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5\nDogmática Hermenêutica ou a Ciência do Direito como Teoria da Interpretação\n\n5.1 PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO: UMA INVESTIGAÇÃO ZETÉTICA\n\nAo disciplinar a conduta humana, as normas jurídicas usam palavras, signos lingüísticos que devem expressar o sentido daquilo que deve ser. Esse uso oscila entre o aspecto onomasiológico da palavra, isto é, o uso corrente para a designação de um fato, e o aspecto semasiológico, isto é, sua significação normativa. Os dois aspectos podem coincidir, mas nem sempre isto ocorre. O legislador, nesses termos, usa vocábulos que tira da linguagem cotidiana, mas frequentemente lhes atribui um sentido técnico, apropriado à obtenção da disciplina desejada. Esse sentido técnico não é absolutamente independente, mas está ligado de algum modo ao sentido comum, sendo, por isso, passível de dúvidas que emergem da tensão entre ambos. Assim, por exemplo, o Código Civil Brasileiro de 2002, em seu art. 1.591, ao estabelecer as relações de parentesco, fala de parentes em linha reta como as pessoas que estão umas para as outras numa relação de ascendentes e descendentes. No art. 1.592, fala de parentes em linha colateral como as pessoas que provêm, até o quarto grau, de um só tronco, sem descendendo uma da outra. Observa-se, de início, que o uso comum da palavra parente não coincide com o legal, pelo menos à medida que vulgarnente não se faz a limitação do art. 1.592, que considera parente em linha colateral a relação consanguínea até o quarto grau (por exemplo, os tataranetos já não são considerados parentes 256 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO\n\npela lei, quando um descende de um filho e outro, de outro filho do tataravô, ainda que, vulgarnente, mantenham relações consideradas de parentesco: são os parentes \"afastados\" ou primos \"distantes\". A lei, nesse caso, presume, para os efeitos de decidibilidade, que, além desse limite, \"o afastamento é tão grande que o afeto e a solidariedade não oferecem mais base ponderada para servir de apoio às relações jurídicas\" (Monteiro, 1962, v. 2:235; o comentário, feito a propósito do Código Civil de 1916, vale ainda para o de 2002). Sucede, além disso, que, no sentido vulgar, a palavra parente aplica-se também às relações de afinidade (parentes afins: genro e sogro, noras e cunhados), ao passo que o Código, nesses casos, não se limita a dizer parente, mas vínculo de afinidade (art. 1.595). Contudo, o próprio Código às vezes oscila entre o sentido técnico e o vulgar, tanto que no art. 1.524 e no art. 1.737 acaba por falar em parentes afins. Não obstante as diferenças e as oscilações mencionadas, é de entender a importância do extra conhecimento do sentido dessas relações, posto que isso tem consequências para a distribuição de direitos, obrigações e restrições, que envolvem cada um deles. 257 DOGMÁTICA HERMENÊUTICA OU A CIÊNCIA DO DIREITO COMO TEORIA DA INTERPRETAÇÃO\n\n5.1.1 Função simbólica da língua\n\nVejamos, em primeiro lugar, o que são os signos dos quais estamos falando. Tomemos o seguinte texto: \"Se o pagamento for feito ao prazo, incidirá multa de 10%\". Sr. Freitas deve pagar no prazo, logo deve pagar o valor de 10% de multa. Algumas palavras deste texto significam algo. Assim, por exemplo, prazo serve para designar um instante. A noção significativa pode ser exercida por emblemas, distintivos, roupas etc. Os signos lingüísticos têm por base sons ou fonemas. O fonema é um som que, em determinado contexto, se distingue: por exemplo CA-SA. A junção dos fonemas é base, em português, para um signo; o signo não se confunde com a base fonética, embora seja necessário sempre que haja uma base material; percebemos isso quando observamos, por exemplo, a base fonética MAN-GA, que serve tanto para o signo-fruta, quanto para o signo-parte do vestuário. Por outro lado, dos signos, abstração feita de sua base fonética, podem ter a mesma ou semelhante significação. Por exemplo: MO-RA-DI-A, CA-SA. Embora com bases fonéticas diferentes, podemos dizer que os signos têm significação semelhante. Costuma-se fazer uma diferença entre signos naturais e artificiais. Exemplo do primeiro: a umidade da terra é signo de que choveu. Os signos artificiais são elaborados por seres humanos: por exemplo, a própria palavra unidade. Os signos artificiais são chamados de símbolos. Os signos lingüísticos, com base fonética, são símbolos. zar, mas só possuímos predicadores, precisamos de outros instrumentos: os identificadores, como são os pronomes demonstrativos, por exemplo (este, esta, aquilo, aquele etc.). Assim, o Sr. Freitas deverá pagar não uma multa, mas \"aquela multa\", que decorre do impedimento de sua vída naquela prazo determinado pela norma.\" Esse conjunto individualiza a multa, ainda que para ela não tenhamos um nome próprio. Esses conjuntos individualizadores de predicadores chamam-se descrições.\n\nOs símbolos, tomados isoladamente, nada significam. Assim, mesa significa quando usada. Para que um símbolo se tome tal, ele tem de aparecer num ato humano, o ato de falar. Falar é atribuir símbolos a algo, falar é predicar: \"Isto é uma mesa.\" Uma língua, assim, é um repertório de símbolos inter-relacionados numa estrutura (as regras da língua). Por isso, quem lê um dicionário costuma colocar, para cada símbolo, os usos que dele se fazem à fala. Há, pois, uma disciplina a fazer entre língua e fala (ou discurso). A língua é um sistema de símbolos e relações. A fala refere-se ao uso atual da língua. Em termos da ação, a fala é também algo esquemático de ação, da ação de falar, como os passos da ação em suas demandas de ação de campo.\n\nComo símbolos, isoladamente, nada significam, percebemos desde já que não temos um sentido para a pergunta: que é a mesa em si? A resposta tende a ser: depende do uso, isto é, dos discursos ou falas possíveis. Ora, nota-se que, se possível dizer: a mesa está escrita; a pessoa que a usa não a toma como um mero objeto, mas, com os mesmos usos e sentidos, poderia também onomasiar tudo o que a refere a ela. Para entender corretamente o que diz alguém quando formula alguma daquelas frases, é preciso estar de posse de um instrumento que nos permita decifrar a palavra em seu contexto.\n\nPara entender como se organizam as falas, portanto, partimos das seguintes premissas:\n\na) os símbolos (nomes ou predicadores) nada significam isoladamente;\nb) o que lhes confere significação é seu uso;\nc) uma língua admite usos diversos para os símbolos;\nd) a maioria dos símbolos da língua natural é semanticamente vaga e ambígua;\ne) um símbolo é vago quando seu possível campo de referência é indefinido; por exemplo, na prescrição \"matar alguém, pena de x anos de prisão\", qualquer jurista dirá que a palavra alguém é uma variável que deve ser preenchida por qualquer pessoa; não entanto, quando temos uma pessoa? o feto é já uma pessoa? um cadáver é ainda uma pessoa? o exemplo mostra que a palavra é vaga, pois denota um campo de objetos (extensão) não claramente definido; quando definimos o campo dos objetos que o símbolo denota, temos uma definição denotativa ou definição pela extensão; por exemplo, \"pessoas são todos os seres humanos, do momento em que nascem até quando morrem\";\nf) um símbolo é ambíguo quando é possível usá-lo para um campo de referência com diferente intensidade (com s não com p); isto é, manifestando qualidades diversas; por exemplo, na prescrição \"seduzir mulher honesta, pena x\"; a palavra honesta tem um sentido indefinido, pois conta várias significações; para exemplificarmos o sentido, e delimitamos sua intenção, temos uma definição conotativa ou pela intensidade; por exemplo \"entender-se por honesta a mulher que manifesta no comportamento as seguintes qualidades...\";\ng) mesmo quando a conotação e a denotação são definidas, os símbolos exigem uma certa combinação entre eles; tenhamos em vista: é possível dizer \"mulher honesta\", mas não \"mulher osina\"; isso, pois um advérbio não modifica um substantivo; ora, as conexões de um discurso não trazem dificuldades, como as religiosas do Estado e do não Estado; isso seria um foco; essa relação entre símbolos com que entendemos os direitos e garantias individuais; pode-se perguntar se o adjetivo grifado se refere apenas a monopólio ou também a intervenção; pois, se de um lado não flexiona, de outro nada impede que se leia \"quando (isto, ou seja, ambos, for) indispensável etc.\"; causa\", o importante é que, seja qual for, o enriquecimento seja injustificado.\n\nOra, diante dessas premissas, que devemos entender por interpretação? Dissemos que a fala se refere ao uso atual da língua. Falar é dar a entender alguma coisa a alguém mediante símbolos linguísticos. A fala, portanto, é um fenômeno comunicativo. Exige um emissor, um receptor e a troca de mensagens. Até o discurso solitário e monológico pressupondo o auditório universal e presumido de todos e qualquer um, ao qual nos dirigimos, por exemplo, quando escrevemos um texto ou quando articulamos, em silêncio, um discurso, ao pensar. Sem o receptor, portanto, não há fala. Além disso, exige-se que o receptor entenda a mensagem, isto é, seja capaz de repeti-la.\n\nEssa é uma diferença importante entre a fala e outras formas comunicativas, como por exemplo, a música. É possível ouvir uma peça ao piano, recebendo a comunicação, sem qualquer compreensão de dever ser capaz de retê-la. Isto não ocorre com a fala. Se o ouvinte não é dado a mesa para expressar, o discurso não ocorre: \"falar\" em português a um chinês é olhar seu ar de desamparo não é fácil.\n\nPor isso a fala é um modo comunicativo especial que envolve mensagens complexas, distendidas e a mensagem que emanamos – relato – e que, na escrita, se expressa pelo ponto de exclamação. Ora, exigindo a fala a ocorrência do entendimento, este nem sempre corresponde à mensagem emanada. Ou seja, quem envia a mensagem comunica um complexo simbólico que é selecionado pelo ouvinte. Este escolhe, por assim dizer, do complexo, algumas possibilidades que não coincidem necessariamente com a selectividade do emissor. Por exemplo, o emissor diz: tire a mão da boca! e o receptor permanece com os dedos roçando os lábios. Essa não-coincidência entre a seletividade do emissor e a do receptor constitui uma contingência dupla (de lado a lado) da fala.\n\nPodemos chamar essa seletividade de interpretação. Interpretar, portanto, é selecionar possibilidades comunicativas da complexidade discursiva. Dizemos também, em consequência, que toda interpretação é duplamente contingente. Ora, essa contingência tem de ser controlada, ou a fala não se realiza. Para seu controle precisamos de, isto é, seletividades reforçadas que ambos os comunicadores têm acesso, que podem ser fruto de convenções implicitas ou explícitas.\n\nOs códigos, porém, são, de novo, discursos que precisam igualmente ser interpretados. Temos, assim, códigos sobre códigos, o que torna a fala 5.1.2 Desafio kelseniano: interpretação autêntica e doutrinária\n\nA idéia de que interpretar juridicamente é decodificar conforme regras de uso e fórum, muito simples para ser aceita desta maneira. Afinal, no sentido da hermenêutica jurídica, ela conduz-nos a um arbitrário que não fim é. Isso caracteriza a interpretação dogmática e, ao mesmo tempo, constitui seu problema teórico; isto é, a dificuldade básica para a teorização dogmática sobre a interpretação.\n\nEssa dificuldade pode ser sentida quando tomamos, por exemplo, um autor como Kelsen, cujo conceito de interpretação é o XML segundo um universo que não se deve, o mais uma teoria geral a um ponto objetivo do sentido jurídico. Kelsen não outra forma não prevê uma teoria em função de que nos permita falar da verdade de uma interpretação, em oposição à falsidade.\n\nAo final de seu volume dedicado a Teoria Pura do Direito (1960), deixou de ter enfrentado o problema de como estabelecer os parâmetros para uma ciência do direito enquanto teoria sistemática das normas, encontramos uma explicação sobre a interpretação jurídica que, no entanto, nos frustra, porque não fornece nenhuma base para a hermenêutica dogmática. por exemplo, de um parecer jurídico ou de uma opinião doutrinária exarada num livro.\n\nExaminemos mais de perto o ato interpretativo. Quando se trata de órgão, ocorre uma determinação do sentido do conteúdo da norma, e essa determinação é vinculante. O órgão interpretante define-lhe o sentido. Definição, do latim finis, significa estabelecer limites, fronteiras. Essa definição, diz Kelsen, é produto de um ato de vontade. Trata-se de um \"eu quero\" e não de um \"eu sei\". E sua força vinculante, a capacidade de o sentido definido ser aceito por todos, repousa na competência do órgão (que pode ser o juiz, o próprio legislador quando interpreta o conteúdo de uma norma constitucional, para partes contratantes, quando um contrato interpreta a lei etc.). Havendo dúvidas sobre o sentido estabelecido, recorre-se a uma autoridade superior até que uma decisão competente o estabeleça definitivamente. A sequência é de um ato de vontade para outro de competência superior.\n\nKelsen, evidentemente, não reconhece que tais atos de vontade estão baseados em atos cognitivos. Até por dever de ofício, um juiz, por exemplo, que tem um certo conhecimento sobre um elo de determinação, como se aqui a diferença nas suas obrigações, o reanúncio da via a própria vontade tem mais a propriedade do sentido. Para isso certamente faz uso de seus conhecimentos doutrinários. Kelsen nega a possibilidade de um equilíbrio entre o ato de vontade e da incerteza. crevendo-o com rigor. Exige-se, pois, método, obediência a cânones formais e materiais. A ciência, assim, é um saber rigoroso e que, por isso, caminha numa bitola bem determinada e impõe-se limites. Ora, o objeto de hermenêutica são conteúdos normativos essencialmente plurívocos, e o legislador, porque age por vontade e não por razão, sempre abre múltiplas possibilidades de sentido para os conteúdos que estabelece, então a ciência jurídica cabe descortinar esse fenômeno em seus devidos limites. Isto é, apenas mostrar a plurivocidade. Querer, por artigos metodológicos, ir nessa demonstração, tentar descobrir uma unicidade que não existe, é falsear o resultado e ultrapassar as fronteiras da ciência.\n\nA interpretação doutrinária é ciência até o ponto em que denunciou a equivocalidade resultante da plurivocidade. Pode, porém, o que faremos, é política, é tentativa de persuadir alguém de que esta não aquela é a melhor salva, a mais favorável do que em um contexto legislativo, na uma estrutura de poder. Tudo o que existe, portanto, quando a interpretação é essência de uma norma, não é realmente uma proposta política de um 'perfeito' conteúdo normativo, e, no entanto, uma proposta política é de conteúdo sagrado. \n\nNuma analogia a um tema uma obra de Wittgenstein, lógico com quem Kelsen privou em seus tempos de Viena, seguindo o qual \"que não é mundo, mesmo o que é sem uso\", e isso significa conhecer-lhes as regras de controle da denotação e conotação (regras semânticas), de controle das combinações possíveis (regras sintáticas) e de controle das funções (regras pragmáticas). 5.1.3 Voluntas legis ou voluntas legislatoris?\n\nO pensar dogmático, como temos visto até agora, é um saber bitolado por dois princípios: o da inequivocabilidade dos pontos de partida e o da proibição do non liquet, isto é, o da compulsoriedade de uma decisão. Para o saber dogmático, não há questões indecifráveis. Pode-se não saber qual a decisão que será tomada diante de um conflito, mas se sabe, desde logo, que uma decisão ocorrera. Essa compulsoriedade é que confere ao saber dogmático a necessidade de criar as condições de decidibilidade.\n\nOra, como deve haver um princípio inegável que impeça o recuo ao infinito (pois, no plano da hermenêutica, uma interpretação cujos princípios sempre mantidos sempre em aberto impediria a obtenção de uma decisão) e, ao mesmo tempo, pela própria natureza do discurso normativo, o sentido do conteúdo das normas é sempre aberto, segue que o intérprete dogmático se vê aprisionado entre o raciocínio elementar do entendimento como liberdade, isto é, entre a necessidade de determinar objetivamente os pontos de partida e a possibilidade de decidir que, ao final, emerge entre os versos sentidos. Essa tensão entre dogma e liberdade constitui o que denominamos de decisão kelensiana.\n\nNão obstante isso, para a tradição da ciência jurídica, essa tensão significa a plurais possibilidades de interpretar, como também que uma situação (prática) às múltiplas possibilidades interpretativas. Eis aí o problema hermenêutico da decidibilidade, isto é, é a criação das condições para uma decisão com o mínimo de perturbação social possível.\n\nÉ hoje um postulado universal da ciência jurídica a tese de que não há norma sem interpretação, ou seja, toda norma, pelo simples fato de ser posta, é passível de interpretação. Houve, é verdade, na Antiguidade, exemplos de rompimento desse postulado, como a conhecida proibição de Justiniano de que se interpretassem as normas de seu Corpus Juris Civilis. Contudo, sabemos hoje que não só não se conseguiu evitar aquelas normas se submete ao dominio do exegeta, como também, como nos mostra Stroux (1949) em seu admirável ensaio sobre as relações entre a jurisprudência romana e a retórica grega, não se desejou romper com aquele postulado, afirmando-se tão-somente que se reconhecia como vinculante apenas a interpretação do imperador: a proibição de interpretar não era uma supressão, mas sim, um limite.\n\nMuito embora o desenvolvimento de técnicas interpretativas do direito seja bastante antigo e já se debate presente na jurisprudência romana e até na retórica grega (ver item 2.2), elaborando-se posteriormente nas técnicas referentes às disputatioes dos glossadores (ver item 2.3) e tomando um caráter sistemático com o advento das escolas jusnaturalistas da Era Moderna (ver DOGMÁTICA HERMENÊUTICA OU A CIÊNCIA DO DIREITO COMO TEORIA DA INTERPRETAÇÃO 265\n\nitem 2.4), é relativamente recente a consciência de que a questão hermenêutica é um objeto teórico, ou seja, a tematização da interpretação como um problema científico, a exigir, mais do que meras técnicas, método (isto é, cânones intersubjetivos capazes de definir a verdade do saber). Ela conduz-nos ao século XIX como o período em que a interpretação deixa de ser questão de técnica apenas (como agir?) para constituir um problema teórico (que é interpretar e qual seu fundamento?) (ver item 2.5).\n\nO núcleo constitutivo dessa teoria já aparece esboçado ao final do século XVIII. O jusnaturalismo já havia cunhado para o direito o conceito de sistema, que se resumia, em poucas palavras, na noção do conjunto de elementos estruturados pelas regras de dedução. No campo jurídico, falava-se em sistema da ordem da razão ou da razão das normas conforme a razão, tendendo-se com isto à unidade das normas com base em princípios dos quais tudo o mais era deduzido. Interpretar exigia a determinação em sua discussão na totalidade do sistema. O relacionamento, porém, entre sistema e totalidade, na sua relação com a busca do sentido da unidade jurídica é ainda uma questão que resulta do mecanismo do religioso. Para uns, o sistema era a causa de suas partes e a unidade era dada pela integração, segundo as normas fundamentais. Para outros, a unidade era dada pela interação, do objeto do sistema e a contribuição dos próprios interesses do próprio sistema. Esta era, de fato, uma questão mais de escolha das opositores que sustentavam que sentido da lei repousava em fatores objetivos, como os interesses em jogo na sociedade (Jurisprudência da razão, na Alemanha), até que, já no final do século XIX e início do XX, uma forte oposição ao “conceitualismo” desemboca na chamada escola da “libre recherche scientifique” (livre pesquisa científica) que exigiam que o intérprete buscase o sentido da lei na vida, nas necessidades e nos interesses práticos. Desenvolvem-se, nesse período, métodos voltados para a busca do fim imanente do direito (método teleológico), ou de seus valores fundantes (método axológico), ou de suas condicionantes sociais (método sociológico), ou de seus processos de transformação (método axológico-evolutivo), ou de sua gênese (método histórico) etc.\n\nSavinoy, numa fase de seu pensamento anterior a 1814, afirma que interpretar era mostrar aqui o que a lei diz. A alusão ao verbo dizer nos faz ver que Savigny estava preocupado com o significado textual da lei. A questão, ainda meramente técnica, era, então, como determinar o sentido expressos nas normas. Dali a elaboração de quatro técnicas: a interpretação gramatical, que procurava o sentido vocabular da lei, a interpretação lógica, que visava a seu sentido proposicional, a sistemática, que buscava o sentido global ou estrutural, e a histórica, que tentava atingir o sentido genético.\n\nApós 1814, percebe-se na obra de Savigny que a questão toma outro rumo e o problema da constituição de um saber definitivo do direito quanto saber hermenêutico se esboça. A questão deixa de ser a mera enumeração de normas para referir-se ao fundamento de uma teoria da interpretação. Surge o problema de explicitar critério (metódico) da interpretação verdadeira. A resposta envolvia a determinação do fator responsável pelo sentido de unidade último e determinante do sistema. Em princípio, a concepção de que o texto da lei era expressão de mens legislatoris leva Savigny a afirmar que interpretar é compreender o pensamento do legislador manifestado no texto da lei. De outro lado, porém, enfatizava a existência fundante dos “institutos de direito” (Rechtsinstitute) que expressavam “relações vitais” responsáveis pelo sistema jurídico como um todo orgânico, um conjunto vivo em constante movimento. Daí a ideia de que seria a convicção comum do povo (Volksgeist) e o elemento primordial para a interpretação das normas.\n\nEssa oscilação entre um fator subjetivo – o pensamento do legislador – e outro objetivo – o “espírito do povo” – torna-se assim um ponto nuclear para entender o desenvolvimento da ciência jurídica como teoria da interpretação. Em meados do século XIX, ocorreu, assim, na França e na Alemanha, uma polêmica. De um lado, aqueles que defendiam uma doutrina restritiva da interpretação, cuja base seria a vontade do legislador, a partir da qual, com o auxilio de análises linguísticas e de métodos lógicos de referência, seria possível construir o sentido da lei (Jurisprudência dos Conceitos), na Alemanha, a “Escola da Exegese”, na França). De outro lado, foram aparecendo aqueles que sustentavam que sentido da lei repousava em fatores objetivos, como os interesses em jogo na sociedade (Jurisprudência da razão, na Alemanha), até que, já no final do século XIX e início do XX, uma forte oposição ao “conceitualismo” desemboca na chamada escola da “freirechtsbewegung” (movimento do direito livre) que exigiam que o intérprete buscase o sentido da lei na vida, nas necessidades e nos interesses práticos. Desenvolvem-se, nesse período, métodos voltados para a busca do fim imanente do direito (método teleológico), ou de seus valores fundantes (método axológico), ou de suas condicionantes sociais (método sociológico), ou de seus processos de transformação (método axológico-evolutivo), ou de sua gênese (método histórico) etc. DOGMÁTICA HERMENÊUTICA OU A CIÊNCIA DO DIREITO COMO TEORIA DA INTERPRETAÇÃO 267\n\ncompreensão do pensamento do legislador; portanto, interpretação ex tunc (desde então, isto é, desde o aparecimento da norma pela positivação da vontade legislativa), ressaltando-se, em consonância, o papel preponderante do aspecto genético e das técnicas que lhe são apropriadas (método histórico). Já para a doutrina objetiva, a norma goza de um sentido próprio, determinado por fatores objetivos (o dogma e um arbitrário social), independentemente de certo ponto do sentido que tenha querido dar o legislador, onde a concepção da interpretação como compreensão ex tunc (desde agora, isto é, tendo em vista a situação e o momento atual de sua vigência), ressaltando-se o papel preponderante dos aspectos estruturais em que a norma ocorre e as técnicas apropriadas a sua captação (método sociológico).\n\nA polêmica entre as duas correntes pode ser resumida nos seguintes argumentos (cf. Engisch, 1968:88):\n\na) os objetivistas contestam os subjetivistas:\n\n1. pelo argumento da vontade, afirmando que uma \"vontade\" do legislador é mera ficção, pois o legislador é raramente uma pessoa fisicamente identificada;\n\n2. pelo argumento da forma, pois só as manifestações normativas, validas trazidas na forma correta pelo ordenamento fora de si, devem ser consideradas, o que indica que a interpretação deve emprestar confiança a palavra da norma como tal e qual deve, em princípio, ser inteligível por si;\n\n3. seguir-se-ia um desvirtuamento na captação do direito em termos de segurança e de certeza, pois ficaríamos à mercê da opinião do intérprete.\n\nA polêmica, como se vê, pela força de seus argumentos e contra-argumentos, não se resolve. Há inclusive uma conotação ideológica em sua raiz. Assim, levado a um extremo, podemos dizer que o subjetivismo favorece certo autoritarismo personalista, ao privilegiar a figura do legislador, pondo sua vontade em relevo. Por exemplo, a exigência, na época do nazismo, de que as normas fossem interpretadas, em última análise, de acordo com a vontade do \"Führer\" (era o \"Führerprinzip\") é bastante significativa. Por sua vez, o objetivismo, também levado ao extremo, favorece certo anquilosamento, pois estabelece o predominio de uma equidade decorrente dos interesses sobre a própria norma ou, pelo menos, desloca a responsabilidade do legislador, na elaboração do direito, para os intérpretes ainda que legalmente constituídos, chegando-se a dizer que, como fazem alguns realistas norte-americanos, deve-se deixar de lado o \"decidimos dos tribunais\". Além disso, não se deve sempre, neste sentido, considerar o direito anterior à revolução e relativizar o atualizando na nova situação, predominando na doutrina objetiva, muito embora, quanto a direito novo, pós-revolucionário, tende-se privilegiar a vontade do legislador e a fazer prevalecer as soluções exatas que a norma pode dar, a todo custo e no seu formativo...\n\nSe a polêmica não pode ser resolvida pela força dos argumentos, ela põe-nos, ao menos, diante da questão. Assim, se partimos da observação de que o ato de interpretação tem por objeto não meramente um texto, mas o sentido que ele expressa e que é determinado por outro ato interpretativo - o arbitrário do legislador competente ou o arbitrário social - a posição de Justiniano, citada anteriormente, adquire, então, seu significado. Quando se diz que interpretar é compreender outra interpretação (a fixada na norma), afirma-se a existência de dois doadores de sentido: um que se positivna na norma e outro que procura identifica-lo. Ora, para que possa haver uma interpretação verdadeira, é preciso que ao menos um ato doador de sentido prevaleça (pressuposto dogmático). Como reconhecê-lo e fundá-lo? Estamos, de novo, diante do desafio kelseniano. 268 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO\n\n3. seguir-se-ia um desvirtuamento na captação do direito em termos de segurança e de certeza, pois ficaríamos à mercê da opinião do intérprete.\n\nA polêmica, como se vê, pela força de seus argumentos e contra-argumentos, não se resolve. Há inclusive uma conotação ideológica em sua raiz. Assim, levado a um extremo, podemos dizer que o subjetivismo favorece certo autoritarismo personalista, ao privilegiar a figura do legislador, pondo sua vontade em relevo. Por exemplo, a exigência, na época do nazismo, de que as normas fossem interpretadas, em última análise, de acordo com a vontade do \"Führer\" (era o \"Führerprinzip\") é bastante significativa. Por sua vez, o objetivismo, também levado ao extremo, favorece certo anquilosamento, pois estabelece o predominio de uma equidade decorrente dos interesses sobre a própria norma ou, pelo menos, desloca a responsabilidade do legislador, na elaboração do direito, para os intérpretes ainda que legalmente constituídos, chegando-se a dizer que, como fazem alguns realistas norte-americanos, deve-se deixar de lado o \"decidimos dos tribunais\". Além disso, não se deve sempre, neste sentido, considerar o direito anterior à revolução e relativizar o atualizando na nova situação, predominando na doutrina objetiva, muito embora, quanto a direito novo, pós-revolucionário, tende-se privilegiar a vontade do legislador e a fazer prevalecer as soluções exatas que a norma pode dar, a todo custo e no seu formativo...\n\nSe a polêmica não pode ser resolvida pela força dos argumentos, ela põe-nos, ao menos, diante da questão. Assim, se partimos da observação de que o ato de interpretação tem por objeto não meramente um texto, mas o sentido que ele expressa e que é determinado por outro ato interpretativo - o arbitrário do legislador competente ou o arbitrário social - a posição de Justiniano, citada anteriormente, adquire, então, seu significado. Quando se diz que interpretar é compreender outra interpretação (a fixada na norma), afirma-se a existência de dois doadores de sentido: um que se positivna na norma e outro que procura identifica-lo. Ora, para que possa haver uma interpretação verdadeira, é preciso que ao menos um ato doador de sentido prevaleça (pressuposto dogmático). Como reconhecê-lo e fundá-lo? Estamos, de novo, diante do desafio kelseniano. DOGMÁTICA HERMENÊUTICA OU A CIÊNCIA DO DIREITO COMO TEORIA DA INTERPRETAÇÃO 269\n\nhiante problema que ocorre na teoria da tradução. Também aqui nos vemos às voltas com o critério da boa ou correta tradução. A analogia justifica-se: afinal, quem traduz interpreta e, como diz o ditado italiano, \"traduttore, traditore\".\n\nReportando-nos a um pequeno ensaio de Flusser (1969:16:22), admitamos que traduzir é transpor o texto de uma para outra língua. Referimo-nos ao das línguas naturais, como o português, o inglês, mas podemos ampliar o conceito. Toda vez que um cientista explica para o público especificamente uma teoria - obra de divulgação científica -, realiza também uma tradução, isto é, transpõe de língua técnica numa língua natural. Que as traduções são possíveis atesta o fato de que elas ocorrem. Qual, porém, seu fundamento teórico?\n\nUma primeira resposta, que atende a uma tradição antiga e bastante intuitiva, é de que traduzir significa buscar, nas duas línguas, o mesmo objeto na realidade representado. Por exemplo, não sabemos o que dizer se a sentença em inglês \"this is a table\", procuramos a coisa (res) por ela designada e, como se pode ver, se chega à sentença que, de forma diferente, designa o mesmo objeto: \"isso é uma mesa\". A coisa (res) e o fundado processo percorrido não é da sentença na língua A para a res e depois para a sentença na língua B. Na verdade, chegamos à identificação do objeto depois que a sentença foi traduzida. Senão vejamos.\n\nQue nos permita um exemplo real e pessoal. Estava há uns meses na Alemanha, sem dominar ainda o idioma. Um estudante aproximou-se e, para ser simpático, tentou uma conversa. Olhando para um quadro a sua frente, fez algum comentário a respeito. Na sentença pronunciada, parecia uma palavra que, aparentemente, não fazia sentido: \"es ist schief\", dizia ele. O vocábulo soava de tal forma que fazia entender que ele mencionava um navio (isto é um \"navio\"). Contudo, o quadro era um mapa geográfico e nem mesmo as linhas traçadas tinham qualquer semelhança com navio, que não pode prosseguir. Voltei-me, então, para uma colega que, estudante de francês, explicou o equívoco. A palavra, mal escutada por mim, não era acostumada, era \"schief\" e não \"Schiff\". Esta última quer dizer \"navio\", mas que significava a outra? \"Schief\" significa \"torto\", explicando-se, se uma clara esclarece sombras: \"O quadro está torto!\" Que lição tiramos daqui? Observamos que, para que o objeto pudesse ser identificado, primeiro foi necessário a tradução (schief = torto). Por mais que o primeiro estudante se esforçasse em apontar o fato de o quadro estar torto, isso só foi percebido quando a tradução foi feita! Foi a tradução que conferiu sentido ao objeto e não ao contrário. Ora, não só a prática desmente a teoria realista, como ademais, ela funda-se num pressuposto indemonstrável: que as coisas têm uma estrutura própria, são como são, independentemente da língua; elas possuiriam uma unidade de significação intrínseca chamada essência, e a língua nada mais seria do que uma representação, mais ou menos perfeita, dessa unidade. Assim, a possibilidade da tradução (e seu critério) repousaria numa característica de próprio objeto. O pressuposto metafísico não explicado é o de que (a) o mundo real é este conjunto de objetos enquanto coisas singulares, concretas e captáveis sensivelmente, e de que, (b) quando atribuímos palavras às coisas, aos objetos do mundo real, seguimos certas delimitações predeterminadas nos próprios objetos. O critério da boa tradução seria, nesses termos, a adequação da língua ao mundo real. Ocorre aqui uma ilusão criada pelas línguas naturais, qual seja, a de que a expressão mundo real designa algo, ilusão esta possibilitada por sentenças como \"o mundo é belo,\" a mesma tem quatro pernas como equivalentes. Ora, a experiência do aprendizado de uma língua, pelas crianças, mostra esse pressuposto de infância. Uma criança conquista como \"mundo,\" o se organiza como \"bichos\". Aos poucos, vai surgindo uma articulação entre as palavras (gêneros e espécies) que assume a forma de um sistema. Essa articulação é, porém, diferente de situação para situação. A diferença entre rio, riacho, córrego, rego ou entre jovem, velho, quente, frio pressupõe fronteiras que não são dadas previamente, mas dependem da articulação linguística (o que é um velho para a criança não será necessariamente o mesmo para um adulto). A participação do arbítrio humano é, pois, o que torna difícil a tradução e a interpretação. A realidade, o mundo real, não é um dado, mas uma articulação linguística mais ou menos uniforme num contexto existencial. Um exemplo relatado por Flusser mostra-nos isso. Há um povo primitivo em cuja língua a sentença \"a mulher é uma batata\" é possível e articula o mundo real. Tanto que os homens de suas tribos vigiam, à noite, suas batatas para que elas não venham a prostituir-se com os homens das aldeias vizinhas! É claro que poderíamos dizer, preconceituosamente, que aquele povo primitivo estaria fabulando, não vendo as coisas como elas são. Trata-se, porém, de um preconceito cultural que rejeitaríamos se um estrangeiro nos dissesse que o chamado \"jeitinho\" brasileiro não existe, pois tudo não passasse de... \"isto é uma mesa\", seria preciso recorrer ao que pensa um inglês quando a pronúncia, identificar o mesmo pensamento em português e então realizar a tradução. A prática do ato de traduzir procederá assim: palavra → pensamento → palavra. Entre a \"coisa\" e a palavra introduz-se um intermediário que garante o critério da boa tradução: o pensamento. Chamemos essa teoria de idealista. Também essa, porém, não pode ser fundada. Em primeiro lugar, não corresponde à prática da tradução. Tomando o exemplo antes referido da palavra chief (torto), e é de reconhecer que só me foi possível perceber o que o estudante estava pensando, depois que a tradução foi feita, isto não é: sentença da língua A → pensamento → sentença da língua B, mas sentença da língua A → sentença na língua B → pensamento. Em segundo lugar, a teoria idealista também se funda num pressuposto indemonstrável: de que o pensamento é algo distinto da articulação linguística e que existe uma forma de acesso ao pensamento que prescinde da articulação linguística. Já Aristóteles (Teeteto, 130 b12) denuncia a posição dessa teoria, quando sugere que devemos sempre desconfiar de certas percepções. A partir desse ponto, conforme o contestável, pode-se dizer que contrário à corrente objetivista. Em primeiro lugar, a prática da interpretação desmente-a. Pois não se vai primeiro à produção, algo como os fatores objetivos e atuais, para depois atingir o sentido normativo, mas, portanto, estamos cuidando de duas correntes, como se... para depois atingir o sentido da norma, posto que, na verdade, primeiro se alcança o sentido da norma (interpreta-se) e se depois é que se descobre a intenção do legislador. Em segundo lugar, a corrente subjetivista recorre ao mesmo pressuposto indemonstrável da teoria idealista, supondo que a intenção do legislador (mens ou voluntas) é algo distinto da articulação linguística que existiria uma forma de acesso a seu pensamento normativo (como inteiração) inarticulada linguisticamente, teremos de buscar uma vontade capaz de comunicar-se de forma não linguística. Como isso é evidenciado, recorre-se aos debates preliminares, aos testemunhos prévios, nos quais, porém, também têm de ser interpretados! Se as palavras do legislador, unidades em que se expressa a consciência, representassem um certo vislumbre num vazio, refletindo certo arbítrio, o que torna o critério da interpretação verdadeira inexplicável. Em suma, contra a teoria idealista deve-se afirmar que não existe método de verificação do pensamento inarticulado. Ele só se articula pela asserção. Por isso, a tradução é método de verificação do pensamento e não ao contrário. Verificada a insuficiência dessas duas teorias da tradução, pergunta-se agora como isso repercute na fundamentação da hermenêutica. Fazendo o paralelo proposto, verificamos que as dificuldades existentes na demonstração das correntes subjetivista e objetivista são semelhantes às experimentais pelas teorias da tradução. Assim, em termos das concepções de língua subjacentes, é possível dizer que a teoria da mens ou voluntas legislatoris guarda certa analogia com a teoria idealista da tradução. Entretanto, objetos semelhantes. Em primeiro lugar, a prática da interpretação não percorrido caminho proposto. Não se vai primeiro a menos legislatoris. mos que uma língua é um sistema de símbolos (palavras) e relações conforme regras (ver item 5.1.1). É um conjunto formado por um repertório (os símbolos) e uma estrutura (as regras de relacionamento). Ora, quando em duas línguas o repertório coincide, costumamos dizer que é possível uma tradução fiel – \"this is a triangle\" – \"isto é um triângulo\". Quando é aproximadamente semelhante, dizemos que a tradução é livre – \"eu sinto saudades de você\", \"I miss you\". Para isso recorremos aos dicionários. Ora, como já elaborados nos dicionários? Como já vimos, ao indexar uma palavra, elas costumam mencionar os diversos usos possíveis dentro de uma língua, conforme suas regras de uso. Deveríamos, pois, recorrer à comparação das estruturas. Em princípio, as estruturas contêm regras básicas e secundárias. Basicamente, aquelas sem as quais qualquer linguagem carece de sentido. Por exemplo, em português: \"eu me ontem\" fere uma regra que impede a formulação de uma sentença válida. As regras secundárias são as que, se violadas, não chegam a produzir um sentido, embora possam causar estranheza. Assim, por exemplo, a expressão e o vice-presidente, se não assina mais do que 10,5%, é legando que, é dito que não se pode mais fazer um pedido a si mesmo. Posto isso, admitamos três hipóteses: (a) se as regras básicas de ambas as línguas coincidem, elas são comunicáveis. Neste terceiro caso, porém, é possível uma transferência indireta. Recorre-se a uma terceira língua que possa funcionar como uma ponte entre as outras. Seu requisito: ela conterá, entre suas regras secundárias, as regras básicas das outras. Exemplo do primeiro caso (a): a tradução de um teorema geométrico num teorema algébrico; do segundo (b), a transferência de um poema em inglês para o português; do terceiro (c), a transferência indireta de uma música (língua musical) para o português cotidiano, o que pode ocorrer por intermédio da linguagem do crítico de arte.\nO problema da boa tradução ocorre sobretudo nos casos (b) e (c). Em primeiro lugar, estamos afirmando que a prática da tradução exige a comparação das estruturas. Realizada esta, procede-se à adaptação ou à recriação do sentido por meio de uma língua intermediária. 276 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO\n\nrior. A verticalidade, porém, projetada sobre a horizontalidade, converte o alto/baixo no dentro/fora: o importante não é ganhar, mas participar, estar presente. Assim, as equipes que participam do campeonato são qualificadas como superiores às que ficaram de fora.\n\nA relação entre hierarquia e participação não é, porém, necessariamente congruente. Nem sempre o fora e o baixo se conjugam. O espaço, da comunicação, é então cortado diagonalmente por uma terceira idade organizadora, que lhe confere a forma cheia: claro/escuro. Os símbolos na fala se iluminam e se obscurecem, A luz revela e esconde. O foco lançado do enfoque. Veja, na comunicação de massa, a importância da tela da TV. Aquilo sobre o que a câmera se projeta ganha relevância na tela. O que nelas aparece o que está dentro e toma-se superior. Da ansiedades que notamos nas pessoas quando percebem que estão sendo focalizadas pela câmera é tudo fará aparecer.\n\nAs estruturas forma das participação, hierarquização e relevância organizam a fala e marcam a experiência horizontalmente, verticalmente e diagonalmente. Nessa ordem, o foco de relevância é fundamental, pois é pressuposta relacionalidade dos símbolos em conexão. O enfoque conforme que isso depende de relevância. Nela se localiza uma valoração dos valores de importância e a ideológica seja determinada, no que a relevância tange. O que quer ou procura significa, sempre, de algum modo, uma variação de tonalidade de valor; uma valoração do universo de significância cultural. O simbólico, partindo de uma ideológico comum de valores para o mundo, tão pouco existe um enfoque universal ou um acordo sobre a tradução dos símbolos. Como se forma, então, a estrutura do uso competente que goza de confiança?\n\nA uniformização do sentido tem a ver com um fator normativo de poder, o poder de violência simbólica (cf. Bourdieu e Passeron, 1970:18). Trata-se de poder capaz de impor significados como legítimas, dissimulando as relações de força que estão no fundamento da própria força. Não nos enganemos quanto ao sentido desse poder. Não se trata de coação, pois, pelo poder de violência simbólica, o emissor não co-age, isto é, não se substitui ao outro. Quem age é o receptor. Poder aqui é controle. Para que haja controle é preciso que o receptor conserve suas possibilidades de ação, mas aja conforme o sentido, isto é, o esquema de ação do emissor. Por isso, ao controlador, o emissor não elimina as alternativas de ação do receptor, mas as neutraliza. Controlar é neutralizar, fazer com que, embora conservadas como possíveis, certas alternativas não contêm, não sejam levadas em consideração.\n\nEntende-se, assim, como se formam as estruturas do uso competente, o qual privilegia um enfoque: o arbitrário socialmente prevalente. A busca do sentido correto que leva à tradução fiel, quer por transferência direta, quer por indireta, pressupõe uma variedade e diversidade que têm de ser controladas. A possibilidade de ambas repousa no próprio contínuo da comu 277 DOGRÁMÁTICA HERMENÊUTICA OU A CIÊNCIA DO DIREITO COMO TEORIA DA INTERPRETAÇÃO\n\nnização. Já a passagem do tempo altera os sentidos. O que significa hoje deixa de significar amanhã. Ora, é preciso generalizar ou uniformizar o sentido, apesar do tempo particularizá-lo e diversificá-lo. Como? Se a comunicação flui do emissor para o receptor temporalmente localizados, neutralizem-se os comunicadores. Isso se obtém pela criação de hierarquias, sistemas hierárquicos que disciplinam a combinação dos símbolos conforme gêneros e espécies de compatibilidade e incompatibilidade, ou seja, conforme uma sintaxe. A sintaxe gramatical – que pende, por exemplo, do combinado um substantivo com advérbio: “a casa é confortavelmente” – tem a ver com a idade alto/baixo. A neutralização da estrutura sistemática (sintática) da língua, parecendo que o sentido compreende independente de quem usa os símbolos. No fundo se estabelece, então, a relação de poder: o poder-autoridade. O enfoque conforme as regras estipuladoras como “qualquer” comunicador que use, embora o poder de violência simbólica capaz de generalizar os sentidos, não abste-se a passagem do tempo: “seja qual for o substantivo”, não importa quem fale, quem use, em algum tempo que. \n\nA variedade e diversidade dos sentidos deve recorrer também da multiplicidade de pontos da ação de outros sociais: vários indivíduos, diversos grupos, pois, precisam produzir consensus. A organização dos simbolizadores opera a ideia dentro/fora e o valor/participação. A organização da forma os outros. Um filtro simbólico do nele deve, então, acompanhar a neutralização das opiniões dos outros é obtida por regras pragmáticas de controle social e isso requer, de novo, uma forma de poder de violência simbólica: o poder-liderança. Liderança quer dizer uma forma bem-sucedida de supor consenso: para qualquer símbolo, quem quer que conrhea a índole da língua, sabe que na comunidade linguística portuguesa o certo é: o leite é branco; não dizemos: o leite é verde.\n\nPor fim, a variedade e diversidade de sentidos decorre também da multiplicidade dos símbolos e sua consequente vaguidade e ambiguidade. Faz mister neutralizar o próprio símbolo, conferindo denotação e conotação razoavelmente precisas a seus conteúdos. A uniformização, nesse caso, requer também uma forma de poder de violência simbólica: o poder-reputação, enquanto controle do próprio repertório simbólico. Não obstante a vaguidade e ambiguidade, é certo que tal palavra deve significar rigorosamente o mais adequadamente tal coisa, pois assim o atestam os melhores dicionários da língua... 278 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO\n\nfiância. Essa competência tem suas raízes em estruturas gerais da comunicação, conforme as quais os símbolos se organizam em termos de hierarquia (alto/baixo), participação (dentro/fora), relevância (claro/escuro). Não há, porém, um enfoque universal. O que chamamos, então, de uso competente depende de uma relação ideológica de poder, o poder de violência simbólica que se manifesta como autoridade, liderança e reputação. Por ali passa a formação do uso competente enquanto manifestação de um arbitrário social.\n\nPosto isso, como repercute tudo isso para uma fundamentação teórica da hermenêutica jurídica?\n\n5.1.5.2 LÍNGUA HERMENÊUTICA E LEGISLADOR RACIONAL\n\nPartamos de um exemplo.\n\nEntendemos que o art. 62 da Constituição Federal de 1988: “Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional”.\n\nEssa norma confere ao Presidente uma competência (norma de competência): “proclamar” ou “qualquer” medida que deve ser observadas condições de relevância e urgência. A relevância depende de um juízo de valor. Contudo, a urgência depende de um juízo de realidade. Trata-se da constatação de um conjunto de condições que mostram que uma decisão deveria ser tomada imediatamente, sob pena de perda de oportunidade.\n\nAparentemente, no processo interpretativo temos, de um lado, a prescrição constitucional, de outro, a realidade (o ato presidencial). O texto normativo constitui, obviamente, uma língua, que deve ser interpretada. E a “realidade”? Consoante o que dissemos, ao refutar a teoria da tradução, a realidade nada mais é do que um sistema articulado de símbolos num contexto existencial (ver item 5.1.4). Ora, essa realidade-língua (LR), para o jurista, aparece como que de fato acontece: e fato que ocorreu urgência, e fato que foi expedida uma medida provisória pelo Presidente da República. Que significa fato?\n\nÉ preciso distinguir entre fato e evento. A travessia do Rubicão por César é um evento. Todavia, \"César atravessou o Rubicão\" é um fato. Quando, pois, dizemos que \"é um fato que César atravessou o Rubicão\", conferimos realidade ao evento. \"Fato\" não é, pois, algo concreto, sensível, mas um elemento linguístico capaz de organizar uma situação existencial como realidade de. A possibilidade de usar o elemento \"é fato que\" depende, porém, de re 5.1.5.3 INTERPRETAÇÃO E PARÁFRASE\n\nO uso da língua hermenêutica pressupõe portanto um uso competente. A ideia de interpretação verdadeira repousa, pois, nesse pressuposto. A questão é, não obstante, como no contexto da língua hermenêutica produzem-se interpretações que serão aceitas e outras que serão rechaçadas? Como será possível ao hermeneuta realizar a \"tradução\" de \"dever-se a pena\" para aquele que matar por motivo fútil\" para \"é fato que fulano matou alguém\" por divergência na posse de tóxicos 'ou' é fato que fulano matou alguém passionalmente nervoso, mas sem nenhum motivo plausível? (cf. Camargo, 1982).\n\nA divergência e a possibilidade extensiva de enquadrar a briga por tóxicos e a ausência de motivos na lei depende da reconstituição da expressão \"motivo fútil\" conforme o dever-ser ideal do legislador racional.\n\nKelsen pode fornecer-nos uma pista do que estamos procurando. Ao distinguir entre norma e proposição jurídica, diz-nos que aquela preserva condutas e esta descreve normas. Assim, a norma \"matar alguém, pena x\" é descrita pela proposição doutrinária \"no Direito Brasileiro, matar alguém deve ser punido com a pena x\". Esse \"dever-ser\", porém, diz Kelsen (1960), não é prescritivo, mas descritivo. Que significa, contudo, um \"dever-ser descritivo\"? Kelsen explica que as proposições doutrinárias não produzem normas, são apenas atos de conhecimento, não de vontade. Não obstante, não fica escalrecido o uso do conectivo dever-ser cuja carga prescritiva é transparente e, apesar disso, não se confunde com o ser descritivo. Não se trata, pois, nem de língua normativa (LN) nem de língua-realidade (LR).\n\nPara entender essa peculiaridade da língua hermenêutica (LH), temos de fazer referência a um pressuposto importante da hermenêutica, quando interpreta: o legislador racional. Trata-se de uma construção dogmática que não se confunde com o legislador normativo (o ato juridicamente competente, conforme o ordenamento) nem como legislador real (a vontade que de fato positivo normas). É uma figura intermédia, que funciona como um terceiro metalinguístico, de cerca da linguagem normativa (LN) e da língua-realidade (LR). A hermenêutica reporta-se, quando fala que \"o legislador pretende que (...)\"; é então dito \"a intenção do legislador é que (...)\" o mesmo \"a mens legis nos diz que (...)\".\n\nNino (1980:331) dá-nos, em resumo inteligente, as propriedades que caracterizam o legislador racional:\n\nEm primeiro lugar, trata-se de uma figura singular, isto é, apesar da multiplicidade de contextos, colegas, parlamentos, diversos atores num processo legislativo, deve ser respeitada sua identidade: o legislador.\n\nEm segundo lugar, é uma figura permanente, isto é, não desaparece com a passagem do tempo e com a morte das vontades concretas.\n\nEm terceiro lugar, é único, isto é, é o mesmo para todas as normas do ordenamento, não obstante as diferenças no tempo e no espaço e as diversas competências normativas, como se todo o ordenamento obedecesse a uma única vontade.\n\nEm quarto lugar, é consciente, ou seja, conhece todas as normas que emana, passadas e presentes, tendo ciência global do ordenamento.\n\nEm quinto lugar, é finalista, isto é, ao sancionar uma norma, sempre tem alguma intenção.\n\nEm sexto lugar, é omniciente, pois conhece todos os fatos e condutas, nada lhe escapando, sejam eventos passados, sejam presentes ou futuros.\n\nEm sétimo lugar, é omnipotente, pois suas normas vigem até que ele próprio as substitua soberanamente.\n\nEm oitavo lugar, é justo, pois jamais deseja uma injustiça, tudo se resumindo numa questão de compreendê-lo bem.\n\nEm nono lugar, é coerente, ainda quando, aparentemente, se contradiz, bastando para isso invocar a lex superior, posterior e specialis. Em décimo lugar, é omnicomprensivo, pois o ordenamento tudo regula, explícita ou implicitamente.\n\nEm décimo primeiro lugar, é econômico, isto é, nunca é redundante, nunca usa palavras supérfluas, e cada norma, ainda que aparentemente seja já a regular a mesma facti species, tem na verdade uma função própria e específica.\n\nEm décimo segundo lugar, é operativo, pois todas as suas normas têm aplicabilidade, não havendo normas nem palavras inúteis.\n\nEm décimo terceiro lugar, é preciso, pois, além de se valer de palavras da língua natural, vagas e ambíguas, sempre lhes confere um sentido rigorosamente técnico.\n\nEssas propriedades confirmam, na verdade, os dois princípios da hermenêutica dogmática: o da inequabilidade dos pontos de partida (deve haver um sentido básico) e o da proibição do non liquet (não se pode deixar em decisão). A figura do legislador racional esclarece o dever-ser descritivo de Kelsen como um dever que é não assume nem um dever normativo real. Como se observa na língua hermenêutica (LH), e, por algum meio, evidentemente já interpretativa já reconhecida, e no qual se faz a busca da recondução a um nível de interpretação das normas e a busca da lei do legislador, como se o interprete \"fizesse de conta que\" suas normas constituem um todo harmônico, capaz, então, de ter um sentido na realidade. A relação sintagmática \"motivo fútil\" sofre uma carga valorativa, como fizemos ver anteriormente. Surgem, assim, relações associativas que permitirão aos intérpretes conectar a falta de motivo com a torpeza do ato e assim inverter a ordem linear sintagmática: em vez de motivo fútil, futilidade imotivada. O intérprete, porém, vai dizer que essa inversão, que não precisa tornar-se expressa, corresponde à vontade do legislador. Não basta dizê-lo, porém, é preciso fazer sua demonstração. Fazer a demonstração significa por em ação as estruturas da língua competente da língua hermenêutica. Assim, o dever-ser ideal se apresentará como um dever-ser sistemático, teleológico e so-cio logicamente efetivo. Afinal, para a dogmática, as normas jurídicas são vigiantes dentro do sistema que integram, são eficazes, pois produzem efeitos na realidade social, e são dotadas de império, têm uma força que exerce um fim e um objetivo.\n\nOra, a vigência, enquanto tempo de validade, significa que, por pressuposto, o normo manifesta uma relação de autoridade que se constituiu na formação hierárquica do sistema. A eficácia significa, por pressuposto, a possibilidade de atuação da norma diante de eventos comunicativos diversos. E a imperatividade agrega uma sua imposição pela funcionalidade, subentendendo-se um comando estrutural do normo. Ora, a vigência indica uma estrutura conforme alto/baixo e, pois, para uma relação de poder-reputação. A hermenêutica, assim, para realizar o ato interpretativo, guia-se pelos critérios de correção hierárquica, participação consensual e relevância funcional. É preciso mostrar que a expressão motivo fútil, no sistema do ordenamento, tem respaldo em outras normas e compatível com elas um sistema coerente. Que ela atua na realidade conforme um sentido óbvio. E que serve às finalidades da justiça. Isso requer letras apropriad as, e temos os chamados métodos hermenêuticos: o método lógico-sistemático, o método histórico-sociológico, o método teleológico e axiológico e suas variantes combinadas.\n\nAo se utilizar de seus métodos, a hermenêutica identifica o sentido da norma, dizendo como ele deve-ser (dever-ser ideal). Ao fazê-lo, porém, não cria um sinônimo, para o símbolo normativo, mas realiza uma parafrase (cf. Vernego, 1971), isto é, uma reformulação de um texto cujo resultado é um substituto mais persuasivo, pois excisado em termos mais convenientes. Assim, a paráfrase interpretativa não elimina o texto, pondo outro em seu lugar, mas a mantém de uma forma mais conveniente, reforçando-a, dando-lhe por base de referência ao seu ideal do legislador racional, para um efetivo controle da conotação e da denotação. Ou seja, ao interpretar, a hermenêutica produz um acréscimo à função motivadora da língua normativa e realiza um ato de violência simbólica. Com o chamado método lógico-sistemático neutralizam-se os comunicadores e confere-se a norma o caráter de um \"imperativo despessoalizado\", que tem um sentido universal independentemente do tempo e que, assim, pode ser individualizado para o caso concreto. Com o método histórico-sociológico neutraliza-se a divergência de opinião e suspe-se consenso, permitindo-se que a norma tenha um sentido geral que pode ser especificado. Com o método teleológico e axiológico, neutraliza-se a facti species, que adquire um sentido abstrato que pode ser concretizado.\n\nO pressuposto da vontade do legislador racional exige, porém, que as dimensões da autoridade, liderança e reputação sejam congruentes. Pois isso é uma regra dogmática, a exigência da, que ao interpretar, a hermenêutica não se dá um único método, mas aliás, várias regras. E tal, na congruência não há, simplesmente, um modo de interpretação. A interpretação não é verdadeira nem por fidelidade ao pensamento legislativo, mas em termos observáveis dos objetivos da realidade, mas à medida que se vive congruente a uma relação do poder de violência simbólica.\n\nNão obstante, que explicaria as divergências hermenêuticas?\n\n5.1.5.4 INTERPRETAÇÃO VERDADEIRA E INTERPRETAÇÃO DIVERGENTE: CÓDIGOS FORTES E CÓDIGOS FRACOS\n\nPara explicar esta questão, fazendo uma referência ao trabalho de Epstein (1980:19). Simplificadamente e em alusão a Max Weber, podemos dizer que em uma relação de poder há três elementos: o agente de domin ação, o paciente e as organizações estuturadas. Ora, quando um agente emite uma norma, esta pode ser captada pelo paciente de diversos modos. E, portanto não há, pois, direta, mas medida pelas organizações estaturadas que constituem um código explícito. Por exemplo, nas organizações burocráticas, as emissões de normas obedecem a uma disposição (impecável) das competências. Ora, esse código explícito tem que ser decodificado, para que a norma se cumpra. Entendemos por código uma estrutura capaz de ordenar, para um item qualquer, dentro de um campo limitado, outro que seja complementar. Os códigos tornam comuns as orientações de agentes comunicativos. Por meio do código ganha-se relativa liberdade da situação concreta. Todavia, a generalização das significações pode fazer com que as situações concretas se percebam. Por isso o código tem de ser decodificado. Como se dá a decodificação? Em geral, as prescrições burocráticas são emitidas por definição (Weber) conforme um código dotado de rigor denotativo e conotativo. Trata-se de um \"código forte\" que procura dar um sentido unívoco à prescrição. Por exemplo: \"as obrigações pecuniárias constituídas antes deste decreto-lei e sem cláusulas de correção monetária serão convertidas na data de seu vencimento conforme o índice de deflação x\". O código forte confere a prescrição um sentido estrito, quando atribui rigor às expressões obrigação pecuniária, constituição da obrigação, data da constituição, fator deflacionário etc. O rigor, porém, estreito e espaço de manobra do destinatário, pois dele se exige um comportamento estrito. Assim, a tendência do receptor é ganhar espaço, criação conforme um \"código fraco\", isto é, pouco rigoroso e flexível, distuindo-se todas as obrigações pecuniárias estão subsumidas na prescrição, se uma obrigação apenas delineada provisoriamente, mas sujeita a incidentes futuros, já foi constituída etc.\n\nPode ocorrer, porém, que o emissor decodifique sua prescrição conforme um código fraco, procurando \"encerrar\" o comportamento do receptor de todos os lados pela flexibilidade de sentido. Nesse caso, o receptor vai, em contrariedade, exigir uma decodificação precisa, conforme um código forte, pois este é que lhe confere espaço de manobra.\n\nOra, diante desses esquemas, temos de reconhecer que o legislador normativo trabalha com ambos os códigos. Em face disso, dependendo da situação de experiência e exigência de interpretação do sistema, o intérprete poderá variar, invocando um de legislador racional, a função hermenêutica do seu sentido forte ou fraco. Com isso, podem-se observar as correlações e as divergências na interpretação, conforme ao uso e a distância entre a legitimidade tradicional e essa dessa competência inata da situação de conveniência. Assim, a possibilidade, conforme a situação, de usar códigos fortes e fracos a serviço do poder de violência simbólica confere à hermenêutica uma analogia ao seu princípio da interpretação extensiva. Por exemplo: será crime de lenocínio manter modelos para casos? Estritamente, lenocínio refere-se a casas de prostituição. Estendê-lo a motivos é analogia ou interpretação extensiva?\n\nAssim, a possibilidade, conforme a situação, de usar códigos fortes e fracos a serviço do poder de violência simbólica confere à hermenêutica uma analogia ao seu princípio da interpretação extensiva. Por exemplo: será crime de lenocínio manter modelos para casos? Estritamente, lenocínio refere-se a casas de prostituição. Estendê-lo a motivos é analogia ou interpretação extensiva?\n\n5.1.6 Função racionalizadora da hermenêutica\n\nLegendre (1976:154) afirma que, para os juristas, a sociedade não é nem gentil nem maldosa, pois a vontade do legislador (racional) não tem, es DOGMÁTICA HERMENÊUTICA OU A CIÊNCIA DO DIREITO COMO TEORIA DA INTERPRETAÇÃO 285\n\ntritualmente, nenhum caráter. Assim, o direito deve permanecer inacessível, enquanto instrumento voltado para a manutenção da ordem. Por isso, para o jurista, o direito não mente jamais, uma vez que existe, precisamente, com a finalidade de obscurer a verdade social, deixando que se jogue a ficção do bom poder.\n\nNa realidade, prossegue ele, o ensino dos juristas revela que, em razão da enorme produção normativa da qual eles têm o encargo interpretativo, tudo se passa como se em único texto (o ordenamento) estivesse em expansão continua. Suas diversas operações técnicas – interpretação sintética, sociológica, teleológica –em nada mais consistem do que reformular (parafrasear) o mesmo objeto (o ordenamento). Contudo, dessa forma, abrumam-se as eventuais saídas e impede-se o diálogo com o leigo. O jurista que faz e fala. Todavia, assim, cerceia-se para os sujeitos a palavra plena, pois tudo pode passar pela língua hermenêutica, que tudo pode ser controle do jurista. Entre-as, assim, num universo silencioso, o universo do ordenamento, que sabe tudo, que faz as repercussões e as devidas explicações. Entretanto, desse modo, o mistério divino do direito, o princípio do animus dado permanente, fora de tempo, é obliterado. Não ado essa sociedade, ictus; ubi societas, ibi jus – onde há direito, há sociedade –não há direito. 286 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO\n\n5.2 MÉTODOS E TIPOS DOGMÁTICOS DE INTERPRETAÇÃO\n\nA doutrina hermenêutica, por ser um discurso do poder de violência simbólica, não se constrói como uma teoria descritiva (zetética) que explica como é o sentido do direito, mas como uma teoria dogmática que expressa como deve (dever-ser ideal) ele interpretado. Os conceitos, as premissas, os princípios postulam concepções cripto-normativas (cripto = oculto) e formulam-se como orientações sobre os objetivos e os propósitos da interpretação. Dessas orientações deduzem-se, então, regaras hermenêuticas.\n\nConforme mostramos, com base nas três alíneas de organização dos símbolos (alto/baixo, dentro/fora, claro/escuro) e as perspectivas relações de poder (autoridade, liderança, reputação), constituem-se três critérios básicos, em razão dos quais é possível proceder, precisamente, uma reesquematização dos métodos de interpretação. Esses três critérios são a correção ou eufonia, o consenso, a justiça e o sentido correto exigido\n\n5.2.1 Métodos hermenêuticos\n\nOs chamados métodos de interpretação são, na verdade, regras técnicas que visam à obtenção de um resultado. Com elas procuram-se orientar para os problemas de decidibilidade dos conflitos. Esses problemas são de ordem sintática, semântica e pragmática. Embora não possamos circunscrever os rigorosamente no Direito, vamos tomá-los esquematicamente para a exposição. DOGMÁTICA HERMENÊUTICA OU A CIÊNCIA DO DIREITO COMO TEORIA DA INTERPRETAÇÃO 287\n\nexpressões dentro de um contexto: questões lógicas; e à conexão das sentenças num todo orgânico: questões sistemáticas.\n\nA orientação para enfrentar os problemas sintáticos constituiu o objeto dos métodos sistemáticos.\n\nQuando se enfrenta uma questão léxica, a doutrina costuma falar em interpretação gramatical. Parte-se do pressuposto de que a ordem das palavras e o modo como elas estão conectadas são importantes para obter-se o sentido significativo da norma. Assim, dúvidas podem surgir, quando a norma conecta substantivos e adjetivos ou usa pronomes relativos. Ao valer-se da língua natural, o legislador está sujeito a equivalência e, por isso, não existir nem nessas línguas regras de rigor (como na ciência), produzirem perplexidade. A norma prescreve: \"a investigação de quem ocorreu num país estrangeiro não deve levar-se em consideração pelo juiz brasileiro\", o problema não deixa claro e se reporta à angústia de um delito. Outro exemplo: \"exame de mercadoria, quando indispensável para a concepção do produto, deverá ocorrer\". No fundo, pois, a chamada interpretação gramatical tem na análise léxica apenas um instrumento para mostrar e demonstrar o problema, não para resolvê-lo. A letra da norma, assim, é apenas o ponto de partida da atividade hermenêutica. Como interpretar juridicamente é produzir uma paráfrase, a interpretação gramatical obriga o jurista a tomar consciência da letra da lei e estar atento às equívocidades proporcionadas pelo uso das línguas naturais e suas imperfeitas regras de conexão léxica.\n\nQuando enfrentamos problemas lógicos, a doutrina costuma falar em interpretação lógica. O que se disse para a interpretação gramatical pode ser repetido nesse caso. Trata-se de um instrumento técnico, às vezes, num vício da identificação de inconsitências. Parte-se do pressuposto de que a conexão de uma expressão normativa com as diversas expressões da mesma regra, usa-se o mesmo termo em normas distintas com consequências diferentes. Fere-se ao princípio lógico da identidade. Assim, por exemplo, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 155, § 3º, determina que, à exceção dos impostos tratados no inciso II do caput do artigo e no art. 153, I e II, nenhum outro tributo poderia incidir sobre operações de energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do país. Em outros artigos (por exemplo, 146, III, e 150, I), o termo tributo é usado num sentido amplo, de gênero, que abarca várias espécies, inclusive as contribuições sociais. O Supremo Tribunal Federal, contudo, entendeu que as contribuições sociais não estavam subsumidas à expressão nenhum outro tributo do mencionado art. 155, § 3º.\n\nOra, o princípio lógico da identidade (A = A) permite ao jurista mostrar a questão, mas não resolvê-la. As regras da interpretação lógica, recomendações para criar as condições de decidibilidade, são assim fórmulas lógicas como “o legislador nunca é redundante”, “as expressões estão usadas em sentidos diversos”, e porque um deve disciplinar a generalidade, surge um quadro novo: expressões que podem ter diversos contextos em que a expressão ocorre e classificá-los conforme sua especificidade etc. Se cada uma das bases lógicas são utilizadas em todos os contextos, podemos dizer que procura-se por tais critérios de decidibilidade pela essência ou excluindo recomendações gerais evitas, por conta de outras situações que não estão expressas, por exemplo, o duplo sentido que, se o legislador não distingue, não cabe ao interpretar distinguir etc. A atitude prática corresponde a recomendações que emergem das situações conflitivas, por sua consideração material, como o procedimento das classificações e reclassificações, definições e redefinições que ora separam os termos na forma de oposições simétricas (ou é um conteúdo de direito público ou é de direito privado) ou sua conjugação (caso em que os conteúdos são aproximados na forma de gêneros e espécies ou espécies de um gênero superior). A atitude diplomática, por fim, exige certa inventividade do intérprete, como é a proposta de ficções: se a verificação de uma condição foi imposta, contra a boa-fé, por aquele a quem prejudica, deve-se tê-la por verificada; se, nos mesmos termos, foi provocada por aquele a quem aproveita, deve-se tê-la por não verificada.\n\nPor fim, quando se enfrentam as questões de compatibilidade num todo estrutural, falemos em interpretação sistemática (stricto sensu). A pressão hermenêutica é a unidade do sistema jurídico do ordenamento. Há aqui um paralelo entre a teoria das fontes e a teoria da interpretação. Correspondentemente à organização hierárquica das fontes, emergem recomendações sobre a subordinação e a conexão das normas do ordenamento tendo tudo que culmina (em princípio) pela primeira norma-origem do sistema, a Constituição. Para a identificação dessa relação, são nucleares as noções. discutidas de validade, vigência, eficácia e vigor ou força (ver item 4.3.2). A primeira e mais importante recomendação, nesse caso, é que, em tese, qualquer preceito isolado deve ser interpretado em harmonia com os princípios gerais do sistema, para que se preserve a coerção de todo. Portanto, nunca devemos isolar o preceito nem em seu contexto (a lei em tela, o código: penal, civil etc.) e muito menos em sua conotação imediata (nunca leia só um artigo, leia também os parágrafos e os demais artigos). De modo geral, por exemplo, a questão de saber se uma lei pode, sem limitações, criar restrições; a atividade comercial deve ser interpretada em consonância, e deve-se buscar, no todo (sistemático) do ordenamento, a prioridade empresarial na defesa das normas constitucionais. Assim, dentro da lei que leda e estabelece as restrições, deve-se saber se a Constituição, ao estabelecer a igualdade de todos perante a lei, discriminar, ela própria, algumas exceções e se lhe é excepcional (por exemplo, a propriedade de administração de empresas de TV, rádio, etc., ressalvadas a regra geral de igualdade e o princípio segundo o qual a constituição exige a nacionalidade de proprietários e dirigentes, no que condiciona de modo absoluto a cidadania). Portanto, a interpretação sistêmica deve criar uma nova base, subordinação à regra geral do legislado (que pode levar ao seu prescrito), e o nacionalidade da matéria-prima utilizada na produção) para restringir a atividade de empresas estrangeiras.\n\n5.2.1.2 INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA, SOCIOLÓGICA E EVOLUTIVA\n\nOs problemas que tentamos didaticamente circunscrever como de ordem sintática mostram, aqui e ali, questões de ordem semântica. Num sentido restrito, os problemas semânticos referem-se ao significado das palavras individuais ou de sentenças prescritivas. Aqui aparecem as questões de ambigüidade e vaguidade já mencionadas. A hermenêutica pressupõe que tais significados são função da conexão fática ou existencial em consideração ao conjunto vital – cultural, político e econômico – que condiciona o uso da pressão.\n\nA teoria dogmática da interpretação costuma distinguir entre conceitos indeterminados, conceitos valorativos e conceitos discricionários. A distinção conhece diferentes atributos diferenciadores. Entre eles, um dos mais importantes é a possibilidade de, por via interpretativa, conferir-se ao conceito um contorno genérico.
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5\nDogmática Hermenêutica ou a Ciência do Direito como Teoria da Interpretação\n\n5.1 PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO: UMA INVESTIGAÇÃO ZETÉTICA\n\nAo disciplinar a conduta humana, as normas jurídicas usam palavras, signos lingüísticos que devem expressar o sentido daquilo que deve ser. Esse uso oscila entre o aspecto onomasiológico da palavra, isto é, o uso corrente para a designação de um fato, e o aspecto semasiológico, isto é, sua significação normativa. Os dois aspectos podem coincidir, mas nem sempre isto ocorre. O legislador, nesses termos, usa vocábulos que tira da linguagem cotidiana, mas frequentemente lhes atribui um sentido técnico, apropriado à obtenção da disciplina desejada. Esse sentido técnico não é absolutamente independente, mas está ligado de algum modo ao sentido comum, sendo, por isso, passível de dúvidas que emergem da tensão entre ambos. Assim, por exemplo, o Código Civil Brasileiro de 2002, em seu art. 1.591, ao estabelecer as relações de parentesco, fala de parentes em linha reta como as pessoas que estão umas para as outras numa relação de ascendentes e descendentes. No art. 1.592, fala de parentes em linha colateral como as pessoas que provêm, até o quarto grau, de um só tronco, sem descendendo uma da outra. Observa-se, de início, que o uso comum da palavra parente não coincide com o legal, pelo menos à medida que vulgarnente não se faz a limitação do art. 1.592, que considera parente em linha colateral a relação consanguínea até o quarto grau (por exemplo, os tataranetos já não são considerados parentes 256 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO\n\npela lei, quando um descende de um filho e outro, de outro filho do tataravô, ainda que, vulgarnente, mantenham relações consideradas de parentesco: são os parentes \"afastados\" ou primos \"distantes\". A lei, nesse caso, presume, para os efeitos de decidibilidade, que, além desse limite, \"o afastamento é tão grande que o afeto e a solidariedade não oferecem mais base ponderada para servir de apoio às relações jurídicas\" (Monteiro, 1962, v. 2:235; o comentário, feito a propósito do Código Civil de 1916, vale ainda para o de 2002). Sucede, além disso, que, no sentido vulgar, a palavra parente aplica-se também às relações de afinidade (parentes afins: genro e sogro, noras e cunhados), ao passo que o Código, nesses casos, não se limita a dizer parente, mas vínculo de afinidade (art. 1.595). Contudo, o próprio Código às vezes oscila entre o sentido técnico e o vulgar, tanto que no art. 1.524 e no art. 1.737 acaba por falar em parentes afins. Não obstante as diferenças e as oscilações mencionadas, é de entender a importância do extra conhecimento do sentido dessas relações, posto que isso tem consequências para a distribuição de direitos, obrigações e restrições, que envolvem cada um deles. 257 DOGMÁTICA HERMENÊUTICA OU A CIÊNCIA DO DIREITO COMO TEORIA DA INTERPRETAÇÃO\n\n5.1.1 Função simbólica da língua\n\nVejamos, em primeiro lugar, o que são os signos dos quais estamos falando. Tomemos o seguinte texto: \"Se o pagamento for feito ao prazo, incidirá multa de 10%\". Sr. Freitas deve pagar no prazo, logo deve pagar o valor de 10% de multa. Algumas palavras deste texto significam algo. Assim, por exemplo, prazo serve para designar um instante. A noção significativa pode ser exercida por emblemas, distintivos, roupas etc. Os signos lingüísticos têm por base sons ou fonemas. O fonema é um som que, em determinado contexto, se distingue: por exemplo CA-SA. A junção dos fonemas é base, em português, para um signo; o signo não se confunde com a base fonética, embora seja necessário sempre que haja uma base material; percebemos isso quando observamos, por exemplo, a base fonética MAN-GA, que serve tanto para o signo-fruta, quanto para o signo-parte do vestuário. Por outro lado, dos signos, abstração feita de sua base fonética, podem ter a mesma ou semelhante significação. Por exemplo: MO-RA-DI-A, CA-SA. Embora com bases fonéticas diferentes, podemos dizer que os signos têm significação semelhante. Costuma-se fazer uma diferença entre signos naturais e artificiais. Exemplo do primeiro: a umidade da terra é signo de que choveu. Os signos artificiais são elaborados por seres humanos: por exemplo, a própria palavra unidade. Os signos artificiais são chamados de símbolos. Os signos lingüísticos, com base fonética, são símbolos. zar, mas só possuímos predicadores, precisamos de outros instrumentos: os identificadores, como são os pronomes demonstrativos, por exemplo (este, esta, aquilo, aquele etc.). Assim, o Sr. Freitas deverá pagar não uma multa, mas \"aquela multa\", que decorre do impedimento de sua vída naquela prazo determinado pela norma.\" Esse conjunto individualiza a multa, ainda que para ela não tenhamos um nome próprio. Esses conjuntos individualizadores de predicadores chamam-se descrições.\n\nOs símbolos, tomados isoladamente, nada significam. Assim, mesa significa quando usada. Para que um símbolo se tome tal, ele tem de aparecer num ato humano, o ato de falar. Falar é atribuir símbolos a algo, falar é predicar: \"Isto é uma mesa.\" Uma língua, assim, é um repertório de símbolos inter-relacionados numa estrutura (as regras da língua). Por isso, quem lê um dicionário costuma colocar, para cada símbolo, os usos que dele se fazem à fala. Há, pois, uma disciplina a fazer entre língua e fala (ou discurso). A língua é um sistema de símbolos e relações. A fala refere-se ao uso atual da língua. Em termos da ação, a fala é também algo esquemático de ação, da ação de falar, como os passos da ação em suas demandas de ação de campo.\n\nComo símbolos, isoladamente, nada significam, percebemos desde já que não temos um sentido para a pergunta: que é a mesa em si? A resposta tende a ser: depende do uso, isto é, dos discursos ou falas possíveis. Ora, nota-se que, se possível dizer: a mesa está escrita; a pessoa que a usa não a toma como um mero objeto, mas, com os mesmos usos e sentidos, poderia também onomasiar tudo o que a refere a ela. Para entender corretamente o que diz alguém quando formula alguma daquelas frases, é preciso estar de posse de um instrumento que nos permita decifrar a palavra em seu contexto.\n\nPara entender como se organizam as falas, portanto, partimos das seguintes premissas:\n\na) os símbolos (nomes ou predicadores) nada significam isoladamente;\nb) o que lhes confere significação é seu uso;\nc) uma língua admite usos diversos para os símbolos;\nd) a maioria dos símbolos da língua natural é semanticamente vaga e ambígua;\ne) um símbolo é vago quando seu possível campo de referência é indefinido; por exemplo, na prescrição \"matar alguém, pena de x anos de prisão\", qualquer jurista dirá que a palavra alguém é uma variável que deve ser preenchida por qualquer pessoa; não entanto, quando temos uma pessoa? o feto é já uma pessoa? um cadáver é ainda uma pessoa? o exemplo mostra que a palavra é vaga, pois denota um campo de objetos (extensão) não claramente definido; quando definimos o campo dos objetos que o símbolo denota, temos uma definição denotativa ou definição pela extensão; por exemplo, \"pessoas são todos os seres humanos, do momento em que nascem até quando morrem\";\nf) um símbolo é ambíguo quando é possível usá-lo para um campo de referência com diferente intensidade (com s não com p); isto é, manifestando qualidades diversas; por exemplo, na prescrição \"seduzir mulher honesta, pena x\"; a palavra honesta tem um sentido indefinido, pois conta várias significações; para exemplificarmos o sentido, e delimitamos sua intenção, temos uma definição conotativa ou pela intensidade; por exemplo \"entender-se por honesta a mulher que manifesta no comportamento as seguintes qualidades...\";\ng) mesmo quando a conotação e a denotação são definidas, os símbolos exigem uma certa combinação entre eles; tenhamos em vista: é possível dizer \"mulher honesta\", mas não \"mulher osina\"; isso, pois um advérbio não modifica um substantivo; ora, as conexões de um discurso não trazem dificuldades, como as religiosas do Estado e do não Estado; isso seria um foco; essa relação entre símbolos com que entendemos os direitos e garantias individuais; pode-se perguntar se o adjetivo grifado se refere apenas a monopólio ou também a intervenção; pois, se de um lado não flexiona, de outro nada impede que se leia \"quando (isto, ou seja, ambos, for) indispensável etc.\"; causa\", o importante é que, seja qual for, o enriquecimento seja injustificado.\n\nOra, diante dessas premissas, que devemos entender por interpretação? Dissemos que a fala se refere ao uso atual da língua. Falar é dar a entender alguma coisa a alguém mediante símbolos linguísticos. A fala, portanto, é um fenômeno comunicativo. Exige um emissor, um receptor e a troca de mensagens. Até o discurso solitário e monológico pressupondo o auditório universal e presumido de todos e qualquer um, ao qual nos dirigimos, por exemplo, quando escrevemos um texto ou quando articulamos, em silêncio, um discurso, ao pensar. Sem o receptor, portanto, não há fala. Além disso, exige-se que o receptor entenda a mensagem, isto é, seja capaz de repeti-la.\n\nEssa é uma diferença importante entre a fala e outras formas comunicativas, como por exemplo, a música. É possível ouvir uma peça ao piano, recebendo a comunicação, sem qualquer compreensão de dever ser capaz de retê-la. Isto não ocorre com a fala. Se o ouvinte não é dado a mesa para expressar, o discurso não ocorre: \"falar\" em português a um chinês é olhar seu ar de desamparo não é fácil.\n\nPor isso a fala é um modo comunicativo especial que envolve mensagens complexas, distendidas e a mensagem que emanamos – relato – e que, na escrita, se expressa pelo ponto de exclamação. Ora, exigindo a fala a ocorrência do entendimento, este nem sempre corresponde à mensagem emanada. Ou seja, quem envia a mensagem comunica um complexo simbólico que é selecionado pelo ouvinte. Este escolhe, por assim dizer, do complexo, algumas possibilidades que não coincidem necessariamente com a selectividade do emissor. Por exemplo, o emissor diz: tire a mão da boca! e o receptor permanece com os dedos roçando os lábios. Essa não-coincidência entre a seletividade do emissor e a do receptor constitui uma contingência dupla (de lado a lado) da fala.\n\nPodemos chamar essa seletividade de interpretação. Interpretar, portanto, é selecionar possibilidades comunicativas da complexidade discursiva. Dizemos também, em consequência, que toda interpretação é duplamente contingente. Ora, essa contingência tem de ser controlada, ou a fala não se realiza. Para seu controle precisamos de, isto é, seletividades reforçadas que ambos os comunicadores têm acesso, que podem ser fruto de convenções implicitas ou explícitas.\n\nOs códigos, porém, são, de novo, discursos que precisam igualmente ser interpretados. Temos, assim, códigos sobre códigos, o que torna a fala 5.1.2 Desafio kelseniano: interpretação autêntica e doutrinária\n\nA idéia de que interpretar juridicamente é decodificar conforme regras de uso e fórum, muito simples para ser aceita desta maneira. Afinal, no sentido da hermenêutica jurídica, ela conduz-nos a um arbitrário que não fim é. Isso caracteriza a interpretação dogmática e, ao mesmo tempo, constitui seu problema teórico; isto é, a dificuldade básica para a teorização dogmática sobre a interpretação.\n\nEssa dificuldade pode ser sentida quando tomamos, por exemplo, um autor como Kelsen, cujo conceito de interpretação é o XML segundo um universo que não se deve, o mais uma teoria geral a um ponto objetivo do sentido jurídico. Kelsen não outra forma não prevê uma teoria em função de que nos permita falar da verdade de uma interpretação, em oposição à falsidade.\n\nAo final de seu volume dedicado a Teoria Pura do Direito (1960), deixou de ter enfrentado o problema de como estabelecer os parâmetros para uma ciência do direito enquanto teoria sistemática das normas, encontramos uma explicação sobre a interpretação jurídica que, no entanto, nos frustra, porque não fornece nenhuma base para a hermenêutica dogmática. por exemplo, de um parecer jurídico ou de uma opinião doutrinária exarada num livro.\n\nExaminemos mais de perto o ato interpretativo. Quando se trata de órgão, ocorre uma determinação do sentido do conteúdo da norma, e essa determinação é vinculante. O órgão interpretante define-lhe o sentido. Definição, do latim finis, significa estabelecer limites, fronteiras. Essa definição, diz Kelsen, é produto de um ato de vontade. Trata-se de um \"eu quero\" e não de um \"eu sei\". E sua força vinculante, a capacidade de o sentido definido ser aceito por todos, repousa na competência do órgão (que pode ser o juiz, o próprio legislador quando interpreta o conteúdo de uma norma constitucional, para partes contratantes, quando um contrato interpreta a lei etc.). Havendo dúvidas sobre o sentido estabelecido, recorre-se a uma autoridade superior até que uma decisão competente o estabeleça definitivamente. A sequência é de um ato de vontade para outro de competência superior.\n\nKelsen, evidentemente, não reconhece que tais atos de vontade estão baseados em atos cognitivos. Até por dever de ofício, um juiz, por exemplo, que tem um certo conhecimento sobre um elo de determinação, como se aqui a diferença nas suas obrigações, o reanúncio da via a própria vontade tem mais a propriedade do sentido. Para isso certamente faz uso de seus conhecimentos doutrinários. Kelsen nega a possibilidade de um equilíbrio entre o ato de vontade e da incerteza. crevendo-o com rigor. Exige-se, pois, método, obediência a cânones formais e materiais. A ciência, assim, é um saber rigoroso e que, por isso, caminha numa bitola bem determinada e impõe-se limites. Ora, o objeto de hermenêutica são conteúdos normativos essencialmente plurívocos, e o legislador, porque age por vontade e não por razão, sempre abre múltiplas possibilidades de sentido para os conteúdos que estabelece, então a ciência jurídica cabe descortinar esse fenômeno em seus devidos limites. Isto é, apenas mostrar a plurivocidade. Querer, por artigos metodológicos, ir nessa demonstração, tentar descobrir uma unicidade que não existe, é falsear o resultado e ultrapassar as fronteiras da ciência.\n\nA interpretação doutrinária é ciência até o ponto em que denunciou a equivocalidade resultante da plurivocidade. Pode, porém, o que faremos, é política, é tentativa de persuadir alguém de que esta não aquela é a melhor salva, a mais favorável do que em um contexto legislativo, na uma estrutura de poder. Tudo o que existe, portanto, quando a interpretação é essência de uma norma, não é realmente uma proposta política de um 'perfeito' conteúdo normativo, e, no entanto, uma proposta política é de conteúdo sagrado. \n\nNuma analogia a um tema uma obra de Wittgenstein, lógico com quem Kelsen privou em seus tempos de Viena, seguindo o qual \"que não é mundo, mesmo o que é sem uso\", e isso significa conhecer-lhes as regras de controle da denotação e conotação (regras semânticas), de controle das combinações possíveis (regras sintáticas) e de controle das funções (regras pragmáticas). 5.1.3 Voluntas legis ou voluntas legislatoris?\n\nO pensar dogmático, como temos visto até agora, é um saber bitolado por dois princípios: o da inequivocabilidade dos pontos de partida e o da proibição do non liquet, isto é, o da compulsoriedade de uma decisão. Para o saber dogmático, não há questões indecifráveis. Pode-se não saber qual a decisão que será tomada diante de um conflito, mas se sabe, desde logo, que uma decisão ocorrera. Essa compulsoriedade é que confere ao saber dogmático a necessidade de criar as condições de decidibilidade.\n\nOra, como deve haver um princípio inegável que impeça o recuo ao infinito (pois, no plano da hermenêutica, uma interpretação cujos princípios sempre mantidos sempre em aberto impediria a obtenção de uma decisão) e, ao mesmo tempo, pela própria natureza do discurso normativo, o sentido do conteúdo das normas é sempre aberto, segue que o intérprete dogmático se vê aprisionado entre o raciocínio elementar do entendimento como liberdade, isto é, entre a necessidade de determinar objetivamente os pontos de partida e a possibilidade de decidir que, ao final, emerge entre os versos sentidos. Essa tensão entre dogma e liberdade constitui o que denominamos de decisão kelensiana.\n\nNão obstante isso, para a tradição da ciência jurídica, essa tensão significa a plurais possibilidades de interpretar, como também que uma situação (prática) às múltiplas possibilidades interpretativas. Eis aí o problema hermenêutico da decidibilidade, isto é, é a criação das condições para uma decisão com o mínimo de perturbação social possível.\n\nÉ hoje um postulado universal da ciência jurídica a tese de que não há norma sem interpretação, ou seja, toda norma, pelo simples fato de ser posta, é passível de interpretação. Houve, é verdade, na Antiguidade, exemplos de rompimento desse postulado, como a conhecida proibição de Justiniano de que se interpretassem as normas de seu Corpus Juris Civilis. Contudo, sabemos hoje que não só não se conseguiu evitar aquelas normas se submete ao dominio do exegeta, como também, como nos mostra Stroux (1949) em seu admirável ensaio sobre as relações entre a jurisprudência romana e a retórica grega, não se desejou romper com aquele postulado, afirmando-se tão-somente que se reconhecia como vinculante apenas a interpretação do imperador: a proibição de interpretar não era uma supressão, mas sim, um limite.\n\nMuito embora o desenvolvimento de técnicas interpretativas do direito seja bastante antigo e já se debate presente na jurisprudência romana e até na retórica grega (ver item 2.2), elaborando-se posteriormente nas técnicas referentes às disputatioes dos glossadores (ver item 2.3) e tomando um caráter sistemático com o advento das escolas jusnaturalistas da Era Moderna (ver DOGMÁTICA HERMENÊUTICA OU A CIÊNCIA DO DIREITO COMO TEORIA DA INTERPRETAÇÃO 265\n\nitem 2.4), é relativamente recente a consciência de que a questão hermenêutica é um objeto teórico, ou seja, a tematização da interpretação como um problema científico, a exigir, mais do que meras técnicas, método (isto é, cânones intersubjetivos capazes de definir a verdade do saber). Ela conduz-nos ao século XIX como o período em que a interpretação deixa de ser questão de técnica apenas (como agir?) para constituir um problema teórico (que é interpretar e qual seu fundamento?) (ver item 2.5).\n\nO núcleo constitutivo dessa teoria já aparece esboçado ao final do século XVIII. O jusnaturalismo já havia cunhado para o direito o conceito de sistema, que se resumia, em poucas palavras, na noção do conjunto de elementos estruturados pelas regras de dedução. No campo jurídico, falava-se em sistema da ordem da razão ou da razão das normas conforme a razão, tendendo-se com isto à unidade das normas com base em princípios dos quais tudo o mais era deduzido. Interpretar exigia a determinação em sua discussão na totalidade do sistema. O relacionamento, porém, entre sistema e totalidade, na sua relação com a busca do sentido da unidade jurídica é ainda uma questão que resulta do mecanismo do religioso. Para uns, o sistema era a causa de suas partes e a unidade era dada pela integração, segundo as normas fundamentais. Para outros, a unidade era dada pela interação, do objeto do sistema e a contribuição dos próprios interesses do próprio sistema. Esta era, de fato, uma questão mais de escolha das opositores que sustentavam que sentido da lei repousava em fatores objetivos, como os interesses em jogo na sociedade (Jurisprudência da razão, na Alemanha), até que, já no final do século XIX e início do XX, uma forte oposição ao “conceitualismo” desemboca na chamada escola da “libre recherche scientifique” (livre pesquisa científica) que exigiam que o intérprete buscase o sentido da lei na vida, nas necessidades e nos interesses práticos. Desenvolvem-se, nesse período, métodos voltados para a busca do fim imanente do direito (método teleológico), ou de seus valores fundantes (método axológico), ou de suas condicionantes sociais (método sociológico), ou de seus processos de transformação (método axológico-evolutivo), ou de sua gênese (método histórico) etc.\n\nSavinoy, numa fase de seu pensamento anterior a 1814, afirma que interpretar era mostrar aqui o que a lei diz. A alusão ao verbo dizer nos faz ver que Savigny estava preocupado com o significado textual da lei. A questão, ainda meramente técnica, era, então, como determinar o sentido expressos nas normas. Dali a elaboração de quatro técnicas: a interpretação gramatical, que procurava o sentido vocabular da lei, a interpretação lógica, que visava a seu sentido proposicional, a sistemática, que buscava o sentido global ou estrutural, e a histórica, que tentava atingir o sentido genético.\n\nApós 1814, percebe-se na obra de Savigny que a questão toma outro rumo e o problema da constituição de um saber definitivo do direito quanto saber hermenêutico se esboça. A questão deixa de ser a mera enumeração de normas para referir-se ao fundamento de uma teoria da interpretação. Surge o problema de explicitar critério (metódico) da interpretação verdadeira. A resposta envolvia a determinação do fator responsável pelo sentido de unidade último e determinante do sistema. Em princípio, a concepção de que o texto da lei era expressão de mens legislatoris leva Savigny a afirmar que interpretar é compreender o pensamento do legislador manifestado no texto da lei. De outro lado, porém, enfatizava a existência fundante dos “institutos de direito” (Rechtsinstitute) que expressavam “relações vitais” responsáveis pelo sistema jurídico como um todo orgânico, um conjunto vivo em constante movimento. Daí a ideia de que seria a convicção comum do povo (Volksgeist) e o elemento primordial para a interpretação das normas.\n\nEssa oscilação entre um fator subjetivo – o pensamento do legislador – e outro objetivo – o “espírito do povo” – torna-se assim um ponto nuclear para entender o desenvolvimento da ciência jurídica como teoria da interpretação. Em meados do século XIX, ocorreu, assim, na França e na Alemanha, uma polêmica. De um lado, aqueles que defendiam uma doutrina restritiva da interpretação, cuja base seria a vontade do legislador, a partir da qual, com o auxilio de análises linguísticas e de métodos lógicos de referência, seria possível construir o sentido da lei (Jurisprudência dos Conceitos), na Alemanha, a “Escola da Exegese”, na França). De outro lado, foram aparecendo aqueles que sustentavam que sentido da lei repousava em fatores objetivos, como os interesses em jogo na sociedade (Jurisprudência da razão, na Alemanha), até que, já no final do século XIX e início do XX, uma forte oposição ao “conceitualismo” desemboca na chamada escola da “freirechtsbewegung” (movimento do direito livre) que exigiam que o intérprete buscase o sentido da lei na vida, nas necessidades e nos interesses práticos. Desenvolvem-se, nesse período, métodos voltados para a busca do fim imanente do direito (método teleológico), ou de seus valores fundantes (método axológico), ou de suas condicionantes sociais (método sociológico), ou de seus processos de transformação (método axológico-evolutivo), ou de sua gênese (método histórico) etc. DOGMÁTICA HERMENÊUTICA OU A CIÊNCIA DO DIREITO COMO TEORIA DA INTERPRETAÇÃO 267\n\ncompreensão do pensamento do legislador; portanto, interpretação ex tunc (desde então, isto é, desde o aparecimento da norma pela positivação da vontade legislativa), ressaltando-se, em consonância, o papel preponderante do aspecto genético e das técnicas que lhe são apropriadas (método histórico). Já para a doutrina objetiva, a norma goza de um sentido próprio, determinado por fatores objetivos (o dogma e um arbitrário social), independentemente de certo ponto do sentido que tenha querido dar o legislador, onde a concepção da interpretação como compreensão ex tunc (desde agora, isto é, tendo em vista a situação e o momento atual de sua vigência), ressaltando-se o papel preponderante dos aspectos estruturais em que a norma ocorre e as técnicas apropriadas a sua captação (método sociológico).\n\nA polêmica entre as duas correntes pode ser resumida nos seguintes argumentos (cf. Engisch, 1968:88):\n\na) os objetivistas contestam os subjetivistas:\n\n1. pelo argumento da vontade, afirmando que uma \"vontade\" do legislador é mera ficção, pois o legislador é raramente uma pessoa fisicamente identificada;\n\n2. pelo argumento da forma, pois só as manifestações normativas, validas trazidas na forma correta pelo ordenamento fora de si, devem ser consideradas, o que indica que a interpretação deve emprestar confiança a palavra da norma como tal e qual deve, em princípio, ser inteligível por si;\n\n3. seguir-se-ia um desvirtuamento na captação do direito em termos de segurança e de certeza, pois ficaríamos à mercê da opinião do intérprete.\n\nA polêmica, como se vê, pela força de seus argumentos e contra-argumentos, não se resolve. Há inclusive uma conotação ideológica em sua raiz. Assim, levado a um extremo, podemos dizer que o subjetivismo favorece certo autoritarismo personalista, ao privilegiar a figura do legislador, pondo sua vontade em relevo. Por exemplo, a exigência, na época do nazismo, de que as normas fossem interpretadas, em última análise, de acordo com a vontade do \"Führer\" (era o \"Führerprinzip\") é bastante significativa. Por sua vez, o objetivismo, também levado ao extremo, favorece certo anquilosamento, pois estabelece o predominio de uma equidade decorrente dos interesses sobre a própria norma ou, pelo menos, desloca a responsabilidade do legislador, na elaboração do direito, para os intérpretes ainda que legalmente constituídos, chegando-se a dizer que, como fazem alguns realistas norte-americanos, deve-se deixar de lado o \"decidimos dos tribunais\". Além disso, não se deve sempre, neste sentido, considerar o direito anterior à revolução e relativizar o atualizando na nova situação, predominando na doutrina objetiva, muito embora, quanto a direito novo, pós-revolucionário, tende-se privilegiar a vontade do legislador e a fazer prevalecer as soluções exatas que a norma pode dar, a todo custo e no seu formativo...\n\nSe a polêmica não pode ser resolvida pela força dos argumentos, ela põe-nos, ao menos, diante da questão. Assim, se partimos da observação de que o ato de interpretação tem por objeto não meramente um texto, mas o sentido que ele expressa e que é determinado por outro ato interpretativo - o arbitrário do legislador competente ou o arbitrário social - a posição de Justiniano, citada anteriormente, adquire, então, seu significado. Quando se diz que interpretar é compreender outra interpretação (a fixada na norma), afirma-se a existência de dois doadores de sentido: um que se positivna na norma e outro que procura identifica-lo. Ora, para que possa haver uma interpretação verdadeira, é preciso que ao menos um ato doador de sentido prevaleça (pressuposto dogmático). Como reconhecê-lo e fundá-lo? Estamos, de novo, diante do desafio kelseniano. 268 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO\n\n3. seguir-se-ia um desvirtuamento na captação do direito em termos de segurança e de certeza, pois ficaríamos à mercê da opinião do intérprete.\n\nA polêmica, como se vê, pela força de seus argumentos e contra-argumentos, não se resolve. Há inclusive uma conotação ideológica em sua raiz. Assim, levado a um extremo, podemos dizer que o subjetivismo favorece certo autoritarismo personalista, ao privilegiar a figura do legislador, pondo sua vontade em relevo. Por exemplo, a exigência, na época do nazismo, de que as normas fossem interpretadas, em última análise, de acordo com a vontade do \"Führer\" (era o \"Führerprinzip\") é bastante significativa. Por sua vez, o objetivismo, também levado ao extremo, favorece certo anquilosamento, pois estabelece o predominio de uma equidade decorrente dos interesses sobre a própria norma ou, pelo menos, desloca a responsabilidade do legislador, na elaboração do direito, para os intérpretes ainda que legalmente constituídos, chegando-se a dizer que, como fazem alguns realistas norte-americanos, deve-se deixar de lado o \"decidimos dos tribunais\". Além disso, não se deve sempre, neste sentido, considerar o direito anterior à revolução e relativizar o atualizando na nova situação, predominando na doutrina objetiva, muito embora, quanto a direito novo, pós-revolucionário, tende-se privilegiar a vontade do legislador e a fazer prevalecer as soluções exatas que a norma pode dar, a todo custo e no seu formativo...\n\nSe a polêmica não pode ser resolvida pela força dos argumentos, ela põe-nos, ao menos, diante da questão. Assim, se partimos da observação de que o ato de interpretação tem por objeto não meramente um texto, mas o sentido que ele expressa e que é determinado por outro ato interpretativo - o arbitrário do legislador competente ou o arbitrário social - a posição de Justiniano, citada anteriormente, adquire, então, seu significado. Quando se diz que interpretar é compreender outra interpretação (a fixada na norma), afirma-se a existência de dois doadores de sentido: um que se positivna na norma e outro que procura identifica-lo. Ora, para que possa haver uma interpretação verdadeira, é preciso que ao menos um ato doador de sentido prevaleça (pressuposto dogmático). Como reconhecê-lo e fundá-lo? Estamos, de novo, diante do desafio kelseniano. DOGMÁTICA HERMENÊUTICA OU A CIÊNCIA DO DIREITO COMO TEORIA DA INTERPRETAÇÃO 269\n\nhiante problema que ocorre na teoria da tradução. Também aqui nos vemos às voltas com o critério da boa ou correta tradução. A analogia justifica-se: afinal, quem traduz interpreta e, como diz o ditado italiano, \"traduttore, traditore\".\n\nReportando-nos a um pequeno ensaio de Flusser (1969:16:22), admitamos que traduzir é transpor o texto de uma para outra língua. Referimo-nos ao das línguas naturais, como o português, o inglês, mas podemos ampliar o conceito. Toda vez que um cientista explica para o público especificamente uma teoria - obra de divulgação científica -, realiza também uma tradução, isto é, transpõe de língua técnica numa língua natural. Que as traduções são possíveis atesta o fato de que elas ocorrem. Qual, porém, seu fundamento teórico?\n\nUma primeira resposta, que atende a uma tradição antiga e bastante intuitiva, é de que traduzir significa buscar, nas duas línguas, o mesmo objeto na realidade representado. Por exemplo, não sabemos o que dizer se a sentença em inglês \"this is a table\", procuramos a coisa (res) por ela designada e, como se pode ver, se chega à sentença que, de forma diferente, designa o mesmo objeto: \"isso é uma mesa\". A coisa (res) e o fundado processo percorrido não é da sentença na língua A para a res e depois para a sentença na língua B. Na verdade, chegamos à identificação do objeto depois que a sentença foi traduzida. Senão vejamos.\n\nQue nos permita um exemplo real e pessoal. Estava há uns meses na Alemanha, sem dominar ainda o idioma. Um estudante aproximou-se e, para ser simpático, tentou uma conversa. Olhando para um quadro a sua frente, fez algum comentário a respeito. Na sentença pronunciada, parecia uma palavra que, aparentemente, não fazia sentido: \"es ist schief\", dizia ele. O vocábulo soava de tal forma que fazia entender que ele mencionava um navio (isto é um \"navio\"). Contudo, o quadro era um mapa geográfico e nem mesmo as linhas traçadas tinham qualquer semelhança com navio, que não pode prosseguir. Voltei-me, então, para uma colega que, estudante de francês, explicou o equívoco. A palavra, mal escutada por mim, não era acostumada, era \"schief\" e não \"Schiff\". Esta última quer dizer \"navio\", mas que significava a outra? \"Schief\" significa \"torto\", explicando-se, se uma clara esclarece sombras: \"O quadro está torto!\" Que lição tiramos daqui? Observamos que, para que o objeto pudesse ser identificado, primeiro foi necessário a tradução (schief = torto). Por mais que o primeiro estudante se esforçasse em apontar o fato de o quadro estar torto, isso só foi percebido quando a tradução foi feita! Foi a tradução que conferiu sentido ao objeto e não ao contrário. Ora, não só a prática desmente a teoria realista, como ademais, ela funda-se num pressuposto indemonstrável: que as coisas têm uma estrutura própria, são como são, independentemente da língua; elas possuiriam uma unidade de significação intrínseca chamada essência, e a língua nada mais seria do que uma representação, mais ou menos perfeita, dessa unidade. Assim, a possibilidade da tradução (e seu critério) repousaria numa característica de próprio objeto. O pressuposto metafísico não explicado é o de que (a) o mundo real é este conjunto de objetos enquanto coisas singulares, concretas e captáveis sensivelmente, e de que, (b) quando atribuímos palavras às coisas, aos objetos do mundo real, seguimos certas delimitações predeterminadas nos próprios objetos. O critério da boa tradução seria, nesses termos, a adequação da língua ao mundo real. Ocorre aqui uma ilusão criada pelas línguas naturais, qual seja, a de que a expressão mundo real designa algo, ilusão esta possibilitada por sentenças como \"o mundo é belo,\" a mesma tem quatro pernas como equivalentes. Ora, a experiência do aprendizado de uma língua, pelas crianças, mostra esse pressuposto de infância. Uma criança conquista como \"mundo,\" o se organiza como \"bichos\". Aos poucos, vai surgindo uma articulação entre as palavras (gêneros e espécies) que assume a forma de um sistema. Essa articulação é, porém, diferente de situação para situação. A diferença entre rio, riacho, córrego, rego ou entre jovem, velho, quente, frio pressupõe fronteiras que não são dadas previamente, mas dependem da articulação linguística (o que é um velho para a criança não será necessariamente o mesmo para um adulto). A participação do arbítrio humano é, pois, o que torna difícil a tradução e a interpretação. A realidade, o mundo real, não é um dado, mas uma articulação linguística mais ou menos uniforme num contexto existencial. Um exemplo relatado por Flusser mostra-nos isso. Há um povo primitivo em cuja língua a sentença \"a mulher é uma batata\" é possível e articula o mundo real. Tanto que os homens de suas tribos vigiam, à noite, suas batatas para que elas não venham a prostituir-se com os homens das aldeias vizinhas! É claro que poderíamos dizer, preconceituosamente, que aquele povo primitivo estaria fabulando, não vendo as coisas como elas são. Trata-se, porém, de um preconceito cultural que rejeitaríamos se um estrangeiro nos dissesse que o chamado \"jeitinho\" brasileiro não existe, pois tudo não passasse de... \"isto é uma mesa\", seria preciso recorrer ao que pensa um inglês quando a pronúncia, identificar o mesmo pensamento em português e então realizar a tradução. A prática do ato de traduzir procederá assim: palavra → pensamento → palavra. Entre a \"coisa\" e a palavra introduz-se um intermediário que garante o critério da boa tradução: o pensamento. Chamemos essa teoria de idealista. Também essa, porém, não pode ser fundada. Em primeiro lugar, não corresponde à prática da tradução. Tomando o exemplo antes referido da palavra chief (torto), e é de reconhecer que só me foi possível perceber o que o estudante estava pensando, depois que a tradução foi feita, isto não é: sentença da língua A → pensamento → sentença da língua B, mas sentença da língua A → sentença na língua B → pensamento. Em segundo lugar, a teoria idealista também se funda num pressuposto indemonstrável: de que o pensamento é algo distinto da articulação linguística e que existe uma forma de acesso ao pensamento que prescinde da articulação linguística. Já Aristóteles (Teeteto, 130 b12) denuncia a posição dessa teoria, quando sugere que devemos sempre desconfiar de certas percepções. A partir desse ponto, conforme o contestável, pode-se dizer que contrário à corrente objetivista. Em primeiro lugar, a prática da interpretação desmente-a. Pois não se vai primeiro à produção, algo como os fatores objetivos e atuais, para depois atingir o sentido normativo, mas, portanto, estamos cuidando de duas correntes, como se... para depois atingir o sentido da norma, posto que, na verdade, primeiro se alcança o sentido da norma (interpreta-se) e se depois é que se descobre a intenção do legislador. Em segundo lugar, a corrente subjetivista recorre ao mesmo pressuposto indemonstrável da teoria idealista, supondo que a intenção do legislador (mens ou voluntas) é algo distinto da articulação linguística que existiria uma forma de acesso a seu pensamento normativo (como inteiração) inarticulada linguisticamente, teremos de buscar uma vontade capaz de comunicar-se de forma não linguística. Como isso é evidenciado, recorre-se aos debates preliminares, aos testemunhos prévios, nos quais, porém, também têm de ser interpretados! Se as palavras do legislador, unidades em que se expressa a consciência, representassem um certo vislumbre num vazio, refletindo certo arbítrio, o que torna o critério da interpretação verdadeira inexplicável. Em suma, contra a teoria idealista deve-se afirmar que não existe método de verificação do pensamento inarticulado. Ele só se articula pela asserção. Por isso, a tradução é método de verificação do pensamento e não ao contrário. Verificada a insuficiência dessas duas teorias da tradução, pergunta-se agora como isso repercute na fundamentação da hermenêutica. Fazendo o paralelo proposto, verificamos que as dificuldades existentes na demonstração das correntes subjetivista e objetivista são semelhantes às experimentais pelas teorias da tradução. Assim, em termos das concepções de língua subjacentes, é possível dizer que a teoria da mens ou voluntas legislatoris guarda certa analogia com a teoria idealista da tradução. Entretanto, objetos semelhantes. Em primeiro lugar, a prática da interpretação não percorrido caminho proposto. Não se vai primeiro a menos legislatoris. mos que uma língua é um sistema de símbolos (palavras) e relações conforme regras (ver item 5.1.1). É um conjunto formado por um repertório (os símbolos) e uma estrutura (as regras de relacionamento). Ora, quando em duas línguas o repertório coincide, costumamos dizer que é possível uma tradução fiel – \"this is a triangle\" – \"isto é um triângulo\". Quando é aproximadamente semelhante, dizemos que a tradução é livre – \"eu sinto saudades de você\", \"I miss you\". Para isso recorremos aos dicionários. Ora, como já elaborados nos dicionários? Como já vimos, ao indexar uma palavra, elas costumam mencionar os diversos usos possíveis dentro de uma língua, conforme suas regras de uso. Deveríamos, pois, recorrer à comparação das estruturas. Em princípio, as estruturas contêm regras básicas e secundárias. Basicamente, aquelas sem as quais qualquer linguagem carece de sentido. Por exemplo, em português: \"eu me ontem\" fere uma regra que impede a formulação de uma sentença válida. As regras secundárias são as que, se violadas, não chegam a produzir um sentido, embora possam causar estranheza. Assim, por exemplo, a expressão e o vice-presidente, se não assina mais do que 10,5%, é legando que, é dito que não se pode mais fazer um pedido a si mesmo. Posto isso, admitamos três hipóteses: (a) se as regras básicas de ambas as línguas coincidem, elas são comunicáveis. Neste terceiro caso, porém, é possível uma transferência indireta. Recorre-se a uma terceira língua que possa funcionar como uma ponte entre as outras. Seu requisito: ela conterá, entre suas regras secundárias, as regras básicas das outras. Exemplo do primeiro caso (a): a tradução de um teorema geométrico num teorema algébrico; do segundo (b), a transferência de um poema em inglês para o português; do terceiro (c), a transferência indireta de uma música (língua musical) para o português cotidiano, o que pode ocorrer por intermédio da linguagem do crítico de arte.\nO problema da boa tradução ocorre sobretudo nos casos (b) e (c). Em primeiro lugar, estamos afirmando que a prática da tradução exige a comparação das estruturas. Realizada esta, procede-se à adaptação ou à recriação do sentido por meio de uma língua intermediária. 276 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO\n\nrior. A verticalidade, porém, projetada sobre a horizontalidade, converte o alto/baixo no dentro/fora: o importante não é ganhar, mas participar, estar presente. Assim, as equipes que participam do campeonato são qualificadas como superiores às que ficaram de fora.\n\nA relação entre hierarquia e participação não é, porém, necessariamente congruente. Nem sempre o fora e o baixo se conjugam. O espaço, da comunicação, é então cortado diagonalmente por uma terceira idade organizadora, que lhe confere a forma cheia: claro/escuro. Os símbolos na fala se iluminam e se obscurecem, A luz revela e esconde. O foco lançado do enfoque. Veja, na comunicação de massa, a importância da tela da TV. Aquilo sobre o que a câmera se projeta ganha relevância na tela. O que nelas aparece o que está dentro e toma-se superior. Da ansiedades que notamos nas pessoas quando percebem que estão sendo focalizadas pela câmera é tudo fará aparecer.\n\nAs estruturas forma das participação, hierarquização e relevância organizam a fala e marcam a experiência horizontalmente, verticalmente e diagonalmente. Nessa ordem, o foco de relevância é fundamental, pois é pressuposta relacionalidade dos símbolos em conexão. O enfoque conforme que isso depende de relevância. Nela se localiza uma valoração dos valores de importância e a ideológica seja determinada, no que a relevância tange. O que quer ou procura significa, sempre, de algum modo, uma variação de tonalidade de valor; uma valoração do universo de significância cultural. O simbólico, partindo de uma ideológico comum de valores para o mundo, tão pouco existe um enfoque universal ou um acordo sobre a tradução dos símbolos. Como se forma, então, a estrutura do uso competente que goza de confiança?\n\nA uniformização do sentido tem a ver com um fator normativo de poder, o poder de violência simbólica (cf. Bourdieu e Passeron, 1970:18). Trata-se de poder capaz de impor significados como legítimas, dissimulando as relações de força que estão no fundamento da própria força. Não nos enganemos quanto ao sentido desse poder. Não se trata de coação, pois, pelo poder de violência simbólica, o emissor não co-age, isto é, não se substitui ao outro. Quem age é o receptor. Poder aqui é controle. Para que haja controle é preciso que o receptor conserve suas possibilidades de ação, mas aja conforme o sentido, isto é, o esquema de ação do emissor. Por isso, ao controlador, o emissor não elimina as alternativas de ação do receptor, mas as neutraliza. Controlar é neutralizar, fazer com que, embora conservadas como possíveis, certas alternativas não contêm, não sejam levadas em consideração.\n\nEntende-se, assim, como se formam as estruturas do uso competente, o qual privilegia um enfoque: o arbitrário socialmente prevalente. A busca do sentido correto que leva à tradução fiel, quer por transferência direta, quer por indireta, pressupõe uma variedade e diversidade que têm de ser controladas. A possibilidade de ambas repousa no próprio contínuo da comu 277 DOGRÁMÁTICA HERMENÊUTICA OU A CIÊNCIA DO DIREITO COMO TEORIA DA INTERPRETAÇÃO\n\nnização. Já a passagem do tempo altera os sentidos. O que significa hoje deixa de significar amanhã. Ora, é preciso generalizar ou uniformizar o sentido, apesar do tempo particularizá-lo e diversificá-lo. Como? Se a comunicação flui do emissor para o receptor temporalmente localizados, neutralizem-se os comunicadores. Isso se obtém pela criação de hierarquias, sistemas hierárquicos que disciplinam a combinação dos símbolos conforme gêneros e espécies de compatibilidade e incompatibilidade, ou seja, conforme uma sintaxe. A sintaxe gramatical – que pende, por exemplo, do combinado um substantivo com advérbio: “a casa é confortavelmente” – tem a ver com a idade alto/baixo. A neutralização da estrutura sistemática (sintática) da língua, parecendo que o sentido compreende independente de quem usa os símbolos. No fundo se estabelece, então, a relação de poder: o poder-autoridade. O enfoque conforme as regras estipuladoras como “qualquer” comunicador que use, embora o poder de violência simbólica capaz de generalizar os sentidos, não abste-se a passagem do tempo: “seja qual for o substantivo”, não importa quem fale, quem use, em algum tempo que. \n\nA variedade e diversidade dos sentidos deve recorrer também da multiplicidade de pontos da ação de outros sociais: vários indivíduos, diversos grupos, pois, precisam produzir consensus. A organização dos simbolizadores opera a ideia dentro/fora e o valor/participação. A organização da forma os outros. Um filtro simbólico do nele deve, então, acompanhar a neutralização das opiniões dos outros é obtida por regras pragmáticas de controle social e isso requer, de novo, uma forma de poder de violência simbólica: o poder-liderança. Liderança quer dizer uma forma bem-sucedida de supor consenso: para qualquer símbolo, quem quer que conrhea a índole da língua, sabe que na comunidade linguística portuguesa o certo é: o leite é branco; não dizemos: o leite é verde.\n\nPor fim, a variedade e diversidade de sentidos decorre também da multiplicidade dos símbolos e sua consequente vaguidade e ambiguidade. Faz mister neutralizar o próprio símbolo, conferindo denotação e conotação razoavelmente precisas a seus conteúdos. A uniformização, nesse caso, requer também uma forma de poder de violência simbólica: o poder-reputação, enquanto controle do próprio repertório simbólico. Não obstante a vaguidade e ambiguidade, é certo que tal palavra deve significar rigorosamente o mais adequadamente tal coisa, pois assim o atestam os melhores dicionários da língua... 278 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO\n\nfiância. Essa competência tem suas raízes em estruturas gerais da comunicação, conforme as quais os símbolos se organizam em termos de hierarquia (alto/baixo), participação (dentro/fora), relevância (claro/escuro). Não há, porém, um enfoque universal. O que chamamos, então, de uso competente depende de uma relação ideológica de poder, o poder de violência simbólica que se manifesta como autoridade, liderança e reputação. Por ali passa a formação do uso competente enquanto manifestação de um arbitrário social.\n\nPosto isso, como repercute tudo isso para uma fundamentação teórica da hermenêutica jurídica?\n\n5.1.5.2 LÍNGUA HERMENÊUTICA E LEGISLADOR RACIONAL\n\nPartamos de um exemplo.\n\nEntendemos que o art. 62 da Constituição Federal de 1988: “Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional”.\n\nEssa norma confere ao Presidente uma competência (norma de competência): “proclamar” ou “qualquer” medida que deve ser observadas condições de relevância e urgência. A relevância depende de um juízo de valor. Contudo, a urgência depende de um juízo de realidade. Trata-se da constatação de um conjunto de condições que mostram que uma decisão deveria ser tomada imediatamente, sob pena de perda de oportunidade.\n\nAparentemente, no processo interpretativo temos, de um lado, a prescrição constitucional, de outro, a realidade (o ato presidencial). O texto normativo constitui, obviamente, uma língua, que deve ser interpretada. E a “realidade”? Consoante o que dissemos, ao refutar a teoria da tradução, a realidade nada mais é do que um sistema articulado de símbolos num contexto existencial (ver item 5.1.4). Ora, essa realidade-língua (LR), para o jurista, aparece como que de fato acontece: e fato que ocorreu urgência, e fato que foi expedida uma medida provisória pelo Presidente da República. Que significa fato?\n\nÉ preciso distinguir entre fato e evento. A travessia do Rubicão por César é um evento. Todavia, \"César atravessou o Rubicão\" é um fato. Quando, pois, dizemos que \"é um fato que César atravessou o Rubicão\", conferimos realidade ao evento. \"Fato\" não é, pois, algo concreto, sensível, mas um elemento linguístico capaz de organizar uma situação existencial como realidade de. A possibilidade de usar o elemento \"é fato que\" depende, porém, de re 5.1.5.3 INTERPRETAÇÃO E PARÁFRASE\n\nO uso da língua hermenêutica pressupõe portanto um uso competente. A ideia de interpretação verdadeira repousa, pois, nesse pressuposto. A questão é, não obstante, como no contexto da língua hermenêutica produzem-se interpretações que serão aceitas e outras que serão rechaçadas? Como será possível ao hermeneuta realizar a \"tradução\" de \"dever-se a pena\" para aquele que matar por motivo fútil\" para \"é fato que fulano matou alguém\" por divergência na posse de tóxicos 'ou' é fato que fulano matou alguém passionalmente nervoso, mas sem nenhum motivo plausível? (cf. Camargo, 1982).\n\nA divergência e a possibilidade extensiva de enquadrar a briga por tóxicos e a ausência de motivos na lei depende da reconstituição da expressão \"motivo fútil\" conforme o dever-ser ideal do legislador racional.\n\nKelsen pode fornecer-nos uma pista do que estamos procurando. Ao distinguir entre norma e proposição jurídica, diz-nos que aquela preserva condutas e esta descreve normas. Assim, a norma \"matar alguém, pena x\" é descrita pela proposição doutrinária \"no Direito Brasileiro, matar alguém deve ser punido com a pena x\". Esse \"dever-ser\", porém, diz Kelsen (1960), não é prescritivo, mas descritivo. Que significa, contudo, um \"dever-ser descritivo\"? Kelsen explica que as proposições doutrinárias não produzem normas, são apenas atos de conhecimento, não de vontade. Não obstante, não fica escalrecido o uso do conectivo dever-ser cuja carga prescritiva é transparente e, apesar disso, não se confunde com o ser descritivo. Não se trata, pois, nem de língua normativa (LN) nem de língua-realidade (LR).\n\nPara entender essa peculiaridade da língua hermenêutica (LH), temos de fazer referência a um pressuposto importante da hermenêutica, quando interpreta: o legislador racional. Trata-se de uma construção dogmática que não se confunde com o legislador normativo (o ato juridicamente competente, conforme o ordenamento) nem como legislador real (a vontade que de fato positivo normas). É uma figura intermédia, que funciona como um terceiro metalinguístico, de cerca da linguagem normativa (LN) e da língua-realidade (LR). A hermenêutica reporta-se, quando fala que \"o legislador pretende que (...)\"; é então dito \"a intenção do legislador é que (...)\" o mesmo \"a mens legis nos diz que (...)\".\n\nNino (1980:331) dá-nos, em resumo inteligente, as propriedades que caracterizam o legislador racional:\n\nEm primeiro lugar, trata-se de uma figura singular, isto é, apesar da multiplicidade de contextos, colegas, parlamentos, diversos atores num processo legislativo, deve ser respeitada sua identidade: o legislador.\n\nEm segundo lugar, é uma figura permanente, isto é, não desaparece com a passagem do tempo e com a morte das vontades concretas.\n\nEm terceiro lugar, é único, isto é, é o mesmo para todas as normas do ordenamento, não obstante as diferenças no tempo e no espaço e as diversas competências normativas, como se todo o ordenamento obedecesse a uma única vontade.\n\nEm quarto lugar, é consciente, ou seja, conhece todas as normas que emana, passadas e presentes, tendo ciência global do ordenamento.\n\nEm quinto lugar, é finalista, isto é, ao sancionar uma norma, sempre tem alguma intenção.\n\nEm sexto lugar, é omniciente, pois conhece todos os fatos e condutas, nada lhe escapando, sejam eventos passados, sejam presentes ou futuros.\n\nEm sétimo lugar, é omnipotente, pois suas normas vigem até que ele próprio as substitua soberanamente.\n\nEm oitavo lugar, é justo, pois jamais deseja uma injustiça, tudo se resumindo numa questão de compreendê-lo bem.\n\nEm nono lugar, é coerente, ainda quando, aparentemente, se contradiz, bastando para isso invocar a lex superior, posterior e specialis. Em décimo lugar, é omnicomprensivo, pois o ordenamento tudo regula, explícita ou implicitamente.\n\nEm décimo primeiro lugar, é econômico, isto é, nunca é redundante, nunca usa palavras supérfluas, e cada norma, ainda que aparentemente seja já a regular a mesma facti species, tem na verdade uma função própria e específica.\n\nEm décimo segundo lugar, é operativo, pois todas as suas normas têm aplicabilidade, não havendo normas nem palavras inúteis.\n\nEm décimo terceiro lugar, é preciso, pois, além de se valer de palavras da língua natural, vagas e ambíguas, sempre lhes confere um sentido rigorosamente técnico.\n\nEssas propriedades confirmam, na verdade, os dois princípios da hermenêutica dogmática: o da inequabilidade dos pontos de partida (deve haver um sentido básico) e o da proibição do non liquet (não se pode deixar em decisão). A figura do legislador racional esclarece o dever-ser descritivo de Kelsen como um dever que é não assume nem um dever normativo real. Como se observa na língua hermenêutica (LH), e, por algum meio, evidentemente já interpretativa já reconhecida, e no qual se faz a busca da recondução a um nível de interpretação das normas e a busca da lei do legislador, como se o interprete \"fizesse de conta que\" suas normas constituem um todo harmônico, capaz, então, de ter um sentido na realidade. A relação sintagmática \"motivo fútil\" sofre uma carga valorativa, como fizemos ver anteriormente. Surgem, assim, relações associativas que permitirão aos intérpretes conectar a falta de motivo com a torpeza do ato e assim inverter a ordem linear sintagmática: em vez de motivo fútil, futilidade imotivada. O intérprete, porém, vai dizer que essa inversão, que não precisa tornar-se expressa, corresponde à vontade do legislador. Não basta dizê-lo, porém, é preciso fazer sua demonstração. Fazer a demonstração significa por em ação as estruturas da língua competente da língua hermenêutica. Assim, o dever-ser ideal se apresentará como um dever-ser sistemático, teleológico e so-cio logicamente efetivo. Afinal, para a dogmática, as normas jurídicas são vigiantes dentro do sistema que integram, são eficazes, pois produzem efeitos na realidade social, e são dotadas de império, têm uma força que exerce um fim e um objetivo.\n\nOra, a vigência, enquanto tempo de validade, significa que, por pressuposto, o normo manifesta uma relação de autoridade que se constituiu na formação hierárquica do sistema. A eficácia significa, por pressuposto, a possibilidade de atuação da norma diante de eventos comunicativos diversos. E a imperatividade agrega uma sua imposição pela funcionalidade, subentendendo-se um comando estrutural do normo. Ora, a vigência indica uma estrutura conforme alto/baixo e, pois, para uma relação de poder-reputação. A hermenêutica, assim, para realizar o ato interpretativo, guia-se pelos critérios de correção hierárquica, participação consensual e relevância funcional. É preciso mostrar que a expressão motivo fútil, no sistema do ordenamento, tem respaldo em outras normas e compatível com elas um sistema coerente. Que ela atua na realidade conforme um sentido óbvio. E que serve às finalidades da justiça. Isso requer letras apropriad as, e temos os chamados métodos hermenêuticos: o método lógico-sistemático, o método histórico-sociológico, o método teleológico e axiológico e suas variantes combinadas.\n\nAo se utilizar de seus métodos, a hermenêutica identifica o sentido da norma, dizendo como ele deve-ser (dever-ser ideal). Ao fazê-lo, porém, não cria um sinônimo, para o símbolo normativo, mas realiza uma parafrase (cf. Vernego, 1971), isto é, uma reformulação de um texto cujo resultado é um substituto mais persuasivo, pois excisado em termos mais convenientes. Assim, a paráfrase interpretativa não elimina o texto, pondo outro em seu lugar, mas a mantém de uma forma mais conveniente, reforçando-a, dando-lhe por base de referência ao seu ideal do legislador racional, para um efetivo controle da conotação e da denotação. Ou seja, ao interpretar, a hermenêutica produz um acréscimo à função motivadora da língua normativa e realiza um ato de violência simbólica. Com o chamado método lógico-sistemático neutralizam-se os comunicadores e confere-se a norma o caráter de um \"imperativo despessoalizado\", que tem um sentido universal independentemente do tempo e que, assim, pode ser individualizado para o caso concreto. Com o método histórico-sociológico neutraliza-se a divergência de opinião e suspe-se consenso, permitindo-se que a norma tenha um sentido geral que pode ser especificado. Com o método teleológico e axiológico, neutraliza-se a facti species, que adquire um sentido abstrato que pode ser concretizado.\n\nO pressuposto da vontade do legislador racional exige, porém, que as dimensões da autoridade, liderança e reputação sejam congruentes. Pois isso é uma regra dogmática, a exigência da, que ao interpretar, a hermenêutica não se dá um único método, mas aliás, várias regras. E tal, na congruência não há, simplesmente, um modo de interpretação. A interpretação não é verdadeira nem por fidelidade ao pensamento legislativo, mas em termos observáveis dos objetivos da realidade, mas à medida que se vive congruente a uma relação do poder de violência simbólica.\n\nNão obstante, que explicaria as divergências hermenêuticas?\n\n5.1.5.4 INTERPRETAÇÃO VERDADEIRA E INTERPRETAÇÃO DIVERGENTE: CÓDIGOS FORTES E CÓDIGOS FRACOS\n\nPara explicar esta questão, fazendo uma referência ao trabalho de Epstein (1980:19). Simplificadamente e em alusão a Max Weber, podemos dizer que em uma relação de poder há três elementos: o agente de domin ação, o paciente e as organizações estuturadas. Ora, quando um agente emite uma norma, esta pode ser captada pelo paciente de diversos modos. E, portanto não há, pois, direta, mas medida pelas organizações estaturadas que constituem um código explícito. Por exemplo, nas organizações burocráticas, as emissões de normas obedecem a uma disposição (impecável) das competências. Ora, esse código explícito tem que ser decodificado, para que a norma se cumpra. Entendemos por código uma estrutura capaz de ordenar, para um item qualquer, dentro de um campo limitado, outro que seja complementar. Os códigos tornam comuns as orientações de agentes comunicativos. Por meio do código ganha-se relativa liberdade da situação concreta. Todavia, a generalização das significações pode fazer com que as situações concretas se percebam. Por isso o código tem de ser decodificado. Como se dá a decodificação? Em geral, as prescrições burocráticas são emitidas por definição (Weber) conforme um código dotado de rigor denotativo e conotativo. Trata-se de um \"código forte\" que procura dar um sentido unívoco à prescrição. Por exemplo: \"as obrigações pecuniárias constituídas antes deste decreto-lei e sem cláusulas de correção monetária serão convertidas na data de seu vencimento conforme o índice de deflação x\". O código forte confere a prescrição um sentido estrito, quando atribui rigor às expressões obrigação pecuniária, constituição da obrigação, data da constituição, fator deflacionário etc. O rigor, porém, estreito e espaço de manobra do destinatário, pois dele se exige um comportamento estrito. Assim, a tendência do receptor é ganhar espaço, criação conforme um \"código fraco\", isto é, pouco rigoroso e flexível, distuindo-se todas as obrigações pecuniárias estão subsumidas na prescrição, se uma obrigação apenas delineada provisoriamente, mas sujeita a incidentes futuros, já foi constituída etc.\n\nPode ocorrer, porém, que o emissor decodifique sua prescrição conforme um código fraco, procurando \"encerrar\" o comportamento do receptor de todos os lados pela flexibilidade de sentido. Nesse caso, o receptor vai, em contrariedade, exigir uma decodificação precisa, conforme um código forte, pois este é que lhe confere espaço de manobra.\n\nOra, diante desses esquemas, temos de reconhecer que o legislador normativo trabalha com ambos os códigos. Em face disso, dependendo da situação de experiência e exigência de interpretação do sistema, o intérprete poderá variar, invocando um de legislador racional, a função hermenêutica do seu sentido forte ou fraco. Com isso, podem-se observar as correlações e as divergências na interpretação, conforme ao uso e a distância entre a legitimidade tradicional e essa dessa competência inata da situação de conveniência. Assim, a possibilidade, conforme a situação, de usar códigos fortes e fracos a serviço do poder de violência simbólica confere à hermenêutica uma analogia ao seu princípio da interpretação extensiva. Por exemplo: será crime de lenocínio manter modelos para casos? Estritamente, lenocínio refere-se a casas de prostituição. Estendê-lo a motivos é analogia ou interpretação extensiva?\n\nAssim, a possibilidade, conforme a situação, de usar códigos fortes e fracos a serviço do poder de violência simbólica confere à hermenêutica uma analogia ao seu princípio da interpretação extensiva. Por exemplo: será crime de lenocínio manter modelos para casos? Estritamente, lenocínio refere-se a casas de prostituição. Estendê-lo a motivos é analogia ou interpretação extensiva?\n\n5.1.6 Função racionalizadora da hermenêutica\n\nLegendre (1976:154) afirma que, para os juristas, a sociedade não é nem gentil nem maldosa, pois a vontade do legislador (racional) não tem, es DOGMÁTICA HERMENÊUTICA OU A CIÊNCIA DO DIREITO COMO TEORIA DA INTERPRETAÇÃO 285\n\ntritualmente, nenhum caráter. Assim, o direito deve permanecer inacessível, enquanto instrumento voltado para a manutenção da ordem. Por isso, para o jurista, o direito não mente jamais, uma vez que existe, precisamente, com a finalidade de obscurer a verdade social, deixando que se jogue a ficção do bom poder.\n\nNa realidade, prossegue ele, o ensino dos juristas revela que, em razão da enorme produção normativa da qual eles têm o encargo interpretativo, tudo se passa como se em único texto (o ordenamento) estivesse em expansão continua. Suas diversas operações técnicas – interpretação sintética, sociológica, teleológica –em nada mais consistem do que reformular (parafrasear) o mesmo objeto (o ordenamento). Contudo, dessa forma, abrumam-se as eventuais saídas e impede-se o diálogo com o leigo. O jurista que faz e fala. Todavia, assim, cerceia-se para os sujeitos a palavra plena, pois tudo pode passar pela língua hermenêutica, que tudo pode ser controle do jurista. Entre-as, assim, num universo silencioso, o universo do ordenamento, que sabe tudo, que faz as repercussões e as devidas explicações. Entretanto, desse modo, o mistério divino do direito, o princípio do animus dado permanente, fora de tempo, é obliterado. Não ado essa sociedade, ictus; ubi societas, ibi jus – onde há direito, há sociedade –não há direito. 286 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO\n\n5.2 MÉTODOS E TIPOS DOGMÁTICOS DE INTERPRETAÇÃO\n\nA doutrina hermenêutica, por ser um discurso do poder de violência simbólica, não se constrói como uma teoria descritiva (zetética) que explica como é o sentido do direito, mas como uma teoria dogmática que expressa como deve (dever-ser ideal) ele interpretado. Os conceitos, as premissas, os princípios postulam concepções cripto-normativas (cripto = oculto) e formulam-se como orientações sobre os objetivos e os propósitos da interpretação. Dessas orientações deduzem-se, então, regaras hermenêuticas.\n\nConforme mostramos, com base nas três alíneas de organização dos símbolos (alto/baixo, dentro/fora, claro/escuro) e as perspectivas relações de poder (autoridade, liderança, reputação), constituem-se três critérios básicos, em razão dos quais é possível proceder, precisamente, uma reesquematização dos métodos de interpretação. Esses três critérios são a correção ou eufonia, o consenso, a justiça e o sentido correto exigido\n\n5.2.1 Métodos hermenêuticos\n\nOs chamados métodos de interpretação são, na verdade, regras técnicas que visam à obtenção de um resultado. Com elas procuram-se orientar para os problemas de decidibilidade dos conflitos. Esses problemas são de ordem sintática, semântica e pragmática. Embora não possamos circunscrever os rigorosamente no Direito, vamos tomá-los esquematicamente para a exposição. DOGMÁTICA HERMENÊUTICA OU A CIÊNCIA DO DIREITO COMO TEORIA DA INTERPRETAÇÃO 287\n\nexpressões dentro de um contexto: questões lógicas; e à conexão das sentenças num todo orgânico: questões sistemáticas.\n\nA orientação para enfrentar os problemas sintáticos constituiu o objeto dos métodos sistemáticos.\n\nQuando se enfrenta uma questão léxica, a doutrina costuma falar em interpretação gramatical. Parte-se do pressuposto de que a ordem das palavras e o modo como elas estão conectadas são importantes para obter-se o sentido significativo da norma. Assim, dúvidas podem surgir, quando a norma conecta substantivos e adjetivos ou usa pronomes relativos. Ao valer-se da língua natural, o legislador está sujeito a equivalência e, por isso, não existir nem nessas línguas regras de rigor (como na ciência), produzirem perplexidade. A norma prescreve: \"a investigação de quem ocorreu num país estrangeiro não deve levar-se em consideração pelo juiz brasileiro\", o problema não deixa claro e se reporta à angústia de um delito. Outro exemplo: \"exame de mercadoria, quando indispensável para a concepção do produto, deverá ocorrer\". No fundo, pois, a chamada interpretação gramatical tem na análise léxica apenas um instrumento para mostrar e demonstrar o problema, não para resolvê-lo. A letra da norma, assim, é apenas o ponto de partida da atividade hermenêutica. Como interpretar juridicamente é produzir uma paráfrase, a interpretação gramatical obriga o jurista a tomar consciência da letra da lei e estar atento às equívocidades proporcionadas pelo uso das línguas naturais e suas imperfeitas regras de conexão léxica.\n\nQuando enfrentamos problemas lógicos, a doutrina costuma falar em interpretação lógica. O que se disse para a interpretação gramatical pode ser repetido nesse caso. Trata-se de um instrumento técnico, às vezes, num vício da identificação de inconsitências. Parte-se do pressuposto de que a conexão de uma expressão normativa com as diversas expressões da mesma regra, usa-se o mesmo termo em normas distintas com consequências diferentes. Fere-se ao princípio lógico da identidade. Assim, por exemplo, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 155, § 3º, determina que, à exceção dos impostos tratados no inciso II do caput do artigo e no art. 153, I e II, nenhum outro tributo poderia incidir sobre operações de energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do país. Em outros artigos (por exemplo, 146, III, e 150, I), o termo tributo é usado num sentido amplo, de gênero, que abarca várias espécies, inclusive as contribuições sociais. O Supremo Tribunal Federal, contudo, entendeu que as contribuições sociais não estavam subsumidas à expressão nenhum outro tributo do mencionado art. 155, § 3º.\n\nOra, o princípio lógico da identidade (A = A) permite ao jurista mostrar a questão, mas não resolvê-la. As regras da interpretação lógica, recomendações para criar as condições de decidibilidade, são assim fórmulas lógicas como “o legislador nunca é redundante”, “as expressões estão usadas em sentidos diversos”, e porque um deve disciplinar a generalidade, surge um quadro novo: expressões que podem ter diversos contextos em que a expressão ocorre e classificá-los conforme sua especificidade etc. Se cada uma das bases lógicas são utilizadas em todos os contextos, podemos dizer que procura-se por tais critérios de decidibilidade pela essência ou excluindo recomendações gerais evitas, por conta de outras situações que não estão expressas, por exemplo, o duplo sentido que, se o legislador não distingue, não cabe ao interpretar distinguir etc. A atitude prática corresponde a recomendações que emergem das situações conflitivas, por sua consideração material, como o procedimento das classificações e reclassificações, definições e redefinições que ora separam os termos na forma de oposições simétricas (ou é um conteúdo de direito público ou é de direito privado) ou sua conjugação (caso em que os conteúdos são aproximados na forma de gêneros e espécies ou espécies de um gênero superior). A atitude diplomática, por fim, exige certa inventividade do intérprete, como é a proposta de ficções: se a verificação de uma condição foi imposta, contra a boa-fé, por aquele a quem prejudica, deve-se tê-la por verificada; se, nos mesmos termos, foi provocada por aquele a quem aproveita, deve-se tê-la por não verificada.\n\nPor fim, quando se enfrentam as questões de compatibilidade num todo estrutural, falemos em interpretação sistemática (stricto sensu). A pressão hermenêutica é a unidade do sistema jurídico do ordenamento. Há aqui um paralelo entre a teoria das fontes e a teoria da interpretação. Correspondentemente à organização hierárquica das fontes, emergem recomendações sobre a subordinação e a conexão das normas do ordenamento tendo tudo que culmina (em princípio) pela primeira norma-origem do sistema, a Constituição. Para a identificação dessa relação, são nucleares as noções. discutidas de validade, vigência, eficácia e vigor ou força (ver item 4.3.2). A primeira e mais importante recomendação, nesse caso, é que, em tese, qualquer preceito isolado deve ser interpretado em harmonia com os princípios gerais do sistema, para que se preserve a coerção de todo. Portanto, nunca devemos isolar o preceito nem em seu contexto (a lei em tela, o código: penal, civil etc.) e muito menos em sua conotação imediata (nunca leia só um artigo, leia também os parágrafos e os demais artigos). De modo geral, por exemplo, a questão de saber se uma lei pode, sem limitações, criar restrições; a atividade comercial deve ser interpretada em consonância, e deve-se buscar, no todo (sistemático) do ordenamento, a prioridade empresarial na defesa das normas constitucionais. Assim, dentro da lei que leda e estabelece as restrições, deve-se saber se a Constituição, ao estabelecer a igualdade de todos perante a lei, discriminar, ela própria, algumas exceções e se lhe é excepcional (por exemplo, a propriedade de administração de empresas de TV, rádio, etc., ressalvadas a regra geral de igualdade e o princípio segundo o qual a constituição exige a nacionalidade de proprietários e dirigentes, no que condiciona de modo absoluto a cidadania). Portanto, a interpretação sistêmica deve criar uma nova base, subordinação à regra geral do legislado (que pode levar ao seu prescrito), e o nacionalidade da matéria-prima utilizada na produção) para restringir a atividade de empresas estrangeiras.\n\n5.2.1.2 INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA, SOCIOLÓGICA E EVOLUTIVA\n\nOs problemas que tentamos didaticamente circunscrever como de ordem sintática mostram, aqui e ali, questões de ordem semântica. Num sentido restrito, os problemas semânticos referem-se ao significado das palavras individuais ou de sentenças prescritivas. Aqui aparecem as questões de ambigüidade e vaguidade já mencionadas. A hermenêutica pressupõe que tais significados são função da conexão fática ou existencial em consideração ao conjunto vital – cultural, político e econômico – que condiciona o uso da pressão.\n\nA teoria dogmática da interpretação costuma distinguir entre conceitos indeterminados, conceitos valorativos e conceitos discricionários. A distinção conhece diferentes atributos diferenciadores. Entre eles, um dos mais importantes é a possibilidade de, por via interpretativa, conferir-se ao conceito um contorno genérico.