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v 23 n 74 1996 345370 TEILHARD DE CHARDIN E A QUESTÃO DE DEUS Henrique C de Lima Vaz CESBH Resumo Teilhard de Chardin e a questão de Deus O artigo reproduz o texto de uma palestra no Centro Loyola de Fé e Cultura Rio de Janeiro Nov 1995 por ocasião dos 45 anos da morte de Teilhard de Chardin 19551995 Depois de evo car os últimos anos da vida de Teilhard e o destino póstumo da sua obra o artigo detemse na exposição da concepção Teilhardiana de Deus no contexto de uma cultura pósteísta estudando a natureza do Ponto Omega e avaliando a significação atual do teísmo teilhardiano Palavraschave Deus teísmo cultura Teilhard de Chardin Abstrac1 Teilhard de chardin and the question of God The paper was presented at the Centro Loyola de Fé e Cultura Rio de Janeiro Nov 1996 on the occasion of the 40th anniversary of the death of Teilhard de Chardin 19551995 After a brief description of the last years of Teilhards life and of the posthumous destiny of his work the paper deals with the Teilhards conception of God in the context of a posttheistic culture The nature of the Point Omega is examined as well as the actual significance of Teilhards theism Key words God theism culture Teilhard de Chardin 1 Situação histórica de Teilhard de Chardin 11 O protagonismo histórico de Teilhard de Chardin 19461955 Embora Pierre Teilhard de Chardin n em 1881 se tenha tornado nos anos em que iniciou e desenvolveu o seu trabalho como geólogo e paleontólogo primeiro em Paris depois na China 19201945 e começou a dar corpo e expressão às suas grandes intuições filosóficoreligiosas um nome conhecido entre os jesuítas franceses foi nos anos do pósguerra a partir da sua volta a Paris 1946 que ele passou a ser uma das personagens mais em evidência e mais discutidas na vida intelectual da Igreja naqueles anos tumultuados em que a sociedade ocidental retomava seus caminhos e redefinia seus rumos Para Teilhard de Chardin essa última fase da sua vida foi assinalada por uma intensa atividade e grande criatividade Como conferencista como escritor apesar de não lhe ser permitido publicar seus escritos esses logo se difundiam em variadas formas como pesquisador como pensador religioso Teilhard viveu então os que foram talvez os anos mais fecundos da sua vida Foram não obstante anos extremamente difíceis para ele do ponto de vista pessoal Objeto de diversas restrições disciplinares por parte dos Superiores da Companhia de Jesus foi impedido de apresentar sua candidatura ao Collège de France superior consagração do intelectual francês e não obteve licença para publicar as duas obras que considerava a síntese do seu pensamento científicofilosófico e da sua espiritualidade o Fenômeno Humano e o Meio Divino Uma viagem a Roma em 1948 para explicarse junto às autoridades não teve nenhum êxito Além disso um acidente cardiovascular em julho de 1947 obrigouo a limitar severamente durante certo tempo suas atividades Finalmente a partir de 1952 foilhe imposto um verdadeiro autoexílio em New York como pesquisador da WennerGren Foundation apenas quebrado por duas viagens à África do Sul para participar de explorações sobre os sítios préhistóricos dos Australopitecos e uma última visita à França 1954 bruscamente interrompida por ordem superior Teilhard faleceu em N Y no dia 10 de Abril de 1955 dia de Páscoa Uma simples lápide assinala a sua sepultura humilde no cemitério dos jesuítas em St AndrewonHudson 12 A hora e a vez de Teilhard de Chardin 19561975 Fenômeno realmente extraordinário esse em que numa cadência extremamente rápida todos os escritos de Teilhard confiados à sua legatária Mlle Jeanne Mortier e depositados na Fondation Teilhard de Chardin de Paris são entregues ao público 13 volumes das Oeuvres Complètes 10 volumes de correspondência1 11 volumes de escritos estritamente científicos textos doutrinários e editoriais fragmentos de diário escritos íntimos correspondência tudo encontra leitores ávidos muitos são traduzidos em diversas línguas dando origem a uma imensa bibliografia sem dúvida de valor desigual mas que na história da Companhia de Jesus se constrói em paralelo na bibliografia sobre Inácio de Loyola O fenômeno Teilhard apresenta aspectos contrastantes Poucos autores na história da Igreja foram objeto de tão fervoros admiradores e de rejeição tão implacável Apologistas e adversários acabaram alimentando uma literatura de combate na qual o verdadeiro sentido das doutrinas teilhardianas e mesmo os traços originais da sua personalidade ficaram obscurecidos Por outro lado a utilização ideológica do seu pensamento dando origem à ficção de um Teilhard marxista lançou maior confusão ainda numa querela já bastante confusa Em meio a essa literatura de cunho mais sensacionalista emergem os grandes obras de exegese autêntica do imenso corpus teilhardiano devidoas em geral a autores aos quais a amizade com Teilhard permitiria uma já longa familiaridade com os seus escritos e com seu pensamento como Henri de Lubac Bruno de Solages René dOuince Émile Rideau Claude Cuenot Claude Tresmontant e outros Entre esses pode com justeza ser incluído o brasileiro Prof José Luis Archanjo tradutor exímio e erudito comentador de Teilhard para a Editora Cultrix de São Paulo e autor da tese monumental A hiperfilosofia de Teilhard de Chardin São Paulo PUC 1974 Entre os exegetas da obra teilhardiana ocupa lugar a parte o grande teólogo Henri de Lubac sem dúvida o seu maior e mais autorizado intérprete Dentre seus vários escritos sobre Teilhard merece ser lembrada a magistral obra de síntese La pensée religieuse de Teilhard de Chardin que de alguma maneira põe um ponto final nas controvérsias mostrando a genuína e profunda autenticidade cristã das grandes intuições teilhardianas No entanto somos obrigados a lembrar que mesmo a luminosa apologia de Henri de Lubac não desarmou obstinadas resistências dentro da Igreja e foi seuulo que deu origem à reiteração de um Monitium Aviso do então Santo Ofício em 1962 aparentemente ainda em vigor embora ninguém hoje tenha decidido que impunha diversas restrições à leitura da obra de Teilhard na Igreja Naquele momento o nome de Teilhard de Chardin brilha no zênite da atualidade religiosa e assim continuará durante o Concílio e nos anos imediatamente seguintes Mas já se podiam observar os sinais precursoras da grave crise que atingiria todos os aspectos do otimismo do pósguerra e durante a qual a obra de Teilhard conhecerá sua hora de declínio e olvido 2 O horizonte da questão de Deus no horizonte cultural e intelectual da primeira metade do século XX 21 O advento de uma cultura pósteísta A questão de Deus está no centro da visão teilhardiana e é dela que parte o seu eixo ordenador Podemos mesmo considerar o pensamento de Teilhard de Chardin como uma tentativa grandiosa de respon der a pergunta que como gládio impiedoso atravessará a alma do homem da tradição judeucristã no século XX é possível pensar Deus crer em Deus aceitar Deus e agir à luz da existência de Deus num mundo que aparentemente chegou ao termo da imensa operação cultural iniciada dois séculos antes de liquidar de vez a herança teísta de uma história imemorial Pergunta decisiva de qual estado suspensas as próprias razões de viver do homem do Ocidente e o destino do Cristianismo na civilização por ele em grande parte inspirada A grandeza de Teilhard e do segredo da sua imensa audiência num tempo em que a cultura pósteísta parecia estabelecer definitivamente seus títulos de legitimidade histórica residem sem dúvida na lucidez com que faz face à grande interrogação e à originalidade da resposta que para ela encontrou O advento de uma cultura pósteísta é sem dúvida um dos mais dramáticos fenômenos de civilização que a história conhece Somente alguns pensadores prodigiosamente esclarecedores como Hegel e Nietzsche alcançaram penetrar a significação profunda desse fenômeno e medir o seu efeito demolidor sobre os pressupostos metafísicos sobre as bases antropológicas e éticas da nossa civilização Para nós que vivemos em meio ao movimento de propagação do anda de choque por ele provocada não é fácil avaliar a sua amplitude e as transformações que a sua passagem vai deixando nos estilos de vida imemorialmente estabelecidos do homem histórico Era necessária uma sensibilidade extraordinária para perceber a novidade inaudita dessa situação E mais ainda é necessária uma rara audácia para a quem tem ainda todas as raízes da sua cultura mergulhadas na tradição do teísmo judeucristão para representar essa tradição abrindose ao universo espiritual e conceptual da cultura pósteísta 22 A questão de Deus no pensamento filosófico do primeiro século XX 19001950 Considerada numa das suas vertentes principais a filosofia da primeira metade do século XX que se apresenta como a herdeira e continuadora da tradição que vem de Descartes e como tal é a que recebe títulos de legitimidade no establishment intelectual do Ocidente apresentase como um múltiplo esforço de integração no corpus canônico das doutrinas filosóficas da crítica e dissolução da ideia de um Deus transcendete que se desenvolve a partir da chamada revolta antropocêntrica inaugurada por Kant Essa crítica e essa dissolução mostram faces diversas e cumprirem diversos estágios ao longo do século XIX unidos pelo fio de uma sempre maior radicalidade Não é o lugar aqui para descrever essas faces ao acompanhar passo a passo esses estágios Bastemnos indicar alguns dos seus traços e lembrar os seus principais momentos teologia da vida moral na busca do Bem supremo uma teodicéia como exigência da antropodicéia imposta pelos paradoxos da moralidade Em Hegel e em A Comte é a história que é chamada a intervir no processo de Deus Em Hegel o problema de Deus formulase no interior da dialética do Espírito e das suas manifestações Presente no sujeito como Espírito subjetivo na cultura e na história como Espírito objetivo o Espírito transcende essas esferas para manifestarse como Espírito absoluto nas criações humanas da Arte da Religião e da Filosofia A transcendência do Espírito nessas suas manifestações mais elevadas é posta a partir das obras históricas da cultura de tal sorte que a teodicéia hegeliana assim se pode falar busca as suas razões na necessidade de se assegurar uma justificação para o dever imanente da história humana e é assim fundamentalmente uma historicidade Já em A Comte a sucessão dos estados vivos historicamente pelo homem realiza a transposição da ideia de Deus da sua transcendência imaginativa no estado teológico para a sua transcendência ideal no estado metafísico e finalmente para a sua imanentização na Humanidade Deus final da história não estado positivo As gerações póshegelianas consideram como sendo a única tarefa que lhes resta nessa campo a de propor diversos códigos de leitura em uma antropológica e sistematicamente reconciliada instantânea tradição teológica De Feuerbach a Nietzsche passando por Marx e seus epígonos sucedemse os seus primeiros ciclos com um pensamento emblemático crítico ou seja que submete a ideia de Deus ao tribunal da razão moderna para descobrir a sua verdadeira significação oculta sob os véus da fabulação transcendente A ideia de Deus se mostra assim submetida à crítica feuerbachiana como um texto cifrado que se trata de descodificar da própria natureza humana e das suas tendências mais profundas Para Marx ela é um índice privilegiado do estado alienado do homem na sua condição ainda préhistórica ao passo que para Nietzsche nela encontramos o símbolo nihilista por excelência de uma cultura da decadência e do ressentimento O pensamento da primeira metade do século XX quando Teilhard de Chardin tentará o seu grande diálogo com a modernidade assistirá ao que podemos denominar o segundo ciclo na cronologia póshegeliana de dissolução da ideia de Deus transcendente Esse segundo ciclo reconhece e recebe no seu ponto de partida os resultados da tarefa crítica cumprida pelos pensadores do século XIX Na filosofia de Deus passa a ser um tema secundário e um capítulo na história do pensamento moderno que se considera concluído não obstante a relevância que continua a ter aos olhos dos pensadores cristãos Os grandes paradigmas do pensamento filosófico que dominam a primeira metade do século continuam a acolher no seu horizonte temático o problema de Deus não porém como problema da existência objetiva de um Ser transcendente e sim como problema de uma herança cultural que apresenta inequívoco interesse heurístico do ponto de vista da hermenêutica da existência humana e das suas expressões históricas É assim que o paradigma da linguagem inclui nas suas diversas utilizações seja o conflito do sentido pela linguagem das ciências experimentais no positivismo lógico o que relega as proposições sobre o estatuto objetivo da ideia de Deus entre as propostas vazias de sentido meaningless seja a análise da linguagem sobre Deus na sua estrutura sintática e no seu alcance semântico tema usual na filosofia analítica Já o paradigma fenomenológico que domina incontestavelmente todo o clima filosófico da época retrona de alguma maneira a tradição do grandee racionalismo ao estabelecer a consciência como doadora de sentido Sinngebende no centro do universo filosófico Mesmo nas suas versões que se afastam aparentemente desse pressuposto como no itinerário do Ser do segundo Heidegger o paradigma fenomenológico tem sempre seu campo de aplicação no interior de um horizonte mundano dentro do qual a transcendência só pode ser pensada como protenção temporal da existência humana para fins encerrados na manutenção do mundo a morte ou a nãoser como clama o pensamento pósmoderno ao chegar à conclusão logicamente necessária das premissas que conferem a consciência crítica e situada a prerrogativa proprietariamente absoluta da criação do sentido Tal é na modernidade filosófica das primeiras décadas do século XX o ponto de chegada do processo de formação de uma cultura pósteísta que vinha acompanhando a história espiritual do Ocidente nos últimos três séculos Ao jovem Teilhard de Chardin que recebia uma formação filosóficoteológica tradicional nos escolásticos da Companhia de Jesus de Jersey e Ore Place Inglaterra onde se asilaram os jesuítas franceses expulsos pela lei de separação de 1905 chegavam apenas ecos indiretos desses grandes movimentos de ideias que começavam a desenhar a fisionomia intelectual do novo século De resto Teilhard nunca se interessará pelas tecnicidades filosóficas e somente virá ao conhecimento das correntes dominantes da época através dos seus amigos e confrades como Pierre Rousselot Auguste Valensin Pierre Charles mais tarde Henri de Lubac Gaston Fessard e outros Ele irá experimentar o choque da cultura pósteísta não propriamente na sua expressão filosófica mas no campo do saber científico e da mentalidade nele dominante onde a herança do cientificismo do século XIX relegara tanto metodologicamente quanto ideologicamente a questão de Deus ao arquivo das questões definitivamente excluídas do âmbito da ciência É importante no entanto para compreendermos o enorme e audacioso esforço de Teilhard para constituir uma fenomenologia do universo científico aberta à transcendência de um Deus pessoal pensado como Ponto Omega que evoquemos brevemente as tentativas do pensamento cristão particularmente católico na primeira metade do século XX para contraporse no plano estritamente filosófico aos pressupostos da cultura pósteísta tanto mais que algumas dessas tentativas tiveram influência ingêna sobre o pensamento teilhardiano A resposta cristã à razão pósteísta desenvolveuse sob a norma de uma releitura da grande tradição filosóficoteológica que atingiria seu climax no século XIII e na obra de Santo Tomás de Aquino O estímulo e os critérios para essa releitura receberam uma sanção oficial na encíclica Aeterni Patris de Leão XIII 1879 caracterizando o movimento doutrinal que foi denominado neoescolástico ou na sua corrente mais representativa neotomismo e dominou o pensamento católico na primeira metade do século XX Nela podemos distinguir duas tendências fundamentais que alimentarão atitudes opostas em face do pensamento teilhardiano A primeira se assinalará pela fidelidade ao ensinamento tido como canônico e normativo de Tomás de Aquino que passou a ser visto como um enorme esforço de reconstituição históricocrítica e teocentrismo de pensamento tomista é retomado em tentativas renovadas de atualização das provas da existência de Deus pelas chamadas cinco vias e num confronto com o ateísmo em plano estritamente filosófico como pressuposto para a análise como fenômeno de civilização Basta lembrar como sendo talvez os mais representativos dessa corrente os dois grandes nomes de Jacques Maritain 18821973 e Etienne Gilson 18841978 cuja obra ficará em dúvida como duas das mais notáveis realizações da inteligência cristã no nosso século Ambos foram críticos severos de Teilhard e este reconheceu de resto que ele e seus críticos moviamse em universos intelectuais diferentes a filosofia da Ação de Maurice Blondel 18611949A influência do primeiro se estendeu aos jesuítas franceses e alemães e nele é pro posta uma leitura original do transcendentalismo kantiano introdu zindo na estrutura estática do a priori segundo Kant um dinamismo para o Absoluto do ser que repel o problema da legitimidade da Metafísica como ciência objetiva e remota em termos filosóficoteo lógicos a doutrina tomista do desiderium naturale videnti Deum O segundo desenvolveu uma fenomenologia original da ação humana que na sua primeira versão lembra a Fenomenologia do Espírito de Hegel e repel igualmente o problema do Absoluto a partir do dinâ mico da ação e das seus sucessivos momentos dialeticamente arti culados que desembocam na necessidade de afirmação ontológica Tanto Maréchal como Blondel mantiveram relações pessoais com Teilhard de Chardin o segundo sobredoutor por meio do amigo comum Auguste Valensin S J Desta sorte Teilhard se encontrou em pleno centro da grande for mação do pensamento católico na primeira metade do século XXque teve no confronto com a cultura pósteísta um dos seus motivos fundamentais No entanto pela sua sensibilidade pela sua formação profissional pelo ambiente intelectual no qual desenvolveu seutra balho Teilhard seguiu um itinerário original para Deus e é esse que se trata agora de descrever brevemente 3 O itinerário para Deus de Teilhard de Chardin 31 O terreno espiritual do itinerário teilhardiano O problema de Deus da afirmação ou da negação da sua existência nunca se coloca para o homem em termos puramente teóricos Subjacentes às formulações intelectuais nesse campo estão opções existenciais profundas e essas por sua vez traduzem múltiplas influ ências providas do mundo espiritual e cultural no qual a vida humana lança as suas raízes e do qual recebe suas razões de viver Nesse sentido a cultura pósteísta não é um produto abstrato de especulações filosóficas ou de investigações científicas mas é uma das componentes estruturais de um estilo de civilização e de uma postura historicamente caracterizada em face da realidade do homem ocidental dos últimos séculos e que denominamos modernidade Para o homem típico da modernidade o ateísmo é uma atitude espiritual espontânea antes de ser urna conclusão teórica Mas não há aqui nenhum determinismo necessitante nem cultural nem social nem psicológico e sim um elemento essencial integrante de uma típica maneira de estar no mundo de olhar o mundo e nele agir Por outro lado a modernidade nos envolve e nos condiciona mas não determina fatalmente nossas opções profundas pois a liberdade humana é por definição ou seja seria algo contraditório se não o fosse transcendente às suas motivações extrínsecas às suas condições e às suas situações Nenhuma tradição se impõe pois como forma onideterminante da nossa liberdade Eis porque em meio à tradição da modernidade subsistem contraditórios os se quisermos contraculturas que não são restos fossilizados de tradições passadas mas mundos humanos vivos e os quais florescem vigorosas formas de vida espiritual Na modernidade ocidental dos últimos séculos que em outro contexto tivemos ocasião de caracterizar como modernidade moderna uma forma se impõe pela sua universalidade e vitalidade pela herança de um longo e extraordinariamente rico passado e mesmo por ter sido historicamente o lugar de nascenca da própria modernidade moderna a tradição cristã Ora a característica talvez mais notável da modernidade ocidental póscristã e cuja análise não podemos desenvolver aqui é o seu poderoso dinamismo assimilador e homogeneizador o que lhe confere uma universalidade de expansão desconhecida de outras culturas Entre a modernidade e a tradição cristã também ela animada por um dinamismo inato de universalização estabelecese uma espécie de simbiose feita de contrastes profundos o mais profundo sendo a incompatibilidade entre o teísmo cristão e o ateísmo moderno e não menos profundos solidariedades a mais profunda sendo a fundamental opção ontológicoética pela dignidade do ser humano e pelos seus direitos O diálogo cristianismomodernidade desenrolase no terreno dessa concórdia discors e dela provem a ambiguidade que permanentemente o ameaça O estilo que caracterize esse diálogo da parte do teólogo ou do intelectual cristão é marcado por sua vez pelos traços da família espiritual na qual ele se reconhece ou na qual se inspira ou pelas opções teológicas que se lhe oferecem na rica tradição cristã Desde muito jovem Teilhard de Chardin começou a formar sua per sonalidade espiritual segundo o modelo desenhado por Inácio de Loyola nos Exercícios Espirituais e nas Constituições da Companhia de Jesus e essa filiação foi decisiva para definir o estilo do seu diálogo com a modernidade Por outro lado forma a teologia e a mística paulinas do ser em Cristo e do Cristo cósmico que vi vencia o centro da sua visão teológica e a definir o seu próprio lugar na história da mística cristã E tendo diante dos olhos esse lugar espiritual teológico e mesmo místico de onde parte seu diálogo com a modernidade que podemos acompanhar o difícil ca minho de Teilhard na sua busca de Deus pelas terras da cultura pós teísta 32 Os passos do itinerário teilhardiano para Deus O ponto de partida do itinerário teilhardiano pode ser situado num terreno onde se encontram a tradição do cosmologismo antigo não sem razão Teilhard declarou certa vez considerarse um físico ou contemplador da physis no sentido em que eram os présocráticos e a noção tipicamente moderna de sêmen De um lado o cosmos visível se oferece segundo a metáfora galileiana como um livro aberto à leitura de quem é capaz de decifrar sua linguagem De outro o código dessa linguagem é fornecido pela ciência experimental moderna que tem no seu método a chave de leitura do livro da natureza O mundo é pois phænomenon ou o que aparece mas esse aparecer tem como correlação uma forma de visão cuja estrutura e alcance são definidos pelo saber científico A hermenêutica desse peculiar ver teilhardiano E essa fenomenologia que constituiu o terreno do itinerá rio para Deus de Teilhard de Chardin e é nele que esse itinerário pode ser definido um caminho aberto pelo teísmo cristão no território não dito da cultura pósteísta da modernidade Ora a fenomenologia teilhardiana na sua intenção ao mesmo tempo holística tendo por objeto todo o fenômeno estruturalmente considerado a totalidade do fenômeno como physis abrangendo o mundo da experiência e analítica tendo por objeto as estruturas elements que se manifestam na constituição do fenômeno é convencida no admitir como condição de possibilidade do próprio ver o fenômeno a necessidade de abandonarmos uma visão estática do universo e adotarmos uma visão evolutiva na qual se trata justamente de encon trar o lugar para o conceito de um Deus enaoant que possa ser aceito em substituição ao Deus enhaut do antigo cosmos estático Até aqui os passos do itinerário teilhardiano obedecem aos requisitos metodológicos da razão científica moderna A partir pôr em pra tica a suposição da estrutura evolutiva do universo e de vida a fenomenologia tal como Teilhard a propôs introduz na hermenêutica do fenômeno uma dimensão transexperimental mas que deve ser necessariamente postulada para que se constitua a inteligibilidade total do fenômeno Teilhard designa essa dimensão como o dentro le dedans do fenômeno e nela opera uma forma de energia que não hesita em qualificar de psíquica ou ainda energia radial a partir de centros energéticos que são o dedans dos fenômenos de tipo A expressão Ponto Omega que passou a ser a tradução teilhardiana do nome de Deus tem origem provável de um lado numa reminiscência bíblica em que Jesus Cristo ao fim do livro do Apocalipse se autodesigna como Alpha e Omega tal que acentua o caráter eminentemente cristocêntrico do teísmo teilhardiano de outro fato de que Omega última letra do alfabeto grego é símbolo da leitura do livro do universo chegado ao seu fim O segundo esquema permite um corte longitudinal no todo do fenômeno de tal sorte que ele pode ser ordenado numa linha evolutiva segundo o critério da centrocomplexidade dando origem a uma sequência no dever temporal evolutivamente representado de cosmos distribuída nessas grandes fases cosmogênese biogênese noogênese Aqui também a flecha evolutiva aponta para um alvo de convergência do seu movimento que pode ser senão um ponto de infinita centrocomplexidade no qual convém reconhecer o mesmo Ponto Omega da representação vertical Sendo o fenômeno humano o centro privilegiado objetivamente considerado isto é exigido pela própria estrutura evolutiva do universo para a constituição do discurso sobre o Ponto Omega essa estrutura se apresenta no homem e a partir do homem dotada de propriedades que de um lado obrigam a conferir uma primazia decisiva ao futuro na visão da história humana como história da evolução autorefletida de outro operam a transição do fenomenológico para o metafísico na concepção do Ponto Omega estrutura de espiritualização admitida a propriedade da concentração essa provoca ou deve provocar na praxis histórica do homem um predomínio crescente de pensado e do livremente escolhido sobre os automatismos e sobre o instinto Se representam a concentração como um adensamento do estofo material do universo em torno dos centros de reflexão e liberdade sob a forma da tecnoilustração para Teilhard o artificial é do natural refletido podemos visualizar esse processo na figura de uma elipse na qual o polo consciência f atrai o polo técnica P de tal sorte que a elipse tende a tornarse um círculo Nele o polo técnica estará absorvido pelo polo consciência ou seja a evolução terá atingido um ponto crítico de autoreflexão designando o estágio de convergência final do seu imenso dever em cujo horizonte emerge necessariamente o Ponto Ômega como Fim absoluto do movimento cósmico Teilhard com efeito rejeita decididamente a hipótese de um universo cíclico repetindo eternamente um começo e um fim As três propriedades estruturais do universo evolutivo permitem pensar a natureza do Ponto Ômega como sendo a um tempo imanente na medida em que surge como exigência final do movimento da cosmonésia e absolutamente transcendente na possibilidade considerada desde o ponto de vista das condições estruturais da evolução sendo sua condição absoluta de possibilidade Considerada desde a posição do Ponto Ômega a estrutura evolutiva do universo possui as seguintes propriedades complementando as foras acima enumeradas irreversibilidade da evolução assegurada pelo predomínio do polo consciência ou pela contínua acumulação da energia psíquica polarização em torno dos centros de reflexão e liberdade da energia evolutiva física criação pela tecnoética de estruturas materiais mais complexas e autocentradas unanimizacao crescente dos polos psíquicos medida pelos parâmetros da socialização e da personalização em tensão dialética o que leva a admitir o amor interpessoal como energia psíquica suprema da evolução em oposição convém notálo ao amor fati de Nietzsche e descobrindo a face pessoal e personalizante do Ponto Ômega A essa altura apresentase imperiosamente ao discurso teilhardiano a necessidade de atravessar o seu Rubicon conceptual e penetrar decididamente no território da Metafísica Teilhard estava convencido sem dúvida da inevitabilidade dessa passagem do fenomenológico ao metafísico e embora não tenha tematizado seus requisitos metodológicos caminhou nessa direção e deixounos páginas sugestivas que estão entre as mais discutidas da sua obra A primeira tese de estrutura conceptual indiscutivelmente metafísica do pensamento teilhardiano propõese no terreno da clássica distinção metodológica de origem aristotélica entre a inteligibilidade para nós e a inteligibilidade em si numa análise da realidade que transgride os limites da fenomenologia e o interdito impor da crítica kantiana Considerado a partir da constituição do discurso para nós ou seja desde o ponto de vista do observador que aceita prolongar sua visão até as implicações últimas do fenômeno o Ponto ômega aparece como imanente ao processo evolutivo assegurando sua coerência e sua convergência vem a ser a sua estrutura inteligível para nós Inteligível para nós o fenômeno deve ser inteligível em si postulado do realismo metafísico Ora desde esse ponto de vista que é o da inteligibilidade intrínseca do objeto do discurso o Ponto Omega deve ser pensado como absolutamente transcendente pois não poderia explicar a totalidade do fenômeno se fosse totalmente absorvido na sua imanência e portanto homogêneo à sua natureza Transcendência e imanência formam a oposição dialética fundamental com que o Absoluto e o Infinito é pensado pela tradição metafísica na sua relação com o relativo e finito Assim deve ser pensado o Ponto Omega na sua relação com o universo evolutivo A Aufhebung ou superação dessa oposição dialética se dá na Metafísica clássica com conceito neoplatônico de processo dos seres a partir do seu Princípio e mais radicalmente com o conceito bíblicocristão de criação A transposição do conceito de criação ao quadro conceptual de um universo evolutivo é a segunda tese metafísica presente no pensamento teilhardiano O primeiro momento dessa tese tem lugar na transcrição da oposição dialética transcendência imanência no quadro conceptual de uma realidade cósmica em movimento evolutivo orientado para a emergência final do Ponto ômega Sendo Fim absoluto da evolução cósmica o Ponto Omega transcende como vimos as condições estruturais que a tomam possível o que significa que ele está presente no exercício de uma forma de causalidade transcendente ao longo de todo o processo não sendo a sua emergência final senão a manifestação definitiva dessa presença Logo sendo Fim imanentemente transcendente ele é necessariamente Princípio pois assume a figura de Ponto Alpha de todo e do dever cósmico Como porém pensar essa prerrogativa de AlphaOmega como Princípio absoluto sendo Fim absoluto do universo em evolução Esse o segundo momento da metafísica teilhardiana da criação que ensaia aqui a proposição de novos conceitos tendo em vista refundir na perspectiva do universo evolutivo alguns das noções fundamentais da metafísica clássica É essa a parte mais original mas também a mais discutível da concepção teilhardiana do Ponto Ômega ou da sua tentativa de repensar a questão de Deus no contexto de uma cultura nãoteísta A noção clássica de criação define como sendo a produção de um ser a partir de nada absoluto nada do ser mesmo e nada de alguma matéria preexistente Ela supõe portanto a ação criadora do Ser absoluto que como tal faz surgir o ser criado do nada absoluto sem se relativizar numa forma qualquer de relação real com o novo ser que por sua vez mantém uma relação real de dependência ontológica para com o Ser criador Tal a origem radical do universo e tal paradoxo da criação na conceitualidade humana com que necessariamente a pensamos Ora Teilhard junta a noção de ser nesse contexto presa a uma visão estática dos seres no universo e se propõe completála pela noção de união criadora union créatrice Noção difícil e cuja elucidação por parte de Teilhard e dos seus intérpretes nunca foi inteiramente satisfatória Ela está presente no entanto desde os inícios do pensamento teilhardiano e se apresenta como uma noção cardinal da sua metafísica do Ponto Ômega Não se trata propriamente de substituir a noção de ser que a nossa inteligência necessariamente forma como a primeira e mais universal das noções Tratase de pensála no caso da criação à luz da noção do otro criador deve ser pensado segundo Teilhard como nada criável néant créable ou seja como múltiplo absolutó postos dialeticamente ao Uno absoluto que o Criador A criação é pois o movimento em sentido analógico suscitado pelo Uno absoluto como Causa eficiente primeira que a partir do múltiplo absoluto ex nihilo faz surgir a multiplicidade relativa dos seres criados que são tais na medida em que são uns em analogia com o Uno absoluto criador e tanto mais seres quanto mais uns segundo o axioma metafísico proposto por Teilhard ser mais é unir mais plus esse plus plura unir Na nossa perspectiva se a transcendência do Ponto Omega exige a liberdade absoluta do Ato criador a necessidade hipotética desse Ato suposta a identidade do Ponto Omega com o Alpha inicial e sua presença ao longo do desenrolarse da criação é uma necessidade que confere a esse desenrolar as características de um tempo criador no qual prevalece sempre a emergência do novo e ao universo criado uma estrutura necessariamente evolutiva Para completar essa exposição seria necessário mostrar como Teilhard de Chardin tentou reformular à luz da sua concepção do Ponto Alpha Ômega alguns dos conceitos fundamentais da tradição teológicodogmática cristã Mas tratase de um novo e difícil capítulo da sua obra cujo estudo ultrapassaria de muito os limites do presente texto Baste lembrar que foi em torno dessas extrapolações teológicas de Teilhard que se feriram as mais acirradas discussões sobre seu pensamento Fundamentalmente o que Teilhard tentou foi uma releitura do dogma e da espiritualidade cristã segundo os critérios hermenêuticos impostos pela transição cultural de um cosmos estético para um cosmos evolutivo Nessa tentativa há pontos que perdem claramente a distinção e formulações que se pres tam à discussão Na sua obra porém La pensée religieuse de Teilhard de Chardin que tornouse uma referência obrigatória nessas discussões Henri de Lubac demonstrou convincentemente a fidelidade de Teilhard à tradição dogmática cristã e estabeleceu os critérios para uma exegese correta do seu pensamento teológico 4 Reflexões finais Se nos interrogamos sobre a atualidade do teísmo eilh ardiano não será difícil ver que há nele aspectos pouco compativeis com a nova sensibilidade religiosa que se formou a partir da crise dos anos 70 e outros que do ponto de vista da mentalidade científica continuam a ser considerados extrapolações que ultrapassam audaciosamente as fronteiras metodológicas da ciência e são fruto de opções metafísicas religiosas A concepção de Deus de Teilhard de Chardin teria pois apenas um interesse histórico ou haveria nele algum apelo capaz de alcançar a nossa atualidade A grande crise desse fim de milênio econômica social política cultural levou a sensibilidade religiosa também ela em crise a voltarse para o Deus das realidades imediatas de onde surgem os grandes problemas e de onde parecem levantarse os grandes desafios Assim é que as concepções e representações de Deus que passaram a predominar no pensamento teológico e no imaginário religioso do Ocidente reencarnam a um Deus de justiça capaz de inspirar atitudes e comportamentos de crítica social e política e que possa ser invocado como caução para projetos de transformação da sociedade b um Deus da experiência interior do Espírito que irrompe como força transformadora da existência individual e torna possível o reencontro com o cristianismo carismático dos origens c um Deus da pluralidade cultural que se manifesta por caminhos e formas diversas nas tradições religiosas dos povos oferecendo assim um fun damento ao pluralismo cultural e religioso e à aspiração a uma ética universal da convivência humana É compreensível assim que os horizontes abertos pela concepção teilhardiana de um Deus cósmico acabem parecendo muito remotos aos olhos do homem religioso e particularmente do homem cristão dos nossos dias que se volta para esse Deus das realidades imediatas É justamente por parte do pensamento que se inspira na ciência quando ultrapassa os limites metodológicos impostos pela prática científica e se compraz em sínteses abrangentes da realidade cósmica que se poderia esperar alguma afinidade com a visão teilhardiana coroada pelo Ponto Ômega Essas sínteses porém ao se encontrarem com a tradição teológica inclinamse de preferência pela concepção de um panteísmo da Razão Logos imanente ao universo retumbante de alguma maneira a herança da teologia estética na qual se reconhecem igualmente diversas formas da ideologia ecológica contemporânea Ora a essas concepções se opõe irreconcilavelmente a rigorosa afirmação da transcendência do Ponto Ômega sua natureza pessoal e o antropocentrismo de movimento eminentemente personalizante que caracteriza o universo convergente de Teilhard de Chardin Assim o teísmo teilhardiano não parece dever encontrar receptividade nem por parte das teologias dominantes ou da mentalidade religiosa nem por parte dos cientistas que não se exercitam ou se especificam prática científica nem por partes que propõem visões de totalidade do cosmos explorado pela ciência Entretanto a concepção de Deus em Teilhard apresenta aspectos que se tornam apta a responder a alguns problemas mais atuais que os que configuram a crise do nosso tempo No momento em que graves ameaças pesam sobre a vida em todas as suas manifestações o Deus de Teilhard reprope em termos grandiosos a mensagem bíblica de Deus da vida Com efeito é na vida que a evolução cósmica converge decisivamente na direção de uma centrocomplexidade crescente que aponta para a emergência final do Ponto Ômega A grandeza e dignidade da pessoa humana tema entre todos sensível na consciência da humanidade atual encontra no Deus de Teilhard uma justificação de ressonâncias universais e mesmo cósmicas pois é a partir da concepção do antropocentrismo de movimento que a evolução tornase autoreflexiva e autodirigida tendo como alicerce a transcendência infinitamente reflexiva do Ponto Ômega supremaente pessoal e supremamente unificador Nunca um destino tão grandioso foi colocado nas mãos da pessoa humana e nunca uma concepção tão marcadamente historicizada de sua dignidade recebeu uma tal densidade ontológica Finalmente a teologia no momento em que um dos seus problemas maiores é a universalidade salvífica do Evento crítico face ao pluralismo das tradições religiosas teria todo o interesse em reaproximarse da grandiosa concepção teilhardiana do Cristo cósmico que transcende as relatividades culturais para assumir no gesto salvífico universal o próprio sentido e o destino da evolução que a partir do passo da reflexão estarão entregues aos azares e ao êxito final da aventura humana A figura teórica do teísmo teilhardiano aparecenos hoje com os traços de uma das mais penetrantes e originais formas do discurso sobre Deus no pensamento cristão do século XX Como tal ela já adquiriu a perenidade que cabe de direito às obras do espírito que se consagraram como clássicas não obstante as sombras que a cobriram nos tempos da crise pósmoderna Ao aproximarse porém um novo século quando as palavras da pósmodernidade se exaurem num niilismo estéril uma surpreendente atualidade pode ser reservada ao Deus de Teilhard de Chardin um Deus da grande saga cósmica do vitorioso milagre da vida da pessoa humana síntese e direção última de todos os caminhos do mundo 7 Ver A Léonard Foi et philosophie guide pour un discernement chrétien Namur Culture et Vérité 1991 8 Ver Henri de Lubac éd Maurice Blondel et le Père Teilhard de Chardin mémoires échangés en décembre 1919 ap Archives de Philosophie 24 1961 123156 de Pierre Teilhard de Chardin Lettres Intimes à Auguste Valensin Bruno de Solages Henri de Lubac 19191955 Introduction et notes par Henri de Lubac Paris AubierMontagne 1972 9 Ver H C Lima Vaz Religião e modernidade filosófica Síntese 53 1991 pp 147165 10 Ver H C Lima Vaz Ética e Civilização Síntese 49 1990 pp 514 11 Ver H C Lima Vaz O itinerário nascendo de Teilhard de Chardin ap PUC Ciência Julho 1991 pp 3539 12 Ver H de Lubac La prière du Père Teilhard de Chardin Paris Fayard 1964 13 Referências bibliográficas utilizadas P Teilhard de Chardin Comment je vois ap Oeuvres Complètes t XI Les directions de Lacooin pp 177223 Paris Seuil 1973 Un sommaire de ma perspective phénoménologique du monde point de départ et clef de tout le système ibid pp 233236 Henri de Lubac Lapport de Teilhard à la connaissance de Dieu Teilhard de Chardin col Génies et Réalités op cit pp 193209 H C Lima Vaz Universidade existe e visão cristã em Teilhard de Chardin op cit caps V e VI 14 Le phénomène humain Oeuvres Completes I Paris Seuil 1956 Prologue pp 2530 tr de notas de L Archangin São Paulo Cultrix 1988 pp 2537 15 Ver H C Lima Vaz Linguagem do mundo e linguagem do espírito ap Escritos de Filosofia I Problemas de fronteira São Paulo Loyola 1986 pp 223240 aqui pp 231232 16 P Teilhard de Chardin in La place de lhomme dans la nature le groupe zoologique humain Paris 1018 Albin Michel 1956 17 Apoc 22 13 18 Por razões que aqui seria longo expor Teilhard rejeita a hipótese de que a evolução no homem venha a regredir ou mesmo a estagnar por necessidade estrutural ela deve avançar 19 Sobre a primazia do futuro na concepção moderna do tempo ver K Pornian Lordre du temps Paris Gallimard 1984 20 Comment je vois ap Oeuvres Complètes XI op cit 208 nota 21 Le Phénomène Humain op cit p 292 n 1 tr bras p 296 22 A metafísica clássica da criação é exposta por Santo Tomás de Aquino na Summa Theol I qq 44 47 ver o comentário de L Elders The philosophical Theology of St Thomas Aquinas Leiden Brill 1990 pp 277305 23 Lunion créatrice ap Écrits du temps de guerre Paris Grasset 1965 pp 169197 e Mon Univers ap Science et Christ Oeuvres Completes IX pp 63114 24 Comment je vois ap Oeuvres Complètes XI op cit 208 nota 25 Ver Henri de Lubac La pensée religieuse du Père Teilhard de Chardin op cit pp 281 segs
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v 23 n 74 1996 345370 TEILHARD DE CHARDIN E A QUESTÃO DE DEUS Henrique C de Lima Vaz CESBH Resumo Teilhard de Chardin e a questão de Deus O artigo reproduz o texto de uma palestra no Centro Loyola de Fé e Cultura Rio de Janeiro Nov 1995 por ocasião dos 45 anos da morte de Teilhard de Chardin 19551995 Depois de evo car os últimos anos da vida de Teilhard e o destino póstumo da sua obra o artigo detemse na exposição da concepção Teilhardiana de Deus no contexto de uma cultura pósteísta estudando a natureza do Ponto Omega e avaliando a significação atual do teísmo teilhardiano Palavraschave Deus teísmo cultura Teilhard de Chardin Abstrac1 Teilhard de chardin and the question of God The paper was presented at the Centro Loyola de Fé e Cultura Rio de Janeiro Nov 1996 on the occasion of the 40th anniversary of the death of Teilhard de Chardin 19551995 After a brief description of the last years of Teilhards life and of the posthumous destiny of his work the paper deals with the Teilhards conception of God in the context of a posttheistic culture The nature of the Point Omega is examined as well as the actual significance of Teilhards theism Key words God theism culture Teilhard de Chardin 1 Situação histórica de Teilhard de Chardin 11 O protagonismo histórico de Teilhard de Chardin 19461955 Embora Pierre Teilhard de Chardin n em 1881 se tenha tornado nos anos em que iniciou e desenvolveu o seu trabalho como geólogo e paleontólogo primeiro em Paris depois na China 19201945 e começou a dar corpo e expressão às suas grandes intuições filosóficoreligiosas um nome conhecido entre os jesuítas franceses foi nos anos do pósguerra a partir da sua volta a Paris 1946 que ele passou a ser uma das personagens mais em evidência e mais discutidas na vida intelectual da Igreja naqueles anos tumultuados em que a sociedade ocidental retomava seus caminhos e redefinia seus rumos Para Teilhard de Chardin essa última fase da sua vida foi assinalada por uma intensa atividade e grande criatividade Como conferencista como escritor apesar de não lhe ser permitido publicar seus escritos esses logo se difundiam em variadas formas como pesquisador como pensador religioso Teilhard viveu então os que foram talvez os anos mais fecundos da sua vida Foram não obstante anos extremamente difíceis para ele do ponto de vista pessoal Objeto de diversas restrições disciplinares por parte dos Superiores da Companhia de Jesus foi impedido de apresentar sua candidatura ao Collège de France superior consagração do intelectual francês e não obteve licença para publicar as duas obras que considerava a síntese do seu pensamento científicofilosófico e da sua espiritualidade o Fenômeno Humano e o Meio Divino Uma viagem a Roma em 1948 para explicarse junto às autoridades não teve nenhum êxito Além disso um acidente cardiovascular em julho de 1947 obrigouo a limitar severamente durante certo tempo suas atividades Finalmente a partir de 1952 foilhe imposto um verdadeiro autoexílio em New York como pesquisador da WennerGren Foundation apenas quebrado por duas viagens à África do Sul para participar de explorações sobre os sítios préhistóricos dos Australopitecos e uma última visita à França 1954 bruscamente interrompida por ordem superior Teilhard faleceu em N Y no dia 10 de Abril de 1955 dia de Páscoa Uma simples lápide assinala a sua sepultura humilde no cemitério dos jesuítas em St AndrewonHudson 12 A hora e a vez de Teilhard de Chardin 19561975 Fenômeno realmente extraordinário esse em que numa cadência extremamente rápida todos os escritos de Teilhard confiados à sua legatária Mlle Jeanne Mortier e depositados na Fondation Teilhard de Chardin de Paris são entregues ao público 13 volumes das Oeuvres Complètes 10 volumes de correspondência1 11 volumes de escritos estritamente científicos textos doutrinários e editoriais fragmentos de diário escritos íntimos correspondência tudo encontra leitores ávidos muitos são traduzidos em diversas línguas dando origem a uma imensa bibliografia sem dúvida de valor desigual mas que na história da Companhia de Jesus se constrói em paralelo na bibliografia sobre Inácio de Loyola O fenômeno Teilhard apresenta aspectos contrastantes Poucos autores na história da Igreja foram objeto de tão fervoros admiradores e de rejeição tão implacável Apologistas e adversários acabaram alimentando uma literatura de combate na qual o verdadeiro sentido das doutrinas teilhardianas e mesmo os traços originais da sua personalidade ficaram obscurecidos Por outro lado a utilização ideológica do seu pensamento dando origem à ficção de um Teilhard marxista lançou maior confusão ainda numa querela já bastante confusa Em meio a essa literatura de cunho mais sensacionalista emergem os grandes obras de exegese autêntica do imenso corpus teilhardiano devidoas em geral a autores aos quais a amizade com Teilhard permitiria uma já longa familiaridade com os seus escritos e com seu pensamento como Henri de Lubac Bruno de Solages René dOuince Émile Rideau Claude Cuenot Claude Tresmontant e outros Entre esses pode com justeza ser incluído o brasileiro Prof José Luis Archanjo tradutor exímio e erudito comentador de Teilhard para a Editora Cultrix de São Paulo e autor da tese monumental A hiperfilosofia de Teilhard de Chardin São Paulo PUC 1974 Entre os exegetas da obra teilhardiana ocupa lugar a parte o grande teólogo Henri de Lubac sem dúvida o seu maior e mais autorizado intérprete Dentre seus vários escritos sobre Teilhard merece ser lembrada a magistral obra de síntese La pensée religieuse de Teilhard de Chardin que de alguma maneira põe um ponto final nas controvérsias mostrando a genuína e profunda autenticidade cristã das grandes intuições teilhardianas No entanto somos obrigados a lembrar que mesmo a luminosa apologia de Henri de Lubac não desarmou obstinadas resistências dentro da Igreja e foi seuulo que deu origem à reiteração de um Monitium Aviso do então Santo Ofício em 1962 aparentemente ainda em vigor embora ninguém hoje tenha decidido que impunha diversas restrições à leitura da obra de Teilhard na Igreja Naquele momento o nome de Teilhard de Chardin brilha no zênite da atualidade religiosa e assim continuará durante o Concílio e nos anos imediatamente seguintes Mas já se podiam observar os sinais precursoras da grave crise que atingiria todos os aspectos do otimismo do pósguerra e durante a qual a obra de Teilhard conhecerá sua hora de declínio e olvido 2 O horizonte da questão de Deus no horizonte cultural e intelectual da primeira metade do século XX 21 O advento de uma cultura pósteísta A questão de Deus está no centro da visão teilhardiana e é dela que parte o seu eixo ordenador Podemos mesmo considerar o pensamento de Teilhard de Chardin como uma tentativa grandiosa de respon der a pergunta que como gládio impiedoso atravessará a alma do homem da tradição judeucristã no século XX é possível pensar Deus crer em Deus aceitar Deus e agir à luz da existência de Deus num mundo que aparentemente chegou ao termo da imensa operação cultural iniciada dois séculos antes de liquidar de vez a herança teísta de uma história imemorial Pergunta decisiva de qual estado suspensas as próprias razões de viver do homem do Ocidente e o destino do Cristianismo na civilização por ele em grande parte inspirada A grandeza de Teilhard e do segredo da sua imensa audiência num tempo em que a cultura pósteísta parecia estabelecer definitivamente seus títulos de legitimidade histórica residem sem dúvida na lucidez com que faz face à grande interrogação e à originalidade da resposta que para ela encontrou O advento de uma cultura pósteísta é sem dúvida um dos mais dramáticos fenômenos de civilização que a história conhece Somente alguns pensadores prodigiosamente esclarecedores como Hegel e Nietzsche alcançaram penetrar a significação profunda desse fenômeno e medir o seu efeito demolidor sobre os pressupostos metafísicos sobre as bases antropológicas e éticas da nossa civilização Para nós que vivemos em meio ao movimento de propagação do anda de choque por ele provocada não é fácil avaliar a sua amplitude e as transformações que a sua passagem vai deixando nos estilos de vida imemorialmente estabelecidos do homem histórico Era necessária uma sensibilidade extraordinária para perceber a novidade inaudita dessa situação E mais ainda é necessária uma rara audácia para a quem tem ainda todas as raízes da sua cultura mergulhadas na tradição do teísmo judeucristão para representar essa tradição abrindose ao universo espiritual e conceptual da cultura pósteísta 22 A questão de Deus no pensamento filosófico do primeiro século XX 19001950 Considerada numa das suas vertentes principais a filosofia da primeira metade do século XX que se apresenta como a herdeira e continuadora da tradição que vem de Descartes e como tal é a que recebe títulos de legitimidade no establishment intelectual do Ocidente apresentase como um múltiplo esforço de integração no corpus canônico das doutrinas filosóficas da crítica e dissolução da ideia de um Deus transcendete que se desenvolve a partir da chamada revolta antropocêntrica inaugurada por Kant Essa crítica e essa dissolução mostram faces diversas e cumprirem diversos estágios ao longo do século XIX unidos pelo fio de uma sempre maior radicalidade Não é o lugar aqui para descrever essas faces ao acompanhar passo a passo esses estágios Bastemnos indicar alguns dos seus traços e lembrar os seus principais momentos teologia da vida moral na busca do Bem supremo uma teodicéia como exigência da antropodicéia imposta pelos paradoxos da moralidade Em Hegel e em A Comte é a história que é chamada a intervir no processo de Deus Em Hegel o problema de Deus formulase no interior da dialética do Espírito e das suas manifestações Presente no sujeito como Espírito subjetivo na cultura e na história como Espírito objetivo o Espírito transcende essas esferas para manifestarse como Espírito absoluto nas criações humanas da Arte da Religião e da Filosofia A transcendência do Espírito nessas suas manifestações mais elevadas é posta a partir das obras históricas da cultura de tal sorte que a teodicéia hegeliana assim se pode falar busca as suas razões na necessidade de se assegurar uma justificação para o dever imanente da história humana e é assim fundamentalmente uma historicidade Já em A Comte a sucessão dos estados vivos historicamente pelo homem realiza a transposição da ideia de Deus da sua transcendência imaginativa no estado teológico para a sua transcendência ideal no estado metafísico e finalmente para a sua imanentização na Humanidade Deus final da história não estado positivo As gerações póshegelianas consideram como sendo a única tarefa que lhes resta nessa campo a de propor diversos códigos de leitura em uma antropológica e sistematicamente reconciliada instantânea tradição teológica De Feuerbach a Nietzsche passando por Marx e seus epígonos sucedemse os seus primeiros ciclos com um pensamento emblemático crítico ou seja que submete a ideia de Deus ao tribunal da razão moderna para descobrir a sua verdadeira significação oculta sob os véus da fabulação transcendente A ideia de Deus se mostra assim submetida à crítica feuerbachiana como um texto cifrado que se trata de descodificar da própria natureza humana e das suas tendências mais profundas Para Marx ela é um índice privilegiado do estado alienado do homem na sua condição ainda préhistórica ao passo que para Nietzsche nela encontramos o símbolo nihilista por excelência de uma cultura da decadência e do ressentimento O pensamento da primeira metade do século XX quando Teilhard de Chardin tentará o seu grande diálogo com a modernidade assistirá ao que podemos denominar o segundo ciclo na cronologia póshegeliana de dissolução da ideia de Deus transcendente Esse segundo ciclo reconhece e recebe no seu ponto de partida os resultados da tarefa crítica cumprida pelos pensadores do século XIX Na filosofia de Deus passa a ser um tema secundário e um capítulo na história do pensamento moderno que se considera concluído não obstante a relevância que continua a ter aos olhos dos pensadores cristãos Os grandes paradigmas do pensamento filosófico que dominam a primeira metade do século continuam a acolher no seu horizonte temático o problema de Deus não porém como problema da existência objetiva de um Ser transcendente e sim como problema de uma herança cultural que apresenta inequívoco interesse heurístico do ponto de vista da hermenêutica da existência humana e das suas expressões históricas É assim que o paradigma da linguagem inclui nas suas diversas utilizações seja o conflito do sentido pela linguagem das ciências experimentais no positivismo lógico o que relega as proposições sobre o estatuto objetivo da ideia de Deus entre as propostas vazias de sentido meaningless seja a análise da linguagem sobre Deus na sua estrutura sintática e no seu alcance semântico tema usual na filosofia analítica Já o paradigma fenomenológico que domina incontestavelmente todo o clima filosófico da época retrona de alguma maneira a tradição do grandee racionalismo ao estabelecer a consciência como doadora de sentido Sinngebende no centro do universo filosófico Mesmo nas suas versões que se afastam aparentemente desse pressuposto como no itinerário do Ser do segundo Heidegger o paradigma fenomenológico tem sempre seu campo de aplicação no interior de um horizonte mundano dentro do qual a transcendência só pode ser pensada como protenção temporal da existência humana para fins encerrados na manutenção do mundo a morte ou a nãoser como clama o pensamento pósmoderno ao chegar à conclusão logicamente necessária das premissas que conferem a consciência crítica e situada a prerrogativa proprietariamente absoluta da criação do sentido Tal é na modernidade filosófica das primeiras décadas do século XX o ponto de chegada do processo de formação de uma cultura pósteísta que vinha acompanhando a história espiritual do Ocidente nos últimos três séculos Ao jovem Teilhard de Chardin que recebia uma formação filosóficoteológica tradicional nos escolásticos da Companhia de Jesus de Jersey e Ore Place Inglaterra onde se asilaram os jesuítas franceses expulsos pela lei de separação de 1905 chegavam apenas ecos indiretos desses grandes movimentos de ideias que começavam a desenhar a fisionomia intelectual do novo século De resto Teilhard nunca se interessará pelas tecnicidades filosóficas e somente virá ao conhecimento das correntes dominantes da época através dos seus amigos e confrades como Pierre Rousselot Auguste Valensin Pierre Charles mais tarde Henri de Lubac Gaston Fessard e outros Ele irá experimentar o choque da cultura pósteísta não propriamente na sua expressão filosófica mas no campo do saber científico e da mentalidade nele dominante onde a herança do cientificismo do século XIX relegara tanto metodologicamente quanto ideologicamente a questão de Deus ao arquivo das questões definitivamente excluídas do âmbito da ciência É importante no entanto para compreendermos o enorme e audacioso esforço de Teilhard para constituir uma fenomenologia do universo científico aberta à transcendência de um Deus pessoal pensado como Ponto Omega que evoquemos brevemente as tentativas do pensamento cristão particularmente católico na primeira metade do século XX para contraporse no plano estritamente filosófico aos pressupostos da cultura pósteísta tanto mais que algumas dessas tentativas tiveram influência ingêna sobre o pensamento teilhardiano A resposta cristã à razão pósteísta desenvolveuse sob a norma de uma releitura da grande tradição filosóficoteológica que atingiria seu climax no século XIII e na obra de Santo Tomás de Aquino O estímulo e os critérios para essa releitura receberam uma sanção oficial na encíclica Aeterni Patris de Leão XIII 1879 caracterizando o movimento doutrinal que foi denominado neoescolástico ou na sua corrente mais representativa neotomismo e dominou o pensamento católico na primeira metade do século XX Nela podemos distinguir duas tendências fundamentais que alimentarão atitudes opostas em face do pensamento teilhardiano A primeira se assinalará pela fidelidade ao ensinamento tido como canônico e normativo de Tomás de Aquino que passou a ser visto como um enorme esforço de reconstituição históricocrítica e teocentrismo de pensamento tomista é retomado em tentativas renovadas de atualização das provas da existência de Deus pelas chamadas cinco vias e num confronto com o ateísmo em plano estritamente filosófico como pressuposto para a análise como fenômeno de civilização Basta lembrar como sendo talvez os mais representativos dessa corrente os dois grandes nomes de Jacques Maritain 18821973 e Etienne Gilson 18841978 cuja obra ficará em dúvida como duas das mais notáveis realizações da inteligência cristã no nosso século Ambos foram críticos severos de Teilhard e este reconheceu de resto que ele e seus críticos moviamse em universos intelectuais diferentes a filosofia da Ação de Maurice Blondel 18611949A influência do primeiro se estendeu aos jesuítas franceses e alemães e nele é pro posta uma leitura original do transcendentalismo kantiano introdu zindo na estrutura estática do a priori segundo Kant um dinamismo para o Absoluto do ser que repel o problema da legitimidade da Metafísica como ciência objetiva e remota em termos filosóficoteo lógicos a doutrina tomista do desiderium naturale videnti Deum O segundo desenvolveu uma fenomenologia original da ação humana que na sua primeira versão lembra a Fenomenologia do Espírito de Hegel e repel igualmente o problema do Absoluto a partir do dinâ mico da ação e das seus sucessivos momentos dialeticamente arti culados que desembocam na necessidade de afirmação ontológica Tanto Maréchal como Blondel mantiveram relações pessoais com Teilhard de Chardin o segundo sobredoutor por meio do amigo comum Auguste Valensin S J Desta sorte Teilhard se encontrou em pleno centro da grande for mação do pensamento católico na primeira metade do século XXque teve no confronto com a cultura pósteísta um dos seus motivos fundamentais No entanto pela sua sensibilidade pela sua formação profissional pelo ambiente intelectual no qual desenvolveu seutra balho Teilhard seguiu um itinerário original para Deus e é esse que se trata agora de descrever brevemente 3 O itinerário para Deus de Teilhard de Chardin 31 O terreno espiritual do itinerário teilhardiano O problema de Deus da afirmação ou da negação da sua existência nunca se coloca para o homem em termos puramente teóricos Subjacentes às formulações intelectuais nesse campo estão opções existenciais profundas e essas por sua vez traduzem múltiplas influ ências providas do mundo espiritual e cultural no qual a vida humana lança as suas raízes e do qual recebe suas razões de viver Nesse sentido a cultura pósteísta não é um produto abstrato de especulações filosóficas ou de investigações científicas mas é uma das componentes estruturais de um estilo de civilização e de uma postura historicamente caracterizada em face da realidade do homem ocidental dos últimos séculos e que denominamos modernidade Para o homem típico da modernidade o ateísmo é uma atitude espiritual espontânea antes de ser urna conclusão teórica Mas não há aqui nenhum determinismo necessitante nem cultural nem social nem psicológico e sim um elemento essencial integrante de uma típica maneira de estar no mundo de olhar o mundo e nele agir Por outro lado a modernidade nos envolve e nos condiciona mas não determina fatalmente nossas opções profundas pois a liberdade humana é por definição ou seja seria algo contraditório se não o fosse transcendente às suas motivações extrínsecas às suas condições e às suas situações Nenhuma tradição se impõe pois como forma onideterminante da nossa liberdade Eis porque em meio à tradição da modernidade subsistem contraditórios os se quisermos contraculturas que não são restos fossilizados de tradições passadas mas mundos humanos vivos e os quais florescem vigorosas formas de vida espiritual Na modernidade ocidental dos últimos séculos que em outro contexto tivemos ocasião de caracterizar como modernidade moderna uma forma se impõe pela sua universalidade e vitalidade pela herança de um longo e extraordinariamente rico passado e mesmo por ter sido historicamente o lugar de nascenca da própria modernidade moderna a tradição cristã Ora a característica talvez mais notável da modernidade ocidental póscristã e cuja análise não podemos desenvolver aqui é o seu poderoso dinamismo assimilador e homogeneizador o que lhe confere uma universalidade de expansão desconhecida de outras culturas Entre a modernidade e a tradição cristã também ela animada por um dinamismo inato de universalização estabelecese uma espécie de simbiose feita de contrastes profundos o mais profundo sendo a incompatibilidade entre o teísmo cristão e o ateísmo moderno e não menos profundos solidariedades a mais profunda sendo a fundamental opção ontológicoética pela dignidade do ser humano e pelos seus direitos O diálogo cristianismomodernidade desenrolase no terreno dessa concórdia discors e dela provem a ambiguidade que permanentemente o ameaça O estilo que caracterize esse diálogo da parte do teólogo ou do intelectual cristão é marcado por sua vez pelos traços da família espiritual na qual ele se reconhece ou na qual se inspira ou pelas opções teológicas que se lhe oferecem na rica tradição cristã Desde muito jovem Teilhard de Chardin começou a formar sua per sonalidade espiritual segundo o modelo desenhado por Inácio de Loyola nos Exercícios Espirituais e nas Constituições da Companhia de Jesus e essa filiação foi decisiva para definir o estilo do seu diálogo com a modernidade Por outro lado forma a teologia e a mística paulinas do ser em Cristo e do Cristo cósmico que vi vencia o centro da sua visão teológica e a definir o seu próprio lugar na história da mística cristã E tendo diante dos olhos esse lugar espiritual teológico e mesmo místico de onde parte seu diálogo com a modernidade que podemos acompanhar o difícil ca minho de Teilhard na sua busca de Deus pelas terras da cultura pós teísta 32 Os passos do itinerário teilhardiano para Deus O ponto de partida do itinerário teilhardiano pode ser situado num terreno onde se encontram a tradição do cosmologismo antigo não sem razão Teilhard declarou certa vez considerarse um físico ou contemplador da physis no sentido em que eram os présocráticos e a noção tipicamente moderna de sêmen De um lado o cosmos visível se oferece segundo a metáfora galileiana como um livro aberto à leitura de quem é capaz de decifrar sua linguagem De outro o código dessa linguagem é fornecido pela ciência experimental moderna que tem no seu método a chave de leitura do livro da natureza O mundo é pois phænomenon ou o que aparece mas esse aparecer tem como correlação uma forma de visão cuja estrutura e alcance são definidos pelo saber científico A hermenêutica desse peculiar ver teilhardiano E essa fenomenologia que constituiu o terreno do itinerá rio para Deus de Teilhard de Chardin e é nele que esse itinerário pode ser definido um caminho aberto pelo teísmo cristão no território não dito da cultura pósteísta da modernidade Ora a fenomenologia teilhardiana na sua intenção ao mesmo tempo holística tendo por objeto todo o fenômeno estruturalmente considerado a totalidade do fenômeno como physis abrangendo o mundo da experiência e analítica tendo por objeto as estruturas elements que se manifestam na constituição do fenômeno é convencida no admitir como condição de possibilidade do próprio ver o fenômeno a necessidade de abandonarmos uma visão estática do universo e adotarmos uma visão evolutiva na qual se trata justamente de encon trar o lugar para o conceito de um Deus enaoant que possa ser aceito em substituição ao Deus enhaut do antigo cosmos estático Até aqui os passos do itinerário teilhardiano obedecem aos requisitos metodológicos da razão científica moderna A partir pôr em pra tica a suposição da estrutura evolutiva do universo e de vida a fenomenologia tal como Teilhard a propôs introduz na hermenêutica do fenômeno uma dimensão transexperimental mas que deve ser necessariamente postulada para que se constitua a inteligibilidade total do fenômeno Teilhard designa essa dimensão como o dentro le dedans do fenômeno e nela opera uma forma de energia que não hesita em qualificar de psíquica ou ainda energia radial a partir de centros energéticos que são o dedans dos fenômenos de tipo A expressão Ponto Omega que passou a ser a tradução teilhardiana do nome de Deus tem origem provável de um lado numa reminiscência bíblica em que Jesus Cristo ao fim do livro do Apocalipse se autodesigna como Alpha e Omega tal que acentua o caráter eminentemente cristocêntrico do teísmo teilhardiano de outro fato de que Omega última letra do alfabeto grego é símbolo da leitura do livro do universo chegado ao seu fim O segundo esquema permite um corte longitudinal no todo do fenômeno de tal sorte que ele pode ser ordenado numa linha evolutiva segundo o critério da centrocomplexidade dando origem a uma sequência no dever temporal evolutivamente representado de cosmos distribuída nessas grandes fases cosmogênese biogênese noogênese Aqui também a flecha evolutiva aponta para um alvo de convergência do seu movimento que pode ser senão um ponto de infinita centrocomplexidade no qual convém reconhecer o mesmo Ponto Omega da representação vertical Sendo o fenômeno humano o centro privilegiado objetivamente considerado isto é exigido pela própria estrutura evolutiva do universo para a constituição do discurso sobre o Ponto Omega essa estrutura se apresenta no homem e a partir do homem dotada de propriedades que de um lado obrigam a conferir uma primazia decisiva ao futuro na visão da história humana como história da evolução autorefletida de outro operam a transição do fenomenológico para o metafísico na concepção do Ponto Omega estrutura de espiritualização admitida a propriedade da concentração essa provoca ou deve provocar na praxis histórica do homem um predomínio crescente de pensado e do livremente escolhido sobre os automatismos e sobre o instinto Se representam a concentração como um adensamento do estofo material do universo em torno dos centros de reflexão e liberdade sob a forma da tecnoilustração para Teilhard o artificial é do natural refletido podemos visualizar esse processo na figura de uma elipse na qual o polo consciência f atrai o polo técnica P de tal sorte que a elipse tende a tornarse um círculo Nele o polo técnica estará absorvido pelo polo consciência ou seja a evolução terá atingido um ponto crítico de autoreflexão designando o estágio de convergência final do seu imenso dever em cujo horizonte emerge necessariamente o Ponto Ômega como Fim absoluto do movimento cósmico Teilhard com efeito rejeita decididamente a hipótese de um universo cíclico repetindo eternamente um começo e um fim As três propriedades estruturais do universo evolutivo permitem pensar a natureza do Ponto Ômega como sendo a um tempo imanente na medida em que surge como exigência final do movimento da cosmonésia e absolutamente transcendente na possibilidade considerada desde o ponto de vista das condições estruturais da evolução sendo sua condição absoluta de possibilidade Considerada desde a posição do Ponto Ômega a estrutura evolutiva do universo possui as seguintes propriedades complementando as foras acima enumeradas irreversibilidade da evolução assegurada pelo predomínio do polo consciência ou pela contínua acumulação da energia psíquica polarização em torno dos centros de reflexão e liberdade da energia evolutiva física criação pela tecnoética de estruturas materiais mais complexas e autocentradas unanimizacao crescente dos polos psíquicos medida pelos parâmetros da socialização e da personalização em tensão dialética o que leva a admitir o amor interpessoal como energia psíquica suprema da evolução em oposição convém notálo ao amor fati de Nietzsche e descobrindo a face pessoal e personalizante do Ponto Ômega A essa altura apresentase imperiosamente ao discurso teilhardiano a necessidade de atravessar o seu Rubicon conceptual e penetrar decididamente no território da Metafísica Teilhard estava convencido sem dúvida da inevitabilidade dessa passagem do fenomenológico ao metafísico e embora não tenha tematizado seus requisitos metodológicos caminhou nessa direção e deixounos páginas sugestivas que estão entre as mais discutidas da sua obra A primeira tese de estrutura conceptual indiscutivelmente metafísica do pensamento teilhardiano propõese no terreno da clássica distinção metodológica de origem aristotélica entre a inteligibilidade para nós e a inteligibilidade em si numa análise da realidade que transgride os limites da fenomenologia e o interdito impor da crítica kantiana Considerado a partir da constituição do discurso para nós ou seja desde o ponto de vista do observador que aceita prolongar sua visão até as implicações últimas do fenômeno o Ponto ômega aparece como imanente ao processo evolutivo assegurando sua coerência e sua convergência vem a ser a sua estrutura inteligível para nós Inteligível para nós o fenômeno deve ser inteligível em si postulado do realismo metafísico Ora desde esse ponto de vista que é o da inteligibilidade intrínseca do objeto do discurso o Ponto Omega deve ser pensado como absolutamente transcendente pois não poderia explicar a totalidade do fenômeno se fosse totalmente absorvido na sua imanência e portanto homogêneo à sua natureza Transcendência e imanência formam a oposição dialética fundamental com que o Absoluto e o Infinito é pensado pela tradição metafísica na sua relação com o relativo e finito Assim deve ser pensado o Ponto Omega na sua relação com o universo evolutivo A Aufhebung ou superação dessa oposição dialética se dá na Metafísica clássica com conceito neoplatônico de processo dos seres a partir do seu Princípio e mais radicalmente com o conceito bíblicocristão de criação A transposição do conceito de criação ao quadro conceptual de um universo evolutivo é a segunda tese metafísica presente no pensamento teilhardiano O primeiro momento dessa tese tem lugar na transcrição da oposição dialética transcendência imanência no quadro conceptual de uma realidade cósmica em movimento evolutivo orientado para a emergência final do Ponto ômega Sendo Fim absoluto da evolução cósmica o Ponto Omega transcende como vimos as condições estruturais que a tomam possível o que significa que ele está presente no exercício de uma forma de causalidade transcendente ao longo de todo o processo não sendo a sua emergência final senão a manifestação definitiva dessa presença Logo sendo Fim imanentemente transcendente ele é necessariamente Princípio pois assume a figura de Ponto Alpha de todo e do dever cósmico Como porém pensar essa prerrogativa de AlphaOmega como Princípio absoluto sendo Fim absoluto do universo em evolução Esse o segundo momento da metafísica teilhardiana da criação que ensaia aqui a proposição de novos conceitos tendo em vista refundir na perspectiva do universo evolutivo alguns das noções fundamentais da metafísica clássica É essa a parte mais original mas também a mais discutível da concepção teilhardiana do Ponto Ômega ou da sua tentativa de repensar a questão de Deus no contexto de uma cultura nãoteísta A noção clássica de criação define como sendo a produção de um ser a partir de nada absoluto nada do ser mesmo e nada de alguma matéria preexistente Ela supõe portanto a ação criadora do Ser absoluto que como tal faz surgir o ser criado do nada absoluto sem se relativizar numa forma qualquer de relação real com o novo ser que por sua vez mantém uma relação real de dependência ontológica para com o Ser criador Tal a origem radical do universo e tal paradoxo da criação na conceitualidade humana com que necessariamente a pensamos Ora Teilhard junta a noção de ser nesse contexto presa a uma visão estática dos seres no universo e se propõe completála pela noção de união criadora union créatrice Noção difícil e cuja elucidação por parte de Teilhard e dos seus intérpretes nunca foi inteiramente satisfatória Ela está presente no entanto desde os inícios do pensamento teilhardiano e se apresenta como uma noção cardinal da sua metafísica do Ponto Ômega Não se trata propriamente de substituir a noção de ser que a nossa inteligência necessariamente forma como a primeira e mais universal das noções Tratase de pensála no caso da criação à luz da noção do otro criador deve ser pensado segundo Teilhard como nada criável néant créable ou seja como múltiplo absolutó postos dialeticamente ao Uno absoluto que o Criador A criação é pois o movimento em sentido analógico suscitado pelo Uno absoluto como Causa eficiente primeira que a partir do múltiplo absoluto ex nihilo faz surgir a multiplicidade relativa dos seres criados que são tais na medida em que são uns em analogia com o Uno absoluto criador e tanto mais seres quanto mais uns segundo o axioma metafísico proposto por Teilhard ser mais é unir mais plus esse plus plura unir Na nossa perspectiva se a transcendência do Ponto Omega exige a liberdade absoluta do Ato criador a necessidade hipotética desse Ato suposta a identidade do Ponto Omega com o Alpha inicial e sua presença ao longo do desenrolarse da criação é uma necessidade que confere a esse desenrolar as características de um tempo criador no qual prevalece sempre a emergência do novo e ao universo criado uma estrutura necessariamente evolutiva Para completar essa exposição seria necessário mostrar como Teilhard de Chardin tentou reformular à luz da sua concepção do Ponto Alpha Ômega alguns dos conceitos fundamentais da tradição teológicodogmática cristã Mas tratase de um novo e difícil capítulo da sua obra cujo estudo ultrapassaria de muito os limites do presente texto Baste lembrar que foi em torno dessas extrapolações teológicas de Teilhard que se feriram as mais acirradas discussões sobre seu pensamento Fundamentalmente o que Teilhard tentou foi uma releitura do dogma e da espiritualidade cristã segundo os critérios hermenêuticos impostos pela transição cultural de um cosmos estético para um cosmos evolutivo Nessa tentativa há pontos que perdem claramente a distinção e formulações que se pres tam à discussão Na sua obra porém La pensée religieuse de Teilhard de Chardin que tornouse uma referência obrigatória nessas discussões Henri de Lubac demonstrou convincentemente a fidelidade de Teilhard à tradição dogmática cristã e estabeleceu os critérios para uma exegese correta do seu pensamento teológico 4 Reflexões finais Se nos interrogamos sobre a atualidade do teísmo eilh ardiano não será difícil ver que há nele aspectos pouco compativeis com a nova sensibilidade religiosa que se formou a partir da crise dos anos 70 e outros que do ponto de vista da mentalidade científica continuam a ser considerados extrapolações que ultrapassam audaciosamente as fronteiras metodológicas da ciência e são fruto de opções metafísicas religiosas A concepção de Deus de Teilhard de Chardin teria pois apenas um interesse histórico ou haveria nele algum apelo capaz de alcançar a nossa atualidade A grande crise desse fim de milênio econômica social política cultural levou a sensibilidade religiosa também ela em crise a voltarse para o Deus das realidades imediatas de onde surgem os grandes problemas e de onde parecem levantarse os grandes desafios Assim é que as concepções e representações de Deus que passaram a predominar no pensamento teológico e no imaginário religioso do Ocidente reencarnam a um Deus de justiça capaz de inspirar atitudes e comportamentos de crítica social e política e que possa ser invocado como caução para projetos de transformação da sociedade b um Deus da experiência interior do Espírito que irrompe como força transformadora da existência individual e torna possível o reencontro com o cristianismo carismático dos origens c um Deus da pluralidade cultural que se manifesta por caminhos e formas diversas nas tradições religiosas dos povos oferecendo assim um fun damento ao pluralismo cultural e religioso e à aspiração a uma ética universal da convivência humana É compreensível assim que os horizontes abertos pela concepção teilhardiana de um Deus cósmico acabem parecendo muito remotos aos olhos do homem religioso e particularmente do homem cristão dos nossos dias que se volta para esse Deus das realidades imediatas É justamente por parte do pensamento que se inspira na ciência quando ultrapassa os limites metodológicos impostos pela prática científica e se compraz em sínteses abrangentes da realidade cósmica que se poderia esperar alguma afinidade com a visão teilhardiana coroada pelo Ponto Ômega Essas sínteses porém ao se encontrarem com a tradição teológica inclinamse de preferência pela concepção de um panteísmo da Razão Logos imanente ao universo retumbante de alguma maneira a herança da teologia estética na qual se reconhecem igualmente diversas formas da ideologia ecológica contemporânea Ora a essas concepções se opõe irreconcilavelmente a rigorosa afirmação da transcendência do Ponto Ômega sua natureza pessoal e o antropocentrismo de movimento eminentemente personalizante que caracteriza o universo convergente de Teilhard de Chardin Assim o teísmo teilhardiano não parece dever encontrar receptividade nem por parte das teologias dominantes ou da mentalidade religiosa nem por parte dos cientistas que não se exercitam ou se especificam prática científica nem por partes que propõem visões de totalidade do cosmos explorado pela ciência Entretanto a concepção de Deus em Teilhard apresenta aspectos que se tornam apta a responder a alguns problemas mais atuais que os que configuram a crise do nosso tempo No momento em que graves ameaças pesam sobre a vida em todas as suas manifestações o Deus de Teilhard reprope em termos grandiosos a mensagem bíblica de Deus da vida Com efeito é na vida que a evolução cósmica converge decisivamente na direção de uma centrocomplexidade crescente que aponta para a emergência final do Ponto Ômega A grandeza e dignidade da pessoa humana tema entre todos sensível na consciência da humanidade atual encontra no Deus de Teilhard uma justificação de ressonâncias universais e mesmo cósmicas pois é a partir da concepção do antropocentrismo de movimento que a evolução tornase autoreflexiva e autodirigida tendo como alicerce a transcendência infinitamente reflexiva do Ponto Ômega supremaente pessoal e supremamente unificador Nunca um destino tão grandioso foi colocado nas mãos da pessoa humana e nunca uma concepção tão marcadamente historicizada de sua dignidade recebeu uma tal densidade ontológica Finalmente a teologia no momento em que um dos seus problemas maiores é a universalidade salvífica do Evento crítico face ao pluralismo das tradições religiosas teria todo o interesse em reaproximarse da grandiosa concepção teilhardiana do Cristo cósmico que transcende as relatividades culturais para assumir no gesto salvífico universal o próprio sentido e o destino da evolução que a partir do passo da reflexão estarão entregues aos azares e ao êxito final da aventura humana A figura teórica do teísmo teilhardiano aparecenos hoje com os traços de uma das mais penetrantes e originais formas do discurso sobre Deus no pensamento cristão do século XX Como tal ela já adquiriu a perenidade que cabe de direito às obras do espírito que se consagraram como clássicas não obstante as sombras que a cobriram nos tempos da crise pósmoderna Ao aproximarse porém um novo século quando as palavras da pósmodernidade se exaurem num niilismo estéril uma surpreendente atualidade pode ser reservada ao Deus de Teilhard de Chardin um Deus da grande saga cósmica do vitorioso milagre da vida da pessoa humana síntese e direção última de todos os caminhos do mundo 7 Ver A Léonard Foi et philosophie guide pour un discernement chrétien Namur Culture et Vérité 1991 8 Ver Henri de Lubac éd Maurice Blondel et le Père Teilhard de Chardin mémoires échangés en décembre 1919 ap Archives de Philosophie 24 1961 123156 de Pierre Teilhard de Chardin Lettres Intimes à Auguste Valensin Bruno de Solages Henri de Lubac 19191955 Introduction et notes par Henri de Lubac Paris AubierMontagne 1972 9 Ver H C Lima Vaz Religião e modernidade filosófica Síntese 53 1991 pp 147165 10 Ver H C Lima Vaz Ética e Civilização Síntese 49 1990 pp 514 11 Ver H C Lima Vaz O itinerário nascendo de Teilhard de Chardin ap PUC Ciência Julho 1991 pp 3539 12 Ver H de Lubac La prière du Père Teilhard de Chardin Paris Fayard 1964 13 Referências bibliográficas utilizadas P Teilhard de Chardin Comment je vois ap Oeuvres Complètes t XI Les directions de Lacooin pp 177223 Paris Seuil 1973 Un sommaire de ma perspective phénoménologique du monde point de départ et clef de tout le système ibid pp 233236 Henri de Lubac Lapport de Teilhard à la connaissance de Dieu Teilhard de Chardin col Génies et Réalités op cit pp 193209 H C Lima Vaz Universidade existe e visão cristã em Teilhard de Chardin op cit caps V e VI 14 Le phénomène humain Oeuvres Completes I Paris Seuil 1956 Prologue pp 2530 tr de notas de L Archangin São Paulo Cultrix 1988 pp 2537 15 Ver H C Lima Vaz Linguagem do mundo e linguagem do espírito ap Escritos de Filosofia I Problemas de fronteira São Paulo Loyola 1986 pp 223240 aqui pp 231232 16 P Teilhard de Chardin in La place de lhomme dans la nature le groupe zoologique humain Paris 1018 Albin Michel 1956 17 Apoc 22 13 18 Por razões que aqui seria longo expor Teilhard rejeita a hipótese de que a evolução no homem venha a regredir ou mesmo a estagnar por necessidade estrutural ela deve avançar 19 Sobre a primazia do futuro na concepção moderna do tempo ver K Pornian Lordre du temps Paris Gallimard 1984 20 Comment je vois ap Oeuvres Complètes XI op cit 208 nota 21 Le Phénomène Humain op cit p 292 n 1 tr bras p 296 22 A metafísica clássica da criação é exposta por Santo Tomás de Aquino na Summa Theol I qq 44 47 ver o comentário de L Elders The philosophical Theology of St Thomas Aquinas Leiden Brill 1990 pp 277305 23 Lunion créatrice ap Écrits du temps de guerre Paris Grasset 1965 pp 169197 e Mon Univers ap Science et Christ Oeuvres Completes IX pp 63114 24 Comment je vois ap Oeuvres Complètes XI op cit 208 nota 25 Ver Henri de Lubac La pensée religieuse du Père Teilhard de Chardin op cit pp 281 segs