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Revista do Laboratório de Estudos da Violência da UNESPMarília Ano 2018 Edição 21 Maio2018 ISSN 19832192 Página 37 NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE AS QUESTÕES DO CRIME E PUNIÇÃO NA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA UMA BREVE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA CASTRO Thiago Bicudo1 Resumo Este artigo tem o objetivo de levantar apontamentos introdutórios sobre o crime e a punição por meio de revisão bibliográfica O artigo é estruturado a partir de leituras diretas e indiretas de autores de três correntes teóricas da Sociologia são elas Funcionalestruturalismo norte americano Labeling approach interacionismo simbólico da segunda geração da Escola de Chicago e Estruturalismo francês de Michel Foucault Palavraschave Crime Punição Criminologia Funcionalestruturalismo Interacionismo Simbólico Estruturalismo francês Abstract This article aims to raise introductory principles about crime and punishment by means of a bibliographical review The article is structured from direct and indirect readings by authors of three theoretical currents of Sociology they are North American Functionalstructuralism labeling approach symbolic interactionism of these generation of Chicago School and Michel Foucaults French Structuralism Keywords Crime Punishment Criminology Functionalstructuralism SymbolicInteractionism French Structuralism Introdução O crime e a criminalidade estão presentes como objetos de análises na teoria social desde muito antes do surgimento da Sociologia A expressão criminologia cunhada pelo antropólogo francês Topinard em 1879 buscava ser a união de diversos ramos científicos com a finalidade de garantir uma explicação racional para o fenômeno da criminalidade Neste contexto a Sociologia passou a também se ocupar da questão do crime porém ainda num cenário de reconhecimento e 1 Doutorando pelo Programa de Pósgraduação em Sociologia IFCHUnicamp mestre em Ciências Sociais UNESPFFC Email thiagobccastrogmailcom Este texto é parte dos itinerários de pesquisa que realizo sobre a formação do campo da criminologia no Brasil httpsdoiorg1036311198321922018v21n2103p29 NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE AS QUESTÕES DO CRIME E PUNIÇÃO NA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA UMA BREVE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Página 38 consolidação de seu próprio estatuto científico e de uma disputa por objetos de estudos com outras áreas do saber algumas mais consolidadas como a biologia medicina e o direito outras ainda emergentes como a psicologia Dentre os clássicos da Sociologia foi Émile Durkheim 18581917 quem se preocupou em definir com maior precisão os elementos teóricos que permitissem examinar o crime sociologicamente Na perspectiva durkheimiana o crime é visto como um fenômeno normal e funcional segundo o autor não há fenômeno que apresente de maneira mais irrefutável todos os sintomas da normalidade dado que aparece como estreitamente ligado às condições de qualquer vida coletiva DURKHEIM 1970 p 86 O crime portanto dadas as suas características sociais é considerado um fato social e uma ação é definida como crime a partir do momento em que fere a consciência coletiva de maneira significativa Podemos pois resumindo a análise que precede dizer que um ato é criminoso quando ofende os estados fortes e definidos da consciência coletiva DURKHEIM 1978 p 41 Assim notase o caráter de normalidade e funcionalidade do crime pois Durkheim se preocupou em descobrir como que a sociedade produzia seus próprios crimes a partir do seu funcionamento interno Entretanto as taxas de criminalidade podem sofrer alterações que as levem a situações extremas nas quais a criminalidade atinge índices elevados considerados fora de um padrão Nestes casos Durkheim trabalhou com o conceito de anomia que seria um estado de ausência ou suspensão das normas sociais o que implicaria perda de referência e legitimidade das regras que dão coesão à vida social No livro De la division du travail social 1895 o autor define a anomia como manifestações anormais e patológicas que promovem o desajustamento das esferas sociais Este conceito foi posteriormente apropriado de diferentes maneiras pelas demais ciências que compunham o campo da criminologia contudo na obra durkheimiana a anomia tem um caráter macrossociológico ou seja próprio de um sistema social e não uma característica individual ou do espírito Neste artigo que tem a proposta de discutir uma ínfima parte da bibliografia sociológica sobre o tema serão abordadas três vertentes teóricas do século XX a saber funcionalestruturalismo norteamericano Robert Merton Revista LEVSUNESP Marília Ano 2018 Edição 21 Maio2018 ISSN 19832192 Página 39 interacionismo simbólico Erving Goffman e estruturalismo francês Michel Foucault Nos três autores assim como nas três escolas de pensamento o crime é apontado como um elemento importante para se compreender as transformações sociais e práticas de controle de suas épocas Apresentando os autores e as teorias I Teoria da tensão e da anomia Robert Merton A análise sociológica de Durkheim pode ser considerada uma inovação para os estudos de criminologia que no século XIX se amparavam basicamente nos modelos médicos e antropológicos Dois aspectos da obra do sociólogo francês são essenciais para definir a maneira como a Sociologia ingressou na cena do crime e definiu seu referencial metodológico primeiro pela ênfase que coloca nas estruturas sociais para explicar a ocorrência do crime pondo de lado as causas do crime provocadas por factores individuais MACHADO 2008 p 104 segundo por excluir qualquer ideia de diferença ou anomalia2 na medida em que a sua tese principal é a de que o crime é o resultado do normal funcionamento do sistema e da actualização da força normativa dos seus valores Idem Ibidem p 104 No século XX o responsável por reformular a teoria da anomia e pensála no contexto norteamericano foi Robert Merton 1910 2003 Este autor analisou os comportamentos desviantes com destaque para o crime na cidade de Chicago que passava por um momento de aumento considerável nas taxas de criminalidade Ao reformular a teoria da anomia de Durkheim e se deparar com as singularidades da realidade de Chicago Merton elaborou a strain theory teoria da tensão que interpretava o crime como sendo um descompasso entre a estrutura cultural objetivos valores interesses e fins e a estrutura social conjunto de relações sociais organizadas 2 Sobre esta questão é possível consultar o debate travado entre Durkheim e Raffaele Garofalo jurista e criminólogo italiano contemporâneo de Durkheim e a crítica do sociólogo francês à teoria do delito natural e anomalia do delinquente Ver DURKHEIM Émile Les règles de la méthode sociologique Paris Champs Classiques 2010 Capítulo II parte II NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE AS QUESTÕES DO CRIME E PUNIÇÃO NA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA UMA BREVE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Página 40 No artigo Social Structure and Anomie publicado em 19383 Merton detalha a abordagem teórica do analista funcional que considera o comportamento socialmente divergente como um produto da estrutura social tanto quanto o comportamento conformista MERTON 1970 p 191 itálico do autor O autor estava travando um debate com as teorias psicanalíticas de Sigmund Freud e Erich Fromm nas quais estes teóricos defendiam que a estrutura social ao invés de promover os impulsos humanos tal qual um ato violento na verdade restringe ou reprime a livre expressão destes impulsos pois em regra atentam contra uma moral coletiva Assim eventualmente um indivíduo pode se rebelar contra as estruturas a fim de alcançar a liberdade No entanto a liberdade a que se referem os autores não deixa de ser um delito ou uma patologia visto que resultou de um desvio daquilo que é coletivamente reconhecido como padrão de comportamento Merton sintetiza essa ideia afirmando que tanto em Freud quanto em Fromm ele ainda faz referência a Hobbes e sua concepção de um contrato social que visa proteger os indivíduos a estrutura social é considerada como um mal necessário originandose a princípio dos impulsos hostis e depois restringindo sua livre expressão MERTON 1970 p 191 A análise funcional de Merton vai de encontro ao que ele denominou de doutrinas anarquistas que coincidem com os postulados teóricos da psicanálise e diversas teorias individualistas O enfoque do sociólogo norteamericano é funcionalestruturalista portanto enxerga a primazia da estrutura social sobre as personalidades patológicas Dessa forma ele reconhece que a estrutura social produz motivações impossíveis de serem preditas a partir dos impulsos humanos logo a estrutura em questão restringe algumas disposições para agir e cria outras Portanto o autor buscou determinar a maneira como a estrutura social e cultural gera a pressão favorável ao comportamento socialmente desviado sobre pessoas localizadas em várias situações naquela estrutura MERTON 1970 p 192 Partese assim da premissa que estrutura social e estrutura cultural operam como propósitos cruzados Decompondo essa ideia presente no pensamento de Merton e que resultará na teoria da tensão temos que a estrutura cultural define os 3 Posteriormente este artigo foi ampliado e revisado para compor o livro Social Theory and Social Structure 1949 e também consta na edição brasileira de 1970 que será utilizada neste artigo Revista LEVSUNESP Marília Ano 2018 Edição 21 Maio2018 ISSN 19832192 Página 41 fins a serem alcançados e os meios legítimos para que isso ocorra em conformidade com a estrutura a estrutura social por sua vez forma o contexto real ou o conjunto organizado das relações sociais espaço onde devem surgir as oportunidades que orientam os objetivos culturais Com base nessa construção teórica Merton avançou na discussão sobre o crime tendo como norteadora a seguinte questão como é que algumas estruturas sociais exercem uma pressão definida sobre certas pessoas da sociedade para que sigam conduta não conformista ao invés de trilharem o caminho conformista MERTON 1970 p 204 itálico do autor Ele explica que quando o indivíduo não pode atingir os objetivos apresentados pela estrutura cultural ele os reformula ou diminui o nível de aspiração passando a ocupar posições sociais desfavorecidas ou desprestigiadas Ora Merton reconhecia a existência de uma disparidade entre as duas estruturas sendo que a estrutura social não reparte de forma equânime as possibilidades de se alcançar os propósitos dados pela estrutura cultural E nos Estados Unidos a estrutura cultural do período analisado pelo autor projetava nos indivíduos todos os atributos daquilo que se conhece como american dream e o arquétipo do made self man no entanto encontrava uma estrutura social promotora de desigualdade que penalizava e estigmatizava aqueles que não conseguiam superar sua própria condição social Assim a cultura impõe a aceitação de três axiomas culturais Primeiro todos devem esforçarse para atingir os mesmos elevados objetivos já que estão à disposição de todos segundo o aparente fracasso momentâneo é apenas uma estação no caminho do sucesso final e terceiro o fracasso genuíno consiste apenas na diminuição ou retirada da ambição MERTON 1970 p 211 Merton explica a ocorrência do crime e do desvio por meio da discrepância entre as referidas estruturas levando a uma tensão entre indivíduo e sociedade estrutura social e entre os próprios indivíduos o que permite o rompimento das normas ou o desprezo a elas MERTON 1970 p 237 A estrutura social dos EUA produzia na avaliação do autor uma clara tendência à anomia e ao comportamento desviante O modelo do american dream gerava entre os indivíduos uma rivalidade NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE AS QUESTÕES DO CRIME E PUNIÇÃO NA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA UMA BREVE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Página 42 para que se considerassem numa situação de competição revertendo isso em pressão para buscar fazer e ser sempre o melhor Observando os comportamentos ocasionados pela tensão e defasagem das estruturas Merton elaborou tipologias que ajudam a compreender e até prever determinados comportamentos A elaboração das tipologias parte da maneira como os indivíduos reagem e se adaptam ao modelo das estruturas e suas oportunidades no interior delas Podemos encontrar cinco formas de adaptação à sociedade e estão sinteticamente classificadas da forma que segue I Comportamento conformista o indivíduo interioriza os objetivos da estrutura cultural e cumpre com as normas e os meios legítimos de se conquistálos Este comportamento tende a fortalecer a coesão social proporcionando a estabilidade da sociedade II Comportamento desviante inovação os objetivos são aceitos pelos indivíduos mas não as normas e meios legítimos O caráter de inovação está no fato de ser um comportamento criativo que burla as normas mas não oferece riscos à coesão social Dessa forma este comportamento propicia uma mudança social gradativa pois apresenta formas alternativas ao cumprimento das regras estabelecidas III Comportamento desviante ritualismo conformase como o oposto da inovação No comportamento ritualista os objetivos não são interiorizados porém se aceita o cumprimento das normas e meios legítimos Há uma ênfase nas aspirações básicas ou seja o indivíduo se torna indiferente ao sucesso profissional e financeiro desde que tenha garantido os recursos básicos à sua sobrevivência Este comportamento é entendido por Merton como sendo nãoconformista devido a não absorção das aspirações isso é produzse uma curva no padrão de comportamento e pensamento Entretanto é tido como uma forma não pretendida de adaptação à sociedade uma vez que leva as pessoas a desenvolverem uma personalidade submissa que por sua vez provoca situações de patologia social IV Comportamento desviante evasão ou retraimento prevalece a renúncia aos objetivos normas e meios Todos os atributos contidos nas estruturas não atendem as aspirações dos indivíduos que manifestam esse tipo de comportamento O autor entende que comportamento evasivo é uma resposta Revista LEVSUNESP Marília Ano 2018 Edição 21 Maio2018 ISSN 19832192 Página 43 daqueles que estão na sociedade mas não são da sociedade daqueles que vivem ou foram lançados à margem da estrutura social Exemplos de sujeitos que respondem dessa maneira à sociedade são os bêbados drogados psicóticos hippies mendigos etc Interessante notar que a origem deste comportamento pode eventualmente ser encontrado no desejo de ter sido o oposto do que são essas pessoas Em outros termos são indivíduos que em algum momento interiorizaram os objetivos as normas e os meios mas esbarraram no defasamento das duas estruturas e no acesso aos meios legítimos V Comportamento desviante rebelião são indivíduos que também se situam à margem da estrutura social mas diferentemente dos evasivos os rebeldes ao negarem os objetivos normas e meios legítimos procuram uma nova realidade social com novos objetivos normas e meios Não se trata de um comportamento ressentido como esclarece Merton pois conforme explica No ressentimento a gente condena o que secretamente ambiciona na rebelião a gente condena a própria ambição MERTON 1970 p 230 II Labeling Approach perspectiva interacionista simbólica Farei neste tópico uma leitura indireta de alguns autores e suas teorias que no conjunto ficaram conhecidas como perspectiva interacionista ou interacionismo simbólico Os principais representantes dessa corrente teórica George Herbert Mead Edwin Sutherland Herbert Blumer e a denominada segunda geração da Escola de Chicago com Howard Becker Edwin Lemert e Erving Goffman notabilizaramse pelas pesquisas que em muito contribuíram para se refletir sobre o crime delinquência juvenil e doenças mentais Os estudos de Mead que partiam da filosofia pragmatista enfatizavam a experiência do indivíduo do ponto de vista de sua conduta MEAD 1977 p 50 relacionando esse sujeito ao grupo social originário A proposta é fazer um vôo panorâmico sobre essa teoria com o objetivo de reconhecer as suas nuances e assim dialogarmos com aquilo que foi apresentado por Robert Merton e o funcionalestruturalismo e o que virá na seqüência com o estruturalismo francês sobretudo na figura de Michel Foucault NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE AS QUESTÕES DO CRIME E PUNIÇÃO NA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA UMA BREVE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Página 44 Os autores enquadrados no interacionismo trataram do assunto crime partindo de um estudo mais amplo que se ocupava do desvio e suas formas de manifestação Denominada como teoria da rotulagem esse modelo explicativo deslocava o problema da criminalidade do plano da ação bad actors para o plano da reação social powerful reactor DIAS e ANDRADE 1997 p 343 Blumer coloca em destaque a interação simbólica que atribui significado às relações sociais Do ponto de vista interacionista o desvio é observado a partir da percepção que o indivíduo tem de si e do seu entorno A sociedade humana achase composta de indivíduos que desenvolvem o seu eu a ação individual é uma construção e não uma ação espontânea sendo construída pelo indivíduo à mercê das características das situações que ele interpreta e a partir das quais ele age do ponto de vista da interação simbólica a sociedade humana deve ser olhada como composta de atores e a vida da sociedade como resultado de suas ações BLUMER 1977 p 37 38 Destacase também o estudo de Goffman4 sobre a estigmatização que assume duas variáveis analíticas a variável dependente e a variável independente Na primeira buscase entender os critérios utilizados para estigmatizar um indivíduo como delinquente na segunda as consequências dessa estigmatização Por seu turno o problema da estigmatização como variável independente isto é o problema do poder causal das respostas sociais implica o estudo do impacto da adscrição do status de delinquente sobre a dinâmica de formação da identidade sobre o empenho em carreiras de delinquência e consequentemente sobre a delinquência secundária DIAS e ANDRADE 1997 p 344 itálico dos autores O interacionismo simbólico representou uma superação das concepções sociológicas e antropológicas centradas no comportamento humano Alguns aspectos já anunciados por Merton como a mudança social propiciada por comportamentos desviantes aparecem mais bem acabados em autores como Mead Blumer Goffman Lemert e Becker Estes evidenciam a impossibilidade de se considerar a natureza humana ou a própria sociedade como dados estanques ou estruturas imutáveis Idem Ibidem p 345 Um dos traços inovadores para suas análises foi a compreensão da identidade pessoal como resultado da dinâmica do 4 GOFFMAN E Estigma notas sobre a manipulação da identidade deteriorada Rio de Janeiro Zahar 1982 Revista LEVSUNESP Marília Ano 2018 Edição 21 Maio2018 ISSN 19832192 Página 45 processo de envolvimento comunicação e interação social além do reconhecimento do seu caráter plural5 Dessa forma o interacionismo simbólico contribuiu metodologicamente para o debate criminológico sobretudo ao contestar fundamentos epistemológicos da criminologia tradicional ao se afastar da percepção do crime e da criminalidade como uma dimensão meramente ontológica Por fim outro ponto relevante do labeling são as categorias que dão forma à teoria da rotulagem Sobretudo em Goffman mas não apenas em sua obra aparece uma nova linguagem com alguns elementos tomados de empréstimo da dramaturgia Sem esgotar os significados e aplicação dos termos cito aqui aqueles que se sobressaem nas obras dos autores acima citados autoimagem self audiência social estereótipo interpretação retrospectiva delinquência secundária cerimônias degradantes instituições totais e roleengulfment grupos primários distância social III Crime e punição Foucault e o estruturalismo francês O pensamento estruturalista de Michel Foucault 19261984 está amparado na constatação de que no interior das estruturas sociais os indivíduos promovem relações desiguais e que estas também são geradoras de desigualdades contudo diversamente do que pensavam os sociólogos norteamericanos Foucault não parece considerar que essa desigualdade se expresse unicamente em formas de desvio ou no crime mais precisamente Foucault explica que essas relações sociais são também relações de poder e que a violência seja criminal ou nas suas outras formas ocorre a partir de relações sociais desiguais quando uma das partes não goza de uma situação de liberdade Foucault portanto nos permite analisar o crime não mais como um desajuste das funções básicas das estruturas sociais ou nas diferentes maneiras do indivíduo se rebelar contra essas estruturas mas por uma chave explicativa que coloca em primeiro plano os regimes de racionalidade e de verdade resultantes das relações de poder Não há prática sem um determinado regime de racionalidade e de saber FOUCAULT et al 1982 p 59 Na prática isso significa que o autor 5 Sobre esse tópico ver GOFFMAN E A representação do eu na vida cotidiana Petrópolis Vozes 1983 NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE AS QUESTÕES DO CRIME E PUNIÇÃO NA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA UMA BREVE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Página 46 retoma uma das grandes questões da Sociologia do século XIX que era determinar seus próprios objetos de estudos em meio a uma disputa entre ramos do saber científico A modernidade ocidental criou estratégias de dominação controle e interferência sobre a ação e pensamento das pessoas ou seja relações de poder que por sua vez é uma extensão da violência As relações violentas se transformam em relações de poder quando a uma das partes é atribuído um status jurídico de liberdade Entendese assim que há afinidade entre poder e violência pois esta é parte do processo que transforma o poder em biopoder e assim retornamos ao início quando o autor reafirma o papel central da modernidade ocidental É a partir dela com o advento da democracia e queda da soberania que o poder deixa de ser um poder de morte no qual o soberano decide quem deve viver ou morrer e tornase um poder de vida biopoder em que as pessoas são governadas para que se obtenha o máximo de suas energias vitais Partindo disso Foucault deixa claro que o poder não é uma propriedade do rei ou de quem quer que seja O poder pertence ao mundo e às relações entre os indivíduos O poder é exercido em rede Nas suas malhas os indivíduos não só circulam como estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação nunca são o alvo inerte ou consentido do poder são sempre centros de transmissão Em outros termos o poder não se aplica aos indivíduos passa por eles FOUCAULT 1985a p 181183 As relações de poder estão constantemente gerando ideias e saberes que ofuscam nossa percepção de tais relações pois somos levados a acreditar no que se produz Foucault não se deteve em conceituar e classificar o crime o criminoso desviante ou a criminalidade porém se tornou um autor importante para o estudo sociológico destas questões Sua obra revela uma abordagem que metodologicamente faz o caminho contrário em relação aos chicagoons Em Vigiar e Punir 1975 por exemplo ele não se debruça sobre o fenômeno do crime mas nas práticas penais que a partir do século XIX se destacam com o advento das prisões uma nova moldagem na economia das punições A prisão representa uma diferenciação no caráter do poder do soberano que estava em decadência Do Revista LEVSUNESP Marília Ano 2018 Edição 21 Maio2018 ISSN 19832192 Página 47 castigo corporal ao disciplinamento do corpo para a alma do indivíduo Foucault nos revela uma sociedade em profundas transformações sobretudo no trato com os seus desviados É o modelo de sociedade disciplinar que se dirige ao criminoso ao louco etc por meio das prisões mas também se preocupa com o disciplinamento dos trabalhadores nas fábricas das crianças e jovens nas escolas universidades etc No livro Eu Pierre Rivière que degolei minha mãe minha irmã e meu irmão 1977 organizado por Foucault é possível perceber como essas mudanças sociais estavam se desenvolvendo sobretudo no que se refere ao modelo punitivo Em síntese este livro está organizado em duas partes uma que narra todo o caso de parricídio envolvendo Pierre Rivière por meio de documentação oficial da época além de artigos da imprensa a outra parte traz as análises de autores do grupo de pesquisas de Michel Foucault Pierre Rivière foi um rapaz de vinte anos que em 1835 assassinou com uma foice sua mãe Victoire grávida de seis meses sua irmã e irmão em um pequeno vilarejo no interior da França Seu julgamento foi feito com base em depoimentos de pessoas da comunidade que conheciam Pierre e toda a família Rivière laudos médicos e as normas jurídicas da época O caso ganha relevância teórica no momento em que se inicia uma disputa tácita entre os saberes oriundos das relações de poder que envolviam o judiciário e os saberes médicos que se dividiam no diagnóstico de alienação mental do autor do crime Em função das incertezas entre os médicos quanto ao parecer final sobre o estado mental de Pierre o juiz decide condenar o assassino à pena dos parricidas ou seja à morte A defesa de Pierre entra com o pedido de recurso para que a pena seja abrandada o que o levaria a prisão perpétua Para que o pedido ganhasse maior expressão novos médicos especialistas em questões mentais são procurados para analisar o caso dentre eles o reconhecido médico psiquiatra Esquirol chefe do Hospital de Salpêtrière em Paris que em conjunto com uma equipe de seis outros médicos dão o parecer final atestando a condição de alienação mental de Pierre Rivière desde a idade de quatro anos FOUCAULT 1991 p 165 NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE AS QUESTÕES DO CRIME E PUNIÇÃO NA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA UMA BREVE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Página 48 Entretanto o relatório dos médicos parisienses não era suficiente para que se alterasse a sentença de Pierre Assim o ministro da Justiça enviou ao rei da França Louis Philippe um relatório no qual sugeria a comutação da pena de morte pela prisão perpétua O pedido é acatado pelo rei e nos idos de março de 1836 Pierre é levado à prisão para o cumprimento de sua pena No caso em questão observase que além da disputa para se lançarem como os verdadeiros detentores do conhecimento sobre a mente e o corpo do indivíduo estão também colocadas as questões sobre a mudança social e do caráter do poder O suplício ao qual Pierre seria submetido representava o estilo penal de uma época e era um procedimento técnico pela figura do carrasco e ritual O caráter técnico da punição estava representado na produção de sofrimento apreciável comparável hierarquicamente e modulável de acordo com o crime cometido FOUCAULT 1987 p 34 O fim do suplício entre o fim do século XVIII e meados do XIX passou a representar um recuo do poder real pois a humanidade do criminoso aparece como limite ao direito de punição ao contrário da vingança do soberano que não via limites na aplicação do suplício SOUZA 2010 p 70 Na nova economia dos castigos aparecem novos técnicos para ocupar o lugar dos carrascos eles são médicos guardas capelães psiquiatras e educadores que oferecem a garantia de que a dor não seja a meta da punição mas sim o disciplinamento As disciplinas são a partir do século XIX uma nova modalidade do exercício do poder O poder dessa maneira é considerado por Foucault como sendo algo mais autônomo e capaz de reconstituir os sujeitos desviantes Para que isso seja efetivo é necessário que se crie uma ou mais instituições onde as disciplinas irão operar Foucault explica que a disciplina é um mecanismo que permite extrair dos corpos tempo e trabalho mais que bens e riqueza É um tipo de poder que se exerce continuamente através da vigilância e não descontinuamente por meio de sistemas de taxas e obrigações distribuídas no tempo que supõe mais um sistema minucioso de coerções materiais que a existência física de um soberano FOUCAULT 1991 p 187188 Revista LEVSUNESP Marília Ano 2018 Edição 21 Maio2018 ISSN 19832192 Página 49 Tratase de uma ruptura com o corpo do supliciado diante da decadência do poder soberano E não é fortuito que na seção de documentos do livro dossiê levantados por Foucault e seus colegas apareça um artigo do jornal Pilote du Calvados no qual se lê uma descrição completa de como era a estrutura e rotina da prisão onde Pierre cumpriria sua pena Os detalhes da reportagem indicam os princípios do panóptico de Bentham e do próprio nascimento da vigilância por meio de instituições disciplinares O exercício da disciplina supõe um dispositivo que obrigue pelo jogo do olhar um aparelho onde as técnicas que permitem ver induzam a efeitos de poder e onde em troca os meios de coerção tornem claramente visíveis aqueles sobre quem se aplicam Lentamente no decorrer da época clássica são construídos esses observatórios da multiplicidade humana para os quais a história das ciências guardou tão poucos elogios Ao lado da grande tecnologia dos óculos das lentes dos feixes luminosos unida à fundação da física e da cosmologia novas houve as pequenas técnicas das vigilâncias múltiplas e entrecruzadas dos olhares que devem ver sem ser vistos uma arte obscura da luz e do visível preparou em surdina um saber novo sobre o homem através de técnicas para sujeitálo e processos para utilizálo FOUCAULT 1987 p 153154 No panóptico ocorre a generalização dos mecanismos disciplinares e dos novos dispositivos de poder agora podendo ser exercido anonimamente por meio de uma arquitetura singular das instituições que por si só já representava uma síntese de tudo isso O disciplinamento criou um novo tipo de individualização e moldou novos indivíduos controlados pelo poder da sociedade disciplinar racional e não mais do soberano Considerações Finais Procurouse neste breve artigo realizar uma revisão bibliográfica de três correntes teóricas da Sociologia a respeito do crime criminalidade e punição É possível observar que estes temas estiveram desde o princípio da Sociologia como um das preocupações teóricas mais expressivas Podemos afirmar que a grande contribuição oferecida pela Sociologia para a compreensão do fenômeno da NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE AS QUESTÕES DO CRIME E PUNIÇÃO NA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA UMA BREVE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Página 50 criminalidade foi o de retirar a explicação que se pautava quase que exclusivamente nas patologias individuais e dar destaque ao seu caráter social e estrutural A teoria da anomia proposta por Durkheim impulsionou as análises sociológicas até meados do século XX quando os sociólogos da Escola de Chicago reformularam este conceito a fim de entender a criminalidade crescente naquela cidade Na obra de Robert Merton por exemplo a contradição entre a estrutura cultural e a estrutura social é apresentada como o fator desencadeador de comportamentos desviantes nomeadamente do crime Posteriormente o interacionismo simbólico não se limitou a um conceito de crime mas ampliou essa ideia assim como alguns sociólogos da própria Escola de Chicago já haviam feito para a categoria de desvio o que implicou estudar aquelas ações que fugiam às regras amplamente aceitas e ao que eram consideradas comunspela maioria da sociedade Michel Foucault também não tinha em seu horizonte teórico essa preocupação de conceituar e classificar o crime e os criminosos A partir da obra do filósofo francês mudamos a maneira de conceber as relações sociais no interior das estruturas pois constatamos que violência e poder são constitutivos da sociedade Dessa forma tudo aquilo que cerca o crime saberes científicos moral norma jurídica teorias punitivas etc ganha novas modulações sobretudo pelo advento de uma racionalidade moderna ocidental Referências Bibliográficas BLUMER Herbert A sociedade concebida como interação simbólica In CHAZEL F BIRNBAUM P Teoria Sociológica São Paulo Edusp 1977 DIAS J de F ANDRADE M da C Criminologia o homem delinquente e a sociedade criminógena Coimbra Ed Coimbra 1997 DURKHEIM Émile A divisão do trabalho social Lisboa Presença 1970 Col Os Pensadores São Paulo Nova Cultural 1978 Les règles de la méthode sociologique Paris Champs Classiques 2010 Revista LEVSUNESP Marília Ano 2018 Edição 21 Maio2018 ISSN 19832192 Página 51 FOUCAULT Michel et al La Imposible Prisión Debate con Michel Foucault Barcelona Editorial Anagrama 1982 Soberania e Disciplina In Microfísica do Poder 5ª ed Rio de Janeiro Graal 1985 Vigiar e Punir Nascimento da prisão 5ª ed Petrópolis Vozes 1987 Eu Pierre Rivière que degolei minha mãe minha irmã e meu irmão 5ª ed Rio de Janeiro Edições Graal 1991 MACHADO Helena Manual de sociologia do crime Porto Afrontamento 2008 MEAD G H Espíritu persona y sociedade Buenos Aires Paidós 1977 MERTON Robert Sociologia teoria e estrutura São Paulo Ed Mestre Jou 1970 SOUZA Luís A F de Sociologia da violência e do controle social Curitiba IESDE Brasil 2010
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theoretical currents of Sociology they are North American Functionalstructuralism labeling approach symbolic interactionism of these generation of Chicago School and Michel Foucaults French Structuralism Keywords Crime Punishment Criminology Functionalstructuralism SymbolicInteractionism French Structuralism Introdução O crime e a criminalidade estão presentes como objetos de análises na teoria social desde muito antes do surgimento da Sociologia A expressão criminologia cunhada pelo antropólogo francês Topinard em 1879 buscava ser a união de diversos ramos científicos com a finalidade de garantir uma explicação racional para o fenômeno da criminalidade Neste contexto a Sociologia passou a também se ocupar da questão do crime porém ainda num cenário de reconhecimento e 1 Doutorando pelo Programa de Pósgraduação em Sociologia IFCHUnicamp mestre em Ciências Sociais UNESPFFC Email thiagobccastrogmailcom Este texto é parte dos itinerários de pesquisa que realizo sobre a formação do campo da criminologia no Brasil httpsdoiorg1036311198321922018v21n2103p29 NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE AS QUESTÕES DO CRIME E PUNIÇÃO NA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA UMA BREVE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Página 38 consolidação de seu próprio estatuto científico e de uma disputa por objetos de estudos com outras áreas do saber algumas mais consolidadas como a biologia medicina e o direito outras ainda emergentes como a psicologia Dentre os clássicos da Sociologia foi Émile Durkheim 18581917 quem se preocupou em definir com maior precisão os elementos teóricos que permitissem examinar o crime sociologicamente Na perspectiva durkheimiana o crime é visto como um fenômeno normal e funcional segundo o autor não há fenômeno que apresente de maneira mais irrefutável todos os sintomas da normalidade dado que aparece como estreitamente ligado às condições de qualquer vida coletiva DURKHEIM 1970 p 86 O crime portanto dadas as suas características sociais é considerado um fato social e uma ação é definida como crime a partir do momento em que fere a consciência coletiva de maneira significativa Podemos pois resumindo a análise que precede dizer que um ato é criminoso quando ofende os estados fortes e definidos da consciência coletiva DURKHEIM 1978 p 41 Assim notase o caráter de normalidade e funcionalidade do crime pois Durkheim se preocupou em descobrir como que a sociedade produzia seus próprios crimes a partir do seu funcionamento interno Entretanto as taxas de criminalidade podem sofrer alterações que as levem a situações extremas nas quais a criminalidade atinge índices elevados considerados fora de um padrão Nestes casos Durkheim trabalhou com o conceito de anomia que seria um estado de ausência ou suspensão das normas sociais o que implicaria perda de referência e legitimidade das regras que dão coesão à vida social No livro De la division du travail social 1895 o autor define a anomia como manifestações anormais e patológicas que promovem o desajustamento das esferas sociais Este conceito foi posteriormente apropriado de diferentes maneiras pelas demais ciências que compunham o campo da criminologia contudo na obra durkheimiana a anomia tem um caráter macrossociológico ou seja próprio de um sistema social e não uma característica individual ou do espírito Neste artigo que tem a proposta de discutir uma ínfima parte da bibliografia sociológica sobre o tema serão abordadas três vertentes teóricas do século XX a saber funcionalestruturalismo norteamericano Robert Merton Revista LEVSUNESP Marília Ano 2018 Edição 21 Maio2018 ISSN 19832192 Página 39 interacionismo simbólico Erving Goffman e estruturalismo francês Michel Foucault Nos três autores assim como nas três escolas de pensamento o crime é apontado como um elemento importante para se compreender as transformações sociais e práticas de controle de suas épocas Apresentando os autores e as teorias I Teoria da tensão e da anomia Robert Merton A análise sociológica de Durkheim pode ser considerada uma inovação para os estudos de criminologia que no século XIX se amparavam basicamente nos modelos médicos e antropológicos Dois aspectos da obra do sociólogo francês são essenciais para definir a maneira como a Sociologia ingressou na cena do crime e definiu seu referencial metodológico primeiro pela ênfase que coloca nas estruturas sociais para explicar a ocorrência do crime pondo de lado as causas do crime provocadas por factores individuais MACHADO 2008 p 104 segundo por excluir qualquer ideia de diferença ou anomalia2 na medida em que a sua tese principal é a de que o crime é o resultado do normal funcionamento do sistema e da actualização da força normativa dos seus valores Idem Ibidem p 104 No século XX o responsável por reformular a teoria da anomia e pensála no contexto norteamericano foi Robert Merton 1910 2003 Este autor analisou os comportamentos desviantes com destaque para o crime na cidade de Chicago que passava por um momento de aumento considerável nas taxas de criminalidade Ao reformular a teoria da anomia de Durkheim e se deparar com as singularidades da realidade de Chicago Merton elaborou a strain theory teoria da tensão que interpretava o crime como sendo um descompasso entre a estrutura cultural objetivos valores interesses e fins e a estrutura social conjunto de relações sociais organizadas 2 Sobre esta questão é possível consultar o debate travado entre Durkheim e Raffaele Garofalo jurista e criminólogo italiano contemporâneo de Durkheim e a crítica do sociólogo francês à teoria do delito natural e anomalia do delinquente Ver DURKHEIM Émile Les règles de la méthode sociologique Paris Champs Classiques 2010 Capítulo II parte II NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE AS QUESTÕES DO CRIME E PUNIÇÃO NA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA UMA BREVE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Página 40 No artigo Social Structure and Anomie publicado em 19383 Merton detalha a abordagem teórica do analista funcional que considera o comportamento socialmente divergente como um produto da estrutura social tanto quanto o comportamento conformista MERTON 1970 p 191 itálico do autor O autor estava travando um debate com as teorias psicanalíticas de Sigmund Freud e Erich Fromm nas quais estes teóricos defendiam que a estrutura social ao invés de promover os impulsos humanos tal qual um ato violento na verdade restringe ou reprime a livre expressão destes impulsos pois em regra atentam contra uma moral coletiva Assim eventualmente um indivíduo pode se rebelar contra as estruturas a fim de alcançar a liberdade No entanto a liberdade a que se referem os autores não deixa de ser um delito ou uma patologia visto que resultou de um desvio daquilo que é coletivamente reconhecido como padrão de comportamento Merton sintetiza essa ideia afirmando que tanto em Freud quanto em Fromm ele ainda faz referência a Hobbes e sua concepção de um contrato social que visa proteger os indivíduos a estrutura social é considerada como um mal necessário originandose a princípio dos impulsos hostis e depois restringindo sua livre expressão MERTON 1970 p 191 A análise funcional de Merton vai de encontro ao que ele denominou de doutrinas anarquistas que coincidem com os postulados teóricos da psicanálise e diversas teorias individualistas O enfoque do sociólogo norteamericano é funcionalestruturalista portanto enxerga a primazia da estrutura social sobre as personalidades patológicas Dessa forma ele reconhece que a estrutura social produz motivações impossíveis de serem preditas a partir dos impulsos humanos logo a estrutura em questão restringe algumas disposições para agir e cria outras Portanto o autor buscou determinar a maneira como a estrutura social e cultural gera a pressão favorável ao comportamento socialmente desviado sobre pessoas localizadas em várias situações naquela estrutura MERTON 1970 p 192 Partese assim da premissa que estrutura social e estrutura cultural operam como propósitos cruzados Decompondo essa ideia presente no pensamento de Merton e que resultará na teoria da tensão temos que a estrutura cultural define os 3 Posteriormente este artigo foi ampliado e revisado para compor o livro Social Theory and Social Structure 1949 e também consta na edição brasileira de 1970 que será utilizada neste artigo Revista LEVSUNESP Marília Ano 2018 Edição 21 Maio2018 ISSN 19832192 Página 41 fins a serem alcançados e os meios legítimos para que isso ocorra em conformidade com a estrutura a estrutura social por sua vez forma o contexto real ou o conjunto organizado das relações sociais espaço onde devem surgir as oportunidades que orientam os objetivos culturais Com base nessa construção teórica Merton avançou na discussão sobre o crime tendo como norteadora a seguinte questão como é que algumas estruturas sociais exercem uma pressão definida sobre certas pessoas da sociedade para que sigam conduta não conformista ao invés de trilharem o caminho conformista MERTON 1970 p 204 itálico do autor Ele explica que quando o indivíduo não pode atingir os objetivos apresentados pela estrutura cultural ele os reformula ou diminui o nível de aspiração passando a ocupar posições sociais desfavorecidas ou desprestigiadas Ora Merton reconhecia a existência de uma disparidade entre as duas estruturas sendo que a estrutura social não reparte de forma equânime as possibilidades de se alcançar os propósitos dados pela estrutura cultural E nos Estados Unidos a estrutura cultural do período analisado pelo autor projetava nos indivíduos todos os atributos daquilo que se conhece como american dream e o arquétipo do made self man no entanto encontrava uma estrutura social promotora de desigualdade que penalizava e estigmatizava aqueles que não conseguiam superar sua própria condição social Assim a cultura impõe a aceitação de três axiomas culturais Primeiro todos devem esforçarse para atingir os mesmos elevados objetivos já que estão à disposição de todos segundo o aparente fracasso momentâneo é apenas uma estação no caminho do sucesso final e terceiro o fracasso genuíno consiste apenas na diminuição ou retirada da ambição MERTON 1970 p 211 Merton explica a ocorrência do crime e do desvio por meio da discrepância entre as referidas estruturas levando a uma tensão entre indivíduo e sociedade estrutura social e entre os próprios indivíduos o que permite o rompimento das normas ou o desprezo a elas MERTON 1970 p 237 A estrutura social dos EUA produzia na avaliação do autor uma clara tendência à anomia e ao comportamento desviante O modelo do american dream gerava entre os indivíduos uma rivalidade NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE AS QUESTÕES DO CRIME E PUNIÇÃO NA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA UMA BREVE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Página 42 para que se considerassem numa situação de competição revertendo isso em pressão para buscar fazer e ser sempre o melhor Observando os comportamentos ocasionados pela tensão e defasagem das estruturas Merton elaborou tipologias que ajudam a compreender e até prever determinados comportamentos A elaboração das tipologias parte da maneira como os indivíduos reagem e se adaptam ao modelo das estruturas e suas oportunidades no interior delas Podemos encontrar cinco formas de adaptação à sociedade e estão sinteticamente classificadas da forma que segue I Comportamento conformista o indivíduo interioriza os objetivos da estrutura cultural e cumpre com as normas e os meios legítimos de se conquistálos Este comportamento tende a fortalecer a coesão social proporcionando a estabilidade da sociedade II Comportamento desviante inovação os objetivos são aceitos pelos indivíduos mas não as normas e meios legítimos O caráter de inovação está no fato de ser um comportamento criativo que burla as normas mas não oferece riscos à coesão social Dessa forma este comportamento propicia uma mudança social gradativa pois apresenta formas alternativas ao cumprimento das regras estabelecidas III Comportamento desviante ritualismo conformase como o oposto da inovação No comportamento ritualista os objetivos não são interiorizados porém se aceita o cumprimento das normas e meios legítimos Há uma ênfase nas aspirações básicas ou seja o indivíduo se torna indiferente ao sucesso profissional e financeiro desde que tenha garantido os recursos básicos à sua sobrevivência Este comportamento é entendido por Merton como sendo nãoconformista devido a não absorção das aspirações isso é produzse uma curva no padrão de comportamento e pensamento Entretanto é tido como uma forma não pretendida de adaptação à sociedade uma vez que leva as pessoas a desenvolverem uma personalidade submissa que por sua vez provoca situações de patologia social IV Comportamento desviante evasão ou retraimento prevalece a renúncia aos objetivos normas e meios Todos os atributos contidos nas estruturas não atendem as aspirações dos indivíduos que manifestam esse tipo de comportamento O autor entende que comportamento evasivo é uma resposta Revista LEVSUNESP Marília Ano 2018 Edição 21 Maio2018 ISSN 19832192 Página 43 daqueles que estão na sociedade mas não são da sociedade daqueles que vivem ou foram lançados à margem da estrutura social Exemplos de sujeitos que respondem dessa maneira à sociedade são os bêbados drogados psicóticos hippies mendigos etc Interessante notar que a origem deste comportamento pode eventualmente ser encontrado no desejo de ter sido o oposto do que são essas pessoas Em outros termos são indivíduos que em algum momento interiorizaram os objetivos as normas e os meios mas esbarraram no defasamento das duas estruturas e no acesso aos meios legítimos V Comportamento desviante rebelião são indivíduos que também se situam à margem da estrutura social mas diferentemente dos evasivos os rebeldes ao negarem os objetivos normas e meios legítimos procuram uma nova realidade social com novos objetivos normas e meios Não se trata de um comportamento ressentido como esclarece Merton pois conforme explica No ressentimento a gente condena o que secretamente ambiciona na rebelião a gente condena a própria ambição MERTON 1970 p 230 II Labeling Approach perspectiva interacionista simbólica Farei neste tópico uma leitura indireta de alguns autores e suas teorias que no conjunto ficaram conhecidas como perspectiva interacionista ou interacionismo simbólico Os principais representantes dessa corrente teórica George Herbert Mead Edwin Sutherland Herbert Blumer e a denominada segunda geração da Escola de Chicago com Howard Becker Edwin Lemert e Erving Goffman notabilizaramse pelas pesquisas que em muito contribuíram para se refletir sobre o crime delinquência juvenil e doenças mentais Os estudos de Mead que partiam da filosofia pragmatista enfatizavam a experiência do indivíduo do ponto de vista de sua conduta MEAD 1977 p 50 relacionando esse sujeito ao grupo social originário A proposta é fazer um vôo panorâmico sobre essa teoria com o objetivo de reconhecer as suas nuances e assim dialogarmos com aquilo que foi apresentado por Robert Merton e o funcionalestruturalismo e o que virá na seqüência com o estruturalismo francês sobretudo na figura de Michel Foucault NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE AS QUESTÕES DO CRIME E PUNIÇÃO NA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA UMA BREVE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Página 44 Os autores enquadrados no interacionismo trataram do assunto crime partindo de um estudo mais amplo que se ocupava do desvio e suas formas de manifestação Denominada como teoria da rotulagem esse modelo explicativo deslocava o problema da criminalidade do plano da ação bad actors para o plano da reação social powerful reactor DIAS e ANDRADE 1997 p 343 Blumer coloca em destaque a interação simbólica que atribui significado às relações sociais Do ponto de vista interacionista o desvio é observado a partir da percepção que o indivíduo tem de si e do seu entorno A sociedade humana achase composta de indivíduos que desenvolvem o seu eu a ação individual é uma construção e não uma ação espontânea sendo construída pelo indivíduo à mercê das características das situações que ele interpreta e a partir das quais ele age do ponto de vista da interação simbólica a sociedade humana deve ser olhada como composta de atores e a vida da sociedade como resultado de suas ações BLUMER 1977 p 37 38 Destacase também o estudo de Goffman4 sobre a estigmatização que assume duas variáveis analíticas a variável dependente e a variável independente Na primeira buscase entender os critérios utilizados para estigmatizar um indivíduo como delinquente na segunda as consequências dessa estigmatização Por seu turno o problema da estigmatização como variável independente isto é o problema do poder causal das respostas sociais implica o estudo do impacto da adscrição do status de delinquente sobre a dinâmica de formação da identidade sobre o empenho em carreiras de delinquência e consequentemente sobre a delinquência secundária DIAS e ANDRADE 1997 p 344 itálico dos autores O interacionismo simbólico representou uma superação das concepções sociológicas e antropológicas centradas no comportamento humano Alguns aspectos já anunciados por Merton como a mudança social propiciada por comportamentos desviantes aparecem mais bem acabados em autores como Mead Blumer Goffman Lemert e Becker Estes evidenciam a impossibilidade de se considerar a natureza humana ou a própria sociedade como dados estanques ou estruturas imutáveis Idem Ibidem p 345 Um dos traços inovadores para suas análises foi a compreensão da identidade pessoal como resultado da dinâmica do 4 GOFFMAN E Estigma notas sobre a manipulação da identidade deteriorada Rio de Janeiro Zahar 1982 Revista LEVSUNESP Marília Ano 2018 Edição 21 Maio2018 ISSN 19832192 Página 45 processo de envolvimento comunicação e interação social além do reconhecimento do seu caráter plural5 Dessa forma o interacionismo simbólico contribuiu metodologicamente para o debate criminológico sobretudo ao contestar fundamentos epistemológicos da criminologia tradicional ao se afastar da percepção do crime e da criminalidade como uma dimensão meramente ontológica Por fim outro ponto relevante do labeling são as categorias que dão forma à teoria da rotulagem Sobretudo em Goffman mas não apenas em sua obra aparece uma nova linguagem com alguns elementos tomados de empréstimo da dramaturgia Sem esgotar os significados e aplicação dos termos cito aqui aqueles que se sobressaem nas obras dos autores acima citados autoimagem self audiência social estereótipo interpretação retrospectiva delinquência secundária cerimônias degradantes instituições totais e roleengulfment grupos primários distância social III Crime e punição Foucault e o estruturalismo francês O pensamento estruturalista de Michel Foucault 19261984 está amparado na constatação de que no interior das estruturas sociais os indivíduos promovem relações desiguais e que estas também são geradoras de desigualdades contudo diversamente do que pensavam os sociólogos norteamericanos Foucault não parece considerar que essa desigualdade se expresse unicamente em formas de desvio ou no crime mais precisamente Foucault explica que essas relações sociais são também relações de poder e que a violência seja criminal ou nas suas outras formas ocorre a partir de relações sociais desiguais quando uma das partes não goza de uma situação de liberdade Foucault portanto nos permite analisar o crime não mais como um desajuste das funções básicas das estruturas sociais ou nas diferentes maneiras do indivíduo se rebelar contra essas estruturas mas por uma chave explicativa que coloca em primeiro plano os regimes de racionalidade e de verdade resultantes das relações de poder Não há prática sem um determinado regime de racionalidade e de saber FOUCAULT et al 1982 p 59 Na prática isso significa que o autor 5 Sobre esse tópico ver GOFFMAN E A representação do eu na vida cotidiana Petrópolis Vozes 1983 NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE AS QUESTÕES DO CRIME E PUNIÇÃO NA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA UMA BREVE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Página 46 retoma uma das grandes questões da Sociologia do século XIX que era determinar seus próprios objetos de estudos em meio a uma disputa entre ramos do saber científico A modernidade ocidental criou estratégias de dominação controle e interferência sobre a ação e pensamento das pessoas ou seja relações de poder que por sua vez é uma extensão da violência As relações violentas se transformam em relações de poder quando a uma das partes é atribuído um status jurídico de liberdade Entendese assim que há afinidade entre poder e violência pois esta é parte do processo que transforma o poder em biopoder e assim retornamos ao início quando o autor reafirma o papel central da modernidade ocidental É a partir dela com o advento da democracia e queda da soberania que o poder deixa de ser um poder de morte no qual o soberano decide quem deve viver ou morrer e tornase um poder de vida biopoder em que as pessoas são governadas para que se obtenha o máximo de suas energias vitais Partindo disso Foucault deixa claro que o poder não é uma propriedade do rei ou de quem quer que seja O poder pertence ao mundo e às relações entre os indivíduos O poder é exercido em rede Nas suas malhas os indivíduos não só circulam como estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação nunca são o alvo inerte ou consentido do poder são sempre centros de transmissão Em outros termos o poder não se aplica aos indivíduos passa por eles FOUCAULT 1985a p 181183 As relações de poder estão constantemente gerando ideias e saberes que ofuscam nossa percepção de tais relações pois somos levados a acreditar no que se produz Foucault não se deteve em conceituar e classificar o crime o criminoso desviante ou a criminalidade porém se tornou um autor importante para o estudo sociológico destas questões Sua obra revela uma abordagem que metodologicamente faz o caminho contrário em relação aos chicagoons Em Vigiar e Punir 1975 por exemplo ele não se debruça sobre o fenômeno do crime mas nas práticas penais que a partir do século XIX se destacam com o advento das prisões uma nova moldagem na economia das punições A prisão representa uma diferenciação no caráter do poder do soberano que estava em decadência Do Revista LEVSUNESP Marília Ano 2018 Edição 21 Maio2018 ISSN 19832192 Página 47 castigo corporal ao disciplinamento do corpo para a alma do indivíduo Foucault nos revela uma sociedade em profundas transformações sobretudo no trato com os seus desviados É o modelo de sociedade disciplinar que se dirige ao criminoso ao louco etc por meio das prisões mas também se preocupa com o disciplinamento dos trabalhadores nas fábricas das crianças e jovens nas escolas universidades etc No livro Eu Pierre Rivière que degolei minha mãe minha irmã e meu irmão 1977 organizado por Foucault é possível perceber como essas mudanças sociais estavam se desenvolvendo sobretudo no que se refere ao modelo punitivo Em síntese este livro está organizado em duas partes uma que narra todo o caso de parricídio envolvendo Pierre Rivière por meio de documentação oficial da época além de artigos da imprensa a outra parte traz as análises de autores do grupo de pesquisas de Michel Foucault Pierre Rivière foi um rapaz de vinte anos que em 1835 assassinou com uma foice sua mãe Victoire grávida de seis meses sua irmã e irmão em um pequeno vilarejo no interior da França Seu julgamento foi feito com base em depoimentos de pessoas da comunidade que conheciam Pierre e toda a família Rivière laudos médicos e as normas jurídicas da época O caso ganha relevância teórica no momento em que se inicia uma disputa tácita entre os saberes oriundos das relações de poder que envolviam o judiciário e os saberes médicos que se dividiam no diagnóstico de alienação mental do autor do crime Em função das incertezas entre os médicos quanto ao parecer final sobre o estado mental de Pierre o juiz decide condenar o assassino à pena dos parricidas ou seja à morte A defesa de Pierre entra com o pedido de recurso para que a pena seja abrandada o que o levaria a prisão perpétua Para que o pedido ganhasse maior expressão novos médicos especialistas em questões mentais são procurados para analisar o caso dentre eles o reconhecido médico psiquiatra Esquirol chefe do Hospital de Salpêtrière em Paris que em conjunto com uma equipe de seis outros médicos dão o parecer final atestando a condição de alienação mental de Pierre Rivière desde a idade de quatro anos FOUCAULT 1991 p 165 NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE AS QUESTÕES DO CRIME E PUNIÇÃO NA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA UMA BREVE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Página 48 Entretanto o relatório dos médicos parisienses não era suficiente para que se alterasse a sentença de Pierre Assim o ministro da Justiça enviou ao rei da França Louis Philippe um relatório no qual sugeria a comutação da pena de morte pela prisão perpétua O pedido é acatado pelo rei e nos idos de março de 1836 Pierre é levado à prisão para o cumprimento de sua pena No caso em questão observase que além da disputa para se lançarem como os verdadeiros detentores do conhecimento sobre a mente e o corpo do indivíduo estão também colocadas as questões sobre a mudança social e do caráter do poder O suplício ao qual Pierre seria submetido representava o estilo penal de uma época e era um procedimento técnico pela figura do carrasco e ritual O caráter técnico da punição estava representado na produção de sofrimento apreciável comparável hierarquicamente e modulável de acordo com o crime cometido FOUCAULT 1987 p 34 O fim do suplício entre o fim do século XVIII e meados do XIX passou a representar um recuo do poder real pois a humanidade do criminoso aparece como limite ao direito de punição ao contrário da vingança do soberano que não via limites na aplicação do suplício SOUZA 2010 p 70 Na nova economia dos castigos aparecem novos técnicos para ocupar o lugar dos carrascos eles são médicos guardas capelães psiquiatras e educadores que oferecem a garantia de que a dor não seja a meta da punição mas sim o disciplinamento As disciplinas são a partir do século XIX uma nova modalidade do exercício do poder O poder dessa maneira é considerado por Foucault como sendo algo mais autônomo e capaz de reconstituir os sujeitos desviantes Para que isso seja efetivo é necessário que se crie uma ou mais instituições onde as disciplinas irão operar Foucault explica que a disciplina é um mecanismo que permite extrair dos corpos tempo e trabalho mais que bens e riqueza É um tipo de poder que se exerce continuamente através da vigilância e não descontinuamente por meio de sistemas de taxas e obrigações distribuídas no tempo que supõe mais um sistema minucioso de coerções materiais que a existência física de um soberano FOUCAULT 1991 p 187188 Revista LEVSUNESP Marília Ano 2018 Edição 21 Maio2018 ISSN 19832192 Página 49 Tratase de uma ruptura com o corpo do supliciado diante da decadência do poder soberano E não é fortuito que na seção de documentos do livro dossiê levantados por Foucault e seus colegas apareça um artigo do jornal Pilote du Calvados no qual se lê uma descrição completa de como era a estrutura e rotina da prisão onde Pierre cumpriria sua pena Os detalhes da reportagem indicam os princípios do panóptico de Bentham e do próprio nascimento da vigilância por meio de instituições disciplinares O exercício da disciplina supõe um dispositivo que obrigue pelo jogo do olhar um aparelho onde as técnicas que permitem ver induzam a efeitos de poder e onde em troca os meios de coerção tornem claramente visíveis aqueles sobre quem se aplicam Lentamente no decorrer da época clássica são construídos esses observatórios da multiplicidade humana para os quais a história das ciências guardou tão poucos elogios Ao lado da grande tecnologia dos óculos das lentes dos feixes luminosos unida à fundação da física e da cosmologia novas houve as pequenas técnicas das vigilâncias múltiplas e entrecruzadas dos olhares que devem ver sem ser vistos uma arte obscura da luz e do visível preparou em surdina um saber novo sobre o homem através de técnicas para sujeitálo e processos para utilizálo FOUCAULT 1987 p 153154 No panóptico ocorre a generalização dos mecanismos disciplinares e dos novos dispositivos de poder agora podendo ser exercido anonimamente por meio de uma arquitetura singular das instituições que por si só já representava uma síntese de tudo isso O disciplinamento criou um novo tipo de individualização e moldou novos indivíduos controlados pelo poder da sociedade disciplinar racional e não mais do soberano Considerações Finais Procurouse neste breve artigo realizar uma revisão bibliográfica de três correntes teóricas da Sociologia a respeito do crime criminalidade e punição É possível observar que estes temas estiveram desde o princípio da Sociologia como um das preocupações teóricas mais expressivas Podemos afirmar que a grande contribuição oferecida pela Sociologia para a compreensão do fenômeno da NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE AS QUESTÕES DO CRIME E PUNIÇÃO NA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA UMA BREVE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Página 50 criminalidade foi o de retirar a explicação que se pautava quase que exclusivamente nas patologias individuais e dar destaque ao seu caráter social e estrutural A teoria da anomia proposta por Durkheim impulsionou as análises sociológicas até meados do século XX quando os sociólogos da Escola de Chicago reformularam este conceito a fim de entender a criminalidade crescente naquela cidade Na obra de Robert Merton por exemplo a contradição entre a estrutura cultural e a estrutura social é apresentada como o fator desencadeador de comportamentos desviantes nomeadamente do crime Posteriormente o interacionismo simbólico não se limitou a um conceito de crime mas ampliou essa ideia assim como alguns sociólogos da própria Escola de Chicago já haviam feito para a categoria de desvio o que implicou estudar aquelas ações que fugiam às regras amplamente aceitas e ao que eram consideradas comunspela maioria da sociedade Michel Foucault também não tinha em seu horizonte teórico essa preocupação de conceituar e classificar o crime e os criminosos A partir da obra do filósofo francês mudamos a maneira de conceber as relações sociais no interior das estruturas pois constatamos que violência e poder são constitutivos da sociedade Dessa forma tudo aquilo que cerca o crime saberes científicos moral norma jurídica teorias punitivas etc ganha novas modulações sobretudo pelo advento de uma racionalidade moderna ocidental Referências Bibliográficas BLUMER Herbert A sociedade concebida como interação simbólica In CHAZEL F BIRNBAUM P Teoria Sociológica São Paulo Edusp 1977 DIAS J de F ANDRADE M da C Criminologia o homem delinquente e a sociedade criminógena Coimbra Ed Coimbra 1997 DURKHEIM Émile A divisão do trabalho social Lisboa Presença 1970 Col Os Pensadores São Paulo Nova Cultural 1978 Les règles de la méthode sociologique Paris Champs Classiques 2010 Revista LEVSUNESP Marília Ano 2018 Edição 21 Maio2018 ISSN 19832192 Página 51 FOUCAULT Michel et al La Imposible Prisión Debate con Michel Foucault Barcelona Editorial Anagrama 1982 Soberania e Disciplina In Microfísica do Poder 5ª ed Rio de Janeiro Graal 1985 Vigiar e Punir Nascimento da prisão 5ª ed Petrópolis Vozes 1987 Eu Pierre Rivière que degolei minha mãe minha irmã e meu irmão 5ª ed Rio de Janeiro Edições Graal 1991 MACHADO Helena Manual de sociologia do crime Porto Afrontamento 2008 MEAD G H Espíritu persona y sociedade Buenos Aires Paidós 1977 MERTON Robert Sociologia teoria e estrutura São Paulo Ed Mestre Jou 1970 SOUZA Luís A F de Sociologia da violência e do controle social Curitiba IESDE Brasil 2010