mulheres são menos de um terço 2935 Os adolescentes que só trabalham também são na maior parte negros 6146 e pobres 6368 O perfil de exclusão também se repete entre os adolescentes que necessitam conciliar trabalho e estudo esses são na maioria do sexo masculino 6075 negros 598 e pobres 6303 Tabela 2 Características selecionadas só estuda estuda e trabalha só trabalha Nem estuda Nem trabalha brancos 4215 3948 3784 3449 negros 5716 5980 6146 6487 outras raças 070 071 070 064 Total 100 100 100 100 homem 4816 6075 7065 4188 mulher 5184 3925 2935 5812 Total 100 100 100 100 vivem em famílias com renda familiar per capta inferior a 1 SM 6711 6303 6568 8350 vivem em famílias com renda familiar per capta de 1 a 2 SM 1792 2481 2348 914 vivem em famílias com renda familiar per capta superior a dois salários mínimos 985 634 490 317 Sem declaração de rendimento 512 583 593 419 Total 100 100 100 100 Total números absolutos 7210636 1763990 584228 1083489 Fonte IBGEPNAD ElaboraçãoIPEADISOC Tabela 2 Distribuição percentual de jovens adolescentes de 15 a 17 anos de idade por tipo de atividade em 2013 A Tabela 3 apresenta as características sociais dos jovens adolescentes de 15 a 17 anos que já trabalham No Brasil o trabalho é proibido para menores de 14 anos e desta idade até os 15 anos o trabalho só é permitido na condição de aprendiz Entre os 16 e 17 anos o trabalho é liberado desde que não comprometa a atividade escolar e que não ocorra em condições insalubres e com jornada noturna 10 Como se nota os dados contidos na Tabela 3 apontam que 858 dos adolescentes de 15 anos que trabalham ganham menos de um salário mínimo e mais de 60 dos jovens de 15 a 17 anos sequer chegam a auferir um salário mínimo por mês A imensa maioria exerce atividade laboral na informalidade sem qualquer proteção social Quanto à escolaridade dos adolescentes que trabalham 90 daqueles com 15 anos não concluíram o ensino fundamental e 694 dos jovens de 16 a 17 anos também não completaram esse nível de ensino Praticamente todos os jovens adolescentes de 15 a 17 anos que trabalham 100 e 99 vivem em famílias muito pobres Porém de acordo com estudos sobre o tema atualmente as motivações do trabalho na faixa etária da adolescência não estão apenas relacionadas à pobreza mas também à necessidade de ter acesso a bens de consumo que são valorizados socialmente como roupas e tênis de marca e aparelhos celulares por exemplo10 22 Vitimização e Acesso à Justiça por parte da população de 15 a 17 anos Em suplemento especial da PNAD 2009 identificouse que 16 do universo de pessoas entrevistadas já haviam sofrido algum tipo de agressão física Entre os jovens adolescentes 12 a 17 anos essa proporção sobe para 19 Desses cerca de 10httpreporterbrasilorgbrtrabalhoinfantilbrasilenfrentanovafasedocombateaotrabalhoinfantil 11 60 eram negros e 40 eram brancos Do total dos adolescentes agredidos 28 dos brancos e 40 dos negros tiveram como agressor um policial ou um agente de segurança privada As agressões físicas contra os adolescentes cometidas por parentes alcançaram a proporção de 726 É de se notar no entanto que mais da metade das agressões sofridas por jovens adolescentes foram cometidas por pessoas conhecidas 5678 Do total dos jovens 4057 mil que sofreram agressão física em 2009 cerca de 14 mil não reportaram a última agressão sofrida na delegacia de polícia Os dados da Tabela 4 mostram que os motivos elencados guardam uma assimetria racial marcada principalmente pela maior importância concedida pelos adolescentes negros em relação aos brancos às citações como medo à represália e não queria envolver a polícia Entre os adolescentes negros que não registraram a agressão à polícia os principais motivos citados os quais juntos somam mais de 80 foram os seguintes i não queria envolver a polícia 1398 ii não era importante 1612 iii medo de represália 229 e iv a polícia não quis fazer o registro 2779 Já para os adolescentes brancos foram dois os principais motivos citados ia polícia não quis fazer o registro 3176 e ii não acreditava na polícia 3396 Tabela 4 Motivo de pessoas de 12 a 17 anos não terem feito o registro da última agressão física na delegacia de polícia segundo sexo e cor ou raça 2009 Brancos Negros 1182 686 1612 3396 428 1398 1090 2290 3176 2779 736 419 807 10000 10000 Fonte IBGEPNAD 2009 ElaboraçãoIPEADISOC Motivos Total Motivo de pessoas de 12 a 17 anos não terem feito o registro da última agressão física na delegacia de polícia segundo sexo e cor ou raça 2009 Outro Falta de provas Não era importante não acreditava na polícia não queria envolver a policia Medo de represália A polícia não quis fazer o registro Resolveu sozinho Segundo o Mapa da Violência de 2013 os homicídios são a principal causa de morte no Brasil e atingem especialmente jovens negros do sexo masculino moradores de periferia e áreas metropolitanas dos centros urbanos Para Novaes 2014 esta situação produz uma discriminação por endereço ao dizer onde moram os jovens 12 das favelas e periferias brasileiras são estigmatizados e para eles se fecham portas de oportunidades Em outras palavras a criminalização por territórios acarreta a morte de jovens que se tornam vítimas de ações policiais de combate ao uso de drogas e ao tráfico e de disputas entre facções criminosas11 Embora possa parecer o contrário a vulnerabilidade dos jovens às mortes por armas de fogo é maior hoje do que na década de 80 No conjunto da população o crescimento da mortalidade por armas de fogo foi de 3465 já para os jovens foi de 414 Segundo a estimativa do Mapa da Violência o Brasil é o país com maior número de homicídios por amas de fogo no mundo e além do grave fato de a população jovem ser a mais vitimada também há uma forte seleção racial morrem 133 mais negros do que brancos WAISELFISZ 2013 Em 2012 dados do IHA 2014 mostraram que em 34 dos municípios brasileiros as chances de um adolescente do sexo masculino ser assassinado são mais que dez vezes a de uma menina Enfim são os jovens os que mais sofrem as consequências do fracasso do atual sistema de controle de drogas e de legislação que realmente inibe a proliferação de armas de fogo A média de investigação de homicídios no Brasil é de apenas 5 a 812 É assim que a frequente vitimização dos jovens negros e a cultura da impunidade podem estar na raiz dos motivos que fazem com que esses jovens não procurem a polícia ao sofrerem agressão física As informações sobre a situação de escola e trabalho e vitimização analisadas nos parágrafos anteriores evidenciam que o caminho para combater a violência e a criminalidade entre os jovens deveria ser a promoção dos direitos fundamentais como o direito à vida e dos direitos sociais preconizados na Constituição e no ECA de educação profissionalização saúde esporte cultura lazer e viver em família Entretanto o grave problema da situação de desproteção social em que se encontra parcela expressiva dos adolescentes brasileiros fica secundarizado diante da prioridade concedida pelo Congresso Nacional de tramitação de uma Proposta de Emenda à Constituição PEC 1711993 que prevê a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos 11Texto divulgado na página httpinteressenacionaluolcombrindexphpedicoesrevistamalestar medoemortesentrejovensdasfavelaseperiferias 12Observatório de Favelas e Unicef índice de homicídios na adolescência 20102011 13 Estimativas do UNICEF Brasil com base em dados do levantamento SINASE 2012 e da PNADIBGE 2012 destacaram que dos 21 milhões de adolescentes que vivem no Brasil menos de meio por cento 0013 cometeu atos contra a vida isto é cumpriam medidas socioeducativas de privação de liberdade por atos análogos a homicídio latrocínio estupro e lesão corporal Apesar de alguns adolescentes estarem cometendo atos reprováveis a maioria das informações disponíveis dão conta de que um conjunto expressivo dos jovens estão desprotegidos das políticas públicas e dos direitos sociais básicos e são ainda vítimas de violência e não autores conforme grande parte da sociedade acredita 23 Desigualdade social e a vulnerabilidade social do jovem13 As considerações feitas até aqui remetem para a importância de se pensar a problemática dos conflitos cometidos e sofridos pelos jovens no quadro da vulnerabilidade social potencializada pela sua situação socioeconômica Por vulnerabilidade social entendese o resultado negativo da relação entre a disponibilidade dos recursos materiais ou simbólicos dos atores sejam eles indivíduos ou grupos e o acesso à estrutura de oportunidades sociais econômicas culturais que provêm do Estado do mercado e da sociedade Esse resultado se traduz em debilidades ou desvantagens para o desempenho e mobilidades social dos atores ABRAMOVAY et al 200213 A especificidade social da condição jovem torna este segmento um público especialmente exposto à vulnerabilidade social uma vez que a definição pouco precisa do seu papel na sociedade contemporânea em termos de autonomia relativa in dependência financeira e responsabilidades e direitos ambíguos no que se refere à sua participação no mercado de trabalho por exemplo submete essas pessoas aos efeitos mais imediatos das adversidades econômicas e sociais e lança uma série de incertezas quanto a sua trajetória futura Há que se considerar ainda o fato de que os jovens são particularmente suscetíveis ao apelo do risco e têm sua identidade social construída em grande parte com recurso à ideia de transgressão o que configura um complexo 13Esse tópico foi elaborado com base em Artigo escrito por uma das autoras deste texto Enid Rocha Andrade da Silva em conjunto com a técnica de planejamento e pesquisa do IPEA Luseni Ma Cordeiro de Aquino em 2004 publicado parcialmente pela ANDI intitulado Desigualdade Social Violência e Jovens no Brasil Brasília Andi 2004 14 quadro de vulnerabilidade que a pobreza ou de forma ainda mais ampla a desigualdade social potencializa Neste sentido a existência de deficiências e barreiras de acesso dos jovens pobres à educação e ao trabalho os dois principais mecanismos considerados lícitos de mobilidade e inclusão social da nossa sociedade bem como às estruturas de oportunidades disponíveis nos campos da saúde lazer e cultura contribuem para o agravamento da sua situação de vulnerabilidade social Sem escola sem trabalho ou com inserção laboral precária os jovens ficam mais desprotegidos e consequentemente mais expostos por exemplo à cooptação pelo crime organizado Assim a prática de furto e a comercialização de drogas ilícitas muitas vezes iniciadas por influência do grupo de amigos mais próximo representariam uma alternativa real de trabalho na esperança de mobilidade social para o jovem morador das periferias pobres das grandes cidades ainda que o exponha aos riscos e à criminalização relacionados às práticas desviantes Este enfoque permite compreender a experiência da violência entre jovens dentro de um quadro maior em que a vulnerabilidade própria à condição jovem aliada a condições socioeconômicas desfavoráveis alimentam tensões e frustrações que repercutem diretamente sobre os processos de integração social e em alguns casos fomentam a violência e a incursão na criminalidade ABRAMOVAY et al 2002 A vulnerabilidade social constituiria uma categoria de mediação entre a desigualdadeexclusão social e a violência entre jovens mediação esta cujo mecanismo explicativo pode ser identificado nas frustrações que ela alimenta e que influem decisivamente sobre o processo simbólico de construção da identidade do jovem Mais que a pobreza portanto é a desigualdade social que suscita maior sofrimento entre os jovens de baixa renda pela comparação feita entre a sua própria condição e a imagem do outro socialmente valorizada A desigualdade social exprime uma circunstância relativa de privação de direitos que amplifica a vulnerabilidade social da população pobre No entanto mais do que as desigualdades em si é a forma como se canaliza o descontentamento com elas o que permite compreender de maneira mais adequada a violência entre os jovens OLIVEIRA 2001 ao discutir o delito enquanto produção de sentido para a juventude ressalta que a violência e o delito na adolescência suburbana podem ser entendidos como respostas ao desprezo ou à indiferença a que estão submetidos os adolescentes moradores do outro lado da cidade e neste caso 15 são manifestações de esperança pois mesmo que seja por arrombamento eles buscam inventar outro espaço outras regras de deslocamento de lugar OLIVEIRA 2001 65 Em outras palavras a vivência cotidiana de exclusão social impulsiona os jovens da periferia a buscarem espaços de participação mecanismos e formas que possibilitem sair do anonimato e da indiferenciação Esta busca está na origem da formação de grupamentos juvenis de comportamento tipicamente violento como as gangues e galeras que manifestam pela revolta uma exclusão não apenas socioeconômica mas também simbólica A mesma busca dá origem a grupos cuja identidade se expressa através da participação e produção cultural como as tribos os grupos de capoeiras de Hip Hop entre outros Outro aspecto importante a ser sublinhado referese ao preconceito cultural vigente na sociedade que condena antecipadamente os jovens da periferia e das favelas sobretudo os negros pelo fato de não corresponderem aos padrões idealizados da sociedade branco bem vestido escolarizado trabalhador com carteira assinada entre outros atributos valorizados socialmente É assim que esse olhar deve estar presente quando se analisa por exemplo o perfil do adolescente em conflito com a lei que cumpre medida de privação de liberdade no Brasil Esses são na maioria negros pobres com ensino fundamental incompleto não estudam e nem trabalham 24 Quem são os adolescentes em conflito com a Lei no Brasil Os estudos mostram que o fenômeno contemporâneo do ato infracional juvenil está associado não à pobreza ou à miséria em si mas sobretudo à desigualdade social e à dificuldade no acesso às políticas sociais de proteção implementadas pelo Estado De acordo com o levantamento realizado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República 2013 dos adolescentes em conflito com a lei que cumpriam medida socioeducativa de privação de liberdade 95 eram do sexo masculino e cerca de 60 tinham idade entre 16 e 18 anos Sobre as características sociais dos adolescentes infratores não existem dados recentes mas na tentativa de dimensionar essa questão citamse aqui os resultados de uma pesquisa realizada pelo IPEA e Ministério da Justiça 2003 que mostram um perfil de exclusão social entre esses adolescentes mais de 60 dos adolescentes privados de liberdade eram negros 51 não frequentavam a escola e 49 não trabalhavam quando cometeram o delito e 66 viviam em famílias consideradas extremamente pobres SILVA Enid Rocha GUERESI Simone 2003 16 Assim se é fato que os jovens excluídos enfrentam maiores dificuldades de inserção social o que ampliam as chances de inscreverem em sua trajetória cometimentos de atos reprováveis também é verdade que os jovens oriundos de famílias mais abastadas se envolvem tão ou mais com drogas uso de armas gangues atropelamentos apedrejamentos etc A diferença é que esses possuem mais recursos para se defenderem sendo mais raro terminarem sentenciados em unidades de privação de liberdade ao passo que os adolescentes mais pobres além de terem seu acesso à justiça dificultado ainda são vítimas de preconceitos de classe social e de raça comuns nas práticas judiciárias 3 COMO É O SISTEMA DE JUSTIÇA JUVENIL BRASILEIRO HOJE 31 A legislação um pouco da história de defesa dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil14 O princípio do discernimento x princípio da dignidade humana Um dos argumentos a favor da diminuição da maioridade penal que tem mais aceitação social é de que o adolescente possui capacidade de entender o que é certo e o que é errado e que por isso teria as mesmas condições de escolha e logo deveria estar sujeito às mesmas responsabilidades de um adulto Esse pensamento bastante difundido no senso comum foi durante muito tempo um princípio que embasou o direito penal Tavares 2004 sublinha que na Inglaterra e na Itália de antigamente para conhecer se a criança agira ou não com discernimento aplicavase a prova da maçã de Lubecca que consistia em oferecer uma maçã e uma moeda Escolhida a moeda estava provada a malícia e anulada qualquer proposta legal com proteção Por isso encontramse registros sobre a pena capital recaindo em crianças de dez e onze anos15 Esse princípio se baseava em o juiz ou algum outro especialista avaliar se a criança ou o adolescente já possuía aptidão para distinguir o bem do mal o justo 14 Esse tópico foi extraído de texto escrito pelas pesquisadoras Enid Rocha Andrade da Silva e Simone Gueresi e publicado em agosto de 2003 em TD 0979 Adolescentes em Conflito com a Lei Situação do Atendimento Institucional no Brasil Disponível em httpwwwipeagovbrportalindexphpoptioncomcontentviewarticleid4548 15TAVARES Heloisa Gaspar Martins Idade penal maioridade na legislação brasileira desde a colonização até o Código de 1969 Jus Navigandi Teresina a 9 n 508 27 nov 2004 Disponível em httpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid5958 Acesso em 11 nov 2005 17 do injusto o lícito do ilícito Como não existiam garantias e requisitos objetivos a serem observados o futuro de crianças e adolescentes dependia exclusivamente dos critérios considerados pelo magistrado que decidia de acordo com seu arbítrio No Brasil o critério do discernimento para a responsabilização penal dos adolescentes predominou no Império e no início da República O Código Criminal do Império 1830 colocava a maioridade penal absoluta a partir dos 14 anos mas crianças a partir de oito anos poderiam ser julgadas como adultos pegando pena perpétua caso fosse avaliado que agiram com discernimento Durante a República o Código Penal Republicano 1890 também determinava a inimputabilidade absoluta até os 09 anos de idade e submetia aos maiores de 09 e menores de 14 anos à análise do discernimento critério este que sempre foi um verdadeiro enigma para os aplicadores da lei censurado pelo jurista Evaristo de Moraes de adivinhação psicológica TAVARES 2004 Na segunda década do século XX foram editadas normas voltadas ao interesse das crianças e adolescentes é quando o critério do discernimento é eliminado estabelecendo o limite mínimo da imputabilidade penal para 14 anos16 Todavia a teoria do discernimento volta a ser adotada no Brasil durante a ditadura militar quando o Código Penal Militar 1969 fixava o limite penal em 18 anos salvo se já tendo o adolescente de 16 anos revelado discernimento Com a reabertura democrática essa teoria é novamente abandonada e a maioridade é garantida na Constituição partindo dos princípios da dignidade humana dos direitos sociais e do direito individual pilares do Estado democrático de Direito Como se continuará mostrando a seguir a trajetória institucional da política da criança e do adolescente no Brasil teve inúmeras variações reflexo das diferentes óticas sob as quais o tema da criança e do adolescente era entendido dentro do aparato estatal Desde uma perspectiva correcional e repressiva visando proteger a sociedade de crianças e adolescentes em situação irregular até uma visão de garantia de direitos com o objetivo de oferecer proteção integral a todas as crianças e adolescentes 16 nos fins do século XIX outra ordem de motivos veio a influir na matéria motivos de natureza criminológica e de política criminal segundo os novos conhecimentos sobre a gênese da criminalidade e a ideia da defesa social que impunha deter os menores na carreira do crime Daí nasceu o impulso que iria transformar radicalmente a maneira de considerar a tratar a criminalidade infantil e juvenil conduzindoa a um ponto de vista educativo e reformador BRUNO apud TAVARES 2004 18 No Brasil um conjunto de leis políticas e instituições consolidou a doutrina da situação irregular no trato de crianças e adolescentes assim como as posteriores mudanças em direção à doutrina da proteção integral17A década de 1980 caracterizou se pelo início da abertura democrática e a legislação e as políticas destinadas aos adolescentes passam a ser vistas como integrantes do arcabouço autoritário do período anterior Por outro lado o menino de rua passa ser a figura emblemática da situação da criança e do adolescente no Brasil A percepção dos fatores sociais existentes por trás da realidade daqueles meninos reforça a necessidade de uma nova abordagem da questão18 O crescimento e a consolidação dessas discussões em especial do movimento de defesa de meninos e meninas de rua culminaram na criação em 1986 da Comissão Nacional Criança e Constituinte Em 1988 a nova Constituição Nacional contemplou a proteção integral a crianças e adolescentes em seus artigos 227 e 228 Nessa época no panorama internacional as mudanças também estavam em curso As discussões da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito da Criança começaram bem antes de 1989 de modo que os seus princípios foram considerados na Constituição Brasileira mesmo antes da aprovação daquela Convenção pela ONU que foi ratificada pelo Brasil apenas em 1990 Nesse mesmo ano o ECA coroa o novo paradigma da doutrina da proteção integral constituindose na única legislação adequada aos princípios da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito da Criança no contexto latino americano Desde então a legislação brasileira para a infância e adolescência serviu de referência internacional e atualmente a maioria dos países 78 de 54 estabelece a maioridade penal aos 18 anos ou mais tarde segundo o levantamento do Unicef 2009 É assim que os adolescentes privados de liberdade têm no ECA a garantia de inúmeros direitos específicos para garantir a eficácia da aplicação da medida 17Em 1927 foi criado o primeiro Código de Menores e nesse mesmo ano o Serviço de Assistência ao Menor SAM órgão do Ministério da Justiça equivalente ao Sistema Penitenciário para a população de maior idade com enfoque tipicamente correcionalrepressivo Em 1964 foi estabelecida a Política Nacional de BemEstar do Menor PNBEM de caráter assistencialista que tinha como órgão nacional a Fundação Nacional de BemEstar do Menor Funabem Em 1979 é aprovado o Código de Menores que tratava da proteção e da vigilância dos menores em situação irregular e correspondia a um único conjunto de medidas destinadas indistintamente aos meninos e meninas cometedores de atos infracionais e aos abandonados com vivência de rua que padeciam do acesso aos direitos básicos 18À época um grupo de técnicos do Unicef da Funabem e da Secretaria de Ação Social SAS do Ministério da Previdência e Ação Social deu início ao Projeto Alternativas de Atendimento a Meninos de Rua 19 socioeducativa de privação de liberdade tendo em vista a extrema necessidade que deve justificar sua indicação Além disso o cumprimento de medida socioeducativa dáse no âmbito da proteção integral a crianças e adolescentes também garantida pelo Estatuto Ao contrário do antigo e extinto Código do Menor 1927 que oferecia respaldo legal para o controle e a intervenção sobre uma parcela das crianças e dos adolescentes considerados em situação irregular o ECA apresenta garantias para todos os adolescentes e crianças sem distinção A legislação e os avanços constitucionais foram inspirados na visão da política social pertencente ao campo do projeto democráticoparticipativo Preconizam a integralidade dos direitos para todo o universo das crianças e adolescentes brasileiras propõem a elaboração de políticas amplas que consideram crianças e adolescentes pessoas em desenvolvimento e que portanto possuem prerrogativas diferenciadas dos adultos19 Atualmente a legislação para a infância e adolescência no Brasil está de acordo com o direito internacional Qualquer modificação da legislação sobre a maioridade penal que diminua os direitos dessa população irá contra os acordos e convenções dos quais o Brasil é signatário Os principais tratados internacionais ratificados pelo Brasil revestemse de status normativoconstitucional conforme ilustra o Quadro 1 abaixo A ênfase desses documentos no caráter ressocializador é justificada pelo fato de o adolescente ser considerado um sujeito em desenvolvimento alguém com potencial de mudar os caminhos trilhados se tiver oportunidades Entretanto muitos adolescentes convivem cotidianamente não apenas com o descumprimento das determinações específicas para o atendimento socioeducativo mas também com a violação de seus direitos como adolescentes previstos no ECA Assim é pertinente refletir sobre a seguinte questão Se o adolescente não teve acesso aos direitos sociais básicos que poderiam lhes garantir outra trajetória social como imputarlhes a responsabilidade integral por ter aderido à criminalidade 19 Silva Enid Rocha A Projetos políticos e arranjos participativos nacionais os significados e os desdobramentos nos conselhos nacionais Unicamp 2013 Tese de doutorado 20 Quadro1 A maioridade penal nos tratados internacionais assinados pelo Brasil TRATADOS INTERNACIONAIS Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil Regras de Pequim 1959 Estabelece cautela quanto à fixação da maioridade penal levando em conta o princípio da proporcionalidade e o objetivo de proteger crianças e adolescentes Convenção sobre os Direitos da Criança ONU 1989 Estabelece os 18 anos como marco de idade penal e coloca que nenhum de seus signatários poderá tornar suas normas internas mais gravosas do que as que estão dispostas na aludida Convenção Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança ratificada internamente pelo Decreto 9971090 Estabelece que criança é o sujeito que se encontra até os 18 anos de idade e necessita de atendimento especializado Princípios Orientadores de Riad ONU 1990 Torna inviável a elaboração de legislação conflitante com os tais instrumentos de proteção Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos Sociais e Culturais Afirma constantemente a progressividade das medidas tomadas tratase de um princípio ou cláusula de proibiçãovedação do retrocesso social ou da evolução reacionária Convenção Americana dos Direitos Humanos Estabelece a progressividade na implementação dos direitos do Pacto e cria como consequência o princípio ou cláusula da proibição do retrocesso social ou da evolução reacionária Elaboração IPEADISOC 32 O mito da Impunidade O ECA prevê que o menor de 18 anos é inimputável mas capaz de cometer ato infracional e contempla um sistema de controle judicial baseado na responsabilização socioeducativa de pessoas entre 12 e 18 anos incompletos que praticam conduta considerada ilícita20 O adolescente é responsabilizado mediante processo legal que estabelece sanções sob a forma de medidas socioeducativas que respeitem sua 20 A criança pessoa até 12 anos incompletos que praticar ato infracional será encaminhada ao Conselho Tutelar e estará sujeita às medidas de proteção previstas no art 101 o adolescente entre 12 de 18 anos ao praticar ato infracional estará sujeito a processo contraditório com ampla defesa Após o devido processo legal receberá ou não uma sanção denominada medida socioeducativa prevista no art 112 do ECA 21 condição peculiar de pessoa em desenvolvimento conforme previsto no artigo 227 da Constituição Federal e no artigo 104 do ECA Verificada a prática de ato infracional a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente medidas socioeducativas em meio aberto i advertência ii obrigação de reparar o dano iii prestação de serviço à comunidade e iv liberdade assistida Ou pode aplicar as medidas socioeducativas em meio fechado que são i inserção em regime de semiliberdade ii internação em estabelecimento educacional e ainda quando se aplicar iii internação provisória21 Quadro 2 Em complementação o ECA destaca que a medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumprila as circunstâncias e a gravidade da infração e que em hipótese alguma e sob pretexto algum será admitida a prestação de trabalho forçado Em relação aos adolescentes portadores de doença ou deficiência mental o Estatuto estabelece que esses devem receber tratamento individual e especializado em local adequado às suas condições É importante esclarecer que apesar de o ECA estabelecer que o prazo máximo de internação é de três anos22 como após o cumprimento da medida de internação o adolescente poderá ainda ser colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida23 o processo de responsabilização penal pelo delito cometido pode se prolongar por mais de três anos Além disso de acordo com algumas jurisprudências no caso de concurso de atos infracionais por exemplo estupro roubo e lesão corporal grave três vítimas diferentes o prazo máximo de internação é contado para cada ato infracional separadamente24 Embora muitos argumentem que a lei não pune nem responsabiliza os adolescentes que cometem delitos segundo estudiosos a justiça juvenil tende a ser aplicada de forma mais dura do que a justiça penal comum no que consiste ao tempo de duração da medida efetivamente cumprida pelo infrator Estevão 200725 ao 21Ou qualquer uma das medidas previstas no art 101 I a VI 22Ou por tempo indeterminado até os 21 anos de idade e Exceto na hipótese do artigo 122 III por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta quando o prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a três meses 23Conforme a dicção do 4 do mesmo artigo 24Dessa forma um adolescente com 12 anos que comete estupro roubo e lesão grave poderá ficar internado até os 21 anos se o juiz assim determinar Ou seja poderá ficar detido por nove anos Julgado em HC 99565 de 70509 Ver em httpmateriaparaestudoblogspotcombrp acodamentonohtml 25ESTEVÃO Roberto F A redução da maioridade penal é medida recomendável para a diminuição da violência Revista jurídica judiciária 55 n 361 p 115133 nov 2007 Disponível em 22 comparar os dois sistemas conclui que para um adulto infrator chegar a cumprir três anos em regime fechado a pena de reclusão recebida não poderá ser inferior a 18 anos sendo rara a aplicação de pena dessa magnitude Como exemplo esse autor destaca os crimes de roubo com emprego de arma de fogo que resulta em regra em pena de cerca de cinco anos e a prática de estupro presumido que tem como vítima pessoas de até 14 anos de idade para a qual é fixada em geral reclusão por período de seis anos Nesses dois exemplos o sentenciado adulto após permanecer cerca de um ano em regime fechado já teria cumprido os requisitos para passar ao regime de semiliberdade Nessa linha de argumentação o autor demonstra que um adolescente permanece em regime fechado internação por um período maior que um adulto que pratica a mesma espécie de delito ESTEVÃO 2007 17 e 18 Ainda que adultos e adolescentes permanecessem em regime fechado o mesmo período de tempo ao cometer os tipos análogos de delitos essa medida seria considerada mais rígida para o adolescente pois há de se considerar que a reclusão de três anos para uma pessoa de 16 anos dentro do sistema prisional tem muito mais impacto do que para uma pessoa de 30 anos Quadro 2 Medidas Socioeducativas e sua Aplicação de acordo com o ECA Medidas Objetivo Regras de Aplicação 1 Advertência Alertar o adolescente e seus genitores ou responsáveis para os riscos do envolvimento no ato infracional Poderá ser aplicada sempre que houver prova da materialidade da infração e indícios suficientes de autoria art 114 único 2 Reparação de danos Reparar ato infracional com reflexos patrimoniais em terceiros Determinação para que o adolescente restitua o patrimônio promova o ressarcimento do dano ou por outra forma compense o prejuízo da vítima Para evitar que sejam os pais dos adolescentes os pagadores dos danos e para que não se perca o caráter educativo essa medida poderá ser substituída por outra mais adequada a fim de que o próprio adolescente repare o dano 3 Prestação de Serviço Comunitário Proporcionar oportunidade ao adolescente infrator de realizar trabalho de interesse geral e gratuito em áreas de interesse da comunidade A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral por período não superiora seis meses junto a entidades assistenciais hospitais escolas e outros estabelecimentos congêneres bem como em programas comunitários ou governamentais 4 Liberdade Assistida Destinase a acompanhar auxiliar e orientar o adolescente mantendoo na família e na comunidade sob a supervisão da autoridade judiciária com o objetivo de impedir a reincidência O Juiz destaca um assistente técnicoorientador em geral um psicólogo ou assistente social para acompanhar o adolescente no fórum Se o juiz preferir ele pode recomendar que uma entidade ou programa de atendimento acompanhe o adolescente Tem prazo mínimo de seis meses com a possibilidade de ser prorrogada renovada ou substituída por outra medida art 118 2º httpwwwlexmlgovbrurnurnlexbrredevirtualbibliotecasartigorevista20071000805405 Acesso em dezembro de 2014 23 5 Semiliberdade Tratase de medida que implica em privação da liberdade e busca preservar os vínculos familiares e sociais possibilitando a realização de atividades externas independentemente de autorização judicial Pode ser aplicada como medida inicial desde que a decisão seja fundamentada tendo em vista o princípio da excepcionalidade da restrição à liberdade do adolescente Ou pode ser decretada como transição de uma medida mais grave ou menos grave Deve ser executada em estabelecimento adequado as condições do adolescente e não pode ser cumprida em estabelecimento prisional É obrigatória a escolarização e a profissionalização Pode ser decretada por tempo indeterminado mas não pode durar mais do que três anos ou até 21 anos o que chegar primeiro 6 Internação É medida privativa de liberdade sujeita aos princípios da brevidade excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoas em desenvolvimento É a medida mais severa de todas as medidas previstas no ECA por privar o adolescente de sua liberdade de ir e vir A medida comporta prazo máximo de três anos com avaliação a cada seis meses Atingido o limite de três anos o adolescente será colocado em liberdade e dependendo do caso ainda será submetido à medida de semiliberdade ou liberdade assistida Ocorrerá nas seguintes hipóteses ato infracional cometido mediante violência ou grave ameaça reincidência em infrações graves punidas com reclusão e descumprimento reiterado e injustificável de outra medida imposta máximo de três meses Nesse caso é obrigatório a observância do princípio do contraditório Aos 21 anos a liberdade é compulsória Deve ser usada em último recurso art 122 2º do ECA apenas quando a gravidade do ato infracional cometido e a ausência de estrutura do adolescente indicar que a possibilidade de reincidência em meio aberto é elevada 7 Internação Provisória É a medida socioeducativa cautelar com caráter privativo de liberdade o adolescente fica detido É aplicada antes da sentença quando há indícios suficientes de autoria e materialidade do delito Em nenhuma hipótese poderá ultrapassar 45 dias Deve ser cumprida em estabelecimento especial sem qualquer proximidade com adulto Fonte ECA Elaboração IPEADISOC Como se observa a partir das informações do Quadro 2 o ECA prevê sete diferentes medidas socioeducativas que são estabelecidas de acordo a gravidade do ato infracional sendo as mais severas aquelas que restringem a liberdade de semiliberdade e de internação As medidas socioeducativas são portanto sanções impostas aos adolescentes em conflito com a lei que buscam de um lado punir a fim de que esses jovens possam refletir e reparar os danos causados e de outro reeducar para lograr nova reinserção social familiar e comunitária A impunidade do adolescente é portanto um mito compartilhado por muitos que contribui para reiterar o desconhecimento da população e abrir caminho para a proposta de redução da maioridade penal As regras as leis e as sanções existem Os problemas residem na enorme distância entre o que está previsto no ECA especificamente nos serviços que 24 deveriam ser ofertados pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo SINASE e a dura realidade enfrentada nas instituições socioeducativas26 O SINASE foi instituído inicialmente em 2006 por uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CONANDA e recentemente foi transformado em Lei27 Desde então passou a ser obrigatória a elaboração e implementação nas três esferas de governo do chamado Plano de Atendimento Socioeducativo discriminando a oferta de programas destinados à execução das medidas socioeducativas em meio aberto de responsabilidade dos municípios e privativas de liberdade de responsabilidade dos governos estaduais No entanto o levantamento 2012 da Secretaria de Direitos Humanos também constatou a ausência de diversos serviços e estrutura necessários para a correta implementação do SINASE Os estados mais bem estruturados eram Paraíba e Rio de Janeiro Aqueles em piores situações eram os estados de Alagoas Rio Grande do Norte Minas Gerais Espírito Santo Acre Roraima Tocantins e Maranhão Apesar da precariedade na execução das medidas socioeducativas os dados da Pesquisa Panorama Social 2012 do Ministério da Justiça mostraram que o SINASE apresenta índices de reincidência melhores do que o sistema penal para adultos A seguir a Tabela 5 mostra a quantidade de estados que apresentam carências de cada um dos itens que estruturam o SINASE 26Apesar de não prevista como medida socioeducativa a internação provisória pode ser entendida como outra medida em meio fechado pois análoga à prisão preventiva para os adultos permite que o adolescente fique internado em regime fechado por até 45 dias embora na prática o adolescente permaneça por longos meses detido enquanto aguarda que seu processo seja avaliado pelo judiciário 27Lei 12594 de 18012012 25 Tabela 5 Quantidade de UFs não adequadas aos parâmetros do SINASE 2012 Itens do SINASE Número de UFs Inadequadas Capacitação para os funcionários 5 SIPIA SINASE web28 17 Colegiado Interinstitucional 21 Comissão Interssetorial 23 Ouvidoria 17 Plano de Atendimento 11 Estudos sobre o tema 13 Fonte LEVANTAMENTO SDH Elaboração IPEADISOC Em 2012 os itens com maior defasagem nas unidades federativas diziam respeito à inexistência do Colegiado Interinstitucional e da Comissão Intersetorial Esses órgãos são responsáveis pelo fortalecimento do diálogo entre atores do sistema de garantia de direitos nos três níveis do governo e por elaborar de forma articulada entre os diversos setores institucionais o esboço do Plano de Atendimento Socioeducativo A grande quantidade de inexistência dessas instâncias pode ser explicada pelo fato de o SINASE ainda não ter sido regulamentado por lei em 2012 Em seguida também com muita defasagem aparece a utilização do SIPIA WEB e a inexistência da ouvidoria Esses itens são fundamentais para o monitoramento do Sistema de Atendimento para gerar dados atualizados que embasam estudos posteriores e para o controle e prevenção das violações de direito ocorridas dentro das unidades do SINASE Destacase ainda a inexistência do Plano de Atendimento em 11 unidades federativas o que prejudica o acompanhamento do desenvolvimento do adolescente Muitas vezes a justiça juvenil não é aplicada conforme as disposições estabelecidas no ECA e no SINASE e costumam ser mais severas do que o ato infracional requer Em 2013 existia um total de 231 mil adolescentes privados de liberdade no Brasil Desses 64 152 mil cumpriam a medida de internação a mais 28 Sistema Nacional de Acompanhamento de Medidas Socioeducativas versão Web Nacional propõe a criação de um Sistema de Informação em rede para registro e tratamento de dados referentes a adolescentes em conflito com a lei em cumprimento de medidas socioeducativas 26 severa de todas outros 235 55 mil estavam na internação provisória 96 23 mil cumpriam medida de semiliberdade e 28 659 estavam privados de liberdade em uma situação indefinida Gráfico 1 4 Quais os principais delitos praticados pelos adolescentes privados de liberdade Conforme mostram as informações contidas na tabela 6 as infrações patrimoniais como furto roubo e envolvimento com o tráfico de drogas constituíramse nos principais delitos praticados pelos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de privação de liberdade no Brasil nos últimos três anos Em 2011 roubo 3812 furto 56 e tráfico 2656 representaram juntos mais de 70 do total de delitos praticados pelos adolescentes detidos Em 2012 esses atos infracionais alcançaram aproximadamente 70 do total e em 2013 cerca de 67 Por sua vez os delitos considerados graves como homicídios 839 latrocínio 195 lesão corporal 13 e estupro 105 alcançaram em 2011 117 do total dos atos praticados pelos adolescentes detidos no Brasil Em 2012 tais infrações representaram 135 e em 2013 127 O cotejamento dos dados das medidas socioeducativas aplicadas gráfico 1 com o tipo de delito praticado pelos adolescentes privados de liberdade tabela 5 indicam que o judiciário tem dado preferência para a aplicação das medidas mais severas como a de internação em regime fechado Tal procedimento está em desacordo com as orientações do ECA que estabelece que a medida de internação deve ser aplicada apenas na seguintes hipóteses i ato infracional cometido mediante violência ou grave ameaça ii 24 reincidência em infrações graves punidas com reclusão e iii descumprimento reiterado e injustificável de outra medida imposta máximo de 3 meses art 122 2º do ECA Se essa máxima fosse cumprida em 2013 por exemplo os adolescentes internos privados de liberdade no Brasil seriam cerca de 32 mil Homicídios 22 mil latrocínio 485 estupro 288 e lesão corporal 237 e não 152 mil 64 como é na realidade Assim a rigidez na aplicação das medidas socioeducativas parece não estar de acordo com a gravidade dos atos cometidos pelos adolescentes em conflito com a lei Além disso é importante observar que a internação provisória medida limitada pela legislação exigindo que só seja decretada excepcionalmente É requerida pelos promotores na maioria dos casos alegandose simplesmente periculosidade e desajuste social O juiz por sua vez quase sempre acolhe o pedido e decreta a internação provisória sem fundamentála como é exigido pelo ECA e pela Constituição Federal A defesa só pode questionar a internação provisória depois que o juiz já tiver tomado sua decisão ILANUD 200729 O mais comum é que o Habeas corpus seja julgado quando o adolescente já não pode ser beneficiado Assim a justiça juvenil tem seguido a tendência do sistema de justiça comum com alto número de prisões cautelares conforme o estudo do Ministério da Justiça 2015 o instrumento da prisão cautelar tem se consolidado como regra de funcionamento do sistema repressivo brasileiro dezenas de milhares de pessoas vêm sendo detidas e mantidas presas sem que os fundamentos de suas prisões sejam imediata e adequadamente avaliados Processos duram anos e réus por muitos meses às vezes anos encarcerados não raro são absolvidos quando chegam a conhecer uma decisão de mérito Para a Secretaria de Direitos Humanos 2011 o crescimento de adolescentes cumprindo medidas socioeducativas de privação ou restrição de liberdade durante as últimas duas décadas devese principalmente à i construção de unidades socioeducativas ii tendência de aplicar medidas mais severas do Judiciário mesmo 29 ILANUD Instituto LatinoAmericano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente Quando o Estado agride a criança Disponível em httpwwwuniceforgbrazil Acesso em 14 abr 2007 25 quando não amparada no ordenamento legal30 iii exposição da população adolescente a territórios que concentram indicadores de violência e iv expansão do comércio ilícito de drogas Além desses motivos é necessário acrescentar ainda as maiores dificuldades enfrentadas pelo Judiciário para a aplicação das demais medidas socioeducativas previstas no ECA como por exemplo a de liberdade assistida e a de prestação de serviços comunitários Isto porque para essas medidas a responsabilidade de execução foi atribuída aos órgãos da Política Nacional de Assistência Social demandando maior diálogo e articulação entre o Executivo e o Judiciário no âmbito dos municípios entes responsáveis pela execução da aplicação das medidas em meio aberto 5 Onde estão os adolescentes sentenciados à privação de liberdade no Brasil Segundo informações da Secretaria de Direitos Humanos os estados com o maior número de adolescentes em medidas socioeducativas de restrição e privação de liberdade 30 Um estudo da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça mostra que é recorrente a aplicação de medidas de internação justificada por motivos não amparados no ECA Democratização de Informações no Processo de Elaboração Normativa Projeto Pensando o Direito 26 em 2012 em números absolutos eram São Paulo Minas Gerais Pernambuco e Ceará O Gráfico 2 apresenta a distribuição dos adolescentes em cumprimento de medidas restritivas e privativas de liberdade em 201231 entre as regiões do país A maior concentração está no Sudeste seguida da região Nordeste que em conjunto concentram mais de 75 dos adolescentes em restrição de liberdade A região Sul reunia em 2012 11 dos adolescentes as regiões CentroOeste e Norte detinham 6 respectivamente Gráfico 2 Distribuição das medidas de restrição e privação de liberdade aplicadas no Brasil por região 2012 Fonte LEVANTAMENTO SDH Elaboração IPEADISOC Tal distribuição pode ser explicada em parte pela forma como a população jovem está distribuída no país32 O Gráfico 3 que compara o número de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas de privação de liberdade para cada 1000 adolescentes no país é outra forma de comparar as regiões que são mais severas em relação aos adolescentes em conflito com a lei Para citar apenas as cinco unidades da federação com maior número de adolescentes privados de liberdade destacase que em São Paulo por exemplo para cada 1000 adolescentes existem três adolescentes privados 31 Foram utilizados dos dados de 2012 para essa análise pois os dados de 2013 disponibilizados não foram separados por estado e região 32Como colocado no item 21 desta nota A região Sudeste concentra 387 seguida pela região Nordeste com 304 Posteriormente seguem as regiões Sul com 133 a Norte 102 e a CentroOeste 74 27 de liberdade No Acre para cada 1000 existem 26 no Espírito Santo são 23 por 1000 no Distrito Federal 2 por 1000 e no Rio de Janeiro 19 por 1000 Gráfico 3 Proporção Adolescentes privados de liberdade por cometimento de ato infracional para cada 1000 adolescentes 12 a 21 anos por UF 2012 Fonte LEVANTAMENTO SDH Elaboração IPEADISOC A Tabela 6 mostra quais foram os motivos mais recorrentes que geraram a aplicação das medidas de restrição e privação de liberdade em cada região Em todas as regiões mais da metade das medidas é aplicada por atos referentes a roubo furto e tráfico de drogas principalmente nas regiões Sudeste 81 e CentroOestes 64 Norte e CentroOeste chamaram atenção por terem mais da metade dos adolescentes cumprindo medida em meio fechado por atos como roubo e furto ao mesmo tempo em que possuíam as menores porcentagens de atos relativos ao tráfico de drogas A região Sul possuía 20 dos seus adolescentes em medidas de privação e restrição de liberdade por motivo de homicídio e latrocínio a região com maior porcentagem desse delito O que pode indicar uma preferência de aplicação de medidas mais severas para as infrações mais graves Notase que o Nordeste possuía o maior número absoluto de adolescentes cumprindo medidas por infrações referentes a homicídio e latrocínio 28 Tabela 6 Medidas Socioeducativas de privação de liberdade aplicadas segundo s principais motivos Total Roubo e furto Tráfico de drogas Homicídio e latrocínio Outros delitos NORTE 1267 100 643 51 87 7 17213 365 29 NORDESTE 5030 100 1965 39 667 13 869 17 1529 31 CENTRO OESTE 1221 100 640 52 144 12 181 15 256 21 SUDESTE 11987 100 5186 43 4536 38 766 7 1499 125 SUL 2214 100 855 39 447 20 451 20 461 21 Fonte LEVANTAMENTO SDH Elaboração IPEADISOC Complementando a análise a Tabela 7 demostra que em todas as regiões apesar de possuírem mais da metade de adolescentes institucionalizados por atos de baixo teor ofensivo a tendência é a aplicação majoritária da medida de internação em regime fechado Novamente destacase o Sudeste onde 71 das medidas aplicadas referemse à medida mais severa Por outro lado o CentroOeste era o que mais utilizava em termos proporcionas a internação provisória embora a proporção seja alta em todas as regiões O Norte se destaca na aplicação da semiliberdade que representava 14 das medidas Tabela 7 Proporção das medidas socioeducativas aplicadas segundo a região 2012 Total de medidas Semliberdade Internação provisória Internação NORTE 1267 100 14 30 56 NORDESTE 5030 100 9 29 62 CENTRO OESTE 1221 100 9 35 56 SUDESTE 11987 100 9 20 71 SUL 2214 100 9 28 63 Fonte LEVANTAMENTO SDH Elaboração IPEADISOC 30 6 Como são as unidades socioeducativas de privação de liberdade Os problemas do Sistema Socioeducativo são similares aos do sistema prisional a seletividade racial a massificação do encarceramento a superlotação assassinatos dentro instituição relatos de tortura O relatório Um Olhar Mais Atento às Unidades de Internação e de Semiliberdade para Adolescentes publicado em 2013 pela Comissão de Infância e Juventude do Conselho Nacional do Ministério Público apontava que no Brasil há superlotação nas unidades de internação de adolescentes em conflito com lei em 16 estados De acordo com o relatório em alguns estados a superlotação era maior que 300 A maior parte dos estabelecimentos não separava os internos provisórios dos definitivos nem os adolescentes por idade por compleição física e pelo tipo de infração cometida como determina o ECA Entre março de 2012 e março de 2013 registrouse a fuga de 1560 adolescentes número correspondente a 848 do total de internos no país33 Adolescentes em conflito com a lei também convivem com a ausência do Ministério Público ou do defensor público para ajudálos em sua defesa As informações do Levantamento Nacional do SINASE em 2012 dão conta que nesse ano 30 adolescentes vieram a óbito Significa que a cada quatro meses foram a óbito dez adolescentes em unidades do sistema socioeducativo no cumprimento de uma medida privativa ou restritiva de liberdade SDH Sinase 201221 Entre as causas do óbito destacaramse conflito interpessoal 11 adolescentes 37 do total Conflito Generalizado nove adolescentes 30 do total e Suicídio 17 do total cinco adolescentes O Mapeamento Nacional das Unidades Socioeducativas realizado pelo IPEA e Ministério da Justiça em 2002 também já apontava o fragrante descumprimento dos princípios do ECA nas unidades de execução de medida de privação de liberdade para o adolescente em conflito com a lei De acordo com as informações constantes nesse Mapeamento no que se refere ao ambiente físico das unidades 71 não estavam adequadas às necessidades da proposta pedagógica do ECA As inadequações variavam desde a inexistência de espaços para atividades esportivas e de convivência até as péssimas condições de manutenção e limpeza Ainda é preciso salientar que entre aquelas unidades adequadas algumas foram assim consideradas levando em conta mais os aspectos relacionados à segurança da Unidade do que propriamente sua adequação 33Conselho Nacional do Ministério Público 2013 31 para o desenvolvimento de uma proposta socioeducativa Muitas unidades mantinham características tipicamente prisionais Outras em que pese à posse de equipamentos para atividades educativas como quadra de esportes por exemplo não utilizavam 34 7 Medidas Socioeducativas MSE em Meio Aberto uma luz no fim do túnel Com a estruturação do Sistema Único de Assistência Social SUAS a implementação das medidas em meio aberto de Liberdade Assistida LA e de Prestação de Serviço para a Comunidade PSC vêm ganhando um novo impulso para a sua melhor estruturação tornando cada vez mais real a possibilidade de apostar e investir na ressocialização dos adolescentes em conflito com a lei A operacionalização do serviço de MSE por meio do SUAS representa atualmente o principal recurso do poder público no país para assegurar o acompanhamento dos adolescentes em cumprimento de LA e de PSC A demanda por este serviço ocorre a partir da aplicação da medida por parte da autoridade judiciária A Tipificação Nacional de Serviços Assistenciais35 em conformidade com o ECA e as demais legislações dos direitos da criança e do adolescente considera que adolescentes e jovens em cumprimento de LA e de PSC requerem acompanhamento especializado individualizado continuado e articulado com a rede Por esse motivo no âmbito do SUAS a execução das medidas socioeducativas em meio aberto voltadas para o adolescente em conflito com a lei entre 12 a 18 anos incompletos ou jovens de 18 a 21 anos estão organizadas no rol dos serviços da Proteção Social Especial de média complexidade e são ofertados pelos Centros de Referência Especializado de Assistência Social CREAS nos territórios e municípios onde se identificar a demanda de sua oferta A medida socioeducativa PSC prevê a realização de tarefas gratuitas de interesse geral por período não excedente a seis meses em uma jornada máxima de 8 horas semanais sem prejuízo das atividades escolares ou profissionais devendo ser realizada junto a instituições identificadas no próprio município entidades sociais programas comunitários hospitais escolas e outros estabelecimentos congêneres bem como em programas comunitários ou governamentais Ademais a outorga de tarefas ao 34Silva Enid Rocha e Gueresi Simone 2003 35Resolução nº109 de 11 de novembro de 2011 32 adolescente autor de ato infracional levará em conta a sua capacidade de cumprila e as suas aptidões Por sua vez a medida socioeducativa de LA tem como objetivo o acompanhamento o auxílio e a orientação do adolescente para evitar que esse cometa novamente o ato infracional Para a execução da LA a autoridade judicial designará pessoa capacitada para acompanhar o caso a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento O prazo mínimo da medida é de seis meses podendo a qualquer tempo ser prorrogada revogada ou substituída por outra medida após consulta ao orientador ao Ministério Público e ao defensor público Na Proteção Social Especial PSE da Política Nacional de Assistência Social os principais serviços ofertados aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto são os seguintes i elaboração do Plano Individual de Atendimento PIA e acompanhamento sistemático com frequência mínima semanal que garanta o desenvolvimento do mesmo ii atendimento do adolescente individual e em grupo iii atendimento da família em articulação com o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos PAEFI iv acompanhamento da frequência escolar do adolescente v elaboração e encaminhamento de relatórios sobre o acompanhamento dos adolescentes ao Poder Judiciário e Ministério Público vi elaboração e encaminhamento de relatórios quantitativos ao órgão gestor sobre os atendimentos realizados vii articulação com a rede O propósito dos serviços socioassistenciais para os adolescentes infratores é destinar atenção e acompanhamento com o objetivo de contribuir para o acesso a direitos e para a ressignificação de valores Desse modo não há isenção da responsabilização face ao ato infracional praticado uma vez que as medidas socioeducativas são as sanções aplicadas quando a contravenção é praticada por adolescentes Entretanto seu caráter pedagógico busca criar condições para a construçãoreconstrução de projetos de vida que visem à ruptura com a prática do ato infracional por parte de adolescentes e jovens Os serviços socioassistenciais contribuem para o estabelecimento da autoconfiança e da capacidade de reflexão sobre as possibilidades de construção de autonomias viabilizando acessos e oportunidades para a ampliação do universo informacional cultural e o desenvolvimento de habilidades e competências além do fortalecimento da convivência familiar e comunitária 33 De acordo com informações do Censo SUAS 201336 em 2012 o número de adolescentes em cumprimento de medidas em meio aberto de LA e de PSC acompanhados pelos CREAS era igual a 89718 Desses 509 estavam cumprindo LA e outros 491 cumpriam PSC Em torno de 75 eram do sexo masculino e 115 do sexo feminino 37 Os dados do Censo SUAS para anos anteriores apontam que houve aumento expressivo no quantitativo de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa acompanhados pelas equipes de profissionais do CREAS entre 2010 e 2011 passando de 67045 para 88022 respectivamente Referido aumento reflete o maior investimento da Política Nacional de Assistência Social na ampliação e capacitação de suas equipes para a oferta de serviços de acompanhamento aos adolescentes em conflito com a lei Tabela 8 Total de adolescentes acompanhados no Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa LA e PSC 2012 Quantida de de casos M édia por unidade To tal de unidades Total de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa no ano de 2012 total 89718 5 44 16 49 Total de adolescentes em cumprimento de media socioeducativa no ano de 2012 masculino 67389 4 09 16 49 Total de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa no ano de 2012 feminino 10373 6 3 16 49 Total de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa 2012 sem informação de sexo 12069 7 3 16 49 Fonte CENSO SUAS 2013 Elaboração IPEADISOC 36As informações divulgadas no Censo SUAS 2013 referemse ao ano de 2012 O mesmo ocorre para os Censos SUAS 2012 e 2011 que apresentam informações para 2011 e 2010 respectivamente 37 Importante informar que 1347 dos questionários preenchidos pelos CREAS não apresentavam a informação de sexo conforme ilustra a Tabela 8 34 A tabela 9 abaixo apresenta o quantitativo de unidades CREAS no Brasil que realiza o Serviço de Proteção Social aos Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de PSC e LA para os anos de 2012 e 2013 Observase que a proporção de unidades que realizam esse tipo de serviço está em torno de 70 De um ano para outro 89 novos CREAS passaram a ofertar esse Serviço Vale notar que a taxa de crescimento no número de CREAS que passou a executar o Serviço de Proteção Social aos adolescentes em conflito com a lei entre os anos de 2012 e 2013 foi de 57 é maior portanto que a taxa de crescimento total de CREAS no país para o mesmo período Tabela 9 Brasil Quantidade de Unidades CREAS que Realizam o Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medidas de LA e de PSC Especificações Quantidade de unidades que realizam o Serviço de LA e de PSC a Total de CREAS b 2012 1561 2167 2013 1650 2249 ab 7204 7337 Diferença absoluta 2012 2013 89 82 Taxa de crescimento 20122013 570 378 Fonte MDS Censos SUAS 2012 e 2013 Elaboração IPEADISOC A tabela 10 traz as ações e atividades realizadas pelos profissionais dos CREAS para os adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de LA e PSC Em primeiro lugar é importante chamar atenção para a pluralidade de ações realizadas não apenas para os adolescentes como também para suas famílias As ações vão desde visitas domiciliares até o encaminhamento dos adolescentes e suas famílias para os mais diversos serviços sociais disponíveis na comunidade tais como educação saúde profissionalização tratamento para usuários dependentes de substancias psicoativas entre outros As informações apresentadas na Tabela 10 também colocam em evidencia outra peculiaridade importante dos serviços prestados aos adolescentes infratores no âmbito dos CREAS a individualidade do atendimento Como se observa a imensa maioria dos CREAS que responderam essa pergunta no Censo SUAS 985 em LA e 928 em 35 PSC declararam que elaboram plano individual para o adolescente e que prestam atendimento individual para o mesmo Com certeza ações dessa natureza concorrem para o sucesso da execução da medida socioeducativa em meio aberto que tem como objetivo maior ajudar os adolescentes na construção de um projeto de vida respeitando os limites e as regras de convivência social buscando sempre reforçar os laços familiares e comunitários MIRANDA sd Tabela 10 Proporção de equipamentos CREAS segundo as ações e atividades realizadas pelos profissionais em atendimento aos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto Fonte MDS Censo SUAS 2012 e 2013 Elaboração IPEADISOC 36 8 Considerações finais Para contribuir com o debate atual sobre a redução da maioridade dos adolescentes no Brasil essa Nota Técnica trouxe para a discussão alguns aspectos relevantes que ajudam a refletir sobre a necessidade e a eficácia das propostas de emendas constitucionais à diminuição da imputabilidade penal Entre as questões aqui discutidas destacamse i a relação entre o ato infracional juvenil e a desigualdade social no Brasil ii as fragilidades sociais de renda escola e trabalho de parte significativa dos adolescentes brasileiros que evidenciam o tamanho da dívida social do Estado e da Sociedade com meninos e meninas de 12 a 18 anos incompletos iii as características sociais dos adolescentes em conflito com a lei no Brasil iv os tipos de delitos por esses praticados v o mito da impunidade dos jovens que ignora a existência de uma justiça juvenil no país vi a situação das unidades socioeducativas responsáveis pela execução das medidas de privação de liberdade e a fragrante violação de direitos dos adolescentes internos nesses espaços e vii os avanços na estruturação das medidas socioeducativas em meio aberto liberdade assistida e prestação de serviços para a comunidade a partir da Política Nacional de Assistência Social ofertadas pelos CREAS As discussões sobre a redução da maioridade penal em geral passam ao largo de suas causas e desviam o foco das questões que são discutidas nesse trabalho A aplicação correta dos princípios do ECA e do SINASE no tocante à execução das medidas socioeducativas é apenas uma das questões a serem enfrentadas com urgência Outra é a necessidade de se encontrar mecanismos de trazer para a escola e para a qualificação de postos de trabalho decente milhares de meninos e meninas de 15 a 17 devolvendo a esperança de que a mobilidade social pode ser feita pelo caminho lícito da ampliação da escolarização da qualificação e fundamentalmente da cidadania Conforme foi discutido nesse trabalho o fenômeno contemporâneo do ato infracional juvenil no Brasil devese sobretudo à desigualdade social ao não exercício da cidadania e às dificuldades das políticas públicas existentes alcançarem parcela expressiva de adolescentes que enfrentam toda sorte de dificuldades para manteremse estudando e para conciliar estudo e trabalho 37 As informações sobre a situação de escola trabalho e vitimização analisadas evidenciaram que o caminho para combater a violência e a criminalidade entre os jovens deveria ser a promoção dos direitos fundamentais como o direito à vida e dos direitos sociais preconizados na Constituição e no ECA de educação profissionalização saúde esporte cultura lazer e viver em família Entretanto o grave problema da situação de desproteção social em que se encontra parcela expressiva dos adolescentes brasileiros fica secundarizado diante da prioridade concedida pelo Congresso Nacional que colocou em pauta a tramitação de uma Proposta de Emenda à Constituição PEC 1711993 que prevê a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos Neste sentido a existência de deficiências e barreiras de acesso dos jovens pobres à educação e ao trabalho os dois principais mecanismos considerados lícitos de mobilidade e inclusão social da nossa sociedade bem como às estruturas de oportunidades disponíveis nos campos da saúde lazer e cultura contribuem para o agravamento da sua situação de vulnerabilidade social Sem escola sem trabalho ou com inserção laboral precária os jovens ficam mais desprotegidos e consequentemente mais expostos por exemplo à cooptação pelo crime organizado Conforme se tentou mostrar ao longo desse texto a grande maioria dos delitos cometidos por adolescentes são o roubo e o tráfico de drogas e não atos contra a vida que justificariam medidas mais severas de privação de liberdade por longos períodos As infrações contra o patrimônio e o tráfico de drogas constituíramse nos principais delitos praticados pelos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de privação de liberdade no Brasil nos últimos três anos Em 2011 roubo 3812 furto 56 e tráfico 2656 representaram juntos mais de 70 do total de delitos praticados pelos adolescentes detidos Em 2012 esses atos infracionais alcançaram aproximadamente 70 e 2013 cerca de 67 Por sua vez os atos considerados graves como homicídios 839 latrocínio 195 lesão corporal 13 e estupro 105 alcançaram em 2011 117 do total dos delitos praticados pelos adolescentes detidos no Brasil Em 2012 esses atos representaram 135 e em 2013 127 Além disso a redução da maioridade vai contra os princípios contidos na Constituição no ECA e nos tratados internacionais assinados pelo Brasil A legislação dos direitos da infância e da adolescência e especificamente à normativa que regula o atendimento socioeducativo ao adolescente em conflito com a lei sequer chegou a ser implementada de acordo com o preconizado na Constituição no ECA e no SINASE 38 Assim como pretender mudar aquilo que ainda não foi implementado em sua completude Como concluir que a legislação atual é ineficaz se a política pública que deveria traduzir e concretizar os princípios da lei não alcança o conjunto dos adolescentes brasileiros Por todas essas questões não respondidas ainda não é possível concluir que a legislação penal juvenil no Brasil não funciona tampouco se pode afirmar que a redução da maioridade penal irá diminuir o problema da criminalidade juvenil ou ainda que essa última seria mais efetiva do que as medidas preconizadas no ECA Nunca é demais lembrar que os avanços na legislação incluídos na Constituição de 88 foram resultado de mobilização e de intensas lutas da sociedade civil por um país mais justo e uma sociedade mais inclusiva e foram inspirados na visão de direitos sociais pertencente ao campo do projeto democráticoparticipativo que defende a integralidade dos direitos para todo o universo das crianças e adolescentes brasileiras independente de cor ou raça e qualquer outro atributo social Por fim nas discussões sobre esse tema é importante ter presente a possibilidade cada vez mais real da aplicação das medidas socioeducativas em meio aberto de liberdade assistida e de prestação de serviço para a comunidade O propósito dessas medidas para os adolescentes infratores é destinar atenção e acompanhamento com o objetivo de contribuir para o acesso a direitos e para a ressignificação de valores Desse modo não há isenção da responsabilização face ao ato infracional praticado uma vez que as medidas socioeducativas são sanções aplicadas em resposta aos delitos praticados por adolescentes Entretanto seu caráter pedagógico busca criar condições para a construçãoreconstrução de projetos de vida que visem à ruptura com a prática do ato infracional por parte de adolescentes e jovens REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOVAY Miriam et al 2002 Juventude violência e vulnerabilidade social na América Latina desafios para políticas públicas Brasília UNESCO BID BRASIL Constituição 1988 Constituição da República Federativa do Brasil Brasília DF Senado Federal Centro Gráfico 1988 292 p Estatuto da criança e do adolescente Brasília Presidência da República Casa Civil 1990 39 Marco legal saúde um direito de adolescentes Ministério da Saúde Secretaria de Atenção à Saúde Área de Saúde do Adolescente e do Jovem Brasília Editora do Ministério da Saúde 200760 p il Série A Normas e Manuais Técnicos ISBN 8533408560 CNJ Conselho Nacional De Justiça Panorama Nacional a execução das medidas socioeducativas de internação 2012 CNMP A visão do ministério público sobre o sistema prisional brasileiro Ano 1 edição 2013 Brasília CNMP 2013 httpwwwcnmpmpbrportalimagesportal 2013noticias2013Sistema20Prisionalwebfinal2pdf CNMP Um Olhar Mais Atento às Unidades de Internação e de Semiliberdade para Adolescentes 2013 pela Comissão de Infância e Juventude do Conselho Nacional do Ministério Público ESTEVÃO Roberto F A redução da maioridade penal é medida recomendável para a diminuição da violência Revista jurídica órgão nacional de doutrina jurisprudência legislação e crítica judiciáriav 55 n 361 p 115133 nov 2007 Disponível em httpwwwlexmlgovbrurnurnlexbrredevirtualbibliotecasartigorevista200710 00805405 Acesso em dezembro de 2014 IHA ÍNDICE DE HOMICÍDIOS NA ADOLESCÊNCIA Homicídios na Adolescência no Brasil IHA 2012 SDHUnicefObservatório de FavelasLAVUerj Brasília 2014 ILANUD Instituto LatinoAmericano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente Quando o Estado agride a criança Disponível em httpwwwuniceforgbrazil Acesso em 14abr2007 IPEAMJDCA Mapeamento nacional da situação das unidades de execução de medida de privação de liberdade 2002 LEVISKY David Léo Adolescência reflexões psicanalíticas São Paulo Casa do Psicólogo 1998 IPEA Boletim de Políticas Sociais Acompanhamento e Análise número 22 2014 IPEA Boletim de Políticas Sociais Acompanhamento e Análise número 23 2015 no prelo MEC Ministério Da Educação Responsabilidade e garantias ao adolescente autor de ato infracional uma proposta de revisão do ECA em seus 18 anos de vigência UFBA Salvador 2010 40 MJ Ministério Da Justiça Excesso de prisão provisória no Brasil um estudo empírico sobre a duração da prisão nos crimes de furto roubo e tráfico Bahia e Santa Catarina 20082012 Brasília Ministério da Justiça Secretaria de Assuntos Legislativos SAL Ipea 2015 112pil Série pensando o direito 54 NOVAES Regina Malestar medo e mortes entre jovens das favelas e periferiasInteresse Nacional ano 7 nº 27 outubrodezembro 2014 OLIVEIRA Carmem Silveira de Sobrevivendo no inferno Porto Alegre Sulina 2001 SARAIVA João Batista Costa Desconstruindo o mito da Impunidade um ensaio de direito penal juvenil Brasília 2002 SDH Secretaria de Direitos Humanos Atendimento socioeducativo ao adolescente em conflito com a lei Levantamento anual 2011 Brasília Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República 2012 SDH Secretaria de Direitos Humanos Levantamento anual dosas adolescentes em conflito com a lei 2012 Brasília Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República 2013 SDH Secretaria de Direitos Humanos NOTA Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo SINASE 2013 Brasília Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República 2015 SILVA Enid Rocha A GUERESI Simone Adolescentes em conflito com a lei situação do atendimento institucional no Brasil Texto para discussão nº 979 Brasília IPEA agosto de 2003 SILVA Enid Rocha A Aquino Luseni Ma Cordeiro Desigualdade Social Violência e Jovens no Brasil Brasília Andi 2004 Silva Enid Rocha A Projetos políticos e arranjos participativos nacionais os significados e os desdobramentos nos conselhos nacionais Unicamp 2013 Tese de doutorado TAVARES Heloisa Gaspar Martins Idade penal maioridade na legislação brasileira desde a colonização até o Código de 1969 Jus Navigandi Teresina a 9 n 508 27 nov 2004 Disponível em httpjus2uolcombrdoutrinatextoaspid5958 Acesso em 11 nov 2005 41 TONRY Micheal H Thinking about crime sense and Sensibility in American Penal Culture Oxford Oxford University Press 2006 ISBN 9780195304909 VOLPI Mário Sem liberdade sem direitos a experiência de privação de liberdade na percepção dos adolescentes em conflito com a lei São Paulo Cortez 2001 WAISELFISZ Júlio J Mapa da violência 2012 crianças e adolescentes do Brasil CEBELAFLACSO 2012 WAISELFISZ Júlio J Mapa da violência 2013 mortes matadas por armas de fogo CEBELAFLACSO 2013