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Psicologia Social
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16 Mosaico Revista Multidisciplinar de Humanidades Vassouras v 12 n 3 p 1622 setdez 2021 DOI 1021727rsv12i32781 Afiliação dos autores Universidade de Vassouras Vassouras RJ Brasil Email de correspondência giovannainnocenciohotmailcom Resumo O presente artigo tem como objetivo sistematizar através de uma revisão narrativa da literatura as diferentes teorias que surgiram na tentativa de explicação do processo saúdedoença e tomar como base os determinantes sociais da saúde cujo referencial teórico reconhece a existência de um nexo biopsíquico constituidor dos indivíduos e estabelecido em sociedade para analisar a epidemiologia do sofrimento psíquico na sociedade contemporânea Será destacado como o processo de exploração advindo do modo de produção capitalista e neoliberal correlacionando com as diferenças sociais de classe gênero e raça tem tamanha responsabilidade na alta prevalência dos transtornos mentais na sociedade Mostrase dessa forma como é inegável conceber a dialética entre as ciências médicas e ciências humanas para o adequado desenvolvimento da saúde mental Palavraschave sofrimento psíquico determinantes sociais da saúde transtornos mentais capitalismo Giovanna Innocencio Psychic suffering in capitalist and neoliberal society from the perspective of social determination of the healthdisease process O sofrimento psíquico na sociedade capitalista e neoliberal sob a ótica da determinação social do processo saúdedoença Recebido em 020421 Aceito em 191021 Como citar esse artigo INNOCENCIO G O sofrimento psíquico na sociedade capitalista e neoliberal sob a ótica da determinação social do processo saúdedoença Mosaico Revista Multidisciplinar de Humanidades Vassouras v 12 n 3 p 1622 set dez 2021 Abstract This article aims to systematize through a narrative review of literature the different theories that emerged in an attempt to explain the healthdisease process and to take as a basis the social determinants of health whose theoretical framework recognizes the existence of a biopsychic nexus constituting individuals and established in society to analyze the epidemiology of psychological suffering in contemporary society It will be highlighted how the process of exploitation arising from the capitalist and neoliberal mode of production correlating with the social differences of class gender and race has such a responsibility in the high prevalence of mental disorders in society In this way it is shown how undeniable it is to conceive the dialectic between the medical sciences and the human sciences for the adequate development of mental health Keywords psychological distress social determinants of health mental disorders capitalism Introdução Ao longo da história diversas teorias explicativas surgiram na tentativa de construir significados sobre a relação da estrutura e das funções do corpo com o meio ambiente o que possibilitou a eclosão de diferentes narrativas do processo saúdedoença Nesse sentido numerosos projetos de intervenção foram criados de acordo com as necessidades coletivas de cada sociedade A fim de compreender as formas particulares de sofrimento psíquico na sociedade contemporânea este estudo tomou a teoria da determinação social como base para tal análise Para Breilh 2013 representante da medicina social latinoamericana a produção de doenças ocorre no plano coletivo e portanto não se pode desvincular o estudo do processo saúdedoença do contexto social em que está inserido Nesse sentido a fim de entender os processos pelos quais as relações sociais a história e a cultura subordinam o biológico é essencial investigar os sistemas estruturais de cada sociedade cujas distintas formações sociais apresentam arranjos próprios e características particulares e consequentemente determinados perfis epidemiológicos Seguindo essa lógica é possível correlacionar a alta prevalência dos transtornos mentais na atualidade com o aumento da exploração e opressão advindas do capitalismo sistema que produz desigualdade e impede Nota da Editora Os artigos publicados na Revista Mosaico são de responsabilidade de seus autores As informações neles contidas bem como as opiniões emitidas não representam pontos de vista da Universidade de Vassouras ou de suas Revistas Mosaico Revista Multidisciplinar de Humanidades Vassouras v 12 n 3 p 1622 setdez 2021 Innocencio 2021 17 DOI 1021727rsv12i32781 um objetivo maior de emancipação e qualidade de vida e com o modo de produção neoliberal cuja psicologia moral de produtividade e do ideal empresarial do sujeito produz e gerencia o sofrimento SAFATLE SILVA JUNIOR DUNKER 2020 Como analisado por Bauman 1999 o desenvolvimento do capitalismo e a égide da ordem e do controle geraram a construção de um modo de vida atravessado por diferentes instituições sociais que regulam as formas de existência dos indivíduos Para tanto tornase fundamental compreender como as condições impostas aos indivíduos interferem em seus meios de vivência e atentar para que não haja culpabilidade do sujeito quanto ao sofrimento que lhe é causado devido a falha do sistema em promover dignidade humana De forma isolada a área da saúde não consegue proporcionar vitalidade física e psíquica aos indivíduos é necessário o empenho de parte significativa da sociedade para que seja assegurada a qualidade de vida ideal aos sujeitos A consideração dos processos históricos como um dos geradores das problemáticas existentes acerca da saúde coletiva formalizando a existência da interface entre as ciências naturais e as ciências humanas é de extrema importância para o estabelecimento adequado da saúde mental À vista disso partimos do pressuposto de que o reducionismo científico dificulta tal dialética o que torna necessário discutir os possíveis fatores do adoecimento psíquico a partir da análise dos determinantes sociais e assim possibilitar uma apreensão sistemática do sofrimento mental O processo saúdedoença e sua determinação sóciohistórica A medicina de Hipócrates iniciada nos séculos V e IV aC valorizava a observação da natureza e explicava a origem das doenças a partir do desequilíbrio entre as forças naturais presentes no interior e no exterior dos indivíduos GAMBA TADINE 2010 PUTTINI PEREIRA JUNIOR OLIVEIRA 2010 Para o pai da Medicina moderna o conceito de saúde era definido como a expressão de um equilíbrio completo do corpo humano Com o avanço tecnológico da Medicina e consequentemente a evolução da complexidade das noções de causalidade urge a necessidade de novas concepções teóricas acerca do tema Influenciada pelos paradigmas cartesianos a ciência médica obteve considerável progresso a partir dos conhecimentos oriundos da Anatomia Humana Nesse contexto a partir do século XIX o modelo biomédico apresentouse na tentativa de compreender os fenômenos da saúde e da doença com bases nas ciências biológicas adotando a ideia de que sempre existe um mecanismo etiopatogênico causador das enfermidades GAMBA TADINE 2010 PUTTINI PEREIRA JUNIOR OLIVEIRA 2010 A partir dessa lógica unicausal a saúde passou a ser definida como a ausência de doença fazendo com que esse modelo se concretizasse de modo predominante na história da Medicina A busca por novos paradigmas em saúde com base na crítica de que os fenômenos epidemiológicos tinham relação com a organização políticosocial da sociedade fez com que a Saúde Coletiva criasse um modelo contrahegemônico SOUSA MACIEL MEDEIROS 2018 TESSER 2006 A criação da Organização Mundial da Saúde OMS no contexto do pós2ª Guerra Mundial permitiu o surgimento do conceito de saúde como um estado de completo bemestar físico mental e social e não a mera ausência de moléstia ou enfermidade OMS 1946 Leavell e Clark 1976 apresentam o modelo da História Natural da Doença a partir da lógica multicausal com um esquema de tríade ecológica agente hospedeiro e meio ambiente Emerge então um novo método de promoção da saúde a partir da prevenção e controle das doenças Apesar de reconhecer múltiplas determinações esse modelo ainda recebeu forte influência do modelo biomédico o que levou a um reducionismo da prática médica dentro da visão preventivista e ao vácuo da pergunta que surgia como utilizar única e exclusivamente o modelo multicausal para o planejamento em saúde sem se erradicar a pobreza e dirimir a exclusão social ou sem cair na ideologia da medicalização da sociedade TESSER 2006 Foi durante a década de 1960 que em paralelo ao progresso tecnológico da ciência médica a Medicina Social se manifesta contrapondo a hegemonia biomédica a partir das críticas apresentadas por diversos intelectuais latinoamericanos PUTTINI PEREIRA JUNIOR OLIVEIRA 2010 VIAPIANA GOMES ALBUQUERQUE 2018 A visão de que a epidemiologia clássica era insuficiente em abordar a saúde como um fenômeno que apresenta raízes na organização social dirigiu o olhar para a necessidade de um novo modelo explicativo a partir da vertente marxista direcionando a uma práxis emancipadora Isso pois o raciocínio epidemiológico tradicional do processo saúdedoença era baseado na ideia de que as enfermidades físicas e psíquicas existentes eram derivadas das respectivas características individuais adotando perfis e padrões típicos de saúde VIAPIANA GOMES ALBUQUERQUE 2018 Para a superação desse cenário a criação de alternativas que abordassem as dimensões do indivíduo e do coletivo no processo saúdedoença viuse necessária No Brasil durante a VII Conferência Nacional de Saúde que ocorreu em 1986 foram discutidos os temas de reformulação do Sistema Único de Saúde SUS financiamento setorial e a saúde como direito Foi adotado então o seguinte conceito de saúde Innocencio 2021 Mosaico Revista Multidisciplinar de Humanidades Vassouras v 12 n 3 p 1622 setdez 2021 18 DOI 1021727rsv12i32781 Em seu sentido mais abrangente a saúde é resultante das condições de alimentação habitação educação renda meio ambiente trabalho emprego lazer liberdade acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde E assim antes de tudo o resultado das formas de organização social da produção as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida BRASIL 1986 Portanto partese do princípio de que o processo saúdedoença não é aleatório e arbitrariamente explicado apenas pela dimensão individual A radicalidade de sua explicação se apresenta nas próprias relações sociais que se organizam de forma a permitir determinados modos de vida e a depender de como esses diferentes modos de vida se articulam são produzidos diferentes perfis epidemiológicos que se alteram no decorrer da história e nas diferentes sociedades e grupos sociais Logo a teoria da determinação social apresenta a urgência de entender o processo saúdedoença como um processo dinâmico determinado pela sociedade e pela organização da produção social da vida em cada momento histórico DIMENSTEIN et al 2017 NOGUEIRA 2010 Apesar disso é importante observar que esse processo também é sempre um processo biopsíquico compreendese que a sua determinação é social mas que ela se concretiza nos próprios indivíduos ao se expressar no corpo e no psiquismo Isso posto devese destacar o contraponto da teoria da determinação social à visão individualista do processo saúdedoença ao mesmo tempo que considera a unidade biopsicossocial como sua base Concluise que o social é portanto determinante do processo saúde doença uma vez que a existência do indivíduo depende das suas interrelações pessoais e para com a sociedade onde a forma como esse processo se dá no indivíduo singular é dependente dos nexos entre a sua consciência produzidos a partir de sua ocupação no mundo Saúde Mental e Sofrimento Psíquico Ao entender o processo saúdedoença como determinado socialmente cabe retomar à ideia de Georges Canguilhem e Caponi 2011 que propõe a relação de limite entre o normal e o patológico Para ele o reducionismo positivista advém da necessidade de um desejo de intervenção que em sua essência se baseia em restaurar o organismo às normas estabelecidas pela cultura Nesse sentido esse limite é relativo a uma determinada sociedade e portanto depende do seu modo de organização e das normas subliminares que a influenciam CANGUILHEM CAPONI 2011 Nesse contexto a saúde seria dada a partir da capacidade de se adaptar às exigências do meio e seguir novas normas de vida De modo geral segundo Canguilhem e Caponi 2011 o sofrimento psíquico é compreendido como uma expressão particular vivida pelos indivíduos como obstruções aos seus modos de viver a vida tais quais são determinados pela necessidade de corresponder a certas exigências e critérios impostos pela sociedade Tais modos de vida são portanto dados pela inserção de cada indivíduo nas classes e grupos sociais em que cada um tem uma capacidade de se apropriar de objetivações humanas para seu desenvolvimento O sofrimento psíquico é vivido como uma estagnação no desenvolvimento dessas pessoas bem como uma iminência de decomposição que concorre com processos que englobam relações de exploração opressão e alienação De forma equivalente Zygmunt Bauman lança um olhar crítico para as transformações sociais e econômicas trazidas pelo capitalismo globalizado BAUMAN 1999 Para ele a quebra do paradigma capitalista industrial para o financeiro mais maleável levou o ser humano a tecer relações também maleáveis e líquidas A liquefação das formas sociais de trabalho família engajamento político amor amizade e identidade produz angústia ansiedade e medo temor do desemprego da violência da nãoprodutividade E fato que a vida produz uma série de processos que afetam a nossa existência mas é qualitativamente diferente do sofrimento psíquico que é produzido por uma privação imposta por determinadas relações sociais de produção que impedem o desenvolvimento adequado dos indivíduos O capitalismo e a alta prevalência dos transtornos mentais na sociedade moderna Previamente à industrialização mecanizada e fabril o homem já dominava formas de laboração praticadas na produção feudal onde o processo produtivo estava sob o controle dos trabalhadores enquanto possuíam o poder de organização e comercialização ROCHA MARQUES 2018 A partir do surgimento de uma complexa divisão social do trabalho foi introduzido o capital na tentativa de resolução das problemáticas de planejamento Ao adentrar no processo de produção capitalista as relações sociais começaram a se alterar à medida que o detentor do poder econômico e financeiro empreende na busca de acumulação e aumento contínuo de riqueza Determinase então uma trajetória de diferentes modelos de gestão do capital A sucessão dos regimes de acumulação capitalista contribuiu para um seguimento das dinâmicas dos processos de trabalho das formas de regulação e do tipo de organização produtiva O modelo fordista prevalente a partir do início do século XX era caracterizado pela produção e pelo consumo em massa em que as principais formas de incapacidade no trabalho estavam Mosaico Revista Multidisciplinar de Humanidades Vassouras v 12 n 3 p 1622 setdez 2021 Innocencio 2021 19 DOI 1021727rsv12i32781 relacionadas aos acidentes nesse contexto na sociedade as doenças infectocontagiosas eram as mais prevalentes MERLO LAPIS 2007 A partir do surgimento de políticas públicas para o controle dessas epidemias como uma forma de responder às necessidades do próprio capital de manutenção da força de trabalho saudável e também como uma resposta à organização dos trabalhadores e às suas reivindicações por melhores condições de vida e de trabalho essas doenças passam a não ser tão expressivas O fordismo encontrouse em profunda crise e em processo de dissolução e aniquilamento a partir da década de 1970 contexto de globalização em que surge o modelo de acumulação flexível TEIXEIRA SOUZA 1985 GOERCK 2009 À essa nova fase de acumulação do capital foram concebidas práticas de expropriação do trabalhador por meio da procura por crescimento do lucro e acumulação de riqueza Baseado na flexibilidade do mercado e do processo de trabalho esse modelo é favorável ao capitalista uma vez que a desarticulação dos sindicatos o aumento do desemprego estrutural o aumento da competição e a grande quantidade de mãodeobra excedente são fatores que deixam os trabalhadores com uma menor capacidade de reação Essa situação acaba permitindo a flexibilização de acordos trabalhistas e ataque aos direitos sociais e do trabalho A partir da mudança no processo produtivo as formas de adoecimento no trabalho também passaram a se transformar Nesse momento prevaleciam as doenças crônicas lesões por esforço repetitivo LER e transtornos mentais pelo aumento da pressão imposta pela lógica do trabalho toyotista MERLO LAPIS 2007 FRANCO DRUCK SELIGMANNSILVA 2010 Diante da impossibilidade de atender às exigências cada vez maiores dos processos de aceleração e pressão do capitalismo ocorre a produção de um maior desgaste de disposição e energia biopsíquica dos indivíduos O neoliberalismo surge aqui como um ideário capaz de oxigenar as formas de acumulação do capitalismo A hegemonia dos ideais neoliberais ocorre a partir dos anos 1970 com a globalização sendo entendida como um processo contemporâneo ancorado nas novas formas de tecnologia e rapidez de informações Assistese a um cenário de concentração e internacionalização do capital de reestruturação e racionalização empresarial de ataques às conquistas dos trabalhadores e de mudanças importantes na estrutura da cadeia produtiva Porém como pontua Safatle Júnior e Dunker 2020 além de atuar como um modelo socioeconômico o neoliberalismo atua como psicologia moral do sofrimento internalizando nos sujeitos práticas de gerenciamento do malestar como individualização da culpa repúdio ao fracasso depressivo meritocracia estados de anomia e mudanças permanentes e estruturação do sujeito empresarial produtivo Acompanhando a ascensão neoliberal a reformulação da terceira edição do Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais DSMIII publicada em 1987 iniciouse um processo de patologização e medicalização da vida em que houve uma grande ampliação dos critérios diagnósticos o que enquadrou muitas pessoas como portadoras de transtornos mentais AMARANTE 2015 Isso fez com que os indivíduos se transformassem em clientes da indústria farmacêutica que consequentemente está inserida na lógica capitalista Cabe analisar que o próprio capitalismo precisa patologizar processos que antes não eram patologizados uma vez que esse sistema necessita de pessoas cada vez mais resistentes às suas demandas Como Karl Marx 2013 p 164 afirma o processo capitalista de produção não é simplesmente produção de mercadorias E processo que absorve trabalho não pago que transforma os meios de produção em meios de extorsão de trabalho não pago Além da base econômica desse sistema funcionar a partir da exploração da força de trabalho ela também funciona a partir da opressão de classe raça e gênero Ao se tratar da distribuição de renda entre os habitantes o Brasil permanece o nono país mais desigual do mundo ALMEIDA 2020 Ao analisar a desigualdade de rendimentos a população preta e parda permaneceu com metade do rendimento per capta observado para a população branca MADEIRO 2019 Ao se tratar de informalidade a população preta ou parda está mais inserida em ocupações informais em todos os estados ao ser comparada à população branca CAMPOS 2020 Em relação aos homens as mulheres estavam em maior proporção no trabalho auxiliar familiar além de compor quase que integralmente o trabalho doméstico sem carteira FILIZZOLA 2020 À vista disso é importante destacar que segundo a OMS o Brasil é o país com maior prevalência de ansiedade no mundo e o quinto mais depressivo sendo o segundo mais depressivo nas Américas MORAES 2020 Ao realizar um recorte encontra se uma prevalência dos transtornos ansiosos de duas a três vezes maior nas mulheres em relação aos homens ALMEIDA et al 2019 ARAÚJO PINHO ALMEIDA 2005 o que se pode relacionar com as formas de exploração capitalista e opressão de gênero que o próprio patriarcado impõe duplas e triplas jornadas de trabalho e altos índices de violência doméstica por exemplo Sintomas de depressão foram vistos mais em mulheres negras 528 do que em mulheres brancas 423 SMOLEN ARAÚJO 2017 o que retrata a opressão racial existente no sistema onde o racismo subalterniza e invisibiliza pessoas e povos não brancos intensificando a produção de sofrimento psíquico ao negar suas subjetividades Os transtornos do humor em geral aparecem com expressiva presença Innocencio 2021 Mosaico Revista Multidisciplinar de Humanidades Vassouras v 12 n 3 p 1622 setdez 2021 20 DOI 1021727rsv12i32781 nas notificações de faxineiras operárias e professoras ALMEIDA et al 2019 configurando as baixas condições de trabalho como psicoestressores Pessoas com baixa renda estão entre as maiores portadoras dos transtornos mentais SILVA SANTANA 2012 sendo possível relacionar o sofrimento psíquico às péssimas condições de habitação ao desemprego e à fome bem como às poucas formas de acesso ao cuidado em saúde Enquanto menos de 1 se beneficia das injustiças do sistema capitalista os 99 restantes tentam acompanhar o ritmo para que consigam permanecer no mercado estando sujeitos à exploração Constata se pois que o sofrimento psíquico está em crescente aumento não apenas por conta do aumento dos critérios diagnósticos mas sim pois a vida continua a piorar Quanto mais se intensifica os processos de exploração mais a classe trabalhadora adoece Isso nos permite analisar que as diferentes formas de adoecimento se dão a partir das diferenças entre os padrões de vida de cada grupo social a depender do ritmo e da forma de execução do próprio trabalho o que nos retoma à teoria de determinação social do processo saúdedoença Atual cenário da Saúde Mental brasileira Historicamente as áreas profissionais da Saúde Mental principalmente a Psiquiatria sempre estiveram ligadas aos interesses da classe dominante e portanto buscavam uma forma de tornar as pessoas mais dóceis e suscetíveis a exploração FOUCAULT 2014 Frantz Fanon 2008 psiquiatra e militante martinicano enfatizava que a saúde mental deve ser contra os processos ideológicos dominantes e ser primordialmente um instrumento de desalienação A partir da redemocratização da sociedade brasileira durante a década de 1970 as políticas de Saúde Mental começaram a ser revistas no país principalmente pela influência do processo da Reforma Psiquiátrica que ocorria no mundo AMARANTE 2007 A experiência basagliana1 colocou a enfermidade entre parênteses e passou a introduzir o sujeito e seu contexto de vida como ponto central Tais perspectivas convergem e se materializam no próprio conceito ampliado de saúde reforçado pela Constituição Federal de 1988 e tem como base teórica o conceito de territorialidade AMARANTE 2007 Nesse sentido os cuidados em saúde mental passaram a ser organizados considerando a perspectiva de território em rede com os Centros de Atenção Psicossocial CAPS se mostrando à frente desse novo modelo Tais centros são considerados excepcionais na organização da rede de assistência em saúde e na reinserção dos indivíduos em sofrimento psíquico na sociedade No entanto essas políticas públicas que vinham propondo formas de cuidado e estratégias de enfrentamento individuais e coletivas ao seu processo de sofrimento vêm sofrendo um sucateamento ao longo dos últimos anos CRUZ GONÇALVES DELGADO 2020 Por trás disso é possível analisar que há o objetivo de financiar os grupos que se beneficiam dessa política Ao final de 2020 mudanças na Política Nacional de Saúde Mental e na Política Nacional de Álcool e outras Drogas foram apresentadas por integrantes do Governo Federal e com o apoio do Ministério da Saúde os representantes defenderam medidas drásticas como a revogação de mais de cem atos normativos que regulam a Saúde Mental desde a década de 1990 em consonância com a Reforma Psiquiátrica AMADO 2020 E importante destacar que todas essas propostas convergem com um documento orientativo da Associação Brasileira de Psiquiatria e outras entidades médicas A centralidade biomédica sobre os demais setores científicos e profissionais é um exemplo de políticas antiquadas que estão sendo defendidas atualmente Enquanto os brasileiros mais necessitam e demandam do SUS em meio a uma das piores crises sanitárias da história a pandemia do novo Coronavírus e ao incremento da prevalência dos transtornos mentais no país o Governo Federal organiza um desmonte dos direitos da população Hoje o Brasil enfrenta a urgente necessidade de fortalecimento das políticas públicas assistenciais e não a descontinuação desses serviços Tudo isso é preocupante tanto do ponto de vista do sofrimento individual uma vez que as pessoas se encontram cada vez mais sem perspectivas de vida e de cuidado em saúde quanto do ponto de vista coletivo em que há um desânimo ao engajamento em projetos de resistência e transformação do próprio sistema que produz esse adoecimento Para Foucault 2006 o despertar ético a partir do cuidado de si para consigo e para com os outros resulta em um sujeito éticopolítico de postura ativa capaz de resistir ao biopoder em prol de uma coletividade Nesse sentido Franco Basaglia 2005 enfatizou que os técnicos da saúde mental devem estar aliados aos projetos de transformação da classe trabalhadora pois é nessa aliança que nossas ações se potencializam uma vez que toda dedicação que a gente dê ainda vai ser insuficiente para transformar as condições que perpetuado pelo Sistema Único de Saúde SUS em que os determinantes sociais do processo saúdedoença passam a ganhar destaque COMISSÃO NACIONAL SOBRE DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE 2008 Emerge então a atenção comunitária apresentando a Rede de Atenção Psicossocial RAPS inserida no Sistema Único de Saúde SUS que Mosaico Revista Multidisciplinar de Humanidades Vassouras v 12 n 3 p 1622 setdez 2021 Innocencio 2021 21 DOI 1021727rsv12i32781 produziram seu adoecimento 1Franco Basaglia psiquiatra italiano é referência mundial na busca pela transformação do modelo de assistência à saúde mental Sua incansável luta contra a violência das instituições totais e em particular do manicômio iniciou nos anos em que trabalhou nos manicômios de Gorizia e Trieste Basaglia visava a destruição de todo o sistema manicomial e não apenas a sua reforma sendo considerado portanto um revolucionário SERAPIONI 2019 Considerações finais A docilização dos corpos vai contra os princípios de autonomia que filosoficamente se entrelaça com liberdade uma vez que por meio da disciplina os mecanismos tornam o indivíduo mais obediente e útil O discurso psiquiátrico hegemônico situa a problemática do sofrimento psíquico apenas nos limites do indivíduo desconectandoo do seu meio sociopolítico o que reforça a ideia do corpo doente que deve ser objeto de controle e intervenção Frente à observação da epidemiologia dos transtornos mentais na sociedade brasileira a partir da visão da teoria da determinação social do processo saúde doença percebese como o sistema socioeconômico vigente impõe enorme influência no sofrimento pessoal e coletivo dada a crescente desigualdade de gênero raça e classe produzida pela exploração O modelo de produção capitalista fundado na alienação do trabalho empobrece a subjetividade e condena o sujeito a uma vida alienada e sem significado E importante então que se desnaturalize o cuidado do corpo como objeto privado das ciências da saúde especialmente da Medicina Entender o social como determinante do adoecimento psíquico é essencial para que se crie políticas efetivas de cuidado em saúde Ao mesmo tempo que isso ocorre muitos profissionais vivem essas contradições no cotidiano e percebem sua impotência na prática observando o quão necessário é abordar outras formas de resistência A piora das condições de vida não nos apresenta outra alternativa senão nos organizar contra essas políticas e principalmente contra o capitalismo O desenvolvimento da utopia ocorrerá portanto a partir da luta contra a opressão em que o desejo consciente de liberdade e emancipação bem como a busca pela saúde física e sobretudo mental abrirá o caminho em direção à sua realização Referências ALMEIDA C Brasil é nono país mais desigual do mundo diz IBGE O Globo Rio de Janeiro nov 2020 Disponível em httpsogloboglobocom economiabrasilnonopaismaisdesigualdomundodizibge24742041 Acesso em 20 mar 2021 ALMEIDA M M C et al Boletim Epidemiológico dos Transtornos Mentais relacionados ao Trabalho Instituto de Saúde Coletiva Bahia abr 2019 Disponível em httpswwwanalisepoliticaemsaudeorgoapsdocumentos noticiasccvisatboltranstmentaisfinal260419 Acesso em 20 mar 2021 AMADO G Governo Bolsonaro revogará portarias e encerrará programas de saúde mental no SUS Revista Época Rio de Janeiro 2020 Disponível em httpsogloboglobocomepocaguilhermeamadogovernobolsonaro revogaraportariasencerraraprogramasdesaudementalnosus1 24782439 Acesso em 20 mar 2021 AMARANTE P Medicalização em psiquiatria 1ª ed Rio de Janeiro Editora 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httpswwwscielobrjrbsoaTsQSX3zBC 8wDt99FryT9nnjlangpt Acesso em 20 mar 2021 Innocencio 2021 Mosaico Revista Multidisciplinar de Humanidades Vassouras v 12 n 3 p 1622 setdez 2021 22 DOI 1021727rsv12i32781 GAMBA MA TADINE ACO Processo SaúdeDoença Mimeografado 2010 GOERCK C Capitalismo e as transformações no Processo de Trabalho Rev Capital Científico Guarapuava v 7 n1 p 1120 2009 Disponível em httpsrevistasunicentrobrindexphpcapitalcientificoarticleview731 Acesso em 20 mar 2021 HIANY N et al Perfil Epidemiológico dos Transtornos Mentais na População Adulta no Brasil uma revisão integrativa Rev Enfermagem Atual Inderme Rio de Janeiro v 86 n 24 2020 Disponível em https revistaenfermagematualcombrindexphprevistaarticleview676 Acesso em 24 mar 2021 LEAVELL H CLARK EG Medicina Preventiva São Paulo McGraw Hill 1976 MADEIRO C Negros são 75 entre os mais pobres brancos 70 entre os mais ricos Revista UOL Fortaleza nov 2019 Disponível em httpsnoticiasuolcombrcotidianoultimasnoticias20191113 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organização Rev de Saúde Coletiva Rio de Janeiro v 20 n 2 p 753767 2010 Disponível em httpswwwscielobrjphysisafGQr7m9LdpmHqh4 fwmhCrpclangpt Acesso em 20 mar 2021 ROCHA M A R S MARQUES D P Os modelos de produção capitalista e a exploração do trabalhador da manufatura ao precariado VI Seminário CETROS UECE Itaperi 2018 Disponível em httpwwwuecebr eventosseminariocetrosanaistrabalhoscompletos4253938611072018 143651pdf Acesso em 22 mar 2021 SAFATLE V SILVA JÚNIOR N DUNKER C Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico Belo Horizonte Autêntica Editora 2020 SANTOS E G SIQUEIRA M M Prevalência dos transtornos mentais na população adulta brasileira uma revisão sistemática de 1997 a 2009 J Bras Psiquiatr Rio de Janeiro v 59 n 3 p 238246 2010 Disponível em httpswwwscielobrjjbpsiqaFNQ5qZjtSdwznsjZzHTH7jSlangpt Acesso em 23 mar 2021 SERAPIONE M Franco Basaglia biografia de um revolucionário Rev História Ciências Saúde Manguinhos Rio de Janeiro v 26 n 4 p 1169 1187 2019 Disponível em 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Disponível em httpswwwscielobrjraea6JVy5 BfzcBL9C64MW5NfQ8Glangpt Acesso em 22 mar 2021 TESSER C D Medicalização social II limites biomédicos e propostas para a clínica na atenção básica Interface Saúde Educação São Paulo v 10 n 20 p 34762 2006 Disponível em httpswwwscielobrjicseaW4 TYpLSPjNRJdfnQVzVhQFFlangpt Acesso em 20 mar 2021 VIAPIANA V N GOMES R M ALBUQUERQUE G S C Adoecimento psíquico na sociedade contemporânea notas conceituais da teoria da determinação social do processo saúde doença Rev Saúde Debate Rio de Janeiro v 42 n 4 p 175186 2018 Disponível em httpswwwscielobrj sdebaY36fDqvZL5Js4nnWpXrYpBblangpt Acesso em 20 mar 2021
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16 Mosaico Revista Multidisciplinar de Humanidades Vassouras v 12 n 3 p 1622 setdez 2021 DOI 1021727rsv12i32781 Afiliação dos autores Universidade de Vassouras Vassouras RJ Brasil Email de correspondência giovannainnocenciohotmailcom Resumo O presente artigo tem como objetivo sistematizar através de uma revisão narrativa da literatura as diferentes teorias que surgiram na tentativa de explicação do processo saúdedoença e tomar como base os determinantes sociais da saúde cujo referencial teórico reconhece a existência de um nexo biopsíquico constituidor dos indivíduos e estabelecido em sociedade para analisar a epidemiologia do sofrimento psíquico na sociedade contemporânea Será destacado como o processo de exploração advindo do modo de produção capitalista e neoliberal correlacionando com as diferenças sociais de classe gênero e raça tem tamanha responsabilidade na alta prevalência dos transtornos mentais na sociedade Mostrase dessa forma como é inegável conceber a dialética entre as ciências médicas e ciências humanas para o adequado desenvolvimento da saúde mental Palavraschave sofrimento psíquico determinantes sociais da saúde transtornos mentais capitalismo Giovanna Innocencio Psychic suffering in capitalist and neoliberal society from the perspective of social determination of the healthdisease process O sofrimento psíquico na sociedade capitalista e neoliberal sob a ótica da determinação social do processo saúdedoença Recebido em 020421 Aceito em 191021 Como citar esse artigo INNOCENCIO G O sofrimento psíquico na sociedade capitalista e neoliberal sob a ótica da determinação social do processo saúdedoença Mosaico Revista Multidisciplinar de Humanidades Vassouras v 12 n 3 p 1622 set dez 2021 Abstract This article aims to systematize through a narrative review of literature the different theories that emerged in an attempt to explain the healthdisease process and to take as a basis the social determinants of health whose theoretical framework recognizes the existence of a biopsychic nexus constituting individuals and established in society to analyze the epidemiology of psychological suffering in contemporary society It will be highlighted how the process of exploitation arising from the capitalist and neoliberal mode of production correlating with the social differences of class gender and race has such a responsibility in the high prevalence of mental disorders in society In this way it is shown how undeniable it is to conceive the dialectic between the medical sciences and the human sciences for the adequate development of mental health Keywords psychological distress social determinants of health mental disorders capitalism Introdução Ao longo da história diversas teorias explicativas surgiram na tentativa de construir significados sobre a relação da estrutura e das funções do corpo com o meio ambiente o que possibilitou a eclosão de diferentes narrativas do processo saúdedoença Nesse sentido numerosos projetos de intervenção foram criados de acordo com as necessidades coletivas de cada sociedade A fim de compreender as formas particulares de sofrimento psíquico na sociedade contemporânea este estudo tomou a teoria da determinação social como base para tal análise Para Breilh 2013 representante da medicina social latinoamericana a produção de doenças ocorre no plano coletivo e portanto não se pode desvincular o estudo do processo saúdedoença do contexto social em que está inserido Nesse sentido a fim de entender os processos pelos quais as relações sociais a história e a cultura subordinam o biológico é essencial investigar os sistemas estruturais de cada sociedade cujas distintas formações sociais apresentam arranjos próprios e características particulares e consequentemente determinados perfis epidemiológicos Seguindo essa lógica é possível correlacionar a alta prevalência dos transtornos mentais na atualidade com o aumento da exploração e opressão advindas do capitalismo sistema que produz desigualdade e impede Nota da Editora Os artigos publicados na Revista Mosaico são de responsabilidade de seus autores As informações neles contidas bem como as opiniões emitidas não representam pontos de vista da Universidade de Vassouras ou de suas Revistas Mosaico Revista Multidisciplinar de Humanidades Vassouras v 12 n 3 p 1622 setdez 2021 Innocencio 2021 17 DOI 1021727rsv12i32781 um objetivo maior de emancipação e qualidade de vida e com o modo de produção neoliberal cuja psicologia moral de produtividade e do ideal empresarial do sujeito produz e gerencia o sofrimento SAFATLE SILVA JUNIOR DUNKER 2020 Como analisado por Bauman 1999 o desenvolvimento do capitalismo e a égide da ordem e do controle geraram a construção de um modo de vida atravessado por diferentes instituições sociais que regulam as formas de existência dos indivíduos Para tanto tornase fundamental compreender como as condições impostas aos indivíduos interferem em seus meios de vivência e atentar para que não haja culpabilidade do sujeito quanto ao sofrimento que lhe é causado devido a falha do sistema em promover dignidade humana De forma isolada a área da saúde não consegue proporcionar vitalidade física e psíquica aos indivíduos é necessário o empenho de parte significativa da sociedade para que seja assegurada a qualidade de vida ideal aos sujeitos A consideração dos processos históricos como um dos geradores das problemáticas existentes acerca da saúde coletiva formalizando a existência da interface entre as ciências naturais e as ciências humanas é de extrema importância para o estabelecimento adequado da saúde mental À vista disso partimos do pressuposto de que o reducionismo científico dificulta tal dialética o que torna necessário discutir os possíveis fatores do adoecimento psíquico a partir da análise dos determinantes sociais e assim possibilitar uma apreensão sistemática do sofrimento mental O processo saúdedoença e sua determinação sóciohistórica A medicina de Hipócrates iniciada nos séculos V e IV aC valorizava a observação da natureza e explicava a origem das doenças a partir do desequilíbrio entre as forças naturais presentes no interior e no exterior dos indivíduos GAMBA TADINE 2010 PUTTINI PEREIRA JUNIOR OLIVEIRA 2010 Para o pai da Medicina moderna o conceito de saúde era definido como a expressão de um equilíbrio completo do corpo humano Com o avanço tecnológico da Medicina e consequentemente a evolução da complexidade das noções de causalidade urge a necessidade de novas concepções teóricas acerca do tema Influenciada pelos paradigmas cartesianos a ciência médica obteve considerável progresso a partir dos conhecimentos oriundos da Anatomia Humana Nesse contexto a partir do século XIX o modelo biomédico apresentouse na tentativa de compreender os fenômenos da saúde e da doença com bases nas ciências biológicas adotando a ideia de que sempre existe um mecanismo etiopatogênico causador das enfermidades GAMBA TADINE 2010 PUTTINI PEREIRA JUNIOR OLIVEIRA 2010 A partir dessa lógica unicausal a saúde passou a ser definida como a ausência de doença fazendo com que esse modelo se concretizasse de modo predominante na história da Medicina A busca por novos paradigmas em saúde com base na crítica de que os fenômenos epidemiológicos tinham relação com a organização políticosocial da sociedade fez com que a Saúde Coletiva criasse um modelo contrahegemônico SOUSA MACIEL MEDEIROS 2018 TESSER 2006 A criação da Organização Mundial da Saúde OMS no contexto do pós2ª Guerra Mundial permitiu o surgimento do conceito de saúde como um estado de completo bemestar físico mental e social e não a mera ausência de moléstia ou enfermidade OMS 1946 Leavell e Clark 1976 apresentam o modelo da História Natural da Doença a partir da lógica multicausal com um esquema de tríade ecológica agente hospedeiro e meio ambiente Emerge então um novo método de promoção da saúde a partir da prevenção e controle das doenças Apesar de reconhecer múltiplas determinações esse modelo ainda recebeu forte influência do modelo biomédico o que levou a um reducionismo da prática médica dentro da visão preventivista e ao vácuo da pergunta que surgia como utilizar única e exclusivamente o modelo multicausal para o planejamento em saúde sem se erradicar a pobreza e dirimir a exclusão social ou sem cair na ideologia da medicalização da sociedade TESSER 2006 Foi durante a década de 1960 que em paralelo ao progresso tecnológico da ciência médica a Medicina Social se manifesta contrapondo a hegemonia biomédica a partir das críticas apresentadas por diversos intelectuais latinoamericanos PUTTINI PEREIRA JUNIOR OLIVEIRA 2010 VIAPIANA GOMES ALBUQUERQUE 2018 A visão de que a epidemiologia clássica era insuficiente em abordar a saúde como um fenômeno que apresenta raízes na organização social dirigiu o olhar para a necessidade de um novo modelo explicativo a partir da vertente marxista direcionando a uma práxis emancipadora Isso pois o raciocínio epidemiológico tradicional do processo saúdedoença era baseado na ideia de que as enfermidades físicas e psíquicas existentes eram derivadas das respectivas características individuais adotando perfis e padrões típicos de saúde VIAPIANA GOMES ALBUQUERQUE 2018 Para a superação desse cenário a criação de alternativas que abordassem as dimensões do indivíduo e do coletivo no processo saúdedoença viuse necessária No Brasil durante a VII Conferência Nacional de Saúde que ocorreu em 1986 foram discutidos os temas de reformulação do Sistema Único de Saúde SUS financiamento setorial e a saúde como direito Foi adotado então o seguinte conceito de saúde Innocencio 2021 Mosaico Revista Multidisciplinar de Humanidades Vassouras v 12 n 3 p 1622 setdez 2021 18 DOI 1021727rsv12i32781 Em seu sentido mais abrangente a saúde é resultante das condições de alimentação habitação educação renda meio ambiente trabalho emprego lazer liberdade acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde E assim antes de tudo o resultado das formas de organização social da produção as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida BRASIL 1986 Portanto partese do princípio de que o processo saúdedoença não é aleatório e arbitrariamente explicado apenas pela dimensão individual A radicalidade de sua explicação se apresenta nas próprias relações sociais que se organizam de forma a permitir determinados modos de vida e a depender de como esses diferentes modos de vida se articulam são produzidos diferentes perfis epidemiológicos que se alteram no decorrer da história e nas diferentes sociedades e grupos sociais Logo a teoria da determinação social apresenta a urgência de entender o processo saúdedoença como um processo dinâmico determinado pela sociedade e pela organização da produção social da vida em cada momento histórico DIMENSTEIN et al 2017 NOGUEIRA 2010 Apesar disso é importante observar que esse processo também é sempre um processo biopsíquico compreendese que a sua determinação é social mas que ela se concretiza nos próprios indivíduos ao se expressar no corpo e no psiquismo Isso posto devese destacar o contraponto da teoria da determinação social à visão individualista do processo saúdedoença ao mesmo tempo que considera a unidade biopsicossocial como sua base Concluise que o social é portanto determinante do processo saúde doença uma vez que a existência do indivíduo depende das suas interrelações pessoais e para com a sociedade onde a forma como esse processo se dá no indivíduo singular é dependente dos nexos entre a sua consciência produzidos a partir de sua ocupação no mundo Saúde Mental e Sofrimento Psíquico Ao entender o processo saúdedoença como determinado socialmente cabe retomar à ideia de Georges Canguilhem e Caponi 2011 que propõe a relação de limite entre o normal e o patológico Para ele o reducionismo positivista advém da necessidade de um desejo de intervenção que em sua essência se baseia em restaurar o organismo às normas estabelecidas pela cultura Nesse sentido esse limite é relativo a uma determinada sociedade e portanto depende do seu modo de organização e das normas subliminares que a influenciam CANGUILHEM CAPONI 2011 Nesse contexto a saúde seria dada a partir da capacidade de se adaptar às exigências do meio e seguir novas normas de vida De modo geral segundo Canguilhem e Caponi 2011 o sofrimento psíquico é compreendido como uma expressão particular vivida pelos indivíduos como obstruções aos seus modos de viver a vida tais quais são determinados pela necessidade de corresponder a certas exigências e critérios impostos pela sociedade Tais modos de vida são portanto dados pela inserção de cada indivíduo nas classes e grupos sociais em que cada um tem uma capacidade de se apropriar de objetivações humanas para seu desenvolvimento O sofrimento psíquico é vivido como uma estagnação no desenvolvimento dessas pessoas bem como uma iminência de decomposição que concorre com processos que englobam relações de exploração opressão e alienação De forma equivalente Zygmunt Bauman lança um olhar crítico para as transformações sociais e econômicas trazidas pelo capitalismo globalizado BAUMAN 1999 Para ele a quebra do paradigma capitalista industrial para o financeiro mais maleável levou o ser humano a tecer relações também maleáveis e líquidas A liquefação das formas sociais de trabalho família engajamento político amor amizade e identidade produz angústia ansiedade e medo temor do desemprego da violência da nãoprodutividade E fato que a vida produz uma série de processos que afetam a nossa existência mas é qualitativamente diferente do sofrimento psíquico que é produzido por uma privação imposta por determinadas relações sociais de produção que impedem o desenvolvimento adequado dos indivíduos O capitalismo e a alta prevalência dos transtornos mentais na sociedade moderna Previamente à industrialização mecanizada e fabril o homem já dominava formas de laboração praticadas na produção feudal onde o processo produtivo estava sob o controle dos trabalhadores enquanto possuíam o poder de organização e comercialização ROCHA MARQUES 2018 A partir do surgimento de uma complexa divisão social do trabalho foi introduzido o capital na tentativa de resolução das problemáticas de planejamento Ao adentrar no processo de produção capitalista as relações sociais começaram a se alterar à medida que o detentor do poder econômico e financeiro empreende na busca de acumulação e aumento contínuo de riqueza Determinase então uma trajetória de diferentes modelos de gestão do capital A sucessão dos regimes de acumulação capitalista contribuiu para um seguimento das dinâmicas dos processos de trabalho das formas de regulação e do tipo de organização produtiva O modelo fordista prevalente a partir do início do século XX era caracterizado pela produção e pelo consumo em massa em que as principais formas de incapacidade no trabalho estavam Mosaico Revista Multidisciplinar de Humanidades Vassouras v 12 n 3 p 1622 setdez 2021 Innocencio 2021 19 DOI 1021727rsv12i32781 relacionadas aos acidentes nesse contexto na sociedade as doenças infectocontagiosas eram as mais prevalentes MERLO LAPIS 2007 A partir do surgimento de políticas públicas para o controle dessas epidemias como uma forma de responder às necessidades do próprio capital de manutenção da força de trabalho saudável e também como uma resposta à organização dos trabalhadores e às suas reivindicações por melhores condições de vida e de trabalho essas doenças passam a não ser tão expressivas O fordismo encontrouse em profunda crise e em processo de dissolução e aniquilamento a partir da década de 1970 contexto de globalização em que surge o modelo de acumulação flexível TEIXEIRA SOUZA 1985 GOERCK 2009 À essa nova fase de acumulação do capital foram concebidas práticas de expropriação do trabalhador por meio da procura por crescimento do lucro e acumulação de riqueza Baseado na flexibilidade do mercado e do processo de trabalho esse modelo é favorável ao capitalista uma vez que a desarticulação dos sindicatos o aumento do desemprego estrutural o aumento da competição e a grande quantidade de mãodeobra excedente são fatores que deixam os trabalhadores com uma menor capacidade de reação Essa situação acaba permitindo a flexibilização de acordos trabalhistas e ataque aos direitos sociais e do trabalho A partir da mudança no processo produtivo as formas de adoecimento no trabalho também passaram a se transformar Nesse momento prevaleciam as doenças crônicas lesões por esforço repetitivo LER e transtornos mentais pelo aumento da pressão imposta pela lógica do trabalho toyotista MERLO LAPIS 2007 FRANCO DRUCK SELIGMANNSILVA 2010 Diante da impossibilidade de atender às exigências cada vez maiores dos processos de aceleração e pressão do capitalismo ocorre a produção de um maior desgaste de disposição e energia biopsíquica dos indivíduos O neoliberalismo surge aqui como um ideário capaz de oxigenar as formas de acumulação do capitalismo A hegemonia dos ideais neoliberais ocorre a partir dos anos 1970 com a globalização sendo entendida como um processo contemporâneo ancorado nas novas formas de tecnologia e rapidez de informações Assistese a um cenário de concentração e internacionalização do capital de reestruturação e racionalização empresarial de ataques às conquistas dos trabalhadores e de mudanças importantes na estrutura da cadeia produtiva Porém como pontua Safatle Júnior e Dunker 2020 além de atuar como um modelo socioeconômico o neoliberalismo atua como psicologia moral do sofrimento internalizando nos sujeitos práticas de gerenciamento do malestar como individualização da culpa repúdio ao fracasso depressivo meritocracia estados de anomia e mudanças permanentes e estruturação do sujeito empresarial produtivo Acompanhando a ascensão neoliberal a reformulação da terceira edição do Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais DSMIII publicada em 1987 iniciouse um processo de patologização e medicalização da vida em que houve uma grande ampliação dos critérios diagnósticos o que enquadrou muitas pessoas como portadoras de transtornos mentais AMARANTE 2015 Isso fez com que os indivíduos se transformassem em clientes da indústria farmacêutica que consequentemente está inserida na lógica capitalista Cabe analisar que o próprio capitalismo precisa patologizar processos que antes não eram patologizados uma vez que esse sistema necessita de pessoas cada vez mais resistentes às suas demandas Como Karl Marx 2013 p 164 afirma o processo capitalista de produção não é simplesmente produção de mercadorias E processo que absorve trabalho não pago que transforma os meios de produção em meios de extorsão de trabalho não pago Além da base econômica desse sistema funcionar a partir da exploração da força de trabalho ela também funciona a partir da opressão de classe raça e gênero Ao se tratar da distribuição de renda entre os habitantes o Brasil permanece o nono país mais desigual do mundo ALMEIDA 2020 Ao analisar a desigualdade de rendimentos a população preta e parda permaneceu com metade do rendimento per capta observado para a população branca MADEIRO 2019 Ao se tratar de informalidade a população preta ou parda está mais inserida em ocupações informais em todos os estados ao ser comparada à população branca CAMPOS 2020 Em relação aos homens as mulheres estavam em maior proporção no trabalho auxiliar familiar além de compor quase que integralmente o trabalho doméstico sem carteira FILIZZOLA 2020 À vista disso é importante destacar que segundo a OMS o Brasil é o país com maior prevalência de ansiedade no mundo e o quinto mais depressivo sendo o segundo mais depressivo nas Américas MORAES 2020 Ao realizar um recorte encontra se uma prevalência dos transtornos ansiosos de duas a três vezes maior nas mulheres em relação aos homens ALMEIDA et al 2019 ARAÚJO PINHO ALMEIDA 2005 o que se pode relacionar com as formas de exploração capitalista e opressão de gênero que o próprio patriarcado impõe duplas e triplas jornadas de trabalho e altos índices de violência doméstica por exemplo Sintomas de depressão foram vistos mais em mulheres negras 528 do que em mulheres brancas 423 SMOLEN ARAÚJO 2017 o que retrata a opressão racial existente no sistema onde o racismo subalterniza e invisibiliza pessoas e povos não brancos intensificando a produção de sofrimento psíquico ao negar suas subjetividades Os transtornos do humor em geral aparecem com expressiva presença Innocencio 2021 Mosaico Revista Multidisciplinar de Humanidades Vassouras v 12 n 3 p 1622 setdez 2021 20 DOI 1021727rsv12i32781 nas notificações de faxineiras operárias e professoras ALMEIDA et al 2019 configurando as baixas condições de trabalho como psicoestressores Pessoas com baixa renda estão entre as maiores portadoras dos transtornos mentais SILVA SANTANA 2012 sendo possível relacionar o sofrimento psíquico às péssimas condições de habitação ao desemprego e à fome bem como às poucas formas de acesso ao cuidado em saúde Enquanto menos de 1 se beneficia das injustiças do sistema capitalista os 99 restantes tentam acompanhar o ritmo para que consigam permanecer no mercado estando sujeitos à exploração Constata se pois que o sofrimento psíquico está em crescente aumento não apenas por conta do aumento dos critérios diagnósticos mas sim pois a vida continua a piorar Quanto mais se intensifica os processos de exploração mais a classe trabalhadora adoece Isso nos permite analisar que as diferentes formas de adoecimento se dão a partir das diferenças entre os padrões de vida de cada grupo social a depender do ritmo e da forma de execução do próprio trabalho o que nos retoma à teoria de determinação social do processo saúdedoença Atual cenário da Saúde Mental brasileira Historicamente as áreas profissionais da Saúde Mental principalmente a Psiquiatria sempre estiveram ligadas aos interesses da classe dominante e portanto buscavam uma forma de tornar as pessoas mais dóceis e suscetíveis a exploração FOUCAULT 2014 Frantz Fanon 2008 psiquiatra e militante martinicano enfatizava que a saúde mental deve ser contra os processos ideológicos dominantes e ser primordialmente um instrumento de desalienação A partir da redemocratização da sociedade brasileira durante a década de 1970 as políticas de Saúde Mental começaram a ser revistas no país principalmente pela influência do processo da Reforma Psiquiátrica que ocorria no mundo AMARANTE 2007 A experiência basagliana1 colocou a enfermidade entre parênteses e passou a introduzir o sujeito e seu contexto de vida como ponto central Tais perspectivas convergem e se materializam no próprio conceito ampliado de saúde reforçado pela Constituição Federal de 1988 e tem como base teórica o conceito de territorialidade AMARANTE 2007 Nesse sentido os cuidados em saúde mental passaram a ser organizados considerando a perspectiva de território em rede com os Centros de Atenção Psicossocial CAPS se mostrando à frente desse novo modelo Tais centros são considerados excepcionais na organização da rede de assistência em saúde e na reinserção dos indivíduos em sofrimento psíquico na sociedade No entanto essas políticas públicas que vinham propondo formas de cuidado e estratégias de enfrentamento individuais e coletivas ao seu processo de sofrimento vêm sofrendo um sucateamento ao longo dos últimos anos CRUZ GONÇALVES DELGADO 2020 Por trás disso é possível analisar que há o objetivo de financiar os grupos que se beneficiam dessa política Ao final de 2020 mudanças na Política Nacional de Saúde Mental e na Política Nacional de Álcool e outras Drogas foram apresentadas por integrantes do Governo Federal e com o apoio do Ministério da Saúde os representantes defenderam medidas drásticas como a revogação de mais de cem atos normativos que regulam a Saúde Mental desde a década de 1990 em consonância com a Reforma Psiquiátrica AMADO 2020 E importante destacar que todas essas propostas convergem com um documento orientativo da Associação Brasileira de Psiquiatria e outras entidades médicas A centralidade biomédica sobre os demais setores científicos e profissionais é um exemplo de políticas antiquadas que estão sendo defendidas atualmente Enquanto os brasileiros mais necessitam e demandam do SUS em meio a uma das piores crises sanitárias da história a pandemia do novo Coronavírus e ao incremento da prevalência dos transtornos mentais no país o Governo Federal organiza um desmonte dos direitos da população Hoje o Brasil enfrenta a urgente necessidade de fortalecimento das políticas públicas assistenciais e não a descontinuação desses serviços Tudo isso é preocupante tanto do ponto de vista do sofrimento individual uma vez que as pessoas se encontram cada vez mais sem perspectivas de vida e de cuidado em saúde quanto do ponto de vista coletivo em que há um desânimo ao engajamento em projetos de resistência e transformação do próprio sistema que produz esse adoecimento Para Foucault 2006 o despertar ético a partir do cuidado de si para consigo e para com os outros resulta em um sujeito éticopolítico de postura ativa capaz de resistir ao biopoder em prol de uma coletividade Nesse sentido Franco Basaglia 2005 enfatizou que os técnicos da saúde mental devem estar aliados aos projetos de transformação da classe trabalhadora pois é nessa aliança que nossas ações se potencializam uma vez que toda dedicação que a gente dê ainda vai ser insuficiente para transformar as condições que perpetuado pelo Sistema Único de Saúde SUS em que os determinantes sociais do processo saúdedoença passam a ganhar destaque COMISSÃO NACIONAL SOBRE DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE 2008 Emerge então a atenção comunitária apresentando a Rede de Atenção Psicossocial RAPS inserida no Sistema Único de Saúde SUS que Mosaico Revista Multidisciplinar de Humanidades Vassouras v 12 n 3 p 1622 setdez 2021 Innocencio 2021 21 DOI 1021727rsv12i32781 produziram seu adoecimento 1Franco Basaglia psiquiatra italiano é referência mundial na busca pela transformação do modelo de assistência à saúde mental Sua incansável luta contra a violência das instituições totais e em particular do manicômio iniciou nos anos em que trabalhou nos manicômios de Gorizia e Trieste Basaglia visava a destruição de todo o sistema manicomial e não apenas a sua reforma sendo considerado portanto um revolucionário SERAPIONI 2019 Considerações finais A docilização dos corpos vai contra os princípios de autonomia que filosoficamente se entrelaça com liberdade uma vez que por meio da disciplina os mecanismos tornam o indivíduo mais obediente e útil O discurso psiquiátrico hegemônico situa a problemática do sofrimento psíquico apenas nos limites do indivíduo desconectandoo do seu meio sociopolítico o que reforça a ideia do corpo doente que deve ser objeto de controle e intervenção Frente à observação da epidemiologia dos transtornos mentais na sociedade brasileira a partir da visão da teoria da determinação social do processo saúde doença percebese como o sistema socioeconômico vigente impõe enorme influência no sofrimento pessoal e coletivo dada a crescente desigualdade de gênero raça e classe produzida pela exploração O modelo de produção capitalista fundado na alienação do trabalho empobrece a subjetividade e condena o sujeito a uma vida alienada e sem significado E importante então que se desnaturalize o cuidado do corpo como objeto privado das ciências da saúde especialmente da Medicina Entender o social como determinante do adoecimento psíquico é essencial para que se crie políticas efetivas de cuidado em saúde Ao mesmo tempo que isso ocorre muitos profissionais vivem essas contradições no cotidiano e percebem sua impotência na prática observando o quão necessário é abordar outras formas de resistência A piora das condições de vida não nos apresenta outra alternativa senão nos organizar contra essas políticas e principalmente contra o capitalismo O desenvolvimento da utopia ocorrerá portanto a partir da luta contra a opressão em que o desejo consciente de liberdade e emancipação bem como a busca pela saúde física e sobretudo mental abrirá o caminho em direção à sua realização Referências ALMEIDA C Brasil é nono país mais desigual do mundo diz IBGE O Globo Rio de Janeiro nov 2020 Disponível em httpsogloboglobocom economiabrasilnonopaismaisdesigualdomundodizibge24742041 Acesso em 20 mar 2021 ALMEIDA M M C et al Boletim Epidemiológico dos Transtornos Mentais relacionados ao Trabalho Instituto de Saúde Coletiva Bahia abr 2019 Disponível em httpswwwanalisepoliticaemsaudeorgoapsdocumentos noticiasccvisatboltranstmentaisfinal260419 Acesso em 20 mar 2021 AMADO G Governo Bolsonaro revogará portarias e encerrará programas de saúde mental no SUS Revista Época Rio de Janeiro 2020 Disponível em httpsogloboglobocomepocaguilhermeamadogovernobolsonaro revogaraportariasencerraraprogramasdesaudementalnosus1 24782439 Acesso em 20 mar 2021 AMARANTE P Medicalização em psiquiatria 1ª ed Rio de Janeiro Editora 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