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Toxicologia
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Acta Scientiae Medica On Line Vol. 2(1): 22-28; 2009 INTOXICAÇÃO ORAL SEGUIDO DE ÓBITO POR CARBAMATO E ORGANOFOSFORATO: RELATO DE 2 CASOS Vanessa S.M. Côrtes-Salvio, Marcio A. Babinski, Enrique A. C. Loayza Escola de Medicina - Centro de Ciências da Saúde - Universidade do Grande Rio Professor José de Souza Herdy - UNIGRANRIO, Duque de Caxias (RJ) Brasil RESUMO A intoxicação oral por “chumbinho” é uma condição clínica emergencial que tem grande tendência à alta mortalidade relacionada ao diagnóstico tardio e à conduta inadequada. O nosso objetivo foi relatar dois casos de intoxicação por chumbinho que evoluíram para óbito por parada cardiorrespiratória não responsiva à manobras e permanência por bronco-aspiração, bem como, descrever uma revisão de diagnóstico e tratamentos envolvidos. Unitermos: Intoxicação; Chumbinho; diagnóstico; tratamento; vigilância sanitária Acta Scientiae Medica: Vol. 2(1): 22-28; 2009 © Acta Scientiae Medica (2009) Revista Oficial da Escola de Medicina da UNIGRANRIO Acta Scientiae Medica On Line Vol. 2(1): 22-28; 2009 INTRODUÇÃO Chumbinho é um veneno muito conhecido para matar ratos. Sendo um produto clandestino, o seu emprego como raticida é irregular, pois trata-se na verdade de resíduo de fitossanitário (agrotóxico), de uso exclusivo na lavoura. Não possui registro em nenhum órgão do governo. Segundo o Ministério da Saúde por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), há na verdade um desvio de agrotóxicos por meios ilegais para serem utilizados indevidamente, visto que há leis que restringe o uso, a comercialização e a venda, Lei 7802/89 e Lei 7586/06, mas é facilmente adquirido em lojas agropecuárias em todo o país. Ele forma as perdas encontrada facilmente em feiras livres e arsenais (BRASIL, 2009). Devido a essa facilidade, Lima e Spinelli demonstram que desde 1986 o Instituto de Medicina Legal do Rio de Janeiro (IML) vem recebendo vítimas fatais de envenenamento pelo chumbinho, sejam acidentais ou não. Dados mais recentes do Sistema Nacional de Informações Tóxico Farmacológicas (SINITOX) mostram que, no ano de 2003, os prejudicados em geral foram responsáveis por 12.788 (15,47%) casos de intoxicação no homem. Na cidade do Rio de Janeiro neste mesmo ano 88 óbitos sendo um deles por organofosforado e 87 por carbamato (FIGORUZZ, 2009). Os agrotóxicos mais encontrados nos granulados, tipo ‘chumbinho’ pertencem ao grupo químico dos carbamatos e organofosforados. O agrotóxico aldicarbe é encontrado em cerca de 50 % dos ‘chumbinhos’ analisados pela ANVISA. Outros agrotóxicos também encontrados são o carbofurano (carbamato), terbúlios (organofosforado), forato (organofosforado), monocrotrofós (organofosforado) e metomil (carbamato) (BRASIL, 2009). O carbamato tem sua ação através da inibição reversível da enzima acetilcolinesterase que degrada o neurotransmissor acetilcolina na fenda sináptica, havendo um acúmulo deste nos receptores de ação (nicotínicos e muscarínicos). Os efeitos são os relacionados à ação deste neurotransmissor junto ao seu receptor e se traduzem em aumento de secreções corpóreas, da peristalse, broncoconstrição, bradicardia, hipotensão, contração muscular espamódica seguida de paralisia muscular, convulsões e depressão do sistema nervoso central (SNC) (Rang, et al., 2004). No que tange ao uso de organofosforado, sua inibição é irreversível e causa além dos efeitos a piores citados um grave tipo de desmielinização dos nervos periféricos resultando em fraqueza e perda sensitiva lentamente (Rang, et al., 2004). Trabalhos realizados sobre o assunto, são epidemiológicos (Figueiredo et al., 1996) até fisiofarmacológicos. Mediante ao exposto, o objetivo deste trabalho é apresentar dois casos de intoxicação por chumbinho atendidos na emergência de um hospital federal de grande porte da cidade do Rio de Janeiro, bem como, descrever uma revisão de diagnóstico e tratamentos envolvidos. RELATO DOS CASOS Caso 1: paciente do sexo feminino 15 anos, parda, deu entrada no hospital trazida pela mãe, com perda da consciência pós-convulsão, com grande sialorreia. A filha relata que a mesma ameaçou tomar chumbinho devido à briga com namorado. Nega doenças clínicas, alergia, uso de drogas e álcool. Acta Scientiae Medica On Line Vol. 2(1): 22-28; 2009 Utiliza anticoncepção oral somente. Mãe nega qualquer episódio anterior semelhante. No momento da entrada inconsciente, pupilas mióticas, dispneica, sialorreia. Bradicárdica, ritmo cardíaco regular em dois tempos com bulhas normofonéticas, estertores difusos em ambos os hemitórax. Peristalse aumentada e miófasculação em cãm eram presentes. PA: 6x 40mmHg e 40 bpm, saturação de O2: 60%. Terapêutica instituída: aspiração oral e vias aéreas, sondagem nasogástrica para lavagem gástrica com 3 litros de SF 0.9% (quando fora confirmado uso de chumbinho), entubação orotraqueal e ventilação mecânica. Iniciada atropinização com 20mL a cada 30minutos (ampola 1mL com 0,25 de sulfato de atropina). Evoluiu para óbito por parada cardiorrespiratória não responsiva à manobras e permanência por broncoaspiração. Caso 2: paciente do sexo masculino, 30 anos, negro, deu entrada no mesmo hospital supracitado trazido pelos parentes por ter ingerido chumbinho e ter tido um episódio de convulsão. A família relata depressão por estar desempregado, com história de alcoolismo e consumo de drogas. Utilizou dois frascos de chumbinho que havia em casa para matar ratos. No momento da admissão emagrecido, inconsciente hipocorado, dispneico, pupilas mióticas, sialorreia. Bradicárdico, ritmo cardíaco irregular em dois tempos com bulhas normofonéticas, estertores difusos em ambos os hemitórax. Peristalse aumentada, diarreia, atáxico. PA: 50x 30mmHg e 25 bpm, saturação de O2: 45%, evoluindo rapidamente para parada cardiorrespiratória com reversão por manobras e bronco-aspiração. Terapêutica: atropinização com 20 mL de atropina e entubação orotraqueal e ventilação mecânica. Óbito em 48 horas por nova parada cardiorrespiratória. DISCUSSÃO Os compostos organofosforados e carbamatos apresentam mecanismo de ação baseado na inibição das colinesterases (Aché). São compostos lipossolúveis, sendo absorvidos pelo organismo por via cutânea, respiratória e digestiva. A absorção por via respiratória é a mais eficaz, seguida pela digestiva e cutânea. Segundo Machemer & Pickel, (1994) encontra-se registrado que uma dose oral de 0,2mg/kg que se põe corpóreo em um voluntário humano, produzui intoxicação aguda sendo necessário atropiinizar o indivíduo. O carbamato tem início de ação rápida e letalidade importante porque são metabolizados em menos de 24 horas. Devido à resolução da AChE na presença de organofosforado não houve ainda teste que possam indicar a quantidade necessária para encerrar a intoxicação. Entretanto a presença de pequena quantidade aliada ao carbamato corrobora sobremaneira a ação deste como neurotóxico. Ambos os casos foram tratados como intoxicação por carbamato e não houve conhecimento de ser presença do organofosforado, devido à pré-conhecimento de ser o chumbinho um carbamato, possibilitando esta falta de associação ao óbito dos dois pacientes. Moraes em sua tese (1999) aponta a alta mortalidade relacionada ao diagnóstico tardio e à conduta inadequada. Os médicos tendem a adminsitrar doses insuficientes do antidoto. A abordagem médica inicial deve ser rápida e adequada, pois a rapidez no diagnóstico e precocidade do tratamento é determinante na evolução dos casos (Singh, et al., 1995). A ANVISA disponibiliza em sua pagina na internet orientações médicas para as urgências por intoxicação de agrotóxico como demonstrado no quadro I. © Acta Scientiae Medica (2009) Revista Oficial da Escola de Medicina da UNIGRANRIO Acta Scientiae Medica On line Vol. 2(1): 22-28; 2009 O diagnóstico laboratorial segundo a mesma se dá por "Doseamento da colinesterase sanguínea (abaixamento de 25% ou mais no nível de pré-exposição indica intoxicação)”. Tal doseamento não é uma opção prática nas emergências públicas da grande maioria dos hospitais e sim a clínica aliada à história quando possível. Usos Inseticidas e acaricidas. Vias de absorção Oral, respiratória, dérmica. Aspectos toxicológicos Inibidores da colinesterase. Sintomas e Sinas Clínicos Síndrome Colinérgica: sudorese, sialorréia, miose, hipersecreção brônquica, colapso respiratório, broncospasmo, tosse vômito, cólicas, diarréia. Síndrome Nicotínica: fasciculação muscular, hipertensão arterial transitória. Síndrome Neurológica: confusão mental, ataxia, convulsões, depressão dos centros cardiorrespiratórios. Diagnóstico Laboratorial Doseamento de colinesterase sanguínea (abaixamento de 25% ou mais no nível de pré- exposição indica intoxicação. Tratamentos Sulfato de atropina, I.M. ou I.V. 1 a 6 mg cada 5 a 30 min., até a atropização leve. Oximas (contrathion): 1-2 g/dia, nos 3 primeiros dias; são contra-indicadas nas intoxicações por inseticidas carbamatos. Manter o paciente em repouso sob observação, no mínimo por 24 horas, após remissão dos sintomas. CONTRA-INDICAÇÃO: morfina, aminofilina e tranquilizantes. Quadro 1 - Composto: Fosforados Orgânicos e Carbamatos. Fonte (ANVISA -2009) Fernandes (2003) reafirma que "...em muitos casos, ocorre adulteração do produto, que é misturado a grafite, milho moído, farinha de trigo ou areia, além da associação com organofosforados e anticoagulantes, agravando o quadro de intoxicação e dificultando o tratamento médico no caso de ingestão acidental.” Há dificuldades para o cuidado destes pacientes, para a análise da quantidade e do tipo de agente, ou para a dosagem da atividade da enzima colinesterase. © Acta Scientiae Medica (2009) Revista Oficial da Escola de Medicina da UNIGRANRIO Acta Scientiae Medica On line Vol. 2(1): 22-28; 2009 O tratamento para as intoxicações de organofosforados inclui: manter a permeabilidade das vias aéreas, oxigenoterapia, se necessário hidratação venosa, lavagem corporal exaustiva, em casos de contaminação dérmica. É preconizado o esvaziamento gástrico com lavagem (adultos: 6 a 10 litros de SF a 0,9 %), carvão ativado ministrar doses, diluídos em SF a 0,9 %, de 4/4:00 h ou 6/6:00 h, via sonda naso-gástrica (SNG), mantendo a SNG aberta em sifonagem. Contra indicada em casos de ausência de peristalse. (Ministrar até 4doses- adultos: 25 g de CA/dose - diluído a 10 % em SF a 0,9 %) e uso de Catártico 1:00 h após o carvão ativado (Sulfato de Sódio a 10 %) (NOXON, 2008). O carvão ativado também não é um produto de fácil obtenção em qualquer unidade de atendimento emergencial. Salienta-se a dificuldade no manejo, por falta de doseamento de AChE, e falta muitas vezes o carvão ativado para a lavagem gástrica. Une-se a solidez e conhecimento de que o chumbinho tem como constituinte único o carbamato, que ANVISA já demonstrou mudança em sua reestruturação, levando a morbimortalidade nas intoxicações por carbamato e organofosforado tornando-se esta emergência um problema de saúde pública. E por fim a inexperiência que leva ao diagnóstico tardio e terapêutica ineficaz. Tais dados demonstram que há necessidade de mobilização, tanto quanto na questão médica quanto à da venda indiscriminada destes produtos, necessitando de maior preparo das unidades hospitalares para receber estes pacientes. Dessa forma, e diante da perda de pacientes intoxicados por chumbinho, não podemos deixar de entender que atualmente tal raticida não tem só um composto neurotóxico denominado carbamato e sim que além de outros compostos não neurotóxicos, há a presença de organofosforado. Haja visto, como anteriormente citado, o tratamento deste último composto requer uma atenção mais especial com definição diagnóstica rápida de modo a minimizar danos futuros causados pela irreversibilidade da destruição do organofosforado. Portanto, percebe-se que há necessidade de uma melhor reestruturação das unidades hospitalares e do serviço de vigilância, baseadas nos dados de morbimortalidade marcantes, além de mudarmos eficientemente a história da intoxicação por chumbinho. CONCLUSÃO Esses achados trazem à luz a questão de maximizar o conhecimento a transformação pregada na composição do raticida chumbinho. Todos esses fatos se revestem de importância ainda maior ao considerarmos que há tratamentos com uso organizado desde a década de 50, e também atualmente. REFERÊNCIAS 1. Brasil, Ministério da Saúde: ANVISA. Sistema de informações sobre agrotóxico(SIA). disponível online:www.anvisa.org.br/toxicologi a/sia.htm em 17 de abr de 2009. 2. Fernandes V: Veneno movimento comércio ilegal. Captura em 20 abr. 2009. Online. Disponível na Internet http://jbonline.terra.com.br/jb/pap el/cidade. 3. Fiocruz, Sistema Nacional de Informações Tóxicofarmacológicas (SINTOX). Obtido em 20. abril. 2009. Online. Disponível na Internet http://www.fiocruz.br 4. Lima RK & Spinelli E: Análise por cromatografia em camada delgada do inseticida carbamato Aldicarb em Acta Scientiae Medica On line Vol. 2(1): 22-28; 2009 material post mortem. v.172, p.528-530, 1996 5. Machemer LH & Pickel M: CarbamatesInsecticides. Toxicology 91: 29-36; 1994. 6. Moraes ACL. Contribuição para o estudo das intoxicações por carbamatos: o caso do chumbinho no Rio de Janeiro. [Mestrado] Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública; 1999. 111 p. 7. Noxon. Ficha de Informação de Segurança de Produto Químico – FISPQ Noxon do Brasil Química e Farmacêutica LTda Data da última revisão: 09/09/2008. 8. Rang HP et al. Farmacologia 5 ed.. Rio de Janeiro: editora Elsevier,2004. Aceito após revisão: Maio de 2009 Autor Correspondente Prof. Dr. Enrique A. Conrubiias Loayza Escola de Medicina – Centro de Ciências da Saúde – UNIGRANRIO Rua Prof. José de Souza Herdy, 1160 Duque de Caxias, 25071-202, RJ, Brasil Telefone: + 55 21 2672-7777 E-mail: enriqueuro@yahoo.com © Acta Scientiae Medica (2009) Revista Oficial da Escola de Medicina da UNIGRANRIO Acta Scientiae Medica. On line Vol. 2(1): 22-28; 2009 ABSTRACT The oral poisoning by "chumbinho" is a clinical emergency which has wide trend to high mortality related to late diagnosis and inappropriate conduct. Our objective was to report two cases of poisoning who died of cardio-respiratory arrest not responsive to maneuvers and broncho-pneumonia caused by aspiration, as well as, describing a review of diagnosis and treatment involved. Keywords: Poisoning; Chumbinho; diagnosis; treatment; health monitoring Acta Scientiae Medica: Vol. 2(1): 22-28; 2009 © Acta Scientiae Medica (2009) Revista Oficial da Escola de Medicina da UNIGRANRIO
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Acta Scientiae Medica On Line Vol. 2(1): 22-28; 2009 INTOXICAÇÃO ORAL SEGUIDO DE ÓBITO POR CARBAMATO E ORGANOFOSFORATO: RELATO DE 2 CASOS Vanessa S.M. Côrtes-Salvio, Marcio A. Babinski, Enrique A. C. Loayza Escola de Medicina - Centro de Ciências da Saúde - Universidade do Grande Rio Professor José de Souza Herdy - UNIGRANRIO, Duque de Caxias (RJ) Brasil RESUMO A intoxicação oral por “chumbinho” é uma condição clínica emergencial que tem grande tendência à alta mortalidade relacionada ao diagnóstico tardio e à conduta inadequada. O nosso objetivo foi relatar dois casos de intoxicação por chumbinho que evoluíram para óbito por parada cardiorrespiratória não responsiva à manobras e permanência por bronco-aspiração, bem como, descrever uma revisão de diagnóstico e tratamentos envolvidos. Unitermos: Intoxicação; Chumbinho; diagnóstico; tratamento; vigilância sanitária Acta Scientiae Medica: Vol. 2(1): 22-28; 2009 © Acta Scientiae Medica (2009) Revista Oficial da Escola de Medicina da UNIGRANRIO Acta Scientiae Medica On Line Vol. 2(1): 22-28; 2009 INTRODUÇÃO Chumbinho é um veneno muito conhecido para matar ratos. Sendo um produto clandestino, o seu emprego como raticida é irregular, pois trata-se na verdade de resíduo de fitossanitário (agrotóxico), de uso exclusivo na lavoura. Não possui registro em nenhum órgão do governo. Segundo o Ministério da Saúde por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), há na verdade um desvio de agrotóxicos por meios ilegais para serem utilizados indevidamente, visto que há leis que restringe o uso, a comercialização e a venda, Lei 7802/89 e Lei 7586/06, mas é facilmente adquirido em lojas agropecuárias em todo o país. Ele forma as perdas encontrada facilmente em feiras livres e arsenais (BRASIL, 2009). Devido a essa facilidade, Lima e Spinelli demonstram que desde 1986 o Instituto de Medicina Legal do Rio de Janeiro (IML) vem recebendo vítimas fatais de envenenamento pelo chumbinho, sejam acidentais ou não. Dados mais recentes do Sistema Nacional de Informações Tóxico Farmacológicas (SINITOX) mostram que, no ano de 2003, os prejudicados em geral foram responsáveis por 12.788 (15,47%) casos de intoxicação no homem. Na cidade do Rio de Janeiro neste mesmo ano 88 óbitos sendo um deles por organofosforado e 87 por carbamato (FIGORUZZ, 2009). Os agrotóxicos mais encontrados nos granulados, tipo ‘chumbinho’ pertencem ao grupo químico dos carbamatos e organofosforados. O agrotóxico aldicarbe é encontrado em cerca de 50 % dos ‘chumbinhos’ analisados pela ANVISA. Outros agrotóxicos também encontrados são o carbofurano (carbamato), terbúlios (organofosforado), forato (organofosforado), monocrotrofós (organofosforado) e metomil (carbamato) (BRASIL, 2009). O carbamato tem sua ação através da inibição reversível da enzima acetilcolinesterase que degrada o neurotransmissor acetilcolina na fenda sináptica, havendo um acúmulo deste nos receptores de ação (nicotínicos e muscarínicos). Os efeitos são os relacionados à ação deste neurotransmissor junto ao seu receptor e se traduzem em aumento de secreções corpóreas, da peristalse, broncoconstrição, bradicardia, hipotensão, contração muscular espamódica seguida de paralisia muscular, convulsões e depressão do sistema nervoso central (SNC) (Rang, et al., 2004). No que tange ao uso de organofosforado, sua inibição é irreversível e causa além dos efeitos a piores citados um grave tipo de desmielinização dos nervos periféricos resultando em fraqueza e perda sensitiva lentamente (Rang, et al., 2004). Trabalhos realizados sobre o assunto, são epidemiológicos (Figueiredo et al., 1996) até fisiofarmacológicos. Mediante ao exposto, o objetivo deste trabalho é apresentar dois casos de intoxicação por chumbinho atendidos na emergência de um hospital federal de grande porte da cidade do Rio de Janeiro, bem como, descrever uma revisão de diagnóstico e tratamentos envolvidos. RELATO DOS CASOS Caso 1: paciente do sexo feminino 15 anos, parda, deu entrada no hospital trazida pela mãe, com perda da consciência pós-convulsão, com grande sialorreia. A filha relata que a mesma ameaçou tomar chumbinho devido à briga com namorado. Nega doenças clínicas, alergia, uso de drogas e álcool. Acta Scientiae Medica On Line Vol. 2(1): 22-28; 2009 Utiliza anticoncepção oral somente. Mãe nega qualquer episódio anterior semelhante. No momento da entrada inconsciente, pupilas mióticas, dispneica, sialorreia. Bradicárdica, ritmo cardíaco regular em dois tempos com bulhas normofonéticas, estertores difusos em ambos os hemitórax. Peristalse aumentada e miófasculação em cãm eram presentes. PA: 6x 40mmHg e 40 bpm, saturação de O2: 60%. Terapêutica instituída: aspiração oral e vias aéreas, sondagem nasogástrica para lavagem gástrica com 3 litros de SF 0.9% (quando fora confirmado uso de chumbinho), entubação orotraqueal e ventilação mecânica. Iniciada atropinização com 20mL a cada 30minutos (ampola 1mL com 0,25 de sulfato de atropina). Evoluiu para óbito por parada cardiorrespiratória não responsiva à manobras e permanência por broncoaspiração. Caso 2: paciente do sexo masculino, 30 anos, negro, deu entrada no mesmo hospital supracitado trazido pelos parentes por ter ingerido chumbinho e ter tido um episódio de convulsão. A família relata depressão por estar desempregado, com história de alcoolismo e consumo de drogas. Utilizou dois frascos de chumbinho que havia em casa para matar ratos. No momento da admissão emagrecido, inconsciente hipocorado, dispneico, pupilas mióticas, sialorreia. Bradicárdico, ritmo cardíaco irregular em dois tempos com bulhas normofonéticas, estertores difusos em ambos os hemitórax. Peristalse aumentada, diarreia, atáxico. PA: 50x 30mmHg e 25 bpm, saturação de O2: 45%, evoluindo rapidamente para parada cardiorrespiratória com reversão por manobras e bronco-aspiração. Terapêutica: atropinização com 20 mL de atropina e entubação orotraqueal e ventilação mecânica. Óbito em 48 horas por nova parada cardiorrespiratória. DISCUSSÃO Os compostos organofosforados e carbamatos apresentam mecanismo de ação baseado na inibição das colinesterases (Aché). São compostos lipossolúveis, sendo absorvidos pelo organismo por via cutânea, respiratória e digestiva. A absorção por via respiratória é a mais eficaz, seguida pela digestiva e cutânea. Segundo Machemer & Pickel, (1994) encontra-se registrado que uma dose oral de 0,2mg/kg que se põe corpóreo em um voluntário humano, produzui intoxicação aguda sendo necessário atropiinizar o indivíduo. O carbamato tem início de ação rápida e letalidade importante porque são metabolizados em menos de 24 horas. Devido à resolução da AChE na presença de organofosforado não houve ainda teste que possam indicar a quantidade necessária para encerrar a intoxicação. Entretanto a presença de pequena quantidade aliada ao carbamato corrobora sobremaneira a ação deste como neurotóxico. Ambos os casos foram tratados como intoxicação por carbamato e não houve conhecimento de ser presença do organofosforado, devido à pré-conhecimento de ser o chumbinho um carbamato, possibilitando esta falta de associação ao óbito dos dois pacientes. Moraes em sua tese (1999) aponta a alta mortalidade relacionada ao diagnóstico tardio e à conduta inadequada. Os médicos tendem a adminsitrar doses insuficientes do antidoto. A abordagem médica inicial deve ser rápida e adequada, pois a rapidez no diagnóstico e precocidade do tratamento é determinante na evolução dos casos (Singh, et al., 1995). A ANVISA disponibiliza em sua pagina na internet orientações médicas para as urgências por intoxicação de agrotóxico como demonstrado no quadro I. © Acta Scientiae Medica (2009) Revista Oficial da Escola de Medicina da UNIGRANRIO Acta Scientiae Medica On line Vol. 2(1): 22-28; 2009 O diagnóstico laboratorial segundo a mesma se dá por "Doseamento da colinesterase sanguínea (abaixamento de 25% ou mais no nível de pré-exposição indica intoxicação)”. Tal doseamento não é uma opção prática nas emergências públicas da grande maioria dos hospitais e sim a clínica aliada à história quando possível. Usos Inseticidas e acaricidas. Vias de absorção Oral, respiratória, dérmica. Aspectos toxicológicos Inibidores da colinesterase. Sintomas e Sinas Clínicos Síndrome Colinérgica: sudorese, sialorréia, miose, hipersecreção brônquica, colapso respiratório, broncospasmo, tosse vômito, cólicas, diarréia. Síndrome Nicotínica: fasciculação muscular, hipertensão arterial transitória. Síndrome Neurológica: confusão mental, ataxia, convulsões, depressão dos centros cardiorrespiratórios. Diagnóstico Laboratorial Doseamento de colinesterase sanguínea (abaixamento de 25% ou mais no nível de pré- exposição indica intoxicação. Tratamentos Sulfato de atropina, I.M. ou I.V. 1 a 6 mg cada 5 a 30 min., até a atropização leve. Oximas (contrathion): 1-2 g/dia, nos 3 primeiros dias; são contra-indicadas nas intoxicações por inseticidas carbamatos. Manter o paciente em repouso sob observação, no mínimo por 24 horas, após remissão dos sintomas. CONTRA-INDICAÇÃO: morfina, aminofilina e tranquilizantes. Quadro 1 - Composto: Fosforados Orgânicos e Carbamatos. Fonte (ANVISA -2009) Fernandes (2003) reafirma que "...em muitos casos, ocorre adulteração do produto, que é misturado a grafite, milho moído, farinha de trigo ou areia, além da associação com organofosforados e anticoagulantes, agravando o quadro de intoxicação e dificultando o tratamento médico no caso de ingestão acidental.” Há dificuldades para o cuidado destes pacientes, para a análise da quantidade e do tipo de agente, ou para a dosagem da atividade da enzima colinesterase. © Acta Scientiae Medica (2009) Revista Oficial da Escola de Medicina da UNIGRANRIO Acta Scientiae Medica On line Vol. 2(1): 22-28; 2009 O tratamento para as intoxicações de organofosforados inclui: manter a permeabilidade das vias aéreas, oxigenoterapia, se necessário hidratação venosa, lavagem corporal exaustiva, em casos de contaminação dérmica. É preconizado o esvaziamento gástrico com lavagem (adultos: 6 a 10 litros de SF a 0,9 %), carvão ativado ministrar doses, diluídos em SF a 0,9 %, de 4/4:00 h ou 6/6:00 h, via sonda naso-gástrica (SNG), mantendo a SNG aberta em sifonagem. Contra indicada em casos de ausência de peristalse. (Ministrar até 4doses- adultos: 25 g de CA/dose - diluído a 10 % em SF a 0,9 %) e uso de Catártico 1:00 h após o carvão ativado (Sulfato de Sódio a 10 %) (NOXON, 2008). O carvão ativado também não é um produto de fácil obtenção em qualquer unidade de atendimento emergencial. Salienta-se a dificuldade no manejo, por falta de doseamento de AChE, e falta muitas vezes o carvão ativado para a lavagem gástrica. Une-se a solidez e conhecimento de que o chumbinho tem como constituinte único o carbamato, que ANVISA já demonstrou mudança em sua reestruturação, levando a morbimortalidade nas intoxicações por carbamato e organofosforado tornando-se esta emergência um problema de saúde pública. E por fim a inexperiência que leva ao diagnóstico tardio e terapêutica ineficaz. Tais dados demonstram que há necessidade de mobilização, tanto quanto na questão médica quanto à da venda indiscriminada destes produtos, necessitando de maior preparo das unidades hospitalares para receber estes pacientes. Dessa forma, e diante da perda de pacientes intoxicados por chumbinho, não podemos deixar de entender que atualmente tal raticida não tem só um composto neurotóxico denominado carbamato e sim que além de outros compostos não neurotóxicos, há a presença de organofosforado. Haja visto, como anteriormente citado, o tratamento deste último composto requer uma atenção mais especial com definição diagnóstica rápida de modo a minimizar danos futuros causados pela irreversibilidade da destruição do organofosforado. Portanto, percebe-se que há necessidade de uma melhor reestruturação das unidades hospitalares e do serviço de vigilância, baseadas nos dados de morbimortalidade marcantes, além de mudarmos eficientemente a história da intoxicação por chumbinho. CONCLUSÃO Esses achados trazem à luz a questão de maximizar o conhecimento a transformação pregada na composição do raticida chumbinho. Todos esses fatos se revestem de importância ainda maior ao considerarmos que há tratamentos com uso organizado desde a década de 50, e também atualmente. REFERÊNCIAS 1. Brasil, Ministério da Saúde: ANVISA. Sistema de informações sobre agrotóxico(SIA). disponível online:www.anvisa.org.br/toxicologi a/sia.htm em 17 de abr de 2009. 2. Fernandes V: Veneno movimento comércio ilegal. Captura em 20 abr. 2009. Online. Disponível na Internet http://jbonline.terra.com.br/jb/pap el/cidade. 3. Fiocruz, Sistema Nacional de Informações Tóxicofarmacológicas (SINTOX). Obtido em 20. abril. 2009. Online. Disponível na Internet http://www.fiocruz.br 4. Lima RK & Spinelli E: Análise por cromatografia em camada delgada do inseticida carbamato Aldicarb em Acta Scientiae Medica On line Vol. 2(1): 22-28; 2009 material post mortem. v.172, p.528-530, 1996 5. Machemer LH & Pickel M: CarbamatesInsecticides. Toxicology 91: 29-36; 1994. 6. Moraes ACL. Contribuição para o estudo das intoxicações por carbamatos: o caso do chumbinho no Rio de Janeiro. [Mestrado] Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública; 1999. 111 p. 7. Noxon. Ficha de Informação de Segurança de Produto Químico – FISPQ Noxon do Brasil Química e Farmacêutica LTda Data da última revisão: 09/09/2008. 8. Rang HP et al. Farmacologia 5 ed.. Rio de Janeiro: editora Elsevier,2004. Aceito após revisão: Maio de 2009 Autor Correspondente Prof. Dr. Enrique A. Conrubiias Loayza Escola de Medicina – Centro de Ciências da Saúde – UNIGRANRIO Rua Prof. José de Souza Herdy, 1160 Duque de Caxias, 25071-202, RJ, Brasil Telefone: + 55 21 2672-7777 E-mail: enriqueuro@yahoo.com © Acta Scientiae Medica (2009) Revista Oficial da Escola de Medicina da UNIGRANRIO Acta Scientiae Medica. On line Vol. 2(1): 22-28; 2009 ABSTRACT The oral poisoning by "chumbinho" is a clinical emergency which has wide trend to high mortality related to late diagnosis and inappropriate conduct. Our objective was to report two cases of poisoning who died of cardio-respiratory arrest not responsive to maneuvers and broncho-pneumonia caused by aspiration, as well as, describing a review of diagnosis and treatment involved. Keywords: Poisoning; Chumbinho; diagnosis; treatment; health monitoring Acta Scientiae Medica: Vol. 2(1): 22-28; 2009 © Acta Scientiae Medica (2009) Revista Oficial da Escola de Medicina da UNIGRANRIO