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Projetar sobre projetos currículo e ensino de História Design on projects curriculum and History teaching Antonio Simplicio de Almeida Neto RESUMO Contra as evidências que entendem a educação escolar como um produto e os professores como figuras acessórias para a reprodução de propostas curriculares alienígenas esse artigo propõe discutir possibilidades de projetos curriculares para o ensino de História na educação básica tomando por referência documentos produzidos por graduandos de Licenciatura em História ao pesquisar elementos da cultura escolar a saber os diferentes sujeitos escolares os discursos as práticas e os rituais a cultura material e a arquitetura escolar VIÑAOFRAGO 2007 Retomamos o entendimento de Marc Bloch 2001 para quem o ofício do historiador e do professor de História por conseguinte implica em posicionamento criativo uma vez que pressupõe movimento transformação e renovação Tal postura se coaduna com o debate em torno da cultura escolar que toma a instituição escolar como produtora de cultura e não mera reprodutora de culturas que lhe são exteriores Consideramos estar em jogo a relação entre projeto e destino ARGAN 2004 seguir o desígnio dito e decidido por outrem e efetuar o produto educacional consumando a tão criticada fragmentação entre os criadores e executores ou projetar tomando para si o desígnio o desenho da aula de História Palavraschave Ensino de História Currículo Cultura escolar Projetos ABSTRACT Against the evidences that understand the school education as a product and teachers as accessory figures for the reproduction of alien curricular proposals this paper proposes to discuss possibilities of curricular projects DOI httpdxdoiorg1015900104406064392 ARTIGO Universidade Federal de São Paulo Departamento de História Guarulhos São Paulo Brasil Email asanetounifespbr httpsorcidorg0000000200665067 Educar em Revista Curitiba v 36 e64392 2020 1 for the teaching of history in basic education taking as reference documents produced by undergraduate sitinhistory students when researching elements of school culture namely the different school subjects the discourses practices and rituals material culture and school architecture VIÑAOFRAGO 2007 We return to the understanding of Marc Bloch 2001 for whom the office of the historian and the teacher of History therefore implies creative positioning since it presupposes movement transformation and renewal Such a position is in line with the debate around the school culture that takes the school institution as producer of culture and not mere reproducer of cultures that are external to it We consider the relation between project and destiny ARGAN 2004 to be at stake to follow the established planned and decided by others and to accomplish the educational product consummating the much criticized fragmentation between creators and executors or to project taking the plan for themselves the design of history class Keywords History Teaching Curriculum School Culture Projects Teu fogo prometeico se resume à cabeça de um fósforo Haroldo de Campos Finismundo Em tempos de propostas curriculares unificadas base curricular sistemas apostilados sistemas de avaliação gratificação por produtividade ranking de escolas produtos educacionais e toda sorte de procedimentos que apontam para a padronização do ensino parece despropositado propor atos criativos poeisis no ensino de História O cerco vai se fechando com formas as mais sofisticadas e intrincadas de controle de todas as etapas do processo educativo passando pelas definições de conteúdos e das atividades pedagógicas pela elaboração produção e distribuição de materiais didáticos pelos processos avaliativos de professores e de alunos e sua premiação eou certificação pelos modelos de gestão e de gerenciamento Tidas como inevitáveis tais concepções e seus pressupostos querem se tornar hegemônicos de modo que as vozes contrárias a esse modelo e seus procedimentos soam anacrônicas Vozes inauditas para ouvidos moucos Seleção de conteúdos feita por professores criação de materiais didáticos elaboração de projetos pedagógicos observação da realidade escolar avaliação qualitativa relação teoriaprática são discursos cada vez menos escutados e lidos soando como simulacros Parece ter se tornado líquido e certo que a educação é um produto como outro qualquer e que sujeitos exteriores à escola é que devem determinar o que vai dentro da sala de aula NETO A S de A Projetar sobre projetos currículo e ensino de História Educar em Revista Curitiba v 36 e64392 2020 2 No ensino de História a percepção não é diferente haja vista a intensa polêmica observada na imprensa e nos meios acadêmicos desencadeada pelos debates sobre as diferentes versões da Base Comum Curricular Nacional BNCC que orbitou quase que exclusivamente em torno de quais conteúdos América ou Europa índios ou gregos negros ou egípcios história cultural ou história social seriam os mais adequados a figurar entre aqueles que as crianças e jovens deveriam aprender em todo o país Curiosamente não foi observada grande celeuma sobre os princípios e pressupostos que fundamentam a existência de um currículo único para o país sugerindo haver certa conformidade sobre tal ideia O que está em jogo ao que se observa é a relação entre projeto e destino ARGAN 2004 Parece ter havido um súbito consenso de que o professor é mesmo incapaz de pensar e criar sua aula de selecionar os conteúdos para suas turmas e séries de organizar seu tempo de aula de propor e executar projetos em acordo com as diferentes realidades sócio históricas do país de inventar materiais didáticos ou dispor como melhor lhe aprouver dos já existentes de optar pelas metodologias mais adequadas de inovar com novas abordagens de fazer escolhas frente ao imponderável e às precariedades do cotidiano escolar Dispensa dizer mas nunca é demais que as condições adversas da realidade profissional dos baixos salários às salas de aula superlotadas confluem para um deserto de desejos e de criação De todo modo caberia ao professor nesse concerto tácito seguir o desígnio dito e decidido por outrem e efetuar o produto educacional consumando a tão criticada fragmentação entre os que criam e os que executam Nesse artigo busco olhar entre os escombros da evidência e do consenso projetar sobre projetos e suas implicações para o ensino de História tomando o conceito de cultura escolar como mote da construção do saber histórico escolar e da formação de professores dessa disciplina Com esse intento procedemos a discussão do conceito de cultura escolar e seus elementos assim como suas possibilidades para a investigação historiográ fica e pedagógica Para essa análise lançamos mão de um corpus documental constituído fundamentalmente por relatórios e projetos de interação elaborados por graduandos de História nos anos de 2012 e 2014 junto a escolas da rede pública de ensino aspectos que apresentaremos mais adiante tomados como exercício da investigação densa da realidade escolar e de elaboração de pro postas de ensino aspectos centrais quando se deseja tomar para si o desígnio o desenho da aula de História NETO A S de A Projetar sobre projetos currículo e ensino de História Educar em Revista Curitiba v 36 e64392 2020 3 Cultura escolar currículo e projeto No clássico livro Apologia da História ou O Ofício do Historiador lemos que para Marc Bloch 2001 p 47 a História é um esforço para o conhecer melhor por conseguinte uma coisa em movimento e ainda que o conheci mento do passado é uma coisa em progresso que incessantemente se transforma e aperfeiçoa BLOCH 2001 p 75 Tomando essa assertiva como referência temos que o saber histórico implica num posicionamento criativo daquele que busca esse conhecimento uma vez que pressupõe movimento transformação e renovação A não ser que tomemos como premissa a ideia de que o professor de História da Educação Básica proceda a uma mera transposição didática do saber sábio acadêmico CHEVALLARD 2005 e esteja numa posição inferior na hierarquia de conhecimentos também desse profissional deveríamos esperar uma postura criadora e criativa seja porque possui uma formação acadêmica que o tornaria capaz de dialogar com conhecimento histórico acadêmico mas também fundamentalmente porque a instituição escolar onde atua produz um saber que lhe é próprio não estando reduzida à condição de reprodutora de uma cultura exterior Contrário portanto às vozes que esperam um professor de História resignado cumpridor de seu destino consideramos particularmente instigante recuperarmos a proposição de Argan 2004 que ao discutir arte e arquitetura num longínquo 1964 apontava para a importância de se projetar contra Não se projeta nunca para mas sempre contra alguém ou alguma coisa contra a especulação imobiliária e as leis ou as autoridades que a prote gem contra a exploração do homem pelo homem contra a mecanização da existência contra a inércia do hábito e do costume contra os tabus e a superstição contra a agressão dos violentos contra a adversidade das forças naturais sobretudo projetase contra a resignação ao imprevisível ao acaso à desordem aos golpes cegos dos acontecimentos ao destino Projetase contra a pressão de um passado imodificável para que sua força seja impulso e não peso senso de responsabilidade e não comple xo de culpa Projetase contra algo que é para que mude não se pode projetar para algo que não é não se projeta para aquilo que será depois da revolução mas para a revolução portanto contra todo tipo e modo de conservadorismo ARGAN 2004 p 53 NETO A S de A Projetar sobre projetos currículo e ensino de História Educar em Revista Curitiba v 36 e64392 2020 4 Seguindo essa asserção teríamos um professor de História contra a re signação ao acaso e ao conservadorismo contra a inércia e os tabus Tal postura implica agência disposição para ir ao encontro do destino e projetar contra Contra a tradição formativa instaurada com a LDB nº 569271 afirmando a distinção entre bacharelado e licenciatura produzindo dentro dos processos formativos do ofício do historiador uma alienação os professores passam a ser transmissores do conhecimento alienados dos processos de sua produção e circulação TOLEDO COSTA 2014 p 15 contra a formação precária e as precariedades da realidade em que atuam contra a padronização e o con trole das práticas que se travestem de novas tendências da educação contra os simulacros da retórica pedagógica contra o desencanto gerado pela lógica do consumo aplicada à educação contra o imobilismo e o conformismo que se desdobram em práticas inócuas e estéreis No entendimento aqui adotado a reflexão sobre cultura escolar apresenta se como possibilidade especialmente fecunda para a construção de projetos que ensejem novas práticas no ensino de História Surgido no final da década de 1980 no âmbito das discussões sobre história das disciplinas escolares CHERVEL 1990 e currículo FORQUIN 1992 o conceito de cultura escolar foi amplamente utilizado em diversas áreas das pesquisas educacionais tais como Sociologia Psicologia Filosofia Didática e notadamente em História da Educação FARIA FILHO et al 2004 p 142 em trabalhos sobre o cotidiano escolar materialidade escolar organização do tempo e do espaço escolares arquitetura escolar saberes e práticas escolares métodos e apropriações diferentes sujeitos escolares etc Aos professores de História tanto em seu processo de formação como apontado por Toledo e Costa1 2014 p 19 como em seu exercício profissional a adoção dessa perspectiva possibilitaria refletir historicamente sobre a própria cultura escolar em que estão inseridos observando as práticas os saberes as representações os materiais didáticos os códigos e sujeitos colocandose portanto em perspectiva história A definição mais frequentemente utilizada de cultura escolar é a proposta por Dominique Julia da qual destacamos o excerto um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e con dutas a inculcar e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos normas 1 No referido texto Toledo e Costa 2014 discutem a proposta curricular do curso de História da Universidade Federal de São Paulo UNIFESP NETO A S de A Projetar sobre projetos currículo e ensino de História Educar em Revista Curitiba v 36 e64392 2020 5 e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas finalidades religiosas sociopolíticas ou simplesmente de socialização Normas e práticas não podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes que são chamados a obedecer a essas ordens e portanto a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua aplicação a saber os professores primários e os demais professores Mas para além dos limites da escola podese buscar identificar em um sentido mais amplo modos de pensar e de agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades modos que não concebem a aquisição de conhecimentos e de habilidades senão por intermédio de processos formais de escolarização JULIA 2001 p 10 Para Julia 2001 no próprio processo de escolarização de determinadas práticas conhecimentos e normas historicamente variáveis se constituem e são internalizados conformando certa cultura escolar observável nos modos de pensar e agir tão característicos desse meio e que acabam por ultrapassar os muros da escola se irradiando pela sociedade Esse autor explora muito apropriadamente o uso desse conceito para os estudos de História da Educação em perspectiva sociocultural frente aos estudos que muito frequentemente desprezaram as resistências as tensões e os apoios a modelos escolares suge rindo voltar ao funcionamento interno dela da escola JULIA 2001 p 12 apontando instigantes possibilidades de pesquisa nesse campo tais como a normas e finalidades que regem a escola b papel da profissionalização docente c conteúdos e práticas escolares JULIA 2001 p 19 d inculcação do habitus cristão cívico e transferências culturais e f marcas deixadas pela escola nos indivíduos JULIA 2001 p 3637 Contudo para as pretensões desse artigo entendo que a proposição de Antonio ViñaoFrago 2007 seja mais adequada pela abrangência que com preende Conjunto de teorias ideias princípios normas modelos rituais inércias hábitos e práticas formas de fazer e pensar mentalidades e comportamen tos sedimentadas ao longo do tempo em forma de tradições regularidades e regras de jogo não interditas e compartilhadas por seus atores no seio das instituições educativas Tradições regularidades e regras do jogo que se transmitem de geração em geração e que proporcionam estratégias A cultura escolar seria em síntese algo que permanece e dura algo que as sucessivas reformas só arranham ao de leve que a elas sobrevive e que constitui um sedimento formado ao longo do tempo Um sedimento NETO A S de A Projetar sobre projetos currículo e ensino de História Educar em Revista Curitiba v 36 e64392 2020 6 configurado isso sim por capas mais mescladas do que sobrepostas que em jeito arqueológico é possível desenterrar e separar VIÑAOFRAGO 2007 p 87 Esse autor aponta as regularidades que se sedimentam como tradições que tendem a se perpetuar inercialmente transmitidas através das gerações dos atores escolares constituindo assim uma cultura na forma de rituais comportamentos modos de pensar e agir normas e costumes tão característicos das instituições escolares Também identifica os elementos da referida cultura e os diferentes aspectos implicados que interferem em sua conformação e dinâmica característica a atores professores alunos pais administração e serviços e sua formação idade representações composição social carreira acadêmica etc b discursos linguagens conceitos e modos de comunicação utilizados no meio escolar c aspectos organizativos institucionais práticas e rituais formas de classificação e avaliação de alunos organização curricular hierarquias organização e usos do tempo e do espaço etc e d cultura material da escola seu entorno físico material e objetos espaços edificados e não edificados mobiliário material didático VIÑAOFRAGO 2007 p 8889 Do cruzamento dessas variáveis e de sua dinâmica de mudanças resulta que seria mais apropriado falar em culturas escolares no plural uma vez que cada estabelecimento docente tem de forma mais ou menos acentuada a sua própria cultura as suas características peculiares embora entre eles se possam estabelecer semelhanças traços culturais estáveis e persistentes VIÑAOFRAGO 2007 p 95 Para esse historiador afinando ainda mais nossa percepção sobre o universo escolar Há pois culturas específicas de cada centro docente de cada nível educativo e de cada um dos grupos de actores que intervêm na vida quotidiana das instituições de ensino assim como subculturas específicas Mas essas instituições não operam no vazio Actuam dentro de um enquadramento legal e de uma política determinada que tem sua própria cultura VIÑAOFRAGO 2007 p 97 Desse modo ampliamse substancialmente as possibilidades de pesquisa observação compreensão e análise da realidade escolar ao professor de História ou ao futuro professor em processo de formação pelo estranhamento frente aos diferentes sujeitos escolares investigando sua diversidade de características NETO A S de A Projetar sobre projetos currículo e ensino de História Educar em Revista Curitiba v 36 e64392 2020 7 tais como faixa etária condição socioeconômica e étnicoracial gênero e nível de estudo que interferem diretamente nas representações sobre o próprio ato educativo o papel da escola e a importância atribuída à disciplina História e ao conhecimento histórico configurando consequentemente a cultura escolar Também são aspectos constituintes e constituidores desse processo os jargões característicos da escola e das diferentes disciplinas escolares os sinais e os cartazes os gestos as formas de oralização e os códigos implícitos e explícitos presentes nas relações entre os diferentes sujeitos Ainda se observam a or ganização e os usos do espaço e do tempo as diversas práticas das diferentes disciplinas e a hierarquia entre elas os vários rituais cotidianos e as celebrações as regras disciplinares e a organização didática da aula Finalmente cumpre atentar para os aspectos físicos da escola com seu mobiliário e os materiais didáticos a estrutura arquitetônica das salas corredores pátios biblioteca áreas de circulação jardins seus usos ocupações e modificações interpostas Projetar no ensino de História na acepção aqui proposta supõe por im prescindível que se compreenda a cultura escolar e seus elementos sob a pena de transformar essa disciplina em algo anódino em que conteúdos e abordagens são padronizados por supor haver homogeneidade entre as escolas e os diferen tes sujeitos que nela atuam como querem fazer crer aqueles que propugnam haver aprendizagens essenciais2 que todos os alunos devem desenvolver3 escamoteando o fato de que o currículo implica seleção que selecionar é uma operação de poder SILVA 1999 p 16 e que tal operação está implicada nas relações sociais SILVA 1996 p 164 que são desiguais e definem qual conhecimento é legítimo e qual é ilegítimo quais vozes são autorizadas e quais não o são quais grupos sociais podem representar a si e aos outros e quais grupos sociais podem apenas ser representados ou até mesmo serem excluídos de qualquer representação SILVA 1996 p 166 É interessante notar que na referida obra de ViñaoFrago 2007 em que analisa as reformas educativas4 efetuadas no século XIX e XX notadamente na Espanha observa que nem sempre logram êxito pelo contrário 2 Grifo do original 3 Disponível em httpbasenacionalcomummecgovbrabaseintroducao Acesso em 13 jan 2019 4 Por reforma educativa ViñaoFrago 2007 entende alteração das políticas educacionais nacionais que pode afetar o governo e a administração do sistema educativo e escolar a sua estrutura e financiamento o currículo conteúdos metodologia avaliação o professorado formação selecção ou avaliação e a avaliação do sistema educativo p 108 NETO A S de A Projetar sobre projetos currículo e ensino de História Educar em Revista Curitiba v 36 e64392 2020 8 As reformas fracassam não já porque como é sabido pelo facto de todas elas produzirem efeitos imprevistos indesejados e inclusivamente opostos aos procurados não já porque originam movimentos de resistência não encontrem os apoios necessários ou não acertem na implicação do professorado na sua realização não já porque ao serem aplicadas se convertem num ritualismo formal ou burocrático mas antes porque em virtude da sua própria natureza a histórica ignoram a existência desse conjunto de tradições e regularidades institucionais sedimentadas ao longo do tempo de regras do jogo e pressupostos repartidos não interditados que são os que permitem aos professores organizar a atividade acadêmica conduzir as aulas e dada a sucessão de reformas ininterruptas que se concretizam a partir do poder político e administrativo adaptálas por intermédio de sua transformação às exigências que se derivam de tal cultura ou gramática VIÑAOFRAGO 2007 p 101 Tais fracassos decorreriam portanto da ação deliberada ou desavisada dos reformadores de ignorar as culturas escolares e seus diferentes elementos sujeitos diversos organização rituais hierarquias regras organização do espaço discursos próprios representações práticas Relatos sobre a cultura escolar Instados a observar a cultura escolar discutindo os elementos acima citados com o propósito de identificar e analisar aspectos específicos e significativos da referida cultura em unidades escolares estagiadas5 durante curso de Licenciatura em História6 como o intuito de produzir relatórios e projetos de interação7 5 As escolas estagiadas aqui referidas pertencem à rede pública estadual de São Paulo todas localizadas na cidade de Guarulhos Grande São Paulo sendo 11 Unidades Escolares estagiadas em 2012 e 19 estagiadas em 2014 6 O estágio é atividade prevista no curso de Licenciatura em História da Universidade Federal de São Paulo conforme legislação em vigor dentro das Unidades Curriculares disciplinas Ensino de História Estágio e Pesquisa 1º semestre Ensino de História Estágio e Metodologias 2º semestre e Ensino de História Estágio e Práticas 3º semestre 7 Os Relatórios de Estágio e Projetos de Interação aqui utilizados como fonte documental são o resultado final de longo processo de observação produção de relatos parciais e debates ocorridos durante três semestres de duas turmas de graduandos vespertino e noturno por mim acompanhadas concluintes nos anos de 2012 84 alunos e 2014 68 alunos Para esse artigo foram consultados 67 documentos entre Relatórios Projetos e eventuais anexos produzidos em grupo por essas duas turmas nos anos mencionados NETO A S de A Projetar sobre projetos currículo e ensino de História Educar em Revista Curitiba v 36 e64392 2020 9 os então estudantes agora graduados alguns deles já atuando como professores revelaram em sua produção a argúcia e a minúcia no olhar de estranhamento sobre a realidade escolar Ademais apontaram para possibilidades fecundas de construção de projetos nessa disciplina ou em modo interdisciplinar aspectos que aqui discutiremos A modalidade de registro documental aqui usada relatórios de estágio de alunos de Licenciatura em História também foi utilizada como fonte em pesquisa realizada no final dos anos 1990 quando discuti o ensino de História durante a ditadura militar brasileira ALMEIDA NETO 1996 Naquela ocasião foram pesquisados relatórios de alunos da Licenciatura em História da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo FEUSP entre 1972 e 1979 sob a responsabilidade da Profª Elza Nadai Considerei e considero que tais relatórios se constituíam como fonte do cumental privilegiada para discussão da cultura escolar seja pelo ineditismo seja por informarem vários aspectos da vida escolar alunos direção livro didático processo educativo dinâmicas de funcionamento rotina procedimentos além de depoimentos dos diferentes sujeitos escolares e aspectos sobre a estrutura hierárquica ALMEIDA NETO 2010 p 157 Ressaltese que Os estagiários são observadores que estabelecem relações ambíguas com os professores Há por exemplo mudanças nas atitudes dos professores quando da presença do estagiário na classe Entretanto o estagiário parece ter mais proximidade com os alunos que o consideram muitas vezes como um cúmplice pois sabem que ele acaba sendo um avaliador do professor Tais características imprimem aos relatórios uma qualidade especial como documento de pesquisa Diferentemente das demais fontes utilizadas essa apresenta uma informalidade advinda de um olhar mais despretensioso do observador contando com relativa neutralidade em relação ao objeto observado e até mesmo certa objetividade pelo cumprimento de uma tarefa obrigatória para o curso de licenciatura ALMEIDA NETO 2010 p 158 Destaco agora nesse artigo alguns excertos de relatórios que se mostram especialmente densos de conteúdo crítico como por exemplo um deles que ao analisar as formas de apropriação do espaço escolar destaca a profusão de símbolos religiosos cristãos na forma de grafites imagens faixas estátuas e músicas e o impacto que esses elementos provocam sobre o processo de formação dos alunos particularmente o efeito persecutório sobre aqueles que congregam religiões de matriz africana NETO A S de A Projetar sobre projetos currículo e ensino de História Educar em Revista Curitiba v 36 e64392 2020 10 A escola A8 é carregada de imagens religiosas da Igreja Católica em seus muros e paredes internas feitas com a técnica de grafite A comunidade escolar é muito religiosa como já foi notado em diversas aulas oferecidas desde fevereiro Notamos preconceito com outras religiões como as de matriz africana mães e alunos reivindicando não falar de religião em sala de aula numa contradição e falta de entendimento do que seja Estado laico por conta das imagens de Jesus e de santos dentro da escola faixas presas às grades da escola ao lado escola B contígua à escola A fazendo chamada para uma Cruzada evangelística e reprodução de músicas de grupos religiosos tocadas no violão mostradas em sala de aula e nos recreios Annita9 Relatório 2012 Esse registro conflui para o que afirma Escolano 2001 segundo quem a arquitetura escolar pode ser vista como um programa educador ou seja como elemento do currículo invisível e silencioso ainda que ela seja por si mesma bem explícita ou manifesta seus elementos simbólicos próprios ou incorporados e a decoração exterior ou interior ESCOLANO 2001 p 45 A referida aluna observou com precisão que tais símbolos não são apenas elementos inofensivos da paisagem mas possuem um efeito educador constituindose como currículo formando alunos dentro de determinados valores e padrões culturais religiosos que internalizados pelos diferentes sujeitos acabam sendo naturalizados Também com relação ao espaço escolar porém no que se refere à sua organização e seus usos registrouse seu papel no disciplinamento dos alunos e pais pelo cerceamento de sua circulação e dos professores pela vigilância da sua prática em sala de aula O mesmo foi observado sobre a utilização do vestuário específico dos alunos em flagrante contradição com o discurso pedagógico veiculado pelos gestores e professores Enquanto os discursos em torno da liberdade e da inclusão foram cons tantes nos discursos da equipe gestora da escola e na fala de alguns pro fessores podemos ver seu contrário na arquitetura escolar na fiscalização das aulas dos professores na obrigatoriedade dos uniformes na exigência de uma espécie de salvoconduto para que o aluno possa sair da sala em horário de aula que traz a identificação do professor responsável na restrição à presença da comunidade circundante na escola ainda que 8 Optamos por omitir das os nomes verdadeiros das escolas referidas 9 Optamos por omitir os sobrenomes dos graduandos identificandoos apenas pelo primeiro nome NETO A S de A Projetar sobre projetos currículo e ensino de História Educar em Revista Curitiba v 36 e64392 2020 11 negada pela direção e na prática ainda que velada da segregação ao lançar os alunos indisciplinados repetentes ou considerados de alguma forma indesejáveis numa mesma turma Deividi Elson Evandro Felipe e Isis Relatório 2012 Observese o alcance da normalização tão característica da forma escolar que se impõe sobre todos os sujeitos escolares como regras suprapessoais VINCENT LAHIRE THIN 2001 p 30 atingindo não só os alunos mas os pais os professores e também os chamados gestores o que torna o poder um exercício impessoal que se impõe pelo cumprimento de regras as quais todos devem por fim obedecer e internalizar Um aspecto notado com muito destaque foi o das representações dos dife rentes sujeitos escolares sobre si mesmos e entre si sobre a própria instituição escolar e seu papel e sobre as disciplinas escolares Desse modo evidenciase uma representação por parte dos professores em relação aos alunos e os veem como classes populares que devem ser retiradas do convívio da rua cuja ação é vista como trágica por meio da ocupação sistemática Nesse sentido os professores atribuem aos seus trabalhos realizados um sentido quase que missionário Vendo seus alunos como seres propensos à bandidagem à promiscuidade e indolência esses profissionais tentam por em prática um discurso extremamente preconceituoso Acreditam que a função de suas aulas é salvar seus discentes pelo menos uma pequena parte deles de um futuro tenebroso de crimes e degradação social Carlos Fabio Felipe e Guilherme Relatório 2012 Tais representações por vezes expressam situações de extrema violên cia entre os diferentes sujeitos situação que acaba por naturalizar momentos de extrema tensão e agressividade observadas na organização do espaço e desdobrandose particularmente nos discursos proferidos sobre os alunos Discursos acentuados e que se contrapõem estão presentes tanto na espa cialidade da instituição como na prática docente Esses discursosrepresen tações se referem aos alunos e seu comportamento dentro da instituição Marcados por características de violência e incapacidade intelectual dos alunos essa representação e discursos acaba por influenciar a realidade NETO A S de A Projetar sobre projetos currículo e ensino de História Educar em Revista Curitiba v 36 e64392 2020 12 da escola tendo reflexos no próprio ensino oferecido pela escola D e crian do muitas vezes um ambiente de tensão entre professores e alunos Esta representação sobre o outro neste caso os alunos é percebida através das falas de professores coordenadores e funcionários da instituição É um olhar sobrecarregado por um discurso de violência e marginalidade que consideramos estar intimamente ligado à condição socioeconômica de acordo com a análise feita pela instituição da comunidade onde a escola se insere Marcelo Michele Nara e Otávio Relatório 2014 Essa situação acaba por revelar sua face mais perversa numa análise da cultura escolar explícita as representações de um grupo de alunos sobre si mesmos como sendo a escória da sociedade estando fadados ao fracasso numa espécie de profecia que se auto cumpre Por ser vista como uma escola de má qualidade por moradores do bairro professores gestores e alunos há uma grande evasão estudantil e pro fissional Há uma percepção de que todos os alunos são vinculados ao tráfico de drogas ou violência direta ou indiretamente através da família ou conhecidos por exemplo Sabendo dessa imagem os próprios alunos referemse a si mesmos como lixos e maus alunos André Carlos Gabriel Juliana e Mauricio Relatório 2014 A análise tornase relevante se considerarmos como Lefebvre que as re presentações não se constituem como elemento a ser superado ou transcendido por ser considerado ilusório irreal ou errado mas como possuidoras de grande força na sociedade haja vista a força da publicidade Assim entende que as representações não são falsas nem verdadeiras senão às vezes falsas ou verdadeiras verdadeiras como respostas a problemas reais e falsas como dissimuladoras das finalidades reais LEFEBVRE 2006 p 68 e portanto deveria a teoria crítica das representações expor o poder da representação no mundo contemporâneo deslindar os mecanismos de sua produção e perma nência LUTFI SOCHACZEWSKI JAHNEL 1996 p 96 sem a ilusão de destruílas ou rechaçálas Na observação da busca pela ordem foi registrado a ênfase no discurso disciplinar acompanhado do rígido controle do comportamento em todos os momentos e circunstâncias da vida escolar ainda que velhas práticas escolares tenham sido eventualmente abandonadas de modo que pela insistência e NETO A S de A Projetar sobre projetos currículo e ensino de História Educar em Revista Curitiba v 36 e64392 2020 13 repetição ao compreender as regras o aluno se apropria delas por si mesmo e pratica uma espécie de autodisciplina um selfgovernment VINCENT LAHIRE THIN 2001 p 33 O discurso de manutenção da ordem se faz hegemônico no cotidiano desta unidade escolar Se não se enfileira mais as crianças no pátio para que cantem o hino nacional e ouçam as regras de conduta da escola tais regras não deixam de ser verbalizadas todos os dias nos mais diversos momentos Inícios de aula são constantemente atrasados aulas são interrompidas ou atividades substituídas por broncas ministradas pelos professores Visitas da coordenadora e da professora mediadora de conflitos são frequentes para lembrar aos alunos a importância das regras e as consequências de seu descumprimento Quem não se encaixar a ordem que procure outra escola tem muita gente lá fora querendo vaga nesta escola aqui se prima pelo preparo de bons profissionais para o mercado de trabalho quem não produzir não tem que ficar aqui aqui é lugar de aluno que produz as regras são claras e as consequências também são algumas das tantas frases que são repetidas todos os dias à exaustão para os alunos que por sua vez reclamam da quantidade de broncas mas reconhecem a importância delas quando assumem preferir está à outra unidade escolar da região quando se dizem satisfeitos e orgulhosos por estudarem numa unidade escolar bonita e organizada na qual as coisas funcionam de verdade se referindo à sala de vídeo bibliotecas e outros espaços Bruna Carla Evelyn e Samuel Relatório 2014 Também no registro das representações foi observado o que poderíamos chamar de representações da excelência escolar A A partir de diversas visitações e reflexões foi possível identificar que na escola C se constrói uma noção patente a respeito da própria escola Para os que a frequentam sejam alunos professores e diversos outros funcionários não se trata de uma simples e qualquer escola e sim de uma escola excepcional a melhor da região digna de orgulho de seus mais diversos frequentadores Nesse sentido esse discurso aparenta não possibilitar a construção de uma autocrítica sobre a mesma ocultando assim problemas como indisciplina descompromisso de professores e funcionários e de maneira geral as condições materiais do ambiente Antonio RafaelThiago e Thaís Relatório 2012 NETO A S de A Projetar sobre projetos currículo e ensino de História Educar em Revista Curitiba v 36 e64392 2020 14 B Em diversos momentos seja por meio do discurso hierárquico da direção da escola e dos funcionários das falas dos professores ou dos alunos é notável como a escola E se enxerga em relação ao ensino público de modo geral Por meio desses três níveis de articulação professores funcionários e alunos é conduzido um discurso coerente acerca da cultura escolar de instituição modelo Os estudantes reforçam a noção da escola modelo ao discorrem sobre seus longos trajetos até a chegada a instituição e as dificuldades enfrentadas por seus familiares para conse guirem uma vaga na escola Para os estudantes essa instituição modelo é a antítese de suas vivências em escolas nos bairros dos quais proveem e adentrála é um processo que envolve uma notável circulação de ideias a respeito da fama da escola muitas vezes por meio das apreciações realizadas por outros colegas Cabe observar no entanto que o discurso dos estudantes é aquele que revela as maiores contradições uma vez que as vivências escolares muitas vezes não correspondem às expectativas sobre a escola modelo Nesse sentido diferentemente do que ocorre em outros níveis do discurso é por meio dos relatos dos estudantes que os problemas da instituição tornamse tangíveis Ana Celeste Jonathan Lucilayne Patrícia e Tatiane Relatório 2014 Observese aqui a aguda percepção dos estagiários sobre a força das re presentações nesse caso da excelência da instituição de ensino ao dissimular a realidade obliterando a consciência das precariedades manifestas no descom promisso indisciplina condições materiais Apontam ainda a circulação dessas representações que acaba funcionando como mecanismo de reprodução das mesmas alimentando o desejo e esforço dos diferentes sujeitos particularmente alunos e professores para serem incorporados a essa instituição modelo tida como superior às demais escolas públicas estaduais da região Finalmente entre os registros feitos pelos estudantes de História destaca se a percepção da cultura escolar como produto histórico VIÑAOFRAGO 2007 p 93 portanto cambiante entre mudanças e permanências As mudanças nesse caso deveramse a alteração do perfil dos alunos frequentadores certamente decorrente de mudanças conjunturais com desdobramentos na organização e usos do espaço e na percepção existente sobre a escola A escola estagiada passa por uma crise de identidade uma vez que an teriormente se tratava de um colégio do bairro que atendia as crianças e jovens residentes nas redondezas da escola configurandose como uma instituição presente e bemquista pelos moradores locais Enquanto estagiamos não encontramos mais essa realidade pois a maioria dos NETO A S de A Projetar sobre projetos currículo e ensino de História Educar em Revista Curitiba v 36 e64392 2020 15 alunos que estudam atualmente na escola vem de outras localidades sobretudo do Pimentas bairro de Guarulhos À vista disso percebemos que por ter deixado de exercer a função que tinha para os moradores do bairro o colégio tornouse um peso para a comunidade uma vez que a movimentação de jovens estranhos ao local seria sobretudo por causa da escola Por conta disso conforme a coordenadora Monica nos aler tou o colégio foi sendo gradeado e isolado do resto do bairro o que nos permite concluir que essa relação se reflete até na arquitetura escolar da instituição Bruna Giorgia Juliana Michele e Olívia Relatório 2014 Dada a profusão de possibilidades dessa fonte documental retorno nesse artigo aos relatos de estágio reafirmando o propósito do entendimento da cultura escolar informada pelos relatórios de dois grupos de estudantes 2012 e 2014 para percepção da educação e do ensino de História como campo de pesquisa e importante ferramenta na construção de projetos para essa disciplina escolar aspecto que discutirei a seguir Projetos para a cultura escolar Nesses relatórios tomados aqui como fontes documentais os graduan dos partiam da proposta de considerar as especificidades dos elementos da cultura escolar do local onde fora realizado o estágio de Licenciatura em História percurso que transcorre ao longo de três semestres com sucessivos estudos idas a campo pesquisa de observação análise de registros escolares entrevistas debates relatórios préprojetos e elaboração de projeto de interação na disciplina escolar História ou em modo interdisciplinar que emergisse dessa realidade e se voltasse para ela considerando aspectos como tema conteúdos sérieano faixa etária materiais e recursos didáticos metodologia cronograma e abordagem Na definição precisa de alguns estudantes O objetivo do projeto não se centra na intenção de evidenciar ou mesmo exercer juízos de valor a respeito das características culturais identi ficadas pretendemos ao invés disso colocálas em uma perspectiva histórica identificandoas com contextos mais amplos e desse modo buscar estimular reflexões acerca destas no cotidiano escolar Antonio RafaelThiago e Thaís Projeto 2012 NETO A S de A Projetar sobre projetos currículo e ensino de História Educar em Revista Curitiba v 36 e64392 2020 16 Vejamos alguns excertos desses projetos Um dos grupos de estudantes que havia destacado a relação da organização do espaço escolar com seu en torno uma vez que a cultura escolar é uma combinação submetida à lógica de tais regularidades institucionais e à pressão de aspectos externos à mesma VIÑAOFRAGO 2007 p 93 observou a forte influência do processo de industrialização local sobre a escola De todos os aspectos dessa cultura escolar o que mais nos chamou atenção foi com relação à arquitetura que é também um constructo cultural que expressa e reflete para além de sua materialidade determinados discursos A construção e a espacialização da escola mostram que existe uma série de relações de poder expressas nela A primeira se deve à estrutura que segue o modelo do panóptico o que causa a constante sensação de vigilância para o controle não só dos alunos mas também da prática dos professores e funcionários desta A segunda é a quantidade de espaços não acessíveis a estes alunos com a separação por grades que deixam claro os ambientes de cada ator além do constante controle de sua circulação Para além da própria construção da escola devemos considerar seu entorno A influência das indústrias além de estar presente nos objetivos da escola e dos alunos na construção do currículo pode ser percebida também na arquitetura da escola que se parece muito com a das fábricas o que nos permite observar as divisões que expressam relações de poder Hennan Janaína Paola Philippe Renata e Talita Relatório 2012 Assim propuseram em seu projeto intitulado Trabalho Industrial traba lhar com os alunos a industrialização da cidade de Guarulhos relacionada ao aspecto desenvolvimentista da passagem da primeira para a segunda metade do século XX no Brasil Marcada pela industrialização e urbanização Hennan Janaína Paola Philippe Renata e Talita Projeto 2012 O tema da organização disciplinar da escola associada aos mecanismos de controle e de exclusão suscitou noutro grupo a necessidade de problematizar a concepção de disciplina e suas implicações Para proporcionar um debate a respeito do tema proposto procuraremos focar na questão da exclusão pelo espaço desnaturalizandoo uma vez que este pode ser projetado para servir ao disciplinamento e ao controle das pessoas e da sociedade de modo geral Utilizaremos diferentes tempora lidades locais e conteúdos a exclusão e segregação por meio dos espaços e das práticas no Apartheid na África do Sul 19481992 a formação dos NETO A S de A Projetar sobre projetos currículo e ensino de História Educar em Revista Curitiba v 36 e64392 2020 17 guetos estadunidenses 19301980 a questão das favelas em São Paulo na contemporaneidade e outros casos de exclusão e segregação presentes na sociedade Alessandra Edsonia Renata e Verônica Projeto 2012 É importante destacar que o grupo em questão optou por um rol de conteúdos que transita por diferentes temporalidades históricas e espaços sem que se incorra no pecado do anacronismo histórico tão comum em abordagens semelhantes Já o grupo que observou o que denominamos de representações da ex celência propôs resolver o problema dos anacronismos pelo questionamento da própria construção do conhecimento histórico que decorre de escolhas das fontes documentais e das abordagens metodológicas Como sugestão esse grupo apresentou a discussão da chamada Guerra Fria encaminhada a partir de uma História em Quadrinhos Watchmen10 um clássico da graphic novel escrito por Alan Moore Nosso objetivo é discutir em sala de aula particularmente o conceito de Destruição Mútua Inevitável a partir de elementos tratados em Watchmen O conceito que se relaciona ao potencial bélico dos países envolvidos no contexto do pósguerra é contextualizado por Hobsbawm ao discorrer sobre como enquanto os EUA temiam o perigo de uma possível supremacia soviética num dado momento futuro a Rússia se preocupava com hegemonia de fato dos EUA então exercida sobre todas as partes do mundo não ocupadas pelo Exército Vermelho a Problematizar a noção de fonte histórica e apresentar a multiplicidade de abordagens em relação aos materiais que podem ser utilizados para uma discussão histórica b Possibilitar ao estudante uma compreensão sobre como os discursos e as representações são construídas pelos diferentes lados de um determinado embate Ana Celeste Jonathan Lucilayne Patrícia e Tatiane Projeto 2014 A mesma questão da excelência tratada por outro grupo de graduandos 2 anos antes também propôs a utilização de conteúdos sobre a Guerra Fria porém atualizando o debate inserindo o tema dos atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA 10 MOORE Alan GIBBONS David Watchmen SP Editora Panini Livros 2009 NETO A S de A Projetar sobre projetos currículo e ensino de História Educar em Revista Curitiba v 36 e64392 2020 18 Foram pensadas temáticas históricas que permitam levantar questões relacionadas a situações em que determinados discursos são alçados como excepcional em oposição a discursos tidos como medíocres e inferiores no correr da História Desse modo trabalharseá com a noção de tempo histórico a partir da construção e embasamento desses discursos de excepcionalidade Assim tendose em vista as aulas que foram disponibilizadas para a aplicação deste projeto optouse pelas temáticas da Guerra Fria e dos desdobramentos políticos e culturais dos atentados de 11 de setembro de 2001 pois tais fenômenos possibilitaram a construção de discursos de excepcionais antagônicos Antonio Rafael Thiago e Thaís Projeto 2012 No que se refere às representações sobre o outro e consequentemente sobre si mesmo numa escola com grande número de alunos de origem nor destina e bolivianos esse aspecto foi definidor para escolha do tema Migração Nordestina construção e desconstrução das representações e do projeto de interação que propôs problematizar o conceito de paulistanidade e a noção de identidade pensando historicamente diferentes movimentos migratórios e suas implicações O tema será desenvolvido em dois eixos principais o primeiro sobre a migração no final da década de 1930 dando atenção à migração rural para São Paulo e nas décadas de 1950 e 1960 quando os deslocamentos tem como destino a cidade de São Paulo especificamente o bairro de São Miguel Paulista O segundo eixo aborda a ideia de paulistanidade para pensarmos como os nordestinos eram vistos e assumiram na cidade a figura do outro Questões sobre a identidade nacional tangenciarão as dis cussões principalmente no que se refere ao conceito de paulistanidade Neste ponto ressaltaremos a influência e identidade europeia advinda igualmente de descolamentos e migração escolhida pelos paulistas O objetivo é mostrar como se dão essas construções de identidade e pensar como elas constituem um discurso e uma representação esta que é inter nalizada pelos paulistas e que não estão apenas no plano do imaginário mas alteram e transformam a realidade das pessoas na cidade Dessa maneira por meio da análise dos deslocamentos internos e externos de pessoas para São Paulo pretendemos que os alunos consigam identificar essas construções e pensálas de modo desnaturalizado Marcelo Michele Nara e Otávio Projeto 2014 NETO A S de A Projetar sobre projetos currículo e ensino de História Educar em Revista Curitiba v 36 e64392 2020 19 Numa das escolas já mencionadas foram registrados alguns flagrantes de discursos obtidos em breves conversas com um professor de História e dois alunos do 1º ano do Ensino Médio Sabe aquele grupo ali de escurinhos Não tem como explicar não ficam quietos Essa professora é meio monga fica falando e falando Quando eu entro na escola é como se eu estivesse entrando na cadeia aqui só tem grade e portão É a mesma instituição em que alunos se autodenominaram lixos e maus alunos Diante desse quadro o grupo de estudantes de História considerou que a violência tornouse elemento naturalizado corroendo as relações entre os diferentes sujeitos escolares sendo elemento definidor da cultura escolar Assim construíram um projeto que pro punha discutir a ditadura civilmilitar brasileira observando os diferentes tipos e níveis de violência bem como as formas de resistência Para o desenvolvimento das questões propostas dentro do conteúdo ditadura civilmilitar brasileira em acordo com a professora estagiada optouse pela utilização de fontes de diversos tipos imagens relatos notícias músicas e afins as quais evidenciam diferentes maneiras de apreender as problemáticas do passado Elegeuse para tanto três eixos de abordagem violência institucionalizada por meio de prisões torturas assassinatos censura violência de viés econômico desigualdade social condições de trabalho e por fim a resistência luta armada atuação parlamentar e cultural André Carlos Gabriel Juliana e Mauricio Projeto 2014 Os projetos aqui apresentados trazem não só possibilidades de seleção de conteúdos que sejam significativos para os alunos por dialogarem com a cultura escolar como apontam para uma diversidade de abordagens o que se coaduna com a formação do historiador que está longe de ser a da reprodução alienada dos conhecimentos produzidos por outrem Também sugerem uma multiplicidade de abordagens que transitam em diferentes temporalidades his tóricas e espaços não necessariamente lineares Finalmente não dispensam a utilização de diferentes materiais didáticos fotografia pinturas charges filmes documentos históricos HQs músicas literatura além dos livros didáticos e a reflexão sobre a arquitetura escolar sob a compreensão teórica de que pensar o currículo envolve não só o debate sobre as disciplinas escolares conteúdos suas implicações sociais e políticas mas também os aspectos metodológicos as atividades da prática a organização do espaço físico os projetos pedagógicos em sua dinâmica MOREIRA 1998 NETO A S de A Projetar sobre projetos currículo e ensino de História Educar em Revista Curitiba v 36 e64392 2020 20 Tais possibilidades aqui assinaladas apontam para um professor de His tória em formação ou já exercendo atividade docente que objetiva proceder à reflexão histórica que não se reduz e nem quer ser reduzido à condição de mero executor de tarefas que visam padronizar e uniformizar o currículo e o conhecimento Um profissional de História que justamente pelo conhecimento de sua área se apraz em projetar realizar a obra criativa e criadora condição para emergir de um cotidiano escolar que se apresenta cada vez mais programado Da mesma forma a discussão da cultura escolar nesse contexto se apresenta como importante disparador certamente não o único para as reflexões que não se coadunam com proposições alienígenas desconectadas da realidade escolar REFERÊNCIAS ALMEIDA NETO Antonio Simplicio de Ensino de história e cultura escolar fontes e questões metodológicas Revista Brasileira de História da Educação n 22 p 141167 janabr 2010 ARGAN Giulio Carlo Projeto e destino SP Ática 2004 BLOCH Marc Apologia da História ou O ofício de historiador Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 2001 CHERVEL André História das disciplinas escolares reflexões sobre um campo de pesquisa In Teoria Educação n 2 1990 CHEVALLARD Yves La transposición didáctica del saber sabio al saber enseñado Buenos Aires Aique Grupo Editor 2005 ESCOLANO Agustín Arquitetura como programa Espaçoescola e currículo In VIÑAOFRAGO Antonio ESCOLANO Agustín Currículo espaço e subjetividade a arquitetura escolar como programa RJ DPA 1998 FARIA FILHO Luciano M de GONÇALVES Irlen A VIDAL Diana G PAULILO André L A cultura escolar como categoria de análise e como campo de investigação na história da educação brasileira Educação e Pesquisa São Paulo v 30 n 1 p 139159 janabr 2004 FORQUIN JeanClaude Saberes Escolares Imperativos Didáticos e Dinâmicas Sociais Teoria Educação Porto Alegre v 5 1992 JULIA Dominique A cultura escolar como objeto histórico In Revista Brasileira de História da Educação n 1 p 944 2001 NETO A S de A Projetar sobre projetos currículo e ensino de História Educar em Revista Curitiba v 36 e64392 2020 21 LEFEBVRE Henri La Presencia y la Ausencia Contribuición a la Teoria de las Representaciones México Fondo de Cultura Económica 2006 LUTFI Eulina P SOCHACZEWSKI Suzanna JAHNEL Teresa C As Representações e o Possível In MARTINS José de S org Henri Lefebvre e o Retorno à Dialética SP Hucitec 1996 MOORE Alan GIBBONS David Watchmen SP Editora Panini Livros 2009 MOREIRA Antonio Flávio B A didática e o currículo questionando fronteiras In OLIVEIRA Maria Rita N S Confluências e divergências entre didática e currículo Campinas Papirus 1998 SILVA Tomaz T da Documentos de identidade uma introdução às teorias do currículo Belo Horizonte Autêntica 1999 SILVA Tomaz T da Identidades terminais as transformações na política da pedagogia e na pedagogia da política Petropólis RJ Vozes 1996 TOLEDO Maria Rita de A COSTA Wilma P Formação docente História Memória e Educação Patrimonial desafios para a produção de novas práticas educativas In PAIVA Odair da C LEAL Elisabete org Patrimônio e História Londrina Unifil 2014 VIÑAOFRAGO Antonio Sistemas educativos culturas escolares e reformas Portugal Mangualde Edições Pedago 2007 VINCENT Guy LAHIRE Bernard THIN Daniel Sobre a história e a teoria da forma escolar Educação em Revista Belo Horizonte v 33 p 748 jun 2001 Texto recebido em 18012019 Texto aprovado em 16042020 Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons NETO A S de A Projetar sobre projetos currículo e ensino de História Educar em Revista Curitiba v 36 e64392 2020 22