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CRUZ Marcio A C da e PYLRO Simone C 64 CONFLUÊNCIAS Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito Vol 19 nº 1 2017 pp 6481 64 CONFLUÊNCIAS Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito Vol 16 nº 3 2014 pp 6085 RIBEIRO Vítor Eduardo Alessandri A FUNDADA SUSPEITA E A ABORDAGEM POLICIAL MILITAR ISSN 16787145 EISSN 23184558 CONFLUÊNCIAS Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito Artigo RESUMO Este trabalho buscou apresentar uma análise sobre os elementos concretos e sensíveis que levam policiais militares a desconfiarem de um cidadão e abordálo baseado na fundada suspeita O Objetivo foi discutir os principais elementos que justificam na concepção do policial militar do município de Vila Velha uma construção da fundada suspeita que culmine na abordagem policial à luz da legislação vigente O conflito encontrase no conceito de fundada suspeita que não foi definido por lei nem tampouco pelos doutrinadores conceito que permite a ação do Estado através do poder de polícia A metodologia adotada envolveu a pesquisa de campo cujo instrumento para coleta de dados foi a entrevista em profundidade junto à policiais militares que trabalham na área do 4º Batalhão de Polícia Militar lotados na 1ª Companhia localizada no Parque da Prainha centro e lotados na 4ª Companhia localizada no Residencial Jabaeté periferia que atuam no policiamento ostensivo A análise dos dados obtidos proporcionou verificar que para os policiais entrevistados a construção da fundada suspeita se dá principalmente através do comportamento suspeito do lugar suspeito relacionados ao horário principalmente na busca por drogas e armas Palavraschave segurança pública fundada suspeita abordagem policial ABSTRACT This work sought to present an analysis of the concrete and sensitive elements that lead military police officers to distrust a citizen and to approach him based on the wellfounded suspicion The objective was to discuss the main elements that justify in the conception of the military police of the municipality of Vila Velha a construction of the suspected foundation that culminates in the police approach in light of the current legislation The conflict lies in the concept of a well founded suspicion that has not been defined by law nor by the doctrinators a concept that allows state action through police power The methodology adopted involved the field research whose instrument for data collection was the indepth interview with the military police officers working in the 4th Military Police Battalion grouped in the 1st Company located in Prainha Park center and crowded in the 4th Company located in the Residencial Jabaeté periphery which operate in ostensive policing The analysis of the data obtained verified that for the police interviewed the construction of the suspected suspicion occurs mainly through suspicious behavior suspicious place related to the timetable mainly in the search for drugs and weapons Key words public security founded suspicion police approach Marcio A C da Cruz e Simone C Pylro Universidade Vila Velha Email tenentecezarhotmailcom Email simonepylrouvvbr A FUNDADA SUSPEITA E A ABORDAGEM POLICIAL MILITAR CONFLUÊNCIAS Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito Vol 19 nº 1 2017 pp 6481 65 ISSN 16787145 EISSN 23184558 CONFLUÊNCIAS Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito INTRODUÇÃO A proposta desse trabalho é realizar uma discussão em relação ao tema fun dada suspeita trazendo entendimento sobre a abordagem policial A explora ção do tema fundada suspeita não é uma novidade no campo acadêmico princi palmente pela subjetividade atribuída a ação do agente público incumbido da segurança pública Sendo assim esta pesquisa tem um foco específico sobre o policial militar do Estado do Espírito Santo PMES que atua diuturnamen te no policiamento ostensivo realizan do abordagens buscando entender os principais elementos concretos e sen síveis que justificam na concepção do policial militar do município de Vila Velha uma construção de fundada sus peita que culmine na abordagem Grande parte das ações da PMES está canalizada na atividade fim ou seja vol tada para o policiamento ostensivo e pre servação da ordem pública materializada na percepção do policial militar fardado circulando a pé ou em veículos patru lhando as ruas com o propósito de ofere cer segurança à população Assim como forma de evitar a ocorrência de delitos a ferramenta mais conhecida a disposição dos policiais é a Abordagem Policial As abordagens realizadas pelos poli ciais militares são ferramentas utilizadas pelo Estado para evitar a perturbação da paz social Antes é o Estado se movi mentando em direção das garantias in dividuais restringindo parte dessas mes mas garantias em nome da coletividade da segurança pública e da paz social assim em uma análise macro percebese que é o Estado quem aborda o cidadão Sendo o Estado uma criação dos ho mens através do pacto social ele se tor na responsável pela preservação da se gurança coletiva delegando aos órgãos específicos polícia essa função Diante deste pacto os cidadãos permitem que o Estado limite liberdades individuais em benefício da coletividade Em tese essa escolha não é alea tória depende basicamente de crité rios estabelecidos pelo policial como suspeitos Qualquer cidadão que esteja circulando a pé pelas ruas ou em qualquer meio de transporte po derá ser abordado e revistado pela polícia Mas na prática em meio a várias possibilidades apenas alguns serão escolhidos para sofrer a ação do Estado É uma ação seletiva que depende em larga medida de crité rios prévios de suspeição sejam eles aparência física atitude local horá rio circunstâncias ou alguma com binação desses e de outros fatores RAMOS MUSUMECI 2005 p 17 A Defesa do Estado e das Institui ções Democráticas é tão relevante que a Constituição Federal de 1988 tratou de forma individualizada sobre o tema esculpindo em seu artigo 144 que a segurança Pública dever do Estado direito e responsabilidade de todos é exercida para a preservação da ordem CRUZ Marcio A C da e PYLRO Simone C 66 CONFLUÊNCIAS Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito Vol 19 nº 1 2017 pp 6481 pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio reservando as polí cias militares e corpos de bombeiros militares esse papel de guardião Desse modo um dos objetivos é dis cutir os principais elementos concretos e sensíveis que justificam na concep ção do policial militar do município de Vila Velha uma construção da funda da suspeita que culmine na abordagem ao cidadão à luz da legislação vigente bem como verificar se a discriminação racial social ou econômica influencia na percepção da fundada suspeita para a realização da busca pessoal A ABORDAGEM POLICIAL COMO UM ATO ADMINISTRATIVO O Estado para alcançar os fins a que se destina é dotado de um conjun to de prerrogativas chamadas de Po deres Administrativos que conferem aos Agentes Públicos poderes para atuarem em nome do Estado Carva lho Filho 2014 poderes que não são ilimitados Devese ter de forma clara que a abordagem policial deriva de um encargo do Estado materializado em um Ato Administrativo típico cercado de alguns requisitos necessários a sua validade A abordagem policial é um ato administrativo típico executados pelo Estado através de seus agentes policiais militares pelo exercício das garantias constitucionais e pelo cum primento das normas infraconstitu cionais em favor das garantias sociais Para o exercício regular de suas funções a Administração Pública dis põe de poderes que lhe assegura a po sição de supremacia sobre o particu lar para atingir o objetivo do estado de prover a segurança preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio Como qualquer ato administrativo a abordagem policial possui os atributos da presunção da legitimidade impera tividade coercibilidade e autoexecuto riedade ou seja independentemente da anuência do cidadão o agente do Esta do poderá realizar a restrição tempo rária de garantias constitucionais sem a autorização prévia do poder judicial com base na fundada suspeita e com a finalidade de manter a ordem pública visando sempre o interesse público Na atuação vinculada o adminis trador quando da prática do ato admi nistrativo não possui liberdade pois uma vez preenchidos os requisitos le gais ele está obrigado a praticar o ato vinculado Ocorre quando a Lei esta belece um único caminho uma única solução diante de determinada situa ção fixando requisitos cujo agente do Estado deve seguir sem margem de análise subjetiva Di Pietro 2014 No poder discricionário a adminis tração pública diante do caso concreto tem a possibilidade de avaliar critérios de conveniência e oportunidade e es colher dentre algumas possibilidades a melhor solução A Lei não é capaz de A FUNDADA SUSPEITA E A ABORDAGEM POLICIAL MILITAR CONFLUÊNCIAS Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito Vol 19 nº 1 2017 pp 6481 67 prever todas as condutas dos agentes administrativos Di Pietro 2014 Em uma rápida análise sobre o po der discricionário localizado dentro dos poderes administrativos confor me o professor Carvalho Filho 2014 ainda que seja um termo sem precisão jurídica em seu sentido não é uma ação livre de parâmetros e controle O agente público necessariamente deve proceder conforme os pressupostos da norma ou seja legalidade e proporcionalidade Por isso quando se fala em discricio nariedade não se quer dizer que a von tade única e exclusiva do agente público vai prevalecer na verdade o ato discricio nário não é totalmente discricionário ele é pautado pelos requisitos da Lei Quan do o agente público extrapola os limites e pratica a ilegalidade está materializado o ato arbitrário ou desvio de poder A discricionariedade está relacio nada a liberdade de atuação dentro dos limites traçados pela lei Assim podese concluir que a discricionariedade do policial militar é mitigada ou seja será sempre relativa quanto à competência à forma e à finalidade do ato O policial militar estará subordinado ao que a lei dispõe como para qualquer ato vincula do Para a prática do ato discricionário o agente público deverá ter competên cia legal obedecer a forma prescrita em lei e principalmente atender à finalida de do interesse público Analisando concretamente uma abordagem policial na hora em que o policial elege um cidadão e atribui a ele a qualidade de elemento suspeito com base na fundada suspeita a discriciona riedade inicialmente estará presente na percepção de elementos sensíveis ges to comportamento atitude ambiente ou elementos concretos volume sob a cintura materiais provenientes de cri mes que despertaram no profissional a sua atenção para algo que fugiu a nor malidade discricionariedade Toda via para materializar a intervenção do Estado o profissional deverá se pautar pelos princípios legais para realizar a abordagem poder vinculado O que se deve ter em mente é que há uma diferenciação entre os poderes que o Estado utiliza para atingir a sua finalidade denominado poder de po lícia das ferramentas colocadas à dis posição do órgão institucional respon sável pela segurança da sociedade aqui reconhecido como o poder da polícia objetivando a preservação da ordem pública policiamento ostensivo repres são a infração fiscalização de trânsito e ambiental condução em flagrante au tuações entre muitas ações Assim quando a Polícia Militar exerce o Poder de Polícia ela estará li mitando ou condicionando a liberdade intimidade privacidade ou seja direi tos individuais em benefício da coleti vidade como qualquer representante do Estado Agora quando ela efetivamente age com a função de garantir a ordem pública através de ferramentas técnicas CRUZ Marcio A C da e PYLRO Simone C 68 CONFLUÊNCIAS Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito Vol 19 nº 1 2017 pp 6481 como a abordagem policial ela estará fazendo uso do poder da polícia para exercer sua função constitucional QUEM SÃO OS ELEMENTOS SUSPEITOS Nessa seção serão realizadas aná lises e comparações com pesquisas de outros autores que foram inquietados pelo tema fundada suspeita e aborda gem policial Principalmente como foi percebida a figura do elemento suspeito pelos policiais militares de outras uni dades da federação Em 2005 as pesquisadoras Ramos e Musumeci realizaram um trabalho de pesquisa que culminou na edição do livro Elemento Suspeito abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro Os objetivos da pes quisa eram conhecer as experiências do contato da população carioca com a polícia entender os mecanismos e critérios da construção da suspeita por parte dos policiais militares e a influência de alguns fatores externos como econômicos e raciais na defini ção de Elemento Suspeito As entre vistas foram realizadas com policiais da baixada fluminense e com grupos focais de jovens Conforme o resulta do da pesquisa o perfil dos indivíduos abordados variou por gênero raça ou cor e classe social Proporcionalmente os homens jovens negros e de menor renda e escolaridade são os mais abor dados segundo as autoras Na conclusão do mestrado pela Universidade Federal de Pernambu co em 2008 Barros apresentou uma pesquisa realizada com alunos que estavam ingressando nas carreiras de Oficiais e Soldados bem como com profissionais que já estavam em ativi dade na Policia Militar de Pernambu co O problema principal elencado foi analisar o motivo pelo qual os policiais militares pernambucanos priorizavam abordar as pessoas negras para depois abordar as pessoas brancas quando presentes em um mesmo ambiente O pesquisador buscou entender a lógica do mecanismo que elege o negro como prioridade na abordagem policial pela polícia pernambucana O resultado foi a construção do sus peito ligado a fatores de gênero como jovem do sexo masculino comporta mentais como ficar nervoso tentar se esquivar da polícia ou andar de presa quando vê uma viatura étnica pela pre ferência pela cor de pele pardanegra social como baixa escolaridade tipo de vestimentas tatuagem jeito de andar e falar morar em bairros humildes Para justificar seu posicionamento Barros 2008 faz uma costura partin do de elementos históricos como a for ma como se deu a abolição da escrava tura o controle e vigilância dos pobres e negros livres por parte da polícia e a manutenção da estrutura de poder nas mãos da elite da época Como resul tado verificou que a maioria dos en A FUNDADA SUSPEITA E A ABORDAGEM POLICIAL MILITAR CONFLUÊNCIAS Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito Vol 19 nº 1 2017 pp 6481 69 trevistados percebem que os negros e pardos são priorizados nas abordagens e na visão dos policias pernambucanos o suspeito é predominantemente jo vem masculino e negro Na dissertação A lógica da Polícia Militar do Distrito Federal na Constru ção do Suspeito apresentada por Silva 2009 ao Departamento de Sociolo gia da Universidade de BrasíliaUnB o autor cita que as abordagens policiais constituem interações sociais rotinei ras entre o cidadão e o policial que po dem traduzir de certa forma as relações complexas entre a Sociedade Civil e o Estado Nesse trabalho ele faz uma ava liação dos critérios utilizados pelos po liciais militares do Distrito Federal para classificar uma pessoa como suspeita Ainda sobre a pesquisa realizada por Silva 2009 ele construiu catego rias para a condição de suspeitos per cebidos pelos Policiais Militares do Distrito Federal iniciando pelo sus peito judicial após o crivo do poder judiciário do ato criminoso com com provação de autoria e materialidade depois o suspeito criminal indivíduo qualificado pelos policiais como aquele que teve algum envolvimento criminal que marcou a sua reputação social passando pelo indivíduo suspeito tipo de controle social exercido pelos poli ciais que buscam alguma desordem do ambiente Ação Suspeita os policiais buscam certas ações movimentos comportamentos gestos olhares que serão interpretados como suspeitos e por fim a Situação Suspeita espécie de controle do local e da adequação entre o indivíduo e o ambiente A pesquisa realizada pela Doutora em Ciências Política Tânia Pinc pela Universidade de São Paulo através de um survey com policiais militares que trabalham na cidade de São Paulo co letou dados sobre a percepção dos po liciais a respeito dos diferentes aspec tos da fundada suspeita na abordagem e da influência de fatores como raça cor e condições socioeconômicas Em sua pesquisa Pinc 2014 defende o ele mento situacional como um dos mais importantes no momento do encontro entre a polícia e o público na hora da decisão pela abordagem Sustenta que a fundada suspeita pode ser explicada por três fatores situacionais atitude da pessoa abordada no encontro com o policial taxas criminais do entorno e características do ambiente do local do encontro Acrescenta ainda que o po licial paulista ao abordar uma pessoa negra ou pobre não o faz diretamente com base em filtros raciais ou sociais mas sim pela situação em que se deu esse encontro com a polícia No artigo escrito por Souza e Reis 2014 eles investigaram os fatores tomados como referência pelos policiais militares do Estado do Pará na análise da percepção na identificação de indi víduos que consideram suspeitos nos bairros periféricos da cidade de Belém CRUZ Marcio A C da e PYLRO Simone C 70 CONFLUÊNCIAS Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito Vol 19 nº 1 2017 pp 6481 Os autores também defendem três circunstâncias para a construção da condição de suspeito o lugar suspeito a situação suspeita e a característica sus peita Na análise desses autores o lugar é um fator preponderante para a iden tificação de que potenciais delitos pos sam ocorrer sendo a situação o favore cimento para o cometimento do delito e as características suspeitas seriam as adjetivações negativas atribuídas pelos policiais como tatuagem modo de ves tir tipo de corte e coloração do cabelo entre outros 2014 p 130 Ainda a construção do suspeito na percepção dos policiais militares do Pará evidencia construção da condição de sus peição tendo como referência determi nados espaços urbanos públicos sendo assim os indivíduos que estão em deslo camento pelas ruas ou parados em esqui nas estão mais suscetíveis a serem consi derados suspeitos Souza e Reis 2014 AS MARCAS QUE MARCAM ESTIGMAS E ESTEREÓTIPOS A Bíblia Sagrada narra em Gêneses 415 a história do primeiro homicídio em que Cain matou seu irmão Abel En tão Deus como uma forma de punição amaldiçoou Cain e fez nele uma marca para que todos o identificassem Essa situação ilustra uma prática que pode ser observada em outros períodos da história em algumas sociedades em que se utilizavam marcas como forma de identificar elementos potencialmen te nocivos ou pessoas que deveriam fi car à margem da sociedade Por exemplo os gregos utilizavam marcas corporais como recursos vi suais para evidenciar o estatus moral de um indivíduo para identificálo pu blicamente Assim todos que vissem essa marca reconheceriam um escravo um criminoso ou um traidor SOU ZA REIS 2014 Pois bem a socieda de evoluiu e a forma de estigmatização também além das marcas físicas outras formas são utilizadas para diferenciar o que se considera perigoso Na obra Estigma Notas Sobre a Ma nipulação da Identidade Deteriorada do autor Erving Goffman 1988 ele faz uma análise dos conceitos de estigma buscando traçar um paralelo da infor mação que o indivíduo transmite sobre si e como essa informação é interpreta da pelos outros que com ele interagem Transcendendo para o século XXI al guns dos exemplos mencionados por Go ffman ainda são atuais mas outros com portamentos desviantes Becker 2008 poderiam ser acrescentados a sua lista tais como estilo de cabelo roupas e aces sórios gosto musical tatuagens piercing e culturas próprias de cada grupo social O termo estigma quase sempre é empregado como um sinônimo de carac terística depreciativa do indivíduo não apenas como um atributo pessoal mas uma forma de designação social Pode se perceber que certos fatores pessoais sociais ou geográficos podem fazer surgir A FUNDADA SUSPEITA E A ABORDAGEM POLICIAL MILITAR CONFLUÊNCIAS Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito Vol 19 nº 1 2017 pp 6481 71 ou reforçar a percepção do estigma na so ciedade e por fim na atividade policial O estigma econômico pode ser bem compreendido na obra Vidas Des perdiçadas 2005 do autor Zygmunt Bauman em que nos convida a uma reflexão profunda sobre o caminho em que a humanidade está percorrendo dialogando com Goffman 1988 sobre a percepção do ser enquanto parte da cadeia econômica produtor e consumi dor enquanto o indivíduo sobre si e como ele é interpretado pela sociedade Em uma sociedade globalizada de consumo o ser humano só tem valor enquanto ele transita pela ca deia social dos que consomem caso contrário ele se torna uma pessoa sem utilidade assim será classificado como refugo humano um produto colateral da modernização econômica BAUMAN 2005 p 75 Ainda na visão do autor eles o lixo humano só se tornam perceptíveis quando ameaçam a segurança do nós pois o medo deles faz com que seja ne cessário criar barreiras para separar o refugo humano em depósitos de dejetos Parece um discurso duro de uma realidade distante mas na verdade é uma provocação para se olhar para os presídios e perceber que uma de suas funções era a de reciclar o lixo huma no social porém com a quantidade de dejetos humanos foi se tornando cada vez maior a quantidade demasiada de les que oportunizou o surgimento dos guetos e a massificação da cultura do lixo BAUMAN 2005 METODOLOGIA A metodologia foi baseada em pesquisa realizada de forma qualitati va através de um roteiro de entrevis ta aplicado a 10 policiais militares de duas Companhias do 4º Batalhão da PMES A escolha por estas duas Com panhias se deu em função de serem duas regiões permeadas de antagonis mos sociais econômicos culturais de desenvolvimento de distribuição de renda de diferenças em pavimen tação e de saneamento básico entre outros fatores estruturais O roteiro de entrevista apresentou questões sobre a aspectos ligados ao conhecimento dos policiais sobre o con ceito de fundada suspeita b possíveis influências de estereótipos sobre o con ceito de fundada suspeita dos policiais participantes do estudo assim como c dados para melhor caracterização dos participantes Além disso apresentou se aos participantes uma situaçãopro blema para que o entrevistado avaliasse uma abordagem realizada na 1ª Com panhia e na 4ª Companhia na posição de expectador e depois como agente As entrevistas foram realizadas ao longo do segundo semestre de 2016 posteriormente foram gravadas na ín tegra e transcritas para análise e cate gorização da construção do suspeito assim a partir das perguntas formula CRUZ Marcio A C da e PYLRO Simone C 72 CONFLUÊNCIAS Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito Vol 19 nº 1 2017 pp 6481 das no roteiro foi elaborado subcatego rização para cada um dos participantes Essa subcategorização consistiu em agrupar as respostas dos participantes ligadas diretamente aos temas concei to motivação características atitude lugar e horário Os dados levantados a partir do trabalho foram coletados e analisados com base no método clínico O método clínico procura descobrir o que está por trás da aparência de sua conduta Delval 2002 p 67 muito se assemelha a uma conversa ou um diálo go A sua essência é a interação para a construção de idéias e opiniões O que o diferencia de outros métodos é a in tervenção sistemática do pesquisador diante da atuação do sujeito e como res posta às suas ações ou explicações pois procura analisar o que está acontecen do e esclarecer seu significado com in tervenções e perguntas guiadas Cada participante constrói representações da realidade à sua volta e revelam isso ao longo da entrevista ou de suas ações Delval 2002 Dentro das equipes de serviço há policiais militares de várias graduações como Sargentos Cabos e Soldados pro porcionalmente ao tempo de serviço tra zendo em suas trajetórias profissionais significativa carga de conhecimentos e experiências na atuação como policiais O processo de escolha amostral consistiu em um sorteio onde o efetivo policial da 1ª e 4ª Companhias foram separados por graduações O nome dos militares com as respectivas com panhias e graduações foram colocados em caixas distintas no qual foi sortea do 01 sargentos 01 cabos e 03 solda dos para cada Companhia ANÁLISE DOS DADOS A discussão dos dados obtidos foi rea lizada tomando como referência as técni cas de análise de conteúdo de Bardin Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando a obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensa gens indicadores quantitativos ou não que permitam a inferência de conheci mentos relativos às condições de produ çãorecepção variáveis inferidas destas mensagens BARDIN 2011 p 47 Durante a análise das entrevistas foi possível verificar uma situação que pou co é levado em consideração a fundada suspeita por parte do cidadão Quando uma pessoa liga para o telefone 190 e relata que tem um elemento suspeito realizando alguma atitude suspeita tra jando tais vestimentas com tais carac terísticas significa que a fundada sus peita partiu de uma pessoa que não atua na esfera da segurança pública mas de certa forma tem consigo enraizado esse conceito de elemento suspeito Todo o significado dessa expressão também foi absorvido pela população então não é só o policial militar que desconfia que suspeita mas qualquer pessoa que ob serva uma cena fora do normal tam A FUNDADA SUSPEITA E A ABORDAGEM POLICIAL MILITAR CONFLUÊNCIAS Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito Vol 19 nº 1 2017 pp 6481 73 bém constrói essa percepção Assim a discussão sobre a discricionariedade do policial em abordar quem ele quiser fica fragilizada diante da possibilidade de a ação da busca pessoal ser direcio nada por outra pessoa A diferença vai estar justamente na percepção dos elementos concretos e sensíveis que vão culminar na aborda gem porque nessa situação o policial não presenciou a atitude suspeita não visualizou armas ou uma saliência so bre a blusa objetos provenientes de furto consumo de drogas mas mesmo assim ele é enviado para o local com o objetivo de identificar esse cidadão que passou a ser suspeito aos olhos de um outro cidadão para abordálo Temse dois tipos de situação que desencadeiam a ação da polícia a pri meira pode ser provocada pelo cidadão que através do telefone 190 relata uma situação ao qual está presenciando e considera suspeita A outra situação parte da iniciativa do próprio policial que com sua percepção criou uma sus peição sobre a atitude de alguém que chamou sua atenção saindo de uma si tuação comum dentro de um determi nado cenário e atribuindo a alguém a qualidade de suspeito O resultado será o mesmo ou seja a abordagem policial com base na fundada suspeita própria ou de terceiros com emprego dos mais diferentes níveis de técnica policial Ao analisar as respostas referente ao conceito da fundada suspeita foi per cebido que apesar do tempo decorrido entre a sala de aula e a atividade práti ca muitos entrevistados trouxeram ele mentos que foram ensinados no curso de formação ou aperfeiçoamento Al guns entrevistados embora não elabo rassem respostas com termos técnicos apontaram o comportamento como o principal fator gerador da suspeição Aliado a isso foi percebido elementos como gestos observação de volume na cintura fora do normal objetos semelhantes provenientes de ilícitos leitura corporal como nervosismo aparente reações inusitadas arremes sar algo no chão mudança de atitude ou direção sinalizar a aproximação da viatura ou seja elementos que na percepção do profissional de seguran ça pública fogem à normalidade Outra descoberta importante nas entrevistas foi o que Silva 2009 p 59 chamou em sua pesquisa de saberes policiais ou currículos ocultos conhe cimentos adquiridos pelos policiais de maneira informal durante a vivência da prática profissional Vários entrevista dos enfatizaram que durante o período de formação o conteúdo teórico sobre a fundada suspeita ministrado em sala de aula era bem abrangente contudo a ên fase principal foi que a atividade policial se aprende é na prática no dia a dia Uma característica muito peculiar destacada pelos militares nas entre vistas foi o aprendizado reiterado pela prática conhecida no meio policial CRUZ Marcio A C da e PYLRO Simone C 74 CONFLUÊNCIAS Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito Vol 19 nº 1 2017 pp 6481 como tirocínio O tirocínio é uma per cepção mais apurada de fatos que estão relacionados à atividade prática situa ções que se repetem no cotidiano e dão ao policial uma visão diferenciada do caso concreto Seriam ensinamentos complementares ao que é trazido na sala de aula pela teoria Em outras palavras é possível que policiais desenvolvam uma concepção pessoal sobre as características do sus peito durante suas várias interações com os cidadãos ambiente situações seja em abordagens ou seja em respos ta às chamadas do 190 Assim o po licial poderia configurar modelos sub jetivos de uma variedade de tipos de encontros entre a polícia e o cidadão podendo criar uma figura daquilo que considera uma fundada suspeita Uma das perguntas do questionário tentou investigar se havia uma pressão dos escalões superiores para que os po liciais realizassem abordagens durante o turno de serviço sendo que apenas dois policiais do grupo de dez entrevistados disseram que se sentiam pressionados a realizar abordagens Essa resposta veio acompanhada da justificativa de que por atuar em grupo de policiamento especializado havia uma cobrança por produtividade na apreensão de drogas e armas Outro argumento elencado foi a necessidade que a instituição tem de produzir dados através das ocorrências geradas pelas abordagens para apresen tar estatísticas à sociedade O restante do grupo afirmou que não havia pres são dos superiores hierárquicos para que realizassem abordagens embora todos fossem uníssonos em dizer que a prática da abordagem policial era uma atividade constante Esse questionamento se torna per tinente ao se avaliar a liberdade do po licial em realizar seu trabalho de forma livre e consequentemente ter liberda de na hora de conceber os elementos que compõem a fundada suspeita A pressão dos superiores por resultados poderia tirar do profissional que está na ponta da execução a discricionarie dade de escolher o momento certo para realizar a abordagem em troca de cum primento de metas Um fato muito interessante cons tatado nas respostas dos participantes foi que após a busca pessoal os entre vistados explicam ao cidadão abordado o motivo que levou os policiais a rea lizarem a abordagem independente mente se foi uma suspeição do próprio policial ou se foi uma demanda de um cidadão que acionou o 190 Isso leva a inferir que as abordagens são baseadas em uma suspeita fundamentada em ele mentos concretos ou sensíveis na per cepção do policial ou do cidadão isto é nas entrelinhas percebese que a apro ximação do policial é motivada por ele mentos captados a partir da interação policial versus cidadão Pinc 2014 define muito bem em poucas palavras esse contexto O poli A FUNDADA SUSPEITA E A ABORDAGEM POLICIAL MILITAR CONFLUÊNCIAS Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito Vol 19 nº 1 2017 pp 6481 75 cial deve ter clareza sobre o motivo da escolha se ao final da abordagem não souber explicar é porque aquela abor dagem não deveria ter sido realizada 2014 p 41 Uma característica que se repete durante a abordagem são as perguntas direcionadas a pessoa que se encontra na situação de suspeito Quase sempre estão ligadas a identificação da pes soa como nome idade filiação revela quem são onde mora para onde está indo o que está fazendo naquele local designação geográfica se trabalha ou estuda estatus social tentando captar informações para descartar ou reafir mar a fundada suspeita Esta fase da entrevista foi mui to bem descrita na pesquisa de Silva 2009 em que ele cria categorias para a condição de suspeitos percebidos pelos Policiais Militares do Distrito Federal iniciando pelo Suspeito Judicial quando já houve uma comprovação pela justi ça do ato criminoso depois o Suspeito Criminal em que o cidadão teve algum envolvimento criminal que marcou a sua reputação social passando pelo In divíduo Suspeito que seria um tipo de controle social do ambiente exercido pelos policiais a Ação Suspeita em que os policiais buscam no comportamen tos gestos olhares movimentos ações que serão interpretadas como suspeitas e por fim a Situação Suspeita que seria uma espécie de controle de adequação entre o local e o indivíduo O diagnóstico apontado por Silva 2009 muito se assemelha a percepção dos policiais do 4º BPM que durante o encontro com o cidadão em atitu de suspeita formulam perguntas para tentar identificar se a pessoa abordada possui algum registro criminal se está com mandado de prisão em aberto se é conhecido da guarnição em virtude de outras abordagens ou envolvimento com o tráfico de entorpecentes ou ain da em que região ele mora o que pode traduzir o estigma geográfico Tentar padronizar as características consideradas suspeitas pelos policiais pode ser uma ação estéril pois cada ser humano carrega consigo valores e con ceitos construídos durante uma vida de aprendizados e interações A ideia de formatar condutas comportamentos ou regras sociais em um mundo glo balizado pode acabar gerando estereó tipos e discriminações Becker 2008 Essa questão foi percebida nas respostas dos entrevistados quando questionados sobre as características que o elemento suspeito demonstra e que desperta no policial ou na sociedade a desconfiança Ainda que a resposta esperada fosse jo vens negros ou pardos do sexo mascu lino bermudas largas e folgadas quase caindo cordões brincos e piercing bo nés coloridos ou de aba reta tatuagens pelo corpo cabelos pintados ouvindo determinado ritmo de música Souza e Reis 2014 Silva 2009 essa expectati va não se confirmou Assim como bem CRUZ Marcio A C da e PYLRO Simone C 76 CONFLUÊNCIAS Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito Vol 19 nº 1 2017 pp 6481 apontou Pinc 2014 a percepção da fundada suspeita depende em muito da interação entre o policial cidadão e o ambiente Como não há uma roti na nas ações policiais e todo cidadão tem liberdade de se expressar através de várias formas e em qualquer lugar elencar uma relação de características consideradas suspeitas não traria efeti vidade ao trabalho policial Outro fator que desperta a atenção dos policiais capixabas para realizar a abordagem está ligado intimamente ao local que a pessoa a ser abordada se encontra Locais que o policial mili tar classifica como de intenso tráfico a probabilidade de que as pessoas que ali circulam sejam abordadas é muito maior Este fato pode estar diretamente ligado a política de segurança do Estado que enxerga no traficante o responsável pelo elevado índice de criminalidade Além dos fatores mencionados as ações da polícia também são direciona das pelas taxas de criminalidade pelo clamor público e por respostas políti cas paliativas à sociedade Quando uma determinada região apresenta aumento nos índices de homicídios ou elevação das taxas de crimes contra o patrimônio a primeira reação é deslocar o contin gente policial para o local para realizar abordagens para tentar conter o avanço da criminalidade Conforme foi apura do uma grande porcentagem das abor dagens realizadas pelos pesquisados ocorrem em regiões em que o mapa da criminalidade aponta uma vulnerabili dade na segurança pública sendo assim há um prédirecionamento das esca las de serviço para essas localidades o que no dia a dia do policial é conheci do como saturação de área reforço do policiamento a pé e motorizado em de terminados locais e horários e pontos de bloqueios blitz em resposta ao au mento do crime ou quando é pressiona da pela mídia Novamente o tráfico de entorpecentes se torna o carro chefe na repressão a criminalidade até por que agregado a ele certamente ocorrem ou tros delitos em associação No artigo publicado por Souza e Reis 2014 eles entendem que o lugar é um fator preponderante para a iden tificação de que potenciais delitos pos sam ocorrer destacando a construção da condição de suspeição tendo como referência determinados espaços urba nos públicos sendo a situação o favore cimento para o cometimento do delito e as características suspeitas seriam as adjetivações negativas atribuídas pelos policiais como tatuagem modo de ves tir tipo de corte e coloração do cabelo entre outros 2014 p 130 Quando perguntados aos partici pantes sobre o que eles esperam encon trar em uma abordagem policial 9 en tre 10 responderam armas e drogas ou seja a materializada palpável do ilícito De certa forma o policial é motivado in trinsecamente a localizar esses objetos para que seu trabalho seja reconhecido A FUNDADA SUSPEITA E A ABORDAGEM POLICIAL MILITAR CONFLUÊNCIAS Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito Vol 19 nº 1 2017 pp 6481 77 pelos companheiros de trabalho e supe riores que consideram essas apreensões uma espécie de troféu conquistado por realizar um bom trabalho Dentro do ambiente da corporação há uma super valorização para o policial que durante o turno de serviço consegue apreender armas de fogo ou entorpecentes em grande quantidade Essa ação é digna de elogio na ficha funcional parabeni zações dos companheiros e entrevistas nos meios de comunicação Isso de cer ta forma fomenta no policial a vontade realizar mais abordagens para conse guir encontrar mais drogas e armas Nesta questão pode ser problema tizada a situação da produtividade da valorização pessoal e do reconhecimen to profissional através da quantidade de apreensões de armas e drogas o que im plica no maior número de abordagem que por sua vez recai sobre o cidadão o ônus de suportar a busca pessoal Na pesquisa foram inseridos ques tionamentos sobre a influência da dis criminação racial social e econômica na construção da fundada suspeita Os da dos obtidos através das respostas dos 10 policiais revelam que esses participantes não levam em consideração ao contrá rio do senso comum o fator racial como primordial para a abordagem policial ao passo que os fatores social e econô mico são citados em suas respostas Novamente aderindo a discussão apresentada por Pinc 2014 a atitude dos atores envolvidos é um dos elemen tos mais importantes para determinar se a abordagem ocorrerá Em primeiro plano somente o fator cor de pele não seria decisivo para desencadear a busca pessoal no cidadão PINC 2014 p47 A aproximação policial não ocorre ria pelas características físicas por dis criminação racial ou estereótipos mas sim porque a atitude suspeita chama a atenção Caminhando no sentido in verso da pesquisa de Barros 2008 em Pernambuco que revelou a filtragem racial racial profiling como um dos principais fatores levado em considera ção na hora da abordagem As entrevistas mostraram que a pre sença dos fatores situacionais foram muito mais fortes do que propriamen te a discriminação racial Apesar da pesquisa não ser conclusiva podese perceber que no universo dos policiais pesquisados não houve referência dire ta a importância da cor da pele na for mação da suspeição Embora houvesse um distanciamento do filtro racial foi percebido a influência negativa de fato res sociais e econômicos nas falas dos entrevistados que apontaram essas ca racterísticas como direcionadores se cundários na formação do conceito de elemento suspeito Como uma medida de profilaxia social as ações repressivas são desen volvidas rotineiramente com o propó sito de conter o avanço da violência Nas áreas de maior circulação de capi tal a ação da polícia está voltada para a CRUZ Marcio A C da e PYLRO Simone C 78 CONFLUÊNCIAS Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito Vol 19 nº 1 2017 pp 6481 formação de um cordão de isolamento objetivando impedir distúrbios sociais nesses locais A polícia na área pobre tenta impedir ou conter a violência com ações repressivas isso inclui o controle geográfico dos que ali moram ou circu lam e uma forma sutil de manter a or dem e o controle dos corpos é através da abordagem policial Nas áreas ricas a polícia atua tentando identificar indiví duos que não possuem vínculos com o espaço geográfico vigiando aqueles que destoam do ambiente através de vesti mentas e comportamentos estranhos ao cenário Qualquer pessoa que esteja destoando do ambiente possivelmente será alvo de uma abordagem policial para identificação e controle Por fim foi apresentada aos par ticipantes uma situação hipotética de uma abordagem a duas pessoas para das à noite em uma esquina para que eles avaliassem o motivo que possivel mente teria levado a guarnição a reali zar a abordagem policial Inicialmente no bairro de periferia conhecido como Terra Vermelha na área da 4ª Compa nhia e posteriormente a mesma aná lise no bairro Praia da Costa conside rado de classe médiaalta no litoral da área da 1ª Companhia A intenção era fazer com que os participantes se colocassem na posi ção de avaliador da ação dos colegas de profissão e ao mesmo tempo através do método clínico fazer com que eles repensassem as suas condutas caso es tivessem se deparado com tal situação Novamente a maior proporção dos entrevistados apontou os fatores lo cal horário e tráfico de entorpecentes como os principais fatores justificadores da ação de abordagem o que nos leva a crer que estes elementos compõem a base para a formação da suspeita poli cial dos militares pesquisados Nenhum deles teve um destaque isolado pois na visão dos policiais há a necessidade que eles estejam agregados para ratificar a fundada suspeita Não que exista um que se sobressaia sobre o outro mas a aproximação do policial se dá por diver sos fatores conjugados as circunstâncias Como bem pontuado por Silva 2009 as ações policiais estão quase sempre direcionadas para suspeitos de determinados tipos de crimes princi palmente os crimes visíveis realizados em espaço público A divisão geográfi ca do espaço público contribui para o direcionamento das ações policiais tor nandose em controle social e controle de higienização realizado de diferentes maneiras em diferentes lugares com di ferentes indivíduos CONSIDERAÇÕES FINAIS Esse estudo faz uma análise das prá ticas dos policiais militares do 4º BPM ES sobre a ótica dos próprios policiais militares pontualmente relacionada à abordagem policial com base na fun dada suspeita própria ou de terceiros apenas uma partícula dentre os inúme A FUNDADA SUSPEITA E A ABORDAGEM POLICIAL MILITAR CONFLUÊNCIAS Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito Vol 19 nº 1 2017 pp 6481 79 ros e complexos aspectos do trabalho realizado pela polícia militar Foi verificado que tanto na área da 1ª Companhia como na área da 4ª Com panhia do 4º BPMES a composição dos elementos concretos e sensíveis se deu através da interação com o cidadão Pontualmente os elementos concretos que mais foram elencados estão relacio nados aos sentidos visuais como volume sobre as vestes objetos semelhantes aos provenientes de ilícitos tipos de rou pas tatuagens utilização de acessórios como boné e cordões indivíduos para dos próximo a comércios em pontos de ônibus e em locais identificados como de venda de entorpecentes Em relação aos elementos sensíveis estes se deram mais dentro da percepção do tirocínio policial como o nervosismo horário alteração de comportamento mudança de direção reação a presença da polícia Fazendo uma comparação dos ele mentos concretos e sensíveis com a percepção dos policiais da 1ª e 4ª Com panhias foi verificado que todos eles possuem em sua construção de elemen to suspeito a junção de vários fatores entretanto foi percebido que o local é o que mais influencia no desencadea mento dessa análise Como foi explanado qualquer ci dadão que esteja circulando a pé pelas ruas ou em qualquer meio de transpor te poderá ser abordado e revistado pela polícia Mas na prática em meio a vá rias possibilidades apenas alguns serão escolhidos para sofrer a ação do Esta do É uma ação seletiva que depende de critérios prévios compreendidos como de suspeição sejam eles aparência físi ca atitude comportamento local ho rário circunstâncias ou algumas com binações entre esses e de outros fatores A discricionariedade na ação do po licial na escolha deve estar relacionada a liberdade de atuação dentro dos li mites traçados pela lei Assim podese concluir que a discricionariedade do policial militar é mitigada ou seja será sempre relativa quanto à competência à forma e à finalidade do ato O poli cial militar estará subordinado ao que a lei dispõe como para qualquer ato vinculado Contudo o subjetivismo nas abordagens policiais não pode repou sar livremente apenas sobre o tirocínio do profissional que permite ao policial errar várias vezes fazendo diversas abordagens até que consiga encontrar alguém que esteja em flagrante delito podendo dar margem a estereótipos so ciais geográficos e econômico É importante destacar que limitar as ações policiais de forma taxativa também poderá trazer um grande prejuízo na medida em que a substituição da fundada suspeita por um conceito restritivo de ações deixe de contemplar situações fáticas e mais complexas não previsíveis em Lei Criar um protocolo sobre elementos de suspeição para a abordagem pode retirar do profissional toda a expertise acumulada durante CRUZ Marcio A C da e PYLRO Simone C 80 CONFLUÊNCIAS Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito Vol 19 nº 1 2017 pp 6481 anos de trabalho e relegálo a um mero cumpridor de ordens nesse aspecto a sociedade teria muito a perder A pesquisa expõe a necessidade de delimitar juridicamente o que venha a ser o termo fundada suspeita presente principalmente no Código de Processo Penal e Código de Processo Penal Mi litar em prol garantia de direitos fun damentais da sociedade e da segurança jurídica do trabalho do policial militar que sempre estará atuando no limiar da ilegalidade para conciliar o dever de manter a ordem pública e as garantias do Estado Democrático de Direito Uma crítica pertinente levantada nos estudos de Pinc 2014 é a falta de mensuração da eficiência em se abordar um elevado números de cidadãos para comprovar que um ou outro estava na pose de arma droga ou qualquer outro objeto ilícito Há a necessidade de de senvolvimento de pesquisas para apu rar se realmente a abordagem policial surte o efeito esperado tanto por parte da sociedade como por parte da Polícia Outro ponto que merece muito des taque é a percepção de suspeito na óti ca do cidadão como essa questão não era o foco da pesquisa não foi possível aprofundar contudo podese perceber que há uma grande participação da so ciedade no acionamento da polícia para realizar abordagens a pessoas que são alçadas a condição de suspeito Calha nesse momento perguntar será que a sociedade entende o caráter da suspei ção da mesma forma que os policiais ou essas condutas diferenciadas são enxer gadas através do desvio social REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS A BÍBLIA SAGRADA O Velho e Novo Testamento Tradução de João Ferreira de Almeida Edição rev e atua lizada no Brasil Brasília Sociedade Bí blia do Brasil 1969 BARDIN Laurence Análise de con teúdo São Paulo Edições 70 2011 Dis ponível em httpwwwmediafirecom filevn40yu9w6ncw2hsdocslidecom brbardinlaurenceanalisedeconteu dopdfpdf Acesso em 31102016 BARROS Geová da Silva Filtragem Racial a cor na seleção do suspeito Revista Brasileira de Segurança Pública Ano 2 Edição 3 julagos 2008 Dispo nível em wwwforumsegurancaorgbr revista Acesso em 20052015 BAUMAN Zygmunt Vidas desper diçadas Rio de Janeiro Zahar 2005 BECKER Howard Saul 1963 Ou tsiders estudos de sociologia do desvio Rio de Janeiro Zahar 2008 Constituição 1988 Constituição da República Federativa do Brasil Brasília DF Senado Federal 1998 CARVALHO FILHO José dos San tos Manual de direito administrativo 27 ed rev atual e ampl São Paulo Atlas 2014 DEVAL Juan Introdução à prática do método clínico descobrindo o pensa A FUNDADA SUSPEITA E A ABORDAGEM POLICIAL MILITAR CONFLUÊNCIAS Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito Vol 19 nº 1 2017 pp 6481 81 mento das crianças tradução de Fátima Murad Porto Alegre Artmed 2002 DI PIETRO Maria Sylvia Zanella Direito Administrativo 27 ed São Pau lo Atlas 2014 GOFFMAN Erving Estigma No tas Sobre a Manipulação da Identida de Deteriorada Tradução de Márcia Bandeira de Mello Leite Nunes 4 ed Rio de Janeiro LTC 1988 PINC Tânia Porquê o Policial Aborda Um estudo empírico sobre a fundada suspeita Confluências Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito Vol 16 nº 3 2014 pp 3459 2014 RAMOS Silvia MUSUMECI Leo narda Elemento suspeito abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro Editora Record 2005 SILVA Gilvan Gomes da A lógica da polícia militar do Distrito Federal na construção do suspeito 2010 Dis ponível em httpsscholargooglecom brscholarhlptBRq22Al C3B3gicadaPolC 3ADciaMilitardoDistri toFederalnaConstruC3A7 C3A3odoSuspeito22btnGl rlangpt Acesso em 30102015 SOUZA Jaime Luiz Cunha de REIS João Francisco Garcia A discri cionariedade policial e os estereótipos suspeitos Rev NUFEN vol6 n1 Be lém 2014 Disponível em httppepsic bvsaludorgscielophpscriptsciart textpidS217525912014000100007 Acesso em 30102015 Simone Chabudee Pylro Doutora em Psicologia Professora do Programa de PósGraduação em Segurança Pública pela Universidade Vila Velha ES Marcio Antonio da Cruz Mestrando do Programa de PósGraduação em Segurança Públi ca pela Universidade Vila Velha ES PósGraduado em Ciências Criminais pela UGF Graduado em Direito pela Unililhares Capitão da Polícia Militar do Espírito Santo