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Texto de pré-visualização
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA PRÓ REITORIA DE PESQUISA E PÓSGRADUAÇÃO DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE HISTÓRIA SAOARA BARBOSA COSTA SOTERO Escrevivências ensino de História e narrativas de nós na Educação de Jovens e Adultos Salvador 2022 SAOARA BARBOSA COSTA SOTERO Escrevivências ensino de História e narrativas de nós na Educação de Jovens e Adultos Texto de dissertação apresentado como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestra em Ensino de História da Universidade Estadual do Estado da Bahia UNEB Pesquisa realizada pela mestranda Saoara Barbosa Costa Sotero no Programa de PósGraduação Mestrado Profissional em Ensino de História da Universidade Estadual do Estado da Bahia UNEB Orientadora Drª Ana Cristina Castro do Lago Salvador 2022 Quando você foi embora fezse noite em meu viver Forte eu sou mas não tem jeito Hoje eu tenho que chorar Minha casa não é minha e nem é meu este lugar Estou só e não resisto muito tenho pra falar Solto a voz nas estradas já não quero parar Meu caminho é de pedra como posso sonhar Sonho feito de brisa vento vem terminar Vou fechar o meu pranto vou querer me matar Vou seguindo pela vida me esquecendo de você Eu não quero mais a morte tenho muito o que viver Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer Já não sonho hoje faço com meu braço o meu viver Solto a voz nas estradas já não quero parar Meu caminho é de pedra como posso sonhar Sonho feito de brisa vento vem terminar Vou fechar o meu pranto vou querer me matar Vou seguindo pela vida me esquecendo de você Eu não quero mais a morte tenho muito o que viver Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer Já não sonho hoje faço com meu braço o meu viver Travessia Milton Nascimento Aos meus que estão em Orum Vó Maria de Loudes Coutinho Cerqueira Irmão Ivonilson Costa Sotero Filho MODUPÉ Iniciei esse mestrado sabendo que não poderia caminhar por ele sozinha Preciso saudar pessoas que estão comigo me fortalecendo apoiando incentivando e lembrando o quanto eu sou uma potência no mundo Modupé a minha ancestralidade Ednalva e Ivonilson mãe e pai sou a luta de vocês Estou aqui com vocês por vocês e para vocês Meu amor e gratidão Modupé Mayana Mariana Aline Braian Maurício Simone Rai Rene Grupo de Pesquisa Reexistências vocês são luz em minha vida Meu amor e gratidão Modupé Rei Fernanda Cátia Jorlânia Leliany Uiara Sileide Adriana Gicélia Sara Jocemar Leandro Hitomi Daniel Tais Diana Mariana Alan Aislene Márcia minha equipe de trabalho e amizades que me transbordam como pessoa e profissional Vocês me ajudam a esperançar Modupé Cléssia Lobo e Gisele Freitas gestoras da EJA por permitir que essa pesquisa fosse desenvolvida no SESIBA Minha gratidão Modupé Luciana Adriano Ruydemberg Fábio Demétrios Nunes Valter Ronaldo Daniele Adrielle ingressamos nessa jornada do mestrado e saímos dela maiores porque estivemos juntas Modupé Cristiana Gledson Luciana Graça Sara professoras minha eterna gratidão por tudo que construímos Sou maior e vocês são parte disso Modupé Ana Cristina Castro do Lago minha jardineira estou concluindo esse mestrado porque você chegou com um regador muito grande cheio de apoio compreensão respeito amor paciência e cuidado com meus processos e me ajudou a cultivar o meu jardim com as sementes que eu possuía Você sempre será o exemplo de uma professora que me fez experimentar uma educação feita com entusiasmo e amor Vivemos a práxis de forma muito linda e única em minha vida Muito amor e benquerença Modupé Modupé Modupé RESUMO Neste trabalho me propus a pensar em formas de trabalhar o Ensino de História a partir das histórias de vida das pessoas que estudam na Educação de Jovens e Adultos que acesso durante a Metodologia do Reconhecimento de Saberes no SESI Bahia Utilizando a escrevivência como metodologia de pesquisa e método de escrita busco demonstrar a natureza praxiológica deste texto Os capítulos estão escritos em formato de cartas endereçadas às pessoas que fazem parte do contexto da EJA A primeira é direcionada a banca onde relato como organizei o trabalho A segunda escrevi a Paulo Freire e a partir da minha história de vida construo o meu arcabouço teórico A terceira enderecei ao meu grupo de trabalho na EJA EaD do SESI Bahia fazendo uma breve historicização da EJA na instituição e como temos desenvolvido nosso trabalho Aqui dei o recorte para pensar sobre o ensino de História a partir da realidade que vivencio A quarta carta escrevi para Severina entidade que representa todas as pessoas que estudam na EJA Nesta etapa relato o meu produto educacional uma trilha que se desdobra em processos formativos para a sala de aula com um jogo intitulado Escrevivências com a EJA e em um processo de autoformação docente o todo compõe a Trilha autoformativa Escrevivências com a EJA A quinta e última carta é destinada à universidade e aborda a importância da instituição para a sociedade e a necessidade de estar mais próxima dela Palavraschaves Educação de Jovens e Adultos Ensino de História Escrevivência ABSTRACT In this work I set out to think about ways of working with History Teaching from the life stories of people who study in Youth and Adult Education that I access during the Methodology of Recognition of Knowledge at SESI Bahia using writing as a research methodology and writing method demonstrating the praxeological nature of this text The chapters are written in the form of letters addressed to people who are part of the context of EJA The first is directed to the masters bank where I report how I organized the work The second I wrote to Paulo Freire and from my life story I build my theoretical framework The third I addressed to my working group at EJA EaD of SESI Bahia making a brief historicization of EJA in the institution and how we have developed our work Here I gave the cut to think about the teaching of History from the reality I experience The fourth letter I wrote to Severina an entity that represents all people who study at EJA At this stage I report my educational product which is a path that unfolds in a training process for the classroom with a game entitled Escrevivências com a EJA and in a process of teacher selftraining that makes up the Selftraining trail Escrevivências com a EJA The fifth and final letter is addressed to the university where I talk about the importance of the institution and the need for it to be closer to society Keywords Youth and Adult Education History Teaching Writing CARTOGRAFIA ICONOGRÁFICA Figura 1 Card O tempo e a História 87 Figura 2 Card Fontes Históricas 87 Figura 3 Card Quem faz a História 88 Figura 4 Card História é Ciência 88 Figura 5 Card arteafetos 89 Figura 6 Card Curinga 89 Figura 7 QR code Cards 90 Figura 8 Tabuleiro virtual 91 Figura 9 QR code Tabuleiro virtual 91 Figura 10 QR code Tutorial Canva 94 Figura 11 Padlet Trilha autoformativa escrevivências com a EJA 95 Figura 12 QR code Trilha autoformativa escrevivências com a EJA 96 Figura 13 Reflexão sobre a vivência acadêmica 103 CARTOGRAFIA CARTA 1 A MINHA BANCA VOU DESCOBRIR O QUE ME FAZ SENTIR EU CAÇADOR DE MIM 08 CARTA 2 A PAULO FREIRE SE A CRENÇA QUER SE MATERIALIZAR TANTO QUANTO A EXPERIÊNCIA QUER SE ABSTRAIR 20 CARTA 3 AO MEU POVO DO SESI MEUS AMORES E MINHAS AMORAS MINHA GENTE TANTAS IDAS E VINDAS CANTAM HISTÓRIAS LINDAS QUEM DIVIDE O QUE TEM É QUEM VIVE PRA SEMPRE 50 CARTA 4 A SEVERINA ELES PENSAM QUE PODE APAGAR NOSSA MEMÓRIA MAS A FORÇA DO ILÊ NOS CONDUZ NESSA TRAJETÓRIA 82 CARTA 5 A UNIVERSIDADE MEXENDO COM GENTES PLANTANDO SEMENTES GERMINANDO MENTES LOGO VAI BROTAR 98 TENHO EM MIM MAIS DE MUITOS SOU UMA MAS NÃO SOU SÓ 104 EU NÃO ANDO SÓ 108 8 VOU DESCOBRIR O QUE ME FAZ SENTIR EU CAÇADOR DE MIM Salvador 04 de julho de 2021 Quando eu morder a palavra por favor não me apressem quero mascar rasgar entre os dentes a pele os ossos o tutano do verbo para assim versejar o âmago das coisas Quando meu olhar se perder no nada por favor não me despertem quero reter no adentro da íris a menor sombra do ínfimo movimento Quando meus pés abrandarem na marcha por favor não me forcem Caminhar para quê Deixemme quedar deixemme quieta na aparente inércia Nem todo viandante anda estradas há mundos submersos que só o silêncio da poesia penetra Da calma e do silêncio Conceição Evaristo 2008 Sinto logo posso ser livre Audre Lord 2019 A minha banca Quando iniciei este mestrado estava inundada pelo entusiasmo pelas ideias fervilhando em minha cabeça pelas possibilidades que abri em mim e na minha prática docente Iniciei este mestrado extasiada mascando as palavras assim como escreveu Conceição Evaristo no poema que está na epígrafe desta carta sem pressa rasgando entre meus dentes cada entendimento que poderia tirar de tudo que lia e 9 ouvia durante as aulas na UNEB e na minha sala de aula no SESI com minhas turmas Tudo me inspirava tudo me emocionou de tal forma que até mesmo as noites viradas não me abalavam ao contrário me revigoraram A escrita do projeto foi pensada em cada detalhe as músicas escolhidas como títulos das seções as palavras e as reverências A necessidade de trazer um texto acadêmico mais poético que além do conhecimento técnico pudesse emocionar a pessoa que lesse este trabalho foi despertada nas leituras nas conversas que tive ao longo dos anos com uma pessoa muito querida que teve a oportunidade de quebrar com a colonialidade da formação através da literatura suas indicações de livros e de epistemologias não brancas e regada adubada cultivada com muito encanto entusiasmo e amor por Ana Lago nas orientações que tivemos Ana como passarei a chamála é uma jardineira e fez brotar em mim um campo florido e bem cuidado de ideias regadas com as águas das teorias acadêmicas e da poesia da vida afinal não há sentido nas teorias sem a existência das práticas que estão na poética das vivências Na passagem do projeto para o desenvolvimento das ideias em sala e da escrita dessa dissertação fomos arrebatadas pela pandemia da Covid19 ainda presente nos dias atuais e isso impactou nossas vidas e por consequência este trabalho de forma tão drástica que ainda não tive como digerir para conseguir expressar aqui Quero apenas registrar que não é possível ser humana e saber que pessoas conhecidas e outras nunca vistas estão morrendo como se suas vidas fossem nada e não se abalar não sucumbir ao medo a frustração a tristeza ao desamparo e junto com isso ainda viver o desespero da urgência em se reinventar na vida profissional pessoal na forma de nos relacionarmos sem poder abraçar beijar trocar energia com as pessoas que amamos e sem poder me banhar nas águas salgadas de Yemanjá para fortalecer o meu Orí Durante todo o ano de 2020 e 2021 eu tenho lutado para escrever esta dissertação tentando trazer neste texto o entusiasmo e poética com a qual eu o comecei demarcando continuamente a experiência a partir do meu tempoespaço pois tudo que foi pensado precisou ser revisto e as frustrações disso ainda estão sendo trabalhadas a luz de muita leitura e terapia Com esta carta quero conversar com vocês professoras sobre alguns pontos deste trabalho que eu considero como rupturas com minha formação eurocentrada com a minha desconexão com o mundo acadêmico e reconexão a partir de outros 10 lugares epistêmicos que fala de mim e das minhas experiências pessoais e profissionais das minhas escrevivências Penso que este trabalho caminha exatamente pelas rupturas e reconexões da pessoa da estudante de mestrado que está há dois anos olhando para si como professora de forma consciente buscando compreender os próprios ciclos gnosiológicos interseccionados pelas complexidades das experiências da pessoa da estudante e da professora A minha primeira ruptura para este trabalho está acontecendo com a compreensão de gênero enquanto construção social e como ela ocorre também através da língua É a linguagem que nomeia e dá sentido a tudo que nos rodeia e é através dela que entendemos o mundo portanto a nossa língua colonial construiu seus sentidos nos apagamentos das outras leituras e percepções de mundo Eu me dei conta disso quando li Tanya Saunders em 2018 e comecei a passear pela decolonialidade do pensamento momento que me fez retornar aos eventos acadêmicos voltados para o ensino de História e para a Educação de Jovens e Adultos Na qualificação uma das coisas que causou estranheza no texto do projeto foi o passeio que fiz entre o feminino e o masculino sem necessariamente remeter ao gênero das pessoas mas apenas me referindo aos seres humanos Esse estranhamento veio da construção que temos do homem como sujeito universal Em Epistemologia negra sapatão como vetor de uma práxis humana libertária publicado em 2017 Tanya Saunders levanta essa discussão trazendo a cisão que existe nas sociedades americanas colonizadas pelos europeus como a brasileira a divisão das pessoas em seres humanos e não humanos Os primeiros foram construídos em torno do homem branco cisgenere heterossexual burguês cristão e a não humanidade estava relegada aos povos africanosnegros No Brasil atual principalmente no desgoverno Bolsonaro nós estamos vendo a experiência da inumanidade cada vez mais forte para pessoas LGBTQIA mulheres estrangeiras negras povos Originários enfim todas as pessoas que deveriam estar subjugadas pelo homem branco A linguagem não fica na abstração mas se concretiza em nossas ações cotidianas nossa cultura política economia O lugar do homem branco é resguardado como o lugar normal de existir como o padrão e ponto de partida para nos referenciar no mundo e tudo que sai dele é demarcado pelo gênero raça classe religião sexualidade ou qualquer outra forma de existir que não se encaixe no padrão homembrancocishéteroburguêscristão 11 Façam um pequeno exercício neste momento e tentem lembrar se em algum momento vocês viram alguma dessas demarcações em algum texto quando se referiu a esse padrão branco Meu texto tem brincado com a língua Eu estou desconstruindo em meu imaginário as referências construídas ao longo de trinta e cinco anos de vida e que em muitos momentos não fizeram sentido para explicar a minha visão e percepção do mundo e de uma formação carente de qualquer outro referencial diferente do homem branco europeu Através deste texto eu quero propor a quem o ler que também reflita sobre isso Pensar epistemicamente pelas subalternidades é um exercício de desconstrução em muitos aspectos inclusive de algo tão conservador como a gramática Este mestrado me reconectou com o mundo acadêmico Sentir a importância da Universidade para a educação com uma relação horizontal de troca de conhecimento e anular a sensação da existência da dicotomia entre Educação Básica e Ensino Universitário sendo o primeiro o espaço de reprodução daquilo que é pensado no segundo Nessa reconexão eu entendi que precisava escrever esse texto de forma que fizesse sentido para mim Fazer um trabalho com a ética e a seriedade de um trabalho científico mas que ao mesmo tempo despertasse entusiasmo identificação memórias e muitos afetos em mim e em quem acessálo No livro Irmã Outsider Audre Lord na página 44 inicia o capítulo com uma frase que me fez refletir durante um longo período sobre qual luz eu examinava minha vida e em especial a minha docência o tipo de luz sob a qual examinamos nossas vidas influencia diretamente o modo como vivemos os resultados que obtemos e as mudanças que esperamos promover através dessas vidas Eu queria examinar meu povo da EJA pela luz do entusiasmo do amor da potência da leveza da sensibilidade e expressar isso de algum modo que eu ainda nem sabia como O conhecimento acadêmico aqui no Brasil se baseia na ciência predominantemente no modelo europeu valorizando apenas o racional Nas epistemologias não brancas não existem apenas as ideias mas o conhecimento se forma a partir dos afetos também do modo como sentimos nossas experiências e essas forças antagônicas coexistem dentro das instituições de ensino 12 Audre Lord fala da importância de sentir e dar vazão aos sentimentos numa pesquisa Nós escolhemos o que investigar então toda pesquisa é íntima fala de nós do que queremos a luz sob a qual analisamos o mundo Dessa forma a escrita puramente racional não daria conta do que trago para esse mestrado dos lugares que ele mexeu comigo e do poder que tenho como professora Eu preciso florescer dentro dessa pesquisa para quebrar o silenciamento que me foi imposto pela branquitude e assim poder lutar junto ao meu povo da EJA para que seus silêncios também sejam quebrados e suas vozes ecoem Embebida nas leituras de Audre Lord fiquei inquieta também com a forma da escrita desta dissertação Entendi que aqui não cabia a escritura dura e impessoal da academia eurocentrada Esse desassossego surgiu ainda na fase da escrita da carta de intenção de pesquisa no primeiro ano do mestrado quando não consegui apenas preencher o modelo que nos foi dado pela Universidade Se estendeu a escrita do projeto que mesmo seguindo em uma escrita eurocêntrica consegui trazer elementos mais poéticos e ancestrais como os títulos das seções com fragmentos de músicas que marcaram a minha vida e diálogos com a minha negritude Como é dito por Conceição Evaristo em A escrevivência em seus subtextos na página 37 Quero a dinâmica das palavras pronunciadas no cotidiano as que movimentam a vida e não as que dormem no dicionário Quando li o texto de Gloria Anzaldúa chamado Falando em línguas uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo publicado em 1981 na página 229 entendi que poderia ter outras formas de escrever sobre a minha produção de conhecimento além daquela na qual tentaram me formatar e que me fazia sentir inferior porque os olhos brancos não querem nos conhecer eles não se preocupam em aprender nossa língua a língua que nos reflete a nossa cultura o nosso espírito Eu tinha sempre em mente que o meu texto precisava ser acessível às pessoas a sua linguagem pudesse chegar à minha mãe que não concluiu o Ensino Médio e ao ler estas linhas ela pudesse entender que esta história também é sobre ela mas não está resumida à parte da privação dos direitos básicos constitucionais e humanos mas traz força sabedoria conhecimentos conquistas experiências transformadoras do mundo a sua volta Gloria Anzaldúa em sua carta para nós mulheres de cor do terceiro mundo me disse que precisamos contar nossa própria história com as nossas vozes para 13 sairmos do estereotipado olhar do branco sobre nós Não somos a privação a falta o não a carcaça que carrega as subalternidades Nós somos a potência Nossas Histórias são de glórias riquezas materiais e imateriais nossas cabeças são banhadas pelo ouro encontrado nas águas da sabedoria de Oxum A sujeição está no olhar do branco e daquilo que fazem conosco desde a colonialidade não em nós Em nossa História em nossos oris está a intelectualidade e a produção do conhecimento desde o início da existência humana Professoras eu precisava escrever um texto que desse conta disso Que carregasse a minha escolha política de existir e ser uma professoraacadêmica e que me fizesse florescer Junto com Ana minha jardineira chegamos à ideia de escrever cartas para contar às pessoas os jardins de conhecimento que tem brotado em mim Vamos usar àquela poesia preta revolucionária que é a voz da liberdade e das mudanças como Audre Lorde disse em Irmã Outsider Esse não é um trabalho piegas Ele transborda sentimentos mas está ancorado em epistemologias ancestrais nas quais o conhecimento é construído na junção da cabeça e do coração que se torna tangível na minha sala de aula com o meu povo da EJA Este é um trabalho que reflete a minha visão de academia e de uma ciência que precisa ser compreendida por todas as pessoas e não apenas pelos acadêmicos Vivemos uma crise científica dentro de um governo revisionista e mentiroso e eu entendo que um dos caminhos para desmascarar as fakes news propagadas é possibilitar às pessoas o acesso e compreensão do que é produzido dentro dos muros das universidades e esse é um compromisso que eu assumi para a minha dissertação No início desta carta professoras falei sobre o entusiasmo que me fervilhava para este trabalho e na minha docência então chego aqui a mais uma reconexão o entusiasmo Nunca havia matutado nessa palavra como uma unidade de sentido para pensar o Ensino de História até bell hooks me dizer em Ensinando a transgredir educação como prática de liberdade publicado em 2017 que só se aprende com entusiasmo abordando a sua importância dentro das salas de aulas O entusiasmo é construído na coletividade na escuta e no acolhimento de nós e dos saberes que adentram a sala de aula conosco Para aprender História precisamos nos entusiasmar por ela e pelo sentido que ela pode dar às nossas vidas assim acredito que preciso trabalhar o ensino de História pensando em quem está em minha sala de onde são quais lugares ocupam no mundo como enxergam seus contextos e para isso eu não posso partir de lugares 14 que não dialogam com nossa realidade Esse sentido começa na compreensão do que é a História para que e a quem ela serve qual a sua matéria prima quais as fontes que a alimenta e como podemos analisála a partir de muitos pontos de vistas para não correr o risco de ficar na história única como Chimamanda Ngozi nos alerta em O Perigo da História Única de 2018 Outra reconexão que fiz com este trabalho professoras foi sair dos títulos frios e técnicos e trazer músicas que fazem parte de mim e da forma que vejo o mundo associandoos ao conteúdo das cartas Quando busco algo para ler a primeira coisa que me empolga são os títulos e como ele aguça minha curiosidade para mascar as palavras que encontrarei pela frente Espero que esses títulos possam ter este efeito sobre vocês Precisamos conversar sobre a metodologia utilizada para compor essa dissertação e quero elucidar logo de imediato que a escrevivência está presente não apenas como a forma de desenvolvimento da pesquisa mas no modo como ela foi escrita Estas cartas são um exercício de escrevivência a escrita de uma mulher negra se apropriando de sua própria história e analisandoa a partir da experiência compartilhada com o meu povo da EJA A escrevivência é um termo elaborado pela doutora Conceição Evaristo na literatura Quero começar essa nova conversa trazendo a voz dela em seu artigo chamado A Escrevivência e seus subtextos publicado em 2020 Escrevivência em sua concepção inicial se realiza como um ato de escrita das mulheres negras como uma ação que pretende borrar desfazer uma imagem do passado em que o corpovoz de mulheres negras escravizadas tinha sua potência de emissão também sob o controle dos escravocratas homens mulheres e até crianças E se ontem nem a voz pertencia às mulheres escravizadas hoje a letra a escrita nos pertencem também A escrevivência como metodologia me permite pensar este trabalho a partir do olhar feminista negro o olhar de quem carrega a marca dura da subalternidade e do descrédito social mas que a todo momento grita sua presença e reafirma sua potência Esse é o meu olhar para ensinar História na EJA porque aprender História é acordar a casa grande do seu sono injusto e borrar essa narrativa eurocêntrica que tem sido perpetuada ao longo de mais de cinco séculos de colonização Lissandra Vieira Soares e Paula Sandrini Machado no artigo Escrevivências como ferramenta metodológica na produção de conhecimento em Psicologia Social publicado em 2019 fala que escreviver é contar histórias particulares mas de 15 experiências coletivizadas pois aquilo que foi protagonizado e escrito é carregado de características compartilhadas através de marcadores sociais ainda que de posições distintas Sempre que nos propomos a estudar categorias como gênero raça e classe buscamos aquilo que é considerado como desviante social Estudamos as mulheres mas não o homem a LGBTQIA mas não a heterossexualidade estudamos negros e indígenas mas não o branco estudamos a pobreza mas não a riqueza Essas categorias só existem dentro de um sistema relacional de poder Estudamos o que é considerado diferente e não o normal mas todas essas experiências estão juntas na história pois as nossas emergências existem dentro do sistema composto por esses antagônicos complementares Escreviver é falar das experiências dentro desse sistema e cada pessoa que escreve apresentará a sua história a partir das posições que ocupa A minha memória de estudo da História durante o meu Ensino Fundamental é carregada de termos como os negros vieram para o Brasil e os negros eram escravos e isso é muito diferente de se falar os povos africanos foram sequestrados pelos brancos e trazidos a força para Brasil na condição de escravizados e forçados a trabalhar Observe como a perspectiva sobre a nossa História muda radicalmente A primeira é a história contada pelo colonizador que através da violência impôs o seu poder e seu direito de escrever sobre nós A segunda somos nós falando de nós trazendo a experiência da escravização negra a partir das nossas memórias A escrevivência agencia este lugar do poder que temos de falar e contar sobre nós Em A escrevivência e seus subtextos publicado em 2020 Conceição Evaristo diz que a palavra é uma forma de apreensão do mundo mas ela sozinha não dá conta da vida A vida acontece na partilha das experiências A escrevivência cria rotas históricas Através dela corpos não brancos existem não como objetos de estudos mas como sujeitos autores protagonistas de e da História Isso por si só já é muito importante mas a escrevivência é também um processo de cura por meio da expurgação de dores carregadas solitariamente e na partilha vemos que não estamos só e encontramos no coletivo o conforto e a força para ressignificar e seguir O conhecimento é lugar de bem viver Além disso o trabalho com a escrevivência é uma forma de reparação histórica dos danos que os séculos de escravização nos causaram É com a conquista do nosso direito de aprender e contar História a partir de outras epistemologias não brancas 16 que elaboramos e apresentamos ao mundo outros entendimentos acerca da História e da humanidade Grada Kilomba em Memórias da Plantação publicado em 2010 fala que essa reparação é uma forma também de mudanças estruturais na sociedade é o ato de reparação pelo mal causado pelo racismo através de mudanças de estruturas agendas espaços posições dinâmicas relações subjetivas vocabulário ou seja através do abandono de privilégios Fernanda Felisberto em seu artigo A escrevivência como rota de escrita acadêmica publicado em 2020 fala que mesmo com todo o conservadorismo que os currículos carregam e isso é proposital pois faz parte do projeto da colonialidade dentro das Ciências Humanas é crescente a reinvenção dele nas práxis docente e isso tem feito emergir atores sociais e suas emergências Isso subverte a ordem social e lógica da produção de conhecimento propiciando um crescente pensamento decolonial dentro das universidades refletindo ainda na educação básica quando temos docentes formados para trabalhar mais que o conteúdo curricular presente nos livros didáticos criando outros territórios teóricos e práticos para a construção do conhecimento histórico Quando olhamos a História como ciência que pode ser produzida por diversos olhares epistemológicos podemos pensar seus elementos por exemplo que o tempo não é apenas linear porque existem outras formas de percepção dele a história não começa apenas com a escrita porque existem diversos povos que trazem a tradição oral para transmitir os seus saberes aos mais novos e assim manter viva as suas culturas As fontes não são apenas as oficiais tampouco suas mudanças estão condicionadas as produções acadêmicas como na Escola dos Annales pois os saberes históricos jamais deixaram de ser transmitidos entre as gerações independente se os intelectuais europeus das universidades reconheciam ou não determinado método como válido A escrita escrevivente deste trabalho permeia por algumas propostas sair da discussão teórica e abstrata e buscar nas experiências exemplos que possam mostrar as docentes que acessarem este trabalho futuramente caminhos possíveis de seguir e trabalhar em sala de aula A segunda é convidar as pessoas que dão aula na EJA a fazer um mergulho no artigo 37 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação que aborda a necessidade do trabalho com este grupo refletir as aprendizagens ao longo da vida e seus interesses condições de vida e trabalho A terceira é propor novas formas de iniciar a compreensão das bases do estudo da História na educação básica a partir 17 de outras perspectivas de outros lugares não teóricos que parta da realidade assim como Paulo Freire praticou em sua docência A quarta é um compromisso político assumido de criar uma ponte para o trânsito livre entre os saberes aprendidos e produzidos na academia com aqueles que igualmente aprendo e produzo na educação básica Isso é sabedoria ancestral Àyàfi máa dìde láti kọ ẹnití ti jókó láti kẹkọ Só se levanta para ensinar quem se sentou para aprender Professoras existe um ponto dentro da escrevivência que acredito ser importante elucidar Eu disse em alguns parágrafos acima que ela me permite partir uma perspectiva feminista negra Isso não significa que este trabalho seja específico para mulheres negras mas entendo que nessa seara epistêmica eu posso olhar para a minha prática e para as minhas turmas da EJA em toda a sua diversidade e complexidade Meu olhar de mulher negra analisa o mundo diverso e complexo em que vivo a partir de uma teoria elaborada por outras mulheres negras com experiências similares às minhas Professoras espero que até aqui eu tenha conseguido traduzir o meu fervilhar de forma coerente a vocês pois é dentro deste caldeirão em ebulição em que a minha ancestralidade está sempre mexendo ebós de pensamentos que precisei traçar as minhas rotas fazer os recortes delimitar o campo para esta pesquisa Percorri este caminho de rupturas e reconexões acreditando ter o dever de responder a minha problemática de pesquisa mas neste momento me dei conta que ela precisa ser uma provocação perpétua primeiro para mim e para as pessoas que eu puder afetar com este trabalho Então eu me pergunto como as escrevivências narradas pelas pessoas que estudam na EJA têm implicações para o ensino de História Eu desejo que a proposta motivadora desta pesquisa reverbere em minha docência e esteja sempre viva em nós quando iniciarmos o ensino de História em alguma turma de EJA e tentar chegar a uma resposta que estará sempre inacabada por isso não a chamarei aqui de objetivo mas de horizonte Que estejamos sempre investigando como esse trabalho impacta a aprendizagem da História quais significados o trabalho com a escrevivência dentro do ensino de História pode construir nas pessoas que frequentam a EJA e se nesse processo elas conseguem perceber como suas existências e agências são relevantes para erigir modelos de sociedades em que todas as pessoas e formas de viver sejam igualmente importantes 18 Professoras este trabalho é escrito em cartas destinadas a muitas pessoas afinal eu não ando só A primeira carta é destinada a vocês que aceitaram me acompanhar rumo ao meu horizonte Primeiro agradeço a generosidade de partilhar comigo seus conhecimentos e experiências para ajudar em minha construção Em segundo essa carta tem também a finalidade de compartilhar com vocês o que estava pensando durante este mestrado quais caminhos percorri quais esteios me sustentaram nesta escrevivência e como organizei minha oferenda de conhecimentos para este mestrado e para a sociedade A segunda carta é destinada a Paulo Freire Nela eu relato a minha experiência com o mestrado como ser humano como professora de História desde a minha primeira escola até chegar a EJA do SESI Nessa conversa eu passeio pelas teorias da povoada que me acompanham e me formam Problematizo a colonialidade do pensamento como isso implicou a minha formação e a minha prática docente Minhas necessidades de rupturas e meu encantamento com as redescobertas Nesta carta eu converso com ele sobre o ensino de História como eu vejo o currículo da disciplina e as mudanças recentes na BNCC como a EJA não está presente nela e partilho um pouco do que tenho desenvolvido na EJA do SESI no polo Salvador A terceira carta professoras eu enderecei com muito carinho ao meu povo do Polo Salvador Esse povo me inspira porque modéstia à parte nós brocamos já que é assim que falamos em Salvador quando queremos dizer que alguma coisa é excelente e aqui praticamos o verbo esperançar diariamente e sem alimentálo sucumbiríamos Nesta carta eu fiz um breve memorial sobre a EJA do SESI Bahia pois acredito que para saber quais caminhos seguir precisamos saber de onde viemos Assim busquei as memórias das pessoas que trabalham na EJA a mais tempo e que em alguns momentos chamei de minhas mais velhas quando me referi ao grupo em outros momentos as nomeei por codinomes bebidos na História e dos meus contemporâneos que chamei de minhas mais novas para registrar que EJA fazemos no SESI o que é a Metodologia do Reconhecimento de Saberes MRS as implicações diretas que elas têm em minha prática docente com o ensino de HistóriaCiência Humanas São as narrativas de vida registradas no Reconhecimento de Saberes que me fizeram pensar e propor esta pesquisa e é a partir da experiência com a metodologia que pensei a minha quarta carta Nesta quarta carta eu faço um diálogo com Severina entidade representativa de todas as pessoas que estudam na EJA Eu conto a ela qual a minha proposta para 19 trabalhar em sala e os conceitos introdutórios do estudo da História Apresento o meu produto educacional Trilha autoformativa Escrevivências com a EJA composta pelo jogo a ser aplicado em sala de aula e o processo de autoformação docente para o seu desenvolvimento A quinta carta é destinada à Universidade Nela eu teço algumas reflexões sobre a importância dessa instituição para a sociedade como um dos lugares que se produz conhecimento Essas reflexões transitam por questões como o acesso físico e intelectual à Universidade e como as mudanças de público que tem feito parte dela têm sido fundamentais para a sociedade A importância da sociedade conhecer o que fazemos aqui dentro como o conhecimento produzido é relevante e as implicações disso não acontecer Falo sobre a pertinência deste programa de mestrado profissional para o diálogo da Universidade com a Educação Básica e como isso contribui para quebrar a dicotomia entre elas E a última reflexão é sobre o adoecimento crescente dentro das Universidades e a necessidade de criarmos um ambiente saudável prazeroso com amor e entusiasmo para a construção do conhecimento Eu desejo que a leitura destas cartas seja boa que promova um passeio em suas memórias emocione entusiasme e traga provocações necessárias para gerar mudanças substanciais no campo do Ensino de História na Educação de Jovens e Adultos Com amor e entusiasmo 20 SE A CRENÇA QUER SE MATERIALIZAR TANTO QUANTO A EXPERIÊNCIA QUER SE ABSTRAIR Salvador 02 de julho de 2020 A Paulo Freire Estou escrevendo para partilhar com você algumas experiências que tenho vivido Estou trabalhando com Educação de Jovens e Adultos desenvolvendo algumas práticas com o ensino de História para este grupo de pessoas e pensando sobre elas Em 2019 eu fui aprovada no Mestrado Profissional em Ensino de História na Universidade do Estado da Bahia UNEB e agora estou com a oportunidade de pesquisar a minha própria prática docente assim como você fez Este exercício praxiológico para mim é fundamental quando me vejo professora de História e mestranda que quer mergulhar no seu quefazer No primeiro ano do mestrado revisitei e fui apresentada a muitas ideias novas da historiografia e do ensino de História Peguei cada fragmento que li e ouvi durante as aulas juntei com os pedaços das minhas experiências de vida e como professora e me lancei na elaboração do meu projeto de pesquisa para traçar os caminhos que percorreria Juntei minhas mal traçadas linhas como já diria Renato Russo e com o apoio da minha orientadora desenhei o itinerário Nesta carta Paulo Freire quero falar especificamente sobre uma etapa deste caminho quero te contar como tenho delineado minhas ideias sobre a construção do conhecimento na Educação de Jovens e Adultos buscando fazer uma educação e em especial um ensino de História crítico e engajado com todas as pessoas envolvidas neste processo Sabe Paulo Freire como você mesmo diz não há teoria sem prática como não pode haver uma boa prática sem momentos para refletir sobre ela A educação é uma açãoreflexão contínua um ciclo bonito e necessário para que a gente descubra novos caminhos Você me trouxe estes conceitos em Pedagogia da Autonomia publicado em 1996 na página 14 quando fala que não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino então entendo que por ser professora eu me constituo pesquisadora afinal o meu fazer docente implica em constante estudos e construções de novos conhecimentos que perpassam pelas mudanças históricas culturais sociais econômicas que vivemos diariamente 21 Este é o meu ciclo gnosiológico eu aprendo o conhecimento existente na minha formação e continuo investigando sempre no trânsito entre a minha curiosidade ingênua e a minha curiosidade epistemológica descobrindo e produzindo novos saberes olhando para a professora como pesquisadora ao mesmo tempo em que sou a professora como um caleidoscópio de mim construindo coletivamente novos ciclos gnosiológicos meus e das pessoas que estão nas minhas turmas Com isto quero dizer que a cada momento que passo planejando minhas práticas pedagógicas e no instante em que estou com as turmas eu abro meus próprios ciclos de aprendizagem Eu chego na sala com uma ideia do que poderá ocorrer lá parto do saber que tenho antes do encontro mas à medida que ele acontece na interação coletiva nas coisas ditas e não ditas mas sentidas eu aprendo outras formas de desenvolver a minha prática docente eu abro novas possibilidades pois olho para o meu fazer como pesquisadora como alguém que está conscientemente se percebendo e tendo um olhar crítico sobre aquilo que está fazendo A práxis é realmente uma coisa fabulosa Paulo Freire Eu entrei nesse mestrado partindo da consciência da minha incompletude como você trouxe em Pedagogia da Autonomia em 1996 da sede pelo novo sem esquecer aquilo que vivi pois foi o caminho que percorri que me fez quem sou e entendendo a importância de me referenciar no mundo eu preciso te contar como cheguei aqui e como aconteceu cada escolha que fiz nesta pesquisa Primeiro preciso contar que a docência chegou para mim ainda na infância em forma de brincadeira quando ensinava ao meu irmão mais novo o dever da escola Nossa casa tinha uma porta verde e no meio dela havia um espaço retangular pequeno mas muito parecido com um quadro negro então eu pegava o giz que a minha professora deixava na sala e em casa em abria a minha escola de um só aluno para ensinar a lição dada pela professora dele Algum tempo depois mainha nos comprou um quadro de verdade eu acho que ela não aguentou tanto pó de giz espalhado naquele vão que morávamos Pendurava o novo quadro do lado de fora da casa e ali passava a tarde brincando de professora enquanto ensinava ao meu irmão fazia a chamada e tirava ponto dele quando brincava antes de terminar a atividade reproduzindo a mesma educação que tínhamos Ainda tenho o quadro negro que mainha nos deu é uma memória material linda A brincadeira se tornou escolha profissional ao ingressar no curso de História na Universidade Católica do Salvador UCSal Muito sonhadora acreditava que a 22 solução para todos os problemas do Brasil seria a educação que a professora era uma espécie de heroína capaz de promover grandes transformações Não nego guardar ainda uma pontinha dessa utopia dentro de mim para não perder o meu fogo interior mas também rio pela ingenuidade da época Minha passagem pelo Ensino Superior foi muito rica e cheia de conflitos me gerou muito mais perguntas que respostas admiração por alguns professores frustrações com outros desilusão quanto às políticas de departamento se sobrepuseram a qualidade o desenvolvimento e a continuidade do curso de História com Concentração em Patrimônio Cultural na Universidade Católica do Salvador UCSal Os primeiros choques de realidade que tive sobre o lugar dado à educação na sociedade brasileira foi durante a graduação em um curso de licenciatura No segundo ano de curso na Universidade pelos idos de dois mil e sete comecei a trabalhar como prestadora de serviço na Prefeitura de Candeias e entrei numa sala de aula pela primeira vez como professora na Escola Municipal Argentina Castelo Branco localizada no distrito da Colônia no município de Candeias Uma região rural e muito pobre da cidade onde a principal fonte de renda das pessoas é a agricultura e a pecuária familiar ou o trabalho nas fazendas da região Foi uma das sensações mais assustadoras e empolgantes da minha vida Esse foi um dos primeiros momentos de enfrentamento que tive com as questões sociais como professora Lembrome de entrar na sala da 8ª série dar bom dia e olhar as pessoas que estavam lá uma turma negra pobre periférica com diferenças etárias significativas com mãe e filho na mesma turma um aluno com grandes limitações motoras pela paralisia cerebral todos eram trabalhadores rurais mesmo aqueles mais franzinos possuíam uma habilidade de manusear a enxada que não deixava a desejar a ninguém com um corpo maior este é um panorama do público daquela escola e que não era apenas uma questão local Paulo Freire você trouxe em suas obras como em Pedagogia do Oprimido as desigualdades sociais que vivenciou enquanto foi professor e mesmo depois de tanto tempo elas ainda permanecem O acesso à educação ainda não é uma completa realidade e a permanência nas escolas também é muito difícil para uma grande parcela da população pobre e negra do Brasil Estamos vivendo um dos momentos mais difíceis do Brasil depois da redemocratização em 1985 O país na eleição presidencial de 2018 elegeu um candidato que nega e desqualifica a importância da sua obra para a educação renega 23 a ciência e a racionalidade Escolheu ministros que tentam a todo custo fazer um revisionismo da História negando e tentando construir outras narrativas baseadas em mentiras e interpretações torpes das fontes Estamos vivendo tempos difíceis muito parecidos com aqueles em que você viveu durante a ditadura militar que o levou ao exílio O que me preocupa e por vezes me desespera são os retrocessos sociais o acirramento da pobreza a supremacia branca que tem exterminado e roubado os povos não brancos a LGBTQfobia o feminicídio e como terão impactos profundos em nossa sociedade exigindo um longo período para a sua recuperação Costumo refletir sobre a importância da educação especialmente do ensino de História neste momento para a construção de uma memória coletiva desejando que no futuro esses processos não se repitam Dentro das questões das desigualdades Paulo Freire quero conversar sobre a supremacia branca fundamental para entender as desigualdades que vivi com as pessoas na Colônia e o que tenho visto hoje com as minhas turmas da Educação de Jovens e Adultos Você conheceu bell hooks durante o seu exílio em uma passagem que fez pelos Estados Unidos e é ela quem me atenta para o termo supremacia branca e em que ele se difere do racismo Em Ensinando a Transgredir educação como prática de liberdade publicado em 2013 e em outras obras e entrevistas como a disponível no canal Legendando Feministas no YouTube bell hooks cunha este conceito para nos dizer que as questões raciais não são violências aleatórias Não é só o xingamento ser expulso ou proibido de entrar em um local uma abordagem policial opressora e outras formas de agressão mas elas pertencem a um sistema maior uma estrutura que dita os parâmetros sociais O termo supremacia branca se refere a forma como vemos e nos relacionamos política econômica cultural e socialmente Está cruzada com questões de gênero de raça e classe e nenhum desses recortes sozinhos dá conta de compreender a complexidade do ser humano e do seu contexto pois somos atravessados por todos eles juntos e ao mesmo tempo A colonização que a Europa fez no mundo a partir do século XV impôs de forma violenta a todos os povos a sua estrutura política social econômica cultural ou seja o parâmetro que todos os outros grupos sociais deveriam seguir era o da branquitude europeia cristã patriarcal hierárquica institucional e acumuladora de riquezas Todas as formas de organização social em África na América no Oriente 24 eram consideradas primitivas e inferiores portanto deveriam ser subjugadas e apresentadas ao modelo de civilização europeu não para se incluir nele mas para servilo e mantêlo Quando penso no processo de colonização e escravização aqui no Brasil e seus desdobramentos até os dias atuais eu percebo este sistema de supremacia branca Olhando o contexto educacional com as escolas públicas sucateadas com dificuldade de acesso pelas estudantes sem recursos didáticos para o desenvolvimento das aulas infraestrutura precária observo como esse espaço é ocupado majoritariamente pela população não branca portanto são pessoas que continuam sofrendo as mazelas da colonização subalternizadas para servir e manter o sistema branco Mesmo vendo essas estruturas dentro da escola Argentina Castelo Branco durante aqueles anos eu percebi que havia algo maior ali As condições difíceis de sobrevivência e de acesso aos direitos mais básicos como a alimentação não era definia aquelas pessoas mas a vontade de aprender o entendimento da importância da escola e de sua função naquele lugar e não importava a chuva que estivesse caindo nem se o ônibus estava atolado na estrada de barro elas sempre chegavam Com sacolas plásticas nos pés e os calçados em outra pendurada nos ombros junto com os cadernos o que importa é que elas sempre chegavam E eu fiquei impressionada com aquilo porque lembro de levantar da cama às 530h muitas vezes com tanta preguiça e pensar que naquelas condições não haveria muitos estudantes mas a escola estava lotada Essa é uma lembrança que sempre me faz rir e ao mesmo tempo me deixa muito triste pois aquelas crianças não deveriam passar por situações tão difíceis para acessar o direito básico e essencial que é a educação como está afirmado na Constituição Federal de 1988 no Capítulo II que fala sobre os direitos sociais Não quero com isso romantizar essa situação mas encontrar novas formas de enxergar aquelas pessoas para além das dificuldades que enfrentavam Quero que você as veja pelo olhar do sim da potência das suas conquistas e não pelo que lhes faltava Aprendi isso fazendo leituras de suas obras e acredito ser de grande importância para um processo educativo emancipatório Quando eu pensava nas aulas de História que daria aquelas pessoas eu me questionava qual a relevância daqueles conteúdos em suas vidas que diferença faria saberem sobre os imperadores romanos ou o feudo medieval Hoje eu me pergunto 25 se esses conteúdos fizeram sentido para aquelas pessoas e o quanto a forma como ensinei contribui ou não para isso Com o passar dos anos e a experiência adquirida entendi que eu precisava ter maior clareza sobre o papel do ensino de História para a sociedade e a disputa em torno do seu currículo Sabe Paulo Freire o mestrado me ajudou a fazer a passagem para uma curiosidade epistemológica sobre isso lendo as autoras Circe Bittencourt e Kátia Abud que na década de 90 fizeram uma retrospectiva sobre o debate do objetivo da História enquanto disciplina escolar e seus usos sociais Nas obras publicadas em 1993 Os confrontos de uma disciplina escolar da história sagrada à história profana de Circe Bittencourt e em O ensino de história como fator de coesão nacional os programas de 1931 de Kátia Abud elas abordam como a História foi usada como instrumento de construção da identidade nacional aqui no Brasil Uma identidade branca e com ideais europeus negando e desumanizando a negritude que chegou aqui ao Brasil em um contexto de sequestros e múltiplas violências e os povos originários que foram massivamente assassinados durante a invasão portuguesa e continua até os dias atuais Este foi meu primeiro ponto de incômodo Paulo Freire Aquelas vidas da Colônia não tinham relação alguma com o ideal branco de civilização a não ser pela subalternização do povo preto herança da escravização Então eu não encontrava sentido em ensinar o heroísmo português para quem só colhia as mazelas E a julgar pela dispersão da turma quase sempre quando trazia estes temas ela também não tinha qualquer interesse em saber sobre os feitos das pessoas mortas presentes nos livros didáticos Basta mudarmos o nosso olhar eurocêntrico e pensarmos a História a partir de uma decolonialidade para vermos que ali não há heroísmo mas roubo sequestro estupros violência física emocional e simbólica que a historiografia tradicional positivista contou como processo civilizatório pacífico o que faria do Brasil uma grande democracia racial Uma visão historiográfica ultrapassada mas ainda enraizada na cultura e no imaginário coletivo da nação mascarando a supremacia branca que estrutura o país e se estende às suas instituições como a escola Olha Paulo Freire não quero com isso dizer que a escola não seja uma instituição importante para a nossa sociedade mas acredito ser fundamental problematizála historicamente pois nem sempre ela foi aberta a todas as pessoas No século XIX quando ela começou a se expandir e a legislação de educação 26 começou a estabelecer a educação pública ainda assim a população negra principalmente a escravizada foi privada do seu acesso No artigo de Surya Pombo de Barros chamado Escravos libertos filhos de africanos livres não livres pretos ingênuos negros nas legislações educacionais do século XIX publicado em 2016 a autora realiza um mapeamento sobre a legislação educacional no Brasil e mostra o quanto ela se empenhou em deixar explícita essa proibição Ela questiona ainda o motivo para as províncias terem sentido a necessidade de expressar tão categoricamente tal impedimento Não estaríamos desde o início buscando estratégias de reexistência Nesse mesmo século tivemos uma série de leis como a Lei do Ventre Livre de 1871 que estabelecia a possibilidade de as crianças livres poderem frequentar a escola no pós abolição ainda assim não podemos dizer que houve condições iguais de acesso à escola E ela por sua vez não considerou em seu currículo ou práticas socioculturais as diversidades da sociedade brasileira e mesmo hoje apesar dos avanços significativos no que tange os parâmetros e diretrizes ainda não temos contemplados efetivamente no nosso currículo a pluralidade que habita o espaço escolar Outro ponto que sempre me incomodava era a responsabilidade delegada a mim por ser a professora de História de cantar o hino nacional toda segundafeira As turmas todas enfileiradas espremidas no corredor pequeno da escola para cantar uma música que eles nem entendiam a letra saudando uma pátria que os fazia caminhar quilômetros debaixo de sol e chuva para chegar à escola para alguns o único momento do dia em que faziam uma refeição que os obrigava a trabalhar na roça antes ou depois de ir à escola para ajudar no sustento da família muitas formada somente pela mãe filhos e filhas Nas obras citadas acima de Bittencourt e Abud Paulo Freire as autoras falam sobre o papel da História como disciplina escolar na formação do cidadão patriota Ela deveria através da educação desenvolver o sentimento nacionalista nas pessoas educálas para servir ao seu país se orgulhar da formação nacional do Brasil e buscar referências europeias para espelhar o modelo de civilização brasileira Paulo Freire eu tinha um ódio mortal por isso Tanto que em meu segundo ano trabalhando lá e nas escolas seguintes eu evitava ao máximo inserir alguma carga horária na segundafeira ou nos primeiros horários justamente para evitar a 27 homenagem a uma nação tão profundamente marcada pelas desigualdades o que gerava desconfortos com a gestão da escola Em 2011 Luis Fernando Cerri lançou Ensino de História e consciência histórica que apresenta uma passagem sobre essa cobrança imposta a nós professoras de História por parte da sociedade para ensinar os símbolos da nação exaltar pessoas consideradas importantes como Tiradentes Dom Pedro I e Dom Pedro II e tantas outras e as datas consideradas marcos importantes para a identidade nacional O que eu sempre quis levar para a minha sala é a vida real a história do povo de gente como a gente Paulo Freire Não queria saber de Princesa Isabel mas daquele povo preto descendentes de reis e rainhas dos reinos africanos e que quando escravizados resistiram às violências que sofreram criando inúmeros quilombos pelo Brasil afora Isso dizia muito mais sobre as pessoas daquela escola que também estavam resistindo e sobrevivendo Eu queria dizer a elas que superariam aquilo porque historicamente temos feito isso Hoje eu tenho conseguido dar forma pensar epistemologicamente o que antes era somente intuição Sabe Paulo Freire eu tive uma tremenda crise naquela época e eu não te conhecia muito bem ainda Havia lido textos na Universidade de pessoas utilizando as suas citações e o pouco que conhecia das suas ideias eu considerava fantástico mas não sabia como pôr aquilo em prática ao menos eu supunha que não Naquele período eu acreditava que teoria e prática eram diferentes porque eu não conseguia fazer uma conexão consciente entre o que lia e discutia nas aulas e aquilo que vivia no chão da sala Eu estava no paradoxo de ter uma educação bancária na universidade e discutir textos sobre a necessidade de ter práticas progressistas nas minhas aulas de história ser dinâmica inovadora e desenvolver o senso crítico mas eu não sabia como por aquelas teorias em ação na escola afinal eu também nunca as havia experimentado em minha vida estudantil Eu lutava diariamente para tentar ter a atenção das pessoas entre os cochilos fruto do cansaço a dispersão de corpos adolescentes que em plena efervescência hormonal precisavam ficar um turno inteiro sentados em cadeiras desconfortáveis numa sala abafada Alguns que pela fome contavam os segundos para a hora da merenda e constantemente me perguntavam o que seria servido naquele dia Essa era a minha realidade Eu queria fugir daquele livro didático terrível daquele quadro negro esburacado pintado na parede e da poeira do giz que me fazia espirrar daquela sala fechada e abafada contrastando com um pasto verde ensolarado fresco e com 28 uma mangueira enorme no fundo da escola cheio de vida e a possibilidade de nos entusiasmar mas era a educação bancária que eu conhecia como prática educativa escolar Agora tenho me dado conta que não fui tão bancária quanto pensei Paulo Freire Em meus rompantes juvenis e sonhadores que me fizeram travar tantas brigas naquela escola uma delas para sentar debaixo da mangueira Eu fazia rodas de conversa debaixo dela nos dias de baixa receptividade da turma ao tema da aula por algum motivo desconhecido ou porque o concreto da sala era demasiado opressor para a nossa criatividade Não é irônico que só conheci seus círculos de cultura e o quanto sentarse debaixo da mangueira tinha um significado tão grande para você anos depois Quando li Ensinando a transgredir educação como prática de liberdade publicado por bell hooks em 2013 eu compreendi ter feito algo que não sabia o nome e tenho chamado aqui de intuição mas conforme dito por hooks nem sempre a apropriação de algum conceito pode garantir que vamos praticálo e por vezes podemos fazer algo sem posse consciente do conceito Eu fiz algo que não sabia o nome mas entendia ser correto porque fazia sentido naquele contexto em que eu estava inserida e eu percebia isso quando havia engajamento e trocas durante aqueles batepapos sob a mangueira Eu apenas segui a minha intuição mas estando em uma instituição formal a gestão me cobrava explicações queria coerência justificativas pedagógicas referenciadas mas Freire eu não sabia como explicar não sabia a quem atribuir o que eu praticava Aquilo fazia sentido somente para mim estava na minha cabeça e a coordenadora ficava louca comigo e eu tinha que provar que aquela roda debaixo da mangueira não era vontade de enrolar para não dar aula como fui acusada mas que ali era a aula Se eu tivesse lido a sua obra Educação como prática de liberdade naquele período eu poderia dizer que eu estava pondo em prática o método Paulo Freire de ensinar Você fez uso dos círculos de cultura na alfabetização de camponeses com a educação popular você proporcionou uma educação na qual cada pessoa fosse única e importante para a construção do conhecimento coletivo e individual Compreender cada estudante como um universo único complexo considerando todos os saberes igualmente importantes e partir deste lugar da curiosidade ingênua e coletivamente construir outros e novos conhecimentos desenvolvendo o senso crítico a curiosidade epistemológica Se eu tivesse contato com a Pedagogia da Autonomia e Pedagogia 29 da Esperança lá em 2007 e 2008 em vez de travar brigas na Escola Argentina Castelo Branco eu teria dito à coordenadora que estava trabalhando a partir de seus escritos e experiências E se eu fosse indagada sobre o fato de você ser pedagogo e ter trabalhado com alfabetização e não com História no Ensino Fundamental II eu teria dito que estávamos debaixo daquela mangueira fazendo um círculo de cultura nos alfabetizando sobre a História do mundo e as nossas Histórias olhando para nós e refletindo sobre quem éramos dentro de contextos maiores que aqueles Para enlouquecer ainda mais a gestão daquela escola eu fazia planejamentos diferentes para os turnos opostos mesmo sendo da mesma série O planejamento das aulas passa por entender quem são as pessoas que farão parte dela pois cada pessoa forma a turma e a mudança de uma delas modifica toda a dinâmica Helenice Rocha no artigo Aula de História evento ideia e escrita publicado em 2015 traz uma reflexão sobre a singularidade de cada pessoa e isto faz com que cada dia a turma seja única e diferente mesmo havendo uma certa rotina na ocorrência das aulas ao longo do ano A autora diz que cabe à professora administrar essas múltiplas combinações e isso ocorre através do ato de planejar e como te contei Paulo Freire nem tudo saia exatamente como eu programava nas minhas aulas mas ainda assim mesmo que fora dos ritos elaborados elas de alguma forma aconteciam Eu sempre gostei muito de planejar aulas buscar materiais experimentar formas de trabalhar o ensino de História acreditava e tentava organizar as minhas aulas de uma forma que tivesse alguma conexão entre elas e pensava nisto por que durante a minha vida estudantil eu sentia falta dessa coesão no meu aprendizado e tinha muita dificuldade em dar sentido àquilo que via na escola por não conseguir fazer uma relação com a minha realidade Celso Vasconcelos em Construção do conhecimento em sala de aula publicado em 2002 fala da importância de pensar sobre a prática social do conhecimento e isso começa com o professor tendo a percepção de que não basta cumprir o conteúdo listado mas construir com a turma a compreensão do mundo através deles Eu observei que as pessoas que estudavam a tarde chegavam muito mais cansadas e sonolentas e com o tempo entendi que ficavam assim porque tinham acordado cedo para trabalhar na roça e as que estudavam pela manhã trabalhavam à tarde então chegavam com mais energia para empregar nos estudos Por isso comecei a organizar aulas diferentes incluir detalhes simples como levar a atividade impressa em vez de solicitar que copiassem do quadro por vezes fazia estas 30 impressões em casa pois nem sempre na escola havia recursos para isso Utilizava textos menores e mais objetivos nas atividades para a leitura não ficar mais cansativa e desinteressante e pedia para lerem em voz alta realizando rodízio entre as pessoas Além disso fazia uso de imagens no retroprojetor e músicas entre outras ferramentas Em determinados dias quando percebia que o nível de cansaço era tão grande apenas papeávamos sobre suas vidas o trabalho que faziam algum programa de TV música e filmes O que trouxessem como tema de interesse abríamos uma roda na sala e quando eu estava mais disposta a enfrentar as batalhas institucionais levavaos para debaixo da mangueira e falávamos da vida Eu intercalava os conteúdos presentes nos livros e o copiar do quadro para o caderno com outros elementos como as matérias de jornais e revistas e conversar sobre cenas de novelas que traziam alguma polêmica Falamos sobre o Big Brother ou um desenho animado tudo era tema relevante bastava que fosse de interesse pois na própria conversa de forma quase que natural a História ia chegando e se encaixando afinal história é tudo o que vivemos Paulo Freire essas vivências e conversas sobre a vida debaixo da mangueira eram muito boas mas eu estava em uma instituição e ela possuía as suas regras e uma delas era a avaliação e eu mais uma vez travava batalhas com a gestão Havia um consenso estabelecido antes da minha chegada na escola que uma parte muito pequena da pontuação ficava a critério da professora e a outra estava distribuída entre um teste e uma prova divididas entre questões discursivas e objetivas sobre o conteúdo programado para a unidade Quando eu pensava nestas avaliações eu precisava considerar que na sala havia F estudante com paralisia cerebral e sua capacidade motora limitada e adultos que estavam na mesma turma das crianças Eu não fazia a menor ideia de como elaborálas A começar pela minha resistência em fazer estas avaliações para os estudantes escreverem sobre o reinado de Henrique VIII na Inglaterra Eu me frustrava bastante porque geralmente eu pensava ser minha incapacidade fazer esses conteúdos ter significado para elas Iniciei uma batalha para não fazer avaliações nesse formato mas além da gestão havia todo o corpo docente da escola que entendia esse modelo como a forma correta de avaliação Naquela época eu estudava uma disciplina na Universidade e estávamos tratando sobre a didática do ensino de História e um dos livros propostos para a aula possuía um artigo que tratava sobre avaliação chamado Repensando a avaliação da 31 aprendizagem de Vani Moreira Kenski publicado em 2004 A autora começa o texto tecendo reflexões sobre o que é avaliar e como nós fazemos isso em diversos momentos em cada tomada de decisão de nossas vidas até chegar na avaliação escolar E nos leva a pensar e indagar sobre o significado da nota que um estudante alcança numa prova e principalmente o que a professora faz com esta nota considerando o processo individual e coletivo dentro da turma Até hoje tenho o ato de avaliar como a parte mais difícil da minha profissão pois qualquer parâmetro que eu estabeleça será sempre arbitrário porque deixarei de fora algo que qualquer pessoa da minha turma poderia me mostrar e ser significativo na construção de conhecimento de modo geral ou especificamente do saber histórico É complexo lidar com o sistema porém foi mais difícil lidar com colegas que não conseguiam sair dos paradigmas que estavam acostumados Paulo Freire acredito que esse pensamento seja fruto da educação bancária que tivemos Era complicado pensar uma forma diferente de avaliar se não experimentamos isso em nossa vida estudantil Eu queria fazer de outra forma entretanto também não sabia o que e como fazer era tudo experimental para mim e como eu estava mesmo muito perdida e sozinha acabei reproduzindo o modelo posto tentando adaptar as atividades para F fazendo avaliações objetivas devido a sua condição motora A dos adultos acabou sendo a mesma aplicada às crianças e as da turma da tarde eu fazia avaliações com mais questões objetivas e com textos menores tentando respeitar e considerar o cansaço que chegavam na escola No sistema de teste e prova sobre os conteúdos o parâmetro era ter lido e em certo ponto decorado os assuntos factuais pois me cobravam os conteúdos que estavam nos livros didáticos e onde eu possuía certa autonomia punha em prática a minha intuição e ouvia o que aquelas pessoas tinham a dizer sobre suas aprendizagens nas rodas debaixo da mangueira nas colocações realizadas em sala e nas entregas das atividades Eu acreditava que esse modelo poderia incentivar todas as pessoas daquelas turmas a se expressarem sem medo e contribuir na construção do saber histórico Hoje fazendo este exercício de memória para escrever esta carta a você Paulo Freire reunindo leituras sobre educação e ensino de história e o mundo em que vivo entendo porque eu precisava brigar tanto para fazer as minhas loucuras Nestas leituras eu conheci Ailton Krenak um líder indígena que lançou um livro chamado Ideias para adiar o fim do mundo publicado em 2019 Ele começa o livro levantando 32 uma questão que acredito fazer bastante sentido para refletir sobre aquela situação Eu falei mais acima sobre a colonização do Brasil e o ideal de civilização europeia imposta aos povos colonizados e é a partir disso que ele lança um questionamento O que é a humanidade e sob quais parâmetros nós a estabelecemos É o seguinte Paulo Freire em vários momentos da narrativa dessa carta eu falei que estava lidando com a questão institucional portanto formal das escolas Krenak afirma que criamos um ideal de humanidade pautada em instituições e leis que devem guiar toda a sociedade e o poder do povo para questionálas é limitado A justificativa para seguirmos esses parâmetros é a crença que desta forma teremos uma sociedade organizada e civilizada dentro do ideal europeu Se precisamos manter essa ideia viva na sociedade necessitamos de instituições capazes de fortalecêla e disseminála para todas pessoas e a escola possui tal função Olhe Paulo Freire há outra pessoa que também traz a perspectiva da escola enquanto instituição responsável por moldar as pessoas para fazerem parte da sociedade e estou falando de Michael Foucault Em História da Sexualidade a vontade de saber de 1998 ele fala como a sociedade sempre busca formatar nossos corpos sociais nos mostrar o que é certo para ela ou lidar com a rejeição se não seguirmos as suas regras e padrões A escola é responsável por fazer isso conosco situação perceptível quando reprovamos uma estudante porque supostamente ela não sabe aquilo que um currículo institucional disse que ela é obrigada a aprender mas jamais a pergunta o que ela sabe e como aquele conteúdo escolar fará diferença em sua vida Naquele período Paulo Freire eu ainda não sabia como explicar tudo isso para a gestão como dizer que estava rompendo um ideal de formalidade branca criada e naturalizada pela colonização e almejava ter uma prática que rememorasse a contação de histórias dos griot em África ou dos Povos Originários do Brasil Naquelas rodas eu conheci aquelas pessoas e por causa delas eu não reprovei ninguém pois além do conteúdo nós construímos outros saberes igualmente importantes e relevantes Ali eu acessei tantos aprendizados que os trago até hoje em minha vida Eu aprendi como cuidar de hortas como plantar as sementes das frutas que comia compartilhei as minhas experiências de fazer farinha e matar boi com minhas primas para o açougue em que minha tia trabalhava no sertão de Feira de Santana conversamos sobre agricultura familiar e conheci a história de uma aluna que tinha 33 barraca de temperos na feira de Candeias onde fui freguesa até a minha mudança para Salvador Soube da mãe de uma aluna que fazia hemodiálise e conversamos sobre as dificuldades de acesso à saúde e as desigualdades sociais que enfrentamos conversamos sobre o capítulo da novela e falamos da importância das artes para nos ajudar a pensar a sociedade e ali descobri artistas incríveis um que compunha letras de rap outro que desenhava muito bem Quando falei que meu pai tinha um bar no centro da cidade descobri que algumas mães vendiam coisas em casa e algumas compravam mercadoria na mão do meu pai e a cada conversa os laços se estreitaram Claro que nem tudo foi tão simples nestes círculos de cultura Eu competia com as pessoas passando na estrada com a paisagem a aula de educação física que acontecia em um campo no terreno da escola e os meninos queriam jogar bola com a grama fofa que alguns cochilavam porque estavam cansados do trabalho na roça com as pessoas que ainda não tinham se entusiasmado e mesmo achavam que eu estava enrolando e me perguntavam se eu não daria aula e se aquilo cairia na prova Foram dois breves e intensos anos na Argentina Castelo Branco Comi muita jaca aipim manga seriguela ganhava cachos de banana que nem sei como conseguia chegar em casa Foram dois breves e intensos anos que agora revisitando nas minhas memórias para contar a você nesta carta vejo quanto eu poderia ter feito se tivesse o conhecimento e a experiência que tenho hoje como poderia ter elaborado melhor meus argumentos para a gestão como poderia ter aproveitado mais aquelas rodas na mangueira me fundamentado para viver aquela experiência consciente abrindo ciclos gnosiológicos talvez pudesse ter feito uma prática docente melhor e mais significativa poderia ter elaborado outras ações que pudesse aproveitar mais o tempo na biblioteca da escola e recortar aquele livro didático terrível e reescrito tantos outros com histórias de pessoas que realmente interessavam as que estavam naquela escola Mas como você mesmo diz em Pedagogia da Autonomia a educação é uma eterna reflexãoaçãoreflexão Lembrar e refletir sobre os dois primeiros anos de docência da minha carreira tem feito brotar em mim uma saudade alegre pois mesmo tendo cedido em muitos momentos àquela visão tradicional de educação eu vejo que consegui romper em alguns momentos Além disso tenho compreendido que os meus pensamentos da época não eram loucuras mas ações que tinham fundamentações profundas e comprometidas com uma educação crítica e engajada 34 Depois desse período encontrei algumas pessoas que fizeram parte das minhas turmas Soube de alguns que morreram assassinados pelo envolvimento com o tráfico outros que abandonaram a escola as meninas porque engravidaram e os meninos porque ficou difícil trabalhar na roça e fazer o Ensino Médio nas escolas de Candeias como eles chamavam o centro da cidade como se não morassem no município Outras finalizaram a educação básica constituíram família trabalham na roça ou no comércio e alguns pouco chegaram ao Ensino Superior com muito esforço de suas famílias e fazendo malabarismos entre o trabalho e a universidade Você sempre trouxe para as suas discussões o recorte de classe como fundamental para entender o papel da educação e a importância dela ser emancipatória mas Paulo Freire a classe sozinha não dá conta de compreender o cenário educacional e social aqui do Brasil A classe precisa ser entrelaçada com gênero e raça visto que para compreender a vida de uma menina preta e pobre que abandona a escola para cuidar das suas crias é necessário refletir se essa mulher terá a presença responsável do pai da criança as dificuldades encontradas ao longo da sua vida por ser mulher em uma sociedade patriarcal como a sua negritude impacta em sua vida quais condições sociais ela terá para conseguir emprego sendo preta sem escolaridade e mãe qual a sua estrutura familiar e se ela poderá contar com o suporte dela as violências emocionais e afetivas causadas pelo racismo Enfim o panorama é maior que a classe social pois ascender economicamente não garante não sofrer racismo sexismo ou LGBTfobia por exemplo Eu percebi nas leituras que tenho feito de suas obras que depois do contato que você teve com o feminismo negro nos Estados Unidos durante o seu exílio houve uma transformação em sua escrita você ficou mais aberto para compreender como somos seres interseccionados entendeu como a linguagem nomeia e dá sentido a tudo o que fazemos inclusive o quanto ela é sexista pois estabeleceu o homem como universal e como sinônimo de humanidade invisibilizando outros gêneros e raças convergindo com o que Tanya Saunders trouxe em seu texto Epistemologia Negra Sapatão como vetor de uma práxis humana libertária publicado em 2017 Aquela conversa que você teve com bell hooks quando fez uma palestra na Universidade de Santa Cruz foi bastante esclarecedora para você Quando li em Pedagogia da Esperança sobre as cartas que recebeu das feministas negras sobre a sua linguagem sexista e como você começou a fazer um exercício em sua escrita trazendo o masculino e feminino eu fique ainda mais feliz em estar me dedicando a 35 compreender as suas ideias um intelectual aberto a autoatualização disposto a ver o mundo pelos olhos das outras pessoas e dos lugares que ocupam na sociedade e preocupado em viver aquilo que fala Refletindo sobre os enfrentamentos das pessoas que frequentaram a minha turma na Argentina Castelo Branco em como as adversidades as levaram a abrir mão da escola eu fico um tanto frustrada por saber que o acesso à escolarização para a juventude preta e pobre vai se restringindo A cada ano muitos estudantes vão ficando pelo caminho por causa das desigualdades sociais que dividem o Brasil e com muito esforço chegam à Educação de Jovens e Adultos EJA iniciando e parando diversas vezes porque possuem outras urgências em suas vidas Miguel Arroyo os chama de passageiros da noite em seu livro Passageiros da Noite do trabalho para a EJA itinerários pelo direito a uma vida justa que foi publicado em 2017 Eu acho que você teria adorado ler esse livro Paulo Freire Miguel Arroyo propõe que pensemos em quem são estas pessoas que chegam a EJA e principalmente seus itinerários Elas começam sendo passageiras do amanhecer ao saírem muito cedo para o trabalho geralmente ocupando postos de trabalho penosos e considerados inferiores como os trabalhadores do campo da Argentina Castelo Branco e após uma longa e cansativa jornada de trabalho se tornam passageiros da noite saindo dos trabalhos formando longas filas nos pontos de ônibus para chegar à escola e tentar finalizar o ciclo formal de formação incompleto em sua infância e adolescência Nesse livro Paulo Freire o autor traz uma passagem que muito me tocou e me permitiu ter mais consciência da importância daqueles círculos de cultura Ele questiona se nós professoras sabemos dos percursos de vida das pessoas que estão em nossas salas de aula de suas esperanças seus medos frustrações traumas se olhamos para estas pessoas e percebemos o recorte de raça gênero e classe que as atravessam e o quanto isso não é aleatório dentro da sociedade injusta que vivemos Se percebemos o quanto a EJA acaba sendo a última oportunidade dessas pessoas de finalizar o ciclo e acabar com a frustração do fracasso perante uma sociedade tão marcada pela formalidade das instituições que desconsidera outros saberes e conhecimentos forjados nas passagens do amanhecer ao anoitecer Eu não tinha tais questões conscientes em mim nem na Argentina Castelo Branco nem quando entrei na EJA pela primeira vez 36 Minha primeira experiência com a EJA foi no Colégio Estadual Ouro Negro CEON em Candeias como substituta de uma professora que por motivo de saúde foi afastada no mês de setembro Eu fui contratada como Prestadora de Serviço Temporário na segunda quinzena de outubro para ficar em seu lugar e como a vice diretora me disse fechar o ano letivo Na prática eu precisava passar uma série de atividades para compor notas e justificar a aprovação daqueles que ainda estavam frequentando a escola Então eu me deparei com duas situações novas para mim uma parcela considerável de estudantes estava deixando a escola na IV Unidade porque conseguiram empregos no comércio da cidade com os festejos natalinos e seriam reprovadas independentemente de como foi a sua trajetória durante o ano e a outra foi que eu precisava ensinar Filosofia e Sociologia para adultos que tinham trabalhado o dia inteiro nas mais diversas funções e a noite estavam lá na escola para concluir a Educação Básica Quando entrei nas turmas aquela noite para me apresentar e conhecer as pessoas eu simplesmente não fazia a menor ideia do que poderia ensinálas a maioria tinha idade para serem meus pais e mães sabiam de muito mais coisas que eu pelos anos de experiências vivenciadas e eu ali parada na frente delas dizendo que as ensinaria Filosofia e Sociologia Elas chegaram à escola depois de jornadas de trabalho desgastantes as mulheres geralmente com a dupla jornada do trabalho externo os afazeres domésticos e o cuidado com as crianças pessoas que aprenderam a arte de sobreviver diante de dificuldades que eu nem imaginava que aprenderam muito mais coisas do que qualquer livro didático poderia registrar a matemática da divisão do alimento o chá que socorreu na dificuldade de encontrar um médico o conhecimento dos direitos trabalhistas quando eles foram negados ao serem demitidos de trabalhos sem carteira assinada ou quando adoeceram e não puderam ter auxílios de saúde Os estudantes me viram ali na frente daquela sala em pé ao lado da mesa olhando para seus rostos dizendo que os ensinaria Sociologia e Filosofia Eu poderia repetir isso mais mil vezes para tentar mostrar a ironia da situação que somente hoje eu compreendo a partir das leituras das obras que você Paulo Freire e outras autoras e autores abordados nesta carta escreveram Naquela mesma noite na saída peguei o planejamento anual que a professora havia deixado e os livros didáticos para conhecer o material e organizar as aulas seguintes quando descobri que tudo era exatamente igual ao conteúdo trabalhado com as turmas diurnas de adolescentes Paulo Freire eu precisava de você Mas eu 37 estava sozinha nova e temporária naquela instituição pensando se mais uma vez eu teria que brigar para fazer uma aula diferente se teria tempo de ao menos fazer algo já que o corpo discente tinha expectativas em como as notas seriam fechadas O cansaço do final de ano já era evidente em todos e a gestão queria resolver a situação da forma mais rápida e fácil possível Ao chegar em casa depois de um banho e um café olhei os livros e analisei o planejamento pensando no que poderia fazer dentro do contexto que eu estava com o tempo escasso Pesquisei na internet como trabalhar essas disciplinas na EJA vídeos e outros recursos que poderia utilizar nas turmas e talvez encontrar algum caminho interessante de trabalho Isso seria possível se eu não me deparasse com a falta de recursos disponíveis à noite A escola possuía equipamentos como laboratório de informática datashow aparelho de som mas não estavam disponíveis para o uso à noite mesmo solicitando com antecedência Paulo Freire até papel ofício para as turmas da noite era difícil conseguir tudo era precário e limitado Existe grande limitação dos recursos nas escolas públicas mas naquela situação havia algo mais eu vi uma negação estrutural do direito à educação das pessoas da EJA Essa lembrança me fez pensar em Miguel Arroyo em Passageiros da noite publicado em 2017 Ele traz uma discussão como é historicamente tensa a construção do direito ao conhecimento porque isso passa pelo reconhecimento dos grupos sociais subalternizados como sujeitos humanos históricos políticos e sociais portanto sujeitos de direitos A colonização estabeleceu quem deveria ser os sujeitos de direitos quando estabeleceu o ideal de civilização europeu mas a sociedade brasileira está além do parâmetro branco e a EJA é fortemente atravessada pelas questões de gênero raça e classe pois aquelas turmas eram compostas pela população preta pobre trabalhadora mulheres héteros homossexuais pessoas de diferentes faixas etárias Era uma parcela da sociedade brasileira que fora colocada historicamente no lugar da negação e eu via que para as turmas da noite o funcionamento da escola estava restrito às salas e a cantina que servia a merenda na chegada mas espaços como a biblioteca e o laboratório de informática que poderiam ampliar o acesso ao conhecimento permaneciam fechados Para mim aqueles cadeados nas portas gritavam silenciosos e ensurdecedores não para todas aquelas pessoas Paulo Freire eu não sabia como ensinar aos adultos e eu achava que precisava ensinar De um lado eu não conseguia ter acesso às ferramentas disponíveis na escola para dar aula então eu desisti Eu não sabia como lutar naquele 38 espaço porque nem tinha com quem já que os responsáveis pela escola a noite eram as auxiliares da secretaria pessoas que assim como eu cumpriam ordens a equipe de gestão que aparecia esporadicamente Do outro lado eu tinha um corpo estudantil que ansiava por uma resolução rápida e mais fácil possível Eu estava perdida e paralisada porque não havia ali curiosidade pelo conhecimento mas uma necessidade de completar o ano e agilizar o término da educação básica para sair em busca de empregos e do sustento da família Sabe Paulo Freire eu entendo o que eu não vi ali Não havia entusiasmo Eu estava acostumada com as pessoas da Colônia que chegavam à escola mesmo debaixo de um temporal que mantinham em alguma dimensão uma chama acesa pela vontade de aprender mesmo quando a burocracia tentava encaixotar e formatar a complexa e subjetiva ação humana de aprender Já no Colégio Ouro Negro ela tinha sufocado a todos e a mim pois apenas cumpri o que os estudantes e gestão queriam Realizei as atividades dei as aulas fiz as provas e aprovei aqueles que cumpriram todos os ritos assim como eu Não houve paixão pelo conhecimento não houve descobertas curiosidade Será que você e bell hooks conversaram sobre a práxis do entusiasmo quando se encontraram Quando comecei a ler Ensinando a Transgredir educação como prática de liberdade de bell hooks cada linha foi me tocando profundamente pois cada palavra lida refletia em mim como professora e alguém que tem a obrigação de fazer parte da mudança que acredito ser necessária para a sociedade brasileira experimentar Ler a narrativa dela contando a sua infância em um país dividido pela segregação racial como foi estudar em uma escola preta onde as vivências individuais tinham valor onde se invocava a experiência como meio de construção do conhecimento de compreensão da realidade e da criação de referenciais do mundo e como isso foi perdido depois do fim do apartheid e as crianças negras forçadas a ingressar em escolas brancas que não as viam como sujeito como alguém de direito mais ainda como humanas O peso disso é enorme Ainda que não tenhamos vivido juridicamente uma explícita divisão social na nossa sociedade como nos Estados Unidos o quanto de práticas que se originam na mesma ideia colonial e racista não está entrelaçada na educação e no ensino de História Então agora pensando sobre minha passagem pelo CEON e escrevendo sentimentos que estavam guardados alguns nem eram conscientes eu preciso refletir 39 como poderia haver o entusiasmo naquelas turmas se nada se conectava nada ali dizia para aquelas pessoas que aquilo que viviam e que eram importava Sabe Paulo Freire hooks disse que o entusiasmo é uma prática coletiva ele acontece quando as coisas que estamos construindo na sala de aula faz sentido para todas as pessoas envolvidas porque cada uma será parte indispensável para as novas descobertas Tudo o que sabemos e que carregamos conosco é único bonito importante e vital para que a sala de aula nunca seja um lugar de tédio mas da prática do entusiasmo da espontaneidade da criatividade e da liberdade Não aprendemos imersos em caixas formatadas com alguém nos dizendo que temos que aprender algo porque é importante sem nos dizer por que é importante O entusiasmo é construído e vivido quando olhamos para as pessoas da nossa turma individualmente Eu não enxergo uma turma antes enxergo João Maria José Joana e quando o sentimento de pertencimento é de todos nos ouvimos com atenção e respeito deixamos nos afetar pelo que a outra pessoa coloca de si naquele momento nos fazemos gente sujeitos de história e memória sujeitos coletivos Quando eu comecei a tomar conhecimento mais aprofundado de suas obras Paulo Freire eu já estava trabalhando com a EJA no SESI em Salvador descobri que você também fez uma passagem pelo SESI em Recife e o quanto ela foi importante para o desenvolvimento de obras como Pedagogia do Oprimido e anos depois você a retomou em Pedagogia da Esperança Preciso te dizer como você tem me afetado nesta fase da minha vida Eu cheguei ao SESI Serviço Social da Indústria em 2015 para trabalhar com EJA na modalidade à distância Eu já tinha experiência como tutora por uma passagem que fiz na UNEB na graduação do curso de História Eu tinha alguma noção mas não sabia como seria trabalhar com Educação a Distância com jovens e adultos na Educação Básica Antes de ser contratada no SESI eu trabalhei por cinco anos em uma escola privada e estava numa crise de sentido com a minha profissão por algumas vivências que tive nela Nem tudo foi ruim eu tive ótimos momentos mas eu estava num processo doloroso de aceitação que eu não mudaria o mundo e que a educação sozinha tão pouco faria isso Voltar a EJA me deu um certo medo eu ficava lembrando da frustração da primeira experiência e de como seria agora em uma instituição de grande porte Meu primeiro estranhamento ao chegar no SESI foi a organização dos espaços eu estava esperando uma escola nos moldes tradicionais como a que conhecemos 40 ao invés disso meu primeiro dia eu fui encaminhada para a sede da FIEB em Salvador para fazer uma ambientação sobre a instituição então me deparei com um espaço corporativo dividido em cabines individuais cada pessoa concentrada em sua tela de computador Eu me lembro de pensar mas onde que eu vou dar aula aqui Durante a apresentação eu soube que deveria voltar ao mesmo local onde havia feito a última etapa da seleção e lá eu seria apresentada às pessoas e aos processos da EJA EaD Educação de Jovens e Adultos à Distância Eu não estava habituada àquele tipo de estrutura eu vinha de escolas com ambientes de escola com sala dos professores direção coordenação secretaria agora eu estava em um sistema diferente com diversos setores e níveis hierárquicos que até outro dia eu ainda me perdia No dia seguinte cheguei ao polo da EJA com 20 minutos de antecedência para dar uma boa impressão a minha nova equipe de trabalho e a coordenadora Fui apresentada à plataforma ao ambiente às pessoas e principalmente ao processo e a necessidade de pensar fora da minha caixa para atender aos estudantes de acordo com o seu tempo e necessidade Os dias que se seguiram foram para aprofundar o entendimento sobre aquela EJA A EJA do SESI entre 2013 e 2016 era oferecida por área de conhecimento para o Ensino Fundamental II e Médio através de uma plataforma de estudos e a estudante deveria ir ao polo para fazer as avaliações presenciais No ingresso todas as pessoas faziam uma avaliação diagnóstica em formato de prova objetiva e a partir da pontuação adquirida era classificado em um ano escolar Havia avaliação distinta para o Ensino Fundamental II e o Ensino Médio mas na mesma configuração com questões objetivas e uma discursiva Havia encontros presenciais em formato de oficinas que mesmo não sendo obrigatórios sempre tínhamos o polo lotado Em todas as atividades que fazíamos havia uma adesão grande das pessoas Era muito bacana Paulo Freire Sempre havia um polo lotado de entusiasmo e curiosidade pela construção do conhecimento Havia em mim a empolgação de estar em um lugar novo e com desafios diferentes dos que eu já tivera até então mas o primeiro momento que mexeu comigo de uma forma tão forte e me ajudou a sair daquela crise de sentido que eu estava vivendo foi com uma aluna que era surda e passou a escutar depois de usar aparelho auditivo Ela chegou um dia ao polo para estudar e precisava que alguém explicasse o significado de algumas palavras e a fonética pois não estava habituada a ouvilas Eu estava lá no dia e a coordenadora me pediu que a ajudasse Ali havia o 41 entusiasmo A curiosidade pela pronúncia de cada palavra que eu repetia várias vezes as formas com as quais eu tentava explicar o significado de cada uma delas a receptividade e a empolgação que eu via diante de mim a cada compreensão Aquilo Paulo Freire reacendeu a minha chama foi uma injeção de adrenalina para o meu entusiasmo foi troca foi construção em comunhão pois jamais havia trabalhado com pessoas que eram surdas e passaram a ser ouvintes ou com alguém tão curiosa e atenta para o que estava aprendendo Ali eu não ensinei apenas eu aprendi É isso que você traz em Pedagogia da Autonomia Eu ensinei o que ela precisava aprender mas para fazer isso eu aprendi com ela como ensinar portanto eu precisei pensar em como ajudála a dar sentido às coisas que estavam ali postas nos conteúdos partindo do lugar dela e compondo conjuntamente um caminho que ela pudesse seguir e continuar construindo os significados dela no e para o mundo Eu aprendi a ser professora a ser humana a ser aluna a ser ouvinte acho que ali eu experimentei conscientemente a dodiscência mesmo que naquele período eu não tivesse posse do termo como aconteceu em outros momentos comigo já relatados para você e acredito que a grande diferença dessa situação para as outras foi a consciência do que estava fazendo Nos outros momentos não era apenas não ter a posse do termo mas a feitura de forma intuitiva Desta vez eu estava conscientemente presente aquilo que eu não sabia eu perguntava a ela caminhamos juntas de mãos dadas Ah Paulo Freire Esses exercícios de memória que tenho feito nas últimas semanas para escrever esta carta não tem sido fácil Estando em plena pandemia de Covid19 que chegou ao Brasil no início do ano e nos botou em isolamento social há quase 3 meses e tem potencializado todas as minhas sensações e percepções sobre mim o que já fiz e o que quero fazer e sobre as minhas experiências tem feito com que tudo em mim fique a flor da pele e tem horas que tudo some diante do medo da angústia e da incerteza deste momento mas tem vezes que tudo vem de uma só vez e é tão difícil organizar as ideias para fazer esta carta a você É nesta efervescência dos sentidos e sentimentos acerca da minha escrevivência e da minha dodiscência e o entusiasmo que vivenciei com a aluna que me pego a pensar sobre o lugar do amor no ato de educar Eu consegui entender melhor o amor quando li sobre o entusiasmo então acredito que precisamos falar dele mas não do amor romântico ou sexual mas do amor de bell hooks Em alguma 42 medida Paulo Freire você trouxe isso em suas obras já que você defende a educação como umas das formas de lutar pela liberdade pela construção da percepção de si do mundo e pela justiça social Quando li o texto Vivendo de amor publicado por bell hooks em 2010 eu fiquei extasiada eu ainda não havia pensado no amor daquele jeito Enquanto mulher negra ela traz a experiência da escravização para percebermos como isso afetou profundamente a forma como o povo negro se relaciona e demonstra o amor A colonização negra transformou o amor em fraqueza e em algo inferior frente a necessidade pela sobrevivência no contexto de supremacia branca A vivência escravocrata deixou a marca da brutalidade tatuada na nossa construção social e nos nossos relacionamentos com filhos e filhas com cônjuges na violência do estado através da repressão policial e na educação com a avaliação punitiva com a reprovação hooks apresenta o amor a partir do reconhecimento dele em nós mesmos o amor interior e que depois colocamos em prática na comunhão pois para nos entusiasmar verdadeiramente em sala precisamos amar as pessoas que estão conosco Eu vejo na ação de educar uma forma também de amar Aliás educar deveria ser sinônimo de amar Quando entro na sala de aula eu estabeleço uma comunhão com a turma numa relação de troca estou dando uma parte de mim Parte do tempo que fiquei elaborando aquela aula das coisas que precisei ler para estar preparada intelectual e emocionalmente para minha turma da organização da sala a música de boasvindas a energia investida para dar um boa noite que pudesse revigorar os corpos cansados que se sentam ao meu redor O exercício da escuta afetiva com cada contribuição a fala cuidadosa para o consolo com as histórias que se abrem e para alimentar o batepapo construtivo onde todas as ideias são igualmente significativas sem atribuir juízo de valor de certoerrado as coisas ditas e ao mesmo tempo recebo de cada pessoa tudo de volta suas afetividades valorização troca de saberes cuidado e construção de quem sou A cada final de aula somos todos mais amor pois naquele espaço ele esteve presente curando transformando construindo Quando você fala do papel da educação como um meio de valorizar e promover a justiça social no combate às desigualdades estruturantes das sociedades capitalistas você fala do papel que nós professoras temos em construir uma história dentro de cada turma onde cada pessoa se sinta valorizada reconhecida parte importante e primordial para o todo Isso não seria partilhar amor Paulo Freire 43 Porque hoje quando faço este exercício praxiológico da minha dodiscência eu não consigo fazer sem este amor Não quero com isso romantizar ou negar as dificuldades que encontramos no fazer docente existem inúmeras principalmente para aquelas que trabalham 40 ou 60 horas semanais É preciso muita resistência física e emocional para lidar com esta jornada que na maioria das vezes levamos para dentro de casa para estudar pesquisar planejar elaborar e corrigir atividades e avaliações e ainda temos os entes queridos que também precisam da nossa atenção cuidado e amor Eu falo de fazermos o que for possível mas tendo este amor em nosso radar pois a consciência dele é uma das chaves para promover uma educação libertadora Em 2016 a metodologia de trabalho na EJA para o Ensino Médio passou por uma grande mudança com a Metodologia de Reconhecimento de Saberes MRS Ela iniciou em caráter experimental baseado na LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 no artigo 81º que permite às instituições de ensino elaborar novas formas de trabalho desde que sigam aquilo estabelecido pela legislação de educação O entendimento do artigo 1º define a educação enquanto processo de formação que ocorre ao longo da vida na vida familiar na convivência humana no trabalho nas instituições de ensino e pesquisa nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais Sabe Paulo Freire você falou em tantas obras para pensarmos a trajetória de vida dos sujeitos seus saberes aquilo que aprenderam em suas lutas diárias neste novo formato seria possível Diante disto das conversas com minhas colegas nos cursos de formação da Metodologia de Reconhecimento de Saberes eu comecei a perceber a necessidade de refletir melhor sobre o que era esta aprendizagem ao longo da vida sobre educação informal e não formal em como estes conceitos estavam atravessados no meu contexto de EJA e que a partir daquele momento ele não seria mais algo subjetivo diluído no meu fazer docente mas algo que iria emergir e faria parte efetiva do processo de conhecer e avaliar o sujeito Olha a beleza disso Paulo Freire Uma das coisas bonitas da vida é o fato de estarmos aprendendo a todo momento As aprendizagens escolares os conhecimentos que adquirimos nas atividades laborais as experiências simples do cotidiano as relações que estabelecemos com as pessoas nos círculos sociais que frequentamos dentre outras constroem nossos saberes Tudo que vivemos atravessam nossa cognição de forma simbiótica É sobre isso não é Paulo Freire É sobre não esquecer e considerar no 44 processo de construção do conhecimento escolar que as pessoas que adentram as salas de aula da EJA são enviesadas por uma série de saberes aprendidos em todas as experiências vivenciadas Em Educação não formal aprendizagens e saberes em processos participativos de Maria da Glória Gohn publicado em 2014 a autora traz a definição de educação informal como as coisas que vamos aprendendo à medida que socializamos processo iniciado na família e se expande para a comunidade que moramos nos lugares de divertimento como um parque nos espaços religiosos nas pluralidades étnicas culturais etárias e outras tantas diversidades que estamos rodeadas no nosso dia a dia tudo influencia no nosso processo formativo Essas trocas humanas nos fazem quem somos constroem nosso olhar sobre nós e sobre quem nos rodeia Ela fala Paulo Freire sobre as pessoas que usam os termos não formal e informal como sinônimos mas ela considera importante fazer esta distinção pois existe uma intencionalidade na ação de educar que ocorre nos processos não formais A educação não formal passa pelo desejo de construir espaço de aprendizagens visando à formação política e cidadã existindo uma formulação pedagógica que pode vir no formato de projetos atividades sociais e cursos Ao contrário da informal que está submersa na nossa vida a não formal é construída com um propósito de forma intencional Minhas turmas de EJA são compostas pelas pessoas que desenvolveram seus saberes em todas estas dimensões mas os aspectos informais e não formais estiveram muito mais presentes em suas vidas do que a educação formal pois as regras da instituição escolar não foram possíveis de serem cumpridas quer seja pelos horários de trabalho ou pela falta de uma escola próxima No caso das mulheres existe a dificuldade de conciliar o trabalho fora e dentro de casa e o cuidado com as crianças ou ainda lidar com a violência doméstica física financeira psicológica pelos companheiros que acabam desestimulando ou as proibindo de frequentar a escola Sabe Paulo Freire ter o conhecimento dessas realidades tem me proporcionado desenvolver a docência de forma muito mais significativa pois hoje faço a partir da dodiscência me propondo a refletir qual o papel do Ensino de História para as pessoas da EJA e como fazêlo partindo do lugar dos sujeitos que estão na turma Lembrando do ensino de História que tive na minha educação básica sempre me recordo de duas professoras Uma do ensino fundamental que passava 45 questionários enormes para copiar a resposta do livro e a prova era a reprodução de algumas questões daquela atividade Era como se ela sorteasse quais cairiam na prova e colocasse exatamente igual até a ordem das alternativas Não me recordo o nome dela mas era uma senhorinha talvez já pelos 60 anos na época A outra professora já do Ensino Médio que deixava textos e mais textos na pasta da xerox para reproduzirmos eu me recordo do nome e do rosto Alguns colegas não gostavam de suas aulas para eles se resumiam em ler um monte de textos para ficar falando na aula e a maioria não tinha o que falar justamente porque não lia os textos e não compreendiam algumas referências que ela fazia entre o conteúdo e a nossa realidade O ponto alto dela era fazer avaliações dissertativas com consultas e riscar a prova da maioria com uma anotação cópia mal feita para desespero daqueles que ainda não tinham entendido o que ela queria Ao contrário da outra professora senhorinha a segunda professora não queria saber o que estava no texto ela sempre repetia se eu quiser saber o que tem no texto eu lerei o texto se estou perguntando a você eu quero saber o que você sabe Relembrar essas palavras tantos anos depois me faz rir A área de Humanas sempre foi a minha preferida e sem grandes dificuldades então as avaliações da segunda professora para mim não eram grandes problemas como as de Matemática e Física Os colegas mais próximos não entendiam por que minhas provas vinham com outras anotações geralmente provocativas e me incentivando a mergulhar mais nas minhas ideias e para eles era ainda mais incompreensível porque eu nem fazia menção direta aos textos às vezes começava a responder a prova com Eu acho Eu lembrei dessa história agora Paulo Freire porque estou refletindo sobre o papel que o Ensino de História teve em minha vida e como ele me levou a uma licenciatura justamente em História Eu tenho percebido até aqui que em toda a minha carreira docente tenho tentado fugir daquilo que vivi como aluna Se responder questionários não me entusiasmou não há sentido em fazer com minhas turmas mas assim como os debates com a segunda professora me fervilhavam eu vejo esta mesma efervescência em minha sala quando abrimos o espaço para todos Lembrei de uma oficina que fiz na EJA no SESI sobre direitos humanos Escrevi algumas frases do senso comum que acabam validando diversas violências como mulher apanha porque gosta se foi estuprada é porque não se deu ao respeito direitos humanos para humanos direitos bandido bom é bandido morto e outras igualmente polêmicas No verso de cada uma havia uma matéria de jornal com uma 46 história que fazia um contraponto com elas A gente deveria construir um painel uma espécie de mapa mental com palavrasfrases ditas no diálogo sobre as frases e um outro painel com as palavrasfrases ditas após a leitura das matérias Aquele encontro chegou a um ponto nas discussões que esquecemos de fazer o painel nem mesmo eu lembrei Teve choro acolhimento timidez recolhimento silêncios gritos emoções Teve partilhas de histórias dolorosas para rebater algumas daquelas frases que me paralisaram e foram tratadas com muito respeito pelos colegas Este encontro foi um dos que mais me marcou e tenho compreendido que isto aconteceu pelo amor e pelo entusiasmo aqueles de Hooks que eu já mencionei Todas essas memórias têm me levado a pensar que o Ensino de História tem a função social de contribuir para a transformação do sujeito e consequentemente do contexto em que vivemos Tomando como exemplo a oficina que te contei acima Paulo Freire na discussão das frases entre aqueles que concordavam e os que discordavam delas eu fazia inferências provocando a turma a pensar em como nós sociedade chegamos à ideia daquelas frases e a quem elas são destinadas Na exposição do cartaz bandido bom é bandido morto houve um momento que refletimos sobre quem são estes bandidos que estão morrendo se criminosos ricos e pobres negros e brancos tem o mesmo tratamento no sistema penal brasileiro e ao concluírem que existem desigualdades partimos a pensar historicamente como elas foram construídas na sociedade brasileira passando pela escravização negra o pós abolição que não tratou da garantia de direitos ao povo negro e da tentativa de se fazer isto atualmente com a políticas de reparação e justiça social A reportagem que estava no verso desta frase foi sobre um homem preto em situação de privação de liberdade que havia ingressado na universidade através das cotas raciais e na sua defesa de TCC sobre a situação dos presídios no Brasil a juíza que autorizou a sua liberação para estudar estava compondo a banca de avaliação e falou da alegria dela em ver a trajetória dele À medida que estas frases iam se contextualizando havia uma historicização das vidas daquelas pessoas as escrevivências emergiram pois as opiniões trazidas sempre partiam de algum lugar de suas vivências e aquela construção coletiva do saber histórico foram ganhando significados à medida que foram fazendo sentido para elas Selva Fonseca em Didática e prática de ensino de história experiências reflexões e aprendizados publicado em 2003 me trouxe uma reflexão sobre a 47 importância da História para a vida prática e social das pessoas pois à medida que compreendemos que nossas experiências ocorrem dentro de contextos no tempo e no espaço e somos fruto dela a compreensão de quem somos no mundo constrói a democracia social e a cidadania Paulo Freire nós de História sempre falamos da importância do estudo da disciplina para a formação da cidadania mas atualmente me ponho a refletir como formar a cidadania de um adulto que já vem se formando ao longo de sua vida sem a intervenção contínua da escola formal e do currículo de História O meu desafio como professora da EJA é achar o objetivo para o seu ensino algo que faça sentido para as pessoas de minhas turmas tendo clareza na finalidade disso eu poderei ter uma prática mais efetiva As experiências que tenho desenvolvido como exemplifiquei através da oficina acima têm contribuído para que eu dê forma ao meu pensamento sobre a formação do adulto Fazer do ensino de História uma possibilidade das pessoas que frequentam a EJA se perceber como parte da formação da sociedade como sujeitos atuantes e transformadores dela através de suas práticas e suas perspectivas de mundo do seu lugar e do lugar do outro compreendendo este outro também a partir do território dele Ou seja não posso compreender o lugar de uma mulher trans a partir do meu lugar de cisgênera e das minhas concepções de mundo que me fazem confortável no meu corpo biológico ou compreender as violências raciais de uma mulher preta retinta do meu lugar de negraparda de pele clara e ao fazer estes deslocamentos perceber o quanto isso modifica a sociedade e contribui para a cidadania Historicizar as nossas experiências de vida elaborar nossa escrevivência incluindoas em contextos maiores que o eu nas aulas de História vai construindo a compreensão da importância que o eu tem no todo Quando tento fazer das minhas aulas uma experiência em que todas as pessoas e suas percepções são igualmente importantes eu estou mostrando que aquela aula só foi possível porque cada um estava lá e se um não estivesse ela não seria igual Isso é um modelo em menor escala do convívio social onde a participação de cada pessoa é vital para o funcionamento do todo e as percepções que têm de si e do outro é que fazem o todo portanto se a sociedade vai bem ou mal somos parcialmente responsáveis pelo caminho em que ela está Neste ponto com uma taça de vinho e ouvindo Emicida estou aqui pensando no propósito do ensino de História na EJA que currículo se adequa a este público o 48 que e como levar a História para a sala de aula para que haja o entusiasmo de aprender Tivemos mudanças consideráveis na legislação educacional do Brasil com a Base Nacional Comum Curricular BNCC em 2017 Ela reformula a Educação Básica mas não traz a EJA como uma modalidade que precisa ser pensada a partir de suas especificidades As Leis de Diretrizes e Bases da Educação promulgada em 1996 na seção V no primeiro parágrafo do artigo 37 estabelece que a Educação de Jovens de Adultos precisa ser ofertada considerando as especificidades do público a que se destina exatamente o que você tanto defende em suas obras e em suas práticas As condições de vida trabalho as aprendizagens que ocorreram fora da escola permeiam este público e tudo foi desconsiderado na BNCC quando ela não traz em seu texto quais parâmetros e objetivos formativos serão trabalhados e desenvolvidos para estas pessoas Por tudo que te contei até aqui Paulo Freire minhas experiências meus incômodos minhas alegrias e frustrações com a docência e como este mestrado tem me feito refletir sobre minha prática neste momento tenho algumas percepções A primeira delas é a necessidade de pensar a educação como prática de liberdade como meio de emancipação do sujeito a partir da compreensão da realidade em que vive Você trouxe em Pedagogia do Oprimido publicado em 1983 que tudo o que existe assim como a realidade opressora em que vivemos é fruto da ação humana e as transformações só podem ser operadas também pelas pessoas no momento em que a compreendemos A segunda é que entendo o ensino de História na EJA com a finalidade de contribuir para uma educação emancipatória É através dela que nos referenciamos no mundo quando compreendemos nossas origens tradições valores a realidade em que vivemos como chegamos a ela e principalmente como olhar o mundo a partir da diversidade que o habita pensando a partir de epistemologias não hegemônicas e com práticas que visem reduzir as desigualdades e subalternização construídas historicamente e mantidas até os dias atuais A terceira percepção é do meu papel de professora de História na EJA Sozinha não tenho como mudar o currículo Como já disse isso é complexo e muito maior que eu mas na sala Paulo Freire ali é o meu campo é o lugar onde posso pegar o currículo mesmo discordando do que ele aborda e trabalhálo criticamente em busca de algum tipo de transformação 49 Tenho feito algumas críticas um tanto duras mas não é para desqualificar a escola ou a importância do ensino de História ou do currículo posto até aqui mas para provocar reflexões em mim e em quem porventura ler estas linhas sobre estas concepções trazendo nomes conceitos forma abrindo ciclos gnosiológicos para meu fazer docente e desdobrar outros caminhos possíveis para trabalhar o ensino de História na EJA Trabalho fundamentado na interseccionalidade de gênero raça e classe de pensar as aulas a partir de outras epistemologias não brancas e práticas não hegemônicas afinal as pessoas que compõem a Educação de Jovens e Adultos são justamente aquelas que historicamente tem reexistido aos processos de assujeitamentos históricos Paulo Freire é uma pena não poder ter esta conversa pessoalmente contigo tenho certeza de que teria muito a aprender com você ou aprendermos mutuamente com a troca das nossas experiências Quero que saiba que a cada dia tenho tentado seguir um pouco dos caminhos que percorreu como docente não sei se chegarei a ser a profissional e o ser humanos que desejo mas sigo tentando In memoriam com amor e entusiasmo 50 TANTAS IDAS E VINDAS CANTAM HISTÓRIAS LINDAS QUEM DIVIDE O QUE TEM É QUEM VIVE PRA SEMPRE Salvador 17 de março de 2021 O amor é um ato revolucionário Por estados e religiões temido Quem pelo amor é pertencido A si governa e só a ele é confessado Quem ama ao andar cria sua estrada Em seu voo vê as planícies prazerosas E no cume das montanhas alterosas Toca em gozo a rosa viva imaculada O amor é um ato revolucionário Chico César Ao meu povo meus amores e minhas amoras minha gente São tantas as formas que chamo vocês e todas vem do meu coração Tivemos temos e sempre teremos muitos desafios que nos enchem de histórias e de orgulho pelo que fazemos e me sinto maravilhada em fazer parte de vocês Ao longo da minha carreira profissional eu tive contato com muita gente bacana a quem admirei e admiro mas sem dúvidas até aqui vocês compõem a equipe que mais tive a oportunidade de crescer como gente e como professora Sempre dizemos que temos um grupo de pessoas opostas e complementares pois nossa maior riqueza são nossas diferenças capazes de nos trazer diversos conflitos mas nos levar a construir trabalhos lindos compromissados com o desenvolvimento do conhecimento técnico e humano respeitosos com as pessoas e as histórias que nos chegam tratando cada situação com sensibilidade e com o amor de bell hooks Nas nossas conversas na hora do almoço naquela copa minúscula que cabe todo mundo diversas vezes ouvi as histórias dos canteiros de obras Subir na mesa pegar o megafone ou enfrentar no gó gó pedindo atenção a dezenas de pessoas para apresentar a EJA do SESI e dizer àquelas pessoas o quanto era importante retornar à escola Tantas histórias algumas que nos faziam cair na gargalhada outras nos deixavam macambúzios pela complexidade das vidas daquelas pessoas Saudade danada de vocês Vem vacina 51 Estou escrevendo essa carta para vocês para conversarmos sobre a Educação de Jovens e Adultos que fazemos no SESI e principalmente para que vocês e a banca que avaliará este texto saiba como o ensino de História é desenvolvido na EJA do SESI Bahia e mais especificamente no polo Salvador e tem buscado promover o autorreconhecimento do nosso corpo estudantil enquanto sujeitos de e da história Para além de nós que compomos a equipe atual da Educação de Jovens e Adultos do polo Salvador o SESI Bahia tem uma longa estrada percorrida com muitas histórias que fazem parte da EJA da Bahia O SESI é um jovem senhor com pouco mais de setenta anos Senhor pela idade e jovem porque está sempre se reinventando principalmente quando se trata da EJA Nas memórias das minhas mais velhas existe uma teia que nos segura e conduz o nosso fazer Trabalhando com o saber histórico eu não posso deixar de contar a vocês um pouco das minhas percepções sobre a trajetória da EJA do SESI É historicizando que nos entendemos e que compreendemos o nosso contexto para assim transformálo e para isso não posso deixar de ouvir as minhas velhas desta instituição Como se diz aqui na Bahia antiguidade é posto E isso deve ser respeitado Nesta carta eu trago as memórias das minhas colaboradoras que tem nos transmitido suas experiências na EJA do SESI Bahia Walter Benjamin em O Narrador de 1986 fala da importância da troca de experiências através da narrativa pois a partir dela damos materialidade aos afetos sentidos nas vivências O autor ainda fala da desvalorização nas narrativas como forma de registrar as transformações do mundo à nossa volta Neste momento lembrome também de Ailton Krenak que no vídeo Vozes da Floresta no canal Le Monde Diplomatique Brasil no Youtube diz que a memória nos autoriza a narrar uma história sobre o mundo que vivemos Que um trabalho não é feito apenas de citações mas da memória e das nossas observações do que nos rodeia Le Goff em História e memória publicado em 1990 traz o quanto a memória é importante para a construção da identidade Nós somos a equipe da EJA do polo Salvador e fazemos parte da EJA do SESI Bahia e as nossas narrativas demarcam a nossa identidade e contam a nossa história Esta carta é um exercício de memória coletiva das minhas mais velhas e das minhas mais novas Nela vamos escrever uma parte da história da EJA do SESI de Salvador que foram cantadas na oralidade de nossas conversas e registradas em 52 documentos cartas e dissertações de mestrado e atribui codinomes a vocês trazendo referências na História O SESI Serviço Social da Indústria foi criado em 1946 segundo Jorlânia Carolina Candido de Souza em sua dissertação intitulada Convergências entre a Etnomatemática e a Metodologia de Reconhecimento de Saberes potencializar identidades negras A cultura das tranças para além da estética na Educação de Jovens e Adultos A instituição foi criada com um viés assistencialista Na década de 60 já existia em todo o país atendimento aos trabalhadores da indústria e sua família Nos anos 80 em parceria com a Fundação Roberto Marinho ofertou o programa Telecurso direcionado ao 1º grau primeiros anos do Ensino Fundamental II e nos anos 90 buscando retorno econômico para a indústria cria o Programa SESI Educação para o Trabalhador e aqui damos início a Educação de Jovens e Adultos do SESI Bahia O SESI tem seu lugar na EJA da Bahia alfabetizando as pessoas pelos canteiros de obras e no chão das empresas pelo estado há cerca de vinte e cinco anos Nas memórias de Madalena Caramuru nos anos 90 era chamado de Centro de Atividade do Trabalhador e nesta mesma década virou Núcleo de Educação do Trabalhador da Indústria NETI quando passou de ações realizadas pelas unidades do SESI para se tornar um programa com maior poder de articulação para fazer o levantamento na Bahia e diagnosticar que havia seis mil trabalhadores analfabetos nas indústrias baiana e com o objetivo de erradicar o analfabetismo neste setor econômico Este movimento foi tão importante para a EJA e a indústria baiana que o Departamento Nacional DN do SESI investiu recurso para a elevação da escolaridade das pessoas que trabalhavam na indústria e dependentes Maria Filipa canta histórias lindas sobre os trabalhadores da construção civil que chegavam com o RG marcado como analfabeto e assinando a lista da cesta básica com o polegar e depois de alguns meses de estudos conseguiam voltar com seus documentos assinados com a grafia aprendida no lugar que transitava entre o labor e o aprendizado simultaneamente O SESI acaba provocando as empresas sobre suas responsabilidades sociais com a formação das pessoas que trabalham nelas Toda empresa visa lucro isso é a base do sistema capitalista mas é importante ter instituições que lembrem de alguma forma que a riqueza é produzida pelas nossas mãos operárias Somos nós que efetivamente construímos as fortunas de todas elas e sem mão de obra qualificada é 53 mais difícil desenvolver seus produtos e serviços Dizemos isso de forma mais polida é verdade mas não deixa de ter seu grau de eficácia Madalena Caramuru e Maria Felipa quando cantam suas histórias falam do esforço hercúleo que precisavam fazer para dar conta de tantas turmas presenciais espalhadas por Salvador e Região Metropolitana As demandas dessas turmas fazem parte das memórias das minhas mais velhas pois eram muitas e algumas ficavam em cidades a cerca de 200 km de distância da capital Salvador assim as viagens eram parte do cotidiano das coordenadoras para dar suporte às professoras responsáveis pelas turmas in loco Em Representações Discursivas de Professores da EJAO nãolugar publicado em 2014 as autoras Mascia Mendes e Monteiro trazem uma discussão relevante que já tivemos em algumas tardes em nossas mesas espalhadas circularmente pela sala sobre o lugar ocupado pela EJA em nós como docentes mas extrapola a pessoalidade e fala muito mais de sistema Não ter docentes que se debruçam sobre a EJA enquanto modalidade específica de ensino não é uma situação pontual do SESI é sistêmico Na carta escrita a Paulo Freire eu trouxe a BNCC e o nãolugar da EJA da minha inexperiência quando ingressei como professora das pessoas que pegavam aula para completar a carga horária As autoras supracitadas trazem em seu texto o quanto docentes se sentem inferiores por trabalhar com a Educação de Jovens e Adultos e isso fica latente em seus discursos sobre o despreparo para construir ações educativas com este grupo e na linguagem quando falam de si e das suas turmas no diminutivo e em tom de condescendência vendo as pessoas que estudam na EJA pelo nãolugar que ocupam no mundo Essa lembrança me faz perceber o quanto o SESI evoluiu ao longo do tempo Sabemos disso porque hoje somos uma equipe exclusiva para a EJA e podemos nos debruçar sobre nossa práxis e pensar sobre ela e como desenvolver trabalhos que atendam às necessidades de aprendizagens do nosso público Retomando a questão da apresentação da EJA nas empresas lembro da primeira vez que como gostamos de chamar fomos fazer sensibilização em 2016 em um conglomerado têxtil Era a primeira vez que entrava num chão de fábrica para conversar com trabalhadoras e com o patronato presente para saber o que estávamos oferecendo Foi uma experiência muito impactante primeiro pelas condições precárias de trabalho daquelas pessoas segundo pelo interesse de muitas 54 delas na oportunidade de voltar a estudar Sabiam o quanto isso era importante mas não tiveram oportunidades ao longo da vida Terceiro pela reação dividida do patronato alguns incentivaram outros desdenharam como se o acesso ao direito básico da educação não fosse para aquelas pessoas que geram suas riquezas Esse momento de sensibilização para mim é muito singular Para a instituição eu estou vendendo um produto para mim é a oportunidade de ter o primeiro contato com minha classe estudantil de ver um pouco do seu cotidiano no trabalho de conhecer o funcionamento de uma empresa e desenvolver outros ciclos gnosiológicos com o saber histórico partindo de realidades concretas dentro da minha sala de aula A importância deste momento para mim e acredito que para nós aparece no momento em que tomamos um cafezinho antes das aulas e conversamos sobre como estão sobre as dificuldades que enfrentaram durante o dia no trabalho e isso se reflete na sala quando levantamos temas que fazem sentido porque são significativos em suas vidas e partindo deste ponto concreto entramos na História e construímos novos saberes históricos e historicamente referenciados Conversamos em muitos outros momentos sobre aquele dia de sensibilização revelei o meu choque de principiante e as relações históricas que fiz daquele lugar com o contexto da Primeira Revolução Industrial e hoje consigo ler também o quanto a supremacia branca estava ali Não havia chicote a branquitude sabe que ela não precisa disso hoje porque criou mecanismos muito mais elaborados de subjugação a negação do direito e a criação da necessidade Alguma dúvida que as mãos que trabalhavam lá pertenciam a corpos negros As ações realizadas pelo NETI no segmento da alfabetização e Ensino Fundamental I contribuíram para a elevação da escolaridade dos trabalhadores da indústria mas o mercado mudou e a contratação de mão de obra com baixa escolaridade caiu e isso impactou a oferta de vagas do SESI Bahia sendo cada vez mais difícil formar turmas pois o custo gerado muitas vezes não era visto como compensatório pelas empresas por causa da quantidade de pessoas com necessidade de estudar e o número de elevado de evasão Esse contexto fez a EJA do SESI Bahia mais uma vez se reorganizar e mudar o seu foco para o Ensino Fundamental II e Médio ainda na mesma estrutura presencial dentro das empresas e canteiros de obras mas os problemas com a evasão e os custos permaneciam Quero levantar aqui um ponto de reflexão com vocês A exigência do mercado em mão de obra mais escolarizada é um reflexo do entendimento do patronato de que 55 pessoas qualificadas produzem mais e melhor por isso nos últimos anos vemos o mercado exigindo no mínimo o Ensino Médio concluído e isso se reflete nos argumentos que motivam as pessoas a retornarem aos estudos Mas a não contratação de pessoas sem a educação básica concluída não seria uma forma deles se isentarem da responsabilidade pela qualificação das pessoas que trabalham em suas empresas Maria Felipe canta em sua história sobre as dificuldades que por vezes encontrava em convencer os engenheiros da construção civil da necessidade das pessoas estudarem Já conversamos algumas vezes sobre algumas situações que já passamos mais recente de viajarmos muitos quilômetros e ao chegar na empresa o engenheiro não liberar a turma para a aula daquele dia e a gente voltar sem poder nem ao menos conversar com a turma Analisamos muitas vezes quem são as pessoas que formam essas turmas e suas condições de trabalho Mais uma vez alguma dúvida que são corpos negros Mais mudanças chegaram mas não apenas no nível das séries mas o crescimento e consolidação da Educação a Distância no Brasil e o debates sobre sua implementação na Educação Básica também chegou ao SESI pois estava cada vez mais difícil encontrar empresas dispostas a custear a estrutura de salas presenciais Maria Filipa canta em suas histórias que pelos idos de 20092010 a gestão do NETI viu na EaD uma via de reduzir custos e ao mesmo tempo aumentar o poder de alcance da EJA do SESI Bahia assim foi feita a contratação de uma coordenadora e realização de encontros com o SESI do Paraná que já tinha trabalhado com a EJA EaD A implementação da EJA EaD não foi imediata Ainda pelas memórias das minhas mais velhas Madalena Caramuru houve mudança na gestão e a demissão de docentes e coordenadoras que trabalhavam com a EJA presencial e um período de estagnação nas discussões sobre a EaD e só em 2012 a proposta dela foi retomada A EJA deixa de ser Núcleo e passa de NETI para Unidade EJA agora fazendo parte da Gerência de Educação Em novembro de 2013 se concretiza a implantação da EJA EaD com a contratação de docentes e a abertura de turmas primeiro no Sudoeste e depois em Salvador Outra grande mudança que ocorreu com a EJA é ela ter passado a atender ao que chamamos de comunidade que são as pessoas sem vínculos empregatícios com a indústria Com isso tivemos um ganho muito grande primeiro porque o Sistema S recebe verbas públicas então precisa ter cobrança o retorno à sociedade deste 56 dinheiro não investido nas estruturas públicas como eu acredito que deveria Segundo porque a EJA EaD do SESI Bahia passa a atender uma parcela da população que não era contemplada pelo modelo presencial de ensino das escolas públicas devido a uma série de fatores Segura essa informação porque aqui entramos diretamente em nossa situação atual de trabalho A EJA EaD não foi unânime entre as pessoas que trabalhavam no modelo presencial As minhas mais velhas cantam sobre as dúvidas quanto a adaptação do público que frequentava as salas da EJA para um modelo EaD se teriam acesso a equipamentos adequados se saberiam manuseálos se teriam condições de se organizar para estudar EaD como se daria a relação com docentes como seria o processo avaliativo como saberíamos se o processo de aprendizagem efetivamente ocorreu para além das notas formaisdúvidas dúvidas dúvidas Se não as tivéssemos não poderíamos seguir os ensinamentos de Paulo Freire não é Já estou há algumas horas sentada aqui na frente no notebook refletindo sobre essas dúvidas das minhas mais velhas Pensando em minha jornada no SESI desde novembro de 2015 o que encontrei o que pensei e as mudanças e permanências que tenho hoje Tantas coisas já conversamos e gostaria de estar perto de vocês agora para mais uma gira de falas das nossas inquietações Tenho sentido muito a falta de nós Um dia desses consegui nomear a minha dificuldade com a escrita dessa carta frustração Criei tantas expectativas com a escrita da dissertação com a experimentação da minha prática pedagógica imaginei mil cenários de sala de aula e de conversas nossas e tudo foi quebrado pela pandemia No meu projeto eu disse que as mãos utilizadas para escrever estas linhas seriam as minhas mas junto comigo haveria muitas outras mãos memórias e histórias Seria uma escrita coletiva uma escrevivência Uma história minha mas como disse a doutora e intelectual preta Conceição Evaristo 2020 não é apenas minha ela é o coletivo que está junto comigo Damos continuidade a tudo que foi construído na EJA do SESI Bahia antes de nós e continuamos assentando novas pedras e as alicerçando para as próximas gerações Axé Penso que estamos fisicamente longe mas a um click de distância porque temos plataformas celulares internet a nossa disposição e é verdade Mas estando há mais de um ano sem contato presencial com vocês outros sentimentos começam a pesar porque quero nossas brincadeiras na hora do intervalo as conversas nas 57 caronas para casa as brigas nas reuniões para defender nosso ponto de vista que sempre acabam em merendas até no WhatsApp tenho ficado mais calada e alheia às brincadeiras no nosso grupo pois a exaustão do uso do App para o contato com as turmas e o fluxo intenso de mensagens tem feito eu me distanciar do celular em momentos que não estou trabalhando Precisava muito deixar esse sentimento registrado porque viver uma pandemia com pessoas morrendo como formigas diariamente enfrentar rotina de hospital com uma pessoa muito amada internada e todas as outras mudanças que venho enfrentando desde março de 2020 não tem como este texto ficar alheio porque isso é escreviver Se vocês querem entender o que é usar a escrevivência como metodologia basta ler as cartas que compõem esta dissertação para além da técnica acadêmica se permitam sentir as minhas palavras e as minhas experiências com empatia e amor aquele conceituado por bell hooks Precisei parar para um café solitário em homenagem às nossas tardes cheias de merendas e gritarias pedagógicas mas vamos dar continuidade a esta breve historicização da EJA do SESI Bahia trazendo essa história para o nosso polo Salvador Entrei nas memórias da EJA do SESI que conheço da EJA EaD Não peguei desde o início mas tenho vocês cantando histórias lindas As turmas do Sudoeste e de Salvador foram autorizadas a funcionar e iniciar uma nova etapa da EJA Aqui tenho alguns pontos para refletirmos e que se desdobram para avanços e permanências Acredito que o avanço mais importante que a EJA do SESI teve nesta nova etapa foi a contratação permanente de docentes No polo Salvador temos profissionais que buscam se qualificar para trabalhar especificamente com este público e isso faz toda diferença no desenvolvimento pedagógico e na qualidade do nosso trabalho Há coordenação e docente com mestrado em EJA temos docentes especialistas que desenvolveram seus TCC com a EJA todos os anos participamos de congressos voltados para a Educação de Jovens e Adultos e no meu caso que participo sempre das ANPUH e outros eventos acadêmicos da área de História tendo a EJA como público alvo dos meus trabalhos acadêmicos e tem eu a próxima professora a defender o mestrado se debruçando na pesquisa do ensino de História e buscando resposta acerca de que ensino de História é preciso se construir para a EJA 58 Retomando um texto que citei acima de Mascia Mendes e Monteiro sobre o nãolugar da EJA eu tenho muito orgulho de nós do polo Salvador pois conseguimos romper com esta ideia de lugar menor Fazemos muita questão de mostrar a nossa presença em todos os lugares em que somos requisitadas quer sejam em reuniões e eventos institucionais eventos acadêmicos ou em encontros de final de ano para fazer o balanço do trabalho e das metas nós estamos lá mostrando que o lugar da EJA é o da reexistência da potência e do desenvolvimento de um trabalho pedagógico comprometido em valorizar cada ser humano que passa por nós e isso jamais será um trabalho inferior ao de educar uma criança Um segundo ponto é que quando a EJA EaD iniciou aqui em Salvador ocupamos um andar em prédio fora das unidades do SESI Enquanto presencial ela funcionava dentro das empresas mas em 2013 ela precisou ter polos para fazer o atendimento aos discentes como está no decreto nº 905717 que regulamenta a Educação a Distância no Brasil Em Salvador vocês iniciaram em 2013 ocupando um andar de um prédio com 100 alunos inicialmente Em 2015 quando cheguei ainda estávamos lá Um espaço pequeno com uma sala dividida entre os docentes e as pessoas que iam fazer as provas presenciais ou avaliação diagnóstica no momento da matrícula Outra sala ocupada pela equipe dos professores da gerência da EJA Bahia um laboratório de informática e uma copa Tenho memórias lindas deste período A primeira que quero destacar aqui é a do laboratório de informática e de tantas vezes que precisamos alfabetizar digitalmente as pessoas que chegavam e ainda chegam para nós o quanto este espaço é fundamental no nosso curso e como lutamos para que tenhamos cada vez mais equipamentos e espaço para atender nossas turmas Quando cheguei para trabalhar havia uma parceria entre a gerência da EJA e a de Educação Continuada e assim eram realizados cursos de inclusão digital e eles ocorreram com alguma frequência até 2018 quando houve corte do orçamento pelo Departamento Nacional do SESI Esses cursos de informática foram fundamentais para as pessoas que frequentavam a EJA neste período pois além da alfabetização digital ter fornecido instrumentalização para o acesso à plataforma de estudos algumas pessoas nos davam retorno falando dos empregos que conseguiram porque sabiam mexer no computador e na internet A pandemia da covid19 revelou o grande abismo que existe no Brasil em relação ao acesso a equipamentos digitais e internet Se temos afirmado que estamos 59 na era da educação 40 e vivemos em uma sociedade informatizada e tudo hoje pode ser feito digitalmente em 2020 percebemos que a realidade ainda está bem distante dos discursos realizados em muitos eventos educacionais Mas nós da EJA do polo Salvador do SESI Bahia já sabíamos disso pois o nosso trabalho caminha nessa ambiguidade No SESI Bahia tem um curso de EJA a distância para um público pouco letrado digitalmente Ao mesmo tempo que temos um curso capaz de incluir pessoas com poucos recursos financeiros ou moram em localidades com transporte público com horários reduzidos pessoas com horários de trabalho não fixos mulheres sem uma rede de apoio para deixar suas crianças para ir à escola outras pessoas que moram em locais onde a escola próxima foi fechada pelo poder público e depois de uma rotina de trabalho não conseguem chegar a outra instituição pelo cansaço físico e mental temos as que trabalham longe da escola e não conseguem chegar no horário fixado pela instituição Enfrentamos o desafio de além do trabalho das áreas de conhecimento nós precisamos pensar em como incluir digitalmente ou não adiantaria trabalhar o conhecimento histórico nos encontros presenciais se em casa a pessoa não saberia acessar a plataforma para estudar Estamos na ambivalência entre a inclusão e a exclusão ao mesmo tempo Segundo a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável a inclusão digital é um dos indicadores pertencentes ao objetivo de se alcançar uma educação de qualidade e formação para a cidadania Bonilla e Oliveira em Inclusão digital ambiguidades em curso publicado em 2011 afirma que a inclusão digital não é apenas saber manusear os aparelhos e acessar a internet mas saber procurar interpretar avaliar e organizar as informações e isso é uma habilidade necessária para estudar em um curso EaD Neste caminho ambivalente não podemos deixar de fora os processos históricos que fazem a população negra com mais acesso a EJA ter mais dificuldade de acesso às tecnologias da informação e comunicação TIC que é justamente a parte da população que foi preterida do acesso à educação formal no Brasil Suiane Costa Ferreira em Apartheid digital em tempos de educação remota atualizações do racismo brasileiro publicado em 2020 faz uma breve historicização do quanto a negação do acesso a escolarização foi uma estratégia do racismo estrutural que prevalece no Brasil desde a sua formação colonial sendo ancorado na legislação para ser um instrumento de dominação da população negra e o apartheid digital aparece 60 como mais uma estratégia deste racismo estrutural que está sempre se reinventando e mantendo a estrutura desigual Algumas das minhas mais velhas tiveram dificuldade em compreender e acreditar que a Educação de Jovens e Adultos poderia ser feita a distância Essas inquietações não acabaram e nem podem São elas que nos mobilizam para buscar estratégias e metodologias que viabilizem a construção do conhecimento na EJA pois nem todas as pessoas que chegam para se matricular têm o perfil que se espera de estudantes de EaD Ainda trazem consigo a dependência da professora que diz o que fazer e quando então ajudar a desenvolver a autonomia dessas pessoas nos estudos é mais uma habilidade a ser trabalhada Com algumas pessoas isso é alcançado com outras nem sempre tantas outras desistem porque entendem que precisam do ensino presencial Mas seguimos caminhando tentando aprendendo e reinventando A segunda memória linda que tenho dos meus primeiros momentos na EJA do SESI Bahia são os encontros presenciais Até 2016 era obrigatório a ida ao polo para realizar as provas presenciais mas a coordenação entendia que era necessário oferecer momentos de construções coletivas de trocas intelectuais e afetivas de sentimento de pertença a uma escola e a uma rede de docentes e estudantes Isso também motivaria a permanência e conclusão do curso Isso é despertar e alimentar o entusiasmo Eu me impressionava porque lotava e tínhamos que buscar formas de acomodar todo mundo O lugar que estávamos naquele período era temporário enquanto aguardávamos o término da reforma da Unidade Retiro Era desesperador quando a gente via as pessoas entrando nos perguntávamos com o olhar e agora onde nós botaremos esse povo todo Ríamos de alegria por ter as pessoas conosco e de nervoso porque precisávamos acomodar todo mundo Essa é uma memória muito especial para mim pois ali eu comecei a pensar o que eu poderia ensinar para todo aquele povo Que ensino de História eu poderia ofertar o que do currículo História faria sentido qual metodologia usar como usaria as falas que contavam sobre si para ter um ensino de história significativo e realmente capaz de provocar alguma mudança naquelas vidas e na sociedade Batia e ainda bate um desespero terrível Inúmeras vezes já fui acolhida por vocês para que pudesse entender os limites do nosso fazer pedagógico E mesmo não querendo sou obrigada a aceitar pois é verdade Mas essas inquietações me trouxeram aqui ao 61 mestrado e neste turbilhão de pensamentos enlinhados que estou tentando desembaraçar A minha primeira atividade para essa turma foi pensada a partir de uma observação mais atenta sobre ela a maioria esmagadora era composta por homens e as poucas mulheres tinham mais dificuldade em ir ao polo e algumas levavam as crianças junto por não ter com quem deixálos Somandose a isso estava chegando o Dia Internacional da Mulher A orientação passada para os docentes dos polos era que os encontros deveriam ser realizados como oficinas e com temas que pudessem contemplar o cotidiano e as trajetórias das pessoas que estudam conosco então foi a minha primeira experiência onde o conteúdo curricular de História não estava em primeiro plano mas uma temática a ser historicizada para construir outros conhecimentos com outros pontos de partida além do conteúdo em si e com outros objetivos que não era uma avaliação escrita para marcar uma resposta correta sobre o conteúdo Nas escolas anteriores briguei sem sucesso por algo similar a isso Sei que nas escolas que havia trabalhado não seria possível não haver uma avaliação a ser pontuada pois estamos em um sistema maior e com leis que regulamentam as práticas pedagógicas e os documentos necessários para a comprovação da escolaridade mas eu havia chegado aonde queria poder pensar minhas aulas além dos conteúdos para cumprir o protocolo da prova Fiquei em êxtase com isso até a ficha cair e eu me perguntar e o que vou fazer com isso Eu só tinha isso na minha cabeça e nunca tinha feito sentido para ninguém com quem trabalhei então não tinha noção do que fazer Quando eu fiz a seleção para a vaga obviamente eu disse que sabia fazer tudo o que me perguntaram e uma das coisas foi que os encontros eram desenvolvidos como oficinas então eu fiquei muito receosa de perguntar a vocês como que aquilo aconteceria na prática com um público adulto com encontros nãoobrigatórios uma vez no mês e era necessário iniciar e terminar tudo no mesmo dia já que minha experiência era em contexto de escola presencial e na maior parte dos anos com adolescentes No meu trabalho de conclusão de curso da graduação eu apresentei uma proposta de ensino de História através de oficinas Eu fiz um trabalho teórico e ao final fiz uma sugestão de como poderia desenvolver o ensino de História tendo como temática o Museu Wanderley Pinho que fica situado em CandeiasBa Eu queria 62 contemplar a formação em patrimônio cultural e a licenciatura Uma das observações feitas na minha banca foi a forma confusa do meu trabalho pois não havia ficado claro se era uma monografia ou uma proposta de intervenção e o plano que havia sugerido seria impossível de ser aplicado porque eu deveria contemplar também os conteúdos curriculares Essa fala sempre ficou presa em mim no incômodo e no medo Havia feito algumas oficinas em uma das escolas que havia trabalhado e tinham sido bacanas mas sempre priorizando o conteúdo curricular afinal escolas privadas tendem a ter mais foco em provas externas como ENEM mas agora no SESI era diferente A oficina era a regra o conteúdo em si não era o foco mas a relação do conhecimento com a vida e eu precisei superar aquele medo que ficou guardado e às vezes me levava a questionar se eu realmente sabia o que estava fazendo ou se eu era uma farsa Observei vocês por dias para saber o que estavam planejando fiquei atenta às conversas até que alguém falou em fazer alguma decoração no polo para acolher as mulheres pelo oito de março então tive a minha primeira ideia O planejamento foi feito de forma bem básica eu não tinha ideia de como aquilo se desdobraria porque jamais trabalhei com estudantes adultos Então fui pesquisar e achei um vídeo de Malala Yousafzai na Organização das Nações Unidas sobre a importância da educação e o direito para todas as mulheres a partir dele eu abriria o diálogo Todas as pessoas deveriam criar um painel coletivo que representasse a sua compreensão e as mulheres deveriam escrever e ou desenhar em outra folha de papel qual a importância que a educação estava tendo em suas vidas e quais eram os seus sonhosplanos após a conclusão da Educação Básica Eu só tinha pensado nisso Como eu iria conduzir esse diálogo quais perguntas eu faria como o painel seria produzido eu não tinha noção Sabia que precisava fazer uma historicização sobre as mulheres e fiz um recorte interseccional de raça e classe afinal estava diante de mulheres negras como alunas e de homens filhos companheiros e pais de mulheres negras No dia do encontro que caiu exatamente no 8 de março chegaram tantas pessoas que o espaço não coube e não foi possível desenvolver a atividade como tinha pensado Assistimos ao vídeo e dialogamos mas não havia como abrir o papel metro para a construção do painel e onde acomodar todas as mulheres para a escrita dos seus sonhos O diálogo começou com um aluno falando da mãe mulher negra 63 sem escolaridade formal mas que sempre o aconselhou a estudar Lembrome disso pois sendo eu filha de uma mulher negra com pouca escolaridade que ainda criança iniciou a vida como trabalhadora doméstica e jurou que colocaria anéis no plural mesmo de formaturas nos meus dedos e cumpriu o juramento Todas aquelas falas não passaram por mim sem que se tornassem parte de mim A memória de outros pormenores daquele dia não me recordo mais alguns anos já se passaram mas aquela fala que se desdobrou em tantas outras similares me marcaram e ainda me marcam porque eu sou fruto do esforço de uma mulher que mesmo sem oportunidades jamais esmoreceu diante das dificuldades para que eu chegasse a esse mestrado Minha mãe não concluiu a educação básica e isso facilmente poderia ter se repetido comigo como acontece com milhares de outras pessoas que chegam a EJA Sobre aquele dia sinto um misto de frustração pela atividade não ter acontecido e por não termos uma estrutura adequada naquele momento para receber nossos estudantes da EJA Também sinto uma grata surpresa porque mesmo não sendo uma obrigação havia o compromisso a vontade e a disposição para estar na escola mesmo depois de um dia exaustivo de trabalho Diante de experiências como essas e não fui a única não posso deixar de ver as pessoas que estudam na EJA pelo olhar da potência da sabedoria da intelectualidade da força de reexistir Os passageiros da noite que começaram o dia sendo passageiros do amanhecer de Miguel Arroyo estavam lá A terceira memória desse período foi a nossa mudança para a Unidade Retiro local que estamos até os dias atuais Salas de aula laboratórios diversos biblioteca auditório uma sala só para nós docentes uma grande estrutura que não tínhamos e um sentimento que tentávamos construir diariamente somos uma escola Isso foi um divisor de águas para nós principalmente porque no mesmo ano da mudança nos deparamos com outro desafio a EJA passaria por uma mudança curricular muito grande que nos exigiria conhecimento técnico das nossas áreas de conhecimento mas exigiria muito mais empatia e respeito com as histórias de vidas das pessoas que chegavam para nós Começaria então a Nova EJA Sem sombra de dúvidas a Metodologia do Reconhecimento de Saberes MRS foi um salto enorme para pensarmos a Educação de Jovens e Adultos e para mim em especial para pensar o Ensino de HistóriaCiências Humanas É no desenvolver dessa metodologia que venho experienciando formas de trabalhar o conhecimento 64 histórico a partir de realidades concretas fazendo escrevivências no ensino de História Apesar de escrever esta carta para vocês meus amores e minhas amoras da EJA do polo Salvador eu deixarei que outras pessoas a leiam e além disso fomos agraciadas com a chegada de mais gente para nosso grupo de professoras Já fomos quatro depois cinco seis e no final de 2020 nos tornamos quatorze professoras no polo Salvador Antes estava só em minha área hoje tenho mais duas parceiras para trabalhar o ensino de HistóriaCiências Humanas então quero contar as minhas mais novas de Humanas nossos caminhos até aqui enquanto equipe de EJA e enquanto professora pois até aqui construí um legado de erros e acertos que no mínimo consegue nos dar esteio para saber o que não fazer Minhas mais novas de Humanas a Metodologia de Reconhecimento MRS de Saberes do SESI parte da perspectiva que aprendemos ao longo de toda a nossa vida e que essas experiências precisam ser consideradas no processo de aprendizagem formal com estudantes adultos Silva 2018 traz em sua dissertação intitulada O caminho se faz caminhando a implementação da Metodologia de Reconhecimento e validação de saberes no SESI Bahia que o fundamento da MRS é que todas as pessoas constroem saberes em espaços formais informais e não formais Em Educações vivenciadas enquanto ser humano social e histórico que tece e refaz as suas condições no mundo e com o mundo como ser dialógico crítico e reflexivo p 92 e é partindo desse lugar que a MRS constrói um caminho formativo para os jovens e adultos que chegam à instituição para concluir a educação básica A MRS segundo o seu documento norteador intitulado de Metodologia de Reconhecimento de Saberes Identificação Validação e Certificação de Competências para a Educação de Jovens e Adultos publicado em 2015 se propõe a ser um instrumento que a partir da identificação da validação e da certificação de competências possibilita estabelecer um balanço entre a matriz curricular e as competências adquiridas na experiência de vida dos educandos base para a definição do itinerário educativo de cada estudante p4 Ainda segundo o mesmo documento a MRS busca estabelecer novos parâmetros para EJA subvertendo lógica de que este grupo de estudantes precisaria percorrer o mesmo itinerário que crianças e adolescentes desconsiderando que trilharam outros caminhos e que estes lhes proporcionaram aprendizagens importantes e significativas em suas vidas 65 A MRS é dividida em três momentos e cada um deles dividido em algumas etapas Por conta da pandemia e as mudanças que ela nos obrigou a fazer vocês ainda não tiveram a oportunidade de vivenciar todo o processo É um procedimento técnico pois estamos como professoras avaliando os saberes dessas pessoas a partir das referências de uma matriz curricular que busca identificar as competências desenvolvidas por elas ao longo da vida mas sobretudo é um processo extremamente humano que emociona sensibiliza e que os anos de prática e depois de milhares de pessoas passarem por nós desenvolvemos experiência e maturidade para avaliar de forma mais holística e menos fragmentada nas competências Vou contar a vocês a minha vivência com a MRS O primeiro momento é de identificação das competências e dentro dele existem três etapas a primeira é de acolhimento Neste momento é feita a matrícula pela secretaria da escola Aqui tem um ponto importante pois na MRS vamos identificar e validar saberes informais formais e não formais então nessa fase nós verificamos se não existe alguma certificação externa como Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos ENCCEJA Exame Nacional do Ensino Médio ENEM feito até o ano de 2016 histórico de conclusão do ensino médio que ficou com dependência e aprovação em exames da Comissão Permanente de Avaliação do Estado na Bahia CPA Essas notas são consideradas pois são avaliações reconhecidas pelos órgãos estaduais e nacionais de educação e lhes confere valor legal de comprovação de conhecimento Ao fazermos essa identificação as áreas de conhecimentos são certificadas total ou parcialmente Ainda na primeira etapa após a matrícula temos o primeiro encontro para apresentação da EJA EaD do SESI à turma Neste momento conversamos sobre o que é um curso a distância e suas particularidades e sobre a MRS que via de regra é desconhecida do nosso público É muito importante que compreendam todo o processo que iniciarão pois a participação ativa e consciente nessa jornada é fundamental para construírem o portfólio pessoal e obter as certificações possíveis Nessa primeira etapa é preciso instigar o corpo estudantil que está chegando e começar a trabalhar o entusiasmo e amor pois é um momento complexo por ser uma metodologia nova portanto destoa do conhecimento de ambiente escolar e porque o processo desperta e mexe com memórias e histórias sensíveis que podem servir como gatilhos emocionais e precisam de acolhimento Esse processo é feito pelas professoras que estão acompanhando o grupo durante o percurso 66 Minhas mais novas de Humanas ao longo da vida escolar de vocês em algum momento alguém perguntou quais conhecimento vocês têm Quais os seus sonhos Qual a sua história e quais caminhos te fizeram chegar até aquele momento Eu peço que façam esse exercício de memória por alguns minutos e fiquem muito atentas às suas recordações como essas lembranças tocam as suas emoções seus corpos e como se veem Esse é o meu pedido para a segunda etapa Na fase do diagnóstico inicia o Reconhecimento de Saberes RDS com a construção de um portfólio pessoal eletrônico Vânia Maria de Oliveira Vieira no artigo intitulado Portfólio uma proposta de avaliação como reconstrução do processo de aprendizagem publicado em 2002 fala da importância do portfólio como instrumento de avaliação pois promove o pensamento reflexivo em seu processo de elaboração pois a estudante precisa estruturar e documentar o seu processo de aprendizagem para ser apresentado No documento Metodologia de Reconhecimento de Saberes Reconhecimento Validação e Certificação de Competências documento complementar II processos e instrumentos publicado em 2016 aborda a construção do portfólio a estudante estabelece um diálogo consigo mesma assim elabora sentido para as próprias experiências o que possibilita o aumento do próprio nível de consciência em relação às suas aprendizagens O portfólio pessoal do RDS é composto por um conjunto de oito formulários com o intuito de reunir informações acerca dos saberes construídos ao longo da vida No primeiro formulário é proposta a construção de suas escrevivências pensando no passado presente e no futuro Não é só lembrar mas projetar o que se quer é se ver em outros lugares No segundo formulário propõe registrar os gostos pessoais O que gosta ou não de fazer quais atividades desenvolve no tempo livre e o que gostaria de fazer se tivesse mais tempo e oportunidade O terceiro faz um mapeamento das experiências sociais a exemplo de participação em associações de bairro sindicatos instituição religiosa vida escolar das crianças ações de promoção à saúde pública e etc No formulário quatro pede para registrar as experiências profissionais aspectos positivos e negativos e apesar de ter campo para assinalar a data de entrada e saída e o nome da empresa que trabalha ele não é restrito apenas a empregos formais Incentivamos que registrem experiências informais também pois um número considerável de estudantes vive de trabalhos informais e neles desenvolvem conhecimentos importantes 67 Essa fase do preenchimento causa muito estranhamento pois é incomum que alguma instituição de ensino formal se interesse pelas histórias de vida das pessoas que estudam nela principalmente para compor um plano de estudos personalizado Olhar para si é íntimo e para algumas pessoas muito difícil por nunca terem pensado em sua trajetória de vida ou por serem tão marcadas por passagens conflituosas Nos encontros para o preenchimento dos formulários de vida nosso grande desafio é criar vínculos confiança e manter vivo o entusiasmo pelo processo para que se sintam confortáveis em contar suas histórias Para nós de Humanas isso possui duas funções importantes coletar informações para fazer as certificações da área de conhecimento e ter insumos para entender quem são essas pessoas e elaborar as oficinas dos encontros presenciais Durante a pandemia continuamos a fazer o RDS mas é significativo como esses formulários estão sendo finalizados com poucas informações algo que é compreensível pois neste formato remoto é mais difícil a construção de vínculos e confiança com as professoras Eu escrevi uma carta a Paulo Freire onde falei da importância do amor no ato de ensinar inspirada nas linhas de bell hooks e aqui mais uma vez vemos a importância disso Esses formulários estão mais vazios porque não estamos tendo a oportunidade de desenvolver o amor e o entusiasmo em nossas relações de comunidade de sala de aula e com a potência de quem somos Ao longo deste ano buscamos formas de atenuar essa distância afetiva Começamos apenas com a mediação nos grupos de WhatsApp envio de PDF e imagens explicativas passamos pela gravação de vídeos para que as estudantes vejam e conheçam suas professoras e hoje conseguimos coadunar tudo isso a encontros virtuais síncronos onde nos vemos falamos ouvimos e tentamos construir espaços de amor e de aprendizagem mas ainda temos as dificuldades do apartheid digital Os últimos quatro formulários seguem a mesma linha do registro de experiências pessoais mas associados às áreas de conhecimento A quantidade de abas de cada formulário é equivalente à quantidade de competências das áreas Ciências Humanas tem seis abas no Ensino Médio e quatro no Ensino Fundamental II apresentando situações em que cada pessoa identifique suas experiências de vida e faça o registro contando sua história associada a ela Não é descartado neste preenchimento os conhecimentos ligados à memória escolar que os jovens têm por 68 terem deixado os estudos mais recentes mas a proposta não é uma resposta conceitual e sim de identificação dos conceitos nas experiências Nos encontros presenciais antes do preenchimento dos formulários nós fazemos algumas dinâmicas para mobilizar as memórias e os saberes trazendo situações do cotidiano para serem associadas aos conhecimentos das áreas e assim ajudar na compreensão de como levar essas histórias para o portfólio de modo que possam construir as escrevivências e nós professoras possamos identificar quais competências estão presentes nelas e fazer a certificação O RDS é um exercício de escrevivência Conceição Evaristo em Escrevivências a escrita de nós publicado em 2020 traz a importância do povo negro especialmente a mulher negra de dominar a escrita pois a história do povo negro na diáspora é marcada pelo apagamento de quem somos e a reescrita de nós é pelo olhar do branco assim nos apropriarmos da grafia e dos conceitos da educação formal a partir de quem somos e das nossas experiências coletivas é um exercício de afirmação da nossa existência enquanto sujeitos históricos que faz e vive a história Após o preenchimento dos formulários há quatro avaliações relacionadas às áreas de conhecimento No escopo original da MRS ela não estava presente entretanto durante a submissão do projeto para o Ministério da Educação a inserção dela foi uma exigência do MEC para aprovar a metodologia em caráter de experiência pedagógica no parecer 12019 do Conselho Nacional de Educação Essas avaliações precisam ser trabalhadas com muito cuidado para que o termo não pese e leve as estudantes a terem o pensamento errôneo de possuírem maior importância que os formulários Durante os meus encontros de orientação para o preenchimento do portfólio tenho dito que essas avaliações são uma forma de registrar as memórias escolares que trazem pois durante a pandemia tivemos um processo mais intenso de juvenilização da EJA Dessa forma temos uma parcela considerável de estudantes com as memórias dos conteúdos escolares Essas avaliações não são pontuadas nós utilizamos as questões corretas para validar as habilidades da matriz curricular Essas avaliações apresentam uma contradição dentro da MRS pois se nos formulários nós valorizamos as experiências nelas o foco passa a ser o conteúdo pelo conteúdo já que a estrutura delas é composta por questões objetivas Essa exigência do MEC é fruto de uma perspectiva ainda conservadora de educação e que caminha 69 na ambiguidade entre as avaliações tradicionais e a tentativa de trazer o qualitativo sobre o quantitativo Ao finalizar o preenchimento do portfólio inicia a terceira etapa que é o reconhecimento de competências fazendo um balanço das competências reunindo as informações dos itinerários formais informais e não formais através dos exames de certificação nacionais e estaduais documentos escolares das informações registradas no portfólio para fazer a validação delas O segundo momento da MRS é o de Validação e é composto por duas etapas Vou seguir a ordem crescente das etapas dando continuidade as que ocorreram pois acredito que assim ficará mais fácil a compreensão da sequência Na etapa quatro nós analisamos os documentos formais e as escrevivências registradas no portfólio para identificar as habilidades e competências sob a luz da matriz curricular da MRS As notas obtidas nos exames federais e estaduais são usadas para certificar as áreas em que atingiram a nota mínima de aprovação e partimos para a leitura do portfólio entendendo que todas as informações registradas nele desde o primeiro formulário até o último podem e devem ser utilizadas para reconhecer as competências de todas as áreas de conhecimento Após a leitura e a convalidação das competências elaboramos a primeira versão do plano pessoal de estudos de cada estudante Isso é feito individualmente e cada um terá o seu correspondente às suas experiências Esta versão é entregue ao estudante no conselho A quinta etapa é o conselho do RDS Minhas mais novas de Humanas esse momento do conselho é uma experiência que tentarei traduzir aqui a partir dos meus afetos mas previamente digo a vocês ser uma experiência que transcende qualquer expectativa que possam ter e principalmente ultrapassa a técnica de avaliar e reconhecer as competências Esse momento do conselho é feito individualmente e ocorre através de uma conversa entre a coordenação docentes das áreas de conhecimento e discente registrada em ata e assinada pelas pessoas presentes Neste momento explicamos todo o processo e os motivos pelos quais está no conselho É importante proporcionar um ambiente seguro e ressaltar que assim como as informações registradas no portfólio a ata na qual é registrado o conselho bem com tudo que é dito é confidencial 70 O conselho é mais uma forma de mapear e registrar os saberes que os estudantes trazem de suas experiências de vida através da oralidade O que por algum motivo ou dificuldade não tenha sido registrado nos formulários ou que não ficaram bem compreendidas por nós professoras podem ser retomadas neste momento e incentivamos que possam falar sobre si e isso é algo de extrema relevância São pessoas interseccionadas pelas mais diversas subalternidades e historicamente silenciadas que neste momento podem utilizar a própria voz para contar a sua história e trazer para nós outros olhares sobre o mundo que nos rodeia Esse momento me remete novamente ao exposto por Conceição Evaristo em A escrevivência e seus subtextos de 2020 pois ela diz que precisamos dominar a grafia mas não podemos esquecer nossa potente herança ancestral da oralidade de contar quem somos com nossa própria voz Minhas mais novas de Humanas nosso papel como professoras deveria ser o da avaliação pedagógica focada em fazer o paralelo entre aquilo que é dito e a matriz curricular De acordo com o documento do Departamento Nacional do SESI Metodologia de Reconhecimento de Saberes MRS reconhecimento validação e certificação de competências documento completar II processos e instrumentos de 2016 nosso papel no conselho é da preparação do estudante para apresentar as competências mostrar os indícios encontrados no portfólio para fundamentar a avaliação feita incentiválo a demonstrar os seus conhecimentos e ao final precisamos apontar as potencialidades evidenciadas no processo e se for o caso indicar as competências que precisará desenvolver Apesar dessa ser a nossa função pedagógica nos deparamos com uma série de situações que não podem ser desconsideradas Nós ouvimos histórias de vida de extrema complexidade que perpassa por pedidos de ajuda e até denúncias de violências das mais diversas Muitas vezes precisamos transpor papel da professora avaliadora para ficar no lugar do acolhimento dessas dores É importante que a gestão possa pensar na implementação de uma equipe multidisciplinar especializada para o atendimento ao público da EJA pois muitas vezes ficamos na encruzilhada do acolhimento e da avaliação que precisa ser feita para cumprir o protocolo institucional Após o conselho fizemos mais uma avaliação de tudo que foi dito pela estudante e tendo a matriz curricular da MRS como parâmetro fechamos o plano pessoal de estudos Aqui entramos no terceiro momento da MRS certificação de competências 71 A certificação pode ocorrer de duas formas total quando as docentes conseguem identificar que a estudante tem 501 das habilidades de todas as competências de todas as áreas de conhecimento assim obtém a aprovação para mudar de segmento quando são do Ensino Fundamental II ou a conclusão da Educação básica quando são do Ensino Médio A outra possibilidade é uma certificação parcial quando apenas uma parte das competências são identificadas Os estudantes que são parcialmente reconhecidos são migrados para a plataforma de estudos e recebem as orientações de acesso e navegação e o cronograma para os encontros presenciais estes durante o período de pandemia têm sido realizados remotamente Minhas mais novas de Humanas vocês chegaram ao final de 2020 com a missão de fechar conosco uma meta de quatro mil estudantes se depararam com uma metodologia completamente nova e em um contexto pandêmico complexo que nos deixou trabalhando de casa Vocês estão fazendo e aprendendo compreendendo a metodologia ao tempo que se apropriam da matriz curricular desenhada especificamente para a MRS e para a rede SESI no Brasil inteiro Precisamos entender um pouco como essa matriz está estruturada pois ela alicerça a EJA do SESI Nesta carta quero me ater a matriz do Ensino Médio pois ele foi implantado desde 2016 e a MRS para o Ensino Fundamental II foi implementada no segundo semestre de 2020 O curso do Ensino Médio tem duração máxima de um ano e ao invés de um currículo seriado ele vem dividido em competências e habilidades que segundo o documento Metodologia de Reconhecimento de Saberes MRS Identificação Validação e Certificação de Competências documento Complementar I Matriz De Referência Curricular de 2016 é fundamentado nas Diretrizes Curriculares Nacionais pautada na situação social dos trabalhadores e nas aspirações de vida do educando e nas necessidades da indústria p 5 rompendo assim o paradigma de uma grade disciplinar de conteúdos enciclopédicos descontextualizados Este mesmo documento apresenta três princípios norteadores da matriz que é a possibilidade de adequação dele às pessoas adultas considerando seus contextos reconhecendo organizando orientando valorizando e conferindo significado às suas aprendizagens para seus projetos de vida p 5 A adaptabilidade às diversidades que se apresentam na EJA com a possibilidade de conjunção de competências e componentes de formação diferenciação de ritmo e processos individuais de 72 aprendizagem de modo a atender as motivações e responder às necessidades pessoais p 5 e a articulação das competências possibilitando que se enriqueçam mutuamente promovendo sua transversalidade por meio de atividades integradoras mobilizadas na resolução de problemas de vida p 5 As competências foram pensadas a partir da perspectiva de Philippe Perrenoud em Práticas pedagógicas profissão docente e formação perspectivas sociológicas de 1993 definidas como operações mentais que precisamos usar no nosso cotidiano e se alicerça nos conhecimentos teóricos e não estão restritas a eles e se revelam no fazer cotidiano através das relações que estabelecemos com as pessoas com os fenômenos situações de vida e objetos As competências são constituídas por um conjunto de habilidades que segundo o documento Metodologia de Reconhecimento de Saberes MRS Identificação Validação e Certificação de Competências Documento Complementar I Matriz De Referência Curricular de 2016 são baseadas nos quatro pilares que a UNESCO estabeleceu para a educação saberconhecer saberfazer saberconviver e saberser As habilidades podem constituir determinada competência mas não estão restritas a elas pois as competências dialogam entre si inclusive entre áreas de conhecimentos A matriz serve como parâmetro para o processo de avaliação e certificação das aptidões mas não é uma caixa para aprisionarmos os saberes dos estudantes ela é referência e deve ser ajustada a cada estudante e contexto de vida Nossos erros e acertos nos ajudaram a abrir ciclos gnosiológico nos trouxe amadurecimento para o fazer prático da metodologia de modo contemplar a matriz curricular que foi proposta para ela mas sem deixar de considerar os seres humanos que chegam para nós de forma mais holística e menos fragmentada em competências técnicas O currículo da Nova EJA como o curso é chamado é feito através da articulação dos saberes disciplinares dividido em quatro áreas de conhecimentos Meus amores e amoras esta carta é escrita a vocês como um registro histórico da nossa trajetória e do nosso fazer mas ela também faz parte de um trabalho acadêmico na área de ensino de História então aqui eu vou me ater a minha área de humanas para refletir e trazer minhas percepções sobre essa matriz Minhas mais novas de Humanas quero dedicar essa parte a vocês que hoje estão de mãos dadas comigo dando continuidade à escrita da história do Ensino de HistóriaCiências Humanas na EJA do polo Salvador do SESI Bahia e que esse 73 processo dialógico nos possibilite abrir muitos outros ciclos gnosiológicos sempre avançando e inovando nossas práticas docente O currículo de Ciências Humanas do Ensino Médio é composto por seis competências e vinte e duas habilidades que vocês já devem ter percebido perpassam as outras três pois as Ciências Humanas se situam na dimensão da cultura do fazer humano mais diretamente voltadas ao desvelamento e à compreensão da trajetória humana no mundo como estabelece o documento completar da matriz curricular já citado aqui A educação para adultos assim como Paulo Freire trouxe em suas obras precisa ser voltada para a compreensão do mundo e o exercício da cidadania e a matriz curricular da Nova EJA do SESI a Metodologia de Reconhecimento de Saberes MRS também traz essa abordagem elencando a necessidade de pensar nossas relações com o meio ambiente Quando vocês chegaram no final de 2020 e início de 2021 eu fui remexer em alguns arquivos de estudos construídos ao longo dos anos em reuniões pedagógicas em jornadas pedagógicas e mesmo em conversas informais que costumamos ter pelas tardes em nossa sala e demonstra esse caráter transdisciplinar da área de Ciências Humanas Elencamos como as competências e habilidades de uma área nos ajudava a identificar os conhecimentos de outras no processo de validação dos saberes As orientações que o documento norteador da Nova EJA traz é que devemos trabalhar na dimensão da cultura tendo como nossa bússola a chegada do adulto na escola com sua identidade cultural construída formada consolidada Ainda que não consiga expressar a partir de termos acadêmicos acabam encontrando mecanismos de explicar como enxergam o mundo em que vivem por isso os objetos de conhecimento precisam ser trabalhados com essas subjetividades que chegam para nós formadas ao longo de vivências diversas e complexas Dessa forma é possível possibilitar que cada pessoa possa perceber seus lugares no mundo e tecer críticas a ele e vivenciar a sua cidadania As seis competências de Ciências Humanas estão articuladas da seguinte forma A C1 Relacionar os elementos culturais que definem como identidades dos diferentes grupos sociais a variados contextos históricogeográfico traduzidos em conhecer e correlacionar os processos culturais que formam o Brasil trazendo em suas habilidades a importância de compreender as diversidades etnicorraciais patrimônio material e imaterial introdução aos estudos históricos com o entendimento 74 de sujeito histórico fontes construção das narrativas históricas Nas oficinas os objetos de conhecimento apresentados pela matriz são trabalhados a partir das vivências de negritude em um país estruturalmente racista dos conhecimentos historicamente construídos pelo povo negro na tentativa de tirar do ostracismo a produção intelectual negra e indígena dos movimentos de resistências dos quilombos e dos Povos Originários que se mantém ao longo de mais de cinco séculos e são vividos diariamente por nós povos racializados e pobres Entendo esta competência com uma presença muito forte de conceitos históricos portanto para a elaboração do produto educacional desta pesquisa eu a estabeleci como meu recorte de trabalho assim em alguns momentos trago nesse texto o termo ensino de História para me referir a ela Na C2 Relacionar o trabalho humano aos processos de construção e transformação em diferentes contextos históricogeográfico esta competência está ligada ao mundo do trabalho e das transformações ao longo do tempo pré e pós revolução industrial os avanços tecnológicos e seus impactos na criação de postos de trabalhos nas lutas pelos direitos trabalhistas no Brasil e no mundo participação de mulheres e a desigualdade de gênero no mercado de trabalho exploração de mão de obra infantil Grande parte do corpo discente traz em suas histórias o abandono da escola e o trabalho ainda na infância para ajudar ou ser o principal provedor da casa Precisaram aprender o caminho caminhando viveram as dificuldades da informalidade do assédio da LGBTfobia da falta de emprego porque as indústrias contratam pouco e querem mãodeobra qualificada para lidar com as máquinas enfim do desemprego e do desespero que ele acarreta portanto essas experiências são trazidas para estudo dessa competência fazendo uma interlocução entre os conceitos e as vivências das pessoas da turma Na C3 a matriz diz que precisa saber analisar aspectos relevantes das instituições sociais e políticas nas relações de poder em diferentes escalas e contextos históricogeográfico que se relaciona a compreensão das desigualdades sociais dos direitos humanos dos conflitos locais nacionais e mundiais acarretados pelas desigualdades acometidas aos povos do mundo inteiro gerada pelas guerras concentração de renda governos totalitários que institucionalizam e banalizam o mal A EJA é feita de povos racializados pobres que historicamente vivem em situações de desigualdades sociais Essa competência nos abre caminhos para 75 problematizar a origem das injustiças sociais como elas se estabelecem e são normalizadas pela sociedade e as políticas de enfrentamento e resistência são articuladas com os movimentos sociais quer seja queimando pneu na comunidade em mora para reivindicar algum direito ou em uma escala maior nacional ou global A C4 diz que é preciso saber analisar interações sociedadenatureza em diferentes contextos históricogeográficos reconhecendo suas principais dinâmicas e impactos ambientais e sociais Ela contempla um movimento crescente e necessário que nos obriga a refletir sobre nossa relação com o meio ambiente os impactos do nosso modo de vida de consumos de exploração predatória e violenta As nossas ações humanas no tempo e no espaço como estamos transformando o mundo com nossa cultura e ao mesmo tempo sendo modificados pelas necessidades de readaptação É muito comum no trabalho com essa competência as dificuldades com saneamento básico e coleta dos lixos nas periferias de Salvador As histórias de perdas durante as chuvas nos temporais que levam tudo mas que não levam a fé e a força necessária para a reconstrução de histórias de pessoas que tiram seus sustentos em trabalhos de cooperativas de recicláveis e dão aulas impressionantes sobre o processo de coleta e reciclagem de resíduos A C5 aborda a necessidade de saber utilizar categorias de análise apreendidas no estudo das diversas correntes filosóficas em seu cotidiano e na problematização da realidade eou de textos estudados se desdobrando no estudo de conceitos presentes em nosso cotidiano como a noção de ética cidadania moral valores justiça e democracia Essa competência traz uma perspectiva limitada do conhecimento e restringe a filosofia antiga grega deixando de fora outras formas de se pensar sobre o mundo que são produzidas por outros povos e em outras partes do planeta Nas oficinas aproveito para trabalhar as cosmovisões que não são contempladas pelos objetos de conhecimento da competência Refletir sobre o pensamento dos povos Originários de nossa ancestralidade negra são importantes para construir outras percepções sobre nós mesmas e o processo de apagamento epistêmico que os povos racializados sofreram com o processo colonial Entender a importância de quem somos do sentido primordial que tem os ensinamentos das matriarcas da família é fundamental pois traz o contraponto à mentalidade racista de que somos burros preguiçosos inferiores por não termos a mesma perspectiva de 76 mundo dos brancos Na C6 o objetivo é compreender as relações políticas e sociais construídas nos vários contextos históricosociais vinculada ao conhecimento da estrutura política brasileira a partir da noção de democracia justiça social cidadania processo eleitoral sistemas políticos e suas diversidades Considerando o impeachment que o Brasil e a presidenta Dilma sofreram em 2016 e os desdobramentos catastróficos disso o trabalho com esta competência sempre se resvala em o que é esquerda e direita golpe ou impeachment e principalmente como as mudanças no governo brasileiro têm afetado nossas vidas O retorno do Brasil ao mapa da fome as dificuldades com emprego e renda atualmente com a pandemia e a preocupação das estudantes com o sustento da casa em priorizar o pouco de internet para os estudos das crias em detrimento do próprio estudo FORA BOLSONARO Minhas mais novas de Humanas vocês estão domando essas novidades com muita maestria Sempre atentas dialogando e buscando compreender esses processos minuciosos entre a teoria da matriz e o desdobramento dela na nossa prática Trabalhar os conteúdos mas dentro de outros contextos revelados a nós na construção do portfólio pessoal e ultrapassam o conceito pois mais do que saber o que é é preciso saber como vivenciálo de forma crítica para buscar outros meios para transformar a sociedade O grupo que tem a certificação parcial é inserido em outra plataforma de estudos e no encontro de ambientação mostramos como acessar e navegar dentro dela para encontrar as áreas de conhecimentos o material de estudos e as avaliações Aproveito este momento para conhecer as pessoas que farão parte do ciclo de oficinas quais as expectativas peço uma breve apresentação mostro a proposta da área de conhecimento e às vezes já tenho alguma ideia de algo que acredito ser bom trabalhar e conversar com a turma para saber se é uma proposta que os entusiasma e ouço o que têm a dizer para compor o plano de trabalho a ser desenvolvido Ao longo desses seis anos de SESI percebi que as oficinas têm maior engajamento quando a proposta é alinhada com as expectativas trazidas pela turma Quando as competências são trabalhadas de forma que as experiências sejam valorizadas e trazidas para a discussão escolar com o grau de importância que elas de fato têm 77 Um dos trabalhos que desenvolvi com a competência 1 foi o de mapear os patrimônios culturais que existem nos bairros em que as pessoas moravam Não trabalhei na perspectiva do tombamento institucional mas do reconhecimento do patrimônio enquanto construção e partilha de uma identidade assim como Canclini trouxe no artigo O patrimônio cultural e a construção imaginária do nacional de 1994 Patrimônio cultural expressa a solidariedade que une os que compartilham um conjunto de bens e práticas que os identifica mas costuma ser um lugar de cumplicidade social p96 A proposta não era fazer nenhuma pesquisa na internet tão pouco contar as histórias já contadas dos pontos turísticos de Salvador mas que pudessem compreender o sentido do que é um patrimônio cultural e buscar a concretização dele no cotidiano e a partir disso compreender o conceito e sua aplicabilidade Desta forma criamos um novo cenário turístico de Salvador a partir de perspectivas populares afrorreferenciadas gratuitas ambientais que desconstruiu uma série de estereótipos da periferia da cidade construídos pela mídia policialesca de marginalização pobreza e sem cultura Outro projeto desenvolvido foi o trabalho com o livro Quarto de despejo de Carolina Maria de Jesus e a associação dele com as seis competências de Humanas O primeiro ponto a ressaltar foi a unanimidade da turma em nunca terem lido nenhum livro escrito por uma pessoa negra e se atentar a isso substancia a necessidade da afrorreferencialidade nos estudos de todas as áreas de conhecimento para além de trabalhar história e cultura afrobrasileira e indígena pontualmente como disciplina específica ou como ações para o novembro negro E o trabalho interseccionado é algo que o polo Salvador vem desenvolvendo e aprimorando ao longo dos anos Não trabalhamos apenas as mazelas relatadas por Carolina Maria de Jesus mas aspectos de uma mulher negra como escritora e como conhecemos pouco a produção intelectual negra a sua perspicácia na leitura do mundo que a rodeava a historicização dos problemas sociais apresentados por ela fazendo a intersecção de raça gênero e classe Isso é necessário pois precisamos entender o Brasil como um produto colonial portanto os povos africanos e indígenas não vivem na mesma condição que os brancos Quando pensamos em intelectuais doutores são as pessoas brancas que emergem do nosso subconsciente então através da aprendizagem histórica precisamos construir outros perfis intelectuais possíveis 78 A importância de um ensino significativo se revela nos comentários feitos durante a apresentação dos trabalhos em relacionar aspectos do livro ou da intelectual que o escreveu com a própria vida com as pessoas da família ou de entender que suas vozes são fundamentais para a construção da história e que não só podem mas devem fazêlas ecoar da forma que puderem Ao longo desta carta tenho me perguntado constantemente o que tenho a propor para o ensino de História como posso oferecer alguma perspectiva minimamente interessante e penso nas minhas práticas ao longo do tempo e tenho tentado dar uma forma a esse turbilhão de ideias Acredito que proponho um ensino de História que dá vazão às nossas memórias as nossas marcas de vida e como a sentimos que partamos da ancestralidade do equilíbrio entre razão e sentido teórico com aquilo que experimentamos como vivemos e sobrevivemos em uma sociedade historicamente tão desigual como a nossa Quero fazer um ensino de História iniciado pelo que temos de mais profundo que são as nossas memórias das histórias vivenciadas e damos sentido com o nosso corpo na com e para a vida Um ensino de História que se proponha abarcar esta dimensão precisa iniciar da compreensão do básico dos conceitos introdutórios da História a partir de outras cosmovisões que possa nos remeter às nossas referências intelectuais produzidas por nós e para nós que sentiram viveram e construíram teorias acadêmicas sem se separar da essência ancestral pois o ensino de História precisa nos conectar com a vida com o que somos com quem queremos ser e onde queremos chegar A História nos situa no mundo e precisamos desenvolver coletivamente o nosso lugar nele para não ficarmos nos quartos de despejos que a história branca ocidental nos jogaram Precisamos da História para saber que assim como uma música não é feita de uma só nota nós também somos uma composição complexa e que podemos reger a orquestra de nossas vidas através de muitas Histórias Ailton Krenak em Ideias para adiar o fim do mundo de 2019 fala que vivemos em uma sociedade que jogada em um liquidificador que chamamos de humanidade mas isso é genérico e artificial e que a nossa memória ancestral é a base para sustentarmos nossa identidade e referenciais no mundo Estudando História é uma das formas de conhecermos e construirmos essas referências Na minha experiência profissional foi no SESI que tive o primeiro contato com um currículo específico para a EJA e serve de parâmetro para que possamos 79 desenvolver o trabalho e não como um ponto de chegada onde todas as pessoas tenham que estar no mesmo lugar para serem consideradas aprovadas Isso faz toda a diferença pois as subjetividades permeiam o processo de aprendizagem Isso me remete a Roberto Sidnei Macedo em seu artigo Atos de Currículos uma incessante atividade etnometódica e fonte de análise de práticas curriculares publicado em 2013 que aborda como as pessoas estão inseridas no processo de ensinoaprendizagem e estão indexalizadas e implicadas em seus contextos socioculturais Portanto elas são coautoras dos currículos e dessas aprendizagens desenvolvidas pois elas criam sentido culturalmente significativo ao se apropriar dos conceitos e tornamse sujeitos de si E entendo que desta forma podem se perceber como sujeitos históricos pois então referenciadas nos tempoespaço Nilma Lino Gomes em O Movimento Negro Educador saberes construídos nas lutas por emancipação publicado em 2017 trata a importância dos grupos não hegemônicos terem voz e que isso acontece através dos movimentos sociais e por causa dele é que hoje temos em pauta de discussão dentro e fora da academia temáticas como racismo juventude gênero e tantas outras que perpassam pelas minorias políticas do Brasil Importante salientar que os movimentos sociais têm uma forte atuação com papel educativo nas periferias e hoje com a internet e as rede sociais é possível ampliar o alcance dos debates e foi pela sua força que as pautas antirracistas e seus desdobramentos com as ações afirmativas nos permitiram acessar os conhecimentos que abriram novos ciclos gnosiológicos sobre a nossa história para questionar conceitos tão naturalizados como escravo descobrimento do Brasil índio heróis nacionais e tantos outros que nos foram dados como verdades históricas irrefutáveis e buscar dentro dessa História o nosso lugar de origem e na diáspora nossos conhecimentos oriundos dos nossos ancestres Originário e donos de Pindorama Entendo que enquanto se discute os atos de currículo dentro da academia teorizando e buscando espaço institucional para ele nós povos racializados mulheres LGBTQIA pobres periféricos deficientes já estamos praticando e construindo estratégias de aprendizagens a partir das nossas emergências quando nos reunimos para através do diálogo compreender nossa realidade e buscar no estudo da História o entendimento de como essa estrutura foi montada e quais são suas rachaduras para construirmos outros caminhos possíveis para nós através dela Nilma Lino Gomes fala do poder dos movimentos sociais e em especial dos 80 movimentos negros como mediadores entre as instituições formais e as comunidades e como sistematizadores de saberes construídos pela população nas experiências sociais culturais histórias políticas e coletivas A escola ainda traz para dentro de suas paredes esses saberes fruto das nossas emergências de vida assim o trabalho com os atos de currículos na EJA nos dá abertura para articular saberes não hegemônicos com a grade curricular que tenta paradoxalmente aprisionar a vida vivida por nós do lado de fora da escola Paulo Freire em A sombra daquela mangueira publicado em 1995 diz que precisamos transformar a fraqueza dos fracos em força e para isso ocorrer precisamos desnaturalizar as estruturas de opressão pois as situações podem ser diferentes Nós não somos seres condicionados mas transformamos o mundo com o mundo e para todas as pessoas que vivem nele É nisso que entra o poder da História Paulo Freire disse que a História precisa ser campo para possibilidades e não determinismos e ela só pode apresentar alternativas quando dominamos o nosso poder de decidir sobre nós e sobre o mundo Minhas mais novas de Humanas isso não é lindo Olha o poder de se estudar História Não podemos chegar em nossas salas de aulas e não termos todas essas perspectivas como nosso objetivo maior na construção do conhecimento No SESI em alguma medida temos um campo de trabalho que nos permite pensar fora da caixa Não digo que não haja as amarras institucionais e suas burocracias mas temos um polo com uma gestão que comunga dessas ideias e nos apoia mas fico pensando como isso seria possível dentro de outras instituições que não possuem a mesma configuração da nossa não contam com um currículo específico para EJA não têm profissionais para se debruçar a pesquisar e produzir momentos de aprendizagem de acordo com o público que recebem Volto o meu pensamento lá para aquela primeira escola que trabalhei com EJA a dificuldade em estar numa sala de adultos e busco refletir o que poderia ter feito quais rachaduras existiam ali que eu poderia ter entrado como poderia ter cumprido aquele roteiro curricular préestabelecido de outra forma Eu poderia ter trabalhado aqueles conteúdos de outras formas e é isso que gostaria de registrar nesta carta pois acredito existir outras professoras pelo mundo afora com as mesmas inquietações que eu O currículo é um campo de disputa políticoideológico no campo da educação mas a teoria pela teoria não muda muita coisa então um documento escrito é só um 81 documento escrito mas nós na prática da sala de aula que damos vida e sentido a ele portanto ele é caminho e como tal podemos fazer dele meio de se chegar a muitos lugares O currículo de História de modo geral e em especial sua ausência para EJA e os materiais didáticos que se desdobram dele podem não ser os ideais mas não precisamos tratálos como incontestáveis na prática docente Eles podem e devem ser contestados junto com a turma para que possam construir o olhar crítico sobre o próprio conhecimento Eu entendo e proponho um caminho para o ensino de História através das escrevivências partindo do olhar de um cotidiano que é construído no nós e nisso é antagônico ao eu a que fomos acostumadas História é a experiência coletiva e não pode ser vista sob um único ponto Chimamanda Ngozi em O perigo da história única publicado no Youtube com o nome TED O perigo de uma história única expõe a importância de nos vermos representados para sabermos da nossa potência criadora de mundos ou reproduziremos a história contada por quem criou e usurpou o poder e quem o detém conta a história que lhe é conveniente para a manutenção do seu status Tenho usado as cartas desta dissertação para mostrar como o trabalho com a escrevivência pode ser poderoso Não posso negar que ao longo desses anos de mestrado e nessa escrita eu pude conhecer mais de mim rememorar coisa antes esquecidas entender tantas referências que estavam latentes em meu subconsciente me empoderar como professorapesquisadora conheci tantas outras intelectuais não brancas que tiveram trajetórias cruzadas com a minha e isso me fortaleceu para chegar até aqui A escrevivência desse texto é também uma forma de mediar as dificuldades que os próprios estudantes têm de falar de si de contar sua história de analisála dentro do tempo espaço Ao fazer esse exercício também estive no lugar que as peço que fiquem senti suas dificuldades e assim posso pensar em formas de ser uma professora melhor para elas na mediação de suas escritas Por fim quero registrar nesta carta a vocês meus amores e minhas amoras da EJA nossa escrevivência nos humaniza e tira de nós a obrigação de revolucionar o mundo e dar conta de resolver tudo que chega a nós Até aqui pude rever alguns pontos da nossa trajetória e ficar feliz com tudo que temos feito entre erros e acertos pois deixo aqui um relato de sucesso pois estamos com nossos ciclos gnosiológicos sempre abertos e isso é fundamental para nós professoras Com amor e entusiasmo 82 ELES PENSAM QUE PODE APAGAR NOSSA MEMÓRIA MAS A FORÇA DO ILÊ NOS CONDUZ NESSA TRAJETÓRIA Salvador 12 de outubro de 2021 que isso filha É verdade Eu não sabia que ensinava jongo na Universidade riso Quer dizer então que eu posso ser dipromada gargalhada Curtametragem Casca de baobá 2017 A Severina Abro esta carta dizendo a você que ela tem o propósito de apresentar o que elaborei para trabalhar o ensino de História com a Educação de Jovens e Adultos Então aqui você encontrará minha proposta didática para construirmos a compreensão dos conceitos introdutórios do estudo da História Escrevo estas linhas a você Severina que aqui representa a potência das pessoas participantes da EJA Você que chegou aqui e teve a curiosidade de ler minha carta à Severina preciso apresentála Assim te convido a fazer uma observação das relações de poder existentes entre as regiões brasileiras Não é difícil encontrarmos relatos de xenofobia contra pessoas do Norte e Nordeste por parte de pessoas do Sul e Sudeste do Brasil nas redes sociais nas mídias abertas Essas atitudes são frutos de processos históricos iniciados com a fuga da Família Real de Portugal Após a sua chegada ao Brasil a transferência da capital para o Rio de Janeiro o processo de industrialização e as políticas eugenistas que incentivaram a imigração europeia o eixo SulSudeste passaram a ser o centro político e econômico do país e o Nordeste passou pelo processo de apagamento de sua história no cenário nacional Portanto só vemos ele aparecer no estudo da História do Brasil quando se fala do período da monocultura da canadeaçúcar Refletindo sobre esse contexto histórico e a partir de observações do cotidiano das redes sociais de falas em mídias brasileiras elaborei duas definições acerca do nome Severina nome esse usado como uma caricatura do povo nordestino Severina Na língua xenofóbica se refere a todos os nordestinos independente do estado de nascimento burro matuto incapaz de origem inferior alguém que pode ser explorado pelo Sul e Sudeste do Brasil Severina Na língua do Nordeste se refere a pessoas de grande poder força inteligência alguém que sabe sobreviver nas circunstâncias mais adversas potência 83 vitalidade pujança um mandacaru verde e florido no meio do pasto seco sagacidade ancestralidade terra fogo ar e água Obviamente essa missiva é destinada à segunda Severina Severina estou há alguns dias ruminando esta carta sem saber muito bem como dizer a você as coisas que se passam aqui na minha cabeça mas avancemos pois acredito que precisa saber e fazer parte deste processo de construção do conhecimento Primeiramente quero dizer que esse trabalho foi desenvolvido em cima de coisas que me desconcertam e a partir disso tenho buscado caminhos para fazer um trabalho docente melhor Dito isso o meu incômodo do momento é refletir como as escrevivências narradas pelas pessoas que estudam na EJA tem implicações para o ensino de História Tenho observado Severina que sua história começa pela falta Ausências humanas afetivas socioeconômicas dos direitos humanos fundamentais para uma vida com o mínimo de bemestar Quando você se depara com uma página em branco para escrever a sua história a dor reverbera e essa narrativa de forma tão aberta sempre me espantou pois quando iniciamos a Metodologia de Reconhecimento de Saberes MRS eu não imaginei que seria um espaço no qual você se sentiria segura para contar coisas tão profundas e íntimas Não posso negar que a leitura da sua escrevivência ecoa em mim e às vezes em lugares tão fundos que me transborda do meu lugar de avaliadora das competências de Ciências Humanas Severina com o tempo eu tenho aprendido a acolher o relato de suas dores sem deixar que elas se tornem gatilhos emocionais para mim A primeira vez que consegui te ler sem sair do prumo foi quando eu li Vivendo de Amor da professora e intelectual afroamericana bell hooks Já mencionei esse texto anteriormente e expliquei qual o conceito de amor que ele traz Ele foi um divisor de águas em minha vida tanto no âmbito pessoal quanto profissional Com hooks eu entendi por que o portfólio se tornou um espaço seguro para você desaguar Com ela eu pude ter a percepção do amor como meio para liberdade e como ele precisava estar presente em minha docência E foi com essa consciência que comecei a ler a sua escrevivência pelas entrelinhas pelo não dito e comecei a enxergar a sua potência o quanto você precisou aprender para transformar e ressignificar seus caminhos até aqui Se no portfólio no campo do passado você inicia pelas dores no campo do futuro você demonstra entender que elas passaram e não podem te definir Seu 84 passado faz parte de quem você é ele te construiu e fez o ser humano de hoje mas por mais difícil que tenha sido ele não apagou a sua energia para sonhar e chegar até aqui na EJA do SESI Bahia para realizar Você aprendeu na vida que é preciso correr atrás do que se deseja e ao chegar aqui nos sentamos à mesa para registrar valorizar e certificar o que já é seu Severina quando te olho vejo um mandacaru grande vistoso e florido no meio do pasto seco aquela planta que sobrevive e traz esperança para o sertão como uma fonte de água Diante de você não posso deixar de querer sempre fazer o melhor de buscar a excelência na minha prática docente pois você não merece menos e tendo isso como meu foco eu quero te contar nesta carta o que proponho para trabalharmos os conceitos introdutórios da História Fiz este recorte porque entendo a base como o começo do processo de construção do conhecimento e acredito que compreender o que é a História como ela é feita porque é importante estudála e as transformações que podemos promover na sociedade a partir do entendimento do nosso processo histórico é fundamental para criarmos o entusiasmo o sentimento de pertença e o interesse no seu estudo contínuo Severina sei que você chega à escola depois de uma jornada dura de trabalho então quero que sua experiência comigo e com os estudos seja cheia de entusiasmo portanto ao invés de me ouvir falar eu sugiro um jogo para encontrarmos na sua escrevivência os conceitos que precisamos elucidar Quero te contar como pensei esse jogo e as possibilidades dele ser aplicado Como professora eu organizo as formas de trabalhar o currículo na sala de aula mas você faz parte desse processo entendendo o que está sendo proposto e dizendo de que forma acontece a sua construção de conhecimento como gostaria que a escola estabelecesse o diálogo para seus ciclos construtivos estarem sempre abertos e em expansão Particularmente acredito que estes momentos podem ser mais ricos se pensados a partir dessas interações Um jogo traz dinamismo ao processo de construção do conhecimento No artigo Jogos didáticos na educação de jovens e adultos aceitação de professores e alunos publicado em 2016 por Gercivania Gomes da Silva et al a autora fala sobre a importância de trabalhar de forma lúdica na EJA com objetivos bem traçados para que haja a participação ativa na construção do conhecimento e não apenas ter o jogo como diversão na aula A autora aborda ainda que o uso de jogos desenvolve 85 características importantes sobre os sujeitos como a criatividade o espírito de competição cooperação e tomada de decisão O jogo pode trazer o melhor de você Segundo Celso Antunes em Jogos para a estimulação das múltiplas inteligências de 1998 ele nos ajuda a enriquecer nossa personalidade e as formas que nos comportamos socialmente É uma alternativa metodológica para criarmos uma experiência de Ubuntu onde o ganhar pode ser uma vivência coletiva mas ao mesmo tempo aprendemos sobre nós nossos limites nossas relações interpessoais como sermos melhores e ao mesmo tempo abrirmos ciclos de conhecimentos escolares elencando teoria e prática Severina você vem da periferia e lá você aprendeu que sobrevivemos no coletivo É a vizinha que muitas vezes nos socorre em nossas necessidades diárias e é a criatividade infindável que você demonstra na sua escrevivência que fez você chegar até aqui e te impulsiona a continuar Nosso trabalho aqui não é te ensinar a ser pois você já é Eu acredito que nós podemos trazer as suas características para a consciência e associar com os conhecimentos escolares para que possamos intensificar o melhor de você e incentivar que veja e explore os percursos possíveis para a sua vida Quando penso no nosso jogo não gostaria que fosse uma competição na qual alguém ganha e outra pessoa perde Te disse um pouco mais acima que gostaria de fazer uma experiência de Ubuntu Em Fundamentos da filosofia Ubuntu afro perspectivas e o humanismo africano publicado em 2020 diz que viver a ética ubuntu faz parte da compreensão primordial a respeito da nossa coletividade e tudo que vivemos acontece no nós A origem dela é entre os povos sulafricanos Zulus e Xhosa e seu princípio fundamental é ancorado em solidariedade partilha e comunidade A existência humana parte da essência da coletividade pois nossa humanidade existe no nós No eu a humanidade não pode existir em sua plenitude Kellison Cavalcante cita um texto de Nascimento de 2016 no qual trata o entendimento do Ubuntu através da percepção de tudo o que temos em comum É uma ética coletiva que nos conecta uns com os outros com a natureza ao nosso redor com o divino todas as forças inerentes e subjacentes se cruzam formando o todo e esse todo compõe a racionalidade humana e nos torna seres que cria e recria os diversos territórios que habitamos Acredito que eles podem ser físicos e metafísicos pois também moramos em nossas subjetividades 86 Severina fui lá nas bases acadêmicas buscar essa definição para te apresentar a filosofia e pormos em prática em nosso jogo Eu proponho que ele seja uma experiência de cooperação coletividade e que todos participantes possam focar na aprendizagem e não na ideia de vencer por vencer Nosso jogo não tem um vencedor final pois todos que estão jogando já venceram Venceu um dia de trabalho as batalhas domésticas o buzu lotado o cansaço a vontade de ir para casa e chegou até a escola Você já é uma vencedora por si só Severina Nosso jogo terá foco no que podemos aprender em nossas escrevivências compartilhadas em como podemos nos ajudar a fazer uma história de construção colaborativa do conhecimento afinal ele não acontece no eu mas no nós Então deixa eu te contar como penso que ele pode acontecer Eu o batizei de Escrevivência com a EJA e ele começará com você escrevendo uma carta para o seu Eu do futuro contando a sua trajetória de vida Diga de onde veio como foi a infância o local em que nasceu descreva os lugares por onde passou as coisas diferentes que viu comeu conheceu os cheiros as coisas que sentiu as músicas que te marcaram experiências significativas em sua vida Caso tenha um álbum de fotografias olhe quem são as pessoas que estão lá o que vestem cortes de cabelo veja o que mudou e o que permanece converse com as pessoas que fazem parte da sua vida em busca de mais informações para ativar as suas memórias Faça um mergulho bem fundo em você mesma e relate tudo para a sua eu do futuro Durante essa escrita tente acessar as vivências que fizeram parte da sua história Ative os seus sentidos com sons aromas sabores texturas Os sentidos do corpo têm ligação direta com a memória Severina se você se sentir confortável poderíamos partilhar na sala de aula e dialogarmos sobre os detalhes desses registros Podemos ver quais pontos são experiências coletivas quais intersecções podem ser feitas com esses relatos como e porque elas atravessam as pessoas da sala e se expandem para fora de seus muros Gostaria que esse momento fosse feito com escuta afetuosa com a sabedoria do acolhimento das dores do aplauso das conquistas do incentivo aos sonhos Vamos criar um ambiente assim em nossa sala Na sequência teremos uma série de cards divididos em cinco unidades de sentido relacionadas à introdução do estudo da História Nos cards O tempo e a História serão encontrados indicativos associados ao estudo do tempo pela História Ele é uma criação humana e não universal Vários povos de culturas diferentes pelo 87 mundo estabeleceram diversas formas de compreensão do tempo e as historiadoras o tomam como matéria prima do seu trabalho investigativo assim cada card trará uma forma diferente de percebêlo como cíclico linear através da memória dos afetos cronológico as ideias de mudanças permanências e a simultaneidade em que os fatos acontecem Figura 1 Card O tempo e a História Fonte Pesquisadora Os cards Fontes históricas possuem indicativos para compreensão da História através de uma investigação dos registros que deixamos ao longo do tempo e ele é feito de muitas formas pode ser através de imagens oralidade fontes materiais imateriais e documentos Tudo o que produzimos aponta para o tipo de vida que tivemos sobre a cultura na qual vivemos quais transformações operamos na sociedade Durante a construção de uma narrativa histórica nós consultamos as fontes problematizamos suas contradições fazemos perguntas e buscamos nelas as respostas possíveis Figura 2 Card Fontes Históricas Fonte Pesquisadora 88 Os cards Quem faz a História possuem indicativos para perceber que todos nós somos sujeitos históricos agentes ativos na sociedade portanto promovemos transformações ao longo de nossas vidas dentro de contextos de tempo e espaço sendo assim temos participação ativa e direta na construção da História do tempo em que vivemos Figura 3 Card Quem faz a História Fonte Pesquisadora Nos cards História é ciência o indicativo é a compreensão do campo da História a partir do entendimento do seu objeto de estudo o tempo Assim teremos cards que trarão indícios sobre o passado presente anacronismo e verdade para entendermos como se constrói a ciência no âmbito da História Figura 4 Card História é Ciência Fonte Pesquisadora Os cards Arteafetos o termo é uma brincadeira com artefatos históricos busca utilizar diversas formas de expressões para que a turma possa contar a sua história e assim contextualizar o arteafeto apresentado no tempoespaço Eles foram pensados para trazer mais movimento ao nosso jogo acessando as nossas memórias 89 através das artes e dos afetos Aqui a proposta é que você conte a sua história a partir de expressões artísticas que te marcaram Pode ser com músicas imagens danças brincadeiras da infância poemas apresentações A atividade pode ser realizada com a parceria de um colega de turma Figura 5 Card arteafetos Fonte Pesquisadora Os cards Curinga é opcional para que as docentes possam acrescentar indicativos para construção de conhecimentos pertinentes a turma em que o jogo é aplicado Cada sala de aula é um mundo carregado de subjetividades e entendo que por não ter condições nem a pretensão de abarcar todas elas ofereço alternativas quanto ao uso dos cartões Figura 6 Card Curinga Fonte Pesquisadora Severina você pode visitar o Canva e ver todos os cards sugeridos Use o QR code abaixo 90 Imagem 7 QR code Cards Fonte Pesquisadora Severina quando comecei a elaborar este jogo pensei nas muitas realidades em que ele poderia ser aplicado e isso foi um ponto de inquietação pois queria criar algo adaptável sem perdas no objetivo principal de construção do conhecimento Para responder a minha inquietude resolvi oferecer possibilidades ao invés de um jogo fechado em regras específicas Então vou te contar agora algumas ideias que pensei para a sua jogabilidade O elemento principal deste jogo são os cards assim os elaborei de modo analógico e digital O modelo analógico traz um conjunto de trinta cards 6 de Arteafetos 4 de História é ciência 3 de Quem faz a História 6 de Fontes históricas 9 de O tempo e a História e 2 Curinga uma sugestão de tabuleiro e 1 dado Será necessário que a professora e a turma selecionem algum objeto para representar os grupos no tabuleiro como o peão Sugiro tampinhas de garrafa O formato de tabuleiro recomendado é inspirado no jogo Banco Imobiliário tendo apenas a casa Início desenhada em círculo e mais trinta casas numeradas sendo o jogo finalizado após todos os cards terem sido usados Para jogar nesse formato a professora divide a sala em grupos de acordo com a quantidade de estudantes Todos os peões ficam posicionados na casa Início cada grupo joga o dado para saber a quantidade de casas que andará no tabuleiro Onde parar deve retirar o card correspondente ao número da casa e seguir a orientação apresentada Como o jogo será em equipe a cada rodada é possível ler o trecho da carta de um dos participantes do grupo Caso não seja viável ter um tabuleiro indico dispor os cards em cima da mesa formando um círculo e dar continuidade ao jogo com a mesma orientação acima 91 O formato digital está em um site chamado Prezi e de acesso público O jogo se apresenta em um layout interativo como um tabuleiro digital com casas numeradas de 1 a 30 Ao clicar em cima de cada casa ocorre um zoom e automaticamente aparece o card Ao clicar novamente a tela volta ao tabuleiro inicial Cada casa é autônoma e pode ser aberta sem comprometer as informações das demais Figura 8 Tabuleiro virtual Fonte Pesquisadora Severina visite o tabuleiro virtual Você pode usar esse QR code abaixo Figura 9 QR code Tabuleiro virtual Fonte Pesquisadora Severina o jogo está estruturado para ser um processo formativo para você mas ao longo da sua construção eu também passei por aprendizagens Nossos ciclos de transformação do conhecimento se retroalimentam permanentemente e assim eles estão sempre em crescimento Minha docência está sempre em 92 construção pois nossos encontros mobilizam subjetividades em nós e isso me provoca a repensar constantemente o que faço o que sei o que e como aprendi e como tudo isso se manifesta quando nos encontramos na sala de aula A estudante que você é hoje é diferente da estudante de amanhã e essa transformação ocorre em mim simultaneamente Esse jogo que propus a você Severina pertence a um universo maior Ele está inserido em uma trilha autoformativa que espelha a pesquisa dessa dissertação Ela está estruturada em um site chamado Padlet e nele listei dez seções distribuídas entre orientações e os cards do jogo A primeira é a Seção Autoformação destinada a docentes portanto a mim Ela foi pensada a partir das aprendizagens que desenvolvi com esta pesquisa e de como ela poderia chegar até você na sala de aula Severina Dentro dela eu trago dez subseções com propostas de autoformação para as professoras desenvolverem os seus conhecimentos de conceitos que foram trabalhados ao longo da escrita das cartas que compõem essa dissertação O primeiro é a compreensão do que é o entusiasmo na perspectiva de bell hooks Indico referências que eu li e proponho um exercício de escrita de uma carta endereçada a uma professora que tenha marcado a sua passagem pela escola como uma forma de associar teoria e prática Desse modo será mais fácil perceber quais dificuldades porventura você Severina possa ter na hora de escrever a sua Nesse trabalho eu mergulhei em minhas memórias escolares nas professoras que passaram em minha vida e nela deixaram marcas quais delas eu me recordo e o motivo de têlas em minha lembrança Professoras marcam as nossas vidas Espero marcar a sua de forma positiva e ser uma recordação inspiradora Ainda na primeira seção sugiro desenvolver esse jogo de forma interdisciplinar convidando a área de linguagens para trabalhar a escrita da carta pois ela é um gênero textual a ser estudado e a confecção de papéis personalizados para escrevê la O conhecimento não ocorre de maneira fragmentada mas com a mobilização de todas as áreas simultaneamente para compreender os fenômenos que vivemos Portanto o trabalho interdisciplinar é desenvolvido estabelecendo um tema e um objeto concreto a ser alcançado Flávia Cavalcanti Gonçalves Kaveski em Concepções acerca da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade um estudo de caso fala que o trabalho 93 interdisciplinar não pode dividir teoria e prática pois para o seu desenvolvimento é necessário a práxis e uma reflexão permanente entre o teorizado e o feito Severina o trabalho interdisciplinar é coletivo e como tenho dito nos construímos em comunidade e isso é um exercício pedagógico e humano porque viver e trabalhar em grupo é difícil e requer dentre tantas coisas paciência e respeito para que haja uma construção colaborativa do que será feito isso é algo em constante construção e formação em nós sujeitos coletivos Ainda nessa seção tem o conceito de escrevivência que fui desenvolvendo de forma teórica e prática nesta dissertação A proposta do jogo é que você elabore a sua escrevivência então eu preciso saber o que ela é e como desenvolvêla para conseguir te orientar Eu iniciei o meu processo autoformativo em escrevivência aqui nestas cartas numa pesquisa praxiológica olhando para o meu fazer e pensando sobre ele A indicação da escrita da carta para entender e vivenciar o entusiasmo também perpassa pelo exercício da escrevivência Não acredito ser possível promover a construção do conhecimento escolar sem ouvir as pessoas que compõem a sala de aula Preciso saber quais são os seus propósitos Severina o que te motiva o que você sonha para a sua vida para que a minha prática com o ensino de História contribua para as suas conquistas Portanto entendo que antes de jogarmos o Escrevivências com a EJA precisamos ter um momento de diálogo na sala Desta maneira lanço uma proposta de fazermos uma roda de conversa para que você expresse as suas expectativas e assim eu possa apresentar o estudo da História de forma relevante para o seu contexto de vida Concluo esta seção com uma midiateca de arteafetos e cosmovisões com indicações de textos multimodais que tenho acessado e me ajudado a ampliar as minhas referências conceituais e a minha visão sobre a História e o seu ensino escolar A segunda seção desta trilha é composta pelas orientações a você Severina que jogará o Escrevivências com EJA Aqui é um momento de preparação para que você faça um mergulho em sua história de vida Começo propondo o exercício no espelho onde você deverá olhar para si e voltar no tempo gradativamente até a sua infância e lembrar das pessoas a sua percepção de tempoespaço as experiências que marcaram A partir deste exercício de memória eu te orientarei a escrever uma carta para a sua Eu do futuro Ofertarei ideias sobre o que você poderá trazer em sua 94 escrevivência para ter consciência da sua como sujeito de história pertencente a um grupo social E a partir dela compreender os conceitos introdutórios do estudo da História e associar a teoria às manifestações deles em nossa vivência Na terceira seção eu compus a jogabilidade do Escrevivências com a EJA Apresento a quantidade de cards que já estão elaborados e disponíveis para serem usados e possibilidades para jogálo Eu pensei em propostas de jogos individuais ou em grupos a depender da quantidade de estudantes presentes na sala de aula pode ser jogado virtualmente ou de forma analógica com o uso de dados ou sorteio de número com a possibilidade de acréscimo de cards e um tutorial básico de como utilizar o Canva plataforma onde eles estão inseridos Severina você pode assistir ao vídeo tutorial usando o QR code abaixo Figura 10 QR code Tutorial Canva Fonte Pesquisadora Das seções quatro até a nove estão dispostos os indicativos dos cards do jogo relacionados aos conceitos introdutórios do estudo da História que deixo disponível no Canva e que te contei acima Na seção nove eu abri um espaço para compartilhar experiências docentes Neste lugar Severina todas as professoras que aplicarem o jogo poderão fazer um relato de como desenvolveu a atividade e assim criarmos um repositório de formas diversas de trabalhar o ensino de História com o Escrevivências com a EJA 95 Figura 11 Padlet Trilha autoformativa escrevivências com a EJA Fonte Pesquisadora 96 Severina visite a Trilha autoformativa escrevivências com a EJA Você pode usar o QR Code abaixo Figura 12 QR code Trilha autoformativa Escrevivências com a EJA Fonte Pesquisadora Severina a sua presença na sala de aula me enriquece me provoca a buscar possibilidades de trabalhar me enche de energia e entusiasmo e vontade de saber mais e nesse movimento eu vou me transformando Paulo Freire em Pedagogia da Autonomia chama isso de abertura de ciclos gnosiológicos que ocorre com a dodiscência no qual aprendo quando estou ensinando e você me ensina no seu ato de aprender bell hooks em Ensinando a Transgredir educação como prática de liberdade inspirada nas ideias freirianas chama essa transformação de autoatualização descrita como a capacidade da professora abrir mão do desejo de dominar e ter a posse do conhecimento para construir uma sala de aula emancipadora e de troca de aprendizagens Como professora de História não posso me permitir fazer de outra forma com você Severina Maria do Socorro da Costa e Almeida e Ana Cristina Castro do Lago em Autoformação Desafios da avaliação como prática de pesquisa e Aprendizagem do trabalho docente a experiência da construção de Trilhas Sensoriais falam de autoformação como o processo no qual a professora tem a sua prática como campo de pesquisa Cada aula é planejada partindo dos conhecimentos que tenho mas ao final dela eles se modificaram já que em nossos encontros na sala de aula nós chegamos atravessadas pelos contextos e perspectivas elaboradas pelas vivências 97 anteriores que se transformam em nosso tempoespaço de forma conjunta criando outras percepções da realidade a partir da ampliação do conhecimento da História Severina meu maior desejo é que eu tenha conseguido trazer uma proposta de um ensino de História capaz de despertar e alimentar o seu entusiasmo pela disciplina Que você o veja como caminho para entender o que te rodeia e se fortaleça no autorreconhecimento de quem você é uma pessoa de histórias e memórias uma parte importante da sociedade e com potencial de transformação do mundo em que vivemos Nós olharemos para o nosso passado para nos referenciar nele nos empoderar do legado deixado por nossa ancestralidade Sabendo de onde viemos poderemos abrir caminhos para chegar aonde queremos nutrindo essa herança ancestral de saberes para as próximas gerações continuarem a promover uma revolução histórica de nós sobre nós e para nós Com amor e entusiasmo 98 MEXENDO COM GENTES PLANTANDO SEMENTES GERMINANDO MENTES LOGO VAI BROTAR Salvador 01 de julho de 2022 Escrevo essas linhas sem medo de como você pode interpretar Um chamado tá tudo acordado O bonde tá forte nóis veio cobrar Do ouro ao conhecimento Não vai ter lamento e eu vou te mostrar O chamado Bia Ferreira À Universidade Quando comecei a pensar na estrutura dessa dissertação e durante as orientações com Ana Lago entendi que ela era um diálogo com toda a comunidade que eu transitava então deixei a última carta para a Universidade porque compreendi a necessidade de contar todo o caminho para que pudessem ver a complexidade da construção da professorapesquisadora Percorri um longo caminho até aqui Este trabalho escrevivente é a memória de quem fui sou e quem pretendo ser como pessoa como profissional e como pesquisadora Escrevi esse trabalho dividido em cinco cartas e cada uma destinada a pessoas que julguei importantes nesse processo Há uma carta à minha banca explicando como estruturei esta pesquisa outra à Paulo Freire em que dialogo sobre as minhas ideias a respeito da EJA Ensino de História Educação Escrevivência construção do conhecimento e crio através dessa conversa o meu esteio teórico A terceira carta é destinada aos meus colegas de trabalho faço uma breve historicização da EJA do SESI e do polo Salvador Nela abordo a Metodologia de Reconhecimento de Saberes e como penso o Ensino de História na EJA A quarta carta é destinada a Severina uma representação de todas as estudantes da EJA e abordo o meu produto educacional A quinta e última carta é destinada à Universidade Agora escrevendo esta carta façome alguns questionamentos quem é a Universidade Vou escrever essa carta para uma entidade abstrata Se ela fosse postada quem a receberia teria a incumbência de responder Retornei a Ailton Krenak em seu livro Ideias para adiar o fim do mundo lembra que fomos nós a humanidade responsáveis por criar as instituições para falar por e para nós sendo assim entendo que esta carta é uma proposta de reflexão coletiva para todas nós 99 que somos esta instituição e que cada pessoa tome para si um pouco da responsabilidade com essa entidade tão importante para a sociedade Primeiramente precisamos refletir sobre o acesso à Universidade Na minha adolescência sonhar com o Ensino Superior era algo muito pretensioso e falar sobre isso em alguns espaços era ser vista como alguém queria botar a mão onde o braço não alcança ou seja não era para mim Poderia fazer um curso técnico e com sorte poderia trabalhar em alguma empresa do polo industrial que existe em Candeias e nas cidades vizinhas Quando alguém disse que o curso de Técnico em Segurança do Trabalho estava em alta e havia muitas contratações nos idos dos anos dois mil meu pai disse filha minha não vai botar peão em colo nem vai ouvir desaforo porque mandou usar capacete Se ela quer fazer faculdade então ela vai fazer Essa lembrança me faz rir agora mas graças a todos os esforços e renúncias feitas por ele é que foi possível chegar até aqui e isso me faz pensar nas dificuldades ainda existentes para acessar a Universidade É bem verdade que nos últimos vinte anos vimos políticas públicas que favoreceram a interiorização delas com a criação de novas instituições e de campus isso elevou a quantidade de vagas e em conjunto com as políticas de cotas criaram uma paleta de cores de classes de gêneros de corpos e mentes mais diversas o que refletiu na produção intelectual e em nossa cultura Ter o máximo de diversidade habitando esse espaço é fundamental para pensarmos em novas estruturas sociais que possam dar conta da complexidade das nossas emergências interseccionadas por todas as subjetividades e concretudes que nos atravessam Quando penso no quanto fui privilegiada em ter acessado a Universidade mesmo com todas as dificuldades enfrentadas eu preciso me questionar a quem serve o que estou pesquisando Desde o início do mestrado eu me desafio a produzir conteúdos que possam impactar de forma positiva e concreta o campo do Ensino de História Ter entrado em um programa de mestrado profissional foi uma das decisões mais acertadas que tive pois eu pude encontrar sentido para estudar e desenvolver uma pesquisa e poder ajudar outras professoras que assim como eu precisam acessar experiências de outras profissionais para se inspirarem Desenvolver uma pesquisa e mostrar seu impacto para a sociedade precisa ser um compromisso que esteja como objetivo principal e não como consequência Bolsonaro se elegeu a presidência da República atacando as Universidades Públicas 100 desqualificandoas à revelia de todas as pesquisas que mostravam o quanto elas são as responsáveis pelo desenvolvimento científico do país mas seus seguidores acreditavam em suas palavras e não nos dados A pandemia da Covid19 colocou as Universidades públicas à frente das pesquisas e com a nordestina baiana Jaqueline Góes de Jesus despontando no cenário mundial com o mapeamento do genoma do vírus poucos dias depois do primeiro caso confirmado no Brasil ainda assim o descaso com as instituições de Ensino Superior continua e sem grandes comoções populares A segunda reflexão as pessoas não conhecem o que é produzido aqui Começamos a acessar os muros mas a sociedade ainda não sabe ao certo o que é feito nas Universidades públicas brasileiras Aqui dentro desenvolvemos pesquisas em todas as áreas do conhecimento que mudam a nossa sociedade Se pensarmos no campo da educação as mudanças que ocorreram aqui dentro após o acesso de pessoas negras indígenas pobres LGBTQIA tornou possível novas teorias serem produzidas e outros olhares concedidos ao processo educativo Estamos no momento de disputa acirrada porque hoje podemos questionar perspectivas hegemônicas naturalizadas e pensar numa educação que contemple a diversidade A Universidade tem um grande poder e com ele precisa vir o compromisso de se fazer pesquisas que todas as pessoas possam entender Eu acessei estes muros minha mãe se orgulha de ter uma filha mestranda mas ela ainda não entende como isso pode impactar em sua vida Trouxe minha mãe como referência pois ela o seu perfil mulher negra pobre não concluiu a Educação Básica representa grande parte da população que não conhece as produções intelectuais brasileiras A Universidade precisa ser um espaço para todas as Severinas deste país Sonho com o dia que não será preciso cotas porque teremos chegado em um modelo de sociedade com oportunidades verdadeiramente equânimes para o acesso físico e intelectual e permanência nos espaços de ensino superior Pode ser um pensamento utópico e ingênuo mas não quero pouco da vida e na minha sala de aula incentivo que todas as pessoas queiram muito sonhem alto idealizem e jamais se contentam com o mínimo O Brasil é nosso das Severinas e não abriremos mão de nada tão pouco do direito básico inalienável e sublime que é a educação A minha terceira reflexão aqui é a importância da Universidade caminhar de mãos dadas com a Educação Básica Sou da geração que ouviu que a universidade produz e a escola reproduz então como professora de Educação Básica eu não teria 101 o que pensar e produzir no campo acadêmico Que bom ter sido possível acessar um programa de PósGraduação que me ajudou a romper definitivamente com essa ideia Entrei aqui com muitas indagações e com um problema de pesquisa e estou saindo com muitas outras perguntas e indicativos que podem ser respostas para a minha problemática deste trabalho Entretanto o campo da ciência não é de respostas absolutas mas de aberturas constantes de ciclos gnosiológicos Este programa de mestrado em nenhum momento durante a minha passagem me deixou perder o foco do lugar que a Educação Básica ocupa Ela não poderia sair do meu pensamento durante a pesquisa e o meu objetivo maior era promover uma educação de qualidade O título que viria dele é consequência de algo maior e mais importante a formação de Severina Espero que em algum momento ela possa estar aqui dentro da Universidade pensando em possibilidades de transformar positivamente o mundo Ser aluna do ProfHistória me ajudou a consolidar o meu lugar de pesquisadora no campo do ensino de História A escrita desta dissertação mexeu comigo de muitas formas e lugares Precisei revisitar as minhas memórias contar a minha história ressignificar experiências enfrentar medos e com a minha escrevivência aceitar que eu faço parte da comunidade acadêmica pois ela também está carregada de unidades de sentido e através deles eu entendo o mundo portanto sou capaz de mudálo Eu sou um sujeito histórico Essa consolidação tem se desdobrado em mim me abrindo caminhos no campo da pesquisa Hoje me vejo como uma professora melhor porque o ProfHistória me ajudou a fazer da minha práxis o meu lugar de estudo Sou uma pesquisadora melhor porque tive docentes e uma orientadora maravilhosa que esteve comigo ao longo desse tempo me ajudando a construir o que eu queria construir Através do entusiasmo e amor me mostrou em sua prática docente aquilo que eu estava tentando fazer e teorizar Eu tive bases sólidas neste programa e hoje o meu mundo é muito maior do que aquele vivenciado antes de estar aqui na UNEB Aqui fica uma última reflexão O conhecimento precisa vir para nós pelo lugar do prazer e da cura Eu busco conhecer porque me faz bem me deleito ao ler algo e acessar pontos de vista de pessoas em outros temposespaços me faz ver as situações por outras perspectivas O conhecimento é libertador pois movimenta a nossa imaginação e nos desloca nos transborda no mundo 102 Ao longo da escrita dessa carta um jovem cometeu suicídio durante a sua banca de conclusão de curso e isso inflama temores nas comunidades a quem o trabalho intelectual foi historicamente negado e o tempo todo precisa provar duas vezes mais a sua capacidade de produção de conhecimento A intelectual Preta Carla Akotirene em seu perfil do Instagram discute quase que diariamente sobre o seu lugar de mulher preta dentro da universidade e a instituição como um microcosmo da sociedade que rejeita constrange deprecia qualquer coisa que fuja do padrão branco cristão heteropatriarcal eurocentrado Trouxe as palavras dela pois acredito que a comunidade acadêmica precisa conhecêlas É preciso dizer que o Ori é uma divindade soberana poderosa cabeça cuja sanidade tornase impraticável quando a Ori en tação intelectual vem de doutoras e doutores que não querem o triunfo do destino bem como através da colonialidade vão adoecer e exterminar os nossos pensamentos A academia é moderna e colonial Cruel Narcísica e Eliminatória Por que A academia é responsável pela colonialidade do saber decidindo se conquistamos ou não credenciais A academia empobrece os nossos valores Bantus e éticas Yorubas pois o potencial para as revoluções culturais é cooptado pela meritocracia linguagem culta e hegemônica dos parâmetros ABNT A Universidade tem sido lugar de adoecimento A fabricação do conhecimento se tornou uma corrida que não produz endorfina Estamos em uma instituição e como tal compreendo que haja seus trâmites legais mas não pode ser o lugar para sairmos com receitas de antidepressivos e ansiolíticos O conhecimento não é adoecedor Eu tive a sorte de experimentar uma Ori en tação de liberdades possibilidades inovações diversidadesde vida Encontrei Ana Lago que potencializou o que havia de melhor em mim e floresceu o meu jardim com as sementes que eu tinha mesmo aquelas que desviavam da norma É possível construir relações acadêmicas de cura Eu vivi isso Essa dissertação é fruto dessa vivência ou com absoluta certeza ela não teria chegado aqui 103 Figura 13 Reflexões sobre a vivência acadêmica Fonte Pesquisadora Concluo esta pesquisa sem qualquer pretensão de entregála acabada em si mas que ela seja um constante devir para o ensino de História na Educação de Jovens e Adultos Desejo que ela seja uma semente a ser regada por cada professora que acessála e principalmente que eu tenha dado contribuições valiosas para a EJA e para a Universidade ser um local de acolhimento e valorização da diversidade de saberes e corpos que compõem a sala de aula Que as palavras que estou tendo a oportunidade de deixar registrada nesta Universidade seja luz da mesma forma que as palavras de todas as pessoas que me acompanharam nesta pesquisa foram luz para mim No mais eu desejo que a comunidade acadêmica esteja sempre olhando para si problematizando suas práticas e buscando alternativas para ser cada vez maior mais democrática mais acessível prazerosa de ser vivida e promova conhecimento que potencializa e cura nossos Oris Com amor e entusiasmo 104 TENHO EM MIM MAIS DE MUITOS SOU UMA MAS NÃO SOU SÓ ABUD Kátia Maria O ensino de história como fator de coesão nacional os programas de 1931 Revista Brasileira de História São Paulo Anpuh Marco Zero v 13 n 2526 1993 p163174 AKOTIRENE Carla Palavraschave Guilherme suicídio TCC Salvador 13 de Jul 2022 carlaakotirene Disponível em httpswwwinstagramcompCf88UXyg7DQigshidYmMyMTA2M2Y Acesso 15 de jul de 2022 ALMEIDA M do S da C e LAGO A C C Autoformação desafios da avaliação como prática de pesquisa e aprendizagem do trabalho docente a experiência da construção de Trilhas Sensoriais Anais IV Colóquio Práticas Pedagógicas Inovadoras na Universidade v 1 p 401413 2015 ANTUNES Celso Jogos para a estimulação das múltiplas inteligências 13 ed Rio de Janeiro Vozes 1998 ARROYO M G Passageiros da noite do trabalho para a EJA Itinerários pelo direito a uma vida justa Petrópolis Vozes 2017 294p BARROS Surya Pombo de Escravos libertos filhos de africanos livres não livres pretos ingênuos negros nas legislações educacionais do XIX Educação e Pesquisa São Paulo v 42 n 3 p 591605 julset 2016 httpsdoiorg101590S1517 9702201609141039 BENJAMIN Walter Sobre o conceito de história In BENJAMIN Walter Magia e Técnica arte e política ensaios sobre literatura e história da cultura Trad Sérgio Paulo Rouanet 2 ed São Paulo Brasiliense 1986 c Obras Escolhidas v 1 BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Os confrontos de uma disciplina escolar da história sagrada à história profana São Paulo USP 1993 BONILLA MHS OLIVEIRA PCS Inclusão digital ambiguidades em curso BONILLA MHS PRETTO NDL orgs Inclusão digital polêmica contemporânea online Salvador EDUFBA 2011 pp 2348 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil DO 5 de outubro de 1988 BRASIL Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei número 9394 20 de dezembro de 1996 CANCLINI Néstor García O patrimônio cultural e a construção imaginária do nacional Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Rio de Janeiro Iphan n 23 p 95 115 1994 105 CAVALCANTI K L Fundamentos da filosofia Ubuntu afroperspectivas e o humanismo africano 184 Revista Semiárido De Visu Petrolina v 8 n 2 p 184192 2020 CERRI Luís Fernando Ensino de História e consciência histórica Rio de Janeiro FGV 2011 EVARISTO Conceição A escrevivência e seus subtextos In Escrevivência a escrita de nós reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo Org DUARTE Constância Lima NUNES Isabella Rosado 1 ed Rio de Janeiro Mina Comunicação e Arte 2020 FELISBERTO Fernanda A escrevivência como rota de escrita acadêmica In Escrevivência a escrita de nós reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo Org DUARTE Constância Lima NUNES Isabella Rosado 1 ed Rio de Janeiro Mina Comunicação e Arte 2020 FERREIRA S C 2020 Apartheid digital em tempos de educação remota atualizações do racismo brasileiro Educação Disponível em httpsperiodicossetedubreducacaoarticleview9045 Acesso em 20 de março de 2022 FONSECA S G Didática e prática de ensino de história experiências reflexões e aprendizados São Paulo Papirus 2003 FOUCAULT Michel História da Sexualidade a Vontade de Saber vol 1 Graal São Paulo 1998 FREIRE P À sombra desta mangueira São Paulo Editora Olho dÁgua 1995 FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia Saberes Necessários à Prática Educativa São Paulo Paz e Terra 1996 Pedagogia da Esperança Um reencontro com a Pedagogia do Oprimido Paulo Freire Rio de Janeiro Paz e Terra 1992 FREIRE P Pedagogia do oprimido 12 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 1983 GOHN Maria da Glória Educação Não Formal Aprendizagens e Saberes em Processos Participativos Disponível em httppagesieuminhoptinvedindexphpiearticleview4 Acesso em 02 de junho de 2020 GOMES Nilma Lino O movimento negro educador Saberes construídos na luta por emancipação Petrópolis RJ vozes 2017 HOOKS bell Ensinando a Transgredir educação como prática de liberdade Tradução de Marcelo Brandão Cipolla São Paulo 2013 Editora Martins Fontes 2013 106 HOOKS bell Supremacia Branca Patriarcado e Capitalismo 2019 3m51s Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvt76kj2WrxsIt3s Acesso em 29 de maio de 2020 Vivendo de amor Disponível em httpswwwgeledesorgbrvivendodeamor Acesso em 15 de maio de 2020 KAVESKI Flávia Cavalcanti 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efontedeanalisedepraticascurriculares Acesso em 18 de junho de 2022 MASCIA Márcia Aparecida Amador MENDES Jackeline Rodrigues MONTEIRO Alexandrina Representações discursivas de professores da EJA O nãolugar Disponível em httpsrevistasanchietabrindexphpRevistaInterseccoesarticleview1195 acesso em 15 de Marços de 2021 PRETTO NL org Inclusão digital polêmica contemporânea Salvador EDUFBA 2011 ROCHA Helenice Aparecida Bastos Aula de História evento ideia e escrita Disponível em httpwwwuelbrrevistasuelindexphphistensinoarticleview23852 Acesso em 02 de junho de 2020 SAUNDERS Tanya L Epistemologia negra sapatão como vetor de uma práxis humana libertária Revista Periódicus v 1 n 7 2017 107 SESI Metodologia de Reconhecimento de Saberes MRS Reconhecimento Validação e Certificação de Competências documento complementar II processos e instrumentos 2016 SESI Metodologia de Reconhecimento de Saberes MRS Identificação Validação E Certificação de Competências Documento Complementar I Matriz De Referência Curricular 2016 SILVA Fernanda Brito O caminho se faz caminhando a implementação da Metodologia de Reconhecimento e validação de saberes no SESI Bahia Salvador 2019 201 fls Dissertação MPEJA Departamento de Educação UNEB Salvador 2019 SILVA Gercivania Gomes da ARAÚJO Cleônia Roberta Melo FIGUEIREDO Adriana de Carvalho Jogos didáticos na educação de jovens e adultos aceitação de professores e alunos Disponível em httpwwwpesenacbrcongressoanais2016pdfcomunicacaooral055pdf Acesso em 01 de julho de 2022 SOARES Lissandra Vieira MACHADO Paula Sandrine Escrevivências como ferramenta metodológica na produção de conhecimento em Psicologia Social Psicologia Política 1739 p 203 219 2017 SOUZA Jorlânia Carolina Cândida de Convergências entre Etnomatemática e a Metodologia de Reconhecimento de saberes potencializar identidades negras A cultura das tranças para além da estética na Educação de Jovens e Adultos Dissertação de Mestrado Profissional em Educação de Jovens e Adultos Universidade do Estado da BahiaUNEB Salvador BA 2021 VASCONCELLOS Celso Construção do Conhecimento em sala de aula SP Libertad 2002 VIEIRA Vânia Maria de Oliveira Portfólio uma proposta de avaliação como reconstrução do processo de aprendizagem Psicol esc educ online dez 2002 vol6 no2 Disponível httpswwwscielobrjpeea9TFSpL6r85RKPcXy7qKN5dDabstractlangpt Acesso em 19 de junho de 2022 108 EU NÃO ANDO SÓ 109 Maria Filipa minha sabedoria e competência Estou fazendo um mestrado e como todo trabalho intelectual ele não é feito sozinho Estou invocando meus mais velhos e meus mais novos para a minha caminhada para que me guiem me esclareçam e me ajudem a construir uma do discencia praxiológica engajada antirracista anticolonialista e que possa efetivamente chegar a quem de fato ela se destina nossasos estudantes da EJA Assim gostaria muito de convidála a dividir comigo os seus saberes e experiências para me ajudar a construir o entendimento de que EJA é esta que nós fazemos no SESI e qual o nosso propósito com ela Peço que construa uma narrativa autobiográfica contando a sua trajetória no SESI quais são os sentimentos as transformações pessoais e profissionais as mudanças institucionais como a passagem do presencial para a EaD mudanças curriculares de plataforma de estudos as mudanças etárias geracionais e de perfil dosas estudantes Estas são algumas ideias para ajudála na construção desta narrativa mas estou aberta e muito feliz para ler aquilo que desejar partilhar comigo Beijos 3 Para facilitar você pode utilizar o recurso de digitação por voz e ele é muito fácil de usar Clique em Ferramentas Digitação por voz ative o uso do microfone e então é só me contar a sua história Outra dica bem simples é usar o atalho do teclado CtrlshiftS Quando quiser desativálo basta clicar em cima do ícone do microfone que aparecerá do lado esquerdo da sua tela Resposta Sol convite aceito com muito carinho Vou rascunhando por aqui e assim que tiver finalizado te aviso 3 Minha querida Sol fico feliz pelo convite em contribuir com a minha história e experiências 110 A minha trajetória na EJA iniciou com o meu ingresso no SESI em 2001 Passando pelos murais da FecedUFBA no meu primeiro semestre de pedagogia vi um anúncio de vaga de estágio para EJA no SESI Logo ao voltar para casa na saída da faculdade passei o IEL e lá obtive informações da vaga Fui entrevistada e no mesmo dia me encaminharam ao NETI Núcleo de Educação do Trabalhador da Indústria para ser entrevistada novamente pela coordenadora técnica de EJA Cida Oliveira Cida me entrevistou e me convidou para ingressar em um curso de formação e preparação de discentes para EJA do PSET Programa SESI de Educação do Trabalhador da Indústria que iniciaria na terçafeira como prérequisito solicitou que eu fizesse a leitura do livro Alfabetizar Adultos de Marta Durante Voltei para casa com o livro emprestado por ela e o devorei Chegando na terça à tarde no SESINeti lá no Stiep para iniciar a formação Passamos por 20 horas de formação em que fui apresentada a EJA o sistema de aquisição da escrita a chamada psicogênese da escrita alfabética níveis de escrita etc as especificidades do PSET Educação do trabalhador e no último dia fomos conhecer de perto uma turma da EJA do SESI em um canteiro de obras localizada na construção do hospital da Bahia Foi muito interessante conhecer um canteiro escolar uma sala de aula em um refeitório com dezenas de trabalhadores estudando a noite Para a minha surpresa logo na semana seguinte Cida me liga e informa que havia uma sala disponível para mim em um canteiro de obras próximo ao extra paralela marcou um momento comigo e com a coordenadora Sayonara e já iniciamos o contrato e planejamento para iniciar a turma que dividiria com a docente estagiária Fabiane Fabiane e eu fizemos uma dupla de ajuda mútua realizamos muitas atividades juntas e isso favoreceu muito o nosso aprendizado e dos nossos estudantes também Sayonara era uma coordenadora muito atenta às nossas necessidades parceira e muito divertida Chegava à noite na sala cantarolando para assistir a nossa aula e ao final ali mesmo nos dava um feedback nos orientando e já ajustando o planejamento Sayô era uma coordenadora que nos desafiava nos empurrava a crescer mas estava ali por perto para ajustar e nos impulsionar para um novo voo Meu desafio nessa época estreando na EJA em uma sala de aula era o de estudar em início do curso de pedagogia e seguir com o estágio com as exigências e demandas do SESI como a formação e planejamentos 111 Essa turma teve um contrato renovado com o SESI e Fabiane e eu seguimos desta vez sob a coordenação de Lucimar Com Lucimar tivemos uma experiência primorosa em alfabetização pois nessa etapa recebemos muitos alunos que não sabiam ler nem escrever Foi um grande desafio um trabalho de formiguinha onde percebemos que alguns avançavam e outros não Essa foi a primeira turma que vi homens adultos que escreviam no lugar de letras bolinhas tipo garatujas infantis e que não reconheciam letras nem números E ali Lucimar ressaltava que com esses trabalhadores além de levarmos o conhecimento da língua escrita deveríamos situá los do seu papel na sociedade Homens trabalhadores da construção civil que não possuíam um RG com a sua assinatura que assinavam a lista de recebimento da cesta básica na empresa com o polegar Em contrapartida presenciamos alguns deles chegarem com o RG assinado após aprenderem a grafar o próprio nome e como isso era muito significativo para eles Um resgate para a vida sacar o seu próprio dinheiro sem ajuda ou pegar o ônibus pela leitura do nome do bairro da bandeira e não pelo número de ordem ou cor do ônibus Acompanhamos essas transformações e foi incrível No presencial ainda como estagiária tive mais uma turma para acompanhar em substituição a uma professora no bairro de Pau da Lima também em construção civil acompanhada desta vez por Luciana essa era uma coordenadora maternal que colocava todas as discentes no colo e planejava minuciosamente o plano A B ou C pensando até em estratégias caso faltasse algum material essa turma para mim foi mais tranquila pois a experiência das duas primeiras me ajudou bastante e seguir com o processo de alfabetização dos trabalhadores e também com os desafios de estudar e trabalhar Ao terminar essa turma recebi o convite de Sayonara que a essa altura substituía Cida Oliveira que já tinha se aposentado para atuar no Neti como estagiária de apoio a coordenação pedagógica Essa experiência possibilitou conhecer o fazer pedagógico de uma coordenação o planejamento seleção de docentes formação pedagógica visitas às salas de aula toda a rotina que às vezes como docente não percebemos como funcionava Este processo me ajudou na formação da coordenação que hoje pratico e acredito colaborativa e dinâmica Nesse novo desafio também pude perceber como cada sala em uma empresa possui suas especificidades e desafios que cada professor requer um acompanhamento alguns mais de perto outros mais livres O mesmo para algumas 112 empresas que exigiam um tom de coordenação com mais atenção Em reuniões com engenheiros vimos como era o comportamento de alguns ao se deparar com uma mulher Presenciei ainda a sala ser fechada após uma empresa exigir que um conteúdo planejado sobre direitos dos trabalhadores não deveria ser ministrado em uma turma Nesta experiência em uma empresa de construção civil na Pituba fui com a coordenadora informar que a turma não continuaria a funcionar e o engenheiro agradeceu pois disse que ao contratar o SESI pensava que ele faria a educação do patrão Passei um ano nessa atuação de estágio de apoio à coordenação até que recebi o convite para trabalhar como assistente pedagógica uma função efetiva que não existia Essa experiência também foi muito enriquecedora onde pude em alguns momentos apoiar mais pedagogicamente as docentes nas férias das coordenadoras realizar sensibilização que era uma palestra de motivação e apresentação do programa para os trabalhadores realizarem a adesão ao retorno aos estudos Mais um ano e meio nessa função e ao final da minha graduação após esse tempo fui promovida a coordenadora pedagógica do EFI Para isso reuni em mim minhas experiências acumuladas na vivência com cada uma delas para construir o meu tom de coordenação e me fiz coordenadora com as minhas primeiras docentes Nayara Carolina Daiana e Taise Essa lista foi crescendo e de repente me vi com 26 salas de aulas e 20 dias letivos para visitar as turmas e as exigências de padrões qualidade prazos relatórios metas a cumprir faturas a fazer reuniões a tocar e planejamento O PSET só crescia e desbravava cidades do interior com os desafios de estrutura localização de difícil acesso para algumas docentes em empresas de cerâmica Por exemplo localizadas em parafuso onde algumas delas precisavam acessar com o suporte de deslocamento da empresa e um refeitório com pouca estrutura e apenas uma lâmpada para iluminar o espaço para estudo Muitas empresas procuravam o SESI para levar o programa não interessadas de fato na educação do trabalhador pois muitas vezes não os liberavam no horário da aula mas pelo valor de ter o SESI no canteiro e o selo de empresa parceira do programa Era uma luta convencer esse engenheiro que de fato esses trabalhadores precisavam frequentar a sala de aula que era um ganho para a empresa ter esse trabalhador qualificado Em contrapartida tínhamos empresas que investiram e apoiaram esse estudante até mesmo premiando ou pagando hora extra para quem finalizasse com frequência de 100 mensal como era o caso da Odebrecht Chesf Petrobras Santa Helena e Embasa Fortalecia o 113 nosso discurso que o programa apresentava resultados quando a empresa de fato apoiava o seu trabalhador Em meados de 2008 vimos no SESI a oferta do ensino fundamental I cada vez mais escassa não pela elevação de escolaridade da população baiana adulta mas sim pela não contratação de pessoas que não eram alfabetizadas Isso impactou nas diretrizes do SESI que redimensionou o seu foco de atuação para o ensino fundamental II e ensino médio bem como a necessidade de novas ofertas surgindo a demanda de projeto de curso para a educação a distância Solange Novis gerente na época da EJA RMS o Neti havia se tornado Unidade e com isso o seu nome foi alterado para Unidade EJA Era o rascunho da oferta da EJA ead enquanto o RM tentava desbravar as vendas e relações para implantação de turmas de EFII e EM Nesse cenário também escrevemos um projeto que foi financiado pelo DN visando alinhar a alfabetização à inclusão digital e atuar na educação desse trabalhador não alfabetizado O projeto foi aprovado e começamos com o apoio do ITED instituto de tecnologia e inovação do Senai a desenhar o software de alfabetização interativa O Sinduscon chamou o SESI para apresentar o projeto às empresas e a Sertenge aceitou ter turma piloto da proposta Levantou funcionários dentro do perfil e contratou pessoas que também eram públicoalvo para essa proposta Percebemos com essa estrutura de alfabetizar a partir de um jogo que tinha como personagem um trabalhador da construção civil um engajamento do estudante o desenvolvimento das competências de leitura e escrita e a sua inclusão digital e social acontecendo simultaneamente O projeto piloto foi finalizado mas o seu funcionamento exigia uma estrutura e recurso que nem todas as empresas estavam dispostas a investir como sala de aula climatizada com boa acústica mobiliário para comportar os computadores teclados e fones de ouvidos ou o ônibus de inclusão digital do SESI além de provedor de internet com capacidade para rodar o jogo e o seu sistema de monitoramento Apenas a Odebrecht Consórcio Metrosal Sertenge MVL e MRV ainda investiram em turmas do projeto de alfabetização interativa Nesse caminho o projeto da EaD ainda continua no plano das ideias Quando em 2010 foi contratada uma coordenadora para implantar essas turmas foi com a chegada de Gisele que o projeto começou a se estruturar a partir do plano que Solange tinha rascunhado A EJA EaD SESI levou quase três anos para ser aprovada Em 2013 o polo que funcionaria no Retiro foi transferido para a LBV pois já se cogitava a reforma da escola No mesmo ano iniciava a oferta das turmas EaD em 114 Salvador e Vitória da Conquista com a autorização ainda para esses dois polos e somente para o ensino médio na oferta seriada tendo como base o SESI Educa um material desenvolvido pelo SESI RJ para a oferta da EaD em apostilas 115 Madalena Caramuru minha maturidade e sagacidade Estou fazendo um mestrado e como todo trabalho intelectual ele não é feito sozinho Estou invocando meus mais velhos e meus mais novos para minha caminhada para que me guiem me esclareçam e me ajudem a construir uma do discencia praxiológica engajada antirracista anticolonialista e que possa efetivamente chegar a quem de fato ela se destina nossasos estudantes da EJA Assim gostaria muito de convidála a dividir comigo os seus saberes e experiências para me ajudar a construir o entendimento de que EJA é esta que nós fazemos no SESI e qual o nosso propósito com ela Peço que construa uma narrativa autobiográfica contando sua trajetória no SESI sentimentos transformações pessoais e profissionais as mudanças institucionais como a passagem do presencial para a EaD mudanças curriculares de plataforma de estudos as mudanças etárias geracionais e de perfil dosas estudantes Estas são algumas ideias para ajudála na construção desta narrativa mas estou aberta e muito feliz para ler aquilo que desejar partilhar comigo Beijos 3 Para facilitar você pode utilizar o recurso de digitação por voz e ele é muito fácil de usar Clique em Ferramentas Digitação por voz ative o uso do microfone e então é só me contar a sua história Outra dica bem simples é usar o atalha do teclado CtrlshiftS Quando quiser desativálo basta clicar em cima do ícone do microfone que aparecerá do lado esquerdo da sua tela Entrei no Sesi em 1995 para ser professora na escola de Educação Especial que o SESI mantinha para os filhos dos trabalhadores Na época eu não tinha ideia do que era essa instituição então pensei vou ficar até me formar e depois eu saio O meu objetivo era trabalhar na coordenação pedagógica de alguma escola Após me formar em 1997 fiquei aguardando uma oportunidade e comecei a conhecer mais a fundo a abrangência do SESI para além da Escola Especializada Em 1998 no segundo semestre uma amiga que trabalhava como estagiária do SENAI soube de 116 uma seleção interna para a coordenação pedagógica na Educação de Jovens e Adultos no SESI Retiro Fiz a seleção e fui aprovada Cada Unidade do SESI era conhecida como CAT Centro de Atividades do Trabalhador e todas operavam a EJA nas empresas do seu entorno com gerenciamento de forma independente O Coordenador Pedagógico divulgavavendia o programa nas empresas e a atuação era muito pequena em relação a demanda da indústria Em janeiro de 1999 foi lançado um programa que tinha como objetivo erradicar o analfabetismo na Bahia e foi implantado o NETI Núcleo de Educação do Trabalhador da Indústria onde foi concentrada a EJA Bahia Na época foi realizado um grande diagnóstico e identificado seis mil trabalhadores analfabetos na indústria baiana Com o objetivo de diminuir esse número e embalados pelo programa de elevação de escolaridade do Departamento Nacional o Sesi Bahia assumiu o desafio de colocar seus esforços e recursos financeiros para apoiar a indústria baiana na erradicação do analfabetismo A diretriz implantada era o atendimento exclusivo voltado para o trabalhador da indústria e seus dependentes Nesse momento começa a minha história na EJA do SESI no decorrer dos anos ela se mistura comigo de uma forma muito profunda Toda a minha formação em EJA é oriunda do investimento que o SESI fez em mim Sou muito agradecida a instituição por ter me incentivado e ajudado a ampliar o meu conhecimento na área Meu investimento profissional sempre foi voltado para públicos específicos EJA e Educação Especial E isso me desafiou e me desafia muito Em 1999 fazer 10 mil matrículas na Bahia foi uma meta audaciosa O SESI Bahia desde 1996 operava EJA tinha pouca experiência e equipes que não eram exclusivas da modalidade No período de 1999 a 20042005 ampliamos nosso atendimento sobremaneira estávamos presentes em quase todos os canteiros de obra de Salvador e Região Metropolitana aqui faço um recorte de atendimento em Salvador e RMS O curso era presencial e o foco maior era no Ensino Fundamental I especialmente alfabetização e posteriormente o Ensino Fundamental II e Ensino Médio essa evolução acredito se deve ao investimento do SESI em FI e a evolução do mercado de trabalho que pediu trabalhadores mais escolarizados Nesse tempo quando a Educação de Jovens e Adultos era tratada como prioridade se falava que algumas unidades do SESI tinham sido fechadas para 117 investir no projeto da EJA Naquele momento a EJA gozava certos privilégios com muito recurso disponível mas uma característica muito forte do SESI é que apesar de todo recurso disponível sempre se trabalhou no limite Cada coordenador pedagógico acompanhava em torno de 15 a 20 turmas divididas em diversos pontos de Salvador e RMS Eu cheguei a acompanhar 25 turmas presenciais de FI tive experiência com F2 e EM mas meu foco era a alfabetização Eu não sei como eu dava conta mas pessoalmente e profissionalmente me realizava muito porque eu via o resultado Quando fazia as visitas técnicas ou realizava o planejamento com os estagiáriosprofessores e via o desenvolvimento dos trabalhadores a maioria adultos pais de famílias muitos com a idade avançada e que aprendiam a ler e a escrever isso me motivava a fazer mais e me dedicar para alcançar o melhor resultado Como profissional da educação e funcionária SESI entendia que estava realizando o objetivo que havia me proposto a fazer quando escolhi ser professoracoordenadora pedagógica da EJA Me destaquei como coordenadora que estudava a alfabetização de jovens e adultos e isso me trouxe benefícios reconhecimento de ser uma profissional de excelência e incentivo financeiro sim naquela época era mais fácil Se me perguntar se o NETISESI influenciou na redução do analfabetismo eu lhe digo que com certeza Não somente na questão de elevação da escolaridade mas no aumento da autoestima desses trabalhadores Temos poucos estudos realizados nessa época que analise o impacto desse trabalho mas perceptivamenteintuitivamente sabemos dos impactos alcançados na vida dos jovens e adultos trabalhadores A partir de 2005 percebemos que o mercado de trabalho anunciava mudanças em sua estrutura Já não tínhamos tantas turmas de Educação de Jovens e Adultos na construção civil e a crise de 2005 chegou muito forte O recurso aplicado no F1 foi remanejamento para o F2 e EM pouco tempo depois esse recurso foi reduzido e a empresa passou também a investir na educação do trabalhador Em 2010 empresas de grande porte como Ferbasa Embasa CHESF Dow Química Cibrafertil dentre outras investiam recursos para escolarizar os seus trabalhadores enquanto o SESI entrava com Coordenação Pedagógica e gestão do curso Mas por ser um curso caro para as empresas o atendimento era pequeno 118 Em 2008 a gerente de processo do NETI solicitou seu desligamento e a gerente da unidade me convidou para assumir o cargo Queria fazer um investimento em mim devido a minha capacidade técnica minha trajetória no SESI É muito difícil você liderar uma equipe da qual você era membro e seus liderados eram seus colegas Eu entendi que precisava desenvolver meu perfil para a liderança gostava demais do que eu fazia e me sentia realizada no trabalho pedagógico porque foi pra isso que me formei Aceitei o desafio depois de 15 dias pensando se era o melhor para mim ouvindo alguns colegas amigos e família Não foi um tempo fácil mas o aprendizado foi enorme Você tem que desenvolver habilidades diversas umas das mais importantes dosar as expectativas dos liderados antes colegas e as expectativas de seu chefe Sei que muitas atitudes que tomei não agradaram a muitos mas eram necessárias outras foram erradas mesmo por falta de experiência por não saber fazer por medo e outras deram certo e foram corretas Na liderança de uma equipe é preciso ter sabedoria para entender o contexto do grupo e da instituição desde um recuo estratégico até um avanço audacioso Esperar o tempo para acomodar as coisas também é sábio não ser passional nem frio buscar a medida das relações Tem frustrações que devem ser ressignificadas e sucessos que devem ser alardeados no tempo certo Nunca tive vaidades em aparecer entendo hoje que quando a minha equipe é elogiada significa que estou tendo sucesso no meu trabalho Descobri também que ser líder não é sair dando diretrizes para que as pessoas cumpram mas é construir com o grupo ouvir cada um mas quando necessário colocar os limites instigar os avanços provocar apoiar quando necessário mas dizer não quando for preciso Em 20092010 o núcleo entrou em declínio Na indústria não havia mais demanda as turmas que existiam enfrentavam problemas graves com a evasão Nesse período se falava em educação à distância Foi ficando cada vez mais difícil sustentar a EJA presencial e a gestora do NETI uma defensora da Educação de Jovens e Adultos via na EAD a estratégia para alcançarmos outras empresas e outros trabalhadores o curso presencial era um curso muito caro A ideia era diminuir esse custo com a EAD O SESI via como inovador a EAD para EJA e em 2010 o NETI contratou uma coordenadora pedagógica para a educação à distância No início não estava evidente o que queriam como fazer e o que fazer Foram realizados vários encontros com o SESI do Paraná que tinha experiência em educação à distância para EJA Após alguns encaminhamentos o SESi resolveu parar tudo e a coordenadora 119 contratada ficou momentaneamente sem atividade A gestora do NETI saiu do programa e entrou um novo gestor O SESI faz mudanças na equipe com a demissão de professores e coordenadores pedagógicos Em 2012 a pauta da EJA EAD volta à tona e a coordenadora pedagógica especialista em EAD é transferida para a Gerência de Educação GED A partir daí o movimento de implantação da EJA EAD inicia novamente e em novembro de 2013 Salvador e Sudoeste iniciam a operação desse novo negócio no SESI Bahia Escolhi na minha equipe a coordenadora pedagógica com melhor perfil para EAD e iniciamos a história da Educação de Jovens e Adultos a distância em Salvador Gosto de desafios apesar de às vezes ficar receosa quanto a eles mas deixar o Sudoeste implantar um produto novo antes de Salvador me desafiou sobremaneira O início da EJA a distância no SESI Salvador foi um período estranho porque funcionava num espaço diferente da Unidade o que me trouxe grandes preocupações não quanto ao funcionamento pedagógico mas de gestão Confesso que no início não acreditava na EAD conhecia pouco da modalidade queria entender como aquele público que eu conhecia tão bem se adaptaria a esse novo formato Nesse período o atendimento a EJA é aberto a comunidade e a exclusividade do atendimento a indústria se perde novos tempos mudanças adaptações tudo isso são habilidades que um líder vai desenvolvendo no decorrer do tempo Perdemos a autonomia do fazer pedagógico talvez essa seja uma das minhas maiores decepções no SESI Antigamente tínhamos uma assessoria que apoiava as unidades com a mudança do modelo de gestão no SESI ocorreu a centralização do negócio Foi um momento difícil entender essa mudança não ser protagonista do seu processo pedagógico é algo bastante complicado Sempre entendi que o SESI devia ter uma gestão centralizada na EJA onde sairiam as diretrizes encaminhamentos orientações mas não tão centralizada a ponto de inibir as ações das unidades Enfim essas foram as escolhas do SESI e como somos adaptáveis seguimos fazendo o melhor para nossos alunos e alunas da EJA que acreditam no nosso trabalho Aos poucos fui me afastando da parte pedagógica da EJA e sinto falta de estar mais próximo desse movimento As diversas mudanças ocorridas nos últimos anos nas plataformas virtuais do SESI fragilizam a EJA EAD na maioria das vezes por conta da falta de diretriz do 120 SESI Nacional que às vezes demonstra não saber aonde quer chegar enfim são coisas difíceis de entender De todas as mudanças que acompanhei nesses últimos anos a mais significativa foi a implantação do RS Reconhecimento de Saberes Para mim uma das metodologias mais interessantes que eu já vi Se você me perguntar se eu acredito na educação de Jovens e Adultos a distância eu digo que sim mas o SESI precisaria investir em mudanças estruturais significativas para que os resultados fossem melhores Hoje eu acompanho um pouco mais de perto a parte pedagógica e sei que os impactos de uma plataforma e de sistemas com muitas dificuldades e muitos estudantes com problemas de acesso impactam na qualidade do resultado A mudança no perfil dos estudantes que cursam a EJA EAD mudou bastante São pessoas mais jovens muitas fora do mercado de trabalho e que buscam estudar para conseguir uma oportunidade de trabalho totalmente diferente do que era anteriormente Entendo isso como um ponto bastante positivo e atende uma diretriz que se falava há muito tempo atrás Esse estudante da EJA que está conosco hoje pode ser um futuro trabalhador da indústria e entregamos ao mercado ele já escolarizado Com isso saem todos ganhando Enfim acho que é isso sempre digo que estou finalizando meu tempo no SESI são 25 anos de trabalho nessa instituição que me ensinou muito me fez profissional Críticas Muitas mas o sentimento de gratidão por tudo que construí ao longo desse tempo e a certeza que o SESI me deu régua e compasso me fazem ter a sensação de que sou feliz realizando o meu trabalho
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Texto de pré-visualização
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA PRÓ REITORIA DE PESQUISA E PÓSGRADUAÇÃO DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE HISTÓRIA SAOARA BARBOSA COSTA SOTERO Escrevivências ensino de História e narrativas de nós na Educação de Jovens e Adultos Salvador 2022 SAOARA BARBOSA COSTA SOTERO Escrevivências ensino de História e narrativas de nós na Educação de Jovens e Adultos Texto de dissertação apresentado como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestra em Ensino de História da Universidade Estadual do Estado da Bahia UNEB Pesquisa realizada pela mestranda Saoara Barbosa Costa Sotero no Programa de PósGraduação Mestrado Profissional em Ensino de História da Universidade Estadual do Estado da Bahia UNEB Orientadora Drª Ana Cristina Castro do Lago Salvador 2022 Quando você foi embora fezse noite em meu viver Forte eu sou mas não tem jeito Hoje eu tenho que chorar Minha casa não é minha e nem é meu este lugar Estou só e não resisto muito tenho pra falar Solto a voz nas estradas já não quero parar Meu caminho é de pedra como posso sonhar Sonho feito de brisa vento vem terminar Vou fechar o meu pranto vou querer me matar Vou seguindo pela vida me esquecendo de você Eu não quero mais a morte tenho muito o que viver Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer Já não sonho hoje faço com meu braço o meu viver Solto a voz nas estradas já não quero parar Meu caminho é de pedra como posso sonhar Sonho feito de brisa vento vem terminar Vou fechar o meu pranto vou querer me matar Vou seguindo pela vida me esquecendo de você Eu não quero mais a morte tenho muito o que viver Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer Já não sonho hoje faço com meu braço o meu viver Travessia Milton Nascimento Aos meus que estão em Orum Vó Maria de Loudes Coutinho Cerqueira Irmão Ivonilson Costa Sotero Filho MODUPÉ Iniciei esse mestrado sabendo que não poderia caminhar por ele sozinha Preciso saudar pessoas que estão comigo me fortalecendo apoiando incentivando e lembrando o quanto eu sou uma potência no mundo Modupé a minha ancestralidade Ednalva e Ivonilson mãe e pai sou a luta de vocês Estou aqui com vocês por vocês e para vocês Meu amor e gratidão Modupé Mayana Mariana Aline Braian Maurício Simone Rai Rene Grupo de Pesquisa Reexistências vocês são luz em minha vida Meu amor e gratidão Modupé Rei Fernanda Cátia Jorlânia Leliany Uiara Sileide Adriana Gicélia Sara Jocemar Leandro Hitomi Daniel Tais Diana Mariana Alan Aislene Márcia minha equipe de trabalho e amizades que me transbordam como pessoa e profissional Vocês me ajudam a esperançar Modupé Cléssia Lobo e Gisele Freitas gestoras da EJA por permitir que essa pesquisa fosse desenvolvida no SESIBA Minha gratidão Modupé Luciana Adriano Ruydemberg Fábio Demétrios Nunes Valter Ronaldo Daniele Adrielle ingressamos nessa jornada do mestrado e saímos dela maiores porque estivemos juntas Modupé Cristiana Gledson Luciana Graça Sara professoras minha eterna gratidão por tudo que construímos Sou maior e vocês são parte disso Modupé Ana Cristina Castro do Lago minha jardineira estou concluindo esse mestrado porque você chegou com um regador muito grande cheio de apoio compreensão respeito amor paciência e cuidado com meus processos e me ajudou a cultivar o meu jardim com as sementes que eu possuía Você sempre será o exemplo de uma professora que me fez experimentar uma educação feita com entusiasmo e amor Vivemos a práxis de forma muito linda e única em minha vida Muito amor e benquerença Modupé Modupé Modupé RESUMO Neste trabalho me propus a pensar em formas de trabalhar o Ensino de História a partir das histórias de vida das pessoas que estudam na Educação de Jovens e Adultos que acesso durante a Metodologia do Reconhecimento de Saberes no SESI Bahia Utilizando a escrevivência como metodologia de pesquisa e método de escrita busco demonstrar a natureza praxiológica deste texto Os capítulos estão escritos em formato de cartas endereçadas às pessoas que fazem parte do contexto da EJA A primeira é direcionada a banca onde relato como organizei o trabalho A segunda escrevi a Paulo Freire e a partir da minha história de vida construo o meu arcabouço teórico A terceira enderecei ao meu grupo de trabalho na EJA EaD do SESI Bahia fazendo uma breve historicização da EJA na instituição e como temos desenvolvido nosso trabalho Aqui dei o recorte para pensar sobre o ensino de História a partir da realidade que vivencio A quarta carta escrevi para Severina entidade que representa todas as pessoas que estudam na EJA Nesta etapa relato o meu produto educacional uma trilha que se desdobra em processos formativos para a sala de aula com um jogo intitulado Escrevivências com a EJA e em um processo de autoformação docente o todo compõe a Trilha autoformativa Escrevivências com a EJA A quinta e última carta é destinada à universidade e aborda a importância da instituição para a sociedade e a necessidade de estar mais próxima dela Palavraschaves Educação de Jovens e Adultos Ensino de História Escrevivência ABSTRACT In this work I set out to think about ways of working with History Teaching from the life stories of people who study in Youth and Adult Education that I access during the Methodology of Recognition of Knowledge at SESI Bahia using writing as a research methodology and writing method demonstrating the praxeological nature of this text The chapters are written in the form of letters addressed to people who are part of the context of EJA The first is directed to the masters bank where I report how I organized the work The second I wrote to Paulo Freire and from my life story I build my theoretical framework The third I addressed to my working group at EJA EaD of SESI Bahia making a brief historicization of EJA in the institution and how we have developed our work Here I gave the cut to think about the teaching of History from the reality I experience The fourth letter I wrote to Severina an entity that represents all people who study at EJA At this stage I report my educational product which is a path that unfolds in a training process for the classroom with a game entitled Escrevivências com a EJA and in a process of teacher selftraining that makes up the Selftraining trail Escrevivências com a EJA The fifth and final letter is addressed to the university where I talk about the importance of the institution and the need for it to be closer to society Keywords Youth and Adult Education History Teaching Writing CARTOGRAFIA ICONOGRÁFICA Figura 1 Card O tempo e a História 87 Figura 2 Card Fontes Históricas 87 Figura 3 Card Quem faz a História 88 Figura 4 Card História é Ciência 88 Figura 5 Card arteafetos 89 Figura 6 Card Curinga 89 Figura 7 QR code Cards 90 Figura 8 Tabuleiro virtual 91 Figura 9 QR code Tabuleiro virtual 91 Figura 10 QR code Tutorial Canva 94 Figura 11 Padlet Trilha autoformativa escrevivências com a EJA 95 Figura 12 QR code Trilha autoformativa escrevivências com a EJA 96 Figura 13 Reflexão sobre a vivência acadêmica 103 CARTOGRAFIA CARTA 1 A MINHA BANCA VOU DESCOBRIR O QUE ME FAZ SENTIR EU CAÇADOR DE MIM 08 CARTA 2 A PAULO FREIRE SE A CRENÇA QUER SE MATERIALIZAR TANTO QUANTO A EXPERIÊNCIA QUER SE ABSTRAIR 20 CARTA 3 AO MEU POVO DO SESI MEUS AMORES E MINHAS AMORAS MINHA GENTE TANTAS IDAS E VINDAS CANTAM HISTÓRIAS LINDAS QUEM DIVIDE O QUE TEM É QUEM VIVE PRA SEMPRE 50 CARTA 4 A SEVERINA ELES PENSAM QUE PODE APAGAR NOSSA MEMÓRIA MAS A FORÇA DO ILÊ NOS CONDUZ NESSA TRAJETÓRIA 82 CARTA 5 A UNIVERSIDADE MEXENDO COM GENTES PLANTANDO SEMENTES GERMINANDO MENTES LOGO VAI BROTAR 98 TENHO EM MIM MAIS DE MUITOS SOU UMA MAS NÃO SOU SÓ 104 EU NÃO ANDO SÓ 108 8 VOU DESCOBRIR O QUE ME FAZ SENTIR EU CAÇADOR DE MIM Salvador 04 de julho de 2021 Quando eu morder a palavra por favor não me apressem quero mascar rasgar entre os dentes a pele os ossos o tutano do verbo para assim versejar o âmago das coisas Quando meu olhar se perder no nada por favor não me despertem quero reter no adentro da íris a menor sombra do ínfimo movimento Quando meus pés abrandarem na marcha por favor não me forcem Caminhar para quê Deixemme quedar deixemme quieta na aparente inércia Nem todo viandante anda estradas há mundos submersos que só o silêncio da poesia penetra Da calma e do silêncio Conceição Evaristo 2008 Sinto logo posso ser livre Audre Lord 2019 A minha banca Quando iniciei este mestrado estava inundada pelo entusiasmo pelas ideias fervilhando em minha cabeça pelas possibilidades que abri em mim e na minha prática docente Iniciei este mestrado extasiada mascando as palavras assim como escreveu Conceição Evaristo no poema que está na epígrafe desta carta sem pressa rasgando entre meus dentes cada entendimento que poderia tirar de tudo que lia e 9 ouvia durante as aulas na UNEB e na minha sala de aula no SESI com minhas turmas Tudo me inspirava tudo me emocionou de tal forma que até mesmo as noites viradas não me abalavam ao contrário me revigoraram A escrita do projeto foi pensada em cada detalhe as músicas escolhidas como títulos das seções as palavras e as reverências A necessidade de trazer um texto acadêmico mais poético que além do conhecimento técnico pudesse emocionar a pessoa que lesse este trabalho foi despertada nas leituras nas conversas que tive ao longo dos anos com uma pessoa muito querida que teve a oportunidade de quebrar com a colonialidade da formação através da literatura suas indicações de livros e de epistemologias não brancas e regada adubada cultivada com muito encanto entusiasmo e amor por Ana Lago nas orientações que tivemos Ana como passarei a chamála é uma jardineira e fez brotar em mim um campo florido e bem cuidado de ideias regadas com as águas das teorias acadêmicas e da poesia da vida afinal não há sentido nas teorias sem a existência das práticas que estão na poética das vivências Na passagem do projeto para o desenvolvimento das ideias em sala e da escrita dessa dissertação fomos arrebatadas pela pandemia da Covid19 ainda presente nos dias atuais e isso impactou nossas vidas e por consequência este trabalho de forma tão drástica que ainda não tive como digerir para conseguir expressar aqui Quero apenas registrar que não é possível ser humana e saber que pessoas conhecidas e outras nunca vistas estão morrendo como se suas vidas fossem nada e não se abalar não sucumbir ao medo a frustração a tristeza ao desamparo e junto com isso ainda viver o desespero da urgência em se reinventar na vida profissional pessoal na forma de nos relacionarmos sem poder abraçar beijar trocar energia com as pessoas que amamos e sem poder me banhar nas águas salgadas de Yemanjá para fortalecer o meu Orí Durante todo o ano de 2020 e 2021 eu tenho lutado para escrever esta dissertação tentando trazer neste texto o entusiasmo e poética com a qual eu o comecei demarcando continuamente a experiência a partir do meu tempoespaço pois tudo que foi pensado precisou ser revisto e as frustrações disso ainda estão sendo trabalhadas a luz de muita leitura e terapia Com esta carta quero conversar com vocês professoras sobre alguns pontos deste trabalho que eu considero como rupturas com minha formação eurocentrada com a minha desconexão com o mundo acadêmico e reconexão a partir de outros 10 lugares epistêmicos que fala de mim e das minhas experiências pessoais e profissionais das minhas escrevivências Penso que este trabalho caminha exatamente pelas rupturas e reconexões da pessoa da estudante de mestrado que está há dois anos olhando para si como professora de forma consciente buscando compreender os próprios ciclos gnosiológicos interseccionados pelas complexidades das experiências da pessoa da estudante e da professora A minha primeira ruptura para este trabalho está acontecendo com a compreensão de gênero enquanto construção social e como ela ocorre também através da língua É a linguagem que nomeia e dá sentido a tudo que nos rodeia e é através dela que entendemos o mundo portanto a nossa língua colonial construiu seus sentidos nos apagamentos das outras leituras e percepções de mundo Eu me dei conta disso quando li Tanya Saunders em 2018 e comecei a passear pela decolonialidade do pensamento momento que me fez retornar aos eventos acadêmicos voltados para o ensino de História e para a Educação de Jovens e Adultos Na qualificação uma das coisas que causou estranheza no texto do projeto foi o passeio que fiz entre o feminino e o masculino sem necessariamente remeter ao gênero das pessoas mas apenas me referindo aos seres humanos Esse estranhamento veio da construção que temos do homem como sujeito universal Em Epistemologia negra sapatão como vetor de uma práxis humana libertária publicado em 2017 Tanya Saunders levanta essa discussão trazendo a cisão que existe nas sociedades americanas colonizadas pelos europeus como a brasileira a divisão das pessoas em seres humanos e não humanos Os primeiros foram construídos em torno do homem branco cisgenere heterossexual burguês cristão e a não humanidade estava relegada aos povos africanosnegros No Brasil atual principalmente no desgoverno Bolsonaro nós estamos vendo a experiência da inumanidade cada vez mais forte para pessoas LGBTQIA mulheres estrangeiras negras povos Originários enfim todas as pessoas que deveriam estar subjugadas pelo homem branco A linguagem não fica na abstração mas se concretiza em nossas ações cotidianas nossa cultura política economia O lugar do homem branco é resguardado como o lugar normal de existir como o padrão e ponto de partida para nos referenciar no mundo e tudo que sai dele é demarcado pelo gênero raça classe religião sexualidade ou qualquer outra forma de existir que não se encaixe no padrão homembrancocishéteroburguêscristão 11 Façam um pequeno exercício neste momento e tentem lembrar se em algum momento vocês viram alguma dessas demarcações em algum texto quando se referiu a esse padrão branco Meu texto tem brincado com a língua Eu estou desconstruindo em meu imaginário as referências construídas ao longo de trinta e cinco anos de vida e que em muitos momentos não fizeram sentido para explicar a minha visão e percepção do mundo e de uma formação carente de qualquer outro referencial diferente do homem branco europeu Através deste texto eu quero propor a quem o ler que também reflita sobre isso Pensar epistemicamente pelas subalternidades é um exercício de desconstrução em muitos aspectos inclusive de algo tão conservador como a gramática Este mestrado me reconectou com o mundo acadêmico Sentir a importância da Universidade para a educação com uma relação horizontal de troca de conhecimento e anular a sensação da existência da dicotomia entre Educação Básica e Ensino Universitário sendo o primeiro o espaço de reprodução daquilo que é pensado no segundo Nessa reconexão eu entendi que precisava escrever esse texto de forma que fizesse sentido para mim Fazer um trabalho com a ética e a seriedade de um trabalho científico mas que ao mesmo tempo despertasse entusiasmo identificação memórias e muitos afetos em mim e em quem acessálo No livro Irmã Outsider Audre Lord na página 44 inicia o capítulo com uma frase que me fez refletir durante um longo período sobre qual luz eu examinava minha vida e em especial a minha docência o tipo de luz sob a qual examinamos nossas vidas influencia diretamente o modo como vivemos os resultados que obtemos e as mudanças que esperamos promover através dessas vidas Eu queria examinar meu povo da EJA pela luz do entusiasmo do amor da potência da leveza da sensibilidade e expressar isso de algum modo que eu ainda nem sabia como O conhecimento acadêmico aqui no Brasil se baseia na ciência predominantemente no modelo europeu valorizando apenas o racional Nas epistemologias não brancas não existem apenas as ideias mas o conhecimento se forma a partir dos afetos também do modo como sentimos nossas experiências e essas forças antagônicas coexistem dentro das instituições de ensino 12 Audre Lord fala da importância de sentir e dar vazão aos sentimentos numa pesquisa Nós escolhemos o que investigar então toda pesquisa é íntima fala de nós do que queremos a luz sob a qual analisamos o mundo Dessa forma a escrita puramente racional não daria conta do que trago para esse mestrado dos lugares que ele mexeu comigo e do poder que tenho como professora Eu preciso florescer dentro dessa pesquisa para quebrar o silenciamento que me foi imposto pela branquitude e assim poder lutar junto ao meu povo da EJA para que seus silêncios também sejam quebrados e suas vozes ecoem Embebida nas leituras de Audre Lord fiquei inquieta também com a forma da escrita desta dissertação Entendi que aqui não cabia a escritura dura e impessoal da academia eurocentrada Esse desassossego surgiu ainda na fase da escrita da carta de intenção de pesquisa no primeiro ano do mestrado quando não consegui apenas preencher o modelo que nos foi dado pela Universidade Se estendeu a escrita do projeto que mesmo seguindo em uma escrita eurocêntrica consegui trazer elementos mais poéticos e ancestrais como os títulos das seções com fragmentos de músicas que marcaram a minha vida e diálogos com a minha negritude Como é dito por Conceição Evaristo em A escrevivência em seus subtextos na página 37 Quero a dinâmica das palavras pronunciadas no cotidiano as que movimentam a vida e não as que dormem no dicionário Quando li o texto de Gloria Anzaldúa chamado Falando em línguas uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo publicado em 1981 na página 229 entendi que poderia ter outras formas de escrever sobre a minha produção de conhecimento além daquela na qual tentaram me formatar e que me fazia sentir inferior porque os olhos brancos não querem nos conhecer eles não se preocupam em aprender nossa língua a língua que nos reflete a nossa cultura o nosso espírito Eu tinha sempre em mente que o meu texto precisava ser acessível às pessoas a sua linguagem pudesse chegar à minha mãe que não concluiu o Ensino Médio e ao ler estas linhas ela pudesse entender que esta história também é sobre ela mas não está resumida à parte da privação dos direitos básicos constitucionais e humanos mas traz força sabedoria conhecimentos conquistas experiências transformadoras do mundo a sua volta Gloria Anzaldúa em sua carta para nós mulheres de cor do terceiro mundo me disse que precisamos contar nossa própria história com as nossas vozes para 13 sairmos do estereotipado olhar do branco sobre nós Não somos a privação a falta o não a carcaça que carrega as subalternidades Nós somos a potência Nossas Histórias são de glórias riquezas materiais e imateriais nossas cabeças são banhadas pelo ouro encontrado nas águas da sabedoria de Oxum A sujeição está no olhar do branco e daquilo que fazem conosco desde a colonialidade não em nós Em nossa História em nossos oris está a intelectualidade e a produção do conhecimento desde o início da existência humana Professoras eu precisava escrever um texto que desse conta disso Que carregasse a minha escolha política de existir e ser uma professoraacadêmica e que me fizesse florescer Junto com Ana minha jardineira chegamos à ideia de escrever cartas para contar às pessoas os jardins de conhecimento que tem brotado em mim Vamos usar àquela poesia preta revolucionária que é a voz da liberdade e das mudanças como Audre Lorde disse em Irmã Outsider Esse não é um trabalho piegas Ele transborda sentimentos mas está ancorado em epistemologias ancestrais nas quais o conhecimento é construído na junção da cabeça e do coração que se torna tangível na minha sala de aula com o meu povo da EJA Este é um trabalho que reflete a minha visão de academia e de uma ciência que precisa ser compreendida por todas as pessoas e não apenas pelos acadêmicos Vivemos uma crise científica dentro de um governo revisionista e mentiroso e eu entendo que um dos caminhos para desmascarar as fakes news propagadas é possibilitar às pessoas o acesso e compreensão do que é produzido dentro dos muros das universidades e esse é um compromisso que eu assumi para a minha dissertação No início desta carta professoras falei sobre o entusiasmo que me fervilhava para este trabalho e na minha docência então chego aqui a mais uma reconexão o entusiasmo Nunca havia matutado nessa palavra como uma unidade de sentido para pensar o Ensino de História até bell hooks me dizer em Ensinando a transgredir educação como prática de liberdade publicado em 2017 que só se aprende com entusiasmo abordando a sua importância dentro das salas de aulas O entusiasmo é construído na coletividade na escuta e no acolhimento de nós e dos saberes que adentram a sala de aula conosco Para aprender História precisamos nos entusiasmar por ela e pelo sentido que ela pode dar às nossas vidas assim acredito que preciso trabalhar o ensino de História pensando em quem está em minha sala de onde são quais lugares ocupam no mundo como enxergam seus contextos e para isso eu não posso partir de lugares 14 que não dialogam com nossa realidade Esse sentido começa na compreensão do que é a História para que e a quem ela serve qual a sua matéria prima quais as fontes que a alimenta e como podemos analisála a partir de muitos pontos de vistas para não correr o risco de ficar na história única como Chimamanda Ngozi nos alerta em O Perigo da História Única de 2018 Outra reconexão que fiz com este trabalho professoras foi sair dos títulos frios e técnicos e trazer músicas que fazem parte de mim e da forma que vejo o mundo associandoos ao conteúdo das cartas Quando busco algo para ler a primeira coisa que me empolga são os títulos e como ele aguça minha curiosidade para mascar as palavras que encontrarei pela frente Espero que esses títulos possam ter este efeito sobre vocês Precisamos conversar sobre a metodologia utilizada para compor essa dissertação e quero elucidar logo de imediato que a escrevivência está presente não apenas como a forma de desenvolvimento da pesquisa mas no modo como ela foi escrita Estas cartas são um exercício de escrevivência a escrita de uma mulher negra se apropriando de sua própria história e analisandoa a partir da experiência compartilhada com o meu povo da EJA A escrevivência é um termo elaborado pela doutora Conceição Evaristo na literatura Quero começar essa nova conversa trazendo a voz dela em seu artigo chamado A Escrevivência e seus subtextos publicado em 2020 Escrevivência em sua concepção inicial se realiza como um ato de escrita das mulheres negras como uma ação que pretende borrar desfazer uma imagem do passado em que o corpovoz de mulheres negras escravizadas tinha sua potência de emissão também sob o controle dos escravocratas homens mulheres e até crianças E se ontem nem a voz pertencia às mulheres escravizadas hoje a letra a escrita nos pertencem também A escrevivência como metodologia me permite pensar este trabalho a partir do olhar feminista negro o olhar de quem carrega a marca dura da subalternidade e do descrédito social mas que a todo momento grita sua presença e reafirma sua potência Esse é o meu olhar para ensinar História na EJA porque aprender História é acordar a casa grande do seu sono injusto e borrar essa narrativa eurocêntrica que tem sido perpetuada ao longo de mais de cinco séculos de colonização Lissandra Vieira Soares e Paula Sandrini Machado no artigo Escrevivências como ferramenta metodológica na produção de conhecimento em Psicologia Social publicado em 2019 fala que escreviver é contar histórias particulares mas de 15 experiências coletivizadas pois aquilo que foi protagonizado e escrito é carregado de características compartilhadas através de marcadores sociais ainda que de posições distintas Sempre que nos propomos a estudar categorias como gênero raça e classe buscamos aquilo que é considerado como desviante social Estudamos as mulheres mas não o homem a LGBTQIA mas não a heterossexualidade estudamos negros e indígenas mas não o branco estudamos a pobreza mas não a riqueza Essas categorias só existem dentro de um sistema relacional de poder Estudamos o que é considerado diferente e não o normal mas todas essas experiências estão juntas na história pois as nossas emergências existem dentro do sistema composto por esses antagônicos complementares Escreviver é falar das experiências dentro desse sistema e cada pessoa que escreve apresentará a sua história a partir das posições que ocupa A minha memória de estudo da História durante o meu Ensino Fundamental é carregada de termos como os negros vieram para o Brasil e os negros eram escravos e isso é muito diferente de se falar os povos africanos foram sequestrados pelos brancos e trazidos a força para Brasil na condição de escravizados e forçados a trabalhar Observe como a perspectiva sobre a nossa História muda radicalmente A primeira é a história contada pelo colonizador que através da violência impôs o seu poder e seu direito de escrever sobre nós A segunda somos nós falando de nós trazendo a experiência da escravização negra a partir das nossas memórias A escrevivência agencia este lugar do poder que temos de falar e contar sobre nós Em A escrevivência e seus subtextos publicado em 2020 Conceição Evaristo diz que a palavra é uma forma de apreensão do mundo mas ela sozinha não dá conta da vida A vida acontece na partilha das experiências A escrevivência cria rotas históricas Através dela corpos não brancos existem não como objetos de estudos mas como sujeitos autores protagonistas de e da História Isso por si só já é muito importante mas a escrevivência é também um processo de cura por meio da expurgação de dores carregadas solitariamente e na partilha vemos que não estamos só e encontramos no coletivo o conforto e a força para ressignificar e seguir O conhecimento é lugar de bem viver Além disso o trabalho com a escrevivência é uma forma de reparação histórica dos danos que os séculos de escravização nos causaram É com a conquista do nosso direito de aprender e contar História a partir de outras epistemologias não brancas 16 que elaboramos e apresentamos ao mundo outros entendimentos acerca da História e da humanidade Grada Kilomba em Memórias da Plantação publicado em 2010 fala que essa reparação é uma forma também de mudanças estruturais na sociedade é o ato de reparação pelo mal causado pelo racismo através de mudanças de estruturas agendas espaços posições dinâmicas relações subjetivas vocabulário ou seja através do abandono de privilégios Fernanda Felisberto em seu artigo A escrevivência como rota de escrita acadêmica publicado em 2020 fala que mesmo com todo o conservadorismo que os currículos carregam e isso é proposital pois faz parte do projeto da colonialidade dentro das Ciências Humanas é crescente a reinvenção dele nas práxis docente e isso tem feito emergir atores sociais e suas emergências Isso subverte a ordem social e lógica da produção de conhecimento propiciando um crescente pensamento decolonial dentro das universidades refletindo ainda na educação básica quando temos docentes formados para trabalhar mais que o conteúdo curricular presente nos livros didáticos criando outros territórios teóricos e práticos para a construção do conhecimento histórico Quando olhamos a História como ciência que pode ser produzida por diversos olhares epistemológicos podemos pensar seus elementos por exemplo que o tempo não é apenas linear porque existem outras formas de percepção dele a história não começa apenas com a escrita porque existem diversos povos que trazem a tradição oral para transmitir os seus saberes aos mais novos e assim manter viva as suas culturas As fontes não são apenas as oficiais tampouco suas mudanças estão condicionadas as produções acadêmicas como na Escola dos Annales pois os saberes históricos jamais deixaram de ser transmitidos entre as gerações independente se os intelectuais europeus das universidades reconheciam ou não determinado método como válido A escrita escrevivente deste trabalho permeia por algumas propostas sair da discussão teórica e abstrata e buscar nas experiências exemplos que possam mostrar as docentes que acessarem este trabalho futuramente caminhos possíveis de seguir e trabalhar em sala de aula A segunda é convidar as pessoas que dão aula na EJA a fazer um mergulho no artigo 37 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação que aborda a necessidade do trabalho com este grupo refletir as aprendizagens ao longo da vida e seus interesses condições de vida e trabalho A terceira é propor novas formas de iniciar a compreensão das bases do estudo da História na educação básica a partir 17 de outras perspectivas de outros lugares não teóricos que parta da realidade assim como Paulo Freire praticou em sua docência A quarta é um compromisso político assumido de criar uma ponte para o trânsito livre entre os saberes aprendidos e produzidos na academia com aqueles que igualmente aprendo e produzo na educação básica Isso é sabedoria ancestral Àyàfi máa dìde láti kọ ẹnití ti jókó láti kẹkọ Só se levanta para ensinar quem se sentou para aprender Professoras existe um ponto dentro da escrevivência que acredito ser importante elucidar Eu disse em alguns parágrafos acima que ela me permite partir uma perspectiva feminista negra Isso não significa que este trabalho seja específico para mulheres negras mas entendo que nessa seara epistêmica eu posso olhar para a minha prática e para as minhas turmas da EJA em toda a sua diversidade e complexidade Meu olhar de mulher negra analisa o mundo diverso e complexo em que vivo a partir de uma teoria elaborada por outras mulheres negras com experiências similares às minhas Professoras espero que até aqui eu tenha conseguido traduzir o meu fervilhar de forma coerente a vocês pois é dentro deste caldeirão em ebulição em que a minha ancestralidade está sempre mexendo ebós de pensamentos que precisei traçar as minhas rotas fazer os recortes delimitar o campo para esta pesquisa Percorri este caminho de rupturas e reconexões acreditando ter o dever de responder a minha problemática de pesquisa mas neste momento me dei conta que ela precisa ser uma provocação perpétua primeiro para mim e para as pessoas que eu puder afetar com este trabalho Então eu me pergunto como as escrevivências narradas pelas pessoas que estudam na EJA têm implicações para o ensino de História Eu desejo que a proposta motivadora desta pesquisa reverbere em minha docência e esteja sempre viva em nós quando iniciarmos o ensino de História em alguma turma de EJA e tentar chegar a uma resposta que estará sempre inacabada por isso não a chamarei aqui de objetivo mas de horizonte Que estejamos sempre investigando como esse trabalho impacta a aprendizagem da História quais significados o trabalho com a escrevivência dentro do ensino de História pode construir nas pessoas que frequentam a EJA e se nesse processo elas conseguem perceber como suas existências e agências são relevantes para erigir modelos de sociedades em que todas as pessoas e formas de viver sejam igualmente importantes 18 Professoras este trabalho é escrito em cartas destinadas a muitas pessoas afinal eu não ando só A primeira carta é destinada a vocês que aceitaram me acompanhar rumo ao meu horizonte Primeiro agradeço a generosidade de partilhar comigo seus conhecimentos e experiências para ajudar em minha construção Em segundo essa carta tem também a finalidade de compartilhar com vocês o que estava pensando durante este mestrado quais caminhos percorri quais esteios me sustentaram nesta escrevivência e como organizei minha oferenda de conhecimentos para este mestrado e para a sociedade A segunda carta é destinada a Paulo Freire Nela eu relato a minha experiência com o mestrado como ser humano como professora de História desde a minha primeira escola até chegar a EJA do SESI Nessa conversa eu passeio pelas teorias da povoada que me acompanham e me formam Problematizo a colonialidade do pensamento como isso implicou a minha formação e a minha prática docente Minhas necessidades de rupturas e meu encantamento com as redescobertas Nesta carta eu converso com ele sobre o ensino de História como eu vejo o currículo da disciplina e as mudanças recentes na BNCC como a EJA não está presente nela e partilho um pouco do que tenho desenvolvido na EJA do SESI no polo Salvador A terceira carta professoras eu enderecei com muito carinho ao meu povo do Polo Salvador Esse povo me inspira porque modéstia à parte nós brocamos já que é assim que falamos em Salvador quando queremos dizer que alguma coisa é excelente e aqui praticamos o verbo esperançar diariamente e sem alimentálo sucumbiríamos Nesta carta eu fiz um breve memorial sobre a EJA do SESI Bahia pois acredito que para saber quais caminhos seguir precisamos saber de onde viemos Assim busquei as memórias das pessoas que trabalham na EJA a mais tempo e que em alguns momentos chamei de minhas mais velhas quando me referi ao grupo em outros momentos as nomeei por codinomes bebidos na História e dos meus contemporâneos que chamei de minhas mais novas para registrar que EJA fazemos no SESI o que é a Metodologia do Reconhecimento de Saberes MRS as implicações diretas que elas têm em minha prática docente com o ensino de HistóriaCiência Humanas São as narrativas de vida registradas no Reconhecimento de Saberes que me fizeram pensar e propor esta pesquisa e é a partir da experiência com a metodologia que pensei a minha quarta carta Nesta quarta carta eu faço um diálogo com Severina entidade representativa de todas as pessoas que estudam na EJA Eu conto a ela qual a minha proposta para 19 trabalhar em sala e os conceitos introdutórios do estudo da História Apresento o meu produto educacional Trilha autoformativa Escrevivências com a EJA composta pelo jogo a ser aplicado em sala de aula e o processo de autoformação docente para o seu desenvolvimento A quinta carta é destinada à Universidade Nela eu teço algumas reflexões sobre a importância dessa instituição para a sociedade como um dos lugares que se produz conhecimento Essas reflexões transitam por questões como o acesso físico e intelectual à Universidade e como as mudanças de público que tem feito parte dela têm sido fundamentais para a sociedade A importância da sociedade conhecer o que fazemos aqui dentro como o conhecimento produzido é relevante e as implicações disso não acontecer Falo sobre a pertinência deste programa de mestrado profissional para o diálogo da Universidade com a Educação Básica e como isso contribui para quebrar a dicotomia entre elas E a última reflexão é sobre o adoecimento crescente dentro das Universidades e a necessidade de criarmos um ambiente saudável prazeroso com amor e entusiasmo para a construção do conhecimento Eu desejo que a leitura destas cartas seja boa que promova um passeio em suas memórias emocione entusiasme e traga provocações necessárias para gerar mudanças substanciais no campo do Ensino de História na Educação de Jovens e Adultos Com amor e entusiasmo 20 SE A CRENÇA QUER SE MATERIALIZAR TANTO QUANTO A EXPERIÊNCIA QUER SE ABSTRAIR Salvador 02 de julho de 2020 A Paulo Freire Estou escrevendo para partilhar com você algumas experiências que tenho vivido Estou trabalhando com Educação de Jovens e Adultos desenvolvendo algumas práticas com o ensino de História para este grupo de pessoas e pensando sobre elas Em 2019 eu fui aprovada no Mestrado Profissional em Ensino de História na Universidade do Estado da Bahia UNEB e agora estou com a oportunidade de pesquisar a minha própria prática docente assim como você fez Este exercício praxiológico para mim é fundamental quando me vejo professora de História e mestranda que quer mergulhar no seu quefazer No primeiro ano do mestrado revisitei e fui apresentada a muitas ideias novas da historiografia e do ensino de História Peguei cada fragmento que li e ouvi durante as aulas juntei com os pedaços das minhas experiências de vida e como professora e me lancei na elaboração do meu projeto de pesquisa para traçar os caminhos que percorreria Juntei minhas mal traçadas linhas como já diria Renato Russo e com o apoio da minha orientadora desenhei o itinerário Nesta carta Paulo Freire quero falar especificamente sobre uma etapa deste caminho quero te contar como tenho delineado minhas ideias sobre a construção do conhecimento na Educação de Jovens e Adultos buscando fazer uma educação e em especial um ensino de História crítico e engajado com todas as pessoas envolvidas neste processo Sabe Paulo Freire como você mesmo diz não há teoria sem prática como não pode haver uma boa prática sem momentos para refletir sobre ela A educação é uma açãoreflexão contínua um ciclo bonito e necessário para que a gente descubra novos caminhos Você me trouxe estes conceitos em Pedagogia da Autonomia publicado em 1996 na página 14 quando fala que não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino então entendo que por ser professora eu me constituo pesquisadora afinal o meu fazer docente implica em constante estudos e construções de novos conhecimentos que perpassam pelas mudanças históricas culturais sociais econômicas que vivemos diariamente 21 Este é o meu ciclo gnosiológico eu aprendo o conhecimento existente na minha formação e continuo investigando sempre no trânsito entre a minha curiosidade ingênua e a minha curiosidade epistemológica descobrindo e produzindo novos saberes olhando para a professora como pesquisadora ao mesmo tempo em que sou a professora como um caleidoscópio de mim construindo coletivamente novos ciclos gnosiológicos meus e das pessoas que estão nas minhas turmas Com isto quero dizer que a cada momento que passo planejando minhas práticas pedagógicas e no instante em que estou com as turmas eu abro meus próprios ciclos de aprendizagem Eu chego na sala com uma ideia do que poderá ocorrer lá parto do saber que tenho antes do encontro mas à medida que ele acontece na interação coletiva nas coisas ditas e não ditas mas sentidas eu aprendo outras formas de desenvolver a minha prática docente eu abro novas possibilidades pois olho para o meu fazer como pesquisadora como alguém que está conscientemente se percebendo e tendo um olhar crítico sobre aquilo que está fazendo A práxis é realmente uma coisa fabulosa Paulo Freire Eu entrei nesse mestrado partindo da consciência da minha incompletude como você trouxe em Pedagogia da Autonomia em 1996 da sede pelo novo sem esquecer aquilo que vivi pois foi o caminho que percorri que me fez quem sou e entendendo a importância de me referenciar no mundo eu preciso te contar como cheguei aqui e como aconteceu cada escolha que fiz nesta pesquisa Primeiro preciso contar que a docência chegou para mim ainda na infância em forma de brincadeira quando ensinava ao meu irmão mais novo o dever da escola Nossa casa tinha uma porta verde e no meio dela havia um espaço retangular pequeno mas muito parecido com um quadro negro então eu pegava o giz que a minha professora deixava na sala e em casa em abria a minha escola de um só aluno para ensinar a lição dada pela professora dele Algum tempo depois mainha nos comprou um quadro de verdade eu acho que ela não aguentou tanto pó de giz espalhado naquele vão que morávamos Pendurava o novo quadro do lado de fora da casa e ali passava a tarde brincando de professora enquanto ensinava ao meu irmão fazia a chamada e tirava ponto dele quando brincava antes de terminar a atividade reproduzindo a mesma educação que tínhamos Ainda tenho o quadro negro que mainha nos deu é uma memória material linda A brincadeira se tornou escolha profissional ao ingressar no curso de História na Universidade Católica do Salvador UCSal Muito sonhadora acreditava que a 22 solução para todos os problemas do Brasil seria a educação que a professora era uma espécie de heroína capaz de promover grandes transformações Não nego guardar ainda uma pontinha dessa utopia dentro de mim para não perder o meu fogo interior mas também rio pela ingenuidade da época Minha passagem pelo Ensino Superior foi muito rica e cheia de conflitos me gerou muito mais perguntas que respostas admiração por alguns professores frustrações com outros desilusão quanto às políticas de departamento se sobrepuseram a qualidade o desenvolvimento e a continuidade do curso de História com Concentração em Patrimônio Cultural na Universidade Católica do Salvador UCSal Os primeiros choques de realidade que tive sobre o lugar dado à educação na sociedade brasileira foi durante a graduação em um curso de licenciatura No segundo ano de curso na Universidade pelos idos de dois mil e sete comecei a trabalhar como prestadora de serviço na Prefeitura de Candeias e entrei numa sala de aula pela primeira vez como professora na Escola Municipal Argentina Castelo Branco localizada no distrito da Colônia no município de Candeias Uma região rural e muito pobre da cidade onde a principal fonte de renda das pessoas é a agricultura e a pecuária familiar ou o trabalho nas fazendas da região Foi uma das sensações mais assustadoras e empolgantes da minha vida Esse foi um dos primeiros momentos de enfrentamento que tive com as questões sociais como professora Lembrome de entrar na sala da 8ª série dar bom dia e olhar as pessoas que estavam lá uma turma negra pobre periférica com diferenças etárias significativas com mãe e filho na mesma turma um aluno com grandes limitações motoras pela paralisia cerebral todos eram trabalhadores rurais mesmo aqueles mais franzinos possuíam uma habilidade de manusear a enxada que não deixava a desejar a ninguém com um corpo maior este é um panorama do público daquela escola e que não era apenas uma questão local Paulo Freire você trouxe em suas obras como em Pedagogia do Oprimido as desigualdades sociais que vivenciou enquanto foi professor e mesmo depois de tanto tempo elas ainda permanecem O acesso à educação ainda não é uma completa realidade e a permanência nas escolas também é muito difícil para uma grande parcela da população pobre e negra do Brasil Estamos vivendo um dos momentos mais difíceis do Brasil depois da redemocratização em 1985 O país na eleição presidencial de 2018 elegeu um candidato que nega e desqualifica a importância da sua obra para a educação renega 23 a ciência e a racionalidade Escolheu ministros que tentam a todo custo fazer um revisionismo da História negando e tentando construir outras narrativas baseadas em mentiras e interpretações torpes das fontes Estamos vivendo tempos difíceis muito parecidos com aqueles em que você viveu durante a ditadura militar que o levou ao exílio O que me preocupa e por vezes me desespera são os retrocessos sociais o acirramento da pobreza a supremacia branca que tem exterminado e roubado os povos não brancos a LGBTQfobia o feminicídio e como terão impactos profundos em nossa sociedade exigindo um longo período para a sua recuperação Costumo refletir sobre a importância da educação especialmente do ensino de História neste momento para a construção de uma memória coletiva desejando que no futuro esses processos não se repitam Dentro das questões das desigualdades Paulo Freire quero conversar sobre a supremacia branca fundamental para entender as desigualdades que vivi com as pessoas na Colônia e o que tenho visto hoje com as minhas turmas da Educação de Jovens e Adultos Você conheceu bell hooks durante o seu exílio em uma passagem que fez pelos Estados Unidos e é ela quem me atenta para o termo supremacia branca e em que ele se difere do racismo Em Ensinando a Transgredir educação como prática de liberdade publicado em 2013 e em outras obras e entrevistas como a disponível no canal Legendando Feministas no YouTube bell hooks cunha este conceito para nos dizer que as questões raciais não são violências aleatórias Não é só o xingamento ser expulso ou proibido de entrar em um local uma abordagem policial opressora e outras formas de agressão mas elas pertencem a um sistema maior uma estrutura que dita os parâmetros sociais O termo supremacia branca se refere a forma como vemos e nos relacionamos política econômica cultural e socialmente Está cruzada com questões de gênero de raça e classe e nenhum desses recortes sozinhos dá conta de compreender a complexidade do ser humano e do seu contexto pois somos atravessados por todos eles juntos e ao mesmo tempo A colonização que a Europa fez no mundo a partir do século XV impôs de forma violenta a todos os povos a sua estrutura política social econômica cultural ou seja o parâmetro que todos os outros grupos sociais deveriam seguir era o da branquitude europeia cristã patriarcal hierárquica institucional e acumuladora de riquezas Todas as formas de organização social em África na América no Oriente 24 eram consideradas primitivas e inferiores portanto deveriam ser subjugadas e apresentadas ao modelo de civilização europeu não para se incluir nele mas para servilo e mantêlo Quando penso no processo de colonização e escravização aqui no Brasil e seus desdobramentos até os dias atuais eu percebo este sistema de supremacia branca Olhando o contexto educacional com as escolas públicas sucateadas com dificuldade de acesso pelas estudantes sem recursos didáticos para o desenvolvimento das aulas infraestrutura precária observo como esse espaço é ocupado majoritariamente pela população não branca portanto são pessoas que continuam sofrendo as mazelas da colonização subalternizadas para servir e manter o sistema branco Mesmo vendo essas estruturas dentro da escola Argentina Castelo Branco durante aqueles anos eu percebi que havia algo maior ali As condições difíceis de sobrevivência e de acesso aos direitos mais básicos como a alimentação não era definia aquelas pessoas mas a vontade de aprender o entendimento da importância da escola e de sua função naquele lugar e não importava a chuva que estivesse caindo nem se o ônibus estava atolado na estrada de barro elas sempre chegavam Com sacolas plásticas nos pés e os calçados em outra pendurada nos ombros junto com os cadernos o que importa é que elas sempre chegavam E eu fiquei impressionada com aquilo porque lembro de levantar da cama às 530h muitas vezes com tanta preguiça e pensar que naquelas condições não haveria muitos estudantes mas a escola estava lotada Essa é uma lembrança que sempre me faz rir e ao mesmo tempo me deixa muito triste pois aquelas crianças não deveriam passar por situações tão difíceis para acessar o direito básico e essencial que é a educação como está afirmado na Constituição Federal de 1988 no Capítulo II que fala sobre os direitos sociais Não quero com isso romantizar essa situação mas encontrar novas formas de enxergar aquelas pessoas para além das dificuldades que enfrentavam Quero que você as veja pelo olhar do sim da potência das suas conquistas e não pelo que lhes faltava Aprendi isso fazendo leituras de suas obras e acredito ser de grande importância para um processo educativo emancipatório Quando eu pensava nas aulas de História que daria aquelas pessoas eu me questionava qual a relevância daqueles conteúdos em suas vidas que diferença faria saberem sobre os imperadores romanos ou o feudo medieval Hoje eu me pergunto 25 se esses conteúdos fizeram sentido para aquelas pessoas e o quanto a forma como ensinei contribui ou não para isso Com o passar dos anos e a experiência adquirida entendi que eu precisava ter maior clareza sobre o papel do ensino de História para a sociedade e a disputa em torno do seu currículo Sabe Paulo Freire o mestrado me ajudou a fazer a passagem para uma curiosidade epistemológica sobre isso lendo as autoras Circe Bittencourt e Kátia Abud que na década de 90 fizeram uma retrospectiva sobre o debate do objetivo da História enquanto disciplina escolar e seus usos sociais Nas obras publicadas em 1993 Os confrontos de uma disciplina escolar da história sagrada à história profana de Circe Bittencourt e em O ensino de história como fator de coesão nacional os programas de 1931 de Kátia Abud elas abordam como a História foi usada como instrumento de construção da identidade nacional aqui no Brasil Uma identidade branca e com ideais europeus negando e desumanizando a negritude que chegou aqui ao Brasil em um contexto de sequestros e múltiplas violências e os povos originários que foram massivamente assassinados durante a invasão portuguesa e continua até os dias atuais Este foi meu primeiro ponto de incômodo Paulo Freire Aquelas vidas da Colônia não tinham relação alguma com o ideal branco de civilização a não ser pela subalternização do povo preto herança da escravização Então eu não encontrava sentido em ensinar o heroísmo português para quem só colhia as mazelas E a julgar pela dispersão da turma quase sempre quando trazia estes temas ela também não tinha qualquer interesse em saber sobre os feitos das pessoas mortas presentes nos livros didáticos Basta mudarmos o nosso olhar eurocêntrico e pensarmos a História a partir de uma decolonialidade para vermos que ali não há heroísmo mas roubo sequestro estupros violência física emocional e simbólica que a historiografia tradicional positivista contou como processo civilizatório pacífico o que faria do Brasil uma grande democracia racial Uma visão historiográfica ultrapassada mas ainda enraizada na cultura e no imaginário coletivo da nação mascarando a supremacia branca que estrutura o país e se estende às suas instituições como a escola Olha Paulo Freire não quero com isso dizer que a escola não seja uma instituição importante para a nossa sociedade mas acredito ser fundamental problematizála historicamente pois nem sempre ela foi aberta a todas as pessoas No século XIX quando ela começou a se expandir e a legislação de educação 26 começou a estabelecer a educação pública ainda assim a população negra principalmente a escravizada foi privada do seu acesso No artigo de Surya Pombo de Barros chamado Escravos libertos filhos de africanos livres não livres pretos ingênuos negros nas legislações educacionais do século XIX publicado em 2016 a autora realiza um mapeamento sobre a legislação educacional no Brasil e mostra o quanto ela se empenhou em deixar explícita essa proibição Ela questiona ainda o motivo para as províncias terem sentido a necessidade de expressar tão categoricamente tal impedimento Não estaríamos desde o início buscando estratégias de reexistência Nesse mesmo século tivemos uma série de leis como a Lei do Ventre Livre de 1871 que estabelecia a possibilidade de as crianças livres poderem frequentar a escola no pós abolição ainda assim não podemos dizer que houve condições iguais de acesso à escola E ela por sua vez não considerou em seu currículo ou práticas socioculturais as diversidades da sociedade brasileira e mesmo hoje apesar dos avanços significativos no que tange os parâmetros e diretrizes ainda não temos contemplados efetivamente no nosso currículo a pluralidade que habita o espaço escolar Outro ponto que sempre me incomodava era a responsabilidade delegada a mim por ser a professora de História de cantar o hino nacional toda segundafeira As turmas todas enfileiradas espremidas no corredor pequeno da escola para cantar uma música que eles nem entendiam a letra saudando uma pátria que os fazia caminhar quilômetros debaixo de sol e chuva para chegar à escola para alguns o único momento do dia em que faziam uma refeição que os obrigava a trabalhar na roça antes ou depois de ir à escola para ajudar no sustento da família muitas formada somente pela mãe filhos e filhas Nas obras citadas acima de Bittencourt e Abud Paulo Freire as autoras falam sobre o papel da História como disciplina escolar na formação do cidadão patriota Ela deveria através da educação desenvolver o sentimento nacionalista nas pessoas educálas para servir ao seu país se orgulhar da formação nacional do Brasil e buscar referências europeias para espelhar o modelo de civilização brasileira Paulo Freire eu tinha um ódio mortal por isso Tanto que em meu segundo ano trabalhando lá e nas escolas seguintes eu evitava ao máximo inserir alguma carga horária na segundafeira ou nos primeiros horários justamente para evitar a 27 homenagem a uma nação tão profundamente marcada pelas desigualdades o que gerava desconfortos com a gestão da escola Em 2011 Luis Fernando Cerri lançou Ensino de História e consciência histórica que apresenta uma passagem sobre essa cobrança imposta a nós professoras de História por parte da sociedade para ensinar os símbolos da nação exaltar pessoas consideradas importantes como Tiradentes Dom Pedro I e Dom Pedro II e tantas outras e as datas consideradas marcos importantes para a identidade nacional O que eu sempre quis levar para a minha sala é a vida real a história do povo de gente como a gente Paulo Freire Não queria saber de Princesa Isabel mas daquele povo preto descendentes de reis e rainhas dos reinos africanos e que quando escravizados resistiram às violências que sofreram criando inúmeros quilombos pelo Brasil afora Isso dizia muito mais sobre as pessoas daquela escola que também estavam resistindo e sobrevivendo Eu queria dizer a elas que superariam aquilo porque historicamente temos feito isso Hoje eu tenho conseguido dar forma pensar epistemologicamente o que antes era somente intuição Sabe Paulo Freire eu tive uma tremenda crise naquela época e eu não te conhecia muito bem ainda Havia lido textos na Universidade de pessoas utilizando as suas citações e o pouco que conhecia das suas ideias eu considerava fantástico mas não sabia como pôr aquilo em prática ao menos eu supunha que não Naquele período eu acreditava que teoria e prática eram diferentes porque eu não conseguia fazer uma conexão consciente entre o que lia e discutia nas aulas e aquilo que vivia no chão da sala Eu estava no paradoxo de ter uma educação bancária na universidade e discutir textos sobre a necessidade de ter práticas progressistas nas minhas aulas de história ser dinâmica inovadora e desenvolver o senso crítico mas eu não sabia como por aquelas teorias em ação na escola afinal eu também nunca as havia experimentado em minha vida estudantil Eu lutava diariamente para tentar ter a atenção das pessoas entre os cochilos fruto do cansaço a dispersão de corpos adolescentes que em plena efervescência hormonal precisavam ficar um turno inteiro sentados em cadeiras desconfortáveis numa sala abafada Alguns que pela fome contavam os segundos para a hora da merenda e constantemente me perguntavam o que seria servido naquele dia Essa era a minha realidade Eu queria fugir daquele livro didático terrível daquele quadro negro esburacado pintado na parede e da poeira do giz que me fazia espirrar daquela sala fechada e abafada contrastando com um pasto verde ensolarado fresco e com 28 uma mangueira enorme no fundo da escola cheio de vida e a possibilidade de nos entusiasmar mas era a educação bancária que eu conhecia como prática educativa escolar Agora tenho me dado conta que não fui tão bancária quanto pensei Paulo Freire Em meus rompantes juvenis e sonhadores que me fizeram travar tantas brigas naquela escola uma delas para sentar debaixo da mangueira Eu fazia rodas de conversa debaixo dela nos dias de baixa receptividade da turma ao tema da aula por algum motivo desconhecido ou porque o concreto da sala era demasiado opressor para a nossa criatividade Não é irônico que só conheci seus círculos de cultura e o quanto sentarse debaixo da mangueira tinha um significado tão grande para você anos depois Quando li Ensinando a transgredir educação como prática de liberdade publicado por bell hooks em 2013 eu compreendi ter feito algo que não sabia o nome e tenho chamado aqui de intuição mas conforme dito por hooks nem sempre a apropriação de algum conceito pode garantir que vamos praticálo e por vezes podemos fazer algo sem posse consciente do conceito Eu fiz algo que não sabia o nome mas entendia ser correto porque fazia sentido naquele contexto em que eu estava inserida e eu percebia isso quando havia engajamento e trocas durante aqueles batepapos sob a mangueira Eu apenas segui a minha intuição mas estando em uma instituição formal a gestão me cobrava explicações queria coerência justificativas pedagógicas referenciadas mas Freire eu não sabia como explicar não sabia a quem atribuir o que eu praticava Aquilo fazia sentido somente para mim estava na minha cabeça e a coordenadora ficava louca comigo e eu tinha que provar que aquela roda debaixo da mangueira não era vontade de enrolar para não dar aula como fui acusada mas que ali era a aula Se eu tivesse lido a sua obra Educação como prática de liberdade naquele período eu poderia dizer que eu estava pondo em prática o método Paulo Freire de ensinar Você fez uso dos círculos de cultura na alfabetização de camponeses com a educação popular você proporcionou uma educação na qual cada pessoa fosse única e importante para a construção do conhecimento coletivo e individual Compreender cada estudante como um universo único complexo considerando todos os saberes igualmente importantes e partir deste lugar da curiosidade ingênua e coletivamente construir outros e novos conhecimentos desenvolvendo o senso crítico a curiosidade epistemológica Se eu tivesse contato com a Pedagogia da Autonomia e Pedagogia 29 da Esperança lá em 2007 e 2008 em vez de travar brigas na Escola Argentina Castelo Branco eu teria dito à coordenadora que estava trabalhando a partir de seus escritos e experiências E se eu fosse indagada sobre o fato de você ser pedagogo e ter trabalhado com alfabetização e não com História no Ensino Fundamental II eu teria dito que estávamos debaixo daquela mangueira fazendo um círculo de cultura nos alfabetizando sobre a História do mundo e as nossas Histórias olhando para nós e refletindo sobre quem éramos dentro de contextos maiores que aqueles Para enlouquecer ainda mais a gestão daquela escola eu fazia planejamentos diferentes para os turnos opostos mesmo sendo da mesma série O planejamento das aulas passa por entender quem são as pessoas que farão parte dela pois cada pessoa forma a turma e a mudança de uma delas modifica toda a dinâmica Helenice Rocha no artigo Aula de História evento ideia e escrita publicado em 2015 traz uma reflexão sobre a singularidade de cada pessoa e isto faz com que cada dia a turma seja única e diferente mesmo havendo uma certa rotina na ocorrência das aulas ao longo do ano A autora diz que cabe à professora administrar essas múltiplas combinações e isso ocorre através do ato de planejar e como te contei Paulo Freire nem tudo saia exatamente como eu programava nas minhas aulas mas ainda assim mesmo que fora dos ritos elaborados elas de alguma forma aconteciam Eu sempre gostei muito de planejar aulas buscar materiais experimentar formas de trabalhar o ensino de História acreditava e tentava organizar as minhas aulas de uma forma que tivesse alguma conexão entre elas e pensava nisto por que durante a minha vida estudantil eu sentia falta dessa coesão no meu aprendizado e tinha muita dificuldade em dar sentido àquilo que via na escola por não conseguir fazer uma relação com a minha realidade Celso Vasconcelos em Construção do conhecimento em sala de aula publicado em 2002 fala da importância de pensar sobre a prática social do conhecimento e isso começa com o professor tendo a percepção de que não basta cumprir o conteúdo listado mas construir com a turma a compreensão do mundo através deles Eu observei que as pessoas que estudavam a tarde chegavam muito mais cansadas e sonolentas e com o tempo entendi que ficavam assim porque tinham acordado cedo para trabalhar na roça e as que estudavam pela manhã trabalhavam à tarde então chegavam com mais energia para empregar nos estudos Por isso comecei a organizar aulas diferentes incluir detalhes simples como levar a atividade impressa em vez de solicitar que copiassem do quadro por vezes fazia estas 30 impressões em casa pois nem sempre na escola havia recursos para isso Utilizava textos menores e mais objetivos nas atividades para a leitura não ficar mais cansativa e desinteressante e pedia para lerem em voz alta realizando rodízio entre as pessoas Além disso fazia uso de imagens no retroprojetor e músicas entre outras ferramentas Em determinados dias quando percebia que o nível de cansaço era tão grande apenas papeávamos sobre suas vidas o trabalho que faziam algum programa de TV música e filmes O que trouxessem como tema de interesse abríamos uma roda na sala e quando eu estava mais disposta a enfrentar as batalhas institucionais levavaos para debaixo da mangueira e falávamos da vida Eu intercalava os conteúdos presentes nos livros e o copiar do quadro para o caderno com outros elementos como as matérias de jornais e revistas e conversar sobre cenas de novelas que traziam alguma polêmica Falamos sobre o Big Brother ou um desenho animado tudo era tema relevante bastava que fosse de interesse pois na própria conversa de forma quase que natural a História ia chegando e se encaixando afinal história é tudo o que vivemos Paulo Freire essas vivências e conversas sobre a vida debaixo da mangueira eram muito boas mas eu estava em uma instituição e ela possuía as suas regras e uma delas era a avaliação e eu mais uma vez travava batalhas com a gestão Havia um consenso estabelecido antes da minha chegada na escola que uma parte muito pequena da pontuação ficava a critério da professora e a outra estava distribuída entre um teste e uma prova divididas entre questões discursivas e objetivas sobre o conteúdo programado para a unidade Quando eu pensava nestas avaliações eu precisava considerar que na sala havia F estudante com paralisia cerebral e sua capacidade motora limitada e adultos que estavam na mesma turma das crianças Eu não fazia a menor ideia de como elaborálas A começar pela minha resistência em fazer estas avaliações para os estudantes escreverem sobre o reinado de Henrique VIII na Inglaterra Eu me frustrava bastante porque geralmente eu pensava ser minha incapacidade fazer esses conteúdos ter significado para elas Iniciei uma batalha para não fazer avaliações nesse formato mas além da gestão havia todo o corpo docente da escola que entendia esse modelo como a forma correta de avaliação Naquela época eu estudava uma disciplina na Universidade e estávamos tratando sobre a didática do ensino de História e um dos livros propostos para a aula possuía um artigo que tratava sobre avaliação chamado Repensando a avaliação da 31 aprendizagem de Vani Moreira Kenski publicado em 2004 A autora começa o texto tecendo reflexões sobre o que é avaliar e como nós fazemos isso em diversos momentos em cada tomada de decisão de nossas vidas até chegar na avaliação escolar E nos leva a pensar e indagar sobre o significado da nota que um estudante alcança numa prova e principalmente o que a professora faz com esta nota considerando o processo individual e coletivo dentro da turma Até hoje tenho o ato de avaliar como a parte mais difícil da minha profissão pois qualquer parâmetro que eu estabeleça será sempre arbitrário porque deixarei de fora algo que qualquer pessoa da minha turma poderia me mostrar e ser significativo na construção de conhecimento de modo geral ou especificamente do saber histórico É complexo lidar com o sistema porém foi mais difícil lidar com colegas que não conseguiam sair dos paradigmas que estavam acostumados Paulo Freire acredito que esse pensamento seja fruto da educação bancária que tivemos Era complicado pensar uma forma diferente de avaliar se não experimentamos isso em nossa vida estudantil Eu queria fazer de outra forma entretanto também não sabia o que e como fazer era tudo experimental para mim e como eu estava mesmo muito perdida e sozinha acabei reproduzindo o modelo posto tentando adaptar as atividades para F fazendo avaliações objetivas devido a sua condição motora A dos adultos acabou sendo a mesma aplicada às crianças e as da turma da tarde eu fazia avaliações com mais questões objetivas e com textos menores tentando respeitar e considerar o cansaço que chegavam na escola No sistema de teste e prova sobre os conteúdos o parâmetro era ter lido e em certo ponto decorado os assuntos factuais pois me cobravam os conteúdos que estavam nos livros didáticos e onde eu possuía certa autonomia punha em prática a minha intuição e ouvia o que aquelas pessoas tinham a dizer sobre suas aprendizagens nas rodas debaixo da mangueira nas colocações realizadas em sala e nas entregas das atividades Eu acreditava que esse modelo poderia incentivar todas as pessoas daquelas turmas a se expressarem sem medo e contribuir na construção do saber histórico Hoje fazendo este exercício de memória para escrever esta carta a você Paulo Freire reunindo leituras sobre educação e ensino de história e o mundo em que vivo entendo porque eu precisava brigar tanto para fazer as minhas loucuras Nestas leituras eu conheci Ailton Krenak um líder indígena que lançou um livro chamado Ideias para adiar o fim do mundo publicado em 2019 Ele começa o livro levantando 32 uma questão que acredito fazer bastante sentido para refletir sobre aquela situação Eu falei mais acima sobre a colonização do Brasil e o ideal de civilização europeia imposta aos povos colonizados e é a partir disso que ele lança um questionamento O que é a humanidade e sob quais parâmetros nós a estabelecemos É o seguinte Paulo Freire em vários momentos da narrativa dessa carta eu falei que estava lidando com a questão institucional portanto formal das escolas Krenak afirma que criamos um ideal de humanidade pautada em instituições e leis que devem guiar toda a sociedade e o poder do povo para questionálas é limitado A justificativa para seguirmos esses parâmetros é a crença que desta forma teremos uma sociedade organizada e civilizada dentro do ideal europeu Se precisamos manter essa ideia viva na sociedade necessitamos de instituições capazes de fortalecêla e disseminála para todas pessoas e a escola possui tal função Olhe Paulo Freire há outra pessoa que também traz a perspectiva da escola enquanto instituição responsável por moldar as pessoas para fazerem parte da sociedade e estou falando de Michael Foucault Em História da Sexualidade a vontade de saber de 1998 ele fala como a sociedade sempre busca formatar nossos corpos sociais nos mostrar o que é certo para ela ou lidar com a rejeição se não seguirmos as suas regras e padrões A escola é responsável por fazer isso conosco situação perceptível quando reprovamos uma estudante porque supostamente ela não sabe aquilo que um currículo institucional disse que ela é obrigada a aprender mas jamais a pergunta o que ela sabe e como aquele conteúdo escolar fará diferença em sua vida Naquele período Paulo Freire eu ainda não sabia como explicar tudo isso para a gestão como dizer que estava rompendo um ideal de formalidade branca criada e naturalizada pela colonização e almejava ter uma prática que rememorasse a contação de histórias dos griot em África ou dos Povos Originários do Brasil Naquelas rodas eu conheci aquelas pessoas e por causa delas eu não reprovei ninguém pois além do conteúdo nós construímos outros saberes igualmente importantes e relevantes Ali eu acessei tantos aprendizados que os trago até hoje em minha vida Eu aprendi como cuidar de hortas como plantar as sementes das frutas que comia compartilhei as minhas experiências de fazer farinha e matar boi com minhas primas para o açougue em que minha tia trabalhava no sertão de Feira de Santana conversamos sobre agricultura familiar e conheci a história de uma aluna que tinha 33 barraca de temperos na feira de Candeias onde fui freguesa até a minha mudança para Salvador Soube da mãe de uma aluna que fazia hemodiálise e conversamos sobre as dificuldades de acesso à saúde e as desigualdades sociais que enfrentamos conversamos sobre o capítulo da novela e falamos da importância das artes para nos ajudar a pensar a sociedade e ali descobri artistas incríveis um que compunha letras de rap outro que desenhava muito bem Quando falei que meu pai tinha um bar no centro da cidade descobri que algumas mães vendiam coisas em casa e algumas compravam mercadoria na mão do meu pai e a cada conversa os laços se estreitaram Claro que nem tudo foi tão simples nestes círculos de cultura Eu competia com as pessoas passando na estrada com a paisagem a aula de educação física que acontecia em um campo no terreno da escola e os meninos queriam jogar bola com a grama fofa que alguns cochilavam porque estavam cansados do trabalho na roça com as pessoas que ainda não tinham se entusiasmado e mesmo achavam que eu estava enrolando e me perguntavam se eu não daria aula e se aquilo cairia na prova Foram dois breves e intensos anos na Argentina Castelo Branco Comi muita jaca aipim manga seriguela ganhava cachos de banana que nem sei como conseguia chegar em casa Foram dois breves e intensos anos que agora revisitando nas minhas memórias para contar a você nesta carta vejo quanto eu poderia ter feito se tivesse o conhecimento e a experiência que tenho hoje como poderia ter elaborado melhor meus argumentos para a gestão como poderia ter aproveitado mais aquelas rodas na mangueira me fundamentado para viver aquela experiência consciente abrindo ciclos gnosiológicos talvez pudesse ter feito uma prática docente melhor e mais significativa poderia ter elaborado outras ações que pudesse aproveitar mais o tempo na biblioteca da escola e recortar aquele livro didático terrível e reescrito tantos outros com histórias de pessoas que realmente interessavam as que estavam naquela escola Mas como você mesmo diz em Pedagogia da Autonomia a educação é uma eterna reflexãoaçãoreflexão Lembrar e refletir sobre os dois primeiros anos de docência da minha carreira tem feito brotar em mim uma saudade alegre pois mesmo tendo cedido em muitos momentos àquela visão tradicional de educação eu vejo que consegui romper em alguns momentos Além disso tenho compreendido que os meus pensamentos da época não eram loucuras mas ações que tinham fundamentações profundas e comprometidas com uma educação crítica e engajada 34 Depois desse período encontrei algumas pessoas que fizeram parte das minhas turmas Soube de alguns que morreram assassinados pelo envolvimento com o tráfico outros que abandonaram a escola as meninas porque engravidaram e os meninos porque ficou difícil trabalhar na roça e fazer o Ensino Médio nas escolas de Candeias como eles chamavam o centro da cidade como se não morassem no município Outras finalizaram a educação básica constituíram família trabalham na roça ou no comércio e alguns pouco chegaram ao Ensino Superior com muito esforço de suas famílias e fazendo malabarismos entre o trabalho e a universidade Você sempre trouxe para as suas discussões o recorte de classe como fundamental para entender o papel da educação e a importância dela ser emancipatória mas Paulo Freire a classe sozinha não dá conta de compreender o cenário educacional e social aqui do Brasil A classe precisa ser entrelaçada com gênero e raça visto que para compreender a vida de uma menina preta e pobre que abandona a escola para cuidar das suas crias é necessário refletir se essa mulher terá a presença responsável do pai da criança as dificuldades encontradas ao longo da sua vida por ser mulher em uma sociedade patriarcal como a sua negritude impacta em sua vida quais condições sociais ela terá para conseguir emprego sendo preta sem escolaridade e mãe qual a sua estrutura familiar e se ela poderá contar com o suporte dela as violências emocionais e afetivas causadas pelo racismo Enfim o panorama é maior que a classe social pois ascender economicamente não garante não sofrer racismo sexismo ou LGBTfobia por exemplo Eu percebi nas leituras que tenho feito de suas obras que depois do contato que você teve com o feminismo negro nos Estados Unidos durante o seu exílio houve uma transformação em sua escrita você ficou mais aberto para compreender como somos seres interseccionados entendeu como a linguagem nomeia e dá sentido a tudo o que fazemos inclusive o quanto ela é sexista pois estabeleceu o homem como universal e como sinônimo de humanidade invisibilizando outros gêneros e raças convergindo com o que Tanya Saunders trouxe em seu texto Epistemologia Negra Sapatão como vetor de uma práxis humana libertária publicado em 2017 Aquela conversa que você teve com bell hooks quando fez uma palestra na Universidade de Santa Cruz foi bastante esclarecedora para você Quando li em Pedagogia da Esperança sobre as cartas que recebeu das feministas negras sobre a sua linguagem sexista e como você começou a fazer um exercício em sua escrita trazendo o masculino e feminino eu fique ainda mais feliz em estar me dedicando a 35 compreender as suas ideias um intelectual aberto a autoatualização disposto a ver o mundo pelos olhos das outras pessoas e dos lugares que ocupam na sociedade e preocupado em viver aquilo que fala Refletindo sobre os enfrentamentos das pessoas que frequentaram a minha turma na Argentina Castelo Branco em como as adversidades as levaram a abrir mão da escola eu fico um tanto frustrada por saber que o acesso à escolarização para a juventude preta e pobre vai se restringindo A cada ano muitos estudantes vão ficando pelo caminho por causa das desigualdades sociais que dividem o Brasil e com muito esforço chegam à Educação de Jovens e Adultos EJA iniciando e parando diversas vezes porque possuem outras urgências em suas vidas Miguel Arroyo os chama de passageiros da noite em seu livro Passageiros da Noite do trabalho para a EJA itinerários pelo direito a uma vida justa que foi publicado em 2017 Eu acho que você teria adorado ler esse livro Paulo Freire Miguel Arroyo propõe que pensemos em quem são estas pessoas que chegam a EJA e principalmente seus itinerários Elas começam sendo passageiras do amanhecer ao saírem muito cedo para o trabalho geralmente ocupando postos de trabalho penosos e considerados inferiores como os trabalhadores do campo da Argentina Castelo Branco e após uma longa e cansativa jornada de trabalho se tornam passageiros da noite saindo dos trabalhos formando longas filas nos pontos de ônibus para chegar à escola e tentar finalizar o ciclo formal de formação incompleto em sua infância e adolescência Nesse livro Paulo Freire o autor traz uma passagem que muito me tocou e me permitiu ter mais consciência da importância daqueles círculos de cultura Ele questiona se nós professoras sabemos dos percursos de vida das pessoas que estão em nossas salas de aula de suas esperanças seus medos frustrações traumas se olhamos para estas pessoas e percebemos o recorte de raça gênero e classe que as atravessam e o quanto isso não é aleatório dentro da sociedade injusta que vivemos Se percebemos o quanto a EJA acaba sendo a última oportunidade dessas pessoas de finalizar o ciclo e acabar com a frustração do fracasso perante uma sociedade tão marcada pela formalidade das instituições que desconsidera outros saberes e conhecimentos forjados nas passagens do amanhecer ao anoitecer Eu não tinha tais questões conscientes em mim nem na Argentina Castelo Branco nem quando entrei na EJA pela primeira vez 36 Minha primeira experiência com a EJA foi no Colégio Estadual Ouro Negro CEON em Candeias como substituta de uma professora que por motivo de saúde foi afastada no mês de setembro Eu fui contratada como Prestadora de Serviço Temporário na segunda quinzena de outubro para ficar em seu lugar e como a vice diretora me disse fechar o ano letivo Na prática eu precisava passar uma série de atividades para compor notas e justificar a aprovação daqueles que ainda estavam frequentando a escola Então eu me deparei com duas situações novas para mim uma parcela considerável de estudantes estava deixando a escola na IV Unidade porque conseguiram empregos no comércio da cidade com os festejos natalinos e seriam reprovadas independentemente de como foi a sua trajetória durante o ano e a outra foi que eu precisava ensinar Filosofia e Sociologia para adultos que tinham trabalhado o dia inteiro nas mais diversas funções e a noite estavam lá na escola para concluir a Educação Básica Quando entrei nas turmas aquela noite para me apresentar e conhecer as pessoas eu simplesmente não fazia a menor ideia do que poderia ensinálas a maioria tinha idade para serem meus pais e mães sabiam de muito mais coisas que eu pelos anos de experiências vivenciadas e eu ali parada na frente delas dizendo que as ensinaria Filosofia e Sociologia Elas chegaram à escola depois de jornadas de trabalho desgastantes as mulheres geralmente com a dupla jornada do trabalho externo os afazeres domésticos e o cuidado com as crianças pessoas que aprenderam a arte de sobreviver diante de dificuldades que eu nem imaginava que aprenderam muito mais coisas do que qualquer livro didático poderia registrar a matemática da divisão do alimento o chá que socorreu na dificuldade de encontrar um médico o conhecimento dos direitos trabalhistas quando eles foram negados ao serem demitidos de trabalhos sem carteira assinada ou quando adoeceram e não puderam ter auxílios de saúde Os estudantes me viram ali na frente daquela sala em pé ao lado da mesa olhando para seus rostos dizendo que os ensinaria Sociologia e Filosofia Eu poderia repetir isso mais mil vezes para tentar mostrar a ironia da situação que somente hoje eu compreendo a partir das leituras das obras que você Paulo Freire e outras autoras e autores abordados nesta carta escreveram Naquela mesma noite na saída peguei o planejamento anual que a professora havia deixado e os livros didáticos para conhecer o material e organizar as aulas seguintes quando descobri que tudo era exatamente igual ao conteúdo trabalhado com as turmas diurnas de adolescentes Paulo Freire eu precisava de você Mas eu 37 estava sozinha nova e temporária naquela instituição pensando se mais uma vez eu teria que brigar para fazer uma aula diferente se teria tempo de ao menos fazer algo já que o corpo discente tinha expectativas em como as notas seriam fechadas O cansaço do final de ano já era evidente em todos e a gestão queria resolver a situação da forma mais rápida e fácil possível Ao chegar em casa depois de um banho e um café olhei os livros e analisei o planejamento pensando no que poderia fazer dentro do contexto que eu estava com o tempo escasso Pesquisei na internet como trabalhar essas disciplinas na EJA vídeos e outros recursos que poderia utilizar nas turmas e talvez encontrar algum caminho interessante de trabalho Isso seria possível se eu não me deparasse com a falta de recursos disponíveis à noite A escola possuía equipamentos como laboratório de informática datashow aparelho de som mas não estavam disponíveis para o uso à noite mesmo solicitando com antecedência Paulo Freire até papel ofício para as turmas da noite era difícil conseguir tudo era precário e limitado Existe grande limitação dos recursos nas escolas públicas mas naquela situação havia algo mais eu vi uma negação estrutural do direito à educação das pessoas da EJA Essa lembrança me fez pensar em Miguel Arroyo em Passageiros da noite publicado em 2017 Ele traz uma discussão como é historicamente tensa a construção do direito ao conhecimento porque isso passa pelo reconhecimento dos grupos sociais subalternizados como sujeitos humanos históricos políticos e sociais portanto sujeitos de direitos A colonização estabeleceu quem deveria ser os sujeitos de direitos quando estabeleceu o ideal de civilização europeu mas a sociedade brasileira está além do parâmetro branco e a EJA é fortemente atravessada pelas questões de gênero raça e classe pois aquelas turmas eram compostas pela população preta pobre trabalhadora mulheres héteros homossexuais pessoas de diferentes faixas etárias Era uma parcela da sociedade brasileira que fora colocada historicamente no lugar da negação e eu via que para as turmas da noite o funcionamento da escola estava restrito às salas e a cantina que servia a merenda na chegada mas espaços como a biblioteca e o laboratório de informática que poderiam ampliar o acesso ao conhecimento permaneciam fechados Para mim aqueles cadeados nas portas gritavam silenciosos e ensurdecedores não para todas aquelas pessoas Paulo Freire eu não sabia como ensinar aos adultos e eu achava que precisava ensinar De um lado eu não conseguia ter acesso às ferramentas disponíveis na escola para dar aula então eu desisti Eu não sabia como lutar naquele 38 espaço porque nem tinha com quem já que os responsáveis pela escola a noite eram as auxiliares da secretaria pessoas que assim como eu cumpriam ordens a equipe de gestão que aparecia esporadicamente Do outro lado eu tinha um corpo estudantil que ansiava por uma resolução rápida e mais fácil possível Eu estava perdida e paralisada porque não havia ali curiosidade pelo conhecimento mas uma necessidade de completar o ano e agilizar o término da educação básica para sair em busca de empregos e do sustento da família Sabe Paulo Freire eu entendo o que eu não vi ali Não havia entusiasmo Eu estava acostumada com as pessoas da Colônia que chegavam à escola mesmo debaixo de um temporal que mantinham em alguma dimensão uma chama acesa pela vontade de aprender mesmo quando a burocracia tentava encaixotar e formatar a complexa e subjetiva ação humana de aprender Já no Colégio Ouro Negro ela tinha sufocado a todos e a mim pois apenas cumpri o que os estudantes e gestão queriam Realizei as atividades dei as aulas fiz as provas e aprovei aqueles que cumpriram todos os ritos assim como eu Não houve paixão pelo conhecimento não houve descobertas curiosidade Será que você e bell hooks conversaram sobre a práxis do entusiasmo quando se encontraram Quando comecei a ler Ensinando a Transgredir educação como prática de liberdade de bell hooks cada linha foi me tocando profundamente pois cada palavra lida refletia em mim como professora e alguém que tem a obrigação de fazer parte da mudança que acredito ser necessária para a sociedade brasileira experimentar Ler a narrativa dela contando a sua infância em um país dividido pela segregação racial como foi estudar em uma escola preta onde as vivências individuais tinham valor onde se invocava a experiência como meio de construção do conhecimento de compreensão da realidade e da criação de referenciais do mundo e como isso foi perdido depois do fim do apartheid e as crianças negras forçadas a ingressar em escolas brancas que não as viam como sujeito como alguém de direito mais ainda como humanas O peso disso é enorme Ainda que não tenhamos vivido juridicamente uma explícita divisão social na nossa sociedade como nos Estados Unidos o quanto de práticas que se originam na mesma ideia colonial e racista não está entrelaçada na educação e no ensino de História Então agora pensando sobre minha passagem pelo CEON e escrevendo sentimentos que estavam guardados alguns nem eram conscientes eu preciso refletir 39 como poderia haver o entusiasmo naquelas turmas se nada se conectava nada ali dizia para aquelas pessoas que aquilo que viviam e que eram importava Sabe Paulo Freire hooks disse que o entusiasmo é uma prática coletiva ele acontece quando as coisas que estamos construindo na sala de aula faz sentido para todas as pessoas envolvidas porque cada uma será parte indispensável para as novas descobertas Tudo o que sabemos e que carregamos conosco é único bonito importante e vital para que a sala de aula nunca seja um lugar de tédio mas da prática do entusiasmo da espontaneidade da criatividade e da liberdade Não aprendemos imersos em caixas formatadas com alguém nos dizendo que temos que aprender algo porque é importante sem nos dizer por que é importante O entusiasmo é construído e vivido quando olhamos para as pessoas da nossa turma individualmente Eu não enxergo uma turma antes enxergo João Maria José Joana e quando o sentimento de pertencimento é de todos nos ouvimos com atenção e respeito deixamos nos afetar pelo que a outra pessoa coloca de si naquele momento nos fazemos gente sujeitos de história e memória sujeitos coletivos Quando eu comecei a tomar conhecimento mais aprofundado de suas obras Paulo Freire eu já estava trabalhando com a EJA no SESI em Salvador descobri que você também fez uma passagem pelo SESI em Recife e o quanto ela foi importante para o desenvolvimento de obras como Pedagogia do Oprimido e anos depois você a retomou em Pedagogia da Esperança Preciso te dizer como você tem me afetado nesta fase da minha vida Eu cheguei ao SESI Serviço Social da Indústria em 2015 para trabalhar com EJA na modalidade à distância Eu já tinha experiência como tutora por uma passagem que fiz na UNEB na graduação do curso de História Eu tinha alguma noção mas não sabia como seria trabalhar com Educação a Distância com jovens e adultos na Educação Básica Antes de ser contratada no SESI eu trabalhei por cinco anos em uma escola privada e estava numa crise de sentido com a minha profissão por algumas vivências que tive nela Nem tudo foi ruim eu tive ótimos momentos mas eu estava num processo doloroso de aceitação que eu não mudaria o mundo e que a educação sozinha tão pouco faria isso Voltar a EJA me deu um certo medo eu ficava lembrando da frustração da primeira experiência e de como seria agora em uma instituição de grande porte Meu primeiro estranhamento ao chegar no SESI foi a organização dos espaços eu estava esperando uma escola nos moldes tradicionais como a que conhecemos 40 ao invés disso meu primeiro dia eu fui encaminhada para a sede da FIEB em Salvador para fazer uma ambientação sobre a instituição então me deparei com um espaço corporativo dividido em cabines individuais cada pessoa concentrada em sua tela de computador Eu me lembro de pensar mas onde que eu vou dar aula aqui Durante a apresentação eu soube que deveria voltar ao mesmo local onde havia feito a última etapa da seleção e lá eu seria apresentada às pessoas e aos processos da EJA EaD Educação de Jovens e Adultos à Distância Eu não estava habituada àquele tipo de estrutura eu vinha de escolas com ambientes de escola com sala dos professores direção coordenação secretaria agora eu estava em um sistema diferente com diversos setores e níveis hierárquicos que até outro dia eu ainda me perdia No dia seguinte cheguei ao polo da EJA com 20 minutos de antecedência para dar uma boa impressão a minha nova equipe de trabalho e a coordenadora Fui apresentada à plataforma ao ambiente às pessoas e principalmente ao processo e a necessidade de pensar fora da minha caixa para atender aos estudantes de acordo com o seu tempo e necessidade Os dias que se seguiram foram para aprofundar o entendimento sobre aquela EJA A EJA do SESI entre 2013 e 2016 era oferecida por área de conhecimento para o Ensino Fundamental II e Médio através de uma plataforma de estudos e a estudante deveria ir ao polo para fazer as avaliações presenciais No ingresso todas as pessoas faziam uma avaliação diagnóstica em formato de prova objetiva e a partir da pontuação adquirida era classificado em um ano escolar Havia avaliação distinta para o Ensino Fundamental II e o Ensino Médio mas na mesma configuração com questões objetivas e uma discursiva Havia encontros presenciais em formato de oficinas que mesmo não sendo obrigatórios sempre tínhamos o polo lotado Em todas as atividades que fazíamos havia uma adesão grande das pessoas Era muito bacana Paulo Freire Sempre havia um polo lotado de entusiasmo e curiosidade pela construção do conhecimento Havia em mim a empolgação de estar em um lugar novo e com desafios diferentes dos que eu já tivera até então mas o primeiro momento que mexeu comigo de uma forma tão forte e me ajudou a sair daquela crise de sentido que eu estava vivendo foi com uma aluna que era surda e passou a escutar depois de usar aparelho auditivo Ela chegou um dia ao polo para estudar e precisava que alguém explicasse o significado de algumas palavras e a fonética pois não estava habituada a ouvilas Eu estava lá no dia e a coordenadora me pediu que a ajudasse Ali havia o 41 entusiasmo A curiosidade pela pronúncia de cada palavra que eu repetia várias vezes as formas com as quais eu tentava explicar o significado de cada uma delas a receptividade e a empolgação que eu via diante de mim a cada compreensão Aquilo Paulo Freire reacendeu a minha chama foi uma injeção de adrenalina para o meu entusiasmo foi troca foi construção em comunhão pois jamais havia trabalhado com pessoas que eram surdas e passaram a ser ouvintes ou com alguém tão curiosa e atenta para o que estava aprendendo Ali eu não ensinei apenas eu aprendi É isso que você traz em Pedagogia da Autonomia Eu ensinei o que ela precisava aprender mas para fazer isso eu aprendi com ela como ensinar portanto eu precisei pensar em como ajudála a dar sentido às coisas que estavam ali postas nos conteúdos partindo do lugar dela e compondo conjuntamente um caminho que ela pudesse seguir e continuar construindo os significados dela no e para o mundo Eu aprendi a ser professora a ser humana a ser aluna a ser ouvinte acho que ali eu experimentei conscientemente a dodiscência mesmo que naquele período eu não tivesse posse do termo como aconteceu em outros momentos comigo já relatados para você e acredito que a grande diferença dessa situação para as outras foi a consciência do que estava fazendo Nos outros momentos não era apenas não ter a posse do termo mas a feitura de forma intuitiva Desta vez eu estava conscientemente presente aquilo que eu não sabia eu perguntava a ela caminhamos juntas de mãos dadas Ah Paulo Freire Esses exercícios de memória que tenho feito nas últimas semanas para escrever esta carta não tem sido fácil Estando em plena pandemia de Covid19 que chegou ao Brasil no início do ano e nos botou em isolamento social há quase 3 meses e tem potencializado todas as minhas sensações e percepções sobre mim o que já fiz e o que quero fazer e sobre as minhas experiências tem feito com que tudo em mim fique a flor da pele e tem horas que tudo some diante do medo da angústia e da incerteza deste momento mas tem vezes que tudo vem de uma só vez e é tão difícil organizar as ideias para fazer esta carta a você É nesta efervescência dos sentidos e sentimentos acerca da minha escrevivência e da minha dodiscência e o entusiasmo que vivenciei com a aluna que me pego a pensar sobre o lugar do amor no ato de educar Eu consegui entender melhor o amor quando li sobre o entusiasmo então acredito que precisamos falar dele mas não do amor romântico ou sexual mas do amor de bell hooks Em alguma 42 medida Paulo Freire você trouxe isso em suas obras já que você defende a educação como umas das formas de lutar pela liberdade pela construção da percepção de si do mundo e pela justiça social Quando li o texto Vivendo de amor publicado por bell hooks em 2010 eu fiquei extasiada eu ainda não havia pensado no amor daquele jeito Enquanto mulher negra ela traz a experiência da escravização para percebermos como isso afetou profundamente a forma como o povo negro se relaciona e demonstra o amor A colonização negra transformou o amor em fraqueza e em algo inferior frente a necessidade pela sobrevivência no contexto de supremacia branca A vivência escravocrata deixou a marca da brutalidade tatuada na nossa construção social e nos nossos relacionamentos com filhos e filhas com cônjuges na violência do estado através da repressão policial e na educação com a avaliação punitiva com a reprovação hooks apresenta o amor a partir do reconhecimento dele em nós mesmos o amor interior e que depois colocamos em prática na comunhão pois para nos entusiasmar verdadeiramente em sala precisamos amar as pessoas que estão conosco Eu vejo na ação de educar uma forma também de amar Aliás educar deveria ser sinônimo de amar Quando entro na sala de aula eu estabeleço uma comunhão com a turma numa relação de troca estou dando uma parte de mim Parte do tempo que fiquei elaborando aquela aula das coisas que precisei ler para estar preparada intelectual e emocionalmente para minha turma da organização da sala a música de boasvindas a energia investida para dar um boa noite que pudesse revigorar os corpos cansados que se sentam ao meu redor O exercício da escuta afetiva com cada contribuição a fala cuidadosa para o consolo com as histórias que se abrem e para alimentar o batepapo construtivo onde todas as ideias são igualmente significativas sem atribuir juízo de valor de certoerrado as coisas ditas e ao mesmo tempo recebo de cada pessoa tudo de volta suas afetividades valorização troca de saberes cuidado e construção de quem sou A cada final de aula somos todos mais amor pois naquele espaço ele esteve presente curando transformando construindo Quando você fala do papel da educação como um meio de valorizar e promover a justiça social no combate às desigualdades estruturantes das sociedades capitalistas você fala do papel que nós professoras temos em construir uma história dentro de cada turma onde cada pessoa se sinta valorizada reconhecida parte importante e primordial para o todo Isso não seria partilhar amor Paulo Freire 43 Porque hoje quando faço este exercício praxiológico da minha dodiscência eu não consigo fazer sem este amor Não quero com isso romantizar ou negar as dificuldades que encontramos no fazer docente existem inúmeras principalmente para aquelas que trabalham 40 ou 60 horas semanais É preciso muita resistência física e emocional para lidar com esta jornada que na maioria das vezes levamos para dentro de casa para estudar pesquisar planejar elaborar e corrigir atividades e avaliações e ainda temos os entes queridos que também precisam da nossa atenção cuidado e amor Eu falo de fazermos o que for possível mas tendo este amor em nosso radar pois a consciência dele é uma das chaves para promover uma educação libertadora Em 2016 a metodologia de trabalho na EJA para o Ensino Médio passou por uma grande mudança com a Metodologia de Reconhecimento de Saberes MRS Ela iniciou em caráter experimental baseado na LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 no artigo 81º que permite às instituições de ensino elaborar novas formas de trabalho desde que sigam aquilo estabelecido pela legislação de educação O entendimento do artigo 1º define a educação enquanto processo de formação que ocorre ao longo da vida na vida familiar na convivência humana no trabalho nas instituições de ensino e pesquisa nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais Sabe Paulo Freire você falou em tantas obras para pensarmos a trajetória de vida dos sujeitos seus saberes aquilo que aprenderam em suas lutas diárias neste novo formato seria possível Diante disto das conversas com minhas colegas nos cursos de formação da Metodologia de Reconhecimento de Saberes eu comecei a perceber a necessidade de refletir melhor sobre o que era esta aprendizagem ao longo da vida sobre educação informal e não formal em como estes conceitos estavam atravessados no meu contexto de EJA e que a partir daquele momento ele não seria mais algo subjetivo diluído no meu fazer docente mas algo que iria emergir e faria parte efetiva do processo de conhecer e avaliar o sujeito Olha a beleza disso Paulo Freire Uma das coisas bonitas da vida é o fato de estarmos aprendendo a todo momento As aprendizagens escolares os conhecimentos que adquirimos nas atividades laborais as experiências simples do cotidiano as relações que estabelecemos com as pessoas nos círculos sociais que frequentamos dentre outras constroem nossos saberes Tudo que vivemos atravessam nossa cognição de forma simbiótica É sobre isso não é Paulo Freire É sobre não esquecer e considerar no 44 processo de construção do conhecimento escolar que as pessoas que adentram as salas de aula da EJA são enviesadas por uma série de saberes aprendidos em todas as experiências vivenciadas Em Educação não formal aprendizagens e saberes em processos participativos de Maria da Glória Gohn publicado em 2014 a autora traz a definição de educação informal como as coisas que vamos aprendendo à medida que socializamos processo iniciado na família e se expande para a comunidade que moramos nos lugares de divertimento como um parque nos espaços religiosos nas pluralidades étnicas culturais etárias e outras tantas diversidades que estamos rodeadas no nosso dia a dia tudo influencia no nosso processo formativo Essas trocas humanas nos fazem quem somos constroem nosso olhar sobre nós e sobre quem nos rodeia Ela fala Paulo Freire sobre as pessoas que usam os termos não formal e informal como sinônimos mas ela considera importante fazer esta distinção pois existe uma intencionalidade na ação de educar que ocorre nos processos não formais A educação não formal passa pelo desejo de construir espaço de aprendizagens visando à formação política e cidadã existindo uma formulação pedagógica que pode vir no formato de projetos atividades sociais e cursos Ao contrário da informal que está submersa na nossa vida a não formal é construída com um propósito de forma intencional Minhas turmas de EJA são compostas pelas pessoas que desenvolveram seus saberes em todas estas dimensões mas os aspectos informais e não formais estiveram muito mais presentes em suas vidas do que a educação formal pois as regras da instituição escolar não foram possíveis de serem cumpridas quer seja pelos horários de trabalho ou pela falta de uma escola próxima No caso das mulheres existe a dificuldade de conciliar o trabalho fora e dentro de casa e o cuidado com as crianças ou ainda lidar com a violência doméstica física financeira psicológica pelos companheiros que acabam desestimulando ou as proibindo de frequentar a escola Sabe Paulo Freire ter o conhecimento dessas realidades tem me proporcionado desenvolver a docência de forma muito mais significativa pois hoje faço a partir da dodiscência me propondo a refletir qual o papel do Ensino de História para as pessoas da EJA e como fazêlo partindo do lugar dos sujeitos que estão na turma Lembrando do ensino de História que tive na minha educação básica sempre me recordo de duas professoras Uma do ensino fundamental que passava 45 questionários enormes para copiar a resposta do livro e a prova era a reprodução de algumas questões daquela atividade Era como se ela sorteasse quais cairiam na prova e colocasse exatamente igual até a ordem das alternativas Não me recordo o nome dela mas era uma senhorinha talvez já pelos 60 anos na época A outra professora já do Ensino Médio que deixava textos e mais textos na pasta da xerox para reproduzirmos eu me recordo do nome e do rosto Alguns colegas não gostavam de suas aulas para eles se resumiam em ler um monte de textos para ficar falando na aula e a maioria não tinha o que falar justamente porque não lia os textos e não compreendiam algumas referências que ela fazia entre o conteúdo e a nossa realidade O ponto alto dela era fazer avaliações dissertativas com consultas e riscar a prova da maioria com uma anotação cópia mal feita para desespero daqueles que ainda não tinham entendido o que ela queria Ao contrário da outra professora senhorinha a segunda professora não queria saber o que estava no texto ela sempre repetia se eu quiser saber o que tem no texto eu lerei o texto se estou perguntando a você eu quero saber o que você sabe Relembrar essas palavras tantos anos depois me faz rir A área de Humanas sempre foi a minha preferida e sem grandes dificuldades então as avaliações da segunda professora para mim não eram grandes problemas como as de Matemática e Física Os colegas mais próximos não entendiam por que minhas provas vinham com outras anotações geralmente provocativas e me incentivando a mergulhar mais nas minhas ideias e para eles era ainda mais incompreensível porque eu nem fazia menção direta aos textos às vezes começava a responder a prova com Eu acho Eu lembrei dessa história agora Paulo Freire porque estou refletindo sobre o papel que o Ensino de História teve em minha vida e como ele me levou a uma licenciatura justamente em História Eu tenho percebido até aqui que em toda a minha carreira docente tenho tentado fugir daquilo que vivi como aluna Se responder questionários não me entusiasmou não há sentido em fazer com minhas turmas mas assim como os debates com a segunda professora me fervilhavam eu vejo esta mesma efervescência em minha sala quando abrimos o espaço para todos Lembrei de uma oficina que fiz na EJA no SESI sobre direitos humanos Escrevi algumas frases do senso comum que acabam validando diversas violências como mulher apanha porque gosta se foi estuprada é porque não se deu ao respeito direitos humanos para humanos direitos bandido bom é bandido morto e outras igualmente polêmicas No verso de cada uma havia uma matéria de jornal com uma 46 história que fazia um contraponto com elas A gente deveria construir um painel uma espécie de mapa mental com palavrasfrases ditas no diálogo sobre as frases e um outro painel com as palavrasfrases ditas após a leitura das matérias Aquele encontro chegou a um ponto nas discussões que esquecemos de fazer o painel nem mesmo eu lembrei Teve choro acolhimento timidez recolhimento silêncios gritos emoções Teve partilhas de histórias dolorosas para rebater algumas daquelas frases que me paralisaram e foram tratadas com muito respeito pelos colegas Este encontro foi um dos que mais me marcou e tenho compreendido que isto aconteceu pelo amor e pelo entusiasmo aqueles de Hooks que eu já mencionei Todas essas memórias têm me levado a pensar que o Ensino de História tem a função social de contribuir para a transformação do sujeito e consequentemente do contexto em que vivemos Tomando como exemplo a oficina que te contei acima Paulo Freire na discussão das frases entre aqueles que concordavam e os que discordavam delas eu fazia inferências provocando a turma a pensar em como nós sociedade chegamos à ideia daquelas frases e a quem elas são destinadas Na exposição do cartaz bandido bom é bandido morto houve um momento que refletimos sobre quem são estes bandidos que estão morrendo se criminosos ricos e pobres negros e brancos tem o mesmo tratamento no sistema penal brasileiro e ao concluírem que existem desigualdades partimos a pensar historicamente como elas foram construídas na sociedade brasileira passando pela escravização negra o pós abolição que não tratou da garantia de direitos ao povo negro e da tentativa de se fazer isto atualmente com a políticas de reparação e justiça social A reportagem que estava no verso desta frase foi sobre um homem preto em situação de privação de liberdade que havia ingressado na universidade através das cotas raciais e na sua defesa de TCC sobre a situação dos presídios no Brasil a juíza que autorizou a sua liberação para estudar estava compondo a banca de avaliação e falou da alegria dela em ver a trajetória dele À medida que estas frases iam se contextualizando havia uma historicização das vidas daquelas pessoas as escrevivências emergiram pois as opiniões trazidas sempre partiam de algum lugar de suas vivências e aquela construção coletiva do saber histórico foram ganhando significados à medida que foram fazendo sentido para elas Selva Fonseca em Didática e prática de ensino de história experiências reflexões e aprendizados publicado em 2003 me trouxe uma reflexão sobre a 47 importância da História para a vida prática e social das pessoas pois à medida que compreendemos que nossas experiências ocorrem dentro de contextos no tempo e no espaço e somos fruto dela a compreensão de quem somos no mundo constrói a democracia social e a cidadania Paulo Freire nós de História sempre falamos da importância do estudo da disciplina para a formação da cidadania mas atualmente me ponho a refletir como formar a cidadania de um adulto que já vem se formando ao longo de sua vida sem a intervenção contínua da escola formal e do currículo de História O meu desafio como professora da EJA é achar o objetivo para o seu ensino algo que faça sentido para as pessoas de minhas turmas tendo clareza na finalidade disso eu poderei ter uma prática mais efetiva As experiências que tenho desenvolvido como exemplifiquei através da oficina acima têm contribuído para que eu dê forma ao meu pensamento sobre a formação do adulto Fazer do ensino de História uma possibilidade das pessoas que frequentam a EJA se perceber como parte da formação da sociedade como sujeitos atuantes e transformadores dela através de suas práticas e suas perspectivas de mundo do seu lugar e do lugar do outro compreendendo este outro também a partir do território dele Ou seja não posso compreender o lugar de uma mulher trans a partir do meu lugar de cisgênera e das minhas concepções de mundo que me fazem confortável no meu corpo biológico ou compreender as violências raciais de uma mulher preta retinta do meu lugar de negraparda de pele clara e ao fazer estes deslocamentos perceber o quanto isso modifica a sociedade e contribui para a cidadania Historicizar as nossas experiências de vida elaborar nossa escrevivência incluindoas em contextos maiores que o eu nas aulas de História vai construindo a compreensão da importância que o eu tem no todo Quando tento fazer das minhas aulas uma experiência em que todas as pessoas e suas percepções são igualmente importantes eu estou mostrando que aquela aula só foi possível porque cada um estava lá e se um não estivesse ela não seria igual Isso é um modelo em menor escala do convívio social onde a participação de cada pessoa é vital para o funcionamento do todo e as percepções que têm de si e do outro é que fazem o todo portanto se a sociedade vai bem ou mal somos parcialmente responsáveis pelo caminho em que ela está Neste ponto com uma taça de vinho e ouvindo Emicida estou aqui pensando no propósito do ensino de História na EJA que currículo se adequa a este público o 48 que e como levar a História para a sala de aula para que haja o entusiasmo de aprender Tivemos mudanças consideráveis na legislação educacional do Brasil com a Base Nacional Comum Curricular BNCC em 2017 Ela reformula a Educação Básica mas não traz a EJA como uma modalidade que precisa ser pensada a partir de suas especificidades As Leis de Diretrizes e Bases da Educação promulgada em 1996 na seção V no primeiro parágrafo do artigo 37 estabelece que a Educação de Jovens de Adultos precisa ser ofertada considerando as especificidades do público a que se destina exatamente o que você tanto defende em suas obras e em suas práticas As condições de vida trabalho as aprendizagens que ocorreram fora da escola permeiam este público e tudo foi desconsiderado na BNCC quando ela não traz em seu texto quais parâmetros e objetivos formativos serão trabalhados e desenvolvidos para estas pessoas Por tudo que te contei até aqui Paulo Freire minhas experiências meus incômodos minhas alegrias e frustrações com a docência e como este mestrado tem me feito refletir sobre minha prática neste momento tenho algumas percepções A primeira delas é a necessidade de pensar a educação como prática de liberdade como meio de emancipação do sujeito a partir da compreensão da realidade em que vive Você trouxe em Pedagogia do Oprimido publicado em 1983 que tudo o que existe assim como a realidade opressora em que vivemos é fruto da ação humana e as transformações só podem ser operadas também pelas pessoas no momento em que a compreendemos A segunda é que entendo o ensino de História na EJA com a finalidade de contribuir para uma educação emancipatória É através dela que nos referenciamos no mundo quando compreendemos nossas origens tradições valores a realidade em que vivemos como chegamos a ela e principalmente como olhar o mundo a partir da diversidade que o habita pensando a partir de epistemologias não hegemônicas e com práticas que visem reduzir as desigualdades e subalternização construídas historicamente e mantidas até os dias atuais A terceira percepção é do meu papel de professora de História na EJA Sozinha não tenho como mudar o currículo Como já disse isso é complexo e muito maior que eu mas na sala Paulo Freire ali é o meu campo é o lugar onde posso pegar o currículo mesmo discordando do que ele aborda e trabalhálo criticamente em busca de algum tipo de transformação 49 Tenho feito algumas críticas um tanto duras mas não é para desqualificar a escola ou a importância do ensino de História ou do currículo posto até aqui mas para provocar reflexões em mim e em quem porventura ler estas linhas sobre estas concepções trazendo nomes conceitos forma abrindo ciclos gnosiológicos para meu fazer docente e desdobrar outros caminhos possíveis para trabalhar o ensino de História na EJA Trabalho fundamentado na interseccionalidade de gênero raça e classe de pensar as aulas a partir de outras epistemologias não brancas e práticas não hegemônicas afinal as pessoas que compõem a Educação de Jovens e Adultos são justamente aquelas que historicamente tem reexistido aos processos de assujeitamentos históricos Paulo Freire é uma pena não poder ter esta conversa pessoalmente contigo tenho certeza de que teria muito a aprender com você ou aprendermos mutuamente com a troca das nossas experiências Quero que saiba que a cada dia tenho tentado seguir um pouco dos caminhos que percorreu como docente não sei se chegarei a ser a profissional e o ser humanos que desejo mas sigo tentando In memoriam com amor e entusiasmo 50 TANTAS IDAS E VINDAS CANTAM HISTÓRIAS LINDAS QUEM DIVIDE O QUE TEM É QUEM VIVE PRA SEMPRE Salvador 17 de março de 2021 O amor é um ato revolucionário Por estados e religiões temido Quem pelo amor é pertencido A si governa e só a ele é confessado Quem ama ao andar cria sua estrada Em seu voo vê as planícies prazerosas E no cume das montanhas alterosas Toca em gozo a rosa viva imaculada O amor é um ato revolucionário Chico César Ao meu povo meus amores e minhas amoras minha gente São tantas as formas que chamo vocês e todas vem do meu coração Tivemos temos e sempre teremos muitos desafios que nos enchem de histórias e de orgulho pelo que fazemos e me sinto maravilhada em fazer parte de vocês Ao longo da minha carreira profissional eu tive contato com muita gente bacana a quem admirei e admiro mas sem dúvidas até aqui vocês compõem a equipe que mais tive a oportunidade de crescer como gente e como professora Sempre dizemos que temos um grupo de pessoas opostas e complementares pois nossa maior riqueza são nossas diferenças capazes de nos trazer diversos conflitos mas nos levar a construir trabalhos lindos compromissados com o desenvolvimento do conhecimento técnico e humano respeitosos com as pessoas e as histórias que nos chegam tratando cada situação com sensibilidade e com o amor de bell hooks Nas nossas conversas na hora do almoço naquela copa minúscula que cabe todo mundo diversas vezes ouvi as histórias dos canteiros de obras Subir na mesa pegar o megafone ou enfrentar no gó gó pedindo atenção a dezenas de pessoas para apresentar a EJA do SESI e dizer àquelas pessoas o quanto era importante retornar à escola Tantas histórias algumas que nos faziam cair na gargalhada outras nos deixavam macambúzios pela complexidade das vidas daquelas pessoas Saudade danada de vocês Vem vacina 51 Estou escrevendo essa carta para vocês para conversarmos sobre a Educação de Jovens e Adultos que fazemos no SESI e principalmente para que vocês e a banca que avaliará este texto saiba como o ensino de História é desenvolvido na EJA do SESI Bahia e mais especificamente no polo Salvador e tem buscado promover o autorreconhecimento do nosso corpo estudantil enquanto sujeitos de e da história Para além de nós que compomos a equipe atual da Educação de Jovens e Adultos do polo Salvador o SESI Bahia tem uma longa estrada percorrida com muitas histórias que fazem parte da EJA da Bahia O SESI é um jovem senhor com pouco mais de setenta anos Senhor pela idade e jovem porque está sempre se reinventando principalmente quando se trata da EJA Nas memórias das minhas mais velhas existe uma teia que nos segura e conduz o nosso fazer Trabalhando com o saber histórico eu não posso deixar de contar a vocês um pouco das minhas percepções sobre a trajetória da EJA do SESI É historicizando que nos entendemos e que compreendemos o nosso contexto para assim transformálo e para isso não posso deixar de ouvir as minhas velhas desta instituição Como se diz aqui na Bahia antiguidade é posto E isso deve ser respeitado Nesta carta eu trago as memórias das minhas colaboradoras que tem nos transmitido suas experiências na EJA do SESI Bahia Walter Benjamin em O Narrador de 1986 fala da importância da troca de experiências através da narrativa pois a partir dela damos materialidade aos afetos sentidos nas vivências O autor ainda fala da desvalorização nas narrativas como forma de registrar as transformações do mundo à nossa volta Neste momento lembrome também de Ailton Krenak que no vídeo Vozes da Floresta no canal Le Monde Diplomatique Brasil no Youtube diz que a memória nos autoriza a narrar uma história sobre o mundo que vivemos Que um trabalho não é feito apenas de citações mas da memória e das nossas observações do que nos rodeia Le Goff em História e memória publicado em 1990 traz o quanto a memória é importante para a construção da identidade Nós somos a equipe da EJA do polo Salvador e fazemos parte da EJA do SESI Bahia e as nossas narrativas demarcam a nossa identidade e contam a nossa história Esta carta é um exercício de memória coletiva das minhas mais velhas e das minhas mais novas Nela vamos escrever uma parte da história da EJA do SESI de Salvador que foram cantadas na oralidade de nossas conversas e registradas em 52 documentos cartas e dissertações de mestrado e atribui codinomes a vocês trazendo referências na História O SESI Serviço Social da Indústria foi criado em 1946 segundo Jorlânia Carolina Candido de Souza em sua dissertação intitulada Convergências entre a Etnomatemática e a Metodologia de Reconhecimento de Saberes potencializar identidades negras A cultura das tranças para além da estética na Educação de Jovens e Adultos A instituição foi criada com um viés assistencialista Na década de 60 já existia em todo o país atendimento aos trabalhadores da indústria e sua família Nos anos 80 em parceria com a Fundação Roberto Marinho ofertou o programa Telecurso direcionado ao 1º grau primeiros anos do Ensino Fundamental II e nos anos 90 buscando retorno econômico para a indústria cria o Programa SESI Educação para o Trabalhador e aqui damos início a Educação de Jovens e Adultos do SESI Bahia O SESI tem seu lugar na EJA da Bahia alfabetizando as pessoas pelos canteiros de obras e no chão das empresas pelo estado há cerca de vinte e cinco anos Nas memórias de Madalena Caramuru nos anos 90 era chamado de Centro de Atividade do Trabalhador e nesta mesma década virou Núcleo de Educação do Trabalhador da Indústria NETI quando passou de ações realizadas pelas unidades do SESI para se tornar um programa com maior poder de articulação para fazer o levantamento na Bahia e diagnosticar que havia seis mil trabalhadores analfabetos nas indústrias baiana e com o objetivo de erradicar o analfabetismo neste setor econômico Este movimento foi tão importante para a EJA e a indústria baiana que o Departamento Nacional DN do SESI investiu recurso para a elevação da escolaridade das pessoas que trabalhavam na indústria e dependentes Maria Filipa canta histórias lindas sobre os trabalhadores da construção civil que chegavam com o RG marcado como analfabeto e assinando a lista da cesta básica com o polegar e depois de alguns meses de estudos conseguiam voltar com seus documentos assinados com a grafia aprendida no lugar que transitava entre o labor e o aprendizado simultaneamente O SESI acaba provocando as empresas sobre suas responsabilidades sociais com a formação das pessoas que trabalham nelas Toda empresa visa lucro isso é a base do sistema capitalista mas é importante ter instituições que lembrem de alguma forma que a riqueza é produzida pelas nossas mãos operárias Somos nós que efetivamente construímos as fortunas de todas elas e sem mão de obra qualificada é 53 mais difícil desenvolver seus produtos e serviços Dizemos isso de forma mais polida é verdade mas não deixa de ter seu grau de eficácia Madalena Caramuru e Maria Felipa quando cantam suas histórias falam do esforço hercúleo que precisavam fazer para dar conta de tantas turmas presenciais espalhadas por Salvador e Região Metropolitana As demandas dessas turmas fazem parte das memórias das minhas mais velhas pois eram muitas e algumas ficavam em cidades a cerca de 200 km de distância da capital Salvador assim as viagens eram parte do cotidiano das coordenadoras para dar suporte às professoras responsáveis pelas turmas in loco Em Representações Discursivas de Professores da EJAO nãolugar publicado em 2014 as autoras Mascia Mendes e Monteiro trazem uma discussão relevante que já tivemos em algumas tardes em nossas mesas espalhadas circularmente pela sala sobre o lugar ocupado pela EJA em nós como docentes mas extrapola a pessoalidade e fala muito mais de sistema Não ter docentes que se debruçam sobre a EJA enquanto modalidade específica de ensino não é uma situação pontual do SESI é sistêmico Na carta escrita a Paulo Freire eu trouxe a BNCC e o nãolugar da EJA da minha inexperiência quando ingressei como professora das pessoas que pegavam aula para completar a carga horária As autoras supracitadas trazem em seu texto o quanto docentes se sentem inferiores por trabalhar com a Educação de Jovens e Adultos e isso fica latente em seus discursos sobre o despreparo para construir ações educativas com este grupo e na linguagem quando falam de si e das suas turmas no diminutivo e em tom de condescendência vendo as pessoas que estudam na EJA pelo nãolugar que ocupam no mundo Essa lembrança me faz perceber o quanto o SESI evoluiu ao longo do tempo Sabemos disso porque hoje somos uma equipe exclusiva para a EJA e podemos nos debruçar sobre nossa práxis e pensar sobre ela e como desenvolver trabalhos que atendam às necessidades de aprendizagens do nosso público Retomando a questão da apresentação da EJA nas empresas lembro da primeira vez que como gostamos de chamar fomos fazer sensibilização em 2016 em um conglomerado têxtil Era a primeira vez que entrava num chão de fábrica para conversar com trabalhadoras e com o patronato presente para saber o que estávamos oferecendo Foi uma experiência muito impactante primeiro pelas condições precárias de trabalho daquelas pessoas segundo pelo interesse de muitas 54 delas na oportunidade de voltar a estudar Sabiam o quanto isso era importante mas não tiveram oportunidades ao longo da vida Terceiro pela reação dividida do patronato alguns incentivaram outros desdenharam como se o acesso ao direito básico da educação não fosse para aquelas pessoas que geram suas riquezas Esse momento de sensibilização para mim é muito singular Para a instituição eu estou vendendo um produto para mim é a oportunidade de ter o primeiro contato com minha classe estudantil de ver um pouco do seu cotidiano no trabalho de conhecer o funcionamento de uma empresa e desenvolver outros ciclos gnosiológicos com o saber histórico partindo de realidades concretas dentro da minha sala de aula A importância deste momento para mim e acredito que para nós aparece no momento em que tomamos um cafezinho antes das aulas e conversamos sobre como estão sobre as dificuldades que enfrentaram durante o dia no trabalho e isso se reflete na sala quando levantamos temas que fazem sentido porque são significativos em suas vidas e partindo deste ponto concreto entramos na História e construímos novos saberes históricos e historicamente referenciados Conversamos em muitos outros momentos sobre aquele dia de sensibilização revelei o meu choque de principiante e as relações históricas que fiz daquele lugar com o contexto da Primeira Revolução Industrial e hoje consigo ler também o quanto a supremacia branca estava ali Não havia chicote a branquitude sabe que ela não precisa disso hoje porque criou mecanismos muito mais elaborados de subjugação a negação do direito e a criação da necessidade Alguma dúvida que as mãos que trabalhavam lá pertenciam a corpos negros As ações realizadas pelo NETI no segmento da alfabetização e Ensino Fundamental I contribuíram para a elevação da escolaridade dos trabalhadores da indústria mas o mercado mudou e a contratação de mão de obra com baixa escolaridade caiu e isso impactou a oferta de vagas do SESI Bahia sendo cada vez mais difícil formar turmas pois o custo gerado muitas vezes não era visto como compensatório pelas empresas por causa da quantidade de pessoas com necessidade de estudar e o número de elevado de evasão Esse contexto fez a EJA do SESI Bahia mais uma vez se reorganizar e mudar o seu foco para o Ensino Fundamental II e Médio ainda na mesma estrutura presencial dentro das empresas e canteiros de obras mas os problemas com a evasão e os custos permaneciam Quero levantar aqui um ponto de reflexão com vocês A exigência do mercado em mão de obra mais escolarizada é um reflexo do entendimento do patronato de que 55 pessoas qualificadas produzem mais e melhor por isso nos últimos anos vemos o mercado exigindo no mínimo o Ensino Médio concluído e isso se reflete nos argumentos que motivam as pessoas a retornarem aos estudos Mas a não contratação de pessoas sem a educação básica concluída não seria uma forma deles se isentarem da responsabilidade pela qualificação das pessoas que trabalham em suas empresas Maria Felipe canta em sua história sobre as dificuldades que por vezes encontrava em convencer os engenheiros da construção civil da necessidade das pessoas estudarem Já conversamos algumas vezes sobre algumas situações que já passamos mais recente de viajarmos muitos quilômetros e ao chegar na empresa o engenheiro não liberar a turma para a aula daquele dia e a gente voltar sem poder nem ao menos conversar com a turma Analisamos muitas vezes quem são as pessoas que formam essas turmas e suas condições de trabalho Mais uma vez alguma dúvida que são corpos negros Mais mudanças chegaram mas não apenas no nível das séries mas o crescimento e consolidação da Educação a Distância no Brasil e o debates sobre sua implementação na Educação Básica também chegou ao SESI pois estava cada vez mais difícil encontrar empresas dispostas a custear a estrutura de salas presenciais Maria Filipa canta em suas histórias que pelos idos de 20092010 a gestão do NETI viu na EaD uma via de reduzir custos e ao mesmo tempo aumentar o poder de alcance da EJA do SESI Bahia assim foi feita a contratação de uma coordenadora e realização de encontros com o SESI do Paraná que já tinha trabalhado com a EJA EaD A implementação da EJA EaD não foi imediata Ainda pelas memórias das minhas mais velhas Madalena Caramuru houve mudança na gestão e a demissão de docentes e coordenadoras que trabalhavam com a EJA presencial e um período de estagnação nas discussões sobre a EaD e só em 2012 a proposta dela foi retomada A EJA deixa de ser Núcleo e passa de NETI para Unidade EJA agora fazendo parte da Gerência de Educação Em novembro de 2013 se concretiza a implantação da EJA EaD com a contratação de docentes e a abertura de turmas primeiro no Sudoeste e depois em Salvador Outra grande mudança que ocorreu com a EJA é ela ter passado a atender ao que chamamos de comunidade que são as pessoas sem vínculos empregatícios com a indústria Com isso tivemos um ganho muito grande primeiro porque o Sistema S recebe verbas públicas então precisa ter cobrança o retorno à sociedade deste 56 dinheiro não investido nas estruturas públicas como eu acredito que deveria Segundo porque a EJA EaD do SESI Bahia passa a atender uma parcela da população que não era contemplada pelo modelo presencial de ensino das escolas públicas devido a uma série de fatores Segura essa informação porque aqui entramos diretamente em nossa situação atual de trabalho A EJA EaD não foi unânime entre as pessoas que trabalhavam no modelo presencial As minhas mais velhas cantam sobre as dúvidas quanto a adaptação do público que frequentava as salas da EJA para um modelo EaD se teriam acesso a equipamentos adequados se saberiam manuseálos se teriam condições de se organizar para estudar EaD como se daria a relação com docentes como seria o processo avaliativo como saberíamos se o processo de aprendizagem efetivamente ocorreu para além das notas formaisdúvidas dúvidas dúvidas Se não as tivéssemos não poderíamos seguir os ensinamentos de Paulo Freire não é Já estou há algumas horas sentada aqui na frente no notebook refletindo sobre essas dúvidas das minhas mais velhas Pensando em minha jornada no SESI desde novembro de 2015 o que encontrei o que pensei e as mudanças e permanências que tenho hoje Tantas coisas já conversamos e gostaria de estar perto de vocês agora para mais uma gira de falas das nossas inquietações Tenho sentido muito a falta de nós Um dia desses consegui nomear a minha dificuldade com a escrita dessa carta frustração Criei tantas expectativas com a escrita da dissertação com a experimentação da minha prática pedagógica imaginei mil cenários de sala de aula e de conversas nossas e tudo foi quebrado pela pandemia No meu projeto eu disse que as mãos utilizadas para escrever estas linhas seriam as minhas mas junto comigo haveria muitas outras mãos memórias e histórias Seria uma escrita coletiva uma escrevivência Uma história minha mas como disse a doutora e intelectual preta Conceição Evaristo 2020 não é apenas minha ela é o coletivo que está junto comigo Damos continuidade a tudo que foi construído na EJA do SESI Bahia antes de nós e continuamos assentando novas pedras e as alicerçando para as próximas gerações Axé Penso que estamos fisicamente longe mas a um click de distância porque temos plataformas celulares internet a nossa disposição e é verdade Mas estando há mais de um ano sem contato presencial com vocês outros sentimentos começam a pesar porque quero nossas brincadeiras na hora do intervalo as conversas nas 57 caronas para casa as brigas nas reuniões para defender nosso ponto de vista que sempre acabam em merendas até no WhatsApp tenho ficado mais calada e alheia às brincadeiras no nosso grupo pois a exaustão do uso do App para o contato com as turmas e o fluxo intenso de mensagens tem feito eu me distanciar do celular em momentos que não estou trabalhando Precisava muito deixar esse sentimento registrado porque viver uma pandemia com pessoas morrendo como formigas diariamente enfrentar rotina de hospital com uma pessoa muito amada internada e todas as outras mudanças que venho enfrentando desde março de 2020 não tem como este texto ficar alheio porque isso é escreviver Se vocês querem entender o que é usar a escrevivência como metodologia basta ler as cartas que compõem esta dissertação para além da técnica acadêmica se permitam sentir as minhas palavras e as minhas experiências com empatia e amor aquele conceituado por bell hooks Precisei parar para um café solitário em homenagem às nossas tardes cheias de merendas e gritarias pedagógicas mas vamos dar continuidade a esta breve historicização da EJA do SESI Bahia trazendo essa história para o nosso polo Salvador Entrei nas memórias da EJA do SESI que conheço da EJA EaD Não peguei desde o início mas tenho vocês cantando histórias lindas As turmas do Sudoeste e de Salvador foram autorizadas a funcionar e iniciar uma nova etapa da EJA Aqui tenho alguns pontos para refletirmos e que se desdobram para avanços e permanências Acredito que o avanço mais importante que a EJA do SESI teve nesta nova etapa foi a contratação permanente de docentes No polo Salvador temos profissionais que buscam se qualificar para trabalhar especificamente com este público e isso faz toda diferença no desenvolvimento pedagógico e na qualidade do nosso trabalho Há coordenação e docente com mestrado em EJA temos docentes especialistas que desenvolveram seus TCC com a EJA todos os anos participamos de congressos voltados para a Educação de Jovens e Adultos e no meu caso que participo sempre das ANPUH e outros eventos acadêmicos da área de História tendo a EJA como público alvo dos meus trabalhos acadêmicos e tem eu a próxima professora a defender o mestrado se debruçando na pesquisa do ensino de História e buscando resposta acerca de que ensino de História é preciso se construir para a EJA 58 Retomando um texto que citei acima de Mascia Mendes e Monteiro sobre o nãolugar da EJA eu tenho muito orgulho de nós do polo Salvador pois conseguimos romper com esta ideia de lugar menor Fazemos muita questão de mostrar a nossa presença em todos os lugares em que somos requisitadas quer sejam em reuniões e eventos institucionais eventos acadêmicos ou em encontros de final de ano para fazer o balanço do trabalho e das metas nós estamos lá mostrando que o lugar da EJA é o da reexistência da potência e do desenvolvimento de um trabalho pedagógico comprometido em valorizar cada ser humano que passa por nós e isso jamais será um trabalho inferior ao de educar uma criança Um segundo ponto é que quando a EJA EaD iniciou aqui em Salvador ocupamos um andar em prédio fora das unidades do SESI Enquanto presencial ela funcionava dentro das empresas mas em 2013 ela precisou ter polos para fazer o atendimento aos discentes como está no decreto nº 905717 que regulamenta a Educação a Distância no Brasil Em Salvador vocês iniciaram em 2013 ocupando um andar de um prédio com 100 alunos inicialmente Em 2015 quando cheguei ainda estávamos lá Um espaço pequeno com uma sala dividida entre os docentes e as pessoas que iam fazer as provas presenciais ou avaliação diagnóstica no momento da matrícula Outra sala ocupada pela equipe dos professores da gerência da EJA Bahia um laboratório de informática e uma copa Tenho memórias lindas deste período A primeira que quero destacar aqui é a do laboratório de informática e de tantas vezes que precisamos alfabetizar digitalmente as pessoas que chegavam e ainda chegam para nós o quanto este espaço é fundamental no nosso curso e como lutamos para que tenhamos cada vez mais equipamentos e espaço para atender nossas turmas Quando cheguei para trabalhar havia uma parceria entre a gerência da EJA e a de Educação Continuada e assim eram realizados cursos de inclusão digital e eles ocorreram com alguma frequência até 2018 quando houve corte do orçamento pelo Departamento Nacional do SESI Esses cursos de informática foram fundamentais para as pessoas que frequentavam a EJA neste período pois além da alfabetização digital ter fornecido instrumentalização para o acesso à plataforma de estudos algumas pessoas nos davam retorno falando dos empregos que conseguiram porque sabiam mexer no computador e na internet A pandemia da covid19 revelou o grande abismo que existe no Brasil em relação ao acesso a equipamentos digitais e internet Se temos afirmado que estamos 59 na era da educação 40 e vivemos em uma sociedade informatizada e tudo hoje pode ser feito digitalmente em 2020 percebemos que a realidade ainda está bem distante dos discursos realizados em muitos eventos educacionais Mas nós da EJA do polo Salvador do SESI Bahia já sabíamos disso pois o nosso trabalho caminha nessa ambiguidade No SESI Bahia tem um curso de EJA a distância para um público pouco letrado digitalmente Ao mesmo tempo que temos um curso capaz de incluir pessoas com poucos recursos financeiros ou moram em localidades com transporte público com horários reduzidos pessoas com horários de trabalho não fixos mulheres sem uma rede de apoio para deixar suas crianças para ir à escola outras pessoas que moram em locais onde a escola próxima foi fechada pelo poder público e depois de uma rotina de trabalho não conseguem chegar a outra instituição pelo cansaço físico e mental temos as que trabalham longe da escola e não conseguem chegar no horário fixado pela instituição Enfrentamos o desafio de além do trabalho das áreas de conhecimento nós precisamos pensar em como incluir digitalmente ou não adiantaria trabalhar o conhecimento histórico nos encontros presenciais se em casa a pessoa não saberia acessar a plataforma para estudar Estamos na ambivalência entre a inclusão e a exclusão ao mesmo tempo Segundo a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável a inclusão digital é um dos indicadores pertencentes ao objetivo de se alcançar uma educação de qualidade e formação para a cidadania Bonilla e Oliveira em Inclusão digital ambiguidades em curso publicado em 2011 afirma que a inclusão digital não é apenas saber manusear os aparelhos e acessar a internet mas saber procurar interpretar avaliar e organizar as informações e isso é uma habilidade necessária para estudar em um curso EaD Neste caminho ambivalente não podemos deixar de fora os processos históricos que fazem a população negra com mais acesso a EJA ter mais dificuldade de acesso às tecnologias da informação e comunicação TIC que é justamente a parte da população que foi preterida do acesso à educação formal no Brasil Suiane Costa Ferreira em Apartheid digital em tempos de educação remota atualizações do racismo brasileiro publicado em 2020 faz uma breve historicização do quanto a negação do acesso a escolarização foi uma estratégia do racismo estrutural que prevalece no Brasil desde a sua formação colonial sendo ancorado na legislação para ser um instrumento de dominação da população negra e o apartheid digital aparece 60 como mais uma estratégia deste racismo estrutural que está sempre se reinventando e mantendo a estrutura desigual Algumas das minhas mais velhas tiveram dificuldade em compreender e acreditar que a Educação de Jovens e Adultos poderia ser feita a distância Essas inquietações não acabaram e nem podem São elas que nos mobilizam para buscar estratégias e metodologias que viabilizem a construção do conhecimento na EJA pois nem todas as pessoas que chegam para se matricular têm o perfil que se espera de estudantes de EaD Ainda trazem consigo a dependência da professora que diz o que fazer e quando então ajudar a desenvolver a autonomia dessas pessoas nos estudos é mais uma habilidade a ser trabalhada Com algumas pessoas isso é alcançado com outras nem sempre tantas outras desistem porque entendem que precisam do ensino presencial Mas seguimos caminhando tentando aprendendo e reinventando A segunda memória linda que tenho dos meus primeiros momentos na EJA do SESI Bahia são os encontros presenciais Até 2016 era obrigatório a ida ao polo para realizar as provas presenciais mas a coordenação entendia que era necessário oferecer momentos de construções coletivas de trocas intelectuais e afetivas de sentimento de pertença a uma escola e a uma rede de docentes e estudantes Isso também motivaria a permanência e conclusão do curso Isso é despertar e alimentar o entusiasmo Eu me impressionava porque lotava e tínhamos que buscar formas de acomodar todo mundo O lugar que estávamos naquele período era temporário enquanto aguardávamos o término da reforma da Unidade Retiro Era desesperador quando a gente via as pessoas entrando nos perguntávamos com o olhar e agora onde nós botaremos esse povo todo Ríamos de alegria por ter as pessoas conosco e de nervoso porque precisávamos acomodar todo mundo Essa é uma memória muito especial para mim pois ali eu comecei a pensar o que eu poderia ensinar para todo aquele povo Que ensino de História eu poderia ofertar o que do currículo História faria sentido qual metodologia usar como usaria as falas que contavam sobre si para ter um ensino de história significativo e realmente capaz de provocar alguma mudança naquelas vidas e na sociedade Batia e ainda bate um desespero terrível Inúmeras vezes já fui acolhida por vocês para que pudesse entender os limites do nosso fazer pedagógico E mesmo não querendo sou obrigada a aceitar pois é verdade Mas essas inquietações me trouxeram aqui ao 61 mestrado e neste turbilhão de pensamentos enlinhados que estou tentando desembaraçar A minha primeira atividade para essa turma foi pensada a partir de uma observação mais atenta sobre ela a maioria esmagadora era composta por homens e as poucas mulheres tinham mais dificuldade em ir ao polo e algumas levavam as crianças junto por não ter com quem deixálos Somandose a isso estava chegando o Dia Internacional da Mulher A orientação passada para os docentes dos polos era que os encontros deveriam ser realizados como oficinas e com temas que pudessem contemplar o cotidiano e as trajetórias das pessoas que estudam conosco então foi a minha primeira experiência onde o conteúdo curricular de História não estava em primeiro plano mas uma temática a ser historicizada para construir outros conhecimentos com outros pontos de partida além do conteúdo em si e com outros objetivos que não era uma avaliação escrita para marcar uma resposta correta sobre o conteúdo Nas escolas anteriores briguei sem sucesso por algo similar a isso Sei que nas escolas que havia trabalhado não seria possível não haver uma avaliação a ser pontuada pois estamos em um sistema maior e com leis que regulamentam as práticas pedagógicas e os documentos necessários para a comprovação da escolaridade mas eu havia chegado aonde queria poder pensar minhas aulas além dos conteúdos para cumprir o protocolo da prova Fiquei em êxtase com isso até a ficha cair e eu me perguntar e o que vou fazer com isso Eu só tinha isso na minha cabeça e nunca tinha feito sentido para ninguém com quem trabalhei então não tinha noção do que fazer Quando eu fiz a seleção para a vaga obviamente eu disse que sabia fazer tudo o que me perguntaram e uma das coisas foi que os encontros eram desenvolvidos como oficinas então eu fiquei muito receosa de perguntar a vocês como que aquilo aconteceria na prática com um público adulto com encontros nãoobrigatórios uma vez no mês e era necessário iniciar e terminar tudo no mesmo dia já que minha experiência era em contexto de escola presencial e na maior parte dos anos com adolescentes No meu trabalho de conclusão de curso da graduação eu apresentei uma proposta de ensino de História através de oficinas Eu fiz um trabalho teórico e ao final fiz uma sugestão de como poderia desenvolver o ensino de História tendo como temática o Museu Wanderley Pinho que fica situado em CandeiasBa Eu queria 62 contemplar a formação em patrimônio cultural e a licenciatura Uma das observações feitas na minha banca foi a forma confusa do meu trabalho pois não havia ficado claro se era uma monografia ou uma proposta de intervenção e o plano que havia sugerido seria impossível de ser aplicado porque eu deveria contemplar também os conteúdos curriculares Essa fala sempre ficou presa em mim no incômodo e no medo Havia feito algumas oficinas em uma das escolas que havia trabalhado e tinham sido bacanas mas sempre priorizando o conteúdo curricular afinal escolas privadas tendem a ter mais foco em provas externas como ENEM mas agora no SESI era diferente A oficina era a regra o conteúdo em si não era o foco mas a relação do conhecimento com a vida e eu precisei superar aquele medo que ficou guardado e às vezes me levava a questionar se eu realmente sabia o que estava fazendo ou se eu era uma farsa Observei vocês por dias para saber o que estavam planejando fiquei atenta às conversas até que alguém falou em fazer alguma decoração no polo para acolher as mulheres pelo oito de março então tive a minha primeira ideia O planejamento foi feito de forma bem básica eu não tinha ideia de como aquilo se desdobraria porque jamais trabalhei com estudantes adultos Então fui pesquisar e achei um vídeo de Malala Yousafzai na Organização das Nações Unidas sobre a importância da educação e o direito para todas as mulheres a partir dele eu abriria o diálogo Todas as pessoas deveriam criar um painel coletivo que representasse a sua compreensão e as mulheres deveriam escrever e ou desenhar em outra folha de papel qual a importância que a educação estava tendo em suas vidas e quais eram os seus sonhosplanos após a conclusão da Educação Básica Eu só tinha pensado nisso Como eu iria conduzir esse diálogo quais perguntas eu faria como o painel seria produzido eu não tinha noção Sabia que precisava fazer uma historicização sobre as mulheres e fiz um recorte interseccional de raça e classe afinal estava diante de mulheres negras como alunas e de homens filhos companheiros e pais de mulheres negras No dia do encontro que caiu exatamente no 8 de março chegaram tantas pessoas que o espaço não coube e não foi possível desenvolver a atividade como tinha pensado Assistimos ao vídeo e dialogamos mas não havia como abrir o papel metro para a construção do painel e onde acomodar todas as mulheres para a escrita dos seus sonhos O diálogo começou com um aluno falando da mãe mulher negra 63 sem escolaridade formal mas que sempre o aconselhou a estudar Lembrome disso pois sendo eu filha de uma mulher negra com pouca escolaridade que ainda criança iniciou a vida como trabalhadora doméstica e jurou que colocaria anéis no plural mesmo de formaturas nos meus dedos e cumpriu o juramento Todas aquelas falas não passaram por mim sem que se tornassem parte de mim A memória de outros pormenores daquele dia não me recordo mais alguns anos já se passaram mas aquela fala que se desdobrou em tantas outras similares me marcaram e ainda me marcam porque eu sou fruto do esforço de uma mulher que mesmo sem oportunidades jamais esmoreceu diante das dificuldades para que eu chegasse a esse mestrado Minha mãe não concluiu a educação básica e isso facilmente poderia ter se repetido comigo como acontece com milhares de outras pessoas que chegam a EJA Sobre aquele dia sinto um misto de frustração pela atividade não ter acontecido e por não termos uma estrutura adequada naquele momento para receber nossos estudantes da EJA Também sinto uma grata surpresa porque mesmo não sendo uma obrigação havia o compromisso a vontade e a disposição para estar na escola mesmo depois de um dia exaustivo de trabalho Diante de experiências como essas e não fui a única não posso deixar de ver as pessoas que estudam na EJA pelo olhar da potência da sabedoria da intelectualidade da força de reexistir Os passageiros da noite que começaram o dia sendo passageiros do amanhecer de Miguel Arroyo estavam lá A terceira memória desse período foi a nossa mudança para a Unidade Retiro local que estamos até os dias atuais Salas de aula laboratórios diversos biblioteca auditório uma sala só para nós docentes uma grande estrutura que não tínhamos e um sentimento que tentávamos construir diariamente somos uma escola Isso foi um divisor de águas para nós principalmente porque no mesmo ano da mudança nos deparamos com outro desafio a EJA passaria por uma mudança curricular muito grande que nos exigiria conhecimento técnico das nossas áreas de conhecimento mas exigiria muito mais empatia e respeito com as histórias de vidas das pessoas que chegavam para nós Começaria então a Nova EJA Sem sombra de dúvidas a Metodologia do Reconhecimento de Saberes MRS foi um salto enorme para pensarmos a Educação de Jovens e Adultos e para mim em especial para pensar o Ensino de HistóriaCiências Humanas É no desenvolver dessa metodologia que venho experienciando formas de trabalhar o conhecimento 64 histórico a partir de realidades concretas fazendo escrevivências no ensino de História Apesar de escrever esta carta para vocês meus amores e minhas amoras da EJA do polo Salvador eu deixarei que outras pessoas a leiam e além disso fomos agraciadas com a chegada de mais gente para nosso grupo de professoras Já fomos quatro depois cinco seis e no final de 2020 nos tornamos quatorze professoras no polo Salvador Antes estava só em minha área hoje tenho mais duas parceiras para trabalhar o ensino de HistóriaCiências Humanas então quero contar as minhas mais novas de Humanas nossos caminhos até aqui enquanto equipe de EJA e enquanto professora pois até aqui construí um legado de erros e acertos que no mínimo consegue nos dar esteio para saber o que não fazer Minhas mais novas de Humanas a Metodologia de Reconhecimento MRS de Saberes do SESI parte da perspectiva que aprendemos ao longo de toda a nossa vida e que essas experiências precisam ser consideradas no processo de aprendizagem formal com estudantes adultos Silva 2018 traz em sua dissertação intitulada O caminho se faz caminhando a implementação da Metodologia de Reconhecimento e validação de saberes no SESI Bahia que o fundamento da MRS é que todas as pessoas constroem saberes em espaços formais informais e não formais Em Educações vivenciadas enquanto ser humano social e histórico que tece e refaz as suas condições no mundo e com o mundo como ser dialógico crítico e reflexivo p 92 e é partindo desse lugar que a MRS constrói um caminho formativo para os jovens e adultos que chegam à instituição para concluir a educação básica A MRS segundo o seu documento norteador intitulado de Metodologia de Reconhecimento de Saberes Identificação Validação e Certificação de Competências para a Educação de Jovens e Adultos publicado em 2015 se propõe a ser um instrumento que a partir da identificação da validação e da certificação de competências possibilita estabelecer um balanço entre a matriz curricular e as competências adquiridas na experiência de vida dos educandos base para a definição do itinerário educativo de cada estudante p4 Ainda segundo o mesmo documento a MRS busca estabelecer novos parâmetros para EJA subvertendo lógica de que este grupo de estudantes precisaria percorrer o mesmo itinerário que crianças e adolescentes desconsiderando que trilharam outros caminhos e que estes lhes proporcionaram aprendizagens importantes e significativas em suas vidas 65 A MRS é dividida em três momentos e cada um deles dividido em algumas etapas Por conta da pandemia e as mudanças que ela nos obrigou a fazer vocês ainda não tiveram a oportunidade de vivenciar todo o processo É um procedimento técnico pois estamos como professoras avaliando os saberes dessas pessoas a partir das referências de uma matriz curricular que busca identificar as competências desenvolvidas por elas ao longo da vida mas sobretudo é um processo extremamente humano que emociona sensibiliza e que os anos de prática e depois de milhares de pessoas passarem por nós desenvolvemos experiência e maturidade para avaliar de forma mais holística e menos fragmentada nas competências Vou contar a vocês a minha vivência com a MRS O primeiro momento é de identificação das competências e dentro dele existem três etapas a primeira é de acolhimento Neste momento é feita a matrícula pela secretaria da escola Aqui tem um ponto importante pois na MRS vamos identificar e validar saberes informais formais e não formais então nessa fase nós verificamos se não existe alguma certificação externa como Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos ENCCEJA Exame Nacional do Ensino Médio ENEM feito até o ano de 2016 histórico de conclusão do ensino médio que ficou com dependência e aprovação em exames da Comissão Permanente de Avaliação do Estado na Bahia CPA Essas notas são consideradas pois são avaliações reconhecidas pelos órgãos estaduais e nacionais de educação e lhes confere valor legal de comprovação de conhecimento Ao fazermos essa identificação as áreas de conhecimentos são certificadas total ou parcialmente Ainda na primeira etapa após a matrícula temos o primeiro encontro para apresentação da EJA EaD do SESI à turma Neste momento conversamos sobre o que é um curso a distância e suas particularidades e sobre a MRS que via de regra é desconhecida do nosso público É muito importante que compreendam todo o processo que iniciarão pois a participação ativa e consciente nessa jornada é fundamental para construírem o portfólio pessoal e obter as certificações possíveis Nessa primeira etapa é preciso instigar o corpo estudantil que está chegando e começar a trabalhar o entusiasmo e amor pois é um momento complexo por ser uma metodologia nova portanto destoa do conhecimento de ambiente escolar e porque o processo desperta e mexe com memórias e histórias sensíveis que podem servir como gatilhos emocionais e precisam de acolhimento Esse processo é feito pelas professoras que estão acompanhando o grupo durante o percurso 66 Minhas mais novas de Humanas ao longo da vida escolar de vocês em algum momento alguém perguntou quais conhecimento vocês têm Quais os seus sonhos Qual a sua história e quais caminhos te fizeram chegar até aquele momento Eu peço que façam esse exercício de memória por alguns minutos e fiquem muito atentas às suas recordações como essas lembranças tocam as suas emoções seus corpos e como se veem Esse é o meu pedido para a segunda etapa Na fase do diagnóstico inicia o Reconhecimento de Saberes RDS com a construção de um portfólio pessoal eletrônico Vânia Maria de Oliveira Vieira no artigo intitulado Portfólio uma proposta de avaliação como reconstrução do processo de aprendizagem publicado em 2002 fala da importância do portfólio como instrumento de avaliação pois promove o pensamento reflexivo em seu processo de elaboração pois a estudante precisa estruturar e documentar o seu processo de aprendizagem para ser apresentado No documento Metodologia de Reconhecimento de Saberes Reconhecimento Validação e Certificação de Competências documento complementar II processos e instrumentos publicado em 2016 aborda a construção do portfólio a estudante estabelece um diálogo consigo mesma assim elabora sentido para as próprias experiências o que possibilita o aumento do próprio nível de consciência em relação às suas aprendizagens O portfólio pessoal do RDS é composto por um conjunto de oito formulários com o intuito de reunir informações acerca dos saberes construídos ao longo da vida No primeiro formulário é proposta a construção de suas escrevivências pensando no passado presente e no futuro Não é só lembrar mas projetar o que se quer é se ver em outros lugares No segundo formulário propõe registrar os gostos pessoais O que gosta ou não de fazer quais atividades desenvolve no tempo livre e o que gostaria de fazer se tivesse mais tempo e oportunidade O terceiro faz um mapeamento das experiências sociais a exemplo de participação em associações de bairro sindicatos instituição religiosa vida escolar das crianças ações de promoção à saúde pública e etc No formulário quatro pede para registrar as experiências profissionais aspectos positivos e negativos e apesar de ter campo para assinalar a data de entrada e saída e o nome da empresa que trabalha ele não é restrito apenas a empregos formais Incentivamos que registrem experiências informais também pois um número considerável de estudantes vive de trabalhos informais e neles desenvolvem conhecimentos importantes 67 Essa fase do preenchimento causa muito estranhamento pois é incomum que alguma instituição de ensino formal se interesse pelas histórias de vida das pessoas que estudam nela principalmente para compor um plano de estudos personalizado Olhar para si é íntimo e para algumas pessoas muito difícil por nunca terem pensado em sua trajetória de vida ou por serem tão marcadas por passagens conflituosas Nos encontros para o preenchimento dos formulários de vida nosso grande desafio é criar vínculos confiança e manter vivo o entusiasmo pelo processo para que se sintam confortáveis em contar suas histórias Para nós de Humanas isso possui duas funções importantes coletar informações para fazer as certificações da área de conhecimento e ter insumos para entender quem são essas pessoas e elaborar as oficinas dos encontros presenciais Durante a pandemia continuamos a fazer o RDS mas é significativo como esses formulários estão sendo finalizados com poucas informações algo que é compreensível pois neste formato remoto é mais difícil a construção de vínculos e confiança com as professoras Eu escrevi uma carta a Paulo Freire onde falei da importância do amor no ato de ensinar inspirada nas linhas de bell hooks e aqui mais uma vez vemos a importância disso Esses formulários estão mais vazios porque não estamos tendo a oportunidade de desenvolver o amor e o entusiasmo em nossas relações de comunidade de sala de aula e com a potência de quem somos Ao longo deste ano buscamos formas de atenuar essa distância afetiva Começamos apenas com a mediação nos grupos de WhatsApp envio de PDF e imagens explicativas passamos pela gravação de vídeos para que as estudantes vejam e conheçam suas professoras e hoje conseguimos coadunar tudo isso a encontros virtuais síncronos onde nos vemos falamos ouvimos e tentamos construir espaços de amor e de aprendizagem mas ainda temos as dificuldades do apartheid digital Os últimos quatro formulários seguem a mesma linha do registro de experiências pessoais mas associados às áreas de conhecimento A quantidade de abas de cada formulário é equivalente à quantidade de competências das áreas Ciências Humanas tem seis abas no Ensino Médio e quatro no Ensino Fundamental II apresentando situações em que cada pessoa identifique suas experiências de vida e faça o registro contando sua história associada a ela Não é descartado neste preenchimento os conhecimentos ligados à memória escolar que os jovens têm por 68 terem deixado os estudos mais recentes mas a proposta não é uma resposta conceitual e sim de identificação dos conceitos nas experiências Nos encontros presenciais antes do preenchimento dos formulários nós fazemos algumas dinâmicas para mobilizar as memórias e os saberes trazendo situações do cotidiano para serem associadas aos conhecimentos das áreas e assim ajudar na compreensão de como levar essas histórias para o portfólio de modo que possam construir as escrevivências e nós professoras possamos identificar quais competências estão presentes nelas e fazer a certificação O RDS é um exercício de escrevivência Conceição Evaristo em Escrevivências a escrita de nós publicado em 2020 traz a importância do povo negro especialmente a mulher negra de dominar a escrita pois a história do povo negro na diáspora é marcada pelo apagamento de quem somos e a reescrita de nós é pelo olhar do branco assim nos apropriarmos da grafia e dos conceitos da educação formal a partir de quem somos e das nossas experiências coletivas é um exercício de afirmação da nossa existência enquanto sujeitos históricos que faz e vive a história Após o preenchimento dos formulários há quatro avaliações relacionadas às áreas de conhecimento No escopo original da MRS ela não estava presente entretanto durante a submissão do projeto para o Ministério da Educação a inserção dela foi uma exigência do MEC para aprovar a metodologia em caráter de experiência pedagógica no parecer 12019 do Conselho Nacional de Educação Essas avaliações precisam ser trabalhadas com muito cuidado para que o termo não pese e leve as estudantes a terem o pensamento errôneo de possuírem maior importância que os formulários Durante os meus encontros de orientação para o preenchimento do portfólio tenho dito que essas avaliações são uma forma de registrar as memórias escolares que trazem pois durante a pandemia tivemos um processo mais intenso de juvenilização da EJA Dessa forma temos uma parcela considerável de estudantes com as memórias dos conteúdos escolares Essas avaliações não são pontuadas nós utilizamos as questões corretas para validar as habilidades da matriz curricular Essas avaliações apresentam uma contradição dentro da MRS pois se nos formulários nós valorizamos as experiências nelas o foco passa a ser o conteúdo pelo conteúdo já que a estrutura delas é composta por questões objetivas Essa exigência do MEC é fruto de uma perspectiva ainda conservadora de educação e que caminha 69 na ambiguidade entre as avaliações tradicionais e a tentativa de trazer o qualitativo sobre o quantitativo Ao finalizar o preenchimento do portfólio inicia a terceira etapa que é o reconhecimento de competências fazendo um balanço das competências reunindo as informações dos itinerários formais informais e não formais através dos exames de certificação nacionais e estaduais documentos escolares das informações registradas no portfólio para fazer a validação delas O segundo momento da MRS é o de Validação e é composto por duas etapas Vou seguir a ordem crescente das etapas dando continuidade as que ocorreram pois acredito que assim ficará mais fácil a compreensão da sequência Na etapa quatro nós analisamos os documentos formais e as escrevivências registradas no portfólio para identificar as habilidades e competências sob a luz da matriz curricular da MRS As notas obtidas nos exames federais e estaduais são usadas para certificar as áreas em que atingiram a nota mínima de aprovação e partimos para a leitura do portfólio entendendo que todas as informações registradas nele desde o primeiro formulário até o último podem e devem ser utilizadas para reconhecer as competências de todas as áreas de conhecimento Após a leitura e a convalidação das competências elaboramos a primeira versão do plano pessoal de estudos de cada estudante Isso é feito individualmente e cada um terá o seu correspondente às suas experiências Esta versão é entregue ao estudante no conselho A quinta etapa é o conselho do RDS Minhas mais novas de Humanas esse momento do conselho é uma experiência que tentarei traduzir aqui a partir dos meus afetos mas previamente digo a vocês ser uma experiência que transcende qualquer expectativa que possam ter e principalmente ultrapassa a técnica de avaliar e reconhecer as competências Esse momento do conselho é feito individualmente e ocorre através de uma conversa entre a coordenação docentes das áreas de conhecimento e discente registrada em ata e assinada pelas pessoas presentes Neste momento explicamos todo o processo e os motivos pelos quais está no conselho É importante proporcionar um ambiente seguro e ressaltar que assim como as informações registradas no portfólio a ata na qual é registrado o conselho bem com tudo que é dito é confidencial 70 O conselho é mais uma forma de mapear e registrar os saberes que os estudantes trazem de suas experiências de vida através da oralidade O que por algum motivo ou dificuldade não tenha sido registrado nos formulários ou que não ficaram bem compreendidas por nós professoras podem ser retomadas neste momento e incentivamos que possam falar sobre si e isso é algo de extrema relevância São pessoas interseccionadas pelas mais diversas subalternidades e historicamente silenciadas que neste momento podem utilizar a própria voz para contar a sua história e trazer para nós outros olhares sobre o mundo que nos rodeia Esse momento me remete novamente ao exposto por Conceição Evaristo em A escrevivência e seus subtextos de 2020 pois ela diz que precisamos dominar a grafia mas não podemos esquecer nossa potente herança ancestral da oralidade de contar quem somos com nossa própria voz Minhas mais novas de Humanas nosso papel como professoras deveria ser o da avaliação pedagógica focada em fazer o paralelo entre aquilo que é dito e a matriz curricular De acordo com o documento do Departamento Nacional do SESI Metodologia de Reconhecimento de Saberes MRS reconhecimento validação e certificação de competências documento completar II processos e instrumentos de 2016 nosso papel no conselho é da preparação do estudante para apresentar as competências mostrar os indícios encontrados no portfólio para fundamentar a avaliação feita incentiválo a demonstrar os seus conhecimentos e ao final precisamos apontar as potencialidades evidenciadas no processo e se for o caso indicar as competências que precisará desenvolver Apesar dessa ser a nossa função pedagógica nos deparamos com uma série de situações que não podem ser desconsideradas Nós ouvimos histórias de vida de extrema complexidade que perpassa por pedidos de ajuda e até denúncias de violências das mais diversas Muitas vezes precisamos transpor papel da professora avaliadora para ficar no lugar do acolhimento dessas dores É importante que a gestão possa pensar na implementação de uma equipe multidisciplinar especializada para o atendimento ao público da EJA pois muitas vezes ficamos na encruzilhada do acolhimento e da avaliação que precisa ser feita para cumprir o protocolo institucional Após o conselho fizemos mais uma avaliação de tudo que foi dito pela estudante e tendo a matriz curricular da MRS como parâmetro fechamos o plano pessoal de estudos Aqui entramos no terceiro momento da MRS certificação de competências 71 A certificação pode ocorrer de duas formas total quando as docentes conseguem identificar que a estudante tem 501 das habilidades de todas as competências de todas as áreas de conhecimento assim obtém a aprovação para mudar de segmento quando são do Ensino Fundamental II ou a conclusão da Educação básica quando são do Ensino Médio A outra possibilidade é uma certificação parcial quando apenas uma parte das competências são identificadas Os estudantes que são parcialmente reconhecidos são migrados para a plataforma de estudos e recebem as orientações de acesso e navegação e o cronograma para os encontros presenciais estes durante o período de pandemia têm sido realizados remotamente Minhas mais novas de Humanas vocês chegaram ao final de 2020 com a missão de fechar conosco uma meta de quatro mil estudantes se depararam com uma metodologia completamente nova e em um contexto pandêmico complexo que nos deixou trabalhando de casa Vocês estão fazendo e aprendendo compreendendo a metodologia ao tempo que se apropriam da matriz curricular desenhada especificamente para a MRS e para a rede SESI no Brasil inteiro Precisamos entender um pouco como essa matriz está estruturada pois ela alicerça a EJA do SESI Nesta carta quero me ater a matriz do Ensino Médio pois ele foi implantado desde 2016 e a MRS para o Ensino Fundamental II foi implementada no segundo semestre de 2020 O curso do Ensino Médio tem duração máxima de um ano e ao invés de um currículo seriado ele vem dividido em competências e habilidades que segundo o documento Metodologia de Reconhecimento de Saberes MRS Identificação Validação e Certificação de Competências documento Complementar I Matriz De Referência Curricular de 2016 é fundamentado nas Diretrizes Curriculares Nacionais pautada na situação social dos trabalhadores e nas aspirações de vida do educando e nas necessidades da indústria p 5 rompendo assim o paradigma de uma grade disciplinar de conteúdos enciclopédicos descontextualizados Este mesmo documento apresenta três princípios norteadores da matriz que é a possibilidade de adequação dele às pessoas adultas considerando seus contextos reconhecendo organizando orientando valorizando e conferindo significado às suas aprendizagens para seus projetos de vida p 5 A adaptabilidade às diversidades que se apresentam na EJA com a possibilidade de conjunção de competências e componentes de formação diferenciação de ritmo e processos individuais de 72 aprendizagem de modo a atender as motivações e responder às necessidades pessoais p 5 e a articulação das competências possibilitando que se enriqueçam mutuamente promovendo sua transversalidade por meio de atividades integradoras mobilizadas na resolução de problemas de vida p 5 As competências foram pensadas a partir da perspectiva de Philippe Perrenoud em Práticas pedagógicas profissão docente e formação perspectivas sociológicas de 1993 definidas como operações mentais que precisamos usar no nosso cotidiano e se alicerça nos conhecimentos teóricos e não estão restritas a eles e se revelam no fazer cotidiano através das relações que estabelecemos com as pessoas com os fenômenos situações de vida e objetos As competências são constituídas por um conjunto de habilidades que segundo o documento Metodologia de Reconhecimento de Saberes MRS Identificação Validação e Certificação de Competências Documento Complementar I Matriz De Referência Curricular de 2016 são baseadas nos quatro pilares que a UNESCO estabeleceu para a educação saberconhecer saberfazer saberconviver e saberser As habilidades podem constituir determinada competência mas não estão restritas a elas pois as competências dialogam entre si inclusive entre áreas de conhecimentos A matriz serve como parâmetro para o processo de avaliação e certificação das aptidões mas não é uma caixa para aprisionarmos os saberes dos estudantes ela é referência e deve ser ajustada a cada estudante e contexto de vida Nossos erros e acertos nos ajudaram a abrir ciclos gnosiológico nos trouxe amadurecimento para o fazer prático da metodologia de modo contemplar a matriz curricular que foi proposta para ela mas sem deixar de considerar os seres humanos que chegam para nós de forma mais holística e menos fragmentada em competências técnicas O currículo da Nova EJA como o curso é chamado é feito através da articulação dos saberes disciplinares dividido em quatro áreas de conhecimentos Meus amores e amoras esta carta é escrita a vocês como um registro histórico da nossa trajetória e do nosso fazer mas ela também faz parte de um trabalho acadêmico na área de ensino de História então aqui eu vou me ater a minha área de humanas para refletir e trazer minhas percepções sobre essa matriz Minhas mais novas de Humanas quero dedicar essa parte a vocês que hoje estão de mãos dadas comigo dando continuidade à escrita da história do Ensino de HistóriaCiências Humanas na EJA do polo Salvador do SESI Bahia e que esse 73 processo dialógico nos possibilite abrir muitos outros ciclos gnosiológicos sempre avançando e inovando nossas práticas docente O currículo de Ciências Humanas do Ensino Médio é composto por seis competências e vinte e duas habilidades que vocês já devem ter percebido perpassam as outras três pois as Ciências Humanas se situam na dimensão da cultura do fazer humano mais diretamente voltadas ao desvelamento e à compreensão da trajetória humana no mundo como estabelece o documento completar da matriz curricular já citado aqui A educação para adultos assim como Paulo Freire trouxe em suas obras precisa ser voltada para a compreensão do mundo e o exercício da cidadania e a matriz curricular da Nova EJA do SESI a Metodologia de Reconhecimento de Saberes MRS também traz essa abordagem elencando a necessidade de pensar nossas relações com o meio ambiente Quando vocês chegaram no final de 2020 e início de 2021 eu fui remexer em alguns arquivos de estudos construídos ao longo dos anos em reuniões pedagógicas em jornadas pedagógicas e mesmo em conversas informais que costumamos ter pelas tardes em nossa sala e demonstra esse caráter transdisciplinar da área de Ciências Humanas Elencamos como as competências e habilidades de uma área nos ajudava a identificar os conhecimentos de outras no processo de validação dos saberes As orientações que o documento norteador da Nova EJA traz é que devemos trabalhar na dimensão da cultura tendo como nossa bússola a chegada do adulto na escola com sua identidade cultural construída formada consolidada Ainda que não consiga expressar a partir de termos acadêmicos acabam encontrando mecanismos de explicar como enxergam o mundo em que vivem por isso os objetos de conhecimento precisam ser trabalhados com essas subjetividades que chegam para nós formadas ao longo de vivências diversas e complexas Dessa forma é possível possibilitar que cada pessoa possa perceber seus lugares no mundo e tecer críticas a ele e vivenciar a sua cidadania As seis competências de Ciências Humanas estão articuladas da seguinte forma A C1 Relacionar os elementos culturais que definem como identidades dos diferentes grupos sociais a variados contextos históricogeográfico traduzidos em conhecer e correlacionar os processos culturais que formam o Brasil trazendo em suas habilidades a importância de compreender as diversidades etnicorraciais patrimônio material e imaterial introdução aos estudos históricos com o entendimento 74 de sujeito histórico fontes construção das narrativas históricas Nas oficinas os objetos de conhecimento apresentados pela matriz são trabalhados a partir das vivências de negritude em um país estruturalmente racista dos conhecimentos historicamente construídos pelo povo negro na tentativa de tirar do ostracismo a produção intelectual negra e indígena dos movimentos de resistências dos quilombos e dos Povos Originários que se mantém ao longo de mais de cinco séculos e são vividos diariamente por nós povos racializados e pobres Entendo esta competência com uma presença muito forte de conceitos históricos portanto para a elaboração do produto educacional desta pesquisa eu a estabeleci como meu recorte de trabalho assim em alguns momentos trago nesse texto o termo ensino de História para me referir a ela Na C2 Relacionar o trabalho humano aos processos de construção e transformação em diferentes contextos históricogeográfico esta competência está ligada ao mundo do trabalho e das transformações ao longo do tempo pré e pós revolução industrial os avanços tecnológicos e seus impactos na criação de postos de trabalhos nas lutas pelos direitos trabalhistas no Brasil e no mundo participação de mulheres e a desigualdade de gênero no mercado de trabalho exploração de mão de obra infantil Grande parte do corpo discente traz em suas histórias o abandono da escola e o trabalho ainda na infância para ajudar ou ser o principal provedor da casa Precisaram aprender o caminho caminhando viveram as dificuldades da informalidade do assédio da LGBTfobia da falta de emprego porque as indústrias contratam pouco e querem mãodeobra qualificada para lidar com as máquinas enfim do desemprego e do desespero que ele acarreta portanto essas experiências são trazidas para estudo dessa competência fazendo uma interlocução entre os conceitos e as vivências das pessoas da turma Na C3 a matriz diz que precisa saber analisar aspectos relevantes das instituições sociais e políticas nas relações de poder em diferentes escalas e contextos históricogeográfico que se relaciona a compreensão das desigualdades sociais dos direitos humanos dos conflitos locais nacionais e mundiais acarretados pelas desigualdades acometidas aos povos do mundo inteiro gerada pelas guerras concentração de renda governos totalitários que institucionalizam e banalizam o mal A EJA é feita de povos racializados pobres que historicamente vivem em situações de desigualdades sociais Essa competência nos abre caminhos para 75 problematizar a origem das injustiças sociais como elas se estabelecem e são normalizadas pela sociedade e as políticas de enfrentamento e resistência são articuladas com os movimentos sociais quer seja queimando pneu na comunidade em mora para reivindicar algum direito ou em uma escala maior nacional ou global A C4 diz que é preciso saber analisar interações sociedadenatureza em diferentes contextos históricogeográficos reconhecendo suas principais dinâmicas e impactos ambientais e sociais Ela contempla um movimento crescente e necessário que nos obriga a refletir sobre nossa relação com o meio ambiente os impactos do nosso modo de vida de consumos de exploração predatória e violenta As nossas ações humanas no tempo e no espaço como estamos transformando o mundo com nossa cultura e ao mesmo tempo sendo modificados pelas necessidades de readaptação É muito comum no trabalho com essa competência as dificuldades com saneamento básico e coleta dos lixos nas periferias de Salvador As histórias de perdas durante as chuvas nos temporais que levam tudo mas que não levam a fé e a força necessária para a reconstrução de histórias de pessoas que tiram seus sustentos em trabalhos de cooperativas de recicláveis e dão aulas impressionantes sobre o processo de coleta e reciclagem de resíduos A C5 aborda a necessidade de saber utilizar categorias de análise apreendidas no estudo das diversas correntes filosóficas em seu cotidiano e na problematização da realidade eou de textos estudados se desdobrando no estudo de conceitos presentes em nosso cotidiano como a noção de ética cidadania moral valores justiça e democracia Essa competência traz uma perspectiva limitada do conhecimento e restringe a filosofia antiga grega deixando de fora outras formas de se pensar sobre o mundo que são produzidas por outros povos e em outras partes do planeta Nas oficinas aproveito para trabalhar as cosmovisões que não são contempladas pelos objetos de conhecimento da competência Refletir sobre o pensamento dos povos Originários de nossa ancestralidade negra são importantes para construir outras percepções sobre nós mesmas e o processo de apagamento epistêmico que os povos racializados sofreram com o processo colonial Entender a importância de quem somos do sentido primordial que tem os ensinamentos das matriarcas da família é fundamental pois traz o contraponto à mentalidade racista de que somos burros preguiçosos inferiores por não termos a mesma perspectiva de 76 mundo dos brancos Na C6 o objetivo é compreender as relações políticas e sociais construídas nos vários contextos históricosociais vinculada ao conhecimento da estrutura política brasileira a partir da noção de democracia justiça social cidadania processo eleitoral sistemas políticos e suas diversidades Considerando o impeachment que o Brasil e a presidenta Dilma sofreram em 2016 e os desdobramentos catastróficos disso o trabalho com esta competência sempre se resvala em o que é esquerda e direita golpe ou impeachment e principalmente como as mudanças no governo brasileiro têm afetado nossas vidas O retorno do Brasil ao mapa da fome as dificuldades com emprego e renda atualmente com a pandemia e a preocupação das estudantes com o sustento da casa em priorizar o pouco de internet para os estudos das crias em detrimento do próprio estudo FORA BOLSONARO Minhas mais novas de Humanas vocês estão domando essas novidades com muita maestria Sempre atentas dialogando e buscando compreender esses processos minuciosos entre a teoria da matriz e o desdobramento dela na nossa prática Trabalhar os conteúdos mas dentro de outros contextos revelados a nós na construção do portfólio pessoal e ultrapassam o conceito pois mais do que saber o que é é preciso saber como vivenciálo de forma crítica para buscar outros meios para transformar a sociedade O grupo que tem a certificação parcial é inserido em outra plataforma de estudos e no encontro de ambientação mostramos como acessar e navegar dentro dela para encontrar as áreas de conhecimentos o material de estudos e as avaliações Aproveito este momento para conhecer as pessoas que farão parte do ciclo de oficinas quais as expectativas peço uma breve apresentação mostro a proposta da área de conhecimento e às vezes já tenho alguma ideia de algo que acredito ser bom trabalhar e conversar com a turma para saber se é uma proposta que os entusiasma e ouço o que têm a dizer para compor o plano de trabalho a ser desenvolvido Ao longo desses seis anos de SESI percebi que as oficinas têm maior engajamento quando a proposta é alinhada com as expectativas trazidas pela turma Quando as competências são trabalhadas de forma que as experiências sejam valorizadas e trazidas para a discussão escolar com o grau de importância que elas de fato têm 77 Um dos trabalhos que desenvolvi com a competência 1 foi o de mapear os patrimônios culturais que existem nos bairros em que as pessoas moravam Não trabalhei na perspectiva do tombamento institucional mas do reconhecimento do patrimônio enquanto construção e partilha de uma identidade assim como Canclini trouxe no artigo O patrimônio cultural e a construção imaginária do nacional de 1994 Patrimônio cultural expressa a solidariedade que une os que compartilham um conjunto de bens e práticas que os identifica mas costuma ser um lugar de cumplicidade social p96 A proposta não era fazer nenhuma pesquisa na internet tão pouco contar as histórias já contadas dos pontos turísticos de Salvador mas que pudessem compreender o sentido do que é um patrimônio cultural e buscar a concretização dele no cotidiano e a partir disso compreender o conceito e sua aplicabilidade Desta forma criamos um novo cenário turístico de Salvador a partir de perspectivas populares afrorreferenciadas gratuitas ambientais que desconstruiu uma série de estereótipos da periferia da cidade construídos pela mídia policialesca de marginalização pobreza e sem cultura Outro projeto desenvolvido foi o trabalho com o livro Quarto de despejo de Carolina Maria de Jesus e a associação dele com as seis competências de Humanas O primeiro ponto a ressaltar foi a unanimidade da turma em nunca terem lido nenhum livro escrito por uma pessoa negra e se atentar a isso substancia a necessidade da afrorreferencialidade nos estudos de todas as áreas de conhecimento para além de trabalhar história e cultura afrobrasileira e indígena pontualmente como disciplina específica ou como ações para o novembro negro E o trabalho interseccionado é algo que o polo Salvador vem desenvolvendo e aprimorando ao longo dos anos Não trabalhamos apenas as mazelas relatadas por Carolina Maria de Jesus mas aspectos de uma mulher negra como escritora e como conhecemos pouco a produção intelectual negra a sua perspicácia na leitura do mundo que a rodeava a historicização dos problemas sociais apresentados por ela fazendo a intersecção de raça gênero e classe Isso é necessário pois precisamos entender o Brasil como um produto colonial portanto os povos africanos e indígenas não vivem na mesma condição que os brancos Quando pensamos em intelectuais doutores são as pessoas brancas que emergem do nosso subconsciente então através da aprendizagem histórica precisamos construir outros perfis intelectuais possíveis 78 A importância de um ensino significativo se revela nos comentários feitos durante a apresentação dos trabalhos em relacionar aspectos do livro ou da intelectual que o escreveu com a própria vida com as pessoas da família ou de entender que suas vozes são fundamentais para a construção da história e que não só podem mas devem fazêlas ecoar da forma que puderem Ao longo desta carta tenho me perguntado constantemente o que tenho a propor para o ensino de História como posso oferecer alguma perspectiva minimamente interessante e penso nas minhas práticas ao longo do tempo e tenho tentado dar uma forma a esse turbilhão de ideias Acredito que proponho um ensino de História que dá vazão às nossas memórias as nossas marcas de vida e como a sentimos que partamos da ancestralidade do equilíbrio entre razão e sentido teórico com aquilo que experimentamos como vivemos e sobrevivemos em uma sociedade historicamente tão desigual como a nossa Quero fazer um ensino de História iniciado pelo que temos de mais profundo que são as nossas memórias das histórias vivenciadas e damos sentido com o nosso corpo na com e para a vida Um ensino de História que se proponha abarcar esta dimensão precisa iniciar da compreensão do básico dos conceitos introdutórios da História a partir de outras cosmovisões que possa nos remeter às nossas referências intelectuais produzidas por nós e para nós que sentiram viveram e construíram teorias acadêmicas sem se separar da essência ancestral pois o ensino de História precisa nos conectar com a vida com o que somos com quem queremos ser e onde queremos chegar A História nos situa no mundo e precisamos desenvolver coletivamente o nosso lugar nele para não ficarmos nos quartos de despejos que a história branca ocidental nos jogaram Precisamos da História para saber que assim como uma música não é feita de uma só nota nós também somos uma composição complexa e que podemos reger a orquestra de nossas vidas através de muitas Histórias Ailton Krenak em Ideias para adiar o fim do mundo de 2019 fala que vivemos em uma sociedade que jogada em um liquidificador que chamamos de humanidade mas isso é genérico e artificial e que a nossa memória ancestral é a base para sustentarmos nossa identidade e referenciais no mundo Estudando História é uma das formas de conhecermos e construirmos essas referências Na minha experiência profissional foi no SESI que tive o primeiro contato com um currículo específico para a EJA e serve de parâmetro para que possamos 79 desenvolver o trabalho e não como um ponto de chegada onde todas as pessoas tenham que estar no mesmo lugar para serem consideradas aprovadas Isso faz toda a diferença pois as subjetividades permeiam o processo de aprendizagem Isso me remete a Roberto Sidnei Macedo em seu artigo Atos de Currículos uma incessante atividade etnometódica e fonte de análise de práticas curriculares publicado em 2013 que aborda como as pessoas estão inseridas no processo de ensinoaprendizagem e estão indexalizadas e implicadas em seus contextos socioculturais Portanto elas são coautoras dos currículos e dessas aprendizagens desenvolvidas pois elas criam sentido culturalmente significativo ao se apropriar dos conceitos e tornamse sujeitos de si E entendo que desta forma podem se perceber como sujeitos históricos pois então referenciadas nos tempoespaço Nilma Lino Gomes em O Movimento Negro Educador saberes construídos nas lutas por emancipação publicado em 2017 trata a importância dos grupos não hegemônicos terem voz e que isso acontece através dos movimentos sociais e por causa dele é que hoje temos em pauta de discussão dentro e fora da academia temáticas como racismo juventude gênero e tantas outras que perpassam pelas minorias políticas do Brasil Importante salientar que os movimentos sociais têm uma forte atuação com papel educativo nas periferias e hoje com a internet e as rede sociais é possível ampliar o alcance dos debates e foi pela sua força que as pautas antirracistas e seus desdobramentos com as ações afirmativas nos permitiram acessar os conhecimentos que abriram novos ciclos gnosiológicos sobre a nossa história para questionar conceitos tão naturalizados como escravo descobrimento do Brasil índio heróis nacionais e tantos outros que nos foram dados como verdades históricas irrefutáveis e buscar dentro dessa História o nosso lugar de origem e na diáspora nossos conhecimentos oriundos dos nossos ancestres Originário e donos de Pindorama Entendo que enquanto se discute os atos de currículo dentro da academia teorizando e buscando espaço institucional para ele nós povos racializados mulheres LGBTQIA pobres periféricos deficientes já estamos praticando e construindo estratégias de aprendizagens a partir das nossas emergências quando nos reunimos para através do diálogo compreender nossa realidade e buscar no estudo da História o entendimento de como essa estrutura foi montada e quais são suas rachaduras para construirmos outros caminhos possíveis para nós através dela Nilma Lino Gomes fala do poder dos movimentos sociais e em especial dos 80 movimentos negros como mediadores entre as instituições formais e as comunidades e como sistematizadores de saberes construídos pela população nas experiências sociais culturais histórias políticas e coletivas A escola ainda traz para dentro de suas paredes esses saberes fruto das nossas emergências de vida assim o trabalho com os atos de currículos na EJA nos dá abertura para articular saberes não hegemônicos com a grade curricular que tenta paradoxalmente aprisionar a vida vivida por nós do lado de fora da escola Paulo Freire em A sombra daquela mangueira publicado em 1995 diz que precisamos transformar a fraqueza dos fracos em força e para isso ocorrer precisamos desnaturalizar as estruturas de opressão pois as situações podem ser diferentes Nós não somos seres condicionados mas transformamos o mundo com o mundo e para todas as pessoas que vivem nele É nisso que entra o poder da História Paulo Freire disse que a História precisa ser campo para possibilidades e não determinismos e ela só pode apresentar alternativas quando dominamos o nosso poder de decidir sobre nós e sobre o mundo Minhas mais novas de Humanas isso não é lindo Olha o poder de se estudar História Não podemos chegar em nossas salas de aulas e não termos todas essas perspectivas como nosso objetivo maior na construção do conhecimento No SESI em alguma medida temos um campo de trabalho que nos permite pensar fora da caixa Não digo que não haja as amarras institucionais e suas burocracias mas temos um polo com uma gestão que comunga dessas ideias e nos apoia mas fico pensando como isso seria possível dentro de outras instituições que não possuem a mesma configuração da nossa não contam com um currículo específico para EJA não têm profissionais para se debruçar a pesquisar e produzir momentos de aprendizagem de acordo com o público que recebem Volto o meu pensamento lá para aquela primeira escola que trabalhei com EJA a dificuldade em estar numa sala de adultos e busco refletir o que poderia ter feito quais rachaduras existiam ali que eu poderia ter entrado como poderia ter cumprido aquele roteiro curricular préestabelecido de outra forma Eu poderia ter trabalhado aqueles conteúdos de outras formas e é isso que gostaria de registrar nesta carta pois acredito existir outras professoras pelo mundo afora com as mesmas inquietações que eu O currículo é um campo de disputa políticoideológico no campo da educação mas a teoria pela teoria não muda muita coisa então um documento escrito é só um 81 documento escrito mas nós na prática da sala de aula que damos vida e sentido a ele portanto ele é caminho e como tal podemos fazer dele meio de se chegar a muitos lugares O currículo de História de modo geral e em especial sua ausência para EJA e os materiais didáticos que se desdobram dele podem não ser os ideais mas não precisamos tratálos como incontestáveis na prática docente Eles podem e devem ser contestados junto com a turma para que possam construir o olhar crítico sobre o próprio conhecimento Eu entendo e proponho um caminho para o ensino de História através das escrevivências partindo do olhar de um cotidiano que é construído no nós e nisso é antagônico ao eu a que fomos acostumadas História é a experiência coletiva e não pode ser vista sob um único ponto Chimamanda Ngozi em O perigo da história única publicado no Youtube com o nome TED O perigo de uma história única expõe a importância de nos vermos representados para sabermos da nossa potência criadora de mundos ou reproduziremos a história contada por quem criou e usurpou o poder e quem o detém conta a história que lhe é conveniente para a manutenção do seu status Tenho usado as cartas desta dissertação para mostrar como o trabalho com a escrevivência pode ser poderoso Não posso negar que ao longo desses anos de mestrado e nessa escrita eu pude conhecer mais de mim rememorar coisa antes esquecidas entender tantas referências que estavam latentes em meu subconsciente me empoderar como professorapesquisadora conheci tantas outras intelectuais não brancas que tiveram trajetórias cruzadas com a minha e isso me fortaleceu para chegar até aqui A escrevivência desse texto é também uma forma de mediar as dificuldades que os próprios estudantes têm de falar de si de contar sua história de analisála dentro do tempo espaço Ao fazer esse exercício também estive no lugar que as peço que fiquem senti suas dificuldades e assim posso pensar em formas de ser uma professora melhor para elas na mediação de suas escritas Por fim quero registrar nesta carta a vocês meus amores e minhas amoras da EJA nossa escrevivência nos humaniza e tira de nós a obrigação de revolucionar o mundo e dar conta de resolver tudo que chega a nós Até aqui pude rever alguns pontos da nossa trajetória e ficar feliz com tudo que temos feito entre erros e acertos pois deixo aqui um relato de sucesso pois estamos com nossos ciclos gnosiológicos sempre abertos e isso é fundamental para nós professoras Com amor e entusiasmo 82 ELES PENSAM QUE PODE APAGAR NOSSA MEMÓRIA MAS A FORÇA DO ILÊ NOS CONDUZ NESSA TRAJETÓRIA Salvador 12 de outubro de 2021 que isso filha É verdade Eu não sabia que ensinava jongo na Universidade riso Quer dizer então que eu posso ser dipromada gargalhada Curtametragem Casca de baobá 2017 A Severina Abro esta carta dizendo a você que ela tem o propósito de apresentar o que elaborei para trabalhar o ensino de História com a Educação de Jovens e Adultos Então aqui você encontrará minha proposta didática para construirmos a compreensão dos conceitos introdutórios do estudo da História Escrevo estas linhas a você Severina que aqui representa a potência das pessoas participantes da EJA Você que chegou aqui e teve a curiosidade de ler minha carta à Severina preciso apresentála Assim te convido a fazer uma observação das relações de poder existentes entre as regiões brasileiras Não é difícil encontrarmos relatos de xenofobia contra pessoas do Norte e Nordeste por parte de pessoas do Sul e Sudeste do Brasil nas redes sociais nas mídias abertas Essas atitudes são frutos de processos históricos iniciados com a fuga da Família Real de Portugal Após a sua chegada ao Brasil a transferência da capital para o Rio de Janeiro o processo de industrialização e as políticas eugenistas que incentivaram a imigração europeia o eixo SulSudeste passaram a ser o centro político e econômico do país e o Nordeste passou pelo processo de apagamento de sua história no cenário nacional Portanto só vemos ele aparecer no estudo da História do Brasil quando se fala do período da monocultura da canadeaçúcar Refletindo sobre esse contexto histórico e a partir de observações do cotidiano das redes sociais de falas em mídias brasileiras elaborei duas definições acerca do nome Severina nome esse usado como uma caricatura do povo nordestino Severina Na língua xenofóbica se refere a todos os nordestinos independente do estado de nascimento burro matuto incapaz de origem inferior alguém que pode ser explorado pelo Sul e Sudeste do Brasil Severina Na língua do Nordeste se refere a pessoas de grande poder força inteligência alguém que sabe sobreviver nas circunstâncias mais adversas potência 83 vitalidade pujança um mandacaru verde e florido no meio do pasto seco sagacidade ancestralidade terra fogo ar e água Obviamente essa missiva é destinada à segunda Severina Severina estou há alguns dias ruminando esta carta sem saber muito bem como dizer a você as coisas que se passam aqui na minha cabeça mas avancemos pois acredito que precisa saber e fazer parte deste processo de construção do conhecimento Primeiramente quero dizer que esse trabalho foi desenvolvido em cima de coisas que me desconcertam e a partir disso tenho buscado caminhos para fazer um trabalho docente melhor Dito isso o meu incômodo do momento é refletir como as escrevivências narradas pelas pessoas que estudam na EJA tem implicações para o ensino de História Tenho observado Severina que sua história começa pela falta Ausências humanas afetivas socioeconômicas dos direitos humanos fundamentais para uma vida com o mínimo de bemestar Quando você se depara com uma página em branco para escrever a sua história a dor reverbera e essa narrativa de forma tão aberta sempre me espantou pois quando iniciamos a Metodologia de Reconhecimento de Saberes MRS eu não imaginei que seria um espaço no qual você se sentiria segura para contar coisas tão profundas e íntimas Não posso negar que a leitura da sua escrevivência ecoa em mim e às vezes em lugares tão fundos que me transborda do meu lugar de avaliadora das competências de Ciências Humanas Severina com o tempo eu tenho aprendido a acolher o relato de suas dores sem deixar que elas se tornem gatilhos emocionais para mim A primeira vez que consegui te ler sem sair do prumo foi quando eu li Vivendo de Amor da professora e intelectual afroamericana bell hooks Já mencionei esse texto anteriormente e expliquei qual o conceito de amor que ele traz Ele foi um divisor de águas em minha vida tanto no âmbito pessoal quanto profissional Com hooks eu entendi por que o portfólio se tornou um espaço seguro para você desaguar Com ela eu pude ter a percepção do amor como meio para liberdade e como ele precisava estar presente em minha docência E foi com essa consciência que comecei a ler a sua escrevivência pelas entrelinhas pelo não dito e comecei a enxergar a sua potência o quanto você precisou aprender para transformar e ressignificar seus caminhos até aqui Se no portfólio no campo do passado você inicia pelas dores no campo do futuro você demonstra entender que elas passaram e não podem te definir Seu 84 passado faz parte de quem você é ele te construiu e fez o ser humano de hoje mas por mais difícil que tenha sido ele não apagou a sua energia para sonhar e chegar até aqui na EJA do SESI Bahia para realizar Você aprendeu na vida que é preciso correr atrás do que se deseja e ao chegar aqui nos sentamos à mesa para registrar valorizar e certificar o que já é seu Severina quando te olho vejo um mandacaru grande vistoso e florido no meio do pasto seco aquela planta que sobrevive e traz esperança para o sertão como uma fonte de água Diante de você não posso deixar de querer sempre fazer o melhor de buscar a excelência na minha prática docente pois você não merece menos e tendo isso como meu foco eu quero te contar nesta carta o que proponho para trabalharmos os conceitos introdutórios da História Fiz este recorte porque entendo a base como o começo do processo de construção do conhecimento e acredito que compreender o que é a História como ela é feita porque é importante estudála e as transformações que podemos promover na sociedade a partir do entendimento do nosso processo histórico é fundamental para criarmos o entusiasmo o sentimento de pertença e o interesse no seu estudo contínuo Severina sei que você chega à escola depois de uma jornada dura de trabalho então quero que sua experiência comigo e com os estudos seja cheia de entusiasmo portanto ao invés de me ouvir falar eu sugiro um jogo para encontrarmos na sua escrevivência os conceitos que precisamos elucidar Quero te contar como pensei esse jogo e as possibilidades dele ser aplicado Como professora eu organizo as formas de trabalhar o currículo na sala de aula mas você faz parte desse processo entendendo o que está sendo proposto e dizendo de que forma acontece a sua construção de conhecimento como gostaria que a escola estabelecesse o diálogo para seus ciclos construtivos estarem sempre abertos e em expansão Particularmente acredito que estes momentos podem ser mais ricos se pensados a partir dessas interações Um jogo traz dinamismo ao processo de construção do conhecimento No artigo Jogos didáticos na educação de jovens e adultos aceitação de professores e alunos publicado em 2016 por Gercivania Gomes da Silva et al a autora fala sobre a importância de trabalhar de forma lúdica na EJA com objetivos bem traçados para que haja a participação ativa na construção do conhecimento e não apenas ter o jogo como diversão na aula A autora aborda ainda que o uso de jogos desenvolve 85 características importantes sobre os sujeitos como a criatividade o espírito de competição cooperação e tomada de decisão O jogo pode trazer o melhor de você Segundo Celso Antunes em Jogos para a estimulação das múltiplas inteligências de 1998 ele nos ajuda a enriquecer nossa personalidade e as formas que nos comportamos socialmente É uma alternativa metodológica para criarmos uma experiência de Ubuntu onde o ganhar pode ser uma vivência coletiva mas ao mesmo tempo aprendemos sobre nós nossos limites nossas relações interpessoais como sermos melhores e ao mesmo tempo abrirmos ciclos de conhecimentos escolares elencando teoria e prática Severina você vem da periferia e lá você aprendeu que sobrevivemos no coletivo É a vizinha que muitas vezes nos socorre em nossas necessidades diárias e é a criatividade infindável que você demonstra na sua escrevivência que fez você chegar até aqui e te impulsiona a continuar Nosso trabalho aqui não é te ensinar a ser pois você já é Eu acredito que nós podemos trazer as suas características para a consciência e associar com os conhecimentos escolares para que possamos intensificar o melhor de você e incentivar que veja e explore os percursos possíveis para a sua vida Quando penso no nosso jogo não gostaria que fosse uma competição na qual alguém ganha e outra pessoa perde Te disse um pouco mais acima que gostaria de fazer uma experiência de Ubuntu Em Fundamentos da filosofia Ubuntu afro perspectivas e o humanismo africano publicado em 2020 diz que viver a ética ubuntu faz parte da compreensão primordial a respeito da nossa coletividade e tudo que vivemos acontece no nós A origem dela é entre os povos sulafricanos Zulus e Xhosa e seu princípio fundamental é ancorado em solidariedade partilha e comunidade A existência humana parte da essência da coletividade pois nossa humanidade existe no nós No eu a humanidade não pode existir em sua plenitude Kellison Cavalcante cita um texto de Nascimento de 2016 no qual trata o entendimento do Ubuntu através da percepção de tudo o que temos em comum É uma ética coletiva que nos conecta uns com os outros com a natureza ao nosso redor com o divino todas as forças inerentes e subjacentes se cruzam formando o todo e esse todo compõe a racionalidade humana e nos torna seres que cria e recria os diversos territórios que habitamos Acredito que eles podem ser físicos e metafísicos pois também moramos em nossas subjetividades 86 Severina fui lá nas bases acadêmicas buscar essa definição para te apresentar a filosofia e pormos em prática em nosso jogo Eu proponho que ele seja uma experiência de cooperação coletividade e que todos participantes possam focar na aprendizagem e não na ideia de vencer por vencer Nosso jogo não tem um vencedor final pois todos que estão jogando já venceram Venceu um dia de trabalho as batalhas domésticas o buzu lotado o cansaço a vontade de ir para casa e chegou até a escola Você já é uma vencedora por si só Severina Nosso jogo terá foco no que podemos aprender em nossas escrevivências compartilhadas em como podemos nos ajudar a fazer uma história de construção colaborativa do conhecimento afinal ele não acontece no eu mas no nós Então deixa eu te contar como penso que ele pode acontecer Eu o batizei de Escrevivência com a EJA e ele começará com você escrevendo uma carta para o seu Eu do futuro contando a sua trajetória de vida Diga de onde veio como foi a infância o local em que nasceu descreva os lugares por onde passou as coisas diferentes que viu comeu conheceu os cheiros as coisas que sentiu as músicas que te marcaram experiências significativas em sua vida Caso tenha um álbum de fotografias olhe quem são as pessoas que estão lá o que vestem cortes de cabelo veja o que mudou e o que permanece converse com as pessoas que fazem parte da sua vida em busca de mais informações para ativar as suas memórias Faça um mergulho bem fundo em você mesma e relate tudo para a sua eu do futuro Durante essa escrita tente acessar as vivências que fizeram parte da sua história Ative os seus sentidos com sons aromas sabores texturas Os sentidos do corpo têm ligação direta com a memória Severina se você se sentir confortável poderíamos partilhar na sala de aula e dialogarmos sobre os detalhes desses registros Podemos ver quais pontos são experiências coletivas quais intersecções podem ser feitas com esses relatos como e porque elas atravessam as pessoas da sala e se expandem para fora de seus muros Gostaria que esse momento fosse feito com escuta afetuosa com a sabedoria do acolhimento das dores do aplauso das conquistas do incentivo aos sonhos Vamos criar um ambiente assim em nossa sala Na sequência teremos uma série de cards divididos em cinco unidades de sentido relacionadas à introdução do estudo da História Nos cards O tempo e a História serão encontrados indicativos associados ao estudo do tempo pela História Ele é uma criação humana e não universal Vários povos de culturas diferentes pelo 87 mundo estabeleceram diversas formas de compreensão do tempo e as historiadoras o tomam como matéria prima do seu trabalho investigativo assim cada card trará uma forma diferente de percebêlo como cíclico linear através da memória dos afetos cronológico as ideias de mudanças permanências e a simultaneidade em que os fatos acontecem Figura 1 Card O tempo e a História Fonte Pesquisadora Os cards Fontes históricas possuem indicativos para compreensão da História através de uma investigação dos registros que deixamos ao longo do tempo e ele é feito de muitas formas pode ser através de imagens oralidade fontes materiais imateriais e documentos Tudo o que produzimos aponta para o tipo de vida que tivemos sobre a cultura na qual vivemos quais transformações operamos na sociedade Durante a construção de uma narrativa histórica nós consultamos as fontes problematizamos suas contradições fazemos perguntas e buscamos nelas as respostas possíveis Figura 2 Card Fontes Históricas Fonte Pesquisadora 88 Os cards Quem faz a História possuem indicativos para perceber que todos nós somos sujeitos históricos agentes ativos na sociedade portanto promovemos transformações ao longo de nossas vidas dentro de contextos de tempo e espaço sendo assim temos participação ativa e direta na construção da História do tempo em que vivemos Figura 3 Card Quem faz a História Fonte Pesquisadora Nos cards História é ciência o indicativo é a compreensão do campo da História a partir do entendimento do seu objeto de estudo o tempo Assim teremos cards que trarão indícios sobre o passado presente anacronismo e verdade para entendermos como se constrói a ciência no âmbito da História Figura 4 Card História é Ciência Fonte Pesquisadora Os cards Arteafetos o termo é uma brincadeira com artefatos históricos busca utilizar diversas formas de expressões para que a turma possa contar a sua história e assim contextualizar o arteafeto apresentado no tempoespaço Eles foram pensados para trazer mais movimento ao nosso jogo acessando as nossas memórias 89 através das artes e dos afetos Aqui a proposta é que você conte a sua história a partir de expressões artísticas que te marcaram Pode ser com músicas imagens danças brincadeiras da infância poemas apresentações A atividade pode ser realizada com a parceria de um colega de turma Figura 5 Card arteafetos Fonte Pesquisadora Os cards Curinga é opcional para que as docentes possam acrescentar indicativos para construção de conhecimentos pertinentes a turma em que o jogo é aplicado Cada sala de aula é um mundo carregado de subjetividades e entendo que por não ter condições nem a pretensão de abarcar todas elas ofereço alternativas quanto ao uso dos cartões Figura 6 Card Curinga Fonte Pesquisadora Severina você pode visitar o Canva e ver todos os cards sugeridos Use o QR code abaixo 90 Imagem 7 QR code Cards Fonte Pesquisadora Severina quando comecei a elaborar este jogo pensei nas muitas realidades em que ele poderia ser aplicado e isso foi um ponto de inquietação pois queria criar algo adaptável sem perdas no objetivo principal de construção do conhecimento Para responder a minha inquietude resolvi oferecer possibilidades ao invés de um jogo fechado em regras específicas Então vou te contar agora algumas ideias que pensei para a sua jogabilidade O elemento principal deste jogo são os cards assim os elaborei de modo analógico e digital O modelo analógico traz um conjunto de trinta cards 6 de Arteafetos 4 de História é ciência 3 de Quem faz a História 6 de Fontes históricas 9 de O tempo e a História e 2 Curinga uma sugestão de tabuleiro e 1 dado Será necessário que a professora e a turma selecionem algum objeto para representar os grupos no tabuleiro como o peão Sugiro tampinhas de garrafa O formato de tabuleiro recomendado é inspirado no jogo Banco Imobiliário tendo apenas a casa Início desenhada em círculo e mais trinta casas numeradas sendo o jogo finalizado após todos os cards terem sido usados Para jogar nesse formato a professora divide a sala em grupos de acordo com a quantidade de estudantes Todos os peões ficam posicionados na casa Início cada grupo joga o dado para saber a quantidade de casas que andará no tabuleiro Onde parar deve retirar o card correspondente ao número da casa e seguir a orientação apresentada Como o jogo será em equipe a cada rodada é possível ler o trecho da carta de um dos participantes do grupo Caso não seja viável ter um tabuleiro indico dispor os cards em cima da mesa formando um círculo e dar continuidade ao jogo com a mesma orientação acima 91 O formato digital está em um site chamado Prezi e de acesso público O jogo se apresenta em um layout interativo como um tabuleiro digital com casas numeradas de 1 a 30 Ao clicar em cima de cada casa ocorre um zoom e automaticamente aparece o card Ao clicar novamente a tela volta ao tabuleiro inicial Cada casa é autônoma e pode ser aberta sem comprometer as informações das demais Figura 8 Tabuleiro virtual Fonte Pesquisadora Severina visite o tabuleiro virtual Você pode usar esse QR code abaixo Figura 9 QR code Tabuleiro virtual Fonte Pesquisadora Severina o jogo está estruturado para ser um processo formativo para você mas ao longo da sua construção eu também passei por aprendizagens Nossos ciclos de transformação do conhecimento se retroalimentam permanentemente e assim eles estão sempre em crescimento Minha docência está sempre em 92 construção pois nossos encontros mobilizam subjetividades em nós e isso me provoca a repensar constantemente o que faço o que sei o que e como aprendi e como tudo isso se manifesta quando nos encontramos na sala de aula A estudante que você é hoje é diferente da estudante de amanhã e essa transformação ocorre em mim simultaneamente Esse jogo que propus a você Severina pertence a um universo maior Ele está inserido em uma trilha autoformativa que espelha a pesquisa dessa dissertação Ela está estruturada em um site chamado Padlet e nele listei dez seções distribuídas entre orientações e os cards do jogo A primeira é a Seção Autoformação destinada a docentes portanto a mim Ela foi pensada a partir das aprendizagens que desenvolvi com esta pesquisa e de como ela poderia chegar até você na sala de aula Severina Dentro dela eu trago dez subseções com propostas de autoformação para as professoras desenvolverem os seus conhecimentos de conceitos que foram trabalhados ao longo da escrita das cartas que compõem essa dissertação O primeiro é a compreensão do que é o entusiasmo na perspectiva de bell hooks Indico referências que eu li e proponho um exercício de escrita de uma carta endereçada a uma professora que tenha marcado a sua passagem pela escola como uma forma de associar teoria e prática Desse modo será mais fácil perceber quais dificuldades porventura você Severina possa ter na hora de escrever a sua Nesse trabalho eu mergulhei em minhas memórias escolares nas professoras que passaram em minha vida e nela deixaram marcas quais delas eu me recordo e o motivo de têlas em minha lembrança Professoras marcam as nossas vidas Espero marcar a sua de forma positiva e ser uma recordação inspiradora Ainda na primeira seção sugiro desenvolver esse jogo de forma interdisciplinar convidando a área de linguagens para trabalhar a escrita da carta pois ela é um gênero textual a ser estudado e a confecção de papéis personalizados para escrevê la O conhecimento não ocorre de maneira fragmentada mas com a mobilização de todas as áreas simultaneamente para compreender os fenômenos que vivemos Portanto o trabalho interdisciplinar é desenvolvido estabelecendo um tema e um objeto concreto a ser alcançado Flávia Cavalcanti Gonçalves Kaveski em Concepções acerca da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade um estudo de caso fala que o trabalho 93 interdisciplinar não pode dividir teoria e prática pois para o seu desenvolvimento é necessário a práxis e uma reflexão permanente entre o teorizado e o feito Severina o trabalho interdisciplinar é coletivo e como tenho dito nos construímos em comunidade e isso é um exercício pedagógico e humano porque viver e trabalhar em grupo é difícil e requer dentre tantas coisas paciência e respeito para que haja uma construção colaborativa do que será feito isso é algo em constante construção e formação em nós sujeitos coletivos Ainda nessa seção tem o conceito de escrevivência que fui desenvolvendo de forma teórica e prática nesta dissertação A proposta do jogo é que você elabore a sua escrevivência então eu preciso saber o que ela é e como desenvolvêla para conseguir te orientar Eu iniciei o meu processo autoformativo em escrevivência aqui nestas cartas numa pesquisa praxiológica olhando para o meu fazer e pensando sobre ele A indicação da escrita da carta para entender e vivenciar o entusiasmo também perpassa pelo exercício da escrevivência Não acredito ser possível promover a construção do conhecimento escolar sem ouvir as pessoas que compõem a sala de aula Preciso saber quais são os seus propósitos Severina o que te motiva o que você sonha para a sua vida para que a minha prática com o ensino de História contribua para as suas conquistas Portanto entendo que antes de jogarmos o Escrevivências com a EJA precisamos ter um momento de diálogo na sala Desta maneira lanço uma proposta de fazermos uma roda de conversa para que você expresse as suas expectativas e assim eu possa apresentar o estudo da História de forma relevante para o seu contexto de vida Concluo esta seção com uma midiateca de arteafetos e cosmovisões com indicações de textos multimodais que tenho acessado e me ajudado a ampliar as minhas referências conceituais e a minha visão sobre a História e o seu ensino escolar A segunda seção desta trilha é composta pelas orientações a você Severina que jogará o Escrevivências com EJA Aqui é um momento de preparação para que você faça um mergulho em sua história de vida Começo propondo o exercício no espelho onde você deverá olhar para si e voltar no tempo gradativamente até a sua infância e lembrar das pessoas a sua percepção de tempoespaço as experiências que marcaram A partir deste exercício de memória eu te orientarei a escrever uma carta para a sua Eu do futuro Ofertarei ideias sobre o que você poderá trazer em sua 94 escrevivência para ter consciência da sua como sujeito de história pertencente a um grupo social E a partir dela compreender os conceitos introdutórios do estudo da História e associar a teoria às manifestações deles em nossa vivência Na terceira seção eu compus a jogabilidade do Escrevivências com a EJA Apresento a quantidade de cards que já estão elaborados e disponíveis para serem usados e possibilidades para jogálo Eu pensei em propostas de jogos individuais ou em grupos a depender da quantidade de estudantes presentes na sala de aula pode ser jogado virtualmente ou de forma analógica com o uso de dados ou sorteio de número com a possibilidade de acréscimo de cards e um tutorial básico de como utilizar o Canva plataforma onde eles estão inseridos Severina você pode assistir ao vídeo tutorial usando o QR code abaixo Figura 10 QR code Tutorial Canva Fonte Pesquisadora Das seções quatro até a nove estão dispostos os indicativos dos cards do jogo relacionados aos conceitos introdutórios do estudo da História que deixo disponível no Canva e que te contei acima Na seção nove eu abri um espaço para compartilhar experiências docentes Neste lugar Severina todas as professoras que aplicarem o jogo poderão fazer um relato de como desenvolveu a atividade e assim criarmos um repositório de formas diversas de trabalhar o ensino de História com o Escrevivências com a EJA 95 Figura 11 Padlet Trilha autoformativa escrevivências com a EJA Fonte Pesquisadora 96 Severina visite a Trilha autoformativa escrevivências com a EJA Você pode usar o QR Code abaixo Figura 12 QR code Trilha autoformativa Escrevivências com a EJA Fonte Pesquisadora Severina a sua presença na sala de aula me enriquece me provoca a buscar possibilidades de trabalhar me enche de energia e entusiasmo e vontade de saber mais e nesse movimento eu vou me transformando Paulo Freire em Pedagogia da Autonomia chama isso de abertura de ciclos gnosiológicos que ocorre com a dodiscência no qual aprendo quando estou ensinando e você me ensina no seu ato de aprender bell hooks em Ensinando a Transgredir educação como prática de liberdade inspirada nas ideias freirianas chama essa transformação de autoatualização descrita como a capacidade da professora abrir mão do desejo de dominar e ter a posse do conhecimento para construir uma sala de aula emancipadora e de troca de aprendizagens Como professora de História não posso me permitir fazer de outra forma com você Severina Maria do Socorro da Costa e Almeida e Ana Cristina Castro do Lago em Autoformação Desafios da avaliação como prática de pesquisa e Aprendizagem do trabalho docente a experiência da construção de Trilhas Sensoriais falam de autoformação como o processo no qual a professora tem a sua prática como campo de pesquisa Cada aula é planejada partindo dos conhecimentos que tenho mas ao final dela eles se modificaram já que em nossos encontros na sala de aula nós chegamos atravessadas pelos contextos e perspectivas elaboradas pelas vivências 97 anteriores que se transformam em nosso tempoespaço de forma conjunta criando outras percepções da realidade a partir da ampliação do conhecimento da História Severina meu maior desejo é que eu tenha conseguido trazer uma proposta de um ensino de História capaz de despertar e alimentar o seu entusiasmo pela disciplina Que você o veja como caminho para entender o que te rodeia e se fortaleça no autorreconhecimento de quem você é uma pessoa de histórias e memórias uma parte importante da sociedade e com potencial de transformação do mundo em que vivemos Nós olharemos para o nosso passado para nos referenciar nele nos empoderar do legado deixado por nossa ancestralidade Sabendo de onde viemos poderemos abrir caminhos para chegar aonde queremos nutrindo essa herança ancestral de saberes para as próximas gerações continuarem a promover uma revolução histórica de nós sobre nós e para nós Com amor e entusiasmo 98 MEXENDO COM GENTES PLANTANDO SEMENTES GERMINANDO MENTES LOGO VAI BROTAR Salvador 01 de julho de 2022 Escrevo essas linhas sem medo de como você pode interpretar Um chamado tá tudo acordado O bonde tá forte nóis veio cobrar Do ouro ao conhecimento Não vai ter lamento e eu vou te mostrar O chamado Bia Ferreira À Universidade Quando comecei a pensar na estrutura dessa dissertação e durante as orientações com Ana Lago entendi que ela era um diálogo com toda a comunidade que eu transitava então deixei a última carta para a Universidade porque compreendi a necessidade de contar todo o caminho para que pudessem ver a complexidade da construção da professorapesquisadora Percorri um longo caminho até aqui Este trabalho escrevivente é a memória de quem fui sou e quem pretendo ser como pessoa como profissional e como pesquisadora Escrevi esse trabalho dividido em cinco cartas e cada uma destinada a pessoas que julguei importantes nesse processo Há uma carta à minha banca explicando como estruturei esta pesquisa outra à Paulo Freire em que dialogo sobre as minhas ideias a respeito da EJA Ensino de História Educação Escrevivência construção do conhecimento e crio através dessa conversa o meu esteio teórico A terceira carta é destinada aos meus colegas de trabalho faço uma breve historicização da EJA do SESI e do polo Salvador Nela abordo a Metodologia de Reconhecimento de Saberes e como penso o Ensino de História na EJA A quarta carta é destinada a Severina uma representação de todas as estudantes da EJA e abordo o meu produto educacional A quinta e última carta é destinada à Universidade Agora escrevendo esta carta façome alguns questionamentos quem é a Universidade Vou escrever essa carta para uma entidade abstrata Se ela fosse postada quem a receberia teria a incumbência de responder Retornei a Ailton Krenak em seu livro Ideias para adiar o fim do mundo lembra que fomos nós a humanidade responsáveis por criar as instituições para falar por e para nós sendo assim entendo que esta carta é uma proposta de reflexão coletiva para todas nós 99 que somos esta instituição e que cada pessoa tome para si um pouco da responsabilidade com essa entidade tão importante para a sociedade Primeiramente precisamos refletir sobre o acesso à Universidade Na minha adolescência sonhar com o Ensino Superior era algo muito pretensioso e falar sobre isso em alguns espaços era ser vista como alguém queria botar a mão onde o braço não alcança ou seja não era para mim Poderia fazer um curso técnico e com sorte poderia trabalhar em alguma empresa do polo industrial que existe em Candeias e nas cidades vizinhas Quando alguém disse que o curso de Técnico em Segurança do Trabalho estava em alta e havia muitas contratações nos idos dos anos dois mil meu pai disse filha minha não vai botar peão em colo nem vai ouvir desaforo porque mandou usar capacete Se ela quer fazer faculdade então ela vai fazer Essa lembrança me faz rir agora mas graças a todos os esforços e renúncias feitas por ele é que foi possível chegar até aqui e isso me faz pensar nas dificuldades ainda existentes para acessar a Universidade É bem verdade que nos últimos vinte anos vimos políticas públicas que favoreceram a interiorização delas com a criação de novas instituições e de campus isso elevou a quantidade de vagas e em conjunto com as políticas de cotas criaram uma paleta de cores de classes de gêneros de corpos e mentes mais diversas o que refletiu na produção intelectual e em nossa cultura Ter o máximo de diversidade habitando esse espaço é fundamental para pensarmos em novas estruturas sociais que possam dar conta da complexidade das nossas emergências interseccionadas por todas as subjetividades e concretudes que nos atravessam Quando penso no quanto fui privilegiada em ter acessado a Universidade mesmo com todas as dificuldades enfrentadas eu preciso me questionar a quem serve o que estou pesquisando Desde o início do mestrado eu me desafio a produzir conteúdos que possam impactar de forma positiva e concreta o campo do Ensino de História Ter entrado em um programa de mestrado profissional foi uma das decisões mais acertadas que tive pois eu pude encontrar sentido para estudar e desenvolver uma pesquisa e poder ajudar outras professoras que assim como eu precisam acessar experiências de outras profissionais para se inspirarem Desenvolver uma pesquisa e mostrar seu impacto para a sociedade precisa ser um compromisso que esteja como objetivo principal e não como consequência Bolsonaro se elegeu a presidência da República atacando as Universidades Públicas 100 desqualificandoas à revelia de todas as pesquisas que mostravam o quanto elas são as responsáveis pelo desenvolvimento científico do país mas seus seguidores acreditavam em suas palavras e não nos dados A pandemia da Covid19 colocou as Universidades públicas à frente das pesquisas e com a nordestina baiana Jaqueline Góes de Jesus despontando no cenário mundial com o mapeamento do genoma do vírus poucos dias depois do primeiro caso confirmado no Brasil ainda assim o descaso com as instituições de Ensino Superior continua e sem grandes comoções populares A segunda reflexão as pessoas não conhecem o que é produzido aqui Começamos a acessar os muros mas a sociedade ainda não sabe ao certo o que é feito nas Universidades públicas brasileiras Aqui dentro desenvolvemos pesquisas em todas as áreas do conhecimento que mudam a nossa sociedade Se pensarmos no campo da educação as mudanças que ocorreram aqui dentro após o acesso de pessoas negras indígenas pobres LGBTQIA tornou possível novas teorias serem produzidas e outros olhares concedidos ao processo educativo Estamos no momento de disputa acirrada porque hoje podemos questionar perspectivas hegemônicas naturalizadas e pensar numa educação que contemple a diversidade A Universidade tem um grande poder e com ele precisa vir o compromisso de se fazer pesquisas que todas as pessoas possam entender Eu acessei estes muros minha mãe se orgulha de ter uma filha mestranda mas ela ainda não entende como isso pode impactar em sua vida Trouxe minha mãe como referência pois ela o seu perfil mulher negra pobre não concluiu a Educação Básica representa grande parte da população que não conhece as produções intelectuais brasileiras A Universidade precisa ser um espaço para todas as Severinas deste país Sonho com o dia que não será preciso cotas porque teremos chegado em um modelo de sociedade com oportunidades verdadeiramente equânimes para o acesso físico e intelectual e permanência nos espaços de ensino superior Pode ser um pensamento utópico e ingênuo mas não quero pouco da vida e na minha sala de aula incentivo que todas as pessoas queiram muito sonhem alto idealizem e jamais se contentam com o mínimo O Brasil é nosso das Severinas e não abriremos mão de nada tão pouco do direito básico inalienável e sublime que é a educação A minha terceira reflexão aqui é a importância da Universidade caminhar de mãos dadas com a Educação Básica Sou da geração que ouviu que a universidade produz e a escola reproduz então como professora de Educação Básica eu não teria 101 o que pensar e produzir no campo acadêmico Que bom ter sido possível acessar um programa de PósGraduação que me ajudou a romper definitivamente com essa ideia Entrei aqui com muitas indagações e com um problema de pesquisa e estou saindo com muitas outras perguntas e indicativos que podem ser respostas para a minha problemática deste trabalho Entretanto o campo da ciência não é de respostas absolutas mas de aberturas constantes de ciclos gnosiológicos Este programa de mestrado em nenhum momento durante a minha passagem me deixou perder o foco do lugar que a Educação Básica ocupa Ela não poderia sair do meu pensamento durante a pesquisa e o meu objetivo maior era promover uma educação de qualidade O título que viria dele é consequência de algo maior e mais importante a formação de Severina Espero que em algum momento ela possa estar aqui dentro da Universidade pensando em possibilidades de transformar positivamente o mundo Ser aluna do ProfHistória me ajudou a consolidar o meu lugar de pesquisadora no campo do ensino de História A escrita desta dissertação mexeu comigo de muitas formas e lugares Precisei revisitar as minhas memórias contar a minha história ressignificar experiências enfrentar medos e com a minha escrevivência aceitar que eu faço parte da comunidade acadêmica pois ela também está carregada de unidades de sentido e através deles eu entendo o mundo portanto sou capaz de mudálo Eu sou um sujeito histórico Essa consolidação tem se desdobrado em mim me abrindo caminhos no campo da pesquisa Hoje me vejo como uma professora melhor porque o ProfHistória me ajudou a fazer da minha práxis o meu lugar de estudo Sou uma pesquisadora melhor porque tive docentes e uma orientadora maravilhosa que esteve comigo ao longo desse tempo me ajudando a construir o que eu queria construir Através do entusiasmo e amor me mostrou em sua prática docente aquilo que eu estava tentando fazer e teorizar Eu tive bases sólidas neste programa e hoje o meu mundo é muito maior do que aquele vivenciado antes de estar aqui na UNEB Aqui fica uma última reflexão O conhecimento precisa vir para nós pelo lugar do prazer e da cura Eu busco conhecer porque me faz bem me deleito ao ler algo e acessar pontos de vista de pessoas em outros temposespaços me faz ver as situações por outras perspectivas O conhecimento é libertador pois movimenta a nossa imaginação e nos desloca nos transborda no mundo 102 Ao longo da escrita dessa carta um jovem cometeu suicídio durante a sua banca de conclusão de curso e isso inflama temores nas comunidades a quem o trabalho intelectual foi historicamente negado e o tempo todo precisa provar duas vezes mais a sua capacidade de produção de conhecimento A intelectual Preta Carla Akotirene em seu perfil do Instagram discute quase que diariamente sobre o seu lugar de mulher preta dentro da universidade e a instituição como um microcosmo da sociedade que rejeita constrange deprecia qualquer coisa que fuja do padrão branco cristão heteropatriarcal eurocentrado Trouxe as palavras dela pois acredito que a comunidade acadêmica precisa conhecêlas É preciso dizer que o Ori é uma divindade soberana poderosa cabeça cuja sanidade tornase impraticável quando a Ori en tação intelectual vem de doutoras e doutores que não querem o triunfo do destino bem como através da colonialidade vão adoecer e exterminar os nossos pensamentos A academia é moderna e colonial Cruel Narcísica e Eliminatória Por que A academia é responsável pela colonialidade do saber decidindo se conquistamos ou não credenciais A academia empobrece os nossos valores Bantus e éticas Yorubas pois o potencial para as revoluções culturais é cooptado pela meritocracia linguagem culta e hegemônica dos parâmetros ABNT A Universidade tem sido lugar de adoecimento A fabricação do conhecimento se tornou uma corrida que não produz endorfina Estamos em uma instituição e como tal compreendo que haja seus trâmites legais mas não pode ser o lugar para sairmos com receitas de antidepressivos e ansiolíticos O conhecimento não é adoecedor Eu tive a sorte de experimentar uma Ori en tação de liberdades possibilidades inovações diversidadesde vida Encontrei Ana Lago que potencializou o que havia de melhor em mim e floresceu o meu jardim com as sementes que eu tinha mesmo aquelas que desviavam da norma É possível construir relações acadêmicas de cura Eu vivi isso Essa dissertação é fruto dessa vivência ou com absoluta certeza ela não teria chegado aqui 103 Figura 13 Reflexões sobre a vivência acadêmica Fonte Pesquisadora Concluo esta pesquisa sem qualquer pretensão de entregála acabada em si mas que ela seja um constante devir para o ensino de História na Educação de Jovens e Adultos Desejo que ela seja uma semente a ser regada por cada professora que acessála e principalmente que eu tenha dado contribuições valiosas para a EJA e para a Universidade ser um local de acolhimento e valorização da diversidade de saberes e corpos que compõem a sala de aula Que as palavras que estou tendo a oportunidade de deixar registrada nesta Universidade seja luz da mesma forma que as palavras de todas as pessoas que me acompanharam nesta pesquisa foram luz para mim No mais eu desejo que a comunidade acadêmica esteja sempre olhando para si problematizando suas práticas e buscando alternativas para ser cada vez maior mais democrática mais acessível prazerosa de ser vivida e promova conhecimento que potencializa e cura nossos Oris Com amor e entusiasmo 104 TENHO EM MIM MAIS DE MUITOS SOU UMA MAS NÃO SOU SÓ ABUD Kátia Maria O ensino de história como fator de coesão nacional os programas de 1931 Revista Brasileira de História São Paulo Anpuh Marco Zero v 13 n 2526 1993 p163174 AKOTIRENE Carla Palavraschave Guilherme suicídio TCC Salvador 13 de Jul 2022 carlaakotirene Disponível em httpswwwinstagramcompCf88UXyg7DQigshidYmMyMTA2M2Y Acesso 15 de jul de 2022 ALMEIDA M do S da C e LAGO A C C Autoformação desafios da avaliação como prática de pesquisa e aprendizagem do trabalho docente a experiência da construção de Trilhas Sensoriais Anais IV Colóquio Práticas Pedagógicas Inovadoras na Universidade v 1 p 401413 2015 ANTUNES Celso Jogos para a estimulação das múltiplas inteligências 13 ed Rio de Janeiro Vozes 1998 ARROYO M G Passageiros da noite do trabalho para a EJA Itinerários pelo direito a uma vida justa Petrópolis Vozes 2017 294p BARROS Surya Pombo de Escravos libertos filhos de africanos livres não livres pretos ingênuos negros nas legislações educacionais do XIX Educação e Pesquisa São Paulo v 42 n 3 p 591605 julset 2016 httpsdoiorg101590S1517 9702201609141039 BENJAMIN Walter Sobre o conceito de história In BENJAMIN Walter Magia e Técnica arte e política ensaios sobre literatura e história da cultura Trad Sérgio Paulo Rouanet 2 ed São Paulo Brasiliense 1986 c Obras Escolhidas v 1 BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Os confrontos de uma disciplina escolar da história sagrada à história profana São Paulo USP 1993 BONILLA MHS OLIVEIRA PCS Inclusão digital ambiguidades em curso BONILLA MHS PRETTO NDL orgs Inclusão digital polêmica contemporânea online Salvador EDUFBA 2011 pp 2348 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil DO 5 de outubro de 1988 BRASIL Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei número 9394 20 de dezembro de 1996 CANCLINI Néstor García O patrimônio cultural e a construção imaginária do nacional Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Rio de Janeiro Iphan n 23 p 95 115 1994 105 CAVALCANTI K L Fundamentos da filosofia Ubuntu afroperspectivas e o humanismo africano 184 Revista Semiárido De Visu Petrolina v 8 n 2 p 184192 2020 CERRI Luís Fernando Ensino de História e consciência histórica Rio de Janeiro FGV 2011 EVARISTO Conceição A escrevivência e seus subtextos In Escrevivência a escrita de nós reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo Org DUARTE Constância Lima NUNES Isabella Rosado 1 ed Rio de Janeiro Mina Comunicação e Arte 2020 FELISBERTO Fernanda A escrevivência como rota de escrita acadêmica In Escrevivência a escrita de nós reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo Org DUARTE Constância Lima NUNES Isabella Rosado 1 ed Rio de Janeiro Mina Comunicação e Arte 2020 FERREIRA S C 2020 Apartheid digital em tempos de educação remota atualizações do racismo brasileiro Educação Disponível em httpsperiodicossetedubreducacaoarticleview9045 Acesso em 20 de março de 2022 FONSECA S G Didática e prática de ensino de história experiências reflexões e aprendizados São Paulo Papirus 2003 FOUCAULT Michel História da Sexualidade a Vontade de Saber vol 1 Graal São Paulo 1998 FREIRE P À sombra desta mangueira São Paulo Editora Olho dÁgua 1995 FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia Saberes Necessários à Prática Educativa São Paulo Paz e Terra 1996 Pedagogia da Esperança Um reencontro com a Pedagogia do Oprimido Paulo Freire Rio de Janeiro Paz e Terra 1992 FREIRE P Pedagogia do oprimido 12 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 1983 GOHN Maria da Glória Educação Não Formal Aprendizagens e Saberes em Processos Participativos Disponível em httppagesieuminhoptinvedindexphpiearticleview4 Acesso em 02 de junho de 2020 GOMES Nilma Lino O movimento negro educador Saberes construídos na luta por emancipação Petrópolis RJ vozes 2017 HOOKS bell Ensinando a Transgredir educação como prática de liberdade Tradução de Marcelo Brandão Cipolla São Paulo 2013 Editora Martins Fontes 2013 106 HOOKS bell Supremacia Branca Patriarcado e Capitalismo 2019 3m51s Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvt76kj2WrxsIt3s Acesso em 29 de maio de 2020 Vivendo de amor Disponível em httpswwwgeledesorgbrvivendodeamor Acesso em 15 de maio de 2020 KAVESKI Flávia Cavalcanti Gonçalves Concepções acerca da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade um estudo de caso Disponível em httpcetranscombrassetsartigoscongressoFlaviaCavalcantiGoncalvesKaveski pdf Acesso em 21 de julho de 2022 KENSKI Vani Moreira Avaliação da aprendizagem In VEIGA Ilma Passos de Alencastro Repensando a didática Campinas Papirus 2004 KILOMBA Grada Memórias de Plantação Disponível em httpswwwufrbedubrppgcomimagesMEMORIASDAPLANTACAO EPISODIOSDERAC1GRADApdf Acesso em janeiro de 2022 KRENAK Ailton Ideias para adiar o fim do mundo São Paulo Companhia das Letras 2019 KRENAK Ailton Vozes da Floresta Youtube 14 de abril de 2020 Disponível em httpswwwyoutubecomwatchvKRTJIh1os4wt2441s Acesso em 31 de maio de 2022 LE GOFF Jacques História e memória Campinas Educamp1990 MACEDO Roberto Sidnei Atos de Currículos uma incessante atividade etnometódica e fonte de análise de práticas curriculares Disponível em httpsformacceufbabratosdecurriculosumaincessanteatividadeetnometodica efontedeanalisedepraticascurriculares Acesso em 18 de junho de 2022 MASCIA Márcia Aparecida Amador MENDES Jackeline Rodrigues MONTEIRO Alexandrina Representações discursivas de professores da EJA O nãolugar Disponível em httpsrevistasanchietabrindexphpRevistaInterseccoesarticleview1195 acesso em 15 de Marços de 2021 PRETTO NL org Inclusão digital polêmica contemporânea Salvador EDUFBA 2011 ROCHA Helenice Aparecida Bastos Aula de História evento ideia e escrita Disponível em httpwwwuelbrrevistasuelindexphphistensinoarticleview23852 Acesso em 02 de junho de 2020 SAUNDERS Tanya L Epistemologia negra sapatão como vetor de uma práxis humana libertária Revista Periódicus v 1 n 7 2017 107 SESI Metodologia de Reconhecimento de Saberes MRS Reconhecimento Validação e Certificação de Competências documento complementar II processos e instrumentos 2016 SESI Metodologia de Reconhecimento de Saberes MRS Identificação Validação E Certificação de Competências Documento Complementar I Matriz De Referência Curricular 2016 SILVA Fernanda Brito O caminho se faz caminhando a implementação da Metodologia de Reconhecimento e validação de saberes no SESI Bahia Salvador 2019 201 fls Dissertação MPEJA Departamento de Educação UNEB Salvador 2019 SILVA Gercivania Gomes da ARAÚJO Cleônia Roberta Melo FIGUEIREDO Adriana de Carvalho Jogos didáticos na educação de jovens e adultos aceitação de professores e alunos Disponível em httpwwwpesenacbrcongressoanais2016pdfcomunicacaooral055pdf Acesso em 01 de julho de 2022 SOARES Lissandra Vieira MACHADO Paula Sandrine Escrevivências como ferramenta metodológica na produção de conhecimento em Psicologia Social Psicologia Política 1739 p 203 219 2017 SOUZA Jorlânia Carolina Cândida de Convergências entre Etnomatemática e a Metodologia de Reconhecimento de saberes potencializar identidades negras A cultura das tranças para além da estética na Educação de Jovens e Adultos Dissertação de Mestrado Profissional em Educação de Jovens e Adultos Universidade do Estado da BahiaUNEB Salvador BA 2021 VASCONCELLOS Celso Construção do Conhecimento em sala de aula SP Libertad 2002 VIEIRA Vânia Maria de Oliveira Portfólio uma proposta de avaliação como reconstrução do processo de aprendizagem Psicol esc educ online dez 2002 vol6 no2 Disponível httpswwwscielobrjpeea9TFSpL6r85RKPcXy7qKN5dDabstractlangpt Acesso em 19 de junho de 2022 108 EU NÃO ANDO SÓ 109 Maria Filipa minha sabedoria e competência Estou fazendo um mestrado e como todo trabalho intelectual ele não é feito sozinho Estou invocando meus mais velhos e meus mais novos para a minha caminhada para que me guiem me esclareçam e me ajudem a construir uma do discencia praxiológica engajada antirracista anticolonialista e que possa efetivamente chegar a quem de fato ela se destina nossasos estudantes da EJA Assim gostaria muito de convidála a dividir comigo os seus saberes e experiências para me ajudar a construir o entendimento de que EJA é esta que nós fazemos no SESI e qual o nosso propósito com ela Peço que construa uma narrativa autobiográfica contando a sua trajetória no SESI quais são os sentimentos as transformações pessoais e profissionais as mudanças institucionais como a passagem do presencial para a EaD mudanças curriculares de plataforma de estudos as mudanças etárias geracionais e de perfil dosas estudantes Estas são algumas ideias para ajudála na construção desta narrativa mas estou aberta e muito feliz para ler aquilo que desejar partilhar comigo Beijos 3 Para facilitar você pode utilizar o recurso de digitação por voz e ele é muito fácil de usar Clique em Ferramentas Digitação por voz ative o uso do microfone e então é só me contar a sua história Outra dica bem simples é usar o atalho do teclado CtrlshiftS Quando quiser desativálo basta clicar em cima do ícone do microfone que aparecerá do lado esquerdo da sua tela Resposta Sol convite aceito com muito carinho Vou rascunhando por aqui e assim que tiver finalizado te aviso 3 Minha querida Sol fico feliz pelo convite em contribuir com a minha história e experiências 110 A minha trajetória na EJA iniciou com o meu ingresso no SESI em 2001 Passando pelos murais da FecedUFBA no meu primeiro semestre de pedagogia vi um anúncio de vaga de estágio para EJA no SESI Logo ao voltar para casa na saída da faculdade passei o IEL e lá obtive informações da vaga Fui entrevistada e no mesmo dia me encaminharam ao NETI Núcleo de Educação do Trabalhador da Indústria para ser entrevistada novamente pela coordenadora técnica de EJA Cida Oliveira Cida me entrevistou e me convidou para ingressar em um curso de formação e preparação de discentes para EJA do PSET Programa SESI de Educação do Trabalhador da Indústria que iniciaria na terçafeira como prérequisito solicitou que eu fizesse a leitura do livro Alfabetizar Adultos de Marta Durante Voltei para casa com o livro emprestado por ela e o devorei Chegando na terça à tarde no SESINeti lá no Stiep para iniciar a formação Passamos por 20 horas de formação em que fui apresentada a EJA o sistema de aquisição da escrita a chamada psicogênese da escrita alfabética níveis de escrita etc as especificidades do PSET Educação do trabalhador e no último dia fomos conhecer de perto uma turma da EJA do SESI em um canteiro de obras localizada na construção do hospital da Bahia Foi muito interessante conhecer um canteiro escolar uma sala de aula em um refeitório com dezenas de trabalhadores estudando a noite Para a minha surpresa logo na semana seguinte Cida me liga e informa que havia uma sala disponível para mim em um canteiro de obras próximo ao extra paralela marcou um momento comigo e com a coordenadora Sayonara e já iniciamos o contrato e planejamento para iniciar a turma que dividiria com a docente estagiária Fabiane Fabiane e eu fizemos uma dupla de ajuda mútua realizamos muitas atividades juntas e isso favoreceu muito o nosso aprendizado e dos nossos estudantes também Sayonara era uma coordenadora muito atenta às nossas necessidades parceira e muito divertida Chegava à noite na sala cantarolando para assistir a nossa aula e ao final ali mesmo nos dava um feedback nos orientando e já ajustando o planejamento Sayô era uma coordenadora que nos desafiava nos empurrava a crescer mas estava ali por perto para ajustar e nos impulsionar para um novo voo Meu desafio nessa época estreando na EJA em uma sala de aula era o de estudar em início do curso de pedagogia e seguir com o estágio com as exigências e demandas do SESI como a formação e planejamentos 111 Essa turma teve um contrato renovado com o SESI e Fabiane e eu seguimos desta vez sob a coordenação de Lucimar Com Lucimar tivemos uma experiência primorosa em alfabetização pois nessa etapa recebemos muitos alunos que não sabiam ler nem escrever Foi um grande desafio um trabalho de formiguinha onde percebemos que alguns avançavam e outros não Essa foi a primeira turma que vi homens adultos que escreviam no lugar de letras bolinhas tipo garatujas infantis e que não reconheciam letras nem números E ali Lucimar ressaltava que com esses trabalhadores além de levarmos o conhecimento da língua escrita deveríamos situá los do seu papel na sociedade Homens trabalhadores da construção civil que não possuíam um RG com a sua assinatura que assinavam a lista de recebimento da cesta básica na empresa com o polegar Em contrapartida presenciamos alguns deles chegarem com o RG assinado após aprenderem a grafar o próprio nome e como isso era muito significativo para eles Um resgate para a vida sacar o seu próprio dinheiro sem ajuda ou pegar o ônibus pela leitura do nome do bairro da bandeira e não pelo número de ordem ou cor do ônibus Acompanhamos essas transformações e foi incrível No presencial ainda como estagiária tive mais uma turma para acompanhar em substituição a uma professora no bairro de Pau da Lima também em construção civil acompanhada desta vez por Luciana essa era uma coordenadora maternal que colocava todas as discentes no colo e planejava minuciosamente o plano A B ou C pensando até em estratégias caso faltasse algum material essa turma para mim foi mais tranquila pois a experiência das duas primeiras me ajudou bastante e seguir com o processo de alfabetização dos trabalhadores e também com os desafios de estudar e trabalhar Ao terminar essa turma recebi o convite de Sayonara que a essa altura substituía Cida Oliveira que já tinha se aposentado para atuar no Neti como estagiária de apoio a coordenação pedagógica Essa experiência possibilitou conhecer o fazer pedagógico de uma coordenação o planejamento seleção de docentes formação pedagógica visitas às salas de aula toda a rotina que às vezes como docente não percebemos como funcionava Este processo me ajudou na formação da coordenação que hoje pratico e acredito colaborativa e dinâmica Nesse novo desafio também pude perceber como cada sala em uma empresa possui suas especificidades e desafios que cada professor requer um acompanhamento alguns mais de perto outros mais livres O mesmo para algumas 112 empresas que exigiam um tom de coordenação com mais atenção Em reuniões com engenheiros vimos como era o comportamento de alguns ao se deparar com uma mulher Presenciei ainda a sala ser fechada após uma empresa exigir que um conteúdo planejado sobre direitos dos trabalhadores não deveria ser ministrado em uma turma Nesta experiência em uma empresa de construção civil na Pituba fui com a coordenadora informar que a turma não continuaria a funcionar e o engenheiro agradeceu pois disse que ao contratar o SESI pensava que ele faria a educação do patrão Passei um ano nessa atuação de estágio de apoio à coordenação até que recebi o convite para trabalhar como assistente pedagógica uma função efetiva que não existia Essa experiência também foi muito enriquecedora onde pude em alguns momentos apoiar mais pedagogicamente as docentes nas férias das coordenadoras realizar sensibilização que era uma palestra de motivação e apresentação do programa para os trabalhadores realizarem a adesão ao retorno aos estudos Mais um ano e meio nessa função e ao final da minha graduação após esse tempo fui promovida a coordenadora pedagógica do EFI Para isso reuni em mim minhas experiências acumuladas na vivência com cada uma delas para construir o meu tom de coordenação e me fiz coordenadora com as minhas primeiras docentes Nayara Carolina Daiana e Taise Essa lista foi crescendo e de repente me vi com 26 salas de aulas e 20 dias letivos para visitar as turmas e as exigências de padrões qualidade prazos relatórios metas a cumprir faturas a fazer reuniões a tocar e planejamento O PSET só crescia e desbravava cidades do interior com os desafios de estrutura localização de difícil acesso para algumas docentes em empresas de cerâmica Por exemplo localizadas em parafuso onde algumas delas precisavam acessar com o suporte de deslocamento da empresa e um refeitório com pouca estrutura e apenas uma lâmpada para iluminar o espaço para estudo Muitas empresas procuravam o SESI para levar o programa não interessadas de fato na educação do trabalhador pois muitas vezes não os liberavam no horário da aula mas pelo valor de ter o SESI no canteiro e o selo de empresa parceira do programa Era uma luta convencer esse engenheiro que de fato esses trabalhadores precisavam frequentar a sala de aula que era um ganho para a empresa ter esse trabalhador qualificado Em contrapartida tínhamos empresas que investiram e apoiaram esse estudante até mesmo premiando ou pagando hora extra para quem finalizasse com frequência de 100 mensal como era o caso da Odebrecht Chesf Petrobras Santa Helena e Embasa Fortalecia o 113 nosso discurso que o programa apresentava resultados quando a empresa de fato apoiava o seu trabalhador Em meados de 2008 vimos no SESI a oferta do ensino fundamental I cada vez mais escassa não pela elevação de escolaridade da população baiana adulta mas sim pela não contratação de pessoas que não eram alfabetizadas Isso impactou nas diretrizes do SESI que redimensionou o seu foco de atuação para o ensino fundamental II e ensino médio bem como a necessidade de novas ofertas surgindo a demanda de projeto de curso para a educação a distância Solange Novis gerente na época da EJA RMS o Neti havia se tornado Unidade e com isso o seu nome foi alterado para Unidade EJA Era o rascunho da oferta da EJA ead enquanto o RM tentava desbravar as vendas e relações para implantação de turmas de EFII e EM Nesse cenário também escrevemos um projeto que foi financiado pelo DN visando alinhar a alfabetização à inclusão digital e atuar na educação desse trabalhador não alfabetizado O projeto foi aprovado e começamos com o apoio do ITED instituto de tecnologia e inovação do Senai a desenhar o software de alfabetização interativa O Sinduscon chamou o SESI para apresentar o projeto às empresas e a Sertenge aceitou ter turma piloto da proposta Levantou funcionários dentro do perfil e contratou pessoas que também eram públicoalvo para essa proposta Percebemos com essa estrutura de alfabetizar a partir de um jogo que tinha como personagem um trabalhador da construção civil um engajamento do estudante o desenvolvimento das competências de leitura e escrita e a sua inclusão digital e social acontecendo simultaneamente O projeto piloto foi finalizado mas o seu funcionamento exigia uma estrutura e recurso que nem todas as empresas estavam dispostas a investir como sala de aula climatizada com boa acústica mobiliário para comportar os computadores teclados e fones de ouvidos ou o ônibus de inclusão digital do SESI além de provedor de internet com capacidade para rodar o jogo e o seu sistema de monitoramento Apenas a Odebrecht Consórcio Metrosal Sertenge MVL e MRV ainda investiram em turmas do projeto de alfabetização interativa Nesse caminho o projeto da EaD ainda continua no plano das ideias Quando em 2010 foi contratada uma coordenadora para implantar essas turmas foi com a chegada de Gisele que o projeto começou a se estruturar a partir do plano que Solange tinha rascunhado A EJA EaD SESI levou quase três anos para ser aprovada Em 2013 o polo que funcionaria no Retiro foi transferido para a LBV pois já se cogitava a reforma da escola No mesmo ano iniciava a oferta das turmas EaD em 114 Salvador e Vitória da Conquista com a autorização ainda para esses dois polos e somente para o ensino médio na oferta seriada tendo como base o SESI Educa um material desenvolvido pelo SESI RJ para a oferta da EaD em apostilas 115 Madalena Caramuru minha maturidade e sagacidade Estou fazendo um mestrado e como todo trabalho intelectual ele não é feito sozinho Estou invocando meus mais velhos e meus mais novos para minha caminhada para que me guiem me esclareçam e me ajudem a construir uma do discencia praxiológica engajada antirracista anticolonialista e que possa efetivamente chegar a quem de fato ela se destina nossasos estudantes da EJA Assim gostaria muito de convidála a dividir comigo os seus saberes e experiências para me ajudar a construir o entendimento de que EJA é esta que nós fazemos no SESI e qual o nosso propósito com ela Peço que construa uma narrativa autobiográfica contando sua trajetória no SESI sentimentos transformações pessoais e profissionais as mudanças institucionais como a passagem do presencial para a EaD mudanças curriculares de plataforma de estudos as mudanças etárias geracionais e de perfil dosas estudantes Estas são algumas ideias para ajudála na construção desta narrativa mas estou aberta e muito feliz para ler aquilo que desejar partilhar comigo Beijos 3 Para facilitar você pode utilizar o recurso de digitação por voz e ele é muito fácil de usar Clique em Ferramentas Digitação por voz ative o uso do microfone e então é só me contar a sua história Outra dica bem simples é usar o atalha do teclado CtrlshiftS Quando quiser desativálo basta clicar em cima do ícone do microfone que aparecerá do lado esquerdo da sua tela Entrei no Sesi em 1995 para ser professora na escola de Educação Especial que o SESI mantinha para os filhos dos trabalhadores Na época eu não tinha ideia do que era essa instituição então pensei vou ficar até me formar e depois eu saio O meu objetivo era trabalhar na coordenação pedagógica de alguma escola Após me formar em 1997 fiquei aguardando uma oportunidade e comecei a conhecer mais a fundo a abrangência do SESI para além da Escola Especializada Em 1998 no segundo semestre uma amiga que trabalhava como estagiária do SENAI soube de 116 uma seleção interna para a coordenação pedagógica na Educação de Jovens e Adultos no SESI Retiro Fiz a seleção e fui aprovada Cada Unidade do SESI era conhecida como CAT Centro de Atividades do Trabalhador e todas operavam a EJA nas empresas do seu entorno com gerenciamento de forma independente O Coordenador Pedagógico divulgavavendia o programa nas empresas e a atuação era muito pequena em relação a demanda da indústria Em janeiro de 1999 foi lançado um programa que tinha como objetivo erradicar o analfabetismo na Bahia e foi implantado o NETI Núcleo de Educação do Trabalhador da Indústria onde foi concentrada a EJA Bahia Na época foi realizado um grande diagnóstico e identificado seis mil trabalhadores analfabetos na indústria baiana Com o objetivo de diminuir esse número e embalados pelo programa de elevação de escolaridade do Departamento Nacional o Sesi Bahia assumiu o desafio de colocar seus esforços e recursos financeiros para apoiar a indústria baiana na erradicação do analfabetismo A diretriz implantada era o atendimento exclusivo voltado para o trabalhador da indústria e seus dependentes Nesse momento começa a minha história na EJA do SESI no decorrer dos anos ela se mistura comigo de uma forma muito profunda Toda a minha formação em EJA é oriunda do investimento que o SESI fez em mim Sou muito agradecida a instituição por ter me incentivado e ajudado a ampliar o meu conhecimento na área Meu investimento profissional sempre foi voltado para públicos específicos EJA e Educação Especial E isso me desafiou e me desafia muito Em 1999 fazer 10 mil matrículas na Bahia foi uma meta audaciosa O SESI Bahia desde 1996 operava EJA tinha pouca experiência e equipes que não eram exclusivas da modalidade No período de 1999 a 20042005 ampliamos nosso atendimento sobremaneira estávamos presentes em quase todos os canteiros de obra de Salvador e Região Metropolitana aqui faço um recorte de atendimento em Salvador e RMS O curso era presencial e o foco maior era no Ensino Fundamental I especialmente alfabetização e posteriormente o Ensino Fundamental II e Ensino Médio essa evolução acredito se deve ao investimento do SESI em FI e a evolução do mercado de trabalho que pediu trabalhadores mais escolarizados Nesse tempo quando a Educação de Jovens e Adultos era tratada como prioridade se falava que algumas unidades do SESI tinham sido fechadas para 117 investir no projeto da EJA Naquele momento a EJA gozava certos privilégios com muito recurso disponível mas uma característica muito forte do SESI é que apesar de todo recurso disponível sempre se trabalhou no limite Cada coordenador pedagógico acompanhava em torno de 15 a 20 turmas divididas em diversos pontos de Salvador e RMS Eu cheguei a acompanhar 25 turmas presenciais de FI tive experiência com F2 e EM mas meu foco era a alfabetização Eu não sei como eu dava conta mas pessoalmente e profissionalmente me realizava muito porque eu via o resultado Quando fazia as visitas técnicas ou realizava o planejamento com os estagiáriosprofessores e via o desenvolvimento dos trabalhadores a maioria adultos pais de famílias muitos com a idade avançada e que aprendiam a ler e a escrever isso me motivava a fazer mais e me dedicar para alcançar o melhor resultado Como profissional da educação e funcionária SESI entendia que estava realizando o objetivo que havia me proposto a fazer quando escolhi ser professoracoordenadora pedagógica da EJA Me destaquei como coordenadora que estudava a alfabetização de jovens e adultos e isso me trouxe benefícios reconhecimento de ser uma profissional de excelência e incentivo financeiro sim naquela época era mais fácil Se me perguntar se o NETISESI influenciou na redução do analfabetismo eu lhe digo que com certeza Não somente na questão de elevação da escolaridade mas no aumento da autoestima desses trabalhadores Temos poucos estudos realizados nessa época que analise o impacto desse trabalho mas perceptivamenteintuitivamente sabemos dos impactos alcançados na vida dos jovens e adultos trabalhadores A partir de 2005 percebemos que o mercado de trabalho anunciava mudanças em sua estrutura Já não tínhamos tantas turmas de Educação de Jovens e Adultos na construção civil e a crise de 2005 chegou muito forte O recurso aplicado no F1 foi remanejamento para o F2 e EM pouco tempo depois esse recurso foi reduzido e a empresa passou também a investir na educação do trabalhador Em 2010 empresas de grande porte como Ferbasa Embasa CHESF Dow Química Cibrafertil dentre outras investiam recursos para escolarizar os seus trabalhadores enquanto o SESI entrava com Coordenação Pedagógica e gestão do curso Mas por ser um curso caro para as empresas o atendimento era pequeno 118 Em 2008 a gerente de processo do NETI solicitou seu desligamento e a gerente da unidade me convidou para assumir o cargo Queria fazer um investimento em mim devido a minha capacidade técnica minha trajetória no SESI É muito difícil você liderar uma equipe da qual você era membro e seus liderados eram seus colegas Eu entendi que precisava desenvolver meu perfil para a liderança gostava demais do que eu fazia e me sentia realizada no trabalho pedagógico porque foi pra isso que me formei Aceitei o desafio depois de 15 dias pensando se era o melhor para mim ouvindo alguns colegas amigos e família Não foi um tempo fácil mas o aprendizado foi enorme Você tem que desenvolver habilidades diversas umas das mais importantes dosar as expectativas dos liderados antes colegas e as expectativas de seu chefe Sei que muitas atitudes que tomei não agradaram a muitos mas eram necessárias outras foram erradas mesmo por falta de experiência por não saber fazer por medo e outras deram certo e foram corretas Na liderança de uma equipe é preciso ter sabedoria para entender o contexto do grupo e da instituição desde um recuo estratégico até um avanço audacioso Esperar o tempo para acomodar as coisas também é sábio não ser passional nem frio buscar a medida das relações Tem frustrações que devem ser ressignificadas e sucessos que devem ser alardeados no tempo certo Nunca tive vaidades em aparecer entendo hoje que quando a minha equipe é elogiada significa que estou tendo sucesso no meu trabalho Descobri também que ser líder não é sair dando diretrizes para que as pessoas cumpram mas é construir com o grupo ouvir cada um mas quando necessário colocar os limites instigar os avanços provocar apoiar quando necessário mas dizer não quando for preciso Em 20092010 o núcleo entrou em declínio Na indústria não havia mais demanda as turmas que existiam enfrentavam problemas graves com a evasão Nesse período se falava em educação à distância Foi ficando cada vez mais difícil sustentar a EJA presencial e a gestora do NETI uma defensora da Educação de Jovens e Adultos via na EAD a estratégia para alcançarmos outras empresas e outros trabalhadores o curso presencial era um curso muito caro A ideia era diminuir esse custo com a EAD O SESI via como inovador a EAD para EJA e em 2010 o NETI contratou uma coordenadora pedagógica para a educação à distância No início não estava evidente o que queriam como fazer e o que fazer Foram realizados vários encontros com o SESI do Paraná que tinha experiência em educação à distância para EJA Após alguns encaminhamentos o SESi resolveu parar tudo e a coordenadora 119 contratada ficou momentaneamente sem atividade A gestora do NETI saiu do programa e entrou um novo gestor O SESI faz mudanças na equipe com a demissão de professores e coordenadores pedagógicos Em 2012 a pauta da EJA EAD volta à tona e a coordenadora pedagógica especialista em EAD é transferida para a Gerência de Educação GED A partir daí o movimento de implantação da EJA EAD inicia novamente e em novembro de 2013 Salvador e Sudoeste iniciam a operação desse novo negócio no SESI Bahia Escolhi na minha equipe a coordenadora pedagógica com melhor perfil para EAD e iniciamos a história da Educação de Jovens e Adultos a distância em Salvador Gosto de desafios apesar de às vezes ficar receosa quanto a eles mas deixar o Sudoeste implantar um produto novo antes de Salvador me desafiou sobremaneira O início da EJA a distância no SESI Salvador foi um período estranho porque funcionava num espaço diferente da Unidade o que me trouxe grandes preocupações não quanto ao funcionamento pedagógico mas de gestão Confesso que no início não acreditava na EAD conhecia pouco da modalidade queria entender como aquele público que eu conhecia tão bem se adaptaria a esse novo formato Nesse período o atendimento a EJA é aberto a comunidade e a exclusividade do atendimento a indústria se perde novos tempos mudanças adaptações tudo isso são habilidades que um líder vai desenvolvendo no decorrer do tempo Perdemos a autonomia do fazer pedagógico talvez essa seja uma das minhas maiores decepções no SESI Antigamente tínhamos uma assessoria que apoiava as unidades com a mudança do modelo de gestão no SESI ocorreu a centralização do negócio Foi um momento difícil entender essa mudança não ser protagonista do seu processo pedagógico é algo bastante complicado Sempre entendi que o SESI devia ter uma gestão centralizada na EJA onde sairiam as diretrizes encaminhamentos orientações mas não tão centralizada a ponto de inibir as ações das unidades Enfim essas foram as escolhas do SESI e como somos adaptáveis seguimos fazendo o melhor para nossos alunos e alunas da EJA que acreditam no nosso trabalho Aos poucos fui me afastando da parte pedagógica da EJA e sinto falta de estar mais próximo desse movimento As diversas mudanças ocorridas nos últimos anos nas plataformas virtuais do SESI fragilizam a EJA EAD na maioria das vezes por conta da falta de diretriz do 120 SESI Nacional que às vezes demonstra não saber aonde quer chegar enfim são coisas difíceis de entender De todas as mudanças que acompanhei nesses últimos anos a mais significativa foi a implantação do RS Reconhecimento de Saberes Para mim uma das metodologias mais interessantes que eu já vi Se você me perguntar se eu acredito na educação de Jovens e Adultos a distância eu digo que sim mas o SESI precisaria investir em mudanças estruturais significativas para que os resultados fossem melhores Hoje eu acompanho um pouco mais de perto a parte pedagógica e sei que os impactos de uma plataforma e de sistemas com muitas dificuldades e muitos estudantes com problemas de acesso impactam na qualidade do resultado A mudança no perfil dos estudantes que cursam a EJA EAD mudou bastante São pessoas mais jovens muitas fora do mercado de trabalho e que buscam estudar para conseguir uma oportunidade de trabalho totalmente diferente do que era anteriormente Entendo isso como um ponto bastante positivo e atende uma diretriz que se falava há muito tempo atrás Esse estudante da EJA que está conosco hoje pode ser um futuro trabalhador da indústria e entregamos ao mercado ele já escolarizado Com isso saem todos ganhando Enfim acho que é isso sempre digo que estou finalizando meu tempo no SESI são 25 anos de trabalho nessa instituição que me ensinou muito me fez profissional Críticas Muitas mas o sentimento de gratidão por tudo que construí ao longo desse tempo e a certeza que o SESI me deu régua e compasso me fazem ter a sensação de que sou feliz realizando o meu trabalho