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Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 27 COMO BECQUEREL NÃO DESCOBRIU A RADIOATIVIDADE Roberto de A Martins Depto de Raios Cósmicos e Cronologia Instituto de Física Gleb Wataghin UNICAMP Campinas SP I Introdução Quase todos já ouviram falar sobre a descoberta da radioatividade A radioatividade é um fenômeno pelo qual os núcleos atômicos sofrem transformações e emitem radiações podendo nesse processo formar novos elementos químicos Costumase dizer que Henri Becquerel foi quem descobriu em 1896 o fenômeno da radioatividade e que essa descoberta foi acidental produzida por ter guardado em uma gaveta um composto de urânio juntamente com uma chapa fotográfica havendo depois revelado a chapa e notado nela os sinais da radiação A história não é bem assim Dificilmente se poderia afirmar que Becquerel descobriu a radioatividade e aquilo que ele de fato descobriu não foi fruto do acaso Este artigo mostrará qual foi o trabalho de Becquerel o longo e tortuoso caminho que levou à descoberta da radioatividade e discutirá as dificuldades de compreensão dos fatos que eram observados Esse episódio é muito instrutivo por mostrar claramente como as expectativas teóricas podem influenciar as próprias observações levando o pesquisador a ver coisas que não existem Começaremos por uma breve referência à descoberta dos raios X pois esse evento como veremos foi o que estimulou o trabalho inicial de Becquerel II A descoberta dos raios X Os raios X foram descobertos por Wilhelm Conrad Roentgen no dia 8 de novembro de 1895 Nesse dia Roentgen observou que uma placa coberta com um material fluorescente platinocianeto de bário se tornava luminescente quando num tubo de raios catódicos tubo de Crookes ou Lenard era ligado em sua aproximidade embora o tubo estivesse envolto em papel opaco Dedicandose imediatamente e de modo muito intenso ao estudo do fenômeno Roentgen Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 28 conseguiu em menos de dois meses determinar várias propriedades dos raios X e publicou em 28 de dezembro de 1895 seu primeiro artigo sobre o assunto ROENTGEN 1895 1896 reproduzido e traduzido em WATSON 1945 traduzido em PAPP História de la física p 3716 Essa descoberta consistiu basicamente no seguinte quando um tubo de vidro evacuado até uma baixíssima pressão é atravessado por uma descarga elétrica de alta tensão produzse em seu interior uma luminosidade e surgem os chamados raios catódicos atualmente interpretados como constituídos por um fluxo de elétrons Sabiase que esses raios catódicos não atravessavam o vidro nem outros corpos exceto folhas metálicas muito finas Mesmo o ar absorve muito fortemente os raios catódicos extinguindoos após atravessarem apenas alguns centímetros de distância Aquilo que Roentgen observou parecia algo muito diferente dos raios catódicos Alguma coisa produzida no tubo de raios catódicos era capz não só de atravessar um papel opaco e grandes distâncias no ar Essa coisa não era visível não tornava o ar luminoso mas excitava a luminosidade de um material fluorescente e como Roentgen observou depois era capaz de sensibilizar chapas fotográficas como se fosse luz Ainda mais esses novos tipos de raios eram capazes de atravessar madeira um livro de mil páginas e placas metálicas Essa radiação batizada por Roentgen de raios X era algo totalmente novo Analisando as propriedades dos raios X Roentgen descreve ainda em seu primeiro artigo que não observou desvio dos mesmos em prismas nem em lentes de vários materiais não eram também desviados pelo ímã ao contrário dos raios catódicos Tampouco eram sujeitos à polarização reflexão regular ou interferência de acordo com as observações de Roentgen Por haver notado várias semelhanças com a luz formação de sombras indicando propagação retilínea ação fotográfica fluorescência Roentgen os compara à radiação ultravioleta mas depois sugere que os raios X seriam ondas longitudinais do éter A descoberta de Roentgen teve repercussão imediata tanto por parte de cientistas como também por parte da imprensa popular ver JAUNCEY 1945 A popularidade da descoberta deveuse em parte à sua mais famosa aplicação a observação de ossos de um ser vivo através da sua radiografia efeito já descrito no primeiro artigo de Roentgen Todos os jornais e todas as revistas científicas publicaram nos meses seguintes à descoberta fotografias obtidas por meio dos raios X ou raios Roentgen como ficaram conhecidos na época Na academia de Ciências de Paris o trabalho de Roentgen suscitou quase instantaneamente um grande número de trabalhos Três semanas depois que o artigo de Roentgen fora levado à Sociedade Física de Wirzburg para publicação ele havia lido discutido e reproduzido por Oudin e Barthélemy que levaram à Academia a radiografia de uma mão 20021896 O trabalho foi apresentado por Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 29 Henri Poincaré eminente matemático e físico Na semana seguinte 27011896 cinco trabalhos sobre os raios X foram apresentados à Academia Jean Perrin testa e não encontra nesses raios os fenômenos de reflexão refração e difração Novas radiografias são apresentadas Gustave le Bon apresenta experiências nas quais mostra que a radiação de uma lamparina de petróleo produz radiações invisíveis capazes de atravessar papel negro e outros corpos opacos e sensibilizar chapas fotográficas radiação que chamou de luz negra e que consistia em radiação infravermelha A cada dia parece surgir algo novo e excitante A sucessão de trabalhos pode ser estudada nas páginas dos anais da Academia Comptes Rendus Hébdomadaires dês Séances de lAcadémie des Sciences de Paris Nesse mesmo dia 27011896 Poincaré faz um comentário de enorme importância para nosso estudo Os raios X eram produzidos Como Roentgen havia mostrado pelas paredes do tubo de vidro no local onde elas são atingidas pelos raios catódicos Nesse mesmo local o vidro se torna fluorescente Poincaré se pergunta se não haveria alguma conexão entre os dois fenômenos Poucos dias depois suas idéias são apresentadas em um artigo de revisão sobre o assunto POINCARÉ 1896 Nesse artigo ele afirma que os raios X são raios porque se propagam em linha reta não são da mesma natureza da luz das ondas do rádio raios hertzianos do infravermelho e do ultravioleta porque não se refletem nem se refratam não são raios catódicos porque não são desviados pelo ímã nem são absorvidos rapidamente pela matéria Apresenta sem negar a conjetura de Roentgen sobre ondas longitudinais do éter e afirma Seja o que for estamos diante de um agente novo tão novo quanto o eram a eletricidade no tempo de Gilbert ou o galvanismo no tempo de Volta Todas as vezes que uma revelação semelhante nos surpreende ela desperta em nós o sentimento do mistério que nos envolve sensação perturbadora que se havia dissipado à medida que se dissolvera a admiração para com as maravilhas anteriores POINCARÉ 1896 p 56 Mais adiante ele comenta É portanto o vidro que emite os raios Roentgen e ele nos emite tornandose fluorescente Podemos nos perguntar se todos os corpos cuja fluorescência seja suficientemente intensa não emitiriam além dos raios luminosos os raios X de Roentgen qualquer que seja a causa de sua fluorescência Os fenômenos não seriam então associados a uma causa elétrica Isso não é muito provável mas é possível e sem dúvida fácil de verificar POINCARÉ 1896 p 56 Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 30 É a busca dessa relação entre fluorescência e raios X que irá levar aos estudos de Becquerel Na verdade de acordo com os nossos conhecimentos atuais não existe relação direta entre a emissão de raios X e a luminescência Mas é graças a essa pista falsa que muitas descobertas serão feitas III A radiação dos corpos luminescentes Na sessão seguinte 03021896 da Academia de Ciências de Paris prossegue a proliferação de estudos sobre os raios X mas Moreau comunica que eles são emitidos pela descarga de alta volagem de uma bobina de indução sem a utilização de um tubo de vácuo e portanto sem raios catódicos Benoist e Hurmuzescu observaram que os raios X são capazes de descarregar um eletroscópio Na outra semana 10021896 aparece o primeiro trabalho destinados a testar a sugestão de Poicaré Nessa sessão Poincaré apresenta à Academia um trabalho de Chalés Henry Ele testa inicialmente se o sulfeto de zinco fosforescente é capaz de aumentar o efeito dos raios X e conclui que sim se um objeto metálico é parcialmente recoberto com uma camada de sulfeto de zinco a radiografia desse objeto fica mais forte e nítida na região recoberta do que na região sem sulfeto de zinco Ainda mais utilizando a luz produzida pela queima de uma fita de magnésio em laboratório Henry afirma ter conseguido obter efeitos iguais ao de uma radiografia bastando recobrir o objeto com uma camada de sulfeto de zinco HENRY 1896 A hipótese de Poincaré parecia estar confirmada Na semana seguinte 17021896 entre a já usual profusão de estudos sobre raios X surge um trabalho de Niewenglowski que confirma e amplia os resultados de Henry Ele utiliza um outro material fosforescente sulfeto de cálcio Eis sua descrição Tendo envolvido uma folha de papel sensível ordinário papel fotográfico com diversas camadas de papel agulha negro ou de papel vermelho coloquei acima dela duas moedas e recobri uma das metades da folha com uma placa de vidro com pó fosforescente sulfeto de cálcio Depois de quatro ou cinco horas de exposição ao Sol a metade do papel sensível que havia recebido diretamente as radiações solares havia permanecido intacta e não apresentava nenhum sinal da moeda colocada acima dela indicando assim que o papel negro ou vermelho não havia sido atravessado pela luz A metade que só recebia os raios solares através da placa fosforescente estava completamente enegrecida exceto pela Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 31 porção correspondente a uma das moedas da qual foi produzida silhueta branca sobre um fundo negro Colocando apenas uma camada de papel vermelho fina permitindo a passagem dos raios solares constatei que a porção do papel sensível que só recebia as radiações solares após sua passagem pela camada fosforescente enegrecida muito mais rapidamente do que a outra NIEWENGLOWSKI 1896 p 385 Fig1 A experiência de Niewenglowski As observações de Niewnglowski corroboravam as de Charles Henry os materiais fosforescentes pareciam emitir raios X quando iluminados Ainda mais Niewenglowski estuda o efeito da fosforescência do sulfeto de cálcio colocando em um local escuro depois de ter recebido a luz do Sol concluindo que também nesse caso o material continuava a emitir radiações capazes de atravessar o papel negro Pude também observar que a luz emitida pelo pó fosforescente previamente iluminado pelo Sol na obscuridade era capaz de atravessar várias camadas de papel vermelho e obscurecer um papel sensível que ele estava separado por essas camadas de papel NIEWENGLOWSKI 1896 p 3856 Passase mais uma semana Na sessão de 24021896 piltchikof anuncia que utilizando uma substância fortemente fluorescente dentro do tubo de Crookes no local onde os raios catódicos atingem a parede do vidro observou um grande aumento da intensidade dos raios X permitindo a realização de radiografias em 30 segundos anteriormente eram necessários vários minutos A sugestão de Poincaré já estava portanto resultando em importantes aplicações técnicas Todos esses resultados espantarão a qualquer físico moderno Não se conhece atualmente nenhum efeito semelhante a esse descrito por tais autores As experiências não Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 32 deveriam ter proporcionado os resultados observados O que aconteceu Não se sabe Nessa mesma sessão da Academia aparece o primeiro trabalho de Henri Becquerel sobre o assunto IX A contribuição de Henri Becquerel Henri Becquerel pertencia a uma ilustre família de cientistas Seu avô Antoine Becquerel nascido em 1788 foi um importante investigador dos fenômenos elétricos e magnéticos tendo publicado um grande trabalho sobre o assunto O pai de Henri Edmond Becquerel 18211891 notabilizouse por seus estudos a respeito das radiações ultravioleta e dos fenômenos de fosforescência e fluorescência Especialmente de 1859 a 1861 estudara os sulfetos de cálcio de bário de estrôncio e outros Entre os materiais que estudou estavam incluídos alguns sais de urânio ver introdução de Cortés Pla em BECQUEREL El descubrimiento de la radioatividad No laboratório de seu pai Henri Becquerel desenvolveu seu treino científico e realizou suas primeiras pesquisas quase todas sobre óptica e muitas delas no período de 1882 a 1887 sobre fosforescência Entre outras coisas estudou a fosforescência invisível no infravermelho de várias substâncias Estudou em particular os espectros de fluorescência de sais de urânio utilizando amostras que seu pai havia acumulado ao longo dos anos Nada era mais natural do que o interesse de Henri Becquerel pelos raios X e mais particularmente pela conjetura de Poincaré e pelos trabalhos de Henry e Niewenglowski De fato parecia simplesmente que além de poderem emitir radiações visível e infravermelha os corpos luminescentes podiam também emitir raios X Becquerel resolve fazer experimentos sobre o assunto Reproduziremos abaixo o texto completo da primeira nota de Henri sobre o assunto apresentada à Academia no dia 24021896 dois meses após a divulgação da descoberta dos raios X Em uma reunião precedente da Academia de Ciência francesa Charles Henry notificou que ao se colocar sulfeto de zinco fosforescente no caminho dos raios que saem do tubo de Crookes aumentava a intensidade das radiações que penetram o alumínio Além disso Niewenglowski descobriu que o sulfeto de cálcio fosforescente comercial emite radiações que penetram em substâncias opacas Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 33 Esse comportamento se estende a várias substâncias fosforescentes e em particular aos sais de urânio cuja fosforescência tem uma duração muito curta Com o sulfato duplo de urânio e potássio de que possuo alguns cristais sob a forma de uma crosta transparente fina realizei a seguinte experiência Envolvese uma chapa fotográfica de Lumière em duas folhas de papel negro muito expesso de tal forma que a chapa não se escureça mesmo exposta ao Sol dirante um dia Colocase uma placa da substância fosforescente sobre o papel do lado de fora e o conjunto é exposto ao Sol durante várias horas Quando se revela a chapa fotográfica surge a silhueta da substância fosforescente que aparece negra no negativo Se for colocada uma moeda ou uma chapa metálica perfurada entre a substância fosforescente e o papel a imagem desses objetos poderá ser vista no negativo As mesmas experiências podem ser repetidas colocandose uma chapa fina de vidro entre a substância fosforescente e o papel e isso exclui a possibilidade de qualquer ação química por vapores que pudessem sair da substância ao ser aquecida pelos raios do Sol Podese concluir dessas experiências que a substância fosforescente em questão emite radiações que penetram um papel opaco à luz e reduzem sais de prata BECQUEREL 1896a Notese que Becquerel conhece os trabalhos anteriores de Henry e Niewenglowski e que reproduz sem grande alterção o experimento do segundo Apenas testou um nova substância o sulfato duplo de uranila e potássio confirmando também nesse caso a hipótese de Poincaré Na semana seguinte 02031896 dArsonval descreve ter obtido radiografias utilizando uma lâmpada fluorescente e recobrindo os objetos a serem radiografados com um vidro fluorescente contendo um sal de urânio Conclui nesse artigo que todos os corpos que emitem radiações fluorescentes amareloesverdiadas são capazes de impressionar chapas fotográficas recobertas por papel opaco à luz DARSONVAL 1896 É nessa mesma sessão da Academia que Becquerel apresenta uma segunda nota que é comumente descrita como representando a descoberta da radioatividade Cortés Pla é um dos que comete esse erro apesar de haver lido e traduzido os artigos de Becquerel Uma semana depois no dia 2 de março a Academia escuta o resultado de novas investigações que imortalizariam o nome de Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 34 Becquerel já que nelas se descreve a existência de um novo fenômeno a radioatividade BECQUEREL El descubrimiento de la radioatividad p 32 Nessa segunda nota Becquerel prossegue o estudo dos efeitos produ zidos pelo sulfato duplo de uranila e potássio Varia o experimento anterior obser vando que as radiações emitidas por esse material são menos penetrantes do que os raios X comuns Nota também que a emissão da radiação penetrante ocorre tanto no caso em que o material fosforescente é iluminado diretamente pelo Sol quanto ao ser iluminado por luz refletida ou refratadaObservase também que mesmo no escuro o material estudado sensibiliza chapas fotográficas como o sulfeto de cál cio de Niewenglowski Eis a transcrição dessa parte do artigo Insistirei particularmente sobre o seguinte fato que me parece muito importante e alheio ao domínio dos fenômenos que se poderia esperar observar As mesmas lamelas cristalinas colocadas junto a chapas fotográficas nas mesmas condições isoladas pelos mesmos anteparos mas sem receber excitação por incidência de radiação e mantidas na obscuridade ainda produzem as mesmas impressões fotográficas Eis de que maneira fui levado a fazer essa observação dentre as experiências precedentes algumas foram preparadas na quartafeira 26 e na quintafeira 27 de fevereiro e como nesses dias o Sol apareceu apenas de modo intermitente conservei as experiências que havia preparado e coloquei as placas com seus envoltórios na obscuridade de uma gaveta de um móvel deixando as lâminas do sal de urânio em seu lugar Como o Sol não apareceu de novo nos dias seguintes revelei as placas fotográficas a 1º de março esperando encontrar imagens muito fracas Ao contrário as silhuetas apareceram com grande intensidade Pensei logo que a ação devia ter continuado na obscuridade e preparei a experiência seguinte No fundo de uma caixa de cartão opaco coloquei uma placa fotográfica depois sobre o lado sensível coloquei uma lamela do sal de urânio lamela convexa com a parte central mais alta e que tocava a gelatina apenas em poucos pontos então ao lado na mesma placa coloquei outra lâmina do mesmo sal separada da gelatina por uma fina lâmina de vidro Após realizar essa operação na sala escura a caixa foi fechada então colocada dentro de outra caixa de papelão e por fim dentro de uma gaveta Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 35 Repeti o processo com um receptáculo fechado por uma folha de alumínio em que coloquei uma chapa fotográfica e do lado de fora uma lamela do sal de urânio O conjunto foi fechado em uma caixa de papelão opaco e depois em uma gaveta Após cinco horas revelei as placas e as silhuetas das lâminas cristalinas apareceram em negro como nas experiências precedentes como se tivessem se tornado fosforescentes pela luz Em relação à lamela colocada diretamente sobre a gelatina praticamente não havia diferença entre os efeitos nos pontos de contato e das partes da lamela que estavam separadas da gelatina por cerca de um milímetro a diferença pode ser atribuída às diferentes distâncias das fontes das radiações ativas A ação da lamela colocada sobre o vidro estava um pouco enfraquecida mas a forma da lamela foi muito bem reproduzida Finalmente através da folha de alumínio a ação foi consideravelmente enfraquecida mas apesar disso era muito nítida É importante notar que este fenômeno não parece dever ser atribuído a radiações luminosas emitidas por fosforescência já que após 1100 de segundo estas radiações se tornam tão fracas que são quase imperceptíveis Uma hipótese que surge muito naturalmente ao espírito seria a suposição de que essas radiações cujos efeitos possuem uma forte analogia com os efeitos produzidos pelas radiações estudadas por Lenard e Roentgen poderiam ser radiações invisíveis emitidas por fosforescência cuja duração de persistência fosse infinitamente maior do que a das radiações luminosas emitidas por essas substâncias No entanto as experiências presentes sem serem contrárias a essa hipótese não permitem formulála As experiências que estou desenvolvendo agora poderão espero contribuir com algum esclarecimento sobre esse novo tipo de fenômeno BECQUEREL 1896b Notese que não há quase nada de novo nesse novo tipo de fenôme no A única novidade é que a fosforescência invisível parecia durar muito mais do que a fosforescência visível o que não era de modo algum contrário ao que se conhecia Em um outro artigo de revisão sobre os raios X publicado nesse mes mo mês Raveau descreve os estudos de Charles Henry Niewenglowski Piltchikof Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 36 dArsonval e Becquerel como sendo todos eles casos especiais do fenômeno previsto por Poincaré e descoberto por Charles Henry RAVEAU 1896 p 251 Na semana seguinte 09031896 em meio à quota usual de artigos sobre raios X Battelli e Gambasso estudam o papel de substância fluorescentes no aumento do efeito dos raios de Roentgen Troost estuda o sulfeto de zinco fosforescente blenda e repete e confirma as observações de Charles Henry obtendo fortes imagens radiográficas ao excitar a fosforescência por meio da luz do magnésio Troost cita também os trabalhos de Niewenglowski e Becquerel Por sua vez Henri Becquerel apresenta uma terceira comunicação Nela afirma que a radiação emitida pelo sal de urânio estudado é capaz de descarregar um eletroscópio como os raios X Era natural tentar repetir com essa radiação todos os tipos de experimentos já realizados com a radiação de Roentgen para testar se eram iguais ou não No entanto a principal analogia que parecia atuar na mente de Becquerel era outra o fenômeno era muito semelhante à fosforescência invisível que ele havia estudado na qual havia emissão de radiação infravermelha Ora a radiação infravermelha é da mesma natureza da luz e ao contrário do que havia sido descrito no caso dos raios X ela se reflete e refrata Becquerel estuda a radiação do sulfato de uranila e potássio e conclui que ela se reflete em superfícies metálicas e se refrata no vidro comum BECQUEREL 1896c Sabese atualmente que essa radiação não se reflete nem se refrata no vidro No mesmo artigo Becquerel descreve observações nas quais os sais de urânio continuam a sensibilizar chapas fotográficas mesmo quando o material fosforescente fica guardado na obscuridade durante 7 dias e observa Talvez esse fato possa ser comparado a conservação indefinida em certos corpos da energia que absorveram e que é emitida quando são aquecidos fato sobre o qual já chamei atenção em um trabalho de 1891 sobre a fosforescência pelo calor BECQUEREL 1896c p 5623 Notase que Becquerel continua a se basear nos fenômenos que já conhece não reconhecendo nada de fundamentalmente novo naquilo que estuda No mesmo artigo Becquerel estuda outros materiais fosforescentes Alguns deles são sais de urânio Com todos eles são observados os mesmos efeitos Com o sulfeto de zinco ao contrário do que Henry e Troost haviam observado Becquerel não nota nenhum efeito No entento Becquerel faz observações na obscuridade e Henry e Troost haviam feito experimentos enquanto o sulfeto de zinco era iluminado Outros materiais fosforescentes sulfeto de estrôncio e de cálcio são examinados O primeiro não proporciona nenhum efeito no escuro Uma amostra de sulfeto de cálcio que produzia fosforescência alaranjada também não produz efeitos mas dois sulfetos de cálcio com luminescência azul e azul esverdiado produziam efeitos muito fortes os mais intensos que já obtive nessas experiências O fato relativo ao sulfeto de cálcio azul está de acordo com a Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 37 observação do Sr Niewenglowski através do papel negro BECQUEREL 1896c p 563 Por nossos conhecimentos atuais é muito difícil compreender como podem ter ocorrido os efeitos descritos por Becquerel As radiações emitidas pelos sais de urânio na verdade não se refletem nem se refratam e o sulfeto de cálcio não deveria emitir radiações semelhantes às dos sais de urânio e pior ainda mais fortes Ou existiram efeitos que não podem ser explicados por nossos conhecimen tos ou Becquerel se enganou em suas observações e neste caso pode ter sido introduzido por suas expectativas teóricas a ver fenômenos inexistentes A menos que essas experiências sejam repetidas com os mesmos materiais por ele utiliza dos não será possível no entanto excluir a existência de fenômenos físicos atual mente ignorados e diferentes da radioatividade Passamse duas semanas e Becquerel publica novo trabalho 23031896 Nele descreve observações de que alguns compostos de urânio que não são luminescentes também produzem os efeitos antes descritos Assim sendo essa fosforescência invisível parece não ter ligação com a fosforescência ou fluo rescência visível Mas parece segundo Becquerel tratarse relamente de um caso de fosforescência pois ele afirma que a radiação aumenta quando os cristais que estavam no escuro são expostos à luz solar ou quando são iluminados por uma descarga elétrica BECQUEREL 1896d novamente o fenômeno descrito não deveria ocorrer pelo que sabemos Há outra observação curiosa neste artigo Bec querel afirma que as amostras de sulfeto de cálcio que haviam produzido efeitos no escuro agora não impressionavam mais as chapas fotográficas Como já se viu Becquerel acreditava que a radiação que estudava era semelhante à luz pois se refletia e refratava ao contrário dos raios X No seu artigo seguinte BEQUEREL 1896e descreve experiências com finas lâminas de turma lina e afirma haver notado efeitos de polarização de sua radiação outro resultado estranho Continua também a afirmar que o efeito se torna mais forte quando o material é excitado pela luz e repete isso também no trabalho seguinte Passamse agora 7 semanas Só então Becquerel apresenta nova comu nicação Depois de ter observado que todos os compostos de urânio luminescentes ou não emitiam essas mesmas radiações invisíveis Becquerel resolve testar o urânio metálico Obtém uma amostra preparada por Moissan químico que nesse mesmo ano havia isolado o metal e verifica que ele também emite a radiação Ora isso poderia ter mostrado que não se tratava de um fenômeno de fosforescência e sim algo de outra natureza Mas Becquerel conclui que esse é o primeiro caso de um metal que apresenta uma fosforescência invisível BECQUEREL 1896f Seria natural a partir daí pesquisar a existência de outros elementos que emitissem radi ações semelhantes mas Becquerel não o faz Após esse trabalho de 18 de maio ele parece se desinteressar e abandona esse estudo Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 38 X Os dois primeiros anos Como se pode perceber pela descrição feita até aqui os trabalhos de Becquerel não estabeleceram nem a natureza das radiações emitidas pelo urânio nem a natureza subatômica do processo Seu trabalho originado como o de Char les Henry e outros pela hipótese de Poincaré era apenas um dos muitos da época que apresentavam resultados de difícil interpretação Visto no contexto da época eram pesquisas que não tiveram o impacto nem a fecundidade da descoberta dos raios X Poucos pesquisadores se dedicaram ao estudo dos raios de Becque rel ou raios do urânio até início de 1898 Por um lado os próprios compostos luminescentes do urânio ou urânio metálico eram de difícil obtenção Por outro lado Becquerel parecia ter esgotado o assunto Além disso muitos outros fenôme nos anunciados na mesma época desviavam a atenção e apontavam igualmente para aspectos delicados desse tipo de estudos ver BADASH 1965 No Japão em 1896 Muraoka investigou se certos vermes luminescen tes eram capazes de emitir radiações invisíveis penetrantes capazes de sensibilizar placas fotográficas Parecia que sim mas os resultados eram estranhos o efeito só surgia quando os vermes eram mentidos úmidos e quando havia um cartão entre eles e a placa fotográfica Concluiuse depois que o efeito era devido apenas à umidade pois papel umedecido produzia o mesmo resultado No mesmo ano observouse que algumas placas metálicas recentemente polidas de zinco magné sio e cádmio também sensibilizavam chapas fotográficas ver STEWART 1898 Um pesquisador norteamericano McKissic divulgou no mesmo ano que muitas outras substâncias pareciam omitir raios de Becquerel cloreto de lítio sulfeto de bário sulfato de cálcio cloreto de quinina açúcar giz glicose e acetato de urânio Várias outras alegações semelhantes surgiram no mesmo período quase todas sem fundamento Tudo isso ajudava a confundir a situação Em um artigo de revisão do assunto publicado em 1898 Stewart des creveu todos os tipos de trabalhos publicados na época Chegou à conclusão pro vavelmente a mais aceita na época de que os raios de Becquerel eram ondas ele tromagnéticas transversais como a luz de pequeno comprimento de onda e que o processo de emissão era um tipo de fosforescência STEWART 1898 Repete os resultados de Becquerel relativos à reflexão refração e polariazação dos raios de urânio e o aumento da intensidade da radiação após exposição à luz Adota essen cialmente a mesma concepção que Becquerel É verdade que em 1897 Gustave lê Bom havia repetido os experimentos de Becquerel e não havia notado nenhum sinal de reflexão refração ou polarização LE BOM 1897 Mas ninguém lhe deu aten ção Todos imaginaram que se tratava de um tipo de radiação ultravioleta Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 39 Podese dizer que de maio de 1896 ao início de 1898 esse campo de estudos ficou estagnado O único resultado novo durante esse tempo foi o de que a radiação do urânio permanecia forte ao longo dos meses apesar de não haver rece bido luz Embora Becquerel ainda afirmasse que a excitação pela luz aumentava a radiação emitida Elster e Geitel não encontraram esse efeito queé claro não existe XI A descoberta de novos materiais radioativos No início de 1898 dois pesquisadores independentemente tiveram a idéia de tentar localizar outros materiais diferentes do urânio que emitissem radia ções do mesmo tipo A busca foi feita na Alemenha por G C Schmidt e na Fran ça por Marie Sklodowska Curie Em abril de 1898 ambos publicaram a descoberta de que o tório emita radiações como o urânio O método de estudo não foi fotográ fico e sim com o uso de uma câmara de ionização observandose a corrente elétri ca produzida no ar entre duas placas eletrizadas quando se colocava um material que emita radiações entre as placas Esse método de estudos era mais seguro do que o uso de chapas fotográficas já que estas como vimos podem ser afetadas por muitos tipos de influências diferentes A radiação emitida pelo tório era observada em todos os seus compos tos examinados como ocorria com o urânio Ela produzia efeitos fotográficos e era um pouco mais penetrante do que a do urânio Schmidt afirmou ter observado a refração dos raios do tório como Becquerel fizera anteriormente mas não conse guiu notar nem reflexão nem polarização dos raios Marie Curie estudou vários minerais além de substâncias químicas pu ras Notou como era de se esperar que todos os minerais do urânio e do tório emitiam radiações Mas observou um fato estranho Todos os minerais que se mostraram ativos contêm os elementos ativos Dois minerais de urânio a pechblenda óxido de urânio e a calcolita fosfato de cobre e uranila são muito mais ativos do que o próprio urânio Esse fato é muito notável e leva a crer que esses minerais podem conter um elemento muito mais ativo do que o próprio urânio Reproduzi a calcolita pelo processo de Debray com produtos puros essa calcolita artificial não é mais ativa do que outros sais de urânio CURIE 1898 p 1102 Nesse mesmo trabalho Curie chama a atenção para o fato de que o u rânio e o tório são os elementos de maior peso atômico dos que eram conhecidos Especula também sobre a causa do fenômeno Diante da enorme duração da radia Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 40 ção parecia absurdo na época que toda a energia emitida que parecia infinita pudesse provir do próprio material Curie supõe que a fonte seria externa ou seja que todo o espaço estaria permeado por uma radiação muito penetrante impercep tível que seria absorvida pelos elementos mais pesados e reemitida sob uma forma observável A descoberta do tório deu um novo impulso à pesquisa dos raios de Becquerel Agora percebiase que esse não era um fenômeno isolado que ocorria só no urânio Marie Curie é quem dá a esse fenômeno o nome radioatividade Os raios urânicos foram freqüentemente chamados raios de Becquerel Podese generalizar esse nome aplicandoo não apenas aos raios urânicos mas também aos raios tóricos e a todas as radiações semelhantes Chamarei de radioativas as substâncias que emitem raios de Becquerel O nome de hiperfosforescência que foi proposto para o fenômeno pareceme dar uma falsa idéia de sua natureza CURIE 1899 p 42 Vêse que Marie Curie estava consciente de que se tratava de um fe nômeno muito mais geral Poucos meses depois da descoberta do tório Marie e Pierre Curie a presentarão um trabalho de ainda mior importância CURIE CURIE 1898 No trabalho anterior Marie Curie havia sugerido que a pechblenda talvez contivesse outro material radioativo desconhecido Ela se dedica ao trabalho de tentar isolar essa substância Para isso dedicase a um trabalho de química analítica separando progressivamente os constituintes da pechblenda testandoos pelo método elétrico de modo a separar as frações radioativas das inativas Primeiramente partindo da pechblenda que era duas vezes e meia mais ativa do que o urânio foi feita a disso lução do mineral em ácido Depois borbulhouse ácido sulfídrico H2S pelo líqui do havendo formação de vários sulfetos insolúveis que se precipitavam O urânio e o tório permaneciam dissolvidos O precipitado era muito ativo Adicionandolhe sulfeto de amônia os sulfetos de arsênio e de antimônio não ativos se dissolvem O resíduo passa por outros processos de separação Por fim o material ativo fica unido ao bismuto não sendo separável dele pelos processos usuais Não era por tanto nenhum elemento conhecido Através de processos de sublimação fracionada foi possível obter um material ainda unido ao bismuto que era 400 vezes mais ativo do que o urânio puro O casal Curie sugere Cremos portanto que a substância que retiramos da pechblenda contém um metal ainda não identificado vizinho ao bismuto por suas propriedades analíticas Se a existência Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 41 desse novo metal for confirmada propomos darlhe o nome de polônio nome do país de origem de um de nós CURIE CURIE 1898 Não se pode dizer que estivesse de fato estabelecida a existância de um novo elemento O suposto novo metal se comportava como o bismuto e não tinha raias espectrais que pudessem ser notadas Houve por isso certo ceticismo em relação a essa descoberta inicialmenteEm artigo escrito após o trabalho relativo ao polônio Marie Curie faz uma revisão dos conhecimentos sobre o assunto CURIE 1899 Nele coloca em dúvida a existência de reflexão refração e polarização dos raios de Becquerel e nega com base nos estudos de Elster e Geitel a possibilidade de intensificar a radioatividade pela exposição ao Sol Curie defende claramente a idéia de que a radioatividade é uma propriedade atômica Na última reunião de 1898 da Academia de Ciências os Curie e Bé mont apresentavam um novo trabalho CURIE CURIE BÉMONT 1898 Nele apresentam evidências de um novo elemento radioativo quimicamente semelhante ao bário extraído também da pechblenda Também nesse caso não foi possível separar o novo elemento do metal conhecido mas foi possível obter um material 900 vezes mais ativo do que o urânio Além disso desta vez a análise espectroscó pica permitiu notar uma raia espectral desconhecida Os autores do artigo dão a esse novo elemento o nome de rádio por parecer mais radioativo do que qual quer outro elemento XII Etapas posteriores Faltava muita coisa ainda a ser compreendida O que eram as radia ções emitidas iguais aos raios X ou não Até essa época parecia que sim De onde saía a energia desprendida desses materiais Por que alguns elementos são radioativos e outros não Nada disso havia sido esclarecido Não havia também suspeita de que a radioatividade acarretava transformações de um elemento quími co em outro O nome radioatividade existia mas não se conhecia ainda o com plexo fenômeno ao qual damos hoje esse nome A história restante é longa e rica Não é possível descrevela em deta lhes aqui O objetivo central deste artigo era mostrar que Becquerel ficou longe de estabelecer a existência da radioatividade tal como a concebemos hoje Vamos por isso apenas indicar alguns dos episódios posteriores para dar uma idéia sobre o que faltava ainda descobrir ver JAUNCEY 1946 A natureza e diversidade das radiações emitidas por materiais radioati vos foi estabelecida gradualmente No início de 1899 Rutherford notou a existên cia de dois tipos de radiação do urânio uma mais penetrante e outra facilmente Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 43 XIII Conclusão Mais do que diminuir o papel de Becquerel na descoberta da radioati vidade o objetivo deste artigo foi mostrar a grande dificuldade existente no estabe lecimento de fenômenos que não são esperados teoricamente É fácil observar o que se prevê aliás como se viu podese observar o que foi previsto até quando a previsão é falsa Muito mais difícil é ver aquilo que contraria todas as expectativas O estudo aprofundado de episódios como esse deveria fazer parte da educação de todo cientista experimental pois a visão estereotipada do experimen tador rebaixa e banaliza o trabalho experimental quando na verdade o bom tra balho experimental é extremamente difícil criativo e instigante desde que se tenha coragem de enfrentar no laboratório fenômenos que se recusam a respeitar as teorias estabelecidas Agradecimento Esta pesquisa recebeu o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvi mento Científico e Tecnológico CNPq Referências Bibliográficas OBS As referências a artigos do periódico Comptes Rendus Hebdomadaires dês Séances de lAcadémie dês Sciences de Paris são indicadas como Comptes Ren dus 1 BADASH L Radioactivity before tha Curies American Journal of Physics v 33 p 128135 1965 2 BECQUEREL H El descubrimiento de la radioactividad Introdução e trad De Cortés Pla Buenos Aires espasaCalpe 1946 3 Sur les radiations émises par phosphorescence Comptes Rendus v 122 p 420421 1896a 4 Sur lês radiations invisibles émises par les corps phosphorescents Comptes Rendus v 122 p 501503 1896 b 5 Sur quelques propriétés nouvelles des radiations invisibles émises par divers corps phosphorescents Comptes Rendus v 122 p 559564 1896 c 6 Sur les radiations invisibles émises par les sels duranium Comptes Rendus v 122 p 689694 1896d Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 44 7 Sur les propriétés différentes des radiations invisibles émises par les sels duranium et du rayonnement de la paroi anticathodique dum tube de Croo kes Comptes Rendus v 122 p 762767 1896e 8 Émission de radiations nouvelles par luranium métallique Comptes Rendus v 122 p 10861088 1896f 9 CURIE m s Rayons émis par les composés de luranium et du thorium Comp tes Rendus v 126 p 11011103 1898 10 Les rayons de Becquerel et le polonium Révue Générale des Scien ces v 10 p 4150 1899 11 CURIE P CURIE M S Sur une substance nouvelle radioactive contenue dens la pechblende Comptes Rendus v 127 p 175178 1898 12 Sur la radioactivité provoquée par les rayons de Becquerel Comptes Rendus v 129 p 714716 1899 13 CURIE P CURIE M S BÉMONT G Sur une nouvelle substance forte ment radioactive contenue dans la pechblende Comptes Rendus v 127 p 12151217 1898 14 DARSONVAL A Observations au sujet de la photografie à travers les corps opaques Comptes Rendus v 122 p 500501 1896 15 DEBIERNE A Sur um nouvel élément radioactif lactinium Comptes Ren dus v 130 p 906908 1900 16 HENRY C Augmentation du rendement photographique des rayons Roentgen par le sulfure de zinc phosphorescent Comptes Rendus v 122 p 312314 1896 17 JAUNCEY G E M The birth and early infancy of Xrays American Journal of Physics v 13 p 362379 1945 18 The early years of radioactivity American Journal of Physics v 124 p 226241 1946 19 LE BON G Neture des diverses espeses des radiations produites par les corps sous linfluence de la lumière Comptes Rendus v 124 p 755758 1897 Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 45 20 MANVILLE O Les découvertes modernes en physique Paris Hermann 1909 21 NIEWENGLOWSKI G H Sur la proprieté quont les radiations émises par les corps phosphorescents de traverser certains corps opaques à la lumière solaire et sur les expériences de M G Le Bon sur la lumière noire Comptes Rendus v 122 p 385386 1896 22 PAPP D Historia de la física Buenos Aires EspasaCalpe 1945 23 POICARÉ H Les rayons cathodiques et les rayons Roentgen Revue Générale des Sciences v 7 p 5259 1896 24 RAVEAU C Les faits nouvellement acquis sur les rayons de Roentgen Revue Générale des Sciences v 7 p 249253 1896 25 ROENTGEN W C Ueber eine neue Art von Strahlen Sitzungsberichte der physikalischmedicinische Gesellschaft von Wirzburg 13241 1895 Annalen der Physik und Chemie v 64 p 112 1898 26 Une nouvelle espèce de rayons Revue Générale des Sciences v 7 p 5963 1896 27 ROMER A Accident and professor Roentgen American Journal of Physics v 27 p 275277 1959 28 RUTHERFORD E Uranium radiation and the electrical conduction produced by it Philosophical Magazine v 47 n 5 p 109163 1899 29 A radioactive substance emited from thorium compounds Philoso phical Magazine v 49 n 5 p 114 1900 30 Radioactivity produced in substances by the action of thorium com pounds Philosophical Magazine v 49 n 5 p 161192 1900 31 STEWART O M A résumé of the experiments dealing with the properties of Becquerel rays Physical Review v 6 p 239251 1898 32 Becquerel rays a résumé Physical Review v 11 p 155175 1900 33 WATSON E C The discovery of Xrays American Journal of Physics v 13 p 281291 1945 RESENHA CRÍTICA COMO BECQUEREL NÃO DESCOBRIU A RADIOATIVIDADE MARTINS Roberto Vieira Como Becquerel não descobriu a radioatividade Caderno Brasileiro de Ensino de Física p 2745 1990 O texto Como Becquerel não descobriu a radioatividade de Roberto Vieira Martins publicado no Caderno Brasileiro de Ensino de Física em 1990 questiona a visão comumente aceita de que Henri Becquerel foi o descobridor acidental da radioatividade em 1896 O autor argumenta que a descoberta da radioatividade não foi um evento isolado e fortuito mas sim resultado de um processo científico mais amplo O artigo explora o trabalho de Becquerel destacando que sua pesquisa foi motivada pelos avanços na descoberta dos raios X O autor discute o caminho complexo e tortuoso que levou à compreensão da radioatividade enfatizando as dificuldades enfrentadas pelos cientistas da época para interpretar os fenômenos observados Martins argumenta que a descoberta da radioatividade não pode ser atribuída exclusivamente a Becquerel mas sim a um conjunto de contribuições e descobertas científicas ao longo do tempo Poincaré citado por Martins no artigo afirma que estamos diante de um agente novo tão novo quanto o eram a eletricidade no tempo de Gilbert ou o galvanismo no tempo de Volta Isso mostra como a descoberta de Roentgen foi revolucionária e abriu portas para novas possibilidades na ciência Poincaré também levanta a questão da relação entre fluorescência e raios X que levou aos estudos de Becquerel Martins apresenta a observação de Roentgen sobre a luminescência de uma placa coberta com platinocianeto de bário quando um tubo de raios catódicos era ligado em sua proximidade O autor também explica como Roentgen conseguiu determinar várias propriedades dos raios X em menos de dois meses e publicar seu primeiro artigo sobre o assunto No texto se destaca a importância da descoberta dos raios X que foi revolucionária e abriu portas para novas possibilidades na ciência O texto apresenta uma série de experimentos realizados por diferentes cientistas incluindo Niewenglowski Charles Henry e Henri Becquerel sobre a fosforescência e a emissão de radiações por materiais fosforescentes Esses experimentos mostraram que os materiais fosforescentes podem emitir raios X e radiações capazes de atravessar substâncias opacas como papel negro Henri Becquerel pertencente a uma família de cientistas renomados realizou experimentos utilizando sulfato duplo de uranila e potássio confirmando as observações anteriores e demonstrando que a substância fosforescente emite radiações que penetram materiais opacos e sensibilizam chapas fotográficas Essas descobertas foram consideradas importantes e inesperadas dArsonval descreveu a obtenção de radiografias utilizando uma lâmpada fluorescente e um vidro fluorescente contendo um sal de urânio Martins destaca que ele concluiu que corpos que emitem radiações fluorescentes são capazes de impressionar chapas fotográficas recobertas por papel opaco à luz Embora os experimentos de Becquerel não tenham revelado a natureza exata das radiações emitidas pelo urânio eles foram impulsionados pela hipótese de Poincaré e considerados parte de um conjunto de estudos desafiadores naquele período No entanto essas pesquisas não alcançaram o mesmo impacto e significância das descobertas dos raios X Inicialmente poucos pesquisadores se dedicaram ao estudo dos raios de Becquerel ou raios do urânio em parte devido à dificuldade de obtenção dos compostos luminescentes de urânio e à aparente exaustão do tema por parte de Becquerel Outros fenômenos anunciados na mesma época desviaram a atenção e apresentaram desafios semelhantes no campo de estudos Um exemplo disso foi o estudo realizado por Muraoka no Japão em 1896 que investigou a capacidade de vermes luminescentes emitirem radiações invisíveis penetrantes capazes de sensibilizar placas fotográficas Embora os resultados tenham sido estranhos com o efeito ocorrendo apenas quando os vermes estavam úmidos e com um cartão entre eles e a placa fotográfica posteriormente foi concluído que o efeito era devido apenas à umidade pois papel umedecido produzia o mesmo resultado Esses exemplos ilustram a complexidade e os desafios enfrentados pelos pesquisadores nesse campo Destacase no texto que Em um artigo de revisão do assunto publicado em 1898 Stewart descreveu todos os tipos de trabalhos publicados na época Chegou à conclusão provavelmente a mais aceita na época de que os raios de Becquerel eram ondas eletromagnéticas transversais como a luz de pequeno comprimento de onda e que o processo de emissão era um tipo de fosforescência Embora o trecho mencione que a conclusão de Stewart era provavelmente a mais aceita na época é importante ressaltar que essa visão estava equivocada A compreensão dos raios de Becquerel como ondas eletromagnéticas transversais de pequeno comprimento de onda e o processo de emissão como um tipo de fosforescência estavam incorretas Essa interpretação errônea reflete a dificuldade enfrentada pelos cientistas na época para compreender a natureza da radioatividade No entanto é importante reconhecer que essa conclusão equivocada foi um passo importante no caminho para a compreensão correta da radioatividade As descobertas subsequentes de Marie Curie e outros cientistas permitiram avançar no entendimento dessa fenomenologia revelando a verdadeira natureza das radiações radioativas Chamarei de radioativas as substâncias que emitem raios de Becquerel O nome de hiperfosforescência que foi proposto para o fenômeno pareceme dar uma falsa ideia de sua natureza CURIE 1899 p 42 Nessa citação apresentada por Martins podemos verificar o posicionamento de Marie Curie acerca dos raios de Becquerel apesentando o termo utilizado até os dias atuais mostrando que apesar de Becquerel não ter de fato obtido resultados positivos o trabalho dele foi importante para a história da descoberta e estudo da radioatividade A conclusão do artigo de Martins destaca a grande dificuldade existente no estabelecimento de fenômenos que vão contra as expectativas teóricas Enquanto é fácil observar o que foi previsto mesmo quando a previsão é falsa é muito mais difícil reconhecer aquilo que contraria todas as expectativas O estudo aprofundado de episódios como a descoberta da radioatividade deveria fazer parte da educação de todo cientista experimental em vista que esse tipo de estudo ajuda a combater a visão estereotipada do experimentador e valoriza o trabalho experimental como algo extremamente difícil criativo e instigante Como apontado no artigo o bom trabalho experimental requer coragem para enfrentar fenômenos que se recusam a respeitar as teorias estabelecidas
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Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 27 COMO BECQUEREL NÃO DESCOBRIU A RADIOATIVIDADE Roberto de A Martins Depto de Raios Cósmicos e Cronologia Instituto de Física Gleb Wataghin UNICAMP Campinas SP I Introdução Quase todos já ouviram falar sobre a descoberta da radioatividade A radioatividade é um fenômeno pelo qual os núcleos atômicos sofrem transformações e emitem radiações podendo nesse processo formar novos elementos químicos Costumase dizer que Henri Becquerel foi quem descobriu em 1896 o fenômeno da radioatividade e que essa descoberta foi acidental produzida por ter guardado em uma gaveta um composto de urânio juntamente com uma chapa fotográfica havendo depois revelado a chapa e notado nela os sinais da radiação A história não é bem assim Dificilmente se poderia afirmar que Becquerel descobriu a radioatividade e aquilo que ele de fato descobriu não foi fruto do acaso Este artigo mostrará qual foi o trabalho de Becquerel o longo e tortuoso caminho que levou à descoberta da radioatividade e discutirá as dificuldades de compreensão dos fatos que eram observados Esse episódio é muito instrutivo por mostrar claramente como as expectativas teóricas podem influenciar as próprias observações levando o pesquisador a ver coisas que não existem Começaremos por uma breve referência à descoberta dos raios X pois esse evento como veremos foi o que estimulou o trabalho inicial de Becquerel II A descoberta dos raios X Os raios X foram descobertos por Wilhelm Conrad Roentgen no dia 8 de novembro de 1895 Nesse dia Roentgen observou que uma placa coberta com um material fluorescente platinocianeto de bário se tornava luminescente quando num tubo de raios catódicos tubo de Crookes ou Lenard era ligado em sua aproximidade embora o tubo estivesse envolto em papel opaco Dedicandose imediatamente e de modo muito intenso ao estudo do fenômeno Roentgen Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 28 conseguiu em menos de dois meses determinar várias propriedades dos raios X e publicou em 28 de dezembro de 1895 seu primeiro artigo sobre o assunto ROENTGEN 1895 1896 reproduzido e traduzido em WATSON 1945 traduzido em PAPP História de la física p 3716 Essa descoberta consistiu basicamente no seguinte quando um tubo de vidro evacuado até uma baixíssima pressão é atravessado por uma descarga elétrica de alta tensão produzse em seu interior uma luminosidade e surgem os chamados raios catódicos atualmente interpretados como constituídos por um fluxo de elétrons Sabiase que esses raios catódicos não atravessavam o vidro nem outros corpos exceto folhas metálicas muito finas Mesmo o ar absorve muito fortemente os raios catódicos extinguindoos após atravessarem apenas alguns centímetros de distância Aquilo que Roentgen observou parecia algo muito diferente dos raios catódicos Alguma coisa produzida no tubo de raios catódicos era capz não só de atravessar um papel opaco e grandes distâncias no ar Essa coisa não era visível não tornava o ar luminoso mas excitava a luminosidade de um material fluorescente e como Roentgen observou depois era capaz de sensibilizar chapas fotográficas como se fosse luz Ainda mais esses novos tipos de raios eram capazes de atravessar madeira um livro de mil páginas e placas metálicas Essa radiação batizada por Roentgen de raios X era algo totalmente novo Analisando as propriedades dos raios X Roentgen descreve ainda em seu primeiro artigo que não observou desvio dos mesmos em prismas nem em lentes de vários materiais não eram também desviados pelo ímã ao contrário dos raios catódicos Tampouco eram sujeitos à polarização reflexão regular ou interferência de acordo com as observações de Roentgen Por haver notado várias semelhanças com a luz formação de sombras indicando propagação retilínea ação fotográfica fluorescência Roentgen os compara à radiação ultravioleta mas depois sugere que os raios X seriam ondas longitudinais do éter A descoberta de Roentgen teve repercussão imediata tanto por parte de cientistas como também por parte da imprensa popular ver JAUNCEY 1945 A popularidade da descoberta deveuse em parte à sua mais famosa aplicação a observação de ossos de um ser vivo através da sua radiografia efeito já descrito no primeiro artigo de Roentgen Todos os jornais e todas as revistas científicas publicaram nos meses seguintes à descoberta fotografias obtidas por meio dos raios X ou raios Roentgen como ficaram conhecidos na época Na academia de Ciências de Paris o trabalho de Roentgen suscitou quase instantaneamente um grande número de trabalhos Três semanas depois que o artigo de Roentgen fora levado à Sociedade Física de Wirzburg para publicação ele havia lido discutido e reproduzido por Oudin e Barthélemy que levaram à Academia a radiografia de uma mão 20021896 O trabalho foi apresentado por Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 29 Henri Poincaré eminente matemático e físico Na semana seguinte 27011896 cinco trabalhos sobre os raios X foram apresentados à Academia Jean Perrin testa e não encontra nesses raios os fenômenos de reflexão refração e difração Novas radiografias são apresentadas Gustave le Bon apresenta experiências nas quais mostra que a radiação de uma lamparina de petróleo produz radiações invisíveis capazes de atravessar papel negro e outros corpos opacos e sensibilizar chapas fotográficas radiação que chamou de luz negra e que consistia em radiação infravermelha A cada dia parece surgir algo novo e excitante A sucessão de trabalhos pode ser estudada nas páginas dos anais da Academia Comptes Rendus Hébdomadaires dês Séances de lAcadémie des Sciences de Paris Nesse mesmo dia 27011896 Poincaré faz um comentário de enorme importância para nosso estudo Os raios X eram produzidos Como Roentgen havia mostrado pelas paredes do tubo de vidro no local onde elas são atingidas pelos raios catódicos Nesse mesmo local o vidro se torna fluorescente Poincaré se pergunta se não haveria alguma conexão entre os dois fenômenos Poucos dias depois suas idéias são apresentadas em um artigo de revisão sobre o assunto POINCARÉ 1896 Nesse artigo ele afirma que os raios X são raios porque se propagam em linha reta não são da mesma natureza da luz das ondas do rádio raios hertzianos do infravermelho e do ultravioleta porque não se refletem nem se refratam não são raios catódicos porque não são desviados pelo ímã nem são absorvidos rapidamente pela matéria Apresenta sem negar a conjetura de Roentgen sobre ondas longitudinais do éter e afirma Seja o que for estamos diante de um agente novo tão novo quanto o eram a eletricidade no tempo de Gilbert ou o galvanismo no tempo de Volta Todas as vezes que uma revelação semelhante nos surpreende ela desperta em nós o sentimento do mistério que nos envolve sensação perturbadora que se havia dissipado à medida que se dissolvera a admiração para com as maravilhas anteriores POINCARÉ 1896 p 56 Mais adiante ele comenta É portanto o vidro que emite os raios Roentgen e ele nos emite tornandose fluorescente Podemos nos perguntar se todos os corpos cuja fluorescência seja suficientemente intensa não emitiriam além dos raios luminosos os raios X de Roentgen qualquer que seja a causa de sua fluorescência Os fenômenos não seriam então associados a uma causa elétrica Isso não é muito provável mas é possível e sem dúvida fácil de verificar POINCARÉ 1896 p 56 Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 30 É a busca dessa relação entre fluorescência e raios X que irá levar aos estudos de Becquerel Na verdade de acordo com os nossos conhecimentos atuais não existe relação direta entre a emissão de raios X e a luminescência Mas é graças a essa pista falsa que muitas descobertas serão feitas III A radiação dos corpos luminescentes Na sessão seguinte 03021896 da Academia de Ciências de Paris prossegue a proliferação de estudos sobre os raios X mas Moreau comunica que eles são emitidos pela descarga de alta volagem de uma bobina de indução sem a utilização de um tubo de vácuo e portanto sem raios catódicos Benoist e Hurmuzescu observaram que os raios X são capazes de descarregar um eletroscópio Na outra semana 10021896 aparece o primeiro trabalho destinados a testar a sugestão de Poicaré Nessa sessão Poincaré apresenta à Academia um trabalho de Chalés Henry Ele testa inicialmente se o sulfeto de zinco fosforescente é capaz de aumentar o efeito dos raios X e conclui que sim se um objeto metálico é parcialmente recoberto com uma camada de sulfeto de zinco a radiografia desse objeto fica mais forte e nítida na região recoberta do que na região sem sulfeto de zinco Ainda mais utilizando a luz produzida pela queima de uma fita de magnésio em laboratório Henry afirma ter conseguido obter efeitos iguais ao de uma radiografia bastando recobrir o objeto com uma camada de sulfeto de zinco HENRY 1896 A hipótese de Poincaré parecia estar confirmada Na semana seguinte 17021896 entre a já usual profusão de estudos sobre raios X surge um trabalho de Niewenglowski que confirma e amplia os resultados de Henry Ele utiliza um outro material fosforescente sulfeto de cálcio Eis sua descrição Tendo envolvido uma folha de papel sensível ordinário papel fotográfico com diversas camadas de papel agulha negro ou de papel vermelho coloquei acima dela duas moedas e recobri uma das metades da folha com uma placa de vidro com pó fosforescente sulfeto de cálcio Depois de quatro ou cinco horas de exposição ao Sol a metade do papel sensível que havia recebido diretamente as radiações solares havia permanecido intacta e não apresentava nenhum sinal da moeda colocada acima dela indicando assim que o papel negro ou vermelho não havia sido atravessado pela luz A metade que só recebia os raios solares através da placa fosforescente estava completamente enegrecida exceto pela Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 31 porção correspondente a uma das moedas da qual foi produzida silhueta branca sobre um fundo negro Colocando apenas uma camada de papel vermelho fina permitindo a passagem dos raios solares constatei que a porção do papel sensível que só recebia as radiações solares após sua passagem pela camada fosforescente enegrecida muito mais rapidamente do que a outra NIEWENGLOWSKI 1896 p 385 Fig1 A experiência de Niewenglowski As observações de Niewnglowski corroboravam as de Charles Henry os materiais fosforescentes pareciam emitir raios X quando iluminados Ainda mais Niewenglowski estuda o efeito da fosforescência do sulfeto de cálcio colocando em um local escuro depois de ter recebido a luz do Sol concluindo que também nesse caso o material continuava a emitir radiações capazes de atravessar o papel negro Pude também observar que a luz emitida pelo pó fosforescente previamente iluminado pelo Sol na obscuridade era capaz de atravessar várias camadas de papel vermelho e obscurecer um papel sensível que ele estava separado por essas camadas de papel NIEWENGLOWSKI 1896 p 3856 Passase mais uma semana Na sessão de 24021896 piltchikof anuncia que utilizando uma substância fortemente fluorescente dentro do tubo de Crookes no local onde os raios catódicos atingem a parede do vidro observou um grande aumento da intensidade dos raios X permitindo a realização de radiografias em 30 segundos anteriormente eram necessários vários minutos A sugestão de Poincaré já estava portanto resultando em importantes aplicações técnicas Todos esses resultados espantarão a qualquer físico moderno Não se conhece atualmente nenhum efeito semelhante a esse descrito por tais autores As experiências não Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 32 deveriam ter proporcionado os resultados observados O que aconteceu Não se sabe Nessa mesma sessão da Academia aparece o primeiro trabalho de Henri Becquerel sobre o assunto IX A contribuição de Henri Becquerel Henri Becquerel pertencia a uma ilustre família de cientistas Seu avô Antoine Becquerel nascido em 1788 foi um importante investigador dos fenômenos elétricos e magnéticos tendo publicado um grande trabalho sobre o assunto O pai de Henri Edmond Becquerel 18211891 notabilizouse por seus estudos a respeito das radiações ultravioleta e dos fenômenos de fosforescência e fluorescência Especialmente de 1859 a 1861 estudara os sulfetos de cálcio de bário de estrôncio e outros Entre os materiais que estudou estavam incluídos alguns sais de urânio ver introdução de Cortés Pla em BECQUEREL El descubrimiento de la radioatividad No laboratório de seu pai Henri Becquerel desenvolveu seu treino científico e realizou suas primeiras pesquisas quase todas sobre óptica e muitas delas no período de 1882 a 1887 sobre fosforescência Entre outras coisas estudou a fosforescência invisível no infravermelho de várias substâncias Estudou em particular os espectros de fluorescência de sais de urânio utilizando amostras que seu pai havia acumulado ao longo dos anos Nada era mais natural do que o interesse de Henri Becquerel pelos raios X e mais particularmente pela conjetura de Poincaré e pelos trabalhos de Henry e Niewenglowski De fato parecia simplesmente que além de poderem emitir radiações visível e infravermelha os corpos luminescentes podiam também emitir raios X Becquerel resolve fazer experimentos sobre o assunto Reproduziremos abaixo o texto completo da primeira nota de Henri sobre o assunto apresentada à Academia no dia 24021896 dois meses após a divulgação da descoberta dos raios X Em uma reunião precedente da Academia de Ciência francesa Charles Henry notificou que ao se colocar sulfeto de zinco fosforescente no caminho dos raios que saem do tubo de Crookes aumentava a intensidade das radiações que penetram o alumínio Além disso Niewenglowski descobriu que o sulfeto de cálcio fosforescente comercial emite radiações que penetram em substâncias opacas Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 33 Esse comportamento se estende a várias substâncias fosforescentes e em particular aos sais de urânio cuja fosforescência tem uma duração muito curta Com o sulfato duplo de urânio e potássio de que possuo alguns cristais sob a forma de uma crosta transparente fina realizei a seguinte experiência Envolvese uma chapa fotográfica de Lumière em duas folhas de papel negro muito expesso de tal forma que a chapa não se escureça mesmo exposta ao Sol dirante um dia Colocase uma placa da substância fosforescente sobre o papel do lado de fora e o conjunto é exposto ao Sol durante várias horas Quando se revela a chapa fotográfica surge a silhueta da substância fosforescente que aparece negra no negativo Se for colocada uma moeda ou uma chapa metálica perfurada entre a substância fosforescente e o papel a imagem desses objetos poderá ser vista no negativo As mesmas experiências podem ser repetidas colocandose uma chapa fina de vidro entre a substância fosforescente e o papel e isso exclui a possibilidade de qualquer ação química por vapores que pudessem sair da substância ao ser aquecida pelos raios do Sol Podese concluir dessas experiências que a substância fosforescente em questão emite radiações que penetram um papel opaco à luz e reduzem sais de prata BECQUEREL 1896a Notese que Becquerel conhece os trabalhos anteriores de Henry e Niewenglowski e que reproduz sem grande alterção o experimento do segundo Apenas testou um nova substância o sulfato duplo de uranila e potássio confirmando também nesse caso a hipótese de Poincaré Na semana seguinte 02031896 dArsonval descreve ter obtido radiografias utilizando uma lâmpada fluorescente e recobrindo os objetos a serem radiografados com um vidro fluorescente contendo um sal de urânio Conclui nesse artigo que todos os corpos que emitem radiações fluorescentes amareloesverdiadas são capazes de impressionar chapas fotográficas recobertas por papel opaco à luz DARSONVAL 1896 É nessa mesma sessão da Academia que Becquerel apresenta uma segunda nota que é comumente descrita como representando a descoberta da radioatividade Cortés Pla é um dos que comete esse erro apesar de haver lido e traduzido os artigos de Becquerel Uma semana depois no dia 2 de março a Academia escuta o resultado de novas investigações que imortalizariam o nome de Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 34 Becquerel já que nelas se descreve a existência de um novo fenômeno a radioatividade BECQUEREL El descubrimiento de la radioatividad p 32 Nessa segunda nota Becquerel prossegue o estudo dos efeitos produ zidos pelo sulfato duplo de uranila e potássio Varia o experimento anterior obser vando que as radiações emitidas por esse material são menos penetrantes do que os raios X comuns Nota também que a emissão da radiação penetrante ocorre tanto no caso em que o material fosforescente é iluminado diretamente pelo Sol quanto ao ser iluminado por luz refletida ou refratadaObservase também que mesmo no escuro o material estudado sensibiliza chapas fotográficas como o sulfeto de cál cio de Niewenglowski Eis a transcrição dessa parte do artigo Insistirei particularmente sobre o seguinte fato que me parece muito importante e alheio ao domínio dos fenômenos que se poderia esperar observar As mesmas lamelas cristalinas colocadas junto a chapas fotográficas nas mesmas condições isoladas pelos mesmos anteparos mas sem receber excitação por incidência de radiação e mantidas na obscuridade ainda produzem as mesmas impressões fotográficas Eis de que maneira fui levado a fazer essa observação dentre as experiências precedentes algumas foram preparadas na quartafeira 26 e na quintafeira 27 de fevereiro e como nesses dias o Sol apareceu apenas de modo intermitente conservei as experiências que havia preparado e coloquei as placas com seus envoltórios na obscuridade de uma gaveta de um móvel deixando as lâminas do sal de urânio em seu lugar Como o Sol não apareceu de novo nos dias seguintes revelei as placas fotográficas a 1º de março esperando encontrar imagens muito fracas Ao contrário as silhuetas apareceram com grande intensidade Pensei logo que a ação devia ter continuado na obscuridade e preparei a experiência seguinte No fundo de uma caixa de cartão opaco coloquei uma placa fotográfica depois sobre o lado sensível coloquei uma lamela do sal de urânio lamela convexa com a parte central mais alta e que tocava a gelatina apenas em poucos pontos então ao lado na mesma placa coloquei outra lâmina do mesmo sal separada da gelatina por uma fina lâmina de vidro Após realizar essa operação na sala escura a caixa foi fechada então colocada dentro de outra caixa de papelão e por fim dentro de uma gaveta Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 35 Repeti o processo com um receptáculo fechado por uma folha de alumínio em que coloquei uma chapa fotográfica e do lado de fora uma lamela do sal de urânio O conjunto foi fechado em uma caixa de papelão opaco e depois em uma gaveta Após cinco horas revelei as placas e as silhuetas das lâminas cristalinas apareceram em negro como nas experiências precedentes como se tivessem se tornado fosforescentes pela luz Em relação à lamela colocada diretamente sobre a gelatina praticamente não havia diferença entre os efeitos nos pontos de contato e das partes da lamela que estavam separadas da gelatina por cerca de um milímetro a diferença pode ser atribuída às diferentes distâncias das fontes das radiações ativas A ação da lamela colocada sobre o vidro estava um pouco enfraquecida mas a forma da lamela foi muito bem reproduzida Finalmente através da folha de alumínio a ação foi consideravelmente enfraquecida mas apesar disso era muito nítida É importante notar que este fenômeno não parece dever ser atribuído a radiações luminosas emitidas por fosforescência já que após 1100 de segundo estas radiações se tornam tão fracas que são quase imperceptíveis Uma hipótese que surge muito naturalmente ao espírito seria a suposição de que essas radiações cujos efeitos possuem uma forte analogia com os efeitos produzidos pelas radiações estudadas por Lenard e Roentgen poderiam ser radiações invisíveis emitidas por fosforescência cuja duração de persistência fosse infinitamente maior do que a das radiações luminosas emitidas por essas substâncias No entanto as experiências presentes sem serem contrárias a essa hipótese não permitem formulála As experiências que estou desenvolvendo agora poderão espero contribuir com algum esclarecimento sobre esse novo tipo de fenômeno BECQUEREL 1896b Notese que não há quase nada de novo nesse novo tipo de fenôme no A única novidade é que a fosforescência invisível parecia durar muito mais do que a fosforescência visível o que não era de modo algum contrário ao que se conhecia Em um outro artigo de revisão sobre os raios X publicado nesse mes mo mês Raveau descreve os estudos de Charles Henry Niewenglowski Piltchikof Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 36 dArsonval e Becquerel como sendo todos eles casos especiais do fenômeno previsto por Poincaré e descoberto por Charles Henry RAVEAU 1896 p 251 Na semana seguinte 09031896 em meio à quota usual de artigos sobre raios X Battelli e Gambasso estudam o papel de substância fluorescentes no aumento do efeito dos raios de Roentgen Troost estuda o sulfeto de zinco fosforescente blenda e repete e confirma as observações de Charles Henry obtendo fortes imagens radiográficas ao excitar a fosforescência por meio da luz do magnésio Troost cita também os trabalhos de Niewenglowski e Becquerel Por sua vez Henri Becquerel apresenta uma terceira comunicação Nela afirma que a radiação emitida pelo sal de urânio estudado é capaz de descarregar um eletroscópio como os raios X Era natural tentar repetir com essa radiação todos os tipos de experimentos já realizados com a radiação de Roentgen para testar se eram iguais ou não No entanto a principal analogia que parecia atuar na mente de Becquerel era outra o fenômeno era muito semelhante à fosforescência invisível que ele havia estudado na qual havia emissão de radiação infravermelha Ora a radiação infravermelha é da mesma natureza da luz e ao contrário do que havia sido descrito no caso dos raios X ela se reflete e refrata Becquerel estuda a radiação do sulfato de uranila e potássio e conclui que ela se reflete em superfícies metálicas e se refrata no vidro comum BECQUEREL 1896c Sabese atualmente que essa radiação não se reflete nem se refrata no vidro No mesmo artigo Becquerel descreve observações nas quais os sais de urânio continuam a sensibilizar chapas fotográficas mesmo quando o material fosforescente fica guardado na obscuridade durante 7 dias e observa Talvez esse fato possa ser comparado a conservação indefinida em certos corpos da energia que absorveram e que é emitida quando são aquecidos fato sobre o qual já chamei atenção em um trabalho de 1891 sobre a fosforescência pelo calor BECQUEREL 1896c p 5623 Notase que Becquerel continua a se basear nos fenômenos que já conhece não reconhecendo nada de fundamentalmente novo naquilo que estuda No mesmo artigo Becquerel estuda outros materiais fosforescentes Alguns deles são sais de urânio Com todos eles são observados os mesmos efeitos Com o sulfeto de zinco ao contrário do que Henry e Troost haviam observado Becquerel não nota nenhum efeito No entento Becquerel faz observações na obscuridade e Henry e Troost haviam feito experimentos enquanto o sulfeto de zinco era iluminado Outros materiais fosforescentes sulfeto de estrôncio e de cálcio são examinados O primeiro não proporciona nenhum efeito no escuro Uma amostra de sulfeto de cálcio que produzia fosforescência alaranjada também não produz efeitos mas dois sulfetos de cálcio com luminescência azul e azul esverdiado produziam efeitos muito fortes os mais intensos que já obtive nessas experiências O fato relativo ao sulfeto de cálcio azul está de acordo com a Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 37 observação do Sr Niewenglowski através do papel negro BECQUEREL 1896c p 563 Por nossos conhecimentos atuais é muito difícil compreender como podem ter ocorrido os efeitos descritos por Becquerel As radiações emitidas pelos sais de urânio na verdade não se refletem nem se refratam e o sulfeto de cálcio não deveria emitir radiações semelhantes às dos sais de urânio e pior ainda mais fortes Ou existiram efeitos que não podem ser explicados por nossos conhecimen tos ou Becquerel se enganou em suas observações e neste caso pode ter sido introduzido por suas expectativas teóricas a ver fenômenos inexistentes A menos que essas experiências sejam repetidas com os mesmos materiais por ele utiliza dos não será possível no entanto excluir a existência de fenômenos físicos atual mente ignorados e diferentes da radioatividade Passamse duas semanas e Becquerel publica novo trabalho 23031896 Nele descreve observações de que alguns compostos de urânio que não são luminescentes também produzem os efeitos antes descritos Assim sendo essa fosforescência invisível parece não ter ligação com a fosforescência ou fluo rescência visível Mas parece segundo Becquerel tratarse relamente de um caso de fosforescência pois ele afirma que a radiação aumenta quando os cristais que estavam no escuro são expostos à luz solar ou quando são iluminados por uma descarga elétrica BECQUEREL 1896d novamente o fenômeno descrito não deveria ocorrer pelo que sabemos Há outra observação curiosa neste artigo Bec querel afirma que as amostras de sulfeto de cálcio que haviam produzido efeitos no escuro agora não impressionavam mais as chapas fotográficas Como já se viu Becquerel acreditava que a radiação que estudava era semelhante à luz pois se refletia e refratava ao contrário dos raios X No seu artigo seguinte BEQUEREL 1896e descreve experiências com finas lâminas de turma lina e afirma haver notado efeitos de polarização de sua radiação outro resultado estranho Continua também a afirmar que o efeito se torna mais forte quando o material é excitado pela luz e repete isso também no trabalho seguinte Passamse agora 7 semanas Só então Becquerel apresenta nova comu nicação Depois de ter observado que todos os compostos de urânio luminescentes ou não emitiam essas mesmas radiações invisíveis Becquerel resolve testar o urânio metálico Obtém uma amostra preparada por Moissan químico que nesse mesmo ano havia isolado o metal e verifica que ele também emite a radiação Ora isso poderia ter mostrado que não se tratava de um fenômeno de fosforescência e sim algo de outra natureza Mas Becquerel conclui que esse é o primeiro caso de um metal que apresenta uma fosforescência invisível BECQUEREL 1896f Seria natural a partir daí pesquisar a existência de outros elementos que emitissem radi ações semelhantes mas Becquerel não o faz Após esse trabalho de 18 de maio ele parece se desinteressar e abandona esse estudo Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 38 X Os dois primeiros anos Como se pode perceber pela descrição feita até aqui os trabalhos de Becquerel não estabeleceram nem a natureza das radiações emitidas pelo urânio nem a natureza subatômica do processo Seu trabalho originado como o de Char les Henry e outros pela hipótese de Poincaré era apenas um dos muitos da época que apresentavam resultados de difícil interpretação Visto no contexto da época eram pesquisas que não tiveram o impacto nem a fecundidade da descoberta dos raios X Poucos pesquisadores se dedicaram ao estudo dos raios de Becque rel ou raios do urânio até início de 1898 Por um lado os próprios compostos luminescentes do urânio ou urânio metálico eram de difícil obtenção Por outro lado Becquerel parecia ter esgotado o assunto Além disso muitos outros fenôme nos anunciados na mesma época desviavam a atenção e apontavam igualmente para aspectos delicados desse tipo de estudos ver BADASH 1965 No Japão em 1896 Muraoka investigou se certos vermes luminescen tes eram capazes de emitir radiações invisíveis penetrantes capazes de sensibilizar placas fotográficas Parecia que sim mas os resultados eram estranhos o efeito só surgia quando os vermes eram mentidos úmidos e quando havia um cartão entre eles e a placa fotográfica Concluiuse depois que o efeito era devido apenas à umidade pois papel umedecido produzia o mesmo resultado No mesmo ano observouse que algumas placas metálicas recentemente polidas de zinco magné sio e cádmio também sensibilizavam chapas fotográficas ver STEWART 1898 Um pesquisador norteamericano McKissic divulgou no mesmo ano que muitas outras substâncias pareciam omitir raios de Becquerel cloreto de lítio sulfeto de bário sulfato de cálcio cloreto de quinina açúcar giz glicose e acetato de urânio Várias outras alegações semelhantes surgiram no mesmo período quase todas sem fundamento Tudo isso ajudava a confundir a situação Em um artigo de revisão do assunto publicado em 1898 Stewart des creveu todos os tipos de trabalhos publicados na época Chegou à conclusão pro vavelmente a mais aceita na época de que os raios de Becquerel eram ondas ele tromagnéticas transversais como a luz de pequeno comprimento de onda e que o processo de emissão era um tipo de fosforescência STEWART 1898 Repete os resultados de Becquerel relativos à reflexão refração e polariazação dos raios de urânio e o aumento da intensidade da radiação após exposição à luz Adota essen cialmente a mesma concepção que Becquerel É verdade que em 1897 Gustave lê Bom havia repetido os experimentos de Becquerel e não havia notado nenhum sinal de reflexão refração ou polarização LE BOM 1897 Mas ninguém lhe deu aten ção Todos imaginaram que se tratava de um tipo de radiação ultravioleta Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 39 Podese dizer que de maio de 1896 ao início de 1898 esse campo de estudos ficou estagnado O único resultado novo durante esse tempo foi o de que a radiação do urânio permanecia forte ao longo dos meses apesar de não haver rece bido luz Embora Becquerel ainda afirmasse que a excitação pela luz aumentava a radiação emitida Elster e Geitel não encontraram esse efeito queé claro não existe XI A descoberta de novos materiais radioativos No início de 1898 dois pesquisadores independentemente tiveram a idéia de tentar localizar outros materiais diferentes do urânio que emitissem radia ções do mesmo tipo A busca foi feita na Alemenha por G C Schmidt e na Fran ça por Marie Sklodowska Curie Em abril de 1898 ambos publicaram a descoberta de que o tório emita radiações como o urânio O método de estudo não foi fotográ fico e sim com o uso de uma câmara de ionização observandose a corrente elétri ca produzida no ar entre duas placas eletrizadas quando se colocava um material que emita radiações entre as placas Esse método de estudos era mais seguro do que o uso de chapas fotográficas já que estas como vimos podem ser afetadas por muitos tipos de influências diferentes A radiação emitida pelo tório era observada em todos os seus compos tos examinados como ocorria com o urânio Ela produzia efeitos fotográficos e era um pouco mais penetrante do que a do urânio Schmidt afirmou ter observado a refração dos raios do tório como Becquerel fizera anteriormente mas não conse guiu notar nem reflexão nem polarização dos raios Marie Curie estudou vários minerais além de substâncias químicas pu ras Notou como era de se esperar que todos os minerais do urânio e do tório emitiam radiações Mas observou um fato estranho Todos os minerais que se mostraram ativos contêm os elementos ativos Dois minerais de urânio a pechblenda óxido de urânio e a calcolita fosfato de cobre e uranila são muito mais ativos do que o próprio urânio Esse fato é muito notável e leva a crer que esses minerais podem conter um elemento muito mais ativo do que o próprio urânio Reproduzi a calcolita pelo processo de Debray com produtos puros essa calcolita artificial não é mais ativa do que outros sais de urânio CURIE 1898 p 1102 Nesse mesmo trabalho Curie chama a atenção para o fato de que o u rânio e o tório são os elementos de maior peso atômico dos que eram conhecidos Especula também sobre a causa do fenômeno Diante da enorme duração da radia Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 40 ção parecia absurdo na época que toda a energia emitida que parecia infinita pudesse provir do próprio material Curie supõe que a fonte seria externa ou seja que todo o espaço estaria permeado por uma radiação muito penetrante impercep tível que seria absorvida pelos elementos mais pesados e reemitida sob uma forma observável A descoberta do tório deu um novo impulso à pesquisa dos raios de Becquerel Agora percebiase que esse não era um fenômeno isolado que ocorria só no urânio Marie Curie é quem dá a esse fenômeno o nome radioatividade Os raios urânicos foram freqüentemente chamados raios de Becquerel Podese generalizar esse nome aplicandoo não apenas aos raios urânicos mas também aos raios tóricos e a todas as radiações semelhantes Chamarei de radioativas as substâncias que emitem raios de Becquerel O nome de hiperfosforescência que foi proposto para o fenômeno pareceme dar uma falsa idéia de sua natureza CURIE 1899 p 42 Vêse que Marie Curie estava consciente de que se tratava de um fe nômeno muito mais geral Poucos meses depois da descoberta do tório Marie e Pierre Curie a presentarão um trabalho de ainda mior importância CURIE CURIE 1898 No trabalho anterior Marie Curie havia sugerido que a pechblenda talvez contivesse outro material radioativo desconhecido Ela se dedica ao trabalho de tentar isolar essa substância Para isso dedicase a um trabalho de química analítica separando progressivamente os constituintes da pechblenda testandoos pelo método elétrico de modo a separar as frações radioativas das inativas Primeiramente partindo da pechblenda que era duas vezes e meia mais ativa do que o urânio foi feita a disso lução do mineral em ácido Depois borbulhouse ácido sulfídrico H2S pelo líqui do havendo formação de vários sulfetos insolúveis que se precipitavam O urânio e o tório permaneciam dissolvidos O precipitado era muito ativo Adicionandolhe sulfeto de amônia os sulfetos de arsênio e de antimônio não ativos se dissolvem O resíduo passa por outros processos de separação Por fim o material ativo fica unido ao bismuto não sendo separável dele pelos processos usuais Não era por tanto nenhum elemento conhecido Através de processos de sublimação fracionada foi possível obter um material ainda unido ao bismuto que era 400 vezes mais ativo do que o urânio puro O casal Curie sugere Cremos portanto que a substância que retiramos da pechblenda contém um metal ainda não identificado vizinho ao bismuto por suas propriedades analíticas Se a existência Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 41 desse novo metal for confirmada propomos darlhe o nome de polônio nome do país de origem de um de nós CURIE CURIE 1898 Não se pode dizer que estivesse de fato estabelecida a existância de um novo elemento O suposto novo metal se comportava como o bismuto e não tinha raias espectrais que pudessem ser notadas Houve por isso certo ceticismo em relação a essa descoberta inicialmenteEm artigo escrito após o trabalho relativo ao polônio Marie Curie faz uma revisão dos conhecimentos sobre o assunto CURIE 1899 Nele coloca em dúvida a existência de reflexão refração e polarização dos raios de Becquerel e nega com base nos estudos de Elster e Geitel a possibilidade de intensificar a radioatividade pela exposição ao Sol Curie defende claramente a idéia de que a radioatividade é uma propriedade atômica Na última reunião de 1898 da Academia de Ciências os Curie e Bé mont apresentavam um novo trabalho CURIE CURIE BÉMONT 1898 Nele apresentam evidências de um novo elemento radioativo quimicamente semelhante ao bário extraído também da pechblenda Também nesse caso não foi possível separar o novo elemento do metal conhecido mas foi possível obter um material 900 vezes mais ativo do que o urânio Além disso desta vez a análise espectroscó pica permitiu notar uma raia espectral desconhecida Os autores do artigo dão a esse novo elemento o nome de rádio por parecer mais radioativo do que qual quer outro elemento XII Etapas posteriores Faltava muita coisa ainda a ser compreendida O que eram as radia ções emitidas iguais aos raios X ou não Até essa época parecia que sim De onde saía a energia desprendida desses materiais Por que alguns elementos são radioativos e outros não Nada disso havia sido esclarecido Não havia também suspeita de que a radioatividade acarretava transformações de um elemento quími co em outro O nome radioatividade existia mas não se conhecia ainda o com plexo fenômeno ao qual damos hoje esse nome A história restante é longa e rica Não é possível descrevela em deta lhes aqui O objetivo central deste artigo era mostrar que Becquerel ficou longe de estabelecer a existência da radioatividade tal como a concebemos hoje Vamos por isso apenas indicar alguns dos episódios posteriores para dar uma idéia sobre o que faltava ainda descobrir ver JAUNCEY 1946 A natureza e diversidade das radiações emitidas por materiais radioati vos foi estabelecida gradualmente No início de 1899 Rutherford notou a existên cia de dois tipos de radiação do urânio uma mais penetrante e outra facilmente Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 43 XIII Conclusão Mais do que diminuir o papel de Becquerel na descoberta da radioati vidade o objetivo deste artigo foi mostrar a grande dificuldade existente no estabe lecimento de fenômenos que não são esperados teoricamente É fácil observar o que se prevê aliás como se viu podese observar o que foi previsto até quando a previsão é falsa Muito mais difícil é ver aquilo que contraria todas as expectativas O estudo aprofundado de episódios como esse deveria fazer parte da educação de todo cientista experimental pois a visão estereotipada do experimen tador rebaixa e banaliza o trabalho experimental quando na verdade o bom tra balho experimental é extremamente difícil criativo e instigante desde que se tenha coragem de enfrentar no laboratório fenômenos que se recusam a respeitar as teorias estabelecidas Agradecimento Esta pesquisa recebeu o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvi mento Científico e Tecnológico CNPq Referências Bibliográficas OBS As referências a artigos do periódico Comptes Rendus Hebdomadaires dês Séances de lAcadémie dês Sciences de Paris são indicadas como Comptes Ren dus 1 BADASH L Radioactivity before tha Curies American Journal of Physics v 33 p 128135 1965 2 BECQUEREL H El descubrimiento de la radioactividad Introdução e trad De Cortés Pla Buenos Aires espasaCalpe 1946 3 Sur les radiations émises par phosphorescence Comptes Rendus v 122 p 420421 1896a 4 Sur lês radiations invisibles émises par les corps phosphorescents Comptes Rendus v 122 p 501503 1896 b 5 Sur quelques propriétés nouvelles des radiations invisibles émises par divers corps phosphorescents Comptes Rendus v 122 p 559564 1896 c 6 Sur les radiations invisibles émises par les sels duranium Comptes Rendus v 122 p 689694 1896d Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 44 7 Sur les propriétés différentes des radiations invisibles émises par les sels duranium et du rayonnement de la paroi anticathodique dum tube de Croo kes Comptes Rendus v 122 p 762767 1896e 8 Émission de radiations nouvelles par luranium métallique Comptes Rendus v 122 p 10861088 1896f 9 CURIE m s Rayons émis par les composés de luranium et du thorium Comp tes Rendus v 126 p 11011103 1898 10 Les rayons de Becquerel et le polonium Révue Générale des Scien ces v 10 p 4150 1899 11 CURIE P CURIE M S Sur une substance nouvelle radioactive contenue dens la pechblende Comptes Rendus v 127 p 175178 1898 12 Sur la radioactivité provoquée par les rayons de Becquerel Comptes Rendus v 129 p 714716 1899 13 CURIE P CURIE M S BÉMONT G Sur une nouvelle substance forte ment radioactive contenue dans la pechblende Comptes Rendus v 127 p 12151217 1898 14 DARSONVAL A Observations au sujet de la photografie à travers les corps opaques Comptes Rendus v 122 p 500501 1896 15 DEBIERNE A Sur um nouvel élément radioactif lactinium Comptes Ren dus v 130 p 906908 1900 16 HENRY C Augmentation du rendement photographique des rayons Roentgen par le sulfure de zinc phosphorescent Comptes Rendus v 122 p 312314 1896 17 JAUNCEY G E M The birth and early infancy of Xrays American Journal of Physics v 13 p 362379 1945 18 The early years of radioactivity American Journal of Physics v 124 p 226241 1946 19 LE BON G Neture des diverses espeses des radiations produites par les corps sous linfluence de la lumière Comptes Rendus v 124 p 755758 1897 Cad Cat Ens Fís Florianópolis 7 Número Especial 2745 jun 1990 45 20 MANVILLE O Les découvertes modernes en physique Paris Hermann 1909 21 NIEWENGLOWSKI G H Sur la proprieté quont les radiations émises par les corps phosphorescents de traverser certains corps opaques à la lumière solaire et sur les expériences de M G Le Bon sur la lumière noire Comptes Rendus v 122 p 385386 1896 22 PAPP D Historia de la física Buenos Aires EspasaCalpe 1945 23 POICARÉ H Les rayons cathodiques et les rayons Roentgen Revue Générale des Sciences v 7 p 5259 1896 24 RAVEAU C Les faits nouvellement acquis sur les rayons de Roentgen Revue Générale des Sciences v 7 p 249253 1896 25 ROENTGEN W C Ueber eine neue Art von Strahlen Sitzungsberichte der physikalischmedicinische Gesellschaft von Wirzburg 13241 1895 Annalen der Physik und Chemie v 64 p 112 1898 26 Une nouvelle espèce de rayons Revue Générale des Sciences v 7 p 5963 1896 27 ROMER A Accident and professor Roentgen American Journal of Physics v 27 p 275277 1959 28 RUTHERFORD E Uranium radiation and the electrical conduction produced by it Philosophical Magazine v 47 n 5 p 109163 1899 29 A radioactive substance emited from thorium compounds Philoso phical Magazine v 49 n 5 p 114 1900 30 Radioactivity produced in substances by the action of thorium com pounds Philosophical Magazine v 49 n 5 p 161192 1900 31 STEWART O M A résumé of the experiments dealing with the properties of Becquerel rays Physical Review v 6 p 239251 1898 32 Becquerel rays a résumé Physical Review v 11 p 155175 1900 33 WATSON E C The discovery of Xrays American Journal of Physics v 13 p 281291 1945 RESENHA CRÍTICA COMO BECQUEREL NÃO DESCOBRIU A RADIOATIVIDADE MARTINS Roberto Vieira Como Becquerel não descobriu a radioatividade Caderno Brasileiro de Ensino de Física p 2745 1990 O texto Como Becquerel não descobriu a radioatividade de Roberto Vieira Martins publicado no Caderno Brasileiro de Ensino de Física em 1990 questiona a visão comumente aceita de que Henri Becquerel foi o descobridor acidental da radioatividade em 1896 O autor argumenta que a descoberta da radioatividade não foi um evento isolado e fortuito mas sim resultado de um processo científico mais amplo O artigo explora o trabalho de Becquerel destacando que sua pesquisa foi motivada pelos avanços na descoberta dos raios X O autor discute o caminho complexo e tortuoso que levou à compreensão da radioatividade enfatizando as dificuldades enfrentadas pelos cientistas da época para interpretar os fenômenos observados Martins argumenta que a descoberta da radioatividade não pode ser atribuída exclusivamente a Becquerel mas sim a um conjunto de contribuições e descobertas científicas ao longo do tempo Poincaré citado por Martins no artigo afirma que estamos diante de um agente novo tão novo quanto o eram a eletricidade no tempo de Gilbert ou o galvanismo no tempo de Volta Isso mostra como a descoberta de Roentgen foi revolucionária e abriu portas para novas possibilidades na ciência Poincaré também levanta a questão da relação entre fluorescência e raios X que levou aos estudos de Becquerel Martins apresenta a observação de Roentgen sobre a luminescência de uma placa coberta com platinocianeto de bário quando um tubo de raios catódicos era ligado em sua proximidade O autor também explica como Roentgen conseguiu determinar várias propriedades dos raios X em menos de dois meses e publicar seu primeiro artigo sobre o assunto No texto se destaca a importância da descoberta dos raios X que foi revolucionária e abriu portas para novas possibilidades na ciência O texto apresenta uma série de experimentos realizados por diferentes cientistas incluindo Niewenglowski Charles Henry e Henri Becquerel sobre a fosforescência e a emissão de radiações por materiais fosforescentes Esses experimentos mostraram que os materiais fosforescentes podem emitir raios X e radiações capazes de atravessar substâncias opacas como papel negro Henri Becquerel pertencente a uma família de cientistas renomados realizou experimentos utilizando sulfato duplo de uranila e potássio confirmando as observações anteriores e demonstrando que a substância fosforescente emite radiações que penetram materiais opacos e sensibilizam chapas fotográficas Essas descobertas foram consideradas importantes e inesperadas dArsonval descreveu a obtenção de radiografias utilizando uma lâmpada fluorescente e um vidro fluorescente contendo um sal de urânio Martins destaca que ele concluiu que corpos que emitem radiações fluorescentes são capazes de impressionar chapas fotográficas recobertas por papel opaco à luz Embora os experimentos de Becquerel não tenham revelado a natureza exata das radiações emitidas pelo urânio eles foram impulsionados pela hipótese de Poincaré e considerados parte de um conjunto de estudos desafiadores naquele período No entanto essas pesquisas não alcançaram o mesmo impacto e significância das descobertas dos raios X Inicialmente poucos pesquisadores se dedicaram ao estudo dos raios de Becquerel ou raios do urânio em parte devido à dificuldade de obtenção dos compostos luminescentes de urânio e à aparente exaustão do tema por parte de Becquerel Outros fenômenos anunciados na mesma época desviaram a atenção e apresentaram desafios semelhantes no campo de estudos Um exemplo disso foi o estudo realizado por Muraoka no Japão em 1896 que investigou a capacidade de vermes luminescentes emitirem radiações invisíveis penetrantes capazes de sensibilizar placas fotográficas Embora os resultados tenham sido estranhos com o efeito ocorrendo apenas quando os vermes estavam úmidos e com um cartão entre eles e a placa fotográfica posteriormente foi concluído que o efeito era devido apenas à umidade pois papel umedecido produzia o mesmo resultado Esses exemplos ilustram a complexidade e os desafios enfrentados pelos pesquisadores nesse campo Destacase no texto que Em um artigo de revisão do assunto publicado em 1898 Stewart descreveu todos os tipos de trabalhos publicados na época Chegou à conclusão provavelmente a mais aceita na época de que os raios de Becquerel eram ondas eletromagnéticas transversais como a luz de pequeno comprimento de onda e que o processo de emissão era um tipo de fosforescência Embora o trecho mencione que a conclusão de Stewart era provavelmente a mais aceita na época é importante ressaltar que essa visão estava equivocada A compreensão dos raios de Becquerel como ondas eletromagnéticas transversais de pequeno comprimento de onda e o processo de emissão como um tipo de fosforescência estavam incorretas Essa interpretação errônea reflete a dificuldade enfrentada pelos cientistas na época para compreender a natureza da radioatividade No entanto é importante reconhecer que essa conclusão equivocada foi um passo importante no caminho para a compreensão correta da radioatividade As descobertas subsequentes de Marie Curie e outros cientistas permitiram avançar no entendimento dessa fenomenologia revelando a verdadeira natureza das radiações radioativas Chamarei de radioativas as substâncias que emitem raios de Becquerel O nome de hiperfosforescência que foi proposto para o fenômeno pareceme dar uma falsa ideia de sua natureza CURIE 1899 p 42 Nessa citação apresentada por Martins podemos verificar o posicionamento de Marie Curie acerca dos raios de Becquerel apesentando o termo utilizado até os dias atuais mostrando que apesar de Becquerel não ter de fato obtido resultados positivos o trabalho dele foi importante para a história da descoberta e estudo da radioatividade A conclusão do artigo de Martins destaca a grande dificuldade existente no estabelecimento de fenômenos que vão contra as expectativas teóricas Enquanto é fácil observar o que foi previsto mesmo quando a previsão é falsa é muito mais difícil reconhecer aquilo que contraria todas as expectativas O estudo aprofundado de episódios como a descoberta da radioatividade deveria fazer parte da educação de todo cientista experimental em vista que esse tipo de estudo ajuda a combater a visão estereotipada do experimentador e valoriza o trabalho experimental como algo extremamente difícil criativo e instigante Como apontado no artigo o bom trabalho experimental requer coragem para enfrentar fenômenos que se recusam a respeitar as teorias estabelecidas