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O Sistema Único de Saúde e suas Diretrizes Constitucionais 1. DIREITOS FUNDAMENTAIS\n\n1.1. CONCEITO\n\nO presente trabalho desenvolve-se a partir da contextualização do direito à saúde como direito fundamental social.\n\nSendo assim, torna-se imprescindível, em tal passo, tratar tanto do conceito, o que revela ser tarefa árdua e controvertida, quanto do desenvolvimento histórico dos direitos fundamentais. 1\n\nImportante notar o emprego da grafia conceito, que não se confunde com os vocábulos definição ou noção. Em tal sentido, convém explicar a posição de Eros Roberto Grau. O autor, disciplinando sobre a linguagem jurídica, cujas marcas seriam a ambiguidade e imprevisão, relata que esta possui uma textura aberta, até mesmo em razão das leis, que devem ser abstratas e gerais, podendo as palavras adquirir significados múltiplos. Mas, apesar de ambiguidades e imprecisões, as palavras e expressões jurídicas devem transmitir significações determináveis. O conceito, então, produto de reflexão (uma suma de ideias), contém a representação de uma ideia universal, sendo \"a finalidade dos conceitos jurídicos não é formalizei fornecer uma descrição da essência de coisas, estados e situações, mas a viabilização da aplicação, a uma coisa, estado ou situação, de uma determinada ou determinação do conjunto de normas jurídicas\". O conceito é expresso por meio dos seus termos e tem como objeto significações atribuíveis a coisas, estados ou situações, de tal forma que o que se costuma denominar de conceitos indeterminados, na verdade, aponta para uma indeterminação dos termos de conceitos e não do próprio conceito (ideias universais). A definição jurídica, por sua vez, \"é a explicação do termo conceito e não deve ser confundida com o conceito jurídico. Este é o signo de uma significação, expresso pela mediação do termo. A definição jurídica referida ao termo, e não diretamente ao conceito; constatação-se, -repita-se- uma explicação do termo do conceito\". E, finalmente, no tocante a questão da indeterminação dos conceitos, \"resolve-se na historicidade das noções -aí, onde a doutrina brasileira erroneamente pensa que há conceito indeterminado, há, na verdade, noção. E a noção jurídica deve ser definida como ideia que se desenvolve, assim mesmo para contradições e superações sucessivas e que é, pois, homogênea. É possível afirmar que direitos fundamentais são aqueles previstos em uma determinada ordem constitucional, com o objetivo de proteger a dignidade da vida humana em todas as suas dimensões.\n\nNo Brasil, os direitos fundamentais encontram-se discriminados pela Constituição Federal de 1988, observando-se que tal enumeração não é exaustiva, uma vez que outros podem logicamente decorrer do sistema jurídico constitucional, bem como de tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, conforme prescreve o artigo 5º, § 2º, da CF. Assim esclarecem Vi-dal Serrano Nunes Júnior e Sueli Gandolfi Dalliari, lembrando que \"o constituinte, deixando o tema extreme de dúvidas, optou por identificar um conjunto de direitos ao qual atribuiu formalmente a fundamentalidade, indicando que tais direitos foram incorporados pela Constituição com tal caráter, sob a rubrica do Título II, da Lei Maior. Todavia, no próprio título citado, exatamente no parágrafo 2º, do art. 5º, foi adotada uma espécie de cláusula de abertura material, segundo o qual os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.\" 2\n\nNesse sentido, questão também de absoluto relevo atina para com o status normativo dos tratados internacionais que consagram direitos fundamentais subscritos pelo Brasil.\n\nAlguns autores, como Flávia Piovesan, defendem a tese de que os tratados internacionais que veiculam direitos fundamentais deva ser atribuída a natureza de norma constitucional, não conferindo o tratamento a ser verificado aos demais tratados internacionais, que são acolhidos com a mesma hierarquia das leis federais:\nao desenvolvimento das coisas (Sartre): Os conceitos são, assim, atemporais e ahistóricos, enquanto noções são homogêneas ao desenvolvimento das coisas, são históricas e temporais. (Ensaio e discurso sobre a interpretação/ Aplicação do Direito. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 221-244).\n\nDireito Sanitário. São Paulo: Editora Verbatim, 2010, p. 35. Acredita-se, ao revés, que conferir hierarquia constitucional aos tratados de direitos humanos, com a observância do princípio da prevalência da norma mais favorável, é interpretação que se situa em absoluta consonância com a ordem constitucional de 1988, bem como sua racionalidade e principiologia. Trata-se de interpretação que está em harmonia com os valores prestigiados pelo sistema jurídico de 1988, em especial com o valor da dignidade humana - que é valor fundante do sistema constitucional.\n\nO STF, no entanto, expressava entendimento contrário, no sentido de garantir a supremacia da ordem constitucional brasileira sobre os tratados internacionais.\n\nIntroduzido o § 3º ao artigo 5º da Constituição Federal, por meio da Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, exige-se, agora, quórum específico para que os tratados de direitos fundamentais sejam equiparados às emendas constitucionais, o que corrobora a natureza de norma constitucional de tais tratados internacionais, entendimento que já vem sendo partilhado pelo STF.\n\nDe qualquer forma, os direitos fundamentais prescritos pelo sistema constitucional revelam os valores encampados por um Estado. os quais são imprescindíveis, ademais, à capitulação de um Estado Democrático e Social.\n\nSegundo Konrad Hesse, na busca dos \"pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana\", constata-se no decorrer do tempo uma constante evolução dos direitos fundamentais, com alterações que acabam sendo sedimentadas na própria conceituação, razão pela qual será dado um enfoque histórico no desenvolvimento do tema, com a abordagem das sucessivas dimensões explicitadas em processo cumulativo e interativo.\n\n1.2. EVOLUÇÃO\n\nO tema relativo aos direitos fundamentais deve ser desenvolvido comparativamente à evolução da interpretação, sem deixar de considerar o movimento denominado constitucionalismo, que acompanha tal desdobramento histórico. Esse prisma é de fundamental importância, além de resguardar maior caráter didático. Em tal diapasão, vale citar entendimento de Paulo Gustavo Gonet Branco: \"A interpretação constitucional não se faz adequadamente sem o arrimo oferecido pela teoria dos direitos fundamentais\".\n\nCostuma a doutrina assinalar como ponto inicial dos direitos humanos o advento do cristianismo (Santo Tomás de Aquino), diretamente ligado à concepção do jusnaturalismo, com a ideia central de que o homem possuía direitos básicos e naturais que deveriam ser respeitados, inclusive com limitação ao poder absolutista e monárquico. Tais direitos, contudo, eram dispersos e chegaram a integrar alguns documentos historicamente importantes, tais como a Magna Carta do Rei João Sem Terra (1215), a Petition of Rights (1628) e o Habeas Corpus Act (1679), os quais visavam assegurar direitos a alguns cidadãos, embora estivessem despidos de um caráter universal propriamente dito, uma vez que não visavam resguardar o ser humano enquanto gênero, mas só grupos determinados.\n\nCom efeito, a Magna Carta, de 1215, revelava ser um documento propriamente feudal, que, apesar de contribuir de alguma forma para o desenvolvimento das liberdades civis e políticas, resguardava privilégios característicos do clero e da nobreza, revelando a sua estrutura estamental.\n\nHá que se verificar que tal documento serve como referência à teoria da constituição, mas ainda não revela o início do constitucionalismo.\n\nO fato é que naquela época não havia qualquer preocupação crítica em relação à cidadania ou ao tratamento isonômico entre os cidadãos. Aos nobres eram assegurados vários direitos, enquanto aos plebeus eram ditados muitos deveres, os quais constituíam a única fonte dos impostos.\n\nTais características da sociedade feudal, pontuadas pelo excesso de gastos perpetrados pela nobreza, intensificação do comércio, e queda do trabalho escravo, geraram grande crise econômica, levando à queda do sistema e o consequente surgimento do capitalismo, em cujo âmago nascia uma nova classe social: o operariado, que frutificava a transferência das bases econômicas da sociedade dos espaços rurais para o ambiente citadino, em que floresciam as novas indústrias. 16\n\nMÔNICA DE ALMEIDA MAGALHÃES SERRANO\n\nO advento do liberalismo, inclusive por meio dos vários movi-mentos políticos e filosóficos que o pronunciaram, como o Ilumi-nismo, implicava o esmorecimento das monarquias absolutistas, caracterizadas por uma total preeminência do Estado em relação ao cidadão.\n\nFazendo uma espécie de contraponto, tais movimentos se dest-a-cavam por pregar a liberdade individual em oposição aos excessos e abusos do poder, invocando a intransponível necessidade de não-in-tervenção estatal (ausentísmo) nesta matéria.\n\nNo mesmo período em que ocorria a transição das monarquias absolutistas para os Estados Liberais de Direito, no decorrer do sé-culo XVIII, os Estados passaram a adotar constituições escritas, ori-entadas por dois objetivos essenciais: 1) estruturar a divisão orgânica e territorial do poder; 2) veicular enunciados assecuratórios das liber-dades individuais. Tais disposições tinham como finalidade primei-ra a limitação do poder estatal, quer pelo reconhecimento de direitos individuais opõeveis em face do próprio Estado, quer por meio da ideia de separação de poderes, as quais, com antecedentes em Aris-tóteles e em Locke, se consagraram na formulação de Montesquieu, segundo a qual importava, essencialmente, em “distinquir três fun-ções estatais - legislação, administração e jurisdição - e atribuí-las a três órgãos ou grupos de órgãos, reciprocamente autônomos, que as exercitassem com exclusividade ou, ao menos, preponderantemente”.\n\nVerifica-se, assim, a positivação dos direitos e garantias fun-damentais, que veio a ser inaugurada efetivamente em 1776, por inter-médio do denominado Bill of Rights de Virginia.\n\nÉ o início do movimento que se convencionou denominar de constitucionalismo, que costuma evocar, ao menos, dois marcos histó-ricos importantes: a Constituição dos EUA, de 1787 e a Constituição. O Sistema Único de Saúde e suas Diretrizes Constitucionais\n\n17\nda França, de 1791, contendo esta, em seu preâmbulo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão.\n\nNeste momento histórico, de surgimento do liberalismo, a preo\ncupação que se acentuava era a de limitação do poder estatal, ligado à Constituição como noção de documento estruturante do Estado, voltado a duas finalidades básicas: demarcar a separação orgânica dos poderes e assegurar liberdades, por meio da constitucionaliza-ção formal dos direitos e garantias individuais, denominados de di-reitos fundamentais de primeira geração, conforme preleção de Paulo Gustavo Gonet Branco:\n\nO conceito de direito fundamental, conforme lembra Jorge Miran-da, é indissociável ao conceito de Constituição, sendo ambos indissoci-veis do liberalismo político – daí o primado dos valores da liberdade, da segurança e da propriedade, e sempre a preocupação com a resistência ao arbítrio do governante. O cunho dos direitos derivados desses bens jurídicos é eminentemente individualista. Pretende-se, sobretudo, fixar uma esfera de autonomia pessoal inden contra as expansões do Poder. Não surpreende, assim, que se voltem contra ações do Estado. Trata-se de direitos que postulam abstenção dos governantes, criam obrigações de não-fazer, de não intervir sobre aquelas esferas íntimas de cada indivíduo, indispensáveis ao seu digno desenvolvimento. Esses foram os primeiros direitos a serem positivados. Em razão disso, recebem o nome de direitos de primeira geração.13\n\nNessa era da positivação dos direitos, que passam a ser exerci-dos inclusive perante o Estado, impera o formalismo jurídico. Pre-para-se simplesmente o cumprimento regular das leis. A Constituição revelava a estrutura do Estado e os poderes constituídos, legitiman-do a ordem estabelecida, independentemente de sua natureza, o que, contraditoriamente, dava lugar ao surgimento de Estados formal-mente submetidos a uma Constituição, mas dotados de uma essên-cia autoritária, tal como pondera Luis Roberto Barroso:\n\n10 Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais, p. 107. 18\n\nMÔNICA DE ALMEIDA MAGALHÃES SERRANO\n\nO fetiche da lei e o legalismo acrítico, subprodutos do positivismo jurídico, serviram de disfarce para autoritarismos de matizes variados. A ideia de que o debate acerca da justiça se encerrava quando da posi-tivação da norma tinha um caráter legitimador da ordem estabelecida. Qualquer ordem.\n\nA abstensão do Estado, ao lado da apregoada liberdade individ-ual e econômica, outrossim, provoca o surgimento de uma sociedade desigual e injusta.\n\nO liberalismo, de um lado, ostentava a bandeira do fim de pri-vilégios nobiliárquicos e de uma suposta igualdade formal entre os homens; de outro lado, produz, em termos fáticos, grandes distor-ções sociais, constatando-se, com base em Bismarck, que a liberdade formal se transmudava “numa real liberdade de oprimir os fracos, restando a estes, afinal de contas, tão somente, a liberdade de morrer de fome”.12\n\nDe fato, com o advento do capitalismo, as relações sociais tor-nam-se mais complexas. Ocorre, na verdade, a transformação dos servos em trabalhadores livres e assalariados, os quais, no entanto, despidos de propriedades e de instrumentos para consumir e ope-racionalizar o livre comércio, passam a enfrentar o desemprego e a exclusão social. Conforme Luiz Koshiba, \"a economia de mercado capitalista é inteiramente estruturada para garantir o lucro, e não a satisfação das necessidades humanas\".13\n\nA Constituição, no Estado Liberal, garante direitos de liberdade e propriedade, tendo por base uma economia de livre mercado. Cons-tata-se, no entanto, que se trata de uma igualdade somente perante a lei, meramente formal. A interpretação constitucional, em tal contexto, considerando um ambiente de culto ao legalismo, era igualmente formal, com aplicação técnica e jurídica, sem qualquer conteúdo político ou social. Exigia-se do intérprete uma atuação racional e neutra, a qual, na prática, se tornava inviável.\n\nAfirma José Afonso da Silva:\n\nA lei aparece nesse contexto com a expressão deificada e acabada do legalismo do Estado liberal que brota da Revolução Francesa. A lei, expressão da vontade geral, é concedida como perfeita, intocável, e irrepreensível, que não pode ser abolida senão por outra lei. Ela pretende definir, por si mesma, lembra Jean-Luc Chabot, os critérios da moralidade como a legitimidade das vontades particulares: 'tudo que é definido pela lei não pode ser impedido, e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordena', declara o art. 5 da Declaração de Direitos de 1789; 'a lei não reconhece mais nem votos religiosos, nem qualquer outro engajamento que seja contrário aos direitos naturais ou à constituição', proclama o preâmbulo da Constituição francesa de 1791. A lei, não a palavra liberdade, é que se destaca nos Comentários da Declaração de Direitos de 1789. Ela é de fato, continua o citado autor, a liberdade para os revolucionários franceses. Ela, segundo concepção do direito natural, imutável e universal, de onde decorre que a lei, que realiza o princípio da legalidade, que da essência do seu conceito, é concebida como norma jurídica geral e abstracta. A generalidade da lei constitui o fulcro do Estado de Direito. Nele se assentaria o justo conforme a razão. Dela, é só dela, defluiria a igualdade. Sendo regra geral, a lei é regra para todos.